5
O criador do Marketing na Cozinha e sócio do Belo Comidaria, Rafael Mantesso, detona: aos apaixonados pelo paladar, não abra um restaurante. Ou abra, mas leia seu texto antes SÓ ABRA SE TIVER COLHÕES Gastrô | ANDERSON ROCHA Fotos: Pedro Gonjo

Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O criador do Marketing na Cozinha e sócio do Belo Comidaria, Rafael Mantesso, detona: aos apaixonados pelo paladar, não abra um restaurante. Ou abra, mas leia seu texto antes. Revista O Tempo Livre. Edição 10.

Citation preview

Page 1: Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

O criador do Marketing na Cozinha e sócio do Belo Comidaria, Rafael Mantesso, detona: aos apaixonados pelo paladar, não abra um restaurante. Ou abra, mas leia seu texto antes

Só abra Se tiver colhõeS

Gastrô | ANDERSON ROCHA

Fotos: Pedro Gontijo

Page 2: Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

Se conselhos fossem bons, o Mantesso os venderia (como já fez quando era consultor); mas, como alguns são ótimos,

ele os compartilha. Há dois anos, o ho-mem de cozinha expert em marketing de BH, Rafael Mantesso, 31, cravou: “Não abra um restaurante”, em um ar-tigo. O texto apresentava motivos pe-los quais um apaixonado pela arte do paladar não deveria empreender pela culinária. A afirmação gera polêmica até hoje, sempre que é republicada: é que Rafael corre do politicamente cor-reto e rasga o verbo, sempre que ne-cessário. E ele avisa: se fosse escrito hoje, seria dez vezes pior.

É que na época da redação do tex-to (que você lê aqui, no site do Chit Chat), o publicitário era ‘apenas’ con-sultor de culinária de restaurantes e editor do blog Marketing na Cozinha.

Ele não tinha, de fato, um restauran-te para chamar de “seu”. Desde mar-ço do ano passado, isso mudou: ele e os empresários Bernardo Resende e Henrique Gilberto (chef vencedor do ‘Super Chef ’, da Globo) abriram o Belo Comidaria, no São Pedro, na re-gião Centro-Sul da capital, um bistrô agradável e divertido - que também é padaria e tem cerveja artesanal.

“O dia a dia como dono me revela muito mais problemas do que como consultor”, afirma Mantesso, mineiro de Carangola, na Zona da Mata, e for-mado em publicidade pela ESPM, no Rio de Janeiro, onde viveu uns anos. Rafael explica que o texto (pelos quais alguns o criticam) é do bem: ele quer afastar do mercado aqueles que acham que abrir um restaurante é coisa sim-ples. Ou seja, tá ajudando os colegas a evitarem dores na cabeça.

Foto: Pedro Gontijo

Page 3: Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

“Abrir um restaurante é mais que um negócio: é um estilo de vida. Você precisa querer mudar o mundo, ali. É muito comum encontrar entusiastas no segmento de cozinha. Mas para esses (tipos) não há espaço no mer-cado. Eu poderia escrever um artigo sobre como abrir um restaurante: eu iria dizer o que ele precisa, que é pensar no cliente, no funcionário, no fornecedor, etc, mas eu fiz o inver-so”, diz.

Segundo ele, achar que sabe cozinhar é insuficiente para o se dar bem. E é isso e outras coisas que ele fala no texto. “Há muita opção de comida por aí e você não pode ser só mais um. Não é brincadeira! Eu perdi meu casamento por causa disso: precisei dormir seis noites seguidas no restau-rante. Você não tem mais tempo para nada. Você vira pai de todos os fun-cionários. Você gera tantos empregos que se você não entender a seriedade disso, você se dará mal”, afirma. “A estatística, aliás, mostra que a chan-ce de você ter insucesso é muito mais alta do que ter sucesso”, diz.

Funcionários: outro capítulo Há quem tenha julgado e criticado a fala de Mantesso no artigo muito precon-ceituosa em relação aos trabalhado-res do segmento de cozinha. No tex-to, o marqueteiro fala que… bom, leia você mesmo.

“Vá se acostumando com os filhos que passaram mal, os acidentes de moto, as greves de ônibus, as reuni-ões na escola da ‘Thablytha’ e todas as milhares de justificativas para fal-tas que acontecem exatamente na-quele dia que o seu estabelecimento resolveu encher”.

Pegou mal, Mantesso? Ele não se aba-la e, tranquilo, responde: “não é ser hipócrita, não: mas, com todo o amor que eu tenho pelos meus funcionários, sei que não é o sonho da vida dele es-tar ali. O cara está garçom ou caixa por uma oportunidade financeira. O envolvimento é por grana e ele, mui-tas vezes, não tem treinamento. Ago-ra tem faculdade, pelo menos. Anti-gamente você tinha que dar noções básicas de higiene; tinha gente que era pedreiro e ia direto para dentro da cozinha”, diz. E completa: “meus gerentes têm a chave da minha casa. A gente se diverte juntos”, afirma.

De onde vem a garra O gosto por co-mer bem, ele conta, veio da família, “muito simples, mas muito agrega-dora”. “Meu avô, por parte de mãe, fazia questão que almoçássemos jun-tos. E a comida tinha que ser boa: era frango com quiabo, mas ele fazia questão de dizer que a galinha ha-via sido morta naquele dia. Tudo isso passou para minha mãe e o meu pai também tem esse valor”, relembra.

Page 4: Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

A gastronomia como profissão come-çou a dar as caras em 2005, com o estágio no marketing da empresa de cigarros Souza Cruz, no Rio de Janei-ro. “Tinha contato com toda a gale-ra dona de bares e restaurantes. Foi ali que percebi que esse seria um ne-gócio que eu gostaria de trabalhar: sempre quis ser autônomo, dono do meu negócio”, diz.

Se é bar que ele quer, BH parecia ideal. Formado, em 2007, Mantesso se mudou para a cidade dos bo-tecos, onde conheceu empreendedores da área. Indicado por uma amiga, ele traba-lhou por dois anos no marketing de um bar e decretou: bar nunca mais. Foi nesse perío-do, também, que ele começou com o blog Marketing na Cozi-nha. O site, na verdade, começou com uma “nuvem”: um local onde ele ano-tava e salvava ideias criativas sobre o mercado de gastronomia, que ele gos-taria de implementar em restaurantes.

“Fiz o blog para mim, mas com o tem-po ele começou a ser acessado e dar di-nheiro. Começou também a me tomar tempo. Não dava mais para trabalhar”, conta. O Marketing, criado em 2008, tornou-se um dos mais acessados na área. A ideia do blog é falar sobre criati-

vidade e inspiração na gastronomia. “A gastronomia é muito ampla: vai desde o design de uma faca até uma campanha publicitária do Mc Donalds. O conteúdo interessa à pessoas que gostam do tema. Comer todo mundo gosta, mas cozinhar nem todos”, afirma. Um dos posts mais acessados do site é um vídeo que ensina a gelar cerveja em apenas três minutos. “Interesse geral!”, diz.

Do blog, portas se abriram: ele come-çou a dar aulas em cursos de cozinha de BH. De lá, vieram as consultorias, que davam um trabalho da porra. “Minha última consultoria foi para dois caras que estavam empe-nhados em abrir um negócio. Ajudei a definir a cara do res-taurante. Me envol-vi tanto com o pro-

jeto, gostei tanto da ideia dos dois, que acabei virando sócio”, relembra. Era o Belo que estava nascendo…

Atualmente, Rafael está envolvido “até a tampa” com a culinária, já que trabalha no Belo, edita o blog e tra-balha na comunicação do ATÁ, ins-tituto de gastronomia pró-pequenos produtores e que luta pela reflexão sobre a relação homem e alimento, criado pelo badalado chef brasileiro Alex Atala.

Page 5: Só abra se tiver culhões - Revista O Tempo Livre

abro oU NÃo abro? Em BH, é ainda mais difícil manter um restaurante: você precisa que o cliente volte. No Rio tem turista o ano todo. O serviço lá é uma merda por isso. Você tá pouco se fudendo! Você é mal atendido e eles não estão nem aí. Em BH, se meu cliente não voltar, eu quebro em um ano.

As variáveis atrapalham tudo: se cho-ver, ninguém sai; o dono do imóvel que você alugou pode dobrar o con-trato; o fornecedor pode entrar em entressafra; o transporte pode entrar em greve e o garçom não irá traba-

lhar. E não é muito lucrativo: um res-taurante que dê de 10 a 15% de lucro é de muito sucesso, pois o custo ope-racional é muito alto. Você tem um local que fatura 300 mil reais, mas ele custa 280. E aí?

Você precisa querer se coçar: no fi-nal das contas, não pode abrir um restaurante pela grana. Não conheço uma pessoa que abriu pensando em dinheiro e que, efetivamente, con-quistou dinheiro. Só deu grana àque-les que pensaram além, em algo mais amplo.

FRASES DO MANTESSO