174
Informativo STF Penal 2008 Direito de Recorrer em Liberdade O Tribunal, resolvendo questão de ordem, concedeu medida cautelar em habeas corpus no qual se questiona a harmonia, ou não, com a ordem jurídica, da condição imposta pelo art. 594 do CPP, que determina o recolhimento do réu à prisão para a interposição do recurso de apelação. No caso, decretada a prisão preventiva do paciente, sobreviera sua condenação por latrocínio (CP, art. 157, § 3º), sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade. Inconformada, a defesa apelara e o tribunal de origem não conhecera do recurso porque o paciente não se recolhera à prisão, o que ensejara impetração de habeas corpus , denegado pelo STJ, ante a circunstância de o paciente estar foragido. No presente writ, sustenta-se a ausência de fundamentação da custódia preventiva e pretende-se a revogação da sentença condenatória, em face da ilegalidade da condição de recorribilidade imposta. O Min. Marco Aurélio, relator, indeferira a liminar requerida, por não vislumbrar risco na manutenção da situação fática. A impetração reiterara o pedido de exame da medida acauteladora. Tendo em conta o sistema constitucional, a ordem natural das coisas, o fato de o tema sobre a constitucionalidade do aludido art. 594 do CPP encontrar-se submetido à apreciação desta Corte (HC 83868/AM), bem como a existência de precedentes favoráveis à pretensão do paciente (HC 84975/SP, DJU de 6.5.2005; HC 84087/RJ, DJU de 6.8.2004), concedeu-se a cautelar para afastar o óbice à apreciação da apelação interposta. HC 90279/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11.2.2008. (HC-90279) Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição - 3 O Tribunal, por votação majoritária, julgou prejudicado habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 10 da Lei 9.437/97 (porte ilegal de arma), no qual se pretende a nulidade da sentença, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada, e declinou de sua competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — v. Informativos 404 e 411. Considerou-se o julgamento do HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no qual o Tribunal, por maioria, firmou entendimento no sentido de que é incompetente para apreciar e julgar pedidos de habeas corpus impetrados contra atos de Turmas ou Colégios Recursais de Juizados Especiais. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que deferiram o pedido em assentada anterior. Reajustaram seus votos os Ministros Eros Grau e Cezar Peluso. HC 85240/SP, rel. Min. Carlos Britto, 14.2.2008. (HC-85240) No inteiro teor, voto do ministro Gilmar Mendes, verifica-se que a competência será do Tribunal de Justiça do estado. O entendimento adotado foi: competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas

STF Penal a Partir de 2008

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: STF Penal a Partir de 2008

Informativo STF Penal 2008

Direito de Recorrer em LiberdadeO Tribunal, resolvendo questão de ordem, concedeu medida cautelar em habeas corpus no qual se questiona a

harmonia, ou não, com a ordem jurídica, da condição imposta pelo art. 594 do CPP, que determina o recolhimento do réu à prisão para a interposição do recurso de apelação. No caso, decretada a prisão preventiva do paciente, sobreviera sua condenação por latrocínio (CP, art. 157, § 3º), sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade. Inconformada, a defesa apelara e o tribunal de origem não conhecera do recurso porque o paciente não se recolhera à prisão, o que ensejara impetração de habeas corpus, denegado pelo STJ, ante a circunstância de o paciente estar foragido. No presente writ, sustenta-se a ausência de fundamentação da custódia preventiva e pretende-se a revogação da sentença condenatória, em face da ilegalidade da condição de recorribilidade imposta. O Min. Marco Aurélio, relator, indeferira a liminar requerida, por não vislumbrar risco na manutenção da situação fática. A impetração reiterara o pedido de exame da medida acauteladora. Tendo em conta o sistema constitucional, a ordem natural das coisas, o fato de o tema sobre a constitucionalidade do aludido art. 594 do CPP encontrar-se submetido à apreciação desta Corte (HC 83868/AM), bem como a existência de precedentes favoráveis à pretensão do paciente (HC 84975/SP, DJU de 6.5.2005; HC 84087/RJ, DJU de 6.8.2004), concedeu-se a cautelar para afastar o óbice à apreciação da apelação interposta.

HC 90279/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11.2.2008. (HC-90279)

Porte Ilegal de Arma e Ausência de Munição - 3O Tribunal, por votação majoritária, julgou prejudicado habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática

do crime previsto no art. 10 da Lei 9.437/97 (porte ilegal de arma), no qual se pretende a nulidade da sentença, sob alegação de atipicidade da conduta, em razão de a arma portada estar desmuniciada, e declinou de sua competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo — v. Informativos 404 e 411. Considerou-se o julgamento do HC 86834/SP (j. em 23.8.2006), no qual o Tribunal, por maioria, firmou entendimento no sentido de que é incompetente para apreciar e julgar pedidos de habeas corpus impetrados contra atos de Turmas ou Colégios Recursais de Juizados Especiais. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso e Joaquim Barbosa, que deferiram o pedido em assentada anterior. Reajustaram seus votos os Ministros Eros Grau e Cezar Peluso.

HC 85240/SP, rel. Min. Carlos Britto, 14.2.2008. (HC-85240)

No inteiro teor, voto do ministro Gilmar Mendes, verifica-se que a competência será do Tribunal de Justiça do estado. O entendimento adotado foi: competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência, cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente. O que significa que como o TJ é quem julgará os juízes das Turmas Recursais por eventual crime de abuso de autoridade ou os chamados “crimes de responsabilidade”, deve ser dele também a competência para decidir HC em face dessas autoridades. Como dito na ementa, a competência é definida pelas partes, assim, se no caso, o paciente é quem tem foro por prerrogativa, aí será por ela q se definirá a competência. (então, quem já tem foro não estará no JEC, mas direto no Tribunal).

O STF partiu de uma premissa lógica: não é compatível com a sua missão constitucional ser a corte revisora dos juizados de pequenas causas, além disso, o STF é um único órgão com 11 ministros para decidir HC em face de ato de juiz de turma recursal de todo o Brasil, o que poderia ser perfeitamente decidido pelos 27 Tribunais de Justiça estaduais.

Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido - 3Em conclusão de julgamento, o Tribunal desproveu recurso ordinário em habeas corpus interposto em favor de

condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo com numeração de identificação suprimida (Lei 10.826/2003, art. 16, parágrafo único, IV), no qual se pretendia a nulidade da condenação, por atipicidade da conduta, em face da ausência de lesividade da arma desmuniciada apreendida (“Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com

Page 2: STF Penal a Partir de 2008

determinação legal ou regulamentar: ... Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. ... Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: ... IV - portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;”) — v. Informativos 447 e 486. Entendeu-se que os fatos descritos na denúncia amoldar-se-iam ao tipo previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003. Inicialmente, enfatizou-se que, nas condutas descritas no referido inciso, não se exigiria como elementar do tipo a arma ser de uso permitido ou restrito, e que, no caso, a arma seria de uso permitido, tendo sido comprovada a supressão do seu número de série por abrasão. Diante disso, concluiu-se ser impertinente a discussão acerca da inadequação da conduta descrita na denúncia e tipificação pela qual fora o recorrente condenado.

RHC 89889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.2.2008. (RHC-89889)

Porte Ilegal de Arma de Fogo sem Munição com Sinal de Identificação Suprimido - 4Quanto ao argumento de atipicidade da conduta em face da ausência de lesividade da arma de fogo apreendida por

estar ela desmuniciada e não haver, nos autos, comprovação de munição portada pelo recorrente, esclareceu-se que se teria, na espécie, hipótese diversa da analisada quando do julgamento do RHC 81057/SP (DJU de 29.4.2005), já que se tratara, naquela ocasião, do art. 10 da Lei 9.437/97, substituído, no sistema jurídico, pela norma do art. 14 da Lei 10.826/2003. Afirmou-se que o tipo do inciso IV do parágrafo único do art. 16 da Lei 10.826/2003 é um tipo novo, já que, na Lei 9.437/97, punia-se aquele que suprimisse ou alterasse marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato. Assim, a nova figura teria introduzido cuidado penal inédito do tema, tipificando o portar, possuir ou transportar a arma com a supressão ou alteração do número de série ou de outro sinal de sua identificação, independentemente de a arma de fogo ser de uso restrito, proibido ou permitido, tendo por objeto jurídico, além da incolumidade, a segurança pública, ênfase especial dada ao controle pelo Estado das armas de fogo existentes no país, pelo que o relevo ao municiamento ou não da munição da arma que se põe nos tipos previstos no caput dos artigos 14 e 16 da Lei 10.826/2003 não encontraria paralelo no inciso IV do parágrafo único deste último dispositivo.

RHC 89889/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.2.2008. (RHC-89889)

Então, cuidado, porque se for questão que trata de porte ou posse de arma com numeração raspada, não importa se ela está municiada ou não.

Lei 10.826/2003: Atipicidade Temporária e Posse de Arma de FogoA Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o reconhecimento da extinção da punibilidade com

fundamento na superveniência de norma penal descriminalizante. No caso, o paciente fora condenado pela prática do crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito (Lei 9.437/97, art. 10, § 2º), em decorrência do fato de a polícia, em cumprimento a mandado de busca e apreensão, haver encontrado uma pistola em sua residência. A impetração sustentava que durante a vacatio legis do Estatuto do Desarmamento, que revogou a citada Lei 9.437/97, fora criada situação peculiar relativamente à aplicação da norma penal, haja vista que concedido prazo (Lei 10.826/2003, artigos 30 e 32) aos proprietários e possuidores de armas de fogo, de uso permitido ou restrito, para que regularizassem a situação dessas ou efetivassem a sua entrega à autoridade competente, de modo a caracterizar o instituto da abolitio criminis. Entendeu-se que a vacatio legis especial prevista nos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003 (“Art. 30. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 dias (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos. Art. 32. Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas poderão, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, entregá-las à Polícia Federal, mediante recibo e, presumindo-se a boa-fé, poderão ser indenizados, nos termos do regulamento desta Lei.”), não obstante tenha tornado atípica a posse ilegal de arma de fogo havida no curso do prazo que assinalou, não subtraiu a ilicitude penal da conduta que já era prevista no art. 10, § 2º, da Lei 9.437/97 e continuou incriminada, com mais rigor, no art. 16 da Lei 10.826/2003. Ausente, assim, estaria o pressuposto fundamental para que se tivesse como caracterizada a abolitio criminis. Ademais, ressaltou-se que o prazo estabelecido nos mencionados dispositivos expressaria o caráter transitório da atipicidade por ele indiretamente criada. No ponto, enfatizou-se que se trataria de norma temporária que não teria força retroativa, não podendo configurar, pois, abolitio criminis em relação aos ilícitos cometidos em data anterior.

Page 3: STF Penal a Partir de 2008

HC 90995/SP, rel. Min. Menezes Direito, 12.2.2008. (HC-90995)

Acordo de Delação Premiada e Sigilo - 3A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se discutia a possibilidade de os advogados do paciente

terem acesso aos autos de investigação preambular em que estabelecidos acordos de delação premiada, a partir dos quais foram utilizados documentos que subsidiaram as ações penais contra eles instauradas — v. Informativo 480. Conheceu-se em parte da impetração e, na parte conhecida, por maioria, deferiu-se, parcialmente, o writ para determinar que a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR certifique quais foram as autoridades, judiciárias e do MPF, responsáveis pela propositura e homologação dos acordos de delação premiada firmados em relação a 2 delatores. Salientando que a delação premiada constitui elemento de prova, entendeu-se fundada, à primeira vista, a suspeita da impetração quanto à possível falta de isenção dos subscritores dos acordos de delação premiada, uma vez que os representantes do parquet que subscreveram as denúncias também foram, em tese, vítimas do paciente, sendo razoável supor a hipótese de que eles também firmaram tais acordos, em indesejável coincidência dos papéis de acusador e vítima. Afastou-se, contudo, a pretensão de se conferir publicidade aos citados acordos, cujo sigilo lhe é ínsito, inclusive por força de lei, aduzindo que ao paciente basta saber quem participou da confecção e homologação dos acordos, sendo pública e notória a condição dos delatores. Vencidos os Ministros Marco Aurélio que concedia a ordem em maior extensão, por considerar presente o interesse da defesa em conhecer também o teor da referida delação, e Menezes Direito que a denegava ao fundamento de que tal acordo, como um todo, estaria coberto pelo sigilo.

HC 90688/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12.2.2008. (HC-90688)

Súmula 706 do Supremo (“É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção.”), bem como enfatizou que os impetrantes não demonstraram o prejuízo que a distribuição por prevenção causara ao paciente. Após, pediu vista o Min. Cezar Peluso.

HC 93163/BA, rel. Min. Eros Grau, 12.2.2008. (HC-93163)

Réu preso – Instrução processual – Direito de presença (Transcrições)

HC 93503 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DA CLÁUSULA DO “DUE PROCESS OF LAW”. CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA (DIREITO DE AUDIÊNCIA E DIREITO DE PRESENÇA). PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/ONU (ART. 14, N. 3, “D”) E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ART. 8º, § 2º, “D” E “F”). DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RÉU PRESO, O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL, ESPECIALMENTE A DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO ARROLADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. RAZÕES DE CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL NÃO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEM COMPROMETER A EFICÁCIA E A OBSERVÂNCIA DESSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL. DOUTRINA. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Os fundamentos que dão suporte a esta impetração revestem-se de inquestionável plausibilidade jurídica, pois o caso ora em exame põe em evidência uma controvérsia impregnada da mais alta relevância constitucional, consistente no pretendido reconhecimento de que assiste, ao réu preso, sob pena de nulidade absoluta, o direito de comparecer, mediante requisição do Poder Judiciário, à audiência de instrução processual em que serão inquiridas testemunhas arroladas pelo Ministério Público.

Tenho sustentado, nesta Suprema Corte, com apoio em autorizado magistério doutrinário (FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 3/136, 10ª ed., 1987, Saraiva; FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal – O Direito de Defesa”, p. 240, 1986, Forense; JAQUES DE CAMARGO PENTEADO, “Acusação, Defesa e Julgamento”, p. 261/262, item n. 17, e p. 276, item n. 18.3, 2001, Millennium; ADA PELLEGRINI

Page 4: STF Penal a Partir de 2008

GRINOVER, “Novas Tendências do Direito Processual”, p. 10, item n. 7, 1990, Forense Universitária; ANTONIO SCARANCE FERNANDES, “Processo Penal Constitucional”, p. 280/281, item n. 26.10, 3ª ed., 2003, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 189, item n. 7.2, 2ª ed., 2004, RT; ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “Direito à Prova no Processo Penal”, p. 154/155, item n. 9, 1997, RT; VICENTE GRECO FILHO, “Tutela Constitucional das Liberdades”, p. 110, item n. 5, 1989, Saraiva; JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Direito Processual Penal”, vol. 1/431-432, item n. 3, 1974, Coimbra Editora, v.g.), que o acusado, embora preso, tem o direito de comparecer , de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório, sendo irrelevantes, para esse efeito, “(...) as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País”, eis que “(...) alegações de mera conveniência administrativa não têm - e nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição” (RTJ 142/477-478, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Esse entendimento, hoje prevalecente em ambas as Turmas deste Tribunal (HC 85.200/RJ , Rel. Min. EROS GRAU – HC 86.634/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), tem por suporte o reconhecimento – fundado na natureza dialógica do processo penal acusatório, impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático (JOSÉ FREDERICO MARQUES, “O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 13/20, 1993, APAMAGIS/Ed. Acadêmica) - de que o direito de audiência , de um lado, e o direito de presença do réu , de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas que derivam da garantia constitucional do “due process of law” e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu.

Vale referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, o douto magistério de ROGÉRIO SCHIETTI MACHADO CRUZ (“Garantias Processuais nos Recursos Criminais”, p. 132/133, item n. 5.1, 2002, Atlas):

“A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (...).

Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (...).

Na verdade, desdobra-se a autodefesa em ‘direito de audiência’ e em ‘direito de presença’, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (...), bem assim o direito de assistir à realização dos atos processuais, sendo dever do Estado facilitar seu exercício, máxime quando o imputado se encontre preso, impossibilitado de livremente deslocar-se ao fórum.” (grifei)

Incensurável, por isso mesmo, sob tal perspectiva, a decisão desta Suprema Corte, de que foi Relator o eminente Ministro LEITÃO DE ABREU, em acórdão assim ementado (RTJ 79/110):

“Habeas Corpus. Nulidade processual. O direito de estar presente à instrução criminal, conferido ao réu, assenta na cláusula constitucional que garante ao acusado ampla defesa. A violação desse direito importa nulidade absoluta, e não simplesmente relativa, do processo.

.......................................................

Nulidade do processo a partir dessa audiência.

Pedido deferido.” (grifei)

Cumpre destacar, nesse mesmo sentido, inúmeras outras decisões emanadas deste Supremo Tribunal Federal (RTJ 64/332 - RTJ 66/72 - RTJ 70/69 - RTJ 80/37 - RTJ 80/703), cabendo registrar, por relevante, julgamento em que esta Suprema Corte reconheceu essencial a presença do réu preso na audiência de inquirição de testemunhas arroladas pelo órgão da acusação estatal, sob pena de ofensa à garantia constitucional da plenitude de defesa:

Page 5: STF Penal a Partir de 2008

“‘Habeas corpus’. Nulidade processual. O direito de estar presente à instrução criminal, conferido ao réu e seu defensor, assenta no princípio do contraditório. Ao lado da defesa técnica, confiada a profissional habilitado, existe a denominada autodefesa, através da presença do acusado aos atos processuais. (...).”(RTJ 46/653, Rel. Min. DJACI FALCÃO – grifei)

Essa orientação, por sua vez, reflete-se no magistério jurisprudencial de outros Tribunais (RT 522/369 - RT 537/337 - RT 562/346 - RT 568/287 - RT 569/309 - RT 718/415):

“O direito conferido ao réu de estar presente à instrução criminal assenta-se na cláusula constitucional que garante ao acusado ampla defesa. A violação desse direito importa nulidade absoluta, e não apenas relativa, do processo.”(RT 607/306, Rel. Des. BAPTISTA GARCIA - grifei)

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito de presença do réu na audiência de instrução penal, especialmente quando preso, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa (mais especificamente da prerrogativa de autodefesa), também encontra suporte legitimador em convenções interna cionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados.

A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º, § 2º, “d” e “f”), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito universal, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, n. 3, “d”), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, e que representam instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras prerrogativas eminentes, o direito de comparecer e de estar presente à instrução processual, independentemente de achar-se sujeito, ou não, à custódia do Estado.

Impende reconhecer, por extremamente relevante, que o entendimento que ora exponho na presente decisão tem, hoje, o beneplácito da jurisprudência que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal firmaram na matéria em causa:

“‘HABEAS CORPUS’. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PACIENTE PRESA EM SÃO PAULO, RESPONDENDO À AÇÃO PENAL NO RIO DE JANEIRO. CONDENAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA: AUSÊNCIA DA RÉ NOS ATOS PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ENTREVISTAR-SE COM A DEFENSORA NOMEADA EM OUTRA UNIDADE DA FEDERAÇÃO.

1. Paciente condenada por crime de extorsão mediante seqüestro. Ação penal em curso no Rio de Janeiro. Paciente presa em São Paulo. Ausência de contato com o processo em que figurou como ré. Impossibilidade de indicar testemunhas e de entrevistar-se com a Defensora Pública designada no Rio de Janeiro. Cerceamento de defesa.Observe que não interessa o estado federativo em que o réu está, o Estado vai ter q arcar com o seu direito de presença!

2. A falta de recursos materiais a inviabilizar as garantias constitucionais dos acusados em processo penal é inadmissível, na medida em que implica disparidade dos meios de manifestação entre a acusação e a defesa, com graves reflexos em um dos bens mais valiosos da vida, a liberdade.

3. A circunstância de que a paciente poderia contatar a Defensora Pública por telefone e cartas, aventada no ato impugnado, não tem a virtude de sanar a nulidade alegada, senão o intuito de contorná-la, resultando franco prejuízo à defesa, sabido que a comunicação entre presos e pessoas alheias ao sistema prisional é restrita ou proibida.

Ordem concedida.”(HC 85.200/RJ, Rel. Min. EROS GRAU, Primeira Turma – grifei)

Page 6: STF Penal a Partir de 2008

“‘HABEAS CORPUS’ - INSTRUÇÃO PROCESSUAL - RÉU PRESO - PRETENDIDO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA PENAL - PLEITO RECUSADO - REQUISIÇÃO JUDICIAL NEGADA SOB FUNDAMENTO DA PERICULOSIDADE DO ACUSADO - INADMISSIBILIDADE - A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DA CLÁUSULA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’ - CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA (DIREITO DE AUDIÊNCIA E DIREITO DE PRESENÇA) - PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/ONU (ARTIGO 14, N. 3, ‘D’) E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ARTIGO 8º, § 2º, ‘D’ E ‘F’) - DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RÉU PRESO, O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL, ESPECIALMENTE A DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO ARROLADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - RAZÕES DE CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL NÃO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEM COMPROMETER A EFICÁCIA E A OBSERVÂNCIA DESSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL - NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA - AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF – ‘HABEAS CORPUS’ CONCEDIDO DE OFÍCIO.

- O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer , de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm - nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência.

- O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do ‘due process of law’ e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (Artigo 14, n. 3, ‘d’) e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (Artigo 8º, § 2º, ‘d’ e ‘f’).

- Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados. Precedentes.”(HC 86.634/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida cautelar, para suspender, provisoriamente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, os efeitos da decisão proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do REsp 906.361/SP, assegurando-se, em conseqüência, ao ora paciente, o direito de permanecer em liberdade, se por al não estiver preso.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao eminente Senhor Ministro-Relator do REsp 906.361/SP (STJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal nº 419.716-3/9-00) e ao MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Criminal da comarca de Campinas/SP (Ação Penal nº 175/2002).

Publique-se.

Brasília, 08 de fevereiro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

* decisão publicada no DJE de 14.2.2008

Page 7: STF Penal a Partir de 2008

Persecução penal - Sigilo - Direito de acesso do advogado, quando constituído (Transcrições)

HC 93767 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL OU ACUSAÇÃO CRIMINAL EM JUÍZO. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL). POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

- A pessoa que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.

- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorpora das ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüente mente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de processo idêntico ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 99.402/DF), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos, justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional , da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

Page 8: STF Penal a Partir de 2008

O caso ora em exame põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que o regime de sigilo – necessariamente excepcional – impõe ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).

O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado investido de mandato aos procedimentos estatais que tramitam em regime de sigilo – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal.

Nem se diga, por absolutamente inaceitável, considerada a própria declaração constitucional de direitos, que a pessoa sob persecução penal (em juízo ou fora dele) mostrar-se-ia destituída de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poderia legitimar tal entendimento, pois a razão de ser do sistema de liberdades públicas vincula-se, em sua vocação protetiva, a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal.

Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que o indiciado – e, com maior razão, o próprio réu - ostenta em nosso sistema normativo, e que lhe reconhece direitos e garantias inteiramente oponíveis ao poder do Estado, por parte daquele que sofre a persecução penal:

“INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO.- O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento

administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto ‘dominus litis’ - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária.

A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.

O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”(RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária, pelo Ministério Público ou pelo próprio Poder Judiciário.

A pessoa contra quem se instaurou persecução penal - não importa se em juízo ou fora dele - não se despoja, mesmo que se cuide de simples indiciado, de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito só põe em evidência a censurável (e inaceitável) face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da República.

Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construída sob a égide da vigente Constituição - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio, enfatizam que, mesmo em procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigação policial, há direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado.

Page 9: STF Penal a Partir de 2008

Cabe referir, nesse sentido, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, “in” “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, “in” “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal - Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial - Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.

Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de o indiciado (e com maior razão, o réu em juízo criminal) ser, ele próprio, sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constituído (como sucede no caso) tem direito de acesso aos autos da investigação (ou do processo) penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.

É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo - e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o acusado (e, até mesmo, o mero indiciado), por meio de Advogado por ele constituído, tem o direito de conhecer as informações “ já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...) ” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

Vê-se, pois, que assiste, àquele sob persecução penal do Estado, o direito de acesso aos autos, por intermédio de seu Advogado, que poderá examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Inq 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a persecução estatal, como no caso, esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do acusado, desde que por este constituído (como sucede na espécie), poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

“Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.

A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.

O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do julgamento de pleito cautelar que apreciei em decisão assim ementada:

Page 10: STF Penal a Partir de 2008

“INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

- O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.

- O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.” (HC 87.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2007)

Os eminentes Advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR, em recentíssima obra - que versa, dentre outros temas, aquele ora em análise (“Prerrogativas Profissionais do Advogado”, p. 86, item n. 1, 2006, OAB Editora) -, examinaram, com precisão, a questão suscitada pela injusta recusa, ao Advogado investido de procuração (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIII), de acesso aos autos de inquérito policial ou de processo penal que tramitem, excepcionalmente, em regime de sigilo, valendo rememorar, a esse propósito, a seguinte passagem:

“No que concerne ao inquérito policial há regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procuração, ter acesso aos autos (art. 7°, inc. XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante do § 1° do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo é que o inciso XIV do art. 7° não fala a respeito dos inquéritos marcados pelo sigilo. Todavia, quando o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratório para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatório. Sim, porque inquéritos secretos não se compatibilizam com a garantia de o cidadão ter ao seu lado um profissional para assisti-lo, quer para permanecer calado, quer para não se auto-incriminar (CF, art. 5°, LXIII). Portanto, a presença do advogado no inquérito e, sobretudo, no flagrante não é de caráter afetivo ou emocional. Tem caráter profissional, efetivo, e não meramente simbólico. Isso, porém, só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, ‘blind lawyers’, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a legitimar tudo o que no inquérito se fizer contra o indiciado.” (grifei)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC   87.827/RJ , Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

“ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos . Elementos documentados . Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76. Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.” (grifei)

Page 11: STF Penal a Partir de 2008

Cabe assinalar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema ora em análise, considerados os diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes já formalmente incorporados . Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à “informatio delicti”, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais.

Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.

É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

Essa compreensão do tema – cabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a     lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

“E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte , pouco importa sua proveniência . (...).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma , uma vez no processo , pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).

O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.

(...) Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

Nem se diga que a existência de co-indiciados (ou de co-réus) poderia obstar o exercício do direito de acesso à prova penal já formalmente introduzida nos autos da persecução estatal. É que, mesmo que haja co-réus (ou co-indiciados), a concessão da presente medida cautelar, ainda assim, garantirá, ao ora paciente (por intermédio dos Advogados por ele constituídos), acesso a toda e qualquer prova, desde que formalmente incorporada aos autos, especialmente porque a tanto o autoriza o postulado da comunhão da prova.

É por tal razão que se impõe assegurar, ao ora paciente, por intermédio dos patronos que constituiu, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal em causa, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria defesa do paciente em questão.

Page 12: STF Penal a Partir de 2008

É fundamental, como salientado, para o efeito referido nesta decisão, que os elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos nos autos da persecução penal.

O que não se revela constitucionalmente lícito , segundo entendo, é impedir que o réu (ou indiciado, quando for o caso) tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados), veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo Estado, não obstante o regime de sigilo excepcionalmente imposto ao procedimento de persecução penal.

O fascínio do mistério e o culto ao segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade livre, práticas estatais cuja realização, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos de persecução criminal, valendo relembrar, por oportuno, a advertência de JOÃO BARBALHO feita em seus comentários à Constituição Federal de 1891 (“Constituição Federal Brasileira – Comentários”, p. 323/324, edição fac-similar, 1992, Senado Federal):

“O pensamento de facilitar amplamente a defesa dos acusados conforma-se bem com o espírito liberal das disposições constitucionais relativas à liberdade individual, que vamos comentando. A lei não quer a perdição daqueles que a justiça processa; quer só que bem se apure a verdade da acusação e, portanto, todos os meios e expedientes de defesa que não impeçam o descobrimento dela devem ser permitidos aos acusados. A lei os deve facultar com largueza, regularizando-os para não tornar tumultuário o processo.

Com a ‘plena defesa’ são incompatíveis, e, portanto, inteiramente inadmissíveis, os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o depoimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafiançáveis na ausência do acusado ou tendo-se dado a produção das testemunhas de acusação sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denúncia, o juramento do réu, o interrogatório dele sob a coação de qualquer natureza, por perguntas sugestivas ou capciosas, e em geral todo o procedimento que de qualquer maneira embarace a defesa.

Felizmente, nossa legislação ordinária sobre a matéria realiza o propósito da Constituição, cercando das precisas garantias do exercício desse inauferível direito dos acusados – para ela ‘res sacra reus’” (grifei)

Em conclusão, e tal como decidi no MS 24.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 331), cumpre enfatizar, por necessário, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prática governamental.

Ao dessacralizar o segredo, como proclamou esta Corte Suprema (RTJ 139/712-713, Rel. Min. CELSO DE MELLO), a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.

É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em “praxis” governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente, revestindo-se de excepcio nalidade , por isso mesmo, a instauração do regime de sigilo nos procedimentos penais, consideradas, para tanto, razões legítimas de interesse público, cuja verificação, no entanto, não tem o condão de suprimir ou de comprometer a eficácia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigação ou persecução penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado.

Page 13: STF Penal a Partir de 2008

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o curso do Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4, ora em tramitação perante a 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF, sustando, em conseqüência, a realização do interrogatório judicial do ora paciente, com data já designada para o próximo dia 05/03/2008 (fls. 48), ressalvada a prática de atos processuais de urgência ou, se necessário, a produção antecipada das provas consideradas inadiáveis.

Estendo, ainda, referido provimento cautelar, aos demais litisconsortes penais passivos, que, nessa condição, figuram no mesmo procedimento penal instaurado contra o ora paciente (Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4) perante a 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão à eminente Senhora Ministra-Relatora do HC 99.402/DF (STJ), ao E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (HC 2007.00.2.014019-8) e ao MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF (Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4).

Publique-se.

Brasília, 12 de fevereiro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

Ordem do Rito e Sustentação Oral - 1Em recurso exclusivo da acusação, o representante do Ministério Público, ainda que invoque a

qualidade de custos legis, deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa. Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado em favor de acusado pela suposta prática de delito previsto no art. 10 da Lei 7.492/86. No caso, o juízo de 1º grau rejeitara a denúncia apresentada contra o paciente. Contra esta decisão, o Ministério Público interpusera recurso em sentido estrito que, provido pelo TRF da 3ª Região, dera ensejo à instauração da ação penal. Ocorre que, durante a sessão de julgamento do citado recurso, a defesa proferira sustentação oral antes do Procurador-Geral, sendo tal fato alegado em questão de ordem, rejeitada ao fundamento de que o parquet, em segunda instância, atua apenas como fiscal da lei — v. Informativo 449.

HC 87926/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 20.2.2008. (HC-87926)

Ordem do Rito e Sustentação Oral - 2Deferiu-se o writ para anular o julgamento do recurso em sentido estrito e determinar que outro se

realize, observado o direito de a defesa do paciente, se pretender realizar sustentação oral, somente fazê-lo depois do representante do Ministério Público. Entendeu-se que, mesmo que invocada a qualidade de custos legis, o membro do Ministério Público deve manifestar-se, na sessão de julgamento, antes da sustentação oral da defesa, haja vista que as partes têm direito à observância do procedimento tipificado na lei, como concretização do princípio do devido processo legal, a cujo âmbito pertencem as garantias específicas do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LIV e LV). Ressaltando a unidade e indivisibilidade do parquet, asseverou-se ser difícil cindir sua atuação na área recursal, no processo penal, de modo a comprometer o pleno exercício do contraditório. Aduziu-se, também, que o direito de a defesa falar por último é imperativo e decorre do próprio sistema, e que a inversão na ordem acarretaria prejuízo à plenitude de defesa. Ademais, afirmou-se não ser admissível interpretação literal do art. 610, parágrafo único, do CPP (“... o presidente concederá ... a palavra aos

Page 14: STF Penal a Partir de 2008

advogados ou às partes que a solicitarem e ao procurador-geral, quando o requerer ...”) e que o art. 143, § 2º, do Regimento Interno do TRF da 3ª Região, que dispõe que o parquet fará uso da palavra após o recorrente e o recorrido, merece releitura constitucional. Precedentes citados: RHC 85443/SP (DJU de 13.5.2005); RE 91661/MG (DJU de 14.12.79).

HC 87926/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 20.2.2008. (HC-87926)

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro - 1O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que

se discute se o foro especial por prerrogativa de função se estende ou não àqueles que se aposentam em cargos cujos ocupantes ostentam tal prerrogativa. Trata-se, na espécie, de agravo de instrumento convertido em recurso extraordinário criminal interposto, por desembargador aposentado, contra decisão da Corte Especial do STJ que declinara de sua competência, em ação penal contra ele instaurada, ao fundamento de que, em decorrência de sua aposentadoria, não teria direito à prerrogativa de foro pelo encerramento definitivo da função. O ora recorrente sustenta a incidência do art. 95, I, da CF, assegurador da vitaliciedade aos magistrados, sob a alegação de que esta somente poderia ser afastada por sentença judicial transitada em julgado, na qual consignada a perda do cargo. Alega, ainda, que a correta leitura do art. 105, I, a, da CF, incluiria também os desembargadores aposentados, uma vez que interpretação diversa desse dispositivo o colocaria em situação inusitada, pois, o submeteria, na qualidade de ex-presidente e ex-corregedor-geral, a juiz que eventualmente tenha recebido alguma sanção disciplinar. Por fim, pleiteia o reconhecimento da negativa de vigência aos artigos 5º, XXXV, LIV, LV, e § 2º e 93, IX, ambos da CF e, alternativamente, requer sejam tidos como transgredidos os artigos 94, I e 105, I, a, da CF — v. Informativo 485.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560)

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro - 2O Min. Ricardo Lewandowski, relator, negou provimento ao recurso por entender que a pretensão

do recorrente esbarra na orientação jurisprudencial fixada pelo Supremo. Reportou-se ao que decidido no HC 80717/SP (DJU de 5.3.2001), no qual se consignara que, com o cancelamento do Enunciado da Súmula 394 do STF, estaria afastada a competência originária do STJ para proceder ao julgamento de juiz do TRT aposentado, entendimento baseado no julgamento do Inq 687 QO/SP (DJU de 9.11.2001). Citou, também, o que estabelecido pela Corte no RE 291485/RJ (DJU de 23.4.2003), no sentido de que o foro especial por prerrogativa de função tem por objetivo o resguardo da função pública; que o magistrado, no exercício do ofício judicial, goza da prerrogativa de foro especial, garantia que está voltada não à pessoa do juiz, mas aos jurisdicionados; e que, não havendo mais o exercício da função judicante, não há de perdurar o foro especial, haja vista que o resguardo dos jurisdicionados, nesse caso, não é mais necessário. Ressaltou, ainda, que o provimento vitalício é o ato que garante a permanência do servidor no cargo, aplicando-se apenas aos que integram as fileiras ativas da carreira pública. Por fim, aduziu não haver se falar em parcialidade do magistrado de 1ª instância para o julgamento do feito, porquanto a lei processual prevê o uso de exceções capazes de afastar essa situação. Em seguida, o Min. Marco Aurélio levantou questão acerca da impossibilidade de se discutir a matéria, que já se encontraria julgada por esta Corte, em processo objetivo (ADI 2797/DF, DJU de 19.12.2006), sob pena de se atuar como legislador positivo, restabelecendo,

Page 15: STF Penal a Partir de 2008

embora de forma mitigada, o § 1º do art. 84 do CPP. No ponto, o relator acompanhou essa manifestação, mantendo seu voto.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560)

Juiz Aposentado: Vitaliciedade e Prerrogativa de Foro - 3Em divergência, o Min. Menezes Direito deu provimento ao recurso para assegurar ao magistrado

aposentado plena prerrogativa das garantias que são inerentes à magistratura, ao fundamento de que o ato que é objeto do processo foi praticado no exercício das funções judicantes. Salientou, inicialmente, estar-se diante de situação exemplar não contemplada em nenhum dos precedentes citados, que deveria ser analisada pela Corte, qual seja, o fato de que um ex-desembargador, aposentado hoje, ter praticado um delito no exercício da função judicante. Disse que, se o magistrado é vitalício no exercício da função judicante, e se ele, eventualmente, em razão dessa atividade, comete certo ato que pode ser objeto de determinada ação, essa ação não se referiria a nenhuma atividade posterior ao exercício da atividade judicante, mas concretamente ao exercício da atividade judicante. Assim, quando um magistrado, sob qualquer circunstância, em qualquer instância, exercesse atividade judicante, ele teria de ter, até por princípio de responsabilidade do sistema constitucional, a proteção que a CF lhe assegura (CF, art. 95, I). Mencionou, ademais, dispositivo constante do Estatuto de Roma, que aprovou o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, integrado pela adesão brasileira e relativo à garantia dos juízes que dele fazem parte (“Artigo 48º... 2 - Os juízes, o procurador, os procuradores-adjuntos e o secretário gozarão, no exercício das suas funções ou em relação a estas, dos mesmos privilégios e imunidades reconhecidos aos chefes das missões diplomáticas, continuando a usufruir de absoluta imunidade judicial relativamente às suas declarações, orais ou escritas, e aos atos que pratiquem no desempenho de funções oficiais após o termo do respectivo mandato.”). Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Eros Grau.

RE 549560/CE, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.2.2008. (RE-549560)

Crime Continuado e Reunião dos Feitos - 1A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que advogado, denunciado por suposta

obtenção fraudulenta de benefícios junto ao INSS (CP, artigos 171, § 3º; 299 e 304), pretende o reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos crimes imputados, bem como a reunião de mais de 500 processos em curso contra ele. Sustenta-se, na espécie: a) a presença dos requisitos legais para a caracterização da continuidade delitiva; b) a existência de conexão intersubjetiva entre os feitos, já que em todos figurariam os mesmos réu e autor; c) a ocorrência de conexão probatória, uma vez que a prova obtida em uma ação serviria às demais e d) a inviabilidade do exercício de ampla defesa, tendo em conta o elevado número de processos. O Min. Menezes Direito, relator, preliminarmente, conheceu parcialmente da impetração, haja vista que esta Corte estaria impedida de examinar, sob pena de supressão de instância, se os requisitos fáticos indicados pela defesa seriam suficientes para caracterizar o crime continuado. Ademais, salientou a impossibilidade de concessão, de ofício, da ordem, pois a questão demandaria dilação probatória não admitida nesta via processual.

HC 91895/SP, rel. Min. Menezes Direito, 19.2.2008. (HC-91895)

Crime Continuado e Reunião dos Feitos - 2Quanto ao mérito, deferiu também, em parte, o writ para determinar que os processos sejam todos

submetidos ao mesmo juízo prevento. Asseverou que, relativamente à reunião dos feitos com base nas conexões subjetiva e probatória, se o juiz natural da causa reputara não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, não caberia ao STF, em habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador

Page 16: STF Penal a Partir de 2008

para afirmar o contrário. Além disso, enfatizou que, desde que submetidos ao mesmo juízo, o magistrado pode utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe a regra contida no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”). Observou, no entanto, que embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em um único processo, eles devem ser submetidos à competência do mesmo juízo prevento. De outro lado, quanto à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, entendeu que a multiplicidade de ações penais não constituiria, por si só, obstáculo ao exercício dessa garantia, não podendo o vício em questão ser invocado em situações abstratas. Após os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia acompanhando o relator, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.

HC 91895/SP, rel. Min. Menezes Direito, 19.2.2008. (HC-91895)

Legitimidade do Ministério Público e Incompetência AbsolutaA Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado pelo Ministério Público do Estado do

Rio Grande do Norte em que requerida, ante disposição da Constituição Estadual e da lei de organização judiciária, a declaração de incompetência absoluta de vara criminal para julgamento do paciente. A impetração sustenta a inconstitucionalidade formal da resolução do tribunal de justiça que fixou a competência da vara, haja vista a contrariedade com a Constituição potiguar (art. 72, VI, a) e com o princípio da reserva legal. Requer a livre distribuição do feito ou, alternativamente, a continuidade do julgamento do RHC denegado pelo STJ por ilegitimidade ativa ad causam. O Min. Ricardo Lewandowski, relator, assentando a ilegitimidade do Ministério Público, não conheceu do writ, no que foi acompanhado pelo Min. Menezes Direito. Enfatizou que, embora o parquet possa legitimamente impetrar habeas corpus para proteger o direito constitucional de ir e vir, essa medida não pode ser utilizada para veicular pretensão da acusação, ainda que, em tese, juridicamente legítima. Tendo em conta que, no caso, a diligência para que o paciente fosse intimado quanto ao interesse na impetração não lograra êxito e que o impetrante almeja, por intermédio de habeas corpus, o reconhecimento da inconstitucionalidade de resolução, entendeu que o pedido deduzido pelo parquet extrapolaria os estreitos limites do writ, mostrando-se inadequada a via processual eleita para alcançar o desiderato proposto. Considerou que a alegação de ilegalidade na resolução que atribui competência a determinado juízo constituiria iniciativa exclusiva da defesa, pois somente caberia a ela, argüi-la em benefício do réu. Ademais, admitida a possibilidade de o Ministério Público, que atua como parte no processo penal, impetrar habeas corpus em hipóteses como estas, violar-se-ia o princípio do devido processo legal, com prejuízo para o exercício da ampla defesa. Após o voto do Min. Carlos Britto, concluindo pela legitimidade do Ministério Público, pediu vista dos autos a Min. Cármen Lúcia.

HC 91510/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.2.2008. (HC-91510)

Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução ProvisóriaA Turma, por se tratar de réu preso, decidiu afetar ao Plenário julgamento de recurso ordinário em

habeas corpus em que ex-policial civil condenado à pena de reclusão, em regime fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, I e IV), pleiteia o direito de permanecer em liberdade até o trânsito em julgado da ação penal. A impetração sustenta: a) ser incabível a expedição de mandado de prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, porquanto ainda pendentes de apreciação recursos especial e extraordinário; b) ser o paciente primário, ter bons

Page 17: STF Penal a Partir de 2008

antecedentes e residir no distrito da culpa e c) ter o recorrente respondido ao processo em liberdade. Trata-se, na espécie, de recurso ordinário interposto contra acórdão do STJ que indeferira habeas corpus, ao fundamento de que a execução provisória da decisão condenatória constituiria efeito natural do exaurimento das vias recursais ordinárias, não importando em violação ao princípio constitucional da presunção de inocência, haja vista que os recursos de caráter excepcional não possuem efeito suspensivo.

RHC 93287/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.2.2008. (RHC-93287)

Inquérito Policial e Prova Ilícita - 1A Turma deferiu habeas corpus para determinar a exclusão, do inquérito policial, de cópia de

documentos obtidos ilicitamente que, antes desentranhadas, foram reconduzidas, por via indireta, ao mesmo procedimento inquisitório. No caso, ex-presidente da empresa da qual os pacientes são diretores ajuizara reclamação trabalhista e requerera, com base em documentos sigilosos da empresa, fornecidos por colega de trabalho, a abertura de inquérito policial para apuração de supostos crimes de falsidade cometidos no âmbito da reclamada. A empresa, então, aduzindo que tais documentos teriam sido obtidos de modo ilícito, solicitara a instauração de inquérito policial e o desentranhamento da documentação sigilosa que instruíra o primeiro inquérito policial, porquanto violado o art. 5º, LVI, da CF. O juízo de origem determinara o desentranhamento dessas provas e declarara a sua ilicitude. O Ministério Público Federal requisitara cópia integral dos autos daquela ação trabalhista. Diante disso, a defesa dos pacientes informara ao magistrado que o reclamante havia juntado aos autos cópia integral do inquérito, do qual constavam os documentos sigilosos, sendo-lhe deferida a solicitação para que tais cópias do inquérito policial fossem excluídas da requisição do MPF. Contra esta decisão, o parquet impetrara mandado de segurança perante o TRF da 3ª Região, postulando a remessa de cópia integral da aludida ação trabalhista, inclusive com os documentos desentranhados por ilicitude, sob a alegação de indevido cerceio a sua atividade institucional. Concedida a liminar, os diretores da empresa impetraram habeas corpus, não conhecido por Ministro do STJ, em que sustentaram a reinserção, por via oblíqua, daquela prova ilícita. No presente writ, reiteraram os fundamentos do pedido.

HC 82862/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 19.2.2008. (HC-82862)

Inquérito Policial e Prova Ilícita - 2Inicialmente, salientou-se que, durante o trâmite do feito, o TRF da 3ª Região deferira a segurança

pleiteada pelo Ministério Público Federal. Entendeu-se caracterizado constrangimento ilegal manifesto, autorizador da cognição oficial do pedido, agora contra o teor do julgamento superveniente que absorvera a eficácia da liminar impugnada neste habeas corpus. Reputou-se, ainda, dispensável adentrar a questão relativa ao uso desvirtuado do mandado de segurança, já que não poderia haver direito líquido e certo, da parte acusadora, de fazer juntar aos autos de procedimento de persecução criminal, mediante sentença mandamental de segurança, prova originalmente obtida de forma ilícita, qualquer que fosse a razão ou o pretexto invocado para o lograr. Enfatizou, nesse sentido, que o poder jurídico que as partes têm de requerer e produzir provas que julguem necessárias à apuração da verdade encontra limite intransponível no seu eventual caráter ilícito, repudiado pela Constituição (art. 5º, LVI). Ademais, aduziu-se que, na espécie, seria patente a ilicitude das provas, porquanto obtidas por funcionário da empresa, sem autorização desta, sob acusação de criminoso abuso de confiança. Concluiu-se que a permissão, para efeito de suporte de opinio delicti e de convicção judicial, da juntada de cópia integral dos autos da reclamação trabalhista em que contida cópia de documentos de presumida origem ilícita, autorizaria a produção, por via indireta, de prova, em princípio, ilícita.

Page 18: STF Penal a Partir de 2008

HC 82862/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 19.2.2008. (HC-82862)

Prisão Preventiva e Direitos Fundamentais - 1Por vislumbrar patente situação de constrangimento ilegal, a Turma deferiu habeas corpus

impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil - OAB em favor de ex-Procurador-Geral do Estado do Maranhão, preso preventivamente na denominada “Operação Navalha”, em que investigado o suposto envolvimento de organização criminosa constituída com a finalidade de desviar recursos públicos federais e estaduais destinados à execução de obras públicas, mediante fraudes em contratos licitatórios. No caso, o paciente fora acusado de associar-se a tal grupo criminoso e, valendo-se do cargo que ocupava, emitir pareceres favoráveis a determinada construtora. A custódia estava embasada na conveniência da instrução criminal e na garantia da ordem pública e econômica. Considerou-se insubsistente, na espécie, o requisito da conveniência da instrução criminal, por se constatar inexistente indicação de fatos concretos que levantassem suspeitas ou ensejassem possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal. Isso porque não demonstrada, de plano, a correlação entre os elementos apontados pela prisão preventiva relativamente ao risco de continuidade na prática de delitos em virtude da iminência de liberação de recursos do governo federal. Ademais, ressaltou-se que o paciente, quando da decretação da custódia, não ocupava mais a função de Procurador-Geral do Estado, o que afastaria o nexo fático-probatório apto a justificar a validade e a legitimidade das razões para o seu encarceramento.

HC 91386/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.2.2008. (HC-91386)

Prisão Preventiva e Direitos Fundamentais - 2No tocante ao tema da garantia da ordem pública, reiterou-se que esta envolve, em linhas

gerais, as seguintes circunstâncias principais: a) necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros; b) objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e c) necessidade de assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial o Poder Judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal. Desse modo, enfatizou-se que a liberdade de um indivíduo suspeito do cometimento de crime apenas pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do delito. Asseverou-se que, no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, não haveria exagero na comprovação de que esses direitos cumprem papel indispensável na concretização do moderno Estado Democrático de Direito, em cuja idéia também se imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Assim, salientando que no sistema constitucional pátrio o âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância, entendeu-se decisivo o fato de a prisão preventiva dos demais investigados ter sido revogada após a inquirição dos envolvidos. Por isso, afirmou-se que não faria sentido a manutenção da segregação do paciente para a mera obtenção de depoimento, aduzindo-se que a prisão é medida excepcional e não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das liberdades dos cidadãos.

HC 91386/BA, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.2.2008. (HC-91386)

Page 19: STF Penal a Partir de 2008

Adolescente - Ato Infracional - Internação Provisória - Excesso de Duração (Transcrições)

RECONS. em HC 93431/PI*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

DECISÃO (RISTF, art. 38, I): Esta decisão é por mim proferida em face da ausência eventual, nesta Suprema Corte, do eminente Relator da presente causa (fls. 65) e de seu ilustre substituto regimental (fls. 67), justificando-se, em conseqüência, a aplicação da norma inscrita no art. 38, I, do RISTF.

O exame da presente impetração evidencia a relevância da fundamentação jurídica nela exposta, o que permite reconhecer a presença, na espécie, do pressuposto concernente ao “fumus boni juris”, eis que, como narrado na petição inicial pela Defensoria Pública do Estado do Piauí, o paciente, que é adolescente, sofreu a decretação de sua internação provisória, efetivada no Centro Educacional Masculino – CEM, em Teresina/PI, há 266 (duzentos e sessenta e seis) dias, pela suposta prática de ato infracional descrito, abstratamente, como crime (homicídio qualificado).

Isso significa reconhecer , ao menos em juízo de estrita delibação, presente o contexto em análise, que se configura, na espécie, excesso de prazo na internação (meramente provisória) do adolescente em questão.

Impende verificar, por isso mesmo, se a situação versada nestes autos justifica, ou não, o reconhecimento de que está a ocorrer, na espécie, hipótese de constrangimento ilegal.

É que o quadro em análise revela que o ora paciente permanece recolhido, em estabelecimento de internação, por período superior àquele que a lei permite, dando ensejo a uma situação de injusto constrangimento, por efeito de transgressão ao que prescreve o ordenamento positivo (Lei nº 8.069/90, art. 108).

Com efeito, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao dispor sobre a possibilidade (sempre excepcional) de internação provisória do adolescente, decretável antes da sentença, estabelece que esse recolhimento dar-se-á “ pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias ” (art. 108, “ caput ”, “ in fine ”).

No caso, como precedentemente assinalado, essa internação provisória, de índole meramente cautelar, já se prolonga por 266 dias!!! Tem-se, pois, que o prazo legal máximo (45 dias) foi excedido, no caso, de modo irrazoável, pois referida internação perdura por período seis (6) vezes superior ao máximo legalmente permitido!!!

Page 20: STF Penal a Partir de 2008

É sempre importante relembrar, neste ponto, que ninguém pode permanecer preso, ou, como no caso, tratando-se de adolescente, submetido a internação provisória, por lapso temporal que exceda ao que a legislação autoriza (ECA, art. 108, “caput”), consoante adverte a própria jurisprudência constitucional que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame:

“O EXCESSO DE PRAZO, MESMO TRATANDO-SE DE DELITO HEDIONDO (OU A ESTE EQUIPARADO), NÃO PODE SER TOLERADO, IMPONDO-SE, AO PODER JUDICIÁRIO, EM OBSÉQUIO AOS PRINCÍPIOS CONSAGRADOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, O IMEDIATO RELAXAMENTO DA PRISÃO CAUTELAR DO INDICIADO OU DO RÉU.

- Nada pode justificar a permanência de uma pessoa na prisão, sem culpa formada, quando configurado excesso irrazoável no tempo de sua segregação cautelar (RTJ 137/287 – RTJ 157/633 – RTJ 180/262-264 – RTJ 187/933-934), considerada a excepcionalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, a prisão meramente processual do indiciado ou do réu, mesmo que se trate de crime hediondo ou de delito a este equiparado.

- O excesso de prazo, quando exclusivamente imputável ao aparelho judiciário - não derivando, portanto, de qualquer fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu - traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas (CF, art. 5º, LXXVIII) e com todas as garantias reconhecidas pelo ordenamento constitucional, inclusive a de não sofrer o arbítrio da coerção estatal representado pela privação cautelar da liberdade por tempo irrazoável ou superior àquele estabelecido em lei.

- A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Constituição Federal (Art. 5º, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência.

- O indiciado ou o réu, quando configurado excesso irrazoável na duração de sua prisão cautelar, não podem permanecer expostos a tal situação de evidente abusividade, ainda que se cuide de pessoas acusadas da suposta prática de crime hediondo (Súmula 697/STF), sob pena de o instrumento processual da tutela cautelar penal transmudar-se, mediante subversão dos fins que o legitimam, em inaceitável (e inconstitucional) meio de antecipação executória da própria sanção penal. Precedentes.”(RTJ 195/212-213, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

O quadro exposto nos presentes autos registra que o ora paciente está internado há 266 (duzentos e sessenta e seis) dias, sem que, nesse período, tenha sido ele julgado.

O excesso verificado – porque irrazoável – revela-se inaceitável (RTJ 187/933-934), ainda mais porque essa situação anômala não foi provocada pelo ora paciente, mas, isso sim, pelo aparelho de Estado, o que impõe, em conseqüência, o acolhimento deste pedido de reconsideração.

Page 21: STF Penal a Partir de 2008

Assinale-se, por relevante, que esse entendimento encontra pleno apoio na jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em exame, tanto que se registrou, nesta Corte, em diversas decisões, a concessão de ordens de “habeas corpus”, em situações nas quais o excesso de prazo - reconhecido em tais julgamentos - foi reputado abusivo por este Tribunal (RTJ 181/1064, Rel. Min. ILMAR GALVÃO).

Refiro-me, particularmente, aos casos nos quais a duração da privação cautelar da liberdade do acusado era semelhante ou, até mesmo, inferior ao período de internação provisória a que ainda está submetido, na espécie, o ora paciente: 10 (dez) meses e 21 (vinte e um) dias (HC 83.867/PB, Rel. Min. MARCO AURÉLIO); 04 (quatro) meses e 10 (dias) (RTJ 118/484, Rel. Min. CARLOS MADEIRA).

Essa diretriz jurisprudencial também é perfilhada pelo E. Superior Tribunal de Justiça, que, em casos semelhantes ao que ora se examina (adolescentes submetidos a internação provisória por tempo superior a 45 dias), proferiu julgamentos que se acham assim ementados:

“CRIMINAL RHC. MENOR. SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES DO PRAZO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. PERÍODO DE INTERNAÇÃO SUPERIOR AO PERMITIDO PELO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA.

I – O prazo de internação provisória de menor infrator não pode ultrapassar aquele previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – 45 dias – sob pena de se contrariar o propósito da Legislação do Menor, que pretende a celeridade dos processos e a internação como medida adotada apenas excepcionalmente.

II – Configura-se o constrangimento ilegal se verificado que, através de sucessivas prorrogações do período de internação provisória, este excede o prazo máximo permitido pela legislação especial. Precedente.

III – Recurso provido, para determinar a desinternação do menor.”(RHC 13.435/AC, Rel. Min. GILSON DIPP - grifei)

“‘HABEAS CORPUS’. ATO INFRACIONAL EQUIVALENTE AO HOMICÍDIO QUALIFICADO. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. ARTIGO 108 DO ECA. EXCESSO DE PRAZO.

1. Em que pese cuidar-se de ato infracional grave, equivalente ao homicídio qualificado, não há como manter os pacientes internados provisoriamente por quase 90 dias, superado de muito o limite legal de quarenta e cinco dias estipulado pelo artigo 108 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2. ‘Habeas corpus’ concedido.”(HC 26.035/BA, Rel. Min. PAULO GALLOTTI - grifei)

“ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. EXCESSO DE PRAZO. ALEGAÇÕES FINAIS. SÚMULA Nº 52/STJ. INAPLICABILIDADE. EXCEPCIONALIDADE - BREVIDADE DA MEDIDA EXTREMA. ORDEM CONCEDIDA.

A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 (quarenta e cinco) dias.

Page 22: STF Penal a Partir de 2008

A medida sócio-educativa de internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

A aplicação da Súmula 52/STJ mostra-se incompatível com os princípios fundamentais do ECA, devendo prevalecer o respeito ao prazo máximo de internação provisória expressamente previsto de 45 (quarenta e cinco) dias.

‘WRIT’ CONCEDIDO para determinar a imediata soltura do Paciente, salvo se estiver internado por outro motivo.”(HC 36.981/RJ, Rel. Min. PAULO MEDINA - grifei)

“RECURSO ORDINÁRIO EM ‘HABEAS CORPUS’. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA. EXCESSO DE PRAZO. ALEGAÇÕES FINAIS. SÚMULA N° 52/STJ. INAPLICABILIDADE. CÔMPUTO DO PERÍODO DE INTERNAÇÃO PROVISÓRIA EM EVENTUAL SANÇÃO POSTERIORMENTE ARBITRADA.

1. A aplicação da Súmula 52/STJ mostra-se incompatível com os princípios fundamentais do ECA de excepcionalidade, brevidade e observância da condição peculiar do menor de pessoa em desenvolvimento (art. 121), devendo prevalecer o respeito ao prazo máximo de internação provisória expressamente previsto de 45 (quarenta e cinco) dias (art. 108).

2. Inviável o exame de questão não examinada pela Corte ‘a quo’, sob pena de inadmissível supressão de instância.

3. Recurso parcialmente provido.”(RHC 12.010/DF, Rel. Min. EDSON VIDIGAL - grifei)

Sendo assim, em face das razões expostas, reconsidero a decisão de fls. 43/44, proferida pelo eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA, e defiro , em conseqüência, o pedido de medida cautelar, em ordem a determinar a imediata soltura do ora paciente, se por al não estiver internado.

A presente medida liminar não impede o normal prosseguimento do mencionado Processo nº 180/2004, ora em tramitação perante a 2ª Vara da Infância e Juventude da comarca de Teresina/PI.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao Juízo da 2ª Vara da Infância e Juventude da comarca de Teresina/PI (Processo nº 180/2004), ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (Habeas-corpus nº 07.002739-0) e ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 96.309/PI, Rel. Min. NILSON NAVES).

Publique-se.

Brasília, 19 de fevereiro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO(RISTF, art. 38, I)

Informativo 496

Prisão Especial de Advogado e Sala de Estado-Maior - 3Em conclusão de julgamento, a Turma julgou improcedente pedido formulado em reclamação ajuizada contra decisão

do Juízo da 1ª Vara do Foro Distrital de Arujá/SP, que revogara decreto de prisão domiciliar e estabelecera a custódia do reclamante, advogado, em “sala especial” — v. Informativo 481. No caso, esta Corte, ao apreciar habeas corpus impetrado em favor do ora reclamante, concedera, de ofício, a ordem para lhe assegurar prisão domiciliar, salvo eventual transferência para a sala de Estado-maior, como conceituada no precedente firmado na Rcl 4535/ES (DJU de 5.6.2007) .

Page 23: STF Penal a Partir de 2008

Ocorre que, antes da execução desse acórdão, surgira vaga no Regimento de Polícia Montada “9 de julho” e a magistrada, por considerar que o Supremo dera preferência ao recolhimento do réu em sala de Estado-maior, revogara a sua anterior determinação. Requeria-se, na espécie, o restabelecimento da autoridade da decisão aqui proferida, com o cumprimento da custódia domiciliar. Inicialmente, ressaltou-se a existência de grades em outras dependências do mencionado batalhão e não apenas no compartimento destinado ao reclamante. Considerou-se o que informado pelo juízo de origem no sentido de que as instalações apresentadas seriam de Estado-maior. Ademais, aduziu-se que o Comando Geral daquela corporação noticiara que o compartimento localizar-se-ia no edifício do Estado-maior, diferenciando-se de uma unidade prisional.

Rcl 5192/SP, rel. Min. Menezes Direito, 26.2.2008. (Rcl-5192)

HC N. 90.326-RSRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTA: Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Crimes societários e contra o meio ambiente (Lei nº 9.605/98). Ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal não configurada. Materialidade. Reexame de provas. Inviabilidade. Precedentes. Ordem denegada. 1. Tratando-se de crimes societários, a denúncia que contém condição efetiva que autorize o denunciado a proferir adequadamente a defesa não configura indicação genérica capaz de manchá-la com a inépcia. No caso, a denúncia demonstrou claramente o crime na sua totalidade e especificou a conduta ilícita do paciente. 2. O trancamento de ação penal em habeas corpus impetrado com fundamento na ausência de justa causa é medida excepcional que, em princípio, não tem cabimento quando a denúncia ofertada narra suficientemente fatos que constituem o crime. 3. A via estreita do habeas corpus não comporta dilação probatória, exame aprofundado de matéria fática ou nova valoração dos elementos de prova. 4. Habeas corpus denegado.

* noticiado no Informativo 493

HC N. 91.760-PIRELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE PECULATO. AUSÊNCIA DE NOTIFIAÇÃO PRÉVIA (ART. 514 E SEGUINTES DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). NULIDADE RELATIVA. ARGÜIÇÃO DA NULIDADE APÓS TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO: PRECLUSÃO. PRECEDENTES. EXACERBAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. INSURGÊNCIA CONTRA A DECRETAÇÃO DA PERDA DO CARGO PÚBLICO: VIA PROCESSUAL INADEQUADA. PRECEDENES. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL IMPOSTA AO PACIENTE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA POR TER NEGADO AO PACIENTE O DIREITO À SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE RECLUSÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITO: OCORRÊNCIA. HABEAS CORPUS CONHECIDO PARCIALMENTE E NA PARTE CONHECIDA DEFERIDA PARCIALMENTE A ORDEM.1. A ausência da notificação prévia de que trata o art. 514 do Código de Processo Penal constitui vício que gera nulidade relativa e deve ser argüida oportunamente, sob pena de preclusão. Precedentes. Inobservância do procedimento ocorrida em razão de equivocada classificação jurídica do fato na denúncia, vício que deveria ter sido afastado pelo juiz da causa no ato de recebimento da inicial . 2. A decretação da perda do cargo público não se discute em habeas corpus por se tratar de via processual inadequada para discutir sua validade, dado que não representa ameaça à liberdade de locomoção. Precedentes. 3. Discussão relativa à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos que surgiu quando o Superior Tribunal de Justiça afastou a agravante prevista no art. 61, inc. II, alínea g, do Código Penal e provocou efetivo prejuízo para o Paciente em razão de poder ele pleitear o benefício perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mediante o ajuizamento de revisão criminal. 4. Habeas corpus parcialmente conhecido e na parte conhecida deferida parcialmente a ordem.

* noticiado no Informativo 486

HC N. 93.134-SPRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691. SUPERAÇÃO DO VERBETE. PRISÃO PREVENTIVA DE ESTRANGEIRO. CUSTÓDIA DECRETADA PARA A GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL E A MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. PRESSUPOSTOS SUPERADOS. TRATAMENTO ANTI-ISONÔMICO. CARACTERIZAÇÃO. LIBERTAÇÃO DE OUTRO PRESO EM SITUAÇÃO IDÊNTICA. ORDEM CONCEDIDA. I - Superados os pressupostos que autorizam a decretação da prisão preventiva a liberdade provisória deve ser imediatamente concedida. II - A comprovação de bons antecedentes, residência fixa e a entrega voluntária de passaporte por estrangeiro, acusado da prática de crimes contra o sistema financeiro, demonstra a intenção de submeter-se à jurisdição brasileira. III - A custódia cautelar baseada apenas na necessidade de manutenção da ordem pública não pode fundar-se em argumentos genéricos, devendo apresentar contornos concretos e individualizados. IV - Custodiado que, ademais, encontra-se em situação anti-isonômica com relação a outro detido, também estrangeiro, preso por motivos semelhantes, mas posteriormente libertado. V - Ordem concedida.

* noticiado no Informativo 493

RE N. 460.880-RSRELATOR: MIN. MARCO AURÉLIODOMICÍLIO - INVIOLABILIDADE NOTURNA - CRIME DE RESISTÊNCIA - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. A garantia constitucional do inciso XI do artigo 5º da Carta da República, a preservar a inviolabilidade do domicílio durante o período noturno, alcança também ordem judicial, não cabendo cogitar de crime de resistência.

* noticiado no Informativo 481

Apropriação Indébita Previdenciária e NaturezaO Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Marco Aurélio, que determinara

o arquivamento de inquérito, do qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no

Page 24: STF Penal a Partir de 2008

prazo e forma legal ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material — no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva —, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte.

Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (Inq- 2537)

Mesmo raciocínio que é adotado para os crimes tributários!

Falha na Citação e Não Ocorrência de Preclusão A ausência de citação escorreita para os atos do processo caracteriza vício insanável. Com base nesse entendimento, a

Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do CP que, em virtude de erro no endereço constante do mandado de citação, fora citado por edital. Considerou-se que a defesa do paciente restara prejudicada por falha do aparelho judiciário, haja vista ser plausível a hipótese de que, se procurado no endereço correto, poderia ter sido encontrado para o ato de chamamento à lide penal. Asseverou-se que, embora tal alegação só tivesse sido suscitada em sede de habeas corpus , quando já transitada em julgado a decisão condenatória e até mesmo ajuizada ação de revisão criminal, cujo pedido fora julgado improcedente, não haveria de se cogitar da preclusão. No ponto, enfatizou-se que a falta de citação pessoal causara prejuízo insanável ao paciente, o qual ficara impossibilitado de exercer a autodefesa e de escolher livremente o seu defensor, garantias, aliás, acolhidas no art. 8º, 2, d, da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, adotada pelo Brasil por meio do Decreto 678/92. Por fim, com o acolhimento dessa pretensão, reputou-se superado o argumento de ausência de intimação da defensora pública para a sessão de julgamento do recurso de apelação. Ordem concedida para decretar, em relação ao paciente, a nulidade do processo a partir do ato de citação, nos termos do art. 573 do CPP.

HC 92569/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.3.2008. (HC-92569)

Enquadramento na Denúncia e Responsabilidade ObjetivaA Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento de ação penal instaurada contra

denunciado, com terceiros, pela suposta infração aos artigos 12 e 14, da Lei 6.368/76 e ao art. 180, do CP, todos combinados com o art. 69 do referido código. A impetração sustenta a ilegalidade da custódia preventiva, sob os seguintes fundamentos: a) excesso de prazo; b) inexistência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP; e c) falta de justa causa para a ação penal, considerada a atipicidade da conduta. Alega, ainda, que a denúncia não conteria a descrição individualizada dos fatos imputados ao paciente. O Min. Marco Aurélio, relator, ante o pronunciamento do STJ em idêntica medida, declarou o prejuízo parcial da impetração no tocante à prisão preventiva. No mérito, deferiu o writ quanto aos fatos narrados na denúncia e o enquadramento dela constante. Aduziu que, relativamente ao paciente, os fatos diriam respeito à imputação ligada à circunstância de adquirir produto que sabia de procedência ao menos duvidosa, implementando, assim, prática enquadrável no delito de receptação. Asseverou que o Ministério Público estadual, no entanto, a partir da premissa de ter o paciente adquirido produto de acusado de tráfico de drogas, o denunciara também por associação para tal fim e até mesmo por tráfico. Entendeu que o parquet fizera ilação incompatível com o ordenamento jurídico vigente, chegando-se assim à responsabilidade objetiva. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.

HC 92258/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 11.3.2008. (HC-92258)

Alegações Finais e Ampla DefesaA Turma deferiu parcialmente habeas corpus em que condenado pela prática dos crimes descritos nos artigos 12,

caput e §§ 1º e 2º, II; 13 e 14, da Lei 6.368/76 questionava acórdão do STJ que denegara idêntica medida ao fundamento de que a falta de apresentação das alegações finais pelo defensor constituído, regularmente intimado, não constituiria nulidade. Entendeu-se que, à luz da Constituição (art. 5º, LIV e LV), a defesa técnica não seria mera exigência formal, mas sim garantia insuprimível, de caráter necessário. Mencionou-se, ainda, o que estatuído no art. 261 do CPP (“Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.”), esclarecendo que nas alegações finais se concentram e resumem as conclusões que representam a posição substantiva de cada parte perante a acusação, considerada agora do ponto de vista das provas, enquanto último ato que lhes pesa a título de ônus e colaboração na formação da sentença, como exigência da estrutura contraditória do justo processo da lei. E, sendo a defesa técnica essencial e indisponível e, no âmbito de atuação, fundamentais as alegações finais para o seu concreto exercício, concluiu-se pela inviabilidade de julgamento, legal e justo, sem a devida e apta apresentação dessa peça processual. Ademais,

Page 25: STF Penal a Partir de 2008

ressaltando que, na espécie, o advogado constituído deixara, aparentemente de modo propositado, por duas vezes, de apresentar as alegações finais, aduziu-se que essa circunstância não justificaria que o acusado suportasse as conseqüências danosas da inépcia do defensor. No ponto, enfatizou-se que a ordem jurídica não concede ao réu estratégia processual alternativa que implique renúncia ao direito de defesa. Assim, verificada a negligência ou a má-fé do patrono, cabia ao juiz da causa nomear defensor dativo para o ato ou, até mesmo, declarar o réu indefeso, nomeando-lhe defensor público para supri-las. De outro lado, rejeitou-se o pedido de revogação do decreto de prisão, porquanto o paciente evadira-se do estabelecimento prisional onde se encontrava por força de prisão preventiva, não havendo, nos autos, subsídios suficientes para o exame de eventual desacerto na determinação da custódia pelo juízo de origem. Writ concedido, em parte, para declarar nula a sentença condenatória e todos os atos processuais posteriores, reabrindo-se o prazo para apresentação de alegações finais da defesa, após intimação regular, com nomeação de defensor dativo, se necessária para o ato, em caso de nova omissão ou ato inepto.

HC 92680/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 11.3.2008. (HC-92680)

Lei de Imprensa e Prescrição RetroativaÉ possível a incidência do instituto da prescrição retroativa em tema de delitos de imprensa. Com base nesse

entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente por efeito da consumação da prescrição penal. Asseverou-se que, na espécie, já havendo sentença condenatória transitada em julgado para o querelante, a prescrição não deveria ser considerada em abstrato, mas sim calculada pelo dobro da pena aplicada (Lei 5.250/67: “ Art . 41. A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2 anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no dôbro do prazo em que fôr fixada.”).

HC 89684/PB, rel. Min. Celso de Mello, 11.3.2008. (HC-89684)

Culturas Ilegais de Plantas Psicotrópicas e Área a ser DesapropriadaA Turma, acolhendo proposta do Min. Eros Grau, submeteu ao Plenário julgamento de recurso extraordinário, do

qual relator, em que se discute se a desapropriação das glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, nos termos do disposto no art. 243, da CF, restringe-se à área efetivamente cultivada ou estende-se a todo o terreno (“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”).

RE 543974/MG, rel. Min. Eros Grau, 11.3.2008. (RE-543974)

AG. REG. NA AP N. 470-MGRELATOR MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. EXPEDIÇÃO DE CARTAS DE ORDEM INDEPENDENTEMENTE DE PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DECISÃO DO PLENÁRIO DA CORTE. IMPUGNAÇÃO POR AGRAVO REGIMENTAL. NÃO-CONHECIMENTO. INTERROGATÓRIOS. ORGANIZAÇÃO DO CALENDÁRIO DE MODO QUE AS DATAS DAS AUDIÊNCIAS REALIZADAS EM DIFERENTES ESTADOS DA FEDERAÇÃO NÃO COINCIDAM. PARTICIPAÇÃO DOS CO-REUS. CARÁTER FACULTATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES NO JUÍZO DEPRECADO. Não se conhece de Agravo Regimental contra decisão do relator que simplesmente dá cumprimento ao que decidido pelo Plenário da Corte.É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus, evitando-se a coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência. Este Tribunal possui jurisprudência reiterada no sentido da desnecessidade da intimação dos defensores do réu pelo juízo deprecado, quando da oitiva de testemunhas por carta precatória, bastando que a defesa seja intimada da expedição da carta. Precedentes citados.

* noticiado no Informativo 491HC N. 88.673-RJRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTA Habeas Corpus. Direito Penal e Processual Penal. Prisão preventiva. Requisitos. Competência especial por prerrogativa de função dos ex-ocupantes de cargos políticos. ADI n° 2.797/DF e ADI n° 3.289/DF. Evolução de entendimento. Declaração de inconstitucionalidade. 1. Se o co-réu não foi nomeado presidente do Banco Central, embora tenha sido sabatinado e aprovado pelo Senado Federal, apenas respondendo em diversas oportunidades pela presidência, não goza ele de foro por prerrogativa de função previsto na Lei n° 11.036/04. 2. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente está satisfatoriamente fundamentada. 3. Habeas corpus indeferido.

* noticiado no Informativo 486

HC N. 92.464-RJREL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIOPROCESSO PENAL - BALIZAS - ARTIGO 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - SEGUNDA INSTÂNCIA - OBSERVAÇÃO - IMPROPRIEDADE. Descabe, em grau de revisão, acionar o disposto no artigo 384 do Código de Processo Penal - Verbete nº 453 da Súmula do Supremo: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa”.

Page 26: STF Penal a Partir de 2008

RECURSO - REFORMA PREJUDICIAL AO RECORRENTE. Implica reforma prejudicial, considerado recurso da defesa, a anulação da sentença para abrir-se oportunidade ao Estado-acusador de aditar a denúncia, presente o artigo 384 do Código de Processo Penal.

* noticiado no Informativo 484HC N. 90.174-GOREL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITOEMENTA Habeas Corpus. Competência de Justiça estadual. Repasse de Verbas. Lei nº 8.666/93. 1. É de competência da Justiça estadual processar e julgar agente público estadual acusado de prática de delito de que trata o art. 89 da Lei nº 8.666/93, não sendo suficiente para atrair a competência da Justiça Federal a existência de repasse de verbas em decorrência de convênio da União com Estado-membro. 2. Habeas Corpus deferido.

* noticiado no Informativo 491

Inf. 499

Interceptação Telefônica e Acesso da Defesa - 1A Turma deferiu habeas corpus para assegurar que a defesa tenha amplo acesso às peças de inquérito instaurado

contra indiciados pela suposta prática dos delitos tipificados no art. 4º da Lei 8.137/90, no art. 1º da Lei 8.176/91 e no art. 288 do CP, cujos advogados constituídos não puderam consultar e extrair cópias do conteúdo escrito e gravado dos procedimentos resultantes de escutas telefônicas implementadas no curso da investigação. No caso, o inquérito policial apura a existência de cartel no mercado varejista de gasolina em determinada capital. Ocorre que o juízo de origem decretara a prisão temporária dos pacientes e a defesa não tivera acesso ao conteúdo dos apensos desse inquérito e do procedimento cautelar apuratório no qual autorizadas as interceptações telefônicas. Apresentado requerimento ao magistrado com o pleito de vista e de extração de cópias da investigação, na integralidade, o juízo excluíra o acesso aos áudios decorrentes das interceptações (com as correspondentes degravações) e às diligências ainda em curso. Contra essa decisão, fora impetrado habeas corpus no tribunal de justiça local, que concedera medida acauteladora tão-só em relação à tomada de depoimento dos pacientes e o indeferira no mérito, ensejando, então, idêntica medida no STJ.

HC 92331/PB, rel. Min. Marco Aurélio, 18.3.2008. (HC-92331)

Interceptação Telefônica e Acesso da Defesa - 2Inicialmente, considerou-se superado o óbice do Enunciado 691 da Súmula do STF, haja vista o posterior julgamento

formalizado pelo STJ, manifestando-se os impetrantes pela ausência de prejuízo no que deferida parcialmente a ordem. Em seguida, ressaltou-se que a preservação da privacidade seria a razão da cláusula final do art. 8º da Lei 9.296/96 (“ A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.”) e que o sigilo das diligências mostrar-se-ia a tônica das investigações policiais, contudo até o estágio em que já apurados os fatos, quando colacionados dados que viabilizassem o interrogatório dos envolvidos. Ademais, entendeu-se que impedir o acesso do profissional da advocacia aos autos contrastaria com o direito à assistência técnica assegurado ao acusado . Nesse sentido, asseverou-se que o sigilo próprio aos dados da interceptação telefônica estaria direcionado a proteger e não a gerar quadro em que alguém se visse envolvido, devendo comparecer à delegacia policial, sem que se lhe fosse proporcionado, e ao advogado, conhecer as razões respectivas. Concluiu-se que o sigilo pode estar ligado a investigações em andamento, mas, a partir do momento em que existe interrogatório dos envolvidos, indispensável o acesso, à defesa, ao que se contém no próprio inquérito. Fora isso, seria impossibilitar a atuação da defesa, em violação ao devido processo legal. Precedente citado: HC 90232/AM (DJU de 2.3.2007).

HC 92331/PB, rel. Min. Marco Aurélio, 18.3.2008. (HC-92331)

Lei 11.596/2007: Prescrição e Acórdão CondenatórioA Lei 11.596/2007, ao alterar a redação do inciso IV do art. 117 do CP (“Art. 117 - O curso da prescrição

interrompe-se: ... IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis;”), apenas confirmara pacífico posicionamento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o acórdão condenatório reveste-se de eficácia interruptiva da prescrição penal. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a declaração de extinção da punibilidade do paciente que, inicialmente condenado por abuso de autoridade (Lei 4.898/65, art. 4º, a), tivera sua sentença reformada, pelo tribunal de justiça local, para a prática do crime de extorsão, sendo este acórdão anulado pelo STJ no tocante à causa especial de aumento de pena. Inicialmente, aduziu-se ser juridicamente relevante a existência de dois lapsos temporais, a saber: a) entre a data do recebimento da denúncia e a sentença condenatória e b) entre esta última e o acórdão que reformara em definitivo a condenação, já que o acórdão que modifica substancialmente decisão monocrática representa novo julgamento e assume, assim, caráter de marco interruptivo da prescrição. Tendo em conta a pena máxima cominada em abstrato para o delito de extorsão simples ou a sanção concretamente aplicada, constatou-se que, no caso, a

Page 27: STF Penal a Partir de 2008

prescrição não se materializara. O Min. Marco Aurélio ressaltou em seu voto que a mencionada Lei 11.596/2007 inserira mais um fator de interrupção, pouco importando a existência de sentença condenatória anterior, sendo bastante que o acórdão, ao confirmar essa sentença, também, por isso mesmo, mostre-se condenatório.

HC 92340/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.3.2008. (HC-92340)OBS.: Para os Min. Menezes Direito e Ricardo Lewandowski a nova lei apenas veio positivar o entendimento

pacificado no sentido de que, se acórdão modificar substancialmente a sentença, ele interrompe a prescrição. No entanto, o Min. Marco Aurélio vai além, dizendo que não tem sentido uma lei vir a estabelecer o que já se extraía da regra existente(entendia-se que a expressão “sentença” deveria receber interpretação ampla para entender-se “decisão”), assim, qualquer acórdão, modificando ou não a sentença deveria interromper a prescrição, o que caracterizaria uma opção político-criminal.

Trancamento de Ação Penal e Norma Penal em BrancoConstitui ilegalidade reparável pela via do habeas corpus fazer com que alguém responda pelo exercício ilegal de

uma profissão que ainda não foi regulamentada. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para determinar, quanto à acusação de exercício ilegal da profissão de árbitro ou mediador (Lei de Contravenções Penais, art. 47), o trancamento de ação penal instaurada contra acusada também pela suposta prática dos delitos de formação de quadrilha, falsidade ideológica e usurpação de função pública (CP, artigos 288, 299 e 328, parágrafo único, respectivamente). Considerou-se que, ausente regulamentação legal das condições jurídicas necessárias ao desempenho da função de árbitro, ou mediador, não seria possível dar-se por caracterizada, nem mesmo em tese, a conduta descrita no art. 47 da LCP (“Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício:”). Enfatizou-se que os requisitos referidos na figura típica devem estar regulamentados por lei, sem os quais restaria inviabilizado, no caso, o manejo da ação penal com base no art. 47 da LCP que, por se tratar de norma penal em branco, depende da indicação de lei que estabeleça as condições para o exercício de determinada atividade. Entendeu-se que, quanto aos demais crimes, a denúncia apresentaria os elementos mínimos necessários ao prosseguimento da persecução penal.

HC 92183/PE, rel. Min. Carlos Britto, 18.3.2008. (HC-92183)

Furto Qualificado e Hibridismo PenalA Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática de furto qualificado pelo concurso de agentes (CP,

art. 155, § 4º, III) pleiteava a manutenção da decisão proferida pelo tribunal de origem que, ao aplicar à pena de furto simples a majorante prevista para o crime de roubo (CP, art. 157, § 2º), reduzira a sanção imposta. Inicialmente, salientou-se que a analogia in bonam parte realizada pelo tribunal de justiça estadual — que aumentara a pena-base do furto em um terço e não no dobro, como determina a lei —, ainda que com fundamento nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia, não se mostrara de boa técnica. Esclareceu-se que o legislador estabelecera diferença entre a qualificadora existente no furto e a causa de aumento de pena disposta na hipótese de roubo . Asseverou-se que, do ponto de vista técnico, não se poderia afirmar que o legislador aumentara a pena do furto no caso de concurso de agentes, mas que, na verdade, ter-se-ia novo tipo penal, cujo elemento definidor seria o concurso. Ademais, considerou-se errônea a assertiva de que o legislador, na espécie, não teria atentado para a necessária proporcionalidade entre o crime e a pena, pois ao criar novo tipo penal, com a correspondente sanção, certamente levara em conta critérios de valoração, em matéria de política criminal, que não se reduziriam a mera equivalência aritmética. Assim, entendeu-se que, em se tratando de furto qualificado, não haveria exasperação circunstancial a partir de um tipo penal básico, como ocorre no roubo, porém uma figura típica diversa para a qual cominada sanção autônoma, não se podendo concluir, dessa forma, que o aumento da pena em dobro (CP, art. 155, § 4º) violaria aos mencionados princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.

HC 92626/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25.3.2008. (HC-92626)

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 1A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que denegara liberdade provisória a

denunciado pela suposta prática do crime de tráfico ilícito de drogas (Lei 11.343/2006, art. 33, caput) que, preso em flagrante em 10.2.2007, alegava excesso de prazo e falta de óbices à concessão do referido benefício. Pre liminarmente, tendo em conta a jurisprudência do STF no sentido de que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo da custódia, não se conheceu do writ, no ponto. Contudo, entendeu-se que, nas circunstâncias do caso, não restaria prejudicado o exame do pedido de concessão de liberdade provisória, uma vez que a solução quanto ao seu cabimento teria influência direta na discussão relativa à possibilidade de o paciente apelar em liberdade. Assim, salientou-se que, se correta a tese sustentada pela defesa de que deveria ter sido concedida a liberdade provisória desde o início do processo, o paciente, ao tempo da sentença,

Page 28: STF Penal a Partir de 2008

estaria em liberdade e, portanto, poderia, em princípio, suscitar a aplicação do art. 59 da Lei 11.343/2006 (“ Nos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.”).

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 2No mérito, aduziu-se que, para a Constituição, a prisão em flagrante seria espécie de prisão processual, ficando, de

regra, reservada à legislação ordinária definir se admite, ou não, a liberdade provisória, podendo tal benesse ser negada de duas formas: a) expressamente ou b) dispondo que o delito é inafiançável. Se admitida, a liberdade provisória pode dar-se com ou sem o pagamento de fiança. Nesse sentido, os incisos LXVI, (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com o sem fiança;”), XLII (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”) e XLIII (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos...”), todos do art. 5º, da CF. No tocante a esse último dispositivo, asseverou-se que esse inciso possuía eficácia limitada até a superveniência da Lei 8.072/90 (art. 2º, II), que proibiu a concessão de fiança e liberdade provisória aos crimes hediondos e equiparados. No ponto, esclareceu-se que, para o deslinde da presente questão, dever-se-ia analisar se a Lei 11.464/2007, ao alterar o referido art. 2º, II, da Lei 8.072/90, excluindo a expressão “ e liberdade provisória”, teria possibilitado a concessão desta aos presos em flagrante pela prática de tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e delitos definidos como hediondos.

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

Liberdade Provisória: Lei 11.464/2007 e Tráfico de Drogas - 3Considerou-se que a inafiançabilidade imposta ao delito imputado ao paciente bastaria para impedir a concessão de

liberdade provisória, sendo irrelevante a alteração efetuada pela Lei 11.464/2007 que, mantendo a vedação de fiança, somente retirara uma redundância contida no texto originário do art. 2º, II, da Lei 8.072/90. Ressaltou-se que esta Corte possui orientação consolidada no sentido de que a proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos e assemelhados decorre da própria inafiançabilidade imposta pela Constituição à legislação ordinária. Dessa forma, por maiores razões, incabível esse benefício aos presos em flagrante por tráfico de drogas. Ademais, enfatizou-se que a Lei 11.464/2007 não alcançaria os dispositivos legais que cuidam do delito de tráfico de drogas que, ao tempo da sua entrada em vigor, já contava com disciplina específica a respeito (Lei 11.343/2006: “Art. 44.  Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.”). Assim, reputou-se que a Lei 11.464/2007 não poderia modificar a disciplina que, quando do seu advento, já constava de lei especial, aplicável à espécie. Por fim, rejeitou-se a proposta de concessão de habeas corpus de ofício para que o paciente progredisse de regime prisional, porquanto ainda pendente de apreciação recurso da acusação que, se provido, majoraria a pena a período superior ao tempo em que custodiado o paciente. Atentou-se para o fato de que este fora preso em flagrante quando vigente a Lei 11.343/2006, que passou a exigir, na hipótese, o cumprimento de, pelo menos, 2/5 da pena para a progressão. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem, de ofício, para que o juízo de primeiro grau analisasse as condições, visando à progressão de regime de cumprimento da pena.

HC 93302/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.3.2008. (HC-93302)

Citação por Edital e Direito de Defesa - 1 Ante a verificação da falta de regular citação pessoal do paciente, a Turma deferiu habeas corpus para anular o

processo a partir da citação editalícia levada a efeito pelo Juízo do 2º Tribunal do Júri da Capital de São Paulo. No caso, o paciente fora denunciado, com terceiro, pela suposta prática dos delitos de tentativa de homicídio simples (CP, art. 121, caput, c/c o art. 14, II) e homicídio simples (CP, art. 121, caput). Contudo, o juiz do tribunal do júri, convencido da ausência de elementos que indicassem o cometimento de crimes dolosos contra a vida, determinara a desclassificação dos delitos imputados, com a remessa dos autos ao juízo singular, que o condenara por latrocínio consumado (CP, art. 157, § 3º, 2ª parte) e por latrocínio tentado (CP, art. 157, § 3º, 2ª parte, c/c o art. 14, II). Ocorre que no curso do feito perante o tribunal do júri, em face da não localização do paciente, expedira-se mandado de prisão e a citação se realizara por edital. Diante do não-comparecimento para o interrogatório, o processo prosseguira à revelia do paciente. Não apresentada a defesa prévia, o juízo nomeara defensora ad hoc para representá-lo durante a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação.

HC 88548/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 18.3.2008. (HC-88548)

Page 29: STF Penal a Partir de 2008

Citação por Edital e Direito de Defesa - 2Tendo em conta que, na espécie, não foram esgotados todos os meios disponíveis para a localização do paciente,

entendeu-se que a citação por edital não deveria ter sido realizada. Asseverou-se que tal falta não seria sanada pela simples nomeação de defensor dativo. Considerou-se, no ponto, que não se constatando a escorreita citação do acusado, com uso de todos os meios ao alcance do juízo para que fosse localizado, negara-se-lhe o direito ao interrogatório e, em acréscimo, fora-lhe retirada a prerrogativa de, livremente, escolher o advogado incumbido de sua defesa, elegendo, junto com este, as testemunhas que caberia arrolar e as demais provas que poderia produzir. Nesse sentido, enfatizou-se que o direito de defesa constitui pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e materializa uma das expressões do princípio da dignidade da pessoa humana. Ordenou-se, por fim, a renovação do feito em todos os seus demais termos, devendo o paciente ser colocado em liberdade se, por outro motivo, não estiver preso . Precedentes citados: HC 70460/SP (DJU de 4.2.94); HC 74577/SP (DJU de 28.2.97); HC 81151/DF (DJU de 22.2.2002); HC 67755/SP (DJU de 11.9.92).

HC 88548/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 18.3.2008. (HC-88548)

Crime Continuado e Reunião de Feitos - 3A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que advogado, denunciado por suposta obtenção fraudulenta de

benefícios junto ao INSS (CP, artigos 71, § 3º; 299 e 304), pretendia o reconhecimento da continuidade delitiva em relação aos crimes imputados, bem como a reunião de mais de 500 processos em curso contra ele — v. Informativo 495. Em votação majoritária, deferiu-se parcialmente a ordem para determinar que os processos instaurados contra o paciente sejam submetidos ao mesmo juízo prevento. Asseverou-se que, relativamente à reunião dos feitos com base nas conexões subjetiva e probatória, se o juiz natural da causa reputara não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, não caberia ao STF, em habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador para afirmar o contrário. Além disso, enfatizou-se que, desde que submetidos ao mesmo juízo, o magistrado pode utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe a regra contida no art. 80 do CPP (“Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.”). Observou-se, no entanto, que embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em um único processo, eles devem ser submetidos à competência do mesmo juízo prevento. De outro lado, quanto à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, entendeu-se que a multiplicidade de ações penais não constituiria, por si só, obstáculo ao exercício dessa garantia, não podendo o vício em questão ser invocado em situações abstratas. Vencidos, em parte, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que deferiam o writ em maior extensão para fulminar os processos em curso e assentar que apenas um deveria merecer a seqüência cabível. O Min. Carlos Britto reajustou o voto proferido em 19.2.2008.

HC 91895/SP, rel. Min. Menezes Direito, 1º.4.2008. (HC-91895)

Prisão Preventiva e Progressão de RegimeA Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado pela prática dos crimes de quadrilha, falsidade

ideológica, coação no curso do processo e favorecimento pessoal, preso preventivamente desde meados de 2004, reitera as alegações de excesso de prazo da custódia e ausência de fundamentação na sentença condenatória. A Min. Cármen Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito. Inicialmente, aplicou a jurisprudência da Corte no sentido de que, com a superveniência da sentença condenatória, que constitui novo título da prisão, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo. Entendeu que, com o julgamento da apelação interposta pelo paciente, além de prejudicada a matéria concernente à excessiva demora na apreciação daquele recurso, também não haveria mais que se discutir eventual falta de motivação da sentença condenatória, a qual fora substituída pelo acórdão de apelação. A relatora informou, ainda, que na presente impetração não houvera a formulação de pedido específico quanto a possíveis benefícios referentes à execução da pena. Assentou que, não obstante o paciente tivesse sustentado seu direito à progressão de regime e ao livramento condicional, poder-se-ia concluir que o tema fora suscitado somente a título de evidência do alegado excesso de prazo da prisão. No ponto, considerou não caber a concessão da ordem, de ofício, uma vez que as instâncias antecedentes decidiram corretamente ao deixar de analisar o pleito de progressão, enfatizando que, já tendo sido extraída guia de execução provisória da sentença, caberia ao paciente requerer aquele benefício, originariamente, ao juízo das execuções criminais, sob pena de supressão de instância. Por outro lado, aduziu que o exame dos requisitos para a concessão dos benefícios da progressão de regime de cumprimento da pena, ou mesmo livramento condicional, ultrapassaria os limites da via eleita. Após o voto do Min. Marco Aurélio que concedia a ordem por vislumbrar excesso de prazo, pediu vista o Min. Carlos Britto.

HC 93443/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-93443)

Page 30: STF Penal a Partir de 2008

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de AumentoA Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que restabelecera a condenação do

paciente ao fundamento de que, para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, não seria exigível que a arma de fogo fosse periciada ou apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que fora devidamente utilizada para intimidar a vítima. No caso, o paciente ingressara, com arma de fogo na cintura, em estabelecimento comercial e, subjugando funcionária, subtraíra valores. A impetração requer a manutenção da pena imposta pelo tribunal de origem, ao argumento de que seria indispensável a apreensão e a perícia da arma para aferição da mencionada causa de aumento. Sustenta que a potencialidade lesiva desse instrumento não poderia ser atestada por outros elementos de prova contidos nos autos. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu o writ para anular o referido acórdão do STJ e restabelecer a condenação do paciente pelo crime de roubo, descrito no art. 157, caput, do CP. Entendeu que o emprego de arma de fogo simulada, ineficiente, descarregada ou arma de brinquedo não poderia constituir causa especial de aumento de pena na prática do roubo, embora pudesse servir de instrumento de intimidação. Asseverou ser incabível dar ao objeto “arma” alcance extensivo, diverso daquele que a caracteriza como instrumento capaz de lesar a integridade física de alguém, sob pena de se atribuir à majorante interpretação diversa para conseqüente aplicação extensiva, proibida no Direito Penal. Assim, enfatizou que, se a arma não for apreendida para fins de perícia ou não for possível atestar a sua potencialidade lesiva por outros meios de prova, como ocorrera na espécie, não teria a acusação como fazer prova da idoneidade da arma. Nessas condições, considerou que a aludida arma deveria ser reputada inidônea à ofensividade exigida pela norma, e, ainda, ineficaz à causação efetiva ou potencial de dano, o que impediria a incidência da causa de aumento disposta no inciso I do § 2º do art. 157 do CP. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Ricardo Lewandowski.

HC 92871/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 1º.4.2008. (HC-92871)

Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 1Por vislumbrar patente constrangimento ilegal, a Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus

impetrado contra acórdão do STJ que, ante a inexistência de previsão legal para a interposição de recurso em sentido estrito (CPP, art. 581), reputara adequada a utilização, pelo Ministério Público estadual, de “reclamação” para impugnar decisão judicial concessiva de prisão domiciliar. Considerou-se que, abstraídas as questões de fundo debatidas no presente recurso, a saber, o teórico cabimento de custódia domiciliar em se tratando de réu ainda não apenado e, na seqüência, o exame da gravidade da doença que acometeria o ora recorrente, a indicar o aconselhamento da medida, o recurso deveria ser acolhido por motivo diverso, por se constatar o descabimento da via recursal eleita pelo parquet em face à decisão do juízo de primeiro grau, consistente no deferimento do direito de prisão domiciliar ao paciente.

RHC 91293/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RHC-91293)

Correição Parcial e Descabimento da Via Recursal - 2Ressaltando que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro cassara o aludido benefício mediante a incidência

do art. 210 de seu regimento interno [“São suscetíveis de correição, mediante reclamação da parte ou do Órgão do Ministério Público, as omissões dos Juízes e os despachos irrecorríveis por eles proferidos que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de erro de ofício ou abuso de poder (CODJERJ, art. 219)”], esclareceu-se que o referido dispositivo cuidaria do instituto da “correição parcial”, conceitualmente abordada como meio de impugnação de despachos tumultuários emitidos pelo juiz, o que não se aplicaria à decisão que permitira ao réu o cumprimento da prisão preventiva em domicílio, uma vez que nada indicaria houvesse o magistrado promovido a inversão da ordem processual em desacordo com a lei. No ponto, asseverou-se que se trataria de decisão interlocutória não contemplada nos taxativos permissivos arrolados no art. 581 do CPP, o qual não comporta interpretação extensiva. Aduziu-se que entendimento diverso permitiria ao regimento interno do tribunal a criação de recurso que, além de não contemplado na lei processual penal, com ela se mostraria conflitante, abrindo nova via recursal em face de toda e qualquer manifestação do juízo, mesmo que seu provimento resultasse em prejuízo ao réu. RHC provido para restabelecer o decisório de primeira instância, possibilitando, com isso, a permanência do recorrente em prisão domiciliar, se e enquanto o juízo monocrático reputar cabível a medida.

RHC 91293/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.4.2008. (RHC-91293)

Júri: Cerceamento de Defesa e Juntada de DocumentosA impossibilidade de realização ampla do contraditório e do direito de defesa do paciente, com todos os meios a ela

inerentes, é causa inconteste de nulidade absoluta. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para que novo julgamento seja realizado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Sumaré, com a possibilidade de leitura dos documentos cuja juntada, formulada pela defesa nos três dias anteriores à sessão de julgamento, restara denegada pelo magistrado. No caso, o pleito de juntada de novos documentos fora deduzido em 15.4.2002, sendo que a aludida sessão

Page 31: STF Penal a Partir de 2008

perante o tribunal do júri estava designada para 18.4.2002. Ocorre que o juízo de primeiro grau reputara não atendido o prazo do art. 475 do CPP (“Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido comunicado à parte contrária, com antecedência, pelo menos, de três dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo.”). Considerou-se ilegal esse indeferimento. Asseverou-se que, conforme demonstrado nos autos, a defesa apresentara os documentos três dias antes da data designada para o julgamento e que, dessa forma, bastava dar ciência, naquele mesmo dia, à acusação e a sua assistência, de que a defesa realizaria sua leitura, ainda que tal ciência se desse por simples despacho nos autos ou que se determinasse que os advogados do réu providenciassem a mencionada comunicação. Aduziu-se que, na espécie, o ato questionado não fora praticado em error in procedendo, mas sim em error in judicando, uma vez que se impedira a juntada de documentos para a leitura em plenário, com base em intempestividade que não ocorrera. Assim, caracterizado o alegado cerceamento à defesa do paciente, principalmente no que tange a sua participação na formação da prova. Ademais, enfatizou-se que não importaria o efeito que a leitura desses documentos causaria nos jurados durante a sessão de julgamento. A defesa tinha, independentemente da relevância do seu conteúdo, o direito de ler aqueles documentos em plenário e, portanto, tentar influenciar na decisão final dos jurados. Concluiu-se que ofende o interesse público uma decisão proferida sem que todas as provas existentes sejam submetidas ao conhecimento do órgão julgador.

HC 92958/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.4.2008. (HC-92958)

Crime de Receptação - Cominação Penal - Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade (Transcrições)

HC 92525 MC/RJ* Isso é decisão cautelar! Está para ser julgado pela Turma!

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE COMO POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV). DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 84):

“‘HABEAS CORPUS’. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE FALTA DE PROVAS. PRETENSÃO A SER APURÁVEL POR COGNIÇÃO PLENA. EXAME FÁTICO. FASE EXECUTÓRIA. REVISÃO CRIMINAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.

1. O remédio de ‘habeas corpus’ não se presta a contraditar a decisão condenatória, porquanto não permite o reexame do material cognitivo, cabendo ao procedimento de cognição plena fazê-lo em toda a extensão requerida.

2. Segundo orientação pacífica desta Corte, não tem fundamento a alegação de inconstitucionalidade do § 1º do art. 180 do Código Penal, porquanto ele descreve conduta apurável em tipo penalmente relevante.

3. A nulificação do processo pelo cerceamento de defesa deve ser atestada somente com a comprovação do efetivo prejuízo ao réu.

Ordem denegada.”(HC 49.444/RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – grifei)

Page 32: STF Penal a Partir de 2008

Dentre os vários fundamentos que dão suporte à presente impetração, há um que se refere à alegada inconstitucionalidade do preceito secundário sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 9.426/96 (fls. 17/23).

Tenho por relevante esse fundamento, que sustenta a inconstitucionalidade em referência com apoio em alegada ofensa ao princípio da proporcionalidade, pois não se mostra razoável punir mais severamente uma conduta que revela índice de menor gravidade.

Cumpre ter presente, no exame dessa questão, a advertência feita por ALBERTO SILVA FRANCO (“Código Penal e a sua interpretação jurisprudencial”, vol. 2/2969, item n. 10.00, 7ª ed., 2001, RT):

“Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como admitir, sob o enfoque constitucional que o legislador ordinário estabeleça um preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do ‘caput’ do art. 180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no caso, o autor pratica o fato criminoso com dolo direto. As duas dimensões de subjetividade ‘dolo direto’ e ‘dolo eventual’ podem acarretar reações penais iguais, ou até mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao ‘dolo eventual’. O que não se pode reconhecer é que a ação praticada com ‘dolo eventual’ seja três vezes mais grave - é o mínimo legal que detecta o entendimento do legislador sobre a gravidade do fato criminoso - do que quase a mesma atividade delituosa, executada com dolo direto. Aí, o legislador penal afrontou, com uma clareza solar, o princípio da proporcionalidade .” (grifei)

Essa mesma crítica é também revelada por eminentes doutrinadores (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 555, 7ª ed., 2007, Renovar), que igualmente vislumbram a existência, no preceito sancionador inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, de transgressão ao princípio constitucional da proporcionalidade, eis que não tem sentido infligir punição mais gravosa à receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º), que supõe, em sua configuração típica, mero dolo indireto eventual, e impor sanção penal mais branda à receptação simples (CP, art. 180, “caput”), cuja tipificação requer dolo direto, como adverte, em preciso magistério, DAMÁSIO E. DE JESUS (“Direito Penal”, vol. 2/490-494, item n. 9, “e”, 23ª ed., 2000, Saraiva, v.g.):

“(...) O § 1º do art. 180 do CP, com redação da Lei n° 9.426/96, descrevendo crime próprio, pune o comerciante ou industrial que comete receptação, empregando a expressão ‘que deve saber ser produto de crime’. Como o ‘caput’ prevê o conhecimento pleno (‘coisa que sabe ser produto de crime’), que a doutrina e a jurisprudência conectam ao dolo direto, e o § 3° descreve a forma culposa, o § 1º só pode tratar de crime doloso com o chamado conhecimento parcial da origem ilícita da coisa (dúvida, insegurança, incerteza), que a doutrina liga ao dolo eventual (ou à culpa). Se o § 1° definisse modalidade culposa, a figura típica nele contida não teria sentido em face do § 3°, que enuncia o crime culposo. Dessa forma, de acordo com a lei nova, se o comerciante devia saber que a coisa era produto de crime (dúvida, incerteza, desconfiança, dolo eventual), a pena é de 3 a 8 anos de reclusão (§ 1°). E se sabia, i. e., se tinha pleno conhecimento? O fato não se encontra ‘especificamente’ descrito no ‘caput’ ou no § 1°.

Haverá, no mínimo, cinco orientações:

1ª) se o comerciante ou industrial, presentes as elementares do tipo, ‘sabia’ que o objeto material era produto de crime, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180), levando-se em conta que o § 1° só prevê o ‘devia saber’. Se ‘sabia’, o fato é atípico diante do § 1°, que exige o elemento subjetivo do tipo ‘deve saber’ (princípio da legalidade ou da reserva legal). Se não sabia, embora devendo saber, aplica-se o § 1°;

2ª) o fato é absolutamente atípico, uma vez que o crime próprio de receptação de comerciante ou industrial encontra-se descrito no § 1°, que não prevê o elemento subjetivo do tipo ‘sabe’. Assim, o fato não se enquadra no ‘caput’ nem no § 1°;

3ª) o fato adapta-se ao § 1°, que abrange o ‘sabe’ (dolo direto para a doutrina) e o ‘deve saber’ (dolo indireto eventual): se a lei pune o fato menos grave com o mínimo de 3 anos de reclusão (‘deve saber’), não seria crível que o de maior gravidade (‘sabe’) fosse atípico ou punido com pena menor (1 ano de reclusão). O ‘deve saber’ não pode ser entendido como indicativo somente de dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando que a origem criminosa do objeto material ingressou na esfera de consciência do receptador, abrangendo o conhecimento pleno (‘sabe’) e o parcial (dúvida, desconfiança);

4ª) o tipo do § 1° deve ser totalmente desconsiderado porque ofende o princípio constitucional da proporcionalidade: se aplicado, ‘sabendo’ o comerciante ou industrial que a coisa se origina de crime (delito

Page 33: STF Penal a Partir de 2008

mais grave), a pena é de 1 a 4 anos de reclusão (‘caput’ do art. 180); ‘devendo saber’ (infração de menor gravidade), de 3 a 8 anos (§ 1°). Assim, consciente da origem delituosa do objeto material, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180); se ‘devia saber’, aplica-se a forma culposa (§ 3°), conforme pacífica jurisprudência anterior à lei;

5ª) concorda com a posição anterior, desconsiderando, contudo, somente o preceito secundário do § 1° do art. 180, permanecendo a definição do crime próprio do comerciante (preceito primário). Se ‘sabia’, aplica-se o ‘caput’; se ‘devia saber’, amolda-se o fato ao § 1°, com a pena do ‘caput’, cortando-se o excesso. A diferenciação pessoal e subjetiva é considerada pelo juiz na fixação da pena concreta.

A primeira orientação não pode ser aceita. Se o comerciante ‘sabia’, a pena é de 1 a 4 anos de reclusão; se ‘devia saber’, de 3 a 8 anos. O fato menos grave é apenado mais severamente.

A segunda posição carece de fundamento. A afirmação de que a conduta, consciente o comerciante ou industrial da origem ilícita do objeto material, é absolutamente atípica despreza o processo de atipicidade relativa: é atípica em face do § 1° (delito próprio), porém a incriminação subsiste diante da redação prevista no ‘caput’ (crime comum). A ausência da elementar desloca a adequação típica para outra figura.

O terceiro posicionamento desrespeita o princípio da tipicidade, uma vez que não distingue o sabe do deve saber. O ‘deve saber’, para essa orientação, inclui o ‘sabe’, o que é de todo improcedente, uma vez que constitui tradição de nossa doutrina, como vimos, ligar o ‘deve saber’ ao dolo eventual ou à culpa, categorias psicológico-normativas de censurabilidade menor.

A quarta orientação somente peca porque desconsidera totalmente o § 1°.Preferimos a quinta orientação, para nós a menos pior, tendo em vista que a lei nova veio para

confundir, não para esclarecer: o preceito secundário do § 1° deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da proporcionalidade e da individuali zação legal da pena . Realmente, nos termos das novas redações, literalmente interpretadas, se o comerciante devia saber da proveniência ilícita do objeto material, a pena é de reclusão, de 3 a 8 anos (§ 1°); se sabia, só pode subsistir o ‘caput’, com reclusão de 1 a 4 anos. A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional, desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade.

......................................................A elaboração da norma penal incriminadora não pode subtrair-se à obediência aos preceitos constitucionais.

Cumpria, pois, à Lei n° 9.426/96, ter como parâmetro o princípio da proporcionalidade entre o fato cometido e a gravidade da resposta penal, pois é nesse momento, o da individualização legislativa da pena (CF, art. 5°, XLVI), que a proporcionalidade apresenta fundamentalmente a sua eficácia (...).

.......................................................Se a pena, abstrata ou concreta, de quem ‘sabe’ é mais censurável do que a do sujeito que ‘devia saber’,

sendo comum no sistema da legislação penal brasileira descrever as duas situações subjetivas no mesmo tipo, não podia a Lei n° 9.426/96, ferindo o princípio da proporcionalidade, inserir o ‘devia saber’, de menor censurabilidade, em figura autônoma (§ 1º), com pena de 3 a 8 anos de reclusão, subsistindo o ‘sabia’, de menor reprovabilidade, no ‘caput’, com pena de 1 a 4 anos. A proporcionalidade, que indica equilíbrio, foi ferida. (...).” (grifei)

Vê-se, das lições ora expostas, que o legislador brasileiro - ao cominar pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, “caput”) e ao punir, com maior severidade, um crime revestido de menor gravidade (CP, art. 180, § 1º) - atuou de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao postulado da proporcionalidade.

Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente em sede de tipificação e cominação penais, não pode agir imoderadamente , pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o

controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Entendo, por isso mesmo, que a tese exposta nesta impetração revela-se juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já assentou, a propósito do tema, a orientação de que transgride o postulado do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material

Page 34: STF Penal a Partir de 2008

(“substantive due process of law”), a regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota da irrazoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa (especialmente aquela de índole penal) - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva , o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu conteúdo intrínseco - especialmente naquelas hipóteses de imposições restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como a liberdade) - passa a depender, essencialmente, da observância de determinados requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do Poder Legislativo.

A essência do “substantive due process of law” reside na necessidade de conter os excessos do Poder, quando o Estado edita legislação que se revele destituída do necessário coeficiente de razoabilidade, como parece ocorrer na espécie ora em exame.

Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

Daí a advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo impõe o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em estrita relação de harmonia com padrões de razoabilidade.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Em suma: a norma estatal, que veicule qualquer conteúdo de irrazoabilidade (como ocorreria no caso em exame), transgride o princípio do devido processo legal, examinado este na perspectiva de sua projeção material (“substantive due process of law”).

Essa cláusula tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Nem se diga, de outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder, estaria excedendo os limites materiais de sua função jurisdicional.

Na verdade, esta Suprema Corte, adstringindo-se aos estritos limites de sua competência constitucional, já decidiu, em contexto no qual se discutia a ocorrência, ou não, de antinomia real (ou insolúvel), insuscetível, portanto, de superação pelos critérios ordinários (critério cronológico, critério hierárquico e critério da especialidade), que se revelava legítima a utilização, embora excepcional, da interpretação ab-rogante, quando absoluta (e insuperável) a relação de antagonismo entre dois preceitos normativos, hipótese em que, adotado

Page 35: STF Penal a Partir de 2008

esse método extraordinário, “ ou o intérprete elimina uma das normas contraditórias (ab-rogação simples) ou elimina as duas normas contrárias (ab-rogação dupla) ” (RTJ 166/493, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES).

Ao julgar o HC 68.793/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, a colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apoiando-se no magistério de NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 100/103, 1989, Polis/Editora Unb), assinalou que a interpretação ab-rogante, porque excepcional, deve ser ordinariamente afastada, preferindo-se, a ela, quando conciliáveis os dispositivos antinômicos (antinomia aparente), a denominada “(...) interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a incompatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial modificação no texto da lei” (RTJ 166/493 – grifei).

Em conseqüência desse entendimento, e buscando viabilizar “a eliminação da incompatibilidade”, o Supremo Tribunal Federal (cuidava-se, então, de regras normativas constantes da Lei dos Crimes Hediondos), mediante exegese restritiva das normas legais em exame, promoveu uma conciliação sistemática dos preceitos legais, “(...) deixando ao primeiro, a fixação da pena (...) e ao segundo, a especialização do tipo do crime (...)” (RTJ 166/493), na linha do que se preconiza nas lições que venho de referir, que propõem, para solução do conflito, a subsistência do preceito primário consubstanciado no § 1º do art. 180 do Código Penal, embora aplicando-se-lhe o preceito sancionador (preceito secundário) inscrito no “caput” do referido art. 180 do CP.

Os aspectos que venho de ressaltar permitem-me reconhecer, embora em juízo de sumária cognição, a ocorrência, na espécie, do requisito pertinente à plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo impetrante.

Concorre, por igual, o pressuposto concernente ao “periculum in mora” (fls. 23).Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para suspender, cautelarmente, a

eficácia da condenação penal imposta ao ora paciente nos autos do Processo-crime nº 99.001.155943-4 (14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 49.444/RJ), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (Apelação Criminal nº 1.872/2001) e ao MM. Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca do Rio de Janeiro/RJ (Processo-crime nº 99.001.155943-4).

Publique-se.Brasília, 31 de março de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

* decisão publicada no DJE de 3.4.2008

Prisão Preventiva e Direitos Fundamentais (Transcrições)

(v Informativo 495)

HC 91386/BA*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Voto: Nesta impetração, a defesa alega, em síntese, falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva.O parecer do Ministério Público Federal (MPF) (fls. 654-664), da lavra da Subprocuradora-Geral da República Cláudia Sampaio Marques, é pela

denegação da ordem, nos seguintes termos:

“3. O parecer é pela denegação da ordem.4. O Paciente e outras 45 (quarenta e cinco) pessoas tiveram as prisões preventivas decretadas nos autos do Inquérito nº 544/BA (fls.

369/370), por integrarem robusta e articulada organização criminosa com finalidade precípua de desviar recursos públicos federais e estaduais destinados à execução de obras públicas, mediante fraudes em contratos licitatórios e prática de diversos crimes (peculato, corrupção de servidores públicos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, dentre inúmeros outros), visando garantir o direcionamento das verbas para obras de interesse da organização, ou então, obter êxito na liberação do pagamento de obras fraudulentas (superfaturadas ou ‘fantasmas’).

5. Os fatos relativos aos presentes autos foram minuciosamente relatados pela Ministra Eliana Calmon ao decretar a prisão preventiva do ora Paciente, sendo assim expostos:

‘(...) DELETEI

No caso, a prisão preventiva sustenta-se nos seguintes fundamentos para a decretação da prisão cautelar, nos termos do art. 312 do CPP: i) conveniência da instrução criminal; e ii) garantia da ordem pública e econômica.

Na linha da jurisprudência deste Tribunal, porém, não basta a mera explicitação textual dos requisitos previstos pelo art. 312 do CPP.De fato, a tarefa de interpretação constitucional para a análise de excepcional situação jurídica de constrição da liberdade dos cidadãos exige que a

alusão a esses aspectos estejam lastreados em elementos concretos.Da leitura dos argumentos expendidos pela Relatora perante o STJ, contudo, constato que não há, em qualquer momento, a indicação de fatos

concretos que levantem suspeita ou ensejem considerável possibilidade de interferência da atuação do paciente para retardar, influenciar ou obstar a instrução criminal.

Tenho por insubsistente o requisito da decretação para a conveniência da instrução criminal. Isso ocorre porque não ficou demonstrada, de plano, a correlação entre os elementos apontados pela prisão preventiva no que concerne ao risco de

continuidade da prática de delitos em razão da iminência de liberação de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Page 36: STF Penal a Partir de 2008

Um elemento decisivo para a análise da regularidade dessa decretação em desfavor de ULISSES CESAR MARTINS DE SOUSA corresponde ao fato de que, ao momento da prolação da medida constritiva provisória, o paciente não mais ostentava a função de Procurador-Geral do Estado do Maranhão.

A preventiva foi decretada, conforme já mencionado, cerca de 11 meses após o afastamento do paciente. Daí a constatação de ausência de nexo fático-probatório apto a justificar a validade e a legitimidade das razões para a decretação da preventiva.

Com relação ao tema da garantia da ordem pública, faço menção à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº 88.537/BA e recentemente sistematizado nos HC’s 89.090/GO e 89.525/GO acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Nesses julgados, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais:

i) a necessidade de resguardar a integridade física ou psíquica do paciente ou de terceiros;ii) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar; e

iii) associada aos dois elementos anteriores, para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.

A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de crime somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos e não apenas em hipóteses ou conjecturas, ou na gravidade do crime. Nesse sentido arrolo os seguintes julgados de ambas as Turmas:

“HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO E PRIVILEGIADO. CONDENAÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI EM SEDE DE APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR FUNDADA NO CLAMOR SOCIAL E NA CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES. EXCESSO DE PRAZO. 1. O clamor social e a credibilidade das instituições, por si sós, não autorizam a conclusão de que a garantia da ordem pública está ameaçada, a ponto de legitimar a manutenção da prisão cautelar do paciente enquanto aguarda novo julgamento pelo Tribunal do Júri. 2. A prisão processual, pela excepcionalidade que a caracteriza, pressupõe inequívoca demonstração da base empírica que justifique a sua necessidade, não bastando apenas aludir-se a qualquer das previsões do art. 312 do Código de Processo Penal. 3. Hipótese, ademais, em que se configura o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo da instrução criminal, que não pode ser atribuído à defesa. Ordem concedida” – (HC nº 84.662/BA, Rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, unânime, DJ 22.10.2004).

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. Remanesce, sob tal fundamento, a necessidade da medida excepcional da constrição cautelar da liberdade face à demonstração da possibilidade de reiteração criminosa. 2. Prisão cautelar por conveniência da instrução criminal. A retirada de documentos do Juízo pelo paciente e a destruição deles na residência de sua ex-esposa, sem a oitiva do Ministério Público, autorizam a conclusão de que sua liberdade traduz ameaça ao andamento regular da ação penal. Merece relevo ainda a assertiva do Procurador-Geral da República de que ‘dentre outros fundamentos, foi considerado o fato relevantíssimo de o Paciente ser um dos mentores da organização criminosa, dispor de vários colaboradores, com fácil trânsito nos mais diversos meios, o que poderia facilitar a corrupção de agentes, funcionários, testemunhas, tudo com o objetivo de prejudicar o regular andamento do processo criminal’. Ordem denegada” – (HC nº 86.175/SP, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, unânime, DJ 10.11.2006).

“1. PRISÃO PREVENTIVA. Medida cautelar. Natureza instrumental. Sacrifício da liberdade individual. Excepcionalidade. Necessidade de se ater às hipóteses legais. Sentido do art. 312 do CPP. Medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, a prisão preventiva deve ordenar-se com redobrada cautela, à vista, sobretudo, da sua função meramente instrumental, enquanto tende a garantir a eficácia de eventual provimento definitivo de caráter condenatório, bem como perante a garantia constitucional da proibição de juízo precário de culpabilidade, devendo fundar-se em razões objetivas e concretas, capazes de corresponder às hipóteses legais (fattispecie abstratas) que a autorizem. 2. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na gravidade do delito, a título de garantia da ordem pública. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Constrangimento ilegal caracterizado. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva que, a título de necessidade de garantir a ordem pública, se funda na gravidade do delito. 3. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decreto fundado na necessidade de restabelecimento da ordem pública, abalada pela gravidade do crime. Exigência do clamor público. Inadmissibilidade. Razão que não autoriza a prisão cautelar. Precedentes. É ilegal o decreto de prisão preventiva baseado no clamor público para restabelecimento da ordem social abalada pela gravidade do fato. 4. AÇÃO PENAL. Homicídio doloso. Júri. Prisão preventiva. Decreto destituído de fundamento legal. Pronúncia. Silêncio a respeito. Contaminação pela nulidade. Precedentes. Quando a sentença de pronúncia se reporta aos fundamentos do decreto de prisão preventiva, fica contaminada por eventual nulidade desse e, a fortiori, quando silencie a respeito, de modo que, neste caso, é nula, se o decreto da preventiva é destituído de fundamento legal. 5. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Motivação ilegal e insuficiente. Suprimento da motivação pelas instâncias superiores em HC. Acréscimo de fundamentos. Inadmissibilidade. Precedentes. HC concedido. Não é lícito às instâncias superiores suprir, em habeas corpus ou recurso da defesa, com novas razões, a falta ou deficiência de fundamentação da decisão penal impugnada” – (HC nº 87.041/PA, Rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, maioria, DJ 24.11.2006).

O tema da regularidade e do atendimento dos requisitos para a decretação da prisão preventiva é constitucionalmente relevante porque, caso se pretenda atribuir aos direitos individuais eficácia superior à das normas meramente programáticas, então devem-se identificar precisamente os contornos e limites de cada direito.

Em outras palavras, é necessário definir a exata conformação do seu âmbito de proteção. Tal colocação já seria suficiente para realçar o papel especial conferido ao legislador, tanto na concretização de determinados direitos quanto no estabelecimento de eventuais limitações ou restrições.

Evidentemente, não só o legislador, mas também os demais órgãos estatais dotados de poderes normativos, judiciais ou administrativos cumprem uma importante tarefa na realização dos direitos fundamentais.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos individuais. Já a colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em setenta e oito incisos e quatro parágrafos (CF, art. 5o), reforça a impressão sobre a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta, portanto, a vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de guardar-lhes estrita observância.

Page 37: STF Penal a Partir de 2008

O constituinte reconheceu ainda que os direitos fundamentais são elementos integrantes da identidade e da continuidade da Constituição, considerando, por isso, ilegítima qualquer reforma constitucional tendente a suprimi-los (art. 60, § 4º).  A complexidade do sistema de direitos fundamentais recomenda, por conseguinte, que se envidem esforços no sentido de precisar os elementos essenciais dessa categoria de direitos, em especial no que concerne à identificação dos âmbitos de proteção e à imposição de restrições ou limitações legais.

E no que se refere aos direitos de caráter penal, processual e processual-penal, talvez não haja qualquer exagero na constatação de que esses direitos cumprem um papel fundamental na concretização do moderno Estado democrático de direito.

Como observa Martin Kriele, o Estado territorial moderno arrosta um dilema quase insolúvel: de um lado, há de ser mais poderoso que todas as demais forças sociais do país – por exemplo, empresas e sindicatos –, por outro, deve outorgar proteção segura ao mais fraco: à oposição, aos artistas, aos intelectuais, às minorias étnicas (Cf. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado - Fundamentos Históricos de la Legitimidad del Estado Constitucional Democrático. Trad. de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150).

O estado absolutista e os modelos construídos segundo esse sistema (ditaduras militares, estados fascistas, os sistemas do chamado “centralismo democrático”) não se mostram aptos a resolver essa questão.

Segundo ressalta Kriele:

“(...) A Inglaterra garantiu os direitos humanos sem necessidade de uma constituição escrita. Por outro lado, um catálogo constitucional de direitos fundamentais é perfeitamente compatível com o absolutismo, com a ditadura e com o totalitarismo. Assim, por exemplo, o art. 127 da Constituição soviética de 1936 garante a `inviolabilidade da pessoa´. Isso não impediu que o terror stalinista tivesse alcançado em 1937 seu ponto culminante. A constituição não pode impedir o terror, quando está subordinada ao princípio de soberania, em vez de garantir as condições institucionais da rule of law. O mencionado artigo da Constituição da União Soviética diz, mas adiante, que `a detenção requer o consentimento do fiscal do Estado´. Esta fórmula não é uma cláusula de defesa, mas tão-somente uma autorização ao fiscal do Estado para proceder à detenção. Os fiscais foram nomeados conforme o critério político e realizaram ajustes ao princípio da oportunidade política, e, para maior legitimidade, estavam obrigados a respeitar as instruções. Todos os aspectos do princípio de habeas corpus ficaram de lado, tais como as condições legais estritas para a procedência da detenção, a competência decisória de juízes legais independentes, o direito ao interrogatório por parte do juiz dentro de prazo razoável, etc. Nestas condições, a proclamação da `inviolabilidade da pessoa´ não tinha nenhuma importância prática. Os direitos humanos aparentes não constituem uma defesa contra o Arquipélago Gulag; ao contrário, servem para uma legitimação velada do princípio da soberania: o Estado tem o total poder de disposição sobre os homens, mas isto em nome dos direitos humanos. (Kriele, Martín. Introducción a la Teoría del Estado. cit., p. 160-161)

A solução do dilema – diz Kriele – consiste no fato de que o Estado incorpora, em certo sentido, a defesa dos direitos humanos em seu próprio poder, ao definir-se o poder do Estado como o poder defensor dos direitos humanos. Todavia, adverte Kriele, “sem divisão de poderes e em especial sem independência judicial isto não passará de uma declaração de intenções”. É que, explicita Kriele, “os direitos humanos somente podem ser realizados quando limitam o poder do Estado, quando o poder estatal está baseado na entrada em uma ordem jurídica que inclui a defesa dos direitos humanos ”. (KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p.150)

Nessa linha ainda expressiva a conclusão de Kriele:

“Os direitos humanos estabelecem condições e limites àqueles que têm competência de criar e modificar o direito e negam o poder de violar o direito. Certamente, todos os direitos não podem fazer nada contra um poder fático, a potestas desnuda, como tampouco nada pode fazer a moral face ao cinismo. Os direitos somente têm efeito frente a outros direitos, os direitos humanos somente em face a um poder jurídico, isto é, em face a competências cuja origem jurídica e cujo status jurídico seja respeitado pelo titular da competência.

Esta é a razão profunda por que os direitos humanos somente podem funcionar em um Estado constitucional. Para a eficácia dos direitos humanos a independência judicial é mais importante do que o catálogo de direitos fundamentais contidos na Constituição (g.n) ”. KRIELE, Martín. Introducción a la Teoría del Estado, cit. p. 159-160.

Tem-se, assim, em rápidas linhas, o significado que os direitos fundamentais e, especialmente os direitos fundamentais de caráter processual, assumem para a ordem constitucional como um todo.

Acentue-se que é a boa aplicação dos direitos fundamentais de caráter processual – aqui merece destaque a proteção judicial efetiva – que permite distinguir o Estado de Direito do Estado Policial!

Não se pode perder de vista que a boa aplicação dessas garantias configura elemento essencial de realização do princípio da dignidade humana na ordem jurídica. Como amplamente reconhecido, o princípio da dignidade da pessoa humana impede que o homem seja convertido em objeto dos processos estatais. (Cf. MAUNZ-DÜRIG. Grundgesetz Kommentar. Band I. München: Verlag C. H. Beck , 1990, 1I 18)

Na mesma linha, entende Norberto Bobbio que a proteção dos cidadãos no âmbito dos processos estatais é justamente o que diferencia um regime democrático daquele de índole totalitária:

“A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law).” (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)

Em verdade, tal como ensina o notável mestre italiano, a aplicação escorreita ou não dessas garantias é que permite avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie.

Nesse sentido, forte nas lições de Claus Roxin, também compreendo que a diferença entre um Estado totalitário e um Estado (Democrático) de Direito reside na forma de regulação da ordem jurídica interna e na ênfase dada à eficácia do instrumento processual penal da prisão preventiva. Registrem-se as palavras do professor Roxin: 

“Entre as medidas que asseguram o procedimento penal, a prisão preventiva é a ingerência mais grave na liberdade individual; por outra parte, ela é indispensável em alguns casos para uma administração da justiça penal eficiente. A ordem interna de um Estado se revela no modo em que está regulada essa situação de conflito; os Estados totalitários, sob a antítese errônea Estado-cidadão, exagerarão facilmente a importância do interesse estatal na realização, o mais eficaz possível, do procedimento penal. Num Estado de Direito, por outro lado, a regulação dessa situação de conflito não é determinada através da antítese Estado-cidadão; o Estado mesmo está obrigado por ambos os fins: assegurar a ordem por meio da persecução penal e proteção da esfera de liberdade do cidadão.Com isso, o princípio constitucional da proporcionalidade

Page 38: STF Penal a Partir de 2008

exige restringir a medida e os limites da prisão preventiva ao estritamente necessário.” (ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Editores del Puerto; 2000, p. 258)

Nessa linha, sustenta Roxin que o direito processual penal é o sismógrafo da Constituição, uma vez que nele reside a atualidade política da Carta Fundamental. (Cf. ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal, cit., p.10). É dizer o âmbito de proteção de direitos e garantias fundamentais recebe contornos de especial relevância em nosso sistema constitucional.

Na espécie, considerando essa dimensão indisponível de proteção de liberdades, tomo por decisiva a circunstância de que, com relação a todos os demais investigados, a autoridade apontada como coatora, após a inquirição de cada uma das pessoas envolvidas, revogou a prisão preventiva decretada nos autos do INQ no 544/BA.

De outro lado, deve-se ter em mente que não é possível esvaziar o conteúdo constitucional da importante função institucional atribuída às investigações criminais na ordem constitucional pátria. Nesse ponto, entendo que a Eminente Relatora do INQ n o 544/BA possui amplos poderes para convocar sempre que necessário o ora paciente.

Por essa razão, não faz sentido a manutenção da prisão para a mera finalidade de obtenção de depoimento. A prisão preventiva é medida excepcional que, exatamente por isso, demanda a explicitação de fundamentos consistentes e individualizados com relação a cada um dos cidadãos investigados (CF, art. 93,IX e art. 5o, XLVI).

A idéia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por conseqüência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões preventivas.

Na ordem constitucional pátria, os direitos fundamentais devem apresentar aplicabilidade imediata (CF, art. 5o, §1o).A realização dessas prerrogativas não pode nem deve sujeitar-se unilateralmente ao arbítrio daqueles que conduzem investigação de caráter

criminal.Em nosso Estado de Direito, a prisão é uma medida excepcional e, por essa razão, não pode ser utilizada como meio generalizado de limitação das

liberdades dos cidadãos.Ao contrário do que parece sustentar o parecer da PGR, deve-se asseverar que a existência de indícios de autoria e materialidade, por mais que

confiram, em tese, base para eventual condenação penal definitiva, não pode ser invocada, por si só, para justificar a decretação de prisão preventiva. Diante do exposto, no caso concreto, a prisão preventiva não atendeu aos requisitos do art. 312 do CPP.Vislumbro, assim, patente situação de constrangimento ilegal apta a ensejar o deferimento da ordem. É como voto.

* acórdão pendente de publicação

Inf.501

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 1O Tribunal iniciou julgamento de habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, em que se discute a possibilidade,

ou não, de se expedir mandado de prisão contra o acusado nas hipóteses em que a sentença condenatória estiver sendo impugnada por recursos de natureza excepcional, sem efeito suspensivo. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que mantivera a prisão preventiva do paciente/impetrante, por entender que esta, confirmada em segundo grau, não ofende o princípio da não-culpabilidade, porquanto os recursos especial e extraordinário, em regra, não possuem efeito suspensivo — v. Informativos 367 e 371. O Min. Eros Grau, relator, concedeu a ordem para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória. HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 9.4.2008. (HC-84078)

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 2O relator salientou que a orientação até agora adotada pelo Supremo, segundo a qual não há óbice à execução da

sentença quando pendente apenas recursos sem efeito suspensivo, deve ser revista. Esclareceu, inicialmente, que os preceitos veiculados pela Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal, artigos 105, 147 e 164), além de adequados à ordem constitucional vigente (art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP, que estabelece que o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo e, uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença. Asseverou que, quanto à execução da pena privativa de liberdade, dever-se-ia aplicar o mesmo entendimento fixado, por ambas as Turmas, relativamente à pena restritiva de direitos, no sentido de não ser possível a execução da sentença sem que se dê o seu trânsito em julgado. Aduziu que, do contrário, além da violação ao disposto no art. 5º, LVII, da CF, estar-se-ia desrespeitando o princípio da isonomia.

HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 9.4.2008. (HC-84078)

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 3Em seguida, o relator afirmou que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada

a título cautelar. Enfatizou que a ampla defesa englobaria todas as fases processuais, razão por que a execução da sentença após o julgamento da apelação implicaria, também, restrição do direito de defesa, com desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. Ressaltou, ademais, que o modelo de execução

Page 39: STF Penal a Partir de 2008

penal consagrado na reforma penal de 1984 conferiria concreção ao denominado princípio da presunção de inocência, não sendo relevante indagar se a Constituição consagraria, ou não, a presunção de inocência, mas apenas considerar o enunciado normativo de garantia contra a possibilidade de a lei ou decisão judicial impor ao réu, antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, sanção ou conseqüência jurídica gravosa que dependesse dessa condição constitucional. Frisou que esse quadro teria sido alterado com o advento da Lei 8.038/90, que instituiu normas procedimentais relativas aos processos que tramitam perante o STJ e o STF, ao dispor que os recursos extraordinário e especial seriam recebidos no efeito devolutivo. No ponto, disse que a supressão do efeito suspensivo desses recursos seria expressiva de uma política criminal vigorosamente repressiva, instalada na instituição da prisão temporária pela Lei 7.960/89 e, posteriormente, na edição da Lei 8.072/90.

HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 9.4.2008. (HC-84078)

Prisão Preventiva: Pendência de Recurso sem Efeito Suspensivo e Execução Provisória - 4Por fim, o Min. Eros Grau citou o que decidido no RE 482006/MG (DJU de 14.12.2007), no qual declarada a

inconstitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impunha a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional, ao fundamento de que tal preceito afrontaria o disposto no art. 5º, LVII, da CF. Concluiu o relator que, se a Corte, nesse caso, prestigiara o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade, não o poderia negar quando se tratasse da garantia da liberdade. Após, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista do Min. Menezes Direito.

HC 84078/MG, rel. Min. Eros Grau, 9.4.2008. (HC-84078)

Transferência de Preso Provisório - 1A Turma indeferiu habeas corpus em que acusado pela suposta prática dos crimes de contrabando e de formação de

quadrilha pretendia a sua transferência para estabelecimento prisional no Rio de Janeiro. A impetração sustentava que: a) a transferência para a penitenciária federal de Campo Grande/MS não ocorrera em virtude das ações do paciente, mas das péssimas condições da penitenciária de Bangu I e da inexistência de estabelecimento apropriado, no Rio de Janeiro, para o Regime Disciplinar Diferenciado - RDD; b) essa decisão de transferência seria ilegal, porquanto não houvera a manifestação prévia do Ministério Público e da defesa; c) a revogação do RDD aplicado ao paciente fizera cessar o motivo de sua transferência e d) o paciente, como advogado, teria direito à prisão especial em sala de Estado-Maior ou, na sua falta, à concessão de prisão domiciliar. Reputou-se correta a decisão do STJ, a qual assentara que o cumprimento de pena de prisão em unidade da federação diversa daquela em que cometida a infração, ou mesmo a condenação, encontra-se previsto no art. 86 da Lei de Execução Penal - LEP, cujo § 3º preconiza que definição do estabelecimento prisional adequado para abrigar preso provisório ou condenado cabe ao juiz competente, ou seja, ao juiz da instrução (quando em curso o processo) ou ao juiz da condenação (se já proferida a sentença condenatória).

HC 93391/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 15.4.2008. (HC-93391)

Transferência de Preso Provisório - 2Enfatizou-se que, no caso, a transferência do paciente para Campo Grande fora realizada diante da imposição do

RDD, mas, não obstante, o juiz de 1º grau poderia definir tal estabelecimento como o mais adequado para a custódia preventiva. Além disso, o Rio de Janeiro não possuía, à época, instalações penitenciárias compatíveis para o cumprimento daquele regime. Assim, salientou-se que, não havendo ilegalidade no deslocamento do paciente para outra unidade da federação, dever-se-ia apreciar a decisão que a determinara. No ponto, afirmou-se a existência de elementos concretos que indicariam a necessidade de reforço da cautela, aptos a justificar a manutenção do paciente no estabelecimento federal. No tocante à alegada falta de prévia intimação da defesa e do parquet, ressaltou-se inicialmente que, na ausência de outro instrumento adequado, a Resolução 502, do Conselho da Justiça Federal, substituída pela Resolução 557, tem regulamentado os procedimentos de inclusão e transferência de presos no sistema penitenciário federal. Contudo, aduziu-se que essa resolução não poderia sobrepor-se à norma processual (LEP, art. 86, § 3º). Rejeitou-se, de igual modo, o pleito de prisão em sala do Estado-Maior. Considerou-se que, na situação dos autos, o juízo de origem concluíra que as circunstâncias exigiriam a permanência do paciente na penitenciária federal, que possuiria celas individuais, com condições regulares de higiene e instalações que impediriam o contato do paciente com presos comuns. Dessa forma, não seria razoável interpretar a prerrogativa conferida aos advogados como passível de inviabilizar a própria custódia.

HC 93391/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 15.4.2008. (HC-93391)

Indo no inteiro teor: “Verifico que à construção dos estabelecimentos penais federais se seguiu a edição pelo Conselho de Justiça Federal (CJF), da Resolução 502, substituída pela 557. Na ausência de outro instrumento legal, tais resoluções têm governado os procedimentos de inclusão e transferência de presos no Sistema Penitenciário Federal.

Page 40: STF Penal a Partir de 2008

Mas já ressaltei que a LEP, no §3º do art. 86, confere ao juiz competente atribuição de definir o estabelecimento mais curial para a custódia, sem previsão de audiência prévia do Ministério Público ou da defesa. É evidente que, como todas as decisões judiciais, a transferência em si está sujeita a controle, donde não decorre nulidade da decisão que obedeça aos termos estritos da resolução do CJF.

(...) Quanto à determinação de oitiva prévia da defesa para deferimento da transferência para presídio federal, reconheça-se que uma mera resolução seja lá de que órgão for é e sempre será um mero ato administrativo, sem força de lei, o que, portanto, torna inábil para veicular legitimamente norma processual de cunho obrigatório, mormente se atentarmos para a necessária prevalência da tutela jurisdicional cautelar, ainda que postergando-se para momento futuro a manifestação das partes.”

HC N. 84.218-SPRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - ECA. MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA DE INTERNAÇÃO. ART. 122 DA LEI 8.069/1990. INOCORRÊNCIA DE GRAVE AMEAÇA OU VIOLÊNCIA A PESSOA NA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL. OCORRÊNCIA, CONTUDO, DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES DE NATUREZA GRAVE. ORDEM DENEGADA.1. O ato infracional em tela - equiparado ao crime de tráfico de drogas - não justifica, por si só, a aplicação da medida sócio-educativa de internação, pois não envolveu grave ameaça ou violência a pessoa.2. Contudo, a medida de internação se justifica, diante da reiteração no cometimento de infrações graves, como verificado no caso.3. Mostrando-se insuficiente a medida sócio-educativa aplicada anteriormente, mostra-se recomendável a medida de internação.4. Ordem denegada.

HC N. 92.839-SPRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAHabeas corpus. Penal e processual penal. Crime de extorsão mediante seqüestro. Prisão temporária convertida em preventiva. Fundamentação idônea. Garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (art. 312 do CPP). Liberdade provisória. Impossibilidade de análise dos requisitos na via estreita do habeas corpus. Excesso de prazo não configurado. Complexidade da causa. Quatorze acusados. Precedentes da Suprema Corte.1. É legítimo o decreto de prisão preventiva que ressalta, objetivamente, a necessidade de garantir a ordem pública, não em razão da hediondez do crime praticado, mas pela gravidade dos fatos investigados na ação penal (seqüestro de criança menor de idade pelo período de 2 meses), que bem demonstram a personalidade do paciente e dos demais envolvidos nos crime, sendo evidente a necessidade de mantê-los segregados, especialmente pela organização e o modo de agir da quadrilha. Por outro lado, o fundamento da conveniência da instrução criminal, diante do temor das testemunhas ao paciente, que, sendo residente no mesmo condomínio das vítimas, causa evidente intranqüilidade caso permaneça em liberdade, merece relevado e mantido.2. A existência dos pressupostos autorizadores da liberdade provisória só seria possível pela análise de fatos e de provas a confirmarem essas circunstâncias, sendo certo que não se admite dilação probatória no rito estreito do habeas corpus.3. Ordem denegada.

HC N. 93.096-PARELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. COMPETÊNCIA. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI PARA O JULGAMENTO DO CRIME CONEXO. HABEAS CORPUS INDEFERIDO.

HC N. 89.961-MGRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. ADVOGADO SEM MANDATO. DEFESA TÉCNICA ALEGADA INEXISTENTE. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO DIREITO DE DEFESA. ORDEM DENEGADA.1. O paciente foi intimado para constituir novo advogado e, dentro do prazo legal, foram juntadas aos autos peça de alegações finais em favor do paciente, por causídico que alegou ter sido constituído oralmente pelo paciente.2. Não é caso de inexistência de defesa técnica, tendo em vista, inclusive, a inocorrência de desídia.3. Os documentos juntados aos autos revelam a ausência de prejuízo, pois o recurso de apelação interposto pela defesa logrou êxito parcial, com redução da pena imposta ao paciente.4. Ordem denegada.

Detração e Crime AnteriorNão é possível creditar-se ao réu, para fins de detração, tempo de encarceramento anterior à prática do crime que deu

origem à condenação atual. Com base nessa jurisprudência, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia abater da pena aplicada ao paciente período em que este estivera anteriormente custodiado. Asseverou-se que, se acolhida a tese da defesa, considerando esse período como “crédito” em relação ao Estado, estar-se-ia concedendo ao paciente um “bill” de indenidade. Precedentes citados: RHC 61195/SP (DJU de 23.9.83); HC 55614/SP (DJU de 3.3.78); HC 51807/Guanabara (DJU de 23.8.74).

HC 93979/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 22.4.2008. (HC-93979)

ECA e Prescrição Penal STF Tb reconhecendo a prescrição para o ECA!!!!!Por não vislumbrar constrangimento ilegal, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteado o reconhecimento da

prescrição da pretensão executória de medida sócio-educativa. Inicialmente, reputou-se cabível a incidência do instituto em questão a tais medidas dispostas na Lei 8.069/90. Asseverou-se que, em princípio, as

Page 41: STF Penal a Partir de 2008

normas gerais do Código Penal seriam integralmente aplicáveis às hipóteses sujeitas ao Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, incluindo-se os dispositivos referentes à prescrição, haja vista não existirem incompatibilidades entre as medidas sócio-educativas e as normas que prevêem a extinção da punibilidade pelo transcurso do lapso temporal. Ressaltou-se que o fato de o ECA não ter previsto a prescrição como forma de extinção da pretensão punitiva e executória não seria motivo suficiente para afastá-la. Em seguida, enfatizando que tal diploma não estabelecera quantum mínimo e máximo das medidas sócio-educativas, aduziu-se que aí residiria a dificuldade em se fixar o parâmetro a ser adotado para a aplicação dos prazos prescricionais. No ponto, entendeu-se que a maneira mais adequada de resolver o tema, sem criar tertium genus e sem ofender o princípio da reserva legal, seria a solução adotada, pelo STJ, no acórdão impugnado: considerar a pena máxima cominada ao crime pela norma incriminadora pertinente, combinada com a redução à metade do prazo prescricional, em virtude da menoridade, prevista no art. 115 do CP. Assim, tendo em conta o lapso temporal decorrido, verificou-se que a prescrição não estaria configurada na espécie.

HC 88788/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 22.4.2008. (HC-88788)

HC N. 87.926-SPRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTA: AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público. Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustentação oral da defesa após a do representante do Ministério Público. Provimento ao recurso. Condenação do réu. Ofensa às regras do contraditório e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Nulidade reconhecida. HC concedido. Precedente. Inteligência dos arts. 5º, LIV e LV, da CF, 610, § único, do CPP, e 143, § 2º, do RI do TRF da 3ª Região . No processo criminal, a sustentação oral do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento.

Inq N. 2.605-SPRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAInquérito. Recurso em sentido estrito. Sentença que não recebe a denúncia. Ex-Prefeito. Não-pagamento de precatório. Descumprimento de ordem judicial. Art. 1º, inciso XIV, segunda parte, do Decreto-Lei nº 201/67.1. Eleito o denunciado como Deputado Federal durante o processamento do feito criminal, compete ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público estadual contra a sentença de 1º grau que, antes da posse do novo parlamentar, não recebeu a denúncia.2. Na linha da firme jurisprudência desta Corte, os atos praticados por Presidentes de Tribunais no tocante ao processamento e pagamento de precatório judicial têm natureza administrativa, não jurisdicional.3. A expressão “ordem judicial”, referida no inciso XIV do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, não deve ser interpretada lato sensu, isto é, como qualquer ordem dada por Magistrado, mas, sem dúvida, como uma ordem decorrente, necessariamente, da atividade jurisdicional do Magistrado, vinculada a sua competência constitucional de atuar como julgador.4. Cuidando os autos de eventual descumprimento de ordem emanada de atividade administrativa do Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, relativa ao pagamento de precatório judicial, não está tipificado o crime definido no art. 1º, inciso XIV, segunda parte, do Decreto-Lei nº 201/67.5. Recurso em sentido estrito desprovido.

HC N. 90.187-RJRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAHabeas corpus. Penal e Processual Penal. Crime do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Alegação de que a conduta configuraria o crime previsto no art. 140, § 3º, do Código Penal. A ilegitimidade ad causam do Ministério Público Federal não pode ser afirmada na fase em que se encontra a ação penal. Justa causa. Existência. Precedentes.1. A afirmação da legitimidade ad causam do parquet, no caso, se confunde com a própria necessidade de se instruir a ação penal, pois é no momento da sentença que poderá o Juiz confirmar o tipo penal apontado na inicial acusatória. Qualquer capitulação jurídica feita sobre um fato na denúncia é sempre provisória até a sentença, tornando-se definitiva apenas no instante decisório final.2. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, em habeas corpus, antecipar-se ao Magistrado de 1º grau e, antes mesmo de iniciada a instrução criminal, firmar juízo de valor sobre as provas trazidas aos autos para tipificar a conduta criminosa narrada.3. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que o trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, por ausência de justa causa, constitui medida excepcional que, em princípio, não tem lugar quando os fatos narrados na denúncia configuram crime em tese.4. É na ação penal que deverá se desenvolver o contraditório, na qual serão produzidos todos os elementos de convicção do julgador e garantido ao paciente todos os meios de defesa constitucionalmente previstos. Não é o habeas corpus o instrumento adequado para o exame de questões controvertidas, inerentes ao processo de conhecimento.5. Habeas corpus denegado.

* noticiado no Informativo 497

HC N. 90.688-PRRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE COOPERAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. DIREITO DE SABER QUAIS AS AUTORIDADES DE PARTICIPARAM DO ATO. ADMISSIBILIDADE. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUSPEITAS FUNDADAS. ORDEM DEFERIDA NA PARTE CONHECIDA.I - HC parcialmente conhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão de instância.II - Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado.III - Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuseram ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes.IV - Writ concedido em parte para esse efeito.

Page 42: STF Penal a Partir de 2008

* noticiado no Informativo 494

HC N. 93.000-MGRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. LIBERDADE PROVISÓRIA. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 5º, XLIII E LXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FIANÇA E LIBEDADE PROVISÓRIA. ART. 44 DA LEI 11.343/2006. REGRA ESPECIAL QUE NÃO FOI ALTERADA POR LEI DE CARÁTER GERAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA CARACTERIZADA PELA REITERAÇÃO CRIMINOSA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.I - A vedação da liberdade provisória a que se refere o art. 44, da Lei 11.343/2006, por ser norma de caráter especial, não foi revogada por diploma legal de caráter geral, qual seja, a Lei 11.464/07.II - A garantia da ordem pública é fundamento que não guarda relação direta com o processo no qual a prisão preventiva é decretada, dependendo a sua avaliação do prudente arbítrio do magistrado.III - A reiteração criminosa, associada à demonstração da adequação e proporcionalidade da medida, autoriza a custódia cautelar.IV - Ordem denegada.

HC N. 83.003-RSRELATOR: MIN. CELSO DE MELLOE M E N T A: “HABEAS CORPUS” - CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO - INFRAÇÃO PENAL PRATICADA POR MILITAR FORA DE SERVIÇO CONTRA POLICIAL MILITAR EM SITUAÇÃO DE ATIVIDADE - INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR - PEDIDO DEFERIDO .OS CRIMES DE RESISTÊNCIA, LESÕES CORPORAIS LEVES E DESACATO QUALIFICAM-SE COMO DELITOS MILITARES EM SENTIDO IMPRÓPRIO.- O ordenamento positivo, ao dispor sobre os elementos que compõem a estrutura típica do crime militar (“essentialia delicti”), considera, como ilícito castrense, embora em sentido impróprio, aquele que, previsto no Código Penal Militar - e igualmente tipificado, com idêntica definição, na lei penal comum (RTJ 186/252-253) -, vem a ser praticado “por militar em situação de atividade (...) contra militar na mesma situação (...)” (CPM, art. 9º, II, “a”).- A natureza castrense do fato delituoso - embora esteja ele igualmente definido como delito na legislação penal comum - resulta da conjugação de diversos elementos de configuração típica, dentre os quais se destacam a condição funcional do agente e a do sujeito passivo da ação delituosa, descaracterizando-se, no entanto, ainda que presente tal contexto, a índole militar desse ilícito penal, se o agente não se encontrar em situação de atividade. Hipótese ocorrente na espécie, eis que os delitos de resistência, lesões leves e desacato teriam sido cometidos por sargento do Exército (fora de serviço) contra soldados e cabos da Polícia Militar (em atividade).A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA, PELOS ÓRGÃOS JUDICIÁRIOS CASTRENSES, DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO JUIZ NATURAL.- A competência penal da Justiça Militar da União não se limita , apenas, aos integrantes das Forças Armadas, nem se define, por isso mesmo, “ratione personae”. É aferível, objetivamente , a partir da subsunção do comportamento do agente - qualquer agente, mesmo o civil, ainda que em tempo de paz - ao preceito primário incriminador consubstanciado nos tipos penais definidos em lei (o Código Penal Militar).- O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, “tout court”. E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz.O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO.- É irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo - considerado o princípio do juiz natural -, que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em conseqüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas - que representam limitações expressivas aos poderes do Estado -, consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO CARÁTER ESTRITO DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DOS ESTADOS-MEMBROS.- A jurisdição penal dos órgãos integrantes da estrutura institucional da Justiça Militar dos Estados-membros não se estende, constitucionalmente, aos integrantes das Forças Armadas nem abrange os civis (RTJ 158/513-514, Rel. Min. CELSO DE MELLO), ainda que a todos eles haja sido imputada a suposta prática de delitos militares contra a própria Polícia Militar do Estado ou os agentes que a compõem. Precedentes.

* noticiado no Informativo 397

HC N. 84.766-SPRELATOR: MIN. CELSO DE MELLOE M E N T A: “HABEAS CORPUS” - PENA - LIMITE MÁXIMO (CP, ART. 75) - BENEFÍCIOS LEGAIS - REQUISITOS OBJETIVOS - AFERIÇÃO QUE DEVE CONSIDERAR A PENA EFETIVAMENTE IMPOSTA - FUGA DO CONDENADO DO SISTEMA PRISIONAL - DESCONSIDERAÇÃO, PARA FINS DE CÔMPUTO DA PENA UNIFICADA, DO PERÍODO EFETIVAMENTE CUMPRIDO ANTES DA FUGA - IMPOSSIBILIDADE - CAUSA MERAMENTE SUSPENSIVA DA CONTAGEM DA PENA UNIFICADA - PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO.- A unificação penal autorizada pela norma inscrita no art. 75 do Código Penal justifica-se como conseqüência direta e imediata do preceito constitucional que veda (CF, art. 5º, XLVII, “b”), de modo absoluto, a existência, no sistema jurídico brasileiro, de sanções penais de caráter perpétuo.Em decorrência dessa cláusula constitucional, o máximo penal legalmente exeqüível, no ordenamento positivo nacional, é de trinta (30) anos, a significar, portanto, que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior àquele limite imposto pelo art. 75, “caput”, do Código Penal.- A pena resultante da unificação (CP, art. 75, § 1º) há de ser considerada, unicamente, para efeito de cumprimento do limite temporal máximo de trinta (30) anos, não se prestando ao cálculo de outros benefícios legais (RTJ 118/497 - RTJ 137/1204 - RTJ 147/637), tais como a remição, o livramento condicional, o indulto, a comutação e a progressão para regime de execução penal mais favorável. Precedentes. Súmula 715/STF.

Page 43: STF Penal a Partir de 2008

- A fuga do condenado não constitui causa de interrupção do cumprimento da pena privativa de liberdade, nem impõe, por isso mesmo, quando recapturado, o reinício de contagem, “ex novo et ex integro”, da pena unificada, revelando-se incompatível, com o ordenamento jurídico, o desprezo, pelo Estado, do período em que o sentenciado efetivamente esteve recolhido ao sistema prisional, sob pena de sofrer, por efeito da evasão, gravame sequer previsto em lei. A data da recaptura do sentenciado, portanto, não pode ser considerada o (novo) marco inicial de cumprimento da pena unificada.Lapidar, sob tal aspecto, a advertência do saudoso Desembargador ADRIANO MARREY, que tanto honrou e dignificou a Magistratura do Estado de São Paulo e de nosso País: “(...) não cabe considerar a fuga como meio interruptivo do cumprimento da pena privativa de liberdade, com a conseqüência de acarretar novo cômputo do período de prisão, como se houvesse perda do tempo anteriormente cumprido”.

* noticiado no Informativo 479

HC N. 93.194-RSRELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA.A pena agravada pela reincidência não configura bis in idem. O recrudescimento da pena imposta ao paciente resulta de sua opção por continuar a delinqüir. Ordem denegada.

Tribunal do Júri e Alcance da ApelaçãoA Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de pronunciado pela suposta prática dos crimes de tentativa de

homicídio (CP, art. 121, § 2º, II) e de porte ilegal de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10, caput) que, submetido a julgamento pelo tribunal do júri, fora absolvido. No caso, contra essa decisão, o Ministério Público interpusera apelação genérica, com base no art. 593, III, d, do CPP, cujas razões recursais, apresentadas posteriormente, limitaram-se a atacar a absolvição quanto ao delito de porte ilegal de arma. Ocorre que o tribunal estadual, ao prover o recurso, determinara a realização de novo julgamento, também em relação àquele homicídio tentado. Irresignada, a defesa impetrara writ, denegado pelo STJ ao fundamento de que a amplitude do recurso de apelação definir-se-ia de acordo com o disposto no seu termo, sendo vedada a restrição de seu alcance por ocasião do oferecimento ulterior das razões pelo parquet, sob pena de caracterização de desistência parcial do recurso. Entendeu-se que a apelação contra sentença do tribunal do júri pode ter seu alcance determinado pelas respectivas razões, quando tempestivas, em homenagem ao princípio do tantum devolutum quantum apellatum, notadamente em se tratando de interposição genérica. Nesse sentido, enfatizou-se que, na espécie, as razões apresentadas pelo órgão acusador foram especificadamente dirigidas contra a absolvição por porte ilegal de arma. Logo, não haveria que se falar em ofensa ao art. 576 do CPP, haja vista não se cuidar de desistência de recurso, mas de especificação de seu alcance. Ademais, salientou-se que o capítulo referente à tentativa de homicídio transitara em julgado. Ordem concedida para cassar o acórdão do tribunal de justiça, a fim de que outro julgamento seja realizado nos estritos termos da apelação contra a absolvição do paciente por porte ilegal de arma.

HC 93942/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 6.5.2008. (HC-93942)

Art. 14 da Lei 10.826/2003 e Tipicidade MaterialO mero fato de o funcionamento de arma de fogo não ser perfeito não afasta a tipicidade material do crime definido

no art. 14 da Lei 10.826/2003. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado por porte ilegal de arma de fogo pleiteava o reconhecimento da atipicidade material de sua conduta, sob a alegação de que não restara comprovada, de forma válida, a potencialidade lesiva da arma apreendida. Aduzia, ainda, que a constitucionalidade do delito de arma desmuniciada encontrar-se-ia em análise nesta Corte. Inicialmente, asseverou-se que o presente writ não trataria do caso do porte de arma sem munição, nem do porte de munição sem arma, dado que o paciente fora denunciado porque trazia consigo revólver municiado com cartuchos intactos. Considerou-se que, na espécie, a perícia não concluíra pela inidoneidade da arma municiada portada pelo paciente. Ressaltou-se que o revólver não apresentava perfeitas condições de funcionamento, mas, conforme destacado na sentença condenatória, possuiria aptidão de produzir disparos, o que seria suficiente para atingir o bem juridicamente tutelado.

HC 93816/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (HC-93816)

ECA: Remissão e Medida Sócio-Educativa - 1A Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo que, por reputar inconstitucional a parte final do art. 127 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, afastara medida sócio-educativa aplicada a adolescente (“Art. 127. A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e internação.”). Salientou-se que a remissão é instituto jurídico expressamente previsto no ECA (artigos 126 a 128) e que pode ser identificado como a possibilidade da suspensão ou do encerramento do procedimento judicial iniciado para a apuração de ato infracional, sem incursão no exame da autoria e da materialidade do caso sub judice. Ademais, aduziu-se que Lei 8.069/90 prevê duas espécies de remissão, a saber: a) pré-processual ou ministerial (ECA, art. 126, caput), proposta pelo Ministério Público

Page 44: STF Penal a Partir de 2008

antes do início do procedimento judicial para averiguação de ato infracional e que tem como conseqüência a exclusão do processo; e b) judicial (ECA, art. 126, parágrafo único), cabível depois de iniciado o procedimento judicial e proposta pela autoridade judiciária, podendo suspender ou extinguir o processo. Na espécie, entendeu-se que a medida sócio-educativa aplicada ao menor dera-se por imposição da autoridade judiciária, que homologara remissão cumulada à medida de advertência cominada por promotora de justiça. Assim, concluiu-se pela ausência de violação de garantia constitucional, porquanto a medida sócio-educativa emanara de órgão judicial competente.

RE 248018/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (RE-248018)

ECA: Remissão e Medida Sócio-Educativa - 2Em seguida, ultrapassada a questão referente à legitimidade para imposição da medida sócio-educativa, asseverou-se

que a argüição incidental de inconstitucionalidade da parte final do art. 127 do ECA merecia apreciação. Considerou-se, no ponto, que não haveria afronta ao devido processo legal na cumulação da remissão com a medida de advertência. Enfatizou-se que a incidência dessa medida poderia ser vista, na hipótese, como um modo de o Poder Judiciário chamar a atenção do adolescente, alertando-o para a gravidade de seus atos, sem ter que submetê-lo ao streptus inerente a um procedimento judicial. Ademais, destacou-se que o Pleno desta Corte já assentara que o aludido dispositivo legal não violaria qualquer norma constitucional. RE provido para reformar o acórdão impugnado, afastando-se a declaração de inconstitucionalidade nele contida, e reconhecendo-se a possibilidade de aplicação de medida sócio-educativa, pela autoridade judiciária, a requerimento do Ministério Público, em remissão por este concedida. Precedente citado: RE 229382/SP (DJU de 31.10.2002).

RE 248018/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 6.5.2008. (RE-248018)

Indo no inteiro teor verifiquei que o TJSP havia declarado inconstitucional a parte final do art. 127 porque estaria permitindo a aplicação de medidas sócio-educativas sem o devido processo legal, porque até esta fase a remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público não importa necessariamente no reconhecimento da autoria ou responsabilidade pelo fato. O STF disse que não é inconstitucional, porque, mesmo a remissão por iniciativa do MP, é homologada pelo Judiciário que examinará a sua legalidade. A remissão por iniciativa do MP seria ato bilateral complexo, uma vez que só se completa mediante a homologação da autoridade judiciária. Além disso, não seria inconstitucional, porque deve ser vista como um modo de o Poder Judiciário chamar a atenção do menor, alertando-o para a gravidade de seus atos no contexto da comunidade, sem ter que submetê-lo ao constrangimento inerente a um procedimento judicial. O Pleno do STF já havia reconhecido anteriormente a sua constitucionalidade.

HC N. 84.469-DFRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. ART. 595 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. APELAÇÃO JULGADA DESERTA EM RAZÃO DO NÃO RECOLHIMENTO DO RÉU À PRISÃO. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E AOS PRINCÍPIOS DO DIREITO. ORDEM CONCEDIDA.1. O não recolhimento do réu à prisão não pode ser motivo para a deserção do recurso de apelação por ele interposto.2. O art. 595 do Código de Processo Penal institui pressuposto recursal draconiano, que viola o devido processo legal, a ampla defesa, a proporcionalidade e a igualdade de tratamento entre as partes no processo.3. O fato de os efeitos do julgamento da apelação dos co-réus terem sido estendidos ao paciente não supre a ausência de análise das razões por ele mesmo alegadas em seu recurso.4. O posterior provimento pelo Superior Tribunal de Justiça do recurso especial da acusação não alcança a esfera jurídica do paciente, cuja apelação não havia sido julgada. Possíveis razões de ordem pessoal que poderiam alterar a qualidade da sua participação nos fatos objeto de julgamento. Adoção da teoria monista moderada para o concurso de pessoas, que leva em consideração o dolo do agente (art. 29, § 2º, do Código Penal).5. Ordem concedida, para determinar que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios proceda ao julgamento do mérito da apelação interposta pelo paciente. Somente contra esse futuro julgamento é que eventual recurso acusatório poderá ser interposto contra o paciente.

* noticiado no Informativo 502

HC N. 91.650-RJRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTA: AÇÃO PENAL. Crime de quadrilha ou bando. Art. 288 do Código Penal. Não configuração. Fato atípico. Absolvição de um dos 4 (quatro) supostos membros, posto que noutro processo. Atipicidade conseqüente reconhecida. Condenação excluída. Habeas corpus concedido para esse fim, com extensão da ordem aos dois co-réus também condenados. Existência de coisa julgada material em relação à sentença condenatória. Irrelevância. Caso de nulidade absoluta recognoscível em habeas corpus, ainda que transitada em julgado a sentença. Inteligência do art. 5º, inc. LXVIII, da CF, e arts. 647 e 648 do CPP. Precedentes. A coisa julgada material que recobre sentença condenatória por delito de quadrilha ou bando não obsta, por si só, a que se reconheça, em habeas corpus, a atipicidade da conduta e conseqüente nulidade da condenação, se um dos quatros supostos membros foi definitivamente absolvido noutro processo.

HC N. 92.824-SCRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: CRIMINAL. HABEAS CORPUS. CRIME HEDIONDO. PRISÃO EM FLAGRANTE HOMOLOGADA. PROIBIÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PLEITO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DA SURPRESA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DOS FATOS E PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E CONCEDIDA.

Page 45: STF Penal a Partir de 2008

A atual jurisprudência desta Corte admite a concessão de liberdade provisória em crimes hediondos ou equiparados, em hipóteses nas quais estejam ausentes os fundamentos previstos no artigo 312 do Código de Processo penal. Precedentes desta Corte.Em razão da supressão, pela lei 11.646/2007, da vedação à concessão de liberdade provisória nas hipóteses de crimes hediondos, é legítima a concessão de liberdade provisória ao paciente, em face da ausência de fundamentação idônea para a sua prisão.A análise do pleito de afastamento da qualificadora surpresa do delito de homicídio consubstanciaria indevida incursão em matéria probatória, o que não é admitido na estreita via do habeas corpus.Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, concedida.

* noticiado no Informativo 493

HC N. 93.391-RJRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTAS: 1. PRISÃO PREVENTIVA. Cumprimento. Definição do local. Transferência determinada para estabelecimento mais curial. Competência do juízo da causa. Aplicação de Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Audiência prévia do Ministério Público e da defesa. Desnecessidade. Ilegalidade não caracterizada. Inteligência da Res. nº 557 do Conselho da Justiça Federal e do art. 86, § 3º, da LEP . É da competência do juízo da causa penal definir o estabelecimento penitenciário mais curial ao cumprimento de prisão preventiva.2. PRISÃO ESPECIAL. Advogado. Prisão preventiva. Cumprimento. Estabelecimento com cela individual, higiene regular e condições de impedir contato com presos comuns. Suficiência. Falta, ademais, de contestação do paciente. Interpretação do art. 7º, V, da Lei nº 8.906/94 - Estatuto da Advocacia, à luz do princípio da igualdade. Constrangimento ilegal não caracterizado. HC denegado. Precedentes. Atende à prerrogativa profissional do advogado ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, em cela individual, dotada de condições regulares de higiene, com instalações sanitárias satisfatórias, sem possibilidade de contato com presos comuns.

Capitulação Penal por Autoridade PolicialPor não vislumbrar supressão das atribuições funcionais do Ministério Público, a Turma negou provimento a recurso

extraordinário interposto pelo parquet federal sob a alegação de ofensa ao art. 129, I, da CF. Na espécie, atendendo à requisição daquela instituição, a polícia federal instaurara inquérito para apurar suposta prática de crime contra o meio ambiente. Vencido o prazo, a autoridade policial remetera o inquérito ao juízo federal, solicitando a dilatação do prazo para o prosseguimento das investigações. O magistrado, antes de apreciar esse pedido, concluíra pela incompetência do juízo, ao fundamento de se tratar de delito contra a flora em terras particulares, sem interesse específico e direto da Administração Federal. Ordenara, em conseqüência, o envio dos autos à justiça estadual, o que ensejara a interposição de recurso em sentido estrito pelo recorrente. O TRF da 3ª Região reputara o crime como de menor potencial ofensivo e, aduzindo não ter competência para decidir se o feito deveria ser apreciado pela justiça federal ou pela justiça estadual, encaminhara os autos à turma recursal criminal. Contra essa decisão, o ora recorrente opusera embargos de declaração, rejeitados, em que sustentava que, sem a opinio delicti formulada pelo Ministério Público, não poderia o Poder Judiciário concluir se o delito seria de menor potencial ofensivo, sob pena de violar o aludido art. 129, I, da CF. Enfatizou-se, no presente re curso, que o Ministério Público seria o dominus litis da ação penal e que a capitulação do crime pela autoridade policial teria apenas natureza provisória, não gerando efeitos permanentes. Ademais, esclareceu-se que, na espécie, em virtude das peculiaridades da investigação, fora necessário determinar, embora provisoriamente, a tipificação do fato, afim de que se pudesse determinar o juízo competente para examinar eventuais medidas requeridas na fase pré-processual, inclusive o pleito de dilatação de prazo para a conclusão das investigações. Ressaltou-se, ainda, que o órgão ministerial poderá alterar a tipificação a ser dada ao fato quando do oferecimento da denúncia e, caso conclua pela ocorrência de tipo penal de maior potencial ofensivo, poderá requerer a remessa dos autos à jurisdição que entender para apreciar a questão, adotando o procedimento apropriado (Lei 9.099/95, art. 77, § 2º).

RE 497170/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.5.2008. (RE-497170)

Regressão de Regime e Falta Grave Interessante para a Defensoria!!!A Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que reputara justificada a regressão

de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional . No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário. A impetração sustenta que: a) os problemas graves de saúde do paciente justificariam o fato de ele não haver retornado à prisão; b) o paciente não cometera crime durante o período em que permanecera solto; c) o juiz da execução, apesar de reconhecer a falta grave, não decretara a regressão de regime, restringindo-se a cominar sanção disciplinar de isolamento e de averbação no prontuário do apenado; d) a determinação de regressão para regime mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória não seria cabível. O Min. Eros Grau, relator, deferiu o writ para cassar o acórdão do STJ e restabelecer o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que vedara a regressão do regime semi-aberto para o fechado. Enfatizou que, não obstante o entendimento de ambas as Turmas do STF no sentido de que a prática de falta grave resulta na regressão do regime de cumprimento da pena, na espécie, essa regressão não seria possível porque, quando do cometimento da falta grave, o paciente ainda cumpria pena no regime inicial fixado na sentença condenatória. Assim, não seria coerente admitir que a condenação do paciente se tornasse mais severa, na fase de execução

Page 46: STF Penal a Partir de 2008

penal, em razão da prática da falta grave. Essa, em tal hipótese, serviria para se determinar a recontagem do prazo necessário à progressão. Ademais, asseverou que seria ilógico que o réu pudesse regredir de regime sem ter progredido. Após o voto do Min. Joaquim Barbosa acompanhando o relator, pediu vista a Min. Ellen Gracie.

HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 13.5.2007. (HC-93761)

Ministério Público: Investigação Criminal e Membro da InstituiçãoA Turma indeferiu habeas corpus em que Secretário de Segurança Pública requeria, por falta de justa causa, o

trancamento de ação penal contra ele instaurada pela suposta prática do crime de abuso de autoridade (Lei 4.898/65, art. 4º, a), consistente no fato de haver ordenado a delegado de polícia que mantivesse a custódia de algumas pessoas, cujas prisões foram realizadas sem determinação escrita da autoridade judiciária e sem que estivessem em flagrante delito. A defesa alegava, ainda, que as provas colhidas em procedimento investigatório realizado diretamente pelo Ministério Público não poderiam embasar a denúncia. Entendeu-se que, na espécie, a atuação do Ministério Público encontraria fundamento na legislação infraconstitucional, haja vista que não se trataria de investigação qualquer empreendida pelo parquet estadual, porquanto o ora paciente seria membro da instituição e, nessa qualidade, possuiria a prerrogativa de ter sua conduta apurada pelo Procurador-Geral de Justiça (Lei 8.625/93, art. 41, parágrafo único e LC 75/93, art. 18, parágrafo único). Ademais, considerou-se que a inicial acusatória descrevera de forma clara, precisa, pormenorizada e individualizada a conduta imputada ao paciente, o que viabilizaria o exercício da ampla defesa, e que o trancamento de ação penal por ausência de justa causa, fundado na inépcia da denúncia, seria medida excepcional, não caracterizada no presente caso. Rejeitou-se, ainda, a tese de inexigibilidade do dever legal de agir do paciente. No ponto, tendo em conta que as polícias civis e militares seriam, conforme previsto em lei local, subordinadas hierárquica, administrativa e funcionalmente ao Secretário de Segurança Pública, enfatizou-se que o paciente exerceria poder de mando e determinava como seus subordinados deveriam proceder. Por fim, afastou-se a assertiva de falta de conjunto probatório mínimo à comprovação de existência de justa causa ao fundamento de que a via escolhida não comportaria dilação probatória.

HC 93224/SP, rel. Min. Eros Grau, 13.5.2008. (HC-93224)

Inquérito Civil Público e Recebimento de DenúnciaA decisão que reputa válido o recebimento de denúncia lastreada em notícia-crime extraída de inquérito civil público

não viola o texto constitucional. Com base nesse entendimento e tendo em conta a desnecessidade de prévia instauração de inquérito policial para o oferecimento da inicial acusatória, a Turma negou provimento a recurso extraordinário em que se sustentava ofensa aos artigos 129, I, III, VI, VII e VIII, e 144, § 4º, ambos da CF. No caso, o recorrente pleiteava o restabelecimento da rejeição de tal peça, sob a alegação de que o Ministério Público não teria atribuição para oferecer denúncia baseada em inquérito civil público instaurado com o objetivo de propor futura ação civil pública para a proteção do meio ambiente. Inicialmente, ressaltou-se que as peças de investigação trazidas ao conhecimento do parquet teriam sido autuadas no âmbito de suas atribuições constitucionais (CF, art. 129, III) e que o representante daquele órgão, ao concluir as investigações na esfera cível e constatar a possibilidade de a conduta também configurar crime, remetera cópia do procedimento ao Procurador-Geral de Justiça, haja vista a presença de suposto acusado com prerrogativa de foro. Asseverou-se que se o fato disser respeito a interesse difuso ou coletivo, o Ministério Público pode instaurar procedimento administrativo, com base no aludido art. 129, III, da CF. Ademais, entendeu-se que, na espécie, a notícia-crime continha os elementos necessários para provar a materialidade e os indícios da autoria do fato apurado.

RE 464893/GO, rel. Min. Joaquim Barbosa, 20.5.2008. (RE-464893)

Prisão Preventiva e Imposição de CondiçõesPor não vislumbrar qualquer tipo de constrangimento ilegal no ato que condicionara a revogação do decreto prisional

ao cumprimento de certas condições estabelecidas pelo juízo de origem, ato esse mantido sequencialmente pelo TRF da 2ª Região e pelo STJ, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava violação aos artigos 2º; 5º, II, XV e LVII e 22, I, todos da CF. Reputando observados os princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria, asseverou-se não haver direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5º, XV), de modo a existirem situações em que necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. No ponto, registrou-se que o ato impugnado levara em conta, para a imposição das condições, o fato de o paciente possuir dupla nacionalidade, além de residência em outro país, onde manteria o centro de seus negócios, conforme reconhecido pela defesa. Assim, considerou-se que a medida adotada teria natureza acautelatória, inserindo-se no poder geral de cautela (CPC, art. 798 e CPP, art. 3º) que autoriza ao magistrado impor providências tendentes a garantir a instrução criminal e também a aplicação da lei penal (CPP, art. 312) . Enfatizou-se, ainda, que os argumentos relativos à eventual transgressão do direito à liberdade de locomoção e dos princípios da legalidade e da não culpabilidade se inter-relacionariam, não havendo como acolhê-los pelos mesmos fundamentos já expostos. De igual forma, rejeitaram-se as assertivas de ofensa ao princípio da independência dos Poderes e da regra de

Page 47: STF Penal a Partir de 2008

competência privativa da União para legislar sobre direito processual, haja vista que a decisão não inovaria no ordenamento jurídico e não usurparia atribuição do Poder Legislativo. Precedente citado: HC 86758/PR (DJU de 1º.9.2006).

HC 94147/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 27.5.2008. (HC-94147)

Suspensão Condicional do Processo e Cabimento de HCA aceitação do benefício de suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89) não implica renúncia ao

interesse de agir para impetração de habeas corpus com o fim de questionar a justa causa da ação penal. Com base nesse entendimento, a Turma, para evitar dupla supressão de instância, não conheceu de recurso ordinário em habeas corpus, mas concedeu a ordem, de ofício, em favor de denunciada pela suposta prática do crime de auto-acusação falsa (CP, art. 341). No caso, o STJ denegara o writ lá impetrado ao fundamento de que com a aceitação da proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público não seria possível o exame da ausência de justa causa por atipicidade da conduta, a menos que retomada a ação penal. HC deferido, de ofício, para, remetendo-se os autos ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cujo acórdão fica cassado, determinar que proceda ao exame do mérito da impetração. Precedentes citados: HC 85747/SP (DJU de 14.10.2005) e HC 89179/RS (DJU de 13.4.2007).

RHC 82365/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 27.5.2008. (RHC-82365)

Liberdade Provisória e Tráfico de DrogasA Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a soltura da paciente, presa em flagrante desde novembro de

2006, por suposta infringência dos artigos 33 e 35, ambos da Lei 11.343/2006. A defesa aduzia que a paciente teria direito à liberdade provisória, bem como sustentava a inocorrência dos requisitos para a prisão cautelar e a configuração de excesso de prazo nessa custódia. Afirmou-se que esta Corte tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas, o que, por si só, seria fundamento para denegar-se esse benefício. Enfatizou-se que a aludida Lei 11.343/2006 cuida de norma especial em relação àquela contida no art. 310, parágrafo único, do CPP, em consonância com o disposto no art. 5º, XLIII, da CF. Desse modo, a redação conferida ao art. 2º, II, da Lei 8.072/90, pela Lei 11.464/2007, não prepondera sobre o disposto no art. 44 da citada Lei 11.343/2006, eis que esta se refere explicitamente à proibição da concessão de liberdade provisória em se tratando de delito de tráfico ilícito de substância entorpecente. Asseverou-se, ainda, que, de acordo com esse mesmo art. 5º, XLIII, da CF, são inafiançáveis os crimes hediondos e equiparados, sendo que o art. 2º, II, da Lei 8.072/90 apenas atendeu ao comando constitucional. Entendeu-se que, no caso, também deveria ser acrescentada a circunstância de haver indicação da existência de organização criminosa integrada pela paciente, a revelar a presença da necessidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública. Considerou-se, também, que a prisão possuiria fundamentação idônea. Por fim, rejeitou-se a alegação de eventual excesso de prazo, uma vez que essa questão não fora argüida no tribunal a quo, o que configuraria supressão de instância. Além disso, existiriam elementos nos autos que evidenciariam a complexidade do processo, com pluralidade de réus, defensores e testemunhas, assim como a notícia de vários incidentes processuais suscitados por alguns defensores.

HC 92495/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 27.5.2008. (HC-92495)

HC 88.466-SPRELATOR: MIN. CARLOS BRITTO Questão da prova da magistratura!!! A doutrina (Rogério Greco) entende q é crime continuado!!!EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIMES DE ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E DE ESTUPRO, PRATICADOS DE FORMA INDEPENDENTE. CONFIGURAÇÃO DE CONCURSO MATERIAL DE CRIMES, E NÃO DE CONTINUIDADE DELITIVA.Os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que praticados contra a mesma vítima, não caracterizam a hipótese de crime continuado, mas encerram concurso material de crimes. Precedentes.Caso em que o crime de atentado violento ao pudor não foi praticado como “prelúdio do coito” ou como meio necessário para a consumação do estupro, a evidenciar a absoluta independência das duas condutas incriminadas.Ordem denegada.

Crime Militar - Entorpecente - Posse - Uso Próprio - Quantidade Ínfima - Princípio da Insignificância (Transcrições)

HC 94809 MC/RS*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS” IMPETRADO, ORIGINARIAMENTE, PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, POR MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CRIME MILITAR (CPM, ART. 290). QUANTIDADE ÍNFIMA. INVOCAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. POSSIBILIDADE DE SUA APLICAÇÃO AOS CRIMES MILITARES. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

Page 48: STF Penal a Partir de 2008

- O representante do Ministério Público Militar de primeira instância dispõe de legitimidade ativa para impetrar “habeas corpus”, originariamente, perante o Supremo Tribunal Federal, especialmente para impugnar decisões emanadas do Superior Tribunal Militar. Precedentes.- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido a aplicabilidade, aos crimes militares, do princípio da insignificância, mesmo que se trate do crime de posse de substância entorpecente, em quantidade ínfima, para uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar. Precedentes.

Com efeito, esta Suprema Corte tem admitido a aplicabilidade, aos delitos militares, inclusive ao crime de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, mesmo no interior de Organização Militar, do postulado da insignificância:

“O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo

somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.”(HC 84.687/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa assinalar, neste ponto, que esse entendimento encontra suporte em expressivo magistério doutrinário expendido na análise do tema em referência (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Delito de Bagatela: Princípios da Insignificância e da Irrelevância Penal do Fato”, “in” Revista dos Tribunais, vol. 789/439-456; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, “Princípios Básicos de Direito Penal”, p. 133/134, item n. 131, 5ª ed., 2002, Saraiva; CEZAR ROBERTO BITENCOURT, “Código Penal Comentado”, p. 6, item n. 9, 2002, Saraiva; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/10, item n. 11, “h”, 26ª ed., 2003, Saraiva; MAURÍCIO ANTONIO RIBEIRO LOPES, “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, p. 113/118, item n. 8.2, 2ª ed., 2000, RT, v.g.).

Revela-se significativa a lição de EDILSON MOUGENOT BONFIM e de FERNANDO CAPEZ (“Direito Penal – Parte Geral”, p. 121/122, item n. 2.1, 2004, Saraiva) a propósito da matéria em questão:

“Na verdade, o princípio da bagatela ou da insignificância (...) não tem previsão legal no direito brasileiro (...), sendo considerado, contudo, princípio auxiliar de determinação da tipicidade, sob a ótica da objetividade jurídica. Funda-se no brocardo civil ‘minimis non curat praetor’ e na conveniência da política criminal. Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico quando a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não será possível proceder a seu enquadramento típico, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. É que, no tipo, somente estão descritos os comportamentos capazes de ofender o interesse tutelado pela norma. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. A tipicidade penal está a reclamar ofensa de certa gravidade exercida sobre os bens jurídicos, pois nem sempre ofensa mínima a um bem ou interesse juridicamente protegido é capaz de se incluir no requerimento reclamado pela tipicidade penal, o qual exige ofensa de alguma magnitude a esse mesmo bem jurídico.” (grifei)

Na realidade, e considerados, de um lado, o princípio da intervenção penal mínima do Estado (que tem por destinatário o próprio legislador) e, de outro, o postulado da insignificância (que se dirige ao magistrado, enquanto aplicador da lei penal ao caso concreto), na precisa lição do eminente Professor RENÉ ARIEL DOTTI (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 68, item n. 51, 2ª ed., 2004, Forense), cumpre reconhecer que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

Cumpre também acentuar, por relevante, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem admitido, na matéria em questão, a inteira aplicabilidade do princípio da insignificância aos crimes militares (HC 87.478/PA, Rel. Min. EROS GRAU – HC 92.634/PE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – RHC 89.624/RS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), mesmo que se cuide de delito de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, e ainda que se trate de ilícito penal perpetrado no interior de Organização Militar (HC 93.822/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 94.085/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

(...)Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de

medida liminar, em ordem a suspender , cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, a eficácia da condenação penal imposta, ao ora paciente, nos autos do Processo nº 04/06-7 (3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar), sustando, em conseqüência, qualquer medida de execução das penas em referência, mantido íntegro, desse modo, o “status libertatis” de Alex Silva de Campos.

Caso o paciente, por algum motivo, tenha sido preso em decorrência de mencionada condenação penal (Processo nº 04/06-7 – 3ª Auditoria da 3ª CJM), deverá ele ser imediatamente posto em liberdade, se por al não estiver preso.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (Apelação nº 2006.01.050445-1), à 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (Processo nº 04/06-7) e ao ilustre membro do Ministério Público Militar que subscreveu a presente impetração (fls. 02/12).

Publique-se.

Page 49: STF Penal a Partir de 2008

Desmembramento de Feito e Conexão - 1O Tribunal, por maioria, deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão que determinara o

desmembramento dos autos de inquérito em que o Ministério Público Federal imputa a Senador, Governador e outros, a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 299 do Código Eleitoral e 288, 328, 342, 343 e 344, do Código Penal , e mantivera apenas o Senador, para julgamento no Supremo, por ser o único detentor da prerrogativa de foro perante esta Corte. Considerou-se a existência de conexão a impor o julgamento conjunto dos denunciados. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Ricardo Lewandowski, que negavam provimento a ambos os recursos.

Pet 3838 AgR/RO, rel. Min. Marco Aurélio, 5.6.2008. (Pet-3838)

Instauração de Processo contra Governador e Licença da Assembléia Legislativa - 2Em seguida, o Tribunal passou a deliberar sobre o requerimento do Procurador-Geral da República no sentido de

desdobrar os autos do inquérito ante a negativa de licença da Assembléia Legislativa para o curso do processo contra o Governador, a fim de evitar a prescrição dos delitos imputados aos demais co-réus. O Min. Marco Aurélio, relator, indeferiu o pedido, concluindo pela inconstitucionalidade do inciso XIII do art. 29 e da expressão “admitida a acusação pelo voto de dois terços dos Deputados”, contida na cabeça do art. 67, ambos da Constituição do Estado de Rondônia, que condicionam a instauração de processo contra o Governador e o Vice-Governador à prévia licença da Assembléia Legislativa. Considerou não haver, no ponto, a indispensável simetria em relação à Carta Federal. Ressaltou que, no caso, nem o § 4º do art. 86 da CF, que estabelece que o Presidente da República, na vigência do mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício das respectivas funções, serviria de base para o constituinte estadual impor a licença referida, porque esse dispositivo constitucional encerraria exceção maior, somente podendo ser considerado quanto ao Presidente da República. Após, pediu vista dos autos o Min. Eros Grau.

Pet 3838 AgR/RO, rel. Min. Marco Aurélio, 5.6.2008. (Pet-3838)

Estelionato contra a Previdência e Crime InstantâneoAplicando o precedente firmado no julgamento do HC 86467/RS (DJU de 22.6.2007) no sentido de que o crime

consubstanciado na concessão de aposentadoria a partir de dados falsos é instantâneo, não o transmudando em permanente o fato de terceiro haver sido beneficiado com a fraude de forma projetada no tempo, a Turma deferiu habeas corpus para declarar extinta a punibilidade do paciente. No caso, o paciente fora condenado por infringência do art. 171, § 3º, do CP, em virtude de haver adulterado anotações da carteira de trabalho de co-réu, de modo a permitir que esse recebesse aposentadoria. Tendo em conta que a pena aplicada seria inferior a 4 anos e que já transcorrido o prazo prescricional superior a 8 anos (CP, art. 109, IV), concluiu-se que o reconhecimento da prescrição retroativa se imporia.

HC 94148/SC, rel. Min. Carlos Britto, 3.6.2008. (HC-94148)

ECA e Convívio Familiar - 1Por considerar que a melhor providência para o caso seria proporcionar o convívio do menor com os próprios pais, a

Turma deferiu habeas corpus impetrado contra decisão de Ministro do STJ que denegara pedido de liminar formulado em igual medida, em que requerida a anulação de sentença que impusera ao paciente medida sócio-educativa de internação, por prazo indeterminado, pela prática de ato infracional equiparado ao delito previsto no art. 12 da Lei 6.368/76. Na espécie, o pedido fora liminarmente indeferido pela autoridade apontada como coatora ao fundamento de incompetência daquela Corte para conhecer do writ porquanto impetrado contra negativa de medida acauteladora do tribunal de origem. O Min. Marco Aurélio, relator, após superar o óbice do Enunciado na Súmula 691 do STF, deferiu liminar para que o paciente fosse colocado de imediato em liberdade, devendo ser entregue, mediante termo de responsabilidade, aos pais, permanecendo na vigilância destes até o julgamento, pelo tribunal estadual, do habeas corpus em curso. Ocorre que, posteriormente, a Corte local concedera a ordem a fim de aplicar ao paciente medida sócio-educativa de semiliberdade, com escolarização e profissionalização obrigatórias, sem prazo determinado (ECA, art. 120).

HC 88473/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.6.2008. (HC-88473)

ECA e Convívio Familiar - 2Inicialmente, afastou-se o prejuízo do writ, tendo em conta a persistência do interesse dos impetrantes no seu

julgamento, haja vista que o tribunal de origem não implementara o afastamento linear da internação, substituindo-a pelo regime da semiliberdade. Considerou-se que de nada adiantaria o menor desenvolver atividades externas e ter de recolher-se a casa que se diz de reeducação. No ponto, ressaltou-se o que contido no art. 227 da CF (“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

Page 50: STF Penal a Partir de 2008

crueldade e opressão.”). Ademais, afirmou-se que, na situação concreta, o paciente seria primário, conviveria com a família e o ato infracional não teria sido cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, não se fazendo presente reiteração no cometimento de infrações graves, nem o descumprimento injustificável de medida anteriormente imposta . Precedente citado: HC 85598/SP (DJU de 25.10.2005).

HC 88473/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 3.6.2008. (HC-88473)

Prisão Preventiva e Falta de FundamentaçãoÉ da jurisprudência desta Corte que a fuga, por si só, não constitui motivação idônea para a decretação da prisão

preventiva, sendo necessária a análise, caso a caso, para chegar-se à conclusão de que o paciente pretende subtrair-se ao cumprimento de eventual condenação ou se foge para não se submeter a uma custódia que considera injusta. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para revogar decreto de prisão preventiva expedido em desfavor de denunciado pela suposta prática de homicídio duplamente qualificado (CP, art. 121, § 2º, II e IV). Na espécie, quando do recebimento da inicial acusatória, o juízo de origem decretara a custódia cautelar do paciente com fundamento nos pressupostos da garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal. Ocorre que o paciente evadira-se do distrito da culpa depois de lhe ter sido negado o direito de comparecer para ser interrogado sem o risco de prisão. Ressaltou-se que se trataria de um pretenso autor ocasional de delito e que houvera manifestação espontânea do paciente no sentido de se apresentar às autoridades policial e judiciária. Por fim, aduziu-se que o ato que decretara a custódia cautelar, não poderia se valer das circunstâncias do crime ou de alegada periculosidade do autor para justificar medida tão excepcional de constrição do estado de liberdade das pessoas. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa que indeferiam o writ por reputarem legítimo o decreto de prisão preventiva.

HC 91741/PE, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 3.6.2008. (HC-91741)

Imediata Execução de Julgado e Abuso do Direito de Recorrer - 1A Turma acolheu, integralmente, questão de ordem suscitada pelo Min. Joaquim Barbosa no sentido de,

independentemente de ulterior impugnação recursal, dar-se imediato cumprimento à decisão da Corte que confirmara a cassação e a inelegibilidade de deputado estadual em Roraima. No caso, a aludida decisão fora proferida pelo Tribunal Regional Eleitoral - TRE e ratificada pelo Tribunal Superior Eleitoral - TSE. Interposto recurso extraordinário, o Min. Joaquim Barbosa, monocraticamente, negara-lhe seguimento, sendo a decisão mantida pela Turma no julgamento de agravo regimental. Irresignado, o ora embargante opusera embargos de declaração, rejeitados em face de seu inequívoco caráter infringente. Naquela assentada, determinara-se a imediata execução do julgado. Contra esse acórdão, a defesa impetrara mandado de segurança, cujo processamento restara obstado liminarmente pelo Min. Ricardo Lewandowski, no qual se sustentava a existência de direito líquido e certo à nova apreciação dos declaratórios, sob a alegação de ofensa aos direitos à defesa técnica e ao contraditório. Ocorre que posteriormente à oposição dos primeiros embargos, o advogado que os subscreveram renunciara ao mandato que lhe havia sido outorgado e cientificara o ora embargante, que assinara o termo de renúncia. Diante da inércia da parte em regularizar sua representação processual, o relator ordenara que o transcurso de eventuais prazos correria em Secretaria, independentemente de intimação por via de advogado.

AI 676479 QO-ED-AgR/RR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 3.6.2008. (AI-676479)

QUEST. ORD. EM Inq N. 2.010-SPRELATOR: MIN. MARCO AURÉLIOPRERROGATIVA DE FORO - OBJETO. A prerrogativa de foro não visa beneficiar o cidadão mas proteger o cargo ocupado.COMPETÊNCIA - PRERROGATIVA DE FORO - AFASTAMENTO DO CARGO. Não mais ocupando o envolvido no inquérito o cargo que deu margem à prerrogativa de foro, cessa a competência do Supremo.

* noticiado no Informativo 468

HC N. 93.356-RORELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAHabeas corpus. Sentença que condiciona a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação. Recurso de apelação exclusivo da defesa. Reformatio in pejus. Precedentes da Suprema Corte.1. Configura-se reformatio in pejus a decisão de Tribunal de Justiça que, ao negar provimento à apelação exclusiva da defesa, determina a expedição de mandado de prisão contra o recorrente quando a sentença condenatória condiciona a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação.2. Ordem de habeas corpus concedida.

HC N. 93.940-SE

RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI Inf. 509

Page 51: STF Penal a Partir de 2008

EMENTA: HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. CRIME HEDIONDO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DELITOS INAFIANÇÁVEIS. ART. 5º, XLIII E LXVI, DA CF. SENTENÇA DE PRONÚNCIA ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. EVENTUAL NULIDADE DA PRISÃO EM FLAGRANTE SUPERADA. PRECEDENTES DO STF.

I - A vedação à liberdade provisória para crimes hediondos e assemelhados que provém da própria Constituição, a qual prevê a sua inafiançabilidade (art. 5º, XLIII e XLIV).II - Inconstitucional seria a legislação ordinária que viesse a conceder liberdade provisória a delitos com relação aos quais a Carta Magna veda a concessão de fiança.III - Decisão monocrática que não apenas menciona a fuga do réu após a prática do homicídio, como também denega a liberdade provisória por tratar-se de crime hediondo.IV - Pronúncia que constitui novo título para a segregação processual, superando eventual nulidade da prisão em flagrante.V - Ordem denegada.

RE N. 497.170-SPRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PROCESSO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CAPITULAÇÃO DO FATO. AUTORIDADE POLICIAL. TIPIFICAÇÃO PROVISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS. OFENSA AO ART. 129, I, DA CF/88. INEXISTÊNCIA.I - A definição da competência para julgamento do crime, com base na tipificação provisória conferida ao fato pela autoridade policial, não enseja supressão das atribuições funcionais do Parquet.II - Fica resguardada a competência do Ministério Público de dar ao fato a capitulação que achar de direito quando ofertar a denúncia.III - Se a denúncia contemplar crimes diversos do relatado pela autoridade policial, capazes de modificar a competência para o julgamento do processo, poderá o Ministério Público requerer sejam os autos remetidos ao juízo competente.IV - A competência fixada com base na tipificação realizada pela autoridade policial não ofende o art. 129, I, da Constituição Federal.V - Recurso não provido.

Crime Continuado e Reunião de Feitos (Transcrições)

(v. Informativo 500)

HC 91895/SP*

RELATOR: MIN. MENEZES DIREITO

Relatório: Habeas corpus, sem pedido de liminar, impetrado pelo advogado Luiz Fernando Comegno, em favor de Elzio Rahal Melillo, buscando o reconhecimento de continuidade delitiva em relação aos crimes imputados ao paciente, bem como a reunião dos processos correspondentes.

Aponta como autoridade coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que desproveu o RHC nº 20.428/SP, interposto com objetivo idêntico ao perseguido nesta oportunidade.

Alega que:

“O Recorrente, por razões de ofício – Advogado que é (OAB/SP 67.327), responde junto à Justiça Federal de Bauru à mais de 500 (quinhentos) processos crimes, todos por infração aos artigos 304, 299 e 171, § 3º, do Código Penal, figurando como vítima o INSS. Destes, 98% encontram-se sendo processados na 2ª Vara Federal Criminal, restando apenas 09 (nove) em trâmite junto à 1ª Vara e 02 (dois) junto à 3ª Vara Criminal, todas da 8ª Subseção Judiciária (Bauru).

Consta em todas as denúncias em anexo, que dia 07 de Julho de 2000, Policiais Federais de Bauru, em diligência na comarca de Botucatu, em busca realizada no escritório de advocacia do co-réu Francisco Moura, acabaram por apreender 1.000 (mil) Carteiras de Trabalho já preenchidas com o histórico de trabalho rurais daquela região. Elaborado o competente Auto de Apreensão, foram as CTPS removidas para a sede da PF de Bauru e lá, o Delegado de Polícia Dr. Amaro Silva, acabou por determinar a abertura de um (um) inquérito para cada CTPS apreendida. A inusitada diligência policial tinha como objetivo a averiguação das CTPS já que pesava a suspeita que as anotações nelas inseridas eram ‘falsas’. Tendo em vista que o Paciente Dr. Ézio Rahal Melillo era o Advogado que elaborava e firmava as petições iniciais das ações previdenciárias em desfavor do INSS, ajuizadas no Fórum da comarca de São Manuel – SP , foi o mesmo indiciado em 1.000 (mil) inquéritos policiais pela prática dos delitos de falsificação de documento público; uso de documento falso e estelionato . Começava aí o ‘inferno’ jurídico vivido não só pelo Paciente, mas também pelo próprio Poder Judiciário da 8ª Subseção Federal de Bauru. Para cada inquérito o MPF aceitou laborar uma denúncia e hoje já se somam mais de 500 (quinhentos) processos crimes e mais 500 (quinhentos) inquéritos em andamento que, quase que semanalmente, transmudam-se em processos criminais.

....................................................................................................................O Paciente buscou a tutela jurisdicional do STJ porque, o MM. Juiz monocrático deixou de proceder a conexão dos processos, não porque

não seria comportado juridicamente, mas sim, porque a justiça não estava aparelhada para um ato dessa magnitude também porque ‘seria impossível o manuseio do processo’. Ora, existindo a continuidade delitiva, pouco importa a forma do manuseio do processo, se com 180.000 páginas ou apenas 180, já que o Código de Processo Penal não trata da quantidade de páginas a ser carreada aos autos. O que não se pode admitir é que o Paciente, ora Paciente, responda a mais de 500 (quinhentos) processos crimes e ainda outros virão pela existência de quase 500 inquéritos em andamento, sob argumento da falta de ‘logística’ para manuseio dos autos.

.............................................................................................Frise-se que todas as denúncias, sem exceção, tratam de crime da mesma espécie (arts. 299, 304 e 171, § 3º do CP).Como já se disse, o nexo adverbial da continuidade delitiva: tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes, encontram-se em

todos os processos a que responde o Paciente.As acusações que pesam contra o Paciente – ora Paciente, traduzem-se no fato de ter o mesmo, no pleno exercício da advocacia, firmado

as petições e ajuizado as ações declaratórias em desfavor do INSS..............................................................................................

Page 52: STF Penal a Partir de 2008

Pergunta-se: Admitindo-se – EM TESE – que o Paciente, após todo trâmite processual, vier a ser condenado em todos os processos, sendo as condutas delituosas praticadas de forma continuada (e isso não há como negar), as penas deverão ser unificadas pelo juízo da execução, porque então não unificá-los agora???

Num raciocínio jurídico lógico, coerente, inteligente, não há nada que justifique o uso da máquina do Poder Judiciário para o processamento de mais de 500 (quinhentos) processos crimes (isso hoje, amanhã serão 1.000), comprometendo quase 80% de toda a estrutura da 2ª Vara Federal Criminal de Bauru; assoberbando também as Varas Criminais da Comarca de São Manuel-SP e Botucatu (onde são deprecadas toda prova acusatória); o próprio TRF3 que julga os incidentes e recursos processuais (hcs, apelações, correições parciais, etc...); a dedicação total do Ministério Público Federal e outras tantas comarcas onde são deprecadas a oitiva de testemunhas, além de equipes da Polícia Federal para transportar o Paciente às audiências, quando se sabe que a responsabilização penal neste caso poderia ser buscada em um só processo crime, ou quiçá em dois ou três. Por derradeiro,não há como negar que até mesmo esse Egrégio Supremo Tribunal Federal, num futuro muito próximo, certamente estará assoberbado com uma milhar de recursos, enfim, porque não UNIFICAR HOJE o que certamente será UNIFICADO AMANHÃ..!!??

.............................................................................................É certo que a sociedade, merece uma resposta jurídica sobre os fatos que foram imputados ao Paciente, mas este, merece também, cidadão

brasileiro que é, a imediata intervenção do Poder Judiciário para prestar-lhe a proteção jurisdicional e constitucional a que faz jus, para que possa defender-se das frágeis acusações que lhes foram assacadas, exercendo seu direito de defesa, fato esse que se tornou impossível, já que não há como defender-se em 500 (quinhentos) processos crimes que tramitam de uma só vez, sendo obrigado a renunciar ao direito de provas, já que não existe a possibilidade de estar presente, nem o réu, nem seu advogado, em todas as audiências designadas (na maioria deprecadas) eis que encontra-se preso, sendo obrigado a requerer sua dispensa pessoal, para minimizar seu sofrimento físico e moral.

.............................................................................................Houve e há, em tese, ABUSO no poder de Denunciar..............................................................................................Some-se ainda em favor do Paciente para ver reconhecido a unicidade dos processos, a presença do instituto da CONEXÃO

INTERSUBJETIVA no âmbito probatório (art. 76, III) eis que a prova da infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares apurada num processo, influirá na prova de outro.

.............................................................................................A segunda Vara Federal Criminal de Bauru deve ser a prevalente para os atos dos processos frutos da conexão aqui pretendida, eis que foi

aquele r. Juízo quem antecedeu-se a todos atos processuais, inclusive, na decretação da medida de busca e apreensão (Proc. nº 2000.61.08.004738-6 – IPL 7-0249/2000) e naquelas medidas assecuratórias que desencadearam o indiciamento, denuncia e conseqüente processo penal em desfavor dos réus.

Destarte, torna-se de rigor o reconhecimento do simultaneus processus e, por conseqüência a conexão intersubjetiva dos mesmos, atribuindo-se a competência para processar e julgar ao juízo, eis que os demais devem ser reconhecidos com extensão do primeiro, formando um só bloco. No caso, a primeira denuncia recebida foi aquela referente ao processo nº 2000.61.08.008777-3, cujo delito foi praticado em 22/07/1993 recebida em 03/12/2002 pelo Juízo da 2ª Vara Federal de Bauru.

.............................................................................................Enfim, a planilha retro mencionada, evidencia a existência de uma continuidade delitiva, clara e transparente. Se não estamos diante de

um lapso temporal de 30 dias entre o primeiro e o último delito, não há como negar que o marco temporal entre um delito e outro refletem a mais cabal continuidade delitiva, eis que foram praticados dia-após-dia” (fls. 3 a 45).

Requer, finalmente, “o reconhecimento da continuidade delitiva e conseqüente junção de todas as ações numa só, ou quiçá em 3 ou 4 blocos, aplicando-se o instituto da conexão intersubjetiva, atribuindo-se jurisdição à Segunda Vara Federal Criminal da 8ª Secção Judiciária de Bauru-SP” (fls. 45/46).

O Ministro Sepúlveda Pertence não solicitou informações à autoridade apontada como coatora (fl. 81).

O ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opinou pela denegação da ordem (fls. 83 a 87).

É o relatório.

EMENTA

Habeas corpus. Crime continuado. Dilação probatória. Conexão. Reunião facultativa de processos. Prejuízo ao direito de ampla defesa em vista da multiplicidade de ações penais instauradas.

1. Não é possível, em sede de habeas corpus, examinar se estão presentes os requisitos fáticos caracterizadores da continuidade delitiva. Tal exame exigiria dilação probatória, não admitida nesta via processual. Ademais, no caso, o Superior Tribunal de Justiça não cuidou do tema no seu mérito, o que configura inviabilidade de seu exame nesta Suprema Corte, porquanto haveria supressão de instância.2. “Desde que submetidos ao mesmo juízo, pode o magistrado utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe o art. 80 do CPP.” (HC nº 80.717/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5/3/04).3. Embora a conexão não implique, necessariamente, a reunião dos feitos em curso num único processo, devem eles ser submetidos à competência do mesmo Juízo prevento.4. A multiplicidade de ações penais não constitui, por si só, obstáculo ao exercício do direito de ampla defesa do paciente. Somente é possível aferir eventual desrespeito a essa garantia constitucional diante de situação concreta. 5. Habeas corpus conhecido em parte e, nessa parte, deferido.

Voto: O paciente alega ter contra si mais de 500 processos em relação a cujos delitos pretende ver reconhecida a existência de crime continuado. Pretende, também, como conseqüência, a reunião dos feitos em um único processo.

Consta dos autos que, em julho de 2000, foram apreendidas no escritório do paciente aproximadamente 1000 (mil) Carteiras de Trabalho e Previdência Social – CTPS adulteradas, que estariam sendo utilizadas por ele e por outros réus para a obtenção fraudulenta de benefícios junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.

Page 53: STF Penal a Partir de 2008

Nesse compasso, para cada documento falso apreendido foi instaurado um inquérito policial, o que havia resultado, ao tempo da impetração, em mais de 500 denúncias e em igual número de ações penais. Nesses feitos ele se vê processado, de modo geral, pela prática dos crimes previstos nos artigos 171, § 3º, (estelionato), 299 (falsificação de documento público) e 304 (uso de documento falso) do Código Penal.

O Juiz de 1º grau indeferiu o pedido de reunião dos processos, sob o argumento:

“(...)(...)se reunidos os processos que já estão em andamento, o manuseio e sentenciamento de um feito com mais de 180.000 páginas

certamente comprometeria um mínimo de objetividade na fase de sentença e, se reunidos os 150 processos que aguardam interrogatório, os interrogatórios teriam que abordar 150 fatos distintos, ter-se-ia que aguardar pela oitiva de, no mínimo, 150 testemunhas de acusação, com todos os percalços na colheita da prova oral e, ainda, a possibilidade da defesa arrolar mais de duas mil testemunhas” (fl. 5.326 dos autos originais, apenso 26).

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região denegou a ordem no habeas corpus impetrado contra essa decisão, afirmando que a reunião dos feitos não seria viável naquele momento, pois eles se encontravam em fases processuais distintas, o que poderia causar tumulto processual. Além disso, não seria possível examinar, em sede de habeas corpus, se estariam presentes os requisitos fáticos necessários à configuração da continuidade delitiva. Finalmente, asseverou que, embora os fatos fossem correlatos, investigava-se, em cada processo, uma conduta criminosa autônoma, isso porque cada episódio era relacionado à utilização de uma CTPS em particular, de propriedade de segurados distintos, sendo que as provas colhidas em cada processo, especialmente as testemunhais, seriam diversas (fls. 5.324 a 5.329 dos autos originais, apenso 26).

O Superior Tribunal de Justiça, a seu turno, negou provimento ao recurso então interposto, em acórdão assim ementado:

“CRIMINAL. RHC. ESTELIONATO. REUNIÃO DE AÇÕES PENAIS. CONTINUIDADE DELITIVA. VERIFICAÇÃO DE REQUISITOS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ELEVADO NÚMERO DE PROCESSOS. JUNÇÃO DOS FEITOS QUE NÃO ATENDE AO JUÍZO DE CONVENIÊNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. A verificação dos requisitos do art. 71 do Código Penal, a fim de se verificar a eventual caracterização da continuidade delitiva e autorizar a reunião dos diversos processos criminais instaurados contra o réu não pode ser procedida na via eleita.

II. O habeas corpus é meio impróprio para essa discussão, na forma como se apresenta o caso dos autos, pois implicaria no revolvimento do contexto fático-probatório.

III. A teor do art. 80 do Código de Processo Penal, a junção de ações penais deve atender a um juízo de conveniência no tocante à otimização do trâmite processual, da produção de provas, etc.

IV. O elevado número de feitos a que responde o recorrente – quinhentos processos criminais –, afasta a conveniência necessária à reunião das ações, diante da dificuldade da tramitação em conjunto, ainda mais quando evidenciado que os procedimentos estão em fases processuais distintas, tendo sido, inclusive, proferidas duas condenações.

V. Não obstante haja correlação entre os fatos objeto dos processo-crime, as provas a serem produzidas em cada processo, especialmente as testemunhais, são diversas, o que poderá inviabilizar o regular andamento do feito.

VI.Recurso desprovido” (fl. 49).

O impetrante alega, em síntese, que essas várias ações devem ser reunidas, porque: 1) estariam presentes os requisitos legais para que se reconheça, no caso presente, a continuidade delitiva; 2) existiria conexão intersubjetiva entre os feitos, já que em todos eles figura o mesmo réu e o mesmo autor; 3) também existiria conexão probatória, vez que a prova obtida em uma ação serviria, também, às demais; e 4) o elevado número de processos inviabilizaria o exercício do seu direito de ampla defesa.

Em primeiro lugar, é preciso alertar que as instâncias ordinárias não negaram nem afirmaram a existência de crime continuado, apenas indeferiram a reunião dos feitos com fundamento na inconveniência que isso traria para a respectiva instrução. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça não tratou do tema de forma direta, afirmando apenas que a pretensão formulada, nesse particular, demandaria o reexame de matéria fático-probatória, inviável na via estreita do habeas corpus.

Nesse compasso, o Supremo Tribunal Federal está impedido de examinar se, no caso concreto, as circunstâncias indicadas pelo impetrante são suficientes, mesmo em tese, para caracterizar a continuidade delitiva. O enfrentamento da questão consubstanciaria supressão de instância não autorizada, na linha dos seguintes precedentes:

“I. STJ e STF - HC - Competência originária. 1. Não pode o Superior Tribunal de Justiça conhecer de questão suscitada pelo impetrante - excesso de prazo - que não foi enfrentada pelo Tribunal de origem, ao qual, em conseqüência, não se pode atribuir a alegada coação. 2. Pelo mesmo fundamento - impossibilidade de supressão de instância -, também não cabe ao Supremo Tribunal conhecer originariamente da questão. II. Denúncia: aptidão: descrição suficiente do delito de associação para o tráfico imputado aos pacientes. 1. É da jurisprudência do Tribunal, na linha do que se tem decidido quanto ao crime de quadrilha ou bando (C.Penal, art. 288), que a configuração do delito de associação para o tráfico independe ‘da realização ulterior de qualquer delito compreendido no âmbito de suas projetadas atividades criminosas’ (v.g., Ext 966, Pl., 29.6.06, Pertence, DJ 10.8.06). 2. Daí que, para a aptidão da denúncia, o que se ‘exige, sobretudo, é que a imputação descreva concretamente os elementos essenciais à realização do tipo cogitado’ (v.g., HC 70.290, Pl., 30.06.93, Pertence, RTJ 162/559), o que, no caso, não foi descumprido” (HC nº 90.654/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 25/5/07).

“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. JULGAMENTO DE RECURSO DEFENSIVO EM SENTIDO ESTRITO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECRETO DE PRISÃO FUNDAMENTADO NA APLICAÇÂO DA LEI PENAL. FUGA DO PACIENTE APÓS A PRÁTICA DO DELITO QUE LHE É IMPUTADO. ORDEM DENEGADA. A tese do excesso de prazo para a prestação jurisdicional não foi suscitada nas instâncias inferiores, o que impede o julgamento do feito diretamente pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes: HC 86.990, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski; HC 84.799, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence; HC 82.213, Relatora a Ministra Ellen Gracie; e o HC 83.842, Relator o Ministro Celso de Mello. Recurso defensivo em sentido estrito já denegado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Co-réu já julgado e condenado pelo Tribunal do Júri. A gravidade (em abstrato) do delito não se presta, ao ver desta Suprema Corte, como fundamento idôneo para a prisão preventiva. Precedentes. A evasão após a prática delitiva é fundamento idôneo para a segregação cautelar para resguardar a aplicação da lei penal. Ordem denegada” (HC nº 90.162/RJ, Primeira Turma, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ 29/6/07).

Page 54: STF Penal a Partir de 2008

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PACIENTE AFASTADO DO CARGO DE AUDITOR FISCAL APÓS AS IMPETRAÇÕES DE HHCC NO TJ/PR E NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE QUE COM O AFASTAMENTO NÃO MAIS REMANESCERIA A NECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR. FATO SUPERVENIENTE NÃO EXAMINADO NAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES. SUPRESSÕES DE INSTÂNCIAS. A prisão preventiva do paciente foi decretada em 13/07/2006, sob o fundamento de que ele, em liberdade, poderia, considerada sua condição funcional, influir na instrução do processo. Em 14/9/2006, foi impetrado habeas corpus no STJ, sustentando o exaurimento da necessidade da constrição cautelar, em virtude de o paciente ter sido afastado do cargo de Auditor Fiscal em 23/11/2006. Essa ordem cronológica evidencia que a tese da cessação dos fundamentos da custódia cautelar não foi submetida ao Juízo de primeiro grau, nem ao TJ/PR, muito menos ao STJ. O conhecimento da impetração, sem que a questão superveniente tenha sido posta a exame do Juízo de primeiro grau, do TJ/PR e do STJ implica supressões de instâncias, em três níveis. Habeas corpus não conhecido” (HC nº 90.312/PR, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ 27/4/07).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. QUESTÃO NOVA. I. - Por conter questão nova, não apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, o habeas corpus não pode ser conhecido, sob pena de supressão de instância. II. - HC não conhecido” (HC nº 86.997/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 3/2/06).

Advirto que, além de não ser possível conhecer do writ quanto a esse particular, não se configura presente hipótese de concessão de habeas corpus de ofício. É que não se pode afirmar a existência dos pressupostos legais da continuidade delitiva sem profunda incursão em matéria fático-probatória, o que, todavia, como afirmou o acórdão impugnado, não é admitido no rito especial da ação autônoma de impugnação em causa.

A propósito, confira-se:

“Habeas Corpus. (...) 3. Inviável a via do habeas corpus para a análise da alegação de existência de continuidade delitiva entre as condutas imputadas ao paciente, em razão da necessidade de dilação de fatos e provas. Precedentes: HC nº 71.436/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 27.10.1994; HC nº 75.069/SP, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, unânime, DJ 27.6.1997; HC nº 76.381/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, unânime, DJ 14.8.1998; HC nº 79.503/RJ, Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª Turma, maioria, DJ 18.5.2001; HC nº 81.472/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 14.6.2002; e HC nº 81.914/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, 2ª Turma, unânime, DJ 22.11.2002; e HC nº 82.011/PR, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ de 11.3.2005. 4. Precedentes. 5. Habeas Corpus não conhecido” (HC nº 85.532/RJ, Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 18/5/07).

“HABEAS CORPUS. CRIME CONTINUADO. CARACTERIZAÇÃO. 1. A continuidade delitiva (CP, art. 71) não pode prescindir dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução) e subjetivo (unidade de desígnios). 2. Impossibilidade de reexame, na via do habeas corpus, dos elementos de prova que o acórdão impugnado levou em consideração para não admitir a continuidade. Precedentes. 3. RHC improvido” (RHC nº 85.577/RJ, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 2/9/05).

De fato, no caso dos autos, os fatos criminosos ainda estão sendo apurados. As ações penais, segundo se pode inferir, ainda estão em fase de instrução. Não seria, portanto, nem mesmo o caso de apreciar a continuidade delitiva a partir de uma moldura fática já delineada por decisões judiciais. O enfrentamento da decisão demandaria, ao contrário, verdadeira dilação probatória a fim de comprovar a presença dos requisitos indicados no artigo 71 do Código Penal, em especial daquele relativo ao modus operandi.

De outra parte, no que diz respeito à reunião dos feitos com fundamento nas alegadas conexões subjetiva e probatória, verifico merecer aplicação o artigo 80 do Código de Processo Penal, última parte, com a seguinte redação:

“Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação”.

Assim, se o Juiz natural da causa afirma não ser conveniente a reunião dos processos em uma única ação, pelos motivos antes reproduzidos nesse mesmo voto, não cabe ao Supremo Tribunal Federal, especialmente em sede de habeas corpus, substituir-se ao órgão julgador, mais próximo à instrução, para afirmar o contrário.

É nessa linha a jurisprudência da Suprema Corte:

Cumpre observar, no entanto, que a regra do artigo 80 do Código de Processo Penal só pode ser aplicada em relação aos processos submetidos à jurisdição de um mesmo Juízo. Em outras palavras, a separação dos processos ou a sua não-reunião, com fundamento no dispositivo legal suscitado, pressupõe que todos eles estejam afetos ao mesmo Juízo competente. Com efeito, se apenas o Juiz competente para julgar os vários delitos conexos pode determinar o seu processamento em autos apartados, interpretação em sentido inverso que se faz do artigo 80 do Código de Processo Penal pressupõe que os crimes em apreciação, nos autos correspondentes, estejam, igualmente, sob a competência do mesmo Juízo.

Nesse sentido, o seguinte julgado do Plenário desta Corte:

“HABEAS CORPUS. JULGAMENTO. PEDIDO DE ADIAMENTO. SUSTENTAÇÃO ORAL. AUSÊNCIA DO ADVOGADO NA SESSÃO. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. PREVENÇÃO. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. SÚMULA/STF 394. CANCELAMENTO. CONEXÃO ENTRE TRÊS AÇÕES PENAIS. ALEGAÇÃO DE OBRIGATORIEDADE DE REUNIÃO DE PROCESSOS AFASTADA. CPP, ART. 80. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP PREENCHIDOS. APLICAÇÃO DO ART. 30 DA LEI Nº 7.492/86. (...) 3. Desde que submetidos ao mesmo juízo, pode o magistrado utilizar-se da faculdade de não reunir processos conexos, por força do que dispõe o art. 80 do CPP.

............................................................................................” (HC nº 80.717/SP, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 5/3/04).

As regras dos artigos 76, III, e 79 do Código de Processo Penal, que prescrevem a competência por conexão “quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração” e, ainda, a unidade de processo e de julgamento em caso de conexão e continência, não desqualificam a abrangência do art. 80 que torna facultativa a separação dos processos. Como indica Guilherme de Souza Nucci, “tendo em vista que a conexão e a continência, como já afirmado, têm por finalidade garantir a união dos processos para uma melhor apreciação da prova pelo juiz, evitando-se decisões conflituosas, pode ocorrer a inconveniência dessa junção, seja porque torne mais difícil a fase probatória, seja pelo fato de envolver muitos réus – uns presos e outros soltos – e até por razões outras que somente o caso concreto pode determinar ” (Código de Processo Penal Comentado, RT, São Paulo, 5ª ed., 2006, pág. 247).

Page 55: STF Penal a Partir de 2008

Por outro lado, a aplicação do art. 80 do Código de Processo Penal não significa a inexistência de conexão ou continência. Facultativa é, apenas, a reunião dos processos. Daí que tudo conduz à unidade da autoridade judicante.

Da mesma forma, não há indicativo de que os feitos devam ser submetidos a jurisdições ou Juízos diversos (Justiça Federal, Militar, Tribunal do Júri, etc).

A interpretação harmônica das regras e dos princípios incidentes no caso revela, portanto, que, malgrado possam ser os delitos apurados em ações distintas, devem ser processados no mesmo Juízo, ou seja, devem as ações penais ser processadas e julgadas em unidade de Juízo.

Merecem, assim, ser colocados os feitos sob a competência do Juízo prevento.

De outro lado, no que diz respeito à alegada inviabilização do direito de ampla defesa do paciente, assinalo que a multiplicidade das ações penais não implica, por si só, a impossibilidade de se realizar uma defesa ampla e irrestrita. Com efeito, a alegada ofensa não pode ser invocada em vista de uma situação abstrata, mas apenas diante de situações concretas será possível aferir se essa garantia constitucional estará sendo desrespeitada. Essas situações, se sobrevierem no curso das muitas ações penais a que responderá o paciente, poderão ser oportuna e pontualmente contornadas por medidas processuais específicas.

Ressalto que, de qualquer sorte, a simples submissão dos processos a um único Juízo já constitui, diante da multiplicidade de ações, facilitador considerável à defesa do paciente.

De todos os modos, nada impedirá que a reunião dos feitos no Juízo prevento seja examinada em outra oportunidade.

Ante o exposto, conheço do habeas corpus apenas em parte e, nesta parte, concedo parcialmente a ordem para determinar que os processos sejam todos submetidos ao mesmo Juízo prevento.

Dias Remidos e Falta GraveO Tribunal, por maioria, aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 9 nestes termos: “O disposto no artigo 127 da

Lei 7.210/84 foi recebido pela ordem constitucional vigente e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”. Quanto à questão de fundo, o Min. Marco Aurélio também ficou vencido por entender que, no caso, não caberia a edição de um verbete de súmula. Asseverou que não haveria como, diante de uma falta grave verificada, fazer-se retroagir, em si, as conseqüências dessa falta grave, a ponto de se afastar, do cenário jurídico, um pronunciamento judicial já reconhecendo um direito que, portanto, passou a integrar o campo de interesses do presidiário. Precedentes citados: RE 452994/RS (DJU de 29.9.2006); HC 91084/SP (DJU de 11.5.2007); AI 570188/RS (DJU de 3.3.2006); HC 92791/RS (DJE de 7.3.2008); HC 90107/RS (DJU de 27.4.2007); AI 580259/RS (DJU de 26.10.2007); AI 490228/RS (DJU de 14.4.2004).

EMENTA: Execução penal: o condenado que cometer falta grave perde o direito ao tempo remido: L. 7.210/84, art. 127 - constitucionalidade. É manifesto que, havendo dispositivo legal que prevê a perda dos dias remidos se ocorrer falta grave, não a ofende a aplicação desse dispositivo preexistente à própria sentença. Por isso mesmo, não há direito adquirido, porque se trata de expectativa resolúvel, contra a lei, pela incidência posterior do condenado em falta grave.

Lei 10.409/2002 e Inobservância de RitoA Turma, embora reconhecendo a inobservância do art. 38 da Lei 10.409/2002, indeferiu, por maioria, habeas corpus

impetrado em favor de condenado pela prática dos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e associação para o tráfico (Lei 6.368/76, artigos 12 e 14), cuja citação para oferecimento de defesa preliminar não fora realizada. Inicialmente, ressaltou-se a existência de precedentes da Corte no sentido de que a não-observação do rito previsto na Lei 10.409/2002, especialmente no que concerne à apresentação de defesa preliminar, nos termos do citado art. 38, pode acarretar nulidade da ação penal, desde o recebimento da denúncia. Entretanto, aduziu-se que o STF já reconhecera a necessidade de ser demonstrado, pelo impetrante, o efetivo prejuízo decorrente da inobservância da aludida regra processual, independentemente de se tratar de nulidade absoluta ou relativa . Asseverou-se que, no caso, não existiriam elementos que indicassem a ocorrência de constrangimento ilegal a ensejar a concessão da ordem para anular a ação penal desde o recebimento da inicial acusatória, tendo em conta que os demais atos processuais foram perfeitamente realizados, e por meio dos quais se oportunizara ao paciente todos os meios de defesa em direito admitidos. Ademais, enfatizou-se que a Lei 10.409/2002 fora revogada pela Lei 11.343/2006, o que afastaria qualquer utilidade no reconhecimento da alegada nulidade processual, pois a nova norma aplicável aos crimes relacionados às drogas não mais exige o interrogatório pré-processual. Vencido o Min. Marco Aurélio que deferia o writ por entender que o devido processo legal restara violado, no que não se atentara para o que previsto na Lei 10.409/2002 quanto à intimação do acusado, a fim de pronunciar-se antes do recebimento ou não da denúncia.

HC 94011/SP, rel. Min. Menezes Direito, 10.6.2008. (HC-94011)

Presença de Defensor e Delação de Co-réus

Page 56: STF Penal a Partir de 2008

A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para anular o processo a partir da instrução, no tocante estritamente ao paciente, condenado, juntamente com terceiros, pela prática dos crimes de formação de quadrilha e roubo (CP, artigos 288, parágrafo único, e 157 § 2º, I, II e V). Tratava-se, na espécie, de writ em que se reiterava a alegação de nulidade absoluta do processo, uma vez que a sentença condenatória se baseara em depoimentos de co-réus, realizados na fase policial, que imputaram a conduta delitiva ao paciente, sem que houvesse sido dada oportunidade de seu advogado fazer reperguntas. Inicialmente, salientou-se que os interrogatórios foram efetuados no curso do inquérito e em juízo em data anterior à vigência da Lei 10.792/2003, não se podendo cogitar, em princípio, da necessidade de comparecimento do defensor do paciente para fazer eventuais perguntas aos co-réus. Reputou-se inviável anular o processo penal em razão dos interrogatórios realizados na polícia, pois, segundo jurisprudência desta Corte, as nulidades processuais concernem, tão-somente, aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória. Aduziu-se, ainda, que o inquérito constitui peça informativa e que eventuais vícios nele existentes não contaminam a ação penal. Ademais, reputou-se preclusa a assertiva de que o patrono do paciente também não teria participado dos interrogatórios dos co-réus realizados em juízo, uma vez que, estando em causa nulidade relativa, não fora argüida oportunamente. Por outro lado, asseverou-se que questão diversa seria saber se a delação dos co-réus, retratada em juízo, poderia amparar a condenação do paciente. No ponto, ressaltou-se que esse ato não pode ser tomado como testemunho, em sentido processual, mesmo que o defensor do co-réu delatado tenha participado do interrogatório do delator e a ele tenha feito reperguntas. Registrou-se que o STF admite a invocação da delação, desde que não seja o motivo exclusivo da condenação, mas que, no caso, as delações foram retratadas em juízo e decisivas para a condenação, haja vista que não houvera indicação de outra prova conclusiva que pudesse implicar a responsabilidade penal do paciente. Vencido o Min. Marco Aurélio que, ao fundamento de cuidar-se de vício no julgamento, concedia a ordem em maior extensão para assentar a absolvição do paciente, ante a deficiência probatória da imputação contida na denúncia.

HC 94034/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.6.2008. (HC-94034)

Art. 181, § 1º, a, da LEP e Princípio da Boa-fé ObjetivaPor não vislumbrar constrangimento ilegal no acórdão do STJ que assentara, nos termos do art. 181, § 1º, a, da Lei de

Execução Penal - LEP, a possibilidade de conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade se o condenado estiver em lugar incerto e não sabido, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteada a citação editalícia do paciente para que tomasse conhecimento da decisão que convertera a pena a ele imposta. A impetração sustentava não ser possível adotar somente a interpretação literal do aludido dispositivo legal, devendo ser observados o devido processo legal e a ampla defesa. Reputou-se razoável a presença de elemento de discrímen no tratamento diferenciado disposto no art. 181, § 1º, da LEP (“Art. 181. A pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade nas hipóteses e na forma do art. 45 e seus incisos do Código Penal. § 1º A pena de prestação de serviços à comunidade será convertida quando o condenado: a) não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido, ou desatender a intimação por edital;”), haja vista que o réu que participou de todos os atos processuais e que, ciente da condenação, muda seu domicílio sem prévia comunicação ao juízo competente, viola o princípio da boa-fé objetiva que deve reger todas as relações jurídicas, inclusive entre o agente e o Estado. Salientou-se que, para alguns doutrinadores, a primeira parte da alínea a, do § 1º, do art.181, da LEP, refere-se àquele que, pessoalmente citado e intimado para todos os atos processuais, desaparece na fase da execução da sentença, deixando de comunicar ao juízo acerca de seu atual paradeiro, daí a certidão de se encontrar em lugar incerto e não sabido. Assim, registrou-se que a citada regra não ofenderia o devido processo legal e a ampla defesa, porquanto o acusado que acompanhara todo o processo de conhecimento teria plena ciência de possíveis conseqüências que lhe seriam prejudiciais caso deixasse de cumprir a pena restritiva de direitos que lhe fora aplicada.

HC 92012/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 10.6.2008. (HC-92012)

Regressão de Regime e Falta Grave - 2A Turma retomou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que reputara justificada a regressão

de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional . No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário — v. Informativo 506. Em divergência, a Min. Ellen Gracie denegou o writ. Em seu voto-vista, enfatizou que a sentença condenatória, no âmbito penal, transita em julgado com a cláusula rebus sic stantibus. Logo, a mudança da situação de fato no curso da execução, comparativamente ao substrato fático existente no início, impõe ao juiz da execução a adoção de medidas necessárias de modo a adaptar a decisão à nova realidade. Entendeu que, nos termos do art. 33, caput, do CP (“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.”), se em matéria de

Page 57: STF Penal a Partir de 2008

condenação e execução da pena de detenção revela-se possível a regressão para o regime fechado , com mais razão nas hipóteses de condenação e execução de pena de reclusão. Dessa forma, a regra do art. 118, I, da LEP (“Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;”), não seria obstáculo à alteração do regime de cumprimento de pena privativa de liberdade para regime mais gravoso do que aquele fixado na sentença condenatória, desde que verificado algum dos pressupostos lá previstos. Ademais, considerou que não haveria como se acolher a argumentação consoante a qual o princípio da razoabilidade não aconselharia a regressão de regime e, por fim, ressaltou que essa matéria não teria sido ventilada no STJ. Após, o Min. Cezar Peluso pediu vista.

HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 10.6.2008. (HC-93761)

HC N. 88.872-MSRELATOR: MIN. MARCO AURÉLIOPRESCRIÇÃO - ESTELIONATO - CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITO PERMANENTE. Surgindo do processo a convicção sobre o cometimento de crime instantâneo de efeito permanente - o estelionato -, considera-se, para efeito de prescrição, a data em que praticado o ato, sendo despicienda a circunstância de os efeitos terem se projetado no tempo, mediante a percepção de parcelas.

* noticiado no Informativo 497

HC N. 92.322-PAREL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIOPENA - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - FIXAÇÃO. Havendo sido fixada a pena no patamar mínimo previsto para o tipo, descabe a consideração de circunstâncias judiciais visando a diminuí-la.SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - FIXAÇÃO DA PENA-BASE - CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS - DUPLICIDADE DE ENFOQUE - IMPROPRIEDADE - INSUBSISTÊNCIA. Tendo-se aplicado a pena-base no mínimo legal previsto para o tipo, não se pode, na análise da suspensão condicional da pena, desprezar o enfoque, apontando-se circunstâncias judiciais negativas.

* noticiado no Informativo 493

HC N. 94.059-RJRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRIMARIEDADE E BONS ANTECEDENTES QUE NÃO SÃO SUFICIENTES PARA EVITAR A CONSTRIÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE MOTIVADA. INSUFICIENTE TAMBÉM A CONDIÇÃO DE VEREADOR DO PACIENTE PARA IMPEDIR A PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. PROCESSO COMPLEXO COM MUITOS CO-RÉUS. PRECEDENTES DO SUPREMO. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E DENEGADO NA PARTE CONHECIDA.I - Excesso de prazo não caracterizado, considerando tratar-se de caso complexo, com vários acusados, que autoriza uma interpretação mais flexível dos termos processuais, mesmo em se tratando de réus presos. II - A primariedade e os bons antecedentes do réu, por si sós, não afastam a decretação da segregação cautelar, desde que adequadamente fundamentada e decretada por autoridade competente. III - Condição de vereador que não garante ao paciente tratamento diferenciado relativamente aos demais co-réus. IV - Os edis, ao contrário do que ocorre com os membros do Congresso Nacional e os deputados estaduais não gozam da denominada incoercibilidade pessoal relativa (freedom from arrest), ainda que algumas Constituições estaduais lhes assegurem prerrogativa de foro. V - Habeas corpus conhecido em parte e denegado na parte conhecida.

* noticiado no Informativo 505

HC N. 82.862-SPRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTA: PROVA. Criminal. Documentos. Papéis confidenciais pertencentes a empresa. Cópias obtidas, sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado. Juntada em autos de inquérito policial. Providência deferida em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público. Inadmissibilidade. Prova ilícita. Ofensa ao art. 5º, LVI, da CF, e aos arts. 152, § único, 153 e 154 do CP. Desentranhamento determinado. HC concedido para esse fim. Não se admite, sob nenhum pretexto ou fundamento, a juntada, em autos de inquérito policial ou de ação penal, de cópias ou originais de documentos confidenciais de empresa, obtidos, sem autorização nem conhecimento desta, por ex-empregado, ainda que autorizada aquela por sentença em mandado de segurança impetrado por representante do Ministério Público.

* noticiado no Informativo 495

HC N. 92.495-PERELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. INADMISSIBILIDADE. CRIME DE TRÁFICO DE DROGA. HABEAS CORPUS. DENEGAÇÃO.1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra julgamento colegiado da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que denegou habeas corpus anteriormente aforado perante aquela Corte, objetivando a soltura da paciente. 2. O STF tem adotado orientação segundo a qual há proibição legal para a concessão da liberdade provisória em favor dos sujeitos ativos do crime de tráfico ilícito de drogas (art. 44, da Lei n° 11.343/06), o que é fundamento para o indeferimento do requerimento de liberdade provisória (norma especial em relação àquela contida no art. 310, parágrafo único, do CPP) . 3. Nem a redação conferida ao art. 2°, II, da Lei n° 8.072/90, pela Lei n° 11.464/07, prepondera sobre o disposto no art. 44, da Lei n° 11.343/06, eis que esta se refere explicitamente à proibição da concessão de liberdade provisória em se tratando de crime de tráfico ilícito de substância entorpecente . 4. Há, ainda, indicação da existência de organização criminosa integrada pela paciente, a revelar a presença da necessidade da prisão preventiva como garantia da ordem pública. 5. Houve fundamentação idônea à manutenção da prisão processual da paciente. 6. Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 508

HC N. 94.147-RJRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEPROCESSUAL PENAL. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES JUDICIAIS (ALTERNATIVAS À PRISÃO PROCESSUAL). POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. ART. 798, CPC; ART. 3°, CPC. 1. A questão jurídica debatida neste habeas corpus consiste na possibilidade (ou não) da imposição de condições ao paciente com a revogação da decisão que decretou sua prisão preventiva. 2. Houve a observância dos princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria na decisão que condicionou a

Page 58: STF Penal a Partir de 2008

revogação do decreto prisional ao cumprimento de certas condições judiciais. 3. Não há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5°, XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. 4. A medida adotada na decisão impugnada tem clara natureza acautelatória, inserindo-se no poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3°). 5. As condições impostas não maculam o princípio constitucional da não-culpabilidade, como também não o fazem as prisões cautelares (ou processuais). 6. Cuida-se de medida adotada com base no poder geral de cautela, perfeitamente inserido no Direito brasileiro, não havendo violação ao princípio da independência dos poderes (CF, art. 2°), tampouco malferimento à regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). 7. Ordem denegada.

Mercadoria Imprópria ao Consumo e PeríciaO tipo previsto no inciso IX, do art. 7º, da Lei 8.137/90 (“Art. 7° Constitui crime contra as relações de

consumo: ... IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;”) pressupõe a demonstração inequívoca da impropriedade do produto para o uso. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para absolver os pacientes da condenação por crime contra as relações de consumo (Lei 8.137/90, art. 7º, IX), decorrente da fabricação de produtos para consumo em desconformidade com normas regulamentares e sem registro no Ministério da Saúde. Considerou-se que, no caso, embora se tratasse de crime formal, o elemento do tipo não fora comprovado no processo ante a inexistência de perícia que atestasse a imprestabilidade das mercadorias ao consumo. Ademais, ressaltou-se que a tipificação desse crime estaria vinculada ao art. 18, § 6º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece os produtos impróprios ao consumo (“§ 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.”).

HC 90779/PR, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2008. (HC-90779)

Crime contra o Sistema Financeiro e Competência A Turma indeferiu habeas corpus em que alegada a competência da justiça estadual para processar e julgar os

pacientes, denunciados por estelionato e pela suposta prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional (CP, art. 171 e Lei 7.492/86, art. 5º), consistente na operação, em instituição financeira de direito privado, de esquema de pagamento de notas frias. A impetração sustentava que o feito envolveria apenas interesses privados e que os pacientes não ocupavam, à época dos fatos, cargo de direção ou de administração naquela instituição, o que afastaria a incidência da referida Lei 7.492/86. Reputou-se que a regra nela contida (“Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.”) não colidiria com aquela prevista no art. 109, VI, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;”). Nesse sentido, entendeu-se acertada a decisão do STJ que assentara a competência da justiça federal para o processamento da causa, não obstante o envolvimento de instituição privada. No ponto, enfatizou-se a presença de interesses da União consubstanciados no controle, na higidez e na legalidade do Sistema Financeiro Nacional. Ademais, em reforço à atração da competência da justiça federal para o exame do caso, ressaltou-se que a denúncia noticiaria que a operação do esquema delituoso utilizara-se da falsificação de documento supostamente emitido pelo Banco Central do Brasil e que um dos pacientes detinha, à época dos fatos, poderes e atribuições próprias de gerente de operações.

HC 93733/RJ, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2008. (HC-93733)

Excesso de Prazo e Internação ProvisóriaPor considerar que a internação provisória extrapolaria, em muito, o prazo assinalado pelo art. 108 do Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA, assumindo a feição de punição antecipada, a Turma superou o Enunciado 691 da Súmula do STF e deferiu habeas corpus impetrado em favor de menores, cuja apreensão ocorrera em 23.10.2007 (ECA: “Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.”). De início, salientou-se que o feito encontrar-se-ia, ainda, na fase de defesa prévia e que a demora na prestação jurisdicional não poderia ser imputada à defesa ou à complexidade da causa . Tendo isso em conta, asseverou-se que deveriam ser calibrados, de um lado, os valores constitucionais do exercício do poder-dever de julgar (art. 5º, XXXV) e, de outro, o direito subjetivo à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII), sobretudo quando em jogo a liberdade de locomoção daqueles a quem a

Page 59: STF Penal a Partir de 2008

Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e um particular conjunto normativo-protetivo (artigos 227 e 228). Concluiu-se, assim, que de nada valeria a Constituição declarar o direito à razoável duração do processo — e, na espécie, o direito à brevidade e excepcionalidade da internação preventiva —, se a ele não correspondesse o dever estatal de julgar com presteza. Ordem concedida para garantir aos pacientes o direito de aguardarem, em liberdade assistida, o desfecho das ações em curso na 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Teresina.

HC 94000/PI, rel. Min. Carlos Britto, 17.6.2008. (HC-94000)

Princípio do Promotor Natural e Designação por Procurador-Chefe - 1A Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado — a partir de investigações procedidas na denominada

“Operação Anaconda” — pela suposta prática do crime de corrupção ativa (CP, art. 333) pleiteava a nulidade de procedimento que tramitara perante o TRF da 3ª Região, sob o argumento de ofensa ao princípio do promotor natural (CF, artigos 5º, LIII; 127, § 1º e 128, § 5º, b), bem como de violação a regras contidas no Código de Processo Penal e em portarias da Procuradoria Regional da República da respectiva região. Inicialmente, asseverou-se que, conforme a doutrina, o princípio do promotor natural representa a impossibilidade de alguém ser processado senão pelo órgão de atuação do Ministério Público dotado de amplas garantias pessoais e institucionais, de absoluta independência e liberdade de convicção, com atribuições previamente fixadas e conhecidas. Entretanto, enfatizou-se que o STF, por maioria de votos, refutara a tese de sua existência (HC 67759/RJ, DJU de 1º.7.93) no ordenamento jurídico brasileiro, orientação essa confirmada, posteriormente, na apreciação do HC 84468/ES (DJU de 20.2.2006). Considerou-se que, mesmo que eventualmente acolhido o mencionado princípio, no presente caso não teria ocorrido sua transgressão.

HC 90277/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 17.6.2008. (HC-90277)

HC N. 92.885-CERELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL E DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.1. Nenhuma afronta ao princípio do promotor natural há no pedido de arquivamento dos autos do inquérito policial por um promotor de justiça e na oferta da denúncia por outro, indicado pelo Procurador-Geral de Justiça, após o Juízo local ter considerado improcedente o pedido de arquivamento.4. Habeas corpus indeferido.

* noticiado no Informativo 504

RE N. 248.018-SPRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ARTIGO 127 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. REMISSÃO CONCEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA IMPOSTA PELA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. POSSIBILIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA. PRECEDENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.1. O acórdão recorrido declarou a inconstitucionalidade do artigo 127, in fine, da Lei n° 8.089/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), por entender que não é possível cumular a remissão concedida pelo Ministério Público, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, com a aplicação de medida sócio-educativa.2. A medida sócio-educativa foi imposta pela autoridade judicial, logo, não fere o devido processo legal. A medida de advertência tem caráter pedagógico, de orientação ao menor e em tudo se harmoniza com o escopo que inspirou o sistema instituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.3. A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida sócio-educativa de advertência, porquanto não possui esta caráter de penalidade. Ademais, a imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração de responsabilidade. Precedente.4. Recurso Extraordinário conhecido e provido.

* noticiado no Informativo 505

Desaforamento: Fundamentação e Comarcas PróximasPor vislumbrar ofensa ao art. 93, IX, da CF na decisão que deferira pedido de desaforamento do julgamento do

paciente para a comarca da capital do Estado do Rio de Janeiro, com exclusão das comarcas mais próximas, a Turma, em votação majoritária, proveu, em parte, recurso ordinário em habeas corpus para que aquela Corte justifique a viabilidade, ou não, do desaforamento para uma das comarcas próximas à Araruama. Considerou-se que o Tribunal fluminense, embora tivesse ressaltado que a influência política do paciente ultrapassaria os limites da municipalidade em que instaurado o processo, não se desincumbira do ônus de apontar os motivos da rejeição das comarcas circunvizinhas, conforme determinado pelo art. 424, do CPP, em sua redação original (“Art. 424. Se o interesse da ordem pública o reclamar, ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal de Apelação, a requerimento de qualquer das partes ou mediante representação do juiz, e ouvido sempre o procurador-geral, poderá desaforar o julgamento para comarca ou termo próximo, onde não subsistam aqueles motivos, após informação do juiz, se

Page 60: STF Penal a Partir de 2008

a medida não tiver sido solicitada, de ofício, por ele próprio.”). Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso em maior extensão para fixar, no tocante à Araruama, a comarca mais próxima que não estivesse compreendida pelo que se entende como Região dos Lagos.

RHC 94008/RJ, rel. Min. Carlos Britto, 24.6.2008. (RHC-94008) Ou seja, para decidir pelo desaforamento o Tribunal tem que justificar o porquê está desaforando e porque as comarcas próximas tb devem ser rejeitadas!

Ministério Público e Investigação CriminalA Turma, tendo em conta que a matéria de fundo encontra-se submetida ao Plenário, resolveu questão de ordem

suscitada pela Min. Cármen Lúcia no sentido de afetar, também a ele, o julgamento de habeas corpus em que se discute a admissibilidade, ou não, de investigação criminal realizada diretamente pelo Ministério Público. No caso, determinado o desarquivamento de inquérito policial, com fundamento no art. 18 do CPP, a denúncia fora posteriormente oferecida pelo membro do parquet que, após reinquirir testemunhas, concluíra que as declarações dessas, contidas no inquérito arquivado, teriam sido alteradas por autoridade policial (CPP, Art. 18: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.”) — v. Informativo 446. Determinou-se, ainda, a devolução dos autos ao Min. Ricardo Lewandowski, relator.

HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2008. (HC-87395)

Regime de Cumprimento de Pena e Falta de VagasA Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para determinar que se observe o cumprimento da pena tal como

previsto no título judicial e, inexistente vaga em estabelecimento próprio, que os pacientes aguardem em regime aberto . Tratava-se, na espécie, de writ em que condenados a pena em regime semi-aberto, por infração ao art. 157, § 2º, I, II e V, do CP, questionavam a imposição de seu recolhimento em regime fechado até que surgissem vagas em local adequado na comarca. Tendo em conta a impossibilidade do imediato cumprimento da sanção em colônia penal agrícola e/ou colônia penal industrial ou em estabelecimento similar por deficiência do Estado, entendeu-se que não se poderia manter alguém preso em regime mais rigoroso do que o imposto na sentença condenatória. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que denegava a ordem por considerar que a instrução deficiente do pedido inviabilizaria a comprovação da ilegalidade suscitada e, em conseqüência, o conhecimento da presente ação.

HC 94526/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 24.6.2008. (HC-94526)

Art. 290 do CPM e Princípio da InsignificânciaEm face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a atipicidade material da conduta por

aplicação do princípio da insignificância a militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Inicialmente, salientou-se que a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da incidência do aludido princípio. Enfatizou-se que a Lei 11.343/2006 veda a prisão do usuário, devendo a este ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-lo do vício. Asseverou-se, ainda, que incumbiria ao STF confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da Nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado como princípio fundamental (CF, art. 1º, III). Ademais, afirmou-se que outros ramos do Direito seriam suficientes a sancionar o paciente. Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa que denegavam a ordem ao fundamento de que, diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 290 do CPM, revelar-se-ia inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006. Assentaram que a conduta prevista no referido dispositivo legal ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal.

HC 90125/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 24.6.2008. (HC-90125)

Incompetência do Juízo e “Ne Bis in Idem”A Turma, por maioria, deferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STM que, ao prover recurso criminal

interposto pelo Ministério Público Militar da União, reformara decisão que rejeitara denúncia oferecida em desfavor de militar da ativa acusado pela suposta prática de furto contra outro militar na mesma situação. Ocorre que, anteriormente, fora instaurado, no âmbito da justiça estadual e para apuração daquele mesmo delito, processo-crime contra o paciente, que, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, encontra-se suspenso. Não obstante o reconhecimento da incompetência da justiça estadual para processar e julgar o caso, entendeu-se que o paciente se sujeitara ao que o Estado acusador lhe

Page 61: STF Penal a Partir de 2008

impusera. No ponto, assentou-se que a justiça estadual já aplicara expediente substitutivo da sentença que deve ter, em termos de impossibilidade de novo processo pelos mesmos fatos, a mesma conseqüência jurídica. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que, ao salientar cuidar-se de crime militar (CPM, art. 9º, II, a), indeferia o writ por reputar existente vício insanável que contaminaria de nulidade absoluta o processo ajuizado perante justiça absolutamente incompetente . Ordem concedida para determinar o trancamento do processo instaurado no âmbito da Justiça Militar da União.

HC 91505/PR, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 24.6.2008. (HC-91505) Ou seja, a 2° T. do STF entende que se já se iniciou um processo criminal numa justiça absolutamente incompetente e foi imposta alguma restrição ao réu, mais nada poderá ser feito.

Indo no inteiro teor: A Ministra Ellen Gracie (voto vencido) entendeu que a incompetência absoluta é insanável, razão por que não se formaria coisa julgada material. No caso, ainda se tem uma peculiaridade, não houve precisamente uma sentença penal condenatória ou absolutória, mas sim a concessão da suspensão condicional do processo. Assim, para a Ministra, não se teria nem coisa julgada a ser discutida. Em discussão plenária, a Ministra frisou a incompetência absoluta, afirmando ser o mesmo que “o vigário da igreja lhe tivesse aplicado uma penitência”. No entanto, os Ministros Cezar Peluzo e Joaquim Barbosa entenderam contrário. Cezar Peluso: “Não. Neste caso, a Justiça estadual aplicou expediente legal substitutivo da sentença, o qual deve ter, em termos de impossibilidade de novo processo pelos mesmos fatos, igual conseqüência jurídica”.

O voto da Ellen Gracie, no entanto, traz referência à jurisprudência do STF no sentido de que a sentença proferida por justiça absolutamente incompetente não formaria coisa julgada, podendo-se falar em vício de inexistência (aqui nesse aspecto, parece adotar a corrente de Ada Pellegrini e Dinamarco sobre incompetência absoluta). Outro julgado (1974) disse que é caso de nulidade.

Tráfico de Drogas e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos – 1 Obs: Lei 6368!!!

A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se questiona a possibilidade, ou não, de incidência do art. 44, do CP, às hipóteses relacionadas aos crimes hediondos e a eles equiparados. No caso, condenadas à pena em regime integralmente fechado por infração ao art. 12, c/c o art. 18, ambos da Lei 6.368/76, pleiteiam a progressão de regime de cumprimento de pena, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito. A Min. Ellen Gracie, relatora, deferiu, em parte, o writ, estabelecendo que o regime de cumprimento da pena será o inicialmente fechado, permitindo-se a progressão do regime prisional, desde que atendidos os requisitos do art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 8.072/90, na redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/2007, não admitindo, no entanto, a substituição da pena corporal por penas restritivas de direito. Em conseqüência, revogou a liminar anteriormente concedida, devendo o magistrado verificar a presença dos requisitos subjetivos e objetivos para eventual progressão do regime prisional à luz da Lei 11.464/2007.

HC 89976/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 24.6.2008. (HC-89976)

Tráfico de Drogas e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por Restritiva de Direitos - 2A relatora, no tocante à aplicação do mencionado art. 44, do CP, asseverou que a Corte já apreciara a questão, quando

do julgamento do HC 85894/RJ (DJU de 28.9.2007), concluindo no sentido do cabimento da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, nos crimes hediondos, tendo em conta o afastamento do óbice à progressão de regime. Entretanto, afirmou que, com o advento da Lei 11.343/2006 (art. 44, caput), a mencionada conversão fora expressamente vedada nas hipóteses de condenação pelos crimes de tráfico ilícito de substância entorpecente e outros delitos assemelhados, e que tal lei apenas explicitara regra que era implícita no sistema jurídico brasileiro. No ponto, considerou não haver incidência retroativa da regra contida no art. 44, caput, da Lei 11.343/2006, à espécie, eis que o sistema jurídico anterior a sua vinda já não admitia a substituição da pena corporal por pena restritiva de direito quanto aos crimes hediondos e a eles equiparados. Dessa forma, assentou a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, ainda que no período anterior ao advento da Lei 11.343/2006 . Relativamente ao tema do regime de cumprimento da pena privativa de liberdade em relação às pacientes, esclareceu que, com a nova redação, dada pela Lei 11.464/2007, ao § 1º, e a introdução do § 2º, ambos do art. 2º, da Lei 8.072/90, deverão ser cumpridos os requisitos e condições impostas, mesmo quanto às pessoas que praticaram condutas criminosas em época anterior à nova ordem jurídica instaurada sobre o assunto. Do contrário, aduziu que haveria descumprimento do comando constitucional contido no art.5º, XLIII, não cumprindo o papel axiológico e a própria razão de ser da Lei dos Crimes Hediondos, a saber, tratar de modo mais severo os casos referentes aos crimes hediondos e a eles equiparados. Após, a Turma determinou fosse a matéria afetada ao Plenário.

HC 89976/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 24.6.2008. (HC-89976)

Page 62: STF Penal a Partir de 2008

HC N. 94.062-RJRELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NÃO SUBMETIDA ÀS INSTÂNCIAS ANTECEDENTES. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: NÃO-OCORRÊNCIA. NOVO TÍTULO DE PRISÃO PREVENTIVA FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E NA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. HABEAS INDEFERIDO.1. Havendo alegação de excesso de prazo não submetida à instância antecedente, impõe-se o não-conhecimento da impetração, nesse ponto, sob pena de indevida supressão de instância.2. Sem procedência a afirmativa dos Impetrantes de que a nova custódia cautelar teria afrontado decisão do Superior Tribunal de Justiça, porque apresentados novos fundamentos a justificar a prisão preventiva da Paciente.3. Habeas corpus indeferido.

* noticiado no Informativo 504

HC N. 88.788-SPRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA SÓCIO-EDUCATIVA. INTERNAÇÃO-SANÇÃO. LEGITIMIDADE. INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO. APLICABILIDADE. PARÂMETRO. PENA MÁXIMA COMINADA AO TIPO LEGAL. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL À METADE COM BASE NO ART. 115 DO CÓDIGO PENAL. HIPÓTESE DE CRIME DE ROUBO. PRESCRIÇÃO NÃO CONSUMADA, NA ESPÉCIE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Não incide a irregularidade apontada pela impetrante, no sentido de que a medida de internação-sanção teria sido decretada antes do envio de precatória para a comarca onde o paciente estaria residindo. Constam informações nos autos de que a execução da medida de liberdade assistida foi deprecada e, diante da devolução da carta precatória, a medida extrema veio a ser decretada.2. O instituto da prescrição não é incompatível com a natureza não-penal das medidas sócio-educativas. Jurisprudência pacífica no sentido da prescritibilidade das medidas de segurança, que também não têm natureza de pena, na estrita acepção do termo. 3. Os casos de imprescritibilidade devem ser, apenas, aqueles expressamente previstos em lei. Se o Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece a imprescritibilidade das medidas sócio-educativas, devem elas se submeter à regra geral, como determina o art. 12 do Código Penal. 4. O transcurso do tempo, para um adolescente que está formando sua personalidade, produz efeitos muito mais profundos do que para pessoa já biologicamente madura, o que milita em favor da aplicabilidade do instituto da prescrição. 5. O parâmetro adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para o cálculo da prescrição foi o da pena máxima cominada em abstrato ao tipo penal correspondente ao ato infracional praticado pelo adolescente, combinado com a regra do art. 115 do Código Penal, que reduz à metade o prazo prescricional quando o agente é menor de vinte e um anos à época dos fatos . 6. Referida solução é a que se mostra mais adequada, por respeitar os princípios da separação de poderes e da reserva legal. 7. A adoção de outros critérios, como a idade limite de dezoito ou vinte e um anos e/ou os prazos não cabais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente para duração inicial das medidas, além de criar um tertium genus, conduz a diferenças de tratamento entre pessoas em situações idênticas (no caso da idade máxima) e a distorções incompatíveis com nosso ordenamento jurídico (no caso dos prazos iniciais das medidas), deixando de considerar a gravidade em si do fato praticado, tal como considerada pelo legislador. 8. No caso concreto, o acórdão do Superior Tribunal de Justiça não merece qualquer reparo, não tendo se aperfeiçoado a prescrição até o presente momento. 9. Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 503

HC N. 92.012-SPRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. CONVERSÃO DA PENA RESTRITIVA DE DIREITO EM PRIVATIVA DE LIBERDADE. CRITÉRIOS E MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL E AMPLA DEFESA. ART. 181, § 1º, a, LEP. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO. 1. O art. 181, § 1°, a, da LEP, não exige que haja intimação por edital do condenado que participou de todo o processo, tratando-se de hipótese diversa do réu revel. 2. Há tratamento diferenciado com base em elemento de dicrímen razoável no que tange às duas hipóteses previstas de conversão da pena restritiva de direito em pena privativa de liberdade. 3. Habeas corpus denegado.

* noticiado no Informativo 510No caso, o impetrante, devidamente citado na ação penal e tendo comparecido a toda instrução probatória, foi condenado à pena restritiva de direito. No entanto, após a sentença condenatória ele desapareceu, não sendo encontrado quando da intimação pelo juízo da execução penal para o cumprimento da pena. O juízo da execução converteu, então, a pena restritiva de direito em privativa de liberdade. Dessa decisão se recorreu até chegar HC no STF. O recurso postulava a intimação do apenado por edital para que tome conhecimento da decisão proferida. Pedia-se a aplicação do art. 181, §1º, a, LEP. No STJ: “A primeira parte corresponde ao sentenciado que esteve presente durante toda a instrução criminal e, ao final, quando intimado pelo juízo da execução...não foi encontrado...Na segunda parte, trata-se do réu que manteve revel no curso do processo de conhecimento”. No STF, Min. Ellen Gracie: “Considero a presença de elemento de descrímen razoável no tratamento diferenciado no art. 181 da LEP, eis que o réu que participou de todos os atos processuais e, ciente da condenação, muda seu domicílio sem prévia comunicação ao juízo competente, viola o princípio da boa-fé objetiva, que deve reger todas as relações jurídicas, inclusive, entre o agente e o Estado”

HC N. 93.120-SCRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. RÉUS E DEFENSOR CONSTITUÍDO REGULARMENTE INTIMADOS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. NECESSIDADE DO MANDADO DE INTIMAÇÃO DE SENTENÇA SER ACOMPANHADO DE TERMO DE APELAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ORDEM DENEGADA. 1. Os réus e o defensor constituído foram regularmente intimados da sentença penal condenatória. 2. A não interposição de apelação não equivale à ausência de defesa, porquanto o defensor constituído ofereceu embargos de declaração à sentença penal condenatória em tempo hábil. Ausência de recurso que se situa no âmbito da estratégia de defesa delineada pelo defensor constituído, dada a voluntariedade recursal. 3. Não há qualquer dispositivo legal que determine a necessidade de o mandado de intimação de sentença condenatória ser acompanhado de um termo de apelação. Ausência de constrangimento ilegal. 4. Negado provimento ao writ.

* noticiado no Informativo 510

Page 63: STF Penal a Partir de 2008

RE N. 464.935-RJRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL. Originária. Ação penal. Crime comum. Réu então vereador. Feito da competência do Tribunal de Justiça. Art. 161, IV, “d”, nº 3, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Foro especial por prerrogativa de função. Constitucionalidade reconhecida. Precedentes do Supremo. Processo anulado. Recurso extraordinário improvido. Réu que perdeu o cargo de vereador. Retorno dos autos ao juízo de primeiro grau. Prejuízo do recurso neste ponto. Inteligência dos arts. 22, I, e 125, § 1º, do art. 22, I, da CF. Não afronta a Constituição da República, a norma de Constituição estadual que, disciplinando competência originária do Tribunal de Justiça, lha atribui para processar e julgar vereador.

Nesse caso, o TJRJ tinha reconhecido a sua competência para julgar o vereador em razão do art. 161, IV, d, 3, da Constituição do Estado, anulando a sentença do juízo de primeiro grau.

RHC N. 82.365-SPRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTA: HABEAS CORPUS. Condição da ação. Interesse processual ou de agir. Caracterização. Alegação de falta de justa causa para ação penal. Admissibilidade. Processo. Suspensão condicional. Aceitação da proposta do representante do Ministério Público. Irrelevância. Renúncia não ocorrente. HC concedido de ofício para que o tribunal local julgue o mérito do pedido de habeas corpus. Precedentes . A aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não subtrai ao réu o interesse jurídico para ajuizar pedido de habeas corpus para trancamento da ação penal por falta de justa causa.

* noticiado no Informativo 508

Sonegação Fiscal e Esgotamento de Instância AdministrativaO Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a recurso ordinário em habeas corpus, impetrado em favor de

acusada pela suposta prática dos crimes previstos no art. 2º, I, da Lei 8.137/90 (sonegação fiscal) e no art. 203 do CP (“Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”), para trancar o inquérito policial contra ela instaurado relativamente à investigação do possível crime de sonegação fiscal, sem prejuízo do seu prosseguimento em relação aos demais fatos. Aplicou-se o entendimento firmado pela Corte no sentido de que o prévio exaurimento da via administrativa é condição objetiva de punibilidade, não havendo se falar, antes dele, em consumação do crime material contra a Ordem Tributária, haja vista que, somente após a decisão final do procedimento administrativo fiscal é que será considerado lançado, definitivamente, o referido crédito. No que se refere ao delito tipificado no art. 203 do CP, entendeu-se que, por estarem os fatos sendo apurados ainda em fase pré-processual, sem que houvesse uma acusação formal contra a paciente, seria prematura a alegação de incompetência da Justiça Federal. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, que, por considerar que a frustração dos direitos trabalhistas estaria ligada à sonegação fiscal, ou seja, seria um iter criminis até mesmo para a sonegação, dava provimento integral ao recurso, reputando necessário se aguardar a liquidação do processo administrativo, a fim de se ter certeza quanto ao crime de sonegação. Precedentes citados: HC 88994/SP (DJU de 19.12.2006); HC 88657 AgR/ES (DJU de 10.8.2006); HC 81611/DF (DJU de 13.5.2005).

RHC 90532/CE, rel. Min. Joaquim Barbosa, 1º.7.2008. (RHC-90532)

Ministério Público e Investigação Penal (Trasncrições)

HC 94173 MC/BA*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A QUESTÃO DE SUA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL: MATÉRIA AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HC 84.548/SP). A INVESTIGAÇÃO PENAL, QUANDO REALIZADA PELA POLÍCIA JUDICIÁRIA, É PRESIDIDA POR AUTORIDADE POLICIAL. DOUTRINA. PRECEDENTE DO STF. A PESSOA INVESTIGADA PELO PODER PÚBLICO JAMAIS SE DESPOJA DE SUA CONDIÇÃO DE SUJEITO DE DIREITOS E DE GARANTIAS INDISPONÍVEIS (HC 86.059-MC/PR, REL. MIN. CELSO DE MELLO). AS ATUAÇÕES POSSÍVEIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO ÂMBITO DO INQUÉRITO POLICIAL. PRETENDIDA INCONSTITUCIONALIDADE DE INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR, QUANDO PROMOVIDA, EXCLUSIVAMENTE, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão monocrática, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, foi assim ementada (Apenso, fls. 274):

“CONSTITUCIONAL – PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM ‘HABEAS CORPUS’ – PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – POSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA , RESSALVANDO-SE POSICIONAMENTO CONTRÁRIO DA RELATORA.

1. Na esteira dos precedentes desta Corte, o Ministério Público, como titular da ação penal pública, pode realizar investigações preliminares ao oferecimento da denúncia.

2. Sendo peça meramente informativa, o inquérito policial não é pressuposto indispensável à formação da ‘opinio delicti’ do ‘Parquet’.3. Ordem denegada, ressalvando-se posicionamento contrário da Relatora quanto à impossibilidade de investigações preliminares pelo

Ministério Público.”(HC 88.993/BA, Rel. Min. JANE SILVA - grifei)

Page 64: STF Penal a Partir de 2008

Os autores deste “writ” constitucional alegam, em síntese, a falta de justa causa viabilizadora da instauração de processo penal contra os ora pacientes, em razão da “ilegitimidade do Ministério Público para instaurar e conduzir investigação criminal” (fls. 21 - grifei), como revela trecho da presente impetração (fls. 04/05):

“(...) a investigação criminal no caso vertente, investigação esta pré-processual, cuja titularidade, constitucionalmente assegurada, pertence à Autoridade Policial Administrativa, fora levada a cabo exclusivamente pelo Ministério Público.

Registre-se, de logo, que a Portaria administrativa de investigação criminal no caso em apreço (cf. cópia integral da ação penal na origem que compõe o acervo probatório do HC impugnado) fora exarada pelo nobre membro do ‘Parquet’, a Douta Karinny Virgínia Peixoto de Oliveira, membro este que, além de registrar a portaria, presidiu a persecução criminal até então, chegando a própria a oferecer a peça acusatória inicial (Denúncia).” (grifei)

O exame dos fundamentos em que se apóia a decisão ora impugnada – que reconhece, ao Ministério Público, a prerrogativa de promover, por direito próprio, sob sua autoridade e direção, investigações penais – parece descaracterizar, ao menos em sede de estrita delibação, a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes.

Reconheço que o tema suscitado na presente impetração assume indiscutível relevo jurídico-constitucional, muito embora a pretensão deduzida nesta causa encontre sérias objeções no plano doutrinário (BRUNO CALABRICH, “Investigação Criminal pelo Ministério Público – fundamentos e limites constitucionais”, p. 232, item n. 7.9, 2007, RT; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 103/107, item n. 10.23, 13ª ed., 2006, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “Manual de Processo Penal”, p. 67/73, item n. 2.1, 2007, Lumen Juris; EDILSON MOUGENOT BONFIM, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 30, 2007, Saraiva; HUGO NIGRO MAZZILLI, “Regime Jurídico do Ministério Público”, p. 239 e 421/422, 3ª ed., 1996, Saraiva; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY, “Curso de Processo Penal”, p. 78/86, item n. 4.1.10.5, 3ª ed., 2005, Forense; CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. 1/179-185, item n. 54.3, 2002, Edipro; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Processo Penal”, p. 77, item n. 3.1.2, 4ª ed., 1995, Atlas; RÔMULO DE ANDRADE MOREIRA, “Direito Processual Penal”, p. 203/214, 2003, Forense; ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional”, p. 1.716/1.718, 7ª ed., 2007, Atlas, v.g.).

É claro que o Ministério Público sempre poderá requisitar a instauração de inquérito policial. Contudo, se assim proceder, não lhe caberá presidi-lo, pois, como se sabe, a presidência do inquérito policial incumbe, exclusivamente, à própria autoridade policial, consoante adverte JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 86, item n. 4.3, 7ª ed., 2000, Atlas).

Essa especial regra de competência – que outorga a presidência do inquérito policial à autoridade policial - não impede, contudo, que o Ministério Público, que é o “dominus litis” – e desde que indique os fundamentos jurídicos legitimadores de suas manifestações (CF, art. 129, VIII) –, determine a abertura de inquéritos policiais, ou, então, requisite diligências ou informações complementares, ou, ainda, acompanhe a realização, por organismos policiais, de atos investigatórios, em ordem a prover a investigação penal, quando conduzida pela Polícia Judiciária, com todos os elementos necessários ao esclarecimento da verdade real e essenciais à formação, por parte do representante do “Parquet”, de sua “opinio delicti”.

Essa possibilidade – que ainda subsiste sob a égide do vigente ordenamento constitucional – foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, quando esta Corte, no julgamento do RHC 66.176/SC, Rel. Min. CARLOS MADEIRA, ao reputar legítimo o oferecimento de denúncia baseada em investigações acompanhadas pelo Promotor de Justiça, salientou, no que se refere às relações entre a Polícia Judiciária e o Ministério Público , que este pode “requisitar a abertura de inquérito e a realização de diligências policiais, além de solicitar esclarecimentos ou novos elementos de convicção a quaisquer autoridades ou funcionários (...)”, competindo-lhe, também, “acompanhar atos investigatórios junto aos órgãos policiais”, embora não possa “intervir nos atos do inquérito e, muito menos, dirigi-lo, quando tem a presidi-lo a autoridade policial competente” (RTJ 130/1053 - grifei).

Todos sabemos que o inquérito policial, enquanto instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado, ordinariamente, a subsidiar a atuação persecutória do próprio Ministério Público, que é – nas hipóteses de ilícitos penais perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária (RTJ 168/896, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Trata-se, desse modo, o inquérito policial, de valiosa peça informativa, cujos elementos instrutórios - precipuamente destinados ao órgão da acusação pública - visam a possibilitar a instauração da “persecutio criminis in judicio” pelo Ministério Público (FERNANDO DE ALMEIDA PEDROSO, “Processo Penal - O Direito de Defesa”, p. 43/45, item n. 12, 1986, Forense; VICENTE DE PAULO VICENTE DE AZEVEDO, “Direito Judiciário Penal”, p. 115, 1952, Saraiva; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. I/153, 1961, Forense, v.g.).

Não constitui demasia rememorar, neste ponto, que a investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, a despeito de seu caráter inquisitivo, não autoriza práticas abusivas contra a pessoa investigada, não importando se indiciada ou não.

É que, mesmo na fase pré-processual da “informatio delicti”, a pessoa sob investigação não se despoja de sua essencial condição de sujeito de direitos e de garantias indisponíveis, cujo desrespeito põe em evidência a censurável face arbitrária do Estado.

Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que a pessoa sob investigação, indiciada ou não, ostenta em nosso sistema de direito positivo:

“INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO........................................................A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas

que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de

eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”(RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Essa orientação - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, construída sob a égide da vigente Constituição - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio (ainda que se cuide de mera investigação conduzida sem a garantia do contraditório), enfatizam que, em tal procedimento inquisitivo, há direitos titularizados pelo indiciado que não podem ser ignorados pelo Estado.

Cumpre referir, nesse sentido, dentre outros, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, “in” “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, “in” “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal - Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial - Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva).

Page 65: STF Penal a Partir de 2008

Impende salientar, no entanto, sem prejuízo do exame oportuno da questão pertinente à legitimidade constitucional do poder investigatório do Ministério Público (matéria objeto do HC 84.548/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, cujo julgamento se acha suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Ministro CEZAR PELUSO), que o “Parquet” não depende, para efeito de instauração da persecução penal em juízo, da preexistência de inquérito policial, eis que lhe assiste a faculdade de apoiar a formulação da “opinio delicti” em elementos de informação constantes de outras peças existentes “aliunde”.

Esse entendimento – que se apóia no magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 07, 17ª ed., 2000, Saraiva; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Código de Processo Penal Comentado”, vol. I/111, 4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 111, item n. 12.1, 7ª ed., 2000, Atlas; EDUARDO ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. I/288, 2000, Bookseller, v.g.) – tem, igualmente, o beneplácito da jurisprudência dos Tribunais em geral (RT 664/336 – RT 716/502 – RT 738/557 – RSTJ 65/157 - RSTJ 106/426, v.g.), inclusive a desta Suprema Corte (RTJ 64/342 - RTJ 76/741 - RTJ 101/571 - RT 756/481):

“- O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da válida instauração, pelo Ministério Público, da ‘persecutio criminis in judicio’. Precedentes.

O Ministério Público, por isso mesmo, para oferecer denúncia, não depende de prévias investigações penais promovidas pela Polícia Judiciária, desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, sob pena de o desempenho da gravíssima prerrogativa de acusar transformar-se em exercício irresponsável de poder, convertendo, o processo penal, em inaceitável instrumento de arbítrio estatal. Precedentes.”(RTJ 192/222-223, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sendo assim, tendo em vista decisões anteriores por mim proferidas (HC 85.419-MC/RJ e HC 89.837-MC/DF) e sem prejuízo da ulterior apreciação da controvérsia em referência, notadamente em face do julgamento plenário, ainda em curso, do HC 84.548/SP, que discute a tese exposta na presente impetração, indefiro o pedido de medida liminar.

2. Achando-se adequadamente instruída a presente impetração, ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.Publique-se.Brasília, 1º de agosto de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

Uso de Algemas e Excepcionalidade -1O uso de algemas tem caráter excepcional. Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus —

impetrado em favor de condenado à pena de 13 anos e 6 meses de reclusão pela prática dos crimes previstos no art. 121, § 2º, II, III e IV, do CP, e no art. 10, da Lei 9.437/97 — para tornar insubsistente a decisão do Tribunal do Júri, e determinar que outro julgamento seja realizado, com a manutenção do acusado sem as algemas.!!!!! Na espécie, o paciente permanecera algemado durante toda a sessão do Júri, tendo sido indeferido o pedido da defesa para que as algemas fossem retiradas, ao fundamento de inexistência de constrangimento ilegal, sobretudo porque tal circunstância se faria necessária ao bom andamento dos trabalhos, uma vez que a segurança, naquele momento, estaria sendo realizada por apenas 2 policiais civis, e, ainda, porque o réu permanecera algemado em todas as audiências ocorridas antes da pronúncia.

HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

Uso de Algemas e Excepcionalidade - 2Entendeu-se que o uso das algemas, no caso, estaria em confronto com a ordem jurídico-constitucional, tendo em

conta que não havia, no caso, uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado à humilhação de permanecer durante horas algemado, quando do julgamento no Tribunal do Júri, não tendo sido, ademais, apontado um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a exigir, em prol da segurança, a permanência com algemas . Além disso, afirmou-se que a deficiência na estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido e que, inexistente o aparato de segurança necessário, impunha-se o adiamento da sessão. Salientou-se, inicialmente, que o julgamento perante o Tribunal do Júri não requer a custódia preventiva do acusado (CF, art. 5º, LVII), não sendo necessária sequer sua presença (CPP, art. 474, alterado pela Lei 11.689/2008). Considerou-se, também, o princípio da não-culpabilidade, asseverando-se que a pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida merece o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado Democrático de Direito. Ressaltou-se que o art. 1º da CF tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e que da leitura do rol das garantias constitucionais previstas no art. 5º (incisos XIX, LXI, XLIX, LXI, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, XLVIII), depreende-se a preocupação em se resguardar a figura do preso, repousando tais preceitos no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na imprescindibilidade de lhe ser preservada a dignidade. Aduziu-se que manter o acusado algemado em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria, à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados.

HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

Page 66: STF Penal a Partir de 2008

Uso de Algemas e Excepcionalidade - 3Registrou-se que a proibição do uso de algemas e do uso da força já era previsto nos tempos do Império (Decreto de

23.5.1821 e Código de Processo Criminal do Império de 29.11.1832, art. 180) e que houve manutenção dessas normas no ordenamento jurídico brasileiro subseqüente (Lei 261/1841; Lei 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto 4.824/1871; Código de Processo Penal de 1941, artigos 284 e 292; Lei de Execução Penal - LEP 7.210/84, art. 159; Código de Processo Penal Militar, artigos 234, § 1º e 242). Citou-se, ademais, o que disposto no item 3 das regras da Organização das Nações Unidas - ONU para tratamento de prisioneiros, no sentido de que o emprego de algemas jamais poderá se dar como medida de punição. Concluiu-se que isso estaria a revelar que o uso desse instrumento é excepcional e somente pode ocorrer nos casos em que realmente se mostre indispensável para impedir ou evitar a fuga do preso ou quando se cuidar comprovadamente de perigoso prisioneiro. Mencionou-se que a Lei 11.689/2008 tornou estreme de dúvidas a excepcionalidade do uso de algemas (“Art. 474... § 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”), e que caberia ao Supremo emitir entendimento sobre a matéria, a fim de inibir uma série de abusos notados na atual quadra, bem como tornar clara, inclusive, a concretude da Lei 4.898/65, reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal. Deliberou-se, por fim, no sentido de se editar uma súmula a respeito do tema. Precedentes citados: HC 71195/SP (DJU de 4.8.95); HC 89429/RO (DJU de 2.2.2007).

HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 7.8.2008. (HC-91952)

Falsificação de Carteira de Habilitação Naval e Incompetência da Justiça MilitarCompete à Justiça Federal stricto sensu processar e julgar acusado pela suposta prática do crime de falso

relativamente a documento de habilitação naval de natureza civil e não militar . Inicialmente, salientou-se que consubstancia regra a competência da Justiça comum para os processos-crimes, surgindo como exceção a competência penal quer da Justiça Federal stricto sensu, quer da Justiça Federal Militar. Aduziu-se, dessa forma, que os preceitos que encerram exceção merecem interpretação restritiva e que a definição de crime militar a atrair a jurisdição especializada encontra-se contida no art. 9º do Código Penal Militar. Entendeu-se que a situação dos autos não se adequaria à regra linear prevista no inciso I do mencionado art. 9º do CPM (“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: I - os crimes de que trata êste Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;”), haja vista a existência de disciplina na lei penal comum, bem como a correspondência de tipologia entre o art. 311, do CPM e o art. 297, do CP. Ademais, frisou-se, que não haveria campo para a análise considerados os incisos II e III do mesmo dispositivo. Ressaltou-se, entretanto, que, relativamente à alínea a, do inciso III, do art. 9º, do CPM, a menção a “ordem administrativa militar” não alcançaria o serviço de fiscalização presente no caso. Assim, concluiu-se que, estando em jogo serviço público federal — de fiscalização naval —, incidente o art. 109, IV, da CF (“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: ... IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;”). Por fim, determinou-se a remessa do processo, em tramitação na 2ª Auditoria da Segunda Circunscrição da Justiça Militar, para a primeira instância, considerada a Seção da Justiça Federal do Paraná, declarando insubsistente a peça primeira da ação penal. Precedentes citados: HC 68928/PA (DJU de 19.12.91); CC 7030/SC (DJU de 7.5.93).

HC 90451/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-90451)

Falsificação de Moeda e Princípio da InsignificânciaA Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do delito previsto no art. 289, § 1º, do CP, por

portar 10 cédulas falsas, cada uma com valor facial de R$ 5,00, pleiteava a aplicação do princípio da insignificância. Considerou-se que o paciente, ao fazer circular as notas falsas, sem comprovar a sua boa-fé, incorrera no crime de falsificação de moeda falsa, cujo bem jurídico tutelado é a fé pública. Desse modo, o tipo penal em questão não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem intangível, que corresponde à credibilidade do sistema financeiro.

HC 93251/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 5.8.2008. (HC-93251) Acho q isso serve para todos os crimes de falso!

HC 85653/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Carlos Britto, 5.8.2008. (HC-85653)

Perda dos Dias Remidos e Proporcionalidade - 1

Page 67: STF Penal a Partir de 2008

Em face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado que perdera a integralidade dos dias remidos ante o cometimento de falta grave, consistente no fato de não haver respondido a conferência no estabelecimento prisional. Na espécie, o paciente alegara que estava dormindo e, por isso, não escutara a chamada. A comissão disciplinar, então, sugerira a aplicação da pena de 15 dias de isolamento em cela disciplinar ou local adequado. Contudo, o juízo de origem, ao homologar o procedimento administrativo disciplinar, determinara a perda dos dias remidos (LEP, art. 127). Contra essa decisão, fora interposto agravo em execução em que a Defensoria Pública estadual sustentara ofensa a princípios constitucionais, tais como o da proporcionalidade e o da individualização da pena. Provido o recurso pelo Tribunal local, o Ministério Público, por sua vez, interpusera recurso especial e o STJ restabelecera a decisão que ordenara a perda dos dias remidos, o que ensejara a presente impetração. A impetração argumentava que: a) os princípios do contraditório e da ampla defesa restariam malferidos, em virtude de o juízo de primeira instância ter apenado o paciente sem a designação de audiência prévia para ouvi-lo; b) a perda dos dias remidos afrontaria, entre outros princípios, o da dignidade da pessoa humana; e c) em razão do princípio da proporcionalidade, cabível a aplicação do limite de 30 dias previsto no art. 58 da LEP.

HC 94701/RS, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-94701)

Perda dos Dias Remidos e Proporcionalidade - 2Inicialmente, conheceu-se do habeas corpus. Entendeu-se que a Turma poderia analisar a matéria de fundo, uma vez

que a pretensão da defesa fora apreciada expressamente pelo tribunal de justiça. No ponto, reputou-se que o problema do debate e decisão prévios perante o STJ não surgira no caso, tendo em conta as peculiaridades da situação dos autos. Afirmou-se que não se trataria de tema que não tivesse sido julgado, mas sim de questão examinada explicitamente pela Corte estadual e que, interposto recurso especial — conhecido e provido —, contra essa decisão, fulminara-se a glosa do tribunal de justiça, formalizada sob o ângulo da falta de proporcionalidade. Deferiu-se a ordem ao fundamento de que a sanção aplicada ao paciente seria desproporcional. Vencidos os Ministros Menezes Direito, relator, e Ricardo Lewandowski que conheciam do writ apenas quanto à suposta violação do princípio do contraditório e da ampla defesa e o indeferiam por considerar que o amplo direito de defesa fora garantido ao paciente, não havendo que se falar em transgressão aos aludidos princípios constitucionais. Ressaltaram que fora dada oportunidade ao paciente para fazer sua defesa no procedimento administrativo disciplinar, inclusive, com a apresentação de manifestação escrita em seu favor pela Defensoria Pública. HC deferido para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

HC 94701/RS, rel. orig. Min. Menezes Direito, rel. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 5.8.2008. (HC-94701)

Progressão de Regime e Falta Grave - 3A Turma concluiu julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que reputara justificada a regressão

de regime prisional imposto ao paciente por considerar falta grave a evasão de estabelecimento prisional. No caso, a mencionada sanção fora aplicada após a recaptura do paciente que, condenado a pena em regime inicial semi-aberto, obtivera o benefício de saída temporária e não regressara ao estabelecimento penitenciário — v. Informativos 506 e 510. Em votação majoritária, concedeu-se a ordem para cassar o acórdão do STJ e restabelecer o do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que vedara a regressão do regime semi-aberto para o fechado. Enfatizou-se que, na espécie, essa regressão não seria possível porque, quando do cometimento da falta grave, o paciente ainda cumpria pena no regime inicial fixado na sentença condenatória. Assim, não seria coerente admitir que a condenação do paciente se tornasse mais severa, na fase de execução penal, em razão da prática da falta grave. Essa, em tal hipótese, serviria para se determinar a recontagem do prazo necessário à progressão. Ademais, asseverou-se que seria ilógico que o réu pudesse regredir de regime sem ter progredido . O Min. Cezar Peluso, ressaltando a admissibilidade, em tese, de regressão a regime de cumprimento mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória, desde que não seja automática e impositiva em hipóteses de prática de falta grave, também concedeu a ordem, mas por fundamento diverso, qual seja a inobservância, pela autoridade coatora, das particularidades do caso concreto. Vencida a Min. Ellen Gracie que indeferia o writ por considerar que, nos termos do art. 33, caput, do CP, se em matéria de condenação e execução da pena de detenção revela-se possível a regressão para o regime fechado, com mais razão nas hipóteses de condenação e execução de pena de reclusão.

HC 93761/RS, rel. Min. Eros Grau, 5.8.2008. (HC-93761)

HC N. 92.598-RJREL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITOEMENTA Habeas Corpus. Não-conhecimento. Precedente da Corte.

Page 68: STF Penal a Partir de 2008

1. A Corte assentou que não se conhece de habeas corpus quando se trate de extradição, “que é processo sujeito à jurisdição única desta Corte, mas que não tem por objeto crime sujeito à jurisdição dela em uma única instância” (QO no HC 76.628/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 12/6/98).2. Habeas corpus não conhecido.

HC N. 91.893-DFRELATOR: MIN. MARCO AURÉLIOROUBO - CONFIGURAÇÃO. Conforme dispõe o artigo 157 do Código Penal, o crime de roubo surge consumado quando subtraída “coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”.LATROCÍNIO - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO - INTERCEPTAÇÃO DE VEÍCULO - TIROS DISPARADOS POR AUTORIDADE POLICIAL. Uma vez consumado o crime de roubo, descabe cogitar de latrocínio, isso considerada a interceptação de veículo, vindo as balas disparadas pela autoridade policial a atingir os agentes e a vítima.

HC N. 93.759-PRRELATOR: MIN. MARCO AURÉLIOHABEAS CORPUS - TRÂNSITO EM JULGADO DE DECRETO CONDENATÓRIO - ALCANCE. O trânsito em julgado de decisão condenatória não é óbice ao conhecimento da matéria de fundo de habeas corpus no qual se evoca a nulidade quanto à intimação do defensor público para ciência do dia em que julgada a apelação.RECURSO - JULGAMENTO - INTIMAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PREGÃO DO PROCESSO - ACOMPANHAMENTO - EMBARGOS DECLARATÓRIOS - FALTA DE ARGÜIÇÃO DE VÍCIO - PRECLUSÃO. Uma vez intimado o defensor público para conhecimento da inserção do recurso em pauta, não sendo este julgado na sessão designada, mas na subseqüente, tem-se que, interpostos embargos declaratórios sem veicular-se defeito alusivo à intimação, possível vício consubstancia nulidade relativa, presente a oportunidade da intimação e não a ausência de realização, com pessoalidade, desta última.APELAÇÃO - JULGAMENTO - DEFENSOR PÚBLICO. Se, de um lado, cumpre intimar pessoalmente o defensor público da data designada para o julgamento da apelação, de outro, não cabe, atendida a formalidade legal, concluir pela insubsistência do pregão e da apreciação do recurso em sessão imediata à que consignada na intimação. Ao defensor público, depois de cientificado da inserção do processo em pauta, se não ocorrer o pregão na data designada, incumbe o acompanhamento quanto ao dia em que virá a sê-lo.

HC N. 90.277-DFRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL. INEXISTÊNCIA (PRECEDENTES). AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA NO STJ. INQUÉRITO JUDICIAL DO TRF. DENEGAÇÃO.1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra julgamento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que recebeu denúncia contra o paciente como incurso nas sanções do art. 333, do Código Penal.2. Tese de nulidade do procedimento que tramitou perante o TRF da 3ª Região sob o fundamento da violação do princípio do promotor natural, o que representaria.3. O STF não reconhece o postulado do promotor natural como inerente ao direito brasileiro (HC 67.759, Pleno, DJ 01.07.1993): “Posição dos Ministros CELSO DE MELLO (Relator), SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO: Divergência, apenas, quanto à aplicabilidade imediata do princípio do Promotor Natural: necessidade de “interpositio legislatoris” para efeito de atuação do princípio (Ministro CELSO DE MELLO); incidência do postulado, independentemente de intermediação legislativa (Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE, MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO). - Reconhecimento da possibilidade de instituição de princípio do Promotor Natural mediante lei (Ministro SIDNEY SANCHES). - Posição de expressa rejeição à existência desse princípio consignada nos votos dos Ministros PAULO BROSSARD, OCTAVIO GALLOTTI, NÉRI DA SILVEIRA e MOREIRA ALVES”.4. Tal orientação foi mais recentemente confirmada no HC n° 84.468/ES (rel. Min. Cezar Peluso, 1ª Turma, DJ 20.02.2006). Não há que se cogitar da existência do princípio do promotor natural no ordenamento jurídico brasileiro.

HC N. 91.469-ESRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SONEGAÇÃO TRIBUTÁRIA. FALSIDADE IDEOLÓGICA. ABSORÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.1. A suposta falsidade ideológica não foi perpetrada em documento exclusivamente destinado à prática, em tese, do crime de sonegação tributária, em relação ao qual a ação penal foi trancada.2. A falsidade nos documentos de registro de automóvel apresenta potencial lesivo autônomo, independentemente da prática do crime contra a ordem tributária. Inaplicabilidade do princípio da consunção. Precedentes.3. Ordem denegada.

HC N. 92.181-MGRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. EMENDATIO LIBELLI NO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. POSSIBILIDADE. MERA SUBSUNÇÃO DOS FATOS NARRADOS À NORMA DE INCIDÊNCIA. CRIME DE TORTURA. INCONSISTÊNCIA PROBATÓRIA. INOCORRÊNCIA. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. IMPROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO CONTRÁRIA AOS LAUDOS PERICIAIS OFICIAIS. JUSTIFICATIVA IDÔNEA. REGRA DO CONCURSO MATERIAL. APLICABILIDADE. DESÍGNIOS AUTÔNOMOS. PERDA DE PATENTE E DO POSTO. CONSEQÜÊNCIA DA CONDENAÇÃO. AUSENTE ILEGALIDADE. ORDEM DENEGADA.1. Inexiste vedação à realização da emendatio libelli no segundo grau de jurisdição, pois se trata de simples redefinição jurídica dos fatos narrados na denúncia. Art. 383 do Código de Processo Penal. O réu se defende dos fatos, e não da definição jurídica a eles atribuída. Ademais, tratou-se, apenas, da incidência de circunstância agravante, que veio a ser requerida por ocasião das alegações finais do Ministério Público.2. Embora vedado o revolvimento probatório na estreita via do habeas corpus, seria possível reconhecer, no bojo do writ, uma eventual nulidade decorrente condenação não lastreada em quaisquer provas dos autos. Não é, contudo, o caso dos autos, em que o julgamento está lastreado em prova testemunhal e documental, fartamente indicada no acórdão condenatório.

Page 69: STF Penal a Partir de 2008

3. A condenação em segundo grau de jurisdição não pode servir de fundamento para a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa. Se, no primeiro grau, o paciente foi absolvido por falta de provas, é porque houve plena oportunidade para se defender, militando a sentença, inicialmente, a favor do seu status libertatis no julgamento pelo Tribunal ad quem. Ademais, trata-se de insurgência contra lei em tese, pois o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de interposição de apelação pelo Ministério Público contra a sentença absolutória.4. Os laudos periciais não foram acolhidos pelo Tribunal de Justiça por se apresentarem precários e lacônicos, sem análise substancial das lesões provocadas nas vítimas da tortura, uma das quais faleceu poucos dias depois dos fatos. Impropriedade do pedido de realização de nova instrução processual no segundo grau de jurisdição. Excepcionalidade da norma do art. 616 do Código de Processo Penal, não aplicável à hipótese.5. Não houve erro na aplicação da regra do concurso material de crimes. Ainda que se entenda ter havido uma única conduta, está clara a existência de desígnios autônomos, razão pela qual incidiria a parte final do art. 70 do Código Penal.6. O Tribunal de Justiça local tem competência para decretar, como conseqüência da condenação, a perda da patente e do posto de oficial da Polícia Militar, tal como previsto no art. 1º, §5º, da Lei de Tortura (Lei n° 9.455/97). Não se trata de hipótese de crime militar.7. Ordem denegada.

HC N. 93.050-RJRELATOR: MIN. CELSO DE MELLOE M E N T A: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI) - SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE “CASA” - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA COM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - “HABEAS CORPUS” DEFERIDO.

ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS.- Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional.- A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, “respeitados os direitos individuais e nos termos da lei” (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado.A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE “CASA” PARA EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI).- Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, “embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita” (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes.- Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF).- O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do “privilège du preálable”, não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes.

ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS.

- A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A “Exclusionary Rule” consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal.- A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum”. Doutrina. Precedentes.- A circunstância de a administração estatal achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização em sede tributária não a exonera do dever de observar, para efeito do legítimo desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de os órgãos governamentais incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes em particular.

Page 70: STF Penal a Partir de 2008

- Os procedimentos dos agentes da administração tributária que contrariem os postulados consagrados pela Constituição da República revelam-se inaceitáveis e não podem ser corroborados pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inadmissível subversão dos postulados constitucionais que definem, de modo estrito, os limites - inultrapassáveis - que restringem os poderes do Estado em suas relações com os contribuintes e com terceiros.A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO.- Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária.- A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes.- A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore envenenada”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.- Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante , no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.- Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova - que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal -, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.- A QUESTÃO DA FONTE AUTÔNOMA DE PROVA (“AN INDEPENDENT SOURCE”) E A SUA DESVINCULAÇÃO CAUSAL DA PROVA ILICITAMENTE OBTIDA - DOUTRINA - PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - JURISPRUDÊNCIA COMPARADA (A EXPERIÊNCIA DA SUPREMA CORTE AMERICANA): CASOS “SILVERTHORNE LUMBER CO. V. UNITED STATES (1920); SEGURA V. UNITED STATES (1984); NIX V. WILLIAMS (1984); MURRAY V. UNITED STATES (1988) ”, v . g . .

HC N. 93.177-BARELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PREVENÇÃO. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. A Súmula n. 706 desta Corte estabelece que “[é] relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por prevenção”. Hipótese em que os impetrantes não lograram demonstrar que a distribuição por prevenção causou prejuízo ao paciente. Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 505

HC N. 93.816-RSRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA COM MUNIÇÕES. INIDONEIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. APTIDÃO PARA PRODUZIR DISPAROS ATESTADA EM PERÍCIA, DE ACORDO COM A SENTENÇA CONDENATÓRIA. ORDEM DENEGADA.1. O porte de arma municiada com dois cartuchos, com aptidão para produzir disparos, preenche os elementos típicos do art. 14 da Lei n° 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).2. O fato de a arma não estar em perfeitas condições de funcionamento não é suficiente para afastar a tipicidade material da conduta, tendo em vista a aptidão para produzir disparos atestada pela perícia.3. Ordem denegada.

HC N. 93.942-RSRELATOR: MIN. CEZAR PELUSOEMENTAS: 1. HABEAS CORPUS. Sentença condenatória. Nulidade processual absoluta. Coisa julgada. Irrelevância. Conhecimento e concessão. Prevalência da tutela constitucional do direito individual da liberdade. Precedentes. O habeas corpus constitui remédio hábil para argüição e pronúncia de nulidade do processo, ainda que já tenha transitado em julgado a sentença penal condenatória.2. RECURSO CRIMINAL. Apelação. Interposição pelo representante do Ministério Público. Impugnação a decisão do tribunal do júri. Limitação ao capítulo da sentença que absolveu o réu do delito de porte de arma. Alcance determinado pelo teor das razões tempestivas. Revisão da absolvição por homicídio tentado. Inadmissibilidade. Caso de apelação parcial. Anulação do acórdão. HC concedido para esse fim. Precedentes. Aplicação do princípio tantum devolutum, quantum apellatum. O alcance de apelação contra decisão do tribunal do júri pode ser determinado pelo teor das suas razões tempestivas.

* noticiado no Informativo 505

RE N. 464.893-GORELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA COM BASE EM INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. VIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.1. Denúncia oferecida com base em elementos colhidos no bojo de Inquérito Civil Público destinado à apuração de danos ao meio ambiente. Viabilidade.2. O Ministério Público pode oferecer denúncia independentemente de investigação policial, desde que possua os elementos mínimos de convicção quanto à materialidade e aos indícios de autoria, como no caso (artigo 46, §1°, do CPP).3. Recurso a que se nega provimento.

* noticiado no Informativo 507

Uso de Algemas e Excepcionalidade - 4

Page 71: STF Penal a Partir de 2008

O Tribunal aprovou o Enunciado da Súmula Vinculante 11 nestes termos: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. A edição do verbete ocorreu após o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática de crime doloso contra a vida que permanecera algemado durante toda a sessão do Júri — v. Informativo 514. O Tribunal reconheceu, também, que esta e as demais Súmulas Vinculantes passam a ser dotadas das características das Súmulas impeditivas de recursos.

HC 91952/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.8.2008. (HC-91952)

Art. 290 do CPM e Princípio da InsignificânciaA Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar condenado pela prática do crime de posse de

substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Buscava-se o restabelecimento da decisão absolutória proferida em primeira instância, na qual aplicados os princípios da insignificância e da proporcionalidade. Considerou-se que, no caso, o fato não seria penalmente irrelevante e que a existência de precedentes do STF no sentido pretendido pelo paciente, inclusive admitindo a incidência do postulado da insignificância e aplicação da Lei 11.343/2006 à justiça militar, não seria bastante a demonstrar como legítima a sua pretensão. Asseverou-se que, na espécie, o paciente, preso em flagrante em estabelecimento castrense, informara que sabia estar cometendo um ilícito penal e que levaria o entorpecente para um colega de farda que lhe pedira para comprar a substância. Tendo isso em conta, refutou-se o alegado constrangimento ilegal, haja vista que a droga apreendida, além de ter sido encomendada por outra pessoa, seria suficiente para o consumo de duas pessoas, o que configuraria, minimamente, a periculosidade social da ação do paciente.

HC 94649/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, 12.8.2008. (HC-94649)

Art. 290 do CPM e Princípio da Insignificância Mas no mesmo informativo a outra turma: A Turma deferiu habeas corpus impetrado em favor de militar condenado pela prática do crime de posse de

substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290). Preliminarmente, reconheceu-se a legitimidade ativa do membro do Ministério Público Militar de primeira instância, para, mesmo em sede originária, impetrar habeas corpus perante o STF. No mérito, enfatizou-se que o princípio da insignificância qualifica-se como fator de descaracterização material da tipicidade penal e que, para sua incidência, deve ser observada a presença de certos vetores, tais como: a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ademais, acentuou-se que a jurisprudência desta Corte tem admitido a inteira aplicabilidade desse postulado aos delitos militares, mesmo que se cuide de crime de posse de quantidade ínfima de substância entorpecente, para uso próprio, e ainda que se trate de ilícito penal perpetrando no interior de organização militar. Precedentes citados: HC 84307/RO (DJU de 25.5.2005); HC 85725/RO (DJU de 23.2.2007); RHC 89624/RS (DJU de 7.12.2006); HC 87478/PA (DJU de 23.2.2007); HC 922634/PE (DJU de 5.9.2007).

HC 94809/RS, rel. Min. Celso de Mello, 12.8.2008. (HC-94809)

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 1A pessoa jurídica não pode figurar como paciente de habeas corpus, pois jamais estará em jogo a sua liberdade de ir e

vir, objeto que essa medida visa proteger. Com base nesse entendimento, a Turma, preliminarmente, em votação majoritária, deliberou quanto à exclusão da pessoa jurídica do presente writ, quer considerada a qualificação como impetrante, quer como paciente. Tratava-se, na espécie, de habeas corpus em que os impetrantes-pacientes, pessoas físicas e empresa, pleiteavam, por falta de justa causa, o trancamento de ação penal instaurada, em desfavor da empresa e dos sócios que a compõem, por suposta infração do art. 54, § 2º, V, da Lei 9.605/98. Sustentavam, para tanto, a ocorrência de bis in idem, ao argumento de que os pacientes teriam sido responsabilizados duplamente pelos mesmos fatos, uma vez que já integralmente cumprido termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual. Alegavam, ainda, a inexistência de prova da ação reputada delituosa e a falta de individualização das condutas atribuídas aos diretores.

HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

HC: Impetração em favor de Pessoa Jurídica e Não Conhecimento - 2Enfatizou-se possibilidade de apenação da pessoa jurídica relativamente a crimes contra o meio ambiente, quer sob o

ângulo da interdição da atividade desenvolvida, quer sob o da multa ou da perda de bens, mas não quanto ao cerceio da

Page 72: STF Penal a Partir de 2008

liberdade de locomoção, a qual enseja o envolvimento de pessoa natural. Salientando a doutrina desta Corte quanto ao habeas corpus, entendeu-se que uma coisa seria o interesse jurídico da empresa em atacar, mediante recurso, decisão ou condenação imposta na ação penal, e outra, cogitar de sua liberdade de ir e vir. Vencido, no ponto, o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, tendo em conta a dupla imputação como sistema legalmente imposto (Lei 9.605/98, art. 3º, parágrafo único) — em que pessoas jurídicas e naturais farão, conjuntamente, parte do pólo passivo da ação penal, de modo que o habeas corpus, que discute a viabilidade do prosseguimento da ação, refletiria diretamente na liberdade destas últimas —, conhecia do writ também em relação à pessoa jurídica, dado o seu caráter eminentemente liberatório.

HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

Trancamento de Ação Penal e Inépcia da Inicial - 3Em seguida, rejeitou-se afirmação do Tribunal de origem de que o parquet estadual seria absolutamente incompetente

para propor a ação penal ou para convalidar eventual medida despenalizadora, ante o caráter transfronteiriço do rio em que supostamente lançados resíduos poluentes. Asseverou-se que a preservação do meio ambiente está inserida no âmbito da competência comum, consoante fora afirmado pelo STJ. No mérito, indeferiu-se a ordem. Quanto à denúncia, aduziu-se que, embora sucinta, não impede o exercício da ampla defesa e está em conformidade com o disposto no art. 41 do CPP. Relativamente à alegada dupla persecução pelos mesmos fatos, registrou-se que, cuidando-se de delitos ambientais, o termo de ajustamento de conduta não pode consubstanciar salvo-conduto para que empresa potencialmente poluente deixe de ser fiscalizada e responsabilizada na hipótese de reiteração da atividade ilícita . Ademais, considerou-se não ser possível decretar o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus, porquanto não configurada situação excepcional autorizadora. Por fim, no que tange à falta de individualização das condutas dos dirigentes, aplicou-se jurisprudência do STF no sentido de que, em crimes societários, não há inépcia da inicial acusatória pela ausência de indicação individualizada da conduta de cada indiciado, sendo suficiente que os acusados sejam de algum modo responsáveis pela condução da sociedade sob a qual foram praticados os delitos.

HC 92921/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19.8.2008. (HC-92921)

Dosimetria: Tráfico de Drogas e Natureza do EntorpecenteA Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que requerida a exclusão de circunstância judicial reputada

inidônea para elevar a pena-base acima do mínimo legal. No caso, o paciente fora condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão por tráfico ilícito de entorpecente (Lei 6.368/76, art. 12) e tivera sua pena redimensionada para 4 anos, em idêntico regime prisional, pelo STJ, que excluíra a circunstância de o réu utilizar-se de sua residência para comercializar drogas. Mantivera, contudo, o aumento decorrente da natureza da substância apreendida, cocaína, em razão de sua maior nocividade à saúde pública, dado o seu alto grau de dependência física e psíquica. A impetração sustentava que a natureza do entorpecente não poderia ser invocada para a majoração da pena, alegando ausência de elementos concretos aptos a legitimá-la. Inicialmente, salientou-se que, embora tipificadas por fontes heterônomas que complementam a norma penal em branco, as espécies de substâncias entorpecentes constituem elementares do tipo, e que cabe ao juiz conjugá-las a outros fatores, como a quantidade e a qualidade, ao individualizar a pena a ser aplicada. Nesse sentido, afirmou-se que a quantidade e a espécie de entorpecente traficado, quando combinadas, são circunstâncias judiciais que podem justificar a exasperação da pena-base para além do mínimo legal e que, na hipótese, a majoração não se amparara somente na circunstância de a cocaína deter maior potencial lesivo. Entendeu-se que, na espécie, houve a indicação de fatos concretos para que fosse efetuado o acréscimo da pena do paciente, enfatizando-se a apreensão de 14 g de cocaína, situação que, em tese, deveria ser diferenciada da apreensão da mesma quantidade de outras substâncias capazes de configurar o crime. Por fim, aduziu-se que não haveria que se falar em desproporcionalidade no aumento da pena-base em 1 ano de reclusão, sobretudo se levado em conta que a reprimenda cominada ao delito varia de 3 a 15 anos de reclusão. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que concedia a ordem para reduzir a pena-base ao patamar mínimo por considerar que a majoração da pena com fundamento na natureza da substância entorpecente ampliaria demais a discricionariedade do juiz, afetando os princípios da legalidade e da segurança jurídica.

HC 94655/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94655)

Comutação de Pena a Beneficiado com Livramento CondicionalA Turma deferiu habeas corpus contra acórdão do STJ que cassara benefício de comutação da pena ao fundamento

de que, na ausência de disposição expressa no Decreto 5.295/2004 — que concede indulto condicional, comutação e dá outras providências —, estaria vedada a sua outorga àqueles que estivessem em livramento condicional. Enfatizou-se que, na espécie, não há impedimento decorrente do mencionado decreto, pois as condenações impostas ao paciente se referem a fatos ocorridos antes da edição da Lei 8.072/90. Ademais, tendo em conta as peculiaridades do caso, considerou-se que o paciente preencheu todos os requisitos exigidos para a comutação da pena previstos no art. 2º do referido decreto e que a omissão contida em tal diploma, quanto ao tratamento a ser conferido aos condenados à pena privativa de liberdade que

Page 73: STF Penal a Partir de 2008

obtiveram livramento condicional até determinada data, reforçaria a tese de silêncio eloqüente, devendo essa falta ser interpretada no sentido de, relativamente a esses reeducandos, não haver impedimento para a comutação pretendida. Assim, concluiu-se que a interpretação a ser dada ao citado Decreto 5.295/2004 é a de que a comutação de pena não é vedada àqueles que estão em livramento condicional. Ordem concedida para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que deferira a comutação da pena.

HC 94654/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 19.8.2008. (HC-94654)

Descaminho e Princípio da Insignificância(...) Entendeu-se não ser admissível que uma conduta fosse irrelevante no âmbito administrativo e não o fosse para o

Direito Penal, que só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bem jurídico protegido, quando falharem os outros meios de proteção e não forem suficientes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito.

HC 92438/PR, rel. Min. Joaquim Barbosa, 19.8.2008. (HC-92438)

HC N. 93.251-DFRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. DEZ NOTAS DE PEQUENO VALOR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DESVALOR DA AÇÃO E DO RESULTADO. IMPOSSIBILIDADE DE QUANTIFICAÇÃO ECONÔMICA DA FÉ PÚBLICA EFETIVAMENTE LESIONADA. DESNECESSIDADE DE DANO EFETIVO AO BEM SUPRA-INDIVIDUAL. ORDEM DENEGADA.

* noticiado no Informativo 514

HC N. 91.024-RNRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. POSTULADO DO JUIZ NATURAL. ESPECIALIZAÇÃO DE COMPETÊNCIA (RATIONE MATERIAE). RESOLUÇÃO DE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.1. Alegação de possível violação do princípio do juiz natural em razão da resolução baixada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.2. Reconhece-se ao Ministério Público a faculdade de impetrar habeas corpus e mandado de segurança, além de requerer a correição parcial (Lei n° 8.625/93, art. 32, I).3. A legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus tem fundamento na incumbência da defesa da ordem jurídica e dos interesses individuais indisponíveis (HC 84.056, rel. Min. Eros Grau, 1ª Turma, DJ 04.02.2005), e o Ministério Público tem legitimidade para impetrar habeas corpus quando envolvido o princípio do juiz natural (HC 84.103, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJ 06.08.2004).4. O mérito envolve a interpretação da norma constitucional que atribui aos tribunais de justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, em consonância com os limites orçamentários, a alteração da organização e divisão judiciárias (CF, arts. 96, II, d, e 169).5. O Poder Judiciário tem competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. O tema referente à organização judiciária não se encontra restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, eis que depende da integração dos critérios preestabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais.6. A leitura interpretativa do disposto nos arts. 96, I, a e d, II, d, da Constituição Federal, admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação do tribunal de justiça, desde que não haja impacto orçamentário, eis que houve simples alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida, visando a uma melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza especializada.7. Habeas corpus denegado.

* noticiado no Informativo 514HC N. 94.524-DFRELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.1. Paciente, militar, preso em flagrante dentro da unidade militar portando, para uso próprio, pequena quantidade de entorpecentes.2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 — nova Lei de Drogas — veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em mudar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade da pessoa humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em lugar de apenar — Lei n. 11.343/2006 — possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. Exclusão das fileiras do Exército: punição suficiente para que restem preservadas a disciplina e hierarquia militares, indispensáveis ao regular funcionamento de qualquer instituição militar.

RHC N. 93.248-SPRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. APELAÇÃO. SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. IMPROVIMENTO.1. A questão central, neste recurso ordinário, diz respeito à possível violação à garantia da soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento do recurso de apelação da acusação, nos termos do art. 593, III, b, do Código de Processo Penal. 2. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de Processo Penal. O fundamento do voto do

Page 74: STF Penal a Partir de 2008

relator da apelação foi exatamente o de que o julgamento pelo corpo dos jurados se realizou de modo arbitrário, sem obedecer parâmetros respaldados nos elementos de prova constantes dos autos. 3. Caso os jurados alcancem uma conclusão manifestamente contrária à prova produzida durante a instrução criminal e, que portanto, consta dos autos, o error in procedendo deverá ser corrigido pelo Tribunal de Justiça. 4. Esta Corte tem considerado não haver afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos (HC 73.721/RJ, rel. Min. Carlos Velloso, DJ 14.11.96; HC 74.562/SP, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06.12.96; HC 82.050/MS, rel. Min. Maurício Correa, DJ 21.03.03). 5. O sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos (HC 66.954/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ 05.05.89; HC 68.658/SP, rel. Min. Celso de Mello, RTJ 139:891, entre outros). 6. O juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio, harmonizando-se com a natureza essencialmente democrática da própria instituição do júri. 7. O habeas corpus não pode ser utilizado, em regra, como sucedâneo de revisão criminal. 8. Recurso ordinário improvido.

Crime Organizado - Vedação Legal de Liberdade Provisória - Inconstitucionalidade - Convenção de Palermo - Prisão Cautelar – Requisitos (Transcrições)

HC 94404 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. ESTRANGEIRO NÃO DOMICILIADO NO BRASIL. CONDIÇÃO JURÍDICA QUE NÃO O DESQUALIFICA COMO SUJEITO DE DIREITOS E TITULAR DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. PLENITUDE DE ACESSO, EM CONSEQÜÊNCIA, AOS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE TUTELA DA LIBERDADE. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DO CRIME ORGANIZADO (ART. 7º). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. ENTENDIMENTO DE AUTORIZADO MAGISTÉRIO DOUTRINÁRIO (LUIZ FLÁVIO GOMES, ALBERTO SILVA FRANCO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR, GERALDO PRADO E WILLIAM DOUGLAS, “INTER ALIA”). PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CONVENÇÃO DE PALERMO (CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL). TRATADO MULTILATERAL, DE ÂMBITO GLOBAL, REVESTIDO DE ALTÍSSIMO SIGNIFICADO, DESTINADO A PROMOVER A COOPERAÇÃO PARA PREVENIR E REPRIMIR, DE MODO MAIS EFICAZ, A MACRODELINQÜÊNCIA E AS ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS DE CARÁTER TRANSNACIONAL. CONVENÇÃO INCORPORADA AO ORDENAMENTO POSITIVO INTERNO BRASILEIRO (DECRETO Nº 5.015/2004). INADMISSIBILIDADE DA INVOCAÇÃO DO ART. 11 DA CONVENÇÃO DE PALERMO COMO SUPORTE DE LEGITIMAÇÃO E REFORÇO DO ART. 7º DA LEI DO CRIME ORGANIZADO. A SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA, À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, DOS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE NÃO VERSEM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS. JURISPRUDÊNCIA (STF). DOUTRINA. CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. INVIABILIDADE DE SUA DECRETAÇÃO, QUANDO FUNDADA NA GRAVIDADE OBJETIVA DO DELITO, NA SUPOSTA OFENSA À CREDIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES, NO CLAMOR PÚBLICO E NA SUPOSIÇÃO DE QUE O RÉU POSSA INTERFERIR NAS PROVAS. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO “STATUS LIBERTATIS” DAQUELE QUE A SOFRE. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de outra ação de “habeas corpus”, denegou o “writ” constitucional (HC 100.090/SP).

Registro, desde logo, por necessário, tal como assinalei na decisão por mim proferida no exame de pedido de medida cautelar formulado no HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, que o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado.

Isso significa, portanto, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RDA 55/192 – RF 192/122) e dos Tribunais em geral (RDA 59/326 - RT 312/363), que o súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar os remédios constitucionais, como o mandado de segurança ou, notadamente, o “habeas corpus”:

“- É inquestionável o direito de súditos estrangeiros ajuizarem, em causa própria, a ação de ‘habeas corpus’, eis que esse remédio constitucional - por qualificar-se como verdadeira ação popular - pode ser utilizado por qualquer pessoa, independentemente da condição jurídica resultante de sua origem nacional.” (RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Cabe advertir, ainda, que também o estrangeiro, inclusive aquele que não possui domicílio em território brasileiro, tem direito público subjetivo, nas hipóteses de persecução penal, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido processo legal, pois - como reiteradamente tem proclamado esta Suprema Corte (RTJ 134/56-58 - RTJ 177/485-488 - RTJ 185/393-394, v.g.) - a condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de esse mesmo réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório.

Nesse contexto, impõe-se, ao Judiciário, o dever de assegurar, mesmo ao réu estrangeiro sem domicílio no Brasil, a preservação da integridade do seu direito de ir, vir e permanecer (“jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque”), bem assim os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.

O fato irrecusável é um só: o súdito estrangeiro, ainda que não domiciliado no Brasil, assume, sempre, como qualquer pessoa exposta a atos de persecução penal, a condição indisponível de sujeito de direitos e titular de garantias, cuja intangibilidade há de ser preservada pelos magistrados e Tribunais deste país, especialmente por este Supremo Tribunal Federal.

Page 75: STF Penal a Partir de 2008

Por reconhecer, desse modo, que o súdito estrangeiro, mesmo aquele sem domicílio no Brasil, tem direito a todas as prerrogativas básicas que lhe asseguram a preservação do “status libertatis” e a observância, pelo Poder Público, da cláusula constitucional do “due process”, passo a examinar o pedido de medida cautelar ora formulado nesta sede processual.

Registro, inicialmente, que o ilustre magistrado federal de primeira instância, na decisão até agora mantida pelas instâncias judiciárias que denegaram a ordem de “habeas corpus”, invocou, para justificar a medida excepcional da prisão cautelar ora questionada, o que se contém no art. 7º da Lei nº 9.034/95 (Apenso 01, fls. 207):

“O artigo 7º da Lei n.º 9.034, de 03 de maio de 1995 (acerca das ações praticadas por organizações criminosas), na esteira das orientações da Convenção ONU contra o Crime Organizado Transnacional (adotada em Nova Iorque, no ano de 2000, sendo aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 231, de 29.05.2003, e promulgada pelo Decreto n.º 5015, de 12.03.2004, artigo 11), veda a liberdade provisória ‘aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa’, de molde que o pedido deve ser deferido.” (grifei)

Como se sabe, a Convenção de Palermo (designação dada à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional) foi incorporada ao ordenamento positivo interno brasileiro pelo Decreto nº 5.015/2004, que a promulgou e lhe conferiu executoriedade e vigência no plano doméstico.

Trata-se de relevantíssimo instrumento jurídico, de projeção e aplicabilidade globais, aprovado sob a égide das Nações Unidas (RODRIGO CARNEIRO GOMES, “O Crime Organizado na Visão da Convenção de Palermo”, 2008, Del Rey), destinado a “promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional”.

Essa Convenção multilateral dispõe, em seu Artigo 11, que cada Estado Parte adotará, “em conformidade com seu direito interno, e tendo na devida conta os direitos da defesa”, medidas apropriadas para que as autoridades competentes tenham presente a gravidade das infrações nela previstas, “quando considerarem a possibilidade de uma libertação antecipada” (n. 4), prescrevendo, ainda, que cada Estado Parte estabelecerá meios adequados para que “as condições a que estão sujeitas as decisões de aguardar julgamento em liberdade” não impeçam a presença do réu “em todo o processo penal ulterior” (n. 3).

É importante assinalar, neste ponto, na linha da jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal, que os tratados internacionais (a Convenção de Palermo, p. ex.), que não versem, como na espécie, matéria concernente aos direitos humanos, estão hierarquicamente subordinados à autoridade da Constituição da República, como resulta claro de decisão emanada do Plenário desta Suprema Corte:

“SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.- No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa

da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.

O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional.”(ADI 1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Desse modo, vale enfatizar, por necessário e relevante, e no que concerne à hierarquia das fontes, tratando-se de convenções internacionais que não veiculem cláusulas de salvaguarda pertinentes aos direitos humanos, que estas se sujeitam, de modo incondicional, nos planos da existência, da validade e da eficácia, à superioridade jurídica da Constituição.

Não foi por outro motivo que o eminente Professor CELSO LAFER, quando Ministro das Relações Exteriores, ao propor à Presidência da República o encaminhamento, ao Congresso Nacional, do texto da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, entendeu conveniente enfatizar, em sua Exposição de Motivos, com inteira correção e absoluto rigor acadêmico, a necessária subordinação hierárquica dos atos internacionais à ordem normativa fundada na Constituição da República:

“Infelizmente, o Brasil até hoje não ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em cuja elaboração participaram brilhantes especialistas nacionais. Dúvidas, a meu ver infundadas, surgidas no seio do próprio Executivo, acerca da compatibilidade de algumas cláusulas sobre entrada em vigor de tratados e a prática constitucional brasileira em matéria de atos internacionais (...) retardaram sua submissão ao referendo do Congresso Nacional. Esse impedimento é tanto mais injustificado quando se considera a possibilidade de fazer-se, no momento da ratificação, alguma reserva ou declaração interpretativa, se assim for o desejo do Poder Legislativo. Seja como for, a eventual aprovação integral da Convenção, mesmo sem qualquer reserva, pelo Congresso Nacional, nunca poderia ser tomada como postergatória de normas constitucionais, já que no Brasil não se tem admitido que os tratados internacionais se sobreponham à Constituição.”(Diário do Congresso Nacional, Seção I, de 19/05/92, p. 9.241 - grifei)

Daí a advertência - que cumpre não ignorar - de PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo IV/146, item n. 35, 2ª ed., 1974, RT), no sentido de que, “Também ao tratado, como a qualquer lei, se exige ser constitucional” (grifei).

A observação que venho de fazer, apoiada no reconhecimento que confere irrestrita precedência hierárquica à Constituição da República sobre as convenções internacionais em geral (ressalvadas as hipóteses excepcionais previstas nos §§ 2º e 3º do art. 5º da própria Lei Fundamental), torna evidente que cláusulas inscritas nos textos de tratados internacionais que imponham a compulsória adoção, por autoridades judiciárias nacionais, de medidas de privação cautelar da liberdade individual, ou que vedem, em caráter imperativo, a concessão de liberdade provisória, não podem prevalecer em nosso sistema de direito positivo, sob pena de gravíssima ofensa à garantia constitucional da presunção de inocência, dentre outros princípios constitucionais que informam e compõem o estatuto jurídico daqueles que sofrem persecução penal instaurada pelo Estado.

Daí não ser apropriado invocar-se o art. 7º da Lei nº 9.034/95 para, com apoio nele, justificar-se um decreto judicial de privação cautelar da liberdade individual (Apenso 01, fls. 207).

Mostra-se importante ter presente, no caso, que o referido art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95) proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória “aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa”.

Essa regra legal veio a ser reproduzida, com conteúdo material virtualmente idêntico, pela Lei nº 10.826/2003, cujo art. 21 estabelecia que “Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória” (grifei).

A vedação apriorística de concessão de liberdade provisória é repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.

Foi por tal razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

Page 76: STF Penal a Partir de 2008

“(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei)

O eminente penalista LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini (“Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT), expõe, de modo irrefutável, a evidente inconstitucionalidade do art. 7º da Lei nº 9.034/95, advertindo, com absoluta correção, que a vedação legal em abstrato da concessão da liberdade provisória transgride “o princípio da presunção de inocência”, afronta “a dignidade humana” e viola “o princípio da proibição do excesso”.

Essa mesma orientação é perfilhada por GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS (“Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey), que também vislumbram, no art. 7º da Lei do Crime Organizado, o vício nulificador da inconstitucionalidade, resultante da ofensa ao postulado da presunção de inocência e do desrespeito ao princípio da proporcionalidade, analisado este na dimensão que impõe, ao Estado, a proibição do excesso.

Diversa não é, na matéria, e com referência específica ao art. 7º da Lei do Crime Organizado, a lição de ROBERTO DELMANTO JUNIOR (“As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar), que adverte, com inteira razão, apoiando-se em magistério de outro eminente autor (ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT), que se mostra inconstitucional a proibição abstrata, em lei, da concessão da liberdade provisória, pois tal vedação, além de lesar os postulados do “due process of law” e da presunção de inocência, também se qualifica como ato estatal que transgride o princípio da proporcionalidade, no ponto em que este impõe, ao Estado, a proibição do excesso.

Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade,

com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade , essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva , o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Em suma, cabe advertir que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 7º da Lei nº 9.034/95, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.

O magistrado, no entanto, sempre poderá, presente situação de real necessidade, evidenciada por fatos que dêem concreção aos requisitos previstos no art. 312 do CPP, decretar, em cada caso, quando tal se mostrar imprescindível, a prisão cautelar da pessoa sob persecução penal.

Foi sob tal perspectiva que esta Corte, tendo presente o requisito legitimador da cautelaridade, julgou (e indeferiu) o HC 89.143/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, por haver entendido, naquele caso, que o decreto de custódia cautelar achava-se adequadamente fundamentado segundo os critérios fixados pelo art. 312 do CPP e de acordo com os padrões estabelecidos pela jurisprudência desta Suprema Corte.

Tenho por inadequada, desse modo, a invocação do art. 7º da Lei do Crime Organizado para justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do ora paciente, sendo irrelevante, consideradas as razões expostas, que a regra legal em questão busque encontrar suporte e reforço, para efeito de sua aplicabilidade, em texto superveniente de convenção internacional, como a Convenção de Palermo, que também não pode transgredir a autoridade da Constituição da República.

(...)Publique-se.

Brasília, 19 de agosto de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

Page 77: STF Penal a Partir de 2008

Relator

Roubo e Momento ConsumativoA Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a tipificação da conduta do paciente na

modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando a res furtiva. O Min. Marco Aurélio, relator, concedeu a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente. Inicialmente, aduziu que o tema versado está a merecer reflexão, distinguindo-se situações concretas reveladoras do crime tentado e do crime consumado. Considerou que, se autoridades policiais assistiram à subtração e, no mesmo momento, acudiram à vítima, detendo os envolvidos e reavendo os bens roubados, não há como cogitar de crime consumado, em vez de simplesmente tentado. Em divergência, o Min. Ricardo Lewandowski indeferiu o writ por reputar caracterizado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Após, pediu vista o Min. Menezes Direito.

HC 92450/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 26.8.2008. (HC-92450)

Falsidade de Sinal Público e CompetênciaA Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 5ª Região que reputara

competente a Justiça Estadual para processar e julgar ação penal instaurada em desfavor da recorrida, condenada em 1ª instância por falsificação de sinal público e estelionato contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT. No caso, a sentença condenatória fora modificada posteriormente e a referida Corte, ao aplicar o princípio da consunção, afirmara que a descrição referente à falsidade de sinal identificador seria meio de execução do estelionato contra particulares. O Ministério Público Federal sustentava a competência da Justiça Federal para o feito, uma vez que a recorrida, após a rescisão do contrato de franquia que celebrara com a EBCT, prosseguira no exercício das atividades — inclusive a de receber pagamento de contas —, utilizando-se da marca identificadora da empresa pública. Considerou-se que a hipótese não se confunde com a orientação de que o delito de falsum é absorvido pelo crime de estelionato, restando caracterizado claro interesse da empresa pública federal nas condutas narradas na denúncia, atribuídas à recorrida, daí a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, IV). Acrescentou-se, também, a circunstância de existir outra imputação quanto a possível estelionato na emissão de cheques sem fundo contra a EBCT, que, a despeito de ter sido rechaçada no julgamento da apelação, atrairia, por si só, a competência da Justiça Federal em relação aos demais fatos expostos na inicial acusatória. Assim, havendo concurso de crimes, a competência da Justiça Federal alcançaria os fatos supostamente criminosos que teriam sido praticados em conexão com aqueles de competência da Justiça Federal. RE provido para reformar o acórdão do Pleno do TRF da 5ª Região no julgamento dos embargos infringentes, restabelecendo a condenação da recorrida pela prática do crime do art. 296, § 1º, II, do CP. Precedentes citados: HC 85773/SP (DJU de 27.4.2007); RHC 82059/PR (DJU de 25.10.2002).

RE 560944/PE, rel. Min. Ellen Gracie, 26.8.2008. (RE-560944)

Corrupção de Menores e Crime FormalA Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus no qual condenado pela prática dos delitos de roubo qualificado em

concurso material com o de corrupção de menores (CP, art. 157, § 2º, I e II, c/c Lei 2.252/54, art. 1º) pretendia anular sua condenação relativamente ao aludido crime de corrupção de menores. A impetração sustentava a ausência de comprovação da materialidade delitiva quanto a tal crime, ao argumento de que não teria sido evidenciada, documentalmente, a menoridade da vítima, constando apenas mera informação da mãe do menor nesse sentido. Considerou-se que, tanto no acórdão proferido pelo STJ quanto no prolatado pelo tribunal de origem, ficara assentada a participação de um menor e, em se tratando de crime formal, estaria correto o entendimento fixado no acórdão impugnado de que o objeto jurídico tutelado pelo tipo em questão é a proteção da moralidade do menor e que esse tipo penal visa coibir a prática de delitos em que existe a exploração daquele. Assim, prescindível a prova da efetiva corrupção do menor. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski, relator, que, por reputar incabível, no caso, o debate sobre a natureza do delito, cingindo-se a questão à prova da menoridade, para ele não demonstrada, concedia a ordem para anular a decisão no tocante ao crime de corrupção de menores e restabelecia a pena fixada nas instâncias ordinárias.

HC 92014/SP, rel. orig. Min. Ricardo Lewandowski, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 2.9.2008. (HC-92014)

Revaloração da Prova e Dolo Eventual - 1Nova valoração de elementos fático-jurídicos não se confunde com reapreciação de matéria probatória. Com base

nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que pleiteado o reconhecimento da competência do juiz singular, e não do tribunal do júri, para processar e julgar o paciente. No caso, em razão de suposto envolvimento em “racha”, que

Page 78: STF Penal a Partir de 2008

ocasionara a morte de ocupantes de terceiro veículo, o paciente e o co-réu foram inicialmente pronunciados como incursos nas sanções do art. 121, caput, c/c os artigos 70 e 29, todos do CP. Ocorre que o tribunal local, afastando a ocorrência de dolo eventual, desclassificara o crime para o art. 121, § 3º, c/c o art. 70, ambos do mesmo diploma, ao fundamento de restar caracterizada, na hipótese, a culpa consciente. O STJ, no exame do recurso especial, restabelecera a pronúncia de 1º grau, o que ensejara a presente impetração, na qual alegada ofensa à Súmula 7 da jurisprudência daquela Corte (“A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”). Inicialmente, enfatizou-se que a controvérsia consistiria em saber se o STJ analisara material fático-probatório, o que eventualmente repercutiria na configuração de dolo eventual ou da culpa consciente relacionada à conduta imputada ao paciente.

HC 91159/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2.9.2008. (HC-91159)

Revaloração da Prova e Dolo Eventual - 2Salientou-se que, no Direito Penal contemporâneo, além do dolo direto — em que o agente quer o resultado como

fim de sua ação e o considera unido a esta última — há o dolo eventual, em que o sujeito não deseja diretamente a realização do tipo penal, mas a aceita como possível ou provável (CP, art. 18, I, in fine). Relativamente a este ponto, aduziu-se que, dentre as várias teorias que buscam justificar o dolo eventual, destaca-se a do assentimento ou da assunção, consoante a qual o dolo exige que o agente aquiesça em causar o resultado, além de reputá-lo como possível. Assim, esclareceu-se que, na espécie, a questão principal diz respeito à distinção entre dolo eventual e culpa consciente, ambas apresentando em comum a previsão do resultado ilícito. Observou-se que para a configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente, nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento, sendo imprescindível, isso sim, que delas (circunstâncias) se extraia o dolo eventual e não da mente do autor. Desse modo, reputou-se que o dolo eventual não poderia ser descartado ou julgado inadmissível, de modo abstrato e presumido, na fase do iudiciu accusationis, como fizera o tribunal de justiça. Destarte, ressaltando tratar-se de quaestio juris e não de quaestio facti, concluiu-se que não houve julgamento contrário à orientação contida no aludido Enunciado 7 da Súmula do Tribunal a quo, uma vez que não se procedera ao revolvimento de material probatório. Entendeu-se, ao contrário, que o STJ atribuíra nova valoração aos elementos fático-jurídicos existentes nos autos, qualificando-os como homicídio doloso.

HC 91159/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 2.9.2008. (HC-91159)

HC N. 88.473-SPRELATOR: MIN. MARCO AÚRELIOESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - INTERPRETAÇÃO. O Estatuto da Criança e do Adolescente há de ser interpretado dando-se ênfase ao objetivo visado, ou seja, a proteção e a integração do menor no convívio familiar e comunitário, preservando-se-lhe, tanto quanto possível, a liberdade.ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SEGREGAÇÃO. O ato de segregação, projetando-se no tempo medida de internação do menor, surge excepcional, somente se fazendo alicerçado uma vez atendidos os requisitos do artigo 121 da Lei nº 8.069/90, não cabendo a indeterminação de prazo.

* noticiado no Informativo 509

HC N. 94.034-SPRELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: HABEAS CORPUS. INTERROGATÓRIOS DOS CO-RÉUS, NOS QUAIS O PACIENTE TERIA SIDO DELATADO. ATOS REALIZADOS SEM PRESENÇA DO DEFENSOR DO PACIENTE. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI N. 10.792/03: IMPOSSIBILIDADE. VÍCIOS NÃO RECONHECIDOS. CONDENAÇÃO AMPARADA EXCLUSIVAMENTE NA DELAÇÃO DOS CO-RÉUS: IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.

* noticiado no Informativo 510

HC N. 93.224-SPRELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ABUSO DE PODER: MANUTENÇÃO DE PRISÃO SEM FLAGRANTE DELITO OU ORDEM FUNDAMENTADA DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE. DENÚNCIA INEPTA. INOCORRÊNCIA. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. ARTIGO 18, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC 73/95 E ARTIGO 41, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 8.625/93. INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELO PARQUET. LEGALIDADE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. EXCEPCIONALIDADE.1. A denúncia que descreve de forma clara, precisa, pormenorizada e individualizada a conduta praticada por todos e cada um dos co-réus, viabilizando o exercício da ampla defesa, não é inepta. Está na peça acusatória que o paciente ordenou — verbo nuclear do tipo relativo ao delito de abuso de poder — que o Delegado de Polícia mantivesse, abusivamente, a prisão de pessoas, conduzindo-as à delegacia policial, sem flagrante delito ou ordem fundamentada da autoridade judiciária competente.2. Sendo o paciente membro do Ministério Público Estadual, a investigação pelo seu envolvimento em suposta prática de crime não é atribuição da polícia judiciária, mas do Procurador-Geral de Justiça [artigo 18, parágrafo único, da LC 73/95 e artigo 41, parágrafo único, da Lei n. 8.625/93].3. O trancamento da ação penal por falta de justa causa, fundada na inépcia da denúncia, é medida excepcional; justifica-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não ocorre na espécie.Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 506

Conflito de Atribuições entre Ministérios Públicos Estaduais e Competência do Supremo

Page 79: STF Penal a Partir de 2008

Ressaltando a recente alteração jurisprudencial acerca da matéria, o Tribunal, por maioria, reconheceu, com fundamento no art. 102, I, f, da CF, sua competência para dirimir conflito negativo de atribuições entre o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a respeito de fatos constantes de inquérito policial instaurado na delegacia de Santos – SP (CF: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: ... f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;”). Vencido, nesse ponto, o Min. Marco Aurélio que não vislumbrava conflito federativo, e declinava da competência ao STJ, ao fundamento de que, cuidando-se de conflito de atribuições entre Ministérios Públicos estaduais, a solução quanto a quem deve atuar deveria ser a mesma que se leva em conta para o conflito de competências em se tratando de juízes vinculados a tribunais diversos (CF, art. 105, I, d). Na espécie, a vítima, residente no Município de Santos, recebera telefonemas de linha telefônica celular do Município do Rio de Janeiro, em que se afirmava que sua filha fora seqüestrada e se exigiam, por meio de ameaças, depósitos em dinheiro em contas de agências localizadas no Município do Rio de Janeiro, os quais foram efetuados. Posteriormente, verificara-se que a filha da vítima não estivera em poder da pessoa com quem mantivera contato telefônico. O Tribunal declarou a atribuição do órgão de atuação do Ministério Público do Estado de São Paulo, por considerar que os fatos indicados nos autos apontam para possível configuração do crime de extorsão (CP, art. 158), e que essa infração teria sido supostamente consumada no Município de Santos. Esclareceu-se que o crime de extorsão se caracteriza pelo constrangimento causado à vítima, mediante violência ou grave ameaça, para fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, com o intuito de agente obter, para si ou para outrem, indevida vantagem. Por ser crime formal (não exige resultado naturalístico), basta, para sua consumação, que haja o constrangimento causado pelo agente e a atuação da vítima, mas não a obtenção da vantagem pelo sujeito ativo. Tendo isso em conta, asseverou-se que, nas duas ocasiões que tivera contato telefônico com o interlocutor, a vítima dele recebera grave ameaça — morte de sua filha e sua própria morte. Submetendo-se ao constrangimento, no contexto das circunstâncias em que se encontrava, a vítima atuara no mundo exterior, providenciando os depósitos exigidos. Assim, concluiu-se que o meio utilizado pelo agente, em tese, fora idôneo a atemorizar e constranger a vítima, que fora forçada a fazer alguma coisa. Alguns precedentes citados: Pet 3631/SP (DJE de 6.3.2008); Pet 3258/BA (DJU de 28.9.2005); ACO 853/RJ (DJE de 27.4.2007).

ACO 889/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 11.9.2008. (ACO-889)

Judicialização de Conflito e Competência do STJPor entender caracterizada a hipótese prevista no art. 105, I, d, da CF (“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de

Justiça: I - processar e julgar, originariamente: d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;”), ante a judicialização do conflito, o Tribunal não conheceu de conflito negativo de atribuições suscitado pelo Ministério Público Federal em face do Ministério Público do Estado da Paraíba, no âmbito do procedimento investigatório criminal instaurado para apurar possível prática de crime de desacato contra juiz titular de Vara do Trabalho de Campina Grande/PB, e determinou a remessa dos autos ao STJ, para que dirima a controvérsia. Na espécie, no âmbito do Juizado Especial Criminal da Comarca de Campina Grande/PB, o Promotor de Justiça oficiante considerara que os fatos tratados nos autos, em tese, se amoldariam na figura típica de possível crime de desacato praticado contra juiz do trabalho no exercício de sua função e, por isso, a competência seria da Justiça Federal, tendo o juiz de direito declinado da competência. Por sua vez, o Procurador da República que oficia perante o juízo de Vara da Seção Judiciária da Paraíba, entendera que não ocorrera infração contra bem, serviço ou interesse da União a atrair a competência da Justiça Federal. Assim, requerera que o juiz federal reconhecesse sua incompetência, suscitando conflito de competência. O juiz federal, ao divergir do entendimento do parquet federal, por considerar que a Justiça Federal seria competente para a causa, determinara a remessa dos autos ao STF, vislumbrando a existência de conflito negativo de atribuições entre órgãos do Ministério Público do Estado da Paraíba e do Ministério Público Federal.

ACO 1179/PB, rel. Min. Ellen Gracie, 11.9.2008. (ACO-1179)

Perda dos Dias Remidos e Art. 58 da LEP - 2Em conclusão de julgamento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de São

Paulo em favor de condenado que, ante a prática de falta grave (fuga), perdera a integralidade dos dias remidos. Pretendia-se, na espécie, o estabelecimento de limitação à perda dos dias remidos em, no máximo, 30 dias, conforme o parâmetro do art. 58 da Lei de Execução Penal - LEP [“o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a 30 (trinta) dias.”], sob a alegação de que a decretação automática da perda de todo o tempo remido violaria os princípios da isonomia, da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana — v. Informativo 468. Inicialmente, asseverou-se que a jurisprudência da Corte é no sentido de que a falta grave cometida durante o cumprimento da pena implica a perda dos dias remidos (LEP, art. 127), sem que isso signifique ofensa ao direito adquirido. No tocante à remição, cujos efeitos

Page 80: STF Penal a Partir de 2008

estão ligados ao comportamento carcerário do condenado, entendeu-se incabível a incidência do aludido art. 58 da LEP para restringir a perda a 30 dias, porquanto esse dispositivo refere-se exclusivamente ao isolamento, à suspensão e à restrição de direitos, incumbindo à autoridade disciplinar do estabelecimento prisional aplicá-lo, o que não ocorre com aquele instituto, de competência do juízo da execução. Assim, concluiu-se não haver pertinência entre o referido artigo e o objeto deste habeas corpus. Por fim, reputou-se dispensável o pedido de limitação temporal referente aos dias remidos até a prática da falta grave, uma vez que o sentenciado tornará a adquirir eventual benefício a partir da data da infração disciplinar.

HC 91085/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 9.9.2008. (HC-91085)

Art. 290 do CPM e Princípio da InsignificânciaAnte a divergência entre as Turmas sobre a matéria, a Turma decidiu submeter ao Plenário julgamento de habeas

corpus em que se discute a aplicação ou não do princípio da insignificância a militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290).

HC 94685/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94685)

Princípio da Insignificância e Inaplicabilidade - 1Por reputar típica a conduta e, nessa qualidade, relevante na seara penal, a Turma denegou ordem de habeas corpus

em que pretendido o restabelecimento de acórdão do tribunal local que, ao aplicar o princípio da insignificância, absolvera condenado em 1º grau por furto qualificado (CP, art. 155, § 4º, IV). A impetração observava que o valor do bem furtado (R$ 150,00) seria ínfimo, irrisório e, portanto, inábil à causação de prejuízo patrimonial. Registrou-se que para a incidência do aludido princípio não deve ser considerado apenas o valor subtraído (ou pretendido à subtração), pois, do contrário, deixaria de haver a modalidade tentada de vários delitos, bem como desapareceria do ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2º). No ponto, enfatizou-se que o princípio da insignificância tem como vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. No entanto, entendeu-se que, no caso, as citadas diretrizes não se fazem simultaneamente presentes, haja vista que a lesão se revelou significante não apenas em razão do valor do bem subtraído, mas principalmente em virtude do concurso de pessoas para a prática do crime. Desse modo, concluiu-se não ter sido mínima a ofensividade da conduta do paciente.

HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94765)

Qualificadoras e Privilégio: Compatibilidade - 2 Em seguida, salientou-se a compatibilidade, em determinadas hipóteses, da incidência do art. 155, § 2º, do CP, ao

furto qualificado (“Art. 155. ... § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.”). Tendo isso em conta, bem como a primariedade do paciente, o pequeno valor da coisa furtada e a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), concedeu-se, de ofício, o writ para se reduzir a pena-base, fixada em 2 anos, em 2/3 (CP, art. 155, § 2º), o que conduz à pena corporal de 8 meses, tornada definitiva. Ademais, diante da regra contida no art. 44, § 2º, do CP, esclareceu-se que a substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, consistente na prestação de serviços à comunidade, será feita na forma a ser definida pelo juízo das execuções criminais, no tempo estabelecido para a pena privativa de liberdade. Afastou-se, por fim, a substituição da pena corporal por multa (CP, art. 44, § 2º, 1ª parte) ou a imposição de somente pena de multa (CP, art. 155, § 2º, parte final), em face da circunstância de haver a qualificadora do inciso IV do § 4º do art. 155 do CP.

HC 94765/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 9.9.2008. (HC-94765)

QUEST. ORD EM Inq N. 2.607-PRRELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIAEMENTA: PENAL. INQUÉRITO. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO FUNDADO NA ATIPICIDADE DO FATO. NECESSIDADE DE DECISÃO JURISDICIONAL A RESPEITO: PRECEDENTES. INQUÉRITO NO QUAL SE APURA A EVENTUAL PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 323 DO CÓDIGO ELEITORAL. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS QUE DEMONSTRAM SER VERÍDICA A INFORMAÇÃO VEICULADA NA PROPAGANDA ELEITORAL E, EM CONSEQUÊNCIA, A ATIPICIDADE DO FATO. ARQUIVAMENTO DETERMINADO.1. Firmou-se a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que, quando fundado - como na espécie vertente - na atipicidade do fato, o pedido de arquivamento do inquérito exige “decisão jurisdicional a respeito, dada a eficácia de coisa julgada material que, nessa hipótese, cobre a decisão de arquivamento” (v.g., Inquérito n. 2.004 - QO, de Relatoria do eminente Sepúlveda Pertence, DJ 28.10.2004; 1.538 - QO, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 14.9.2001; 2.591, Relator Ministro Menezes Direito, DJ 13.6.2008; 2.341-QO, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJ 17.8.2007). 2. Comprovado que a informação veiculada na sua propaganda eleitoral era verídica, não se configura o crime previsto no artigo 323 do Código Eleitoral. 3. Questão de ordem resolvida no sentido de se determinar o arquivamento do Inquérito, por atipicidade da conduta.

Page 81: STF Penal a Partir de 2008

HC N. 88.525-SPRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. CRIMES FALIMENTARES. CRIMES SOCIETÁRIOS. INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA. DENEGAÇÃO.1. A questão controvertida nestes autos consiste na possível inépcia da denúncia por suposto não-atendimento ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, bem como ausência de justa causa para a deflagração da ação penal em razão da falta de elementos mínimos correspondentes ao suporte mínimo probatório para alicerçar as imputações feitas na denúncia.2. O paciente foi denunciado por duas condutas: a) haver efetuado despesas gerais da empresa injustificáveis por sua natureza ou vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas (Decreto-lei nº 7.661/45, art. 86, II); b) haver praticado, antes da falência, algum ato fraudulento de que tenha resultado prejuízo aos credores, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem (Decreto-lei nº 7.661/45, art. 87).3. Os fatos foram expressamente narrados na denúncia, o que faz presumir a existência de elementos mínimos de prova colhidos durante o inquérito judicial referente à falência, para autorizar o órgão do Ministério Público a deduzir a pretensão punitiva através do oferecimento da denúncia.4. No contexto da narrativa dos fatos, tal como feita pelo Ministério Público, há justa causa para a deflagração e prosseguimento da ação penal contra o paciente, não se tratando de denúncia inepta, seja formal ou materialmente.5. Nos casos de autoria e participação em crimes societários - como ocorre em relação ao paciente -, não é comum que se obtenha prova direta acerca de determinados aspectos relacionados às circunstâncias referentes a dados acessórios à prática do delito.6. A denúncia apresenta um conjunto de fatos conhecidos e provados que, tendo relação com a decretação da falência da empresa.7. Ademais, eventuais omissões da denúncia poderão ser supridas a qualquer tempo, desde que antes da sentença final (CPP, art. 569).8. Houve, pois, atendimento às exigências formais e materiais contidas no art. 41, do Código de Processo Penal, não se podendo atribuir a peça exordial os qualificativos de ser “denúncia genérica” ou “denúncia arbitrária”. Existe perfeita plausibilidade (viabilidade) na ação penal pública ajuizada pelo órgão do Parquet.9. Habeas corpus denegado.

Roubo e Momento Consumativo - 2A Turma reafirmou a orientação desta Corte no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa

furtada, ainda que sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo . Por conseguinte, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus no qual se pretendia a tipificação da conduta do paciente na modalidade tentada do crime de roubo, ao argumento de que o delito não se consumara, haja vista que ele, logo após a subtração dos objetos da vítima, fora perseguido por policial e vigilante que presenciaram a cena criminosa e o prenderam em flagrante, recuperando os pertences — v. Informativo 517. Reputou-se evidenciado, na espécie, roubo frustrado, pois todos os elementos do tipo se consumaram com a inversão da posse da res furtiva. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que concedia a ordem para restabelecer o entendimento sufragado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por reconhecer a hipótese de tentativa, reduzira a pena aplicada ao paciente.

HC 92450/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 16.9.2008. (HC-92450)

Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 1A Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus para cassar sentença de 1º grau que condenara o paciente por latrocínio

tentado (CP, art. 157, § 3º, in fine, c/c art. 14, II). Na espécie, embora consumado o roubo, da violência praticada não resultara morte, mas lesão corporal de natureza grave numa das vítimas. A defesa reiterava a alegação de que a capitulação dada ao fato seria inadequada e pleiteava, por esse motivo, o ajuste da imputação para roubo qualificado pelo resultado de lesão corporal grave (CP, art. 157, § 3º, 1ª parte). Inicialmente, adotou-se como premissa o cometimento do crime de roubo (CP, art. 157) e aduziu-se que a matéria discutida nos autos envolveria a adequação típica da conduta atribuída ao paciente. Asseverou-se que o latrocínio constitui delito complexo, em que o crime-fim é o roubo, não passando o homicídio de crime-meio. Desse modo, salientou-se que a doutrina divide-se quanto à correta tipificação dos fatos na hipótese de consumação do crime-fim (roubo) e de tentativa do crime-meio (homicídio), a saber: a) classificação como roubo qualificado pelo resultado, quando ocorra lesão corporal grave; b) classificação como latrocínio tentado; c) classificação como homicídio qualificado, na forma tentada, em concurso material com o roubo qualificado. Enfatizou-se, contudo, que tais situações seriam distintas daquela prevista no Enunciado 610 da Súmula do STF (“Há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima.”) e que as decisões impugnadas aderiram à tese de que as circunstâncias dos fatos evidenciaram o animus necandi dos agentes, caracterizando, por isso, tentativa de latrocínio. Esclareceu-se, ainda, que esta Corte possui entendimento no sentido de não ser possível punição por tentativa de latrocínio, quando o homicídio não se realiza, e que é necessário o exame sobre a existência de dolo homicida do agente, para, presente esse ânimo, dar-se por caracterizado concurso material entre homicídio tentado e roubo consumado.

HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)

Adequação Típica: Roubo Consumado e Homicídio Tentado - 2Tendo em conta essas balizas, observou-se que para a classificação da conduta imputada ao paciente seria preciso

identificar-se a finalidade dos agentes: a) se considerado ausente o animus necandi na violência praticada, incidiria o art. 157, § 3º, 1ª parte, do CP; b) se definido que a intenção era de matar as vítimas, o tipo correspondente seria o do art. 121, § 2º, V, do CP, na forma tentada, em concurso material com o crime de roubo. Afirmou-se, entretanto, que em sede de habeas corpus não se pode discutir o alcance da prova sobre a intenção do agente. Assim, reputou-se incontroverso que, consoante admitido pelo STJ,

Page 82: STF Penal a Partir de 2008

as indicações seriam no sentido de que o dolo era de matar e não o de provocar lesão corporal. Esse o quadro, assentou-se que não restaria alternativa senão a da teórica tipificação do fato como homicídio, na forma tentada, em concurso material com o delito de roubo. Por conseguinte, ante o reconhecimento da competência do tribunal do júri, determinou-se que a ele sejam remetidos os autos, a fim de que proceda a novo julgamento, limitando eventual condenação à pena aplicada na sentença ora anulada. Por fim, estendeu-se, de oficio, essa mesma ordem aos co-réus.

HC 91585/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 16.9.2008. (HC-91585)

QUEST. ORD. EM Pet N. 3.923-SPRELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSAEMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATVA. LEI 8.429/1992. NATUREZA JURÍDICA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO POSTERIORMENTE ELEITO DEPUTADO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DE FORO. INEXISTÊNCIA. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO DE ORIGEM.Deputado Federal, condenado em ação de improbidade administrativa, em razão de atos praticados à época em que era prefeito municipal, pleiteia que a execução da respectiva sentença condenatória tramite perante o Supremo Tribunal Federal, sob a alegação de que: (a) os agentes políticos que respondem pelos crimes de responsabilidade tipificados no Decreto-Lei 201/1967 não se submetem à Lei de Improbidade (Lei 8.429/1992), sob pena de ocorrência de bis in idem; (b) a ação de improbidade administrativa tem natureza penal e (c) encontrava-se pendente de julgamento, nesta Corte, a Reclamação 2138, relator Ministro Nelson Jobim.O pedido foi indeferido sob os seguintes fundamentos:1) A lei 8.429/1992 regulamenta o art. 37, parágrafo 4º da Constituição, que traduz uma concretização do princípio da moralidade administrativa inscrito no caput do mesmo dispositivo constitucional. As condutas descritas na lei de improbidade administrativa, quando imputadas a autoridades detentoras de prerrogativa de foro, não se convertem em crimes de responsabilidade.2) Crime de responsabilidade ou impeachment, desde os seus primórdios, que coincidem com o início de consolidação das atuais instituições políticas britânicas na passagem dos séculos XVII e XVIII, passando pela sua implantação e consolidação na América, na Constituição dos EUA de 1787, é instituto que traduz à perfeição os mecanismos de fiscalização postos à disposição do Legislativo para controlar os membros dos dois outros Poderes. Não se concebe a hipótese de impeachment exercido em detrimento de membro do Poder Legislativo. Trata-se de contraditio in terminis. Aliás, a Constituição de 1988 é clara nesse sentido, ao prever um juízo censório próprio e específico para os membros do Parlamento, que é o previsto em seu artigo 55. Noutras palavras, não há falar em crime de responsabilidade de parlamentar.3) Estando o processo em fase de execução de sentença condenatória, o Supremo Tribunal Federal não tem competência para o prosseguimento da execução.O Tribunal, por unanimidade, determinou a remessa dos autos ao juízo de origem.

* noticiado no Informativo 471

HC N. 94.363-RSRELATOR: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAHabeas corpus. Processual penal e Penal. Crime de roubo. Consumação. Precedentes da Corte.1. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que a prisão do agente ocorrida logo após a subtração da coisa furtada, ainda sob a vigilância da vítima ou de terceira pessoa, não descaracteriza a consumação do crime de roubo. 2. Habeas corpus denegado.

HC N. 87.375-SCRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PENA DE INABILITAÇÃO AO EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE AMEAÇA OU LESÃO À LIBERDADE LOCOMOÇÃO. INIDONEIDADE DO WRIT. NÃO CONHECIMENTO.2. Esta Corte já teve oportunidade de apreciar a questão, concluindo no sentido da inidoneidade do habeas corpus para proteção de outros direitos que não relacionados à liberdade de locomoção do paciente (HC n° 84.816/PI, rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 06.05.2005).4. A pena de inabilitação para exercício de cargo ou função pública tem natureza independente e autônoma em relação à pena estabelecida em razão da prática do crime de responsabilidade de prefeito municipal, tal como reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (AI-QO n° 379.392/SP, 1ª Turma, DJ 16.08.2002).5. Habeas corpus não conhecido.

HC N. 94.625-RSRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO STJ. DECISÃO MONOCRÁTICA. EXAME CRIMINOLÓGICO. LEI 10.792/03. POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DESDE QUE POR DECISÃO FUNDAMENTADA. NÃO CONHECIMENTO.1. A questão de direito diz respeito à possibilidade de o juiz das execuções penais determinar a realização do exame criminológico como requisito para obtenção da progressão do regime de cumprimento da pena.2. Além da questão de direito não haver sido enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, que somente negou seguimento ao agravo de instrumento por questões de ordem processual, não se verificou o esgotamento da jurisdição daquela Corte Superior, eis que o ato impugnado é mera decisão monocrática, e não julgamento colegiado do STJ.3. No mérito, há possibilidade de determinação da realização do exame criminológico sempre que julgada necessária pelo magistrado competente (AI-AgR-ED 550735-MG, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25.04.2008). O art. 112, da LEP (na redação dada pela Lei n° 10.792/03), não veda a realização do exame criminológico.4. Em matéria de progressão do regime prisional, caberia ao juiz da execução, além do fator temporal, “examinar os demais requisitos para a progressão no regime menos rigoroso, procedendo, se entender necessário, o exame criminológico” (RHC 86.951-RJ, de minha relatoria, 2ª Turma, DJ 07.03.2006).5. Habeas corpus não conhecido.

Page 83: STF Penal a Partir de 2008

HC N. 94.729-SPRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO POR ANTECIPAÇÃO OU PELA PENA EM PERSPECTIVA. INEXISTÊNCIA DO DIREITO BRASILEIRO. DENEGAÇÃO.1. A questão de direito argüida neste habeas corpus corresponde à possível extinção da punibilidade do paciente em razão da prescrição “antecipada” (ou em perspectiva) sob o argumento de que a pena possível seria a pena mínima.

2. No julgamento do HC nº 82.155/SP, de minha relatoria, essa Corte já assentou que “o Supremo Tribunal Federal tem repelido o instituto da prescrição antecipada” (DJ 07.03.2003). A prescrição antecipada da pena em perspectiva se revela instituto não amparado no ordenamento jurídico brasileiro.3. Habeas corpus denegado.

HC N. 94.765-RSRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA NO CASO. POSSIBILIDADE DE CONSIDERAÇÃO DO PRIVILÉGIO. ART. 155, §§ 2° E 4°, CP. CONCESSÃO DE OFÍCIO DO HC.1. A questão de direito tratada neste writ, consoante a tese exposta pelo impetrante na petição inicial, é a suposta atipicidade da conduta realizada pelo paciente com base na teoria da insignificância, o que deverá conduzir à absolvição por falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico tutelado na norma penal.2. O fato insignificante (ou irrelevante penal) é excluído de tipicidade penal, podendo, por óbvio, ser objeto de tratamento mais adequado em outras áreas do Direito, como ilícito civil ou falta administrativa.3. Não considero apenas e tão somente o valor subtraído (ou pretendido à subtração) como parâmetro para aplicação do princípio da insignificância. Do contrário, por óbvio, deixaria de haver a modalidade tentada de vários crimes, como no próprio exemplo do furto simples, bem como desaparecia do ordenamento jurídico a figura do furto privilegiado (CP, art. 155, § 2°).4. A lesão se revelou significante não apenas em razão do valor do bem subtraído, mas principalmente em virtude do concurso de três pessoas para a prática do crime (o paciente e dois adolescentes). De acordo com a conclusão objetiva do caso concreto, não foi mínima a ofensividade da conduta do agente, sendo reprovável o comportamento do paciente.5. Compatibilidade entre as qualificadoras (CP, art. 155, § 4°) e o privilégio (CP, art. 155, § 2°), desde que não haja imposição apenas da pena de multa ao paciente.6. Habeas corpus denegado. Concessão da ordem de ofício por outro fundamento.

* noticiado no Informativo 519

Magistrado: Atuação em Inquérito e Ausência de Impedimento para a Ação Penal - 2No mérito, afastaram-se todos os argumentos do impetrante. Ao salientar que as hipóteses de impedimento elencadas

no art. 252 do CPP constituem um rol taxativo, considerou-se não ser possível interpretar extensivamente os incisos I e II desse artigo para entender que um juiz que atuou na fase pré-processual haja desempenhado função equivalente a de delegado de polícia ou membro do Ministério Público. Em seguida, afirmou-se que, no Brasil, não foi adotada a sistemática do juizado de instrução, na qual o magistrado exerce, simultaneamente, as funções próprias da autoridade policial e do parquet no que respeita à coleta das provas. Esclareceu-se que, no modelo acusatório aplicado em nosso ordenamento processual penal, caracterizado pela publicidade, pelo contraditório, pela igualdade entre as partes e pela neutralidade do juiz, quando o magistrado preside o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, um coordenador, no que tange à montagem do acervo probatório e às providências acautelatórias, agindo sempre por provocação, e nunca de ofício. Portanto, não exterioriza nenhum juízo de valor sobre os fatos ou as questões de direito, emergentes nessa fase preliminar, que o impeça de proceder com imparcialidade no curso da ação penal. Assim, o Judiciário, em nosso sistema processual penal, atua no inquérito para assegurar a observância dos direitos e liberdades fundamentais e dos princípios sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito.

HC 92893/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.10.2008. (HC-92893)

Tráfico de Drogas: Liberdade Provisória e ExcepcionalidadeAnte as peculiaridades da situação dos autos, a Turma deferiu habeas corpus para que a paciente permaneça em

liberdade até eventual sentença penal condenatória transitada em julgado. Na espécie, a paciente fora presa em flagrante por portar maconha quando visitava seu marido em presídio, sendo denunciada como incursa nas sanções dos artigos 12 e 18 da Lei 6.368/76. Insurgia-se contra decisão que cassara o benefício de liberdade provisória a ela concedido e expedira mandado de prisão, ainda não cumprido, em seu desfavor. Inicialmente, enfatizou-se que, apesar da controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da liberdade provisória em caso de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, o writ deveria ser concedido, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana, valor transformado em princípio normativo no texto da CF/88. No ponto, tendo em conta o debilitado estado de saúde da paciente — portadora do vírus HIV, o que lhe acarretara doenças como hepatite C e câncer de medula —, bem como o fato de possuir filha pequena que dela dependeria economicamente, entendeu-se estar-se diante de exceção, a qual deveria ser capturada pelo ordenamento jurídico. Asseverou-se que a regra seria no sentido do não cabimento de liberdade provisória nas hipóteses de prisão em flagrante por tráfico ilícito de entorpecentes, contudo ela não poderia acolher as circunstâncias descritas no presente feito. Observou-se que a custódia preventiva da paciente não anteciparia a sua condenação, mas consistiria em autêntica vingança da

Page 84: STF Penal a Partir de 2008

sociedade civil, uma vez que manter enclausurada pessoa doente não restabeleceria a ordem, além de nada reparar. Desse modo, concluiu-se que submetê-la ao cárcere seria incompatível com o direito, mesmo que adequado à regra. Leia o inteiro teor do voto condutor do acórdão na seção Transcrições deste Informativo.

HC 94916/RS, rel. Min. Eros Grau, 30.9.2008. (HC-94916)

Conexão: Competência Relativa e Princípio do Juiz Natural - 1A Turma indeferiu habeas corpus no qual se pretendia, em face de suposta conexão, o julgamento, na Justiça Federal,

de todos os crimes objeto da denúncia. No caso, juiz federal recebera a inicial acusatória somente em relação aos delitos de contrabando, descaminho e formação de quadrilha, declinando da competência para a Justiça Estadual quanto à acusação por homicídio qualificado. Ocorre que o magistrado do tribunal do júri suscitara conflito negativo de competência e remetera os autos ao STJ. A impetração requeria a suspensão da ação penal em curso na Justiça Federal até o julgamento definitivo do mencionado conflito de competência. Alegava, para tanto, que a não suspensão do processo — que se encontra na fase de alegações finais — resultaria na perda de objeto do conflito, de modo a causar dano irreparável ao paciente, consubstanciado na ofensa ao princípio do juiz natural, pois a imputação relativa ao homicídio não seria apreciada em conjunto com as demais acusações, tendo em conta o que disposto no art. 82 do CPP (“Se, não obstante a conexão ou continência, forem instaurados processos diferentes, a autoridade de jurisdição prevalente deverá avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva. Neste caso, a unidade dos processos só se dará, ulteriormente, para o efeito de soma ou de unificação das penas.”) e no Enunciado 235 da Súmula do STJ (“A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado.”).

HC 95291/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 30.9.2008. (HC-95291)

Conexão: Competência Relativa e Princípio do Juiz Natural - 2Esclareceu-se que o reputado constrangimento ilegal não teria origem no desmembramento dos processos, nem na

provável prejudicialidade do conflito de competência que pende no STJ, mas resultaria da análise da ação penal referente aos crimes de contrabando, descaminho e formação de quadrilha por outro juiz que não o mesmo para julgar o paciente por homicídio. Assim, considerou-se não caber a esta Corte decidir sobre a viabilidade da tese da defesa no que diz respeito à conexão entre as causas relativas ao homicídio e aos demais crimes atribuídos ao paciente, limitando-se apenas à questão de saber se a conexão seria critério absoluto de definição de competência, a ponto de eventual julgamento de uma das ações e a conseqüente impossibilidade de incidência das regras de conexão representarem afronta ao art. 5º, LIII, da CF. Observou-se que as regras de conexão são aplicáveis a causas que, em princípio, seriam examinadas em separado e que, verificada a conexão entre os feitos, deve-se recorrer aos critérios de modificação ou prorrogação das competências já conferidas. Asseverou-se que, se incabíveis as regras modificativas da competência, as atribuições jurisdicionais originárias devem ser mantidas, visto que competência absoluta não se modifica ou prorroga. Nesse sentido, afirmou-se que a conexão só altera competência relativa, pois torna competente para o caso concreto juiz que não o seria sem ela. Enfatizou-se que, sendo relativa a competência por conexão, o julgamento da ação penal pelos delitos de contrabando, descaminho e formação de quadrilha não violaria o princípio do juiz natural. Ademais, afirmou-se que, na hipótese de o conflito de competência perder o objeto, será porque o órgão competente para apreciar cada uma das ações não poderá ser determinado por conexão, mas pelas regras de distribuição originária de competência, a saber: juízo competente será aquele que, segundo essas, já o seria para julgar a mesma ação, se não tivesse havido nexo entre as infrações penais. Aduziu-se, ainda, ser questionável o argumento de que a incidência do referido Verbete levaria à perda do objeto do conflito de competência, uma vez que possível reconhecimento de conexão entre causas provocará junção dos processos para o efeito de soma ou de unificação das penas (CPP, art. 82, parte final). Dessa forma, não se vislumbrou dano irreparável a incidir no prosseguimento da ação penal em curso na Justiça Federal.

HC 95291/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 30.9.2008. (HC-95921)

Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras Enfim a questão chegou ao STF!A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que condenado por tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76,

art. 12, c/c art. 29 do CP) propugna pela aplicação da causa de diminuição de pena prevista pelo art. 33, § 4º, da nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), lei esta já em vigor à época da prolação da sentença condenatória. Alega que o STJ concedera parcialmente a ordem, mas equivocara-se ao determinar que a redução pretendida fosse efetivada sobre o caput do art. 33 da Lei 11.343/2006 , cuja pena mínima é de 5 anos, uma vez que o réu fora condenado à pena mínima prevista no caput do art. 12 da antiga Lei de Drogas (Lei 6.368/76), que é de 3 anos, portanto mais benéfica. A Min. Ellen Gracie, relatora, indeferiu a ordem, afirmando que a questão de direito central no writ diz respeito à possibilidade de combinação de normas incriminadoras relativas ao tráfico ilícito de entorpecentes. Lembrou que o STF tem orientação consolidada no sentido de que não é possível a combinação de leis no tempo, uma vez que, agindo assim, estaria

Page 85: STF Penal a Partir de 2008

criando uma terceira lei ( lex tertia ) . Nesse diapasão, a relatora assentou entendimento de que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de outro diploma legal, implica alterar por completo o seu espírito normativo, criando um conteúdo diverso do previamente estabelecido pelo legislador. Destarte, concluiu não haver razão para consideração de terceira regra (diferente dos sistemas jurídicos das Leis 6.368/76 e 11.343/2006) relativamente à situação individual do paciente. Após, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista formulado pelo Ministro Cezar Peluso. Precedente citado: HC 68416/DF (DJU de 30.10.92).

HC 95435/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 7.10.2008. (HC-95435)

HC contra Ato de Membro do MPF e CompetênciaCompete ao TRF, com fundamento no art. 108, I, a, da CF, processar e julgar, originariamente, habeas corpus contra

ato de membro do Ministério Público Federal – MPF com atuação na primeira instância (“Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;”). Com base nesse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário em que se questionava a competência para apreciar writ impetrado contra ato de Procurador da República que requisitara a instalação de inquérito policial para apurar suposta prática de crime previsto no art. 22 da Lei 7.492/86. RE provido a fim de determinar o retorno dos autos ao TRF da 3ª Região, para processamento e julgamento do habeas corpus.

RE 377356/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 7.10.2008. (RE-377356) Se usarmos o mesmo raciocínio, o habeas corpus contra ato do MP estadual é da competência do TJ.

Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais.

*noticiado no Informativo 515

Presunção de Inocência - Direito de Não Produzir Provas contra si Próprio (Transcrições)

HC 96219 MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PRISÃO CAUTELAR. INCONSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS EM QUE SE APÓIA A DECISÃO QUE A DECRETOU: GRAVIDADE OBJETIVA DO CRIME, NÃO-VINCULAÇÃO DO RÉU AO DISTRITO DA CULPA E RECUSA DO ACUSADO EM APRESENTAR A SUA VERSÃO PARA OS FATOS DELITUOSOS. INCOMPATIBILIDADE DESSES FUNDAMENTOS COM OS CRITÉRIOS FIRMADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. DIREITO DO INDICIADO/RÉU DE NÃO SER CONSTRANGIDO A PRODUZIR PROVAS CONTRA SI PRÓPRIO. DECISÃO QUE, AO DESRESPEITAR ESSA PRERROGATIVA CONSTITUCIONAL, DECRETA A PRISÃO PREVENTIVA DO ACUSADO. INADMISSIBILIDADE. NATUREZA JURÍDICA E FUNÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR. DOUTRINA. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.- A privação cautelar da liberdade individual – qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de decisão de pronúncia e prisão resultante de condenação penal recorrível) – não se destina a infligir punição antecipada à pessoa contra quem essa medida excepcional é decretada ou efetivada. É que a idéia de sanção é absolutamente estranha à prisão cautelar (“carcer ad custodiam”), que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”). Doutrina. Precedentes.- A utilização da prisão cautelar com fins punitivos traduz deformação desse instituto de direito processual, eis que o desvio arbitrário de sua finalidade importa em manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. Precedentes.- A gravidade em abstrato do crime não basta, por si só, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do suposto autor do fato delituoso.O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a legitimar a prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes.- A ausência de vinculação do indiciado ou do réu ao distrito da culpa não constitui, só por si, motivo autorizador da decretação da sua prisão cautelar. Precedentes.- A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, especialmente aquela exposta a atos de persecução penal.- O Estado - que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem (RTJ 176/805-806) - também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512).Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito (a) de permanecer em silêncio, (b) de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais, para efeito de perícia criminal. Precedentes.- O exercício do direito contra a auto-incriminação, além de inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, não legitima, por efeito de sua natureza constitucional, a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a “persecutio criminis”. Medida cautelar deferida.

Page 86: STF Penal a Partir de 2008

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra do E. Superior Tribunal de Justiça, que, em sede de idêntico processo, não conheceu do “writ” constitucional requerido em favor do ora paciente (HC 115.202/SP).

Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, entendo plausível, em sede de estrita delibação, a pretensão jurídica deduzida na presente causa.

Os fundamentos em que se apóia a presente impetração revestem-se de inquestionável relevo jurídico, especialmente se se examinar o conteúdo da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente, confrontando-se, para esse efeito, as razões que lhe deram suporte com os padrões que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise.

Eis, no ponto, o teor da decisão, que, emanada de magistrada de primeira instância, motivou as sucessivas impetrações de “habeas corpus” em favor do ora paciente (Apenso, fls. 51/51v.):

“Vistos.Recebo a denúncia apresentada pelo MP, pois presentes os requisitos legais.Fls. 179, item 02: defiro. Providencie a D. Serventia.Respondem os acusados por crimes gravíssimos, hediondos. Demonstram, com suas condutas, periculosidade.Não bastasse, demonstraram total ausência de vinculação ao distrito da culpa, pois desapareceram sem deixar vestígios, sequer seus

familiares sabem de seus paradeiros.Ademais, deixaram claro que não pretendem colaborar com a aplicação da lei penal, pois sequer apresentaram suas versões para os

fatos.Decreto, pois, a prisão preventiva de Adão Ramos da Cruz, Wellington Silva Ramos da Cruz e Robson Ramos da Cruz.Expeçam-se mandados de prisão.Para a oitiva dos réus em interrogatório, designo o dia 10 de abril de 2008, às 13:00 hrs. Citem-se e intimem-se, com as advertências

legais.” (grifei)

Tenho para mim que a decisão em causa, ao decretar a prisão preventiva do ora paciente, nos termos em que o fez, apoiou-se em elementos insuficientes, destituídos de base empírica idônea, revelando-se, por isso mesmo, desprovida de necessária fundamentação substancial.

O exame do ato decisório em questão permite assim resumir, em seus aspectos essenciais, os fundamentos em que se sustenta a prisão cautelar ora questionada: (a) gravidade do crime, (b) não-vinculação do paciente ao distrito da culpa e (c) recusa em colaborar com o juízo processante, especialmente porque o paciente sequer apresentou sua versão para os fatos.

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão - qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente da decisão de pronúncia e prisão resultante de sentença penal condenatória recorrível) - não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência (RTJ 133/280 – RTJ 138/216 - RTJ 142/855 - RTJ 142/878 - RTJ 148/429 - HC 68.726/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.).

Impõe-se advertir, no entanto, que a prisão cautelar (“carcer ad custodiam”) - que não se confunde com a prisão penal (“carcer ad poenam”) - não objetiva infligir punição à pessoa que sofre a sua decretação. Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção. Constitui, ao contrário, instrumento destinado a atuar “em benefício da atividade desenvolvida no processo penal” (BASILEU GARCIA, “Comentários ao Código de Processo Penal”, vol. III/7, item n. 1, 1945, Forense), tal como esta Suprema Corte tem proclamado:

“A PRISÃO PREVENTIVA - ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR - NÃO TEM POR OBJETIVO INFLIGIR PUNIÇÃO ANTECIPADA AO INDICIADO OU AO RÉU.

- A prisão preventiva não pode - e não deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.

A prisão preventiva - que não deve ser confundida com a prisão penal - não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal.”(RTJ 180/262-264, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Daí a clara advertência do Supremo Tribunal Federal, que tem sido reiterada em diversos julgados, no sentido de que se revela absolutamente inconstitucional a utilização, com fins punitivos, da prisão cautelar, pois esta não se destina a punir o indiciado ou o réu, sob pena de manifesta ofensa às garantias constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal, com a conseqüente (e inadmissível) prevalência da idéia – tão cara aos regimes autocráticos – de supressão da liberdade individual, em um contexto de julgamento sem defesa e de condenação sem processo (HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v . g . ).

Isso significa, portanto, que o instituto da prisão cautelar - considerada a função exclusivamente processual que lhe é inerente - não pode ser utilizado com o objetivo de promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse lícito entender, subverter-se-ia a finalidade da prisão preventiva, daí resultando grave comprometimento ao princípio da liberdade (HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É por isso que esta Suprema Corte tem censurado decisões que fundamentam a privação cautelar da liberdade na gravidade objetiva do delito ou, então, no reconhecimento de fatos que se subsumem à própria descrição abstrata dos elementos que compõem a estrutura jurídica do tipo penal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - NÚCLEOS DA TIPOLOGIA - IMPROPRIEDADE. Os elementos próprios à tipologia bem como as circunstâncias da prática delituosa não são suficientes a respaldar a prisão preventiva, sob pena de, em última análise, antecipar-se o cumprimento de pena ainda não imposta (...).”(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

Essa asserção permite compreender o rigor com que o Supremo Tribunal Federal tem examinado a utilização, por magistrados e Tribunais, do instituto da tutela cautelar penal, em ordem a impedir a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la:

“Não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual (...) ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).

O processo penal, enquanto corre, destina-se a   apurar uma responsabilidade penal; jamais a antecipar-lhe as conseqüências.Por tudo isso, é incontornável a exigência de que a fundamentação da prisão processual seja adequada à demonstração da sua

necessidade, enquanto medida cautelar, o que (...) não pode reduzir-se ao mero apelo à gravidade objetiva do fato (...).”(RTJ 137/287, 295, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Page 87: STF Penal a Partir de 2008

Entendo, por tal razão, que os fundamentos subjacentes ao ato decisório emanado da ilustre magistrada de primeira instância, que decretou a prisão cautelar do ora paciente, conflitam com os estritos critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consagrou nessa matéria.

Inquestionável, desse modo, que a gravidade em abstrato do crime não basta, por si só, para justificar a privação cautelar da liberdade individual do paciente.

O Supremo Tribunal Federal tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta, só por si, para legitimar a prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, ainda que o delito imputado ao réu seja legalmente classificado como crime hediondo (RTJ 172/184, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 182/601-602, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 89.503/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).”(RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos

arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.”(RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Também não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de “ausência de vinculação ao distrito da culpa” do paciente (Apenso, fls. 51).

Como se sabe, a mera ausência do distrito da culpa não basta, só por si, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 175/715 - RTJ 180/262, v.g.), para legitimar a utilização do instituto da tutela cautelar penal, como resulta claro de recente decisão emanada da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal:

“PRISÃO CAUTELAR E EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA.- A mera evasão do distrito da culpa - seja para evitar a configuração do estado de flagrância, seja, ainda, para questionar a legalidade

e/ou a validade da própria decisão de custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.

- A prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) - somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do ‘status libertatis’ do indiciado ou do réu. Precedentes. (...).”(HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Sustentou-se, ainda, para justificar a decretação da prisão cautelar do ora paciente, que este se recusara a colaborar com as autoridades públicas, deixando, até mesmo, de apresentar a sua versão para os fatos (Apenso, fls. 51v.).

Cabe advertir, presentes tais razões, que esse fundamento – ausência de colaboração do réu com as autoridades públicas – não pode erigir-se em fator subordinante da decretação ou da preservação da prisão cautelar de qualquer réu, como resulta claro de decisão emanada da colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal:

“(...) PRISÃO PREVENTIVA - APLICAÇÃO DA LEI PENAL - POSTURA DO ACUSADO - AUSÊNCIA DE COLABORAÇÃO. O direito natural afasta, por si só, a possibilidade de exigir-se que o acusado colabore nas investigações. A garantia constitucional do silêncio encerra que ninguém está compelido a auto-incriminar-se. Não há como decretar a preventiva com base em postura do acusado reveladora de não estar disposto a colaborar com as investigações e com a instrução processual. (...).”(HC 83.943/MG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

Ao assim proceder, a ilustre magistrada de primeira instância exigiu, de um réu (o ora paciente), comportamento processual que não lhe podia ser exigido nem imposto, eis que o princípio constitucional contra a auto-incriminação, por revestir-se de conteúdo abrangente, compreende diversas prerrogativas jurídicas, dentre as quais a que protege qualquer pessoa submetida a atos de persecução penal, valendo referir, por expressivo, o direito de não produzir provas contra si mesma (LUIZ FLÁVIO GOMES, “Direito Penal - Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica”, vol. 4/106, em co-autoria com VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, 2008, RT; SYLVIA HELENA DE FIGUEIREDO STEINER, “A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e Sua Integração ao Processo Penal Brasileiro”, p. 125, item n. 4.4.7, 2000, RT, v.g.).

É importante assinalar, neste ponto, que, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a auto-incriminação, ninguém pode ser constrangido a produzir provas contra si próprio (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 180/1125, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO, v.g.), tanto quanto o Estado, em decorrência desse mesmo postulado, não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados (já) fossem (RTJ 176/805-806, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Tais conseqüências – direito individual de não produzir provas contra si mesmo, de um lado, e obrigação estatal de não tratar qualquer pessoa como culpada antes do trânsito em julgado da condenação penal, de outro – qualificam-se como direta emanação da presunção de inocência, hoje expressamente contemplada no texto da vigente Constituição da República (CF, art. 5º, inciso LVII).

Não se pode desconhecer, por relevante, que a presunção de inocência, além de representar importante garantia constitucional estabelecida em favor de qualquer pessoa, não obstante a gravidade do delito por ela supostamente cometido, também impõe significativa limitação ao poder do Estado, pois impede-o de formular, de modo abstrato, e por antecipação, juízo de culpabilidade contra aquele que ainda não sofreu condenação criminal transitada em julgado.

Na realidade, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que nunca se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão estatal e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe, ao órgão acusador, o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta, ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.

Page 88: STF Penal a Partir de 2008

É sempre necessário registrar que a pessoa sob investigação penal do Estado não está obrigada a responder ao interrogatório das autoridades policiais ou judiciárias, podendo exercer, sempre, de modo inteiramente legítimo, em face dos órgãos estatais, o direito ao silêncio (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), além de não precisar demonstrar a sua inocência, eis que, como se sabe, incumbe, ao Ministério Público, a comprovação plena da culpabilidade dos que sofrem a “persecutio criminis”:

“(...) AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA.

- Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (‘essentialia delicti’) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.

É sempre importante reiterar – na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria – que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece , em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.”(HC 83.947/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa rememorar que aquele contra quem foi instaurada persecução penal tem, dentre outras prerrogativas básicas, o direito de permanecer em silêncio (HC 75.257/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES - HC 75.616/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - HC 78.708/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC 79.244/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – HC 79.812-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RE 199.570/MS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO), de não produzir elementos de incriminação contra si próprio, de não ser compelido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa nem constrangido a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada do evento delituoso (HC 69.026/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RHC 64.354/SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES) e o fornecimento de padrões gráficos (HC 77.135/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO) ou de padrões vocais (HC 83.096/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE), para efeito de perícia criminal, consoante adverte a jurisprudência desta Suprema Corte:

“1. AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Réu que não compareceu à delegacia de polícia para depoimento. Fato que lhe não autoriza a custódia cautelar decretada. Ofensa à garantia constitucional de não auto-incriminação. Exercício do direito ao silêncio. Constrangimento ilegal caracterizado. HC concedido. Precedentes. Inteligência do art. 5º, LXIII, da CF, e art. 312 do CPP. O só fato de o réu, quando indiciado ou investigado, não ter comparecido à delegacia de polícia para prestar depoimento, não lhe autoriza decreto da prisão preventiva. (...).”(HC 89.503/RS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)

“PENAL. PROCESSO PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. DIREITO AO SILÊNCIO. TESTEMUNHA. AUTO-ACUSAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA PARA DESOBRIGAR A PACIENTE DA ASSINATURA DE TERMO DE COMPROMISSO. PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE.

I - É jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a auto-incriminação.

II - Liminar deferida para desobrigar a paciente da assinatura de Termo de Compromisso. (...).”(HC 89.269/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - grifei)

Essa orientação, por sua vez, reflete-se no magistério jurisprudencial de outros Tribunais (HC 57.420/BA, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO - HC 82.009/BA, Rel. Min. DENISE ARRUDA, v.g.):

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DETERMINAÇÃO DO JUÍZO ‘A QUO’ DOS PACIENTES PRODUZIREM PROVA CONTRA SI MESMOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO – ‘NEMO TENETUR SE DETEGERE’.

1. A auto-incriminação não encontra guarida na norma penal brasileira, nem na doutrina, muito menos na jurisprudência, o que legitima a insurgência dos Pacientes contra a determinação da prática de exercício probatório que possa reverter em eventual condenação penal. 2. Através do princípio ‘nemo tenetur se detegere’, visa-se proteger qualquer pessoa indiciada ou acusada da prática de delito penal, dos excessos e abusos na persecução penal por parte do Estado, preservando-se, na seara dos direitos fundamentais, especialmente neste caso, a liberdade do indivíduo, evitando que o mesmo seja obrigado à compilação de prova contra si mesmo , sob pena de constrangimento ilegal, sanável por ‘habeas corpus’. Cuida-se de prerrogativa inserida constitucionalmente nos princípios da ampla defesa (art. 5º, inciso LV), da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII) e do direito ao silêncio (art. 5º, inciso LXIII).”(HC 2005.04.01.023325-6/PR, Rel. Des. Federal TADAAQUI HIROSE - TRF/4ª Região - grifei)

Mostra-se extremamente precisa, a respeito da inadmissibilidade de o Poder Público constranger o indiciado ou acusado a cooperar na investigação penal dos fatos e a produzir provas contra si próprio, a lição ministrada pelo eminente Professor ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO (“O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição de 1988 e na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos - Pacto de São José da Costa Rica”, “in” Revista do Advogado/AASP nº 42, p. 30/34, 31/32, 1994):

“Outra decorrência do preceito constitucional, ainda no terreno da prova, diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos. O direito ao silêncio, também erigido à categoria de dogma constitucional pela Constituição de 1988 (artigo 5º, LXIII), representa exigência inafastável do processo penal informado pela presunção de inocência, pois admitir-se o contrário equivaleria a transformar o acusado em objeto da investigação, quando sua participação só pode ser entendida na perspectiva da defesa, como sujeito processual. Diante disso, evidente que o seu silêncio jamais pode ser interpretado desfavoravelmente (...).” (grifei)

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito do réu à não auto-incriminação e à presunção de inocência, especialmente quando preso, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa (mais especificamente da prerrogativa de autodefesa), também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa , enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados.

Page 89: STF Penal a Partir de 2008

A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º, § 2º, “g”), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito universal, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14, n. 2), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras prerrogativas eminentes, o direito de não produzir provas contra si próprio e o de não ser considerado culpado pelo Estado antes do trânsito em julgado da condenação penal, cabendo referir, por relevante, nesse sentido, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia (Artigo 48, n. 1) e a Convenção Européia dos Direitos Humanos (Artigo 6º, n. 2).

Vale registrar, finalmente, expressivo fragmento extraído do “Livro Verde” apresentado pela Comissão das Comunidades Européias (Bruxelas, 26.4.2006, p. 5 e 6), que analisa, precisamente, o tema concernente ao princípio da presunção de inocência no âmbito da União Européia:

“A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (‘TEDH’) compreende orientações respeitantes aos elementos constitutivos da presunção de inocência. Apenas a pessoa ‘objecto de uma acusação penal’ dela pode beneficiar. Os arguidos devem ser tratados como inocentes até que o Estado, através das autoridades responsáveis pela acção penal, reúna elementos de prova suficientes para convencer um tribunal independente e imparcial da sua culpabilidade. A presunção de inocência ‘exige [...] que os membros de um tribunal não partam da idéia pré-concebida de que o arguido cometeu a infracção que lhe é imputada’. O órgão jurisdicional não pode declarar um arguido culpado antes de estar efectivamente provada a sua culpabilidade. Um arguido não deve ser detido preventivamente excepto por razões imperiosas. Se uma pessoa for sujeita a prisão preventiva, deve beneficiar de condições de detenção compatíveis com a sua inocência presumida. O ónus da prova da sua culpabilidade incumbe ao Estado e todas as dúvidas devem ser interpretadas a favor do arguido. Este deve ter a possibilidade de se recusar a responder a quaisquer perguntas. Normalmente o arguido não deve contribuir para a sua própria incriminação. Os seus bens não devem ser confiscados sem um processo equitativo.” (grifei)

Em suma: a invocação da prerrogativa contra a auto-incriminação é inteiramente oponível a qualquer autoridade ou agente do Estado, e o exercício desse direito, assegurado pela própria Constituição, não legitima a adoção de medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica daquele contra quem se instaurou a “persecutio criminis”.

Essa é a razão pela qual não tem sentido decretar-se a prisão cautelar de alguém, como sucedeu na espécie em exame, sob o fundamento (equivocado) de que o réu não se mostrou disposto a colaborar com o Estado, recusando-se a expor - segundo enfatizou a magistrada local - a sua versão para os fatos que lhe foram imputados (Apenso, fls. 51/51v.).

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão que decretou a prisão preventiva do ora paciente (Processo nº 052.05.002953-5/00, Controle nº 2.674/2005, 1º Tribunal do Júri da comarca de São Paulo/SP), expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 115.202/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 990.08.074530-1) e ao MM. Juiz de Direito do 1º Tribunal do Júri da comarca de São Paulo/SP (Processo nº 052.05.002953-5/00, Controle nº 2.674/2005).

Publique-se.

Brasília, 09 de outubro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

* decisão publicada no DJE de 15.10.2008

Apelação: Juntada de Documentos e Parecer OpinativoA Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão do STJ que mantivera

decisão indeferitória de juntada de parecer elaborado por renomado jurista como aditamento às razões de apelação já apresentada. Sustentava-se, na espécie, a nulidade dessa decisão, por falta de motivação, bem como se alegava o desrespeito à garantia da parte em juntar documentos a qualquer tempo (CPP, art. 231), o que supostamente ocasionara cerceamento à defesa dos recorrentes. Inicialmente, salientou-se que o aludido parecer, por não ser um escrito destinado à prova, não poderia ser qualificado como documento nos termos da legislação processual penal vigente. Dessa forma, mencionou-se que a jurisprudência do STF é assente no sentido de que pareceres opinativos não se equiparam a documentos e que a sua eventual juntada aos autos sequer induz à abertura de vista à parte contrária.

RHC 94350/SC, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.10.2008. (RHC-94350)

Maus Antecedentes e Processos em CursoA Turma decidiu afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus nos quais se discute se inquéritos policiais e ações

penais sem trânsito em julgado podem ser considerados como elementos caracterizadores de maus antecedentes. A impetração aduz que tal reconhecimento violaria o princípio constitucional da não culpabilidade e que a pena aplicada aos pacientes fora exasperada com base nessas circunstâncias judiciais reputadas desfavoráveis. Requer, em conseqüência, a fixação da pena-base no mínimo legal.

HC 94620/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94620)HC 94680/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 14.10.2008. (HC-94680)

Deserção e Condição de Militar - 3

Page 90: STF Penal a Partir de 2008

A Turma concluiu julgamento de habeas corpus preventivo em que condenado pelo crime de deserção alegava, por não possuir mais a condição de militar, a nulidade de acórdão do STM que mantivera a sua condenação. Questionava-se, na espécie, se a execução do julgado estaria prejudicada em face da incapacidade temporária do paciente para o serviço militar, certificada em inspeção de saúde realizada para fins de reinclusão, o que ocasionara seu desligamento do serviço ativo — v. Informativo 464. Em votação majoritária, deferiu-se a ordem para anular o acórdão impugnado, tornando insubsistente a condenação do paciente. Inicialmente, salientou-se que o crime de deserção é classificado, pela doutrina, como delito propriamente militar. Assim, entendeu-se que a perda do status de militar pelo paciente, em razão do fato de haver sido considerado temporariamente incapaz para o serviço militar, antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido, impediria o prosseguimento da execução da pena imposta pela sentença de primeiro grau. Asseverou-se que somente a hipótese de capacidade plena para o serviço ativo permitiria a reinclusão do militar e a continuidade do processo, a teor dos Enunciados 8 (“O desertor sem estabilidade e o insubmisso que, por apresentação voluntária ou em razão de captura forem julgados em inspeção de saúde para fins de reinclusão ou incorporação, incapazes para o Serviço Militar, podem ser isentos do processo, após o pronunciamento do representante do Ministério Público.”) e 12 (“A praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo.”) da Súmula do STM. Vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Menezes Direito que, ao afastar a incidência do mencionado Verbete 12, deferiam o writ. Sustentavam que a incapacidade definitiva do desertor sem estabilidade (CPPM, art. 457, § 2º) operaria como excludente da punibilidade nos casos em que sua saída dos quadros militares ocorresse em momento anterior ao início do processo, o que não acontecera na presente situação, bem como aduziam que, nos crimes propriamente militares, a superveniente exclusão da Força não teria o condão de prejudicar a pretensão executória da decisão proferida pela Corte castrense.

HC 90838/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.10.2008. (HC-90838)

Homicídio Culposo na Direção de Veículo Automotor e Constitucionalidade.A Turma, ao declarar a constitucionalidade do art. 302, parágrafo único, da Lei 9.503/97 - Código de Trânsito

Brasileiro, manteve acórdão que condenara o recorrente e o co-réu pelo crime de homicídio culposo em decorrência de acidente de trânsito. Alegava-se, na espécie, que, em razão de a pena-base variável cominada no dispositivo mencionado ser de 2 a 4 anos de detenção e, no art. 121, § 3º, do CP, ser apenas de 1 a 3 anos, o tratamento diferenciado seria inconstitucional por violar o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput). Considerou-se que o princípio da isonomia não impede o tratamento diversificado das situações quando houver um elemento de discrímen razoável, pois inegável a existência de maior risco objetivo em decorrência da condução de veículos nas vias públicas. Enfatizou-se que a maior freqüência de acidentes de trânsito, acidentes graves, com vítimas fatais, ensejou a aprovação de tal projeto de lei, inclusive com o tratamento mais rigoroso contido no art. 302, parágrafo único, do CTB. Destarte, a majoração das margens penais — comparativamente ao tratamento dado pelo art. 121, § 3º, do CP — demonstra o enfoque maior no desvalor do resultado, notadamente em razão da realidade brasileira, envolvendo os homicídios culposos, provocados por indivíduos na direção de veículos automotores (CTB: “Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:...”).

RE 428864/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE-428864)

Desvio de Verbas Públicas Federais e CompetênciaA Turma desproveu recurso extraordinário contra decisão da Justiça Estadual que declinara, em favor da Justiça

Federal, da competência para julgar processo em que se investiga a prática de fraude em diversas licitações envolvendo empresas de construção civil. Ante a constatação de indícios de desvio de verbas federais, a Corte de origem reconhecera a existência de interesse da União em ver apurada a responsabilidade pelo suposto desvio de tais recursos. O recorrente argüia ofensa ao art. 109, IV, da CF, eis que os elementos colhidos da prática de fraude em diversas licitações envolviam empresas de construção civil, o que afastaria a competência da Justiça Federal. Adotou-se orientação do Supremo no sentido de competir à Justiça Federal processar e julgar crimes em detrimento do interesse da União que envolvam possível desvio de verbas federais. Precedentes citados: HC 80867/PI (DJU de 12.4.2002) e HC 81994/SP (DJU 27.9.2002).

RE 464621/RN, rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE-464621)

Redução a Condição Análoga à de Escravo e CompetênciaA Turma deu provimento a recurso extraordinário para fixar a competência da Justiça Federal para julgar os crimes

de exposição da vida ou da saúde de trabalhadores a perigo, de redução a condição análoga à de escravo, de frustração de direito assegurado por lei trabalhista e de omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CP, artigos 132,

Page 91: STF Penal a Partir de 2008

149, 203 e 297, § 4º, respectivamente). Entendeu-se, no caso, que as condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores reduzidos àquela condição, malferindo os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Por conseguinte, afastou-se a competência da Justiça Estadual. Por outro lado, não se conheceu do recurso na parte referente à alegada competência da Justiça Federal para conhecer e julgar outros crimes descritos na denúncia, alegadamente conexos, porquanto envolveriam o exame de legislação infraconstitucional, bem como o revolvimento de matéria fático-probatória. Precedentes citados: RE 398041/PA (j. em 30.11.2006); RE 480138/RR (DJE 24.4.2008) e RE 508717/PA (DJU 11.4.2007).

RE 541627/PA, rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE-541627)

HC N. 92.435-SPRELATOR: MIN. CARLOS BRITTOEMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. CABIMENTO. HIPÓTESES. INCISO I DO ARTIGO 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. SENTENÇA CONTRA A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. FRAGILIDADE EVIDENTE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. IMUTABILIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. PRIMAZIA DO DIREITO À PRESUNÇÃO DE NÃO-CULPABILIDADE.1. A revisão criminal retrata o compromisso do nosso Direito Processual Penal com a verdade material das decisões judiciais e permite ao Poder Judiciário reparar erros ou insuficiência cognitiva de seus julgados.2. Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não-culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou elemento de prova é a não-culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.3. O polêmico fraseado “contra a evidência dos autos” (inciso I do artigo 621 do CPP) é de ser interpretado à luz do conteúdo e alcance do Direito Subjetivo à presunção de não-culpabilidade, serviente que é (tal direito) dos protovalores constitucionais da liberdade e da justiça real.4. São contra a evidência dos autos tanto o julgamento condenatório que ignora a prova cabal de inocência quanto o que se louva em provas insuficientes ou imprecisas ou contraditórias para atestar a culpabilidade do sujeito que se ache no pólo passivo da relação processual penal. Tal interpretação homenageia a Constituição, com o que se exalta o valor da liberdade e se faz justiça material, ou, pelo menos, não se perpetra a injustiça de condenar alguém em cima de provas que tenham na esqualidez o seu real traço distintivo.5. Ordem concedida.

HC N. 94.148-SCRELATOR: MIN. CARLOS BRITTOEMENTA: HABEAS CORPUS. ESTELIONATO COMETIDO CONTRA ENTIDADE DE DIREITO PÚBLICO. IMPETRANTE QUE ADULTEROU ANOTAÇÕES DA CTPS PARA QUE CO-RÉU RECEBESSE APOSENTADORIA. CRIME INSTANTÂNEO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. ORDEM CONCEDIDA.1. No caso, a conduta assumida pelo impetrante, a despeito de produzir efeitos permanentes quanto ao beneficiário da falsificação da CTPS, materializou, instantaneamente, os elementos do tipo. Descaracterização da permanência delitiva.2. Nos crimes instantâneos, a prescrição é de ser computada do dia em que o delito se consumou ou do dia em que cessou a atividade criminosa (no caso de tentativa).3. Transcurso de lapso temporal superior ao prazo prescricional entre a data do fato e o recebimento da denúncia. Reconhecimento da prescrição retroativa.Ordem concedida para declarar extinta a punibilidade do impetrante.

* noticiado no Informativo 509

HC N. 88.707-SPRELATORA: MIN. ELLEN GRACIEDIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. SOBERANIA DOS VEREDICTOS NÃO VIOLADA. LIMITE DE ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI E DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DENEGAÇÃO.1. A soberania dos veredictos do tribunal do júri não é absoluta, submetendo-se ao controle do juízo ad quem, tal como disciplina o art. 593, III, d, do Código de Processo Penal.2. Conclusão manifestamente contrária à prova produzida durante a instrução criminal configura error in procedendo, a ensejar a realização de novo julgamento pelo tribunal do júri.3. Não há afronta à norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos do tribunal do júri no julgamento pelo tribunal ad quem que anula a decisão do júri sob o fundamento de que ela se deu de modo contrário à prova dos autos4. Sistema recursal relativo às decisões tomadas pelo tribunal do júri é perfeitamente compatível com a norma constitucional que assegura a soberania dos veredictos.5. Juízo de cassação da decisão do tribunal do júri, de competência do órgão de 2º grau do Poder Judiciário (da justiça federal ou das justiças estaduais), representa importante medida que visa impedir o arbítrio.6. A decisão do Conselho de Sentença do tribunal do júri foi manifestamente contrária à prova dos autos, colidindo com o acervo probatório produzido nos autos de maneira legítima.7. Habeas corpus denegado.

HC N. 90.140-GORELATOR: MIN. CELSO DE MELLOE M E N T A: “HABEAS CORPUS” - CRIME CONTRA OS COSTUMES - DELITO DE ESTUPRO PRESUMIDO - CASAMENTO DO AGENTE COM A VÍTIMA - FATO DELITUOSO QUE OCORREU EM MOMENTO ANTERIOR AO DA REVOGAÇÃO, PELA LEI Nº 11.106/2005, DO INCISO VII DO ART. 107 DO CÓDIGO PENAL, QUE DEFINIA O “SUBSEQUENS MATRIMONIUM” COMO CAUSA EXTINTIVA DE PUNIBILIDADE - “NOVATIO LEGIS IN PEJUS” - IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE APLICAR, AO CASO, ESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO (“LEX GRAVIOR”) - ULTRATIVIDADE, NA ESPÉCIE, DA “LEX MITIOR” (CP, ART. 107, VII, NA REDAÇÃO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI Nº 11.106/2005) - NECESSÁRIA APLICABILIDADE DA NORMA PENAL BENÉFICA (QUE POSSUI FORÇA NORMATIVA RESIDUAL) AO FATO DELITUOSO COMETIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA TEMPORAL DA LEI REVOGADA - EFICÁCIA ULTRATIVA DA “LEX MITIOR”, POR EFEITO DO QUE IMPÕE O ART. 5º, INCISO XL, DA CONSTITUIÇÃO (RTJ 140/514 - RTJ 151/525 -

Page 92: STF Penal a Partir de 2008

RTJ 186/252, v.g.) - INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DA CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE PREVISTA NO ART. 107, INCISO VII, DO CÓDIGO PENAL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À EDIÇÃO DA LEI Nº 11.106/2005 (“LEX GRAVIOR”) - “HABEAS CORPUS” DEFERIDO.- O sistema constitucional brasileiro impede que se apliquem leis penais supervenientes mais gravosas , como aquelas que afastam a incidência de causas extintivas da punibilidade sobre fatos delituosos cometidos em momento anterior ao da edição da “lex gravior”.A eficácia ultrativa da norma penal mais benéfica - sob cuja égide foi praticado o fato delituoso - deve prevalecer por efeito do que prescreve o art. 5º, XL, da Constituição, sempre que, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, constatar-se que o diploma legislativo anterior qualificava-se como estatuto legal mais favorável ao agente. Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.- A derrogação do inciso VII do art. 107 do Código Penal não tem - nem pode ter - o efeito de prejudicar, em tema de extinção da punibilidade, aqueles a quem se atribuiu a prática de crime cometido no período abrangido pela norma penal benéfica.A cláusula de extinção da punibilidade, por afetar a pretensão punitiva do Estado, qualifica-se como norma penal de caráter material, aplicando-se, em conseqüência, quando mais favorável, aos delitos cometidos sob o domínio de sua vigência temporal, ainda que já tenha sido revogada pela superveniente edição de uma “lex gravior”, a Lei nº 11.106/2005, no caso.

* noticiado no Informativo 450

HC N. 94.752-RSRELATOR: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. EXCEPCIONALIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE.1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é medida excepcional, justificando-se quando despontar, fora de dúvida, atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria, o que não ocorre no caso sob exame.2. A denúncia que descreve as condutas dos co-réus de forma detalhada e individualizada, estabelecendo nexo de causalidade com os fatos, não é inepta3. O habeas corpus não é a via processual adequada à análise aprofundada de matéria fático-probatória.Ordem indeferida.

Substituição de Testemunha Não EncontradaO Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que deferira substituição de

testemunha não localizada. Na espécie, sustentava-se que a substituição de testemunha fora deferida com base no art. 397 do CPP (“Se não for encontrada qualquer das testemunhas, o juiz poderá deferir o pedido de substituição, se esse pedido não tiver por fim frustrar o disposto nos arts. 41, in fine, e 395.”), dispositivo que, quando da prolação da decisão agravada, já teria sido revogado pela Lei 11.719/2008. Alegava-se, ademais, que tal procedimento não poderia mais ser admitido, por ausência de previsão legal. Considerou-se que, embora a possibilidade de substituição de testemunha não encontrada não estivesse mais expressamente prevista no CPP, não se haveria de entender que o legislador teria adotado um silêncio eloqüente na matéria, sobretudo por não ter havido uma revogação direta e expressa do antigo texto do art. 397 do CPP, mas sim uma reforma de capítulos inteiros do Código, por leis esparsas, alcançando aquele dispositivo, sem que se pudesse concluir, contudo, que a inacessível volutas legislatoris seria no sentido de impedir eventuais substituições de testemunhas no curso da instrução, mesmo quando não localizada a que fora arrolada originalmente, sob pena de se inviabilizar uma prestação jurisdicional efetiva e justa. Assim, reputou-se perfeitamente aplicável à hipótese, por analogia (CPP, art. 3º), o art. 408 do CPC (“Art. 408. Depois de apresentado o rol, de que trata o artigo antecedente, a parte só pode substituir a testemunha: I - que falecer; II - que, por enfermidade, não estiver em condições de depor; III - que, tendo mudado de residência, não for encontrada pelo oficial de justiça.”), enquadrando-se o caso em análise no inciso III do referido dispositivo legal. Não se vislumbrou, por fim, qualquer tentativa de burla ao prazo processual para o arrolamento das testemunhas. Vencido o Min. Marco Aurélio que dava provimento ao recurso.

AP 470 AgR/MG, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.10.2008. (AP-470)

Parlamentar não Reeleito e Continuidade de Julgamento pelo Supremo - 1O Tribunal concluiu julgamento de inquérito no qual se imputava a Deputado Federal, militar da reserva remunerada,

a suposta prática do crime de publicação ou crítica indevida, previsto no art. 166 do Código Penal Militar - CPM, em razão de ter publicado, em seu jornal, matéria crítica a ato de comandante de batalhão da polícia militar — v. Informativo 425. Preliminarmente, considerando o fato de já terem sido proferidos quatro votos no sentido do arquivamento, o Tribunal, por votação majoritária, deliberou prosseguir com o julgamento, não obstante o indiciado, antes da retomada deste, suspenso com pedido de vista, tivesse cumprido seu mandato, não sendo reeleito. Entendeu-se que a circunstância de, após iniciado o julgamento, ter-se alterado um estado de fato que implicaria a modificação da competência não atingiria o julgamento, por ser ele ato unitário que se desdobra fisicamente. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que reputavam cessada a competência da Corte, em razão de ter o detentor da prerrogativa de foro deixado o cargo que a motivou, não influenciando o fato de o julgamento já ter iniciado. Precedentes citados: Inq 2277/DF (DJU de 29.9.2006) e AP 333/PB (DJE de 11.4.2008).

Inq 2295/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel.p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.10.2008. (INQ-2295)

Crime Militar e Imunidade Material - 2

Page 93: STF Penal a Partir de 2008

No mérito, determinou-se o arquivamento dos autos. Salientou-se que o indiciado, embora no exercício de mandato de Deputado Federal, submeter-se-ia à aplicação da lei penal militar por ser militar da reserva remunerada (CPM, art. 9º, III e 13), estando presentes, em tese, os elementos constitutivos do tipo penal militar apontado. Entretanto, entendeu-se haver incidência, na espécie, da imunidade material parlamentar, haja vista que os fatos narrados guardariam relação de conexão com a condição de parlamentar do investigado, eis que ele fora eleito com votos de outros membros da corporação militar a que pertence e, ao publicar a referida notícia, teria agido no legítimo exercício do mandato representativo de que estava investido.

Inq 2295/MG, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, rel.p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 23.10.2008. (INQ-2295)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de AumentoA Turma iniciou julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que não reconhecera a continuidade

delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo paciente, e contra ele aplicara, ainda, a causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo, em razão do emprego de arma (CP, art. 157, § 2º, I). A impetração pretende que incida a orientação firmada pelo Supremo no julgamento do HC 89827/SP (DJU de 27.4.2007), em que admitida a continuidade entre os mencionados crimes, assim como argüi a necessidade de realização de perícia demonstrando a idoneidade do mecanismo lesivo do revólver. A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu, em parte, o writ para afastar a qualificadora relativamente ao roubo. Tendo em conta que as instâncias de mérito não indicaram a existência de outra prova de que a arma possuiria potencialidade lesiva, entendeu que esse exame seria imprescindível para a incidência da causa de aumento. Por outro lado, tendo em conta a jurisprudência predominante desta Corte no sentido de que os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor, ainda que perpetrados contra a mesma vítima, caracterizam concurso material, indeferiu o pedido quanto à continuidade delitiva. No ponto, não adotou o paradigma apontado ante a diversidade das situações, uma vez que os atos constitutivos do atentado violento ao pudor não consistiriam, no presente caso, “prelúdio ao coito”, porquanto efetivados em momento posterior à conjunção carnal. Após, pediu vista o Min. Ricardo Lewandowski.

HC 94714/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-94714)

Livramento Condicional e Exame CriminológicoA Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute se o exame criminológico constitui, ou não,

requisito para a obtenção do benefício de livramento condicional. No caso, o tribunal de origem indeferira o aludido benefício ao fundamento de que o requisito objetivo não estaria preenchido e porque ausentes elementos para a aferição do mérito subjetivo do paciente. Em conseqüência, determinara a realização do exame criminológico. O impetrante alega, na espécie, constrangimento ilegal decorrente da falta de motivação idônea na determinação do exame criminológico para fins de livramento condicional, uma vez que, após o advento da Lei 10.792/2003, esse requisito não mais estaria previsto na Lei de Execução Penal - LEP. Aduz, também, que o paciente satisfaz a exigência de ordem objetiva, na medida em que já cumprira mais da metade da pena imposta. A Min. Carmem Lúcia, relatora, indeferiu o writ, no que foi acompanhada pelo Min. Menezes Direito. De início, salientou que o tribunal de justiça poderia, em sede de agravo em execução, proceder a nova análise dos requisitos da progressão, inclusive os de ordem subjetiva, uma vez que esse recurso devolve ao tribunal ad quem a apreciação da matéria examinada na origem. Asseverou que isso acontece, pois se aplicam ao agravo previsto no art. 197 da LEP as disposições referentes ao recurso em sentido estrito. No entanto, manteve a decisão impugnada, haja vista que a jurisprudência do STF assenta-se no sentido de não haver ilegalidade na imposição do exame criminológico, desde que fundamentada a decisão, como elemento de avaliação dos requisitos subjetivos necessários para o eventual deferimento ou não da progressão de regime. Enfatizou a possibilidade de sua adoção para a concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas (LEP, art. 112, § 2º). Ademais, observou que a interpretação do instituto do livramento condicional — cujos efeitos estão ligados ao comportamento carcerário e às avaliações sociais e psicológicas do condenado — não permitiria o acolhimento do pedido, notadamente se considerado o teor das decisões proferidas na 1ª instância, em que informado que o paciente não registra cumprimento satisfatório da reprimenda, com o cometimento de faltas graves. Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.

HC 93108/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 21.10.2008. (HC-93108)

Tráfico de Drogas e Combinação de Leis Incriminadoras - 2A Turma, em conclusão de julgamento, deferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de condenado por

tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12, c/c art. 29 do CP) para que se aplique, em seu benefício, a causa de diminuição trazida pela Lei 11.343/2006 — v. Informativo 523. Centrava-se a questão em apurar o alcance do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, em face da nova Lei de Tóxicos, que introduziu causa de diminuição da pena para o delito de tráfico de entorpecentes, mas aumentou-lhe a pena mínima. Inicialmente, salientou-se a necessidade de se

Page 94: STF Penal a Partir de 2008

perquirir se seria lícita a incidência isolada da causa de diminuição de pena aos delitos cometidos sob a égide da lei anterior, tendo por base as penas então cominadas. Entendeu-se que aplicar a causa de diminuição não significa baralhar e confundir normas, uma vez que o juiz, ao assim proceder, não cria lei nova, mas apenas se movimenta dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente possível. Ademais, aduziu-se que se deveria observar a finalidade e a ratio do princípio, para dar correta resposta à questão, não havendo como se repudiar a aplicação da causa de diminuição também a situações anteriores. Nesse diapasão, enfatizou-se, também, que a vedação de junção de dispositivos de leis diversas é apenas produto de interpretação da doutrina e da jurisprudência, sem apoio direto em texto constitucional. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ por considerar que extrair alguns dispositivos, de forma isolada, de um diploma legal, e outro preceito de diverso diploma, implicaria alterar por completo o seu espírito normativo, gerando um conteúdo distinto do previamente estabelecido pelo legislador, e instituindo uma terceira regra relativamente à situação individual do paciente. Precedente citado: HC 68416/DF (DJU de 30.10.92).

HC 95435/RS, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Cezar Peluso, 21.10.2008. (HC-95435)

Deserção e Condição de MilitarA Turma indeferiu habeas corpus impetrado em favor de militar, em que se pleiteava a extinção ou o arquivamento

de instrução provisória contra ele instaurada, a fim de que não fosse preso sem que houvesse ordem escrita e fundamentada pela autoridade competente. Alegava-se, em suma, que o paciente fora excluído das Forças Armadas e, portanto, seria parte ilegítima para figurar no pólo passivo da instrução provisória de deserção. Ademais, pela mesma razão, não mais lhe seria aplicável a ressalva contida na parte final do inciso LXI do art. 5º da CF (“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”). Asseverou-se que o crime de deserção atribuído ao paciente fora praticado quando este, ainda, ostentava a condição de militar. Destarte, tal circunstância permitiria tanto a instauração de instrução provisória de deserção quanto a prisão do desertor, independentemente de ordem judicial, conforme a ressalva do aludido dispositivo. Salientou-se, ademais, que a instrução provisória de deserção não se confunde com a ação penal, sendo certo que a condição de militar obsta apenas o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, o início da ação penal (CPPM, art. 457, § 3º).

HC 94367/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 21.10.2008. (HC-94367)

Inteiro teor: “a instrução provisória de deserção não se confunde com a ação penal, sendo certo que a condição de militar obsta apenas o oferecimento da denúncia e, por conseguinte, o início da ação penal, não impedindo, por outro lado, a instauração do procedimento de instrução provisória. Além disso, tão-logo o praça desertor (que foi excluído da força por imposição do art. 456, §5º, CPPM) se apresente ou seja capturado, será ele reincluído no serviço militar, salvo se considerado inapto por razão de saúde. E, sendo o paciente reincluído, afasta-se até mesmo o óbice ao ajuizamento da ação penal”

Pedido de Explicações - Inocorrência de Ofensas Equívocas – Inadmissibilidade (Transcrições)

Pet 4444/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: INTERPELAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES AJUIZADO CONTRA DEPUTADO FEDERAL (CP, ART. 144). POSSIBILIDADE, NÃO OBSTANTE A GARANTIA DA IMUNIDADE PARLAMENTAR, POR SE TRATAR DE CONGRESSISTA-CANDIDATO. IMPUTAÇÕES ALEGADAMENTE OFENSIVAS. AUSÊNCIA, NO ENTANTO, DE DUBIEDADE, EQUIVOCIDADE OU AMBIGÜIDADE. INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA OBJETIVA EM TORNO DO CONTEÚDO MORALMENTE OFENSIVO DAS AFIRMAÇÕES. INVIABILIDADE JURÍDICA DO AJUIZAMENTO DA INTERPELAÇÃO JUDICIAL, POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. PEDIDO DE EXPLICAÇÕES A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

- A questão do congressista-candidato e a impossibilidade de invocação, por ele, em seu favor, e contra os demais concorrentes, da garantia da imunidade parlamentar em sentido material: exigência de observância da igualdade de oportunidades, no contexto do processo eleitoral, entre todos os candidatos, parlamentares ou não. Precedentes: Inq 1.400-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g..- O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.

- A interpelação judicial, por destinar-se, exclusivamente, ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.

- O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor. Doutrina. Precedentes.

DECISÃO: Trata-se de “interpelação criminal” deduzida, com fundamento no art. 144 do Código Penal, contra Leonardo Quintão, que é membro do Congresso Nacional. Pretende-se que este ofereça explicações necessárias ao esclarecimento de afirmações que foram noticiadas no jornal “O Tempo” (edição de 15/10/2008 – fls. 09).

Page 95: STF Penal a Partir de 2008

O requerente assim justifica a presente interpelação judicial (fls. 03/04):

“Como é fato público e notório, tanto o interpelante quanto o interpelado são, atualmente, candidatos ao cargo de Prefeito do Município de Belo Horizonte, no pleito de 2008, em sua disputa de 2º Turno.

Dentro do contexto de campanha eleitoral, como é costumeiro, vem sendo o interpelante vítima de ataques à sua honra, vinculados ao ‘denuncismo’ peculiar que sempre aflora nas proximidades dos debates para a escolha dos candidatos.

E, nesse diapasão, o interpelante tomou ciência de matéria publicada no periódico ‘O Tempo’, com circulação nesta data, que já anuncia, em sua manchete principal, o seguinte:

‘Eleição. Quintão chama Lacerda de preso comum em resposta ao vídeo do chute na bunda.SEGUNDO TURNO EM BH ENTRA EM CLIMA DE GUERRA.Candidatos usam televisão, Internet e debates para trocar acusações.Os candidatos em Belo Horizonte partiram para a guerra. Leonardo Quintão (PMDB) e Marcio Lacerda (PSB) trocam acusações

na TV, na Internet e em debates. Ontem, na sabatina de O TEMPO, Quintão chamou Lacerda de preso comum, em resposta à divulgação do vídeo em que o peemedebista diz que vai chutar a bunda dos adversários’.

A matéria de fundo, localizada na página 3, traz o seguinte conteúdo:

‘Sucessão. Candidatos abrem guerra na campanha de segundo turno e começa a onda de denúncias.QUINTÃO RESPONDE VÍDEO E DIZ QUE LACERDA FOI PRESO COMUM.PEEMEDEBISTA DIZ QUE ADVERSÁRIO ASSALTOU BANCO E DEU CORONHADAS.Desde anteontem à noite, o segundo turno da eleição em Belo Horizonte está em clima de guerra, ao contrário do que aconteceu

na primeira fase. O programa de televisão, a Internet e os debates transformaram-se em verdadeiras barricadas. Na tarde de ontem, durante sabatina realizada pelo O TEMPO, o candidato Leonardo Quintão (PMDB), ao se defender sobre um vídeo divulgado no programa eleitoral do adversário Márcio Lacerda (PSB) - em que aparece chutando o ar e afirmando que nós vamos ganhar e chutar a bunda deles - disse que o socialista não foi preso político e, sim, comum. Ele disse que Lacerda assaltou banco e uma padaria e deu coronhadas durante suas ações. Ele (Lacerda) fala que foi preso político e não foi. Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também, disse, afirmando que acordo com militar não é coisa de preso político. E repetiu preso comum, crime comum.

Lacerda disse ontem que realmente assaltou banco para obter recursos para a resistência à ditadura militar. Ele ressaltou que as declarações do rival demonstraram o total desconhecimento dele sobre a história do Brasil. O vice de Lacerda, Roberto Carvalho (PT) aconselhou Quintão a se informar com a apoiadora Jô Moraes sobre a guerrilha no Brasil’.

Como é óbvio, os fatos narrados são de notória inverdade, atentam contra a honra do interpelante e configuram, em tese, a prática dos crimes de injúria e difamação.

Repare-se, a propósito, na seguinte afirmativa:

‘Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também’.

Diante desse contexto, se infere que o interpelado vem se utilizando do espaço democrático, de debate político, para difamar e injuriar o interpelante, jogando por terra a preciosa luta que ele e outros tantos outros encamparam ao longo de sua juventude, com o objetivo de propiciar a liberdade de expressão na República.

Mais do que isso: ao reputar como ‘crime comum’ uma ação sabidamente revolucionária, o interpelado, irresponsavelmente, jogou por terra a recente história de luta da população brasileira, por uma sociedade mais digna, na qual vários pagaram com suas próprias vidas.

Assim, considerando a publicação das declarações em periódico, com o intuito de esclarecimento, a fim de promover a devida queixa-crime contra o referido Deputado Federal, necessário se fez o ajuizamento da presente interpelação, nos estritos termos do art. 144 C. Penal, que preconiza: ‘Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, responde pela ofensa’.” (grifei)

Presente esse contexto, impõe-se verificar, preliminarmente, se assiste, ou não, competência a esta Suprema Corte para processar, originariamente, este pedido de explicações.

A notificação, como se sabe, considerada a natureza cautelar de que se reveste, deve processar-se perante o mesmo órgão judiciário que é competente para julgar a ação penal principal eventualmente ajuizável contra o suposto ofensor.

Essa é a razão pela qual, tratando-se de Deputado Federal, como o ora notificando, compete, ao próprio Supremo Tribunal Federal, processar, originariamente, o pedido de explicações, tal como formulado na espécie:

“COMPETÊNCIA PENAL ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA O PEDIDO DE EXPLICAÇÕES.- A competência penal originária do Supremo Tribunal Federal, para processar pedido de explicações em juízo, deduzido com

fundamento na Lei de Imprensa (art. 25) ou com apoio no Código Penal (art. 144), somente se concretizará quando o interpelado dispuser, ‘ratione muneris’, da prerrogativa de foro, perante a Suprema Corte, nas infrações penais comuns (CF, art. 102, I, ‘b’ e ‘c’).”(RTJ 170/60-61, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Reconhecida, desse modo, a competência originária desta Suprema Corte, impende verificar se a garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material, de que é titular o ora requerido, Leonardo Quintão, impede, ou não, a instauração deste processo de índole cautelar.

O fato de o ora requerido ostentar a condição de Deputado Federal poderia inviabilizar, só por si, a formulação da presente “interpelação criminal”, eis que inadmissível, contra os congressistas, a instauração de processo de natureza penal ou de caráter civil, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” (CF, art. 53, “caput”).

É que, como se sabe, o pedido de explicações qualifica-se como verdadeira ação de natureza cautelar destinada a viabilizar o exercício ulterior de ação principal (notadamente a ação penal), cumprindo, desse modo, a interpelação judicial, uma típica função instrumental inerente às providências processuais revestidas de cautelaridade.

Não se desconhece que, entre o pedido de explicações em juízo, de um lado, e a causa principal, de outro, há uma evidente relação de acessoriedade, pois a medida a que alude o art. 144 do Código Penal reveste-se, como salientado, de um nítido caráter de instrumentalidade.

Tal observação se impõe, porque a incidência da imunidade parlamentar material - por tornar inviável o ajuizamento da ação penal de conhecimento e da ação de indenização civil, ambas de índole principal - afeta a possibilidade jurídica de formulação e, até mesmo, de processamento do próprio pedido de explicações, em face da natureza meramente acessória de que se reveste tal providência de ordem cautelar, tal como esta Suprema Corte tem reiteradamente proclamado e advertido (Pet 3.205/DF, Rel. Min. EROS GRAU – Pet 3.585/DF, Rel. Min. RICARDO

Page 96: STF Penal a Partir de 2008

LEWANDOWSKI – Pet 3.588/DF, Rel. Min. NELSON JOBIM - Pet 3.686/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pet   4.199/DF , Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Ocorre, no entanto, que o amparo da imunidade parlamentar em sentido material, enquanto expressiva garantia de índole constitucional dos membros do Congresso Nacional, não alcança nem protege o parlamentar, quando candidato, em pronunciamentos motivados por propósitos exclusivamente eleitorais, considerada a essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, sejam parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.

Essa compreensão em torno do alcance restrito da cláusula constitucional de inviolabilidade, nos casos em que se delineia a figura do parlamentar-candidato, tem o beneplácito do magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, como o registra decisão proferida pelo Plenário desta Suprema Corte:

“- A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, ‘caput’) - destinada a viabilizar a prática independente, pelo membro do Congresso Nacional, do mandato legislativo de que é titular - não se estende ao congressista, quando, na condição de candidato a qualquer cargo eletivo, vem a ofender, moralmente, a honra de terceira pessoa, inclusive a de outros candidatos, em pronunciamento motivado por finalidade exclusivamente eleitoral, que não guarda qualquer conexão com o exercício das funções congressuais. Precedentes.

- O postulado republicano - que repele privilégios e não tolera discriminações - impede que o parlamentar-candidato tenha, sobre seus concorrentes, qualquer vantagem de ordem jurídico-penal resultante da garantia da imunidade parlamentar, sob pena de dispensar-se, ao congressista, nos pronunciamentos estranhos à atividade legislativa, tratamento diferenciado e seletivo, capaz de gerar, no contexto do processo eleitoral, inaceitável quebra da essencial igualdade que deve existir entre todos aqueles que, parlamentares ou não, disputam mandatos eletivos.”(Inq 1.400-QO/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Essa é a razão pela qual não incide, na espécie, a garantia da imunidade parlamentar em sentido material (o requerido, embora congressista, é candidato), o que torna possível, analisada a questão sob essa específica perspectiva, o conhecimento da presente “interpelação criminal”.

Impende analisar, agora, a natureza e a destinação da interpelação judicial em referência, fundada no art. 144 do Código Penal.Cumpre ter em consideração, neste ponto, que o pedido de explicações reveste-se de função instrumental, cuja destinação jurídica vincula-se,

unicamente, ao esclarecimento de situações impregnadas de dubiedade, equivocidade ou ambigüidade (CP, art. 144), em ordem a viabilizar, tais sejam os esclarecimentos prestados, a instauração de processo penal de conhecimento tendente à obtenção de um provimento condenatório, consoante o reconhece a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

“- O pedido de explicações constitui típica providência de ordem cautelar, destinada a aparelhar ação penal principal, tendente a sentença penal condenatória. O interessado, ao formulá-lo, invoca, em juízo, tutela cautelar penal, visando a que se esclareçam situações revestidas de equivocidade, ambigüidade ou dubiedade, a fim de que se viabilize o exercício futuro de ação penal condenatória.

A notificação prevista no Código Penal (art. 144) e na Lei de Imprensa (art. 25) traduz mera faculdade processual, sujeita à discrição do ofendido. E só se justifica na hipótese de ofensas equívocas.”(RTJ 142/816, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Também JULIO FABBRINI MIRABETE, em preciso magistério sobre o tema (“Código Penal Interpretado”, p. 1.138, 5ª ed., 2005, Atlas), revela igual entendimento sobre os pressupostos legitimadores da utilização do pedido de explicações em juízo:

“O pedido de explicações previsto no art. 144 é uma medida preparatória e facultativa para o oferecimento da queixa, quando, em virtude dos termos empregados ou do sentido das frases, não se mostra evidente a intenção de caluniar, difamar ou injuriar, causando dúvida quanto ao significado da manifestação do autor, ou mesmo para verificar a que pessoa foram dirigidas as ofensas.

Cabe, assim, nas ofensas equívocas e não nas hipóteses em que, à simples leitura, nada há de ofensivo à honra alheia ou, ao contrário, quando são evidentes as imputações caluniosas, difamatórias ou injuriosas.” (grifei)

Essa mesma orientação – que sustenta a inviabilidade do pedido de explicações, quando não houver situação de dubiedade ou de equivocidade quanto ao conteúdo das imputações questionadas – é também observada por GUILHERME DE SOUZA NUCCI (“Código Penal Comentado”, p. 626, 7ª ed., 2007, RT), ANÍBAL BRUNO (“Crimes Contra a Pessoa”, p. 323/324, 3ª ed., Editora Rio), FERNANDO CAPEZ/STELA PRADO (“Código Penal Comentado”, p. 281, item n. 1, 2007, Verbo Jurídico), ROGÉRIO GRECO (“Curso de Direito Penal”, vol. II/564, 2005, Impetus) e CEZAR ROBERTO BITENCOURT (“Código Penal Comentado”, p. 577, 4ª ed., 2007, Saraiva), cabendo referir, por valioso, o magistério de PAULO JOSÉ DA COSTA JUNIOR (“Código Penal Comentado”, p. 442, 8ª ed., 2005, DPJ):

“Se a ofensa for equívoca, por empregar termos ou expressões dúbias, cabe o pedido de explicações previsto pelo art. 144.Por vezes, o agente emprega frases ambíguas propositadamente, quiçá ‘para excitar a atenção dos outros e dar mais efeito ao seu significado injurioso’.

Trata-se de medida facultativa, que antecede o oferecimento da queixa. Só tem cabimento o pedido nos casos de ofensas equívocas.” (grifei)

Impende acentuar que esse entendimento reflete-se, por igual, na jurisprudência desta Suprema Corte e na dos Tribunais em geral (RT 488/316 – RT 519/402 – RT 534/377 – JTACrSP 86/227 - JTACrSP 97/287 – JTARGS 84/65, v.g.):

“O pedido de explicações em juízo acha-se instrumentalmente vinculado à necessidade de esclarecer situações, frases ou expressões, escritas ou verbais, caracterizadas por sua dubiedade, equivocidade ou ambigüidade. Ausentes esses pressupostos, a interpelação judicial, porque desnecessária, revela-se processualmente inadmissível.

A interpelação judicial, por destinar-se, exclusivamente, ao esclarecimento de situações dúbias ou equívocas, não se presta, quando ausente qualquer ambigüidade no discurso contumelioso, à obtenção de provas penais pertinentes à definição da autoria do fato delituoso.

O pedido de explicações em juízo não se justifica quando o interpelante não tem dúvida alguma sobre o caráter moralmente ofensivo das imputações que lhe foram dirigidas pelo suposto ofensor.”(RT 709/401, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

“(...) as explicações a que alude o artigo 25 da Lei nº 5.250/67 – daí exigir-se manifestação do Poder Judiciário -, visam a permitir se apure, objetivamente, se a inferência da calúnia, difamação ou injúria resultante de referência, alusão ou frase do notificado resulta, ou não, de imprecisão de linguagem. Visam, apenas , a isso , e não a ensejar a verificação da existência de crime, em seus elementos objetivos ou subjetivos, o que será objeto da ação penal própria, se promovida. O que se procura saber, por meio da explicação, é o que realmente quis dizer o autor da

Page 97: STF Penal a Partir de 2008

referência, da alusão ou da frase. Em outras palavras, as explicações do notificado se destinam a esclarecer se a inferência do notificante corresponde ao que aquele pretendeu exteriorizar. (...).”(RTJ 79/718, 725, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

“CRIME DE IMPRENSA – Pedido de explicações – Indeferimento – Alusão considerada ofensiva pelo requerente que não se reveste de forma dubitativa – Rejeição ‘in limine’ – Decisão mantida – Inteligência do art. 144 do CP de 1940.”(RT 607/334, Rel. Juiz RENATO MASCARENHAS - grifei)

Vê-se, portanto, que, onde não houver dúvida objetiva em torno do conteúdo moralmente ofensivo das afirmações questionadas ou, então, onde inexistir qualquer incerteza a propósito dos destinatários de tais declarações, aí não terá pertinência nem cabimento a interpelação judicial, pois ausentes, em tais hipóteses, os pressupostos necessários à sua utilização.

E é, precisamente, o que ocorre na espécie, pois a leitura da publicação em referência, especialmente dos fragmentos abaixo reproduzidos, não permite qualquer dúvida, seja em torno do destinatário das afirmações alegadamente ofensivas, seja em torno do próprio conteúdo inequívoco e despojado de dubiedade das asseverações emanadas daquele contra quem se ajuizou a presente medida cautelar (fls. 03):

“QUINTÃO RESPONDE VÍDEO E DIZ QUE LACERDA FOI PRESO COMUM.PEEMEDEBISTA DIZ QUE ADVERSÁRIO ASSALTOU BANCO E DEU CORONHADAS.Desde anteontem à noite, o segundo turno da eleição em Belo Horizonte está em clima de guerra, ao contrário do que aconteceu na

primeira fase. O programa de televisão, a Internet e os debates transformaram-se em verdadeiras barricadas. Na tarde de ontem, durante sabatina realizada pelo O TEMPO, o candidato Leonardo Quintão (PMDB), ao se defender sobre um vídeo divulgado no programa eleitoral do adversário Márcio Lacerda (PSB) - em que aparece chutando o ar e afirmando que nós vamos ganhar e chutar a bunda deles - disse que o socialista não foi preso político e, sim, comum. Ele disse que Lacerda assaltou banco e uma padaria e deu coronhadas durante suas ações . Ele (Lacerda) fala que foi preso político e não foi. Ele foi preso comum porque é assaltante de banco. E de uma padaria também, disse, afirmando que acordo com militar não é coisa de preso político. E repetiu preso comum, crime comum.

Lacerda disse ontem que realmente assaltou banco para obter recursos para a resistência à ditadura militar.” (grifei)

Em suma: o magistério da doutrina e a jurisprudência dos Tribunais orientam-se, como precedentemente enfatizado, no sentido de que não cabe o pedido de explicações, por ausência de interesse processual, se não se registrar, quanto às declarações questionadas, a situação de necessária dubiedade, ambigüidade ou indeterminação subjetiva.

Não há, pois, em face das razões expostas, como dar trânsito à presente “interpelação criminal”, motivo pelo qual, por entendê-la incabível, nego-lhe seguimento nesta Suprema Corte.

Arquivem-se os presentes autos.

Publique-se.

Brasília, 21 de outubro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

*decisão publicada no DJE de 24.10.2008

Interrogatório por Videoconferência - 2O Tribunal, por maioria, concedeu habeas corpus impetrado em favor de condenado pela prática do delito previsto no

art. 157, § 2º, I e II, do CP, e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade formal da Lei paulista 11.819/2005, que previu a utilização de aparelho de videoconferência nos procedimentos judiciais destinados ao interrogatório e à audiência de presos — v. Informativo 518. Na espécie, o interrogatório do paciente, a despeito da discordância de sua defesa, realizara-se sem a presença do paciente na sala da audiência, por meio da videoconferência. Entendeu-se que a norma em questão teria invadido a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que também consideravam caracterizada a inconstitucionalidade material do diploma examinado. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que indeferia o writ, por não vislumbrar vício formal, já que o Estado de São Paulo não teria legislado sobre processo, e sim sobre procedimento (CF, art. 24, XI), nem vício material, haja vista que o procedimento instituído teria preservado todos os direitos e garantias fundamentais, bem como por reputar não demonstrado qualquer prejuízo na realização do interrogatório do paciente.

HC 90900/SP, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Menezes Direito, 30.10.2008. (HC-90900)

Decreto de Expulsão e Direito à Progressão de Regime - 1A Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus no qual nacional norte-americano, condenado,

com terceiros, pelo crime de tráfico de substâncias entorpecentes (Lei 6.368/76, art. 12, caput), a cumprimento da reprimenda em regime integralmente fechado, sustentava: a) inobservância do princípio constitucional da individualização da pena, por ausência de fundamentação para a fixação da pena-base acima do mínimo legal; b) indevida incidência da majoração decorrente do disposto no art. 18, III, da Lei 6.368/76, em face da sua absolvição relativamente ao delito de associação para o tráfico (Lei 6.368/76, art. 14); c) desnecessidade de prequestionamento em habeas corpus e d) possibilidade de progressão de regime prisional para o crime de tráfico de drogas. No caso, o STJ, para evitar supressão de instância, não conhecera da impetração porquanto a alegação referente à fixação da pena não fora apreciada pelo tribunal de origem. De início, ressaltou-se que a situação dos autos apresentaria peculiaridade, consistente no fato de que o

Page 98: STF Penal a Partir de 2008

recorrente tivera decretada a sua expulsão do Brasil em 1981, mas que retornara clandestinamente, vindo a ser preso novamente, em 1999, pela prática do delito que ensejara a condenação em análise. Salientou-se que a aludida decretação de expulsão estaria suspensa para se aguardar o cumprimento da pena ora questionada (Lei 6.368/76, art. 12), já que ele estaria em débito com a sociedade brasileira por causa desses crimes. Considerou-se que, não obstante a pendência de um decreto de expulsão — o qual não poderia ser executado —, dever-se-ia observar o direito constitucional do recorrente à progressão no regime de cumprimento da pena.

RHC 93469/RS, rel. Min. Carmén Lúcia, 28.10.2008. (RHC-93469)

Decreto de Expulsão e Direito à Progressão de Regime - 2. Writ concedido, de ofício, para: a) excluir da condenação do recorrente a majorante do art. 18, III, da Lei 6.368/76,

oriunda da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes, ante sua revogação pela Lei 11.343/2006 que, sendo novatio legis, aplica-se, quando mais benéfica, em favor do réu e b) na linha da jurisprudência aqui firmada desde o julgamento do HC 82959/SP (DJU de 1º.9.2006), afastar o óbice à progressão de regime quanto ao cumprimento da pena em regime integralmente fechado por força do art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90, cabendo ao Juízo das Execuções a análise relativa aos eventuais requisitos da progressão, de acordo com os critérios estabelecidos no CP e na Lei de Execução Penal - LEP. Determinou-se, por fim, a comunicação da presente decisão aos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores — em virtude do processo de expulsão pendente para aguardar o cumprimento desta condenação —, bem como ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de São Leopoldo - RS e ao Juízo da Execução Criminal competente.

RHC 93469/RS, rel. Min. Carmén Lúcia, 28.10.2008. (RHC-93469)

Ministério Público e Investigação Criminal - 1A Turma negou provimento a recurso extraordinário, em que se sustentava invasão das atribuições da polícia

judiciária pelo Ministério Público Federal, porque este estaria presidindo investigação criminal, e ilegalidade da quebra do sigilo de dados do recorrente. Na espécie, o recorrente tivera seu sigilo bancário e fiscal quebrado para confrontação de dados da CPMF com a declaração de imposto de renda, com o intuito de se apurar possível sonegação fiscal. Quanto à questão relativa à possibilidade de o parquet promover procedimento administrativo de cunho investigatório e à eventual violação da norma contida no art. 144, § 1º, I e IV, da CF, considerou-se irrelevante o debate. Asseverou-se que houvera a devida instauração de inquérito policial para averiguar fatos relacionados às movimentações de significativas somas pecuniárias em contas bancárias, bem como que o Ministério Público requerera, a título de tutela cautelar inominada, ao juízo competente, a concessão de provimento jurisdicional que afastasse o sigilo dos dados bancários do recorrente.

RE 535478/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 28.10.2008. (RE-535478)

Ministério Público e Investigação Criminal - 2Considerou-se, ademais, que, mesmo que se tratasse da temática dos poderes investigatórios do Ministério Público,

melhor sorte não assistiria ao recorrente, haja vista que a denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do Ministério Público sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o CPP. Reputou-se não haver óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal, especialmente em casos graves como o presente que envolvem altas somas em dinheiro movimentadas em contas bancárias. Aduziu-se, tendo em conta ser princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos “poderes implícitos”, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios, que se a atividade fim — a promoção da ação penal pública — foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não haveria como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que peças de informação embasem a denúncia. Dessa forma, concluiu-se pela possibilidade de, em algumas hipóteses, ser reconhecida a legitimidade da promoção de atos de investigação por parte do Ministério Público, especialmente quando se verifique algum motivo que se revele autorizador dessa investigação. No mais, afastou-se a apontada violação ao princípio da irretroatividade das leis, devido à invocação do disposto na Lei 10.174/2001 para utilização de dados da CPMF, haja vista que esse diploma legal passou a autorizar a utilização de certas informações bancárias do contribuinte para efeitos fiscais, mas, mesmo no período anterior a sua vigência, já era possível a obtenção desses dados quando houvesse indícios de prática de qualquer crime. Não se trataria, portanto, de eficácia retroativa dessa lei, e sim de apuração de ilícito penal mediante obtenção das informações bancárias. No que tange aos demais argumentos apresentados, não se conheceu do recurso, já que as matérias teriam natureza infraconstitucional.

RE 535478/SC, rel. Min. Ellen Gracie, 28.10.2008. (RE-535478)

Co-réus - Interrogatório - Direito de Repergunta (Transcrições)

HC 94601 MC/CE*

Page 99: STF Penal a Partir de 2008

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. RESPEITO, PELO PODER PÚBLICO, ÀS PRERROGATIVAS JURÍDICAS QUE COMPÕEM O PRÓPRIO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. A GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW” COMO EXPRESSIVA LIMITAÇÃO À ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO (INVESTIGAÇÃO PENAL E PROCESSO PENAL). O CONTEÚDO MATERIAL DA CLÁUSULA DE GARANTIA DO “DUE PROCESS”. INTERROGATÓRIO JUDICIAL. NATUREZA JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE QUALQUER DOS LITISCONSORTES PENAIS PASSIVOS FORMULAR REPERGUNTAS AOS DEMAIS CO-RÉUS, NOTADAMENTE SE AS DEFESAS DE TAIS ACUSADOS SE MOSTRAREM COLIDENTES. PRERROGATIVA JURÍDICA CUJA LEGITIMAÇÃO DECORRE DO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. PRECEDENTE DO STF (PLENO). MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.- Assiste, a cada um dos litisconsortes penais passivos, o direito – fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV) – de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares. O desrespeito a essa franquia individual do réu, por implicar grave transgressão ao estatuto constitucional do direito de defesa, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta. Doutrina. Precedentes do STF.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pleito de ordem cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” então em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 93.125/CE), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.

Os ora impetrantes alegam inobservância do devido processo legal em relação ao ora paciente, pelos seguintes fundamentos (fls. 03):

“A) em razão de ter sido produzido depoimentos judiciais de pessoas envolvidas com a conduta imputada ao paciente antes dele ser citado; B) não ter sido oportunizado aos advogados constituídos pelo paciente a presença na audiência de interrogatório dos co-réus; C) o paciente ter sido citado e interrogado em menos de 24 horas; D) por ter sido nomeado advogado ‘ad doc’ para acompanhar os interrogatórios do co-réu à revelia da manifestação pessoal do paciente.” (grifei)

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajustar-se-ia às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

É que se impõe, ao Judiciário, o dever de assegurar, ao réu, os direitos básicos que resultam do postulado do devido processo legal, notadamente as prerrogativas inerentes à garantia da ampla defesa, à garantia do contraditório, à igualdade entre as partes perante o juiz natural e à garantia de imparcialidade do magistrado processante.

A essencialidade dessa garantia de ordem jurídica reveste-se de tamanho significado e importância no plano das atividades de persecução penal que ela se qualifica como requisito legitimador da própria “persecutio criminis”.

Daí a necessidade de se definir o alcance concreto dessa cláusula de limitação que incide sobre o poder persecutório do Estado.O exame da garantia constitucional do “due process of law” permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua própria configuração,

destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis “ex post facto”; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de “ participação ativa ” nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes.

Não constitui demasia assinalar, neste ponto, analisada a função defensiva sob uma perspectiva global, que o direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao “due process of law”, além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal por suposta prática de delitos a ele atribuídos.

A justa preocupação da comunidade internacional com a preservação da integridade das garantias processuais básicas reconhecidas às pessoas meramente acusadas de práticas delituosas tem representado, em tema de proteção aos direitos humanos, um dos tópicos mais sensíveis e delicados da agenda dos organismos internacionais, seja em âmbito regional, como o Pacto de São José da Costa Rica (Artigo 8º), aplicável ao sistema interamericano, seja em âmbito global, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigo 14), celebrado sob a égide da Organização das Nações Unidas, e que representam instrumentos que reconhecem, a qualquer réu, dentre outras liberdades eminentes, o direito à plenitude de defesa e às demais prerrogativas que derivam da cláusula concernente à garantia do devido processo.

Tendo em consideração as prerrogativas básicas que derivam da cláusula constitucional do “due process of law”, passo a examinar o pedido de medida cautelar ora formulado nesta sede processual.

E, ao fazê-lo, entendo que a magnitude do tema constitucional versado na presente impetração impõe que se conceda a presente medida cautelar, seja para impedir que se desrespeite uma garantia instituída pela Constituição da República em favor de qualquer réu, seja para evitar eventual declaração de nulidade do processo penal em referência, ora em curso perante a Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará (11ª Vara Federal).

A questão suscitada nesta causa concerne ao debate em torno da possibilidade jurídica de um dos litisconsortes penais passivos, invocando a garantia do “due process of law”, ver assegurado o seu direito de formular reperguntas aos co-réus, quando do respectivo interrogatório judicial.

Daí as razões que dão suporte à presente impetração deduzida em favor de réu que pretende ver respeitado, em procedimento penal contra ele instaurado, o direito à plenitude de defesa e ao tratamento paritário com o Ministério Público, em ordem a que se lhe garanta, por intermédio de seus Advogados, o direito “(...) de estar presente na audiência de colheita de provas contra si, oferecendo por meio de seu defensor a necessária contradita, bem como no direito de ser citado de forma a possibilitar o conhecimento não só da peça acusatória, mas também de todos os elementos incriminativos colhidos durante a fase inquisitiva (...)” (fls. 24). Ou seja, se o MP pode formular perguntas a todos os co-réus, pq eles não podem tb

Page 100: STF Penal a Partir de 2008

formular perguntas entre si? A questão é que o interrogatório de um co-réu deverá ter a presença dos demais de modo a garantir tanto o direito de pergunta como o direito de presença! Críticas do Prof. Antônio José pq se é o interrogatório é para o STF um meio de defesa e não de prova não se deveria permitir que fossem feitas perguntas.

Não foi por outro motivo que os ora impetrantes, para justificar sua pretensão, buscam, por este meio processual, que se permita a observância dos “(...) princípios constitucionais concernentes ao devido processo legal, cujo interesse de preservação é público e não está restrito às partes, mas representa antes de mais nada, o interesse estatal de que a função jurisdicional seja exercida dentro de um processo justo, imparcial, em que seja garantido paridade de forças entre os litigantes com a possibilidade ampla do acusado em defender-se no litígio, afinal é ele o maior interessado na colheita da prova” (fls. 24).

As razões ora expostas justificam – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual, especialmente se se considerar o precedente que o Plenário desta Suprema Corte firmou no exame da matéria:

“(...) AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA (...). INTERROGATÓRIOS (...). PARTICIPAÇÃO DOS CO-RÉUS . CARÁTER FACULTATIVO. INTIMAÇÃO DOS DEFENSORES NO JUÍZO DEPRECADO.

.......................................................É legítimo, em face do que dispõe o artigo 188 do CPP, que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus. Deve ser franqueada à defesa de cada réu a oportunidade de participação no interrogatório dos demais co-réus, evitando-se a

coincidência de datas, mas a cada um cabe decidir sobre a conveniência de comparecer ou não à audiência (...).” (AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - grifei)

Ninguém ignora a importância de que se reveste, em sede de persecução penal, o interrogatório judicial, cuja natureza jurídica permite qualificá-lo, notadamente após o advento da Lei nº 10.792/2003, como ato de defesa (ADA PELLEGRINI GRINOVER, “O interrogatório como meio de defesa (Lei 10.792/2003)”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 53/185-200; GUILHERME DE SOUZA NUCCI, “Código de Processo Penal Comentado”, p. 387, item n. 3, 6ª ed., 2007, RT; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 174, 21ª ed., 2004, Saraiva; DIRCEU A. D. CINTRA JR., “Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisdicional”, coordenação: ALBERTO SILVA FRANCO e RUI STOCO, p. 1.821, 2ª ed., 2004, RT; FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. 3/269-273, item n. 1, 28ª ed., 2006, Saraiva, v.g.), ainda que passível de consideração, embora em plano secundário, como fonte de prova, em face dos elementos de informação que dele emergem.

Essa particular qualificação jurídica do interrogatório judicial, ainda que nele se veja um ato simultaneamente de defesa e de prova (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 510, item n. 185.1, 11ª ed., 2007, Atlas, v.g.), justifica o reconhecimento de que se revela possível, no plano da persecutio criminis in judicio, “(...) que as defesas dos co-réus participem dos interrogatórios de outros réus (...)” (AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Pleno – grifei).

Esse entendimento que o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou no precedente referido reflete-se, por igual, no magistério da doutrina, como resulta claro da lição de EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA (“Curso de Processo Penal”, p. 29, item n. 3.1.4, 9ª ed., 2008, Lumen Juris):

“Embora ainda haja defensores da idéia de que a ampla defesa vem a ser apenas o outro lado ou a outra medida do contraditório, é bem de ver que semelhante argumentação peca até mesmo pela base.

É que, da perspectiva da teoria do processo, o contraditório não pode ir além da ‘garantia de participação’, isto é, a garantia de a parte poder impugnar - no processo penal, sobretudo a defesa - toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.

E, exatamente por isso, não temos dúvidas em ver incluído, no princípio da ampla defesa, o direito à participação da defesa técnica - do advogado - de co-réu durante o interrogatório de ‘todos os acusados’. Isso porque, em tese, é perfeitamente possível a colisão de interesses entre os réus, o que, por si só, justificaria a participação do defensor daquele co-réu sobre quem recaiam acusações por parte de outro, por ocasião do interrogatório. A ampla defesa e o contraditório exigem, portanto, a participação dos defensores de co-réus no interrogatório de ‘todos os acusados’.” (grifei)

Esse mesmo entendimento, por sua vez, é perfilhado por ANTONIO SCARANCE FERNANDES (“Prova e sucedâneos da prova no processo penal”, “in” Revista Brasileira de Ciências Criminais nº 66, p. 224, item n. 12.2):

“(...) Ressalta-se que, em virtude de recente reforma do Código, o advogado do co-réu tem direito a participar do interrogatório e formular perguntas.” (grifei)

Igual percepção do tema é revelada por AURY LOPES JR (“Direito Processual e sua Conformidade Constitucional”, vol. I/603-605, item n. 2.3, 2007, Lumen Juris):

“No que tange à disciplina processual do ato, cumpre destacar que - havendo dois ou mais réus - deverão eles ser interrogados separadamente, como exige o art. 191 do CPP. Aqui existe uma questão muito relevante e que não tem obtido o devido tratamento por parte de alguns juízes, até pela dificuldade de compreensão do alcance do contraditório inserido nesse ato, por força da Lei nº 10.792/2003, que alterou os arts. 185 a 196 do CPP.

Até essa modificação legislativa, o interrogatório era um ato pessoal do juiz, não submetido ao contraditório, pois não havia qualquer intervenção da defesa ou acusação.

Agora a situação é radicalmente distinta. Tanto a defesa como a acusação podem formular perguntas ao final. Isso é manifestação do contraditório.

Nessa linha, discute-se a possibilidade de a defesa do co-réu fazer perguntas no interrogatório. Pensamos que, principalmente se as teses defensivas forem colidentes, deve o juiz permitir o contraditório pleno, com o defensor do outro co-réu (também) formulando perguntas ao final. Ou seja, deve o juiz admitir que o defensor do interrogando formule suas perguntas ao final, mas também deve permitir que o advogado do(s) outro(s) co-réu(s) o faça. Contribui para essa exigência o fato de que à palavra do co-réu é dado, pela maioria da jurisprudência, o valor probatório similar ao de prova testemunhal.” (grifei)

Observo, finalmente, que essa orientação vem de ser reafirmada em recentíssimo julgamento emanado da colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, que, ao decidir o HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, reiterou o entendimento de que cada litisconsorte penal passivo tem o direito, fundado em cláusulas constitucionais (CF, art. 5º, incisos LIV e LV), de formular reperguntas aos demais co-réus, que, no entanto, não estão obrigados a respondê-las, em face da prerrogativa contra a auto-incriminação, de que também são titulares.

Page 101: STF Penal a Partir de 2008

As razões que venho de expor, como ora salientado nesta decisão, convencem-me da absoluta plausibilidade jurídica de que se acha impregnada a pretensão deduzida pelos ilustres impetrantes, notadamente porque referida postulação tem integral suporte em precedentes firmados por esta Suprema Corte (AP 470-AgR/MG, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Concorre, por igual, o requisito concernente ao “periculum in mora”, que foi adequadamente demonstrado na presente impetração (fls. 27/28).Sendo assim, em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da

presente ação de “habeas corpus”, o andamento do Processo-crime nº 2006.81.00.009709-1, ora em tramitação perante a 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará.

Comunique-se, com urgência, encaminhando-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 93.125/CE), ao E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região (HC nº 2007.05.00.057218-1) e ao Senhor Juiz da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará (Processo nº 2006.81.00.009709-1).

2. Ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 24 de outubro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

* decisão publicada no DJE de 31.10.2008

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento - 2Para a caracterização da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do CP, não é exigível que a arma seja periciada ou

apreendida, desde que comprovado, por outros meios, que foi devidamente empregada para intimidar a vítima. Com base nessa orientação, a Turma, em conclusão de julgamento, indeferiu, por maioria, habeas corpus em que requerida a manutenção da pena imposta pelo tribunal de origem, ao argumento de que seriam indispensáveis a apreensão e a perícia da arma para aferição da mencionada causa de aumento. A impetração sustentava que, na situação dos autos, a potencialidade lesiva desse instrumento não teria sido atestada por outros elementos de prova — v. Informativo 500. Asseverou-se que o potencial lesivo integra a própria natureza do artefato e que, se por qualquer meio de prova, em especial pela palavra da vítima ou pelo depoimento de testemunha presencial ficar comprovado o emprego de arma de fogo, esta circunstância deverá ser levada em conta pelo magistrado na fixação da pena. Dessa forma, observou-se que, caso o acusado alegue o contrário ou sustente ausência de potencial lesivo do revólver utilizado para intimidar a vitima, será dele o ônus de provar tal evidência (CPP, art. 156). Ressaltou-se, ademais, que a arma, ainda que não tivesse o poder de disparar projéteis, poderia ser usada como instrumento contundente, apto a produzir lesões graves. Por fim, aduziu-se que se exigir perícia para atestar a potencialidade lesiva do revólver empregado no delito de roubo teria como resultado prático estimular os criminosos a desaparecerem com elas, de modo que a aludida qualificadora dificilmente teria aplicação. Vencida a Min. Cármen Lúcia, relatora, que deferia o writ para anular o acórdão impugnado e restabelecer a condenação do paciente pelo crime de roubo, descrito no art. 157, caput, do CP, uma vez que, na espécie, não fora possível atestar, por outros meios de prova, a potencialidade lesiva do artefato. Precedente citado: HC 84032/SP (DJU de 30.4.2004).

HC 92871/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 4.11.2008. (HC-92871)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de Aumento - 3Na mesma linha do entendimento fixado acima, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ

que não reconhecera a continuidade delitiva entre o estupro e o atentado violento ao pudor praticados pelo paciente, e contra ele aplicara, ainda, a causa de aumento de pena prevista para o crime de roubo, em razão do emprego de arma (CP, art. 157, § 2º, I). A impetração pretendia a incidência da orientação firmada pelo Supremo no julgamento do HC 89827/SP (DJU de 27.4.2007), em que admitida a continuidade entre os mencionados crimes, assim como argüia a necessidade de realização de perícia demonstrando a idoneidade do mecanismo lesivo do revólver — v. Informativo 525. Rejeitou-se, de igual modo, o pretendido reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro e de atentado violento ao pudor. Asseverou-se que tais delitos, ainda que perpetrados contra a mesma vítima, caracterizam concurso material. No ponto, não se adotou o paradigma apontado ante a diversidade das situações, uma vez que os atos constitutivos do atentado violento ao pudor não consistiriam, no presente caso, “prelúdio ao coito”, porquanto efetivados em momento posterior à conjunção carnal. A Min. Cármen Lúcia reajustou seu voto por considerar que, na espécie, dadas as circunstâncias em que perpetrados os crimes, bem como o período em que o paciente permanecera na casa, fora possível às vítimas perceberem as condições da arma utilizada.

HC 94714/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 4.11.2008. (HC-94714)

Progressão de Regime: Lei 11.464/2007 e Lei Penal mais GravosaA Turma, por maioria, deferiu habeas corpus para que o juízo da execução afira se atendidos os requisitos subjetivos

para o deferimento do regime semi-aberto, considerados os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal - LEP. Tratava-

Page 102: STF Penal a Partir de 2008

se, na espécie, de writ em que recapturado — e submetido à regressão para o regime fechado — tivera seu pedido de progressão indeferido, porquanto não cumprira o lapso temporal exigido pela Lei 11.464/2007, a saber: 2/5 da pena, se o condenado for primário, e de 3/5, se reincidente. O paciente requeria a sua transferência de regime ao argumento de que, mesmo depois de sua fuga, já teria cumprido mais de 1/6 da pena (LEP, art. 112). Adotou-se a orientação firmada no julgamento do HC 91631/SP (DJE de 9.11.2007) no sentido de que os critérios de progressão de regime estabelecidos pela Lei 11.464/2007 somente se aplicam — tendo em conta a garantia da irretroatividade da norma penal mais gravosa (CF, art. 5º, XL e CP, art. 2º) — aos fatos ocorridos a partir de sua entrada em vigor (29.3.2007). Enfatizou-se, desse modo, que o crime de homicídio qualificado praticado pelo paciente ocorrera em 1989, antes, inclusive, da publicação do texto original da Lei 8.072/90. Vencido o Min. Marco Aurélio que, ao salientar a supressão do exame criminológico e o atendimento do requisito temporal, concedia a ordem em maior extensão a fim de assegurar a progressão no regime de cumprimento da pena.

HC 94258/SP, rel. Min. Carlos Britto, 4.11.2008. (HC-94258)

Nulidade do Processo e Imparcialidade do Juízo - 1A Turma, por maioria, concedeu, de ofício, habeas corpus impetrado em favor de condenado por atentado violento

ao pudor contra a própria filha, para anular, em virtude de ofensa à garantia da imparcialidade da jurisdição, o processo desde o recebimento da denúncia. Determinou-se a imediata expedição de alvará de soltura do paciente, se por al não estiver preso. No caso, no curso de procedimento oficioso de investigação de paternidade (Lei 8.560/92, art. 2º) promovido pela filha do paciente para averiguar a identidade do pai da criança que essa tivera, surgiram indícios da prática delituosa supra, sendo tais relatos enviados ao Ministério Público. O parquet, no intuito de ser instaurada a devida ação penal, denunciara o paciente, vindo a inicial acusatória a ser recebida e processada pelo mesmo juiz daquela ação investigatória de paternidade. Entendeu-se que o juiz sentenciante teria atuado como se autoridade policial fosse, em virtude de, no procedimento preliminar de investigação de paternidade, em que apurados os fatos, ter ouvido testemunhas antes de encaminhar os autos ao Ministério Público para a propositura de ação penal.

HC 94641/BA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 11.11.2008. (HC-94641)

Nulidade do Processo e Imparcialidade do Juízo - 2Em acréscimo a esses fundamentos, o Min. Cezar Peluso, em voto-vista, concluiu que, na espécie, pelo conteúdo da

decisão do juiz, restara evidenciado que ele teria sido influenciado pelos elementos coligidos na investigação preliminar. Dessa forma, considerou que teria ocorrido hipótese de ruptura da denominada imparcialidade objetiva do magistrado, cuja falta, incapacita-o, de todo, para conhecer e decidir causa que lhe tenha sido submetida. Esclareceu que a imparcialidade denomina-se objetiva, uma vez que não provém de ausência de vínculos juridicamente importantes entre o juiz e qualquer dos interessados jurídicos na causa, sejam partes ou não (imparcialidade dita subjetiva), mas porque corresponde à condição de originalidade da cognição que irá o juiz desenvolver na causa, no sentido de que não haja ainda, de modo consciente ou inconsciente, formado nenhuma convicção ou juízo prévio, no mesmo ou em outro processo, sobre os fatos por apurar ou sobre a sorte jurídica da lide por decidir. Assim, sua perda significa falta da isenção inerente ao exercício legítimo da função jurisdicional. Observou, por último, que, mediante interpretação lata do art. 252, III, do CPP (“ Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:... III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;”), mas conforme com o princípio do justo processo da lei (CF, art. 5º, LIV), não pode, sob pena de imparcialidade objetiva e por conseqüente impedimento, exercer jurisdição em causa penal o juiz que, em procedimento preliminar e oficioso de investigação de paternidade, se tenha pronunciado, de fato ou de direito, sobre a questão. Vencida a Min. Ellen Gracie, relatora, que, no ponto, não conhecia do writ ao fundamento de supressão de instância e o indeferia em relação às demais questões suscitadas.

HC 94641/BA, rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 11.11.2008. (HC-94641)

Maus Antecedentes e Fixação do Regime Inicial do Cumprimento de Pena Afinal são maus antecedentes???A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a alteração do regime inicial de cumprimento de

pena, fechado, para o semi-aberto. A defesa sustentava a impossibilidade de se levar em conta, como antecedente criminal, condenação definitiva ocorrida em data posterior ao fato relativamente ao qual fora condenado o paciente. Na espécie, entendeu-se que a impetração confundira as noções de maus antecedentes com reincidência. Esclareceu-se que maus antecedentes representam os fatos anteriores ao crime, relacionados ao estilo de vida do acusado e, para tanto, não é pressuposto a existência de condenação definitiva. Destarte, a data da condenação seria, pois, irrelevante para a configuração dos maus antecedentes criminais, diversamente do que se verifica em matéria de reincidência. Nesse diapasão, consoante o disposto no art. 33, § 3º, do CP (“Art. 33. ... § 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.”), aduziu-se que a determinação do

Page 103: STF Penal a Partir de 2008

regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar os maus antecedentes criminais (CP, art. 59), não havendo qualquer ilegalidade ou abuso na sentença que impõe o regime fechado à luz da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao condenado. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, que concediam o writ. O primeiro por julgar que a análise dos maus antecedentes deveria ser realizada caso a caso e que, na presente situação, existiria apenas um antecedente criminal. O segundo, ao fundamento de que reputar como maus antecedentes processos penais ou investigações criminais em curso conflitaria com a presunção constitucional de inocência.

HC 95585/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 11.11.2008. (HC-95585)

Competência do Supremo: Desmembramento e Conexão - 1O Tribunal iniciou julgamento de inquérito em que se imputa a magistrados (Ministro do STJ, dois membros do TRF da 2ª Região e um juiz do TRT da 15ª Região) e outros (um procurador regional da República e um advogado, este irmão do aludido Ministro do STJ) a suposta prática dos crimes de quadrilha, corrupção passiva e prevaricação (CP, artigos 288, 317, caput e § 1º, e 319, respectivamente). (...)

Interceptação Telefônica: Fundamentação, Prorrogação e Subsidiariedade - 3Em seguida, também por votação majoritária, o Tribunal afastou as alegações de ilicitude da prova de interceptação

telefônica por falta de fundamentação, inviabilidade da prorrogação e violação da regra da subsidiariedade da prova. Afirmou-se que as decisões estariam devidamente fundamentadas nos termos do art. 93, IX, da CF c/c os artigos 4º e 5º da Lei 9.296/96, e que as interceptações telefônicas foram medidas necessárias e absolutamente imprescindíveis às investigações. Registrou-se que, a cada 15 dias, o relator analisava novamente a conveniência de se mantê-las, tendo, por diversas vezes, excluído linhas, incluído terminais, alterado o foco da investigação, no sentido de corresponder às sugestões e aos requerimentos da autoridade policial e do Procurador-Geral da República, o qual se reportava, a cada novo pedido, aos relatórios da inteligência policial. Considerou-se, também, a orientação fixada pelo Supremo no julgamento o HC 83515/RS (DJU de 4.3.2005), no sentido de ser lícita a prorrogação do prazo para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e o imponha a sua investigação, o que sucedera na espécie. Frisou-se que o prazo máximo de 30 dias para a manutenção da interceptação da comunicação não pode ser injustificadamente alargado, mas pode o magistrado, com outro motivo, e diversa motivação, determinar nova interceptação do mesmo telefone. Repeliu-se, ainda, a assertiva de ofensa ao princípio do juiz natural, por ter o relator determinado, durante o recesso, que as interceptações até então autorizadas não fossem interrompidas, visto que o recesso forense não lhe tiraria a qualidade, a função, nem a competência de relator do caso, pois o Presidente do Tribunal funciona apenas quando o relator não se encontra e, no caso, o relator se encontrava presente. Não se vislumbrou, ademais, na determinação das interceptações, ofensa ao art. 2º, II, da Lei 9.296/96, ao fundamento de que todas as medidas tomadas para apuração dos fatos narrados na denúncia foram sancionadas pela subsidiariedade desse meio para obtenção de prova, sendo óbvio que o envolvimento de magistrados, membros de tribunais, um deles, de Tribunal Superior, implicava a necessidade de se apurar os fatos com rigor perceptivo, de modo que a singularidade e a especificidade da situação demandava um meio excepcional de prova. Enfatizou-se que, sem essas provas, sem indícios mais consistentes, sempre se poderia argüir que se imputava aos ora acusados a mera prática do chamado crime de hermenêutica. Vencido o Min. Marco Aurélio que acolhia a preliminar por entender estar-se diante de prova ilícita, porque extrapolado o prazo de 15 dias, prorrogável por igual prazo, previsto no art. 5º da Lei 9.296/96.

Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 4Prosseguindo, rejeitou-se a preliminar de ilicitude da prova de escuta ambiental, por ausência de procedimento

previsto em lei. Sustentava a defesa que a Lei 9.034/95 não teria traçado normas procedimentais para a execução da escuta ambiental, razão pela qual a medida não poderia ser adotada no curso das investigações. Entendeu-se não proceder a alegação, tendo vista que a Lei 10.217/2001 deu nova redação aos artigos 1º e 2º da Lei 9.034/95, definindo e regulando meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo. Salientou-se o disposto nesse art. 2º, na redação dada pela Lei 10.217/2001 (“Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: ... IV - a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial;”), e concluiu-se pela licitude da escuta realizada, já que para obtenção de dados por meio dessas formas excepcionais seria apenas necessária circunstanciada autorização judicial, o que se dera no caso. Asseverou-se, ademais, que a escuta ambiental não se sujeita, por motivos óbvios, aos mesmos limites de busca domiciliar, sob pena de frustração da medida, e que, não havendo disposição legal que imponha disciplina diversa, basta a sua legalidade a circunstanciada autorização judicial.

Page 104: STF Penal a Partir de 2008

Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Escuta Ambiental e Exploração de Local: Escritório de Advogado e Período Noturno - 5Afastou-se, de igual modo, a preliminar de ilicitude das provas obtidas mediante instalação de equipamento de

captação acústica e acesso a documentos no ambiente de trabalho do último acusado, porque, para tanto, a autoridade, adentrara o local três vezes durante o recesso e de madrugada. Esclareceu-se que o relator, de fato, teria autorizado, com base no art. 2º, IV, da Lei 9.034/95, o ingresso sigiloso da autoridade policial no escritório do acusado, para instalação dos referidos equipamentos de captação de sinais acústicos, e, posteriormente, determinara a realização de exploração do local, para registro e análise de sinais ópticos. Observou-se, de início, que tais medidas não poderiam jamais ser realizadas com publicidade alguma, sob pena de intuitiva frustração, o que ocorreria caso fossem praticadas durante o dia, mediante apresentação de mandado judicial. Afirmou-se que a Constituição, no seu art. 5º, X e XI, garante a inviolabilidade da intimidade e do domicílio dos cidadãos, sendo equiparados a domicílio, para fins dessa inviolabilidade, os escritórios de advocacia, locais não abertos ao público, e onde se exerce profissão (CP, art. 150, § 4º, III), e que o art. 7º, II, da Lei 8.906/94 expressamente assegura ao advogado a inviolabilidade do seu escritório, ou local de trabalho, de seus arquivos e dados, de sua correspondência, e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins, salvo caso de busca ou apreensão determinada por magistrado e acompanhada de representante da OAB. Considerou-se, entretanto, que tal inviolabilidade cederia lugar à tutela constitucional de raiz, instância e alcance superiores quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime concebido e consumado, sobretudo no âmbito do seu escritório, sob pretexto de exercício da profissão. Aduziu-se que o sigilo do advogado não existe para protegê-lo quando cometa crime, mas proteger seu cliente, que tem direito à ampla defesa, não sendo admissível que a inviolabilidade transforme o escritório no único reduto inexpugnável de criminalidade. Enfatizou-se que os interesses e valores jurídicos, que não têm caráter absoluto, representados pela inviolabilidade do domicílio e pelo poder-dever de punir do Estado, devem ser ponderados e conciliados à luz da proporcionalidade quando em conflito prático segundo os princípios da concordância. Não obstante a equiparação legal da oficina de trabalho com o domicílio, julgou-se ser preciso recompor a ratio constitucional e indagar, para efeito de colisão e aplicação do princípio da concordância prática, qual o direito, interesse ou valor jurídico tutelado por essa previsão. Tendo em vista ser tal previsão tendente à tutela da intimidade, da privatividade e da dignidade da pessoa humana, considerou-se ser, no mínimo, duvidosa, a equiparação entre escritório vazio com domicílio stricto sensu , que pressupõe a presença de pessoas que o habitem . De toda forma, concluiu-se que as medidas determinadas foram de todo lícitas por encontrarem suporte normativo explícito e guardarem precisa justificação lógico-jurídico constitucional, já que a restrição conseqüente não aniquilou o núcleo do direito fundamental e está, segundo os enunciados em que desdobra o princípio da proporcionalidade, amparada na necessidade da promoção de fins legítimos de ordem pública. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que acolhiam a preliminar, ao fundamento de que a invasão do escritório profissional, que é equiparado à casa, no período noturno estaria em confronto com o previsto no art. 5º, XI, da CF.

Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Transcrição do Conteúdo Integral das Gravações e Desnecessidade - 6Rejeitou-se, também por maioria, a preliminar de cerceamento de defesa em razão da ausência de transcrição

completa de todas as gravações. Reportou-se ao que decidido no HC 91207 MC/RJ (DJE de 21.9.2007), no sentido da desnecessidade da juntada do conteúdo integral das degravações realizadas nos autos do inquérito, por bastar que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LV). Asseverou-se que a transcrição por escrito de todas as gravações geraria uma quantidade tal de papel que tornaria só a sua leitura mais dificultosa do que a análise dos documentos gravados em mídia eletrônica, num trabalho que levaria anos, o que poderia ensejar, inclusive, a prescrição da pretensão punitiva de todos os crimes teóricos. Além disso, ressaltou-se que todos os defensores receberam a mídia eletrônica de toda a documentação do processo, dos autos principais e do apenso. O Min. Ricardo Lewandowski lembrou, no ponto, que a defesa, após receber cópia integral, em áudio, de todos os diálogos captados mediante as interceptações telefônicas, teve aberto novo prazo para se manifestar. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes, Presidente, que reputavam indispensável a degravação da fita e a feitura da seleção preconizada na lei, expungindo-se o que não interessa à investigação, para ter-se a abertura de oportunidade às partes se defenderem, conhecendo, de forma concreta, numa visão da totalidade, o que existe ou não em termos de elementos probatórios. Por fim, repeliu-se a preliminar de cerceamento de defesa por ausência de laudos dos objetos e documentos apreendidos, haja vista que a denúncia não teria se baseado em nenhum desses laudos faltantes. Após, o julgamento foi suspenso.

Inq 2424/RJ, rel. Min. Cezar Peluso, 19 e 20.11.2008. (Inq-2424)

Inquérito Policial e Direito de Vista

Page 105: STF Penal a Partir de 2008

Constitui direito do investigado o acesso aos autos de inquérito policial ou de ação penal, ainda que tramitem sob “segredo de justiça” ou sob a rubrica de “sigilosos”. Com base nesse entendimento, a Turma superou o Enunciado 691 da Súmula do STF e deferiu habeas corpus para permitir que os pacientes, por intermédio de seus advogados, tenham acesso aos elementos coligidos no inquérito policial, que lhes digam respeito diretamente. Asseverou-se que a oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia abrigada no art. 5º, LXIII, da CF, no qual assegurada ao indiciado a assistência técnica de advogado. Reportou-se, ademais, à orientação firmada pela Corte no HC 88190/RJ (DJU de 6.10.2006) nesse sentido, enfatizando-se que esse direito do causídico, passível de proteção por habeas corpus, limita-se ao acesso às informações relativas ao seu constituinte, não abrangendo aquelas referentes a terceiros eventualmente envolvidos. Outro precedente citado: HC 82354/PR (DJU de 24.9.2004).

HC 94387/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.11.2008. (HC-94387)

Exercício Ilegal de Arte Farmacêutica e Curandeirismo e Necessidade de Laudo Pericial - 1A Turma deferiu habeas corpus para absolver os pacientes da condenação pelos crimes de exercício ilegal de arte

farmacêutica e de curandeirismo (CP, artigos 282 e 284, respectivamente). No caso, foram encontrados em poder dos pacientes substâncias que eles supostamente teriam manipulado com o objetivo de produzir compostos de natureza medicamentosa. Em tal ocasião, fora realizado Laudo de Exame de Local e apreendidos os produtos. Inicialmente, assentou-se a contradição lógico-jurídica intrínseca às condenações impostas aos pacientes, porquanto os delitos imputados excluem-se mutuamente, já que, no crime previsto no art. 282 do CP, exige-se que o agente apresente aptidões ou conhecimentos médicos, ainda que sem a devida autorização legal para exercer o respectivo ofício, enquanto, para se configurar o do art. 284, é necessário que o sujeito ativo seja pessoa inculta ou ignorante. Considerando não se tratar de ato cometido por pessoas rudes, desprovidas de recursos técnicos, mas, sim, por agentes que, mediante diagnóstico e manipulação de substâncias prescreviam “supostos medicamentos” que eles mesmos produziam e comercializavam, e da informação constante da sentença de que as vítimas “tiveram um tratamento típico daqueles que se faz com um médico”, reputou-se errônea a qualificação da conduta no tipo penal de curandeirismo.

HC 85718/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-85718)

Exercício Ilegal de Arte Farmacêutica e Curandeirismo e Necessidade de Laudo Pericial - 2De igual modo, afastou-se a imputação de exercício ilegal de arte farmacêutica, não obstante ausente controvérsia

sobre o fato de os pacientes não serem farmacêuticos. Asseverou-se que esse delito só estaria caracterizado se as substâncias apreendidas fossem autênticos compostos alopáticos, o que dependeria de perícia, não efetuada, não sendo suficiente o Laudo de Exame de Local. No ponto, enfatizou-se que a falta do exame de corpo de delito não poderia ser suprida mediante exame indireto (CPP, art. 167), pois este é cabível apenas nas hipóteses em que os vestígios hajam desaparecido, o que não se dera no caso, pois, de acordo com a sentença, o objeto da prova estava à disposição do juízo que não a produzira. Dessa forma, concluiu-se que a condenação por exercício ilegal de arte farmacêutica, fundada somente nas conclusões do Laudo de Exame do Local, padeceria de nulidade (CPP, art. 564, III, b).

HC 85718/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-85718)

Roubo: Emprego de Arma de Fogo e Causa de AumentoA Turma deferiu, em parte, habeas corpus para afastar a qualificadora prevista no art. 157, § 2º, I, do CP. Tendo em

conta que, no caso, a arma não fora apreendida e nem periciada, entendeu-se que não seria possível aferir seu potencial lesivo, o que não justificaria a incidência da majorante no crime de roubo a que condenado o paciente . Rejeitou-se, ainda, a alegação de nulidade do processo ante a ausência do representante do Ministério Público no interrogatório (CPP, art. 564, III, d). Aduziu-se, no ponto, que seria inconsistente o argumento da impetração no sentido de que, se o parquet tivesse comparecido e feito reperguntas, a defesa do paciente poderia ter sido mais bem exercida.

HC 95142/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 18.11.2008. (HC-95142)

HC N. 92.014-SPRELATOR P/ O ACÓRDÃO: MIN. MENEZES DIREITOEMENTAHabeas corpus. Penal. Paciente condenado pelos crimes de roubo (art. 157 do Código Penal) e corrupção de menor (art. 1º da Lei nº 2.252/54). Menoridade assentada nas instâncias ordinárias. Crime formal. Simples participação do menor. Configuração. 1. As instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor no roubo praticado pelo paciente. Portanto, não cabe a esta Suprema Corte discutir sobre a menoridade já afirmada. 2. Para a configuração do crime de corrupção de menor, previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/54, é desnecessária a comprovação da efetiva corrupção da vítima por se tratar de crime formal que tem como objeto jurídico a ser protegido a moralidade dos menores. 3. Habeas corpus denegado.

* noticiado no Informativo 518

Repasse de Verbas Federais e Convênio Cumprido - 1

Page 106: STF Penal a Partir de 2008

Compete à justiça comum estadual processar e julgar crime de apropriação indébita (CP, art. 168, § 1º, III) de quantia pertencente a fundação de direito privado. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu, por maioria, habeas corpus impetrado em favor de denunciado por suposta apropriação de valores repassados pela União, em decorrência de convênio firmado — para implantação de projeto de ensino de informática em estabelecimentos prisionais em todo o país — entre o Ministério da Justiça e a fundação da qual, à época, presidente. A impetração sustentava a competência da justiça federal para apreciar o feito (CF, art. 109, IV). Na espécie, depois do cumprimento do mencionado convênio, o paciente efetuara saque de vultosa quantia que sobrara na conta bancária da entidade, adquirindo, em proveito próprio, apartamentos, carros e outros bens. A Corte de origem confirmara esse contexto fático e assentara que o Tribunal de Contas da União – TCU aferira a legalidade e legitimidade da avença, informando que o objeto do contrato fora realizado em sua totalidade.

HC 89523/DF, rel. Min. Carlos Britto, 25.11.2008. (HC-89523)

Repasse de Verbas Federais e Convênio Cumprido - 2Salientando a jurisprudência do STF sobre desvio de verbas da União transferidas para outros entes federados ou

pessoas jurídicas de direito privado, o cumprimento integral do que pactuado com a União, bem como a titularidade da conta corrente da qual efetuado o saque, asseverou-se que o dinheiro remanescente não estava mais sujeito a qualquer fiscalização pelo TCU nem tampouco se destinava a custeio de serviço ou atividade de competência da União. Assim, entendeu-se que somente houvera lesão a direito de fundação de direito privado, uma vez que o delito imputado ao paciente tivera por objeto numerário existente em conta dessa mesma entidade, já desvinculado de finalidade relativa ao acordo, o que afastaria a alegação de ofensa a bem, serviço ou interesse da União. Por fim, acrescentou-se que a aludida sobra, conforme indícios apontados pelo tribunal local, teria sua origem provável em superfaturamento de preços, a indicar outro possível crime não impugnado neste processo. O Min. Ricardo Lewandowski indeferiu o writ ao fundamento de que a matéria demandaria dilação probatória, incabível na sede eleita. Vencido o Min. Marco Aurélio que, por reputar configurado dano concreto à coisa pública, tendo em conta que o desvio envolvera metade do valor do objeto contratado, declarava a competência da justiça federal, porque a ela incumbe processar e julgar ações quando o detrimento refere-se a bem da União. Precedentes citados: RE 232093/CE (DJU de 28.4.2000); HC 78728/RS (DJU de 16.4.99); RHC 71419/MT (DJU de 16.6.95).

HC 89523/DF, rel. Min. Carlos Britto, 25.11.2008. (HC-89523)

Livramento Condicional e Exame Criminológico - 2A Turma concluiu julgamento de habeas corpus em que se discutia se o exame criminológico constituiria, ou não,

requisito para a obtenção do benefício de livramento condicional. No caso, a impetração alegava constrangimento ilegal decorrente da ausência de motivação idônea na determinação desse exame, uma vez que essa exigência fora revogada com o advento da Lei 10.792/2003, bem como sustentava o atendimento do requisito de ordem objetiva, porquanto o paciente já teria cumprido mais da metade da pena imposta — v. Informativo 525. Ante o empate na votação, deferiu-se o writ para assegurar a liberdade condicional ao paciente, nos termos que vierem a ser estabelecidos pelo Juízo da Execução. Entendeu-se que, na espécie, a realização do exame criminológico revelar-se-ia extemporânea e inócua, haja vista que já cumprida mais de ¾ da pena a que condenado o paciente (tempo superior ao que estabelecido no art. 83, V, do CP) e que o laudo daquele resultante, tendo em conta a situação do sistema carcerário do Estado, não seria concluído antes do cumprimento integral da pena restritiva de liberdade, o que acontecerá dentro de poucos meses. Ademais, asseverou-se que, em princípio, o paciente preencheria as condições objetivas, reconhecidas pelo STJ, e as subjetivas, representadas por atestados de boa conduta carcerária. Enfatizou-se, ainda, que os sentenciados têm direito à razoável duração dos processos administrativos e judiciais (CF, art. 5º, LXXVIII). Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Menezes Direito que denegavam a ordem ao fundamento de não haver ilegalidade na imposição do exame criminológico, desde que fundamentada a decisão, salientando a possibilidade de sua adoção para a concessão do livramento condicional.

HC 93108/SP, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, rel. p/ o acórdão Min. Ricardo Lewandowski, 25.11.2008. (HC-93108)

Pirataria: Duplicidade de Procedimentos e Coisa Julgada - 1A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pleiteia, sob a alegação de ofensa à coisa julgada, o

trancamento de ação penal instaurada em desfavor do paciente pela suposta prática do delito previsto no art. 184, § 2º, do CP (“Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: § 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.”). No caso, o paciente fora surpreendido expondo à venda produtos com marca falsificada e, no curso do processo criminal, o Ministério Público requerera a instauração de inquérito policial para apurar possível crime contra registro de marcas (Lei 9.279/96, art. 189), sem prejuízo da continuidade da ação penal já em trâmite. Entretanto, esse inquérito fora arquivado, em virtude da extinção

Page 107: STF Penal a Partir de 2008

da punibilidade do fato, pois não ajuizada queixa-crime no prazo legal. Por esse motivo, a impetração aduz que o processo em curso possui como objeto os mesmos fatos examinados no inquérito arquivado e sustenta, em síntese, que: a) a referência a tipo penal diverso não elide a coisa julgada por idênticos fatos; b) a coisa julgada se sobrepõe à discussão relativa à litispendência e à prevenção; c) o juiz que extinguira a punibilidade tinha amplos poderes para apreciar a conduta do paciente; d) o próprio parquet pedira a declaração da extinção da punibilidade; e) a eventual nulidade da decisão extintiva da punibilidade não poderia afastar a coisa julgada, sob pena de se efetivar revisão criminal contrária ao agente, não admitida em nosso ordenamento.

HC 94982/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.11.2008. (HC-94982)

Pirataria: Duplicidade de Procedimentos e Coisa Julgada - 2A Min. Cármen Lúcia, relatora, deferiu o writ para determinar o arquivamento da ação penal em relação ao paciente.

De início, ressaltou que, conforme manifestação do órgão do Ministério Público pelo arquivamento do aludido inquérito, não existiria dúvida quanto à identidade dos fatos, mas sim divergência quanto a sua classificação jurídica e a natureza da ação penal. Assim, o promotor oficiante pronunciara-se sobre os mesmos fatos e reputara, no exercício de sua independência funcional, que a tipificação dos fatos e a natureza da ação penal seriam outras, requerendo, em conseqüência, o arquivamento do feito, pela extinção da punibilidade do fato, o que fora acolhido pelo magistrado. Citou, no ponto, jurisprudência do STF no sentido de que o pedido de arquivamento de inquérito policial, quando se baseie na extinção da punibilidade, não é de atendimento compulsório, mas deve ser resultado de decisão do órgão judicial competente, dada a possibilidade da formação de coisa julgada material. Desse modo, asseverou que se tem concluído pela ocorrência da coisa julgada material ainda que o arquivamento tenha ocorrido após manifestação de novo representante do parquet, a partir de reinterpretação e nova qualificação dos mesmos fatos, pouco importando se a decisão tenha sido proferida por órgão jurisdicional incompetente ou se entre membros de diversos Ministérios Públicos . Daí observação de que, na espécie, o pedido de arquivamento fora solicitado por membro do mesmo Ministério Público. Acrescentou, ainda, que o reconhecimento da coisa julgada inspira-se no princípio da segurança jurídica, o qual tem peculiar relevo no campo penal, e que a circunstância de a extinção da punibilidade ter sido feita por decisão que reconhecera a decadência (CP, art. 107) não alteraria a ocorrência da coisa julgada. Por fim, enfatizou que, em razão da superveniência da Lei 11.719/2008, passou-se a reconhecer a extinção da punibilidade, independentemente de sua causa, como hipótese de absolvição sumária (CPP, art. 397). Após, pediu vista dos autos o Min. Ricardo Lewandowski.

HC 94982/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.11.2008. (HC-94982)

Substituição da Pena e Reincidência GenéricaA Turma deferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado por portar

cédulas falsas (CP, art. 289, § 1º), cujo pleito de conversão da pena corporal por restritiva de direitos fora denegado em virtude da existência de condenação anterior pelo crime de tráfico de drogas (Lei 6.368/76, art. 12). Na ocasião, o magistrado de 1º grau entendera que a condição de reincidente do réu obstaria a concessão desse benefício legal, nos termos do art. 44, II, do CP (“Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: ... II - o réu não for reincidente em crime doloso;”). Asseverou-se que, na espécie, tratar-se-ia de reincidência genérica, na qual cabível, em tese, a substituição pretendida, tendo em conta o que disposto no § 3º do mencionado art. 44 do CP (“§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.”). Ordem concedida para que o juízo monocrático profira nova decisão, desta feita, fundamentada, no que tange à reincidência genérica do paciente e, consequentemente, à eventual possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos.

HC 94990/MG, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.12.20008. (HC-94990)

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 1A Turma deferiu habeas corpus para restabelecer decisão que concedera livramento condicional ao paciente. No

caso, beneficiado com a progressão de regime prisional, o paciente fugira, apresentando-se espontaneamente meses depois. Por conseguinte, o juízo das execuções criminais decretara a regressão do paciente para o regime semi-aberto e, em momento posterior, a ele deferira pedido de liberdade condicional, ao reputar já cumpridos 1/3 do total da pena, bem como presente satisfatória conduta carcerária (CP, art. 83). O Ministério Público, então, interpusera agravo de execução, rejeitado, o que ensejara a apresentação de recurso especial, provido monocraticamente, para fixar a data de recaptura do paciente como termo inicial para o cálculo do lapso temporal do livramento condicional.

HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

Page 108: STF Penal a Partir de 2008

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 2Inicialmente, esclareceu-se que a questão debatida, na espécie, consistiria em saber se a falta grave poderia ser

utilizada como data-base para novo cômputo do prazo para a concessão do referido benefício. Aduziu-se que o livramento condicional constitui, para maior respeito à finalidade reeducativa da pena, a última etapa de execução penal, o qual está marcado pela idéia de liberdade responsável do condenado, de modo a lhe permitir maior possibilidade de reinserção social (Lei 7.210/84, art. 1º). No ponto, salientou-se que o fim socialmente regenerador da sanção criminal, previsto nesse art. 1º da Lei de Execução Penal - LEP, alberga um critério de interpretação das demais disposições dessa mesma lei, aproximando-se da Constituição, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (art. 1º, II e III). Tendo em conta tais premissas, afirmou-se que a LEP institui amplo sistema de deveres, direitos e disciplina carcerárias (LEP, artigos 50 e 53), sendo que, para o restabelecimento desta última, a aplicação de sanção administrativa não é a única conseqüência da prática de falta grave. Possível também a determinação judicial de regressão de regime prisional, cuja nova progressão dependerá do cumprimento de 1/6 da pena, no regime em que se encontre o condenado (LEP, art. 112).

HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

Livramento Condicional: Falta Grave e Data-Base - 3Contudo, entendeu-se que a situação dos autos seria diversa, pois não se tratava de progressão, mas de concessão de

livramento condicional (CP, art. 83). Relativamente a este benefício, destacou-se que o seu requisito temporal é aferido a partir da quantidade de pena efetivamente cumprida, a qual não sofre alteração com eventual cometimento de falta grave, uma vez que o tempo de pena já cumprido não pode ser desconsiderado. Assim, na hipótese de fuga, o período em que o paciente esteve foragido não será computado como tempo de pena cumprida. Concluiu-se, dessa forma, que a relatora do recurso especial, à revelia dos enunciados legais, criara novo lapso temporal para a liberdade condicional para condenado com bons antecedentes (cumprimento de mais um período de 1/3 da pena). Os Ministros Menezes Direito e Carmén Lúcia deferiram o writ, por considerar que, no presente caso, o juiz examinara, nos termos do art. 83 do CP, os requisitos subjetivos e objetivos para a concessão do livramento condicional. Por fim, cassou-se a decisão monocrática proferida no recurso especial.

HC 94163/RS, rel. Min. Carlos Britto, 2.12.2008. (HC-94163)

Lesão Corporal Leve e Princípio da InsignificânciaA Turma deferiu habeas corpus para declarar atípica a conduta de militar que desferira um único soco contra seu

colega, também militar, após injusta provocação, absolvendo-o da imputação de lesão corporal leve (CPM, art. 209). Assentou-se que o desferimento de um único soco, após injusta provocação da vítima, tal como reconhecido pela sentença (CPM, 209, § 4º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço ”), permitiria, por suas características, a aplicação do princípio da insignificância.

HC 95445/DF, rel. Min. Eros Grau, 2.12.2008. (HC-95445)

Decisão Monocrática e Princípio da ColegialidadeA Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra decisão de Ministro do STJ que denegara pedido de liminar

formulado em idêntica medida, no qual argüida ilegalidade da manutenção de adolescente em medida sócio-educativa de internação, por prazo indeterminado, pela prática de ato infracional equiparado ao delito previsto no art.157, § 2º, I e II, do CP. A impetração requeria, na espécie, a substituição da medida de internação pela de liberdade assistida, por reputá-la mais adequada. Contudo, por se vislumbrar ofensa ao princípio da colegialidade, concedeu-se a ordem de ofício para haver o julgamento do mérito pelo colegiado do STJ. Entendeu-se que, não obstante seja possível ao relator, em decisão monocrática, negar seguimento a habeas corpus manifestamente incabível, improcedente ou que contrariar, nas questões predominantemente de direito, Súmula do respectivo tribunal (Lei 8.038/90, art. 38), no caso, não caberia ao relator naquela Corte apreciar o mérito do tema posto para negar seguimento ao writ.

HC 96073/MT, rel. Min. Cármen Lúcia, 9.12.2008. (HC-96073)

Exame de DNA e Direito de LocomoçãoA Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para que a recorrente não seja obrigada a se deslocar

a outra unidade da federação, às suas próprias expensas, com o propósito de realizar exame de DNA. Na espécie, nos autos de ação de investigação de paternidade promovida em face da recorrente e de seus irmãos, fora expedida ordem judicial a fim de determinar que a recorrente se submetesse à coleta de material para o citado exame na comarca em que domiciliado o autor daquela ação. Inicialmente, aduziu-se que a ora recorrente não se opusera à realização do exame de DNA, mas se

Page 109: STF Penal a Partir de 2008

insurgira quanto ao fato de ter que viajar para outro Estado-membro a fim de efetivar providência que poderia ser feita na comarca onde mora. Ressaltando tratar-se de situação fronteiriça, considerou-se que o caso seria de impetração de habeas corpus, porquanto se objetivava garantir a liberdade de ir, vir e ficar (não se locomover).

RHC 95183/BA, rel. Min. Cármen Lúcia, 9.12.2008. (RHC-95183)

Atos Decisórios: Ratificação e Órgão Incompetente - 1A Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a anulação da decisão de Juíza Federal do TRF da 3ª Região

que convalidara monocraticamente o recebimento da denúncia oferecida em desfavor da paciente e de terceiro pela suposta prática do delito de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98, art. 1º, V e VII, e § 4º). A defesa sustentava que o ato de recebimento da peça acusatória em ação penal de competência originária de Tribunal não poderia ser ratificado em face de sua natureza de decisão interlocutória mista. Aduzia, ainda, que, se eventualmente viável tal convalidação, essa deveria ocorrer de modo colegiado, requerendo, subsidiariamente, a ratificação da peça acusatória pelo Órgão Especial daquela Corte. No caso, após o feito ter sido distribuído, na origem, por prevenção, impetrara-se habeas corpus no STJ, o qual determinara que a distribuição ocorresse de forma livre, cabendo ao relator decidir a respeito da ratificação ou não dos atos decisórios já realizados anteriormente. Destarte, em conformidade com tal acórdão, efetuara-se a livre distribuição da ação penal, sendo ratificados, pela nova relatora, todos os atos decisórios praticados. Contra essa decisão, fora impetrado novo writ no STJ, que o indeferira ao fundamento de que o TRF apenas cumprira ordem antes prolatada, o que dera azo ao presente habeas corpus.

HC 94372/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 9.12.2008. (HC-94372)

Atos Decisórios: Ratificação e Órgão Incompetente - 2Assentou-se que o STF, hodiernamente, vem admitindo a ratificação dos atos decisórios praticados por órgão

jurisdicional absolutamente incompetente. Ademais, enfatizou-se que o STJ, no julgamento do primeiro habeas, não determinara a anulação dos atos decisórios praticados antes da livre distribuição da ação penal, mas apenas ordenara que o feito fosse livremente distribuído, fazendo, inclusive, expressa menção de caber ao relator decidir a respeito da ratificação ou não dos atos decisórios já procedidos. Nesse diapasão, mencionou-se que, no acórdão impugnado, o mesmo STJ consignara haver o TRF da 3ª Região cumprido, tão-somente, anterior decisão sua. No que tange ao argumento de que o colegiado deveria convalidar o ato de recebimento da denúncia, aduziu-se que o Órgão Especial do TRF da 3ª Região recebera a inicial acusatória, sendo que somente a ratificação dessa peça se dera monocraticamente. Concluiu-se, por fim, que, a prevalecer a tese da impetração, a denúncia seria, novamente, submetida ao mesmo colegiado, o qual se pronunciara pelo recebimento da denúncia. Precedentes citados: RE 464894 AgR/PI (DJE de 15.8.2008) e HC 88262/SP (DJU de 30.3.2007).

HC 94372/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 9.12.2008. (HC-94372)

HC N. 92.893-ESRELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKIEMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRESIDÊNCIA DE INQUÉRITO. IMPEDIMENTO DO MAGISTRADO. INOCORRÊNCIA. ART. 255 do CPP. ROL TAXATIVO. PRECEDENTES. JUIZADO DE INSTRUÇÃO. INOCORRÊNCIA. INCOMPATIBILIDADE DO ART. 75 DO CPP COM A CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ORDEM DENEGADA.I - As hipóteses de impedimento elencadas no art. 252 do Código de Processo Penal constituem um numerus clausus.II - Não é possível, pois, interpretar-se extensivamente os seus incisos I e II de modo a entender que o juiz que atua em fase pré-processual desempenha funções equivalentes ao de um delegado de polícia ou membro do Ministério Público. Precedentes.III - Não se adotou, no Brasil, o instituto acolhido por outros países do juizado de instrução, no qual o magistrado exerce, grosso modo, as competências da polícia judiciária.IV - O juiz, ao presidir o inquérito, apenas atua como um administrador, um supervisor, não exteriorizando qualquer juízo de valor sobre fatos ou questões de direito que o impeça de atuar com imparcialidade no curso da ação penal.V - O art. 75 do CPP, que adotou a regra da prevenção da ação penal do magistrado que tiver autorizado diligências antes da denúncia ou da queixa não viola nenhum dispositivo constitucional.VI - Ordem denegada.

* noticiado no Informativo 522HC N. 94.770-RSREL. P/ O ACÓRDÃO: MIN. EROS GRAUEMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. TENTATIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. OCULTA COMPENSATIO.1. A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística.2. Princípio que se presta a beneficiar as classes subalternas, conduzindo à atipicidade da conduta de quem comete delito movido por razões análogas às que adota São Tomás de Aquino, na Suma Teológica, para justificar a oculta compensatio. A conduta do paciente não excede esse modelo.3. O paciente se apropriou de um violão cujo valor restou estimado em R$ 90.00 [noventa reais]. O direito penal não deve se ocupar de condutas que não causem lesão significativa a bens jurídicos relevantes ou prejuízos importantes ao titular do bem tutelado, bem assim à integridade da ordem social.Ordem deferida.

Page 110: STF Penal a Partir de 2008

Excesso de Prazo e Internação ProvisóriaPor considerar que a internação provisória extrapolaria, em muito, o prazo assinalado pelo art. 108 do Estatuto da

Criança e do Adolescente - ECA, de modo a afastar a excepcionalidade própria da restrição preventiva da liberdade, assumindo a feição de punição antecipada, a Turma, em votação majoritária, superou o Enunciado 691 da Súmula do STF e deferiu habeas corpus impetrado em favor de menor cuja apreensão ocorrera em 11.7.2007 (ECA: “Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.”). De início, ressaltou-se que o feito encontrar-se-ia na fase de defesa prévia, quando da concessão de medida liminar (3.4.2008) pelo Min. Carlos Britto, relator, sem que a demora na prestação jurisdicional pudesse ser imputada à defesa ou à complexidade da causa. Tendo isso em conta, asseverou-se que deveriam ser sopesados, de um lado, os valores constitucionais do exercício do poder-dever de julgar (art. 5º, XXXV) e, de outro, o direito subjetivo à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII), sobretudo quando em jogo a liberdade de locomoção daqueles a quem a Constituição assegura o mais amplo acesso aos direitos de prestação positiva e um particular conjunto normativo-protetivo (artigos 227 e 228). Vencidos os Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski relativamente ao conhecimento do writ. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de aguardar, em liberdade assistida, o julgamento da ação.

HC 93784/PI, rel. Min. Carlos Britto, 16.12.2008. (HC-93784)

Recaptura: Condenação por Crime Posterior e Data-BaseA Turma deferiu habeas corpus para que seja mantida a data da recaptura do paciente como termo inicial para a

concessão de benefícios prisionais. Discutia-se qual seria a data-base para o reinício da contagem dos prazos para os fins de progressão de regime e de deferimento de outras benesses: se a data da unificação das penas ou a da recaptura. Na espécie, o paciente cumpria pena em regime semi-aberto quando se evadira, sendo capturado posteriormente, o que implicara a regressão de regime e a interrupção do lapso temporal para a obtenção de novos benefícios. Ocorre que, durante o tempo em que estivera foragido, o paciente cometera outro crime, vindo o juízo das execuções criminais a unificar as penas impostas e a estabelecer essa data como marco inicial para obtenção da progressão de regime. Esse posicionamento fora mantido pelo STJ que, ao prover recurso especial do Ministério Público, reformara acórdão da Corte local, em que adotado o dia da recaptura do paciente como data-base. Daí a impetração do presente writ pela defesa. Inicialmente, enfatizou-se que a prática de falta grave acarreta as sanções de regressão de regime e de reinício do lapso temporal para o cálculo de benefício. Aduziu-se, em seguida, que o STF possui jurisprudência consolidada no sentido de que a data-base para a recontagem de prazo para a concessão de progressão de regime é a do cometimento da última infração disciplinar grave ou, em caso de fuga, da recaptura. Nesse sentido, asseverou-se que o advento de uma condenação superveniente à reunificação de penas não altera o entendimento de se considerar a recaptura como marco inicial para o gozo de benefícios, desde que a nova condenação não implique regime de cumprimento de pena mais gravoso. Determinou-se, por fim, que, mantida a data da recaptura do paciente como data-base, seja observada a detração do período de pena cumprido anteriormente, nos termos do que dispõe o art. 111 da Lei de Execução Penal - LEP.

HC 95367/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 16.12.2008. (HC-95367)

Impedimento de Magistrado e Nulidade Absoluta Por vislumbrar ofensa ao art. 252, III, do CPP (“Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em

que: ... III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;”), a Turma deferiu, parcialmente, habeas corpus impetrado em favor de nacional alemão contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida ao fundamento de que o paciente não conseguira infirmar os motivos em que embasados o decreto de expulsão contra ele formulado. A defesa pleiteava a revogação do aludido decreto — expedido ante a condenação do paciente por tráfico internacional de entorpecentes —, bem como do ato de cancelamento de seu visto. Reiterava, para tal fim, as alegações de ofensa ao princípio do devido processo legal e de incompetência do Ministro da Justiça para decidir sobre a expulsão de estrangeiros por delegação do Presidente da República. Declarou-se insubsistente o julgamento realizado no STJ, tendo em conta o fato de o Ministro-relator naquela Corte haver desempenhado, no TRF da 2ª Região, a função de juiz-relator de apelação interposta pelo ora paciente no processo em que condenado e que resultara na sua expulsão. Determinou-se, por conseguinte, o retorno dos presentes autos ao tribunal a quo para que seja realizado novo julgamento, sem a participação do aludido Ministro.

HC 96774/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 16.12.2008. (HC-96774)

Crime de Responsabilidade: Permanência no Cargo e Condição de Procedibilidade - 1A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em favor de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da

Paraíba denunciado pela suposta prática dos delitos de quebra da ordem cronológica de apresentação de precatórios (CF, art. 100, § 6º), de atuação em processo no qual seria suspeito por alegada amizade íntima (Lei 1.079/50, art. 39, 2), e de

Page 111: STF Penal a Partir de 2008

crime de prevaricação (CP, art. 319), todos ocorridos enquanto exercia as funções de presidente daquela Corte. Requer a impetração em síntese: a) que seja decretada a extinção da punibilidade quanto ao crime de responsabilidade, na medida em que a permanência no cargo de presidente de tribunal deve ser interpretada como condição de procedibilidade para o recebimento da denúncia; b) que seja reconhecida a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal da peça acusatória, nos termos do art. 41-A da Lei 1.079/50, uma vez que, diante da natureza distinta das infrações tipicamente penais e os denominados crimes de responsabilidade, esses não poderiam ter sido cumulados na persecução penal; c) no que se refere ao crime de prevaricação (CP, art. 319), que seja o delito classificado como infração de menor potencial ofensivo, para, deste modo, sujeitar-se à possibilidade de oferecimento de transação penal pelo parquet.

HC 87817/PB, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2008. (HC-87817)

Crime de Responsabilidade: Permanência no Cargo e Condição de Procedibilidade - 2O Min. Gilmar Mendes, relator, deferiu parcialmente a ordem e trancou a ação penal no que tange à acusação de

crime de responsabilidade. Entendeu que, de fato, nos exatos termos do § 6º do art. 100 da CF, o crime de responsabilidade somente poderia ser praticado por presidente de tribunal, não se admitindo que a pessoa do desembargador, que antes desempenhara as funções correspondentes, sofresse, portanto, as sanções impostas no art. 2º da Lei dos Crimes de Responsabilidade, por expressa determinação legal, contida em seu próprio art. 42 (“ A denúncia só poderá ser recebida se o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo ”) , nisso se considerando haver deixado definitivamente o cargo de presidente antes do recebimento da denúncia, como no caso concreto. Assim, ao indicar o descabimento do processo e julgamento por crime de responsabilidade, quer por ausente condição de procedibilidade, quer por haver o próprio STJ rejeitado a denúncia quanto ao delito previsto no art. 39, 2, da Lei 1.079/50, assentou o prejuízo do exame da questionada ilegitimidade ativa do MPF para a simultânea propositura da ação penal por crime de responsabilidade e por crime comum.

HC 87817/PB, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2008. (HC-87817)

Crime de Responsabilidade: Permanência no Cargo e Condição de Procedibilidade - 3No tocante ao delito de prevaricação, aduziu que, em princípio, seria possível a incidência do instituto da transação

penal, porquanto a pena máxima cominada em abstrato, aplicável ao tipo, é de 1 ano. Todavia, tendo em conta as informações prestadas por Ministra do STJ, concluiu que a transação penal não fora proposta pelo parquet, e, tampouco, requerida pela defesa. Nesse diapasão, ressaltou que a transação penal, tal qual consubstanciada no art. 72 da Lei 9.099/95, constitui providência cabível exclusivamente na fase pré-processual, colocada à disposição tanto da parte acusatória — que pode propô-la — quanto pela defesa — a quem cabe reclamá-la. Ocorre que, na presente situação, o órgão acusador silenciara em ofertar a transação e o denunciado nada requerera no tempo certo, resultando preclusa a possibilidade de sua aplicação, devendo a ação, nesse ponto, ter seu devido prosseguimento. O Min. Joaquim Barbosa, no que concerne ao crime de responsabilidade, iniciou divergência por reputar que a questão de procedibilidade continua atendida, eis que o desembargador permanece no exercício de cargo de desembargador. Enfatizou que, na verdade, o que se está criando, de maneira oblíqua, é uma generosa modalidade de extinção da punibilidade, bastando que o indivíduo pratique determinado crime na presidência de tribunal e em seguida deixe a presidência para não responder por esse crime. Após, o Min. Cezar Peluso pediu vista.

HC 87817/PB, rel. Min. Gilmar Mendes, 16.12.2008. (HC-87817)

Defensor Público - Intimação Pessoal - Sustentação Oral (Transcrições)

HC 96958-MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. DEFENSOR PÚBLICO QUE FOI INJUSTAMENTE IMPEDIDO DE FAZER SUSTENTAÇÃO ORAL, POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL QUANTO À DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELOS PACIENTES. CONFIGURAÇÃO DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. NULIDADE DO JULGAMENTO. LIMINAR DEFERIDA.- A sustentação oral - que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância - compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento de apelação criminal, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa - que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa - enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (Apenso, fls. 91):

“PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO DA SESSÃO DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE. ARGÜIÇÃO TARDIA. PRECLUSÃO. ORDEM DENEGADA.

Page 112: STF Penal a Partir de 2008

1. A ausência de intimação pessoal de defensor público para a sessão de julgamento de recurso criminal é causa de nulidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

2. Hipótese em que, mesmo tendo o defensor público sido intimado pessoalmente do acórdão proferido no julgamento da apelação, quedou-se inerte a defesa em oferecer, tempestivamente, a indispensável impugnação, apresentando-a após o trânsito em julgado do ‘decisum’, motivo pelo qual tem-se por sanada a alegada nulidade, em virtude da preclusão.

3. Ordem denegada.”(HC 106.930/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA - grifei)

Alega-se, na presente sede processual, que o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não poderia ter julgado, sem a prévia intimação pessoal da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o recurso de apelação interposto pelos ora pacientes.

Busca-se, pois, nesta impetração, a concessão de ordem, “para, reconhecendo o constrangimento ilegal, ser anulada a ação penal, desde o indevido julgamento da apelação, para que outro julgamento seja proferido” (fls. 07).

Entendo que se mostra densa a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida, seja examinando-se a postulação quanto à necessidade de intimação pessoal do Defensor Público, seja quanto à essencialidade do direito de fazer sustentação oral perante os Tribunais nas hipóteses previstas na legislação processual ou nos regimentos internos das Cortes judiciárias.

Cumpre rememorar, desde logo, quanto ao primeiro fundamento desta impetração, que o próprio ordenamento positivo brasileiro torna imprescindível a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente (CPP, art. 370, § 4º, na redação dada pela Lei nº 9.271/96) e reafirma a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC nº 80/94, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I), inclusive dos Defensores Públicos dos Estados-membros (LC nº 80/94, art. 128, I; Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei nº 7.871/89).

A exigência de intimação pessoal do Defensor Público e do Advogado dativo, notadamente em sede de persecução penal (HC   82.315/SP , Rel. Min. ELLEN GRACIE), atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o nosso estatuto fundamental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa, em procedimento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional do “due process of law”.

É por tal razão que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal reconhecem que a falta de intimação pessoal, nas hipóteses legais referidas,

qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta (HC 81.342/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 83.847/PE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - RHC 85.443/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“‘HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO ANULADO PARA QUE OUTRO SEJA PROLATADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 prevê a necessidade de intimação pessoal do Defensor Público de todos os atos do processo, sem a qual, acarreta nulidade do acórdão prolatado.

2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que é desnecessária a comprovação do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada.

3. Ordem concedida, para que, após a regular intimação do defensor público, proceda-se a novo julgamento.”(HC 89.190/MS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - grifei)

“AÇÃO PENAL. Defensor público. Defensoria pública do Estado. Assistência judiciária. Sentença condenatória confirmada em grau de apelação. Recurso especial não admitido. Intimação pessoal do procurador. Não realização. Intimação recebida por pessoa contratada para prestar serviços à Defensoria. Agravo de instrumento não conhecido. Prazo recursal que, todavia, não se iniciou. Nulidade processual reconhecida. HC concedido. Ofensa ao art. 5°, § 5°, da Lei n° 1.060/50, e art. 128, I, da Lei Complementar n° 80/94, e art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. Precedentes. É nulo o processo penal desde a intimação do réu que não se fez na pessoa do defensor público que o assiste na causa.”(HC 85.946/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)

A ratio subjacente à necessidade de intimação pessoal do Advogado dativo ou, como na espécie, do Defensor Público objetiva viabilizar o exercício, pelo réu, do seu direito à plenitude de defesa, cujo alcance concreto abrange, dentre outras inúmeras prerrogativas, o direito de sustentar, oralmente, as razões de seu pleito, inclusive perante os Tribunais em geral.

Não constitui demasia registrar, por isso mesmo, que a sustentação oral, por parte de qualquer réu, compõe, segundo entendo, o estatuto constitucional do direito de defesa (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A sustentação oral, notadamente em sede processual penal, qualifica-se como um dos momentos essenciais da defesa. Na realidade, tenho para mim que o ato de sustentação oral compõe, como já referido, o estatuto constitucional do direito de defesa, de tal modo que a indevida supressão dessa prerrogativa jurídica (ou injusto obstáculo a ela oposto) pode afetar, gravemente, um dos direitos básicos de que o acusado - qualquer acusado - é titular, por efeito de expressa determinação constitucional.

Esse entendimento apóia-se em diversos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte (RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD - HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.), valendo referir, na linha dessa orientação, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

“(...) A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração desse direito afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa - que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa -, quando configurado, enseja a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.”(RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

No caso, o exame dos autos revela que a inclusão em pauta da apelação criminal interposta pelos ora pacientes não constituiu objeto da necessária intimação pessoal do Defensor Público que lhes dava patrocínio técnico, o que frustrou, injustamente, o exercício, por eles, do direito de sustentar oralmente, por intermédio de seu defensor, perante o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, as razões do recurso interposto.

Todos os fundamentos que venho de expor conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzida pela parte impetrante.

Concorre, de outro lado, na espécie, situação configuradora do “periculum in mora”, em razão de os ora pacientes estarem sofrendo verdadeira execução provisória da sanção penal que lhes foi imposta.

Page 113: STF Penal a Partir de 2008

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender , cautelarmente, a execução da pena restritiva de direitos em que se converteu a pena de reclusão imposta nos autos do Processo-crime nº 657/02 (14ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP).

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 106.930/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal com Revisão nº 975.674.3/1-00) e ao Senhor Juiz de Direito da 14ª Vara Criminal da comarca de São Paulo/SP (Processo-crime nº 657/02).

Publique-se.Brasília, 19 de dezembro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator

*decisão publicada no DJE de 3.2.2009

Proibição Legal de Liberdade Provisória - Lei de Drogas - Restrição Constitucional (Transcrições)

HC 96715-MC/SP*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. VEDAÇÃO LEGAL ABSOLUTA, EM CARÁTER APRIORÍSTICO, DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEI DE DROGAS (ART. 44). INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS POSTULADOS CONSTITUCIONAIS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, DO “DUE PROCESS OF LAW”, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA PROPORCIONALIDADE. O SIGNIFICADO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, VISTO SOB A PERSPECTIVA DA “PROIBIÇÃO DO EXCESSO”: FATOR DE CONTENÇÃO E CONFORMAÇÃO DA PRÓPRIA ATIVIDADE NORMATIVA DO ESTADO. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: ADI 3.112/DF (ESTATUTO DO DESARMAMENTO, ART. 21). CARÁTER EXTRAORDINÁRIO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE INDIVIDUAL. NÃO SE DECRETA PRISÃO CAUTELAR, SEM QUE HAJA REAL NECESSIDADE DE SUA EFETIVAÇÃO, SOB PENA DE OFENSA AO “STATUS LIBERTATIS” DAQUELE QUE A SOFRE. EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA: FATOR QUE, POR SI SÓ, NÃO AUTORIZA A PRISÃO PREVENTIVA. IRRELEVÂNCIA, PARA EFEITO DE CONTROLE DA LEGALIDADE DO DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR, DE EVENTUAL REFORÇO DE ARGUMENTAÇÃO ACRESCIDO POR TRIBUNAIS DE JURISDIÇÃO SUPERIOR. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 255):

“PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. VEDAÇÃO LEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.

1. O inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal estabelece que o tráfico ilícito de entorpecentes constitui crime inafiançável.2. Não sendo possível a concessão de liberdade provisória com fiança, com maior razão é a não-concessão de liberdade provisória sem

fiança.3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é

fundamento suficiente para o indeferimento da liberdade provisória (HC 76.779/MT, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 4/4/08).4. A Lei 11.343/06, expressamente, fez constar que o delito de tráfico de drogas é insuscetível de liberdade provisória.5. Conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições pessoais favoráveis à paciente – tais como primariedade, bons

antecedentes, endereço certo, família constituída ou profissão lícita – não garantem o direito à revogação da custódia cautelar, quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal.

6. Ordem denegada.”(HC 113.558/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA – grifei)

O E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o pedido de “habeas corpus”, justificou a medida excepcional da prisão cautelar ora questionada, dentre outros argumentos, sob o de que “(...) a Lei 11.343/06, expressamente, fez constar que o delito de tráfico de drogas é insuscetível de liberdade provisória (...)” (grifei).

Sendo esse o contexto, passo a apreciar o pedido de medida liminar.E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, a meu juízo, o

acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelos ora impetrantes, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa.

Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, ‘caput’ e § 1º e 34 a 37 desta Lei”.

Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal (ROGÉRIO SANCHES CUNHA, “Da Repressão à Produção Não Autorizada e ao Tráfico Ilícito de Drogas”, “in” LUIZ FLÁVIO GOMES (Coord.), “Lei de Drogas Comentada”, p. 232/233, item n. 5, 2ª ed., 2007, RT”; FLÁVIO OLIVEIRA LUCAS, “Crimes de Uso Indevido, Produção Não Autorizada e Tráfico Ilícito de Drogas – Comentários à Parte Penal da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006”, “in” MARCELLO GRANADO (Coord.), “A Nova Lei Antidrogas: Teoria, Crítica e Comentários à Lei nº 11.343/06”, p. 113/114, 2006, Editora Impetus”; FRANCIS RAFAEL BECK, “A Lei de Drogas e o Surgimento de Crimes ‘Supra-hediondos’: uma necessária análise acerca da aplicabilidade do artigo 44 da Lei nº 11.343/06", “in” ANDRÉ LUÍS CALLEGARI e MIGUEL TEDESCO WEDY (Org.), “Lei de Drogas: aspectos polêmicos à luz da dogmática penal e da política criminal”, p. 161/168, item n. 3, 2008, Livraria do Advogado Editora”, v.g.).

Page 114: STF Penal a Partir de 2008

Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.

A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), tinha a seguinte redação:

“Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.” (grifei)

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.

Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei nº 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:

“(...) V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ‘ex lege’, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente.” (grifei)

Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei nº 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, “a priori”, em caráter abstrato, a impedir, desse modo, que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.

Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini, “Crime Organizado”, p. 171/178, item n. 4, 2ª ed., 1997, RT; GERALDO PRADO e WILLIAM DOUGLAS, “Comentários à Lei contra o Crime Organizado”, p. 87/91, 1995, Del Rey; ROBERTO DELMANTO JUNIOR, “As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração”, p. 142/150, item n. 2, “c”, 2ª ed., 2001, Renovar e ALBERTO SILVA FRANCO, “Crimes Hediondos”, p. 489/500, item n. 3.00, 5ª ed., 2005, RT, v . g . ).

Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.

Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade,

com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46, item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade , essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM, “Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed., 1993, Malheiros).

Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva , o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.

Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.

A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Daí a advertência de que a interdição legal “in abstracto”, vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal.

Igual objeção pode ser oposta ao E. Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento, fundado em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) - no sentido de que “(...) a vedação imposta pelo art. 2º, II, da Lei 8.072/90 é (...) fundamento idôneo para a não concessão da liberdade provisória nos casos de crimes hediondos ou a ele equiparados, dispensando, dessa forma, o exame dos pressupostos de que trata o art. 312 do CPP” (fls. 257 - grifei) -, constitui, por ser destituído de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual.

O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.

Esse entendimento vem sendo observado em sucessivos julgamentos proferidos no âmbito desta Corte, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados (HC 80.064/SP, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - HC

Page 115: STF Penal a Partir de 2008

92.299/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - HC 93.427/PB, Rel. Min. EROS GRAU – RHC 71.954/PA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RHC 79.200/BA, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

“A gravidade do crime imputado, um dos malsinados ‘crimes hediondos’ (Lei 8.072/90), não basta à justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual, entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (CF, art. 5º, LVII).” (RTJ 137/287, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

“A ACUSAÇÃO PENAL POR CRIME HEDIONDO NÃO JUSTIFICA A PRIVAÇÃO ARBITRÁRIA DA LIBERDADE DO RÉU.- A prerrogativa jurídica da liberdade - que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) - não pode ser ofendida por atos

arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada.” (RTJ 187/933, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Tenho por inadequada, desse modo, para efeito de se justificar a decretação da prisão cautelar da ora paciente, a invocação - feita pelas instâncias judiciárias inferiores - do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.

Vale referir, também, que não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de “evasão do distrito da culpa” (fls. 258).

É que, ainda que se tratasse, no caso em exame, de evasão (o que não se presume), mesmo assim tal circunstância não justificaria, só por si, na linha do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte (RTJ 175/715 - RTJ 180/262, v.g.), a utilização, contra a ora paciente, do instituto da tutela cautelar penal, como resulta claro de decisão emanada do Supremo Tribunal Federal:

“PRISÃO CAUTELAR E EVASÃO DO DISTRITO DA CULPA.- A mera evasão do distrito da culpa - seja para evitar a configuração do estado de flagrância, seja, ainda, para questionar a legalidade

e/ou a validade da própria decisão de custódia cautelar - não basta, só por si, para justificar a decretação ou a manutenção da medida excepcional de privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu.

- A prisão cautelar - qualquer que seja a modalidade que ostente no ordenamento positivo brasileiro (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva, prisão decorrente de sentença de pronúncia ou prisão motivada por condenação penal recorrível) - somente se legitima, se se comprovar, com apoio em base empírica idônea, a real necessidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida de constrição do ‘status libertatis’ do indiciado ou do réu. Precedentes. (...).”(HC 89.501/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Nem se diga que a decisão de primeira instância teria sido reforçada, em sua fundamentação, pelos julgamentos emanados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 1.217.026-3/9-00) e do E. Superior Tribunal de Justiça (HC 113.558/SP), nos quais se denegou a ordem de “habeas corpus” então postulada em favor da ora paciente.

Cabe ter presente, neste ponto, na linha da orientação jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria, que a legalidade da decisão que decreta a prisão cautelar ou que denega liberdade provisória deverá ser aferida em função dos fundamentos que lhe dão suporte, e não em face de eventual reforço advindo dos julgamentos emanados das instâncias judiciárias superiores (HC 90.313/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v . g . ):

“(...) Às instâncias subseqüentes não é dado suprir o decreto de prisão cautelar, de modo que não pode ser considerada a assertiva de que a fuga do paciente constitui fundamento bastante para enclausurá-lo preventivamente (...).”(RTJ 194/947-948, Rel. p/ o acórdão Min. EROS GRAU - grifei)

A motivação , portanto, há de ser própria, inerente e contemporânea à decisão que decreta o ato excepcional de privação cautelar da liberdade, pois - insista-se - a ausência ou a deficiência de fundamentação não podem ser supridas “a posteriori” (RTJ 59/31 - RTJ 172/191-192 - RT 543/472 - RT 639/381, v.g.):

“Prisão preventiva: análise dos critérios de idoneidade de sua motivação à luz de jurisprudência do Supremo Tribunal.1. A fundamentação idônea é requisito de validade do decreto de prisão preventiva: no julgamento do habeas-corpus que o impugna não

cabe às sucessivas instâncias, para denegar a ordem, suprir a sua deficiência originária, mediante achegas de novos motivos por ele não aventados: precedentes.”(RTJ 179/1135-1136, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar.

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, suspender, cautelarmente, a eficácia do decreto de prisão preventiva da ora paciente, referentemente ao Processo nº 122/08 (1ª Vara Criminal da comarca de Peruíbe/SP).

Caso a paciente já tenha sofrido prisão cautelar em decorrência da decisão proferida no caso em exame (Processo nº 122/08), deverá ser posta, imediatamente, em liberdade, se por al não estiver presa.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 113.558/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC 1.217.026-3/9-00) e à MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da comarca de Peruíbe/SP (Processo nº 122/08).

Publique-se.Brasília, 19 de dezembro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLORelator