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72 8T1G HJARVARD mídia de notícias, por exemplo, os critérios jornalísticos concernent val d ,. ideaí es ao or as notícias e os I eais do bom jornalismo não raro compete . m~ a necessidade (demanda) de vender exemplares, a influência exercida novas fontes, e ~ssim por diante (Schulz, 2006). Tendo em conta o ia~r de serem os meIOS de comunicação influenciados por outros camp o . . ._ os Ou mstrtuições, nem sempre teremos certeza de que certos impactos m·d·- . b I la- ucos o servados traduzem uma influência exclusiva por parte da I-. d ídi P ogIca a nu Ia. or vezes, a midiatização vai de par com a comercializaç- r. - ao Ou a po rüzação, só sendo possível determinar se é ela o processo pred . orm, nante por meio de análise. Toda análise empírica da midiatização d ... _ eve, pOIS, mvestigar se e ate que ponto outras instituições (aqui concebidas como campos no vocabulário de Bourdieu) ganharão ou perderão aut _ . . o norma em sua ínteração com as diversas formas de mídia. 3 A MIDIATIZAÇÃO DA POLíTICA DA IMPRENSA DE PARTIDO À INDÚSTRIA DA OPINIÃO Introdução Os meios de comunicação cumpriram importante papel no exercício do poder político em todas as grandes sociedades. Sem meios impressos como os rolos e as cartas de papiro - com suas respectivas tecnologia e organização social =, teria sido difícil construir e manter estruturas sociais como os Impérios Egípcio e Romano. Livros, revistas e jamais constituíram importantes instrumentos das revoluções burguesas contra o absolutismo na Europa dos séculos XVIII e XIX, ao passo que os filmes e cartazes foram importantes veículos de propaganda no curso da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa. Com o advento da democracia moderna, o exercício do poder político teve de basear-se no consentimento e na participação popular, processo no qual os meios de comunicação de massa vieram a desempenhar um papel crucial - e conti- nuam a desempenhá-lo. Com efeito, os meios de comunicação deixaram de ser instrumentos exclusivos das elites políticas no poder e passaram a cumprir funções democráticas: aos poucos, foram sendo investidos da missão de fornecer informações políticas, facilitar o debate político e a participação política, bem como exercer a análise crítica do poder políti- co. Por meio desse processo, tornaram-se importantes ferramentas para a legitimação pública das instituições, atores e ações políticas. Muitas das mudanças, oportunidades e consequências proble- máticas desse fenômeno já foram diagnosticadas e discutidas por Walter Lippmann em 1922, em seu livro Public Opinion, no qual observa o de- senrolar de uma revolução nas práticas democráticas: "E assim, como

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Os meios de comunicação cumpriram importante papel no exercício do poder político...

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mídia de notícias, por exemplo, os critérios jornalísticos concernentval d ,. ideaí es aoor as notícias e os I eais do bom jornalismo não raro compete. m~a necessidade (demanda) de vender exemplares, a influência exercidanovas fontes, e ~ssim por diante (Schulz, 2006). Tendo em conta o ia~rde serem os meIOS de comunicação influenciados por outros camp o. . . _ os Oumstrtuições, nem sempre teremos certeza de que certos impactos m·d·-. b I la-

ucos o servados traduzem uma influência exclusiva por parte da I- .d ídi P ogIcaa nu Ia. or vezes, a midiatização vai de par com a comercializaç-r. - ao Oua po rüzação, só sendo possível determinar se é ela o processo pred .orm,nante por meio de análise. Toda análise empírica da midiatização d... _ eve,pOIS, mvestigar se e ate que ponto outras instituições (aqui concebidascomo campos no vocabulário de Bourdieu) ganharão ou perderão aut _. . onorma em sua ínteração com as diversas formas de mídia.

3A MIDIATIZAÇÃO DA POLíTICA

DA IMPRENSA DE PARTIDO À INDÚSTRIADA OPINIÃO

Introdução

Os meios de comunicação cumpriram importante papel noexercício do poder político em todas as grandes sociedades. Sem meiosimpressos como os rolos e as cartas de papiro - com suas respectivastecnologia e organização social =, teria sido difícil construir e manterestruturas sociais como os Impérios Egípcio e Romano. Livros, revistas ejamais constituíram importantes instrumentos das revoluções burguesascontra o absolutismo na Europa dos séculos XVIII e XIX, ao passo queos filmes e cartazes foram importantes veículos de propaganda no cursoda Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa. Com o advento dademocracia moderna, o exercício do poder político teve de basear-se noconsentimento e na participação popular, processo no qual os meios decomunicação de massa vieram a desempenhar um papel crucial - e conti-nuam a desempenhá-lo. Com efeito, os meios de comunicação deixaramde ser instrumentos exclusivos das elites políticas no poder e passarama cumprir funções democráticas: aos poucos, foram sendo investidos damissão de fornecer informações políticas, facilitar o debate político e aparticipação política, bem como exercer a análise crítica do poder políti-co. Por meio desse processo, tornaram-se importantes ferramentas para alegitimação pública das instituições, atores e ações políticas.

Muitas das mudanças, oportunidades e consequências proble-máticas desse fenômeno já foram diagnosticadas e discutidas por WalterLippmann em 1922, em seu livro Public Opinion, no qual observa o de-senrolar de uma revolução nas práticas democráticas: "E assim, como

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resultado da pesquisa psicológica, combinada com os modernos .d . - , . meiOs

e cornunicaçao, a pratica da democracia deu um passo decisiv Ure I -, . fi . o. mavo uçao esta em curso, m irutarnente mais significativa que qualteraçã d der econôrniro" ( . quer a].ao ,o .po er ec~~omICo Lipprnann, 1922: 158). Em fins do séculoXIX, a mídia de notícias (news meâia'; passara a influenciar a forma -

"- iblí d' cao daopirnao pu ICa e modo substancial. Entre os muitos problema dfenê . sesseenorneno. Lípprnann destacou a possibilidade de haver uma dif. , lerença

considerável entre as imagens do mundo que os veículos de notící. Ias pro-Jet~m em nossas .mentes e o mundo exterior tal como realmente é. OsmeIOS,~e comunicação não só refletem o mundo, como fazem uso deestereotIpos para retratá-I o; de forma similar, o entendimento do públicoacerca das histórias veiculadas nos jornais é influenciado pelos diferen-tes pontos de vista e preconceitos dos leitores. Não há, porém, a menorgarantia de que a formação da opinião pública será baseada em umd . a. escnção co.rre~ada situação do mundo, deturpada como pode ser pelosI~teress~s e ideias preconcebidas dos políticos e dos cidadãos. A percep-çao de Lippmann sobre o conceito de "estereótipo" não era inteiramentenegativa; para ele, estereótipos eram simplificações inevitáveis do pro-cesso de comunicação de massa, em que muitas pessoas com diferentesexperiências devem compreender uma mensagem comum.

. .para além de seus méritos próprios, o texto de Walter Lippmannconsutui um testemunho inicial do crescente interesse pela mídia e pelacomunicação na primeira parte do século XX nos Estados Unidos e emoutros países ocidentais. Questões concernentes ao poder de persuasãodas instâncias midiáticas e sua influência geral sobre a opinião públicapassaram a fazer parte não apenas do debate público, mas também dosm~rcados comerciais, da política e da academia. À medida que métodosonundos da publicidade, do marketing e das relações públicas dissemina-ram-se pelo setor comercial em favor de uma nova cultura de consumo,passaram a integrar também a esfera política, sendo adaptados para finspolíticos. Ademais, a experiência da propaganda de guerra no curso dosdois conflitos mundiais e o uso demagógico dos meios de comunicaçãonos dois desastres totalitários do século XX, o stalinismo e o nazismo,forneceram outro importante pano de fundo para a maior atenção dis-~ens.ada à r~levância política da mídia e da comunicação pública. Noâmbito de diversas disciplinas científicas, como psicologia, sociologia,

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" . política e pesquisa de matheting, o estudo da propaganda, da opi-(lenda

.~ ública e do consumo midiático começou a desenhar-se, quer nonlao P . . fl A • d .. de refletir criticamente sobre a progressiva in uencia os meiosintuito . ,.'

omunicação, quer com a finalidade de desenvolver tecrucas maisde c . fl . "-'

das para explorar essas oportunidades de in uenciar a opiruao pu-apura .blica. Na Europa (cf. Horkheimer e Adorno, 1944). e n~s Es~a~os UnIdos(cf Merton, 1946), a pesquisa de mídia e co~umcaçao o~gmou-se emma atmosfera política ambígua: a preocupaçao com o destino da demo-

~racia mediada pela comunicação de massa caminhava de mãos dadascom certa fascinação pela ideia de uma administração da opinião públi-

ca assente em bases científicas.Essa postura ambígua frente à influência dos meios de comuni-

cação sobre a política continuou a informar o debate público. Nas últi-mas décadas, as noções de "spin" e "gestão de rnídia" (media management)surgiram como palavras-chave para descrever como os atores políticosprocuram influenciar a opinião pública pelos meios de comunicação (d.Palmer, 2000; Maarek. 2011). O êxito obtido pelo novo Partido Traba-lhista de Tony Blair, a partir da década de 1990, em controlar as comu-nicações políticas dentro do partido e nos meios de comunicação socialderam crédito à importância dos "spin doctots" na esfera política. Nãohá dúvida de que os termos "spin" e "gestão de mídia" apontam para osmeios mais recentes e intensificados de que se utilizam os atores políti-cos na tentativa de controlar a opinião pública: Todavia, eles também setornaram estereótipos na acepção de Lippmann: podem não estar neces-sariamente errados, mas simplificam demais a relação entre os meios decomunicação e a política, assim como podem comportar significados di-ferentes para públicos diferentes. Para alguns, spin pode denotar témicasde manipulação deliberadamente destinadas a ludibriar os adversáriospolíticos; para outros, pode remeter à produção de uma abrangente e es-tratégica narrativa concatenando persuasivamente todas as comunicaçõespolíticas de urna agremiação partidária [Heybe et at., 2007).

Como figura retórica, o termo spin é tributário das primeiras pes-quisas sobre mídia e opinião pública e da então predominante ideia demanipulação ou sedução de audiências massivas (mass audiences). E~SUaformulação mais simples, consiste na noção do spin âoaot - exempl~-ficado pelo lendário Alistair Campbell, principal spin doctor de Tony Blair

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-, que, qual um Mefisto político, é mestre em orquestrar a manipula -d . çao

a Imprensa e do público. A despeito de suas qualidades distrativas. , ' osptn e apenas um pequeno elemento entre os muitos outros consr an.te~ das relações gerais entre os meios jornalísticos e a política. ComoKnstensen (2006) apontou corretamente, a reconhecida importância dspin é também resultado da própria configuração da política mOdern:por parte da mídia jornalística. Pelo discurso baseado no spin, a políticamoderna passa a girar em torno da luta manipulativa travada entre j. , . Jor-nalistas, políticos e assessores de imprensa. Como consequência, a tarefados jornalistas políticos e dos comentadores políticos passa a ser, entreoutras coisas, revelar, pela exposição do spin político, a "verdadeira" his-tória por trás de cada história. A noção de spin frequentemente faz recaira atenção sobre os atores políticos e as formas da comunicação política,resultando em que a política propriamente dita muitas vezes acaba redu-zida a seus aspectos processuais, enquanto os aspectos estruturais de seuvínculo com os meios de comunicação são negligenciados.

No início do século XX, Walter Lippmann era sem dúvida umcrítico severo dos meios de comunicação de massa; sua ambição, contu-do, era abordar a relação entre meios de comunicação, política e socie-dade na sua complexidade, não reduzi-Ia a uma questão de estratégiasde manipulação por atores sociais. Concentrando-nos na midiatização dapolítica, iremos, da mesma forma, desenvolver uma visão holística dosmeios de comunicação e da política que também considera a dualidadeestrutura-agência. Partindo de uma perspectiva institucional, examinare-mos a cambiante relação estrutural entre a política e os meios de comu-nicação, estudando suas implicações para o papel dos atores políticos epara a função, forma e conteúdo da política. Por "midiatização da po-lítica" entendemos o processo pelo qual a instituição política gradual-mente se torna dependente das instâncias midiáticas e de sua lógica. Porinstituição política compreendemos as organizações e práticas políticasformais, exemplificadas pelo parlamento, pelos partidos e pelas campa-nhas eleitorais, tanto quanto as práticas informais que se realizam, porexemplo, nas conversas cotidianas dos cidadãos comuns sobre políticae sobre os contatos e embates diários dos políticos com os jornalistas. Oprocesso de midiatização política caracteriza-se por um fenômeno bila-teral. Ao mesmo tempo que os meios de comunicação passam a estar in-

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ados às práticas cotidianas das organizações políticas, desempenhamtegr: I' . Aões de comunicação interna e externa para os atores po ItlCOS. o~~ . d .

.lizar coletivas de imprensa, sites, blogues, etc., os meIOS e comum-uU .ão passam a atender a fins políticos, ao mesmo tempo que as orgam-

caç de "! I· -" dzações e atores políticos devem, no processo e interna Izaç~o essesveículos, acomodar-se à lógica da mídia. Em paralelo, os meIOS de co-municação converteram-se parcialmente em uma instituição independentena sociedade, controlando um recurso político vital em uma democra-cia: a atenção coletiva dos cidadãos. Como consequência, tornaram-se

arcialmente responsáveis por várias funções políticas, sobretudo pela~efinição de agendas e pela geração de consentimento popular para asdecisões e ações políticas. Para influenciar o controle midiático desse re-curso vital, outras instituições - particularmente a política, mas tambéma indústria e quaisquer outros grupos de interesse à procura de influênciapolítica - devem acomodar-se à lógica da mídia. Por lógica da mídiaentendemos os modus operandi tecnológico, estético e institucional pelosquais os meios de comunicação alocam recursos materiais e simbólicose lidam com regras formais e informais. Na prática, isso significa que osatores políticos precisam levar em consideração fatores tais como os no-vos valores do jornalismo, convenções genéricas de expressão e as formastípicas de relação que os diferentes meios de comunicação estabelecemcom seus públicos e usuários.

Dimensões e fases da mudança

Ao utilizar o conceito de "midiatização da política", e não o de"mediação da política", pretendemos dar atenção específica à influênciatransformadora dos meios de comunicação sobre a esfera política. Nos ter-mos da distinção previamente citada entre esses dois conceitos (ver Capí-tulo 2), aventamos a hipótese de que os meios de comunicação vieram adesempenhar um papel particularmente importante na política moderna,em comparação com tempos anteriores. Com isso não queremos dizerque os meios de comunicação não tenham influenciado a comunicaçãopolítica em outras épocas e outras sociedades, o que obviamente acon-teceu. Nosso argumento é que, devido às transformações por que passa-ram as sociedades modernas contemporâneas, os meios de comunicação

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imbricaram-se na prática da política, transformando-a de tal maneiracom tal intensidade que faz sentido falar de política "rnidiatizada", e nà~apenas de "política mediada". Isso significa dizer que a política foi sub-metida a mudanças de natureza quantitativa e qualitativa, isto é, tanto emtermos de grau quanto em várias de suas dimensões.

Muitos pesquisadores procuraram sistematizar essas transforma_ções em termos de períodos, dimensões ou fases relativamente a caracn-.rísticas formais e contextos empíricos (Asp e Esaiasson, 1996; Blumler eKavanagh, 1999; Ienssen. 2007; Norris, 2000). Strôrnbâck (2008) propôsum modelo prático que estipula quatro dimensões, cada qual apontan-do para determinada transformação da política. A primeira dimensãomostra em que medida os meios de comunicação tornaram-se a fontede informação mais importante sobre assuntos políticos. Constituem aexperiência pessoal e a comunicação interpessoal a principal fonte deinformações políticas, ou terão os meios de comunicação assumido oprotagonismo na disseminação dessas informações? Na segunda dimen-são, os meios de comunicação podem ser dependentes das instituições po-líticas, ou gozar de elevado grau de independência em relação a elas. Naterceira dimensão, o conteúdo dos meios de comunicação (p. ex., notíciassobre política) pode ser regido por uma lógica política ou pela lógica damídia. Na quarta e última dimensão, os atores políticos podem ser gover-nados especialmente por uma lógica política ou por uma lógica rnidiáti-ca. Cada uma dessas dimensões representa uma escala conforme a qual apolítica pode tornar-se mais ou menos midiatizada.

Partindo dessa base, Strômbâck (2008) sugere um desenvol-vimento da midiatização distribuído em quatro fases, cada qual carac-terizada por uma oscilação da influência da política para os meios decomunicação ao longo de cada uma das quatro dimensões. Na primeirafase, o movimento inicial rumo à midiatização da política correspondeà mediação da política, uma vez que a proliferação da política media-da - aquela que faz dos meios de comunicação a fonte principal das in-formações políticas - é um pré-requisito necessário para a midiatizaçãoa processar-se no curso das três outras dimensões. Na segunda fase, oSmeios de comunicação tornam-se mais independentes das instituiçõespolíticas, e os jornalistas adquirem maior grau de autonomia para sele-cionar as notícias segundo seus próprios critérios. Esse processo continua

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terceira fase, mas aqui as instituições políticas começam a adaptar-sena_ demandas dos veículos noticiosos, comunicando, por exemplo, suasasações e decisões políticas de acordo com os critérios de divulgação de no-tícias ou os prazos jornalísticos. Como resultado, o conteúdo das notíciasolíticas passa a ser regido mais pela lógica da mídia do que pela lógica

~a política. Na fase final, as instituições políticas não apenas acomodam--se à lógica da mídia, como a internalizam a ponto de considerações denatureza midiática passarem a fazer parte do pensamento e das ações po-líticas cotidianas, inclusive do desenvolvimento de ideias e da definiçãode prioridades políticas. As quatro fases de Strôrnbâck são baseadas emum modelo lógico, mas ele ressalva que, no mundo real, as relações entreos meios de comunicação e a política podem ser bem mais variadas ecomplexas do que tal modelo sugere. Por exemplo, diferentes meios decomunicação podem exibir graus variados de independência em relaçãoàs instituições políticas - e, em certos países, meios de comunicação inde-pendentes convivem com uma imprensa parcialmente controlada pelosatores políticos. Da mesma forma, as organizações políticas e os políticospodem ser mais ou menos dependentes das instâncias midiáticas. Podehaver também considerável variação entre os países no que diz respeitoao grau de midiatização ao longo de cada uma das quatro dimensões. Opapel da imprensa política no sul da Europa tem uma história diferenteem comparação com a experiência nos Estados Unidos, onde uma im-prensa comercial dominou as ações desde o princípio.

O modelo de Strômbâck é útil por destacar os principais aspec-tos da transformação promovida pela midiatização no domínio da polí-tica. Seu foco em quatro fases distintas relacionadas a quatro dimensõesfornece um modelo heurístico para o estudo e a comparação de pro-cessos empíricos de midiatização entre diferentes períodos históricos eentre diferentes países. Todavia, o caráter lógico e formal desse modelo étambém sua limitação. Análises empíricas das cambiantes relações entreOsmeios de comunicação e a política devem levar em conta não apenasas variações de um padrão geral de midiatização, mas também o fatode que o próprio processo de midiatização política pode depender dascaracterísticas sistêmicas de um dado contexto, isto é, das inter-relaçõeshistóricas entre os meios de comunicação, a política e a sociedade emgeral de um país ou região. É importante destacar que a lógica da polí-

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tica e a lógica da mídia não precisam necessariamente ser antagônicascomo o modelo de Strômbâck talvez sugira implicitamente, mas pode~operar em sintonia, por diversas formas. Aliás, a raison d'être da políticae dos meios de comunicação é buscar publicidade para conquistar au-toridade. Consideradas sob essa perspectiva, podem a lógica da políticae a lógica da mídia ajudar-se mutuamente na construção conjunta derealidades políticas. A midiatização pode também produzir diferentesresultados, dependendo do contexto em questão. A lógica da mídia podeter influenciado a política em maior medida, por exemplo, nos EstadosUnidos, na Dinamarca e na França, mas as implicações dessa influênciapodem variar consideravelmente de país para país.

Para compreender o processo histórico de midiatização da polí-tica, confrontaremos os achados de um modelo formal de fases lógicascom os contextos empíricos de diversos sistemas políticos e midiáticos.

.Em seguida, apresentaremos uma tentativa de esboço histórico da mi-diatização da política nos países nórdicos. No influente estudo dos siste-mas de mídia realizado por Hallin e Mancini (2004), os países nórdicosconstituem o exemplo perfeito do "modelo corporativista democrático",a que também pertencem outros países da Europa setentrional, como aAlemanha e a Holanda. Características fundamentais desse modelo são aexistência precoce de uma imprensa de circulação de massa e um grandecontingente de leitores de jornais em todas as camadas da população,a profissionalização do jornalismo, um grau médio de paralelismo po-lítico e a regulação estatal do sistema de mídia, sobretudo do serviçopúblico de rádio e televisão. O "modelo liberal" de relações entre meiosde comunicação e política - cujo protótipo são os Estados Unidos - tam-bém se caracteriza pelo desenvolvimento precoce de uma imprensa decirculação de massa e pela profissionalização do jornalismo, embora,nesse modelo, o paralelismo político seja limitado. Nos Estados Unidos,a "imprensa de partido" foi sucedida, no século XIX, por uma imprensacomercial de grande circulação, e a intervenção estatal sobre o sistemamidiático foi reduzida ao mínimo. Na Europa meridional, encontramoso "modelo pluralista polarizado", com um maior grau de partidarismopolítico e menor ênfase no jornalismo profissional. Aqui, o público lei-tor de jornais restringe-se mais a uma elite instruída e interessada empolítica, ao passo que a rádio e a televisão tradicionalmente têm sido os

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principais canais de comunicação com o grande público. No esquemaconceitual de Hallin e Mancini (2004), os países nórdicos representamum híbrido entre dois extremos: de um lado, os meios de comunicaçãode massa comerciais e não partidários do modelo liberal; de outro, omodelo pluralista polarizado, composto por meios de comunicação po-Iitizados com limitada experiência no jornalismo profissional. Graças,no entanto, à crescente comercialização do sistema de mídia, os dife-rentes modelos midiáticos europeus estão convergindo para o modeloliberal. Como argumentam Hallin e Mancini (2004),

A comercialização, em primeiro lugar, está claramente distanciando o sis-tema de mídia europeu do mundo da política e aproximando-o do mundodo comércio. Tal fenômeno altera a função social do jornalismo, na me-dida em que o principal objetivo do jornalista já não é disseminar ideiase criar consenso social em torno delas, mas produzir entretenimento e in-formação que possam ser vendidos a diferentes consumidores. (Hallin eMancini: 277)

Dessa perspectiva, as especificidades dos modelos europeus po-dem ser descrições apropriadas dos desdobramentos históricos por quepassaram, mas são menos úteis para compreendermos suas característi-cas atuais e futuras, uma vez que avançam na direção do modelo libe-ral. Há, contudo, algumas falhas nos modelos conceituais propostos porHallin e Mancini. Não há dúvida de que a comercialização constitui umaforça de suma importância na atual reestruturação da indústria midiá-tica, mas não se pode dizer que arraste, necessária ou inequivocamen-te, outros modelos de mídia para um modelo liberal semelhante ao dosistema midiático norte-americano. A convicção de Hallin e Mancini deque a comercialização reduzirá as funções políticas do jornalismo repou-sa no pressuposto de que o comercialismo, o não partidarismo e o pro-fissionalismo jornalístico estejam logicamente interligados, de sorte queas particularidades do modelo liberal apresentam-se como um caminhode desenvolvimento a ser seguido - mais cedo ou mais tarde - pelos de-mais modelos. Tal posição não apenas toma os modelos menos sensíveisàs relações mais complexas entre as instituições políticas, o jornalismoe Os meios de comunicação dos diferentes países, como também os im-pede de reconhecer que a comercialização e a profissionalização talveznão estejam em desacordo com a continuação do paralelismo político

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ou da mídia partidária. Em outras palavras, devido à especificidade dasrelações entre os meios de comunicação e a política em determinadospaíses ou regiões, é possível que a comercialização e a profissionalizaçãoacabem tendo consequências diferentes daquelas antecipadas pelo mo-delo de Hallin e Mancini (2004).

As funções políticas da mídia jornalística, incluindo os padrõesde partidarismo e paralelismo político, podem não estar em declíniodevido ao crescimento da comercialização, mas coexistir com forçasorientadas pelo mercado. Na Dinamarca e na Noruega, por exemplo,o paralelismo político ainda é um atributo dos grandes jornais - re-sistindo não apenas como traço rudimentar do passado, mas comoparte de suas atuais estratégias de mercado e da ambição publicitáriade representar-se como vozes de opinião. Um estudo sobre a cobertu-ra jornalística de eleições locais na Noruega apontou para a presençacontinuada do paralelismo político [Allen, 2007). Da mesma forma,Hjarvard (201Ob) documentou uma continuada orientação política noseditoriais, nas páginas de opinião e no jornalismo dos periódicos dina-marqueses durante a primeira década do século XXI. Estudos condu-zidos nos Estados Unidos sugerem, ademais, que também o modeloliberal comporta muitos exemplos de partidarismo político na mídiacomercial, a exemplo da Fox News, tendo essa imprensa opinativa ocondão de atrair audiências com convicções semelhantes (Lyengare Hahn, 2009). O partidarismo presente no mercado midiático dosEstados Unidos não se restringe a umas poucas redes televisivas degrande notoriedade; com efeito, a análise de seus principais jornais edaqueles aparentemente neutros também revela um sistemático enqua-dramento político das notícias (Kahn e Kenny, 2002).

A presença continuada de diversas formas de partidarismo eparalelismo político nos meios de comunicação de muitos países trazà tona um problema com o sistema de modelos midiáticos de Halline Mancini, na medida em que basicamente concebem os mercados dapolítica e da mídia como entidades conflitantes: a comercialização e aprofissionalização dos meios de comunicação geralmente são vistas poreles como antídotos para o partidarismo e o paralelismo político. Se,em vez disso, adotarmos a perspectiva da atual midiatização da políti-ca, não apenas consideraremos a cambiante relação entre duas diferen-

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s instituições ou sistemas sociais - a perspectiva principal de Hallin e~ancini =, mas as várias maneiras pelas quais os meios de comunicação

a política se transformam e entrelaçam em consequência de sua mú-eua adaptação. Isso talvez nos permita ter uma visão mais complexa do~esenvolvimento dos meios de comunicação regionais, em que diversosfatores de caráter midiático, incluindo objetivos de mercado e ambiçõesrofissionais, podem operar em sintonia com várias funções políticas

~a forma, por exemplo, da imprensa opinativa. Devido aos processosde midiatização, o fim da imprensa de partido não representa o fim daimprensa política: os meios de comunicação tornaram-se uma indústriada opinião que por vias diferentes - mas não menos importantes - estáimplicada na produção da política.

A ascensão do jornalismo

A região nórdica pode ser tomada como um caso ilustrativo dasespecificidades regionais e das transformações gerais que se seguiramao processo de midiatização (cf. Bastiansen e Dahl. 2008; Djerf-Pierree Weibull, 2001; Iensen, 2003). Na segunda metade do século XIX, osveículos de imprensa dos países nórdicos gradualmente se consolidaramcomo instrumentos políticos dos partidos e de movimentos sociais e cul-turais mais amplos. Os jornais eram editados e escritos por políticos,acadêmicos, administradores, professores, ministros da Igreja, roman-cistas e outras eminências pardas da política e da cultura, enquanto opúblico era dividido de acordo com suas convicções políticas e classesOcial.Os jornais também veiculavam notícias gerais, anúncios e outrasformas de informação ou entretenimento, mas esses aspectos geralmenteestavam subordinados às funções políticas do periódico. O jornalismoainda não se havia estabelecido como disciplina acadêmica ou profis-são, mas constituía - até onde se poderia dizer em um sentido moderno- Um conjunto de habilidades práticas que todos que escreviam paraum jornal deveriam aprender. Do ponto de vista sociológico, pode-sedizer que as instituições políticas - o parlamento, os partidos e os mo-\1imentos - eram os meios de comunicação de massa daqueles tempos,POisconstituíam a infraestrutura de disseminação das informações e dodebate público. Os jornais eram apenas um dos muitos canais de comu-

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nicação (a exemplo das reuniões sindicais, das faculdades populares, dasmanifestações, ete.) voltados à promoção de interesses políticos. Assim,a imprensa refletia o sistema político por meio da estrutura do parale_lismo político: em muitas cidades era comum haver uma variedade dejornais que representavam, cada qual, um grande partido político e Osinteresses de determinada dasse.

No decorrer do século XX, os meios de comunicação gradual.mente conquistaram mais independência e tornaram-se instituições cul-turais (ver Capítulo 2). Como resultado, os jornalistas pouco a poucoforam adquirindo maior controle sobre os veículos de notícias e torna-ram-se os principais produtores de conteúdo. Separaram-se as notíciasdos pontos de vista, e as opiniões políticas foram relegadas a gênerosespecíficos, como os editoriais e as páginas de opinião. O novo ideal dojornal passou a ser a "imprensa omnibus", veiculando notícias em geralpara o público em geral, independentemente de suas indinações polí-ticas. Certo grau de paralelismo político continuou a desempenhar umpapel importante em muitos jornais, mas, à medida que o jornalismotornou-se mais afinado com ideais mais profissionais de objetividade efacticidade (Tuchman, 1972), os vínculos formais entre os partidos po-líticos e os jornais chegaram ao fim. O que começara como uma rela-ção formal e organizada entre partido e imprensa sobreviveu, um poucomais debilitado, na forma de valores políticos e culturais compartilhadosentre jornal e leitores. Fatores comerciais ganharam cada vez mais im-portância à medida que os interesses políticos foram sendo relegados aosegundo plano, embora, de modo geral, os jornais dos países nórdicosnão tenham sido, durante a maior parte do século XX, dominados porinteresses comerciais. Eram empreendimentos metade comerciais, me-tade publicitários, que ganhavam dinheiro para publicar suas tiragens, enão o contrário. Muitos desses jornais não pertenciam a empresas priva-das, mas eram controlados por diversas fundações.

O crescente papel do serviço público de rádio e televisão propi-ciou um contexto especial para o desenvolvimento do jornalismo noSpaíses nórdicos. À semelhança do que ocorria em muitos outros países,os jornais, temendo a concorrência dos meios eletrônicos, procurara~de várias formas conter seu ingresso no domínio da produção e distribUI-ção de notícias. Mas, quando os canais de difusão radiofônica e televisiva

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enfim tiveram franqueada sua entrada no terreno do jornalismo, o rádioe a TV logo se tornaram os veículos de notícia dominantes, com forteinfluência sobre a agenda política nacional. Como esses veículos esta-vam sujeitos às obrigações do serviço público, o conteúdo jornalísticoprivilegiava as notícias políticas e estava comprometido com uma missãoeducacional de caráter geral. O jornalismo praticado pelos veículos derádio e televisão não deveria seguir os passos de suas contrapartes con-troladas pelo Estado, como no sul e no norte da Europa, ou dos meios decomunicação comercial, como nos Estados Unidos, mas, ao contrário,veicular informações sérias e imparciais sobre assuntos de interesse pú-blico. Assim, o jornalismo passou a ser influenciado por um paradigmaeducacional cujo principal objetivo era informar a respeito de assuntospolíticos relevantes e apresentar os vários pontos de vista políticos coma máxima neutralidade possível. Em sua fase inicial, a missão do jorna-lismo de rádio e TV era facilitar um debate público bem informado, dei-xando as controvérsias para os próprios políticos. Em geral, os veículosde comunicação não desafiavam ou contestavam os partidos, mas suaimportância no campo da política refletia-se no fato de se terem tornadoa principal fonte de informações políticas do grande público.

O desenvolvimento do jornalismo também foi influenciadopela então predominante estrutura corporativista da política democrá-tica. Na metade do século XX, os países nórdicos caracterizavam-se poruma elaborada cooperação entre os interesses dos, organismos dominan-tes (indústria e sindicatos, partidos políticos, grupos de interesse, ete.)que influenciavam o desenvolvimento político e a governança na maio-ria dos setores. A combinação de uma forte influência social-democrataCom o crescimento geral da economia do Ocidente possibilitou mobi-lizar diversos interesses organizados para a construção das sociedadesde bem-estar social. Em consequência, as discussões políticas muitofrequentemente se davam como negociações entre esses interesses orga-nizados, permitindo-lhes certo grau de controle sobre o processo polí-tico. Como os diversos interesses corporativistas pudessem dominar oProcesso de desenvolvimento e negociação da política, aos veículos denOtícias restava relatar externamente o que sucedia, sem poder intervirnos assuntos políticos de forma mais direta. A combinação entre os in-ciPientes ideais de objetividade e não partidarismo acalentados pelo jor-

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nalismo, a missão de esclarecimento por parte dos serviços públicos decomunicação e a capacidade dos interesses corporativistas em comandaros processos políticos compeliu os veículos de comunicação nos paísesnórdicos a um papel informativo e educacional. O jornalismo - comooutras instituições de serviço público - deveria servir como um espelhoda sociedade, mas de tal forma que o público, ao mirar esse espelho, sesentisse esclarecido, e não confuso ou desinteressado.

Dos anos 1960 para cá, essa divisão do trabalho entre os veículosde comunicação e a política começou a desmanchar-se. À semelhança doque ocorria em outras partes do mundo ocidental, o jornalismo conquis-tou maior autonomia e já não se contentava com o papel predominan-temente passivo a que o relato factual dos assuntos políticos o obrigava.Em seu lugar começaram a despontar o jornalismo investigativo, entre-vistas críticas com políticos e uma cultura geral de questionamento dasautoridades. No domínio político, a estrutura corporativista começou aruir e o consenso que havia em torno do Estado de bem-estar social pas-sou a ser alvo de críticas tanto por parte da esquerda quanto da direita. Acrise do petróleo nos anos 1970 e a retirada das tropas norte-americanasinstaladas no Vietnã em 1975 criaram o pano de fundo internacionalpara um sentimento geral de que as estruturas e os valores políticos eeconômicos vigentes estavam prestes a mudar. Como resultado, no pla-no político, a combinação da democracia corporativista com o domínioda social-democracia nos países nórdicos aos poucos foi abrindo cami-nho para um Estado social-liberal que conjugava serviços públicos debem-estar social com uma ênfase mais forte na responsabilidade indi-vidual e nas soluções do mercado. As negociações políticas tornaram-semais abertas e indeterminadas, com novos partidos políticos entrandoem cena e desafiando a estrutura corporativista vigente, enquanto os ve-lhos partidos perdiam muitos de seus membros e os eleitores tornavam--se menos fiéis. A transformação dos partidos políticos de organizaçõescom maciça filiação, baseadas em claros interesses e ideologias de classe,em partidos políticos menores e mais profissionalizados conferiu aosmeios de comunicação uma posição mais proeminente. Os vínculos di-retos que havia entre partido e membros até certo ponto foram perdidos,e os políticos se viram diante da necessidade de recorrer aos veículos denotícias para comunicar-se com seu eleitorado. Cada vez mais as agre-

rniações conscientizavam-se da necessidade de influenciar tais veículos,de modo a influenciar a opinião pública. Assim, os políticos aprenderama atuar adequadamente nos meios de comunicação, e várias formas deatividade relacionadas à mídia, como as coletivas de imprensa, passarama integrar o cotidiano partidário. Todavia, a adaptação da política à lógi-ca da mídia, nesse estágio, envolvia fundamentalmente a comunicaçãoda política, isto é, "vender a mensagem", e não o desenvolvimento deestratégias e programas políticos.

O surgimento da política neoliberal. na década de 1980, in-fluenciou os meios de comunicação e a política de diversas formas. Adesregulamentação do setor midiático pôs fim ao monopólio do serviçopúblico de rádio e televisão, enquanto os novos meios de comunica-ção, como a televisão por satélite, a Internet e os dispositivos móveis,nasceram todos como veículos comerciais com poucas, se tanto, obriga-ções públicas. As reconhecidas demandas dos usuários tornaram-se umapreocupação prioritária para a maior parte dos veículos de comunicação.Na mídia pública e em parte da cada vez menor "imprensa omnibus", asobrigações culturais continuaram a ter influência, mas agora era cadavez mais necessário a esses veículos equilibrar suas obrigações comoserviço público e ambições publicitárias com as demandas do mercado.O advento da mídia interativa fortaleceu ainda mais a orientação dosmeios de comunicação para o público e os usuários, privilegiando a par-ticipação da audiência e o conteúdo gerado pelos últimos. No mesmoperíodo em que os meios de comunicação passaram de instituições cul-turais a instituições midiáticas, também a política passou a submeter-seà orientação do mercado. Não chegou a se tornar inteiramente orientadapelo mercado, mas mais sensível ao mercado, e o cidadão cada vez maispassou a ser visto como consumidor de política. À semelhança do queobserva Negrine (2008) no contexto britânico, a profissionalização dosPartidos políticos transformou-os em organizações centralizadas moder-nas e enxutas que crescentemente incorporavam técnicas modernas derelações públicas e marketing para vencer eleições.

No mesmo passo, a própria natureza da governança políticaadaptou_se aos modelos de mercado. Com o respaldo das iminentes~eorias acerca da nova gestão pública, lógicas de administração públicalns .

PlIadas no modelo de mercado foram implementadas em toda uma

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gama de instituições do setor público, como hospitais e escolas, ao pas-so que diversos outros setores da sociedade tornaram-se cada vez maiscomercializados e globalizados. Em resposta a essas mudanças no am-biente dos meios de comunicação e na própria natureza da política, ospartidos começaram a integrar a expettise e os recursos midiáticos a suaspráticas cotidianas, em muitos níveis. O uso da expertise midiática nagestão da comunicação interna e externa dos partidos não era mais umasimples questão de comunicação dos assuntos políticos, tornando-separte integrante do "fazer política", em sentido amplo. Essencial a essatransformação foi o surgimento de campanhas políticas permanentes.Antes, os esforços para "vender política" eram geralmente limitados aosperíodos eleitorais; agora, os partidos cada vez mais se empenhavam emdiversas formas de campanha ao logo do ano. Para vencer as eleições,passara a ser importante "preparar" (prime) os eleitores em temas diver-sos, de forma contínua, a fim de tomá-los suscetíveis a determinadasagendas e enquadramentos na campanha final (Lund, 2004). O uso depesquisas de opinião ao longo do ano por parte dos veículos de comu-nicação pressionava os partidos a obter uma avaliação favorável nas en-quetes relacionadas a temas políticos cotidianos. Nos países nórdicos,durante a transição da cultura de governança corporativista para ummodelo de governança política mais externo e interligado, os meios decomunicação desempenharam um papel mais independente na negocia-ção dos interesses políticos e na formação da opinião política.

A Tabela 3.1 apresenta um panorama do desenvolvimentohistórico das relações entre mídia e política nos países nórdicos. Com-preende as três fases históricas percorridas pelos meios de comunicação:(1) primeiro, servindo a outras instituições; (2-3) depois, tornando-seinstituições culturais com variados graus de autonomia; e, por fim (4),convertendo-se em instituições midiáticas (ver também a Tabela 2.1, noCapítulo 2).

Um resultado fundamental da midiatização da política é o esta-belecimento da mídia como uma indústria da opinião. Com isso queremosdizer que a contribuição dos meios de comunicação para a formação daopinião pública institucionalizou-se como traço permanente da políticamoderna, de tal forma que os meios de comunicação já não se limitama refletir a política, mas participam diretamente de sua produção. Com

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fabela 3.1Desenvolvimento histórico da política midiatizada nos países nórdicos-- Meios de

comunicação Papel político do Estado eFase importantes jornalismo política-Meios de Imprensa de Promoção de Estabelecimento

comunicação partido interesses políticos da democracia

como instrumentos parlamentar

da política (-1920)

Meios de Monopólio do Comunicação Estado

comunicação serviço público de e discussão corporativista.como instituições rádio e televisão, da agenda Interesses

culturais - fase ascensão da política. Meios organizadosinicial (1920-60) imprensa omnibus. de comunicação cooperam para

tornam-se construção daprincipal fonte sociedade dede informações bem-estar social.políticas.

Meios de Fim do monopólio Cobertura crítica Estado social-comunicação do serviço da política. liberal. Sociedadecomo instituições público de rádio e Ascensão do de bem-estarculturais - fase televisão e início jornalismo social emfinal (1960-80) da concorrência investigativo. transição, com

no setor, imprensa Política precisa maior ênfase naomnibus. adequar-se responsabilidade

aos meios de individual.comunicação parainfluenciar opiniãopública.

Meios de Concorrência Interpretação do Advento docomunicação intensificada "jogo" político. Estado neoliberal:Como instituições no rádio e na Jornalismo como política regida pelomidiáticas - e televisão, veículos defensor do mercado e cidadãointegrados à digitais (Internet, consumidor de como consumidorPolítica (1980-) redes sociais) política. Mídia de política.

tornam-se novos jornalísticae importantes integrada à rotinaprovedores; de atividades daimprensa omnibus política, incluindoem declínio. o desenvolvimento- de políticas.

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efeito, os meios de comunicação passaram a produzir e negociar regu_larmente informações e opiniões políticas na forma de jornalismo po-lítico e por meio das contribuições de leigos, políticos e outros tantosinteressados, em variadas plataformas de mídia, como blogues, cartas aoeditor, redes sociais, ete. A indústria da opinião representada pelos meiosde comunicação, apesar de fortemente voltada ao domínio da política,é regida por uma lógica externa à instituição política propriamente dita.Não nos referimos aqui exclusivamente a uma lógica da mídia, visto queos meios de comunicação também passam a constituir um espaço para aintervenção política no sentido mais amplo do termo, permitindo que di-versos atores midiáticos (editores, comentadores, etc.), políticos e muitosoutros interessados (indústria, sindicatos, cidadãos, ete.) participem doprocesso de definição da agenda pública (agenda-setting). Com a mídiacontrolando parcialmente a opinião pública e a formação de consensopopular em torno das decisões e ações políticas, tornou-se importantepara todos os interessados políticos aplicar recursos a fim de influenciaros meios de comunicação.

No texto a seguir, consideramos algumas das formas pelasquais a midiatização transformou as práticas políticas. Nessa discussão,recorremos também a contribuições teóricas para o campo de pesquisada mídia jomalística e da comunicação política. A ambição da teoria damidiatização não é necessariamente suplantar as teorias ou abordagensanalíticas vigentes, senão proporcionar uma perspectiva mais ampla eintegrada sobre a transformação da política em sociedades saturadasde meios de comunicação. Nesse sentido, julgamos as contribuiçõesteóricas atuais (neoinstitucionalisrno, agenda-setting, ete.) componen-tes fundamentais para compreendermos a política no novo ambientesocial e cultural da midiatização. Em particular, consideramos os se-guintes aspectos:

• a ascensão da mídia como instituição semí-índependente esua influência sobre a definição da agenda pública (agenda--setting) e o enquadramento (framing) das questões políticas.

• a reestruturação do processo de comunicação política.• a personalização e conversacionalização da política.• o advento de uma nova classe de comentadores políticos noS

veículos de comunicação.

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Mídia jornalística - uma instituição política?

Em sua análise do papel político da mídia jomalística norte-_arnericana, Timothy E. Cook (1998) observa o maior grau de indepen-dência alcançado pelos veículos de notícias frente às instituições políticas(governo, parti~os, ete.). Essa.~aio~ indepe~~ência, ar~menta ele, nãoconstitui um sinal de despolitização da mídia de notícias, mas, antes,a possibilidade de ela assumir um novo papel político. Segundo Cook(1998), os veículos noticiosos tomaram-se, e~espr~prios, um tiP.o de ins-tituição política da sociedade, podendo os jornalistas ser consideradosatores políticos que cumprem uma importante função política: não ape-nas disseminam informações politicamente relevantes, mas contribuempara a construção da agenda política. Como resultado, as instituições eatores políticos tradicionais têm de adaptar-se às normas e rotinas que ca-racterizam a mídia de notícias. O paradoxo, segundo Cook (1998), é quea influência política dos veículos de notícias é resultado de sua separaçãodas instituições políticas:

o papel político dos repórteres consiste em que a influência política queexercem pode não surgir apesar, mas por causa, de sua adesão por princípioa normas de objetividade, deferência para com a fatualidade e a autoridade,e certo distanciamento - do tipo" o que tiver de ser, será" - em relação àsconsequências políticas e sociais de sua cobertura. (Cook, 1998: 85)

Desse ponto de vista, é a própria natureza apolítica dos meiosjornalísticos que possibilita sua influência política. Em particular, os"valores-notícia" tornaram-se um fator importante na construção dasagendas políticas. A análise de Cook (1998) foi o começo de uma "vi-rada neoinstitucional" geral no estudo das inter-relações entre os veí-culos noticiosos e a política (ver, p. ex., Ryfe e 0rsten, 2011). Na esteiradessa "virada", a noção de "lógica da adequabilidade" (logic of appro-Priateness), proposta por March e Olsen (1989), tem sido empregadaPara conceituar as normas específicas de comportamento adequadoque regem a interação humana dentro das instituições (Allern e 0rsten,2011). No caso da instituição jornalística, a lógica da adequabilidadecompreende uma série de normas e regras, como ideais gerais da im-Prensa como quarto poder, uma lógica temporal para a produção denOtícias (prazos, etc.), valores-notícia e critérios de noticiabilidade, di-

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visões editoriais do trabalho e regras e rotinas para acesso e uso dasfontes. Amparados no uso dessas "adequadas" normas de interação,os veículos jornalísticos passam a atuar como uma instituição políticaque - não apenas nos Estados Unidos, mas também em outros países,como a Dinamarca - "a partir do início dos anos 1980, tornou-se umimportante ator nos processos de decisão política que, ao fim e ao caboinfluenciam a alocação de recursos na sociedade" (0rsten, 2005: 19;tradução minha).

Nossa perspectiva institucional sobre a midiatização é, sob mui-tos aspectos, compatível com a virada neoinstitucional nos estudos dosnews media, mas também difere em certos aspectos. As várias caracterís-ticas institucionais que Cook (1998) e outros neoinstitucionalistas su-gerem são, muito claramente, atributos essenciais do modus operandi dosveículos noticiosos e, sem dúvida, influenciam sua cobertura dos assun-tos políticos. Estão igualmente bem documentadas na literatura relacio-nada à sociologia dos meios de comunicação e dos veículos jornalísticos.Tuchman (1972), por exemplo, demonstrou como o ideal de objetivi-dade foi internalizado na rotina de produção de notícias, e Schlesinger(1978) mostrou quanto as redações dos jornais são influenciadas poruma "cultura do cronômetro". Entretanto, o fato de os veículos jornalís-ticos serem regidos por uma lógica institucionaI, e poderem influenciara política de várias formas, não significa que possam ser consideradosuma instituição política. Tais veículos, enquanto instituição, não compor-tam, como também observa Cook (1998), a intenção de influenciar asociedade no plano político, embora eventualmente possam os jornais,editores e jornalistas ter suas próprias ambições políticas. Outras institui-ções sociais também exercem influência sobre a opinião pública, tantoem casos individuais quanto por efeito de um processo de longo prazo.Por exemplo, as instituições educacional e jurídica geram conhecimentoe leis, respectivamente, que podem afetar a opinião pública. Mas nãoas chamaríamos de instituições políticas, a menos que procurassem in-fluenciar o sistema político de forma mais direta e intencional. Assim,julgamos mais razoável dizer que os meios de comunicação converte-ram-se em instituições semi-independentes. Em virtude de seu impactosobre a comunicação coletiva na sociedade, eles influenciam a políticade várias formas. Em outras palavras, a influência política dos meios de

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comunicação é mais um efeito estrutural não intencional do que o resul-tado de uma ação política planejada.

Há uma razão suplementar para não classificar a mídia jomalís-tica como instituição política: nem sempre os meios de comunicaçãoe o jornalismo operam necessariamente em sintonia. O processo demidiatização implica a transformação dos meios de comunicação emuma instituição da qual os veículos jornalísticos são apenas um compo-nente. Os desdobramentos das últimas décadas puseram a prerrogativanas mãos dos meios de comunicação, mas não foram totalmente bené-ficos para o jornalismo, tendo por vezes prejudicado sua autonomia.A lógica do jornalismo, incluindo as normas da profissão jornalística(p. ex., o ideal da imprensa como quarto poder, ete.) tem estado, atécerto ponto, sob pressão para acomodar-se às demandas dos meios decomunicação em geral. A convergência de mídias, por exemplo, trans-formou as redações dos jornais em unidades de produção multimídia,com os jornalistas cada vez mais envolvidos na produção em mídiascruzadas (cross-media production). Tal fenômeno requer dos jornalistasmúltiplas habilidades nessas plataformas, mas o resultado pode muitasvezes ser a perda de suas técnicas profissionais básicas (Cottle, 1999),uma vez que, tendo de adquirir um amplo leque de conhecimentostecnológicos elementares, acabam por minimizar a importância de ha-bilidades essenciais de sua profissão. Em uma redação digital e multi-mídia trabalhando vinte e quatro horas por dia: sete dias por semanapara cumprir prazos, sob a constante pressão de reescrever e reformataras reportagens, a atividade jornalística talvez pareça uma produção delinha de montagem com pouco espaço para a iniciativa profissional.Além disso, a comercialização dos meios de comunicação introduziuvárias ferramentas de marketing nas redações, levando os jornalistas apensar na audiência não apenas como cidadãos, mas também comoconsumidores (Willig, 2010). É possível que historicamente o jornalis-mo se tenha tornado mais independente das instituições políticas, mastornou-se também mais afinado com as diversas demandas dos setoresde mídia. Em todo caso, não perdeu por completo sua autonomia paraa instituição midiática mais ampla, de modo que podemos pensá-Iocama uma profissão particular com uma independência parcial dentrodessa instituição mais ampla dos meios de comunicação. Assim, em

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vez de designar a mídia jornalística como uma instituição política e Osjornalistas como atores políticos - como fazem os neoinstitucionalis_tas -, podemos, alternativamente, descrever uma profissão jornalísticasemiautônoma inserida em uma instituição midiática mais ampla. Jun-tas, elas exercem influência na instituição política.

Um sistema de comunicação dual

A influência dos meios de comunicação sobre a política é, antese acima de tudo, resultado de seu papel como negociadores de consensopúblico em tomo das decisões políticas. Em uma democracia política, éimportante produzir consenso público tanto para as decisões políticasquanto para as concepções que motivam as ações políticas. Em uma so-ciedade representativa, a autoridade para agir politicamente é delegada apolíticos dos níveis local, nacional ou internacional, mediante eleiçõesparlamentares, e na maioria dos países os políticos, uma vez eleitos, são- em princípio - livres para agir segundo sua vontade. Nas democracias,o procedimento eleitoral formal garante a legitimidade dos atores políti-cos, não havendo necessidade formal de consultar diariamente o distritoeleitoral, ou os eleitores, para renovar tal legitimidade. Em uma realidadepolítica midiatizada, no entanto, essa legitimidade formal deve ser su-plementada por um contínuo processo de consulta entre os políticos, osmeios de comunicação e o eleitorado, no que diz respeito ao consensopúblico para a ação política. Ainda que a opinião pública tenha um cará-ter "fantasmagórico", como Lippmann (1925) formulou negativamente,a negociação do consenso público para a ação política tomou-se, nãoobstante, uma realidade política e parte importante das práticas cotidia-nas dos meios de comunicação, dos políticos e dos cidadãos.

Para caracterizar como se dá essa negociação do consentimentopúblico, consideraremos, em primeiro lugar, como o jornalismo veio aocupar uma posição proeminente em um circuito dual de comunicaçãopolítica de massa; em segundo lugar, discutiremos como a proliferaçãodos meios digitais e interativos não veio substituir, mas suplementar ecomplexificar o papel dos meios de comunicação na geração de consen-so público. Os veículos jornalísticos participam desse circuito dual decomunicação política por conectarem os atores políticos com o público

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em geral e com outros atores políticos. Pela cobertura jornalística dosassuntoS políticos, os veículos tomam-se um importante nó de conexãoentre os políticos e o público. Graças à pesquisa, à seleção e ao enquadra-mento jornalístico dos temas políticos, eles passam influenciar a aten-ção pública para essa ou aquela parte da realidade política, bem como aconstrução dessa realidade. Ademais, constituem um importante canalde comunicação entre os atores políticos, que por seu intermédio tantopodem comunicar-se uns com os outros quanto ler e ouvir o que estãofazendo. Os atores políticos não são apenas fontes para a produção jor-nalística de reportagens sobre política; são também grandes consumi-dores das notícias políticas, das quais se servem para monitorar outrosatores políticos, sejam eles adversários, possíveis aliados ou companhei-ros de partido. Nesse sentido, os veículos de notícias e os jornalistasocupam a posição central de mediadores do circuito de comunicaçãoentre os atores políticos (ver Figura 3.1).

O consentimento público para as decisões políticas é geradopelas contínuas negociações discursivas entre esses dois eixos comuni-cativos. A opinião pública é representada no noticiário apenas de formaindireta, mas reflete-se, por exemplo, na ênfase dada a certos temas, noenquadramento das notícias e no questionamento crítico das fontes.Ainda que sejam produzidas pelo jornalista e resultem de sua interaçãocom diversas fontes, as notícias são interpretadas pelos atores políticose pelo público como um indicador das opiniões predominantes na so-ciedade, guiando, assim, a construção de consenso. Há, contudo, umadiferença importante entre os atores políticos e o público no que dizrespeito ao modo de interpretarem essas opiniões predominantes re-fletidas no noticiário. Pelo fato de dois eixos de comunicação estaremu~idos em um único circuito comunicativo, é possível que as notíciassejam interpretadas de dois pontos de vista distintos: pode o públicoem geral compreender o noticiário como uma maneira de "ouvir poracaso" as conversas entre os atores políticos, com os jornalistas atuandocOmo mediadores, ao passo que os atores políticos podem compreendê--10 Como . d"'" .uma maneira e ouvir por acaso as conversas entre os Jor-nalistas e o público em geral. A união dos circuitos comunicativos criaurna esfera pública comum, porém os participantes podem interpretar oresultado textual, as notícias, como indicadores de fenômenos diferen-

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tesoA audiência, de maneira geral, interpretará o noticiário como um in-dicador das opiniões predominantes entre a elite política, isto é, comoreflexo da agenda e dos pontos de vista em curso entre os atores políti_cos. Estes, por sua parte, não interpretarão as notícias unicamente comofontes de informação sobre outros atores políticos, mas, mais do queisso, como um importante indicador daquilo que virá a ocupar os cora-ções e mentes do público em geral. Tanto estes quanto aqueles conside-rarão o ato mesmo de veicular as notícias um indicador da importânciafutura desses temas e pontos de vista nas agendas, respectivamente, dopúblico e dos atores políticos. Em outras palavras, os atores políticos eo público em geral interpretarão o mesmo conteúdo noticioso comoum guia preciso para compreender as agendas e pontos de vista uns dosoutros, podendo vir a ajustar suas próprias concepções e ações com basenessa percepção da opinião pública.

Ator político .••••I------_~ Veículos .••••------+~ Ator políticojornalísticos

IPúblico

Figura 3.1Circuito dual de comunicação política de massa. Jornalista como nó de cone-xão e porteiro (gatekeeper) de dois eixos comunicativos: entre atores políticose entre políticos e público.

De acordo com o "modelo de influência da influência presumi-da" (Gunther e Storey, 2003; ver também Mutz, 1989), a influência d~smensagens midiáticas não apenas pode ser direta, como, talvez maISfrequentemente, indireta. Os políticos agem com base no modo comOpercebem a influência da mídia sobre os outros e, quanto mais tende-rem a acreditar na influência da mídia sobre a percepção política daSpessoas, tanto mais se dedicarão a atividades de cunho midiático paragarantir a exposição de seus próprios argumentos e ações. Cohen et alo

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(2008: 340), valendo-se de um estudo detalhado dos membros israelen-ses do Knesset, relatam que

As percepções das influências da mídia sobre a opinião pública, não so-mente as percepções quanto ao clima corrente da opinião pública, consti-tuem uma força importante na dinâmica da opinião pública, motivandoos atores políticos a representar tanto aos olhos do público quanto noscorredores do poder.

A própria percepção da capacidade dos meios de comunicaçãode influenciar os pontos de vista políticos constitui, portanto, um fatordo processo político, independentemente de qual seja sua possível in-fluência real. Nesse sentido, é interessante observar que os políticos mui-tas vezes atribuem mais poder à influência dos meios de comunicação nadefinição da agenda pública do que os próprios jornalistas. O estudo deStrômbâck (2011) sobre a percepção dos políticos e dos jornalistas sue-cos acerca da influência exercida por grupos diversos na agenda políticademonstra que ambos atribuem à televisão, ao rádio e aos jornais umelevado grau de influência e, no caso dos membros do parlamento, con-sideram o rádio e a televisão mais influentes do que o primeiro-ministro.Assim, a percepção da influência dos meios de comunicação sobre a for-mação da opinião política pode, ao menos em parte, virar uma profeciaautorrealizável, uma vez que os políticos podem pensar e agir com basenessa realidade percebida. \

Na teoria do agendamento, sugere-se a possibilidade de com-preendermos esses processos entrelaçados como uma interação entretrês diferentes agendas políticas: a agenda dos meios de comunicação,a agenda da política e a agenda do público (Rogers e Dearing, 1987;McComb, 2004). Por agenda compreendemos um conjunto de "temas"políticos hierarquicamente organizados conforme o grau de importân-cia que se lhes é atribuído. Em si mesma, uma agenda nada diz sobreOsvários pontos de vista ou discursos concorrentes que predominamno âmbito de determinados temas, e, conforme o princípio original dateoria do agendamento, a influência dos meios de comunicação sobrea formação da opinião política diz respeito ao realce (saliência) dado adiversos tópicos para a constituição da agenda pública, e não à persuasãodo público para que adote determinados pontos de vista. Cohen (1963:13) formulou essa ideia central da pesquisa do agendamento ao declarar,

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em frase que ficou célebre, que a imprensa "na maior parte do tempopode não ser bem-sucedida em dizer às pessoas o que pensar, mas é es-pantosamente bem-sucedida em dizer a seus leitores sobre o que pensar"(grifo no original).

Além dessas três agendas, a comunicação interpessoal (face aface ou mediada por canais de comunicação interativos) e os chamados"indicadores do mundo real" podem igualmente influir na formaçãoda opinião política. A comunicação interpessoal tem sido reconhecidacomo importante elemento para a formação da opinião pública desdeo desenvolvimento do modelo de fluxo comunicacional de duas etapas(Lazarsfeld et a/., 1944). Hoje, ela não é conduzi da apenas em situaçõesde presença conjunta, isto é, face a face, mas também por diversos meiosde comunicação interpessoais e redes sociais (que ocasionalmente po-dem funcionar como broadcast media), de sorte que a interação entre acomunicação interpessoal e os meios de comunicação de massa tornou--se mais complexa, e as fronteiras entre eles, mais porosas. A comunica-ção interpessoal tem sido considerada importante sobretudo em relaçãoà agenda do público em geral, mas pode ser igualmente importante paraa agenda dos atores políticos e para a agenda dos meios de comunica-ção de massa - nesse caso, por meio de discussões informais dos jorna-listas com colegas e fontes, por exemplo. O papel dos indicadores domundo real ainda está pouco amadurecido na literatura concernente àteoria do agendamento, mas aqui os compreenderemos, de modo geral,como descrições estatísticas de determinados aspectos da realidade queas instituições produtoras de conhecimento publicam regularmente (p.ex., estatísticas ambientais, estatísticas de desemprego, etc.). Esses "fa-tos concretos" podem atuar na própria formação da opinião pública, namedida em que podem informar os atores políticos, os meios de comu-nicação e o público sobre a gravidade de um dado problema; mas po-dem ser também utilizados como um indicador externo para avaliar atéque ponto as notícias veiculadas pelos meios de comunicação conferemrealce de mais ou de menos a determinado tema. O modelo da Figura3.2 toma como ponto de partida o modelo original proposto por Rogerse Dearing (1987), mas é também modificado em certos aspectos. A agen-da dos meios de comunicação social é colocada no centro do modelo,por operar como ponto de transmissão entre a agenda dos políticos e a

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do público em geral, respectivamente, em comparação com o supracita-do circuito de comunicação dual. Além disso, não há influência diretaentre os indicadores do mundo real e a agenda do público em geral,urna vez que esses indicadores são caracteristicamente comunicados porintermédio dos meios de comunicação ou dos atores políticos, sua maiorcirculação dependendo, portanto, da atenção e do enquadramento queIhes são dados pela mídia.

Comunicação interpessoal: face a face e mediada

11 11 11Agenda dos --+ Agenda dos meios

--+ Agenda do públicoatores políticos +-- de comunicação +-- em geralde massa

r rIndicadores do mundo real

Rgura 3.2Processo de agendamento. Interação entre as agendas dos atores políticos,dos meios de comunicação de massa e do público em geral, e os papéis daC?mUnicaçãointerpessoal e dos indicadores do mundo real. O modelo é par-Cialmentebaseado no sistema de Rogers e Dearing (1987).

A princípio, a teoria do agendamento enfocava exclusivamente oll1odo como a agenda dos meios de comunicação de massa influenciavaas agendas das instituições políticas e do público em geral, abstendo-'se de discutir se os meios de comunicação influenciariam ou não asOPiniões particulares que as pessoas pudessem ter sobre os diferentes

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temas constantes da agenda midiática. Contribuições mais recentes paraa teoria e a análise do agendamento mostram que os meios de comuni_cação podem influenciar, também, as diferentes opiniões concernentesaos temas expostos, e não apenas a saliência do tema propriamente dito.Essa dimensão da contribuição dos meios de comunicação para a for-mação da opinião pública é muitas vezes referida como "segundo níveldo agendamento" (Ghanem, 1997; McCombs, 2004), uma linha de pes-quisa que busca combinar o modelo do agendamento com o conceitode "enquadramento" (framing). Os veículos noticiosos podem influen-ciar a interpretação de um dado tema pelo enquadramento que lhe dão.Por enquadramento compreendemos - seguindo a definição de Entman(1993: 52) - "selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida etorná-Ios mais salientes em um texto comunicativo, de modo a promo-ver uma definição particular do problema, uma interpretação casual,uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento". Nessesentido, os veículos jornalísticos não se limitam a falar sobre temas domundo, mas os enquadram de diferentes maneiras que podem favorecerou questionar certas interpretações sobre um assunto político. Os meiosde comunicação podem influenciar as agendas dos atores políticos e dopúblico em geral pelo destaque que conferem a um determinado tópico,isto é, aquilo sobre o que falam os veículos de notícias (primeiro níveldo agendamento); e pelo enquadramento particular dos temas, isto é,o modo como informam sobre determinado assunto (segundo nível doagendamento). A distinção entre os dois níveis não passa de uma cons-trução teórica; na prática, eles se interligam, de modo que o enquadra-mento dado a uma notícia pode influenciar o nível de atenção que o

tema recebe, e vice-versa.Os atores políticos podem, da mesma forma, influenciar a agen-

da midiática, e assim também a agenda pública, ao repetir um conjuntode questões proeminentes e conferir um enquadramento particular ao~problemas políticos. Em um ambiente midiatizado de campanhas poh-ticas permanentes, ganhou importância para os partidos tentar "prepa-rar" a agenda dos meios de comunicação antes do início da campanhaeleitoral efetiva. Enquadrando continuamente as questões políticas d.e

uma maneira que seja favorável a sua posição, os partidos talvez conSI-gam preparar a agenda dos news media com antecipação (Lund. 2004)·

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Se esperarem até a campanha eleitoral final, possivelmente não irão dis-por do tempo necessário para desviar a agenda noticiosa de temas nosquais se mostrem fracos. No universo do marketing político, os esforçospara influenciar a agenda jornalística geralmente implicam foco estreitoem quatro ou cinco temas repetidos sistematicamente ao longo da cam-panha. Como observa Maarek (2011: 53), o político "terá de limitar adiversidade dos temas de campanha, a fim de não passar aos receptoresde sua comunicação a impressão de ser demasiadamente disperso: comefeito, os meios de comunicação de massa modernos são ainda menospropícios à transmissão de mensagens complexas do que as formas maisantigas". As observações de Maarek remetem ao contexto norte-america-no, onde as campanhas presidenciais de Ronald Reagan são tidas geral-mente como os primeiros exemplos bem-sucedidos desse tipo de marke-ting político que condensa todo um programa político em alguns poucosslogans facilmente identificáveis. Mas a profissionalização do marketingpolítico disseminou-se por muitos outros países. A exitosa campanhaeleitoral do Novo Partido Trabalhista de Tony Blair na Grã-Bretanha, nadécada de 1990, inspirou muitos políticos europeus a adotar estratégiasde marketing semelhantes, estratégias que, nos anos 2010, tomaram-selugar-comum.

Mídia jornalística:uma rede estendida de comunicação política

Nas últimas décadas, os políticos adaptaram-se a um ambientemidiatizado no qual os meios jornalísticos desempenham papel centralna formação da opinião pública. Entretanto, o salto da Internet, nos anos1990, e o surgimento de diversas mídias móveis e interativas, nos anos2000, aos poucos foram mudando - também no domínio da comuni-cação política - a centralidade do jornalismo e dos veículos de notícias.Deuze (2007: 140) chegou a proclamar que "o jornalismo, enquanto tal,está perto do fim", uma vez que as fronteiras que o separam de outrasformas de comunicação pública estão desaparecendo na era digital e osmeios jornalísticos mais antigos estão sendo incorporados pela Internet.Por mais que julguemos prematuro escrever o epitáfio do jornalismo,não restam muitas dúvidas de que ele perdeu parte da autoridade de que

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gozava para influenciar a formação da opinião pública. Com efeito, Ospolíticos encontraram nos sites e nas redes sociais, de que são exemploos blogues, o Facebook e o Twitter, novos canais para comunicar suasmensagens e ações políticas. Como observou Bruns (2005, 2008), os jor-nalistas já não são os únicos porteiros (gatekeepers) da distribuição de no-tícias: qualquer um, em princípio, pode publicar notícias e opiniões naInternet e nas redes sociais. Segundo Bruns, o papel do porteiro deve darlugar ao novo papel do vigia (gatewatcher). Em um ambiente de mídiacujo problema não está na escassez de novas fontes, mas na abundânciade informações disponíveis em diversas plataformas, o papel das audiên-cias e dos jornalistas passa a ser o de "vigiar o portão" e redistribuir equalificar as informações já circulantes. No plano do jornalismo políti-co, tal fenômeno significa que os veículos de notícias são apenas um -embora importante - entre muitos outros distribuidores de informaçõespolíticas. Nesse quadro, a tendência é que o jornalista passe cada vezmais a cumprir o papel de fornecer interpretações e comentários críticossobre informações já disponíveis acerca dos acontecimentos políticos.

A reportagem de uma grande notícia de relevância internacionalpode servir para ilustrar a passagem do papel do jornalista de portei-ro para vigia. A morte do ditador líbio Muammar Kadafi, em outubrode 2011, preencheu quase todos os critérios de noticiabilidade exigidospara que se tornasse uma história de grande relevância jomalística - umevento ao mesmo tempo extremamente dramático e de tremenda impor-tância política não apenas para a revolução líbia, mas também para todaa comunidade internacional. Quando Kadafi foi capturado pelas forçasrebeldes líbias e instantes depois assassinado, sua captura e morte foramcomunicadas pelos rebeldes. Ademais, um vídeo que exibia o ditadorsendo espancado ainda vivo e logo depois seu cadáver foi rapidamen-te distribuído pela Internet, levando de imediato todos os interessadospolíticos da Líbia e da região a comentar a notícia em uma variedade deplataformas. Nessa situação, o papel do repórter não era precipuamenteo de transmitir a notícia, visto que o evento mesmo já fora comunica-do pelas pessoas envolvidas no ato e muitos interessados políticos já se

. . - obrehaviam aproveitado da ocasião para comunicar sua mterpretaçao s. d t s es-as repercussões do evento. Em épocas anteriores, os correspon en e

trangeiros ou as agências internacionais de notícias teriam atuado como

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porteiros de um acontecimento de tal proporção; hoje, porém, sua tarefacada vez mais tem sido a de confirmar ou rejeitar as informações que jácirculam, bem como analisar e comentar as causas e implicações futurasdos acontecimentos.

A morte de Muammar Kadafi constitui uma história jornalísticaexcepcional sob diversos aspectos, inclusive pela forma como foi cornu-nicada ao mundo. É importante salientar, contudo, que, quando se tratada vida mundana da política cotidiana, os jornalistas ainda gozam dealguma autoridade como porteiros entre os atores políticos e o públicoem geral. A distinção entre as funções de porteiro e vigia não é, portanto,absoluta, mas de grau. O ambiente midiático tornou-se inegavelmentemais diverso, permitindo aos interessados políticos e ao público em ge-ral passar ao largo dos veículos de notícias de várias maneiras, mas os jor-nalistas também ganharam acesso mais fácil às fontes e informações pormeio desses veículos. A disseminação das mídias digitais e interativas, demodo geral, não substitui os meios de comunicação tradicionais, masos suplementa e com eles interage de diversas formas. O Pew ResearchCenter, valendo-se de dados referentes aos Estados Unidos, relata que asmatérias que recebem maior atenção nas chamadas mídias orientadaspelos usuários muitas vezes diferem daquelas priorizadas pelos veícu-los de notícia tradicionais, da mesma forma que os diversos modelosde redes sociais (p. ex., YouTube, Twitter e blogues) diferem entre si. Noentanto, observam que os blogues, por exemplo, confiam fortemente nasinformações transmitidas pelos grandes veículos jornalísticos: "em quepese a agenda pouco convencional dos blogueiros, os veículos tradicio-nais ainda fornecem o grosso das informações que publicam. Mais de99% das matérias lincadas provêm de canais antigos, como os jornais eas redes de rádio e televisão" (Pew Research Center, 2010)._ As várias mídias interativas não apenas se valem das informa-

Çoesproduzidas pelos veículos tradicionais de massa, como muitas ve-Zesse esforçam por obter reconhecimento público por intermédio deles.Uma dada notícia pode ser publicada por diversos atores políticos nasredes sociais, mas, de modo geral, só passará a influenciar uma fatia maisampla da agenda pública depois de abraçada pelos veículos jornalísticost~adicionais. A ascensão das novas mídias possibilitou aos atores polí-ttcos adentrar o campo da produção e distribuição midiática. Todavia,

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para que suas mensagens alcancem influência para além de seu círculoimediato de correligionários, eles necessitam dos veículos jornalísticospara divulgá-Ias e, assim, garantir-lhes o reconhecimento público de SUalegitimidade factual e relevância para a sociedade. Em geral, a dissemi_nação das novas mídias tornou mais complexo o processo de formaçãoda opinião pública, possibilitando a um número maior de atores polí-ticos interagir mais diretamente uns com os outros, com os jornalistas ecom o publico. Os veículos jornalísticos conservam ainda uma posiçãorelevante no circuito de comunicação política graças à sua capacidadede conferir reconhecimento público às mensagens políticas; todavia, opapel do jornalista possivelmente será cada vez menos o de porteiro dasinformações no processo de agendamento e mais o de vigia - comenta-rista e qualificador - na formação da opinião pública. Um político podemuito bem driblar o porteiro jornalístico postando uma mensagem noFacebook e assim alcançar seus seguidores diretamente, mas na maioriadas vezes ele tentará chegar a seus partidários e aos jornalistas ao mes-mo tempo. Isso porque os jornalistas também monitoram redes sociaiscomo o Facebook e podem utilizá-Ias como fontes ou informações bá-sicas para suas matérias. Na transformação de um circuito dual de co-municação política de massa para uma rede estendida de comunicaçãopolítica mediada, a prática de comunicar-se com alguém e ao mesmotempo ser ouvido por outros tornou-se não apenas uma possibilidade,mas também uma condição da política midiatizada.

À medida que os atores políticos adquirirem mais habilidadesprofissionais no domínio da mídia, é possível que venham a vencer adisputa com os jornalistas. No entanto, talvez se tornem mais dependen-tes dos meios de comunicação e de expertise midiática, já que tambémterão de integrar muitas das novas mídias à atividade interna da políti-ca - por exemplo, na comunicação com os membros do partido e comos eleitores em diferentes plataformas de redes sociais e no emprego devárias novas mídias para fins arrecadatórios. A Figura 3.3 apresenta ummodelo da rede estendida de comunicação política dos meios de massae interativos. Em geral, as mídias interativas não substituíram o papelde porteiro dos veículos jornalísticos, mas expandiram o campo da co-municação política mediada e possibilitaram a todos os atores" ouvir" acomunicação uns dos outros.

Figura 3.3

R~de estendida de comunicação política em um novo ambiente de mídia. Osvelcu.losjornalísticos desempenham um papel central como nó de conexão eporteiro, mas tal papel é suplementado e complexificado pelas mídias interati-vas, ~u~ - potencialmente - permitem a todos os participantes comunicar-seem publico e observar ou "ouvir" a comunicação uns dos outros.

A política da visibilidade

Com a esfera política pública cada vez mais constituída por di-ferentes fi d ídi d .. ormas e rru Ia, ca a vez mais a comunicação política passou allllsturar_ dif d .. . -se com os 1 erentes mo us operandi dos meios de comurncaçao.Tal fenô . . .. .a ~eno, como Vimos antenormente, Implicou, entre outras COisas,d necessidade de os políticos se adequarem aos critérios de noticiabilida-e e aos prazos dos veículos jornalísticos, bem como de se comunicarem

Mídiainterativa

Atorpolítico

~Veículos

jornalísticos

Mídiainterativa

Público

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Atorpolítico

Mídiainterativa

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em determinados formatos, como os soundbites e os press releases, para teracesso à agenda desses veículos. Todavia, a adequação a certos formatosde mídia não é o único aspecto da midiatização. Um fator geral e par-ticularmente importante desse processo é a visibilidade que os meios decomunicação conferem a todos os atores políticos e por meio da qualsão alteradas a estrutura da persona política e as exigências performativascorrespondentes (Comer, 2003). A seguir, abordaremos dois aspectosdesse processo, a personalização da política e a conversacionalização da co-municação política.

Um dos pioneiros do jornalismo televisivo na Dinamarca, PaulTrier Pedersen descreve como a televisão alterou o acesso aos políticos ea concepção que se tinha deles. Em sua infância, transcorrida nos anosdo entreguerras. Pedersen conta ter tido a oportunidade de ver uma úni-ca vez, de relance, a figura do famoso primeiro-ministro dinamarquêsThorvald Stauning, em um comício realizado por ocasião do Dia daConstituição. Com o nascimento da televisão, após a Segunda GuerraMundial, os políticos e ministros do país tornaram-se rostos familiares,quase tão familiares quanto os membros da família:

Basta apertar o botão para trazê-los à nossa sala de estar: lens ütto Krag,Erik Eriksen, Poul Serensen, Karl Skytte, Aksel Larsen e Iver Poulsen [todosconhecidos políticos dinamarqueses]. Ei-los aqui, tão vivos que quase dávontade de lhes oferecer uma xícara de café. [... ] Mas, agora que entraramem nossas salas de estar, terão de aturar as nossas interrupções, palavrasde agradecimento ou, quem sabe, uma expressão rude de desagrado. Seassim é com ütto Leisner [popular apresentador norueguês de programasde entretenimento], por que haveria de ser diferente com eles? (Pedersen,1964: 33; traduzido do dinamarquês)

Primeiro foi o rádio que familiarizou o público com as vozesdos políticos; depois veio a televisão tornar visível toda a persona políti-ca: a aparência do político, seu modo de vestir, as expressões faciais. OS

gestos, ete. Ao levar os políticos à sala de estar dos ouvintes e telespectadores, os meios eletrônicos não só criaram uma ponte entre a esferapública e o lar do cidadão comum, como redefiniram a relação entreespaços sociais antes separados e produziram mudanças nas exigênciasperformativas da comunicação política.

Comparando a interação face a face não mediada com aquelamediada por canais eletrônicos, em particular a televisão, Meyrowitz

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(1986) identifica o surgimento de uma nova espécie de interação - emparte pública, em parte privada - como o modo predileto de encontromediado. Para tanto, ele toma como ponto de partida o modelo tea-tral de interação social proposto por Erving Goffman (1956), em que adistinção entre a performance dos atores no "palco" e seu real comporta-mento nos "bastidores" desempenha papel crucia!. Segundo Goffman,a interação social é regida pela representação (role-playing), na medidaem que os participantes adaptam sua performance às expectativas indica-das por uma dada situação em termos de comportamento apropriado.Na interação social, os participantes negociam continuamente comodefinir a situação que têm diante de si (por exemplo, um jantar é umjantar de negócios, um jantar privado ou talvez um encontro?) e comoajustar seus papéis sociais a ela. O uso do termo "representação" nãosugere que os participantes estejam comportando-se de maneira deso-nesta (isto é, diferentemente do que são na realidade), embora, natu-ralmente, possam agir assim de vez em quando. Ao empregar o termo"representação", Goffman quer chamar a atenção para o fato de quequalquer tipo de interação requer que os participantes atuem de certasmaneiras, a fim de que outros reconheçam sua compreensão da situa-ção em apreço.

Um dos exemplos de Goffman é a interação que se dá entre umgarçom e os clientes em um restaurante. Enquanto atende aos clientes, ogarçom está atuando diante do palco e suas ações (discurso, gestos, ex-pressões faciais, ete.) Ihes são acessíveis. Ao retirar-se para a cozinha, porexemplo, ele passa aos "bastidores". Nesse espaço, pode relaxar das exi-gências performativas do bufê (pode, por exemplo, comer ou beber algu-ma coisa) e preparar-se para voltar à cena (arrumando o uniforme, ete.).Ainda nos bastidores, ele pode também juntar-se a outros funcionáriosdo restaurante para, digamos, fazer fofoca sobre o comportamento dosclientes e, assim, criar uma compreensão comum acerca da situação nopalco. "Palco" e "bastidores" devem sempre ser compreendidos em ter-rnos relativos, dependendo de onde se considere ocorrer a interação. DeOUtroponto de vista, a cozinha também pode ser considerada palco, poisCOntémsuas próprias exigências performativas no tocante à interação dosfuncionários (aqui, por exemplo, um comportamento estritamente for-rnal entre colegas de trabalho tende a ser considerado inadequado); em

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relação a esse palco, os vestiários ou uma área externa para fumantes po-dem ser considerados bastidores.

Meyrowitz (1986) julga o modelo de representação teatral deGoffman esclarecedor, mas ressalta o fato de pressupor implicitamenteuma sociedade na qual a interação social ocorre face a face, sociedadeque, ademais, é dividida funcionalmente em uma série de localidadesseparadas, cada qual caracterizada por uma definição clara das situaçõessociais possíveis e dos papéis sociais correspondentes. Grosso modo, omodelo interacional de Goffman reflete uma sociedade vitoriana regidapelo lema "tudo a seu devido tempo e em seu devido lugar". Em umatal sociedade, o acesso aos diferentes tipos de localidades sociais é so-cialmente estratificado conforme a classe social, o gênero e a idade. Porexemplo, as crianças não têm acesso ao mundo adulto, as mulheres têmacesso apenas limitado ao mundo dos negócios e da política, e assim pordiante. Do ponto de vista informacional, uma localidade representa umpalco a que somente alguns poucos têm acesso e, portanto, conhecem.A divisão interacional entre palco e bastidores fundamenta-se, pois, nacapacidade de negar aos indivíduos acesso à informação, isto é, de repre-sentar para determinada plateia, sem permitir que outros conheçam opalco ou os bastidores.

Com o advento dos meios eletrônicos, esses sistemas de infor-mação delimitados por localidades começam a erodir. Como argumentaMeyrowitz (1986), o rádio e a televisão passam a ser usados coletivamentee tudo quanto transmitem toma-se acessível para todos os membros dolar (homens, mulheres e crianças) e para toda a nação (ricos e pobres, mo-radores do campo e da cidade, ete.). Os meios eletrônicos constituem umespaço aberto de comunicação que transcende papéis e status sociais. Alémdisso, o conteúdo do rádio e da televisão é, ele próprio, uma miscelâneade todas as espécies de situações sociais, abarcando uma variedade de es-feras e localidades sociais: reportagens sobre encontros políticos de che-fes de Estado, receitas gastronômicas, representações ficcionais da vida decriminosos, soldados, policiais, amantes, crianças, ete. Em contraste como mundo não mediado de Goffman, caracterizado por encontros sociaisseparados, papéis sociais bem definidos e controle do acesso à informa-ção, o rádio e a televisão reúnem uma diversidade de situações sociaisanteriormente distintas em um circuito comum de comunicação. Em con-

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sequência, os participantes passam a ter dificuldade para desempenhar ospapéis tradicionais ligados a determinadas situações.

Em lugar da rígida separação das situações sociais e da perfor-mance no palco e nos bastidores, os meios eletrônicos, conforme sugereMeyrowitz (1986), promovem uma cena social modificada que combinaas exigências performativas de uma variedade situações sociais, incluindoa dos bastidores, privada, e a do palco, pública. Nessa nova cena media-da, a região do meio (middle region), já não é possível aderir a papéis estri-tamente públicos ou formais, como tampouco é aceitável fazer uso depadrões de comportamento estritamente privados ou informais. A con-tínua exposição dessa nova região intermediária por parte dos meios decomunicação impõe aos atores políticos, acima de tudo, criar um espaçosocial muito mais isolado, uma região posterior profunda (deep backstage),que lhes permita ter a certeza de que não estarão acessíveis a ninguém ex-ceto seus aliados e amigos mais próximos. Ao mesmo tempo, os políticose outras figuras públicas ainda precisarão ser capazes de cumprir deverespúblicos de caráter formal para os quais a performance mista da região domeio pareceria inadequada. Para essas ocasiões formais - p. ex., a possede um novo presidente, a sessão de abertura do parlamento, ete. -, a re-gião antefrontal (forward front stage) se estabelece como a cena preferida,caracterizada por uma performance fortemente ritualizada ou cerimonial eclaramente distinta das formas ordinárias de interação política. A Figura3.4 apresenta uma síntese da reconceitualização. proposta por Meyrowitz(1986), da interação social na era da mídia eletrônica.

Meyrowitz (1986) explica o surgimento das exigências do novopapel social como resultado fundamental dos novos circuitos de comu-nicação estabelecidos pelos meios eletrônicos. Tais exigências, contudo,são também resultado das affordances audiovisuais do rádio e da televi-são, que colocam a audiência em contato íntimo com as característicaspessoais dos participantes, como o timbre da voz, os gestos, as expressõesfaciais, o modo de vestir, ete. No âmbito da política, tal fenômeno tomaOstraços pessoais imediatamente acessíveis e parte da performance polí-tica. Na realidade audiovisual, o equilíbrio entre a quantidade e o tipode informações que um político intencionalmente desejaria "passar" aoPúblico e aquelas que involuntária e inevitavelmente "deixa passar", aoexpor-se no rádio e na televisão, muda em favor das últimas. Em uma

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Goffman:Encontros face a face

Meyrowitz:Encontros mediados

"Região posterior profunda"

"Bastidores" Descanso e ensaio

Descanso e ensaio Privacidade estrita

Espaço privado

"Região do meio"Fusão dos papéis público

e privado

"Palco"Performance regida por papel "Região antefrontal"

Espaço público Comportamento públicoe cerimonial

Figura 3.4Visão geral da revisão de Meyrowitz (1986) para o modelo teatral de interaçãosocial proposto por Goffman.

cultura política de mídia impressa, os políticos geralmente esperariamque os jornalistas se concentrassem na mensagem política, e não em suaaparência pessoal ou particular. Hoje, o predomínio dos veículos audio-visuais faz essas expectativas parecerem um tanto ingênuas. Em suma,Meyrowitz (1986: 272) argumenta que os meios de comunicação eletrô-nicos rebaixaram os políticos ao nível do público. "O dose pessoal obrigamuitos políticos a fingir-se menos do que gostariam de ser (e assim, emum sentido social, eles de fato se tomam menos)".

Embora o conceito de "região do meio" como novo e preferidomodelo de interação tenha sido desenvolvido especialmente em respostaà influência da televisão, as ideias fundamentais que comporta aindasão válidas nesta era de meios de comunicação digitais e interligadoSem rede. Marwick e Oanah (2010) examinam os usuários de redes so-ciais como o Twitter e a concepção que têm de seu público seguidor.Sendo as redes sociais abertas a uma variedade de participantes e assun-tos, resulta difícil para os usuários ter uma noção clara de quem sejam

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seUSseguidores e cousuários; consequentemente, é mais difícil, nos en-contrOS comunicativos, estabelecer definições mais precisas da situaçãosocial em questão e dos papéis sociais correspondentes: " A exemplo datelevisão, as mídias sociais fundiram contextos sociais diversos em umsó, dificultando para as pessoas tomar parte nas complexas negociaçõesnecessárias para diversificar a apresentação pessoal, controlar as impres-sões transmitidas e salvar as aparências" (Marwick e Danah, 2010: 213).

Essa "fusão contextual" presente nas redes sociais leva os usuá-rios a buscar uma "região do meio" como forma de equilibrar as pro-priedades metade públicas, metade privadas do espaço interacional. Emmuitos casos, isso significa que o modo preferido de interação traz a mar-ca da sociabilidade [Simmel, 1971), isto é, um modo de interação metadepúblico, metade privado, cuja principal finalidade passa ser a fruição deconversas e companhias agradáveis. No plano da política, tal fenômenoencerra possibilidades e problemas. Por um lado, permite aos políticoscomunicar-se mais diretamente com seus partidários, de um modo in-teracional aparentemente mais espontâneo e agradável. Por outro, podeinibir um debate mais sério sobre os temas políticos. Storsul (2011), exa-minando o uso do Facebook entre jovens políticos da Noruega, relata quea_rede social é utilizada maciçamente como ferramenta para a organiza-çao política prática. Todavia, quando se trata de expressar pontos de vista~olíticos e tomar parte no debate político, o sociável espaço interrnediã-no das redes sociais parece contraproducente. Apesar de participarem ati-vamente da política partidária, muitos jovens políticos abstêm-se de fazerdeclarações políticas explícitas e de debater questões mais controversas,por consideram-no inadequado à imagem que procuram manter entreseus amigos do Facebook, muitos dos quais não são politicamente ativos.

Personalização da política

A preferência dos meios de comunicação pela interação socialna região d . ib .. _ . o mero contn UlU para a personalização da política. NoIniCiOd - I XX . .o secu o , os partidos de muitos países ocidentais eram, demOdo g I . d c_ era, organiza os conrorme a classe social a que pertenciam; istod cada partido tinha suas raízes em uma dada classe social e o númeroe 11 1 I

e eitores flutuantes" que cruzavam as fronteiras desse sistema de re-

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presentação classista permanecia razoavelmente baixo. Em tal sistema,a autoridade de um político costumava fundar-se em sua capacidadede incorporar o papel social de seus apoiadores. Assim, um socialista Ousocial-democrata tinha de parecer um trabalhador e falar como um tra-balhador, e seu ingresso na política geralmente se dava na qualidade derepresentante sindical ou algo similar. Já um político liberal (em termoseconômicos) não apenas tinha de incorporar o papel social de um in-dustrial ou de um proprietário de terras, como, muitas vezes, ser recru-tado dessas classes sociais. Em outras palavras, o político podia e deviadirigir-se a seu público de uma maneira que refletisse as particularidadesda experiência da classe social que representava. Em uma sociedade mi-diatizada, a autoridade política é, em maior medida, construída a partirda identidade pessoal do político, isto é, de seu condão de conferir à car-reira na política uma narrativa pessoal capaz de legitimar seu programapolítico. Importa salientar que a crescente personificação da política nãosignifica, absolutamente, que os líderes políticos de um século atrás fos-sem personalidades menos destacadas em comparação com as de hoje.Lideres poderosos e carismáticos talvez fossem até mais comuns nosmovimentos políticos de massa anteriores à Segunda Guerra Mundial. Aconstrução da autoridade política pela incorporação das peculiaridadesde uma classe social não significava que os políticos não pudessem trans-cender essa base social por meio de suas realizações individuais.

A personificação da política moderna e midiatizada diz respeitoao modo como os políticos representam sua persona pública. Hoje, opapel social do político normalmente é minimizado em favor de umarepresentação que mistura trajetória política com trajetória de vida. Emum estudo longitudinal sobre a representação dos primeiros-ministrosbritânicos pelos veículos jornalísticos, Langer (2007, 2010) mostra terhavido um crescimento do enfoque sobre a vida pessoal e privada dospremiers, mudando as expectativas depositadas nos políticos de alto es-calão: "A expectativa, agora, é de que os líderes sejam mais informais,coloquiais, que estejam à vontade no plano confessional e sejam capazesde mostrar-se emocionalmente reflexivos e abertos" (Langer, 2010: 68).Tony Blair contribuiu especialmente para estimular o interesse da im-prensa pelos traços da personalidade dos políticos, e o estudo de Langermostra que o estilo pessoal de campanha do ex-premiê britânico teve re-

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percussões de longo prazo: "A era de Blair deve ser compreendida comomanifestação paradigmática desse fenômeno e um precipitador de suaintensificação posterior" (ibid.: 70).

O fenômeno Blair está longe de ser uma experiência exclusiva-mente britânica; com efeito, a personalização da política é um processoque se disseminou por muitos países da Europa, em alguns casos inspi-rado pelo exemplo britânico, noutros independente dele. Existem, noentanto, muitas diferenças nacionais e culturais no que diz respeito aoprocesso de criação da persona política. Em sua análise dos sites oficiaisde quatro chefes de Estado ocidentais, Bondebjerg (2007) aponta muitasdessas diferenças. O site de Tony Blair refletia a personalidade informaldo primeiro-ministro britânico com um toque de ironia e humor. O daalemã Angela Merkel continha um tom mais objetivo, apresentando-acomo uma liderança política e, ao mesmo tempo, uma mulher do povo.a do norte-americano George W. Bush personalizava sua gestão presi-dencial com referências a seus valores familiares conservadores, ideais denegócios e patriotismo. O do francês Iacques Chirac construía sua personapública como materialização da refinada cultura europeia. A construçãode uma persona política na mídia não depende, obviamente, apenas doempenho do político em apresentar sua carreira por meio de uma narra-tiva pessoal; depende, igualmente, dos diferentes e conflitantes retratosproduzidos e divulgados pelos veículos de comunicação em boletins denotícias, caricaturas, revistas semanais, biografias, ete., os quais podemvariar com o tempo e, em maior ou menor grau, desafiar a autoimagemque o político busca projetar. Enquanto o político se esforça para cons-truir uma identidade pessoal harmônica, de "região do meio", a mídiatrata de "ir além" dessa nova "fachada" política, oferecendo uma ima-gem supostamente ainda mais verdadeira do político. Nessa perspectiva,a nova região do meio da política personalizada não representa um acordofinal entre o pessoal e o político; antes sugere uma nova condição para aConstrução da persona política, marcada por uma luta contínua entre ospolíticos e a mídia pela demarcação do público e do privado.

Visibilidade na esfera pública constitui um importante recursoPolítico que os meios de comunicação até certo ponto controlam e com~ ~ual influenciam o modo como os políticos projetam sua persona pú-

hca. A importância da visibilidade mediada toma os políticos vulne-

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ráveis aos escândalos mediados. Como argumenta Thompson (2000), afama, a reputação e a credibilidade geradas por meio da visibilidade namídia representam um capital simbólico do qual dependem os políticosconsideravelmente para construir suas carreiras políticas, podendo essecapital simbólico ser trocado ao longo do caminho por m~edas "maisfortes", como as doações de campanha, os votos e, postenormente, omandato político. O valor desse capital, contudo, é altamente volátil,visto que um simples escândalo mediado pode pôr fim à carreira políti-ca de uma vida inteira em apenas alguns dias. Os escândalos mediadostêm sua própria lógica midiática; nela, a primeira resposta pública deum político às acusações que lhe tenham sido imputadas torna-se ex-tremamente importante para sua sobrevivência futura na política. Se elenega envolvimento em um escândalo e mais tarde se descobre sua parti-cipação, a negação em si, na mídia, pode redundar em uma transgressãoainda mais grave que o erro original. A vulnerabilidade dos políticos àcensura pública fez com que as tentativas de escandalizar adversários po-líticos passassem a ser um elemento recorrente das campanhas políticasmodernas. A campanha promovida pela direita norte-americana para es-candalizar o encontro sexual de BiUClinton com Monica Lewinsky é umexemplo bastante eloquente dessa tendência, mas outros países tambémexperimentaram a influência negativa das campanhas midiáticas con~aos políticos, nas quais foram criticados por várias formas de transgressaomoral ou legal (Aliem e Pollack, 2012).

Política coloquial

A transição da cena política do "palco" para a "região do meio"afeta não apenas as exigências performativas dos políticos, mas tamb~mos formatos e gêneros da comunicação política. Em sua análise históncados discursos políticos norte-americanos, Iamieson (1988) registra comoo discurso coloquial passou a ser a forma preferida de comunicação p~-lítica à medida que os políticos paulatinamente foram se adaptando asexigências dos meios eletrônicos de massa. A retórica apaixonada do ora-dor que falava para grandes plateias aos poucos deu lugar a uma formade discurso público que simulava uma conversa tranquila entre um pe-queno grupo de pessoas:

A MIDIATIZAÇÃO DA =ounox 115

A eletricidade transportou a comunicação para um ambiente íntimo.O rádio e a televisão transmitem suas mensagens a unidades familiarescompostas por duas ou três pessoas. Em contra partida, o desfile de tochasatraía centenas e às vezes milhares para ouvir um orador. Na quietude denossa sala de estar, é menos provável que sejamos tomados por algumfrenesi do que se estivéssemos cercados por uma pululante, transpirantemultidão de partidários. (Jamieson, 1988: 55)

Como sugere Iarnieson - e contrariamente às frequentes crí-ticas aos meios de comunicação -, a influência dos meios eletrônicosnão tornou a comunicação política necessariamente mais emocional.Em verdade, os comícios políticos e os debates realizados nos centroscomunitários (vil/age hal/s) eram mais propícios ao uso do pathos retóri-ca do que as discussões e entrevistas da moderna política televisionada,geralmente de caráter mais racional. É claro que o rádio e a 1V tambémpodem transmitir sentimentos políticos, mas, pelo fato de a situaçãoe a estrutura comunicativa serem diferentes, o discurso emocional nor-malmente também será diferente em relação às formas mais antigas decomunicação política. Um discurso realizado em um comício normal-mente apelará às "grandes" emoções coletivas ligadas a nacionalismo,classe social ou raça, ao passo que um colóquio político transmitidopelo rádio ou pela televisão muito provavelmente se dirigirá às emoçõesindividuais e pessoais. O desenvolvimento de um modelo de comunica-ção política mais ameno e coloquial não resultava apenas do "ambienteíntimo" das audiências de rádio e televisão: devia-se também ao papelcentral do jornalismo praticado nesses veículos e, em um sentido maisamplo, às affordances da transmissão radiofônica e televisiva como umaforma especial de comunicação social. No caso do rádio e da TV, os de-bates políticos passaram a ser moderados pelos jornalistas, e a entrevista(ao vivo) tornou-se uma forma crucial de comunicação política. O po-lítico teve de aprender a manter uma conversa fluente com o jornalista,a fim de ser "ouvido por acaso" por ouvintes e telespectadores ausentes.Teve de aprender e observar as regras especiais de revezamento da pa-lavra adotadas nas entrevistas, ao mesmo tempo que se viu obrigado aaprender como passar a impressão de estar envolvido em uma conversadescOntraída e informal. O movimento no sentido da informalização daComunicação política faz-se particularmente visível nos formatos maisleves de broadcasting factual, como os programas matinais de tevê, os talh-

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-shows, os programas de entretenimento [ornalístico. ete. Tais programaspromovem os ideais de conversação sociável oriundos da comunicaçãointerpessoal. razão pela qual se espera dos políticos que deles participarnque abordem as questões políticas (quando muito) de uma forma quenão interfira no caráter sociável do formato (Hjarvard. 2005).

Ainda que o rádio e a televisão sejam meios de comunicação demassa, toda comunicação que se estabeleça por esses canais - incluin,do a comunicação política - deve ter em conta a relação especial queconstroem os meios de comunicação entre o emissor e o receptor. Deveo político simular estar falando a um pequeno grupo de pessoas de umamaneira tal que o receptor perceba a si próprio como possível participan-te da conversa, e não apenas como mero componente de uma massa anô-nima que o político procura seduzir. De acordo com Scannell (2000), osmodernos meios de broadcasting caracterizam-se por uma estrutura comu-nicativa especial, que ele chama de "estruturas para todos em geral e cadaum em particular". Como tais, não se dirigem exclusivamente a "todosem geral" (como os meios de comunicação orientados para as massas)ou a "cada um em particular" (como os meios de comunicação interpes-soais voltados a cada indivíduo singular), mas constroem uma terceiraforma de comunicação, intermediária entre os meios de massa e os meiosinterpessoais. Utilizando essa "estrutura para todos em geral e cada umem particular", os meios de broadcasting surgiram como uma forma v~r-dadeiramente social de comunicação que, em seu modo especial de dIS-curso, veio preencher a lacuna entre o geral e o particular, o impessoal e opessoal. O modo conversacional que passou a dominar todos os gêneroSde broadcast - incluindo os gêneros monológicos - reflete essa estruturacomunicativa fundamental em que "todos em geral", a audiência comoum todo, são reconhecidos como "cada um em particular".

Partindo da tradição da análise do discurso, Fairclough (1995.)identificou a incidência do mesmo fenômeno, referindo-se à progreSSI-va "conversacionalização" de todas as formas de comunicação pública.Tal processo reflete-se linguisticamente no uso crescente da linguagerPinformal em todas as situações sociais, inclusive naquelas formais e

. . - eS-públicas, e no uso mais frequente de formas orais na comumcaçao .crita. Tais tendências também têm prevalecido nas plataformas maisnovas da mídia digital, como as mensagens de texto (SMS), os blogues,

A MIDIATIZAÇAO DA POLlTICA 117

as salas de bate-papo e, mais amplamente, as redes sociais. As mensa-gens de texto costumam exibir o mesmo caráter espontâneo e informalda comunicação oral, e os padrões conversacionais do discurso face aface são parcialmente reproduzidos na sequência de diálogos textuais.Nesse sentido, os textos aparecem como uma forma escrita do discur-SO natural ou, alternativamente, como uma forma oral da comunica-çãO escrita (Crystal, 2011). Nas novas mídias, as formas sociáveis dacomunicação em broadcasting que preenchem a lacuna entre públicoe privado, formal e informal estão, de modo geral, dando um passoadiante rumo a formas mais informais e privadas de discurso. No usoque fazem dos blogues, do Twitter e do Facebook, vemos entre os po-líticos uma tendência clara a tentar comunicar-se com uma linguageminformal, coloquial, que os situe no mesmo nível dos receptores de suamensagem e os convide a tomar parte na conversa.

No tocante à participação democrática, contudo, a conversacio-nalização da comunicação política constitui uma faca de dois gumes.Em termos positivos, ela reflete um ethos igualitário: os participantesencontram-se todos em pé de igualdade e recebem - potencialmente - omesmo tempo, o mesmo espaço e as mesmas oportunidades para falar.Ademais, a conversação parece ser regida por prinópios que se podem re-conhecer na interação cotidiana com familiares e amigos. Assim, poucasqualificações em termos de habilidades de performance ou conhecimentofactual parecem ser exigidas, se é que o são, a quem queira participar dodebate. Esse ideal de conversação muitas vezes baseia-se em uma no-ção implícita de superioridade do diálogo face a face sobre as formasde comunicação (massivamente) mediadas. Os méritos democráticosdos novos e interativos meios de comunicação residem, pois, no fatode 1/ 11 •retomarem a comumcação humana a uma forma mais autênticade comunicação dialógica. O valor democrático da conversação não éa~enas resultado do advento dos diversos (novos) meios de comunica-Çao,embora a disseminação das mídias digital e interativa tenha certa-rnente intensificado o foco na participação e na conversação dentro dos~~is debates sobre meios de comunicação e democracia (c~. Jenk~~s e

rburn, 2003; Fenton, 2010). Em certas correntes da teona política,esp . IeCia mente aquelas associadas à teoria educacional, é longa a tradiçãoqUe Considera a conversação um pilar da democracia a engajar os cida-

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dãos e qualificar os argumentos e a liderança. No contexto norte-ame_ricano, Iohn Dewey (1927) representa um importante exemplo dessatradição que, nos estudos de comunicação, foi decisivamente secundadapor Iarnes Carey (1989). No contexto escandinavo, a ênfase sobre a Con-versação foi introduzida especialmente por Hal Koch (1945). De urnaperspectiva crítica, a aparente igualdade da conversação pode obscu--.cer o fato de que a comunicação política, em sua essência, consiste emuma batalha discursiva entre partes muitas vezes desiguais que desejamalterar o equilíbrio do poder em seu favor. Desse ponto de vista, a comu-nicação política é parte da luta de grupos de interesse pelas ideias e pelaalocação dos recursos na sociedade. Logo, seria objetivamente incorretoe politicamente ingênuo acreditar que a comunicação se faz mais demo-crática seguindo as regras da conversação informal. Pelo contrário, issosó a deixa mais aberta à manipulação e ao controle por parte daquelesque melhor dominam essas formas de comunicação.

Schudson (1997) articulou uma crítica ao valor inerentementedemocrático da conversação, crítica que não se tornou menos impor-tante com a proliferação das mídias interativas nas últimas décadas.Schudson enfatiza a necessidade de distinguir entre, de um lado, a con-versação sociável, vagamente estruturada e sem outro propósito específicoalém do prazer da conversação em si e da companhia de outras pessoas,e, de outro, a conversação voltada à resolução de problemas, governada porregras, orientada para o público e muitas vezes trabalhosa ou mesmoincômoda de participar. Segundo Schudson (1997), a conversação de-mocrática é melhor servida quando se obedece a seu caráter "insociável"e mantém-se seu foco nos problemas públicos, bem como suas normasformais relativas aos procedimentos comunicativos e à tomada de de-cisões. O ideal da conversação face a face como algo intrinsecamentedemocrático constitui um erro histórico, visto que ideais de conversaçãotambém foram saudados por regimes aristocráticos nos quais o poderde falar era distribuído de forma extremamente desigual. Nada há deinerentemente democrático na conversação sociável:

o que faz uma conversação democrática não é a expressão livre, igual e es'pontânea, mas a igualdade de acesso à palavra, a igualdade de participaçãOna fixação das regras do debate e um conjunto de regras básicas que vise[!1a encorajar discursos pertinentes, a escuta atenta, simplificações apropria'das e direitos de discurso partilhados amplamente. (Schudson, 1997: 307)

A MIDIATIZAÇÃO DA POLiTlCA 119

A conversação não é, conclui Schudson, a alma da democracia./'. democracia nasce das instituições democráticas e, portanto, de regrase normas públicas institucionalizadas concernentes ao comportamentodemocrático, regras e normas destinadas - entre outras coisas - à con-dução de conversações democráticas voltadas à resolução de problemas.São as instituições democráticas que podem garantir as condições para asconversaçôes democráticas, e não o contrário.

A crítica de Schudson mostra-se certeira ante a frequente rornan-tização dos ideais de conversação. O dilema, no entanto, é que os meiosde comunicação ainda assim promovem esses ideais nas redes sociais,nos programas de rádio e TV, ete. Por força de suas práticas cotidianas,os veículos de comunicação e seus usuários estão institucionalizando aconversação sociável como um importante ideal do debate público de-mocrático. O ideal adquire assim sua própria realidade, podendo con-verter-se no critério de avaliação da performance dos políticos, entre osquais aqueles que não queiram ou não possuam as habilidades perfor-máticas para tomar parte nessas conversações sociáveis talvez tenhammenos chance de ser eleitos a um mandato público. Assim, por favo-recerem uma forma de comunicação política em detrimento de outra,as normas da conversação sociável podem resultar em um ideal demo-crático com consequências autoritárias. Dito isso, devemos reconhecerque a distinção entre as conversações sociáveis e as conversações voltadasà resolução de problemas não precisa ser absoluta. É possível que hajadiferenças de grau no que diz respeito à gravidade e às consequênciaspolíticas das várias formas de conversações que se estendem ao longodo espectro conversacional, desde as "puramente" sociáveis até aquelas·puramente" voltadas à resolução de problemas. Como demonstram oestudo histórico de Habermas (1962) sobre a transformação da esferapública e as mais recentes discussões acerca desse fenômeno (Plummer,2003; Dahlgren, 2006; Gripsrud e Weibull, 2010), as conversações naesfera cultural, na esfera privada e na esfera íntima podem, sob váriascircunstâncias, ser imbuídas de significado político, mobilizadas paraPropósitos políticos e ter repercussões políticas. A midiatização da polí-tica implica um avanço na direção dos modos conversacionais da comu-nicação política, o que muitas vezes é concebido - inclusive pela mídia -cOrno um benefício inerentemente democrático. Como sugere Schudson

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(1997), precisamos manter uma distância crítica dessas concepções, masdevemos naturalmente permanecer abertos às possibilidades das novasformas de comunicação política democrática.

o papel híbrido do comentarista político ligadoaos meios de comunicação

o último aspecto da política midiatizada que iremos examinaré o desenvolvimento e disseminação de diversas formas de comentáriopolítico nos meios de comunicação. A midiatização da política impli-ca uma mudança particular no equilíbrio de forças entre os vários ato-res participantes da formação da opinião pública. Tradicionalmente, opolítico desempenhava o papel de legislador, o cientista político atuavacomo o intérprete especialista em assuntos políticos, e ao jornalista cum-pria o papel de repórter crítico. Um dos resultados da midiatização dapolítica foi o obscurecimento geral das fronteiras entre esses papéis, oque se reflete na propagação do jornalismo interpretativo, na crescenteinteração entre os jornalistas e os spin dOctOTSe no surgimento de umanova espécie de expettise político-midiática orientada para a práxis. Nessecontexto, o papel híbrido do comentador político ligado aos meios decomunicação alcançou uma nova autoridade política.

O comentário político e a influência de uma casta especial deautoridades em política estão longe de constituir fenômenos novos, ten-do desempenhado papel importante desde os primórdios da imprensaopinativa e, mais tarde, no rádio e na televisão - e talvez tenham atémesmo precedentes em sociedades anteriores aos meios de comunicaçãode massa, como o Oráculo de Delfos (Nimmo e Combos, 1992). Fe-nômeno novo é a proliferação do comentário político entre os diversoSgêneros jornalísticos e nas demais espécies e gêneros de mídia, comoos blogues, os programas de entretenimento de rádio e tevê e as redessociais. A título de ilustração, uma análise do volume de referências a co-mentaristas de política em veículos jornalísticos on-line no curso das trêsúltimas eleições na Dinamarca revelou um aumento de dez vezes entre2005 e 2011 (M011ere Kiellberg, 2011).Vale acrescentar que o comentáriopolítico contemporâneo concentra-se especialmente na relação entre OSmeios de comunicação e a política, com particular destaque para o papel

A MIDIATIZAÇAo DA POLlTICA 121

da gestão de mídia e do spin no processo político. Por comentário políti-co compreendemos um amplo leque de práticas interpretativas voltadasà política atual, variando desde o lado imparcial e analítico do espectroaté sua ponta opinativa e prescritiva. Comum a esse amplo espectro depráticas'é o fato de os comentários políticos serem fornecidos por umgrupo de "comentaristas de política" a quem se atribui (ou que atribuema si próprios) uma posição discursiva privilegiada como "especialistasem política", capazes de fornecer interpretações sobre os atores e as açõespolíticas de uma posição ao menos parcialmente externa ao domínio dapolítica propriamente dita. Os comentaristas políticos não estão, con-tudo, apenas fora da política, mas parcialmente fora, ou à margem, deoutros papéis sociais tradicionais no âmbito da comunicação políticamediada. Alguns deles podem ser (ex-)jornalistas por profissão que, aocomentar sobre política, falam na qualidade de um editor-sênior ou deum correspondente a quem é dado transcender o papel jornalístico e ex-pressar uma opinião mais pessoal. Alguns podem ser (ex-) pesquisado-res acadêmicos por profissão (do campo da ciência social, por exemplo)que, ao comentar sobre política, falam mais livremente como observa-dores independentes. Muitos podem ser ex-políticos ou spin doctors que,ao comentar sobre política, procuram colocar-se acima de suas filiaçõespolíticas anteriores e falar da perspectiva de um outsider, mas com o co-nhecimento de um insider.

A maior proeminência dos coment~ristas políticos é parte deu~ fenômeno mais amplo no âmbito da mídia (jornalística), em quea Interpretação dos eventos políticos ganhou força. Gulati et ai. (2004)~ocumentam um crescimento de gêneros interpretativos como a aná-lIse e o tã d ' .comen ano e noncias tanto nos meios impressos quanto noselet A •

. , rOllICOS,e Wahl-Jorgensen (2008: 70) observa que "a expressão deJUIZOS " - [ J d . .e opmlOes... orruna cada vez mais as seções do jornal". O su-cesso da Fox News nos Estados Unidos atesta igualmente a crescente in-flUência do i I' "a o Jorna ismo opinativo e do comentário político, constituindo,de~ais, um exemplo da adoção pela mídia de um papel abertamente

PartIdário no âmbito da política (Hart e FAIR, 2003; Welch, 2008). NoCOntexto di D' rf .e escan mavo, Je -Pierre e Weibull (2001) mostraram como,m term h' ,. . l' .aí os istoncos, o jorna isrno televisivo e radiofônico na Suécia

astou_s d id 1 clá . d b . . .e o I ea assico e co ertura objetiva em direção a um para-

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122 8T1G HJARVARD

digma mais interpretativo. sendo possível identificar tendências seme_lhantes no desenvolvimento dos telejornais (Hjarvard, 1999) e jornais(Hjarvard, 2010b) da Dinamarca.

A evolução do comentário político é um exemplo interessa-j.te da midiatização da política, na medida em que reflete a necessidadedos meios de comunicação de desenvolverem uma casta particular decomentaristas especializados em política, em reposta às crescentes inter-conexões entre as duas esferas. Como sugere Brian McNair (2000: 82), "aexplosão colunística (e seu equivalente no rádio e na televisão - a pro-liferação de gurus e correspondentes especialistas) constitui uma com-preensível adaptação jornalística a um ambiente altamente competitivo,rico em informações e intensamente manipulado pelos atores políticos".Dessa perspectiva, a disseminação do comentário político não represen-ta apenas um fenômeno de base midiática que possibilita aos meios decomunicação assumir um papel mais interpretativo, analítico e por vezesabertamente opinativo em relação à política, mas também uma reaçãoa um processo político em que a comunicação mediada passou a ser in-ternalizada e utilizada por atores políticos para fins estratégicos. Nessecontexto, é possível que os meios de comunicação sintam a necessidadede dispor de uma espécie particular de expettise para explicar e expor o"jogo" político, incluindo o uso estratégico da gestão de mídia. Em suma,a "explosão colunística" é tanto uma reação à midiatização da políticaquanto um passo adiante rumo à sua intensificação.

Para compreender como esse tipo de expettise política adqui-riu autoridade pública, talvez seja útil lançar mão novamente de umaperspectiva institucional. Como Hemmingsen e Sigtenbjerggaard (2008)demonstraram, a autoridade do comentarista político ligado aos meiosde comunicação reside em sua capacidade de valer-se da legitimidadede três papéis sociais oriundos de três diferentes instituições: jornalis-mo, política e ciência. Para que lhe seja atribuída a condição discursivaprivilegiada de especialista, deve o comentarista desempenhar o papelde "especialista". Tal papel origina-se na academia, isto é, em institui-ções produtoras de conhecimento, como as universidades, e conquistasua legitimidade pela adesão aos ideais e práticas científicas. Todavia,o comentarista político quase nunca é um verdadeiro especialista nessesentido, uma vez que não se dedica à pesquisa propriamente dita. Isso

A MlDlATIZAÇAo DA pOLITICA 123

talvez diminua seu status de especialista, mas essa eventual desvantagemé compensada pela possibilidade de falar com mais liberdade, inclusivede recorrer a interpretações instantâneas as mais variadas, previsões parao futuro e recomendações políticas que normalmente não seriam permi-tidas a um pesquisador acadêmico. A ampla liberdade de interpretaçãotorna os comentaristas políticos muito mais convenientes para os meiosde comunicação do que os tradicionais especialistas das universidades.Os pesquisadores procuram, antes de tudo, legitimar-se junto a seus pa-res, o que muitas vezes os faz hesitar ante a possibilidade de ocupar-sepublicamente de exercícios interpretativos que os colegas possam consi-derar cientificamente infundados ou meramente especulativos.

Outra diferença em relação ao especialista acadêmico convencio-nal está nas competências comunicativas do comentarista político, que,nesse particular, tira proveito das exigências performativas do jornalistae da legitimidade da instituição jornalística como ente independente, epotencial vigilante, da instituição política. Qual um jornalista experiente,o comentarista político será um escritor imaginativo ou um orador arti-culado, mas não estará preso às mesmas regras a que um jornalista deveobedecer. Um comentarista político não precisará ser explícito quantoao uso de suas fontes; ao contrário, poderá muitas vezes substanciar suaanálise aludindo a fontes informais e anônimas como prova de seu aces-so privilegiado aos bastidores do mundo político. Da mesma forma, nãoestará o comentarista preso às normas tradicionais de objetividade e fa-tualidade que ainda regem boa parte do jornalismo, apesar dos avançosna direção de um paradigma mais interpretativo. Os comentaristas depolítica costumam escrever em um estilo ensaístico e, em vez de fatosestabelecidos, priorizam as razões por trás das ações e suas possíveis con-sequências. Ainda que o comentarista político possa ter formação jorna-lística e eventualmente trabalhe com outros jornalistas em uma redação,não está tão preso às regras da instituição jornalística.

O comentarista político também toma emprestada a autori-dade da instituição política. Nos últimos anos, muitos comentaristasalcançaram essa condição depois de trabalharem como consultores demídia ou conselheiros políticos de partidos ou políticos de alto esca-lão - uma experiência da "política real" que lhes serve de importantecredencial, não raro invocada ao comentarem sobre assuntos cotidia-

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nos (McNair, 2000). Há ainda comentaristas que contam com sua pró-pria agenda política, pela qual imprimem sua marca e passam a serpublicamente reconhecidos como politicamente influentes dentro deuma orientação de esquerda ou de direita - por exemplo, ao adotaruma posição favorável à imigração ou simpática ao movimento TeaParty, respectivamente, dentro do contexto norte-americano. À dife-rença dos políticos propriamente ditos, os comentaristas políticos nãoprecisam persuadir os eleitores a votar neles em um pleito futuro. Nãoprecisam defender seus pontos de vista políticos junto ao eleitorado,mas podem comentar sobre os assuntos políticos com certo distancia-mente, ao mesmo tempo que demonstram íntima familiaridade como processo político. De modo geral, os comentaristas políticos, em suaprática cotidiana, fazem uso das características performativas de trêsinstituições - jornalismo, política e academia =, mas são livres paraexplorar os benefícios dessas características sem ter de corresponder atodas as expectativas originadas por essas instituições (Figura 3.5). Emtese, seria de esperar que essa mistura de expectativas distintas criasseum conflito de papéis (Aubert, 1975), mas na prática, ao que pare-

Autoridademediante eleições

democráticas

Autoridademediante

jornalismo comoquarto poder

Autoridademediante

instituição científica

Figura 3.5Papel híbrido do comentarista de política. Ao combinar os elementos perfor-mativos dos papéis do jornalista, do político e do especialista, o comentaristapolítico tornou-se uma voz nova e confiável na política contemporânea.

A MIDIATIZAÇAO DA POLlTICA 125

ce, raramente isso acontece. De modo geral, os comentaristas políti-cos aparecem em uma variedade de formatos midiáticos e transitamcom naturalidade entre o ensaio jornalístico, a entrevista televisiva eo blogue pessoal. Precisamente por seu uso eclético de diversos papéissociais, eles adquiriram considerável liberdade para manobrar entrediferentes gêneros e mídias e falar com autoridade em cada um deles(Hemmingsen e Sigtenbjerggaard, 2008). Ademais, cada comentaristapolítico pode divergir quanto ao nível de confiança que deposita naautoridade das três instituições. Aqueles que trabalham para emisso-ras públicas normalmente atuam mais de acordo com o papel de umeditor sênior de política, ao passo que os blogueiros independentestendem mais a projetar seus próprios pontos de vista políticos.

É difícil mensurar a influência dos comentaristas políticos sobrea agenda política. Verifica-se normamente uma contradição irônica entreas manifestações desses comentaristas sobre sua suposta insignificân-cia - Peter Osborne, do britânico Daily Mail, declarou que "é difícil en-contrar exemplos de que tenha [o comentarista] alguma consequência"(Hobsbawm e Lloyd, 2008: 9) - e a influência que Ihes é atribuída pelopúblico em geral. Um indicativo da possível influência dos comentaris-tas políticos talvez esteja no fato de que, apesar de ainda formarem umgrupo numericamente pequeno, seus comentários costumam ser maisrequisitados pela mídia do que os pareceres de outras fontes, como osespecialistas acadêmicos. Ademais, o statlfs de especialistas que geral-mente Ihes é atribuído permite-lhes expor suas análises e opiniões comautoridade, sem que sejam contestados pelos jornalistas ou pelos atorespolíticos. Um dos principais motivos dessa crescente popularidade podeestar também em seus méritos performativos. Em geral, os veículos jor-

nalísticos contemporâneos enfrentam a pressão de prazos que corremvinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, e a insuficiência derecursos para conduzir pesquisas jomalísticas originais. Em tal ambiente,talvez seja difícil resistir à capacidade dos comentaristas políticos de ofe-recer análises quase sempre instantâneas, claras e interessantes sobre osaSSuntos políticos. Nesse sentido, as limitações organizacionais dos veí-culos jornalísticos andam de mãos dadas com a transformação estruturaldo nex Idi 1- . . I do rru ra-po ítica, esurnu an o o maior crescimento dessa formahíbrida de comentário político midiatizado.

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126 STIG HJARVARD

Epílogo

No presente capítulo, privilegiamos o exame do papel dos meiosde comunicação na transformação da política contemporânea. É impor_tante, contudo, ressaltar o fato de que as transformações que ocorreramno seio das instituições políticas, bem como na sociedade em geral, tam-bém contribuíram fundamentalmente para que os meios de comunica-ção e a política se tornassem instituições interdependentes na sociedademidiatizada atual. Como descrevemos brevemente neste capítulo, aomesmo tempo que a política tornou-se mais orientada para o mercado,os meios de comunicação tornaram-se mais comerciais. Os partidos po-líticos perderam parte do poder que detinham como organizações comgrande contingente de filiados, tornando-se entidades profissionalizadasvoltadas para a maximização dos resultados eleitorais junto a um elei-torado cada vez menos fiel (Negrine, 2008). A ascensão da Nova GestãoPública (New Public Management) como instrumento de estratégia po-lítica para orientar as instituições públicas (de hospitais a universida-des) fez penetrar ainda mais o pensamento de mercado no pensamentopolítico. O colapso da estrutura político-partidária baseada no critériode classe, a partir da Segunda Guerra Mundial, foi acompanhado poruma mudança geral nas crenças e opiniões das sociedades modernas,com os valores pós-materialistas passando a ocupar lugar de destaque aolado de questões políticas mais tradicionais relacionadas à distribuiçãodo bem-estar (Inglehart e Welzel, 2005). Nesse cambiante contexto orga-nizacional e cultural, a política tornou-se mais dependente de redes degovernança política que dependem, por sua vez, dos partidos políticos,dos grupos de interesses, dos meios de comunicação e de outros influen-tes mediadores que, pela via midiática, negociam a legitimidade das opi-niões e decisões políticas. Dessa perspectiva, a midiatização da política étanto consequência da erosão gradual da política organizada baseada emclasses quanto resultado do surgimento de um novo ambiente midiático.

Por força dos processos de midiatização, as instituições e ato-res políticos são cada vez mais influenciados pelo modus operandi dosmeios de comunicação, pelo que podemos considerar a midiatizaçãoda política como uma alteração no equilíbrio de forças entre duas ins-tituições, política e mídia, em favor desta última. Ainda assim, um atorpolítico - um governo, um partido ou um político - pode muitas vezes

A MIDIATIZAÇÃO DA POLíTICA 127

levar vantagem sobre os meios de comunicação e, assim, influenciar amaneira como retratam determinado assunto. Definir se é o ator políti-CO ou os meios de comunicação que acabam "vencendo" determinadoembate é uma questão empírica, e não algo a que a teoria da midiati-zação da política possa dar uma resposta inequívoca. Devido à formaprofissional como utilizam os recursos midiáticos e a gestão de mídia, asorganizações políticas podem ser capazes de conduzir a agenda política,sobretudo em circunstâncias nas quais os veículos jornalísticos carecemdos recursos necessários a um trabalho jornalístico independente. A mi-diatização da política envolve, antes de tudo, o processo de longo prazopelo qual as próprias condições da comunicação política são modificadase, assim, alteram a forma dessa comunicação e as relações entre os atoresenvolvidos. Metaforicamente falando, podem os atores políticos even-tualmente vencer uma batalha contra os meios de comunicação, masa midiatização da política implica que o resultado da guerra geralmen-te será decidido na arena midiática e pela capacidade de comunicar-seestrategicamente dentro dos meios de comunicação e pelos meios decomunicação. Nos tempos da imprensa de partido, a relação entre ospolíticos e a editoria de um jornal de mesma orientação política costu-mava ser próxima e às vezes pessoal. Hoje, a formação da opinião públi-ca tornou-se industrializada e os meios de comunicação passaram a serum dos seus principais produtores, distribuidores e mediadores.