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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAO SOCIAL
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO SOCIAL
LETCIA CORRA PIRES
SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS
NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO
SAUDVEL
Porto Alegre 2014
LETCIA CORRA PIRES
SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS
NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO
SAUDVEL
Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker
Porto Alegre 2014
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
P667a Pires, Letcia Corra
Sites de empresas que comercializam produtos naturais: apropriaes possveis sobre alimentao saudvel / Letcia Corra Pires
193 f. Diss. (Mestrado) FAMECOS, PUCRS. Orientao: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker.
1. Comunicao Social. 2. Sade. 3. Comunicao Digital.
4. Hbito Alimentar. 5. Internet. 6. Mdia Digital. I. Scroferneker, Cleusa Maria Andrade. II. Ttulo.
CDD 301.243
Ficha Catalogrfica elaborada por Vanessa Pinent
CRB 10/1297
LETCIA CORRA PIRES
SITES DE EMPRESAS QUE COMERCIALIZAM PRODUTOS
NATURAIS: APROPRIAES POSSVEIS SOBRE ALIMENTAO
SAUDVEL
Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre pelo Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Comunicao Social da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em: 19 de agosto de 2014.
BANCA EXAMINADORA:
________________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker PUCRS
________________________________________________________ Prof. Dr. Roberto Ramos PUCRS
________________________________________________________ Profa. Dra. Maringela Machado Toaldo UFRGS
Porto Alegre 2014
Dedico esta Dissertao aos meus familiares, que estiveram comigo nesta
rdua aventura desde o momento em que ainda era sonho, me envolvendo
numa grande rede de apoio e compreenso, para que eu pudesse buscar
esta redescoberta na vida profissional.
AGRADECIMENTOS
Agradeo aos meus pais, Ana Maria e Raul, pelo grande amor, apoio e
confiana em todos os momentos dessa trajetria. Sempre acompanhando de perto
e trazendo motivao nas horas difceis, foram meus parceiros essenciais desde os
primeiros passos.
Ao meu esposo, Ianiv, pela enorme generosidade, pacincia e amor. Sem
este companheiro, meu exemplo de persistncia, eu poderia ter ficado pelo caminho.
Seus conselhos nas horas de cansao me estimularam a retomar a batalha,
mostrando a importncia de dar um passo de cada vez, sem o trao do
perfeccionismo, mas com muita honestidade e adequao.
Aos meus sogros, Helene e Jacques, por seus constantes estmulos positivos
e imenso carinho nestes anos.
s minhas amizades, que souberam entender minhas ausncias, sempre
torcendo para que eu vencesse cada etapa do trabalho da melhor forma, podendo
retornar ao convvio aps o dever cumprido.
minha orientadora, Profa. Dra. Cleusa Maria Andrade Scroferneker, por ter
me aceito como orientanda, mesmo com minhas limitaes e indefinies, dando-me
um exemplo de competncia e importantes lies sobre a arte de dissertar. Sua
pacincia e generosidade foram fundamentais para este trabalho entrar nos trilhos,
sempre com o objetivo de construir um contedo relevante.
Aos professores e colegas do PPGCOM/PUCRS, que enriqueceram minha
vida, tanto pessoal quanto acadmica.
Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
(FAPERGS) pelo apoio fundamental por meio da bolsa de pesquisa de Mestrado.
Agradeo, por fim, a seres que no so humanos, mas que so parte
essencial de mim: meus quatro filhos caninos, que entendem cada olhar meu e
esto sempre ao meu lado, enchendo minha vida de muito amor e alegria.
A cincia uma aventura hipottica e probabilstica. O fluxo contnuo. Sempre se recomea. Errar fundamental. Correr riscos uma obrigao. O nico erro inaceitvel no correr riscos por excesso de zelo metodolgico ou de respeito s normas. O mais importante, ao final de uma pesquisa, no saber que mtodo foi usado, mas o que foi des(en)coberto. (SILVA, 2010)
RESUMO
O campo Comunicao e Sade o tema desse estudo. Para o desenvolvimento
da pesquisa foram selecionados os sites das organizaes Mundo Verde e Ponto Natural,
tendo como objetivos evidenciar como essas empresas relacionam as sugestes de
consumo de alimentos presentes nas subsees de seus sites denominadas Dicas com
a sade e a preveno/tratamento de doenas e investigar os pontos congruentes e
divergentes entre as recomendaes feitas pelas empresas e as descritas no Guia
Alimentar para a Populao Brasileira 2014. Em relao ao Mtodo, elegeu-se a
Hermenutica de Profundidade, tendo como procedimentos metodolgicos a pesquisa
exploratria, o levantamento bibliogrfico e estudos de casos. As anlises apontaram a
prevalncia de sugestes que relacionam os alimentos a peso/emagrecimento,
preveno/tratamento de doenas e a nutrientes nos textos das empresas.
Palavras-chave: Comunicao. Comunicao Digital. Sade. Alimentao Saudvel. Sites.
ABSTRACT
The Communication and Health field is the theme of this study. In order to
develop the research, the Mundo Verde and Ponto Natural company websites were
selected, with the objective to show how these companies relate the suggestions of
food consumption in subsections called "Tips" to health and the prevention /
treatment of diseases and investigate the congruent and divergent points between
the recommendations made by the companies and those described in the Food
Guide for the Brazilian Population 2014. Regarding the method, we elected to Depth
Hermeneutics, with the methodological procedures of exploratory research,
bibliographic and case studies. The analyzes showed the prevalence of suggestions
that relate food to weight loss, to prevention / treatment of disease and to nutrients in
the texts of the companies.
Key-words: Communication. Digital Communication. Health. Healthy Feed. Websites.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Formas de Investigao Hermenutica ............................................... 22
Quadro 2 - Caractersticas tpicas dos contextos sociais ...................................... 23
Quadro 3 - Interfaces do Campo Comunicao e Sade ...................................... 50
Quadro 4 - O que orgnico significa? .................................................................... 63
Quadro 5 - Princpios ticos CREMESP ............................................................... 71
Quadro 6 - Diferentes dimenses da comunicao ............................................... 74
Quadro 7 - Tipos de Interao para Thompson ..................................................... 83
Quadro 8 - Simbologia das Cores ......................................................................... 91
Quadro 9 - Mundo Verde em nmeros .................................................................. 93
Quadro 10 - Textos selecionados para a Anlise ................................................ 114
Quadro 11 - Sntese dos Dez passos para uma alimentao saudvel ............... 115
Quadro 12 - Resultados da anlise dos principais sentidos sobre sade nos textos das Dicas .............................................................................. 115
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Matriz de Anlise quanto aos pontos congruentes e divergentes entre dicas dos sites e passos para uma alimentao saudvel do Guia Alimentar para a Populao Brasileira ................................................... 25
Figura 2 - Caractersticas e exemplos de produtos prontos para consumo processados ou ultraprocessados ............................................................ 57
Figura 3 - Proporo de empresas que possuem website ..................................... 87
Figura 4 - Capa da Revista Mundo Verde ............................................................. 96
Figura 5 - Rodap da pgina inicial do site Mundo Verde, descrio dos submenus ... 97
Figura 6 - Pgina inicial do site Mundo Verde ....................................................... 98
Figura 7 - Imagem do Facebook da Ponto Natural com convite para degustao .....102
Figura 8 - Home do site Ponto Natural ................................................................ 104
Figura 9 - Sees do site Ponto Natural .............................................................. 105
Figura 10 Perfil de consumo de alimentos no Brasil..........................................108
Figura 11 Principais fatores considerados na deciso de compra.....................110
Figura 12 Principais aspectos para a experimentao de novo produto............112
Figura 13 Nvel de conhecimento sobre termos apresentados..........................112
Figura 14 Autocrtica dos consumidores sobre seu peso...................................113
Figura 15 Informaes mais procuradas nos rtulos.........................................113
SUMRIO
1 INTRODUO ........................................................................................... 12
2 MTODOS E PROCEDIMENTOS .............................................................. 18
2.1 HERMENUTICA: UM PARADIGMA INTERPRETATIVO .......................... 18
2.2 O REFERENCIAL DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE ................. 21
2.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 27
3 COMUNICAO E SADE ....................................................................... 29
3.1 A COMUNICAO ..................................................................................... 32
3.2 A SADE ................................................................................................... 41
3.3 O CAMPO COMUNICAO E SADE ...................................................... 46
3.4 SADE E ALIMENTAO ......................................................................... 51
3.5 QUALIDADE DA INFORMAO EM SADE ............................................. 64
4 COMUNICAO DIGITAL ......................................................................... 73
4.1 A INTERATIVIDADE NO MEIO DIGITAL .................................................... 82
4.2 SITES E A EXPERINCIA DO USURIO .................................................. 87
5 AS EMPRESAS DE PRODUTOS NATURAIS ............................................. 92
5.1 MUNDO VERDE ......................................................................................... 92
5.1.1 O Site da Empresa Mundo Verde ............................................................. 97
5.2 PONTO NATURAL ..................................................................................... 99
5.2.1 O Site da Empresa Ponto Natural .......................................................... 103
5.3 O CONTEXTO DO PBLICO CONSUMIDOR .......................................... 106
6 ANLISE DOS SITES E INTERPRETAO/REINTERPRETAO ....... 114
6.1 ANLISE .................................................................................................. 114
6.2 REINTERPRETAO .............................................................................. 127
7 CONSIDERAES .................................................................................. 135
REFERNCIAS ........................................................................................ 140
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11
ANEXO A - Dez passos para uma alimentao saudvel, extrado do Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014 ............... 150
ANEXO B - Os Seis Princpios do Guia Alimentar .................................... 152
ANEXO C - Polticas para orientar a alimentao, extradas do livro Em Defesa da Comida um manifesto (2008), de Michael Pollan 153
ANEXO D - Textos com opinies dos clientes sobre a Mundo Verde e Ponto Natural ........................................................................ 158
ANEXO E - Dicas da Nutricionista Mundo Verde ...................................... 166
ANEXO F - Dicas da Ponto Natural .......................................................... 177
ANEXO G - Sntese sobre as principais informaes ligadas sade nas Dicas Mundo Verde e Ponto Natural .............................. 184
12
1 INTRODUO
No Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicao (Intercom) de 2013, no Grupo de Pesquisa Comunicao, Cincia,
Meio Ambiente e Sociedade, sete trabalhos apresentados tinham, dentre suas
palavras-chave, a sade.
Em 2012, a Organicom1 (Revista Brasileira de Comunicao Organizacional e
Relaes Pblicas) publicou uma edio especial sobre Comunicao e Sade
com 17 artigos, destacando o dilogo entre a sade e a comunicao, vistas como
reas extremamente vinculadas e intrnsecas (FERRARI, 2012, p. 12). A maior
parte dos trabalhos abordava a comunicao a servio de temas de sade ou
tratava da comunicao na funo de promotora da sade ou na humanizao do
atendimento em sade.
No mesmo ano, o congresso da Associao Latino-Americana de
Investigadores da Comunicao (ALAIC), em seu grupo temtico Comunicao e
Sade, contou com a apresentao de mais de 50 trabalhos a maioria sobre a
comunicao da sade, estudos de caso sobre vises de temas de sade pblica na
mdia, comunicao e promoo da sade.
Esse breve panorama ilustra a relevncia e a atualidade da conexo de
comunicao e sade em alguns dos principais fruns de discusso dos
pesquisadores em Comunicao. Assim, na presente dissertao, elegeu-se este
tema Comunicao e Sade, dando tambm continuidade a uma trajetria
profissional2. A opo por Comunicao e [grifo nosso] Sade embasada em
Arajo e Cardoso (2009, 2013), que a concebem como campos de estudo com
1 Organicom uma publicao semestral produzida pelo Programa de Ps-Graduao em Cincias da Comunicao (PPGCom) da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo (ECA-USP), por meio do Curso de Ps-Graduao Lato Sensu de Gesto Estratgica em Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas (Gestcorp), em conjunto com a Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organizacional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp).
2 Desde 2004, recm-graduada em Jornalismo, a autora atua como assessora de comunicao. Naquele ano, exerceu essa atividade no Hospital Moinhos de Vento (Porto Alegre/Rio Grande do Sul). Logo depois, abriu empresa prpria, e, por mais de oito anos, prestou servios para a Hospitalar Home Care (tambm em Porto Alegre), organizao voltada ao atendimento de sade domiciliar.
13
discursos especficos, mas que possuem interfaces. O interesse est no
entendimento de cada um dos campos e no dilogo que estabelecem; cada um
como um contexto que interfere na produo de sentidos sobre o que sade, sobre
o que comunicao. Assim, Comunicao e Sade um campo compsito,
formado na interface de dois outros campos.
Ressalta-se a importncia dessa definio, diferenciando-a de outras
designaes como comunicao em sade, na sade, para a sade. Estas
constituem outro sentido: o de uma prtica comunicativa que ocorre dentro da
Sade; uma prtica que visa resolver os problemas da Sade, percebidos como
problemas de comunicao ou com um forte componente comunicacional. Seu
sentido histrico embasado numa viso instrumental, que atribui comunicao a
identidade de um conjunto de meios a servio da sade. Ou, no caso de
comunicao em sade [grifo nosso], pode designar uma comunicao sobre temas
de sade, que poderia ocorrer tanto a partir do campo da Comunicao, como do
campo da Sade. De acordo com Arajo (2013, p. 4-6) [...] comunicao para e na
sade so instrumentais [...]; so prticas sem espaos de interlocuo e
caracterizadas por uma abordagem normativa e prescritiva. As palavras-chaves so
persuaso e preveno.
Para Arajo e Cardoso (2009), no campo Comunicao e Sade, a
comunicao entendida como o permanente processo de conferir sentido aos
eventos, experincias e discursos sobre o mundo e a sociedade. Nesse
enquadramento, h uma recusa de um significado pronto e acabado em cada
palavra, passvel de ser transferido e compreendido pelos receptores [grifo nosso]
tal e qual imaginado pelo emissor [grifo nosso]. Os diferentes contextos histrico,
econmico, poltico, institucional, mas tambm o textual, intertextual e o situacional
desempenham papel decisivo nos processos comunicacionais.
Dentre as inmeras temticas do campo Comunicao e Sade, elegeu-se a
alimentao saudvel, por consider-la como um dos principais fatores que
influenciam a sade (KATZ; MELLER, 2014). Recentemente, em maio, foi encerrada
a consulta pblica ao documento Guia Alimentar para a Populao Brasileira
verso 2014. Este material foi elaborado pelo Ministrio da Sade, com a assessoria
14
do Ncleo de Pesquisas Epidemiolgicas em Nutrio e Sade (NUPENS) da
Universidade de So Paulo, contando tambm com o apoio da Organizao Pan-
Americana de Sade Brasil.
O Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014 apresenta um conjunto de
informaes, anlises e recomendaes sobre a escolha e o consumo de alimentos,
tendo em vista a construo de uma alimentao saudvel [grifo nosso]. Uma das
justificativas para a elaborao de tal documento estaria na existncia de uma gama
de informaes sobre alimentao e sade pouco confiveis. Segundo o Guia, com
o aumento da variedade de alimentos disponveis no mercado [...], a escolha do que
comer passou a ser uma tarefa cada vez mais complexa (BRASIL, 2014, p. 66).
Para Wolton (2010), vive-se numa poca na qual a qualidade e a veracidade
das informaes encontradas na web nem sempre so questionadas. H um
excesso de informao, sem que isso signifique conhecimento. Por isso, o autor
alerta: preciso tomar cuidado com a m informao e com a infobesidade [...]
(WOLTON, 2010, p. 47). Um bom exemplo disso a questo dos nutrientes dos
alimentos o nutricionismo, to presente na indstria dos alimentos, aproveitado
tambm por aqueles que comercializam esses produtos alimentcios. A ideologia3 do
nutricionismo afirma que o mais importante no o alimento, mas sim o nutriente, e
que, por este ser invisvel, preciso contar com a ajuda de especialistas para decidir
o que comer (POLLAN, 2008).
Nesse contexto, sites de empresas que comercializam produtos naturais4 se
constituem num espao propcio para analisar os sentidos criados pelas informaes
sobre a alimentao relacionada sade. Elegeu-se sites (ou websites), pois eles
3 Thompson (2009, p. 79) prope conceitualizar ideologia em termos das maneiras como o sentido,
mobilizado pelas formas simblicas, serve para estabelecer e sustentar relaes de dominao: estabelecer, querendo significar que o sentido pode criar ativamente e instituir relaes de dominao; sustentar, querendo significar que o sentido pode servir para manter e reproduzir relaes de dominao atravs de um contnuo processo de produo e recepo das formas simblicas. 4 Definimos as empresas Mundo Verde e Ponto Natural como empresas que comercializam produtos naturais com base em suas prprias declaraes: Maior rede de lojas de produtos naturais [grifo nosso], orgnicos e bem-estar da Amrica Latina tem como propsito a vida saudvel, bem estar e sustentabilidade (Mundo Verde em http://www.mundoverde.com.br/historia/); A Ponto Natural uma franquia de produtos naturais que alimenta o bem-estar das pessoas, desde 1985 (em http://www.pontonaturalbrasil.com.br/institucional).
http://www.mundoverde.com.br/historia/http://www.pontonaturalbrasil.com.br/institucional
15
representam o canal, a materialidade da comunicao digital. Corra (2009)
evidencia o fato de que a comunicao na sociedade contempornea e a
comunicao corporativa especificamente recorrem cada vez mais invisvel e
poderosa rede de conexes provida pelas Tecnologias Digitais de Informao e
Comunicao (TICs). Baldissera e Silva (2012) afirmam que o site institucional
uma das falas autorizadas da empresa, um lugar privilegiado para alinhar o discurso
e as estratgias.
Os sites que pertencem a empresas que comercializam especificamente
produtos naturais Mundo Verde e Ponto Natural foram eleitos levando em
considerao a anlise feita na pesquisa Brasil Food Trends 2020, encomendada
pela Federao das Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP), entidade que
congrega as principais indstrias de alimentos no pas. Esta pesquisa aponta o
crescimento desse segmento, que dever ser o preferido dos consumidores que
atendem aos apelos da alimentao saudvel lojas oferecendo produtos
orgnicos, naturais, diets, lights, destinados aos consumidores adeptos de um
conceito de vida impulsionado pela mdia e que buscam abolir acares e gorduras
da sua dieta cotidiana (BRASIL FOOD TRENDS, 2010, p. 150).
A partir desses recortes realizados sobre o tema mais amplo Comunicao e
Sade, definiu-se dois problemas de pesquisa: 1) Como os sites das empresas
Mundo Verde e Ponto Natural orientam seus consumidores sobre alimentao
saudvel?; 2) Quais as semelhanas e/ou as diferenas entre as recomendaes
dessas empresas que comercializam produtos naturais e as recomendaes do
Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014? Para responder a tais
questionamentos, os objetivos determinados foram, respectivamente: 1) Evidenciar
como essas empresas relacionam as sugestes de consumo de
alimentos/ingredientes e outros cuidados e prticas presentes nas subsees de
seus sites denominadas Dicas com a sade e a preveno/tratamento de doenas;
2) Investigar os pontos congruentes e divergentes entre as recomendaes feitas
pelas empresas e as recomendaes descritas no Guia Alimentar para a Populao
Brasileira 2014, na seo Dez passos para uma alimentao saudvel.
16
Assumiu-se como mtodo a Hermenutica de Profundidade (THOMPSON,
2009), por considerar que ele oferece um aprofundamento nas condies
contextuais do objeto de pesquisa. A HP permite desvelar os sentidos ocultos por
meio de uma interpretao fundamentada. Como primeiro procedimento dessa
pesquisa exploratria (GIL, 2010), foi realizado o levantamento bibliogrfico,
concentrando o referencial terico nos seguintes assuntos: comunicao, sade,
comunicao e sade, comunicao digital, alimentao saudvel e critrios de
qualidade da informao em sade.
O segundo procedimento o estudo de mltiplos casos (YIN, 2001), a partir
dos sites das empresas Mundo Verde e Ponto Natural, com o recorte das sees de
Dicas para a Anlise. Aps a descrio das empresas, de seus sites e das
caractersticas do pblico no que se refere ao consumo de alimentos, foram
analisados os textos das Dicas, oferecendo uma sntese dos principais sentidos de
alimentao e sade. Posteriormente, os textos foram examinados segundo uma
matriz prpria, cruzando as informaes [dicas] disponibilizadas com os passos do
Guia Alimentar para a Populao Brasileira, revelando os pontos congruentes e
divergentes.
Como ltimo procedimento metodolgico, procedeu-se a Interpretao /
Reinterpretao, buscando estabelecer as relaes entre informao/comunicao e
sade, trazendo tona os sentidos ocultos nos textos dos sites em estudo sobre
alimentao saudvel.
O referencial terico principal compreende a comunicao (WOLTON, 2004,
2006, 2010), a cibercultura (LEMOS, 2002; LVY, 2011), a comunicao digital
(CORRA, 2009), a interao (PRIMO, 2011), a comunicao e sade (ARAJO,
2013, 2009; BUENO, 2004; PINTOS, 2001), a qualidade da informao em sade
(LOPES, 2006; CREMESP, 2001) e a alimentao saudvel (BRASIL, 2014;
POLLAN, 2008).
A dissertao foi organizada em sete captulos, incluindo a Introduo e as
Consideraes Finais. No captulo inicial, apresentou-se o mtodo, a Hermenutica
de Profundidade, ressaltando suas caractersticas e etapas, bem como os
17
procedimentos metodolgicos eleitos para concretizar a pesquisa. No captulo sobre
Comunicao e Sade, os campos da Comunicao e da Sade foram abordados
separadamente, para chegar discusso do campo compsito. Como um dos temas
desse campo, discutiu-se a relao de Sade e Alimentao, mencionando,
tambm, a questo da qualidade da informao em sade na web, a fim de
contextualizar o objeto de pesquisa sites de empresas de produtos naturais e seus
textos sobre alimentao e sade.
Na sequncia, um captulo sobre Comunicao Digital foi desenvolvido, no
qual se refletiu sobre o contexto da cibercultura, sobre as caractersticas da
comunicao no meio digital, especialmente a interao, e sobre os sites.
No quinto captulo, foi realizada a descrio das empresas Mundo Verde e
Ponto Natural, destacando suas trajetrias e estratgias na web. Alm disso, o
contexto do pblico consumidor foi abordado por meio de dados sobre o consumo
de alimentos por parte dos brasileiros. No sexto captulo, a anlise tomou corpo,
com vista interpretao/reinterpretao dos textos das Dicas desses sites sobre
alimentao saudvel.
Desse modo, espera-se contribuir para as discusses sobre o campo
comunicao e sade, mais especificamente, sobre os sentidos produzidos pela
informao relacionada alimentao saudvel na web.
18
2 MTODOS E PROCEDIMENTOS
A partir de Arajo e Cardoso (2009), este trabalho adota o termo
Comunicao e Sade, com a compreenso de que se tratam de campos distintos,
mas que possuem interfaces. Para estas autoras, os diferentes contextos histrico,
econmico, poltico, institucional, mas tambm o textual, intertextual, o existencial e
o situacional desempenham papel decisivo nos processos comunicacionais. Desse
modo, para abordar esse campo, analisando seus diferentes contextos, acredita-se
ser o mtodo da Hermenutica de Profundidade (THOMPSON, 2009) o mais
apropriado. Ele permite a realizao de uma sntese, uma construo criativa por
meio da fase de Reinterpretao integrando os significados das formas simblicas
(informaes sobre sade e alimentao saudvel) anlise do contexto de sua
produo (contextos da comunicao, da sade, da alimentao, da comunicao
digital e dos sites de empresas de produtos naturais).
2.1 HERMENUTICA: UM PARADIGMA INTERPRETATIVO
Como informa Alberti (1996), etimologicamente, hermenutica remonta ao
verbo grego hermeneuein, geralmente traduzido por interpretar, e ao substantivo
hermeneia, interpretao, objeto do tratado Peri hermeneias, Da interpretao, de
Aristteles. Segundo esta autora, a maior parte dos estudiosos identifica a obra de
Friedrich Schleiermacher (1768-1834) com uma ruptura importante na histria da
hermenutica. At Schleiermacher, a hermenutica teria aparecido apenas nos
momentos em que havia dificuldades com a interpretao de textos (por exemplo, na
exegese bblica, textos jurdicos e clssicos). A partir de Schleiermacher, ela
passaria a ser pensada sistematicamente como cincia, sendo definida como o
estudo da prpria compreenso (ALBERTI, 1996).
Alberti (1996) destaca que compreender seria, para Schleiermacher, a arte de
reconstruir o pensamento de outrem. O princpio dessa reconstruo estaria no
crculo hermenutico, isto , o processo pelo qual o todo fornece o sentido s partes
e vice-versa.
19
Dilthey (2010) retomou as ideias de Schleiermacher, trazendo definitivamente
a hermenutica para o campo das cincias humanas. Para compreender o homem,
dizia o autor, necessrio compreender a historicidade e apenas na linguagem a
vida humana encontra sua expresso mais completa. Por essa razo, a arte da
compreenso consiste, para Dilthey, na interpretao dos resduos da existncia
humana conservados pela escrita. A precedncia do escrito nesse processo de
entendimento ainda ressaltada pela necessidade de alcanar um grau controlvel
de objetividade, que s possvel quando a expresso de vida fixada.
Assim, desde as primeiras regras hermenuticas, a historicidade e o lugar
ou contexto, tanto do texto quanto do intrprete, so considerados. Adams e
Junges (2009) reforam que a verdade reside na linguagem, na palavra, que
sempre interpretao aberta e inacabada. Para esses autores, acreditar na
estabilidade e linearidade do conhecimento acreditar que a prpria linguagem
estvel e segura, suposio que no faz sentido na perspectiva hermenutica. No
mais se compreende o conhecimento como claro e distinto. no e pelo processo
que vai se constituindo o conhecimento e a aprendizagem.
Para Alberti (1996), o filsofo alemo Martin Heidegger deu um passo alm
com relao a Dilthey, estendendo a hermenutica para a ontologia, ou seja, para
tudo, inclusive para as cincias da natureza. A compreenso , para ele, a base de
toda interpretao; ela co-original com a existncia e, por isso, ontologicamente
fundamental. Toda compreenso temporal, intencional e histrica, inclusive a das
cincias da natureza.
Tambm de acordo com Alberti (1996), Hans-Georg Gadamer (com a
publicao de Verdade e mtodo, 1960), tornou-se um dos principais expoentes
dessa nova hermenutica na filosofia alem. Ele concordava com Heidegger no
entendimento ontolgico e buscou na dialtica grega o modelo de sua filosofia: na
dialtica, a coisa mesma lana perguntas ao sujeito, no o sujeito o ponto da
partida do conhecimento (ALBERTI, 1996, p. 46).
Adams e Junges (2009) analisam que, a partir da concepo heideggeriana,
posteriormente desenvolvida por Gadamer, a hermenutica vista como o modo
20
mais prprio de fazer filosofia. Filosofar significa interpretar, interpretar a realidade
da vida, em seus mais diversos nveis e aspectos, no com o propsito de fazer o
seu inventrio, mas de lhe atribuir um sentido.
Na sequncia da tradio de hermeneutas, Andrioli (2003) destaca Paul
Ricoeur. O trabalho de Ricoeur entendido como uma tentativa de abordar os
problemas relativos ao significado da atitude filosfica na hermenutica (a partir de
Gadamer) e na dialtica (a partir de Habermas). O gesto hermenutico visto como
crtica das ideologias, levando em considerao as condies histricas a que est
submetida a compreenso humana sob o domnio da finitude e o desafio de se
contrapor diante das distores que emergem no ato da comunicao (ANDRIOLI,
2003).
Na concepo de Fonseca (2009), Ricoeur enxerga o trabalho da
interpretao com a inteno de vencer as distncias e as diferenas culturais,
harmonizando o leitor/intrprete com o texto que lhe era estranho, e incorporando o
seu sentido na compreenso atual que um homem capaz de ter de si mesmo.
Assim, o pressuposto de partida da hermenutica em Ricoeur, segundo Fonseca
(2009), que no h conhecimento imediato de si. Toda a compreenso sempre
o resultado de uma mediao ou de uma interpretao, ela prpria tambm sempre
mediada. E o principal no reencontrar detrs do texto a inteno subjetiva do
autor, mas, sim, explicitar, frente ao texto e a partir do texto, o mundo que ele abre,
descobre e desvela.
Schramm (2002) complementa que, no ponto de vista de Ricoeur, a
interpretao no deve buscar a verdade, pois estar sempre restrita viso de
mundo do intrprete, enquanto sujeito histrico e cultural. A interpretao deve
buscar o sentido.
Paul Ricur uma das principais influncias tericas da metodologia da
Hermenutica de Profundidade (HP) proposta por Thompson (2009). De acordo com
este autor (2009, p. 362):
21
A obra de Ricur de interesse particular nesse assunto, porque ele procurou construir sobre as intuies de Heidegger e Gadamer, sem abandonar as preocupaes metodolgicas. Ele procurou, explcita e sistematicamente, mostrar que a hermenutica pode oferecer tanto uma reflexo filosfica sobre o ser e a compreenso como uma reflexo metodolgica sobre a natureza e tarefas da interpretao na pesquisa social. A chave desse caminho de reflexo o que Ricur e outros chamaram de hermenutica de profundidade (HP).
Thompson (2009) prope uma ruptura metodolgica com a hermenutica da
vida cotidiana. O autor assinala que preciso ir alm da interpretao da doxa5,
levando em considerao outros aspectos das formas simblicas aspectos que
surgem da constituio do campo-objeto.
As formas simblicas nada mais so do que expresses lingusticas, gestos,
aes, obras de arte etc. Thompson (2009, p. 79) afirma: Por formas simblicas,
eu entendo um amplo espectro de aes e falas, imagens e textos, que so
produzidos por sujeitos e reconhecidos por eles e outros como construtos
significativos. Em sntese, as formas simblicas so expresses do sujeito.
2.2 O REFERENCIAL DA HERMENUTICA DE PROFUNDIDADE
A Hermenutica de Profundidade (HP) o estudo da construo significativa
e da contextualizao social das formas simblicas. De acordo com Thompson
(1995, p. 369),
a tarefa da primeira fase da HP reconstruir as condies e contextos scio histricos de produo, circulao e recepo das formas simblicas, examinar as regras e convenes, as relaes sociais e instituies, e a distribuio de poder, recursos e oportunidades em virtude das quais esses contextos constroem campos diferenciados e socialmente estruturados.
O mundo scio-histrico um campo-sujeito-objeto construdo pelas pessoas
no curso rotineiro de suas vidas. Por meio das formas simblicas, o indivduo
interpreta e reflete sobre a sua existncia. Somada preocupao scio-histrica, a
HP leva em considerao a questo temporal passado-presente, haja vista que a
experincia humana est inserida em uma cultura com tradies histricas, pois o
5 Para Thompson (2009, p. 38), a interpretao da doxa a transformao interpretativa das
compreenses, das atitudes e das crenas cotidianas das pessoas que constituem o mundo social.
22
resultado de uma pesquisa pode ter diferentes percepes de acordo com o
momento em que a sociedade vive. Para Thompson (1995, p. 361),
os resduos do passado no so apenas a base sobre a qual ns assimilamos novas experincias no presente e no futuro; esses resduos podem tambm servir, em circunstncias especficas, para esconder, obscurecer ou mascarar o presente.
Thompson (1995) explica o papel inovador da abordagem da HP sobre as
tradicionais formas de ideologia, invocando a necessidade de propor sentidos,
discuti-los, desdobr-los e desvel-los. Na sua proposta, o pesquisador apresenta os
sentidos ocultos que cobririam os fenmenos sociais atravs de uma leitura e
interpretao fundamentada, plausvel e amplamente justificada. O referencial
metodolgico da HP oferece aprofundamento e mergulho nas condies contextuais
do fenmeno. Ele descrito em trs fases: anlise scio-histrica, anlise formal ou
discursiva e interpretao/reinterpretao (Quadro 1) (THOMPSON, 1995).
Quadro 1 - Formas de Investigao Hermenutica
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Thompson (2009, p. 365).
A primeira fase tem o objetivo de reconstruir as condies sociais e histricas
da produo, circulao e recepo das formas simblicas (THOMPSON, 1995, p.
366). De acordo com o autor, no substrato material em que, e atravs do qual, as
23
formas simblicas so produzidas e transmitidas, compreendendo quatro aspectos
bsicos dos contextos sociais (Quadro 2).
Nessa dissertao, os contextos da comunicao, da sade, da alimentao,
da comunicao digital e dos sites de empresas de produtos naturais Mundo Verde
e Ponto Natural so abordados. Delimitou-se tambm o conceito de alimentao
saudvel a partir do Guia Alimentar para a Populao Brasileira (BRASIL, 2014).
O primeiro aspecto da fase da anlise scio-histrica trata das situaes
espaos-temporais em que as formas simblicas (faladas, narradas, inscritas) so
produzidas e recebidas (vistas, ouvidas, lidas) por pessoas que pertencem a um
lugar especfico. Nesse sentido, observou-se o contexto do tempo atual, marcado
pela cibercultura, aspecto central na discusso que feita no captulo da
comunicao digital. Alm disso, levou-se em considerao o contexto do Brasil
como lugar especfico. Assim, um ponto importante que tratado na dissertao
o Guia Alimentar para a Populao Brasileira e seu contraponto, o Brasil Food
Trends 2020 a viso da indstria nacional sobre a alimentao.
Quadro 2 - Caractersticas tpicas dos contextos sociais
Fonte: Adaptado de Thompson (2009, p. 199).
24
O segundo aspecto da HP nesta primeira fase observa o campo de interao
social, que pode ser conceituado como um espao de posies ou um conjunto de
trajetrias das organizaes, ambas relacionadas com o tipo de recurso ou capital
que o sujeito acessou e acumulou. Alm disso, cabe reforar que so nas relaes
sociais cotidianas que se materializam os processos de valorizao simblica de
pessoas, objetos e prticas, que eventualmente podem reverter em valorizao
econmica (THOMPSON, 1995). Nesse sentido, as trajetrias das empresas Mundo
Verde e Ponto Natural so detalhadas, incluindo dados atuais sobre nmero de
franquias e expectativas de expanso. No que concerne s regras e convenes
que permeiam os campos de interao entre as empresas em estudo e os seus
pblicos, o presente trabalho elucida aspectos do meio site, que regem os
dispositivos de comunicao e informao.
Dando sequncia anlise scio-histrica proposta por Thompson (1995), o
terceiro aspecto da primeira fase se refere s instituies sociais, que podem ser
vistas como conjuntos relativamente estveis de regras e recursos, juntamente com
as relaes que so estabelecidas. As instituies sociais em anlise so as
empresas, caracterizadas especialmente por relaes econmicas de franquias.
Por fim, h o quarto aspecto de que trata a estrutura social, que se refere s
assimetrias e diferenas relativamente estveis que caracterizam as instituies
sociais e os campos de interao (THOMPSON, 1995, p. 367). No que diz respeito
a essa caracterstica, ela abordada por meio da anlise das falas institucionais
textos institucionais nos sites e as Dicas em um contraponto com as falas do Guia
Alimentar.
No que tange segunda fase da HP, a Anlise Formal ou Discursiva, h
diversas maneiras de conduzi-la, dependendo dos objetos e das circunstncias
particulares da investigao. De fato, pessoas, comunidades e grupos sociais
contam suas histrias com palavras e expresses no-verbais, que contribuem para
o entendimento da sua viso de mundo e da sua experincia. Assim, o sentido no
est somente ao final do discurso, mas ao longo de toda a sua narrativa
(THOMPSON, 1995).
25
A Anlise Formal ou Discursiva tem relevncia fundamental, pois examina as
formas simblicas na perspectiva da sua estrutura interna, como por exemplo, na
anlise semitica de uma imagem ou anlise narrativa ou de contedo de texto.
Trata-se de uma desconstruo (campo-objeto) dos elementos internos constitutivos
da forma simblica nas suas condies de produo ou no seu contexto scio-
histrico.
Considerando o objeto de estudo (textos selecionados das subsees
denominadas Dicas dos sites das empresas Mundo Verde e Ponto Natural) e os
objetivos da pesquisa, se recorre, inicialmente, a uma sntese sobre cada um dos
textos e seus principais sentidos de alimentao e sade. Num segundo momento,
uma matriz comparativa (pontos congruentes e pontos divergentes) entre os textos
selecionados e as recomendaes do Guia Alimentar construda (Figura 1).
Figura 1 - Matriz de Anlise quanto aos pontos congruentes e divergentes entre dicas dos sites e passos para uma alimentao saudvel do Guia Alimentar para a Populao Brasileira
Nessa matriz, de elaborao prpria, utiliza-se as siglas M1 e P1,
respectivamente, texto 1 da subseo Dicas da Nutricionista do site Mundo Verde6 e
texto 1 da subseo Dicas do site Ponto Natural7. Dez textos (M1, M2... e P1, P2...)
6 MUNDO VERDE. Dicas da nutricionista. Disponvel em: . Acesso em:14 fev. 2014. 7 PONTO NATURAL. Texto 1-Subseo Dicas. Disponvel em: . Acesso em: 14 fev. 2014.
26
de cada empresa em tais sees foram selecionados. A escolha foi feita no ms de
fevereiro de 2014, com os textos disponveis naquele momento, focados em
alimentao saudvel8. No cruzamento entre os textos e os passos sugeridos pelo
Guia, assinalou-se C (convergente), D (divergente) ou NA (no se aplica).
H o entendimento de que a matriz proporciona, mesmo que parcialmente,
uma viso sobre a relao das Dicas fornecidas pelos sites Mundo Verde e Ponto
Natural com as recomendaes do Guia Alimentar para a Populao Brasileira 2014,
apontando onde esto (em que passo) as principais convergncias/divergncias. Na
sequncia dos resultados da Matriz, h um detalhamento dos trechos em que houve
convergncia/divergncia. Em um mesmo passo, possvel encontrar algumas
questes convergentes e outras divergentes. Na Matriz, elegeu-se o predominante
(mais frequente).
A terceira e ltima fase do enfoque da HP chamada de
Interpretao/Reinterpretao, que facilitada pelas fases anteriores, pois seus
processos procuram revelar os padres e efeitos que constituem e operam dentro de
uma forma simblica, denominada por Thompson (1995) como a construo criativa,
pois o impulso compreenso do mundo social e construo de saberes que
possuam um potencial crtico de interpretao. Para Thompson (1995, p. 375) a
interpretao implica em um movimento novo de pensamento, ela procede por
sntese, por construo criativa de possveis significados.
O processo da interpretao procede de anlise desconstruo, quebra e
diviso, visando ampliar o conhecimento da estrutura interna mediado pelos
processos da Anlise scio-histrica e da Anlise Formal ou Discursiva e transcende
a contextualizao das formas simblicas. A reinterpretao sntese, integrando o
contedo das formas simblicas anlise do contexto de sua produo. Trata-se de
uma explicao interpretativa, plausvel e bem fundamentada justificando a
necessidade do referencial terico consistente. Thompson (1995, p. 376) argumenta
que a possibilidade de um conflito de interpretao intrnseca ao prprio processo
de interpretao.
8 Tais textos esto disponveis na ntegra nos Anexos E e F.
27
O esquema intelectual da HP, reafirma Thompson (1995), dever demonstrar
os aspectos mltiplos das formas simblicas, evitando as armadilhas do internalismo
(o texto independente do contexto) ou do reducionismo (o texto produzido
exclusivamente em funo do contexto), fazendo justia ao carter de constructo
situado social e historicamente, e que apresenta uma estrutura articulada atravs da
qual algo representado ou dito.
2.3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
O ponto de partida a proposta de Comunicao e Sade como um campo
especfico a ser estudado, dentro das especificidades de cada um de seus
componentes a Comunicao e a Sade. Dentro da Comunicao, busca-se a
Comunicao Digital, tendo o site como o meio escolhido. Considerando o conceito
de Sade, o tema da alimentao saudvel o eleito. Desse modo, como objeto de
pesquisa, opta-se pelos sites de empresas que comercializam produtos naturais
Mundo Verde e Ponto Natural, selecionando, para a anlise, o recorte das sees de
Dicas (ou Dicas da Nutricionista) que tratam de alimentao saudvel num conceito
amplo.
Os textos que compem tais sees so, inicialmente, sintetizados em seus
principais sentidos de alimentao e sade, com o objetivo de evidenciar de que
forma cada uma dessas empresas relaciona as sugestes de consumo de
alimentos/ingredientes e outros cuidados e prticas presentes nas subsees de
seus sites denominadas Dicas com a sade e a preveno/tratamento de doenas.
Num segundo momento, os textos so tambm analisados conforme a Matriz
(Figura 1), com o objetivo de investigar os pontos congruentes e divergentes entre
as recomendaes feitas pelas empresas e as recomendaes descritas no Guia
Alimentar para a Populao Brasileira 2014, na seo Dez passos para uma
alimentao saudvel.
Assim, nessa pesquisa exploratria, adota-se como primeiro procedimento
metodolgico o levantamento bibliogrfico, concentrando o referencial terico nos
28
seguintes assuntos: comunicao, sade, comunicao e sade, comunicao
digital, alimentao saudvel e critrios de qualidade da informao em sade.
O segundo procedimento o estudo de mltiplos casos (sites das empresas
Mundo Verde e Ponto Natural). Com o propsito de caracterizar essas organizaes,
suas trajetrias so descritas, bem como algumas opinies de seus clientes,
chegando a contemplar uma breve descrio de seus sites, com o detalhamento de
suas sees, especialmente as sees de Dicas.
A pesquisa exploratria tem como objetivo proporcionar maior familiaridade
com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito. Seu planejamento bastante
flexvel, de modo que possibilite a considerao dos mais variados aspectos
relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: a)
levantamento bibliogrfico; b) entrevistas; e c) anlise de exemplos como estudos de
caso (GIL, 2010).
O estudo de mltiplos casos prev que cada caso pode ser cuidadosamente
selecionado de modo a: a) prever resultados semelhantes (uma replicao literal);
ou b) produzir resultados contrastantes apenas por razes previsveis (uma
replicao terica) (YIN, 2001, p. 68). Trata-se de uma tcnica qualitativa, permitindo
integrar um conjunto de ferramentas para levantamento e anlise de informaes.
Yin (2001, p. 34) afirma que estudo de caso uma inquirio emprica que investiga
um fenmeno contemporneo dentro de seu contexto da vida real especialmente
quando os limites entre o fenmeno e o contexto no esto claramente definidos. O
autor tambm considera que os estudos de caso teriam que tratar tanto do
fenmeno de interesse quanto de seu contexto, produzindo um grande nmero de
variveis potencialmente relevantes (YIN, 2001, p. 71). Assim, cada caso em
particular consiste em um estudo completo, no qual se procuram provas
convergentes com respeito aos fatos e s concluses para o caso (YIN, 2001, p. 72).
Como ltimo procedimento metodolgico, realiza-se a Interpretao /
Reinterpretao, buscando compreender melhor as relaes entre
informao/comunicao e sade, trazendo tona os sentidos ocultos nos textos
dos sites em estudo sobre alimentao saudvel.
29
3 COMUNICAO E SADE
O Grupo de Trabalho (GT) Comunicao e Sade da Associao Latino-
Americana de Investigadores da Comunicao (ALAIC), na descrio de seu perfil9,
afirma que o campo Comunicao e Sade um espao de mltiplas dimenses,
formado por histria, teorias, metodologias, tecnologias, atores, instituies, polticas,
prticas, agendas, interesses e as relaes de poder e disputas dos sentidos
[traduo nossa] (ALAIC, 2013). A abrangncia desse conceito pode gerar
questionamentos. Afinal, Comunicao e Sade seria, de fato, um campo de
estudos? Para Arajo (2013, p. 4):
Comunicao e Sade apresenta-se como um campo compsito, formado na interface de dois outros campos, o da Comunicao e o da Sade. Neste sentido, pode ser considerado um subcampo de cada um, mas, considerando que traz em si todas as caractersticas de um campo, ainda que novo, portanto em consolidao, ser aqui assim considerado.
Prope-se, para os fins deste trabalho, aprofundar um pouco mais a
conceituao, especialmente no que concerne s diferenas entre os termos
Comunicao e Sade e Comunicao para a Sade/Comunicao em Sade
expresses muitas vezes tomadas como sinnimos. Arajo e Cardoso (2009)
clarificam que o conectivo e ressalta o fator de articulao entre campos sociais
distintos, historicamente constitudos, movidos por disputas por posies e capitais
materiais e simblicos. Desse modo, o termo Comunicao e Sade implica na
existncia de discursos especficos o da Comunicao e o da Sade que
possuem diferentes constituies, enfoques tericos e esto em situao de
concorrncia/cooperao e no em simples soma.
Em contrapartida, os termos Comunicao para a Sade ou Comunicao
em Sade tm outra concepo: a comunicao a servio do campo sade. A
comunicao, nesses recortes, vista como um conjunto de tcnicas para serem
utilizadas para atingir os objetivos da sade; em geral, para transmitir informaes
de sade para a populao [viso instrumental do conceito de comunicao]
(ARAJO; CARDOSO, 2009).
9 Perfil deste GT disponvel em: http://www.alaic.org/site/grupos-de-trabalho/gt5-comunicacao-e-saude/.
30
Dellazzana (2012), em artigo publicado na edio temtica da Organicom
(Revista Brasileira de Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas) sobre
Comunicao e Sade, apresenta um estudo que, em sua parte inicial, busca
identificar as possveis relaes entre os termos comunicao e sade. A autora
recorreu a um levantamento bibliogrfico das pesquisas publicadas em 2011 com o
tema sade nos portais da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicao (Intercom) e da Associao Nacional dos Programas de Ps-
Graduao em Comunicao (Comps).
Dellazzana (2012) aponta que a perspectiva mais recorrente na bibliografia
encontrada em seu estudo a da comunicao em/para sade, considerando a
comunicao como um aspecto transversal em sade, ou seja, a comunicao vista
como um conjunto de estratgias para informar/influenciar as decises dos
indivduos e comunidades para que estes promovam a sade. Polticas pblicas de
sade, sade na comunicao comunitria, sade e cidadania, sanitarismo e
jornalismo cientfico/divulgao cientfica apareceram como os enfoques principais
do campo denominado comunicao em/para a sade.
No site da Comps, Dellazzana no encontrou publicaes. Para atualizar
esse levantamento, na presente dissertao, realizou-se tambm uma consulta10 no
site dessa associao (na rea da Biblioteca e dos Anais do Encontro de 2013).
Apenas trs trabalhos foram encontrados nos Anais11. Na Revista E-Comps12,
utilizando a palavra sade no campo de pesquisa, apenas trs registros recentes13
apareceram.
Dellazzana (2012) pesquisou tambm o site da Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicao (Intercom), no qual encontrou 29 estudos
10
Consulta ao site da Comps (http://www.compos.org.br) e dos Anais (http://encontro2013.compos.org.br/anais/)>. Acesso em: 18 jun. 2014.
11 Blogs de pacientes com cncer: do estigma ao compartilhamento / A velhice no tempo do capitalismo emocional: uma questo delicada / Crack na imprensa: imaginrios e modos de representao do jornalismo sobre o surgimento e a exploso da droga em Belo Horizonte (MG, Brasil).
12 http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos.
13 Media Frame Building and Culture: Transgenic crops in two Brazilian Newspapers during the Year of Controversy, 2013; Epidemia e memria no discurso jornalstico sobre a dengue / Cultura da autoajuda: o surto do aconselhamento e a bioascese na mdia, 2012.
http://www.compos.org.br/http://encontro2013.compos.org.br/anais/
31
com o tema sade publicados em 2011. As abordagens encontradas nos textos
foram: 1) comunicao das empresas da sade com seus pblicos; 2) jornalismo
sobre beleza/esttica; 3) jornalismo cientfico sobre doenas/preveno; 4)
campanhas de sade pblica/conscientizao; 5) polticas de
comunicao/comunicao comunitria; 6) propaganda de medicamentos; 7)
pesquisas sobre a comunicao e a sade. Nestes estudos, o enfoque mais
frequente foi a questo da sade pblica, utilizando a comunicao em campanhas
de conscientizao da populao quanto preveno e tratamentos de doenas em
geral.
Tambm atualizou-se o levantamento de Dellazzana no site da Intercom
(www.portalintercom.org.br), pesquisando nos Anais do congresso de 2013 e na
Revista Intercom. Conforme mencionado na Introduo, sete papers que tinham,
dentre suas palavras-chave, a sade surgiram no Grupo de Pesquisa Comunicao,
Cincia, Meio Ambiente e Sociedade. Mas, uma busca geral sem definio de GP
resultou em 19 trabalhos com a pesquisa da palavra sade.
Do mesmo modo que Dellazzana (2012), visibilizando a comunicao como
um aspecto transversal em sade, Freimuth e Quinn (2004, p. 2053) apontam
comunicao em sade como o estudo e o uso de mtodos que permitem
influenciar as decises individuais e grupais de modo a melhorar a sade dos
cidados. Ainda Beltrn (2001) ressalta a importncia da comunicao para a
promoo da sade: Visto que por definio a promoo deve alcanar seus fins
por persuaso, no por coero, se atribui universalmente comunicao a
qualidade de instrumento-chave para materializar tal poltica de sade (BELTRN,
2001).
A comunicao essencialmente no vis instrumental de transmitir
informaes de sade para a populao parece sintetizar o conceito de
comunicao em/para a sade. No entanto, preciso pontuar que o conceito
abarca, por vezes, tambm prticas de jornalismo, de planejamento e de educao.
Pintos (2001) afirma que a comunicao para a sade (ou comunicao em sade)
se refere no apenas difuso e anlises da informao (atividade comumente
denominada jornalismo cientfico ou jornalismo especializado em sade), mas diz
http://www.portalintercom.org.br/
32
respeito tambm produo e aplicao de estratgias comunicacionais massivas
e comunitrias, orientadas preveno, proteo sanitria e promoo de estilos
de vida saudveis, bem como implementao de polticas de sade/educao
mais globais (PINTOS, 2001, p. 122).
Nesta dissertao, adotou-se o termo Comunicao e Sade a partir de Arajo
e Cardoso (2009), com o entendimento de que se tratam de campos em separado,
que possuem interfaces. Para estas autoras, a comunicao entendida como o
permanente processo de conferir sentido aos eventos, experincias e discursos sobre
o mundo e a sociedade. Nessa concepo, h uma recusa de um significado pronto e
acabado em cada palavra. De acordo com Arajo e Cardoso (2009):
ao invs de cristalizar as posies, tomamos os participantes de um processo de comunicao como interlocutores, conferindo destaque aos variados lugares que ocupam, nos diferentes contextos e relaes de poder dos quais participam. Nessa perspectiva, comunicao pensada como espao de desigual concorrncia material e simblica, que compreende no s a instncia da produo discursiva, to exacerbada nas instituies de sade, mas tambm as suas condies sociais de circulao e apropriao.
Seguindo o raciocnio destas autoras, h a necessidade de caracterizar os
campos Comunicao e Sade, para, ento, retornar s suas relaes.
3.1 A COMUNICAO
Wolton (2004, p. 29-30) define a comunicao considerando trs nveis na
troca de mensagens: a comunicao direta, a comunicao tcnica e a comunicao
social. No primeiro, trata-se de uma experincia antropolgica fundamental,
traduzindo-se por compartilhar com o outro, criando a vida em sociedade e um
modelo cultural. A comunicao tambm um conjunto de tcnicas, que permitiu a
interao distncia por meio de tecnologias como o telefone, a televiso, o rdio, a
informtica etc. J no terceiro sentido, Wolton (2004) aborda a comunicao social
como a necessidade funcional de interao entre as economias globalizadas. Sob a
perspectiva desse autor (2006, p. 10):
33
[...] salvar a comunicao antes de tudo preservar sua dimenso humanista: o essencial da comunicao no est do lado das tcnicas, dos usos ou dos mercados, mas do lado da capacidade de ligar ferramentas cada vez mais performticas a valores democrticos.
O entendimento principal da comunicao segundo Wolton (2004) est no
contraponto da dimenso normativa com a dimenso funcional. A normativa estaria,
de forma ideal, relacionada comunicao direta, ao compartilhar, compreenso
mtua. J a comunicao funcional (que englobaria, em tese, a comunicao tcnica
ou social) estaria ligada ao sentido de transmisso e difuso, ao gerenciamento das
informaes necessrias para o funcionamento das relaes humanas e sociais.
Para Wolton (2006, p. 141):
Na realidade, com a globalizao, a comunicao muda de estatuto. Deixa de ser fsica, cada vez menos um dispositivo tcnico, passa a ser a condio de simbolizao que permite o funcionamento das sociedades abertas. Est menos nas ferramentas e nos servios onipresentes do que no papel de mediao, de terceiro lugar, de interface. Passa para o lado simblico. Tornando-se to onipresente, refugia-se na representao, acentuando assim sua dimenso normativa. Eis a vitria da comunicao: a passagem da transmisso para a mediao.
O autor enfatiza, desse modo, que o ato de comunicar est ligado ao
entendimento entre as partes. Isso no quer dizer concordncia, mas, sim, entender
o que o outro est falando, a partir de que lugar, com que referncias, histrias e
representaes conforme Arajo e Cardoso (2009) apontam. Em tempos de
convergncia de mltiplos canais, instantaneidade, abundncia de informaes e
convivncia de diferentes culturas, o comunicar pode perder espao para o simples
transmitir, informar, sem entendimento, sem compreenso. a isso que Wolton
(2004) se refere quando fala da margem de manobra. Ou seja, relaes
interpessoais podem virar uma simples comunicao funcional, sem autenticidade.
Em contrapartida, televiso e telefone, que so meios tcnicos, podem permitir uma
comunicao normativa, na qual a capacidade crtica estar presente. Trata-se de
uma ambiguidade fundamental da comunicao, j que no existe a comunicao
perfeita, isto , segundo Wolton (2006, p. 16):
Qualquer que seja seu suporte, a informao permanece ligada mensagem. Informar produzir e distribuir mensagens o mais livremente possvel. A comunicao, em contrapartida, supe um processo de apropriao. (...) Hoje dois fenmenos importantes complicam essa relao.
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Existem cada vez mais trocas de mensagens e, com a globalizao, cada vez mais receptores. Os riscos de incomunicao so, portando, crescentes.
Essa incomunicao est ligada aos limites da compreenso, aos mal-
entendidos, j que as novas tcnicas de comunicao e os inmeros canais no
reduzem a polissemia na comunicao (WOLTON, 2004).
Em seu livro Informar no comunicar (2010), Wolton procura retomar os
valores de emancipao da informao e da comunicao num contexto onde
ambas se tornaram onipresentes e terrivelmente polissmicas (WOLTON, 2010, p.
14). Para o autor, a informao tem trs dimenses: imprensa, servio e
conhecimento. Ele ainda acrescenta que necessrio atentar para a informao
relacional, centro da comunicao humana, que permeia todos os meios sociais e
organiza o dia-a-dia das pessoas. A informao relacional , na verdade, o ponto de
partida para a compreenso do outro. A saturao e o acesso instantneo de
informaes afetam a capacidade crtica dos indivduos. Desse modo, a enxurrada
de informaes aumenta a incomunicao (WOLTON, 2010).
Alm disso, a quase instantaneidade e o grande volume no significam nem
qualidade nem pluralismo da informao. Um exemplo disso estaria na informao
imprensa ou estilo mdia, que, sob o pretexto de alcanar a clareza para um grande
pblico, simplificaria, formataria a comunicao a forma suplantando o contedo.
Ganha quem for mais rpido na inveno das frases curtas e das frmulas
(WOLTON, 2006, p. 61), enfatiza o autor.
Ainda para este autor, A questo da comunicao o outro. Uma diferena
quase ontolgica com a informao (WOLTON, 2010, p. 59). Com isso, ele conclui
que comunicar cada vez menos transmitir, raramente competir, sendo cada vez
mais negociar e, finalmente, conviver (WOLTON, 2010, p. 62). Comunicar a busca
por tentar compreender o outro nas suas diferenas, estabelecendo um dilogo no
qual ambos tm voz, tm direitos, tm seus tempos e espaos. Trata-se de respeito
e isso, muitas vezes, leva tempo; um processo e no mera transmisso de
informao instantnea.
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Morin (2004), em certa medida, compartilha do entendimento de comunicao
de Wolton. Ele tambm aponta que h um excesso de informao e insuficincia de
organizao, logo, carncia de conhecimento [pois o conhecimento o resultado da
organizao da informao]. Para Morin (2004, p. 12):
[...] Ao discurso eufrico que diz tudo comunica oponho outra afirmao: quanto mais desenvolvidos so os meios de comunicao, menos h compreenso entre as pessoas. A compreenso no est ligada materialidade da comunicao, mas ao social, ao poltico, ao existencial, a outras coisas.
Assim como Wolton e Morin, Rdiger (2011) ressalta a compreenso, o
dilogo, a interao no conceito de comunicao, frisando, tambm, a questo das
formas simblicas. Segundo o autor (2011, p. 87):
A comunicao mediada pelas formas simblicas, mas essas precisam ser compreendidas em meio prtica para permitir a cooperao entre os homens. As chamadas formas simblicas, produto da histria, precisam ser tematizadas e entendidas para possibilitar a comunicao. A conversao, portanto, no transmisso, mas dilogo, na medida em que o sentido de que portadora no est na conscincia, nem na linguagem compartilhada pelas pessoas: produto da interao ativa dessas pessoas em um determinado contexto de vida.
Em seu livro As teorias da comunicao (2011), Rdiger revisita as principais
correntes tericas. O autor inicia seu curso bsico de teoria da comunicao pela
teoria matemtica da informao, tambm conhecida como o Paradigma de
Shannon e Weaver, do final dos anos 40. Neste, a comunicao se reduz realmente
transmisso da informao e est relacionada ao estabelecimento das condies
necessrias para a otimizao da transferncia de mensagens e capacidade do
canal conduzir as informaes sem rudo para o destinatrio.
Esta corrente relevante para a anlise, tendo em vista a prevalncia do
entendimento de comunicao como mera transmisso de informaes at os dias
de hoje em diversos segmentos da sociedade, em especial no meio comercial. Um
exemplo est nos sites institucionais de diversas empresas. Estas acreditam que
esto se comunicando [grifo nosso] com seus pblicos porque informam sobre o
histrico da companhia, seus produtos e servios mais atuais. No entanto, no h
canais de contato alm de um mero formulrio.
36
Na viso de Rdiger (2011), esse paradigma portador de uma srie de
dficits, propondo uma comunicao fragmentada, com procedimentos limitados no
tempo e com componentes rigidamente separados no espao. Tambm, o modelo
realiza um total esvaziamento da dimenso histrica e sociocultural da comunicao
e contm um dficit hermenutico, excluindo os conceitos de compreenso, sentido
e interpretao.
Em direo oposta ao Paradigma de Shannon e Weaver est a Escola de
Chicago e o interacionismo simblico. Fundadora da reflexo terica sobre a
comunicao nas primeiras dcadas do sculo 20, entende que as pessoas se
relacionam atravs de smbolos e que os smbolos permeiam o processo da
comunicao. Assim, a sociedade produto da comunicao, que proporciona a
interao social. Conforme assinalam Borges, Carvalho e Rgo (2010, p. 151):
Durante o processo de qualquer ato social, os objetos do ambiente percebido se definem e se redefinem. De tal dinamismo consiste a interao simblica, a qual no se d por reao direta s aes e gestos do outro, mas mediante uma interpretao dessas aes ou gestos com base no significado que lhes atribudo.
Com efeito, para os interacionistas simblicos, o significado um dos mais
importantes elementos na compreenso do comportamento humano. Os
interacionistas argumentam que, para alcanar uma compreenso plena do
processo social, o investigador precisa se apoderar dos significados que so
experienciados pelos participantes (BORGES; CARVALHO; RGO, 2010).
Rdiger (2011) destaca que a Escola de Chicago foi a primeira a chamar
ateno para a revoluo nas comunicaes provocada pelo desenvolvimento das
modernas tecnologias de comunicao, sugerindo [...] o conceito de aldeia global
vrias dcadas antes deste ser popularizado por Marshall McLuhan. (RDIGER,
2011, p. 48).
Thompson (2013), que tambm sofreu influncias de McLuhan, frisa sua
afinidade com os interacionistas simblicos e afirma que: [...] se baseia
principalmente na tradio hermenutica, mas traz tambm uma afinidade com o
trabalho dos interacionistas simblicos [...] (THOMPSON, 2013, p. 268). Neste caso,
37
Thompson se referia especificamente ao seu entendimento sobre self um projeto
simblico, uma identidade, que a pessoa constri ativamente e criativamente,
condicionada socialmente.
Numa outra vertente, ainda ligada teoria da informao (Shannon e
Weaver), est o paradigma funcionalista. Ele surge exatamente nesse contexto da
criao das mdias de difuso, tentando analisar como a comunicao pode cumprir
com suas funes na sociedade. Assim, o sistema social entendido como um
organismo cujas diferentes partes desempenham funes de integrao e de
manuteno do sistema (ARAJO, 2010).
Um dos pioneiros dessa corrente foi Harold Lasswell, que definiu pela
primeira vez a estrutura e a funo da comunicao social no final da dcada de
1930. Ele apoiou, contra os defensores do entendimento interacionista, uma viso
linear do processo de comunicao. Do ponto de vista da estrutura, a comunicao
toda ao que responde s perguntas: Quem? Diz o qu? Em que canal? Para
quem? Com que efeito? (RDIGER, 2011, p. 56).
Conforme comenta Wolf (2012), cada uma dessas variveis vai organizar um
setor especfico da pesquisa: a primeira determina o estudo dos emissores, isto , a
anlise do controle sobre o que difundido. Os que estudam a segunda varivel
elaboram o estudo do contedo das mensagens, enquanto o terceiro elemento d
lugar ao exame dos meios. O estudo da audincia e dos efeitos define os setores de
pesquisa restantes.
Assim, no paradigma funcionalista, a comunicao dita eficiente quando a
reao do receptor corresponde ao objetivo pretendido pelo comunicador. No
entanto, nos anos 50, Wilbur Schramm, fundador do campo acadmico da
comunicao de massas, reelaborou esse entendimento, considerando que a
relao do emissor com o receptor no seria unilateral. Haveria um condicionamento
recproco entre emissores e receptores no processo da comunicao. Schramm
(1954 apud RDIGER, 2011, p. 62) assinalou que a comunicao humana
estruturada por sujeitos que desempenham, ao mesmo tempo, as funes de
emissor e receptor, no contexto de uma rede formada pelo sistema social em que
38
vivem. A circulao das mensagens seria mediada pelos chamados formadores de
opinio. Os ditos experts ou especialistas como nutricionistas, no caso dos sites
objetos desse estudo atuam como formadores de opinio (RDIGER, 2011).
A comunicao de massa tambm foi alvo da abordagem marxista do
paradigma da pesquisa crtica. As principais caractersticas desta so: a anlise
centrada no produto e na produo cultural; anlise dentro de categorias histricas
como classe social, dominao, hegemonia, racionalidade tcnica, ideologia; a
comunicao e a cultura so estudadas no nvel ideolgico das aes sociais, no
qual reside o significado social; o sistema simblico analisado por meio dos
produtos culturais (mensagens); e a interpretao marcada pelo sentido da ao
social dentro de determinada configurao histrico-social (LOPES, 1990).
Thompson (2009), em seu livro Ideologia e Cultura Moderna, declara sua influncia
por esta abordagem marxista ao afirmar: estudar a ideologia estudar as maneiras
como o sentido serve para estabelecer e sustentar relaes de dominao
(THOMPSON, 2009, p. 76).
Na esteira do materialismo marxista, surgiu a Escola de Frankfurt, trazendo
novas temticas como a indstria cultural e a transformao dos conflitos sociais nas
sociedades altamente industrializadas (WOLF, 2012). O conceito principal era de
que o mercado de massa impe padronizao e organizao; os gostos do pblico e
as suas necessidades impem esteretipos e baixa qualidade. Desse modo, o
sistema condiciona por completo a forma e a funo do processo de fruio e a
qualidade do consumo, bem como a autonomia do consumidor, ou seja, esta
mquina da indstria cultural gira sem sair do lugar: ela mesma determina o
consumo e exclui tudo o que novo, que se configura como risco intil, tendo
elegido com primazia a eficcia dos seus produtos (WOLF, 2012, p. 76-77). O
carter impositivo atingia em cheio os media, conforme assinalou Lemos (2002, p.
83): A Escola de Frankfurt criticou, de forma oportuna, o carter homogeneizante da
tecnologia e dos media, assim como o perigo da vinculao entre tecnologia e
poder.
Esse vis do carter impositivo [grifo nosso] da mdia interessa ao presente
estudo. Os discursos das indstrias e do comrcio de produtos naturais, veiculados
39
em seus sites, padronizaram a questo dos nutrientes. O produto alimentcio foi
igualado a alimento. E todos foram reduzidos a meros nutrientes, destacando
vitaminas, e deixando aditivos e conservantes sem a devida ateno, em letras
minsculas, nos rtulos.
Thompson assinala a influncia da Escola de Frankfurt sobre seu
pensamento, j que os primeiros tericos crticos buscavam analisar as trajetrias de
desenvolvimento especficas das sociedades modernas, refletindo sobre suas
limitaes e oportunidades de desenvolvimento. Assim, ele argumenta: Sejam quais
forem as limitaes da obra dos tericos crticos, eles estavam corretos, no meu
ponto de vista, ao enfatizar a importncia persistente da dominao no mundo
moderno (...) (THOMPSON, 2009, p. 426). No entendimento deste autor, a
comunicao uma atividade social que envolve a produo, a transmisso e a
recepo de formas simblicas. E a transmisso cultural das formas simblicas
envolveria trs aspectos: o meio tcnico (substrato material, que garante grau de
fixao e permite reproduo); o aparato institucional e o distanciamento espao-
temporal, de acordo com Thompson (2009).
Para o referido autor (2009, p. 167), a comunicao de massa se tornou um
fator principal de transmisso da ideologia nas sociedades modernas:
A comunicao de massa , certamente, uma questo de tecnologia, de mecanismos poderosos de produo e transmisso; mas, tambm, uma questo de formas simblicas, de expresses significativas de vrios tipos, que so produzidas, transmitidas e recebidas por meio de tecnologias desenvolvidas pela indstria da mdia.
Assim, os meios tcnicos criam novas relaes sociais. A forma de
transmisso da mdia afeta a natureza da interao social, pois contemplar, utilizar
ou perceber uma extenso de ns mesmos sob forma tecnolgica implica
necessariamente em adot-la (MCLUHAN, 2007, p. 64). O meio mcluhaniano o
ambiente que afeta, tensiona, sugere significados e sentidos, visto que sob essa
perspectiva, a noo de meio carrega em si um carter cultural (BARICHELLO;
CARVALHO, 2013, p. 236-237).
40
Nesse sentido, a Teoria do Meio, que proporciona aportes sobre o meio digital
e seus impactos na comunicao, entra nesta reviso terica. O americano Joshua
Meyrowitz batizou esta corrente de pesquisa na dcada de 80. Para ele: cada
medium um tipo de ambiente que possui caractersticas relativamente fixas que
influenciam a comunicao numa maneira particular (MEYROWITZ, 2001, p. 95).
Segundo o autor, as caractersticas do meio podem encorajar ou limitar formas de
interao e organizao social, e as discusses sobre o ciberespao confirmariam
isso.
Joshua Meyrowitz (2001) apontou que Harold Innis e Marshall McLuhan
faziam parte da primeira gerao desta teoria, analisando os efeitos dos meios sob o
ponto de vista das transformaes macrossociais. Innis (1951), segundo Czitrom
(1982), partiu dos estudos de Thorstein Veblen (1904) sobre os estgios do
crescimento tecnolgico e chegou comunicao como um fator at ento ignorado
pelos economistas. Em seu livro O vis da comunicao (2011), Innis trata do papel
dos meios de comunicao na histria, valorizando a tradio oral. Tambm, discute
a importncia do elo cultura-tecnologia no mundo moderno, destacando que a
interao entre o meio de comunicao e realidade social criaria o vis que
impactava os valores da comunidade, ou seja, o meio repercutia sobre a mensagem.
McLuhan foi um seguidor de Innis. Tambm para ele, a mensagem de
qualquer meio ou tecnologia est na mudana de escala ou padro que esse meio
ou tecnologia introduz nas coisas humanas. A mensagem do cinema enquanto meio,
na viso desse autor, est na transio da sucesso linear para a configurao
criativa, por exemplo (MCLUHAN, 2007). Extrapolando para o atual objeto de
pesquisa, considera-se que o meio de transporte internet tende a causar impactos
na relao das empresas Mundo Verde e Ponto Natural com os pblicos que
acessam seus sites. Os mesmos textos, em outro meio (um folder impresso, por
exemplo) podem produzir uma informao diferente.
Desse modo, a primeira gerao da Teoria do Meio se preocupou com as
mudanas que as grandes instituies sociais (Estado, Escola etc.) poderiam sofrer
por conta da insero de um novo meio. J a segunda gerao, cujo principal
representante o prprio Meyrowitz, se ocupou especialmente dos efeitos dos
41
meios de comunicao sobre o comportamento do indivduo. Em seu livro No Sense
of Place: The Impact of Electronic Media on Social Behavior (1986), Meyrowitz
aproxima a Teoria do Meio do Interacionismo Simblico. Segundo Sousa (2004), ele
argumenta que os meios de comunicao modificam as situaes sociais porque
alteram o sentido de lugar e o acesso aos sistemas de informao.
Com efeito, a Teoria do Meio traz contribuies relevantes para a discusso
dessa dissertao. O meio internet tem impactos sobre os textos dos sites em
estudo, estruturando sentidos sobre a sade que no estariam presentes em outros
meios (impresso, por exemplo).
E para entender os diferentes sentidos e expresses da comunicao sobre a
sade, cabe tratar de seus variados conceitos ao longo da histria.
3.2 A SADE
Traar uma epistemologia da sade implica em recorrer histria. Por mais
de seis dcadas, um conceito de sade amplamente aceito tem sido o da
Organizao Mundial da Sade (OMS), divulgado na carta de princpios de sete de
abril de 1948 (desde ento, o Dia Mundial da Sade): Sade o estado do mais
completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia de enfermidade
(SCLIAR, 2007, p. 37).
No Brasil, a Constituio Federal de 1988 definiu o conceito de sade
incorporando diversas dimenses; para se ter sade, seria preciso ter acesso a um
conjunto de fatores como alimentao [grifo nosso], moradia, emprego, lazer,
educao etc. (CONASS, 2011, p. 22).
Ainda na Constituio Federal (1988), no artigo 196, a sade apresentada
como sendo um
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e recuperao.
42
Tanto na definio da OMS quanto na Constituio Federal, sade um
conceito amplo e pode parecer inatingvel. Desse modo, cabe pontuar como o
significado de sade evoluiu ao longo dos tempos at a atualidade, discutindo esse
carter de integralidade, que envolve tambm a alimentao, apresentado nas falas
oficiais [grifo nosso] das instituies e governos.
Segundo Albuquerque e Oliveira (2002), as concepes trazidas desde a pr-
histria sobre sade e doena foram modificadas a partir de Hipcrates, mdico
grego (460-377 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental14. Para Scliar (2007),
a concepo de sade e de doena tem, no Oriente, at os dias atuais, similaridade
com a concepo hipocrtica quando as foras vitais funcionam de forma
harmoniosa, h sade; caso contrrio, emerge a doena. Desse modo, as medidas
teraputicas (acupuntura, ioga etc.) tm por objetivo restaurar o fluxo normal de
energia (chi, na China; prana, na ndia) no corpo.
J no sculo XVII, surge o modelo biomdico. Albuquerque e Oliveira (2002)
relatam que a orientao cientfica da Idade Moderna, naquele momento da Histria,
estava baseada numa viso mecanicista e reducionista do homem e da natureza,
traduzindo a realidade do mundo conforme a metfora de funcionamento de uma
mquina. Do mesmo jeito que se montavam e desmontavam as mquinas, os seres
vivos poderiam ser estudados por suas partes constituintes (os rgos).
No sculo XIX, dois acontecimentos histricos influenciaram o modo de
pensar o processo sade-doena. Corra (2010) aponta que o primeiro foi a
revoluo pasteuriana, e o segundo foi o desenvolvimento da epidemiologia e
medicina social. Louis Pasteur [1822-1895], Robert Koch [1843-1910], entre outros
cientistas, comearam a observar e identificar atravs do microscpio os agentes
etiolgicos de doenas infecciosas, alcanando a produo de soros e vacinas. No
Brasil, diversos cientistas voltaram-se para a microbiologia; entre eles, Oswaldo
Cruz, que fez estgio no Instituto Pasteur (CORRA, 2010).
14
Segundo Albuquerque e Oliveira (2002), Hipcrates criou um novo conceito de sade, defendendo que as doenas no eram originadas por demnios ou por deuses, mas por causas naturais que obedeciam a leis tambm naturais. Para ele, o bem-estar estava sob a influncia do ambiente (ar, gua, locais que a pessoa frequentava, alimentao etc.).
43
De acordo com Azeredo (2011), na mesma poca, o filsofo alemo Friedrich
Nietzsche [1844-1900] discutia a concepo de sade, partindo da compreenso de
que no h um padro definitivo para um homem saudvel e de que o corpo est em
permanente combate entre foras. O sinalizador da sade seria o desejo de vida, a
capacidade de dizer sim vida, de enfrentar os combates fsicos. Negar a natureza
trgica e catica da vida promoveria a degenerao das foras vitais, uma vez que
no haveria como retirar do ser humano todos os seus fatores de impreciso e
movimento.
No pensamento nietzschiano, ainda segundo Azeredo (2011), a grande
sade representava um estado de disposio plena para a vida. Um corpo doente
no impedia a sade. No se tratava de ser forte ou fraco, mas de dizer sim vida
diante da dor, da alegria, da angstia, do desconhecido.
Dcada depois de Nietzsche, aps a Segunda Guerra Mundial, h uma
retomada da nfase na dicotomia sade-doena. Amorim (2014) destaca que, se no
sc. XIX os governos tinham comeado a considerar a sade a partir de uma
vertente poltica, j que a produtividade das fbricas dependia de trabalhadores
saudveis, depois da Segunda Guerra, tornou-se necessrio que os pases unissem
esforos para a promoo da sade.
Assim, nessa segunda metade do sculo XX, o foco passou a ser a adoo
de comportamentos saudveis. Albuquerque e Oliveira (2002) exemplificam que era
preciso deixar de fumar, ter cuidados com a alimentao [grifo nosso], praticar
exerccio fsico, gerenciar o estresse, dormir o nmero necessrio de horas de sono
e fazer um check up regular do estado de sade.
J Capra (2004, p. 301) ressalta que
a doena fsica pode ser contrabalanada por uma atitude mental positiva e por um apoio social, de modo que o estado global seja de bem-estar. Por outro lado, problemas emocionais ou o isolamento social podem fazer uma pessoa sentir-se doente, apesar de seu bom estado fsico. Essas mltiplas dimenses da sade afetam-se mutuamente, de um modo geral; a sensao de estar saudvel ocorre quando tais dimenses esto bem equilibradas e integradas. A experincia de doena resulta de modelos de desordem que podem se manifestar em vrios nveis do organismo, assim
44
como nas vrias interaes entre o organismo e os sistemas mais vastos em que ele est inserido.
A sade, portanto, estaria ligada a uma experincia de bem-estar resultante
de um equilbrio dinmico que envolve os aspectos fsicos e psicolgicos do
organismo, assim como suas interaes com o meio ambiente natural e social [grifo
nosso].
Em 1986, ocorre a primeira Conferncia Internacional sobre Promoo da
Sade, realizada em Ottawa (capital do Canad), onde foi aprovada a carta de
Ottawa. Neste documento, a promoo da sade ento considerada uma
responsabilidade tanto do indivduo, pois exige dele estilos de vida saudvel [grifo
nosso], quanto do setor da sade, que deve propiciar condies e recursos
essenciais sade (educao, alimentao [grifo nosso], recursos econmicos,
equidade etc.). Assim, a promoo da sade cruza-se, oficialmente, com o
conceito de estilo de vida (AMORIM, 2014).
A noo de estilo de vida foi colocada como o fator mais relevante para
preservar e/ou prejudicar a sade humana (mais importante do que os fatores
biolgicos, ambientais ou de organizao dos servios de sade), uma vez que os
estilos de vida esto fora do controle dos servios de sade e dependem das
escolhas das pessoas. Assim, a concepo de que a sade depende, em maior
grau, das decises individuais e, com isso, responsabilidade de cada indivduo
se converteu numa ideia dominante particularmente desde os anos 90, quando o
Banco Mundial e a Organizao Pan-Americana da Sade/OMS respaldaram essa
postura (ROJAS-RAJS; SOTO, 2013).
A referncia mais atual para o conceito de sade repousa no trabalho do
pesquisador Naomar de Almeida Filho, do Instituto de Sade Coletiva da Universidade
Federal da Bahia, que, em 2011, lanou o livro O que sade?. Com ele, a discusso
relativiza tanto a definio da OMS quanto as teorias dos comportamentos saudveis
de cada indivduo. O autor deixa claro que h vrias sades (p. 145). Em programa
de entrevista veiculado no Canal Sade (2012), no qual o livro debatido entre
Almeida Filho e a tambm pesquisadora Dina Czeresnia, o autor aponta que o
45
conceito da OMS cria uma falsa ideia de que po