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SOROCONVERSÃO PARA O HIV NA INFÂNCIA: PREJUÍZOS PSICO-SOCIAIS NA
PERCEPÇÃO DO CUIDADOR
Diala de Carvalho Rodrigues Máximo1
Maria Eliane Liégio Matão2
INTRODUÇÃO: Das mudanças no perfil epidemiológico da infecção pelo HIV/Aids, destaca-
se o crescimento entre mulheres em idade fértil, o que pode acarretar aumento da Transmissão
Vertical (TV), quando não adotadas as medidas profiláticas. A soroconversão para o HIV nas
crianças pode modificar de algum modo o desenvolvimento, interferindo nos aspectos sociais
e psicológicos das mesmas. OBJETIVO: Desvelar, na perspectiva de cuidadoras, possíveis
prejuízos à criança soropositiva para o HIV quanto ao aspecto psicológico e inserção social.
METODOLOGIA: Pesquisa exploratória descritiva com abordagem qualitativa, com dados
coletados em prontuários e entrevistas com cuidadoras. RESULTADOS: As mães aparecem
como as principais cuidadoras, cuja história obstétrica revela a realização de pré-natal sem
testagem para o HIV, trabalho prolongado de parto normal e amamentação por tempo superior
a três meses. O diagnóstico das crianças foi realizado entre um e cinco anos de vida, a partir da
recorrência de sintomatologia respiratória, na maioria dos casos, e algumas devido ao
adoecimento dos pais. A maior parte faz uso de antiretrovirais, com esquema já alterado por
falha terapêutica. Em nenhum dos casos há conhecimento da infecção por parte da criança,
apesar de algumas estarem em preparação para a revelação diagnóstica, o que acontece após a
alfabetização, conforme protocolo do serviço. Não há registros nos prontuários acerca da
socialização e aspectos psicológicos, entretanto, por ocasião das entrevistas as mães relataram
percepção compatível com a normalidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Constatou-se um
hiato entre a condição real e a percepção idealizada das cuidadoras para com as crianças,
independentemente do grau de parentesco.
Palavras-chave: Criança soropositiva; HIV infantil; Aids pediátrica.
1Pós-graduanda em Enfermagem Obstétrica – Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail:
2 Enfermeira. Doutora em Psicologia. Especialista em Enfermagem Obstétrica. Coordenadora do Curso de
Enfermagem Obstétrica PUC Goiás. E-mail: [email protected]
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REVISÃO DE LITERATURA
No Brasil, o primeiro caso de TV foi descrito em 1985 no estado de São Paulo. No
período de 1984 a 1987, os casos pediátricos de transmissão perinatal correspondiam cerca de
25%, a partir de 1994, 90% dos casos de Aids ocorridos em crianças estavam relacionados à
transmissão do vírus da mãe infectada para o seu filho (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE,
1999).
A transmissão vertical (TV) é a principal via de infecção pelo vírus HIV (Human
Immunity Vírus, em português, Vírus da Imunodeficiência Humana) na população infantil. Sob
o ponto de vista clínico e obstétrico, o pré-natal contribui de forma significativa, uma vez que
identifica a soropositividade materna, possibilitando a adoção de medidas para a redução da
soroconversão da criança, destacando-se o uso de medicamentos antiretrovirais (ARV) e a
cesárea eletiva, bem como o uso de terapia pelo recém nascido (RN).
A soroconversão modifica significativamente a vida das crianças, o que nos despertou
interesse sobre o assunto, uma vez que os estudos relacionados a este agravo destacam mais os
aspectos quantitativos, epidemiológicos, clínicos, enfim os mais objetivos. Tratar dados
subjetivos (âmbito social e psicológico) relacionados à criança infectada pelo vírus HIV via
TV pode contribuir de forma significativa com a formação dos acadêmicos, fornecendo a estes
uma visão holística e despertando-os para a integralidade na assistência.
Na década de 80 a epidemia de Aids no Brasil atingia, principalmente, as regiões
metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Os casos eram, em sua maioria, de homens com
alto nível socioeconômicos e homossexuais, além daqueles portadores de hemofilia ou
receptores de sangue. Em 1985, a proporção de infectado homem/mulher era de 24/1,
passando a 2/1 em 1999/2000; atualmente esta proporção encontra-se de 1,5/1, evidenciando,
portanto, aumento considerável entre mulheres (feminização). Outras tendências da epidemia
são heterossexualização, interiorização, envelhecimento e pauperização (RACHID;
SCHECHTER, 2005).
O aumento da incidência da infecção pelo HIV na população feminina fez a epidemia
atingir crianças pela transmissão vertical. Entre 2000 e 2009, foram detectados 54.218 casos
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de gestantes HIV+ e de 1997 a junho de 2010, 13.676 casos de Aids em menores de 5 anos. A
taxa de detecção de Aids em menores de cinco anos vem diminuindo desde 2000, passando de
5,4 casos para 3,0 por 100.000 habitantes em 2009. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2010).
A notificação compulsória de HIV em gestante/parturiente/puérpera e de criança
exposta ao HIV foi instituída por meio da Portaria Nº 933/GM/MS de 04 de setembro de 2000.
No Estado de Goiás foram registrados no SINAN 1.295 casos de gestantes HIV positivas no
período de 2000 a 2011(GOIÁS. SES, 2011).
As variáveis sóciodemográficas passíveis de análise foram idade, escolaridade e
raça/cor. Do total de casos registrados entre 2000 e 2010, 1.211 (93,8%) são gestantes de 15 e
34 anos de idade. Em relação à escolaridade os dados evidenciaram que a maioria das
gestantes HIV positivas registradas no SINAN tinham entre 1 a 7 anos de estudo (47,6%),
cerca de 21% referiram 8 anos ou mais de estudos e 29,7% tinham informação ignorada.
Embora, nos últimos anos tenha se observado redução no percentual de casos ignorados na
variável escolaridade, é importante ressaltar que nos 12 anos de registros sistemático das
gestantes HIV positivas não foi obtido índices inferiores a 10% nessa variável. Essa situação
Perfil epidemiológico do HIV/AIDS no Estado de Goiás certamente é um fator limitador da
análise de tendências temporais e evidencia a necessidade de aprimorar a investigação e a
notificação pelos profissionais que atendem esse grupo nos serviços de saúde. Quanto a
variável raça/cor 27,1% e 48,5% se auto declararam brancos e pretos/pardos, respectivamente.
Essa variável tem apresentando maior consistência desde 2006, representado pela diminuição
dos casos com informação ignorada (GOIÁS. SES, 2011).
A transmissão vertical do HIV pode ser reduzida quando intervenções profiláticas são
realizadas no pré-natal, parto e puerpério. O Brasil tem como meta a redução da transmissão
vertical do HIV para menos de 2% até 2015. Essa meta é monitorada através do indicador de
taxa de incidência de Aids em menores de cinco anos, que é utilizada como proxy da
transmissão vertical. Apesar da significativa redução na taxa de incidência de Aids em
menores de cinco anos, alcançar a meta proposta permanece um desafio, principalmente nas
regiões Norte e Nordeste. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Em relação ao pré-natal, de acordo com os dados do Sistema de Informação
Ambulatorial do SUS, observa-se aumento no número de consultas de pré-natal. Em 1995, a
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média era de 1,2 consulta para cada parto realizado no SUS, enquanto em 2007, esse número
passou para 5,7. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
A atenção integral no final da gestação é de fundamental importância para evitar o
risco aumentado da TV. Sabe-se que este risco está associado à ruptura das membranas
amnióticas por tempo maior ou igual há 4 horas, manipulação obstétrica invasiva, como
amniocentese e a amnioscopia, devido a sangramentos subclínicos da placenta e das
membranas cório-amnióticas (DUARTE, 2003).
Após o nascimento, a recomendação do MS é que as mães soropositivas não
amamentem seus filhos, os quais deverão receber fórmula infantil. No caso de RN prematuro
ou de baixo peso que não possa ser alimentado com fórmula infantil deve ser alimentados com
leite humano pasteurizado por bancos de leite credenciados pelo M.S. É contra-indicado o
aleitamento cruzado, ou seja, amamentação por outra mulher, bem como uso de leite materno
com pasteurização domiciliar (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Pouco se conhece sobre as dificuldades e os fatores que afetam as crianças com
HIV/Aids e suas famílias, apesar dos inúmeros esforços apresentados para o atendimento a
essa clientela, bem como de seus familiares e profissionais da saúde. Aquelas de maior
complexidade são no sentido de como lidar com a curiosidade sobre o diagnóstico, quando e
como revelar para a criança a soropositividade, dificuldades de adesão ao tratamento, dúvidas
e preocupações relacionadas à escolarização e à chegada da puberdade.
O impacto do HIV/Aids na vida das crianças está relacionado a inúmeros fatores, uma
vez que estas pertencem não somente a uma família em particular, mas também a uma
comunidade, cultura e religião, sendo que a educação, saúde e auto-estima estão intimamente
ligadas a elas. As crianças freqüentemente enfrentam discriminação, quando as pessoas sabem
da soropositividade e muitas vezes perdem os colegas de brincadeiras e a chance de freqüentar
a escola normalmente (SEIDL et al., 2005).
O direito da criança e do adolescente a uma vida digna é garantido pela Constituição
Federal de 1988 e amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990).
No entanto, a falta de informação da população e o preconceito para com o portador do vírus
HIV favorecem as recorrentes situações de discriminações, prejudicando a vida escolar,
afetando o desenvolvimento afetivo e social e, conseqüentemente, seu futuro como cidadãos.
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Apesar disso, a qualidade de vida dos infectados tem melhorado significativamente devido ao
tratamento, aumentando a sobrevida desses pacientes.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de campo, exploratório, descritivo com abordagem qualitativa.
O estudo foi iniciado após aprovação do Projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da PUC
Goiás, com posterior autorização do Comitê de Ética do Hospital de Doenças Tropicais
(HDT). Inicialmente foi feito levantamento nos prontuários da unidade hospitalar com vistas à
identificação das crianças com diagnóstico confirmado para o HIV, na faixa etária de 2 a 8
anos, em acompanhamento no Hospital de Doenças Tropicais (HDT), não estando em regime
de hospitalização. Participaram de forma voluntária como sujeito, cuidadoras de crianças com
o perfil acima descrito e idade superior a 18 anos. Foram excluídos do estudo todos os
indivíduos que não apresentaram essas características. Os critérios de inclusão e exclusão do
presente estudo foram elaborados conforme regulamentam os dispositivos da Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1997).
Posteriormente, por ocasião de seu retorno ao HDT para consulta agendada previamente, as
mães foram contatadas para a apresentação da pesquisa e questionadas quanto à aceitação, ou
não, para integrar o estudo como sujeito.
Todas foram orientadas quanto à pesquisa, recebendo o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido, que contém explicações quanto ao objetivo do estudo, a forma de sua
realização, bem como o compromisso expresso em manter todas as informações em caráter
sigiloso. Posteriormente, aquelas que concordaram, receberam o Termo de Consentimento da
Participação da Pessoa como Sujeito, os quais foram assinados prontamente.
A pesquisa foi aplicada no ambulatório do Hospital Dr. Anuar Auad/HDT (Hospital de
Doenças Tropicais), situado em Goiânia, referência no Estado para tratamento de pessoas
infectadas por HIV/Aids. Foram utilizados três instrumentos para a coleta de dados: um se
refere a ficha para registro das informações contidas em prontuário, e os outros dois aplicados
junto aos sujeitos, quais sejam a ficha para identificação dos aspectos socioculturais e outro,
uma entrevista aberta em profundidade, iniciada com a seguinte questão norteadora:
Conte para nós como tem percebido o desenvolvimento do seu filho?
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O questionamento foi feito de forma não diretiva, para propiciar ao sujeito a livre
expressão de suas idéias e de seus sentimentos em relação ao objeto de estudo. A saturação foi
o critério adotado para o encerramento da coleta de dados (BECK, GONZALES, LEOPARDI,
2002), a partir da segunda entrevista passou-se a verificar a sua ocorrência.
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Após transcrição o corpus
foi lido exaustivamente para a identificação dos conteúdos semelhantes e agrupamento dos
mesmos em categorias temáticas, conforme análise de conteúdo segundo Bardin (2007). As
categorias que emergiram foram: A pseudo-normalidade do período gravídico puerperal, A
descoberta do diagnóstico na criança e A criança na percepção das cuidadoras. A segunda
categoria foi dividida em subcategorias quais sejam: A “busca” por um diagnóstico, Reações
das cuidadoras diante da soropositividade na criança, Repercussões da soropositividade para
cuidadoras: enfrentamento ou internalização e O impasse na revelação do diagnóstico para a
criança.
RESULTADOS
Participaram oito cuidadoras, todas mulheres, a maioria as próprias mães das crianças,
as outras mantinham algum grau de parentesco. Residentes na região metropolitana de Goiânia
e o restante no interior do Estado, mais especificamente na região Sudeste e Médio Norte
Goiano. O contingente maior que compõe o estudo realiza atividade ocupacional
culturalmente ligada ao gênero feminino (diarista, serviços gerais e costureira), de baixa
remuneração, fato condicionado, nesse caso ao nível educacional. A totalidade do grupo
professa o cristianismo.
O grupo formado por cuidadoras mães tem idade média de 31 anos, a maioria casada e
multípara, cuja escolaridade não ultrapassa o segundo grau. A história obstétrica revela a
realização de pré-natal, trabalho prolongado de parto normal e amamentação por tempo
superior a três meses, para a maioria. Das que realizaram testagem para o HIV o resultado foi
negativo, embora parte do grupo tenha revelado a não solicitação do exame pelos profissionais
da saúde que fizeram acompanhamento das mesmas.
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Quanto às cuidadoras que possuem grau de parentesco com as crianças, estas são
casadas, idade entre 37 e 52 anos e escolaridade variando entre o nível fundamental e o
analfabetismo.
Quanto as crianças, quatro são do sexo feminino e quatro do sexo masculino, com
idade atual entre 3 e 8 anos, as quais foram diagnosticadas entre um e cinco anos de vida a
partir da recorrência de sintomatologia respiratória, na maioria dos casos, e algumas devido ao
adoecimento dos pais. A identificação das cuidadoras no estudo foi realizada mediante a
atribuição de nomes de brinquedos às crianças, sendo as meninas rebatizadas como boneca,
patinete, bicicleta e bambolê e os meninos como skate, bola carrinho e avião.
A PSEUDO-NORMALIDADE DO PERÍODO GRAVÍDICO-PUERPERAL
Para as mulheres, em sua maioria, a maternidade propicia inúmeros significados, pois a
gestação representa a possibilidade de concretização do desejo de ser mãe, papel biológico e
cultural determinado para elas, marcado como um período de alegria e satisfação. A maioria
dos sujeitos não enfocou aspectos relativos ao HIV no período gravídico-puerperal. Uma das
mães cuidadoras que o fez deixou emergir em sua fala a percepção de aparente normalidade,
conforme relato a seguir:
É, meu parto assim, meu pré-natal, minha gravidez foi tudo
normal, tranqüilo; porque até então eu não sabia, né? Eu tive
um problema de anemia, só, aí eu ia o médico passava o
remédio e tudo, eu sentia assim muita fraqueza no final da
gravidez.
Cuidadora de Patinete
A prática da amamentação preconizada e amplamente divulgada no meio social como
necessária em razão de aspectos biológicos (imunidade, nutrição) e psicológicos (vínculo mãe
e filho), é percebida como uma extensão da maternidade. Sendo assim, um expressivo número
de cuidadoras mães informa a adoção dessa atividade, pois enquanto mãe, esta prática não foi
suspensa uma vez que poderia contradizer a importância que lhe é atribuída, pois não se
conhecia a soropositividade.
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... ele nasceu prematuro né, de 8 meses e foi tudo normal, eu
não senti nada, eu amamentei ele né até os 4 meses.
Cuidadora de Bola
... aí a médica passô o exame, deu positivo, só que eu já tinha
amamentado ela durante 1 ano e 3 meses.
Cuidadora de Patinete
No grupo das cuidadoras, uma delas relata fato vivido pela mãe da criança no período
gravídico relacionado ao resultado de positividade para o HIV e a reação causada, no caso, ao
que parece, o abandono da assistência pré-natal:
A mãe dele fez o pré-natal, fez o exame do HIV e deu positivo,
mais como tava muito bem não sentia nada , ela achô que não
tinha nada. E por isso nem tomou os remédio.
Cuidadora de Skate
Outra situação enfocada quanto ao resultado do teste e que permite questionamentos a
partir de leitura das entrelinhas do relato de uma cuidadora mãe, trata-se da ambigüidade entre
negação do resultado do exame ou abando do pré-natal:
Fiz o exame, né, o teste deu negativo. Aí tudo bem! Eu fui
continuando o pré-natal só que eu não fiz mais nenhum exame,
deixei... Continuei o pré-natal, mas não fiz exame direito mais,
né.
Cuidadora de Bola
Aparece, ainda, a indicação quanto ao cumprimento do seu dever de gestante, qual
seja, a realização do pré-natal conforme preconizado, e a falta ou erro é atribuído aos
profissionais e/ou serviços, uma vez que esses não possibilitaram o conhecimento acerca da
infecção em tempo hábil para a adoção de medidas profiláticas:
Eu tive uma outra gravidez anteriormente, que foi do meu filho
de sete anos, e a gravidez foi normal também, eu acho que já
tava contaminada, mas eles não me pediram também o exame...
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Então, assim, não foi por irresponsabilidade minha porque eu
tava indo ni médico.
Cuidadora de Patinete
A DESCOBERTA DO DIAGNÓSTICO NA CRIANÇA
Descobrir a soropositividade para o HIV é um choque na realidade das pessoas. Pode-
se dizer que em muitos casos a dor da descoberta da infecção no filho é incomparavelmente
maior do que em si mesma, principalmente quando a transmissão ocorreu durante a gestação.
A “busca” por um diagnóstico
Em geral, a fala das cuidadoras revela que tumulto, busca incessante por uma resposta
aos sintomas manifestados pela criança, além de muita ansiedade, antecederam a descoberta
da soropositividade:
Quando nasceu, né?! vivia comigo ai doentinho, doentinho, aí
levava no médico no postinho, nada né? Levando, levando,
internava, aí sempre doentinho ele foi, eu fui pra emergência, lá
eles pediu uma ultra-sonografia dele né? pra saber, porque
nada adiantava, nada sarava ele, eu levei aí tirou, aí agente
pagou pra fazer, aí levou no médico, aí o médico olhou e falou:
“Você vai pro Hospital porque ele não está nada bem”. Aí
chegou lá ele tava muito ruim, ele já tava passado, tava muito
ruim, ele ficou muito magro, ...
Cuidadora de Skate
Por volta de um ano de idade começou a manifestar algumas
doenças, como diarréia, febre e candidíase. Aí foi internado no
materno infantil porque estava muito magrinho e tinha alergia
do leite, foi até pra UTI. Ai interno várias vezes e numa desses
descobriu a doença.
Cuidadora de Avião
As manifestações clínicas da Aids na criança compreendem uma variedade de sinais e
sintomas, o quadro inicial confunde-se freqüentemente com observações clínicas comuns na
infância, incluindo infecções como pneumonias, otites e sinusites. O diagnóstico das crianças,
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skate, bola, avião e bambolê ocorreu mediante surgimento de sintomatologia das mesmas, os
quais destacamos: pneumonia, asma, bronquite, tuberculose e diarréia, doenças estas
consideradas oportunistas para o HIV/Aids.
Com seis anos né ele ficou doente, em agosto do ano passado
ele deu uma pneumonia muito forte, ficou doente aí, aí, ele
internou aqui aí que nóis descobrimos que ele tinha o vírus, aí
eu fiz o exame, deu, meu marido fez aí deu também, aí que nóis
descobrimos né foi através dele.
Cuidadora de Bola
Ele nunca tinha tido nada, aí de repente começo a tê diarréia e
muita febre. Aí eu levei ele pro Hospital, ele tava com alergia do
leite e eles interno ele na UTI. Aí eles descobriu que ele tava
com a doença e mandô ele pra cá.
Cuidadora de Avião
Conforme pode ser verificado a seguir, outras crianças foram diagnosticadas a partir do
adoecimento dos pais:
Quando a mãe dela descobriu, descobriu na mãe primeiro; ela
tava internada tal, aí descobriu; aí a mãe veio transferida pra
cá né, que nóis é do interior né! aí trouxe ela né, quis trazer ela,
aí fez os exames nela né e foi descoberto nela.
Cuidadora de Boneca
... tudo que sê pensá de doença eu tive; sabe aquelas cocera na
pele; conjutivite, eu fiquei com conjutivite 1 ano, e tudo que eu
tinha ela tinha também, porque eu não sei se passava no leite e
por eu ta em contato com ela; eu tinha conjutivite, ela tinha
também, então assim, eu comprava um colírio pra mim e outro
pra ela e eu ia ni médico, ia ni médico, ia ni médico ..., 1 ano
ino ni médico aí , quando eu fui numa oftalmologista, assim eu
fui ni clínico geral uns 5, 6 e eles me encaminhava para
especialista, assim dermatologista, num me encaminhava pra
lugar nenhum e eu pedindo eu já chegava chorando, e eles me
passava calmante, aí eu fui nessa oftalmologista, aí ela que me
passou pro infectologista, foi onde ele pediu os exames e ele
falou assim: “não tem como você tá desse jeito e não ser nada.”
Aí passou o exame, só que eu já tinha amamentado ela durante
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1 ano e 3 meses; sabe? Então assim, não foi por
irresponsabilidade minha, porque eu tava ino ni médico, num
agüentava mais ir ni médico, tinha conta na farmácia, eu
pagava era prestação, porque eu não conseguia mais! Aí foi que
ele pediu o exame, aí que eu descobri.
Cuidadora de Patinete
O meu marido começô a passá mal de diarréia em 1999, aí ele
procuro o médico e ficô internado. Aí lá no Hospital eles
discubriu nele e nóis fez o exame na família toda e só meu filho
mais velho é que num tinha.
Cuidadora de Bicicleta
Reações das cuidadoras diante da soropositividade na criança
A notícia da infecção pelo vírus HIV nas crianças trouxe reações diversificadas,
entretanto todas as cuidadoras, mães ou não, demonstraram enfrentamento comum no que se
refere às novas formas de organização das atividades cotidianas.
... não consegui mais trabalhar a partir do 7º mês, entrei de
licença e até hoje não voltei a trabalhar, aí (silêncio).
Cuidadora de Patinete
Nóis é do interior, eu vim pra cá, resolvi mudá por causa do
tratamento dele.
Cuidadora de Carrinho
O sofrimento causado por tal constatação traz a tona sentimentos de angústia,
impotência, preocupação e incerteza. No caso das cuidadoras em questão a infecção no filho
estas referem,
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... Aí de lá do Hospital eles transferiu ele de lá pra cá, aí ele
tava com o problema da doença. Aí quando chegou aqui fez o
exame, né? Fez um exame dele, aí eu passei muitas luta com ele,
aí na hora que chegou aqui eles pediu um exame aí deu o vírus.
Cuidadora de Skate
Quando descobriu, ela não precisou tomar remédio, logo entrar
com medicação, aí passou um certo período ela já passou a
tomar a medicação, eu fiquei com medo assim, dela sentir mal
igual eu sentia, quando eu comecei a tomar a minha eu passei
muito mal, então meu medo é que ela passasse mal igual eu...
Cuidadora de Patinete
Eu fiquei com muito medo no início, porque eu perdi meu
marido, fiquei com duas filha pra criá e com a doença ...
Cuidadora de Bambolê
Repercussões da soropositividade para cuidadoras: enfrentamento ou internalização
A Aids ainda é vista como um estigma carregado de representações negativas,
especialmente no que diz respeito à sua forma de transmissão. Uma forma adotada por parte
das cuidadoras para proteger as crianças desse aspecto negativo trata da superproteção,
conforme se pode verificar a partir dos relatos:
Agente mima muito ela, por causa dela tê a doença, né?! aí o
irmão fica com ciúme.
Cuidadora de Bicicleta
Ela só é assim um pouco agressiva com o irmão, porque agente
mima ela demais ela, por ela ter e ele não; sem querer, todo
mundo acaba indo pro lado dela, então ela se sente superior a
ele (risada) ...
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Cuidadora de Patinete
Para outras, o peso social da doença induz a explicações superficiais ou inverídicas, as
quais provocam sentimentos, levando as famílias a guardarem como um segredo, como é o
caso vivido pela cuidadoras a seguir:
... eu não contei nada na escola, porque eu não entrei nessa fase
de ter que falar de ser certo falar, eu ainda não sei o que é certo
e o que é errado. Eu quero assim, fazer as coisa com calma para
não fazê besteira.
Cuidadora de Patinete
Contrariamente, muitas encontram apoio imprescindível à vivência dessa nova
realidade,
... na escola a diretora sabe, porque eu contei, e lá em casa todo
mundo da família sabe e eles intende...
Cuidadora de Bicicleta
... todos sabem, os tios, os primos, os irmão, só ela mesma que
não, porque é muito nova...
Cuidadora de Boneca
O impasse na revelação do diagnóstico para a criança
A revelação do diagnóstico de soropositividade para o HIV sempre mobiliza uma forte
carga emocional, seja para qualquer um dos atores envolvidos, tanto profissionais, pacientes,
familiares e comunidade como um todo. No presente estudo o conhecimento da sorologia das
crianças é tido por parte de todas as cuidadoras, o que não ocorre com as crianças. Entretanto,
aquelas na fase de alfabetização estavam em processo preparatório para revelação, conforme
comprovado nas falas seguintes:
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Agora que ela vai ter acompanhamento com a psicóloga pra ela
tá né? (silêncio), revelando o diagnóstico para ela. (neste
momento a tia olha para a criança). Eles querem assim, que até
uns 8 anos 8 ano e pouco eles teja revelando. Mas ela aceita
assim super bem! Ela já faz perguntas né, assim, já estuda as
perguntas quelas dão. Agora mesmo a médica perguntou se ela
ta curiosa pra saber, eu falei: ainda não, ainda não;
Cuidadora de Boneca
Ele não sabe da doença, a Drª falou que quando chegar a idade
pra saber ela vai falar, mais ou menos com 8 a 10 anos, aí ela
vai falar.
Cuidadora de Bola
... o ano que vem ela já vai ser alfabetizada, então ela já vai
começar a ler as letras, então ela já vai saber onde ela vai ...
então eu acho que eu já vou começar a conversar com ela a
partir do ano que vem eu acho, porque aí ela já começa
entender; Aí agora daqui pra frente vamo ver como vai ser a
aceitação dela, né? Minha preocupação é essa, porque aí não é
uma coisa que vai depender só de mim, eu vou ter que esperar o
que vai vim dela, aí vai ser difícil. (silencio).
Cuidadora de Patinete
A CRIANÇA NA PERCEPÇÃO DAS CUIDADORAS
A percepção das cuidadoras sobre o desenvolvimento psico-social das crianças é tido
como normal, e em sua maioria, de acordo com suas falas, negam a percepção de qualquer
alteração significativa.
... agente foi vindo no tratamento, foi trazendo e ela foi
melhorando; com 6 meses ela já tava aquela criança linda!
Saudável, sabe?, gordinha, né, aí, fomo continuando trazendo,
ela foi crescendo, graças a Deus o crescimento foi ótimo! O
crescimento dela foi ótimo, não atrapalhou em nada, né, o
desenvolvimento dela.
Cuidadora de Boneca
... ele vai bem (...) ele vai muito bem (...). Ele não tem nada,
nada, nada de anormal...
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Cuidadora de Bola
...então eu acho assim, que o que retarda o crescimento dela é
essa superproteção, porque eu dou tudo na mão, mimo demais é
só isso mesmo, o resto é tudo normal, normal, normal...
Cuidadora de Patinete
Ela é uma criança saudável, vive super bem. Ela cresce e
desenvolve normal.
Cuidadora de Bambolê
Entretanto, algumas cuidadoras apesar da referência inicial apontar para a percepção de
normalidade da criança, expressam também elementos que podem ser vistos como pontos
contraditórios ou questionáveis:
Ele é uma criança normal, tá crescendo, tá desenvolvendo, tá
indo ...
Cuidadora de Skate
Ele é normal. Normal, porque ele assim, ele tem o pobrema, mas
ele é uma criança muito sadia, ele dificilmente ele dá uma gripe,
a única coisa que ele dá de veiz em quando é uma gripinha
fraca, mas ele é uma criança normal.
Cuidadora de Carrinho
Ela é uma criança normal, ela sabe que ela tem alguma coisa no
sangue dela, aí quando ela machuca, ela vem e me pede pra
lavar e depois volta a brincar; mas no resto é tudo normal.
Cuidadora de Bicicleta
Depois que descobriu a doença e começou o tratamento ele
voltou ao normal, porque antes ele era muito magrim. Agora ele
é normal.
Cuidadora de Avião
No tocante as questões referentes ao comportamento e relacionamento das crianças,
foram reveladas as seguintes manifestações:
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É assim, ele quase não tem coleguinha, que é só ele só, né? É
meu netim ele. Aí então lá quase não tem criança, então brinca
mais é só, em casa, aí às vezes quando eu vou pra casa da minha
mãe, ele brinca com minha sobrinha, mais é raro, ...
Cuidadora de Skate
... e ele tem um pouco de dificuldade na escola, e as psicóloga
fala que pode ser por isso, esse negócio dele ver agente só pro
lado dela, só pro lado dela, ele não entende o porque disso, né?,
ele acha que é porque agente num gosta dele, mas isso mesmo é
uma coisa que agente faz sem ver, num é que agente gosta mais
de um ou de outro; e todo mundo que sabe vai pro lado dela,
porque assim eu não contei pra todo mundo, tem as pessoa que
eu confio e então eu contei só pra essas que eu confio; então
essas tudo mima ela, e as que não sabe me condena porque eu
sou assim com ela (risada), e eu fico assim com medo dessa
dependência dela porque quando ela for ter que começar
enfrentar as coisas sozinha..., mas assim é uma criança normal.
Cuidadora de Patinete
... depois foi crescendo foi pra escola , o relacionamento dela
com outras crianças é ótimo, na escola já ta na 2ª série, super
inteligente!
Cuidadora de Boneca
Na escola ele vai super bem, é muito inteligente, né porque é
meu filho não, mas é muito inteligente, ele vai bem (...) ele vai
muito bem (...) ele só é assim (...), muito nervoso, então assim ele
brinca, tudo, mas, tem hora que ele fica nervoso, aí briga, mas
assim, acho que é normal.
Cuidadora de Bola
Quanto à dimensão psicológica, os registros, apesar de escassos, permitem
considerações acerca de algum comprometimento devido aos questionamentos feitos pelas
crianças referentes ao cotidiano diferente das demais. O aspecto social das mesmas não pode
ser referido com base em registro de prontuários, uma vez que inexistem. Entretanto, na
percepção das cuidadoras há normalidade no desenvolvimento geral das crianças, ou seja, a
TV do HIV não é vista como causadora de prejuízos, o que pode ser visto como uma
verdadeira não percepção do fato ou numa tentativa de negar os efeitos impostos pela doença.
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DISCUSSÃO
Quanto às características socioculturais dos integrantes desse estudo, os resultados
revelam um perfil semelhante ao do quadro nacional uma vez que apresentam dados de
atividade profissional pouco remunerada, baixo nível educacional, e interiorização, pois parte
dessas gestações se desenvolvem em municípios do interior do Estado. Portanto os dados
apontam para a pauperização da epidemia, o que condiz com o perfil traçado por Coelho; Neto
em seu estudo (2005).
O diagnóstico precoce é um meio eficaz para diminuir o número de crianças infectadas,
embora tenha sobressaído na fala dos sujeitos a não solicitação do exame no período
gestacional ou no parto o que pode ser atribuído por um lado ao despreparo dos profissionais e
outro, a não realização do pré-natal conforme o preconizado pelo MS. Em relação ao tipo de
parto e amamentação, a grande maioria teve parto normal e amamentou seus filhos, fator
condicionado ao desconhecimento da doença à época. As gestações em relevo aconteceram
entre os anos 1998 à 2003, período em que o MS já indicava a profilaxia para a TV do HIV,
evidenciando falha no atendimento.
Nas entrelinhas das falas dos sujeitos pode ser percebida uma certa negação da doença
e a tentativa de guardar como segredo a soropositividade, tanto das mães quanto das crianças,
buscando minimizar o preconceito e a exclusão social. De acordo com Soares; Garcia (2003),
viver com o vírus é viver, por si só, uma situação de discriminação. Ter Aids ou ser portador
do vírus representa, no imaginário social, ter comportamentos desviantes daqueles aceitos pela
sociedade em geral. Assim, as mulheres, ao negarem a sua soropositividade, estão, ao mesmo
tempo, protegendo-se da discriminação e evitando julgamento pela sociedade em razão de seu
comportamento sexual. Omitir a sorologia da criança pode ser entendida também como capaz
de libertá-las da culpa pela TV. Um número de entrevistadas relata não guardar em segredo
seu diagnóstico e/ou da criança, por encontrarem apoio seja na família, escola ou na
comunidade mediante a revelação.
O abandono e o isolamento de soropositivos pela família já foi prática marcante. Nesse
estudo, os resultados encontrados evidenciam o contrário, ou seja todas encontram-se em
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companhia de cuidadores com algum grau de parentesco, mães, avós ou tios. De acordo com
Marcon; Waidman em seu estudo (2003), a família é o primeiro grupo da qual a criança faz
parte e tem por função socializá-la e adaptá-la à convivência na sociedade, oferecendo-lhe e
ensinando-lhe os padrões e os modelos de comportamentos adotados em sua cultura. Isso
inclui, entre outras coisas, ensinar-lhe o cuidado físico, a lidar com as emoções, a se relacionar
em família e também dentro de outros grupos.
A grande maioria das crianças foi submetida a várias internações durante o pré-
diagnóstico e pós-diagnóstico em decorrência das doenças oportunistas. As dificuldades do
cotidiano hospitalar desencadeiam sentimentos ambivalentes tanto para as mães quanto para as
crianças, que na tentativa de compreenderem suas idas e vindas ao hospital, questionam as
mães. Collet; Rocha (2003) dizem em seu estudo que o modo de enfrentamento da
hospitalização de um filho é singular para cada família. O hospital tem uma realidade dolorosa
e difícil de ser enfrentada e as reações dependem dos “modos de andar a vida” de cada família.
A revelação do diagnóstico é um aspecto fundamental da assistência à criança com
infecção pelo HIV, devendo ser tratado como processo gradual e progressivo. Considerando-
se que a abordagem deve ser individualizada, no momento apropriado, o nível de informação e
a priorização dos assuntos dependerão do contexto psicossocial e familiar em que a criança
estiver inserida, além de seus questionamentos. O processo da revelação deve ser discutido e
planejado com os pais ou responsáveis, podendo requerer várias visitas/consultas para se
avaliar o nível de esclarecimento da criança e sua capacidade de enfrentá-la. De preferência,
deve ser conduzida de forma controlada, na presença dos pais e profissionais de saúde
capacitados (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Na unidade hospitalar onde foi
realizado o estudo, em nenhum dos casos há conhecimento da infecção por parte da criança,
apesar de algumas estarem em preparação para a revelação diagnóstica, o que acontece após a
alfabetização, conforme protocolo do serviço.
Quanto aos aspectos psicológicos, frente aos parcos registros encontrados pode-se pensar que
não há um protocolo sistematizado de atendimento, uma vez que o mesmo acontece quando há
demanda das crianças ou cuidadoras. Todas as crianças que receberam o atendimento
psicológico foram encaminhadas pelo infectologista que faz o acompanhamento das mesmas,
decorrente da detecção dessa necessidade por ocasião da consulta ambulatorial. Os registros
encontrados nos prontuários acerca desse atendimento não permite uma discussão ampliada
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acerca dos aspectos psicológicos. Entretanto, verifica-se que as demandas que conduziram ao
atendimento referido se relacionam com as imposições da soropositividade, ainda que
desconhecida, quais sejam, hospitalização recorrente, terapêutica medicamentosa e morte.
No que se refere à socialização percebe-se, nas falas das cuidadoras, que há
efetivamente uma diferença no tratamento cotidiano dessas crianças, com destaque para a
superproteção. Atenção e cuidados excessivos podem revelar o oposto de uma educação
voltada para o desenvolvimento saudável em nível emocional, intelectual e espiritual.
Atrapalhar o desenvolvimento potencial dos filhos pode ser imposto por superproteção, o que
é oposto ao significado de amor, sendo que favorecê-lo e deixá-lo crescer, seja ele saudável ou
não, é o verdadeiro amor (BREDARIOL, 2003). Acerca disso, parece que na compreensão das
cuidadoras, a superproteção para com as suas crianças infectadas pelo HIV é uma forma
encontrada para protegê-las das agressões possíveis em razão da doença ou mesmo uma
tentativa de compensação.
Finalizando, na análise geral do discurso das cuidadoras comparado aos dados
objetivos encontrados nos prontuários das crianças, pode-se dizer que verifica-se uma aparente
tentativa das mesmas em “mascarar” a realidade efetivamente percebida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização deste estudo foi possível identificar algumas das diferentes faces da
TV, especialmente quanto aos aspectos que interferem na relação família-sociedade das
mesmas. A partir dos dados coletados foram identificadas alterações nas crianças, que podem
ser, de alguma forma, atribuídas à soropositividade para o HIV.
Como a infecção por TV denuncia a realidade de uma assistência precária ao período
gravídico-puerperal, conseqüentemente aponta para a necessidade de implementação na
política de educação permanente dos profissionais. Todas as participantes do estudo foram
unânimes em afirmar que desconheciam o diagnóstico de soropositividade antes de
engravidar, o que permaneceu nessa condição por todo período, culminando com o parto e
amamentação sem a adoção das medidas de profilaxia para a redução da TV.
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Outro aspecto evidente é o fato do tema HIV/Aids continuar relacionado ao
preconceito e discriminação, conseqüentemente exclusão das pessoas infectadas. A forma
como as famílias se reorganizam para o enfrentamento da vida a partir do diagnóstico é
variado, desde a manutenção da doença em segredo até a revelação, algumas só no âmbito
familiar e outras sem nenhuma reserva.
O fato de todas as crianças desconhecerem o seu status sorológico aponta para outro
desafio a ser superado, qual seja, a revelação para os mesmos acerca da infecção. No grupo, há
crianças que já percebem a existência de algo que as difere das demais. Protelar em demasia
pode contribuir para a vivência de conflitos quando dessa revelação, porque a criança já
poderá ter presenciado situações de discriminação, preconceito e exclusão relacionados às
pessoas vivendo com HIV/Aids, apesar das inquestionáveis conquistas já obtidas quanto a
reorientação da população.
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