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SOBRE A INDEVIDA UTILIZAÇÃO DO IIMéTODO TRUNCADOII PELOS PROFESSORES1C PSICÕLOGOSjPSICOTERAPEUT ASS E AGENTES SOCIAIS DE MUDANÇAA * Leonel C. Pinto o conceito de método, ou metodologia, em ciência está li- gado a uma lógica (dialética, dinâmica ou relação) entre: o ob- jeto real visado por uma ciência, o in-strumento ou instrumen- tos nela utilizados e os fins colimados pelo Sujeito que pra- tica o método. Para tudo isto usa-se, às vezes, o conceito mais amplo de metodologia, reservando "método" para o instru- mento ou seqüência de procedimentos. Teorias referentes a métodos têm caído muito em des- crédito, nas Ciências Humanas, em razão de que não é pos- sível ver, com exatidão aceitável, a que atribuir os resultados práticos - se aos "bons ou maus" métodos, ou às pessoas "boas ou más" que dizem fazer uso deles. Uma variedade de profissionais faz uso de uma varieda- de de métodos, em suas funções costumeiras. A variedade ex- cessiva, no entanto, indica um desnorteamento, quanto à es- sência do objeto focalizado. Nas Ciências Humanas e nas profissões que Ihes correspondem, a coisa básica a estabe- lecer é o que se deve entender por "humano", ou o que se pretende, quando se quer "humanizar". Depois disso, cabe a escolha e o ap.erfeiçoamento dos métodos, para que a ação (*) CSA são iniciais dos verbos conhecer, sentir e agir. Separados indi- cam, aqui, o método truncado ou a ênfase profissional posta, ora num, ora noutro verbo; juntos ou unidos por traço de união, indicam o método integrado, na Metodologia da Compreensão Existencial (Cf. PINTO, L.C. 1975-1982, ainda não publicado). Educação em Debate, Fortaleza, 4/5 (2/1): 21-38,juljdez. 1982 jan/jun. 1983 21

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SOBRE A INDEVIDA UTILIZAÇÃO DOIIMéTODO TRUNCADOII PELOS PROFESSORES1C

PSICÕLOGOSjPSICOTERAPEUT ASS EAGENTES SOCIAIS DE MUDANÇAA *

Leonel C. Pinto

o conceito de método, ou metodologia, em ciência está li-gado a uma lógica (dialética, dinâmica ou relação) entre: o ob-jeto real visado por uma ciência, o in-strumento ou instrumen-tos nela utilizados e os fins colimados pelo Sujeito que pra-tica o método. Para tudo isto usa-se, às vezes, o conceito maisamplo de metodologia, reservando "método" para o instru-mento ou seqüência de procedimentos.

Teorias referentes a métodos têm caído muito em des-crédito, nas Ciências Humanas, em razão de que não é pos-sível ver, com exatidão aceitável, a que atribuir os resultadospráticos - se aos "bons ou maus" métodos, ou às pessoas"boas ou más" que dizem fazer uso deles.

Uma variedade de profissionais faz uso de uma varieda-de de métodos, em suas funções costumeiras. A variedade ex-cessiva, no entanto, indica um desnorteamento, quanto à es-sência do objeto focalizado. Nas Ciências Humanas e nasprofissões que Ihes correspondem, a coisa básica a estabe-lecer é o que se deve entender por "humano", ou o que sepretende, quando se quer "humanizar". Depois disso, cabe aescolha e o ap.erfeiçoamento dos métodos, para que a ação

(*) CSA são iniciais dos verbos conhecer, sentir e agir. Separados indi-cam, aqui, o método truncado ou a ênfase profissional posta, oranum, ora noutro verbo; juntos ou unidos por traço de união, indicamo método integrado, na Metodologia da Compreensão Existencial(Cf. PINTO, L.C. 1975-1982, ainda não publicado).

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prática (ou política) seja mais rápida, mais completa, maiseficaz e duradoura. .

Neste enfoque, é humano todo ser que tem o potencialanímico da espécie; e humanizar é o fato de trabalhar. p~raque todos os humanos, sem exceção, tenham as ~ondlçoesnecessárias e suficientes de desenvolver harmoniosamenteesse potencial.

O Domínio Psíquíco - A idéia de C.J. Jung (1) é que aciência da natureza, como, por exemplo, a física "observ~ odomínio físico, do ponto de vista psíquico, e po.?e traduzi-lopsiquicamente". Isto quer dizer que as observações captadasjá são dados psíquicos ou cognitivos, representa~.?s .ou sim-bólicos, viáveis em fórmulas matemáticas (uma crencia pura,de pura função psíquica). .

Combinados os dados da observação sobre o mundo fi-sico, com os fins do cientista que manipula o método - épossível organizar uma tal ou qual fórmula capaz de ser e_x-plodida, e matar, de uma só vez, milhares de pessoas (alusao

'ao evento-bomba de Hiroxima). Tal catástrofe levou Jung aafirmar que "a psiquê é perturbadora do Cosmos regido porleis naturais".

O que, então, se chama de "domínio psíquico", que omesmo seria dizer "dynamis intencionada", inclui:

os dados observados, percebidos eorganizados numa "gestalt";abertura maior ou menor, afetiva,para o mundo como um todo físico,social, cultural, religioso ... ;

m é t o d o (A): uso de uma organização de proce-dimentos e o instrumental, ou oponto de Arquimedes (alavanca eponto de apoio), ou seja, meios--para-um-fim.

capta psíquica (C):

intencionalidade (8):

Quer se trate de sofisticados cientistas, ou de trabalha-dores academicamente ingênuos - a ação sempre é funçãodo que o homem conhece e do que ele sente nas situações.C-8-A estão sempre implicados, em qualquer momento huma-no, por simples ou complexo que seja. Tal é a sub~tânci~ daconsciência e, portanto, da psicologia humana. E e por ISSO

1) JUNG. Carl G. Les Ra.cines de Ia conseíenee, Paris. Buchet/Chastel,1971, p. 541-550.

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que, a explosão da bomba atômica, como todas as guerrase todas as formas de violência (raptos, exploração política, in-justiça social, etc.) devem ser considerados uma "catástrofepsíquica", isto é, uma dissolução da consciência, da essênciahumana, da unidade básica, da harmonia, da lógica ou da dinâ-mica da compreensão existencial.

Meios-para-um-fim (e, certamente, não o mais nobre), po-demos dizer que os métodos são bons, cada vez mais pode-rosos (A) - mas os humanos são egóticos, inacabados comopessoas, gente de má vontade e de intenções ainda estreitas(8), visando o exclusivo poder econômico e político sobre omundo, o qual conseguem captar cada vez menos (C), já quea fraca abertura Ihes não permite mais vasta percepção.

O Pensar "Truncado" unílateral - Por certo que o mé-todo a rigor, para apreender em fórmulas o mundo físico e,eventualmente, explodi-lo, é o pensar matemático. Este é umconjunto de axiomas enfeixados por umas quantas regras detransformação, constituindo um todo (sistema) autoconsisten-te. Quando os dados do mundo físico são introduzidos nessar.ede de transformações, visões novas da realidade exteriorsurgem, como por encanto, e o cientista pode reorganizarsuas fórmulas, produzir os fatos e dominar o mundo (A).

O cientista tecnólogo perde-se aqui. Por momentos sentecomo se o mundo estivesse preso nas malhas de sua red.e ló-gica (C). E, de certa forma, está. O que falha, nestas circuns-tâncias, não é a lógica, mas a sensibilidad.e (8) que, para ládo laboratório, permita ao cientista permanecer "intenciona-do" em sua consciência. Intencionado quer dizer dirigidopara as variações do mundo à sua volta, onde é preciso re-fazer a harmonia que os problemas tendem incessantementea destruir. ~ uma abertura maior às situações humanas, o queestá faltando à tecnologia.

Abertura - O próprio domínio matemático (está provadoa partir de Kurt Godel) não é tão consistente que não preciseadmitir verdades fora daqueles conjuntos axiomatizados. A ver-dade lógico-matemática é matemática e metamatemática. Háproposições-verdade que são sempre indecidíveis, a partir dasregras de transformação. Dito de outra maneira, o sistema ló-gico também é um sistema aberto, relacionado a outras ordensou instâncias, e não somente fechado sobre a sua mesma con-sistência.

Isto leva-nos a pensar nos espaços abertos entre C-8-Ae que, cada aprendiz terá de preencher ou ligar, até ver o

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que realmente sabe. O homem não pode ser .e~ucado, ~rata-do ou manipulado em nome de uma postur~ l~gIC~ cons_lsten-te mas hermética. Em sua prática, os profissionais terao deprivilegiar a unidade CSA, caso. desejem avançar o métod~,no domínio humano e obter validade naquilo que fazem. ( )

Em casos extre'mos, o privilegiar com exclusividade umaúnica ordem lógica (C), psicológica (S) ou a lógica da ação (A)_ conduz necessariamente a perturbações no desenvolvimentoda ciência, nos planos individual e social. V~ja-:e, a título deexplicitação do que se está falando, esta crtacao de RenatoBittencourt (in Freud X Jung, Rio, artenova, 1975, p. 25) refe-rente aos analistas da época de Freud, eles que, certamente,privilegiavam os estudos da sensibilidade:

"Não só em relação aos adversários, mas tambémaos colegas que tergiversavam, ou divergiam,o hábito era atribuir-Ihes traços patológicos ...À exceção de Jung, Abraham, Jones e alguns poucos,o grupo de analistas era composto de desequilibrados,ainda que brilhantes, como Rank, Ferenczi, Stekel,Tausk, Honneger, sem falar dos que aderiram com ointúito de defender a pederastia, ou seja,Hirschfeld. O fim desses homens foi trágico- loucura ou suicídio. Alguns eram psicopatasperigosos, podendo-se citar Gross, que chegou aocrime. E houve quem terminasse os dias na cadeiaReich (op. cit., p. 25).

O ativismo imponderado desemboca nos conflitos armados,nas guerras ou nas lutas de classes, com as trágicas conse-qüências que sempre têm acarretado. E o intelectuallsmo iso-lado da vida, a ênfase posta nos conteúdos programáticos dasescolas, a que nos tem conduzido senão ao impasse de um

(*) A este respeito, cabe uma referência ao "Teste CSA" de PINTO, L. C.,o qual aplicado a pequenas amostras, já permite divisar alçurnas ten-dências. Mulheres e homens se distinguem no domínio psíqulco, Asmulheres privilegiam a sensibilidade como professoras, psicólogas, ousimples estudantes preparando-se para profssões humanísticas, ou. c~mprofissões de nível médio. Os homens, com~ professores, ou proflssl~-nais de nível superior tendem a supervalorlzar a ação e o conheci-mento. Mas, homens ou mulheres tidos por "bons profissionais" cos-tumam exibir índice integrado, em que as estruturas CSA aparecemequiponderadas.

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academicismo pedante, socialmente inflado e profissionalmen-te insatisfatório?

O Psicossistema - O domínio psíquico, sem dúvida, éfeito de experiência, ou seja, feito do que alguém conhece,sente e faz (C-S-A), no mundo ou nas situações. Não esta-mos falando do que uma pessoa tem, e sim, do que uma pes-soa é, incluindo o (espírito) que ela pode vir a ser. Tomadosseparadamente, C ou S ou A não são elementos simples: sãoestruturas ordenadas, ou "instâncias psíquicas", ou planosonde as coisas, problemáticas ou não, se deliberam.

O Quadro I mostra a estrutura do psicossistema, tendonós de considerar, necessariamente, três princípios: unidade,distinção real e intracomunicação.

Unidade e Distinção Real - O psicossistema supõe umaligação de partes tal que o funcionamento seja macio, espon-tâneo, coeso. Nossa tendência é ver os outros e a nós mes-mos como um todo unitário, sem divisões. As coisas são de-liberadas, escolhidas ou optadas, ora mais em uma, ou emoutra das instâncias; pode pesar mais S numa decisão, comopode predominar C, e até mesmo a rotina da Ação prática,numa outra. A pessoa, porém, é uma só e sabe que tal é asua opção, ainda quando em meio aos muitos problemas davida corrente. Pela natureza dos fatores CSA se pode verifi-car a unidade a que nos referimos.

A estrutura lógico-simbólica é abstrata, o que quer dizer,abstraída (colhida ou separada) do contato sensível com omundo, e a manipulação das coisas concretas.

As instâncias são distintas entre si, pelo fato de que umanão é qualquer das outras, nem as outras reunidas. C e A sãovariáveis descontínuas ou discretas, ao passo que S é umavariável contínua. É possível contar o número de informações,ou o número de operações ou atos, necessários para fazerdeterminadas coisas; mas não é possível "contar" emoções,atitudes ou impulsos psicológicos.

Não obstante a distinção real entre o conhecer, o sentire o agir, a sensibilidade é uma como variável líquida em queC e A estão suspensos, de tal forma que a ação ou o conhe-

(*) Nas pesquisas psicológicas costuma-se fazer operações matemáticas,sobre dados obtidos mediante escalas subjetivas ou autoclassificações(grau de agrado-desagrado, desejo e vontade de, etc.): todavia, os es-tadistas mais exigentes não admitem esta prática. No referente aodomínio psíquico global, teremos de se'ecionar, a um nível de men-suração, um sistema abstrato, no qual os dados (C, S, A) possam serrepresentados e devidamente computados.

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cimento são acolhidos ou rejeitados. O conhecer dá satisf,a-ção e o esforço para conhecer pode ser desaqradável, Diga-seo mesmo da atividade. Por um lado, a afetividade positiva dáencanto à vida; e, por outro lado, nenhuma transformação domundo pode efetuar-se sem conhecimento. Nosso corpo é umobjeto e não é um objeto ou, na expressão cabal de Merleau-Ponty, é "um objeto sensível a todos os outros". E aqui estátudo dito: somos em situação concreta, em contato; somosexperiência; e somos transcendência, para além de toda si-tuação singular. O corpo tem subsistemas distintos, como su-porte biológico das instâncias psíquicas: o sistema nervosocentral (C) distingue-se do sistema nervoso autônomo (8) edo sistema motor (A). E contudo, há vias de acesso (unidade)de um para o outro .

Até nas perturbações se manifestam os princípios de uni-dade e distinção real. Assim, uma emoção pode provocar an-siedade, g.erar conflito e levar a erros ou enganos na açãoprática: mas nenhuma emoção pode ser dita absurda, damesma forma que a disfunção de um processo natural (diges-tivo, circulatório, ou outro) não é tido como algo ilógico ou umcontrasenso,

Intracomunicação - a última coluna do Quadro I esque-matiza o princípio da intracomunicação no psicossistema. In-tracomunicação e sistema aberto não são a mesma coisa, mastêm algo a ver. Um sistema é aberto, se tem espaços ou dis-positivos hábeis para intercambiar energias com o exterior, omeio ambiente. Todo ser vivo pode ser considerado um sis-tema aberto.

O psicossistema é aberto nesse sentido: o ser humanointercomunica-se e, além disso, é dotado de intracomunicação.Aliás, a intracomunicação dá-se em dois níveis: ao nível es-trutural e ao nível transestrutural. Como foi visto, a lógica (C)não é tão cerrada, tão consistente ou tão absoluta em suaaxiomática, que não admita o recurso à discussão metamate-mática. A estrutura afetiva (8) não admite, como invariante,apenas o agrado, mas sim, uma certa abertura para o desa-grado, e esta flexibilidade ou tolerância é que permite deci-dir do valor psíquico dos eventos. A lógica do serviço, ou acorrelação entre uma ação e outra é de tal feitio que, alémdas seqüências repetitivas, ainda deixa margem para as va-riações e a criatividade.

A intracomunicação ocorre ainda ao nível transestrutu-ral, como atrás foi dito. Cada estrutura se ordena internamen-

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te e outrossim em relação a cada uma das outras. Há sensi-bilidade na cognição e na ação. Descrito de outra forma, seacariciamos, por exemplo, o dorso de um gato, recebemosdois tipos de informação: uma afetiva, e a outra cognitiva: oagrado sentido e o conhecimento da maciez, que é uma pro-priedade da pele do animal.

Há um feedback permanente através das três instânciaspsíquicas. E é todo conteúdo elaborado desta maneira quepode ser chamado de aprendizagem humana.

A Sensibilidade (S) como Estrutura de Reflexão de En-trada (C) e de Saída (A) - A sensibilidade parece atuar comouma estrutura de "reflexão", onde o mundo percebido ou ma-nipulado mergulha num banho revelador. Somente que, de-pendendo dos estados afetivos, podem ocorrer fenômenos si-milares à refração, à miragem, ao eco, ou às reverberações,de sorte que o feedback, que vai da estrutura sensível para amanipulação, ou a cognição, pode induzir distorções.

Sabemos, pois, que há intracomunicação nas instânciasdo psiquismo. E tal comunicação ocorre numa escala amplís-sima: desde as profundezas da sensibilidade enraizada nascamadas arcaicas do sistema neurolímbico (onde não seráimpossível, talvez, detectar as imagens arquetípicas ou o in-consciente coletivo a que alude Jung), passando pelas primi-tivas Formas ou Idéias Platônicas, até aos estímulos recentes,aqui e agora, de qualquer situação.

Todos os psicólogos têm consenso quanto ao fato de queos estados afetivos aumentam ou diminuem os estímulos e or-ganizam ou inibem a ação. E mais: a estrutura afetiva é a pri-meira a acolher ou rejeitar os eventos e as coisas; por isso re-flete a entrada e a saída para o mundo, o conhecimentopara a ação. Tal como diz Koffka (2), "um objeto aparece atra-ente ou repelente, antes de aparecer negro ou azul, circularou quadrado".

O problema maior, para nós, é saber quais são as regrasde transformação, ou qual a passagem que vincula e, aomesmo tempo, abre os três diferentes modos do psiquismo,em cada indivíduo humano? Como o lógico é incorporado noafetivo e como este engendra a intuição, e como a prática setorna experiência?

Um outro modo de pensar nessa intracomunlcação C-S-A,ou nessa vinculação da lógica, com a psico-lóglca e a lógica

2) KOFFKA K. The Growth of Mind, p. 320~apud Merleau-Ponty. Fenome.nologia da Percepção. Rio, Freitas Bastos, 1971, p, 42.

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do serviço é O "rnapearnento ou espelhamento", tão habitualaos matemáticos. Todos sabem como as figuras, por exemplo,desenhadas na superfície de uma abóbada, podem ser "pro-jetadas" numa superfície plana (mapa), mas de tal modo queas relações entre as figuras planas "espelham" as relaçõesencontradas nas figuras correspondentes da abóbada e, as-sim, a geometria se traduz em operações algébricas, poden-do facilitar certos aspectos. O fundamental no mapeamento,segundo os matemáticos é que "se pode provar que uma es-trutura abstrata de relações incorporadas em um domínio de"objetos" (geometria, álgebra, aritmética) também vale entre"objetos" (em geral de espécie diferente do primeiro conjun-to) de outro domínio". (3) Chama-se a atenção aqui para otermo "incorporadas" que, na citação, significa assimiladasno sistema lógico e, portanto, sem contradição real, no con-junto de "objetos" a que se aplica.

O que é lógico deve, pois, ter validade para o equilíbriopsicológico e na lógica do comportamento pessoal e profis-sional. É a influência da teoria, na prática e na vida das pes-soas. Se esta influência parece pequena, é por obra das difi-culdades encontradas na incorporação do psicossistema, faceà estrutura sensível (S).

A Lógica das Instâncias - Observe-se como certos prin-cípios lógicos têm sua contrapartida nos planos C-S-A:

1. Princípio de Identidade:

C - pão é pão/ queijo é queijo/ uma rosa é uma rosa/ou simbolicamente: p é p.

S - Eu sou eu/ Eu sou a minha experiência profunda/Eu me reconheço naquilo que sinto, digo e faço.

A - O feito está feito/ O feito é fato.

2. Princípio da Contradição:

C - p não pode ser p e não-p ao mesmo tempo.S - Eu não sou eu e o outro no mesmo aspecto.A - Nenhuma ação é reversível ao mesmo nível.

3) NAGEL, Ernest & R. NEWMAN,James R. Prova.de Godel, S. Paulo, Pers-pectiva. 1973. -

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3. Princípio de Correlação ou Seqüência (uma coisa vai coma outra): .

C - Se p, então q/ Se chove... as ruas se molham.S - Uma necessidade. .. atrai uma satisfação.A - "Tirar o coco .. , quebrar o coco - ver se o coco

é oco".

4. Lógica das Instâncias sem Resistências: (*)

a) C - A luz percorr-e 300 mil Km por segundo.o

S - Que maravilha! Ah! se eu fosse um raio de luz!A - Já estaria na Lua a esta hora!

b) C - No ar atmosférico, a luz percorre uns 300 Km p/s.X

C - Negativo! bote mil nisso!o

C - Ah! sim, confundi com a velocidade do som.2

c) A - Veja se chega cedo, esta noite, filho!X o

C - Por que, pai?

C E não tem prova amanhã de manhã?02

A - Ok, pai, eu preciso mesmo estudar.

5. Lógica... e conflito intrapsiquico:

a) Dissonância ou conflitos menores:

A - Rita comprou um fusca;X

S - mas ela apreciava mesmo era um chevette;C - aí ela busca fatos, razões ou informações para se

convencer de que fez uma boa compra.

(*) c S A com índice 'o" referem-se ao outro, o interlocutor: indivíduoo o o

ou grupo. Com índice numérico (C S A ) indica a 2.a inter-2 2 2

venção. O Xis (versus) indica oposição ou conflito entre as ins-tâncias envolvidas.

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5. b) Conflito aparente com repressão:

S - O cliente queixa-se de fortes dores de cabeçvômitos sem motivo orgânico;

A - Interrogado diz que, em tempos, vingou a mortode um parente seu;

C - E que julga ter feito o que devia e o outro merecia.X?

6. Conflito Interpessoal:

A - O aluno desrespeitou gravemente um professor;A - O Diretor ameaça expulsar o aluno;o

XS - Ansioso, o aluno recorre ao Serviço de Orientação

Educacional do Colégio.

7. Conflito Social, Quando a Solução depende de Terceiros:

C - Um líder ideológico apregoa o materialismo ouo

X o Comunismo;S - Aí, o povo ressente sua crença cristã;A - E, enquanto essa contradição não for corrigida, atra-

sam-se as ações necessárias para o desenvolvi-mento do povo.

Princípios Lógicos - Nos três primeiros exemplos acima,trata-se apenas de mostrar como os princípios lógicos de iden-tidade, contradição e correlação funcionam em cada nível psí-quico C-S-A.

Os problemas tomam vulto da intracomunicação e na co-municação exterior ou no diálogo. Parece que, no seu desen-volvimento ontogenético, os indivíduos humanos terão de en-contrar as ligações para preencher os espaços - exercendosuas aptidões e sua liberdade - e manter o eqüilíbrio, a har-monia, ou a unidade de "pessoa".

Isto não tem sido nada fácil, até os dias de hoje, quandoos clínicos continuam afirmando que, dos três a quatro bilhõesde pessoas no mundo, a maioria necessita de assistência psl-coterápica. E o testemunho de Jung (op. cit.) sobre a capaci-dade de desenvolvimento da psiquê vem nestes termos: "Hoje

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nós sabemos apenas que, por enquanto, somente indivíduosisolados são capazes desse desenvolvimento. Qual é o núme-ro total, mal sabemos, e ignoramos igualmente qual possa sera força de sugestão de um aumento da consciência, quer di-zer, qual a influência que pode ter sobre o meio. " Entre "eufaço" e "tenho consciência do que faço" não existe apenasum abismo, mas, às vezes, uma oposição marcante ... " .

O fato de uma estrutura lógica "incorporada" à consci-ência ter validade para retificar distorções afetivas e equilibrara sensibilidade tem exemplo nos métodos, não somente cogni-tivos, mas nos métodos excessivamente racionais de psicote-rapia, como o de Albert Ellis; e nos métodos. semânticos e psi-colingüísticos.

Esta variedade metodológica ao se lidar com o ser huma-no vem, precisamente, da importância, maior ou menor, quecada método concede aos substratos C-S-A constitutivos dodomínio psíquico. Aproxime-se isto da noção antropológica quenos descreveu o homo sapiens, o homo faber e, modernamente,o homo ludens. Ou a noção cultural cristã de Deus como oGrande Espírito ou o supremo Logos; o Deus Amor; e o Deuscomo "Ato puro"; ou ainda, no Novo Testamento, a definiçãodada por Cristo: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida". Adificuldade do existente está em arrojar-se ao caminho (A),para encontrar a verdade - e não apenas a sua verdade (C),e vivê-Ia ou fruí-Ia tranqüilamente (S).

Lógica das Instâncias sem Resistências - O exemplo 4ilustra a facilidade da comunicação ou do diálogo, sempreque não haja resistências interiores afetivas. Os erros, os en-ganos ou as omissões cognitivas ou práticas são imediata-mente detectados, aceites e manipulados adequadamente.

Esta é a regra normal: não havendo conflito (S equilibra-do ou sintonizado com C e com A, isto é, com o objeto) Atende a seguir C e vice-versa. O diálogo flui, com espontanei-dade, inter-subjetivamente ou entre as diferentes consciên-cias. O sistema funciona, neste caso, em termos de trabalho,missão ou tarefa a executar. Ainda que se verifique algumaoposição" entre informações (4. b), ou alguma leve desconfi-ança afetiva (4. c) isso é rapidamente superado e o sistema(indivíduo, grupo) não perde tempo, energia, direção ou pro-dutividade.

Lógica e Conflito Intrapsíquico - Os três exemplos 5, 6e 7 introduzem o conflito, ou a incongruência, nos espaçosC-S-A, e supõem diferentes maneiras de restaurar o equilí-

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brio, nas situações. O conflito ocorre na intracomunicaçãoentre duas instâncias psíquicas, e na comunicação ou no diá-logo inter-pessoal e social.

O exemplo (5. a) é um caso típico de "dissonância cog-nitiva", na teoria de Leon Festinger. O conflito ocorre entreA X S. Para equilibrar-se com a situação, a pessoa (Rita) atri-~uiu mais valor a C. Aqui a incongruência é intrapsíquica, ouintrapessoal, pois, o mesmo indivíduo agiu, sentiu e viu aincongruência e buscou meios para resolvê-Ia. A dissonân-cia é um conflito "menor", de vez que a própria pessoa sedá conta do que provoca o conflito e, neste caso, pode bus-car os meios de re-equilibrar-se.

Na resolução do conflito, esta é a regra-um: atenuar a ins-tância mais flexível (ou logicanda) através da instância livre.No exemplo 5. a, como a compra não podia ser desfeita, o úni-co recurso era: desvalorizar S ou valorizar A, buscando cogni-ções adicionais - o que foi feito.

No exemplo 5. b, o conflito é acompanhado de repressãoem alguma instância, o que traz complicações. O mapeamen-to/espelhamento, ou a reflexão, atrás descrita, encontra obs-táculos sempre que a estrutura S esteja alterada pela emoçãoaguda ou cronificada. As "projeções distorcem nos planos A eC, pois que, a excitação excedente de S pode descarregar por~ssas vias. Já foi dito que A tende a seguir C, com a sensibi-lidade normal. Estando a sensibilidade alterada A tende a se-~uir S. Ora, se o estado sensível for predomina~temente nega-tivo, o comportam.ento ou A pode tomar formas distorcidaspara fora: erros, acidentes, agressões, parada, adiamento, re:tardo; ou para dentro, sobre a própria estrutura S: confusãoobnubilamento, depressão, negativismo, má vontade. Neste~casos, o sistema gasta energia se recompondo.

A repressão é detectada em cima do conflito aparente,conforme se vê no exemplo 5. b. O conflito parece dar-se, ar,entre a sensibilidade do cliente e uma das outras estruturaspsíquicas. Isto, porém, é apenas aparente. Assim aparece,porque a sensibilidade extravasou e submergiu os canais deligação entre C e A. Posto na lógica das instâncias, o caso 5. btraduz-se deste modo:

A-vinguei-me; C-julgo ter feito o que devia; S-adoeci.Esta seqüência não faz sentido. Mas, a seqüência "vin-

guei-m.e. .. adoeci" começa a mostrar-se lógica. O conflitoestá, pois, entre A X C; e, como A não pode ser tratável porser irreversível, o agente terapêutico terá de incidir sobre

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C e S. Como sintoma, S é evidentemente real; ao passo queo verdadeiro sentido de C foi reprimido. Com efalto, este"julgo ter feito o que devia" não é profundamente honesto,pois o cliente sabe, culturalmente desde criança, que "a vin-gança pertence a Deus" e que a ninguém é permitido "fazerjustiça com as próprias mãos". Portanto, C está obliterado,devendo, para fazer sentido, tomar a seguinte forma "sei quenão devia ter feito isso", e aceitar a responsabilidade e aculpa genuina, no caso.

Vem aqui a ponto voltar a lembrar a dificuldade de "in-corporação" afetiva, a qual pode ser facilitada, através decertos procedimentos, como: re-tomada, elaboração mais in-tensa ou especificada, técnicas de "gestaltização".

Na resolução do conflito, com ocultamento ou repressão,a regra-dois é: desocultar progressivamente a instância afoga-da na emoção e tornada inútil no domínio psíquico do sujeito,e testar o novo funcionamento até à satisfação recorrente.

Lógica e Conflito Social - No exemplo 6, a seqüênciaA-A , ou o ato de expulsão seguindo-se ao desrespeito do

oaluno, parece lógica. Só não é, porque o aluno não deseja aexpulsão. O conflito está, pois, entre A (desrespeito) X S (nãoquerer conseqüências).

Na Figura 1 vê-se melhor a seqüência, levando em contaque as linhas pontilhadas indicam conflito ("briga com") e ascheias indicam o eqüilíbrio ("vai com"):

ALUNO x DIRETOR

desrespeito

OK. aceita. desfaz ameaça

emoção do Diretor

gosta de ficar ameaça expulsar

sabe do Regulamento julga dever manter o Reglllamento

pede descu Ipas

Fig.1 - Ilustração da Lógica das Instâncias em reequilíbrio. no exemplo 6.

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Deste modo, como ilustra a Figura 1 temos as estruturaspsíquicas, tanto do aluno, quanto do Diretor, equilibradas, in-ternamente e com a situação disciplinar da escola.

O caso sugere que, na resolução do conflito interpes-soal, a regra-três é: localizar o conflito nas estruturas C-S-A dopróprio versus C -S -A do outro, e compensar as ações com

o o oações a nível diferente. Com a leitura da Figura 1, torna-seclara a orientação a ser dada ao aluno: o conflito está entreA X S X S X A . Como S não deve ser mudado, é preciso

o oatuar através de C e A: ajudar o aluno a descobrir e fazer algoque modifique A , como por exemplo, pedir desculpas, ou dizer

odo seu propósito de melhorar. Isto também significa: agir sobrea estrutura C e S do Diretor, informá-Io dos bons propósitos

o oe influir em sua sensibilidade, para que modifique o ato deexpulsão, A .

oO exemplo 7 versa o fenômeno do conflito, numa situa-

ção ainda mais complexa, em que estão envolvidas as rela-ções sociais: líderes, grupos e governo, ou conselhos hierár-quicos de decisão.

O conflito, no caso, aparece entre C (líder, agente deo

mudança) versus S (povo). A congruência será obtida, recor-rendo a A. Todavia, o que o povo conhece acerca de si mes-mo, suas crenças religiosas profundas, briga com a prega-ção ideológica que Ihes promete (sem poder dar diretamente)ação eficaz para o desenvolvimento. Por outro lado, o povodeseja as prometidas ações (segundo conflito). Este conflitodobrado obsta à dialética e paralisa a opinião popular. Destebloqueio, se aproveitam os governantes, também duplamente:primeiro, porque podem atrasar as dispensiosas ações para odesenvolvimento, sem grande insatisfação popular; segundo,porque os governantes sabem que o povo quer as ações pro-metidas, mas não quer a ideologia comunista (C X S). A terá

ode estar ligado, não a C do líder, mas a S do povo. Basta,

oportanto, ao governo esperar e iniciar alguma ação positiva,nos momentos estratégico-políticos (eleições, etc.) para re-

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solver a hesitação e ter o povo do seu lado. É como se opovo traduzisse assim a congruência: temos as ações queprecisamos (ou quase), junto com nossas crenças.

Uma ação mais rápida poderia ser obtida, se os líderestlzessern uso de uma linguagem menos ideologicamente agres-siva às crenças do povo. E isto, não hipocritamente, senão quede modo genuino, convencidos de que a cooperação fraterna,para a sobrevivência (para que ninguém passe fome) é umaobrigação básica de todo o mundo. O que é básico é natural,é dado, é gratuito, não pode ser vinculado a nenhuma fidelida-de ideológica ou partidária. Esta obrigação básica torna-seimoral, quando associada ao retorno, à troca de ben.efícios, aodo ut des, dou o pão material que aliás é teu por natureza,contanto que votes em mim e me dês o poder sobre ti! Se osgovernantes se tornam assim dominadores e retiram as terras,escondem o dinheiro, monopolizam os meios de produção, en-care?em os víveres, impõem mil exigências para alguém con-seguir trabalhar, fazem uma teia de leis para confundir e bar-rar todos os caminhos - esses governantes ameaçam a sobre-vivência do povo simples. E, com a sobrevivência em jogo, nadamais faz sentido, ninguém é livre, nenhuma democracia é pos-sível. Nos casos extremos, quando se ameaça a sobrevivên-ci8;'.o problema não é mais de sentido abstrato, lógico, me-tafíslco, transcendental ou metapsicológico - mas um pro-blema biológico, animal, onde a violência, o desespero ou aforça bruta são a lei natural. '

, Torna-~e, pois, indispensável que os educadores, os psi-cóloços/pstcoterapeutas e os agentes sociais de mudança le-vem em consideração todo o domínio psíquico dos seres hu-manos com quem lidam, e isso faz-se possível somente comum método CSA. Com um método "truncado", continuaremosafastados da formação humana. legítima, permitindo sempreque a tecnoloqía e o poder arnsquem explodir o mundo. Asgerações novas precisam ser respeitadas e aproveitadas emseu intelecto, mas incorporando-o à consciência, à sensibili-dade, em sua ação cotidiana.

Explicar versus Compreender - Ao estudar a naturezaprojetamos todo o nosso domínio psíquico CSA sobre ela: ~ela ~ermane~e constante, na trilha de suas leis naturais, poisela e um objeto em movimento, é claro, mas não em "movi-mento intencionado" para se ocultar de nós, fugir, nos envol-v~r e nos ameaçar. Ela é um objeto exterior para ser conhe-cido, e acaba se tornando um objeto de conhecimento "incor-

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porado". É natural que a natureza seja manipulada, com jeito,bem entendido, pois pode haver reações físico-químicas ines-peradas e conseqüências graves ao homem, advindas de sur-presa. A natureza, porém, é dócil, dentro de suas leis naturais.Nós a ex-plicamos, que o mesmo é dizer, des-dobramos aosnossos olhos, a analisamos e re-constituimos ou a fazemos vol-tar ao que era. O método lógico-simbólico, ou matemático de-dutivo, sempre idêntico a si mesmo, permite a façanha.

Os estudiosos das Ciências Humanas, sabemos que o ho-mem não é um objeto exterior ao homem e, por isso, não serájamais possível explicá-Io predominantemente, senão que com-preendê-Io. A com-preensão é uma operação global do psi-quismo, em modo tal que cada substrato C ou S ou A supõeseu homônimo no outro. Assim, meu conhecimento do outro,para ser-verdade, precisa do conhecimento que ele mesmotem de si; minha sensibilidade supõe a sua sensibilidade; emeu comportamento ou minha atividade supõe a atividadedele - sendo a recíproca também verdadeira.

A explicação está para o mundo exterior, assim como acompreensão está para o mundo interior. Por ambos os lados- e obrigatoriamente por ambos - se chega à verdade: pordentro, através da superação do sofrimento pessoal e coleti-vo; eliminando cada vez mais as máscaras, fantasias e ilu-sões se chega à essência do Ser (Atman); por fora, por apro-ximações sucessivas, ultrapassando erros e ficções, favore-cendo o bem-estar sócio-material de todos, se chega ao cer-ne da realidade (Brahman). Ora, "uma antiga crença budistaatesta que Atman e Brahman são a mesma coisa". (4)

São a mesma coisa, da mesma forma que o teu braçodireito é como o teu braço esquerdo - o que não significaque o homem perfeito ou natural deseje ter apenas um.

CONCLUSÃO - O saber compreensivo não é dado so-mente na intelecção, mas na inteireza do psiquismo: na vivên-cia, no sabor das coisas e no poder ou na ação exercidossobre o mundo. Deve ter sido este aspecto que fez Jung res-ponder, em sua última entrevista ao repórter da BBC, quandoele lhe perguntava "o senhor, na sua juventude, tinha fé ...hoje, o senhor ainda crê em Deus?" - Crer, talvez não sejao termo, disse Jung, "eu sei Deus"!

Fazer uso do método "truncado" é desarticular o psi-quismo, destruir o mundo interior. E, desarticulado este, a

4) WEIL Pierre et alii. Pequeno Tratado de Psicologia Transpessoal, Rio,Vozes, 1970, v. 2 p, 119.

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comunicação e participação com o mundo exterior não pas-sam de um diálogo aparente - uma forma anestética propíciaà formação de autômatos.

Os profissionais da educação e quantos lidamos com osseres humanos não temos como deixar de "incorporar" o mé-todo global CSA, para ajudarmos, nas salas de aula, (*) nas clí-nicas, ou nos movimentos comunitários, todos e cada um, aconseguirem a paz, o bem-estar e o equilíbrio que reside naunidade da essência e na variedade extraordinária da huma-na existência.

(*) Numa situação de ensino-aprendizagem, a interação-CSA pode ser des-crita com quatro variáveis de maior importância: tensão negativa oude desagrado (T); situação ou padrão de estímulo (S); Investimentoou trabalho do aluno (I): nível (de utilidade) da aprendizagem con-seguida (N). Estes fatores, numa avaliação de processo, devem serconsiderados em funcionamento sistêmico. E facilmente se percebeque TSIN = CSA, em que N=C, T-S = S e l-A. Esta notação é didá-tica e não matemática. Para entendimento do modelo TSIN, consul-tar o trabalho "Análise da situação de Ensino-Aprendizagem". desteAutor.

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