SÉRIE TRAJETÓRIAS Palestrante: maestro Silvio Barbato ...abmusica.org.br/downloads/2006SBarbato.pdf · convidamos para abrilhantar a Série Trajetórias 2006, ... Egberto Gismonti,

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    SRIE TRAJETRIAS Palestrante: maestro Silvio Barbato Local: Rua da Lapa, 120 / 12 Data: 08 de maro de 2006 Hora: 17 h Jocy de Oliveira com enorme prazer que apresentamos o Maestro Silvio Barbato, conhecido de ns todos, e que convidamos para abrilhantar a Srie Trajetrias 2006, realizada desde 1999, e cuja importncia est no depoimento que cada um nos oferece. Todos os artistas que por aqui passaram deixaram a sua palavra, a sua experincia, com informaes valiosas sobre a sua vida e aquilo que foi realmente difcil e prazeroso numa carreira artstica que, como ns sabemos, no fcil. Ento, com muita alegria recebemos o Maestro Silvio Barbato para esse depoimento, que ser gravado e que poderia at ter sido gravado sem pblico. Mas, com pessoas participando sempre muito mais interessante porque depois poderemos ter algumas perguntas, poder haver algum debate e o dilogo sempre gratificante. Esse material ser transcrito, e poder ser publicado e disponibilizado pela internet ao pblico em geral, aos estudantes, para as pessoas que queiram, enfim, conhecer melhor a nossa vida musical. Falar do Silvio Barbato quase dispensvel, porque ns sabemos muito bem dessa carreira que ele tem tido brilhante, tanto no Brasil como no exterior, o que ele tem feito pela msica sinfnica e pela pera como regente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e como diretor musical da Orquestra de Braslia. O Silvio tem feito apresentaes memorveis no Theatro Municipal, inclusive, de peras e muitas vezes eu digo: - olha, um milagre! Porque ns sabemos que temos condies difceis. Isso tem sido muito importante na carreira do Maestro Silvio Barbato, e talvez no esteja escrito em sua biografia. Seu depoimento o que nos interessa, porque a biografia vocs podem ler, j foi at enviada, mas ele vai nos contar sobre a sua experincia Ele tem ainda algo de muito importante, realmente muito forte, que esse interesse pela msica dos dias de hoje que os regentes, de um modo geral, no tm. Eles s querem saber do chamado grande repertrio e acabou. Mas, Silvio tem interesse, tem curiosidade e o mais importante ainda que ele tem exercido influncia, ele estimula. Silvio fez muito por Cludio Santoro, foi um grande estmulo para o Cludio, algum sempre ao lado que estava ouvindo. E em relao a mim tambm, apesar de no ter regido nada meu, mas no tem importncia. Ele tem a pacincia de ir l em casa ver as partituras, conversar, animar, estimular. E ns, compositores, precisamos disso, de um dilogo. Isso uma importante caracterstica, uma qualidade, um carisma que o Maestro Barbato tem que acho ser nica ou, pelo menos, rarssima. Ento, tenho um grande prazer em apresent-lo, e o fao com muita admirao, com muito respeito por sua carreira e pelo que voc representa para a msica brasileira.

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    Silvio Barbato Estar aqui nesse lugar to sagrado da msica brasileira uma emoo enorme. Estar no meio de amigos e estar no meio de amigos msicos. O Ricardo Tacuchian, por exemplo, que hoje o presidente da Academia... Quando eu era aluno do Santoro, uma das primeiras coisas que ele me fez foi me obrigar a estudar a msica de Ricardo Tacuchian. Eu acho que na minha estreia como regente eu tinha as tuas Imagens cariocas como obra obrigatria. Acabei de ver a Giselinha Santoro aqui presente, est aqui para me emocionar tambm. A coisa mais marcante dos meus primeiros anos de trabalho profissional foi esse encontro com a msica brasileira, atravs do Santoro. E o Santoro era muito convicto em seu amor msica brasileira, o que ficou claro para mim desde que ele chegou de volta ao Brasil; nos meus primeiros encontros, ele ainda estava exilado. S pra quem no conhece os detalhes: o Santoro foi para a Universidade de Braslia junto com aquela turma de professores levados pelo Darci Ribeiro para fundar essa nova Universidade na capital, acho que por volta de 1962, 1963. Ali, ele fez um movimento maravilhoso e quando houve o golpe militar de 1964, os militares no intervieram imediatamente na Universidade de Braslia. No foi uma fuga provocada diretamente pelo golpe militar, foi posterior; no ano seguinte que houve aquela demisso de quase trezentos professores da Universidade de Braslia. Se no me falha a memria, foi no ano de 1965, ano seguinte ao do Golpe Militar, e o Santoro recebeu uma comunicao dizendo que ele no poderia nem voltar para casa. Quando os professores foram demitidos, ele foi avisado: Santoro nem volta em casa, vai direto para o aeroporto! Ento, ele saiu do ensaio da orquestra que ele havia fundado, a Orquestra de Cmara da Universidade de Braslia, foi direto para o aeroporto e dali para o exlio, deixando a famlia, deixando a Gisele, deixando os meninos tambm aqui no Brasil e comeou a vida toda de novo. Inclusive, nesse deixar o Brasil s pressas, ficaram aqui documentos importantssimos que se perderam, como, por exemplo, a medalha de ouro que ele ganhou pelo Prmio Internacional da Paz, esculpida pelo Pablo Picasso, e que sumiu nesse momento porque a casa dele, sem dvida, foi invadida posteriormente. Ainda h em sua casa, ficou o diploma referente a esse prmio que ele ganhou com o Canto de amor e paz, em 1954, e foi entregue pelo Pietro Nenni, que era um comunista histrico italiano e que, se no me engano, faleceu na dcada de 80. Em suma, o Santoro foi para o exlio e quando comeou a soprar um pouco o ar da abertura poltica no Brasil, em 1976, 1977, o Santoro comeou um tnue retorno ao Brasil. Se no me engano, foi em 1977 que eu me encontrei com ele pela primeira vez em Braslia. Eu era um garoto e a partir dali comeou essa relao que no consigo sequer descrever, de tantas bnos e de tanta importncia que foi para mim a relao com esse gnio. Estar todos os dias com esse gnio, sem dvida nenhuma, esculpiu uma pedra bruta que eu era no dia-a-dia. Para vocs terem ideia, eu morava no quinto andar, no apartamento 503 e ele morava no apartamento 204. Eu j no ia mais para a Universidade, todas as minhas aulas eram ali. Era a coisa mais incrvel porque se eu tinha alguma dvida, eu podia descer e perguntar, fazer uma pergunta, ao Santoro. Alis, imagina se eu o chamava de Santoro?! Era maestro, mesmo. -Maestro, como que eu resolvo essas coisas?

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    Ento, eu tambm pude estar no dia-a-dia e ver essas sinfonias nascendo, ele sentado ao piano, de bermuda marrom, chinelo de couro e meia, sem camisa, branco, e escrevendo aquela msica de uma maneira que s quem via o processo criativo desse gnio que sabe o que era essa produo. Ns no conhecemos nada da obra do Santoro, conhecemos apenas uma pontinha tnue da produo do Santoro. Felizmente, com muito esforo da Gisele e dos meninos, hoje, essa obra est preservada, embora muito precariamente, porque no se tem o recurso financeiro necessrio, mas com muito carinho, em dois ou trs armrios l em Braslia. Realmente, s conhecemos as sinfonias, uma obra ou outra, um oratrio, mas isso no nada frente ao que tem que se descobrir ainda da obra do Santoro. Foi dele, basicamente, que eu herdei essa paixo enorme pela msica brasileira e herdei tambm uma orquestra, passada praticamente de pai pra filho, que a orquestra de Braslia. Eu nem sei o que dizer mais sobre o que foi essa minha vida com Santoro. Realmente um privilgio nico, uma bno mesmo o Santoro na minha vida. Logo depois, fui pra Itlia e, claro, como bom comunista, ele me jogou nos braos de outro grande professor comunista catlico, como muitos de ns, comunistas que rezam para Nossa Senhora, uma coisa muito importante na cultura latina, o Azio Corqui que era do partido comunista italiano, como era Luciano Berio. Corqui foi meu professor no Conservatrio de Milo, e a ele cheguei conduzido muito pela recomendao do Santoro. Eram anos muito difceis, anos de chumbo na Itlia, todos ns submetidos ao terrorismo de Estado, Brigadas vermelhas, a exploso de Piazza Fontana, do ataque terrorista Piazza Fontana, em Milo, do Banco de Milo, foram os anos do atentado terrorista Estao de Bolonha, onde morreram muitas pessoas, eram tempos muito difceis na Itlia. Acho que isso tudo foi contribuindo muito para que eu cada vez mais pudesse ter essa certeza em relao msica brasileira. um percurso difcil, mas um percurso to recompensador! Eu acabei, por exemplo, de gravar o Concerto para violo, do Edino Krieger, e a Fanfarra que foi dedicada Sala Ceclia Meireles pelos 40 anos. Alis, est aqui o meu querido irmo Joo Guilherme Ripper, o que me deixa muito emocionado. uma recompensa enorme. Tambm fizemos aquele grande projeto das Sinfonias pela comemorao dos 500 anos da descoberta do Brasil. Foram cinco sinfonias de compositores brasileiros, todas gravadas, e depois ns tocamos em diversos lugares, obras do Edino Krieger, de Ronaldo Miranda, Almeida Prado, o Egberto Gismonti, como uma espcie de um cross, uma interao entre essa msica sem fronteiras, e Jorge Antunes. Pude viver muito de perto a msica do Villa-Lobos. Fizemos junto com o Coro e a Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro essa obra maravilhosa que a 10a Sinfonia, de Villa-Lobos, com uma execuo realmente histrica. Edino e Joo Guilherme estavam presentes. Eu me lembro que o Edino me encontrou no camarim depois e falou: -Silvio, eu estava colapsando porque era uma emoo atrs da outra. Quanto nos emocionamos! Quando achvamos que o Villa-Lobos ia cair um pouquinho, no, era uma nova emoo e todos ns ficamos um pouco beira de um colapso com aquela execuo da 10a Sinfonia. Esse foi um grande encontro com Villa-Lobos, que eu tenho tido a felicidade de poder interpretar atravs desses anos e entender um pouco mais. Hoje, quando eu ouo algum

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    dizer: Ah, o Villa-Lobos era um autodidata, ele fazia as coisas meio de orelhada. Eu at fico calado, sabe? Porque, sem querer ser radical, no culpa de quem fala isso. S quem examina profundamente a obra de Villa-Lobos, com as tcnicas analticas que ns temos nossa disposio, e que escapa um pouco da nossa tradio talo-francesa de anlise, que so anlises quase cientficas da partitura, que a gente pode observar o processo composicional do maestro e tambm todos os nveis estruturais e a complexidade de um homem que se iguala pra mim importncia do Igor Stravinsky e de muitos outros compositores do sculo XX. Estou me referindo tcnica. Realmente, com esse estudo aprofundado do Villa-Lobos eu pude buscar outro tipo de interpretao, onde os nveis estruturais tm uma interferncia to grande sobre aquilo que eu vou executar com o coro e com a orquestra, que eu posso realmente tirar muito daquele peso que se percebe, em geral, na execuo dos regentes. Villa-Lobos um neo-clssico, claro que o tipo de incidncia que a gente tem que fazer sobre a interpretao igual, semelhante execuo dos neo-clssicos, ou seja, no se pode mais tocar Villa-Lobos daquela forma batida, quase grosseira de se tocar. Os staccatos tm que ser cuidados como staccatos clssicos, os fraseados tm que ser esclarecidos como se esclarece uma sinfonia de Prokofiev, ento, isso tem dado uma imagem nova para a interpretao do Villa-Lobos, as linhas comeam a aparecer. Se voc pegar a partitura da 5a Sinfonia, de Prokofiev, e voc executar daquele jeito de bloco como est acontecendo uma porcaria, no funciona. Ento, voc tem que ir aos nveis estruturais, polifnicos e dar relevo estrutural a cada uma dessas linhas polifnicas que acontecem. Joo Guilherme foi meu colega muitos anos nos Estados Unidos e a gente pde explorar. Andr Cardoso me permite, a anlise schenkeriana, da qual Joo Guilherme um dos maiores conhecedores, a anlise schenkeriana em relao msica de Villa-Lobos perfeitamente factvel para que se possa entrar nos trs nveis estruturais de interpretao de uma forma muito mais cientfica e muito mais de acordo com o pensamento daquilo que o Villa-Lobos estava escrevendo. Ento, isso realmente uma viso que ns temos que transforma a interpretao da obra de Villa-Lobos. Este ano eu tive a honra de ser convidado pelo Ministrio das Relaes Exteriores para dirigir a Sala Palestrina, em Roma, que essa sala histrica anexa embaixada na Piazza Navona. Ns comeamos a programao esse ano, agora em maro, com um concerto do Srgio Monteiro. Vocs sabem que ele um dos pianistas brasileiros mais premiados, um brilhante pianista da nova gerao que acabou de ganhar o prmio Martha Argerich, no Teatro Coln. Imagino o valor do Srgio, um brasileiro, ganhar esse prmio em pleno Teatro Coln! Realmente, os argentinos darem o brao a torcer para essa vitria pode dar um pouco da ideia, da perspectiva, da importncia da msica do Srgio. Pude conversar um pouco com ele tambm sobre esses aspectos da interpretao da obra de Villa-Lobos. Nessa srie da Sala Palestrina, decidimos que ali vai ser a ponta de lana da msica brasileira e dos msicos brasileiros na Europa. Ento, quando l se apresentou, o Srgio tocou na segunda parte a Prole do beb no2, do Villa-Lobos, e ele teve uma viso realmente muito prxima desse neo-classicismo. claro que a gente sabe que a Prole do beb no2 pode tambm ser olhada com um olhar expressionista. verdade, suas msicas so oriundas do repertrio infantil, mas com um olhar muito mais denso, muito mais intenso, quase expressionista e o Srgio trabalhou nessa linha. Foi um grandessssimo triunfo pessoal para ele e para a msica de Villa-Lobos.

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    O prximo concerto vai ser realizado na primeira semana de abril pela soprano Andrea Ferreira que vai cantar Villa-Lobos, Carlos Gomes, vai se dedicar um pouco s peras brasileiras. Depois, na primeira semana de maio, vem o Matias de Oliveira Pinto que, vocs sabem, professor de violoncelo da Academia de Berlim e tem um importante grupo de msica contempornea. Ele vai apresentar peas do Villa-Lobos para violoncelo e piano e vai tocar uma obra para violoncelo solo com tema de Xang, de outro compositor brasileiro. No ms de junho, vamos ter um recital da mezzo-soprano Luiza Francisconi que vai cantar canes brasileiras de Villa-Lobos, Gomes, Nepomuceno e Santoro. Ento, essa uma sala muito central, fica na Piazza Navona, e o meu sangue italiano me obriga a dizer que a praa mais importante do mundo, a praa mais linda do mundo, uma espcie de Cinelndia romana. Ns, do Theatro Municipal, tambm achamos a Cinelndia a praa mais importante do mundo, claro, ento fica para mim essa diviso. Ali vai ser o lugar da msica brasileira. Trago as palavras do embaixador Barradian para a Academia: que ns seguramente estabeleceremos um tipo de colaborao para essa ponta de lana belssima. Para quem no sabe, o embaixador Hugo Gouthier na dcada de 60, na poca do Juscelino, comprou essa casa da famlia Panfili, que era uma famlia dos anos, sei l, 400, 500, tinham papas e tudo, estavam em crise na dcada de 60. O embaixador Gouthier comprou essa casa a partir de um decreto do presidente Juscelino, que no mandou o decreto para a Cmara, pois se ele tivesse mandado no teria sido possvel comprar aquele palcio de jeito nenhum. O embaixador Gouthier conseguiu comprar aquele palcio, que uma obra de arte nica entre todas as embaixadas de Roma. Talvez a nica embaixada em Roma que se compare ao Palcio Panfili na Piazza Navonna a embaixada da Frana, que fica no Palcio Farnese, mas o Palcio Farnese no pertence ao governo francs. Ele faz uma permuta com outro palcio tambm, para ter embaixada da Itlia em Paris. Ento, o governo francs paga pelo Palcio Farneze um euro por ano, mas sempre um aluguel, no pertence a eles, j Palcio Panfili pertence ao Brasil. No Palcio Panfili h duas grandes salas: uma Cortona, sala tambm que a gente vai usar para msica principalmente de canto. A Sala Cortona toda pintada no teto pelo grande pintor Cortona. J a Sala Palestrina tem cerca de mil seiscentos e quarenta m2, com quinhentos lugares. Ela uma sala no muito barroca, embora ela seja do perodo barroco, a conformao dela bastante pr-clssica, no tem nada daqueles rococs, ela bastante limpa. O primeiro Maestro-de-capela da sala foi o Arcangelo Corelli e ali, naquela sala, ele desenvolveu toda a tcnica do Concerto grosso. Corelli tocava ali sob o patronato do Papa Panfili. Ento, essa sala de 1640 e se coloca muito bem no s na localizao, que maravilhosa, mas se examinarmos os outros pontos culturais de Roma podemos constatar que so todos pontos culturais do novecento. A pera de Roma uma construo um pouco mussoliniana, a Santa Ceclia tambm do mesmo perodo, o novo auditrio dos acadmicos de Santa Ceclia construdo pelo Renzo Piano que um auditrio do ano 2000, ento a nossa a nica sala histrica de Roma. Eu estou fazendo esse discurso j para convencer vocs a se juntarem a mim nessa iniciativa pela msica brasileira. Eu quero tambm deixar meu testemunho sobre o meu trabalho com as orquestras do Rio e de Braslia, com o Coro do Theatro Municipal. Cada vez eu fico mais convencido de que possvel

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    uma relao de grande proximidade entre esses organismos estveis e o seu maestro. No estou interessado nem um pouco no autoritarismo, e esse tipo de relao nem me interessa por no ser autoritrio com os meus msicos. Gosto de estabelecer uma relao de amor com os meus msicos. No estou nem um pouco interessado em fazer pose, vocs no vo me ver como certos colegas. Vou estar sempre colocado de uma maneira democrtica. No acho que hoje se possa ter aqui seguidores to eficientes do Maestro Toscanini que poderia eventualmente at cuspir nos seus msicos! No acredito nisso de forma alguma, no me interessa, acho que at funciona voc estabelecer um regime desse tipo. Eu me lembro muito bem de uma das teses durante o meu perodo de Chicago, um dos prmios Nobel de Economia escreveu sobre como o regime escravocrata funcionava bem. Claro, ns estamos discutindo o aspecto econmico, se ele funcionava como modelo econmico e no estamos discutindo a tica do regime escravocrata. Ento, eu acho que muitas orquestras funcionam com um modelo autocrata, com um modelo centralizador e funcionam muito bem. No estou aqui discutindo o resultado, estou discutindo o procedimento e como procedimento no me interessa o autoritarismo. Eu tenho esses cargos que so de confiana da presidncia do Theatro Municipal, do Teatro Nacional de Braslia, mas eu nunca vou deixar de me posicionar de um nico lado que o lado dos meus msicos, que o lado dos meus colegas. um caminho mais lento, verdade. muito lento. Mas, ele slido, ele seguro, ele humano, ns temos que ser os ltimos dos humanistas! Pode ser que ns estejamos em extino, mas eu no acredito, acho que o nosso exemplo de humanismo e de colaborao, de cooperao entre colegas que vlido. No estou interessado em ter assessoria de imprensa, eu poderia ter uma assessoria de imprensa poderosa no Theatro Municipal minha disposio, mas no me interessa; o que me interessa a minha autoridade musical, o meu conhecimento que eu troco com os meus msicos, que eu ouo. Tenho certeza que dentro da Orquestra do Theatro Municipal h tantas pessoas que podem trazer sua experincia e com quem eu aprendi tanto! Ento, esse o meu depoimento e estou muito honrado de estar aqui. Coloco-me disposio para as perguntas que vocs queiram fazer, s no vale pergunta indiscreta!!!! (Risos) Plateia: - bastante raro um regente assim, porque o regente geralmente extremamente egocentrista, ele o mximo, o dono da verdade. E voc no. Voc foi de uma humildade, uma modstia, voc falou dos compositores brasileiros, da msica brasileira, dessa sua experincia como intrprete, eu acho que o pblico gostaria e ns gostaramos de ter tambm em nosso depoimento gravado a sua experincia como intrprete, como compositor porque voc tem tido incurses importantes tambm no terreno da msica para cinema, para bal, Ns gostaramos de ter isso gravado. Silvio Barbato - A minha escola toda foi na Composio. No Conservatrio de Milo eu desenvolvi muito esse trabalho e, como vocs sabem, fui um dos poucos brasileiros que teve o 1 Prmio de Composio do Conservatrio de Milo. Se no me engano eu fui o terceiro brasileiro a receber tal prmio. O primeiro foi o Carlos Gomes, que fez o exame como privatista, que quer dizer o seguinte: quando o Gomes chegou na Itlia, ele j tinha passado da idade de entrar para o Conservatrio, mas ele fez o exame final e recebeu o ttulo de compositor, naquela poca chamado de Real Conservatrio. E o outro brasileiro, se no me engano, foi o Gama Malcher ou um desses compositores do Par. O

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    outro do Par, como se chama Andr Cardoso, o outro msico? Meneleu Campos, eu acho que foi o Meneleu, um dos dois concluiu o Conservatrio de Milo tambm. Desde cedo o Santoro executou minhas obras. Outro dia, eu recebi um cd de um querido amigo que tinha gravado o meu Preldio com a execuo do Santoro que uma coisa muito marcante. O Santoro tocava as minhas obras com a Orquestra de Braslia. Claro que vocs todos sabem que eu tenho dois filhos, no ia dar para sustentar os meninos com a composio! Ento, a regncia foi o caminho natural. Eu tive a felicidade de ter vrias execues importantes. Agora, recentemente, o meu bal, teve a estreia europeia no Teatro Bellini, com a Orquestra e Bal do Teatro Bellini; foram nove noites, tudo esgotado, mas eu ainda sinto muito um frio na barriga quando eu tenho que enfrentar com a batuta as minhas msicas. Cheguei a Catnia para os ensaios da orquestra e no aeroporto estava um cartaz assim: a temporada do Teatro Bellini e tinha l Bethoven, Debussy, Ravel, Barbato. Eu comecei a passar mal, foi um horror! No! Escolheram a pessoa errada! Passei o dia inteiro mal at o ensaio da orquestra. Essa temporada no Teatro Bellini me rendeu contratos importantes em que pude, pela primeira vez, impor o programa. Um dos programas que eu impus ser realizado agora em maio, no dia 19 de maio: fao a primeira execuo europia de Colombo, de Carlos Gomes. Com solistas italianos, Coro e Orquestra do Teatro Bellini, vamos fazer uma gravao integral de Colombo. Vocs sabem que essa obra foi escrita para o 4. Centenrio das Descobertas, para um concurso em Gnova, mas quem ganhou foi o Franchetti. Colombo nunca foi estreada na Itlia. Ento, agora, nos dias 19 e 21, vamos ter essa grande emoo de executar Colombo com essa orquestra fantstica no Teatro Bellini e com esse coro siciliano maravilhoso do Teatro Bellini. Eu e o Andr tivemos que discutir uma interveno na partitura, que no teve jeito porque no segundo ato tinha um coro chamando morte al Islan. Como eu no queria ter nenhum problema com o Osama, resolvi trocar as palavras, a gente est decidindo, no vai ter jeito, no posso falar morte al Islan nessa altura, l na Siclia. Gomes que me perdoe, mas no vai dar no, vou ter que fazer essa mudana de morte a alguma outra coisa, mas ao Isl no vai dar no. E eu tenho trabalhado. Eu estou trabalhando numa sinfonia em que eu uso toda a fora da orquestra mesmo, ela vai sendo trabalhada um pouco assim em sees porque no d tempo. J trabalhei a exposio do primeiro tema, a exposio do segundo tema, que j esto prontos; agora, preciso de um pouco de tempo entre os concertos para trabalhar o desenvolvimento, mas, enquanto isso, eu vou curtindo tanto a msica de vocs que s me d prazer. Quando se trabalha no dia-a-dia, se perde um pouco dessa frescura da imagem que as outras pessoas tm do Coro do Theatro Municipal. O Coro do Theatro Municipal um patrimnio do mundo. Ns trabalhamos de forma muito ntima e para mim uma enorme honra continuar a tradio vocal lrica do Coro do Theatro Municipal, conduzido pelo Maurlio. O encontro com o Romano Gandolfi foi tambm uma das heranas, seja do meu pai que veio aqui conversar com ele no hotel Glria, seja do Santoro que j o conhecia da Europa e eu pude trabalhar muito perto do Gandolfi. Ele me traz esta escola que muito antiga, basicamente o Gandolfi foi assistente do Roberto Benaglio, que era assistente do Arturo Toscanini que tambm tocava violoncelo na orquestra do Giuseppe Verdi. Ento, uma linha de tradio direta com a velha Escola de Parma e ns tivemos o privilgio de termos aqui essa influncia durante muitas e muitas e muitas temporadas do Maestro Gandolfi transmitindo para todos ns, no dia-a-dia, a escola de Parma. A

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    diferena entre o Coro do Theatro Municipal e os outros coros uma s, a escola de onde a gente vem: a gente vem direto de uma tradio do sculo XIX. Isso no quer dizer que quando a gente vai fazer o Choro n10 ou a 10 Sinfonia, a gente se meta a fazer La Donna mobile na pobre da obra do Villa-Lobos! No isso que a gente faz, mas a Escola de Parma permite uma gama to grande interpretativa de coloridos que ns somos capazes de frequentar os diversos estilos. Agora, por exemplo, vamos enfrentar Beethoven, o Cristo no Monte das Oliveiras, que uma obra no executada no Brasil h cerca de 30 anos. Estamos enfrentando o classicismo com a velha escola do canto do classicismo mesmo. Ento, dessa escola pode-se ramificar para a pera lrica, para o classicismo, para a msica brasileira com muita facilidade e essa era a grande lio do Gandolfi. Eu me lembro de um dos momentos em que preparei com ele as Sinfonias dos salmos do Stravinsky, preparamos para o Maestro Bernstein e era um efeito fabuloso. No tinha nada a ver com a impostao lrica que ns podemos ter, quando vamos ter na Capuleti e Montecchi, que vamos fazer em julho. Ento, o Coro do Theatro Municipal esse patrimnio. Cada um dos seus integrantes deveria ser tombado pelo patrimnio, deveria ter uma plaquinha na testa, alguma coisa indicando que um patrimnio. uma honra a cada dia estar frente desse coro maravilhoso, junto com o Maurlio, com todos os meninos da nova gerao tambm, essa grande escola do canto lrico que tem as suas razes nos sculo XIX e dessas razes ns somos herdeiros diretos, atravs desse caminho que eu acabei de comentar.