São Paulo, 03/04/2020. URGENTE: EMERGÊNCIA HUMANITÁRIA - … · 2020-04-24 · São Paulo, 03/04/2020. URGENTE: EMERGÊNCIA HUMANITÁRIA - PANDEMIA COVID-19 – INSEGURANÇA ALIMENTAR

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São Paulo, 03/04/2020.

URGENTE: EMERGÊNCIA HUMANITÁRIA - PANDEMIA COVID-19 –INSEGURANÇA ALIMENTAR - FORNECIMENTO EMERGENCIAL DE CESTASBÁSICAS E PRODUTOS DE HIGIENE - POVOS INDÍGENAS/SP

À Prefeitura Municipal de Iguape

À Secretária Municipal de Assistência Social de Iguape

Ao Conselho Deliberativo do Fundo Social Municipal de Iguape

RECOMENDAÇÃO NUDDIR Nº 07/2020

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio de seu NÚCLEOESPECIALIZADO DE DEFESA DA DIVERSIDADE E DA IGUALDADE RACIAL(NUDDIR); A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, por meio da DEFENSORIAREGIONAL DE DIREITOS HUMANOS EM SÃO PAULO; presentadas pelos/asDefensores/as Públicos/as subscritores/as e com fundamento no art. 5º, inciso VI,alíneas “b”, “f” e “l”, combinado com o art. 53, inciso II, da Lei Complementar nº988/2006, assim como no art. 4º, X e XI da Lei Complementar nº 80/1994; e OMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, presentado pelo Procurador da Repúblicasignatário, com fundamento no art. 127, caput, e art. 129, V da Constituição daRepública, no art. 5º, III, “e”, e no art. 6º, VII, “c”, I, da Lei Complementar n.º75/93,

CONSIDERANDO que é incumbência constitucional da Defensoria Pública, enquantoinstituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, expressão einstrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, apromoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial eextrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aosnecessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal;


CONSIDERANDO ser atribuição do Ministerio Publico Federal a defesa dos povosindígenas, assim como da ordem jurídica, do regime democrático e dos interessessociais e individuais indisponiveis, nos termos do 127, caput, e do art. 129, III e V, daConstituição, entre os quais se inserem, conforme seu art. 6º, caput, a saude e aalimentação, além da protecao a maternidade e a infancia, e da assistencia aosdesamparados;CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil, constituída em EstadoDemocrático de Direito, fundamenta-se no princípio da dignidade da pessoa humana(art. 1º, III, CF);CONSIDERANDO que a região do Vale do Ribeira, a qual compreende uma área de2.830.666 hectares, abriga uma população de 481.224 habitantes, grande parcelapresente em aldeias indígenas, distribuídas entre diversos municípios paulistas;CONSIDERANDO a Convenção nº 169/89 da Organização Internacional do Trabalhosobre Povos Indígenas e Tribais, que, em seu artigo 23, dispõe: o “artesanato, asindústrias rurais e comunitárias e as atividades tradicionais e relacionadas com aeconomia de subsistência dos povos interessados, tais como a caça, a pesca comarmadilhas e a colheita, deverão ser reconhecidas como fatores importantes damanutenção de sua cultura e da sua autosuficiência e desenvolvimentoeconômico. Com a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governosdeverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades”;

CONSIDERANDO o direito humano à alimentação adequada, contemplado peloartigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, cuja definição foi ampliadaem outros dispositivos do Direito Internacional, como o artigo 11 do Pacto deDireitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Comentário Geral nº 12 da ONU;CONSIDERANDO a aprovação, em 2010, da Emenda Constitucional nº 64, quealterou a redação do artigo 6º da Constituição Federal para incluir, no rol de direitossociais fundamentais, o direito à alimentação;CONSIDERANDO que o direito humano à alimentação adequada consiste no acessofísico e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como empregoe terra, de modo contínuo e em conformidade com o contexto e as condiçõesculturais, sociais, econômicas, climáticas e ecológicas de cada pessoa, etnia, culturaou grupo social;


CONSIDERANDO que a segurança alimentar e nutricional constitui princípio daPolítica Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e ComunidadesTradicionais (Decreto nº 6.040 de 2007), compreendendo o direito ao acessoregular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, tendocomo base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidadecultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis;CONSIDERANDO a declaração da OMS de estado de pandemia em relação ao novoCoronavírus (COVID-19), datada de 11 de março de 2020; a Declaração deEmergência em Saúde Pública de Importância Internacional da Organização Mundialda Saúde, de 30 de janeiro de 2020; a Declaração de Emergência em Saúde Públicade Importância Nacional – ESPIN - veiculada pela Portaria n. 188/GM/MS, em 4 defevereiro de 2020; o reconhecimento do estado de calamidade pública pelo DecretoLegislativo nº 06.20; o Decreto Estadual nº 64.879, de 20 de março de 2020, quereconhece o estado de calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 queatinge o estado de São Paulo; e o Decreto Estadual nº 64.881, de 22 de março de2020, que decretou medida de quarentena no estado de São Paulo, consistente emrestrição de atividades de maneira a evitar a possível contaminação ou propagaçãodo coronavírus;CONSIDERANDO que um instrumento importante para a garantia de direitos paraos grupos sociais vulneráveis é o Cadastro Único de Programas Sociais do GovernoFederal, pois a partir do Cadastro Único é possível identificar as famílias que devemser incluídas em programas sociais, como o Bolsa Família;CONSIDERANDO que as famílias indígenas devem ser cadastradas no CadÚnico noscasos em que passam por situações de insegurança alimentar e nutricional ou devulnerabilidade social, como é o caso, por exemplo, daquelas que não têm aalimentação diária garantida; das que apresentam altos índices de desnutrição emortalidade infantil; das que apresentam altos índices de problemas de saúde entrejovens, adultos e idosos; e das impossibilitadas de desenvolver atividadesautossustentáveis e/ou de desenvolvimento comunitário local, desde que hajaadesão voluntária do povo indígena ao programa social e a avaliação positiva dogrupo quanto às condições para recebimento dos benefícios sociais, como os detransferência de renda;


CONSIDERANDO o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Governo Federal,ao qual o Estado de São Paulo aderiu no ano de 2013, que inclui a modalidadeCompra da Agricultura Familiar com Doação Simultânea (CPR Doação), consistenteem promover a inclusão social e econômica no campo por meio do fortalecimento daagricultura familiar, permitindo que grupos em situação de vulnerabilidade, aexemplo de povos indígenas, acessem alimentos gratuitamente;CONSIDERANDO a existência do Programa Nacional de Alimentação Escolar(PNAE), instituído a partir dos ditames da Lei nº 11.947/2009, que determina autilização de, no mínimo, 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional deDesenvolvimento da Educação – FNDE - para alimentação escolar, por meio dacompra de produtos da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou desuas organizações, priorizando, dentre outras, as comunidades tradicionais;CONSIDERANDO que tanto as medidas de isolamento social prolongado quanto oprovável aumento vertiginoso das taxas de desemprego em virtude da iminenterecessão econômica causada pela pandemia tendem a afetar e restringir os meios desobrevivência e obtenção de renda pela população economicamente ativa dasaldeias indígenas, as quais dependem da venda de artesanatos em feiras, davisitação de turistas, da roça de subsistência e da merenda escolar, agravando o jápreocupante quadro de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional;CONSIDERANDO a Representação nº 20200024764, encaminhada pelo ConselhoIndigenista Missionário (CIMI) ao Ministério Público Federal no dia 27 de março de2020, na qual se solicita a apuração das condições saúde e de subsistência nas TerrasIndígenas no estado de São Paulo e se pede providências para garantir segurançaalimentar às famílias indígenas, grande parte desprovidas de renda em razão dainterrupção de atividades de turismo de base comunitário e venda de artesanato;CONSIDERANDO a presença no município de Iguape da Aldeia IndígenaItapuã/Icapara, a qual conta com 17 famílias que necessitam com urgência de cestasbásicas, produtos de higiene e limpeza;CONSIDERANDO a presença no município de Iguape da Aldeia Indígena Jejyty/Tocado Bugio, a qual conta com 12 famílias que necessitam com urgência de cestasbásicas, produtos de higiene e limpeza, ferramentas para agricultura (foice, enxadas,facões) e mudas (de banana, batata doce, feijão, milho e mandioca);


CONSIDERANDO a presença no município de Iguape da Aldeia IndígenaTakuaty/Icapara, a qual conta com 10 famílias que necessitam com urgência decestas básicas, produtos de higiene e limpeza;CONSIDERANDO a presença no município de Iguape da Aldeia Indígena Ka’aguyHovy/Itaguá, a qual conta com 03 famílias que necessitam com urgência de cestasbásicas, produtos de higiene e limpeza;CONSIDERANDO a presença no município de Iguape da Aldeia IndígenaGuaviraty/Subauma, a qual conta com 15 famílias que necessitam com urgência decestas básicas, produtos de higiene e limpeza, combustível para maquinário agrícola(roçadeira), ferramentas para agricultura (foice, enxadas, facões), mudas (de banana,batata doce, feijão, milho e mandioca) e animais de granja (galinhas);RECOMENDAM A ESTE MUNICÍPIO a adoção imediata das seguintes medidas:1. O fornecimento de combustível para maquinário agrícola (roçadeira etratorito), de ferramentas para agricultura (foice, enxadas, facões), de mudas(de banana, batata doce, feijão, milho e mandioca) e de animais de granja(galinhas) para as Aldeias Indígenas acima mencionadas, conforme suasnecessidades;2. A distribuição de cestas básicas e produtos de higiene pessoal e limpeza paraas Aldeias Indígenas Itapuã, Takuaty, Jejyty, Ka’aguy Hovy e Guaviraty,tomando as cautelas necessárias para que os alimentos contidos nas cestassejam prioritariamente produzidos por meio da agricultura familiar e nãoindustrializados, bem como adotando cuidados para que todos os itensentregues sejam adequadamente higienizados e para que as equipesresponsáveis pela entrega façam uso dos equipamentos de proteçãoindividual (EPIs);

3. A elaboração de plano, em conjunto com os povos indígenas, visando àinclusão de famílias indígenas no Cadastro Único (CadÚnico), requisitando,se necessário, apoio dos Distritos Sanitários Especiais (DSEIS), por seuspólos-base de Registro/SP e de Miracatu/SP, que, em muitos casos, jádispõem de diagnósticos sobre a situação nutricional e de saúde dessespovos, priorizando-se aquelas que eventualmente já se encontrem na lista deespera, como forma de ampliar o número de potenciais beneficiários dos


programas emergenciais de transferência de renda implementados pelogoverno federal;4. Assegure a continuidade do PNAE, em que pese a suspensão das aulas,verificando-se, por meio de ação articulada com a Coordenação estadual emunicipal do programa, com as Secretarias Municipais de Saúde e Educação,e com o Conselho de Alimentação Escolar, a viabilidade de se efetivar atransferência direta de parcela dos recursos do PNAE para as famílias dos/asalunos/as matriculados/as na rede pública de educação básica ou ao menos acontinuidade da oferta das merendas escolares, eis que integram a rotinaalimentar dessas famílias, assegurando que as soluções sejam coordenadas ebaseadas na realidade local;5. A criação de Comitê Municipal de Emergência para combate à fome emdiálogo com o Fundo Social, as organizações de assistência social queatendem os grupos de risco e as de longa permanência, doadores/as einstituições.Por fim, aguarda-se resposta à presente recomendação dentro do prazo de 2dias, solicitando-se o envio por escrito através de correio eletrônico(endereço de e-mail localizado no rodapé deste ofício), eis que os serviços deassistência jurídica integral e gratuita garantidos à população vulnerávelpelos órgãos signatários, em razão da pandemia do novo Coronavírus, estãosendo prestados, prioritariamente, de forma remota.Quanto à eficácia da presente Recomendação, informa-se: a) que é meioextrajudicial voluntário e amigável de prevenção de litígio, consubstanciandomeio de instar a solução do problema sem sobrecarregar o Poder Judiciário;b) constitui em mora o destinatário quanto às providências recomendadas,prevenindo responsabilidades; c) constitui elemento probatório em sede deações cíveis ou criminais, registrando-se ainda que a manutenção de ação ouomissão ilegais em desconformidade com a presente Recomendação poderáimplicar o manejo de todas as medidas administrativas e ações judiciaiscabíveis para responsabilização civil, criminal e administrativa.No mais, aproveita-se o ensejo para renovar votos de elevada estima econsideração e informar que as instituições subscritoras estão à disposiçãopara auxiliar no que for necessário.


ANDREW TOSHIO HAYAMADefensor Público do Estado de São PauloMembro do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade RacialConselheiro Estadual dos Povos Indígenas

ISADORA BRANDÃO ARAUJO DA SILVADefensora Pública do Estado de São PauloCoordenadora do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da IgualdadeRacial

VINICIUS CONCEIÇÃO SILVA SILVADefensor Público do Estado de São PauloCoordenador do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da IgualdadeRacial

JOÃO PAULO DORINIDefensor Público FederalDefensor Regional de Direitos Humanos em São Paulo


VIVIANE CEOLIN DALLASTA DEL GROSSIDefensora Pública FederalDefensora Regional de Direitos Humanos em São Paulo

YURI CORRÊA DA LUZProcurador da República em Registro/SPMinistério Público Federal

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