Sola Scriptura e livre interpretação

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  • 8/9/2019 Sola Scriptura e livre interpretao

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    Sola Scriptura e livre interpretao

    um erro muito elementar definir Sola Scriptura como a livre interpretao daBblia, ou dizer que a livre interpretao defendida pela doutrina da SolaScriptura, sem uma cuidadosa qualificao.

    Existe um sentido vlido mas restrito, em que os protestantes esto a favor do quepoderia chamar-se livre interpretao, falarei disso mais abaixo. Para j, noentanto, devo sublinhar que, se por livre interpretao se entende a peregrina ideiade que cada qual pode escolher sua vontade o significado que lhe pareaarbitrariamente mais apropriado, sem dvida que nada est mais longe dateologia protestante. No seu livro clssico Protestant Biblical Interpretation (3rdRev Ed.; Grand Rapids: Baker Book House, 1970), Bernard Ramm apresenta umasrie de pressupostos teolgicos para a recta interpretao. Um deles o daunidade de significado da Bblia:

    "A Sagrada Escritura um livro to grande e diverso que se presta bastante para a

    pessoa que deseja impor nela algum tipo particular de teologia.

    Um intrprete que impe tal interpretao na Escritura (eisogesis, levar umsignificado para a Escritura, como oposta a exgesis na qual se extrai o significadoda Escritura) pode no dar-se conta de que est afirmando a pluralidade do sentidoda Escritura. Mas isso o que na realidade afirma.

    Ao enfatizar a unidade do sentido da Escritura no nos propomos reduzir osignificado da Escritura a um literalismo estreito, a uma ignorncia dasprofundidades profticas e tipolgicas da Escritura. Pretendemos opor-nos a certasformas hermeneuticamente escandalosas de interpretar a Escritura..." (p. 110-111).

    Na verdade, o protestantismo formulou desde o comeo um sistema deinterpretao muito mais slido, poderoso e consistente que o aplicado atento pela igreja crist no seu conjunto. Este sistema recebe diferentes nomes,como filolgico, histrico-gramatical ou literal (no confundir com literalista). Almde aceitar os pressupostos teolgicos sobre a inspirao divina e a consequenteautoridade suprema da Bblia, o sistema protestante emprega todas asferramentas lingusticas e histricas sua disposio para a tarefa decompreender o que quis realmente dizer o autor original, ou seja, determinaro recto significado do texto em estudo, e a sua relao com o resto da Escritura.Somente quando esta tarefa est realizada, possvel passar ao seguinte masindispensvel passo de reconhecer que implicaes tm as Escrituras para ns hoje.

    to evidente a potncia e a validade do mtodo evanglico de interpretao quetal mtodo foi adoptado generalizadamente pelos exegetas catlicos.Consulte-se qualquer comentrio bblico catlico moderno e se notar de imediatoque virtualmente todos os intrpretes romanistas expem hoje as Escriturassegundo o modelo formulado pela erudio protestante, prestando-lhe assiminvoluntrio tributo.

    No entanto, a conscincia do intrprete catlico est maniatada pelas decises doConclio de Trento, que na sua Sesso IV de 8 de Abril de 1546 depois de declarara traduo latina Vulgata como autntica para todos os fins de ensino e disputapblica - decretou "para reprimir os engenhos petulantes... que ningum, apoiado

    na sua prudncia, seja ousado a interpretar a Sagrada Escritura contra aquelesentido, que sustentou e sustenta a Santa Madre Igreja [leia-se Roma], a quemcompete julgar sobre o verdadeiro sentido e interpretao das Escrituras Santas, ou

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    tambm contra o unnime sentir dos Padres..." (Denzinger 786; o mesmo naprofisso de f tridentina, ratificado no Conclio Vaticano I; Denzinger 995 e 1788respectivamente).

    Esta restrio faz que o intrprete romanista possua liberdade virtualmenteilimitada para interpretar segundo o mtodo filolgico, o mesmo que aplicam os

    protestantes, tudo aquilo que no tenha sido definido pelo Magistrio (a clusulasobre o consentimento unnime dos Padres uma limitao mais formal que real).

    No entanto, no ocorre a mesma coisa quando se trata de textos como Mateus16:16-19 sobre o qual o Magistrio emitiu o seu ditame. Aqui a sua funo no ade interpretar, mas exclusivamente a de dar o seu respaldo ao citado Magistrio.Depois de sublinhar que o ensinado nas Encclicas exige assentimento ainda que oPontfice no fale ex cathedra, e de recordar que quando o papa pronunciasentena sobre um assunto, este j no pode ser objecto de discusso livre porparte dos telogos, Pio XII ensinou:

    "Tambm verdade que os telogos devem voltar constantemente s fontes dadivina revelao, pois a eles cabe indicar de que maneira se encontra nasSagradas Letras e na tradio, explcita ou implicitamente, o que pelomagistrio vivo ensinado ... Da que ensinando nosso predecessor, de imortalmemria, Pio IX, que o ofcio nobilssimo da teologia manifestar como adoutrina definida pela Igreja est contida nas fontes da revelao, no semgrave motivo acrescentou estas palavras: no mesmo sentido em que foidefinida". (Encclica Humani generis de 12 de Agosto de 1950, Denzinger 2314;negrito acrescentado).

    Com isso se subverte flagrante e radicalmente o ofcio nobilssimo da teologiabblica, ao obrigar os exegetas a rastrear as Escrituras (e a Tradio oral, mas este outro tema) em busca de apoio para o que o Magistrio diz que deve crer-se, emvez de estud-las e exp-las diligentemente para saber o que se deve crer e o quedeve ensinar o Magistrio. Neste sentido, a interpretao do erudito romanista no nem pode ser livre.

    precisamente esta falta de liberdade que torna a Igreja de Roma num sistemafechado sobre si mesmo o que os Reformadores rejeitaram. Somente pode falar-sede livre interpretao em sentido protestante histrico neste sentido.

    "Contra esta pretenso [do Magistrio romanista] levantaram a sua voz osreformadores do sculo XVI. Na interpretao da Escritura, a autoridade final asseveravam - no a Igreja, mas a prpria Escritura. Scriptura sacra sui ipsiusinterpres (a Escritura Sagrada intrprete de si mesma). Dava-se assim aentender que nenhuma passagem bblica deve estar submetida servidoda tradio ou ser interpretada isoladamente de modo que contradiga oensinado pelo conjunto da Escritura.

    Com este princpio, fundamental na hermenutica bblica, estabelecia-se a base dolivre exame, do direito [e dever, acrescentaria] de todos os fiis a ler e interpretara Bblia por si mesmos. Evidentemente, nunca pensaram os reformadores...que o livre exame fosse sinnimo de exame arbitrrio ...

    A liberdade refere-se ausncia de imposies eclesisticas, no faculdadeabsurda de interpretar a Escritura como ao leitor lhe agrade ou convenha. O livreexame, quando se exerce com seriedade, implica um juzo responsvel sujeitoaos princpios de uma hermenutica s.

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    Observar estes princpios o nico modo legtimo de determinar o significado dequalquer passagem da Bblia. E quanto mais obscuro ou ambguo seja um textomais dever extremar-se o rigor hermenutico com que se trate. No h outrocaminho.

    Interpretao na comunidade de f

    A responsabilidade individual da interpretao da Escritura no significa repdiodas concluses exegticas e das formulaes doutrinais elaboradas na Igreja cristno decorrer do tempo....

    Reconhecer que a Bblia deve estar sempre acima de toda a interpretao humanano nos obriga a desprezar a ajuda que para a sua compreenso podemosencontrar nos escritos dos padres da Igreja, dos reformadores e dos incontveistelogos e expositores que ... fizeram da Bblia objecto de estudo srio".

    (Jos M. Martnez, Hermenutica Bblica. Terrassa: CLIE, 1984, p. 22-23; negritoacrescentado).