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Stanley Horton - Teologia Sistemática

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ndiceLista de Colaboradores / 7 Prefcio / 9 1. Panorama Histrico / 11 Gary B. McGee 2 . Fundamentos Teolgicos / 43 James H. Railey,Jr. Benny C Aker 3. A Palavra Inspirada de Deus / 65 John R. Higgins 4. Deus nico e Verdadeiro / 125 Russell E. Joyner 5. A Santssima Trindade / 157 Kerry D, McRoberts 6. Seres Espirituais Criados / 189 Carolyn Denise Baker Frank D, Macchia 7. A Criao do Universo e da Humanidade / 223 Timothy Munyon 8. Origem, Natureza e Conseqncias do Pecado / 263 Bruce R. Marino 9. O Senhor Jesus Cristo / 301 David R. Nichols 10. A Obra Salvfica de Cristo / 335 Daniel B.Pecota 11. O Esprito Santo / 383 Mark D. McLean 12. O Esprito Santo e a Santificao / 405 Timothy P. Jenney 13. O Batismo no Esprito Santo / 431 John W. Wyckoff 14- Os Dons Espirituais / 465 David Lim 15. A Cura Divina / 501 Vernon Purdy 16. A Igreja do Novo Testamento / 535 Michael L. Dusing 17. A Misso da Igreja / 579 Byron D. Klaus 18. As ltimas Coisas / 609 Stanley M. Horton Notas / 647 Glossrio / 783 Bibliografia / 805

PrefcioDurante os primeiros sculos da histria da igreja, muitos declararam a sua f na forma de cartas, credos e confisses. Essas afirmaes teolgicas eram empregadas no culto e na defesa da f. A igreja continua a afirmar a sua f na revelao de Deus em Cristo mediante escritos e dilogos teolgicos. O presente volume provm da comunidade de f pentecostal. E obra de professores de estudos bblicos e teologia pertencentes aos seminrios das Assembleias de Deus. E uma declarao teolgica apreciada e tratada com total seriedade e sinceridade mais que comprovada. Os leitores, para quem este livro foi originalmente escrito, - so os alunos das instituies representadas pelos autores. Os pastores das Assembleias de Deus e de outras comunidades pentecostais podem contar, agora, com uma teologia que se acha em harmonia com a f que receberam, e que esto transmitindo s congregaes por eles assistidas. Os leigos tambm tiraro grande proveito dessa afirmao da f bblica. Outras igrejas e denominaes tambm ho de receber grandes benefcios, pois a maioria das verdades defendidas, nesta obra, sustentada por todos os cristos genunos. Agradeo ao Dr. G. Raymond Carlson, superintendente-geral das Assembleias de Deus (1985-93); ao Seminrio Teolgico das Assembleias de Deus; Faculdade Bblica Central; Faculdade dos Bereanos; ao Departamento de Educao de Terceiro Grau das Assembleias de Deus; Diviso das Misses Estrangeiras das Assembleias de Deus; e a tantos outros que possibilitaram este empreendimento. Agradecimentos especiais so devidos ao Dr. Edgar Lee, ao Dr. lmer Kirsch, ao Dr. Zenas Bicket e ao Rev. David Bundrick, que leram os manuscritos, oferecendo muitas sugestes teis. Agradecemos tambm, de modo especial, a Glen Ellard e sua comisso editorial pela preciosa ajuda. Nos textos bblicos citados, as palavras que os autores querem enfatizar esto escritas em itlico. Para facilitar a leitura, as palavras em hebraico, aramaico e grego so transliteradas para o portugus. Foram empregadas as seguintes abreviaturas: BDB: Novo Dicionrio Brown-Drver-Briggs Hebraco-Ingls DPCM: Dictionary o f Pentecostal and Charismatc Movements AL: Alemo Gr.: Grego Heb.: Hebraico Lat: Latim Stanley M. Hort on Editor Geral

CAPTULO UM

Panorama HistricoGary B. Mc GeeAlgum comentou, certa vez, que o Pentecostalismo um movimento procura de uma teologia, como se no estivesse ele radicado interpretao bblica e doutrina crist. As pesquisas sobre o desenvolvimento histrico e teolgico das crenas pentecostais tm revelado, contudo, uma tradio teolgica bem elaborada. O Pentecostalismo, conquanto possua muita coisa em comum com as outras denominaes evanglicas, apresenta um vvido testemunho da obra do Esprito Santo na vida e na misso da Igreja. Tendo como ponto de partida o panorama histrico do Pentecostalismo, este captulo focaliza o crescimento da teologia das Assembleias de Deus desde a sua fundao e organizao em 1914, nos EUA. Os fatores considerados, neste estudo, incluem os alvos principais, as pessoas que mais influenciaram na elaborao da doutrina, a literatura e os vrios meios empregados na preservao da teologia.

A CONTINUIDADE DOS DONS ESPIRITUAISNo decurso da histria do Cristianismo, sempre houve pessoas que buscaram "algo mais" em sua peregrinao espiritual, e que, ocasionalmente, eram levadas a indagar acerca do significado do batismo no Esprito Santo e dos dons espirituais. A erudio recente tem lanado mais luz sobre os movimentos carismticos, demonstrando que o interesse pela obra do Esprito Santo tem perdurado atravs da histria da Igreja. 1 Pelo menos dois reavivamentos no sculo XIX podem ser considerados precursores do moderno pentecostalismo. O primeiro ocorreu na Inglaterra, em torno de 1830, durante o ministrio de Edward Irving; o segundo, no extremo sul da ndia, por volta de 1860, mediante a influncia da teologia dos Irmos de Plymouth e sob a liderana do leigo indiano J. C. Aroolappen. Documentos contemporneos a respeito de ambos os movimentos incluam referncias ao falar noutras lnguas e profecia. 2 As concluses dessa pesquisa corrigem, em parte, a crena existente em alguns crculos teolgicos de que os dons espirituais cessaram na Era Apostlica. Opinio esta, alis, proposta enfaticamente por Benjamin B. Warfield em Count erfei t Miracles (1918). Warfield argumentava que a autoridade escrita e objetiva das Escrituras, que so inspiradas pelo Esprito Santo, seria inevitavelmente subvertida por aqueles que ensinassem um conceito subjetivo do mesmo Esprito. 3 Nos ltimos anos, essa perspectiva vem perdendo terreno nos crculos evanglicos. 4 Com a chegada do reavivalismo, no fim do sculo XVII e incio do sculo XVIII, na Europa e na Amrica do Norte, os pregadores calvinistas, luteranos e arminianos passaram a enfatizar o arrependimento e a piedade na vida crist. 5 Qualquer estudo do Pentecostalismo tem de se ater aos eventos desse perodo, especialmente doutrina da perfeio crist ensinada por Joo Wesley, o pai do Metodismo, e pelo seu assistente, Joo Fletcher. A publicao por Wesley de A Short Account of Ch ri stian Perfection (1760) conclama seus seguidores a buscarem uma nova dimenso espiritual. Essa segunda obra da graa, posterior converso, libertaria os crentes de sua natureza moral imperfeita, que os tem induzido ao comportamento pecaminoso.

Essa doutrina chegou Amrica do Norte, e inspirou o crescimento do Movimento da Santidade.6 A nfase voltada vida santificada, mas sem mencionar o falar noutras lnguas, registrado nas Escrituras ("derramamento do Esprito", "batismo no Esprito Santo", "lnguas de fogo"), tornou-se "marca registrada" da literatura e hindia do Movimento da Santidade. Uma das principais lderes da ala metodista do movimento, Phoebe Palmer, editou o Guide to Holiness e escreveu, entre outros livros, The Prom ise of the Father (1859). Outro escritor popular, William Arthur, escreveu Tongue ofFire (1856), um grande sucesso literrio. Aos que procuravam receber a "segunda bno" era ensinado que cada cristo precisa "esperar" (Lc 24-49) pela promessa do batismo no Esprito Santo. E, assim, seria quebrado o poder do pecado que domina a pessoa desde o seu nascimento, levando-a a viver cheia do Esprito. Alm disso, Joel profetizou que, como resultado do derramamento do Esprito de Deus, "vossos filhos e vossas filhas profetizaro" nos ltimos dias (Jl 2.28). 7 A crena numa segunda obra da graa no ficou confinada ao crculo metodista. Charles G. Finney, por exemplo, acreditava que o batismo no Esprito Santo provesse o revestimento do poder divino para se obter a perfeio crist. 8 Sua teologia, porm, no se encaixava nem na categoria wesleyana, nem na reformada. Embora a teologia da Reforma haja identificado o batismo no Esprito com a converso, alguns reavivalistas, dentro dessa tradio, aceitavam o conceito de uma segunda obra da graa para revestir os cristos do poder do alto. Entre eles se encontravam Dwight L. Moody e R, A. Torrey. Apesar desse revestimento de poder, acreditavam, a santificao mantinha-se em sua obra progressiva.9 Outro personagem-chave, um ex-presbiteriano, A. B. Simpson, fundador da Aliana Crist e Missionria, cuja forma de pensar teve grande impacto na formao doutrinria das Assembleias de Deus, enfatizava nitidamente o batismo no Esprito Santo.10 Semelhantemente, as conferncias em Keswick, na Gr-Bretanha (que tiveram incio em 1875), tambm influenciaram grandemente o Movimento da Santidade na Amrica do Norte. Os conferencistas em Keswick acreditavam que o batismo no Esprito Santo produzia uma vida de contnua vitria (a vida "mais sublime" ou "mais profunda"), caracterizada pela "plenitude do Esprito". Esta veio a ser a interpretao preferida ao conceito wesleyano, que sustentava que o batismo no Esprito produzia a perfeio crist.11 No sculo XIX, a cincia mdica avanava lentamente e pouca ajuda oferecia aos que se achavam gravemente enfermos. A f no poder miraculoso de Deus para a cura fsica era acolhida em alguns crculos. Na Alemanha do sculo XIX, os ministrios que ressaltavam a orao pelos enfermos (especialmente os de Dorothea Trudel, Johann Cristoph Blumhardt e Otto Stockmayer) chamavam a ateno dos norte-americanos. A teologia da Santidade, com sua crena na purificao instantnea do pecado ou no revestimento de poder do Esprito Santo, produziu um ambiente receptivo aos ensinos da cura imediata atravs da f.12 Para muitos cristos, o batismo no Esprito restaura plenamente o relacionamento espiritual que Ado e Eva tinham com Deus no jardim do Eden. De modo significante, a vida mais sublime em Cristo podia, tambm, inverter os efeitos fsicos da queda, capacitando os cristos a adquirir autoridade sobre as enfermidades do corpo. Os defensores da cura divina, tais como Charles C. Cullis, A. B. Simpson, A. J. Gordon, Carrie Judd Montgomery, Maria B. Woodworth-Etter e John Alexander Dowie, baseavam boa parte dessa crena em Isaas 53.4,5, bem como nas promessas neotestamentrias de cura divina. Posto que Cristo no somente perdoava os pecados, mas tambm curava as enfermidades, os que viviam pela f na promessa de Deus (Ex 15.26) j no precisavam de assistncia mdica. Caso lanassem mo desta, estariam demonstrando falta de f.

As caractersticas cada vez mais "pentecostais" do movimento da Santidade deixavam seus adeptos dispostos a considerar os dons do Esprito na vida da Igreja. Embora a maioria deles cresse que o falar noutras lnguas tivesse cessado na Igreja primitiva, os demais dons, inclusive a cura miraculosa, estavam disposio dos cristos.13 A partir da, somente a incredulidade poderia impedir fosse a Igreja do Novo Testamento restabelecida em santidade e poder. Quando, porm, o pregador wesleyano radical da Santidade, Benjamin Hardin Irwin, comeou, em 1895, a ensinar sobre as trs obras da graa, os problemas comearam a surgir. Segundo Irwin, a segunda bno iniciava a santificao, e a terceira trazia o "batismo do amor ardente" (o batismo no Esprito Santo). A maior parte do movimento da Santidade condenava essa "terceira bno", classificando-a como heresia (a qual, entre outras coisas, criava o problema das evidncias distintivas entre a segunda e a terceira bnos). No obstante, a noo que Irwin possua de uma terceira obra da graa - o revestimento do poder no servio cristo - firmou-se como alicerce do Movimento Pentecostal. 14

A TEOLOGIA PENTECOSTAL E AS MISSESEmbora os evanglicos do sculo XIX adotassem, em sua grande maioria, conceitos amilenistas ou ps-milenistas, era este que captava o esprito daqueles tempos. Escritores de todas as tendncias, desde Charles Darwin at John Henry Newman e Charles Hodge, utilizaram-se das descobertas e do progresso da cincia na formao da doutrina e da escatologia, respectivamente. Outros, porm, chegaram concluso de que a condio da raa humana haveria de piorar ainda mais at a volta iminente de Cristo. 15 O modo sombrio como os pr-milenistas avaliaram o futuro imediato gerou enormes preocupaes entre os que haviam assumido o compromisso com a evangelizao mundial. A maior parte do movimento missionrio dedicara muito tempo e energia construo de escolas, orfanatos e ambulatrios mdicos, com a finalidade de aproximar as populaes indgenas da cultura ocidental, procurando induzi-las converso. Devido a essa nfase secundria dada ao evangelismo, o nmero real de convertidos revelou ser to pequeno, que chegava a ser preocupante.16 As interpretaes pr-milenares de Daniel, Zacarias e Apocalipse; o aparecimento do movimento sionista; a corrida armamentista de 1890; e o fim do sculo que se aproximava, levaram muitos a perguntar angustiadamente como os milhes no alcanados ouviriam a mensagem do Evangelho a fim de se salvarem da destruio eterna. A soma dos ttulos de Cristo como Salvador, Batizador. (Santificador), Mdico e Rei Vindouro, descrita como o "evangelho integral" ou o "evangelho pleno", refletia o desejo de se restaurar o cristianismo do Novo Testamento nestes ltimos dias. O interesse generalizado pelo batismo e dons do Esprito Santo convenceu alguns de que Deus concederia o dom de lnguas a fim de equip-los com idiomas humanos identificveis (xenolalia) para que pudessem anunciar o Evan-, gelho noutros pases, agilizando assim a obra missionria. Em certa ocasio, o reavivamento na ACM em Topeka, Estado de Kansas, em 1889-1890, deu origem organizao da Misso Kansas-Sudo, cujos membros no demoraram a partir para o campo missionrio, na frica Ocidental. Passando pela cidade de Nova York, visitaram os escritrios de A. B. Simpson, onde ouviram as suas opinies sobre a cura divina. E, assim, tornaram-se confiantes: a vida singela na f e no poder do Esprito Santo os capacitaria a enfrentar qualquer acontecimento futuro. Leiamos este relato: "Dois dos seus princpios supremos eram a cura pela f e os dons pentecostais de lnguas; nenhum remdio devia ser tomado, e nenhum dicionrio ou gramtica consultado. O grupo foi acometido pela febre maligna; dois morreram, recusando a quinina".17 Embora a expedio terminasse em tragdia, o ideal continuou vivo.

Em 1895, o autor e lder do Movimento da Santidade, W.B. Godbey, disse que o "dom de lnguas" era "destinado a desempenhar um papel de destaque na evangelizao do mundo pago e no cumprimento proftico glorioso dos ltimos dias. Todos os missionrios nos pases pagos deviam buscar e esperar esse dom que os capacitaria a pregar fluentemente no vernculo. Eles, porm, no deveriam descurar em seus esforos".18 Esta esperana era compartilhada por muitos outros. Outro defensor desse emprego missionrio do dom de lnguas era Frank W. Sandford, fundador da Escola Bblica O Esprito Santo e Ns, em Shiloh, Estado de Maine, em 1895. Atravs dos seus esforos didticos e missionrios (publicados em Tongues ofFir), Sandford tambm esperava que o mundo fosse rapidamente evangelizado. No somente orava para receber o dom de "poder e eloquncia" para o evangelismo, como tambm induzia os outros a fazerem-no. 19 Na virada do sculo, o Movimento da Santidade passava a preocupar-se com a "reforma pentecostal da doutrina wesleyana", bem como com os quatro temas do evangelho integral. Mas quando do incio do Movimento Pentecostal, poucos anos mais tarde, a prioridade foi dada ao dom de lnguas, distinguindo-o teologicamente do Movimento da, Santidade.20 Daniel W. Kerr, o telogo mais influente nos primeiros anos das Assembleias de Deus, observou em 1922: Durante esses ltimos anos, Deus tem nos capacitado a descobrir e a recuperar a verdade maravilhosa do batismo no Esprito a exemplo do que era concedido no incio. Temos, portanto, tudo quanto os outros receberam [Lutero, Wesley, Blumhardt, Trudel e A. B. Simpson], e recebemos mais essa outra verdade. Vemos tudo quanto eles vem, mas eles no vem o que ns vemos. 21 Sem muita dificuldade, os pentecostais continuavam a ler a literatura do Movimento da Santidade, e a cantar os seus hinos prediletos, tais como "A Onda Purificadora", "Chegou o Consolador", "A Terra de Beul" e "O Poder dos Tempos Antigos". Vinho novo tinha sido derramado em odres velhos. 22 Entre os que esperavam o recebimento do poder do Esprito para evangelizar rapidamente o mundo, achava-se o pregador da Santidade, em Kansas, Charles Fox Parham e seus seguidores. Convencido pelos seus prprios estudos de Atos dos Apstolos, e influenciado por Irwin e Sandford, testemunhou Parham um reavivamento notvel na Escola Bblica Bethel, em Topeka, Kansas, em janeiro de 1901.23 A maioria dos alunos, bem como o prprio Parham, regozijaram-se por terem sido batizados no Esprito e de haverem falado noutras lnguas (xen olalia). Assim como Deus concedera a plenitude do Esprito Santo aos 120 no Dia do Pentecoste, eles tambm haviam recebido a promessa (At 2.39). E, na realidade, a "f apostlica" da Igreja do Novo Testamento foi, finalmente, restaurada de forma plena. Era lgico, portanto, que Bennett Freeman Lawrence, ao escrever a primeira histria do Movimento Pentecostal o denominasse de The Apostoli c Faith Rest ored (1916). A distintiva contribuio teolgica de Parham ao movimento acha-se na sua insistncia de que o falar noutras lnguas representa a "evidncia bblica" vital da terceira obra da graa: o batismo no Esprito Santo, claramente ilustrado nos captulos 2, 10 e 19 de Atos dos Apstolos. Em Voice Cryingin the Wildernes s (1902, 1910), Parham escreveu que, os que recebiam o batismo no Esprito San-a to, eram selados como a "noiva de Cristo" (2 Co 1.21,22; Ap 7. 21). Santificados e preparados como grupo de escol de missionrios nos tempos do fim, somente estes seriam levados por Cristo no arrebatamento (antes da Tribulao) da Igreja, depois de haverem completado a tarefa estipulada na Grande Comisso. Outros cristos teriam de enfrentar a ordlia da sobrevivncia durante os sete anos da tribulao que se seguiria. 24 Embora tal doutrina acabasse por ser relegada aos grupos marginais do Movimento Pentecostal, realmente

levantou uma questo que ainda perdura: a singularidade da obra do Esprito naqueles que falaram noutras lnguas em contraste com os que ainda no as falaram.25 Topeka contribuiu para o reavivamento (que passou a ter importncia internacional) da Rua Azusa, em Los Angeles, Califrnia (1906-1909). Seu lder principal era o afro-americano William J. Seymour.26 As notcias das "chuvas serdias" (cf. Jl 2.23) espalharam-se rapidamente por outros pases atravs do jornal de Seymour, Apost olc Faith, e mediante os esforos dos que saram das reunies da Rua Azusa s vrias partes da Amrica do Norte e ao estrangeiro. Embora tivessem ocorrido outros reavivamentos pen-tecostais importantes (Zion, 111.; Toronto; Dunn, N.C.), a complexidade e a importncia do reavivamento de Los Angeles continua a ser um desafio aos historiadores. Os temas da iminncia escatolgica e do poder evangelstico (o legado de Parham) traaram o caminho seguido pelos pentecostais americanos nos seus esforos agressivos para pregar o evangelho "at aos confins da terra" (At 1.8).27 Os pentecostais afro-americanos, por outro lado, ressaltaram a reconciliao entre as raas e o derramamento do poder sobre os tiranizados em Azusa. Reconciliao essa evidenciada pela composio inter-racial dos cultos, catalisada pelo fruto do Esprito (o legado de Seymour). 28 Embora o zelo espiritual pelo evangelismo tenha inspirado a obra missionria, os pentecostais podem tambm aprender muitas coisas da mensagem de reconcilao, um dos pontos altos do reavivamento. 29

DIVISES POR CAUSA DE DIFERENAS TEOLGICASAs diferenas teolgicas no evaporaram em meio emoo de proclamar a chegada das "chuvas serdias". O novo movimento viu-se diante de trs grandes controvrsias, nos primeiros 16 anos da sua existncia. A primeira questo que dividiu os pentecostais entre si surgiu em fins de 1906. Centralizava-se no valor teolgico da literatura narrativa (Atos e os ltimos versculos de Marcos 16) para fundamentar a doutrina do falar noutras lnguas como a "evidncia inicial" do batismo no Esprito Santo. Os que seguiam os passos de Parham consideravam as lnguas como a evidncia palpvel do batismo no Esprito Santo. Quanto s evidncias encontradas em Atos, possuem tanta autoridade quanto qualquer outro texto das Escrituras. Ou seja: as lnguas, em Atos, tm a funo de ser a evidncia do batismo no Esprito Santo; em 1 Corntios, as lnguas possuem outras funes: ajudar na vida de orao do crente (14.4,14,28), visando a edificao da congregao (14.5,27). Mas para os que examinavam Atos dos Apstolos do ponto de vista tido como paulino, o falar em lnguas em nada diferia do dom de lnguas em 1 Corntios.30 Os que acreditam serem as lnguas a evidncia inicial do batismo no Esprito, seguem o padro hermenutico de outros restauracionistas: elevam certos costumes da Igreja Primitiva condio de doutrina. Afinal, quem poderia negar ser a obra do Esprito Santo o tema central de Atos, posto que os discpulos foram enviados a pregar o Evangelho at aos confins da terra, tendo como reforo os "sinais e prodgios" (At 4.29,30)? Nesse caso e em outros, como na doutrina do lava-ps, por exemplo, os pentecostais trinitarianos apelam a um padro doutrinrio, tendo como base a literatura narrativa. Depois de 1906, os pentecostais passaram a reconhecer, cada vez mais, que, na maioria das ocorrncias do falar em lnguas, os cristos realmente estavam orando em lnguas no-identificveis e no em idiomas identificveis (glossolalia ao invs de xenolali). Embora Parham mantivesse sua opinio a respeito da finalidade das lnguas na pregao transcultural, os pentecostais chegaram finalmente concluso: as lnguas representavam a orao no Esprito, a intercesso e o louvor. 3 1 O out ro debat e girava em t orno da segunda obra da graa: a santificao. E instantnea ou progressiva? Conforme se podia prever, a linha divisria foi traada entre os pentecostais com tendncias wesleyanas (trs obras da graa) e os pentecostais com

tendncias reformadas (duas obras). No sermo "A Obra Acabada no Calvrio" (pregado em 1910 na Conveno Pentecostal da Igreja de Pedra, em Chicago, Michigan), William H. Durham, um batista que se tornara pentecostal, declarou que o problema do pecado original (hereditrio) recebera o golpe fatal quando da crucificao de Cristo. A f na eficcia desse evento continuava a frutificar espiritualmente, tendo por fundamento a justia de Cristo imputada a todo o que cr. 32 A terceira controvrsia entre os pentecostais resultou do impulso restauracionista e da forte nfase cristolgica do evangelho integral. Perguntas a respeito da natureza da Divindade surgiram nas reunies do Acampamento Pentecostal Internacional em Arroyo Seco (perto de Los Angeles). R. E. McAlistr, num sermo batismal, observou que os apstolos batizavam usando o nome de Jesus (At 2.38) ao invs da frmula trinitariana (Mt 28.19). Os que achavam ter descoberto as caractersticas que lanavam luz sobre a restaurao da Igreja do Novo Testamento, foram rebatizados em o nome de Jesus, seguindo mais um padro de Atos dos Apstolos (segundo seu modo de ver). Vrios crentes, inclusive Frank J. Ewart, continuaram o estudo do batismo nas guas. Da surgiu outro agrupamento de igrejas. 33 Esses cristos enfatizavam a "unicidade", ou unidade, da Divindade em contraste com o conceito cristo ortodoxo de um s Deus em Trs Pessoas. 34 Alm disso, os telogos da "unicidade" sustentavam: posto ser Jesus Cristo o nome redentor de Deus, mediante o seu nome que so concedidas a salvao e as demais bnos divinas. Desde o incio formaram-se dois grupos dentro do movimento da "unicidade": os que acreditam que a converso e o batismo nas guas em o nome de Jesus so seguidos por uma segunda experincia de revestimento de poder, e os que sustentam que os trs elementos de Atos 2.38 (o arrependimento, o batismo em o nome de Jesus e o recebimento do Esprito Santo (falar , noutras lnguas) convergem num s ato da graa - o novo nascimento.35 Condenando a teoria da unicidade, os fundadores das Assembleias de Deus tinham como certo que a f apostlica havia sido protegida da falsa doutrina. Nos anos que se seguiram, concentraram sua ateno na conservao das verdades do reavivamento.

DESENVOLVIMENTO DA TEOLOGIA DAS ASSEMBLEIAS DE DEUSQuando o Conclio Geral (ttulo abreviado do Conclio Geral das Assembleias de Deus) veio a existir, em Hot Springs, Estado de Arkansas, em abril de 1914, j havia entre os participantes um consenso doutrinrio, edificado nas verdades histricas da f, juntamente com os temas da santidade wesleyana e de Keswick. Diante de uma pergunta sobre as crenas desses pentecostais, E. N. Bell, membro do Executivo e primeiro presidente geral (posteriormente chamado superintendente geral), assim comeou sua resposta: Essas assembleias opem-se a toda Alta Crtica radical da Bblia, a todo o modernismo, a toda a incredulidade na igreja e a filiao a ela de pessoas no-salvas, cheias de pecado e de mundanismo. Acreditam em todas as verdades bblicas genunas sustentadas por todas as igrejas verdadeiramente evanglicas. 36 Mesmo assim, o primeiro Conclio Geral ainda no tinha sido convocado para escrever um novo credo, ou a deitar os alicerces da nova denominao. Pelo contrrio: os delegados meramente adotaram o "Prembulo e Resoluo sobre a Constituio" proposto, retratando seus interesses, e que continha o teor de vrios artigos de f importantes.37 Da mesma forma que outros pentecostais, os membros das Assembleias de Deus foram caracterizados por cinco valores implcitos: a experincia pessoal, a comunicao oral (tambm refletida nos testemunhos, revistas e livretes da igreja, na literatura da

Escola Dominical, nos panfletos e nos folhetos evangelsticos), a espontaneidade, o repdio ao mundanismo e a autoridade das Escrituras. Todos m esses valores podem ser observados nos conceitos da liderana, do modo de vida, da adorao e da literatura religiosa.38 Tais valores definem, em boa parte, a natureza incomparvel do Pentecostalismo, e explicam por que pouca nfase tem sido empregada no tratamento acadmico da teologia. Editores e escritores vm produzindo revistas, livros, opsculos, folhetos e currculos da Escola Dominical, para ajudarem no amadurecimento dos cristos. Eles tm ilustrado, tambm, a vida vitoriosa da comunidade pentecostal atravs do registro de milhares de testemunhos, oraes atendidas, curas fsicas, expulses de demnios etc. Desde o incio, o desafio de conservar a obra do Esprito tem consumido energias substanciais. Sua literatura, por esse motivo, exibe uma orientao leiga, mas orientada por autores que estudaram em faculdades e institutos bblicos.

A PRESERVAO DA DOUTRINA AT 1950Quando a questo da "unicidade" ameaou dividir o Conclio Geral na sua conveno de 1916, os lderes da igreja dispuseram-se a deixar de lado as opinies definidas em Hot Springs. E, assim, estabeleceram limites doutrinrios para proteger a integridade da igreja e o bem estar dos santos. Vrios ministros de destaque, dirigidos por Daniel W. Kerr, esboaram a Declarao das Verdades Fundamentais que contm uma longa seo sustentando o conceito ortodoxo da Trindade. A Declarao das Verdades Fundamentais no pretende ser um credo para a Igreja, nem uma base para a comunho entre os cristos, mas somente uma base de unio para o ministrio... A fraseologia, empregada numa declarao como esta, no inspirada, nem reivindica tal. Mas a verdade exposta considerada indispensvel para o ministrio do Evangelho Integral. Embora no contenha toda a verdade bblica, atende ela as nossas necessidades no tocante s doutrinas fundamentais. 39 Subsequentemente, os ministros da "unicidade" deixaram o Conclio de uma s vez. 40 Ao contrrio da explanao exaustiva da Trindade, outros temas ("Cura Divina", "Batismo no Esprito Santo") so, notavelmente sucintos, a despeito do seu carter distinto. Tal fato coaduna-se com o mpeto que est por trs de documentos desse tipo. Todas as declaraes, em forma de credo, surgem' da controvrsia, e ressaltam usualmente os ensinos especficos, assuntos de contenda. 41 A Declarao das Verdades Fundamentais, portanto, serve como arcabouo doutrinrio para o crescimento da vida e do ministrio cristos. No pretendia, originalmente, ser um esboo para uma teologia sistemtica coesiva. Haja vista que a seo intitulada "A Queda do Homem" menciona, naturalmente, que toda a raa humana caiu no pecado. Ao mesmo tempo, porm, permite ao leitor certa liberdade para determinar o significado do pecado original e a forma da sua transmisso de gerao em gerao. 42 Nos anos que se seguiram, vrias abordagens ajudaram na preservao da doutrina. Vrias razes motivaram tais esforos. Primeiro: os cristos devem progredir no viver cheio do Esprito Santo a fim de valorizar sua eficcia como testemunhas de Cristo. Quando a Comisso Executiva reconheceu o perigo das anotaes antipentecostais da Bblia de Referncias de Scofi eld, proibiu-se a sua propaganda no Pentecostal Evangel durante dois anos (1924-1926), antes que os seus membros se deixassem convencer de que os comentrios edificantes da obra pesavam mais que aqueles. 43 No de admirar que a Casa Publicadora da denominao, em Springfield, Missouri, haja produzido uma variedade considervel de livros populares com temas doutrinrios, alm de materiais para a Escola Dominical. Exemplos: The Phenom enon of

Pentecost (1931), de Donald Gee, Rivers of Living Water (sem data), de Stanley H. Frodsham, e Healing from Heaven (1926), de Lilian B. Yeomans. Alice Reynolds Flower, uma das fundadoras das Assembleias de Deus, comeou a escrever lies para a Escola Dominical nas pginas do Christian Evangel (posteriormente chamado Pentecostal Evangel) No decorrer do tempo, as valiosas oportunidades para o treinamento de obreiros, oferecidas pelas Escolas Dominicais, comearam a chamar ateno. Um livro-texto sobre os princpios da interpretao bblica surgiu, em 1938, na forma de uma traduo feita por P. C. Nelson. Intitulada Hermenutica, a obra de autoria de Eric Lund, fora publicada originalmente pela Southwestern Press, afiliada ao Instituto Bblico das Assembleias de Deus em Enid, Oklahoma. Os que no podiam frequentar institutos bblicos, estudavam o Plano da Salvao por meio do ministrio de evangelistas itinerantes, que traziam seus enormes (s vezes com 10 metros de largura) grficos dispensacionais e os dependuravam na parede, atravessando a plataforma da igreja, para que o assunto fosse devidamente explanado. O evangelista, segurando um indicador, guiava o auditrio atravs dos sete perodos dispensacionais da redeno divina, explicando as verdades bblicas desde a Era da Inocncia, no Jardim do Eden, at ao Milnio.45 Entre os que produziram tais materiais, Finis Jennings Dake era provavelmente o pentecostal mais conhecido. De fato, suas muitas publicaes, inclusive apostilas, livros e, posteriormente, Dake's Annotat ed Reference Bible (1963), vm ajudando a moldar a teologia de muitos pentecostais. 46 Relatos romanceados foram escritos por Elizabeth V. Baker entre outros autores: Chroni cles of a Faith Life (2. edio de 1926); H. A. Baker: Visions Beyond the Veil (1938); Robert W. Cummings: Geth sem ane (1944); e Alice Reynolds Flower: Love Overowing (1928). A poesia tambm foi adotada como meio de comunicao para se compartilhar as verdades espirituais. Entre os poetas mais conhecidos achavam-se Alice Reynolds Flower e John Wright Follette. Os compositores de hinos e cnticos ajudaram, como si acontecer, a transmitir as doutrinas pentecostais. Entre os muitos favoritos, as congregaes eram abenoadas pelos cnticos de Herbert Buffum, tais como "A Beleza de Cristo" e "Vou At ao Fim". 47 Os cnticos dos pentecostais affo-americanos da "unicidade" tambm fizeram-se bastante apreciados, especialmente os de Thoro Harris ("Tudo que Emociona a Minha Alma E Jesus", "Com Mais Abundncia" e "Ele Breve Vir") e do Bispo Garfield T. Haywood ("Jesus, o Filho de Deus" e "Vejo Fluir o Sangue Carmesim"). 48 Uma segunda razo que ajudou na preservao da doutrina foi o "gato" usado pelos cristos para exigirem respostas slidas diante das doutrinas errneas. Aps 1916, sempre que surgiam ameaas f, o Conclio Geral agia m com rapidez para resolver as questes e pendncias doutrinrias. Em 1917, adaptou-se o Artigo 6, da Declarao das Verdades Fundamentais, a fim de se referir s lnguas como o "sinal fsico inicial" (grifos nossos).49 Quando o problema voltou tona, em 1918, a questo hermenutica do falar noutras lnguas, como evidncia necessria do batismo no Esprito Santo, foi declarada pelo Conclio Geral como o "nosso testemunho distintivo". Nos anos que se seguiram, vrios artigos de relevncia, escritos por Kerr, foram publicados no Pentecost al Evan gel , como respostas s diversas questes doutrinrias. 50 Sem emendar a Declarao, o Conclio aprovou regulamentos internos para se lidar doutra forma com as questes problemticas. Na categoria de "Erros Escatolgicos", que aparece no Artigo VIII da Constituio e dos Regulamentos Internos, vrias doutrinas condenadas encontram-se alistadas. Haja vista a doutrina da "retribuio de todas as coisas", que teve origem fora das Assembleias de Deus. Charles Hamilton Pridgeon, conhecido ministro em Pittsburgh, Pennsylvania, props no seu livro Is Hell Et ernal; or Will God' s Plan Fail? (1918), que o inferno seria de durao limitada, visando a purificao dos pecados e que, depois disso, toda a raa humana experimentaria o amor de Deus. Pridgeon, que antes era presbiteriano, e defendia a cura divina, tornou-se pentecostal no comeo da dcada de 20, e

continuou a ensinar essa forma de universalismo. A doutrina era chamada a "reconciliao" de todas as coisas, ou simplesmente "pridgeonismo". O Conclio Geral condenou-a como heresia em 1925. Embora no se saiba quantos pentecostais aceitaram o universalismo de Pridgeon, a ameaa parecia suficientemente grave para merecer a condenao oficial. 51 Outra questo tinha a ver com a volta iminente de Cristo. Um pastor podia aceitar a doutrina do Arrebatamento aps a Tribulao? Quando Benjamim A. Baur requisitou sua carteira de pastor ao Distrito do Leste, em meados de 1930, os presbteros indeferiram o pedido, alegando que a sua doutrina diminua a iminncia da volta do Senhor. De acordo com a opinio de Baur, os cristos teriam de suportar na forma de uma traduo feita por P. C. Nelson. Intitulada, Herm enutica, a obra de autoria de Eric Lund, fora publicada originalmente pela Southwestern Press, afiliada ao Instituto Bblico das Assembleias de Deus em Enid, Oklahoma. Os que no podiam frequentar institutos bblicos, estudavam o Plano da Salvao por meio do ministrio de evangelistas itinerantes, que traziam seus enormes (s vezes com 10 metros de largura) grficos dispensacionais e os dependuravam na parede, atravessando a plataforma da igreja, para que o assunto fosse devidamente explanado. O evangelista, segurando um indicador, guiava o auditrio atravs dos sete perodos dispensacionais da redeno divina, explicando as verdades bblicas desde a Era da Inocncia, no Jardim do Eden, at ao Milnio.45 Entre os que produziram tais materiais, Finis Jennings Dake era provavelmente o pentecostal mais conhecido. De fato, suas muitas publicaes, inclusive apostilas, livros e, posteriormente, Dake's Annotat ed Reference Bble (1963), vm ajudando a moldar a teologia de muitos pentecostais. 46 Relatos romanceados foram escritos por Elizabeth V. Baker entre outros autores: Chroni cles of a Faith Life (2a. edio de 1926); H. A. Baker: Visions Beyond the Veil (1938); Robert W. Cummings: Geth sem ane (1944); e Alice Reynolds Flower: Love Overowing (1928). A poesia tambm foi adotada como meio de comunicao para se compartilhar as verdades espirituais. Entre os poetas mais conhecidos achavam-se Alice Reynolds Flower e John Wright Follette. Os compositores de hinos e cnticos ajudaram, como si acontecer, a transmitir as doutrinas pentecostais. Entre os muitos favoritos, as congregaes eram abenoadas pelos cnticos de Herbert Buffum, tais como "A Beleza de Cristo" e "Vou At ao Fim". 47 Os cnticos dos pentecostais afro-americanos da "unicidade" tambm fizeram-se bastante apreciados, especialmente os de Thoro Harris ("Tudo que Emociona a Minha Alma E Jesus", "Com Mais Abundncia" e "Ele Breve Vir") e do Bispo Garfield T. Haywood ("Jesus, o Filho de Deus" e "Vejo Fluir o Sangue Carmesim"). 48 Uma segunda razo que ajudou na preservao da doutrina foi o "gato" usado pelos cristos para exigirem respostas slidas diante das doutrinas errneas. Aps 1916, sempre que surgiam ameaas f, o Conclio Geral agia com rapidez para resolver as questes e pendncias doutrinrias. Em 1917, adaptou-se o Artigo 6, da Declarao das Verdades Fundamentais, a fim de se referir s lnguas como o "sinal f sico inicial" (grifos nossos).49 Quando o problema voltou tona, em 1918, a questo hermenutica do falar noutras lnguas, como evidncia necessria do batismo no Esprito Santo, foi declarada pelo Conclio Geral como o "nosso testemunho distintivo". Nos anos que se seguiram, vrios artigos de relevncia, escritos por Kerr, foram publicados no Pentecostal Evangel, como respostas s diversas questes doutrinrias. 50 Sem emendar a Declarao, o Conclio aprovou regulamentos internos para se lidar doutra forma com as questes problemticas. Na categoria de "Erros Escatolgicos", que aparece no Artigo VIII da Constituio e dos Regulamentos Internos, vrias doutrinas condenadas encontram-se alistadas. Haja vista a doutrina da "retribuio de todas as coisas", que teve origem fora das Assembleias de Deus. Charles Hamilton Pridgeon, conhecido ministro em Pittsburgh, Pennsylvania, props no seu livro Is Hell Eternal; or Will God's Plan Fail? (1918), que o inferno seria de durao limitada, visando a

purificao dos pecados e que, depois disso, toda a raa humana experimentaria o amor de Deus. Pridgeon, que antes era presbiteriano, e defendia a cura divina, tornou-se pentecostal no comeo da dcada de 20, e continuou a ensinar essa forma de universalismo. A doutrina era chamada a "reconciliao" de todas as coisas, ou simplesmente "pridgeonismo". O Conclio Geral condenou-a como heresia em 1925. Embora no se saiba quantos pentecostais aceitaram o universalismo de Pridgeon, a ameaa parecia suficientemente grave para merecer a condenao oficial. 51 Outra questo tinha a ver com a volta iminente de Cristo. Um pastor podia aceitar a doutrina do Arrebatamento aps a Tribulao? Quando Benjamim A. Baur requisitou sua carteira de pastor ao Distrito do Leste, em meados de 1930, os presbteros indeferiram o pedido, alegando que a sua doutrina diminua a iminncia da volta do Senhor. De acordo com a opinio de Baur, os cristos teriam de suportar a totalidade dos sete anos do perodo da Grande Tribulao, especialmente os trs anos e meio finais - o tempo da "Grande Ira" antes de Cristo voltar para buscar a sua Igreja. Embora alguns dos presbteros regionais aceitassem o Arrebatamento no meio da Tribulao, a opinio de Baur foi mantida sub judice apesar de sua volumosa defesa por escrito. O Conclio Geral, em 1937, aprovou uma proposta, notificando o problema aos fiis. Pois estes poderiam cair no indiferentismo espiritual se lhes fosse dito que a volta de Cristo no era iminente. Mesmo assim, em consonncia com os interesses dos primeiros pentecostais, no sentido de se evitar divises e dissenses por causa de pontos delicados da doutrina, o novo regulamento interno permitia que os pastores cressem num arrebatamento aps a Tribulao. Todavia, no deveriam pregar ou ensinar semelhante doutrina. No fim, Baur no recebeu sua carteira pastoral, permanecendo fora do Conclio Geral. 52 Uma terceira razo que ajudou na preservao da doutrina que os pentecostais tiveram de fazer certo esforo para manter o equilbrio entre os ensinos bblicos e a experincia religiosa. Apesar de haverem assumido um compromisso baseado no princpio da autoridade bblica, segundo a Reforma Protestante ("as Escrituras somente"), como a nica regra de f e prtica, experimentavam a tentao de elevar as revelaes pessoais e outras manifestaes msticas ao mesmo nvel. A luta refletida numa reportagem antiga no Pentecostal Evangel, que descreve as expectativas de Frank M. Boyd como um educador e instrutor, no Instituto Bblico Central (Faculdade a partir de 1965). Ele esperava que todos os alunos, ao partirem de l, estivessem mais cheios de amor e zelo do Esprito Santo do que quando haviam chegado. Segundo ensinava, quando o homem tem a Palavra sem o Esprito, frequentemente desinteressante como se estivesse seco e morto. E quando tm o Esprito sem a Palavra, h sempre a tendncia ao fanatismo. Mas quando o homem possui a Palavra e o Esprito, acha-se equipado como o deseja o Mestre. 53 O desafio para se instruir os cristos a respeito de uma vida madura no Esprito, ajuda explicar a grande prioridade atribuda s publicaes pentecostais. Manuais pormenorizados de doutrinas, no entanto, no apareceram antes das dcadas de 20 e de 30. Um dos mais popularizados: Conhecendo as Doutrinas da Bblia (1937), foi compilado das apostilas de Myer Pearlman, professor do Instituto Bblico Central. O telogo Russell P. Spittler sugere que essa obra "a jia teolgica do perodo mediano do Pentecostalismo clssico". 54 Outros livros, com contedos semelhantes, foram publicados, inclusive o de S. A. Jamieson: Colunas da Verdade (1926), as Doutrinas Bbli cas (1934) de P. C. Nelson, e a Syst emati c Theol ogy (1953), de Ernest S. Williams, em trs volumes. Embora organizada como teologia sistemtica, mais um manual de doutrina; consiste dos esboos das aulas ministradas no Instituto Bblico Central, entre 1929 e 1949. Estudos especiais sobre o Esprito Santo incluam,

Que Quer Isso Dizer/ (1947), de Carl Brumback, e O Prprio Esp rito (1949), de Ralph M. Riggs. Numa atividade correlata, Boyd preparou livros sobre a instruo doutrinria para cursos de correspondncia, e assim fundou o que agora chamado Colgio Bereano das Assembleias de Deus. Noutra frente, Alice E. Luce, missionria na ndia e posteriormente aos hispanos na Amrica do Norte, orientou o Conclio Geral na articulao da sua teologia e estratgia no tocante s misses mundiais. Ela era a primeira grande missiologista nas Assembleias de Deus. Seus trs artigos a respeito dos mtodos missionrios de Paulo, no Evangel Pent ecostal, publicados no comeo de 1921, prepararam o caminho para a aceitao, pelas Assembleias de Deus, de um compromisso detalhado com os princpios de uma igreja autctone. A deciso oficial foi comunicada em setembro daquele ano durante a reunio do Conclio Geral. Luce, formada no Cheltenham Ladies' College (na Inglaterra), tambm escreveu vrios livros, numerosos artigos em ingls e espanhol, esboos de aulas e lies para a Escola Dominical. 55

A PRESERVAO DA DOUTRINA DEPOIS DE 1950Com a chegada de uma nova gerao interessada na melhoria da qualidade de treinamento em faculdades bblicas e seculares, os professores foram encorajados a prosseguir a nos seus estudos. Foi assim que comeou uma transio paulatina dos responsveis pelos departamentos de Bblia e de teologia para instrutores com formao universitria no estudo da Bblia, da Teologia Sistemtica e da Histria Eclesistica, j devidamente equipados com conhecimentos sobre Hermenutica, Antigo e Novo Testamentos, Teologia e desenvolvimento histrico da doutrina e da prtica. 56 Embora muitos tivessem tido, desde o incio, preocupaes com a intelectualizao da f, a nova estirpe de instrutores foi um exemplo de equilbrio entre a espiritualidade pentecostal e os estudos acadmicos. Um desses professores, Stanley M. Horton, havia se formado em lnguas bblicas e Antigo Testamento, no Seminrio Teolgico Gordon-Conwell, na Faculdade de Divindades de Harvard, e no Seminrio Teolgico Batista Central.57 No decorrer dos anos, Horton comeou a demonstrar notvel influncia sobre a denominao mediante os seus ensinos, livros (O Que a Bblia Diz S obr e o Esp rito Santo [publicado pela CPAD]), artigos em revistas e jornais, e contribuies ao currculo da Escola Dominical para adultos. Com percia cada vez maior, os educadores comearam a explorar com mais profundidade as crenas distintivas das Assembleias de Deus. Muitos deles filiaram-se Sociedade para Estudos Pentecostais, entidade acadmica fundada em 1970, contribuindo com artigos para sua revista teolgica Pneum a Paracl ete (que comeou a ser editada em 1967 e, posteriormente, oficializada pela denominao), oferecendo mais uma oportunidade para o estudo erudito, embora haja sido confinada, at 1992, ao estudo da pneumatologia. Outro espao para a divulgao (mas por curto tempo) das opinies teolgicas dentro do Conclio Geral surgiu com a publicao de Agora (1977-1981), uma revista trimensal independente. Os estudos eruditos relevantes sobre a Pessoa e obra do Esprito Santo incluem: Com m entary on the First Epistl e to the Corinthians (1987), de Gordon D. Fee; The Book of Acts (1981), de Stanley M. Horton; e The Charsm atic Theology of St. Luke (1948), de Roger Stronstad (pastor das Assembleias Pentecostais do Canad). Estudos de questes especficas relacionadas com a tradio pentecostal acham-se em O Esp rito nos Ajuda a Orar. Um a Teologia Bblica da Orao (1993), de Robert L. Brandt e Zenas J. Bicket; Called and Em powered: Gl obal Mission in Pentecostal Perspecti ve (1991), de Murray Dempster, Byron D. Klaus e Douglas Peterson, editored; Initial Eviden ce: Historical and Biblical Perspectives on the Pentecostal Doctrin e of Spirit Bapti sm (1991), de Gary B. McGee, editor;

Power En counter: A Pentecostal Perspect ive (1989), de Opal L. Reddin, editor; e The Liberating Spirit: Toward an Hispanic Am eri can Social Ethic (1992), de Eldin Villafane. Mesmo assim, parte da nova linha de manuais de estudo superior, publicada por Logion Press (Casa Publicadora das Assembleias de Deus dos Estados Unidos), ainda prevalece a prioridade publicao de obras de cunho popular. O livro recm-publicado: Doutrinas Bblicas: Um a Pers pectiva Pent ecostal (CPAD, 1995), de William W. Menzies e Stanley M. Horton, representa um novo panorama de doutrinas para as aulas da Escola Dominical para adultos ou para cursos universitrios. A grande quantidade de livros das Assembleias de Deus, editados pela Casa Publicadora, ainda dedica especial ateno aos estudos bblicos, ao discipulado e ao preparo da prtica pastoral. O mesmo acontece com as publicaes da ICI University (FAETAD no Brasil) e do Colgio Bereano. Ambas as organizaes oferecem programas (com ou sem crditos vlidos para um grau universitrio) por correspondncia aos leigos, bem como aos candidatos ao ministrio eclesitico. Outras publicaes, oriundas de vrias editoras, incluem formas mais acadmicas de se estudar as doutrinas: An Introduction to Theology: A Classical Pentecostal Perspecti ve (1991), de John R. Higgins, Michael L. Dusing e Frank D. Tallman; e os dois livros, escritos em linguagem popular, de Donald Gee: A Respeito dos Don s Espi rituai s (1928, ed. rev. 1972) e Trophimus I Left Sick (1952); dois livretes intitulados Living Your Ch ristian Life Now i n the Light of Eternit y (1960), de H. B. Kelchner; Divin e Healing and the Problem of Suffering (1968), de Henry H. Ness; e The Spirit: God in Action (1974), de Anthony D. Palma. Tratados menos didticos a respeito da vida espiritual tm sido publicados, tais como Pentecost in My Soul (1989), de Edith L. Blumhofer. Semelhantemente, memrias pessoais, como Vai: Disse-m e o Esp rito (1961), de David J. du Plessis; Grace for Grace (1961), de Alice Reynolds Flower; e Although the Fig Tree Shall Not Blossom (1976), de Daena Cargnel, tm despertado interesse em virtude de sua nfase presena e orientao do Esprito Santo nos coraes dos cristos. Mais inspirao e ensino dessa natureza so fornecidos pelo semanrio Pentecost al Evangel e por Advance, uma revista mensal para pastores. Os compositores continuaram a compartilhar seus dons de adorao e instruo. Um dos mais conhecidos, Ira Stanphill, aqueceu os coraes dos fiis com cnticos como "A Manso Alm das Montanhas", "Lugar Diante da Cruz" e "Sei Quem Segura o Amanh nas Mos", oferecendo consolo e certeza da graa de Deus.58 Os compositores tm exercido uma influncia to grande desde o incio do Movimento Pentecostal que, embora a maioria dos pentecostais nunca haja aprendido o Credo dos Apstolos ou o Credo Niceno, consegue cantar de cor uma quantidade espantosa desses cnticos e corinhos, testemunho bvio de que boa parte da teologia pentecostal vem sendo transmitida oralmente. J na dcada de 1970, as Assembleias de Deus tornaram-se numa das principais denominaes dos Estados Unidos, vinculando-se a organizaes fraternais ainda maiores no estrangeiro. Os lderes eclesisticos, vendo-se diante de novos problemas, decidiram publicar declaraes de tomada de posio acerca de questes que perturbavam a igreja. Dessa maneira, continuavam a responder s questes que surgiam, mas sem acrescentar regulamentos constituio, nem emendar a Declarao das Verdades Fundamentais. A partir de 1970, com a publicao de "A Inerrncia das Escrituras" (homologada pela Conveno Nacional), mais de vinte desses informes oficiais foram promulgados. Os temas abrangem a cura divina, a criao, a meditao transcendental, o divrcio e novo casamento, a evidncia fsica e inicial do batismo no Esprito Santo, o aborto, o Reino de Deus e as mulheres no ministrio. 59 Recentemente, os membros da Comisso da Pureza Doutrinria (fundada em 1979 para o acompanhamento dos acontecimentos teolgicos) redigiram esses informes oficiais.

Obviamente, o emprego das declaraes de tomada de posio (os informes oficiais), comeou a expandir a identidade confessional das Assembleias de Deus. Apelar a tais informes, porm, foi um mtodo que no deixou de gerar algum desconforto. 60 O peso de autoridade dos informes, em contraste com o da Declarao das Verdades Fundamentais, ainda discutvel. Pelo menos um desses informes pode ser interpretado como mudana de uma doutrina original da Declarao, quando o informe menciona que "alguns tm procurado colocar a cura divina em constraste com a prtica mdica, ou de concorrncia com esta. No necessrio que seja assim. Os mdicos, com as suas percias, tm socorrido a muitas pessoas". Alm disso, os cristos no conseguem inverter os efeitos fsicos da Queda, posto que "no importa o que fizermos em favor desse corpo; independentemente de quantas vezes formos curados, se Jesus demorar, todos morreremos. 61 J na dcada de 1940, muitos evanglicos conservadores reconheceram que as concordncias teolgicas com os pentecostais sobrepujavam as diferenas, e comearam a acolher a comunho e a cooperao com eles. Quando as Assembleias de Deus filiaram-se Associao Nacional de Evanglicos (NAE), organizao fundada em 1942, passaram a ocupar posio de destaque na vida eclesistica da Amrica do Norte (essa participao foi reforada pelas tendncias de melhoria social e econmica depois da Segunda Guerra Mundial). s vezes, o relacionamento ficava tnue, por causa das suspeitas que ainda perduravam quanto pneumatologia das Assembleias de Deus, e quanto natureza geralmente arminiana de sua teologia. Nem por isso o impacto do evangelicalismo sobre a teologia pentecostal deixou de ser considervel. 62 Depois da eleio de Thomas F. Zimmerman para presidente da NAE (1960-1962), o Conclio Geral, em 1961, fez algumas modificaes na Declarao das Verdades Fundamentais. A reviso mais significava foi feita na seo "As Escrituras Inspiradas". A verso de 1916 dizia: "A Bblia a palavra inspirada de Deus, a revelao de Deus ao homem, a regra infalvel da f e da conduta, e superior conscincia a e razo, mas no contrria a esta". O texto revisado aproximou-se mais do texto dos evanglicos na NAE: "As Escrituras, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento, so verbalmente inspiradas por Deus, e so a revelao de Deus ao homem, a regra infalvel e autorizada de f e conduta". Os membros das Assembleias de Deus, desde a fundao do Conclio Geral, crem na inspirao e na inerrncia das Escrituras. Mas ainda no se sabe precisar se os pentecostais contriburam para o entendimento de que a inspirao das Escrituras dada pelo "sopro por Deus" (gr. theopneustos). 6 3 Muitos telogos, dentro e fora da NAE, levantaram objees ao modo wesleyano e keswickiano de entender a obra da graa, recebida aps a converso - o alicerce teolgico no qual os pentecostais clssicos tm edificado a sua doutrina do batismo no Esprito Santo.64 Como resposta, dois estudiosos carismticos publicaram importantes contribuies doutrina pentecostal clssica do batismo no Esprito: Howard Ervin (batista norte-americano): Conversion-Ini tiati on and the Baptism in the H ol y Spirit (1984) e J. Rodman Williams (presbiteriano), Renewal Theology, especialmente o volume 2 (1990). Estudos importantes tambm foram realizados por telogos das Assembleias de Deus. 65 Os estudiosos evanglicos influenciaram substancialmente o ponto de vista pentecostal no tocante aos aspectos presente e futuro do Reino de Deus, conceito esse que havia recebido mera aluso na Declarao das Verdades Fundamentais. Durante muitos anos, o ensino das Assembleias de Deus a respeito dos eventos futuros havia tido forte orientao dispensacionalista (compartilhava da crena nas sete dispensaes, no Arrebatamento antes da Tribulao e na interpretao pr-milenista das Escrituras, mas deixava de lado uma doutrina-chave do dispensacionalismo: a separao entre a Igreja e Israel). Essa doutrina foi popularizada e reforada pelos escritos de Riggs, Boyd, Dake,

Brumback, John G. Hall e T. J. Jones. As referncias no Novo Testamento ao "Reino de Deus" (definido resumidamente como o senhorio ou governo de Deus) como realidade presente nos coraes dos redimidos, passaram quase que desapercebidas, ao passo que seu futuro aparecimento milenar recebe considerao extensiva.66 Segundo o dispensacionalismo histrico, a promessa do reino restaurado de Davi havia sido adiado at ao Milnio, porque os judeus tinham rejeitado a oferta que Jesus lhes fizera do reino. A rejeio levou ao adiamento do cumprimento da profecia de Joel, da restaurao de Israel e do derramamento do Esprito, para depois da segunda vinda de Jesus. Os eventos registrados em Atos 2, portanto, representavam apenas uma bno inicial de poder para a Igreja Primitiva. Israel e a Igreja eram, logicamente, mantidos separados; da surgiu a postura anti-pentecostal subjacente desse sistema da interpretao das Escrituras.67 Para os pentecostais, porm, a profecia de Joel tinha sido cumprida no Dia de Pentecostes, conforme indica a declarao de Pedro: "Isto o que foi dito..." (At 2.16). Infelizmente, a complacncia dos pentecostais diante do dispensacionalismo impediu a busca das implicaes de algumas das referncias ao reino (presente) e das reivindicaes ao poder apostlico nos ltimos dias (ver Mt 9.35; 24.14; At 8.12; 1 Co 4.20, entre outros). Certos telogos, notavelmente, Ernest S. Williams e Stanley M. Horton, fizeram uma ntida identificao entre o reino de Deus e a Igreja ("o Israel espiritual"), reconhecendo a conexo de suas crenas com a atividade contempornea do Esprito Santo na Igreja. 68 Depois da Segunda Guerra Mundial, os evanglicos voltaram ateno para o estudo das implicaes teolgicas e missiolgicas do Reino de Deus, sendo que esse interesse, por parte dos pentecostais, chegou a formar um paralelo com o dos evanglicos. O conhecido missilogo das Assembleias de Deus, Melvin L. Hodges, reconhecia a importncia do reino para a compreenso de uma teologia neotestamentria de misses. Discursando no Congresso da Misso Mundial da Igreja, em Wheaton College, em abril de 1966, declarou que a Igreja "a manifestao presente do Reino de Deus na terra, ou no mnimo, a agncia que prepara o caminho para a manifestao futura do reino. Sua misso, portanto, a expanso da Igreja pelo mundo inteiro... E o Esprito Santo que vivifica a Igreja e lhe concede dons, ministrios e poder para a realizao da sua obra". 69 Embora Hodges no entrasse em muitos pormenores, j era uma indicativa do surgimento de uma importante tendncia. A conexo entre os "sinais e prodgios" e o reino que avanava (as manifestaes do poder do Esprito, associadas com a pregao do Evangelho) aguardava maiores esclarecimentos. Uns vinte anos mais tarde, a missionria aposentada Ruth A. Breusch, definiu as implicaes para o ministrio pentecostal em Mou ntain Movers, a revista de misses estrangeiras das Assembleias de Deus (demonstrando, mais uma vez, a prioridade de discipular os membros da igreja). Numa srie de dez artigos, sob o tema "O Reino, o Poder e a Glria", Breusch, formada pelo Hartford Seminay Foundation, apresentou uma cuidadosa interpretao neotestamentria, demonstrando familiaridade com a literatura missiolgica. Definiu o reino como o domnio de Deus que abrange "a Igreja como centro das bnos de Deus, que abarca todo o seu povo. A Igreja consiste daqueles que foram resgatados do reino das trevas e transportados para o reino do Filho de Deus". Logo, "essa Igreja o Novo Israel, o povo de Deus segundo a nova aliana. 'Nova' porque os cristos gentios agora esto includos". A Igreja o meio escolhido por Deus para a expanso do seu reino em toda terra. Para Breusch, a vinda do Esprito reflete sua natureza redentora, revestindo a Igreja de poder para a evangelizao do mundo. 70 Essa ateno dedicada ao estudo do conceito bblico do Reino de Deus, contribuiu para uma melhor compreenso dos ensinos ticos dos Evangelhos, da natureza e misso da Igreja, da relevncia dos sinais e prodgios no evangelismo e do papel do cristo na sociedade.

Outros escritores, num mbito mais acadmico, celebraram a importncia do Reino de Deus no estudo das Escrituras. Peter Kuzmic, por exemplo, observou: Os pentecostais e os carismticos esto convictos... de que "o Reino de Deus no consiste em palavras, mas em virtude [poder]" (1 Co 4.20), e esperam que a pregao da Palavra de Deus seja acompanhada pelos atos poderosos do Esprito Santo... Para os seguidores de Jesus que acreditam no "evangelho pleno/integral", a comisso para pregar as boas-novas do Reino de Deus est vinculada ao poder do Esprito Santo que nos capacita a vencer as foras do mal... ... Numa poca de racionalismo, de liberalismo teolgico, de pluralismo religioso, os pentecostais e os carismticos acreditam que a ao sobrenatural do Esprito Santo corrobora o testemunho cristo. Da mesma forma que nos dias dos apstolos, o Esprito Santo a prpria vida da Igreja e da sua misso, e no substitui Cristo, o Senhor, mas o exalta. Essa a misso primria do Esprito, e a forma de o Reino de Deus se tornar realidade na comunidade crist. Cristo reina onde o Esprito opera!71 Alm disso, Kuzmic e Murray W. Dempster, entre outros, lidam de modo franco e aberto com as implicaes do Reino para a tica social crist. 72 Recentemente, alguns pentecostais e carismticos defenderam vrias formas da teologia do "Reino Agora", que, em alguns casos, tm representado um afastamento do conceito do Arrebatamento antes da Tribulao e/ou da interpretao pr-milenista da Bblia. Focalizando a sociedade crist da atualidade, e desconsiderando ou minimizando a nfase sobre o arrebatamento da Igreja (mas no necessariamente a segunda Vinda de Cristo), esse ensino tem gerado graves controvrsias. 73 O simples fato do surgimento dessas perspectivas demonstra que os pentecostais esto preocupados em descobrir suas responsabilidades como cristos na sociedade. Hoje, abundam as referncias ao Reino de Deus nas publicaes das Assembleias de Deus. O valor para o estudo contnuo das doutrinas mais queridas talvez seja profundo e de amplo alcance, conservando diante da memria dos pentecostais as riquezas da Palavra de Deus. O Pentecostalismo surgiu do Movimento da Santidade do sculo XIX. A formulao do evangelho integral, o zelo pela evangelizao do mundo nos ltimos dias e a orao intensiva pelo derramamento do Esprito Santo precipitaram os reavivamentos em Topeka, Los Angeles, e os muitos que se seguiram. Os movimentos pentecostais e carismticos, neste sculo, indicam que algo de significncia incomum ocorreu na histria da Igreja: Deus derramou, em todos os lugares, o Esprito Santo sobre os cristos que buscam ter uma vida cheia do Esprito, caracterizada pela santidade e pelo poder espiritual. O revestimento divino de poder, concedido pelo batismo no Esprito, outorga a compreenso da sua atividade no mundo, maior sensibilidade diante da sua orientao, uma nova dimenso de orao e poder espiritual para realizar as tarefas missionrias. Quando os pentecostais independentes organizaram o Conclio Geral, em 1914, fizeram-no com o propsito de ganhar o mundo para Cristo. A urgncia e os problemas daqueles tempos exigiam a cooperao entre os batizados no Esprito. Os lderes eclesisticos reconheceram a importncia do estudo da Bblia e da doutrina para proteger as congregaes da heresia, mas, de modo mais significante, para equipar os cristos "para a obra do ministrio" (Ef 4.12). O desenvolvimento doutrinrio na denominao assumiu vrias formas: o Prembulo, a Declarao das Verdades Fundamentais, o regulamento interno, os informes de tomada de posio, artigos e editoriais nas revistas, folhetos, livros, currculos da Escola Dominical, cnticos e poesias. Os professores da Escola Dominical, os dirigentes do

louvor, os pastores, os lderes denominacionais - todos so chamados para proclamar as boas-novas da salvao, para compartilhar a compaixo de Jesus Cristo e para discipular os convertidos. A demora na volta do Senhor e o contexto cultural em mudana, oferecem cada vez mais desafios f, e por isso, as questes teolgicas merecem, cada vez mais, ateno e respostas convincentes. Da mesma forma, a crescente identificao com o evangelicalismo tem levado a reflexes cada vez mais profundas sobre a qualidade distintiva das crenas pentecostais. Desde a Segunda Guerra Mundial, o interesse evanglico pelo ensino bblico sobre o Reino de Deus, enriqueceu o estudo das doutrinas dentro das Assembleias de Deus. O cenrio contemporneo conclama a Igreja a reexaminar a sua fidelidade a Deus e a sua misso no mundo. O estudo srio das Escrituras, em esprito de orao, da teologia, da missiologia e da histria eclesistica, portanto, constitui-se num dom importante do Cristo ressurreto sua Igreja.

O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO TEOLGICO PENTECOSTAL NO BRASILO movimento pentecostal no Brasil teve incio em 1911 atravs dos missionrios suecos Daniel Berg e Gunnar Vingren, alcanados pelo avivamento que varreu os Estados Unidos no comeo do sculo. Ele deu origem a Assembleia de Deus, que, em suas primeiras dcadas de existncia, no teve o ensino teolgico formal como a sua prioridade bsica. Sendo um movimento essencialmente apostlico, concentrou todos os seus recursos na evangelizao de um pas cujo territrio vrias vezes maior que a Europa Ocidental. Mas isto no significa que a Assembleia de Deus brasileira haja descurado do estudo das doutrinas crists. Gunnar Vingren era um pastor com formao teolgica, e muito se preocupou em instruir os primeiros crentes, com nfase para as doutrinas pentecostais. Logo na primeira pgina do primeiro nmero da Voz da Verdade, o primeiro jornal editado pela Assembleia de Deus, aparece o artigo intitulado "Jesus quem batiza no Esprito Santo". A imprensa pentecostal mostra, dessa maneira, que o seu principal intento no propriamente a notcia, e sim a divulgao doutrinria. Em 1919 surge a Boa Sem ente. Em 1929, o Som Alegre. J no primeiro nmero deste peridico, Gunnar Vingren mais uma vez deixava bem clara a preocupao do movimento pentecostal com o ensino teolgico: "Em o Som Alegre anunciaremos as promessas gloriosas includas no Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, ou seja, a salvao completa e perfeita de todos os pecadores e tudo o que pertence nova vida do cristo: o batismo no Esprito Santo, os dons espirituais, e a prxima e gloriosa vinda do Senhor". Nota-se a que, alm da nfase nas doutrinas pentecostais, principalmente o batismo com o Esprito Santo e as lnguas estranhas como sua evidncia inicial, outra caracterstica predominante do movimento pentecostal no Brasil foi a crena na vinda do Senhor como algo prestes a acontecer, o que implicava tambm na busca da santidade. Esta era um alvo daqueles que ansiavam subir ao encontro do Senhor. A mesma linha doutrinria seria adotada pelo Mensagei ro da Paz que, fundado em 1930, viria a substituir os peridicos anteriores. Nessa poca, a Assembleia de Deus j era a principal denominao evanglica do Brasil. E apesar de a grande maioria de seus obreiros ser composta de homens leigos e quase sem instruo, ela podia contar com o Men sa geiro da Paz que, a rigor, no era apenas o evangelista silencioso, mas o professor silencioso e domiciliar que chegava onde nenhum seminrio poderia ser instalado. Embora informal, o Mensagei ro da Paz vem proporcionando aos seus leitores, desde a sua fundao, uma ampla gama de estudos bblicos, devocionais e notas homilticas. Ele tem sido o instituto bblico distncia de vrias geraes de pentecostais.

Outro fator de progresso do ensino teolgico no meio pentecostal brasileiro foram as escolas bblicas dominicais. Realizadas com o apoio de literatura fornecida pela CPAD, constituiu-se no principal instrumento de divulgao entre os crentes das doutrinas que caracterizam o movimento, ensejando-lhes a oportunidade de apregoar com segurana a sua f. Ressalte-se, ainda, a importncia da literatura na consolidao da teologia pentecostal. Alm das lies bblicas para a Escola Dominical, no s os obreiros mas os crentes em geral puderam contar com o concurso de boas obras para consolidar as suas razes. Dois grandes nomes foram os pioneiros da literatura pentecostal no Brasil: Orlando Boyer e Emlio Conde, este considerado o apstolo da imprensa evanglica no pas. No entanto, o que mais influenciou a formao teolgica dos obreiros pentecostais no Brasil foi a criao das escolas bblicas para a divulgao do ensino teolgico. Conquanto no se tenha uma data precisa de quando elas tiveram incio, pode-se dizer que as escolas bblicas desempenharam papel decisivo na estruturao teolgica do movimento pentecostal no Brasil. Duravam geralmente de 15 dias a um ms e contavam com professores especialmente convidados a ministrar matrias bblicas, teolgicas ou eclesisticas, segundo o currculo mnimo estabelecido. Via de regra, concedia-se aos alunos um certificado de concluso do curso. Foram expoentes dessa poca, como sistematizadores das doutrinas esposadas pelo movimento pentecostal, Samuel Nystrm, J. P. Kolenda, Eurico Bergstn, Lawrence Olson, Joo de Oliveira, Jos Menezes e mais recentemente, Alcebades Pereira Vasconcelos e Estevam ngelo de Souza. O passo seguinte foi o estabelecimento do ensino teolgico formal, que encontrou, inicialmente, algumas resistncias. Havia a preocupao de que os estudantes priorizassem o academicismo teolgico em detrimento da ao do Esprito Santo em suas vidas. Todavia, isto no impediu que em 23 de maro de 1959 fosse fundado em Pindamonhangaba, no interior de So Paulo, o Instituto Bblico das Assembleias de Deus. Tendo como fundadores o casal de missionrios Joo Kolenda Lemos e Ruth Dris Lemos, o IBAD foi o responsvel pela formao teolgica e cultural de muitas lideranas expressivas do Brasil e at de obreiros de outros pases. Em 1962, o missionrio Lawrence Olson estabelece no Rio de Janeiro o Instituto Bblico Pentecostal. E, semelhana do IBAD, em So Paulo, o IBP marcou toda uma gerao de evangelistas, pastores, missionrios e professores. Desponta, nessa poca, outro expoente do pensamento teolgico pentecostal brasileiro: pastor Antonio Gilberto, editor da Bblia de Estudo Pentecostal em portugus. Paralelamente, comearam a surgir outras vertentes do movimento pentecostal no Brasil, "incentivadas pelas cruzadas nacionais de evangelizao que percorreram o pas usando tendas como templos improvisados". Esta expanso alcanou tambm as denominaes tradicionais, e foi marcada pela nfase na contemporaneidade dos dons espirituais, principalmente da cura divina. Considerado o pai da renovao pentecostal entre as igrejas tradicionais, Enas Tognini muito contribuiu para a sistematizao teolgica nesta nova fase do pentecostalismo, seguindo basicamente as linhas histricas do movimento. E a partir desse momento que duas grandes vertentes teolgicas passam a predominar no movimento pentecostal brasileiro: os histricos, que creem nas lnguas estranhas como evidncia inicial do batismo no Esprito Santo, e os neopentecostais, que creem no batismo no Esprito Santo sem que, necessariamente, as lnguas estranhas sejam a evidncia inicial, assunto que ser discutido com todos os seus desdobramentos no captulo que trata sobre o batismo no Esprito Santo. Como se v, os pentecostais brasileiros, ainda que empiricamente, sempre se preocuparam com o ensino teolgico. Hoje, com milhes de membros em todo o pas, conta com institutos bblicos, seminrios e faculdades teolgicas devidamente estabelecidos em todas as regies. Eles passam a desfrutar agora do inestimvel concurso

desta teologia sistemtica que, atravs do prisma do Movimento Pentecostal, apresenta as grandes doutrinas bblicas.

PERGUNTAS PARA ESTUDO 1. Por que qualquer estudo do Pentecostalismo moderno deve incluir as opinies de Joo Wesley a respeito da santificao? 2. No que acreditavam o movimento de Keswick e os reavivalistas reformados, tais como Dwight L. Moody e Reuben A. Torry, a respeito do batismo no Esprito Santo? 3. Por que a crena na cura divina foi to calorosamente recebida no Movimento da Santidade? 4. Por que o zelo pela evangelizao do mundo desempenhou papel to importante no surgimento do movimento pentecostal? 5. Quais as formas, segundo acreditavam os primeiros pentecostais, pela quais a Igreja do Novo Testamento estava sendo restaurada? 6. Quais os legados de Charles F. Parham e de William J. Seymour? Como afetaram o movimento pentecostal? 7. Analise as trs primeiras questes que dividiram o movimento pentecostal. 8. Por que as Assembleias de Deus deram grande prioridade publicao de livros em nvel popular? 9. Depois da aprovao da Declarao das Verdades Fundamentais, em 1916, como o Conclio Geral lidava com ensinos duvidosos? 10. Qual o argumento subjacente contra o Pentecostalismo dentro do dispensacionalismo histrico? 11. Como a crescente identificao com o evangelicalismo tem influenciado a teologia das Assembleias de Deus? 12. Qual a contribuio que o estudo da teologia prestou s Assembleias de Deus, nesta altura da sua histria? 13. Quem trouxe o Movimento Pentecostal para o Brasil? 14. Qual a principal preocupao da imprensa pentecostal? 15. Qual a importncia das Escolas Bblicas no desenvolvimento da teologia pentecostal? 16. Quais as duas principais vertentes do Pentecostalismo no Brasil?

CAPTULO DOIS

Fundamentos TeolgicosJames H. Railey, Jr. Benny C. AkerA boa teologia escrita por aqueles que tomam o devido cuidado em deixar que suas perspectivas sejam moldadas pela revelao bblica. Por isso, em toda esta obra, conservaremos, como princpios bsicos, as seguintes asseveraes bblicas: Deus existe, Ele se revelou e tem deixado esta revelao disposio da raa humana. 1 Na Bblia, vemos Deus agindo na vida e na histria da humanidade a fim de levar a efeito o seu grande plano de redeno. Noutras palavras, a Bblia apresenta as suas verdades em meio aos acontecimentos histricos ao invs de apresentar-nos uma lista sistematizada de suas doutrinas. Todavia, carecemos sistematizar tais ensinos para que possamos compreend-los melhor e aplic-los nossa vida. 2 Por outro lado, a sistematizao deve ser levada a efeito com muito cuidado, prestando-se especial ateno tanto ao contexto quanto ao contedo da doutrina bblica usada em sua elaborao. A grande tentao de muitos telogos selecionar somente os textos que se acham de acordo com os seus pontos de vista, e rejeitar os que se mostram contrrios. Outra tentao: usar o texto sem considerar o seu contexto. A Bblia tem de ter a liberdade de falar com clareza sem ser influenciada pelos preconceitos e falsos conceitos do intrprete. Outra asseverao bblica que orienta o desenvolvimento deste livro que o Esprito Santo, que inspirou a escrita da Bblia, tambm orienta a mente e o corao do cristo, hoje (Jo 16.13). A obra do Esprito Santo, ao ajudar o leitor a entender a Bblia, no deve ser temida como se fosse lev-lo a interpretaes estranhas e desconhecidas. Na verdade, guiando-nos em toda a verdade, o Esprito Santo esparje luz sobre, ou elucida, o que j conhecido. Alm disso, "no pode haver nenhuma diferena bsica entre a verdade que a comunidade crist conhece atravs do Esprito Santo que nela habita, e a que exposta nas Escrituras".3 Os pentecostais possuem uma rica herana no mbito da experincia, demonstrando convices fervorosas no tocante sua f. Todavia, no tm se mostrado igualmente dispostos a registrar, por escrito, as explicaes a respeito de suas experincias com as verdades da Bblia. Agora, porm, h uma literatura, cada vez mais notria, que, tendo-se em conta a perspectiva pentecostal, leva adiante o esforo de se expandir o entendimento entre os vrios grupos dentro da igreja. Confiamos que este livro h de fornecer adicional corroborao aos temas to indispensveis experincia dos fiis. Reconhecemos tambm que somente a Bblia, por ser a Palavra de Deus, tem a resposta definitiva. Todas as palavras meramente humanas so, na melhor das hipteses, meros ensaios, e s so verdadeiras medida que se harmonizam com a revelao da Bblia. No nos consideramos superiores em virtude de nossas experincias. Pelo contrrio: somos companheiros que, ao longo da viagem, desejam compartilhar o que tm aprendido a respeito de Deus e de suas diversas maneiras de lidar conosco. Convidamos nossos leitores a acompanhar-nos para, juntos, aprendermos sobre as riquezas de nosso Senhor.

A NATUREZA DA TEOLOGIA SISTEMTICAO CONCEITO DE RELIGIO

Deve-se comear a pensar em teologia sistemtica a partir da compreenso que se tem do conceito de religio. Embora esta possa ser definida de vrias maneiras, uma das definies mais adequadas que religio a busca de valores e verdades supremos e definitivos. Os seres humanos, de modo geral, reconhecem que existe algo, ou algum, alm de si mesmos. E que, um dia, sero chamados a prestar contas diante desse algum. O reconhecimento de que a raa humana no est sozinha no Universo, e que depende, em ltima instncia, do valor supremo que existe alm de ns, o ponto inicial para a religio. A religio tem assumido muitas formas e expresses no decurso da histria da humanidade desde a especulao filosfica at criao de deuses na forma de objetos materiais (Rm 1.21-23). O anseio ardente pela derradeira realidade tem levado a prticas religiosas que vo do debate intelectual ao sacrifcio cruento de crianas. O anseio do ser humano, quer individual quer coletivo, no deve ser desconsiderado nem tido de forma negativa. Agostinho (354-430 d.C.) confessou: "Criastes-nos para vs. E o nosso corao estar inquieto at que haja repousado em vs". 4 Isto : o anseio pela realidade ltima o dom de Deus dentro das pessoas; leva-as a abrir o corao revelao divina. Ele o Ser Supremo que dar a soluo e a satisfao integrais ao corao que o busca. A religio, como a busca do homem por Deus, porm, no consegue fornecer nenhum objeto ou pessoa de derradeiro e supremo valor. Na melhor das hipteses, a busca termina com alguma deidade inferior, ou com alguma explicao insatisfatria da existncia. E esta, sendo mera criao da mente humana, no basta para elucidar todas as complexidades da existncia humana. Neste sentido, a religio acaba por frustrar-se. Essa frustrao, entretanto, no o fim da histria, uma vez que as pessoas comeam a ter um senso de futilidade - o solo frtil onde germina e cresce o acolhimento da revelao divina. H. Orton Wiley, telogo da Igreja Nazareno, nota que "a religio fornece a conscincia bsica do homem, sem a qual a natureza humana no possuiria a capacidade de acolher a revelao de Deus".5 Isto : o prprio fato de as pessoas estarem procurando algo proporciona-lhes a oportunidade de lhes apresentarmos as boas-novas. Em Jesus Cristo, podero achar o que esto buscando. Ele no somente traz a salvao, como tambm revela a majestade e a imensidade de Deus; satisfaz-nos plenamente a busca pela realidade ltima. Mais importante que isso: o homem descobre que o prprio Deus tem estado o tempo todo procura de sua criatura que se desgarrara no den! TIPOS DE AUTORIDADE RELIGIOSA Quando a religio aceita a revelao de Deus em Cristo, a questo da autoridade assume posio de destaque. Quais as bases slidas da f e da prtica? Como a revelao divina aplicada ao indivduo? Estas perguntas dirigem-nos a ateno ao problema da autoridade. Esta questo, que na verdade procura descobrir como a revelao divina aplicada nossa vida diria, pode ser claramente dividida em duas categorias: a autoridade externa e a interna. Ambas as categorias levam a srio o papel da Bblia como a revelao de Deus, mas apresentam vrias diferenas entre si. A autoridade externa inclui as origens autorizadas que se, acham fora do indivduo, usualmente classificadas como cannicas, teolgicas e eclesisticas. Autori dade cannica. A autoridade cannica sustenta que as matrias bblicas, contidas no cnon6 das Escrituras, so a revelao autorizada de Deus. A Bblia tem uma mensagem clara e definitiva para as nossas crenas e para o nosso modo de vida. Os proponentes desta opinio afirmam que: (1) a Bblia autoridade em virtude de sua autoria divina; e

(2) a Bblia fala com clareza a respeito das verdades bsicas que apresenta. Todas as questes de f e conduta esto sujeitas autoridade da Bblia de modo que os itens da crena teolgica devem, ou ter apoio bblico (explcito ou implcito), ou ser repudiados. 7 Uma considerao importante aos proponentes do conceito cannico que a Bblia deve ser interpretada corretamente. Esse o problema que o conceito cannico da autoridade tem diante si, e s com muito cuidado que se pode lidar com ele. 8 Autori dade teol gica. O conceito teolgico da autoridade confia nas confisses doutrinrias, ou credos, da comunidade religiosa global como a fonte da f e da prtica. Desde o princpio, a igreja tem declarado as suas crenas atravs de frmulas e credos. Um dos mais antigos o Credo dos Apstolos, assim chamado porque visava resumir os ensinamentos do colgio apostlico formado por Cristo. No decur- , so da histria da Igreja, muitas outras declaraes de f tm sido adotadas e usadas pelos fiis para afirmar as doutrinas centrais de sua religio. Tais declaraes, em forma de credo, so de valor para a Igreja; servem para enfocar a ateno do adorador nos elementos cruciais de sua f. Permitem que o mundo, que a tudo observa, escute uma voz clara e unssona explicando a teologia da igreja crist histrica. 9 Todavia, o problema do conceito teolgico da autoridade que tende a elevar as afirmaes, em forma de credos, a uma posio superior a da prpria Bblia. Alm disso, embora demonstrem notvel unio em certos aspectos-chaves da verdade bblica, podem divergir consideravelmente entre si nas questes de f e prtica. Tm valor somente medida ' que concordam com a Bblia, e servem para explicar as suas verdades. Se vierem a suplantar a posio central ocupada pela revelao bblica, tornam-se fonte de duvidosa autoridade. Autori dade eclesistica. O conceito da autoridade eclesistica sustenta ser a Igreja a autoridade ltima em todas as questes de f e prtica. Usualmente esse modo de pensar sustentado em conjunto com os conceitos, acima considerados, acerca da autoridade cannica e teolgica. No se nega a importncia da Bblia, mas esta deve (segundo alegam) ser interpretada por aqueles que recebem formao especial para desempenhar tal tarefa. Nesse caso, a interpretao da Igreja, promulgada em frmulas doutrinrias e credos, pe-se como a nica autorizada. Muitas vezes, esse modo eclesistico de se considerar a autoridade expressado atravs da liderana de uma igreja, quer se trate de uma s pessoa quer de um grupo. Por ocuparem posies de liderana na comunidade, pressupem que seu relacionamento com Deus seja mais que suficiente para comunicar sua verdade Igreja. Sem desmerecer as posies de liderana estabelecidas por Deus, devemos observar que essa abordagem torna-se passvel de corrupo - o abuso do poder visando vantagens pessoais ou outros desejos pecaminosos. Alm disso, a interpretao das Escrituras usualmente feita por um grupo pequeno em nome de toda Igreja. Dessa maneira, impede-se que a maioria dos fiis confira por conta prpria s alegadas interpretaes bblicas. A questo da fonte da autoridade para o entendimento da revelao de Deus pode ser ainda considerada a partir da perspectiva interna - a fonte da autoridade que se encontra dentro do indivduo. Tendo em vista as abordagens externas (j apresentadas acima) estas so consideradas, na melhor das hipteses, menos importantes do que os fatores operantes no indivduo. A experi ncia com o autoridade. A primeira fonte interna da autoridade a experincia. O indivduo relaciona-se com Deus no mbito da mente, da vontade e das emoes. Considerando a pessoa como uma unidade, os efeitos sofridos em qualquer um desses mbitos so sentidos, ou experimentados, nos demais, quer subsequente quer simultaneamente. De fato, a revelao de Deus tem o seu efeito na totalidade da pessoa humana.

Muitas pessoas, entretanto, levam mais adiante esse conceito, argumentando que a experincia a fonte originria e real da autoridade no tocante f e prtica. Dizem que somente as verdades experimentadas pelo indivduo podem ser proclamadas como verdadeiras. A moderna elevao da experincia como autoridade comeou com os escritos de Friedrich Schleiermacher (1768-1834).10 Ele argumentou que o fundamento do Cristianismo era a experincia religiosa, que passou a ser o fator determinante e autorizado para as verdades teolgicas. Desde ento, a experincia tem sido aceita como a fonte de autoridade em alguns setores da Igreja. 11 Embora Schleiermacher e seus seguidores tratassem a Bblia como um livro meramente humano, e enfatizassem demasiadamente a experincia, no devemos olvidar o valor da experincia na captao da revelao divina. Haja vista os pentecostais: enfatizam fortemente a realidade de um relacionamento com Deus que afeta todos os aspectos do ser humano. As verdades proposicionais assumem vitalidade e fora quando confirmadas e ilustradas na experincia dos discpulos devotos de Cristo. Por outro lado, as experincias variam entre si, e nem sempre se pode discernir com clareza suas origens. Uma fonte fidedigna de autoridade deve estar alm dos aspectos variveis que marcam a experincia; deve at mesmo ter a competncia para contradizer e corrigir a experincia se necessrio for. No fidedigna a experincia isolada e que se arvora como fonte de autoridade para mediar a revelao de Deus. 12 A razo hum ana com o autoridade. Com o advento do Iluminismo (a partir dos fins do sculo XVII), muitos vm fazendo da razo humana a fonte autossuficiente da autoridade. O racionalismo diz que no precisa da revelao divina; nega a realidade dessa revelao. Colin Brown anota corretamente que na "linguagem popular, 'racionalismo' chegou a significar a tentativa de se julgar tudo luz da razo". 13 Os resultados da ascenso do racionalismo fizeram-se perceber em todas as reas da atividade humana, mas especialmente na religio e na teologia.14 Nossa capacidade intelectual mostra-nos que, realmente, fomos criados imagem e semelhana de Deus. Por isso, fazer uso da razo para acolher a revelao divina no se constitui, em si, qualquer erro. Grandes avanos vm sendo alcanados nas muitas reas da cincia graas capacidade intelectual do ser humano. Aplicar a razo ao contedo bblico, pesquisando textos e documentos antigos, conhecendo o ambiente social e econmico em que surgiram os escritos da Bblia, e muitos outros esforos desse tipo, tm se mostrado mais do que til para se entender a revelao divina. A razo, portanto, de grande auxlio no conhecimento da revelao de Deus, mas no tem a primazia sobre esta. Quando a razo aceita como a autoridade suprema, ela se coloca acima da revelao divina, e julga qual parte (ou talvez nenhuma) desta deve ser aceita. Usualmente, os racionalistas fazem da razo a autoridade suprema.15 Deve ser notado, ainda, que a razo humana, ao negar a revelao divina, coloca-se sob a influncia do pecado e de Satans, desde a queda de Ado (Gn 3). Cremos, portanto, que a teologia mais bem considerada quando a Bblia reconhecida como a autoridade suprema. No podemos nos esquecer, ainda, que o Esprito Santo quem nos ilumina no entendimento da Palavra de Deus revelada. As afirmaes encontradas nos credos e nas declaraes doutrinrias da Igreja so ajudas valiosas na interpretao e aplicao da Bblia. A experincia individual, especialmente se inspirada e dirigida pelo Esprito Santo, bem como a razo humana, tambm ajudam o crente a entender a revelao divina. Nem por isso a Bblia deixa de ser a nica regra infalvel e suficiente de f e prtica. Nela, Deus falou e continua falando. UMA DEFINIO DE TEOLOGIA A teologia, definida com simplicidade, o estudo de Deus e do seu relacionamento com tudo quanto Ele criou. Cremos que a teologia deriva-se da revelao de Deus na

Bblia, pois de nenhuma outra maneira poderia postar-se como testemunho fidedigno para os que buscam a verdade. A revelao bblica no somente dirige o telogo s doutrinas que devem ser cridas, como tambm define os limites do contedo da f. A teologia deve referendar como crena obrigatria somente o que a Bblia ensina explcita ou implicitamente. A teologia deve tambm importar-se vitalmente com a interpretao correta da Bblia e sua aplicao apropriada. Embora a matria fundamental da teologia seja tirada da Bblia, a teologia tambm se interessa pela comunidade da f de onde surgiu a revelao. E de igual modo se importa com a comunidade para a qual a mensagem ser transmitida. Sem haver compreenso da comunidade da antiguidade, a mensagem no ser corretamente aplicada. Esse duplo esforo pode ser ressaltado em deixar claro que a teologia empenha-se em "oferecer uma declarao coerente" dos ensinos da Bblia, "colocada no contexto da cultura em geral, expressada em linguagem idiomtica contempornea e relacionada com as questes da vida".16 Tem sido definida, ainda, como "uma reflexo sistemtica sobre as Escrituras... e a misso da igreja em mtuo relacionamento, tendo as Escrituras como a norma". 17 A teologia uma disciplina viva e dinmica; sua fonte de autoridade no muda; esfora-se por comunicar as verdades eternas ao mundo que vive em constante mudana.18 A teologia sistemtica apenas uma diviso dentro do campo maior da teologia, que tambm inclui a teologia histrica, a teologia bblica e exegtica, e a teologia prtica. Ser til examinar cada uma das demais divises da teologia, e notar como a teologia sistemtica se relaciona com elas. Teologia hist ri ca. A teologia histrica o estudo da maneira de a igreja ter procurado, no decurso dos sculos, esclarecer as suas afirmaes a respeito das verdades reveladas das Escrituras. A Bblia foi escrita no transcorrer de um perodo de tempo medida que o Esprito Santo inspirava profetas e apstolos a escrever a revelao divina. Semelhantemente, mas sem a inspirao que a Bblia possui, a igreja, no decorrer dos sculos, tem afirmado e reformulado o que ela tem crido. O desenvolvimento histrico das afirmaes doutrinrias o assunto tratado pela teologia histrica. O estudo comea com o contexto histrico dos livros da Bblia, e continua seguindo a histria da Igreja at chegar aos nossos dias. De especial importncia para a teologia histrica so as tentativas de se esclarecer e defender os ensinos da Bblia. O mundo pago, no qual a Igreja nasceu, requeria explicasse ela suas crenas em termos que todos pudessem compreender. medida que ataques eram lanados contra seus dogmas, a Igreja era levada a defender-se contra acusaes dos mais variados tipos. Os cristos, por exemplo, eram acusados de canibais (por causa da Ceia do Senhor), ou eram tachados de revolucionrios (porque adoravam um s Senhor, que no era Csar). Nessas disputas, a Igreja polia as suas declaraes de f; demonstrava de forma racional e lgica o verdadeiro teor de sua crena. Teologia bbli ca e exegtica. A teologia bblica e a exegtica so disciplinas gmeas. Enfatizam o emprego das ferramentas e tcnicas interpretativas corretas a fim de poderem auscultar corretamente a mensagem dos textos sagrados. O empenho supremo ouvir a mesma mensagem da Bblia que os primeiros fiis ouviram. Tal fato obriga esse departamento da teologia ao estudo dos idiomas bblicos, dos costumes e da cultura daqueles tempos (especialmente o que a arqueologia tem descoberto) etc. A teologia bblica no busca organizar o ensino total da Bblia em categorias especficas; pelo contrrio: o alvo isolar os ensinamentos em determinados contextos, usualmente livro por livro, autor por autor, ou em agrupamentos histricos. A teologia exegtica, aproveitando-se da estruturada teologia bblica "procura identificar a nica verdade que cada locuo, clusula e frase pretende transmitir ao perfazer o pensamento dos pargrafos, sees e, em ltima anlise, de livros inteiros".19 A exegese20 (ou a

teologia exegtica) tem de ser vista luz do contexto total do livro bem como no contexto imediato do trecho bblico. A teologia do Antigo Testamento a etapa inicial. importante deix-lo falar por si mesmo, comunicando sua prpria mensagem, para sua prpria poca, ao seu prprio povo.21 Mas ao mesmo tempo, no desvendar progressivo do plano de Deus, ele prev o futuro no seu olhar proftico. A teologia do Novo Testamento tambm deve ser estudada, segundo seus prprios valores, procurando a mensagem que o autor tinha para os leitores aos quais escrevia, usando boa exegese para determinar seu significado original. Alm disso, importante perceber a unio entre os dois Testamentos sem deixar de reconhecer a diversidade dos seus contextos histricos e culturais. O autor divino, o Esprito Santo, inspirou todos os escritores da Bblia, fornecen-do-lhes a orientao que cimentou a unio entre os seus escritos. Levou os escritores do Novo Testamento a citar o Antigo, e a apresentar Jesus como o cumprimento deste, e especialmente do plano divino da salvao. Essa unio, na Bblia, importante porque possibilita a aplicao da teologia bblica a situaes diversas e em culturas diferentes, assim como a teologia sistemtica procura fazer ao usar a teologia bblica como fonte informativa. Teologia prt ica. E a diviso da teologia que coloca as verdades da investigao teolgica em prtica na vida da comunidade dos