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No Umbral do Mistério por Stanislas de Guaita Traduzido do original Francês: "Au seuil du Mystère" Stanislas de Guaita O Marquês Marie Victor Stanislas de Guaita nasceu em 6 abril de 1861, em Alteville, perto de Nancy, na Lorraine Francesa, às 5 horas da manhã (48 o 50’ de L.N. e 4 o 20’ de L.O.). Era filho de François Paul de Guaita e de Marie Amélie de Guaita. Seu pai provinha de uma antiga família de origem germânica, vinda da Itália no reino de Carlos Magno. Seus antepassados foram homens de guerra, religiosos e poetas. Em 1715, o tataravô de Stanislas de Guaita estabeleceu-se em Frankfurt, casando-se com uma jovem alemã. Durante o império napoleônico, o avô de Guaita alistou-se no exército francês e adquiriu a nacionalidade francesa. O pai do ocultista fixou- se em Alteville, onde nasceu o Mestre. A família de sua mãe era de descendência francesa. Os autores que escreveram sobre Stanislas de Guaita não chegaram a nos fornecer muitos dados sobre sua vida iniciática. Aprofundaram-se apenas na doutrina que ele próprio expôs em seus livros; os dados sobre sua vida particular, que poderiam interessar a todos aqueles que o admiram através de sua obra, referem-se apenas a aspectos exteriores. Apenas sua correspondência com Joséphin Péladan deixa entrever a natureza oculta e séria de seus trabalhos iniciáticos.

STANISLAS de Guaita - No Umbral Do Mistério

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STANISLAS de Guaita - No Umbral Do Mistério

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No Umbral do Mistrio

No Umbral do Mistriopor

Stanislas de Guaita

Traduzido do original Francs:"Au seuil du Mystre"

Stanislas de GuaitaO Marqus Marie Victor Stanislas de Guaita nasceu em 6 abril de 1861, em Alteville, perto de Nancy, na Lorraine Francesa, s 5 horas da manh (48o 50 de L.N. e 4o 20 de L.O.). Era filho de Franois Paul de Guaita e de Marie Amlie de Guaita. Seu pai provinha de uma antiga famlia de origem germnica, vinda da Itlia no reino de Carlos Magno. Seus antepassados foram homens de guerra, religiosos e poetas. Em 1715, o tatarav de Stanislas de Guaita estabeleceu-se em Frankfurt, casando-se com uma jovem alem. Durante o imprio napolenico, o av de Guaita alistou-se no exrcito francs e adquiriu a nacionalidade francesa. O pai do ocultista fixou-se em Alteville, onde nasceu o Mestre. A famlia de sua me era de descendncia francesa.Os autores que escreveram sobre Stanislas de Guaita no chegaram a nos fornecer muitos dados sobre sua vida inicitica. Aprofundaram-se apenas na doutrina que ele prprio exps em seus livros; os dados sobre sua vida particular, que poderiam interessar a todos aqueles que o admiram atravs de sua obra, referem-se apenas a aspectos exteriores. Apenas sua correspondncia com Josphin Pladan deixa entrever a natureza oculta e sria de seus trabalhos iniciticos.

Este trabalho no tem a pretenso de analisar exaustivamente Stanislas de Guaita como Iniciado; objetiva torn-lo um pouco mais conhecido a seus discpulos pstumos. impossvel penetrar no interior de um Iniciado de sua envergadura e revel-lo ao pblico, sem efetuar uma grande profanao, O homem interior s se deixa revelar prpria Divindade. Aqueles que vivem no exterior recebem apenas os reflexos de sua grande luz. Da mesa do Senhor as migalhas caem no cho e so digeridas por todos aqueles que aspiram a poder, algum dia, partilhar do celeste gape. Aproveitemos, pois, o que pudermos dessas migalhas, dos reflexos da Luz Incriada, e procuremos fazer brotar em ns a divina fonte, o manancial do Conhecimento e da Liberdade.

No colgio dos jesutas em Nancy, Stanislas de Guaita teve como companheiro Maurice Barrs, poeta que chegou a ingressar na Academia Francesa. A poesia foi, pois, a primeira manifestao literria de Stanislas de Guaita. Escreveu Les Oiseaux de Passage em 1881, com 20 anos de idade, La Muse Noire em 1883, e Rosa Mystica em 1885. Em 1882 desembarcou na capital, juntamente com seu inseparvel companheiro Maurice Barrs. Nessa poca j se tinha iniciado nos estudos ocultistas e efetuado seu relacionamento com os esoteristas parisienses. Barrs procurou logo o mundo das artes, enquanto Stanislas de Guaita fez apenas um pequeno giro de reconhecimento da cidade e se concentrou em seus livros. O objetivo de seu deslocamento para Paris era a Faculdade de Direito; procurava algo mais elevado, mas ainda no tinha a certeza do que se tratava. Sua vocao foi decididamente encontrada atravs da leitura dos livros de Eliphas Levi e da obra O Vcio Supremo de Josphin Pladan, pois encontrou no Sr um mestre vivo. No resistiu ao impulso de escrever-lhe, procurando iniciar uma amizade e obter maiores conhecimentos. Sua carta a Pladan atesta que, aos 21 anos de idade, em 1882, Guaita j lia com entusiasmo Eliphas Levi, o nosso bom abade Constant. Confessou-lhe que considerava a Cabala uma Cincia magnfica, possuidora de "dogmas grandiosos e mitos incomparveis" e que considerava Eliphas Levi um grande homem. Nessa carta, j assinava com um aleph, o que demonstra a linhagem cabalstica do jovem ocultista.

Toda obra realizada pela fora expansiva da Unidade. Guaita explica que o aleph, a primeira letra do alfabeto hebraico, engloba os quatro primeiros nmeros na sua unidade. E essa unidade deve expandir-se para tornar-se fecunda; tudo ser criado pela virtude do Tetragrama U Y U W : (1)

W - princpio masculino, o enxofre, o elemento fogo;

U - princpio feminino, a Igreja Catlica em seu sentido verdadeiro, o mercrio, o elemento gua;

Y - fora equilibrante, o Azoto, Elohim, Deus manifestado por sua vontade eterna, o elemento ar;

U - a autoridade sinttica do Estado, a terra.

Todo aquele que realizar esta sntese chamar-se- V e ser U Y V U W .

Depois de Guaita ter feito amizade com Pladan, conheceu sucessivamente Barlet, Papus e Julien Lejay. J eram seus amigos o Abade Roca (Alta) e Saint-Yves d'Alveydre. Intensificou, a partir desse momento, suas pesquisas ocultistas e a busca de livros raros nos sebos das margens do rio Sena. Montou uma invejvel biblioteca cabalstica, cuidadosamente encadernada e catalogada.

Pladan tinha uma brilhante erudio, mas de pouca profundidade. Seus conhecimentos fundamentavam-se no que ensinou seu irmo e mestre dr. Adrien Pladan (que Guaita no chegou a conhecer) e no companheirismo do sbio cabalista Albert Jounet. Adrien era discpulo de Lacuria, autor de Harmonias do Ser. Pladan tinha, pois, grande habilidade para escrever e seu livro Vcio Supremo, escreve Guaita a Maurce Barrs, apresenta pginas de muita beleza. "Eu, que fiz um estudo especial de Alta Cabala neste vero, posso julgar a que ponto Pladan estudou profundamente as Cincias Ocultas. No ria! Leia os livros de Eliphas Levi e voc ver que no h nada mais belo do que a Cabala. E eu, que sou relativamente versado em Qumica, no me admiro ao ver at que ponto os alquimistas eram sbios verdadeiros; com certeza, a pedra filosofal no um embuste. A cincia mais contempornea e mais esclarecida tende a confirmar hoje as geniais hipteses dos magos de 6 mil anos atrs. No maravilhoso? Profetizaram que tudo vem da luz. Ora, o que diz a cincia? Luz, calor, movimento (vibrao), magnetismo, eletricidade, pensamento... tudo isso idntico! E os magos tambm profetizaram a unidade da matria, o que a cincia acaba de confirmar. Voltemos a Vcio Supremo (e digo isso tudo para que voc no zombe do carter de Merodack). Bom Deus! Leia os livros antes de zombar deles! E, afinal de contas, no sou nenhum imbecil; voc pode admitir que h trs semanas eu tenho feito de uma inpcia meu livro de cabeceira?" (2)

A impresso que se tem de que Stanislas de Guaita estava procurando formar um grupo de Homens de Desejo, em torno de si e talvez de Saint-Yves d'Alveydre. Isso poder explicar sua pacincia em procurar reconciliar uns com os outros os provveis candidatos ao adeptado. Esses argumentos dados a Maurice Barrs em relao a Josphin Pladan tambm foram dados este ltimo em relao a Barrs, a Saint-Yves d'Alveydre, Roca, Julien Lejay. incrvel como a mente humana frtil e como as paixes lanam um homem contra o outro! Stanislas de Guaita encontrou em Papus e em Barlet as duas colunas de seu edifcio intelectual. O trio tinha em Eliphas Levi, Fabre d'Olivet, Khunrath, Martinez de Pasqually, Saint-Martin e Jacob Boheme os guias invisveis que iluminavam a senda por onde deveriam passar, no somente esses homens de vontade, mas todo aquele rebanho por eles apascentado.

Apoiavam-se no somente nas obras desses Mestres, como na prpria Cabala Judaica, fundamento da Alta Magia. "Agora que fiz a sntese absoluta de minhas idias sobre Cabala", disse Guaita, "estou em condies de lhe dizer: meu caro amigo (Pladan), estou CERTO. Hermeticamente falando, estou absolutamente certo de estar na tradio ortodoxa... estou convencido de que te falo com conhecimento de causa. Ah! Se pudesse em algumas linhas comunicar-te a claridade que me inunda... Posso dizer, como Eliphas, que compreendi a parbola frequentemente repetida nos livros santos: O Reino de Deus." (l886). A Cabala proclama a unidade do ser, dizia Guaita, "ela engloba a verdade absoluta sob sua forma definitiva. Outras correntes iniciticas so formas menos puras emanadas da mesma fonte... O Zohar ensina a descida progressiva e lenta do Esprito na matria, at a divinizao radical de Ado-Kadmon, cuja grande alma coletiva no seno o prprio Jesus-Cristo... Parece-me que a luz se faz em meu esprito, e que os Arcanos se esclarecem. Quando iremos conversar seriamente sobre Cabala? Teu Van Helmont dos mais curiosos; a encontro tesouros; mas o Khunrath-Artepius sobretudo admirvel." (3)

Stanislas de Guaita passava cinco meses do ano no seu apartamento trreo da Avenida Trudaine, em Paris, na zona norte da cidade, onde recebia seus amigos ocultistas e onde mantinha uma segunda biblioteca. Seu salo, todo decorado de vermelho, abrigava srias meditaes. As conversas com os amigos, assim como leituras cabalsticas, eram estimulantes para o esprito. Maurice Barrs, seu amigo de infncia, dizia que ele era capaz de ficar semanas inteiras sem sair do apartamento. Muitas vezes cortava esse isolamento voluntrio pela "caa" aos livros e raramente regressava sem trazer um exemplar raro.

Os sete meses restantes do ano eram passados no campo, em seu castelo de Alteville, com sua me, certamente cuidando de sua produo material. No entanto, jamais descurava-se de seus estudos ocultos e procurava visitar os doentes nos vilareios vizinhos, exercendo uma medicina caseira herdada de seu pai. Tinha um quarto da casa transformado em "laboratrio qumico", para uma atividade que dizia exercer desde sua tenra juventude. Esse recinto era guardado, segundo acreditavam seus criados e alguns amigos que freqentavam sua intimidade, por um fantasma. "O fantasma de Guaita, conta-nos Paul Adam, costumava aparecer quando estvamos mesa; um dia, um dos presentes levantou-se e lhe ofereceu uma costela de ovelha; o fantasma, ofendido, nunca mais apareceu." (4) Os jantares no castelo de Alteville costumavam prolongar-se noite adentro com agradveis conversaes. E o fantasma adquiriu, com o tempo, grande reputao. Muitos afirmavam conhec-lo e diziam que lhe faltava um p, e que o outro p parecia um pilo de madeira. Essa lenda, por bizarra que possa parecer, tem o mrito de salientar a atmosfera de mistrio que imperava na residncia campestre de Guaita. Tinha ele nesse local outra biblioteca e era, certamente, o local de reunio alternativo dos Rosa-Cruzes parisienses, sob a liderana de Stanislas de Guaita, Gro-Mestre vitalcio da Ordem Cabalstica da Rosa-Cruz. Seu laboratrio qumico proporcionava a transformao dos elementos, por inmeras combinaes; da mesma forma, ocorria em seu ser uma transformao espiritual, testemunhada por seus escritos e pelas conversas sempre estimulantes, que acalentavam os coraes de todos os seus irmos. Os trabalhos realizados em Alteville, com seus companheiros mais ntimos, efetuavam-se com muita harmonia, apesar da oposio de sua me, catlica praticante. Ela no entendia a independncia religiosa do filho e temia pela sua condenao eterna. "Confesso a divindade do Cristo-Esprito", escrevia-lhe o filho, "e professo o cristianismo universal ou Catolicismo... (1890)... Creio em Deus e na Providncia e no h um dia em que eu no eleve vrias vezes minha alma em direo da Absoluta Bondade ou meu esprito em direo da Verdade Absoluta. O que desejas mais?" (1894).

Apesar de ter nascido com imensa bagagem espiritual, jamais deixou de consultar a opinio dos antigos ocultistas, atravs de seus livros. Pois a verdade no se inventa: ela existe h sculos e cabe a ns encontr-la na literatura, na Natureza e em nosso prprio interior. A opinio daqueles que dedicaram uma vida inteira busca do conhecimento no pode ser negligenciada. Da a grande importncia das leituras. Guaita sabia disso e dialogava diariamente com Eliphas Levi, Fabre d'Olivet, Tritemo, Paracelso, Saint-Martin e com outros pais da espiritualidade ocidental, no apenas atravs de seus escritos, mas tambm atravs da Luz Astral. O ambiente de sua biblioteca parecia exalar os mais puros pensamentos e l as pessoas esqueciam-se do tempo. Guaita lia raramente os jornais, mas concentrava-se nos seus grimrios, pantculos e nos grandes clssicos do Ocultismo. Vivendo nessa atmosfera a maior parte do tempo, pairava acima das condies mundanas de sua poca, podendo elevar os seus pensamentos s mais puras abstraes.

"O que o distanciava desse mundo", escreveu Charles Barlet, "era a confuso das idias e a aspereza dos debates, que agitavam o sculo por volta de 1880: ele via sbios pretenderem englobar no ciclo de suas descobertas todo o infinito do mundo, a cincia revoltar-se contra a f, o esprito novo lanar-se contra a experincia dos sculos, o dogma do progresso material predominar sobre o da perfeio espiritual e moral, o jogo mecnico do nmero regular, o destino das naes, e a felicidade terrena do indivduo tornar-se o objetivo e o fim do Estado." (5)

Esse jovem ocultista, que possua o mais vivo desejo de atingir o Nirvana, e que congregava uma pliade de cabalistas do mais alto nvel, a partir da penltima dcada do sculo XIX, como Papus, Barlet, Julien Lejay, Chaboseau, Polty, Marc Haven, Victor Emile Michelet, Sedir, Pladan, Oswald Wirth e outros, no deixou de fundar uma sociedade que congregasse os maiores talentos da poca, vivificadores da Santa Cabala, e que ressuscitasse dos velhos santurios o simbolismo da Rosa-Cruz. A sociedade teria sido fundada e tornada pblica pela necessidade de denunciar publicamente o abade Boullan. Inicialmente este no demonstrou claramente os objetivos de seu trabalho. Foi assim que Guaita, tendo desconfiado do abade Boullan, encarregou Oswald Wirth de investigar a verdadeira essncia de sua doutrina. Verificou que o ex-abade recorria Missa Negra, a orgias sexuais entre os membros da seita e a pretensas unies distncia, pela emisso do fluido nervoso das pessoas, podendo prejudicar a sade de pessoas mais fracas. Boullan era discpulo de Eugnio Vintras, o feiticeiro desmascarado por Eliphas Levi. Vintras tinha fundado a seita do Carmelo e considerava-se a encamao do profeta Elias. Stanislas de Guaita revelou a doutrina do Carmelo e suas aberraes no Templo de Sat (captulo intitulado "As Modernas Transformaes do Feiticeiro"), denunciando-a opinio pblica. Os adeptos Rosa-Cruzes formaram um tribunal com a finalidade de julgar o Abade Boullan, condenando-o retrao pblica. Boullan, tendo-se agravado seu desequilbrio psquico, imaginou que Guaita teria lanado sobre ele um enfeitiamento qualquer. Confiou sua suspeita a algumas pessoas, inclusive ao jornalista Jules Blois dos jornais Le Figaro e Gil Blas, que publicou em janeiro de 1893 artigos acusando Guaita de ter efetuado prticas mgicas contra o Abade Boullan. Esse caso explica os duelos de Jutes Blois com Guaita e Papus que, felizmente, no ocasionaram nenhuma gravidade maior.

A Rosa-Cruz tinha como objetivo, alm de recrutar intelectuais capazes de adaptar a tradio esotrica ao sculo que estava entrando, explica-nos Stanislas de Guaita, combater a feitiaria em todos os lugares onde poderia ser praticada. dever de todo Rosa-Cruz combater os falsos magos, todos aqueles que desonram a fraternidade universal da Alta e Divina Magia. "Ns os condenamos ao batismo da luz!", enfatiza Guaita em Templo de Sat, "faltaramos com nosso dever se deixssemos esse Sats fazerem em paz novas vtimas e aumentarem a torrente pestilenta de toda abominao mstica." (6)

Stanislas de Guaita procurava conhecer todas as artimanhas do maligno para combat-lo com toda potncia possvel. No que diz respeito ao caso Boullan, os adeptos foram atacados por emisses de fluidos, colocando Nergal no leito e quase matando Caill. Guaita foi atacado noite, como ele prprio disse, mas soube direcionar o fluido ao plo de emisso. "Tenho um poder extraordinrio, escreveu Guaita, e fao o que quero com os fluidos e os espritos atravs dos procedimentos da Alta e Divina Magia, aos quais iniciar-te-ei, ou, pelo menos, aos quais poders assistir se desejares." (7)

O acesso aos graus da Rosa-Cruz Cabalstica era efetuado mediante exame, sendo que para o ltimo grau era necessrio a defesa de uma tese sobre um tema estabelecido pelo Supremo Conselho. Este era formado por seis membros conhecidos e por seis ocultos. Os membros conhecidos eram Guaita, Papus, Barlet, Polti, Pladan e Agur. Com a demisso de Pladan, foi admitido o abade Roca, pseudnimo Alta (8). Os Rosa-Cruzes do segundo grau foram recrutados no seio do Grupo Independente de Estudos Esotricos, cujo presidente era Jacques Papus. Quando a Ordem adquiriu o nmero suficiente de membros, de acordo com sua constituio, foi rigorosamente fechada. Ela dirigia outros grupos de iniciados de graus inferiores, propagando as doutrinas esotricas no seio da coletividade, atravs da publicao das teses de doutoramento em Cabala.

Esse procedimento no s permitiu a formao de homens com bom conhecimento de Cabala, como propagou seus ensinamentos no meio ocultista. A Cabala prope a sntese da doutrina dos magos, a Alta e Divina Magia herdada dos caldeus atravs de Abrao, reformulada por Moiss e Esdras e divinizada pelo prprio Jesus Cristo. a tradio primordial do Ocidente, que procura desenvolver a positividade do homem, tornando-o um ser de vontade. A apologia do Misticismo feita por Oswald Wirth surpreendeu Guaita - como algum poderia colocar o Misticismo acima da Alta Doutrina dos Magos?

"O Hermetismo uma sntese radical", diz Guaita a Wirth, "absoluta, precisa como as Matemticas e profunda como as prprias leis da existncia. uma doutrina ntida, concluda; em uma palavra, uma Cincia que circunscreve outras, apta a concili-las, englobando-as em seu seio. - E o Misticismo, o que ? uma doutrina? um sistema? somente uma hiptese? - No. uma tendncia do Pensamento, e nada mais; um estado de alma ou de esprito que facilita ou que entrava - e aqui no o caso - o estudo dos grandes problemas metafsicos...

"Cada um tem suas preferncias de temperamento, sua idia de religio, de esttica, de concepo cerebral - e se sois de natureza a portar as belas fantasias dos msticos aos xtases passivos da contemplao, aos ferventes vos da orao, cometereis o maior erro em forar vossas tendncias, doravante desviadas para um objetivo que no se encontra mais no balano de vosso futuro intelectual. Sonhai, pois, e orai; vossa colheita ser bela; no tereis por que vos lastimar.

"Mas, para aquele que forou o tabernculo da Natureza e conquistou, colocando em risco sua vida e sua razo, a inteligncia dos Arcanos, nenhum destino parece mais desejvel do que este: perseguir a descoberta das leis supremas e a dominao das causas segundas; mergulhar sempre adiante no abismo da Luz de que fala Henry Kuhnrath; inclinar-se - sempre bebendo e sempre insacivel - sobre o mar dos conceitos radicais da Absoluta Verdade, mar universal e de sntese, onde confluem de todos os lados inumerveis rios de conhecimentos particulares e analticos... Eis o ideal para aqueles outros. Tal , a seus olhos, a existncia verdadeiramente desejvel.

"E quando esses Iniciados - considerando-se quase como egrgoras, pastores de almas errantes, Sacerdotes e Franco-juzes -, quando esses Iniciados chegam a praticar, passando pela terra, algum bem a seus semelhantes, isto , a seus irmos menores, acreditai, eles nada mais tm a desejar e possuem em verdade "a paz profunda do Rosa-Cruz!" (9)

Dentre os membros do Supremo Conselho, havia um que no aceitava a liderana de outra pessoa que no fosse ele prprio: Josphin Pladan. No admitia tornar-se discpulo tendo sido o primeiro mestre de Stanislas de Guaita. Ademais, suas concepes, impregnadas de catolicismo romano exagerado, conflitavam com a opinio independente dos demais Rosa-Cruzes. Suas concepes acerca de Jesus, Maria e de outros personagens do cristianismo no se diferenciavam das opinies de um padre catlico. "Creio na imortalidade da Igreja do Cristo" - explicava-lhe Guaita -, "pois o Cristo realizou hierarquicamente o Grande Arcano sobre a Terra e divinizou-se pelo seu esprito at no ventre de sua me. Nasceu de Deus porque era fatalmente destinado a realizar todo o Divino em si. Mas se a Igreja eterna, o papa no a Igreja. Somente um conclio ecumnico infalvel e no houve um s conclio verdadeiramente ecumnico aps a separao da Igreja grega. Explicar-vos-ei de viva voz por que creio que Jesus Cristo realmente nasceu Deus, pois creio firmemente, vos declaro, que N.S. espiritualmente concebido do Esprito-Santo, e tomai minhas palavras ao p da letra; vedes que sou cristo como vs. Mas para explicar-me seria necessrio descer a uma profundidade esotrica inefvel (pois a Luz se fez em mim, no posso colocar tudo isso no papel)." (10)

"Deus ir te conceder uma ou vrias entrevistas, para que possas ver a Luz integral do Cristianismo esotrico, e isto sem renegar uma slaba de teu credo, sem eliminar uma das arestas do Dogma Eterno. Pois ests destinado para o futuro; o cu assim o deseja: explicarme-ei de viva voz; daqui at l, que minha palavra te baste... Recebi do Alto a soluo definitiva dos Arcanos segundo a ordem intelectual e a ordem divina; quando nos virmos, explicar-te-ei sem reticncias todos os assuntos dos quais Ieshuah quis que eu recebesse diretamente da Luz. Pois no devo nada a ningum a esse respeito...(11) Quanto s unes que recebi, -me impossvel dizer de quem as recebi, validamente recebidas, segundo o ritual catlico romano e no segundo o ritual ilaco... Sou, pois, Sacerdote Oculto, como foram em todas as pocas todos os adeptos do 3o. grau e tenho todos os poderes para exercer o culto in secretis, magicamente e no sacerdotalmente." (12)

Pladan no entendia a significao profunda e oculta dessas palavras e no admitia que seu ex-discpulo lhe falasse por parbolas. Denominado por si mesmo "Sr (13) Merodack Pladan", passou a editar bulas e excomunhes em nome da Rosa-Cruz. Advertido pelo Gro-Mestre, criou sua prpria sociedade, a Ordem Rosa-Cruz Catlica do Templo e do Graal, separando-se do Grupo em 1890. StanisIas de Guaita, procurando esclarecer no meio ocultista que os verdadeiros Rosa-Cruzes nada tinham a ver com os sales semiprofanos de arte de Pladan, e com todos os seus atos, publicou em 1893 um manifesto em nome do Supremo Conselho da Ordem Rosa-Cruz Cabalstica, com um sumrio paralelo entre as duas sociedades. Assinaram esse documento, alm de Stanislas de Guaita, Jacques Papus e Charles Barlet. Declararam Josphin Pladan Rosa-Cruz sismtico e apstata, denunciando seus atos e sua ordem ao tribunal da opinio pblica.

Essa separao foi, sem dvida nenhuma, muito desencantadora para Guaita. Viu todos os seus esforos, no sentido de encaminhar Pladan na Senda, carem por terra. Entre 1882 e 1891, Guaita procurou acalentar o esprito do amigo e fortificar sua f, ausente em seu ntimo. A f no a ltima palavra da Alta Magia, mas seu complemento indispensvel; ela quem realiza o equilbrio do indivduo com a Razo, pois o dualismo apenas aparente e contribui para a harmonia universal. "A analogia cientfica nos conduz a afirmar o Princpio da Casualidade, e esse princpio proclama o Ensoph. Mas a termina o alcance do Entendimento." Para penetrar alm da Cincia so necessrios o Amor e a F. "A inteligncia voluntria , entre ns, o princpio ativo; mas a F passional e passiva. A Grande Obra o casamento do ativo e do passivo; , como dizia Baslio Valentino, o Fixo do Voltil e o Voltil do Fixo." (14) "Hegel teria sido grande cabalista se tivesse entendido que, ao lado da cincia, alimento da compreenso, existe a F, celeste repasto da sensibilidade transcendente, que chamamos vulgarmente de o corao humano..." (15) Segundo o esprito cabalstico, a religio representa um estado de esprito que conhece o desabrochar da imagem sagrada do Alto, que permite a reconstituio da iluminao original e a divinizao do homem encarnado.

A falta de f est intimamente associada com a ausncia de tolerncia, que , em ltima anlise, um desamor em relao a todos os nossos semelhantes. "Ignoro se o Marqus de Saint-Yves um esprito falso, mas tenho a certeza de que ele um grande esprito; no deixars de compartilhar minha opinio quando houveres lido suas MISSES." (16) E, adiante, no mesmo tom: "Asseguro-te que me difcil ouvir-te diminuir Eliphas. Tenho uma infinidade de livros de todos os sculos e li com ateno na Biblioteca Nacional quase todos os mestres; inclino-me diante de Eliphas como diante do MESTRE DOS MESTRES (como A. de Vilanova chamou Geber). Ningum, que eu saiba, penetrou to profundamente no problema, e ningum construiu uma sntese to esplndida, to imensa e to inabalvel... Diviniza ele os Elohim? No, ele desvela e adora seu princpio equilibrante... Creio que o julgas demais apenas com base na leitura de seu Dogma e Ritual da Alta Magia, a nica obra que tens dele e a nica, por conseguinte, que pudeste estudar com profundidade." (17)

Em 1886, Stanislas de Guaita escreveu a Pladan dizendo-lhe que estava preparando para os prximos anos a publicao de uma obra que deveria denominar-se Os Trs Mundos. Com uma introduo longa, destinada a familiarizar o esprito do leitor com as matrias esotricas de maior profundidade discutidas nos tomos seguintes. Essa introduo foi publicada inicialmente na Revista Contempornea, dando origem ao seu primeiro livro No Umbral do Mistrio. Nos trs volumes seguintes abordou uma grande teoria sinttica da luz, anunciando grandes leis cabalsticas. Sua preocupao era abordar o problema do mal, as obras oriundas da Luz Astral, solucionar os grandes problemas iniciticos concernentes Regenerao, Iluminao e Reintegrao do Homem na Unidade Divina. A chave de tudo est na Luz Astral. Nesse sentido, concebeu sua obra baseado nas tminas do Tar, procurando desvender a trplice significao de Nahash, a alma astral do mundo. O que a Serpente do den? A trplice resposta engloba os trs setenrios e cada setenrio um livro. A serpente Nahash, que, no sentido positivo, corresponde s paixes mais ferrenhas que impulsionam o homem para o mal; no sentido comparativo, representa a Luz Astral, agente tanto das obras tenebrosas como das obras de caridade. Seu domnio d a chave tanto da Magia Negra como da Alta Teurgia; no sentido superlativo, Nahash simboliza o egosmo primordial, a misteriosa atrao que produz o individualismo, princpio da diferenciao dos seres e da individualidade, causa da decadncia de Ado e da encarnao individual.

O Redentor da Humanidade, que possui o Shin hebreu em seu centro, significa o fogo regenerador, veculo da vida e da reintegrao; a divindade manifestada por seu verbo, figurando a unio fecunda do esprito e da alma universais; aquele que vem resgatar o homem do fundo da criao para permitir sua passagem para um novo mundo, onde dever cumprir nova fase de evoluo, mas dessa vez em Deus.

Guaita, melhor do que ningum, desenvolve a teoria da Luz, veculo do poder mgico, fonte de toda criao. "Correspondendo ao Verbo (Luz Divina) e ao Pensamento (Luz Intelectual) ela , simultaneamente, no mundo fenomenal e por uma contradio apenas aparente, o esperma da matria e a matriz das formas. Dominar a Luz Astral em si e na Natureza ter descoberto e formulado o incomunicvel Grande Arcano. a matria-prima que se solve e se coagula para a realizao da Grande Obra. A potncia mgica reside, pois, no Verbo Humano, que se afirma e se agiganta atravs da Luz. A f, a cincia, a vontade, so instrumentos de emancipao do Verbo Humano e de sua reintegrao no Verbo Divino, promovendo o casamento mstico do homem com a divindade."

Seus Ensaios de Cincias Malditas deveriam compreender cinco volumes, a saber:

1o. volume: No Umbral do Mistrio, introduo geral;

2o. volume: O Templo de Sat, interpretao da palavra Nahash em seu sentido vulgar: o Diabo (Shatan); estudo do diabo e de suas obras, feitiaria, etc., desenvolvimento do primeiro setenrio;

3o. volume: A Chave da Magia Negra, sentido esotrico da palavra Nahash: a alma astral do mundo; explicao dos fenmenos pelo Ar (a iluminao interior); segundo setenrio (lminas 8 a 14);

4o. volume: O Problema do Mal, segundo sentido esotrico de Nahash: o Mal; abordando o problema da queda humana, o mal original, e a reintegrao em Deus; terceiro setenrio (lminas 15 a 21);

5o. volume: Concluso, a Apoteose, reintegrao de Ado-Kadmon, "dissoluo de Sat-Panteu que desaparece na imensido do Absoluto." (18)

No Umbral do Mistrio foi publicado no ano de 1886, em formato pequeno, sem os apndices. Para o meio ocultista da poca foi uma revelao. Todos os Homens de Desejo encontraram a luz que buscavam na chama viva que era Stanistas de Guaita. Nosso autor foi o primeiro a surpreender-se com o inusitado sucesso de seu livro. Discpulo fervoroso de Eliphas Levi e de Fabre d'Olivet, no pensava ser mais do que um discpulo. No esperava nenhum apostolado, mas a obra revelou-se por inspirao divina e pelo ardor de seus leitores. Aceitou com naturalidade, aos vinte e cinco anos, a misso que se descortinou para ele, preparando-se ainda com mais afinco para o fiel cumprimento do alto dever que contraiu com o prprio Reparador. Dedicou toda sua vida a procurar a verdade e a transmitir as teorias ocultistas dentro de um estilo claro, que logo se tornou clssico. Numa poca em que todos se ocupavam em alimentar as paixes da alma e os instintos do corpo, obteve grande reputao em razo de seu trabalho desinteressado, que no tinha outro objetivo a no ser conduzir, elevar e iluminar a alma humana.

Sursum Corda! Esse o clamor das almas que aspiram imortalidade. Essa a divisa dos hierarcas que labutam pela ascenso. o verbo dos Chamados que sero Eleitos! O tringulo divino flameja por sobre os cumes. Em direo a ele se eleva a dupla escada de Jac, cujos altos degraus perdem-se entre as nuvens. Galgam esses degraus sem soobrar aqueles que, se no passam de homens, possuem os "flancos de baixa argila consumidos em desejos de Deus" (19). Desaparecidos em meio ao nevoeiro, aqueles que se encontram abaixo perdem-nos de vista, enquanto eles, no alto, recebem a iniciao. Em seguida, tornaro a descer. Porm, como Moiss, a luz, contemplada face a face, ter deixado seu reflexo sobre eles: ao descerem, descero arcanjos, para convidar as almas ousadas escalada do cu: Violenti rapiunt illud. Se o absoluto no pode revelar-se aos filhos dos homens, que os fortes ascendam at ele para conquist-lo. Quando retomarem aos seus irmos mais tmidos, a fim de render homenagem Luz (20), estes podero ver, pela aurola de sua fronte, que, sem deixarem de ser Filhos da Terra, eles se fizeram naturalizar Filhos do Cu.

(Stanislas de Guaita, No Umbral do Mistrio, p.50).

O Templo de Sat foi publicado em 1891; esse livro aborda as sete primeiras lminas do Tar, focalizando a histria fsica do ocultismo inferior e os procedimentos da baixa magia. Examina as obras caractersticas de Sat, a magia negra, os malefcios, os enfeitiamentos, descreve o Sabat e a Justia dos homens (processos clebres de feitiaria e de acusaes injustas a esse respeito). O diabo, que significa obstculo a vencer, caracteriza a feira, o egosmo e o erro. O diabo da Idade Mdia lembra-nos a inquisio, os feiticeiros, a fogueira, os possudos, o anticristo. " necessrio", escreve Guaita, "saber at que ponto pode projetar-se a nefasta influncia do Feiticeiro... conscientizar-se exatamente das prticas familiares aos necromantes, trazer luz do dia as trevas da Magia Negra, estabelecendo o que lenda e histria, imaginao e realidade, apreciar de maneira sadia as aes celebradas e a besteira desses exploradores da credulidade pblica." (21)

No se pode negar a existncia do mal (em sua essncia bem diferente). Sua manifestao no Universo indubitdvel, tanto quanto o frio no inverno ou a escurido noite. Mas vem a luz e a sombra se vai, vem o calor e passa o frio: porque a sombra e o frio no so dotados seno com uma existncia privativa; pois sendo negaes, falta-lhes essncia prpria. Assim acontece com o mal, transitrio, acidental, contingente.

"Dar essncia ao Mal recusar a essncia do bem; sustentar o princpio do Mal contestar o princpio do Bem; afirmar a existncia prpria do diabo, como o absoluto do Mal, negar a Deus. Sustentar, enfim, a coexistncia de dois absolutos contraditrios proferir uma blasfmia em religio e um absurdo em filosofia. O que revolta a conscincia, o que ultraja a razo, no tanto a personificao simblica das influncias nefastas em dolos na maioria das vezes odiosos e grotescos: a deificao do mal, disfarado em princpio absoluto sob uma figura mitolgica e, como tal, oposta ao princpio do bem, igualmente divinizado.

(Stanislas de Guaita, O Templo de Sat. So Paulo, Editora Trs, 1973, 1o. vol., p. 25).

Para esclarecer o sentido figurado, Guaita elaborou A Chave da Magia Negra. Nahash, a Luz Astral, o agente tanto de obras boas como de obras ms. Seu domnio fornece a chave da Magia Negra, permitindo analisar as causas e os efeitos dos ritos e dos fenmenos descritos em O Templo de Sat. Com essa obra, procurou estabelecer uma teoria geral para o Hermetismo. A Magia Negra definida como a manipulao das foras ocultas da Natureza para satisfazer as paixes humanas; enquanto a Alta e Divina Magia, praticada pelo homem isento de paixo, a coagulao e projeo do fluido universal, com conhecimento de causa, visando um fim altrusta, que o aperfeioamento espiritual do operador.

Este misterioso agente possui inmeras denominaes. , segundo os Cabalistas, a serpente fludica de Asiah. Os velhos platnicos viam nela a alma fsica do mundo, que englobava a semente de todos os seres, e os Gnsticos Valentinos personificavam-na como o Demiurgo, "o operrio inconsciente dos mundos de baixo". Na opinio dos Hermetistas, a Quintessncia dos elementos, o Azoto dos sbios. (Ou o fecundado pelo , ou, ainda, o Fogo secreto, vivo e filosfico.) , para os magos, o intermedirio das duas naturezas; o Mediador conversvel, indiferente ao Bem e ao Mal, que uma vontade firme pode utilizar para um e para outro fim. o Diabo, se quiserem, isto , a Fora substancial que os feiticeiros manipulam para seus malefcios.

Potncia inconsciente por si mesma, mas apta a refletir todos os pensamentos; Potncia impessoal, mas suscetvel de revestir todas as personalidades; Potncia invasora e dominadora, que entretanto o adepto pode penetrar, constranger e subjugar - e isso, em uma medida mais estupefaciente ainda do que imaginaria o popular supersticioso, no bom tempo dos Lancra e dos Michaelis; , em uma palavra, A LUZ ASTRAL, ou Mediador Plstico Universal.

(Stanislas de Guaita, La Clef de Ia Magie Noire. Paris, Henri Durville, 1920, pp. 109-110.)

A Chave da Magia Negra foi editado em 1897, no ano da morte de Guaita e o Problema do Mal no chegou a ser concludo, sendo completados, os poucos captulos que o autor chegou a redigir, por Oswald Wirth e por Marius Lepage. Se Guaita tivesse tido tempo para concluir este ltimo livro, provavelmente a evoluo de seu pensamento nos teria presenteado escritos da mais alta profundidade, em razo do amadurecimento de suas doutrinas. Com O Problema do Mal, os leitores encontrariam as chaves que conduzem Iluminao Divina, se a fatalidade no tivesse arrancado o autor do convvio de seus iniciados. Os amigos de Guaita pensavam, em 1897, que a Providncia Divina no teria aprovado a concluso da obra, repleta de revelaes que deveriam permanecer ocultas e restritas a um pequeno nmero de Homens de Desejo. Somente em 1947, 50 anos aps a morte de Stanislas de Guaita, foi que Marius Lepage realizou a publicao de O Problema do Mal. O livro possui, escritos por Stanislas de Guaita, apenas o primeiro captulo (a lmina 15, o Diabo, Nahash, O Tentador do den, Ado-Eva e a Serpente), o incio do segundo captulo (a Lmina 16, A Torre Fulminada, ou A Queda de Ado, Involuo), e o plano do terceiro captulo (a lmina 17, As Estrelas, ou A Encarnao do Verbo). O plano do captulo o seguinte:

"Ttulo: A ENCARNAO DO VERBO

I - Princpio da Evoluo.

coletiva, unitria,

II - A vida na matria (trs vidas) individual, coletiva

atmica, individual

Redeno dos indivduos isolados

III - Trs correntes Redeno das essncias coletivas

Redeno dos indivduos por grupos bissexuados.

IV - O salto evolutivo sucede-se queda involutiva.

V - NAHASH, a fora isolante do Egosmo, o desorientou: seu Oriente o Esprito coletivo vivo, o verbo. Essas potencialidades, na maioria das vezes latentes, em virtude de afinidades complexas, tendem a aperfeioar-se pela Evoluo." (22)

O terceiro setenrio, englobando o problema do mal, objetiva solucionar essa questo, redimindo o homem de seu pecado original, provocado pela Queda Admica e todas as funestas conseqncias de materializao crescente, ignorncia e impotncia. Essa serpente temvel, que enganou Ado-Eva no Paraso, a personificao da Luz Astral, "o fluido implacvel que governa os instintos, agente do nascimento e da morte, smbolo sobretudo do egosmo primordial, a misteriosa atrao em direo a si mesmo, que o prprio princpio da divisibilidade: esta fora que, solicitando a todo ser o isolamento da unidade original para fazer-se centro e comprazer-se em seu eu, ocasionou a decadncia de Ado". Guaita encontrou a a sntese filosfica e levantou o vu temvel e benfazejo que oculta aos olhos do vulgo o grande arcano da Magia. Procurou no s desvendar o problema do mal, mas desejou conhecer sua origem, o estado de Ado antes da Queda, o significado da Redeno do Cristo Doloroso e o significado cabalstico do Cristo Glorioso.

Ado Kadmon (Deus manifestado) esposa Eva (a Natureza Essncia), que refletiu por emanao como sendo a faculdade eficiente. E, para dqtalhar: os trs princpios masculinos, constitutivos de Ado, emanaram trs faculdades femininas, constitutivas de Eva. Cada princpio o esposo simblico da faculdade eficiente que ele refletiu: O Pai o esposo da Providncia; o Filho o esposo da Vontade e o Esprito o esposo do Destino. Se generalizarmos, poderemos dizer que do casamento de Ado-Kadmon com a Eva Celeste, nasceu a substncia universal, Adamah, animada por um princpio de vida universal hiperfsica, Nephesh-ha-haiah. Nahash, a Serpente da Gnese, age e se manifesta em Nephesh-ha-haiah. Foi nesse ponto preciso que a Queda realizou-se pela materializao da vida e a multiplicao divisional, geradora de submltiplos ao infinito...

Pois, o Ado decado ou Cristo Doloroso, sntese mstica da Igreja Militante, geme, aprisionado no Universo Substncia que elabora, aps ter passado ao ato; o Ado Celeste ou Cristo Glorioso, sntese da Igreja Triunfante, preenche sempre com sua glria o Universo-Essncia, que sua obra."

(Stanislas de Guaita, Le Problme du Mal. Paris, Ed. de la Maisnie, 1975, pp. 7 e 11).

O Destino no permitiu que Stanislas de Guaita conclusse seu terceiro setenrio, ocasionando sua morte atravs do mesmo mal que atacou seu pai em 1880: a uremia. Mesmo antes de 1886, Guaita queixava-se desse mal, cujo reflexo uma dor de cabea terrvel. Mas o mal foi se acentuando, e em 1897 Guaita chamou em Alteville seu mais fiel companheiro, Papus, para transmitir-lhe a sucesso na Ordem Cabalstica da Rosa-Cruz, dizendo-lhe que estava tudo acabado e que o Destino no lhe permitiria dizer nada mais. "Talvez eu assista ao nascimento de meu livro (A Chave da Magia Negra), mas creio que no poderei ir mais longe." Alguns dias mais tarde, Papus sentiu que um nascimento estava prestes a ocorrer no Invisvel: viu inmeros sinais misteriosos, enchendo seu corao de tristeza, pois isso significava a morte do companheiro que tanto estimava. Trs dias depois Stanislas de Guaita estava morto, vtima de uremia. Seu esprito, galgando as alturas das regies celestes, foi atuar no mundo das almas glorificadas, na Comunho dos Iniciados.

No deixou testamento literrio ou filosfico, na opinio de seus bigrafos e amigos. Muitos acreditaram que seus ltimos desejos no foram transmitidos aos amigos de Paris. A biblioteca, que valia no mnimo 38 mil francos, foi vendida por apenas 15 mil francos Livraria Dorbon; os livros raros, com notas do punho do Adepto, foram dispersados. A famlia recusou todo tipo de oferta dos amigos pela biblioteca parisiense. Muitos manuscritos seus foram queimados, assim como diversos documentos. Sua famlia via na atividade inicitica do Mestre a causa de sua morte, esquecendo-se de que o pai fora atingido pelo mesmo mal em 1880.

O mal que ele tanto procurou combater reside na imaginao corrompida das pessoas, nos coraes endurecidos pelo orgulho e pelo dio; reside no egosmo e nos falsos valores da humanidade. A morte fsica apenas distancia o homem da matria, ptria da prova e do aperfeioamento, para coloc-lo em outro plano de conscincia. um sofrimento para todos pela saudade, principalmente para aqueles que, no estando preparados, ainda no se desvincularam dos laos da encarnao; uma recompensa para o Adepto porque alcanar a liberdade total, a desvinculao das necessidades fsicas; viver na Luz e pela Luz, contribuindo para a emancipao de seus semelhantes que ainda permaneceram para trs na escala evolutiva.

A natureza se renova com o nascimento de um novo Sol em seu seio.

Todas as almas prosternam-se diante do novo rei que toma assento no Trono da Glria.

Cumpriu-se um novo ciclo na histria da Regenerao do Gnero Humano.

Um novo sculo se abre e novos iniciados realizaro igualmente a sua obra.

E encontraro o caminho um pouco mais facilitado pelo trabalho de seus antepassados, Filhos da Luz, como foi Stanislas de Guaita.

Sociedade das Cincias AntigasNo Umbral do MistrioEsta obra resume, de forma brilhante, a evoluo do Hermetismo, desde o ciclo de Ram e o Reino do Carneiro at os Franco Juzes da Idade Mdia e as Sociedades que nasceram das cinzas dos Templrios, passando pela India, Prsia e pela Grcia legendria. A obra distingue claramente o Hermetismo do Espiritismo e das prticas de feitiaria.Stanislas de Guaita descreve os grandes Iniciados do Ocidente, mostrando a retransmisso do sacerdcio mgico e religando-os desde Alberto, o Grande, at Saint-Yves dAlveidre e Papus, passando por Louis Claude de Saint-Martin, na Revoluo Francesa, e por Fabre dOlivet. Constata, por fim, a renovao do Hermetismo da sua poca (1886), da qual ele prprio um dos principais expoentes.

A primeira edio desta obra veio luz em 1886. Logo esgotou-se, dando lugar a uma segunda edio, revista e ampliada em 1890. A reviso definitiva foi efetuada com a edio de 1895, na qual se baseia a presente traduo.

INTRODUOEst em voga indignar-se simples meno das palavras Hermetismo ou Cabala. Diante delas trocam-se olhares marcados por uma ironia benevolente, e sorrisos mordazes acentuam a expresso de desdm dos perfis. Na verdade, esses escrnios costumeiros s se propagam em todos os tempos e entre os melhores espritos por fora de um mal-entendido. A Alta Magia no constitui um compndio de divagaes mais ou menos espritas, arbitrariamente erigidas em dogma absoluto. Trata-se de uma sntese geral - hipottica, porm racional - duplamente respaldada na observao positiva e na induo por analogia. Atravs da infinita diversidade dos modos transitrios e das formas efmeras, a Cabala distingue e proclama a Unidade do Ser, remonta sua causa essencial e encontra a lei de suas harmonias no antagonismo relativamente equilibrado das foras contrrias. Chamados ao equilbrio, os poderes naturais jamais o realizam integralmente. O equilbrio absoluto seria o repouso estril e a verdadeira morte. Ora, de fato, no se pode negar a Vida, no se pode negar o movimento. Preponderncia alternada de duas foras aparentemente hostis e que, tendendo ao equilbrio, oscilam incessantemente de um lado para outro: esta a causa eficiente do Movimento e da Vida. Ao e reao! A luta dos contrrios tem a fecundidade de um estreitamento sexual - o amor tambm um combate.A Magia admite trs mundos ou esferas de atividade: o Mundo Divino, das causas; o Mundo Intelectual, dos pensamentos; o Mundo Sensvel, dos fenmenos(23). Uno em sua essncia, trplice em suas manifestaes, o Ser lgico e as coisas do alto so anlogas e proporcionais s coisas que esto embaixo tanto que uma mesma causa gera, em cada um dos trs mundos, uma pluralidade de efeitos correspondentes e rigorosamente determinveis por clculos analgicos. Eis, assim, o ponto de partida da Alta Magia, essa lgebra das idias. Todo axioma, marcado por seu nmero genrico, representado, cabalisticamente, por uma letra do alfabeto hebraico, de acordo com esse nmero. Assim, os conceitos classificam-se na medida em que geram; desenvolvem-se em cadeias interminveis, na ordem de sua filiao. Causas primeiras com os mais remotos efeitos, princpios os mais simples e claros com inmeros resultados deles derivados; que maravilhoso processo desenrolado em todos os domnios do contingente, remontando at aquele Inefvel que Herbert Spencer denomina Incognoscvel!

"De omni re scibili et quibusdam aliis..." Cincias conhecidas e cincias ocultas, a sntese hiertica abarca, de uma s vez, todos os ramos do saber universal, cuja raiz comum. em virtude de um princpio idntico que o molusco segrega ncar e o corao humano, amor. E a mesma lei rege a comunho dos sexos e a gravitao dos sis. Porm, ressuscitar a Cincia integral uma tarefa que ultrapassa nossas foras: no esmiuando os resultados por demais indiscutveis e as teorias j bastante universalizadas, cumpre-nos limitar estes Ensaios ao exame de fenmenos ainda misteriosos e ao estudo de problemas especiais que a cincia oficial ignora, despreza ou desfigura. Tentaremos, sobretudo, nesta srie de opsculos esotricos, reatar questes perturbadoras, diante das quais o ceticismo moderno se sobressalta, aos grandes princpios invariavelmente professados pelos adeptos de todos os tempos. Um dia talvez nos seja dado sublimar, em um corpo de doutrina coeso, esta alta filosofia dos mestres.

Aquilo que, aos olhos do leitor, no mais do que uma hiptese - extravagante, sem dvida - , para ns outros, um dogma incontestvel. Assim, pedimos desculpas por falarmos com a firme segurana de quem cr. Baseamo-nos notadamente na Iniciao hermtica e cabalstica. Contudo, sabemos que nos santurios da ndia, nos tempos da Prsia, da Hlade e da Etrria, bem como entre os Egpcios e os Hebreus, a mesma sntese revestiu mltiplas formas e os simbolismos aparentemente discrepantes, contraditrios, traduzem, para o Eleito, a Verdade sempre Una, na lngua fundamentalmente invarivel dos Mitos e dos Emblemas.

Desde o cisma dos gnsticos at o sculo XVIII, a vida dos adeptos apresenta-se como um constante martrio: venerveis excomungados, patriarcas do exlio, noivos da potncia e da fogueira, conservaram na provao a serenidade herica que o Ideal confere aos seus seguidores fervorosos; viveram sua agonia, pois assumiram o Dever de transmitir aos herdeiros de sua f proscrita o tesouro da cincia sagrada; escreveram seus smbolos que hoje deciframos... finda a era do fanatismo oficial e das supersties populares, mas no a era do juzo temerrio e da parvoce: se os Iniciados no so queimados, so, de qualquer forma, objeto de escrnio e de calnias. Mas eles j se resignaram injria, como seus pais, os mrtires.

Talvez se chegue a suspeitar, algum dia, de que os antigos hierofantes no eram nem charlates, nem sandeus... - Ento, Cristo, teus servidores lembrar-se-o de que os Magos se prosternaram diante de teu bero real. E assim, espargida por toda parte, a Caridade testemunhar excelsamente que adveio o teu reino: Adveniat regnum tuum!... Aguardando que soe esta hora de Justia e de Gnose, entregamos ao escrnio ruidoso da maioria, submetemos ao imperfeito juzo de alguns, estes ENSAIOS DE CINCIAS MALDITAS.

Stanislas de GuaitaNO UMBRAL DO MISTRIO

Cansado de buscar, em vo, a substncia sob o vu das formas que ela assume, e de chocar-se incessantemente contra a muralha das aparncias formais, consciente de um enorme alm, o menos mstico dos pensadores quis, certo dia, sondar os arcanos do mundo extrasensvel. Assim, subiu a montanha at o templo do mistrio, chegando a seu limiar. Ora, as geraes anteriores a ele assediaram o santurio sem jamais descobrir nele uma nica porta. Renunciando a esse sol interior que faz florir, nos vitrais, rosceas de luz, no conservaram nada alm do ofuscamento de sua miragem eterna. Os solicitadores degraus do templo terminam no granito inspito das muralhas. No fronto, acham-se gravadas duas palavras que provocam o calafrio das coisas desconhecidas: "SCIRE NEFAS".Um subterrneo cuja chave est perdida abre-se em algum ponto do vale. Costuma-se dizer que, no decorrer dos sculos, alguns raros audaciosos souberam forar o segredo do subterrneo, onde se cortam inmeras galerias entrelaadas: l jaz o inexorvel ministro de uma lei incontestvel. O antigo guardio dos mistrios, a Esfinge simblica, ergue-se sobre o umbral e prope o enigma oculto: "Treme, Filho da Terra, se tuas mos no so brancas diante do Senhor! Iod-Heve aconselha apenas aos seus. Ele prprio conduz o adepto pela mo at o tabernculo de sua glria. O temerrio profano, porm, afasta-se infalivelmente e encontra a morte nas trevas do brathro. Que aguardas? Recuar impossvel. Deves escolher teu caminho pelo labirinto. Cabe-te decifrar ou morrer..."

Acautelai-vos, para no verdes nesses smbolos temveis vs ameaas. A alta cincia no poderia ser objeto de uma curiosidade frvola. O problema sagrado, e sobre ele empalideceram muitas frontes privilegiadas. Assim, questionar a Esfinge por capricho um sacrilgio nunca impune, pois uma tal linguagem traz em si o verbo de sua prpria condenao. vossa pergunta indiscreta, o Desconhecido formula uma resposta inesperada, to perturbadora, que a obsesso permanece em vs para sempre. O vu do mistrio incitava vossa curiosidade? Ai de vs se o levantas! Ele cai imediatamente de vossas mos trmulas e o desatino se apodera daquilo que julgaste ver. No sabe quem deseja distinguir o raio divino do reflexo mil vezes refratado nos densos meios da iluso terrestre. Esse arcano ser elucidado mais tarde. O que quer que ele seja, os fantasmas da alucinao assombram o umbral do mistrio, e perguntai ao livro do doutor Brire de Boismont(24) que passo escorregadio separa a alucinao da loucura. Como veremos, trata-se de uma porta que no podemos transpor sem entrarmos em contato com certas foras das quais nos tornamos senhor ou escravo, governante ou joguete. Trata-se de poderes que a Mstica Crist simbolizou com a imagem da serpente que reduz o homem escravido, caso este no a submeta primeiro, esmagando sua cabea com os ps. Os leitores de Zanoni(25) - o belo romance de Bulwer Lytton - talvez j tenham descoberto, no "monstro inominvel" que Glyndon evoca de modo to desastroso, um mito anlogo ao da Gnese. A "coisa horrvel e velada", o "guardio do umbral", a alma fludica da terra, o gnio inconsciente do nascimento e da morte, o agente cego do Eterno Devir: a dupla corrente de luz mercurial de que logo falaremos. O autor ingls assinala com grande preciso a reversibilidade da luz astral, de que se tornam vtimas aqueles que no a souberam dirigir: Glyndon livre para fugir, para debater-se contra a obsesso, mas a influncia nefasta o acompanha e o far tropear, de fatalidade em fatalidade, at o dia da catstrofe suprema, at o dia em que Zanoni, delirando na embriaguez do sacrifcio voluntrio, condenar-se-, salvando-o.

Penetremos o sentido esotrico dessas alegorias, reservando o outro para depois. Uma coisa so os males do corao, que habitualmente sucedem emoes violentas; uma coisa a morte iminente por congesto cerebral; outra coisa so os perigos de natureza mais estranha, que mencionaremos oportunamente. A prtica imprudente do hipnotismo, a fortiori da magia cerimonial, no deixa de inspirar ao experimentador um insupervel desgosto pela vida. O prprio Eliphas(26) - adepto que foi, e de ordem superior - confessa que sentiu, depois do curioso experimento de necromancia que fez em Londres em 1854, uma profunda e melanclica atrao pela morte, ainda que sem a tentao ao suicdio. O mesmo no se passa com os ignorantes que se lanam, de corpo e alma, ao magnetismo, campo cujas leis desconhecem; ou ao espiritismo, algo que por si s constitui uma aberrao e uma loucura. "Felizes", proclama o clebre Dupotet, "aqueles que morrem de uma morte rpida, de uma morte que a Igreja reprova! Tudo o que h de generoso se mata..."(27)

A histria est repleta de exemplos de fatos como esse. Tendo anunciado profeticamente o dia de sua morte, Jrme Cardan suicidou-se (l576) para no desmentir a Astrologia. Schrppfer de Leipzig, no auge de sua glria como necromante, provocou sua morte com um tiro na cabea (1774). O esprita Lavater morreu misteriosamente (1801). Quanto ao sarcstico abade de Montfaucon de Villars, que tanto ridicularizou o conde de Gabalis(28), talvez nem se saiba a ltima palavra de seu trgico fim (1673).

Assim, sobre os entusiastas do maravilhoso e os temerrios amadores de revelaes de alm tmulo, sopra um vento de runa e de morte. Como seria fcil estender a lista necrolgica! Mas pouco importa. Inacessveis louca curiosidade, bem como rebeldes s emoes doentias, somente podem afrontar impunemente as operaes da cincia aqueles que sabem distinguir um fenmeno de uma prestidigitao e que encouraam os seus sentidos contra toda e qualquer iluso. Merece o nome de adepto aquele experimentador que tranqilamente diz a si mesmo: "Meu corao no h de bater mais depressa: a fora invisvel que desloca esses mveis com estrpito uma corrente dica submissa minha vontade. A forma humana que se condensa e se avoluma nos vapores desses perfumes nada mais do que uma coagulao fludica, reflexo colorido do sonho de meu crebro, criao aztica do verbo de minha vontade..." Quem fala assim no corre, claro, nenhum perigo; merece o nome de adepto.

Todavia, bem poucos podem reivindicar esse ttulo. Tais homens, se outrora eram raros, hoje ainda mais difcil encontr-los. Pouco inclinados, alis, a aparies pblicas, vivem e morrem ignorados. para os mais ruidosos que correm os nscios; aos mais pretenciosos que cabe a fama. Taumaturgos teatrais, doentes excntricos, a esses que a celebridade sorri e consagra: era feiticeiro Simo, ao tempo de So Pedro: no sculo passado, eram Etteilla, o cartomante, e o exttico Thot; ontem, eram Home, o mdium, e Vintras, o profeta!... Alguns outros - esses verdadeiros sbios - tambm causam furor, mas graas a certos traos equvocos ou charlatanescos de seu carter: assim, o conde de Saint-Germain e o divino Cagliostro; Pierre le Clerc, o beneditino fatdico, e o espiritualssimo quiromante Desbarrolles.

Todas as vezes que um charlato despontou cingido por uma aura de magicidade, com um cetro grotesco na mo, tudo o que tinha de odioso recaiu sobre verdadeiros adeptos. Na verdade, estes beneficiaram-se do escrnio, enquanto aqueles se beneficiaram do dinheiro. Essa, indubitavelmente, foi a causa maior das calnias que tanto sofreram - sobretudo na Idade Mdia - os discpulos de Hermes, de Zoroastro e de Salomo: os magos eram acusados das prticas criminosas, obscenas e blasfematrias que os feiticeiros e feiticeiras realizavam no sabbat. Todos os delitos desses monstros de ambos os sexos - violaes, malefcios, envenenamentos, sacrilgios foram imputados a iniciados superiores, sobre cuja vida privada pairavam as mais abominveis maledicncias; e sua doutrina reputada como uma trama de intensa inpcia e de grosseiras injrias contra o Cristo e a Virgem Maria, tornou-se espantalho das almas piedosas e objeto de escrnio das pessoas de esprito.

Deve-se confessar, alis, que o simbolismo esotrico dos livros de Hermetismo e de Cabala no deixou de acentuar o desprestgio das altas cincias entre os espritos superficiais. Para isso contribua a viso de conjunto: os complicados sinais de planetas, as letras hebraicas dos hierogramas, os caracteres rabes dos grimrios, a alta fantasia aparente dos pantculos e a bizarria mstica das parbolas, coisas extremamente diablicas no entender dos parvos e ignaros, primeira vista pueris, no entender dos espritos lgicos, e, de qualquer forma, excitantes da curiosidade de cada um. Em todos os tempos, os sbios escreveram e falaram a lngua dos mitos e das alegorias, mas a obscuridade da forma jamais se fez sentir to densa e misteriosa como na Idade Mdia, at o sculo passado; a intolerncia dos inquisidores, a constante ameaa da fogueira e o fantico desatino da populao diante da simples meno da palavra feiticeiro justificam suficientemente a precauo dos adeptos. A cincia oculta assemelha-se a esses saborosos frutos protegidos por cascas espessas e duras: agrada-nos retirar laboriosamente a casca; a polpa suculenta do fruto com certeza ressarcir o nosso sofrimento.

Foi a alquimia vilipendiada muito cruelmente e a transmutao dos metais ridicularizada vontade? No se trata, aqui, de fazer apologia ou, mesmo, uma exposio da arte espagrica. Exultamos, porm, ao transcrever, para a confuso dos parvos difamadores, a recente apreciao daquele que , talvez, o maior qumico da Frana contempornea, Berthelot, em suas Origens da Alquimia: "Reconheci no somente a filiao das idias que os (os alquimistas) levaram a almejar a transmutao dos metais, como tambm a teoria, a filosofia da natureza que lhes servira de fundamento, teoria essa fundada na hiptese da unidade da matria E, NA REALIDADE, TO PLAUSVEL QUANTO AS TEORIAS MODERNAS QUE HOJE GOZAM DO MAIOR PRESTGIO... Ora, que estranha circunstncia! As opinies a que os sbios tendem a voltar suas atenes, sobre a constituio da matria, no deixam de ser anlogas s profundas vises dos primeiros alquimistas"(29).

V-se com isso como nosso ilustre contemporneo revela as filosofias hermticas. Sua admirao talvez fosse bem maior se, plenamente iniciado no espagirismo esotrico, penetrasse o triplo sentido dessas locues especiais que seu gnio s pde adivinhar de modo imperfeito(30).

Mas a alquimia apenas uma parte mnima da cincia, ensinada nos santurios da antiguidade. No revoltante pensar que, ainda hoje, os espritos lcidos ainda no aprenderam a distinguir entre as orgias sanguinolentas do sabbat legendrio, os monstruosos priapismos da magia negra e os faustos dessa cincia tradicional dos iniciados do Oriente, sntese gigantesca e esplndida que traduz em imagens grandiosas augustas verdades apenas vislumbradas pelos pensadores de todos os tempos, e luminosas hipteses, deduzidas por analogia, que hoje a cincia, mais esclarecida e mais racional, tende a confirmar.

Qual Valmiki da Europa cantar as civilizaes tirnicas do mundo primitivo, os grandes ciclos intelectuais testemunhados pela Alta Magia? E, para celebrar dignamente esta me de todas as filosofias, quem nos dir a epopia de sua glria resplandecente sobre as naes antigas, e o recente drama do martrio de seus adeptos, perseguidos pela Igreja e alvejados pelas calnias do mundo inteiro?... Assim se apresenta para ns a alta Cincia atravs da humanidade, maldita e desprezada desde a traio dos gnsticos dissidentes; confundida, na imaginao aterrorizada das massas, com a imunda feitiaria; desacreditada pelos falsos sbios cujos sonhos fteis ela solapa, desatinando a escolstica em delrio; crivada, enfim, de antemas de um presunoso sacerdcio, desprovido de sua iniciao primitiva!... De tal forma se nos apresenta esta cincia ao longo de pelo menos quinze sculos de histria, que, mergulhando fundo no passado, hesitamos em reconhec-la, resplandecente e sagrada nos santurios do mundo antigo e, mais tarde, conferindo um puro esplendor ao cristianismo oculto dos primeiros Papas.

No que a antigidade no tivesse seus feiticeiros - e, sobretudo, feiticeiras. A magia envenenadora conquistou, com as megeras da Tesslia e da Clquida, uma lgubre celebridade. Visitantes noturnas de tumbas, vestais impuras de lugares desertos, elas misturavam, na seiva narctico-acre dos meimendros negros e das cicutas, o leite custico do titmalo e faziam digerir extratos de acnito licoctone e de mandrgora com inominveis venenos e humores obscenos. Depois, seus encantamentos saturavam essas misturas com um lquido que se tomava tanto mais mortfero quanto mais dolorosamente o seu dio, por muito tempo contido, o tivesse elaborado e projetado em uma clera mais venenosa e tcita. As cozinhas de Candia (to horrendas que, sua vista, a lua se velava, conforme se diz, com uma nuvem sangrenta) tiveram a honra de provocar o desgosto lrico de Horcio, cujos detalhes no preciso descrever aqui, presentes que esto na memria de todos os aficionados do poeta.

No menos clebre a lenda que Homero poetizou, a saber, a dos companheiros de Ulisses, enfeitiados, que se tornaram porcos submissos varinha de Circe. Todos beberam da poo e sofreram a metamorfose; isso implica um duplo smbolo: o da derrota a que so predestinadas as naturezas passivas no combate da vida e o da servido a que nos reduzem as paixes fsicas no equilibradas por uma iniciativa sempre desperta (paixo, pois, exprime um estado passivo). Todos beberam, dissemos. Ulisses, porm, recusa molhar os lbios na taa encantada e no tom calmo, prprio da fora consciente de si mesma, com o gldio em punho, num gesto de ameaa, ordena maga que quebra o sortilgio fludico. O prncipe, aqui, representa o Adepto, o mestre dos fluidos, pois que, hbil em desmontar a armadilha, sabe imprimir s ordens que d o verbo autoritrio de sua vontade. Nele, Circe reconhece o homem mais forte que todos os encantamentos e, com a cabea baixa, obedece.

Mais sanguinria e mais perversa, Media tambm deve aos poetas o lamentvel privilgio de sua ilustrao; muitos cantaram sua vida errante. Media envenena seus prximos, queima e massacra seus filhos. Refugiada em Atenas, perto do rei Egeu, que a torna me, ela d largas aos seus instintos de depravao feroz e de inveja, confiante na impunidade, at o dia em que seus crimes suscitam a indignao de toda a cidade. Plida apupada e apedrejada pelo povo, a infeliz v-se forada a fugir, com os olhos incendiados por um dio implacvel, apertando no peito o nico filho que poupara, qual um fruto duplamente sagrado pelo adultrio e pela vingana.

Pouco importa que a histria dessas duas irms de malefcio seja real ou legendria. As individualidades fabulosas so tipos de sntese moral em que se encarna o gnio mdio de uma raa ou de uma casta. A estirpe execrvel das sagas da Hlade fez desabrochar Media em uma suprema expanso de vigor. Sim, as abominaes a que se refere o povo com referncia a empusas e vampiros foram literalmente realizadas pelas feiticeiras do mundo antigo, criaturas a quem a clera pblica conferiu, alis, os nomes de estrige e de lmia.

Entretanto, deixemos esses horrores. Se na Idade Mdia monstros desse tipo foram confundidos, aqui e acol, com os verdadeiros iniciados, que estes - repito - necessariamente suspeitos de heresia, excomungados ipso facto, encurralados como cervos, viam-se obrigados a ocultar nas trevas o mistrio de sua dolorosa existncia. Desde ento, a calnia vigorou. Mas tal coisa, graas a Deus, no era possvel ao tempo em que a teurgia enchia os templos de maravilhas e em que o mago, calmo e benfazejo em seu ilimitado poder, reinava, inviolvel como um soberano, venerado como um Deus...

Meditai sobre o livro magistral de Saint-Yves d'Alveydre - A Misso dos Judeus(31). Religioso perscrutador das necrpoles do passado, perquirindo at os mnimos detalhes das raas e das religies orientais, o eminente ocultista estabeleceu, com base nas provas mais irrefutveis, uma verdade que Fabre d'Olivet(32) e, posteriormente, Eliphas Levi(33) j haviam entrevisto de forma lapidar, ou seja, o fato de a Gnese ser uma cosmogonia transcendente em que os mais profundos arcanos da santa Cabala so revelados simblica e hieroglificamente. Mas a Cabala primitiva filha do Hermetismo egpcio, cujos mitos primordiais foram hauridos pela grande fonte hindu. Saint-Yves no se detm, portanto, em Moiss. Como um navegador, explora o rio dos tempos passados. Desfraldando todas as velas, sobre o curso dos sculos at a origem do ciclo de Ram.

Eis aqui o imenso imprio arbitral do Carneiro. Seu governo "sinrquico", cuja organizao ternria conforma-se s leis da cincia e da harmonia, faz florescer sobre a Terra, durante dois mil anos, a idade de ouro celebrada por Ovdio. Dos trs conselhos encarregados da gesto dos negcios, os dois primeiros compem-se, respectivamente, de hierofantes admitidos na iniciao suprema, e de adeptos laicos. Ram conquistou um tero do mundo apenas com vistas a pacificao. Uma vez atingido esse objetivo, renuncia ao gldio, coroa e ao estandarte do Carneiro, em uma palavra, renuncia aos poderes executivo e militar, deixando-os nas mos do primeiro prncipe indiano. Assim, colocando a tiara do Soberano Pontfice universal, arvora a auriflama do Cordeiro - hierglifo do sacerdcio. Este realizador da mais vasta sntese que a mente humana pde conceber, este soberano do mais gigantesco imprio civilizado que Csar ousou cobiar em sonho, troca a coroa imperial pelo cetro do mago dos magos e pela divindade terrestre; pode-se dizer, pois, que esses hierofantes exerciam, ento, a divindade sobre o microcosmo.

Durante mais de trinta sculos, at o cisma de Irschu, a grande obra de Ram prospera em ordem e em paz. Queremos transcrever, aqui, a enumerao das metrpoles religiosas do Imprio, de acordo com Saint-Yves.

"Os santurios mais clebres deste antigo culto lmico foram, entre os indianos, os de Lanka, Ayodhia, Guzah, Methra e Dewarkash; no Ir, os de Vahr, Balk, Bamiyan; no Tibete, os do monte Boutala e de Lassa; na Tatarah, os de Astrakan, Gangawas e Baharein; na Caldia, os de Ninweh, Han e Houn; na Sria e na Arbia, os de Askala, Balbeck, Mambyce, Salem, Rama, Meca e Sanah; no Egito, os de Tebas, Mnfis e Amon; na Etipia, os de Rapta e de Meroe; na Trcia, os de Hemus, Balkan e Concayon ou Goy-Hayoun; na Grcia, os de Parnasso e de Delfos; na Etrria, o de Bolsena; em Osk-tan, antiga Ocitnia, o de Nimes; entre os iberos da Espanha, irmos dos hebreus e dos iberos do Cucaso, os de Huesca e Gades; entre os golacks (gauleses), os de Bibracte, Perigueux, Chartres, etc..."

Esse excerto pode dar uma idia do que foi o imprio de Ram. Entretanto, no nos propomos a um ensaio de histria. Os curiosos que buscarem no livro de Saint-Yves o quadro completo desta "sinarquia arbitral" sero inteiramente informados da sua organizao, suas leis e seu destino, desde sua origem at o seu apogeu, de sua decadncia at o seu desmembramento: o cisma de Irschu, o positivista, que pretende cindir a idia de Deus e que, excluindo o princpio ativo e paternal, faz subir seu incenso na direo do princpio produtor passivo; a tirania da Babilnia e de Nnive e a falsa interpretao do dualismo de Zoroastro; as distncias faranicas; a China de Fo-hi; a emigrao dos hebreus dirigida por Moiss, etc...

Seriam necessrios diversos volumes para acompanhar at nossos dias a transmisso do sacerdcio mgico - se o fizssemos sem interrupo. Sem pretender ao menos esboar uma viso global, ns nos restringiremos a alguns aspectos caractersticos.

Na medida em que avanamos na histria, vemos deslocar-se a hierarquia universal. Observamos que a unidade primitiva paulatinamente rompida por uma multiplicidade de cismas, que sobre as runas dos grandes colgios de magos - esses centros oficiais, de alta iniciao psquica e mental, que outrora espargiam luz e calor por sobre o mundo pacificado - surgem adeptos individuais. O ensinamento geral das universidades ocultas sucedido por escolas particulares de mestres independentes. Constituem exceo, no entanto, alguns santurios clebres, tais como Delfos, Mnfis, Preneste, Elusis, entre outros. O inevitvel desmoronamento destes santurios foi retardado por muito tempo, mas o nvel do ensino, materializado, decaiu pouco a pouco.

Dilacerada pela queda do Supremo Pontificado universal, a centralizao hierrquica no mais opunha ao transbordamento das paixes a sua barreira tutelar: os sacerdotes tornaram-se homens novamente. A pior das rotinas - a da inteligncia - elegeu os templos como domiclio e o esprito passa a ser substitudo pela letra. Os pontfices logo perderam at mesmo a chave tradicional dos hierglifos sagrados, para realizar-se, assim, em todo o mundo conhecido, a profecia de Thoth, o Trismegisto: "Egito, Egito! De tuas religies restaro apenas vagos relatos em que a posteridade no mais acreditar, palavras gravadas sobre a pedra, relatando tua piedade... O Divino retornar ao cu, a humanidade, abandonada, perecer por inteiro, e o Egito ser deserto e vazio de homens e de deuses!... Ela, que outrora fora a terra santa, amada pelos deuses por sua devoo a eles, ser a perverso dos santos, a escola da impiedade, o modelo de todas as violncias. E ento, cheio de desgosto pela matria, o homem no mais ter pelo mundo qualquer admirao ou amor(34)"...

Esta ser, verdadeiramente, a palavra vibrante do legendrio personagem que passa, sob o nome de Hermes Thoth, por trplice fundador da religio, da filosofia e da cincia egpcias? A crtica moderna inclina-se a contestar a autenticidade do Poimandres (Poemander), de Asclpio e da Kor Kosmu (Minerva mundi), bem como de outros fragmentos hermticos. Com efeito, no h erro quanto pessoa? Sabe-se que os hierofantes conferiam a si prprios, juntamente com a tiara, o nome de Hermes e o sobrenome de Trismegisto. Posteriormente, tais dogmas, prximos da doutrina crist, parecem denunciar a autoria de um neoplatnico... Portanto, preciso ter cuidado! Se o cristianismo apenas um modo novo da antiga ortodoxia universal, essas semelhanas justificam-se de outra forma que no pelo plgio. Alis, dificilmente poderamos ver nos filsofos alexandrinos os autores desta Tbua de Esmeralda, de um contedo inicitico magistral. Acreditamos, assim, na antiguidade dos fragmentos de Hermes. [A forma, sem dvida, pode ter sofrido alterao ou ter sido rejuvenescida pela pena dos tradutores e dos copistas, mas o essencial data de poca mais remota e no variou](35). Trata-se, ento, de um hierofante da poca urea que, mergulhando nos confins da posteridade, prediz desventuras para a terra dos faras, como Jeremias para a cidade santa dos Hebreus. Lamentamos ter de mutilar esta grandiosa pgina. Entretanto, todos podero l-la no Asclpios.

Jamais uma predio se realizou de modo to estranho. Tanto isso verdade, que, segundo "homens srios" deste sculo, os antigos egpcios adoravam a esfinge e outros animais fantsticos cujas figuras podemos encontrar sobre os restos de seus monumentos. Dia vir, sem dvida, conforme supe Eliphas, em que algum ocidentalista definir o objeto de nosso culto: um deus trplice, composto de um velho, um supliciado e um pombo. Ah! Antes os iconoclastas do que os imbecis! Quebremos todas as imagens simblicas, se que se degeneraro em dolos! De qualquer forma, os pensadores podiam contar com essa materializao do culto: prescrevendo a transmisso dos altos mistrios apenas com bom conhecimento de causa e mediante ensinamento oral, a lei mgica expunha seus adeptos negligentes possibilidade de perder a inteligncia dos mitos sagrados. " a pura justia", talvez respondesse, a essa censura, um hierofante dos velhos tempos. "Antes a cincia perecer, um dia, do que cair em mos indignas!..."

Se verdade que os santurios ortodoxos desmoronaram aps uma agonia de grande durao, algumas sociedades de adeptos laicos perpetuaram-se, ao menos, at os nossos dias. No vemos aqui, necessariamente, a franco-maonaria, cuja origem dita adonhiramita e salomnica, no fez seno homens ludibriados conscientes e encantados por assim serem. Trata-se, na realidade, de raros colgios - aquela associao dos Mahatmas, por exemplo, que nos assinala um Louis Dramard em sua brochura intitulada A Cincia e a Doutrina Esotrica(36). Apaixonados por um ascetismo pantesta, talvez errneo, mas notveis por sua sntese csmica e sua cincia espantosa de realizao, os Mahatmas sucedem-se, diz ele, desde tempos imemoriais, sobre os altiplanos do Himalaia. l que vivem no retiro e mergulhados nos estudos. A Sociedade Teosfica, muito prspera nas ndias Inglesas e em todo o imprio britnico, estendendo diversas ramificaes at Paris, reivindica esses mestres orientais, inspiradores diretos da interessante revista (O Teosofista) que foi fundada em Madras sob os seus auspcios.

Mas retomemos ao mundo antigo. Quando Moiss, sacerdote de Osris, deixou o Egito levando consigo a multido bastante miscigenada, que guiou pelo deserto at Cana, a decadncia sacerdotal, que mal se notava em Mizraim, acentuou-se entre os outros povos em que a usurpao cismtica dissolvera a autoridade arbitral. A gangrena moral invadiu sobretudo o pas de Assur, tiranizado, desde o advento de Ninus (2200 a.C.), por uma seqncia ininterrupta de dspotas conquistadores.

Alguns sculos antes, trs homens haviam despontado: entre os indianos, Chrisna (3150); na Prsia, Zoroastro (3200); na China, Fo-Hi (2950). Cabia-lhes derrubar o sanguinolento nemrodismo e reconstituir parcialmente a antiga teocracia do Carneiro. No nos interessa aqui descrever a obra de regenerao social levada a efeito no Oriente por esses trs benfeitores da humanidade. O leitor sequioso de detalhes poder recorrer ao livro de Saint-Yves, autor de cuja eminente cronologia fizemos uso e a quem exprimimos nosso reconhecimento. Observamos apenas, do ponto de vista hermtico, a aparente reforma que Zoroastro, rei da Prsia, introduziu na teologia esotrica. Aqueles que se ocupam das religies orientais conhecem o significado hieroglfico das quatro letras do divino tetragrama. Smbolo no do Ser absoluto que o homem no pode definir, mas, antes, da idia que tem dele(37), o vocbulo Iod-heve ou Jehovah (U Y U W ), que os cabalistas pronunciam letra por letra: iod, he, vau, he, analisa-se da seguinte maneira:

W Iod: o esprito masculino; princpio criador ativo; Deus em si mesmo; o Bem. Corresponde ao signo do falo, ao cetro do tar, e coluna Iakin do templo de Salomo. (Em alquimia o enxofre ? ).

U He: a substncia passiva; princpio produtor feminino; a alma universal plstica; a psque viva, a potencialidade do Mal; representados pelos cteis, pela taa de libaes do tar, e pela coluna Boaz. (Em alquimia, o mercrio ).

Y Vaf ou Vau: a unio fecunda dos dois princpios; a copulao divina; o eterno devir; representados pelo lingham, pelo caduceu e pela espada do tar. (Em alquimia, o Azoto dos Sbios \ ).

U H: a fecundidade da natureza no mundo sensvel; realizaes ltimas do pensamento encarnado nas formas; os ouros do tar. (Em alquimia, o sal). Esta ltima letra associa idia de Deus a do universo, como finalidade: tambm o tetragrama Ieve (Iod-heve), alis to admirvel, , neste sentido, de uma envergadura menos precisa que o tetragrama } LO} (Agla), cuja quarta letra, exprimindo a sntese absoluta do Ser, afirma vigorosamente a unidade em Deus.

Pois bem, para a compreenso do vulgo, Zoroastro reduziu os termos a dois: o ativo e o passivo, o bem e o mal. Suprimindo, pois, pelo menos aparentemente, o princpio equilibrante, pareceu criar o imprio do demnio. Os iniciados, sem dvida, sabiam como proceder. Assim, denominavam Mithras-Mithra o terceiro princpio, que mantm o equilbrio harmnico entre Ormuzd e Ahriman. Todavia, a partir do momento em que Zoroastro, talvez sem saber, pareceu sancionar a crena no Binrio impuro, smbolo de um eterno antagonismo, o reino de Sat foi estabelecido na imaginao do vulgo, e o inferno maniquesta que aterrorizou toda a Idade Mdia no tem outra origem seno esta.

Entretanto, longe de querer cindir Deus, reagindo contra Irschu que, no Ser, divinizara a mulher, Zoroastro masculinizou o segundo princpio. Nada de passivo, com efeito pode ser concebido nos atributos do Ser essencialmente ativo e criador. Do mesmo modo, aos olhos dos Padres da Igreja - e pelo mesmo motivo - a segunda pessoa em Deus o filho, e no a me, que a existncia do filho supe como condio. Como se v, foi inteiramente sem razo que se suspeitou de Zoroastro como preconizador de um dualismo anrquico. Todavia, aos olhos dos profanos, o mal j estava feito, e o ensinamento errneo do segundo Zoroastro em nada atenuou as suas conseqncias.

Quanto a Fo-Hi, veremos como os seus Trigramas correspondem ao pantculo macrocsmico de Salomo (a estrela de seis pontas, formada por dois tringulos entrelaados com base paralela - representativos dos mistrios do equilbrio universal).

Mas, depois deste longo parnteses, voltemos ao fundador dos Bene-Israel.

Imbudo dos princpios da ortodoxia drica e confirmado nesta doutrina pelo hierofante rabe Jethro, seu sogro, Moiss modelou o governo de seu povo pelo antigo modelo sinrquico. O conselho de Deus, ou dos sacerdotes de Israel, foi escolhido na tribo, a partir de ento sacerdotal, de Levi. E foi da assemblia dos iniciados laicos, ou conselho dos Deuses, que surgiram mais tarde nabis e profetas, para lembrar aos soberanos e pontfices o seu dever esquecido.

Contudo, o epopta-legislador eclipsou, em toda a sua vida, os membros dos conselhos por ele mesmo criados. Notvel taumaturgo - at o advento do Cristo, Israel jamais conheceu outro igual - Moiss ilustrou a sua carreira com uma multiplicidade de prodgios, que testemunham seu imprio absoluto sobre as foras fludicas e misteriosas. O prprio rei dos magos, Salomo, no realizou obras que se comparem s suas. Porm, nos livros mosaicos (Gnese, xodo, Nmeros, Deuteronmio) que vemos o mais fascinante e imortal de todos os seus milagres. Diante do Pentateuco, trplice obra-prima de poesia, cincia e sabedoria, os livros de Salomo parecem-nos plidos. Nada no Antigo Testamento consegue atingir a altura da revelao mosaica, com exceo das pginas de hermetismo pico assinaladas pelo nome de Ezequiel. Monumentos sublimes, sem dvida, de poesia oriental, o Eclesiastes e o Cntico dos Cnticos(38) - passionais em suma, embora de carter bastante diverso - parecem menos profundos e de inspirao menos luminosa.

Em Israel, como em outros lugares, o sentido esotrico das alegorias primitivas perdeu-se pouco a pouco, e os grandes sacerdotes deixaram de compreender o prprio simbolismo do culto, quando Jesus Cristo veio vivificar, reanimar o eterno dogma - que dormia sob o vu j vetusto da revelao mosaica -, dando-lhe uma roupagem nova, mais coerente com a alma mstica do mundo rejuvenescido. Achamos prudente no falar aqui dessa misso divina, pois onde a f comea talvez seja conveniente que a cincia pare, a fim de evitar tristes mal-entendidos. Assim, evitemos falar nos Evangelhos; no momento, no penetremos o seu simbolismo, e sempre que, no decorrer deste rpido esboo, nos for necessrio falar de crenas religiosas, declaremos de uma vez por todas que, nem um pouco competentes em matria de f, temos em mira os homens e os fatos apenas do ponto de vista da inteligncia e da razo humanas, e sem jamais pretender dogmatizar.

Decorridos cerca de cem anos desde a morte do Cristo, os seus ensinamentos se foram disseminando gradativamente. O sangue de seus mrtires - pela paz futura - j havia, ento, batizado as trs partes do mundo conhecido, quando os gentis, confundidos pelo progresso da f crist, decidiram opor Messias a Messias e investir altar contra altar. A caducidade dos velhos cultos necessitava imperiosamente de uma nova revelao. Simo, o taumaturgo, lutara em vo pela deificao de Helena, sua concubina, e de sua prpria pessoa. Surgiu apenas um homem que parecia suficientemente grande para ser colocado ao lado de Jesus de Nazar... Iniciado nos mistrios de todos os templos do mundo, Apolnio de Tiana semeara prodgios por onde passara, e foi de acordo com as memrias de Damis, o Assrio, um de seus fiis, que Filostrato (193) escreveu, em grego, o evangelho do mago(39). "Spiritus flat ubi vult..." Sobre o engenhoso repositrio de sbias alegorias, narradas artisticamente, no melhor estilo, o esprito vivificador no emitiu seu sopro. A multido, pois, no se dirigia ao mago Apolnio. E, dois sculos mais tarde (363), vtima de uma tentativa anloga de restaurao teocrtica, pde o imperador Juliano, em seu ltimo suspiro, erguer ao cu suas mos debilitadas, cheias de um sangue inutilmente derramado, e, adepto e sbio, clamar, antes com lassido do que com ressentimento: "Venceste, Galileu!..."

Porm, antes de tratar dos iniciados de nossa era, acossados pelas maldies mais ou menos efetivas do Cristianismo triunfante, consagremos algumas linhas Grcia antiga. Os limites do presente ensaio no comportam uma anlise da imensa epopia mstica cujas poticas lendas foram celebradas por Homero, squilo, Hesodo. Assim, ns nos restringiremos a saudar, em um personagem cuja existncia tem sido posta em dvida pelo mundo moderno, o grande iniciador das raas helnicas.

Contemporneo de Moiss, educado juntamente com ele em um santurio de Tebas, Orfeu retornou ainda jovem Hlade, onde nascera. Enquanto Moiss e os seus pisavam as areias ridas da sia, Orfeu, sacerdote-orculo do grande Zeus, revia, sob o olhar severo de Iod-Heve, o arquiplago azul e a pennsula natal, verdejante de murtas e oliveiras. sua cara ptria, assolada pela desordem, trazia ele a Cincia absoluta, haurida nas prprias fontes da Sabedoria - a eterna Cincia do Ser inefvel, designado por Osris, Zeus ou Iod-Heve.

Quando desembarcou, modulando na lira de sete cordas sua alma expansiva e sonora de apstolo e de rapsodo, a terra predestinada estremeceu toda, atenta aos seus acentos. Orfeu pregou o evangelho do Belo e converteu os povos pelo prestgio da lira santa. Assim, edificou-se uma restaurao teocrtica. A partir desse dia, o Gnio grego, revelado a si mesmo, concebeu o harmonioso Ideal que o consagra imortal entre todos.

A harmonia civilizadora. Assim, Virglio, um iniciado, mostra-nos o aedo em xtase, fazendo chorar os animais selvagens, dceis diante do magnetismo de sua voz, fazendo fremir de amor os carvalhos, que se vergam para ouvi-lo: Mulcentem tigres et agentem carmine quercus.

A harmonia criadora. Assim, a Tebas de Anfio, constituda ao som da lira, de um simbolismo anlogo. Todos esses mitos no so destitudos de profundidade. Marcam esplendorosamente o carter esttico que a magia assumiu na Grcia.

A doutrina de Pitgoras irm daquela de Orfeu, assim como as matemticas pacientes so irms da msica inspirada; analisam seus acordes e denominam as suas vibraes. No Egito, Pitgoras aprende a Cincia j decadente dos magos. Recebe, na Judia, das mos dos nabis Ezequiel e Daniel, uma iniciao parcimoniosamente sincera(40). Cabe ao seu gnio preencher, atravs da intuio, essas lacunas. De qualquer forma, seu Tetractys e sua Trade correspondem, rigorosamente, ao Tetragrama e ao Ternrio cabalsticos.

Quanto ao esoterismo de Plato, devolvido mais tarde e sutilizado pelos teurgos de Alexandria, fundir-se-, nas mos dos Gnsticos, com o cristianismo oculto, imediatamente derivado da doutrina essnia. As obras de So Clemente de Alexandria, de Orgenes, de So Denis, o Areopagita, e do bispo Sinsio testemunham irrefutavelmente este intercmbio dogmtico. Parece que, inconscientemente, os herdeiros do mundo antigo trataram, de potncia a potncia, com os fundadores do novo mundo para firmar, de comum acordo, um compromisso filosfico. Em So Joo, reencontramos a tradio secreta, mas, integral, dos velhos mestres de Israel, a tal ponto que o Apocalipse forma, juntamente com o Zohar, o Sepher Ietzirah(41) e algumas pginas de Ezequiel, o mais puro corpo doutrinrio e clavicular da Cabala propriamente dita.

Alm disso, Porfrio e Jmblico, por mais pagos que se proclamem, pregam o Cristianismo sem o saber, ao lanarem os retalhos de um vu mstico envelhecido sobre estes mesmos grandes princpios que o simbolismo cristo acaba de revestir, de modo to magnfico, com novas alegorias, mais de acordo com o gnio da era nascente.

Lastimavelmente, porm, a Igreja no soube reservar para si mesma, por muito tempo, a chave do inestimvel tesouro, confiado guarda de seus altos prelados. Tal chave garantia a unidade hierrquica nas mos do Soberano Pontfice (da em diante, indispensvel como revelador); penhor de ortodoxia infalvel nas mos dos Prncipes do sacerdcio (mesmo para, a partir da, controlar tudo, luz da sntese fundamental), tal chave - que a do Bem e do Mal - s poderia abrir, para o vulgo, o reino das trevas. A razo transcendente do dogma acha-se muito acima do nvel intelectual das massas, sendo que as mais graves heresias so verdades mal compreendidas.

Alguns iniciados na Gnose, invejando a autoridade hierrquica, resolveram fazer com que ela perdesse o tesouro da tradio oculta. A malcia desses homens empenhou-se, subrepticiamente, no sentido de levantar todos os vus. Chegou um dia em que, revelado em suas mais secretas frmulas, o dogma esotrico foi posto merc da estupidez das multides. A luz ofuscante cegou os olhos fracos. Diante da suprema sabedoria, os ignorantes julgaram-se feridos em sua parvoce e se escandalizaram. A Igreja, ento, teve que anatematizar a inscrio sublime do templo, a razo positiva e a razo real do dogma: esta Gnose santa dos adeptos que, temerariamente traduzida para a linguagem das massas, tornara-se, para a imbecilidade delas, o objeto do maior escndalo - uma mentira!

Ah! tinha toda razo o bispo Sinsio quando escreveu: "O povo sempre escarnecer das verdades simples. Ele necessita de impostores... Um esprito amigo da sabedoria e contemplador da verdade sem vus forado a disfar-la para obter a aceitao das massas... A verdade torna-se funesta aos olhos frgeis demais para sustentar o seu esplendor. Se as leis cannicas autorizarem a reserva das apreciaes e a alegoria das palavras, aceitarei a dignidade episcopal que me oferecem, mas sob a condio de me ser lcito filosofar em casa e contar, l fora, parbolas reticentes. O que pode haver em comum, na verdade, entre a multido vil e a sabedoria sublime? A verdade deve permanecer oculta. s massas s se deve dar um ensinamento proporcional sua limitada inteligncia(42)..."

Eis o que os anarquistas e tribunos jamais compreendero.

Embora o esoterismo sacerdotal tenha sido condenado sob o nome de Magia, os papas, segundo se diz, conservaram misteriosamente as suas chaves, at Leo III. Bons espritos lograram sustentar a autenticidade do Enchiridion, compilao cabalstica publicada sob o nome deste pontfice. Quanto ao Grimrio de Honrio, ocorre algo bem diferente: consta, segundo uma engenhosa pesquisa de Eliphas Levi, que esse ritual blasfematrio seria a obra ignominiosamente maquiavlica do antigo Cadalous.

Montan, Mans, Valentin, Marcos, Ario, todos os heresiarcas dos primeiros tempos apresentam-se, em maior ou menor grau, como feiticeiros. Entretanto - com exceo dos tesofos de Alexandria - foi somente Apuleio (114-190), platnico como eles, que fez jus, nessa poca, ao ttulo de adepto. Seu Asno de Ouro, em que o burlesco roa o sublime, dissimula, atravs de engenhosos emblemas, as mais altas verdades da cincia, e a fbula de Psique, contida nessa sua obra, nada deixa dever aos mais belos mitos de squilo ou de Homero. Tudo leva a crer, alis, que Apulenio se ateve a parafrasear com gosto uma alegoria de origem egpcia. Oriundo de Mandaura, na frica, Apulenio romano apenas por direito de conquista e anexao. Este fato sugere-nos que Roma, to frtil em abominveis necromantes, no deu origem a nenhum verdadeiro discpulo de Hermes. No cabe objetar com o nome de Ovdio, pois suas Metamorfoses, to graciosas a todos os gostos, testemunham um esoterismo bastante errneo, para no dizer ingnuo. Virgilio - este, um iniciado - cioso, antes de tudo, de legar Itlia uma obra-prima do gnero pico, s nas entrelinhas, e de modo eventual, evidencia o brilho de sua sabedoria.

No caso da Repblica e do Imprio de Roma, o carter perpetuamente anrquico e nemrodiano que acusaram em todas as circunstncias refuta, por si s, a hiptese de uma iniciao a nvel de governo. O nico rei genuinamente "mago" de quem se podem orgulhar os filhos da Loba foi Numa Pomplio (714-671), um Nazareno dos tempos da Etrria(43) que as naes circunvizinhas impuseram Roma nascente. Mais tarde, Juliano, o filsofo (360-363), figura tambm como adepto nos faustos do Imprio. No entanto, nascido em Constantinopla, proclamado Csar pelos Gauleses de Lutcia (360), ele tambm, por seu turno, muito menos romano. Assim, dois so os soberanos iniciados da cidade eterna: em seus primrdios, um rei, Numa Pomplio; j em seu declnio, Juliano, o Sbio, um imperador. Entre os dois, a guerra civil, a extorso e o arbtrio.

Esses gauleses que Roma chamou de brbaros so povos verdadeiramente mais livres e civilizados. Seus druidas, herdeiros diretos dos hierofantes ocitneos da teocracia do Carneiro, perpetuam-lhe a tradio e transmitem uns aos outros, regularmente, o depsito da cincia sagrada. Alguns preceitos de seu ritual so interpretados, com efeito, em um sentido antropomrfico, errneo, mas a inteligncia do dogma, ao que parece, conservou-se integralmente nas mos dos sacerdotes, distanciados, contudo, dos grandes centros de civilizao e ortodoxia. No obstante, na Glia, como em outros lugares, a feitiaria recruta suas vestais sacrlegas. A feitiaria de todos os tempos, e de todos os pases.

Sob os primeiros reis da Frana, pululam encantadores e bruxas. S se fala de necromantes que oferecem a hospitalidade de seu corpo ao diabo, de clrigos que exorcizam o diabo, de verdugos que queimam ou enforcam necromantes. especialmente em honra dos feiticeiros que Carlos Magno institui, sob o nome de Santa Vema (772), essa terrvel sociedade secreta que, sancionada novamente pelo rei Roberto (1404), aterrorizar mais de trinta geraes(44). Primeiramente na Vesteflia, mais tarde em toda a Europa Central, os tribunais de franco-juzes no tardam a multiplicar-se. Os mandados de priso se pronunciam em cavernas inacessveis onde, por caminhos tortuosos, o acusado conduzido de olhos vendados e com a cabea desnuda. No h sentena intermediria entre a morte e a absolvio, com ou sem reprimenda... Tanto camponeses como senhores temem encontrar, alguma manh, a ordem de comparecimento afixada sua porta com um golpe de punhal! E ai de quem no obedecer a citao dos franco-juzes! Mesmo sendo cardeal, prncipe de sangue ou imperador da Alemanha, ningum escaparia ao decreto de morte pronunciado revelia, e seria apanhado cedo ou tarde. O que se segue mostrar a vingana oculta vinculada aos passos do contumaz - sempre paciente, pois garantida: "O duque Frederico de Brunswick, que foi imper