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Capa de Walter Mazzuchelli 1ª ed. - Editora Fundação Peirópolis - 1997 P P P a a a t t t r r r i i i c c c k k k P P P a a a u u u l l l S S S o o o n n n h h h o o o s s s , , , s s s e e e u u u s s s M M M i i i s s s t t t é é é r r r i i i o o o s s s e e e R R R e e e v v v e e e l l l a a a ç ç ç õ õ õ e e e s s s S S S o o o n n n h h h o o o T T T e e e r r r a a a p p p ê ê ê u u u t t t i i i c c c o o o & & & S S S o o o n n n h h h o o o I I I n n n i i i c c c i i i á á á t t t i i i c c c o o o _______________________________________________ Transcrição e tradução de estágio dado por Patrick Paul, em São Paulo, dezembro de 1994. © Ágape Centro de Estudos e Editoração O preparo do texto final, desde a transcrição das fitas gravadas até a revisão, contou com a participação de: Betty Fontes, M. Celina Simões Guimarães, Marina Ungaretti, Renata Petri Gobbet, Rose Marie Riemma e Valéria Menezes. Copidesque e Editoração: Constantino K. Riemma. Revisão final: Júlia Gottschalk, M. Teresa Fortes Abucham e Américo Sommerman. Segunda edição digitalizada, 2008

Sonhos PatrickPaul

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  • Capa de Walter Mazzuchelli 1 ed. - Editora Fundao Peirpolis - 1997

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    Transcrio e traduo de estgio dado por Patrick Paul,

    em So Paulo, dezembro de 1994. gape Centro de Estudos e Editorao

    O preparo do texto final, desde a transcrio das fitas gravadas at a reviso, contou com a participao de:

    Betty Fontes, M. Celina Simes Guimares, Marina Ungaretti, Renata Petri Gobbet, Rose Marie Riemma e Valria Menezes.

    Copidesque e Editorao: Constantino K. Riemma.

    Reviso final: Jlia Gottschalk, M. Teresa Fortes Abucham e

    Amrico Sommerman.

    Segunda edio digitalizada, 2008

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    ndice Apresentao......................................................................5 1. As Funes e os Nveis do Sonho ....................................7

    O sonho teraputico e o sonho inicitico ......................15 O mundo intermedirio, psquico ou astral...................20 Questes: Sonhar colorido e tipos de sonho..................24 Questo: O gmeo celeste.............................................25 A Tradio e as quatro eras ..........................................27 Questo: A prtica da ascese........................................29

    2. As Assinaturas dos Sonhos...........................................32 O sonho portador de luz...............................................35 A revelao do mundo celeste.......................................38 Andar sobre as guas...................................................41 O aprisionamento em formas-pensamento ...................42 Relato 1: Sonhos recorrentes com a gua .....................44 Questo: O inconsciente...............................................45

    3. A Relao do Sonho com a Queda, o Sofrimento e o Desejo ........................................................................46

    O carter evolutivo das doenas ...................................47 O simbolismo nas vestes culturais ...............................48 Relato 2: O sonho da pasta verde .................................49 Questo: Os sonhos premonitrios...............................49 Relato 3: O sonho com o titnio e o selnio...................53 Questo: Como contatar o mundo celeste.....................57

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    4. Exerccios de Interpretao........................................... 59

    Relato 4: O sonho da violeta......................................... 60 Relato 5: O sonho de ser arrancada da cama ............... 63 Relato 6: O sonho do cu estrelado .............................. 70 Relato 7: O sonho com o pai morto............................... 72

    5. A Dupla Natureza do Homem........................................ 75 Questes: Memria coletiva e contato com o mundo celeste.......... 81 Questo: A funo da psicoterapia ............................... 87

    6. O Processo Inicitico e o Teraputico ............................ 90 O papel do terapeuta.................................................... 93 Outros elementos de interpretao............................... 95 Questes: Palavras desconhecidas e lnguas estrangeiras........... 101

    7. Interpretaes em Grupo ............................................ 104 Relato 8: O sonho do cavalo beb ............................... 104 Relato 9: O sonho do beb sem ossos......................... 116 Relato 10: O sonho da escada .................................... 120 Relato 11: O sonho do lhama ..................................... 123 Relato 12: O sonho do combate.................................. 128 Relato 13: O sonho da bandeja de prata..................... 132

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    Apresentao

    m dos grandes desafios do mundo contemporneo consiste em restabelecer o dilogo entre a cincia experimental, as cincias humanas, a arte e as

    tradies espirituais, recolocando, numa linguagem atual, os fundamentos para um conhecimento transdisciplinar.

    A ruptura que o pensamento cientfico especializado e analtico estabeleceu com os demais reas do saber, des-cartando os nveis supra-sensveis e os princpios ontolgicos da existncia, reduziu a realidade a um campo restrito e fez com que as dimenses e as aspiraes mais profundas do ser humano deixassem de ser alimentadas.

    Para que esses fundamentos transdisciplinares possam ser estabelecidos de maneira slida, no basta montar uma colcha de retalhos, alinhavando conhecimentos superficiais. necessrio que os diferentes domnios do saber empreen-dam um dilogo, ao mesmo tempo rigoroso e aberto, que reconhea a contribuio essencial e nica de cada rea.

    Esperamos que a publicao do presente livro possa ser uma importante contribuio nesse sentido.

    Patrick um mdico imunologista francs que mora e clinica na Bretanha. Foi pesquisador por trs anos no Insti-tuto Pasteur de Paris e trabalhou em centros cancerolgicos em Nice. Alm da ampla formao mdica (imunologia, homeopatia e acupuntura) e da slida formao cientfica graduou-se gentica, bioqumica e biologia molecular tam-bm estudou e vivenciou por vinte e cinco anos os ensina-mentos de diversas tradies espirituais.

    Nos livros editados na Frana e no Brasil, bem como em suas conferncias e cursos, tem procurado estabelecer pontes entre os diferentes campos do saber e os diferentes nveis ser.

    Sonhos, seus Mistrios e Revelaes constitui um exemplo simples, porm significativo, da abordagem de Patrick Paul. Como ele menciona logo de incio, no pretende oferecer ele-mentos conclusivos, o que seria impraticvel num tema ines-

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    gotvel como o dos sonhos, mas estimular o exerccio de inte-grao das diferentes disciplinas, transcendendo os limites especficos que cada uma delas se atribui. O roteiro no formal como o que poderia ser desenvolvido num texto escrito especialmente para publicao. Integrando as referncias cientficas, as prticas teraputicas e os smbolos tradicio-nais, o autor estabelece uma contradana com os partici-pantes, respondendo a perguntas e desenvolvendo temas paralelos que subsidiam a compreenso do assunto. Em trs dias de encontros, sem pretender definir as bases psicolgi-cas do sonho e apenas trabalhando sonhos apresentados na hora portanto sem elaborao prvia do material ele ins-tiga a participao crtica e criativa do grupo.

    Partindo do postulado de todas as tradies de que o homem composto basicamente de trs nveis, chamados pela tradio crist de corpo, alma e esprito (sendo que a alma seria composta de uma dimenso inferior e perecvel, a psique, e de uma dimenso imortal, a alma propriamente dita ou a centelha divina), Patrick estabelece como um dos pontos fundamentais de seu enunciado a existncia de dois tipos bsicos de sonhos: um ligado dimenso psico-corporal do ser humano e o outro ligado sua dimenso celeste e imor-tal. O primeiro viria de baixo e estaria relacionado aos desejos existenciais, sombra e ao subconsciente, conforme a abor-dagem da psicologia clssica. O segundo viria do alto e esta-ria ligado ao Desejo essencial do ser e ao supraconsciente. O primeiro teria uma simples funo teraputica de limpeza e descarga, enquanto o segundo, atravs de seus smbolos, seria portador de uma dimenso revelatria e direcionadora.

    O Sonho, seus Mistrios e Revelaes nos convidam a mer-gulhar numa linguagem simblica quase sem palavras, intro-duzindo-nos num caminho de explorao dos mundos inte-riores.

    Acreditamos que os leitores das mais diferentes reas que tm interesse nos mistrios dos sonhos encontraro nesse trabalho novas oportunidades para reflexo.

    gape Centro de Estudos

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    1. As Funes e os Nveis do Sonho

    uitos trabalhos foram escritos sobre os sonhos e podemos ter acesso a eles facilmente. Por essa razo, o que proponho aqui uma reflexo sobre a natureza do

    sonho, sem nos restringirmos a uma teoria em particular. Como ponto de partida podemos examinar uma das

    constataes da teoria de Freud, que considera o sonho como uma representao do desejo. Esse simples enunciado nos introduz diretamente, no s no campo psicolgico, mas tambm no tradicional e no inicitico. Do ponto de vista tra-dicional, o sonho est relacionado ao corpo sutil ou corpo astral, que tambm pode ser chamado de corpo de desejo. Tomada sob esse ngulo, a constatao de Freud absolu-tamente correta, visto que quando sonhamos exprimimos desejos.

    Do mesmo modo que a experincia desequilibrada do corpo leva ao sofrimento, a experincia desequilibrada do astral1 leva a expressar o desejo. Existe, portanto, uma rela-o-chave entre o sonho e o desejo. As divergncias ocorrem apenas na interpretao que os diferentes autores do ao desejo. Numa interpretao simplista de Freud, por exemplo, poderamos afirmar que o sonho a expresso de um desejo reprimido, constituindo-se, portanto, numa vlvula de escape, num mecanismo de segurana para o nvel psicof-sico, existencial. No h, de fato, qualquer expresso do nvel espiritual no ponto de vista freudiano. J outros autores, como o caso de Jung, propem uma dimenso mais espiri-tual. Alguns parapsiclogos, por sua vez, consideram o sonho um contato teleptico com outros seres, semelhante ao do

    1 O termo astral, no contexto deste trabalho, sempre corresponde ao conceito de psiquismo. (Nota dos revisores).

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    vidente com os espritos. Na literatura sobre o sonho muitas outras interpretaes podem ser encontradas.

    Para evitar futuras confuses vamos tentar compreender melhor essas diferentes abordagens. Por exemplo, L. Jovet, professor francs de medicina, que realizou extensos traba-lhos sobre a fisiologia do crebro e do sonho, afirma que o so-nho permite uma reprogramao da hereditariedade. O cdigo gentico, segundo ele, encontra-se em permanente processo de construo e reconstruo, o que permite aos processos genticos evolurem. Em seu estudo o autor sugere uma interessante inter-relao entre o mundo psquico do sonho e o mundo corporal e fsico.

    Outro cientista que trabalhou com gentica, chamado Francis Crick, considera que no sonhamos para reprogra-mar, mas sim para esquecer. Para ele, o sonho teria como funo, de certo modo, evacuar todos os acontecimentos energticos que poderiam bloquear os mecanismos neurolgi-cos sutis. Seria, portanto, uma espcie de defecao que permitiria eliminar sobrecargas energticas. De acordo com essa hiptese, melhor seria no nos lembrarmos dos sonhos.

    Na viso tradicional por exemplo, entre os povos primi-tivos ou entre alguns iogues ao contrrio desse conceito de esquecimento, encontramos com freqncia a afirmao de que h uma estreita relao entre o sonho e o ensinamento espiritual ou interior. Neste caso, o sonho seria a expresso de um nvel mais alto de conscincia da pessoa.

    Como se v, por essa pequena amostra, as interpretaes so as mais variadas, demonstrando que o sonho est sujeito a uma srie de percepes contraditrias. No entanto, os sonhos exprimem um tipo de inteligncia que o homem mo-derno parece ter perdido, mas que podemos encontrar no mbito tradicional, se nos dermos ao trabalho de procurar. Mais adiante, darei alguns exemplos disso na mitologia grega.

    Podemos agora examinar certos mecanismos do crebro. Na neurofisiologia foram estabelecidas correlaes entre o sonho e a freqncia das ondas cerebrais, que se tornaram clssicas. Constatou-se que o crebro, no estado de viglia,

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    desperto, funciona numa freqncia de 16 hertz. Quando nos aproximamos do estado de sono, a funo cerebral torna-se mais lenta. Por outro lado, se estivermos muito agitados cere-bralmente, teremos insnia. Nos estados intermedirios entre a viglia e o sono, a freqncia varia entre 12 e 8 hertz. Trata-se da mesma freqncia que se observa nos estados de me-ditao e de sonho acordado. J no sonho a faixa de atividade cerebral de 0,5 hertz.

    Na neurofisiologia, a fase do sonho denominada de sono paradoxal. assim chamada porque h um bloqueio do mo-vimento corporal, mas, ao mesmo tempo, uma intensa ativi-dade cerebral. Quando os olhos esto em movimento durante o sono, significa uma fase de sonho. H, portanto, uma clara atividade num estado normalmente considerado inativo.

    Em experincias com animais, foi observado que, durante o sonho, eles liberaram mecanismos motores que foram reprimidos durante o dia. Se, por exemplo, bloquear-mos o movimento de um gato que est pulando para pegar um rato, verificaremos que, durante seu sono, ele tomar a postura do salto interrompido. claro que, se no houves-sem mecanismos repressores, seramos muito incmodos para os nossos vizinhos e para ns prprios! No toa que muitas vezes sonhamos estar voando...

    Na ltima fase do sono, a do sono profundo, foi consta-tada cientificamente uma freqncia cerebral mnima, che-gando s vezes a 0,5 hertz, que, comparada aos 16 hertz do estado de viglia, quase uma atividade cerebral nula. Pode-mos dizer, portanto, que h durante o sono alguns estados vizinhos ao da morte, na qual a atividade cerebral des-truda.

    Essas informaes sobre o sono so bastante interes-santes, porque permitem uma comparao com os diferentes corpos, tais como so apresentados nos ensinamentos tradi-cionais. O estado de viglia, desperto, pode ser comparado ao corpo fsico; o estado de sono paradoxal, ao corpo sutil; e o sono profundo, ao corpo causal. Durante a fase de sono pro-fundo, estimulada a produo do hormnio do crescimento

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    e so dinamizados todos os mecanismos regeneradores e revitalizadores do corpo, ou seja, a sntese protica, a renova-o das membranas celulares. durante esse perodo que os tecidos se reparam e o cansao desaparece.

    Como se pode perceber, colocar em paralelo o sono, a morte e a regenerao (ou ressurreio), inteiramente coe-rente, pois ocorre, de fato, durante o sono profundo, um certo contato com um nvel interno, que favorece a renovao cclica. como se nesse momento tocssemos uma dimenso eterna de ns mesmos, um estado de total inconscincia. Encontramo-nos na fase sono, portanto, numa fase de vida, mas de vida sem sonho. Trata-se de uma espcie de vida, mas totalmente inconsciente, na qual no temos qualquer percepo de forma, nem fsica, nem psquica.

    Quando se sabe ver, essas constataes permitem com-preender as denominaes que os trs corpos recebem no campo tradicional.

    Falamos sucintamente do sono profundo. O que ir agora nos interessar o sono paradoxal, ou seja, o sonho.

    De partida j temos algo estranho no sonho, pois, embora estejamos adormecidos, alguma coisa, ou seja, aquele que sonha, est desperto em ns. O sonho se refere a uma funo psquica, mas de algum modo independente da conscincia corporal. O fato de que a pessoa adormecida tenha movi-mentos oculares durante o sono, demonstra que ela v algo, que no a luz fsica e sim a luz astral. bastante estranho que, enquanto estamos de olhos fechados, noite, durante o sono, estejamos vendo luz. Por certo, no se trata de uma luz exterior, mas de uma luz interior, que se refere ao mundo da alma ou das paisagens da alma.

    Por meio desses movimentos oculares constatamos tam-bm que, durante o sono, o sonhador participa ativamente de seu prprio sonho e que os mundos que ele alcana esto, evidentemente, nele prprio. Esse ponto parece simples de ser formulado, mas mostra o equvoco de algumas interpreta-es parapsicolgicas. Se eu sonhar com algum, evidente que no irei sonhar com a pessoa concreta, mas sim com

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    aquilo que ela representa para mim. Essa, pelo menos, pode ser nossa hiptese inicial. De igual modo, se sonharmos com a morte de algum, isso no quer dizer que ela ir morrer de fato. Voltaremos ainda a esse assunto, com maiores detalhes.

    possvel agora compreender melhor por que se afirma que o corpo fsico se refere ao outro, enquanto experincia com um objeto exterior. Por exemplo, no mundo fsico, pode-rei amar algum exteriormente, mas se eu sonhar com essa pessoa, isso no constituir a expresso do amor fsico, exte-rior, e sim de tudo aquilo que essa pessoa exterior, que eu amo, representa para mim. Isso tudo nos leva a uma metaf-sica do amor.

    Pode-se dizer que a finalidade do corpo fsico o amor ao outro, enquanto a finalidade do mundo sutil ou mundo astral, conduzir ao amor de si. Isso significa que, no mundo exterior, fsico, a relao eu-outro encontra-se dualizada, cortada, indicando a mesma coisa no corpo sutil, ou seja, dentro de ns mesmos, tambm somos seres separados. Existem em ns Ado e Eva.

    No sonho, portanto, tudo o que ocorre refere-se relao de mim comigo mesmo, a qual denomino relao entre os gmeos: o gmeo celeste e o gmeo terrestre (veja pg. 25). Com freqncia, se no estiver acordado para a dimenso celeste em mim, viverei um conflito. medida que esse conflito interior se desenrola, ocorrem conseqncias exteriores. Se no souber amar minha dimenso celeste, muito pouco provvel que consiga amar algum exterior a mim prprio. importante fazer essa distino, pois um se refere ao mundo exterior e o outro, ao interior.

    O terceiro corpo, o causal, subentende que o indivduo tenha se reunificado exterior e interiormente e que, ento, o seu amor seja o amor a Deus. Isso quer dizer que a ltima etapa da metafsica do amor, no conduz a uma reunificao consigo prprio, integrao da individualidade, mas sim unificao do indivduo com o Todo. Essa etapa, na verdade, est intimamente ligada ao sono profundo.

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    Como regra geral, a atitude do ser no mundo fsico muito egosta, porque a pessoa se deixa levar por um grande nmero de aspiraes e desejos. O ego, ao ser carregado pelos desejos, indica uma situao ntima de falta, de carn-cia. Como j vimos, tanto o desejo quanto a carncia, refe-rem-se ao corpo sutil, j que esse o corpo de desejo. E isso nos conduz questo do condicionamento, pois ao sermos manipulados inconscientemente pelo corpo de desejo, somos levados a agir no mundo fsico. Essas aes, quer sejam para satisfazer o desejo ou para aplacar o sofrimento e a carncia, provocam reaes que retornam ao mundo psquico e astral. Quer tudo isso seja vivido pelo desejo expresso ou pela falta, mais cedo ou mais tarde a conscincia despertar para o me-canismo de iluso ligado a esses processos.

    compreensvel ficarmos presos carncia ou frustra-o. Num certo perodo, quando morava em Paris, tive opor-tunidade de tratar de artistas famosos. Tinham beleza, fama, riqueza e se poderia dizer que todos os seus desejos tinham sido realizados. Mas, paradoxalmente, nenhum deles estava feliz. No haviam encontrado a paz, apesar de suas conquis-tas. De fato, enquanto permanecemos na expresso do desejo, ligados ao ego e vida fsica, imaginamos que no dia em que realizarmos nossos anseios, seremos felizes. Porm, no o que ocorre e, ento, nos colocamos novas perguntas.

    A finalidade do corpo astral colocar essas questes, ou seja, permitir que pouco a pouco sejamos dinamizados pelo desejo, para aprendermos a nos tornar um ser de Desejo. Mas, ao mesmo tempo, necessrio aprendermos a converter o desejo, o que significa reconhecer a iluso de nossos falsos desejos.

    Nos tempos antigos esse combate era representado pela luta com o drago, a serpente, a hidra. No mito de Hrcules, por exemplo, a prova consistia em cortar a cabea da hidra. O problema no entanto que, mal se corta a cabea do monstro, ela renasce. O desafio torna-se ento encontrar algum recurso especfico para impedir que isso ocorra. De um modo geral, a soluo passa pelo fogo, pela escarificao com

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    o fogo, para que a cabea no torne a crescer. Alm disso, mata-se, em primeiro lugar, as cabeas perifricas antes de se eliminar a cabea central.

    O conjunto dessas cabeas representa padres de condi-cionamentos. necessrio descobrir como cada um de ns condicionado, ou seja, qual a falsa cabea que carregamos. A finalidade, portanto, do processo astral e interior, no qual os sonhos tambm se inscrevem de forma ntida, cortar nossa prpria cabea. Se essa cabea for realmente cortada, poder surgir a verdadeira cabea. Nesse momento, o desejo, isto , Eros, transforma-se em rosa.

    No francs, rose, a rosa, anagrama perfeito de Eros, o deus do amor. Esse jogo de palavras faz parte da tradio da cavalaria. Rose e Eros tm a mesma raiz. Um outro exemplo, em francs, mort, morte, e a-mor, amor, que significa poder descobrir o amor quando nos libertarmos da morte, ou seja, a-mor, sem morte.

    Eros j se encontra atuante na criana recm-nascida, portanto muito antes da adolescncia. Pode-se dizer que na criana o objetivo de Eros , de algum modo, a construo fsica. O primeiro desejo o de seu prprio corpo e s grada-tivamente ocorrer uma diferenciao, medida que a forma fsica j estiver construda. Na adolescncia, por exemplo, surge o desejo do outro, no sentido afetivo e sexual. As fases so progressivas, fazendo com que o desejo se transforme e transmute. No se deve simplesmente associar Eros sexua-lidade. Ele muito mais amplo que o desejo sexual.

    A rosa, para voltar ao nosso tema, exprime a liberao do verdadeiro desejo. No por acaso que, no hermetismo cristo, a rosa um atributo de Maria. Quando o ser se liberta de suas falsas cabeas, ele se torna, no nvel existen-cial, uma expresso de Maria, purificado dos pecados, ou seja, das matrizes de condicionamento. Esses condiciona-mentos so representados tanto pela Me Negra e pelas expe-rincias no negro como o caso da obra em negro, na alquimia quanto pelos eventuais sonhos de um europeu branco com pessoas negras.

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    Quando o ser se liberta dessas matrizes de condiciona-mentos ou falsas cabeas, ele converte seus desejos e, desse modo, alcana o verdadeiro desejo. O nico verdadeiro desejo do ser existencial pode ser simbolizado por uma matriz femi-nina, pela parte yin, isto , pela dimenso feminina de ns mesmos, sejamos homens ou mulheres. O verdadeiro desejo dessa matriz virginal receber e ser fecundada pelo mascu-lino em ns mesmos, ou seja, pelo gmeo celeste ou Verbo divino. A rosa simboliza esse estado de pureza do mundo sutil intermedirio, que lhe permitir ser fecundado pelo mundo divino.

    A questo essencial sabermos qual o nosso verdadeiro desejo. No entanto, os falsos desejos e as carncias nos des-viam e dificultam reconhec-lo. A soluo no reprimi-los e tampouco tentar realiz-los, mas discernir o verdadeiro desejo em ns mesmos.

    Outro ponto muito interessante a relao que pode haver entre o sono paradoxal, ou seja, o sonho, e o sistema lmbico, sistema esse que nos remete ao corpo sutil.2 A emo-o tem um forte vnculo com o desejo, visto que raramente encontramos um desejo sem ligao com uma emoo. E ambos, emoo e desejo, esto intimamente associados ao sonho, facilitando a integrao das informaes comporta-mentais, ligadas vida cotidiana. como se as emoes e os sonhos permitissem decodificar e integrar numa linguagem diferente da habitual, um certo nmero de informaes.

    Todos esse elementos indicam o modo pelo qual a pessoa interage com o meio ambiente, porm numa linguagem dife-rente. Na linguagem habitual do consciente, podemos, evi-dente, decodificar muitas coisas nas relaes que mantemos com os outros, mas como se houvesse igualmente uma comunicao no verbal, no consciente, que se processa num nvel mais subconsciente, e que poderia ser traduzida, atravs da emoo, no mundo astral. Esses nveis conscien-tes e inconscientes vo gradualmente nos construindo.

    2 Veja, do mesmo autor, Do Corpo Fsico ao Corpo de Luz; A Reconstruo do Templo, So Paulo, Editora gape.

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    O sonho teraputico e o sonho inicitico Parece que, na mitologia grega, havia dois termos distin-

    tos referentes ao sonho. Essa distino existe tambm na lngua francesa, mas no na portuguesa. Trata-se de rve e songe. A etimologia de rve remete raiz latina vagus, que originou vaguear, vagabundear, e a uma expresso que fala de um vazio na alma. Na palavra rve existe ainda o sentido de divagao. Songer, por outro lado, que vem da raiz indo-europia suep, remete-nos ao grego hpnos.

    Hpnos, que se pode traduzir por sono, irmo de Tanatos, a morte. importante compreender, portanto, que morrer e dormir so irmos. Hipnos mora numa caverna, imagem interessante de penetrao. Isso quer dizer que, durante o sono, estamos em nossa terra interior. Essa gruta atravessada por um clebre curso d'gua, o Rio Lete, rio do esquecimento, de onde vem o termo letal. A letalidade que se refere morte, etimologicamente, significa esquecer. Morrer, ou seja, atravessar o Rio Lete, na verdade significa esquecer.

    Esquecer um imperativo vital. Cada esquecimento , de algum modo, uma pequena morte. Todas as teorias psicolgi-cas atuais que, de uma forma ou de outra, estabelecem rela-o entre o sonho e o mecanismo do esquecimento so justi-ficadas pela mitologia. H, portanto, a necessidade de esque-cer, e o sonho provavelmente vai nos ajudar nesse sentido.

    No mito, porm, Hpnos tambm est ligado ao sonho que, na mitologia grega, resulta da comunicao que os gnios estabelecem com os mortais adormecidos para trans-mitir as mensagens dos deuses. Graas a esses gnios do sonho, os homens podem conhecer a vontade divina, em geral representada por Zeus ou Hermes. Na civilizao grega esse tipo de sonho tinha uma grande importncia.

    Havia locais de cura nos quais as pessoas, aps um ritual especfico de purificao, pediam um sonho terapu-tico, um sonho curador. De um modo geral, esses sonhos, que se expressam numa linguagem simblica, que no a

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    nossa habitual, eram traduzidos por sacerdotes especializa-dos na arte de interpretar os sonhos.

    Na tradio grega esto claramente enunciadas duas funes daquilo que se poderia chamar genericamente de sonho: o sonho emunctrio, de eliminao e descarga, no sentido do esquecimento, e o sonho de contato com a dimen-so espiritual e celeste de si prprio.

    No sonho h um paradoxo. necessrio estabelecer uma distino entre os sonhos que no deveriam ser relatados, por terem uma funo de limpeza, e os sonhos que, ao con-trrio, consistem numa expresso da vontade celeste ou espi-ritual em ns prprios e que, por isso mesmo, devem ser in-terpretados e compreendidos, para nos tornarmos um pouco mais obedientes dimenso celeste, ou seja, ao nosso verda-deiro desejo. O sonho, enquanto processo de purificao, refere-se a dados vindos em geral do exterior, e o sonho espi-ritual, por outro lado, refere-se a nossa dimenso interior.

    Para exprimir essa questo em outros termos, podera-mos afirmar que existem diferentes nveis de sonho, relacio-nados a um dos trs mundos, tradicionalmente conhecidos por mundos fsico, astral e celeste, tambm chamados de inferno, purgatrio e cu.

    Para aqueles que conhecem a Cabala, possvel associar esses trs nveis de sonho respectivamente aos mundos de Assiah, Yetzirah e Briah. 3

    Assiah Mundo Fsico Inferno Terra

    Yetzirah Mundo Astral 4 Purgatrio gua

    Briah Mundo Celeste Cu Fogo

    Atziluth Mundo Divino (no criado) Ar

    3 Veja tambm o esquema da rvore da Vida, reproduzido na pg. seguinte. O leitor encontrar, no desenvolvimento do texto, outras formas de expresso que tornaro clara a idia dos diferentes nveis de sonho. (N. revisores) 4 Ou Mundo Psquico. (N. revisores)

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    rvore da Vida

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    Na realidade, cada mundo duplo, emanado e emanador. Do mesmo modo, o corpo astral, ou corpo sutil, devido s memrias inconscientes s quais est associado, ser ema-nador do Mundo Fsico. Nesse sentido, o Mundo Fsico con-seqncia do Mundo Astral. Trata-se do mesmo processo que encontraremos no carma que se estabelece entre duas exis-tncias, ou ento nas ocorrncias do Mundo Astral que tero conseqncia no Mundo Fsico.

    No nvel inferior desse processo energtico ocorrem me-canismos cibernticos de ao e resposta. Isso quer dizer que o Mundo Fsico, emanado do Mundo Astral, torna-se emana-dor para o Mundo Astral.

    Esses elementos esto nitidamente colocados, quando corretamente interpretados, na fisiologia do sistema nervoso. As crianas recm-nascidas, por exemplo, dormem muito e sonham muito. No incio da vida, como se o Mundo Astral tivesse a funo matricial de oferecer todo condicionamento necessrio ao ser que se encarna no Mundo Fsico. No beb, em verdade, a atividade celeste dominante. Por dormir muito e sonhar muito, podemos dizer que ele se encontra predominantemente num outro mundo. Pouco a pouco, por emanao dos outros mundos, vai ocorrer a maturao do crebro fsico. Isso quer dizer que, apesar das interpretaes habituais, que negam os mundos interiores, a funo astral dominante na criana porque, na verdade, seu processo de condicionamento no est concludo. J na vida embrionria parece existir uma relativa atividade onrica. O feto parece ter uma certa atividade de sonho.

    Da fecundao at o nascimento, h como que uma reca-pitulao de todas as fases da evoluo, desde o incio da Criao e de toda a humanidade at o momento atual. O em-brio passa por fases que poderiam ser denominadas de mi-neral, vegetal e animal. Ao nascer, como se a embriognese tivesse relembrado todas as fases do passado para traz-las ao presente. Para nascer, somos obrigados a fazer o percurso de um ciclo completo. No aparecemos de mos abanando. Precisamos recapitular todas as memrias.

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    Chegamos ao nascimento com um corpo que traduz o estgio atual da humanidade. No evolumos muito desde o Cro-Magnon. Somos ainda homens pr-histricos. Ao mesmo tempo, h um incio de impregnao astral nessa memria fsica e, aps o nascimento, essa impregnao continuar por um longo tempo. como se, ao nascermos, ainda no tivs-semos recapitulado completamente todo o processo crmico. Por isso ocorrer a encarnao progressiva de um certo nmero de matrizes de condicionamento psquico.

    Esse processo, em geral, dura vrios anos. Como conse-qncia, a personalidade astral individualizada s ir apare-cer pouco a pouco. De incio, habitualmente, a criana se parece muito com os pais ou ento com o que os pais eram quando pequenos. Para se constatar esse fato basta compa-rar as fotos dos filhos com as dos pais, quando crianas. Esse fato indica memrias, de modo geral, muito mais fsicas e familiares, portanto coletivas.

    Apenas na medida em que as matrizes astrais se reencar-nam e essas foras astrais pa4ssam a atuar na matria, que gradativamente se manifestaro as diferenas corporais mais especficas. Em razo desse processo, a criana que, aos 3 ou 5 anos se parece muito com os pais, apresentar gran-des diferenas entre os 20 e 25 anos, tanto fsica quanto psi-cologicamente.

    As matrizes sucessivas de encarnao, que se processam no correr do tempo, esto tradicionalmente vinculadas aos ciclos de sete anos. Na verdade, durante um longo perodo da vida, podemos perceber que o indivduo no inteiramente livre. Ele est submetido ao imperativo de recapitular o con-junto dos condicionamentos crmicos. Ter que viver, de alguma forma, trabalhos obrigatrios. s muito mais tarde, se tiver assumido e conseguido se liberar dessas matrizes de condicionamento, que poder reencontrar, mediante meca-nismos circulares, o contato com o mundo celeste.

    A maior parte das pessoas que esto encarnando, nesse momento, encontram-se num evidente processo de involuo. Funcionam num padro ciberntico de mera regulao astral

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    e fsica, onde permanecem girando. Mas, quando se consegue purificar o plano astral e intermedirio, ele passa a atuar como emanador, permitindo a reconexo com o mundo celeste.

    A grande chave para o trabalho espiritual, que nos leva ao cu, a liberao das matrizes de condicionamento astral, por mais paradoxal que isso possa parecer. Com raras exce-es, esse contato com o mundo celeste no se efetua antes dos quarenta anos. Isso quer dizer que deve haver uma pas-sagem por cinco setnios ligados ao processo de condiciona-mento astral. S ao final do sexto setnio, aos 42 anos, a liberao torna-se possvel. Essa a razo pela qual nas anti-gas tradies havia pr-requisitos de idade. Na tradio judaica, por exemplo, recomendava-se que no se praticasse a Cabala antes dos 7 vezes 7 anos, ou seja, antes dos 49 anos. O que compreensvel, j que essas prticas se referem ao mundo celeste. Com razo, considerava-se que, at uma certa idade, as pessoas no tinham acesso a determinados nveis de conhecimento.

    O mundo intermedirio, psquico ou astral Quando falamos do sonho, ou seja, do mundo interme-

    dirio, do astral, ficamos frente a uma situao bastante especfica, que poderamos resumir da seguinte forma: h uma ao emanadora do mundo celeste e outra, do mundo terrestre. Existem de fato dois nveis no mundo astral ou ps-quico.

    A questo apenas conseguir que o mundo astral se

    torne emanador daquilo que se passa acima.

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    Essa ao emanadora poder ser facilmente identificada

    na interpretao dos sonhos, por exemplo, quando o sonha-dor toma conscincia de que est sonhando.

    De fato, ocorre com alguma freqncia sonharmos que estamos sonhando. Isso quer dizer que h a possibilidade de uma ao consciente num mundo que no consciente, no sentido habitual do termo. Tambm podemos compreender a emanao do mundo celeste pelo tipo de viso que ocorre no sonho.

    Na maior parte das vezes, porm, sonhamos exatamente como nos situamos na vida. Por exemplo, sonho que estou dando um curso, vendo exatamente o que estou vendo agora. Esse tipo de sonho, em que me encontro no meu corpo, olhando com os meus olhos, refere-se a uma experincia fsica. Podemos dizer, nesse exemplo, que o sonho de certo modo emana do corpo fsico:

    Por outro lado, quando o sonho decorre de uma ema-

    nao do plano celeste, tornamo-nos o olho de Deus que nos v, ou seja, somos o Senhor que observa. Nesses casos, o ngulo de viso vem de um olho que est acima do nvel em que se encontra a ao. No exemplo do sonhar que estou dando um curso, eu veria a mim mesmo dando aula:

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    Estou vivendo uma situao ou estou me vendo viver

    essa situao? Detalhes desse tipo raramente so enunciados na interpretao dos sonhos. No entanto, a maneira como nos vemos no sonho muito importante. Quando sonhamos estar nos vendo em ao, isso significa que de algum modo somos nossos prprios senhores, ou em outros termos, o nosso plano celeste que nos est vendo. Temos conscincia do que se passa, porque estamos ligados a esse nvel celeste.

    Em princpio, os sonhos que vm do mundo superior, tm um grande poder de revitalizao e de regenerao. J um sonho que deve ser esquecido, no tem uma carga ener-gtica muito poderosa. Um eventual impacto no vem do sonho em si, mas da tomada de conscincia e do medo. Num pesadelo, por exemplo, ficamos perturbados, temerosos, e a carga energtica resulta mais da interpretao que fazemos do sonho, no momento em que nos lembramos dele, do que do prprio sonho.

    No sonho espiritual, ocorre exatamente o contrrio. A carga energtica extremamente forte: lembramos muito bem dele e sua atuao poder estender-se por muitos meses ou anos. Os sonhos que se enrazam no mundo celeste, so portadores do poder energtico do sono profundo. Quando o sonho ntido, h uma clara relao com a luz, mesmo quando aparentemente poderia ser interpretado como pesa-delo. Essas questes ficaro mais claras quando fizermos algumas interpretaes concretas.

    A impresso de algo terrvel ou dramtico, nos sonhos de natureza celeste, decorre da interpretao que damos a partir de nossa viso terrestre. Os processos energticos, como aqueles que citei de Eros e Rose, exigem uma inverso com-

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    pleta da conscincia. Apocalipse, por exemplo, significa eti-mologicamente Revelao e quase todo mundo deseja uma revelao. Mas, quando lemos o Apocalipse, ficamos com medo de toda aquela destruio. Portanto, ou aqueles que escreveram tais textos eram loucos masoquistas, ou ento a verdade no aquela que parece primeira vista. Evidente-mente, a segunda alternativa a justa.

    Se, por exemplo, sonharmos com nossa prpria morte, evidente que se tratar de uma situao dramtica para o ser terrestre. Porm, essa viso s dramtica para a conscin-cia identificada com o corpo, que acredita que se o corpo morre, no pode mais ser. No sonho estamos vivos, mas onde se encontra o corpo? Durante o sonho no temos um corpo no sentido habitual, o que nos d a experincia de estarmos vivos sem corpo fsico.

    Na seqncia, quando se comea a ter domnio sobre o mundo interior, percebe-se que se pode estar vivo, mesmo sem ter qualquer imagem ou representao psquica. Aps a passagem pelo mundo intermedirio, uma srie de coisas sero expressas, mas os intrpretes seremos ns mesmos. Isso significa que a interpretao ir revelar o nvel espiritual de nosso ser. Se estivermos identificados com as formas ou aparncias, interpretaremos tudo sob o prisma delas. O mesmo ocorrer se estivermos identificados a uma teoria psi-canaltica ou religiosa. fcil compreender, portanto, por que alguns sonhos podem ter um carter dramtico.

    A morte anunciada para um olhar superior, que no conhece a morte. Ao falar de sua prpria morte, estar sim-plesmente enunciando uma mudana de pele. Sua pele morre, mas ele no. Por isso no se inquieta de modo algum. No se atemoriza. Como podemos perceber, tudo depende do olhar que se tem para cada momento.

    Diante dessas constataes, uma questo se coloca: como compreender o modo pelo qual o mundo celeste comu-nica-se conosco, j que a comunicao que estabelecemos com o corpo fsico mais simples. Posso sonhar noite com uma srie de coisas ligadas a minha vida de todos os dias,

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    com pessoas e paisagens que conheo; mas tambm posso sonhar com pessoas e paisagens que no conheo e ter expe-rincias que nunca vivi. Tive, por exemplo, muitos sonhos em que eu roubava, mas nunca fui capaz de fazer isso na vida fsica. Em sonhos j andei sobre as guas, mas na vida fsica tambm no seria capaz, e assim por diante.

    Questes: Sonhar colorido e tipos de sonho. A: Qual o significado de se sonhar colorido? Os sonhos, normalmente, deveriam ser em cores e, a meu

    ver, s em casos particulares, seriam em branco e preto. Sonhos sem cor indicariam que falta algo pessoa. Conside-rem o que significaria algum ver a vida a sua volta em branco e preto, ou vestir-se sem cores? A cor anima e d alma s coisas. Quando a criana comea a penetrar o mundo das cores, significa que a encarnao da alma se efetua.

    A cor est intimamente ligada ao colocar-se em movi-mento. Sonhar em preto e branco, portanto, demonstra falta de animao, de movimentao. preciso dinamizar as pes-soas que vivem numa conscincia sem matizes, que vem tudo branco, preto ou cinza. Para elas, tudo luz ou trevas e ainda no incorporaram em seu consciente o processo de difrao, de diferenciao e de relativizao das foras ani-madoras.

    B: Tenho um tipo de sonho como se fosse um rdio que-brado, sempre transmitindo alguma coisa. H tambm um outro tipo, no qual participo fisicamente e que so assustado-res: parecem se referir ao nvel do psiquismo. So sonhos rein-cidentes, que, aps um tempo de vida se resolvem. H, final-mente, um outro nvel em que vejo o sonho de fora: so como histrias ou contos de fada; nunca desaparecem e os smbolos vo se revelando aos poucos. Gostaria de saber se isso coe-rente com o que voc est apresentando.

    Sim, de fato, so trs nveis, trs mundos, mas que se passam no plano astral. Tudo se encontra em tudo. H, de

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    certo modo, um mundo fsico do mundo astral, um mundo astral do astral, e um mundo espiritual do astral. O mesmo acontece nos planos fsico e celeste. O tipo de sonho que voc compara a um rdio, refere-se a experincias do fsico e do astral, com um mecanismo subconsciente muito primrio, quase automtico. Est no nvel mais baixo do astral e toca as memrias inconscientes do corpo. Por outro lado, o nvel seguinte, muito mais emocional, est ligado ao plano astral propriamente dito. Voltaremos a essa questo mais adiante.

    Questo: O gmeo celeste C: O que se deve entender por gmeo celeste? O conceito de gmeo celeste, que estamos utilizando, en-

    globa muitas e detalhadas interpretaes. Mas, para obter algumas indicaes bsicas, precisaremos recorrer a proces-sos energticos muito especficos. Por exemplo, na parte superior do esquema da rvore da Vida, situa-se o mundo divino, que no-criado. Ele envia uma hipstase5 de si mesmo para um campo criado, que pode conter todas as for-mas, mas ainda livre de qualquer forma. Podemos chamar esse nvel de si-mesmo, mestre interior, anjo, guia celeste e, tambm, gmeo celeste. Por sua vez, esse nvel ir revestir-se de outra forma especfica, que tanto pode ser astral, como fsica. Portanto, posto que as formas fsicas contm todos os planos, podem englobar tudo e nos permitir ento a experin-cia do si-mesmo.

    Quando o si-mesmo se reveste de uma forma humana, surge o gmeo terrestre, o ser psico-corporal. Ento, o que pode ser chamado de Verbo divino , na realidade, o conjunto do Senhor e de seu servo. H uma relao muito estreita entre o Senhor e o servo do Senhor, que somos ns em nossa dimenso psico-corporal. Todos os problemas surgem quando

    5 Termo filosfico. Na tradio aristotlico-tomista, refere-se ao que h de permanente nas coisas que mudam, e que o suporte sempre idntico das sucessivas qualidades resultantes das transformaes. (N. rev.)

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    esses dois nveis, que funcionam em ressonncia energtica, no entram mais em harmonia vibratria.

    No sentido sonoro do termo, uma corda feita para vibrar num certo tom e, quando desafina, doloroso. Cada vez que no existe concordncia entre os dois termos, entra-mos em sofrimento. Somente poderemos viver a experincia do gmeo celeste quando nascermos pela segunda vez.

    A segunda morte est ligada ultrapassagem da indivi-dualidade humana, no sentido do indivduo psico-corporal que somos, de tudo aquilo que nos d a impresso de sermos ns mesmos. Aps essa morte, autografar um livro ou fazer um xis, por exemplo, seria para ns a mesma coisa, porque se tornaria difcil olhar no espelho e dizer: Esse a sou eu. Se algum ao nosso lado tivesse o mesmo nome, no nos surpreenderia, pois no estaramos particularmente identifi-cados a ns prprios. Compreendemos esses nveis como etapas necessrias para a realizao de algo subjacente e que nosso trabalho, no sentido do indivduo terrestre, o de estar a servio de uma dimenso superior de ns prprios, que no se chama Fulano de Tal.

    Enquanto o ser se identificar com sua individualidade psico-corporal, ter de morrer. Aps a morte fsica, essa indi-vidualidade sobreviver por certo tempo no mundo astral, mas esse corpo astral tambm morrer. Portanto, no ultra-passar a individualidade significa morrer, mais cedo ou mais tarde. por isso que tememos tanto a segunda morte.

    preciso, atravs de formas individuais, possibilitar ao ser alcanar uma experincia do mundo celeste, ou seja, estabelecer um contato consciente com um determinado nvel de si prprio, livre de uma forma especfica e que poder assumir qualquer forma.

    O contato com esse nvel de si-mesmo ilustrado pela tradio de diversas maneiras. Por exemplo, na Busca do Graal, Merlin aparece um dia jovem e, no outro, velho; algu-mas vezes, simptico, outras, no. No fcil compreender-mos o que ser livre das formas e que no necessitamos delas para Ser.

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    Outro exemplo o de Jesus aps sua ressurreio, quando aparece aos discpulos de diversas maneiras: algu-mas vezes reconhecido e outras, no. Isso mostra que a partir de certo nvel no se est preso a forma alguma.

    H relatos anlogos a respeito de mestres taostas. No Zen, de igual modo, as prticas do koan apontam na direo da no identificao, da libertao das formas.

    A Tradio e as quatro eras Atualmente, a situao de nosso mundo com relao ao

    esprito bastante dramtica, pois, apesar das aparncias, nunca estivemos to afastados dos valores espirituais como agora. Temos a impresso de que nunca a humanidade foi to culta, to inteligente e de que as geraes que nos prece-deram, particularmente as mais antigas, eram muito menos evoludas que a nossa. Na verdade, porm, a Tradio afirma exatamente o inverso.

    No incio de qualquer ciclo de encarnao (e o nosso comeou h uns vinte mil anos aproximadamente) o ser humano permanece num estado que se poderia dizer celeste. a chamada Idade de Ouro. Os homens Cro-Magnon eram muito primrios quanto ao desenvolvimento tcnico e social, mas estavam num estgio muito prximo de Deus. Depois, quando o ciclo se completou, passamos para a Idade de Prata e, a seguir, para a de Bronze. Estamos agora na quarta idade da humanidade, a Idade de Ferro ou Kali-yuga, o que quer dizer que nos encontramos na fase mais afastada de Deus e na qual, paralelamente, o consciente dual, analtico, mais se desenvolveu. Isso tudo est na inteno do Divino, mas, ao mesmo tempo, coloca-nos um problema muito real.

    Acredito que muitas coisas que vivemos hoje, esto inti-mamente ligadas s questes subjacentes ao final do pre-sente ciclo. Plato, por exemplo, falava de quatro formas de governo, associadas s quatro idades. O primeiro, se no me falha a memria, a Teocracia; viria depois a Repblica, seguindo-se a Democracia que, finalmente, conduziria

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    Anarquia. Quando se estivesse na mais profunda Anarquia, o ciclo recomearia.

    No momento, ao que parece, estamos passando da Democracia Anarquia. Podemos observar como todos os valores se dissipam. No entanto, nas situaes paradoxais, nas quais estamos aparentemente mais afastados da fonte, h sempre uma possibilidade subjacente. Na maior anarquia e, justamente graas a ela, podemos encontrar a teocracia em ns mesmos. A situao da sociedade, no momento, para mim exatamente essa. Vivemos uma profanao completa dos valores autnticos. Estamos destruindo a vida e o planeta. No entanto, nesse verdadeiro drama, h a possibilidade real de encontrarmos outra coisa.

    Atualmente, s se pode descobrir o espiritual atravs das crises, dramas ou doenas. J no ocorre mais um processo de descoberta em si prprio, harmonioso. Parece que s podemos descobrir o espiritual medida que nos encontra-mos no descaminho, no sofrimento, na solido. Constatamos que, de fato, quase nada feito para nos aproximar desses valores. Mas, com freqncia, justamente no momento em que estamos mais perdidos que podemos tomar conscincia da possibilidade de reencontrarmos o sentido de nossos valo-res interiores, desde que nos permitamos obedecer a esses valores. No basta apenas reencontrar os valores, preciso segui-los, ou seja, testemunh-los nos atos de vida.

    Acredito que, no momento, estamos num grande desca-minho. Os ensinamentos religiosos, com raras excees, demonstram uma grande carncia de verdadeiros valores. A sociedade tambm no nos leva a reencontrar esses valores; muito pelo contrrio, ela nos induz a viver a lei da selva, do mais forte, em que se tenta agarrar o mximo possvel, ainda que destruindo os outros.

    Mesmo nos ensinamentos que se intitulam espirituais, verificamos tambm muitas iluses. Na maior parte dos livros no se encontram ensinamentos srios, que possam ser chamados de verdadeiros ensinamentos espirituais, pois no estabelecem qualquer distino entre o mundo intermedirio

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    e o superior. Ao que parece, bastaria brincar um pouco com energias, uma pitada de chacra aqui, uma dose de visualiza-o ali e, pronto, teramos as grandes revelaes! Mas a nica revelao que se obtm a do poder da serpente astral e das desiluses que se seguem a isso.

    Isso no quer dizer que no existam autores bastante srios, ou que no se possam encontrar ensinamentos de grande qualidade. Mesmo no campo religioso h pessoas de alto nvel. possvel descobrir seres de grande dimenso no judasmo, no budismo e no cristianismo. O problema que normalmente no temos oportunidade de encontr-los. De modo geral, temos acesso a uma interpretao bastante pro-fana das coisas, mesmo entre pessoas tidas como religiosas ou espirituais. Estamos, portanto, num perodo de muito sofrimento.

    No so os valores atuais da sociedade que podero nos ajudar, nem mesmo tudo aquilo que, num sentido mais amplo, podemos chamar de cientfico. Os prprios postu-lados da cincia impedem toda e qualquer penetrao nos mundos sutis ou superiores. Enquanto a cincia no alterar seu ponto de vista, os seus mtodos de experimentao e de pesquisa de reprodutibilidade, s conseguir produzir uma descrio do objeto e nunca do sujeito. Enquanto a cincia no ampliar o seu olhar, no poder alcanar outros planos.

    As constataes atuais no so nada encorajadoras. Pelo contrrio, estamos diante de crises importantes na sociedade. Se nada mudar, viveremos provavelmente coisas muito piores do que estamos vivendo agora. No se trata aqui de fazer o papel de ave de mau agouro, mas preciso compreender que, embora a tendncia geral se inscreva nessa direo, Deus sempre nos deixou livres no mundo da matria e, portanto, sempre ser possvel revertermos o processo.

    Questo: A prtica da ascese D: Muitos praticam a ascese como um recurso essencial

    para a evoluo, mas se deparam com um mecanismo de rea-

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    o, em que as coisas parecem voltar pior. Como lidar com essa situao?

    A resposta para isso que no pode haver ascese sem a correspondente dinamizao do amor. Uma ascese que ma-chuca e mortifica, no leva a nada. preciso compreender que permanentemente oscilamos entre a permisso de viver-mos qualquer coisa e a tentativa de retomarmos a rdea de nossa vida. atravs desse jogo sucessivo que, na realidade, podemos nos transformar. preciso compreender que um processo vital sempre de regulao. A prpria fisiologia de qualquer funo orgnica exprime bem esse processo.

    Tomem, por exemplo, a hipfise ou o ovrio. Num deter-minado momento vem a ordem: Fabrique tal hormnio. A fabricao um processo relativamente simples, material. Numa imagem, pode-se dizer que esse processo similar ascese, pois o hormnio fabricado ordenar ao organismo uma ao bem especfica. Uma vez cumprida a ao, outros hormnios de neutralizao sero fabricados. Analogica-mente, a ascese pode ser representada como uma ordem dada ao organismo para realizar a ao que pressentimos ser justa e, ao faz-la, obrigatoriamente colheremos a conseqn-cia dessa ao. Esse processo, porm, desencadear o meca-nismo contrrio que, por sua vez, nos demandar uma ao fsica suficiente para inibir esse mecanismo. O mesmo dever ocorrer com a anti-ascese, que desenvolver sua contrapar-tida, a ascese. Se no houver a regulao, entraremos num processo cancergeno.

    Nada h a fazer frente ascese, como fator de inibio. Quando o patamar hormonal, porm, no for mais suficiente, haver de novo a sntese do hormnio. Funcionamos sempre num equilbrio entre estimulao e inibio. necessrio manter esse paradoxo.

    Para mim, a ascese s tem sentido se tivermos a capaci-dade de permanecer livres em relao prpria ascese. Caso haja identificao com a ascese, realizaremos algo muito for-mal, que escapa ao processo de vida; um processo, por-tanto, destrutivo. Mas o inverso tambm verdadeiro, pois

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    pessoas incapazes de ascese nada realizam interiormente. preciso sentir qual a dominante em si prprio e tentar manter o equilbrio. Se, por exemplo, tivermos uma natureza excessivamente asctica, devemos estimular mais, em ns, a liberdade e o largar. Se formos muito compassivos e nos dei-xarmos levar por qualquer coisa, devemos dinamizar a ascese, construindo um degrau na escada para no cairmos no vazio, sem, porm, nos identificarmos com ela. impor-tante compreender que a ascese apenas o corrimo; somos ns que subimos a escada.

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    2. As Assinaturas dos Sonhos

    isto que o mundo astral pode ser diferenciado em assinaturas6 especficas, torna-se til perguntar qual a assinatura dominante de um sonho. Do mesmo modo

    que, na morfologia ou na psicologia, podemos falar de tipos morfolgicos ou psicolgicos, um sonho estar sempre inscrito num determinado tipo psquico, que, por sua vez, representa uma estrutura em transformao. A dinmica dos quatro elementos (fogo, terra, ar e gua) indicar a etapa de transformao de uma determinada estrutura.

    No podemos ser lineares na utilizao dessas refern-cias. necessrio muito tempo de trabalho para a aplicao correta dessas categorias, pois podemos sonhar com o ele-mento gua numa determinada estrutura, mas, noutra etapa de transformao, esse mesmo elemento ter outro signifi-cado.

    Tomemos o mundo astral aplicando a ele uma referncia especfica de construo, ou seja, o sistema setenrio oci-dental. Nesse sistema encontramos as sete assinaturas pla-netrias do corpo astral. Num estudo comum, o desenvolvi-mento sempre linear, mas para aprofundar, preciso relati-vizar. A questo : como ir se inscrever em ns, como um todo, algo vivenciado numa determinada assinatura?

    Utilizando uma imagem, poderamos dizer que a assina-tura seria o altar central, o tabernculo de um templo parti-cular. No sentido do antigo politesmo, por exemplo, o fiel que fosse fazer sua adorao no templo de Mercrio, encontraria a representao dessa divindade sobre o altar central. Mas, para integrar essa assinatura, existia todo um ritual prvio,

    6 O termo assinatura aqui utilizado no sentido que lhe atribua Paracelso, quando se referia s assinaturas planetrias, ou seja, aos atributos especficos de cada astro, com os quais se particularizam os seres, sejam minerais, vegetais, animais ou humanos. (N. revisores)

    V

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    que inclua a circundao do templo. Ou seja, ao circular, por exemplo, em volta do templo de Mercrio, entrava-se em contato com os quatro ngulos desse templo, que continham uma estrutura especfica dos elementos, associada por sua vez s assinaturas prprias de outros templos. O primeiro ngulo tinha a assinatura da terra, o segundo, a da gua, o terceiro, a do fogo e o quarto, a do ar. Nesse templo, sonhar com o elemento gua significava que se estava na etapa cor-respondente do processo de transformao.

    Aps termos vivido os quatro elementos, que reconduzem

    s quatro assinaturas da assinatura central, podemos entrar no templo, estabelecendo um profundo contato com a assi-natura especfica que nos constri ou, falando em termos astrais, com a assinatura que nos condiciona. medida que vamos tomando conscincia dela, podemos descer e destran-car o inferno, a raiz desse condicionamento e, ao destranc-lo, passamos aos cus. Portanto, aps termos circulado em volta das quatro pedras angulares e liberado a pedra de fun-dao, passamos chave de abbada do templo que, ao mesmo tempo, transforma-se em altar central de outra assi-

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    natura condicionante. Em seguida, necessrio percorrer de novo o mesmo caminho, at que a totalidade das assinaturas seja destrancada.

    Veremos concretamente mais adiante quais sero as assinaturas dos sonhos que sero relatados. H todo um con-junto de smbolos que representam uma dada assinatura. No caso de Mercrio, smbolo da comunicao, por exemplo, existem na Bretanha marcos de pedra erigidos ao longo dos caminhos.

    No plano celeste, um modo de entrar em contato com a energia de Mercrio o encontro com o sbio, com aquele que oferece o ensinamento. importante, no entanto, dife-renci-lo do velho sbio, personagem que traz a assinatura de Saturno. Se nos lembrarmos que a Mercrio tambm esto associados smbolos ligados palavra, poderemos compreen-der de forma mais ampla o significado de, em sonho, um cachorro pular na direo da garganta de algum.

    Um rapaz , por exemplo, sonha que deveria ter uma con-versa sria com seu pai; para encontr-lo teria que atravessar um rio, mas no consegue. Trata-se aqui de uma assinatura mercurial ligada ao problema da palavra com a energia gua, ou seja, emocional. Esse sonho tem uma assinatura de Mer-crio e de astralidade, de emocionalidade. H um bloqueio emocional da energia de Mercrio, no nvel da palavra, da expresso.

    Os condicionamentos so sempre muito especficos e boa parte do trabalho de interpretao consistir em reconhecer tais elementos nos sonhos.

    No basta a experincia com um nico elemento. Em cada nvel planetrio preciso viver a totalidade dos quatro elementos perifricos para poder penetrar no templo. Pode-mos comprovar esse fato, se nos lembrarmos de todos os nos-sos sonhos relacionados a um problema especfico. Com muita freqncia, a dinmica de transformao se inicia com fatos muito concretos, ligados ao elemento terra e ao mundo fsico. Depois sonhamos uma srie de situaes relacionadas gua e, em seguida, aparecero as ligadas ao fogo.

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    Quando a energia comear a se espiritualizar, teremos sonhos representativos do elemento ar. Somente ento haver a possibilidade de encontrar a assinatura condicio-nante. Isso quer dizer que, nessa etapa, atinge-se um nvel espiritualizado de transformao, que permite um distanci-amento entre o objeto e o sujeito. Poder, ento, ter incio um processo de sutilizao muito menos cristalizado e identi-ficado, que dar a possibilidade de ver o condicionamento e transform-lo.

    Essas diferentes etapas tm um sentido e no existem apenas para nos aborrecer. Colocam, permanentemente, desafios bem especficos e nos trazem de volta ao mundo concreto. evidente que, no exemplo do sonho em que o rapaz no consegue falar com o pai, ele necessita de ajuda para compreender onde est o bloqueio emocional, j que no consegue atravessar o rio que permitir a comunicao mais fcil com o pai. Ser necessrio transformar o bloqueio refe-rente ao elemento gua para, em seguida, tornar-se possvel a transformao dessa energia.

    O sonho o reflexo de certos processos do mundo inter-medirio, quer tenhamos ou no a memria deles. De qual-quer modo, o que o rapaz sonhou demonstra que ele tem pro-blemas com o pai, tendo ou no conscincia disso. Em seguida, esse problema aparecer na vida. O sonho ter sido, simplesmente, um outro ngulo de viso da mesma situao.

    O sonho portador de luz O sonho tem outras funes alm da purificao do

    indivduo. Num determinado momento, quando o plano astral estiver relativamente purificado, a comunicao com o plano celeste poder ocorrer atravs de sonhos portadores de luz. Estar, ento, acontecendo um trabalho muito mais interes-sante do que uma simples limpeza, pois sero reveladas questes reais referentes ao nvel em que nos encontramos.

    A partir dessa etapa, poder ocorrer contato entre o mundo celeste e o fsico, passando pelo mundo astral. Como

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    o mundo astral, no entanto, inconsciente, teremos a impresso de ter vivido um contato direto com o mundo celeste. o caso, por exemplo, de uma intuio real cuja impresso chega conscientemente at ns. A questo ser, ento, saber reconhecer e interpretar essa intuio. Acredita-remos nela ou desconfiaremos dela? De incio, no nada fcil gerenciar o processo de contato direto. Nesse momento, o mundo astral colocar estranhas perguntas. Estamos ou no ligados a outras dimenses? Os mundos interiores exis-tem realmente? Temos acesso esfera do conhecimento em ns prprios ou a desconhecemos totalmente? Essas per-guntas podero nos situar.

    Posso citar, por exemplo, um caso em que foram em recebidos em sonhos nomes de anjos totalmente desconheci-dos. Foram necessrios meses de pesquisa para descobrir se eles existiam mesmo.

    Ao descer aos infernos, por outro lado, destrancamos todo o conjunto de memrias ligadas ao que se poderia cha-mar de experincias fsicas. Tive acesso, por exemplo, a me-mrias de vida arcaicas, em que os primeiros peixes saam da gua e respiravam. Foi-me mostrado que a vida no tem ori-gem terrestre. Vivi essas experincias em sonho e me per-guntei de onde teria surgido tudo isso? Apesar de todas as nossas dvidas, certos esclarecimentos nos so dados e se tornaro verdadeiros aps serem vivenciados por ns no mundo intermedirio. Enquanto no vivermos esse tipo de experincia, poderemos apenas ouvir outras pessoas afirma-rem, por exemplo, que a origem da vida no terrestre, e essa idia simplesmente poder ou no nos seduzir, mas no iremos alm disso. No dia, porm, em que vivermos direta-mente essa experincia, ocorrer uma transformao.

    Para mim, a importncia do sonho revelador est no contato com os mundos superiores. Esse contato, porm, ainda representa uma simples etapa. Paradoxalmente, a fina-lidade do mundo astral, bem como a do mundo fsico a de morrer. Num determinado momento, o mundo astral ir se apagar, ou seja, no mais estaremos condicionados por nosso

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    tema representado pelo horscopo natal. Quando o processo do desejo for totalmente integrado, viveremos a libertao dos condicionamentos.

    Uma vez que o mundo celeste tenha se revelado no mundo astral, demonstrando sua realidade, ganhamos uma f inabalvel. Nesse ponto, o ser no tem mais dvida e o mundo astral pode desaparecer, porque j cumpriu seu papel. A partir da, o ser no sonha mais e a qualidade do sono se transforma. Necessitar menos tempo de sono e as fases no sero mais entrecortadas. O sonho se apaga por-que, tendo realizado a si prprio, no mais sustentar dese-jos. Com o mundo intermedirio purificado restabelece-se a comunicao com o gmeo celeste. Unificado a si prprio, o ser vive apenas o desejo essencial: comunicar o plano fsico com o plano celeste. O sonho, a partir de ento, no tem mais funo. Ele til somente quando o ser no decodifica con-creta e fisicamente os fatos e, nesse caso, o plano astral ainda pode expressar-se internamente.

    Quando o plano intermedirio se encontra purificado, o verbo encarna-se realmente e o verdadeiro trabalho no ser mais sobre o nvel astral, mas sim testemunhar no mundo. Como se pode observar, os atos essenciais entre a Ressurrei-o e a Ascenso de Cristo foram os de dar testemunho. Tom toca as chagas, o que indica que os fatos se passam no mundo da matria e est em questo a operao direta.

    Nessa etapa, o plano astral atenua-se bastante, mas poder, s vezes, exprimir-se entre o plano celeste e o fsico, sem correlao direta com um objeto especfico. Por exemplo, quando o gmeo celeste tiver encarnado, o ser viver no pre-sente, mas, como esse presente eterno, nem sempre ser fcil diferenci-lo do passado e do futuro. O mundo astral, ento, poder enunciar uma mensagem vinda do mundo celeste atravs de um sonho de inspirao proftica. Isso quer dizer que, em vez de uma inspirao do presente, o mundo astral indica o que ocorrer mais adiante, permitindo diferenciar e agir com clareza.

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    Quando o gmeo celeste est encarnado, evidente que a experincia se d no mundo fsico, mas, se houver necessi-dade, por exemplo, de entrar em contato com uma pessoa ausente, que no podemos contatar fisicamente, a comunica-o poder ocorrer atravs do sonho. No entanto, saberemos tratar-se de seu nvel astral e, tambm, ser o sonho a nica forma de contato de que dispomos. O plano astral, nessa cir-cunstncia ter uma funo muito reduzida, mas no des-prezvel, pois o sonho constitui uma ferramenta muito pre-ciosa durante o trabalho de purificao e de integrao dos condicionamentos astrais.

    necessrio saber relativizar o que acaba de ser dito. Dei exemplos de pessoas conhecidas ou desconhecidas, sim-plesmente para demonstrar que uma interpretao estrita-mente psicolgica considera apenas os acontecimentos exis-tenciais. Num sonho, dificilmente imaginamos algo alm do que vivemos e conhecemos. No entanto, frente a situaes extraordinrias, as informaes devero estar enraizadas noutro lugar. Mais adiante, ao examinarmos concretamente os sonhos, veremos a importncia de relativizar o que se sonha. O que, por exemplo, significa sonhar com um des-conhecido ou andar sobre as guas?

    A revelao do mundo celeste As questes sobre a descida da energia colocam-se

    quando comeamos a conectar no mais com o que emerge do mundo fsico, mas com o que desce do mundo celeste para o mundo astral.

    Como o mundo celeste, informal por essncia, encontra uma forma reconhecvel para se comunicar conosco? Ou ento, como poderemos saber se estamos realmente em con-tato com o anjo, j que se trata de uma conscincia invisvel? Num sonho, o anjo no nos dir: Oi, estou aqui, sou um anjo e vou te fazer uma revelao.

    O mundo celeste compreende um nvel de oniscincia ou onissapincia, isto , uma espcie de conhecimento total que

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    engloba todas as formas, portanto livre de todas elas. Esse mundo de conhecimento , porm, estranha e paradoxal-mente, inconsciente. O ser terrestre, por outro lado, cons-ciente, mas ignorante, por se encontrar identificado s for-mas. Ele s poder tornar-se consciente e conhecedor atravs de um confronto recproco. O gmeo terrestre ter que reen-contrar e reconhecer a dimenso celeste. H um jogo de espelho muito sutil entre os dois gmeos e, a partir do mo-mento em que o gmeo terrestre der um passo em direo ao celeste, este tambm dar um passo em direo quele.

    O problema que, do lado terrestre, s podemos cons-cientizar-nos das coisas atravs de formas mentais e fsicas. Se nos defrontarmos com o Vazio, com o Todo, nada capta-remos. O gmeo celeste, a dimenso celeste em ns, para tornar-se identificvel ter que se revestir de uma forma: por se tratar de pura luz, s assim ser reconhecido. Para tanto sero utilizadas vestimentas que conhecemos e que perten-cem s nossas experincias cotidianas. Se fssemos marcia-nos e vivssemos numa outra conscincia de vida e de corpo, com quatro cabeas e dezoito braos, se tivssemos acesso a nveis interiores, estes se revestiriam de formas correspon-dentes, ou seja, as imagens teriam quatro cabeas e dezoito braos. Da mesma forma, se os animais se revestissem de folhagens em vez de plos, toda referncia fora animal em ns viria sob a forma de animal com folhagem.

    Podemos compreender, cada vez melhor, como a dimen-so celeste revela-se em ns e de qual forma teofnica7 ela ir

    7 A raiz Teo significa Deus, e fania, forma. Portanto, teofania uma forma de Deus. Essa expresso mais parece uma incoerncia, porque Deus no tem forma e no pode ser apreendido por ela. H a algo muito estranho, paradoxal e misterioso. O Divino, que por essncia no tem forma, cria uma, aparentemente separada de Si, com a finalidade de revel-Lo.

    Estranhos jogos de inverso ocorrem a. por essa razo que as formas astrais tm dupla possibilidade. H, de um lado, o jogo da serpente astral que consiste em identificar a conscincia fsica com as formas astrais, tornando-as antiteofnicas, ou seja, impedindo o contato delas com o Divino. A outra possibilidade consiste em liberar e dominar as formas astrais para que, paradoxalmente, se tornem reveladoras do Divino.

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    revestir-se. Ao mesmo tempo, a dimenso celeste s poder despertar-nos medida que estivermos despertos para ela.

    Mais adiante iremos aprofundar o exame dos smbolos para tentar compreender como se d a transcrio do mundo fsico para o astral. Caso se tratasse simplesmente de uma transcrio direta, no haveria diferena entre o estado de sonho e o desperto. Existem pontos idnticos, j que per-feitamente possvel sonhar com uma situao real, mas o processo do sonho no utiliza a linguagem do mesmo modo que o fazemos na vida cotidiana. No utiliza a mesma lingua-gem do estado desperto, mas sim uma linguagem de smbo-los.

    Advm da a necessidade essencial de trabalhar-se sobre o simbolismo, indicao igualmente vlida para todos os pro-cessos iniciticos. O simbolismo conduz, especificamente, ao conhecimento do mundo astral. Dominar os smbolos signi-fica conhecer a linguagem do mundo astral e adquirir o poder de estabelecer comunicao entre o mundo celeste e o mundo terrestre. Porm, preciso diferenciar o simbolismo que exprime formas, do simbolismo tradicionalmente chamado de passivo.

    O simbolismo, que exprime formas, permite a comunica-o entre os dois planos. Trata-se, porm, de um simbolismo que ainda no pertence ao plano celeste. Podemos estud-lo e ter um bom conhecimento dessa ferramenta atravs da astrologia, da alquimia, da cabala, das prticas respiratrias e das visualizaes sem, necessariamente, alcanar uma experincia do mundo celeste. O mundo astral, ou mais pre-cisamente sua travessia, corresponde ao que se chamava antigamente de pequenos mistrios. Na verdade, so os ni-cos que podem ser ensinados. As escolas e os ensinamentos foram criados para essa finalidade. Mas, a partir do momento em que um contato real com o mundo celeste se estabelece, as experincias tornam-se sem forma e no-duais. Elas no podero ser expressas no mundo da matria, visto que cada palavra est ligada a uma forma, a algo percebido, apreen-dido, dito, portanto, diferenvel.

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    Andar sobre as guas Sonhar que andamos sobre as guas, por exemplo, exi-

    gir a compreenso interior desse significado. Simbolica-mente o que quer dizer andar? O que significa a gua ou as guas? Como responder a essas questes a partir da expe-rincia? A base de todos os ensinamentos iniciticos dos pequenos mistrios consiste na mxima: Observa o visvel e conhecers o invisvel. O que seria, portanto, uma experin-cia visvel da gua e como passaramos para um nvel mais sutil de experincia?

    A gua, por exemplo, serve para limpeza e purificao. Se estivermos com as mos sujas, ns as lavamos. Ela sacia a sede, uma de nossas necessidades orgnicas mais premen-tes. Se tirarmos a gua de uma planta, ela logo morrer. A gua produz energia; uma fora motriz. Ela tambm repre-senta a adaptabilidade necessria vida, dada sua proprie-dade de tomar as mais variadas formas. Se tentarmos colocar um pires dentro de uma garrafa, no ser fcil, mas, se pusermos gua, no haver problema algum. A adaptabili-dade da gua faz com que ela esteja a servio de todas as formas. Contm, efetivamente, a noo de forma vital, pois permite o crescimento da vida. Em seguida, poderemos exa-minar os atributos muito mais sutis como, por exemplo, os princpios morais que, no caso da gua, pode ser a humil-dade. A lgrima, por outro lado, constitui a experincia sens-vel ligada s emoes: podemos chorar de tristeza ou de ale-gria.

    Como podemos verificar, a base do simbolismo consti-tuda por fatos simples, por experincias de realidades muito concretas, porm acrescidas de uma espcie de informao subliminar para o nosso consciente. Isso no significa que a relao, por exemplo, tristeza-choro, gua-emoo, seja obri-gatoriamente conscientizada. Talvez no seja consciente, mas algo em ns a reconhecer, pois, ao ocorrer uma impresso subliminar da experincia no fsico, o ser poder utilizar essa impresso e, assi m, transcrever vivncias do mundo astral.

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    O que significa andar sobre as guas? Uma primeira resposta seria a possibilidade de dominar o mundo das emo-es e tambm um certo domnio dos processos que possibi-litam a vida tomar forma. Na vida prtica, se tentarmos an-dar sobre as guas, afundaremos ou nos afogaremos. Num sonho, porm, a situao em que nos vemos andando sobre as guas, pode significar que temos a capacidade de dominar esse nvel. O difcil, num sonho dessa natureza, saber se algo das memrias sutis nos est sendo desvendado, devido ao fato de j termos dominado o nvel terrestre nesse caso, o sonho representa uma confirmao de um novo nvel ou se (o que acredito ser mais provvel), estamos em pleno pro-cesso de concretizar certos atos fsicos, construindo nosso edifcio interior, e j vislumbrando a capacidade de dominar nossas emoes.

    Uma imagem talvez ajude a compreender o que acabo de dizer. Quando dirigimos um automvel, as paisagens vo descortinando-se aos nossos olhos e se as vemos porque estamos no lugar especfico em que elas se encontram. Do mesmo modo, a capacidade de uma visualizao global acontece quando tocamos o nvel celeste, que criador e ativo em relao nossa dimenso terrestre.

    Contatar arqutipos como o de andar sobre as guas, significa que se pode comunicar de novo com o nvel original de si prprio, com algum que sempre fomos, mas de quem nos havamos esquecido. O mesmo pode ser dito do contato com o nvel celeste: s possvel voltar quilo que sempre fomos por toda eternidade.

    Se, atravs do sonho, tomamos conscincia de algo refe-rente aos mundos de luz, trata-se apenas da revelao daquilo que j somos. Essa a nica revelao possvel.

    O aprisionamento em formas-pensamento Atendo diariamente em meu consultrio pessoas aprisio-

    nadas em conceitos mentais, que funcionam numa relao de causa e efeito interminvel. Recentemente, atendi uma

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    assistente social que havia sido muito condicionada pelas questes de segurana material. Ela vinha sendo paga para tomar conta de duas crianas. De repente, por razes alheias ao seu trabalho, uma das crianas foi transferida, o que lhe causou uma angstia terrvel, pois acreditava que, com o pagamento recebido por cuidar de duas crianas, no corria riscos financeiros, mas com o recebido por cuidar de apenas uma, seria difcil manter-se. Na realidade, essa situao era totalmente falsa, pois, alm de possuir economias, seu ma-rido tambm trabalhava. Ela estava, na verdade, prisioneira de uma forma-pensamento. Isso vai to longe, que se enquanto terapeutas estivermos prisioneiros do mesmo tipo de problema com relao ao dinheiro, no reconheceremos o processo do paciente e sentiremos esse mesmo medo e inse-gurana.

    No mbito afetivo ocorre a mesma coisa. Se, por exemplo, nosso cnjuge partir ou quiser se divorciar, isso representar para ns uma verdadeira catstrofe. No vivemos, de fato, um processo de vida, mas um conceito anterior especfico, que funciona como um fio condutor. Quando os acontecimentos se adaptam a esse fio condutor, acreditamos que tudo vai bem. Se, ao contrrio, os fatos no esto de acordo com esse modelo, acreditamos estar vivendo uma tragdia, o que no necessariamente verdade em nenhum desses casos.

    Libertar-se desse tipo de situaes consiste em no estar mais preso a conceitos ou emoes e no mais representar um papel. Liberar-se no significa ser um santo e permanecer imvel, numa bela roupa branca, com os braos em cruz, transcendendo qualquer sofrimento com um largo sorriso, mas sim poder perceber a cada instante as raivas, reclama-es, cobranas ou cansaos. Estar livre de formas emocio-nais ou mentais significa brincar ou jogar na mesma direo delas, mas sem se iludir. Por exemplo, quando estivermos com raiva, ns a sentiremos e essa tomada de conscincia permitir avaliar se devemos ou no interromper essa dispo-sio, uma vez que possumos um certo controle da situao. Assim funcionando, perceberemos a posteriori que quanto

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    mais crescemos, com menos raiva ficamos. Isso, porm, acontece sem qualquer esforo da nossa parte.

    O mesmo ocorre em relao aos pensamentos. Se come-ar a pensar Isso no vai funcionar, na verdade, j estarei imobilizado, atado a um conceito especfico que me aprisiona. por essa razo que muito aprecio um dos lemas da cavala-ria: Faa o que deve ser feito, e acontea o que tiver que acontecer.

    O interessante podermos enfrentar qualquer situao estando livres das formas. Podemos em todas as situaes, mesmo nas mais desfavorveis, conquistar a possibilidade de sairmos vencedores do combate. Mas, quando somos infe-riores em nmero, s poderemos vencer o combate se conse-guirmos surpreender o adversrio que est em ns. Ele acre-ditar que funcionaremos de um certo modo, mas agiremos de outro. Trata-se de um jogo e preciso ter muita leveza. Se no estivermos presos s formas, seremos necessariamente simples. Uma das acepes etimolgicas da palavra simples simplice, sans plis, ou seja, sem dobras. De fato, sem as dobras entre os diversos mundos, tudo circula. Colocamo-nos a servio daquilo que .

    O importante aceitar ser o que somos a cada momento, sem procurar ser outra pessoa. A melhor maneira de dominar nossos vcios no pelo combate direto, porque desse modo acabamos por aliment-los. Deveramos dizer a cada um deles: Eu o vejo e talvez voc se leve a srio, mas eu no. A partir de ento, se no dermos mais energia aos vcios, sua fora se desvitalizar por si s.

    Relato 1: Sonhos recorrentes com a gua Narrador: Tive sonhos recorrentes com o elemento gua,

    nos quais vivia algo aterrador, mas, pouco tempo depois, tive outro sonho em que mergulhava na gua e que foi muito praze-roso, apesar de no saber nadar bem. Qual o significado de um deles ser liberador e transmitir paz, e o outro, um sofri-

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    mento total? Por que o mesmo smbolo pode ter tradues to-talmente diferentes?

    H diversas imagens num mesmo smbolo. Podemos, por exemplo, ver-nos andando sobre as guas ou, ento, sonhar com a gua entrando em conflito com o corpo, com a terra. Podemos sentir-nos submersos, afogados pelas guas ou, pelo contrrio, dando mergulhos sem risco algum.

    As duas circunstncias mostram a mesma realidade de duas maneiras diferentes. Num primeiro nvel, o lado dolo-roso do smbolo aponta para dificuldades existentes na esfera emocional. Num segundo nvel atesta que temos a capacidade de sairmos vencedores desse confronto emocional, pois no sofremos danos por estarmos submersos. Sonhos como esses encorajam a descer e penetrar na gua.

    Questo: O inconsciente A: Gostaria de entender melhor o que o inconsciente. Para melhor compreender o termo inconsciente neces-

    srio observar o funcionamento de todos os circuitos que mencionamos at agora. Existe um inconsciente muito arcaico, primrio e instintivo, que se refere ao mundo fsico e aos processos fisiolgicos que se desenvolvem sem que tenhamos qualquer conscincia deles. H um inconsciente alimentado por experincias fsicas, num limiar que podera-mos chamar de subconsciente. H um inconsciente mais especificamente astral, ligado a todos os condicionamentos crmicos com os quais somos construdos. H, finalmente, uma espcie de supraconsciente, que atua sem a nossa cons-cincia, ligado ao que denominamos anteriormente de gmeo celeste. Existem, portanto, diferentes nveis nessa ampla rea que no consciente em nossa vida comum.

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    3. A Relao do Sonho com a Queda, o Sofrimento e o Desejo

    definimos, at aqui, uma relao entre o sonho e o mundo astral. Seria oportuno, agora, examinar alguns elementos tericos que nos ajudaro a estabelecer a rela-

    o do sonho com o desejo, com o sofrimento, com a carncia e, conseqentemente, com a doena.

    Na Busca do Graal, o pecado original est diretamente ligado ao ferimento do Rei Pescador. Isso quer dizer que existe em ns um nvel matricial, original, que foi ferido no processo de descida em direo matria. nesse nvel ori-ginal ferido que se encontra a origem de tudo o que se pode chamar de doena. A matriz das doenas fsicas acha-se no nvel astral. As excees so raras, como o caso, por exem-plo, de um acidente qualquer de carro, que no se encontra forosamente inscrito no nvel astral.

    O sonho sempre nos falar de nossa doena, mesmo quando se mostrar agradvel. As matrizes astrais contm toda a memria akshica8, ou seja, todas as fases da Criao que nos dizem respeito. por isso que um sacerdote ou um xam em contato com o plano astral podero interpretar os sonhos, apreendendo os acontecimentos originais da doena, captando o prottipo astral da ferida e do sofrimento.

    Quando soubermos ler e compreender o sentido do sofri-mento, poderemos integrar o processo de separao em ns prprios e ajudar outros indivduos a se reunificarem consigo prprios. Nos sonhos, bem mais freqentemente do que pen-samos, h indicaes de processos de cura, pois, comparado ao estado no qual nos encontramos em viglia, o sonho pode levar-nos muito prximos da supraconscincia clara.

    8 Akasha, em snscrito, significa matria primordial. (N. rev.)

    J

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    A aparente contradio dos dois sonhos recorrentes sobre a gua, relatados anteriormente, comprova essa indicao de cura. Um deles falava da situao e detectava um problema emocional, mas o outro entrava em contato com a conscin-cia xamnica, como que dizendo: Desa, no hesite em en-contrar essas foras emocionais que voc v, entre na gua e no morrer. como se houvesse a a possibilidade de um ato teraputico.

    O carter evolutivo das doenas Todas nossas doenas podem ser teis, tais como obst-

    culos que devemos ultrapassar para evoluir. No precisamos consider-las como algo absolutamente negativo ou patol-gico. Trata-se, porm, de uma questo complexa.

    Uma dor de cabea ou um clculo no rim no tm qual-quer sentido em si. Para melhor compreender o tema opor-tuno voltar ao que dizamos sobre os trs corpos. Se depois do quinto litro de bebida alcolica eu ficar com um pouco de dor de cabea, no se trata de um processo crmico, mas, de moderar a ingesto de bebidas. Por outro lado, nunca me passaria pela cabea beber cinco litros de lcool. Portanto, algumas respostas patolgicas referem-se estritamente ao registro do mundo fsico, pois compreendem a respirao, a alimentao, a higiene. Mas, subjacentemente, existe a questo do motivo pelo qual iremos desenvolver uma bulimia, ou iremos beber alm do limite, ou estaremos ainda, num dado momento, sensveis ao vento frio e, por isso, adoecere-mos.

    Como podemos concluir, os acontecimentos esto muito mais condicionados aos mundos interiores do que imagina-mos. O problema que no sabemos reconhec-los, pois no possumos as chaves de interpretao.

    Para fazer face a essas questes, devemos manter-nos muito livres das formas. No processo teraputico, neces-srio alimentar sempre a parte contrria dominante. Se, por exemplo, uma pessoa est condicionada a viver consul-

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    tando e encontrando explicaes para tudo na astrologia, ser preciso dizer a ela que consulte as Efemrides apenas trs vezes ao ano. Mas, inversamente, se algum acredita que tudo acontece por acaso, sem causas subjacentes, preciso mostrar-lhe que h relaes de causa e efeito muito evidentes para os acontecimentos.

    Quando se tem o domnio de certas foras de condicio-namento, no necessria uma bola de cristal para prever o futuro. Apenas com essa compreenso e o uso da conscin-cia, possvel mostrar como as pessoas funcionam e quais so os seus problemas na vida. E como isso de fato funciona, fica demonstrado que h condicionamentos subjacentes.

    O simbolismo nas vestes culturais Devemos compreender como o mundo dos sonhos fala

    por meio de arqutipos e de smbolos, que podem ser mais ou menos coletivos ou mais ou menos particularizados, segundo as culturas e as sociedades. muito importante, na anlise dos sonhos, estabelecer o nexo entre o simbolismo e a domi-nante cultural em que o indivduo se situa, embora haja tambm arqutipos coletivos. Ao interpretarmos o sonho de um pigmeu, evidente que no poderemos usar a mesma interpretao que faramos para um ocidental que vive na Europa, nem para um chins ou para um ndio da Amaznia.

    Outro detalhe importante, que todos os psiclogos e psi-canalistas comprovam, que o smbolo portador de um sentido diferente para o sonhador e para quem o interpreta. Se submetermos o mesmo sonho a dez intrpretes, teremos dez interpretaes diferentes.

    O smbolo, por sua prpria natureza, exprime uma certa totalidade e o intrprete, dentro dessas referncias globais ter um ponto de vista particular. Por exemplo, se numa reu-nio de amigos observarmos um vaso de flor, cada um ver essa flor sob o seu ponto de vista, que diferente dos demais. Falaremos da mesma planta, mas com viso de detalhes bem diferente . Do mesmo modo, os diferentes pontos de vista na

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    interpretao de um sonho no se excluem mutuamente. Muito pelo contrario, o interessante encontrar uma viso mais global, central, atravs dos diferentes pontos de vista.

    Relato 2: O sonho da pasta verde Narrador: Sonhei que uma pasta verde havia desapare-

    cido. Trabalho com cones no computador e o smbolo que con-tm o programa do fax era de cor verde. Compreendi ento que a pasta do meu sonho tinha que ver com comunicaes. Ne-nhuma outra pessoa poderia dar essa interpretao porque eu que dou cores para meus cones, foi uma mensagem pessoal.

    O exemplo muito interessante, porque mostra como o sentido dos smbolos evolui permanentemente. H mil anos, no se poderia dar uma interpretao simblica de sonhos com avio, trem ou uma pasta verde de computador. Hoje, no entanto, esses elementos aparecem no sonho, o que prova a existncia de processos de circulao. Mas a atuao do inconsciente, como defini h pouco, tambm fica demons-trada, pois no sonho apareceu uma pasta verde e no a proje-o da pasta na tela do computador. O fato de aparecer como uma pasta e no como o cone que voc colocou em seu com-putador, mostra a transcrio inconsciente entre um ele-mento particular e a maneira como ele expresso no mundo astral. H tambm outras interpretaes possveis, que no excluem essa, ligadas ao computador, ao fax, ou comunica-o.

    Questo: Os sonhos premonitrios A: Observei muitas vezes que os sonhos tm um tom pre-

    monitrio. Quando a dificuldade comea a aparecer em sonho, fico desesperada e me pergunto: O que ser isso? Passam-se dois anos e os eventos e dificuldades sonhados acontecem, de fato, na vida. como se uma fora j detectasse que aquela rea teria que ser trabalhada. De onde vem isso? o plano

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    astral ou um nvel superior que nos prepara para uma nova liberao?

    Os dois. No plano astral, existe uma premonio ligada s situaes de causa-efeito. Nesse sentido, podemos prever que hoje noite ser noite ou, se formos camponeses e tivermos plantado gros de trigo no campo, teremos toda certeza de que no colheremos milho. Isso pode parecer bobo, mas a verdade. H um determinado tipo de semeadura no mundo astral e, se minha vida cotidiana leva a um certo tipo de efeitos e conseqncias, provavelmente esses efeitos se tornaro causas secundrias que, por sua vez, levaro a ou-tras conseqncias. Por exemplo, se nos dirigirmos a outra pessoa e lhe dermos um abrao, poderemos facilmente prever que ela ter, no futuro, uma atitude muito mais aberta em relao a ns do que se a tivssemos esbofeteado. Precisamos compreender que, no plano astral nossos gestos so gerado-res de causas, que, por sua vez, trazem novas conseqncias.

    Quanto premonio que vem do mundo celeste, con-siste numa viso que poderamos qualificar de proftica. O que significa uma profecia em termos do mundo celeste? No fundo, somos chamados a nos tornar aquilo que somos de verdade. Trata-se de um nvel em que no h dualidade, j que somos chamados a ser o que somos. No h outra profe-cia a no ser essa. O problema que no sabemos quem somos. No se trata, no caso da profecia, de uma relao de causa e efeito qualquer, mas sim de Seja o que voc . Constitui-se numa maneira de falar de Jehovah: Eu Sou Aquele que , ou Eu Sou Aquele que Sou.

    A profecia consiste em realizarmos o que realmente somos desde sempre. Na Busca do Graal, por exemplo, a profecia de que Arthur se tornaria rei, significa que, mesmo antes de s-lo no mundo terrestre, ele j o era no mundo celeste. Como o mundo celeste emanador do plano terres-tre, mais cedo ou mais tarde, ele acabaria por se tornar rei.

    Existem tambm profecias que no so individuais e se referem a ciclos coletivos, como o caso do Apocalipse de So Joo ou das profecias de Nostradamus. So Joo e Nostra-

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    damus foram pessoas que tiveram conhecimento dos ciclos e que viram antecipadamente certos acontecimentos especficos da histria do mundo. Embora isso possa parecer estranho, ao estudarmos a histria das religies e civilizaes, percebe-mos que, em geral, no curto intervalo de dez anos que na vida do universo equivaleriam apenas a alguns segundos ocorreram fatos que sacudiram civilizaes. Por exemplo, poucos anos aps a destruio dos livros da biblioteca de Alexandria, houve um auto-de-f semelhante no mundo oci-dental, no qual todos os livros foram queimados por ordem do Imperador. Acontecimentos paralelos, que aparentemente no esto interligados, ocorrem em pequenos intervalos de tempo.

    Alm dos ciclos estudados pela astrologia, que se desen-volvem no mximo em duzentos e quarenta anos, como o caso do ciclo de Pluto, existem outros ciclos, muito mais amplos, que pertencem ao campo esotrico. No passara-mos, ento, de simples marionetes nas mos dessas foras que determinam os ciclos?

    Uma vez mais, para responder a questes desse tipo, necessrio compreender em que ponto de vista nos coloca-mos. interessante voltarmos, por exemplo, aos captulos 2 e 3 do Gnesis. Deus diz ao homem: Mas da rvore do conhecimento do bem e do mal no comers, porque no dia em que dela comeres ters que morrer. J a serpente afirma: No, no morrereis! Deus sabe que, no dia em que dela comerdes, vossos olhos se abriro e vs sereis como deuses, versados no bem e no mal. Podemos dizer, ento, que um dos dois mente e, como a serpente no tem boa fama, conclumos ser ela a mentirosa. Na realidade, nenhum dos dois mente, pois trata-se de duas verdades e no da ver-dade. A verda