Stress Espiritualidade Pai Nosso

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  • 8/18/2019 Stress Espiritualidade Pai Nosso

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    O  STRESS  E A ESPIRITUALIDADE INTEGRAL 

    Ed René Kivitz

    3. A oração do Pai Nosso e os conflitos humanos essenciaisA busca de significado

    O apelo dos sentidosO peso da culpaO medo do maligno

    A ORAÇÃO DO PAI NOSSOE OS CONFLITOS HUMANOS ESSENCIAIS

     Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino;Seja feita a tua vontade assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-

    nos nossas dívidas, como perdoamos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação, mas livrá-

    nos do mal Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém. 1 

    A Oração do Pai Nosso é uma possível síntese do insight  espiritual cristão, pois coloca o ser humano diante da solução de seusquatro conflitos essenciais: a busca de significado, as necessidades dos sentidos, a peso da culpa, e a opressão do Maligno.

    Ao encontrar significado para sua aventura existencial, o homem se liberta de seus conflitos elementares. Os conflitos essenciaissão a moldura dentro da qual os conflitos circunstanciais acontecem. Quando a moldura é equilibrada, os conflitos menores sãoatenuados e até mesmo eliminados. Mas quando a moldura é desequilibrada, tal desarranjo potencializa todo o resto.

    Veja, por exemplo, aquele amigo seu que vive embaraçado com suas finanças. De vez em quando você ouve ele dizer: “esse cincomil resolveriam meu problema”. Na verdade, o problema a que ele se refere deve ser a dívida do cheque especial, mas o real

     problema não está identificado. A pergunta certa não é: “Quanto você está devendo?”, mas sim: “Por que você está devendo denovo? O que leva você a administrar seu dinheiro desta maneira?”. Quanta gente você conhece que, mesmo endividada, dá uma

    festança no aniversário do filho? Este é um exemplo simples de moldura desequilibrada potencializando conflito circunstancial.Jesus, entretanto, trata de questões muito mais profundas, quando comenta os conflitos essenciais de todo ser humano.

    CONFLITO ESSENCIAL #1:A BUSCA DE SIGNIFICADO

    O muro do cemitério do Araçá, em São Paulo, serviu de moldura para uma pichação feita por um algum “profeta urbano”, quedizia: “Olhe ao redor, estranho, né?”. Aquela expressão fazia pleno sentido para mim. Não me recordo mais o dia em que omundo se tornou estranho para mim, mas o fato é que houve um dia quando, não apenas o mundo, mas eu mesmo me torneiestranho. Custou para que eu chegasse à conclusão de que errado estava o mundo, e não eu.

     No fundo de minhas reflexões na juventude estava a desconfiança de que das duas uma: ou o mundo não era obra das mãos de

    Deus, ou estava, por alguma razão e em certa dose, desfigurado. Aquela frase no muro do cemitério (lugar estranho), metranqüilizou um pouco. Pelo menos eu não estava sozinho. Mais adiante, fui descobrindo a filosofia, as tradições e spirituais e asinquietações da raça. Um dos meus mestres de teologia repetia sempre: “o que é, não pode ser verdade”. De fato, deveria haver  outra explicação. E foi o Cristianismo quem me ofereceu a melhor resposta.

    O Cristianismo diz que enquanto o ser humano não se abre de modo consciente para um relacionamento em termos pessoais comum Deus soberano e transcendente, o universo fica despido de significado.Deus não é apenas força, amor, luz e verdade. Deus é Espírito inteligente, um Ser com quem o ser humano pode se relacionar emtermos pessoais na dimensão de seu próprio espírito: “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram, o adorem em espírito e

    1 Evangelho Segundo São Mateus 6.9-13

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    A oração do pai Nosso abre espaço para um homem desfigurado, vivendo num universo descompensado, sob os olhos amorososde um Deus transcendente, que deseja realizar sua vontade como no céu e estabelecer seu reino definitivamente, trazendo plenaharmonia à criação. Quando você está orando, está não somente assumindo sua solidariedade com a criação, e sofrendo com ela,como também assumindo sua solidariedade com Deus, e cooperando com Ele para a redenção, não apenas das circunstâncias queocupam sua oração imediata, mas também a redenção do cosmos.

    CONFLITO ESSENCIAL #2:O APELO DOS SENTIDOS

    O Cristianismo diz que os apetites humanos encontram plena satisfação em Deus: “o pão nosso de cada dia nos dá hoje”. O pão é  o símbolo da satisfação plena, isto é, tudo quanto o ser humano precisa para realizar-se integralmente. E todos sabemos que asnecessidades humanas transcendem as realidades materiais: “nem só de pão vive o homem”6. 

    Aliás, levando em consideração a recomendação de Jesus para que os seus discípulos não estivessem preocupados com o que beber ou comer 7, seria estranho interpretar o “pão nosso” como uma súplica pela provisão meramente material.  Deus é a fonte da plena satisfação para o ser humano. Toda e qualquer alternativa de satisfação contrária às leis espirituais e emoposição à vontade e o caráter de Deus são “bombas de tempo” para a existência humana. Aquilo que não vem de Deus, peloscaminhos de Deus, não apenas não satisfaz, como também e principalmente funciona como um dreno na alma, que suga do serhumano suas reservas mais preciosas, gerando frustração e culpa.

    Quando oramos o Pai Nosso estamos dizendo que não desejamos nada senão o que procede de Deus, e nos recusamos a teracesso a qualquer coisa que das mãos de Deus não tenha vindo. Mentir para possuir, trair para prosperar, fraudar para enriquecer,

    enganar para conquistar, atalhar para desfrutar, e tantas outras combinações comuns à sociedade do “jeitinho” ficam de fora d oestilo de vida de quem imergiu no mundo do Pai Nosso. Este é o imperativo de Cristo: “quem perder a sua vida, acha-la-á... quemquiser vir após mim, negue-se a si mesmo”.8 

    Algo muito importante precisa ser compreendido sobre este “pão nosso de cada dia nos dá hoje”. Jesus, na verdade, que muito provavelmente ensinou esta oração recitando-a em aramaico, estava fazendo uma referência ao “pão de amanhã”, numa alusão aomaná que Deus enviava para o povo de Israel enquanto peregrinava no deserto sob a liderança de Moisés.

    O Dez Mandamentos incluíam a guarda do sábado. Nenhum israelita podia trabalhar no sábado, pois o sétimo dia era totalmenteseparado para descanso e adoração a Deus. O sábado possuía duas funções: ensinar o povo a depender absolutamente de Deus enão de seus próprios esforços, e criar a imagem de um tempo quando todo o universo seria plenamente satisfeito em Deus. Osábado era uma figura do reino de Deus em plenitude, que o Novo Testamento chama de céu. O céu não é outra coisa senão

     perfeita harmonia entre Deus e sua criação.

    Durante a peregrinação com Moisés, Deus alimentava o povo através do maná, o pão de cada dia, que, literalmente, caía do céu. Na sexta-feira, Deus mandava porção dobrada, pois o sábado era dia de descanso e adoração, de modo que ninguém poderiarecolher o maná, isto é, ninguém podia trabalhar.

    Quando Jesus nos ensina a pedir “o pão de amanhã”, está nos dizendo que estamos na “sexta-feira”, e que podemos hoje desfrutaralgumas dimensões do “Sábado” que está para chegar. O reino de Deus será estabelecido em breve, mas  já podemos comer seus

     primeiros frutos.

    Jesus se apresentou também como “pão da vida”, e deixou claro que ele, Jesus, é o “pão do céu” que Deus o Pai tem para dar.  9  Nesse caso, creio que “o pão de amanhã” é o próprio Cristo, ou a plenitude de Cristo em nós. Evidentemente, Jesus não ensina aabandonar o mundo dos sentidos, mas sim ensinando que ele não é suficiente para a nossa plena satisfação. Somente assim

     podemos entender “nem só de pão vive o homem”. Isto é, “nem só”, mas também. Ou melhor, ainda, “também, mas nem só”. Dois trechos da Bíblia podem ser somados neste quebra-cabeça para formar o quadro completo. O primeiro é de São Paulo,apóstolo. Aquele mesmo texto em que diz que “o universo todo está gemendo”, aguardando a sua redenção plena, diz que  “não

    6 Evangelho Segundo São Mateus 4.47 Evangelho Segundo São Mateus 6.25-348 Evangelho Segundo São Mateus 16.24,259 Evangelho Segundo São João 6.31-35 

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    dos méritos e débitos. Além dos méritos, porque o padrão é inatingível. Além dos débitos, porque Deus, sabendo que o padrão éinatingível, provê o perdão.

    Quem deseja se relacionar com Deus à luz da justiça retributiva fica falando sozinho. Assim comentou Jesus quando contou a Parábola do Fariseu e do Publicano : “O fariseu, que confiava em sua justiça própria, ao orar, falava de si para si mesmo”. Defato, nesta parábola, Jesus também ensinou a orar: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador”12.Os  Padres do Deserto a chamavam de “Oração de Jesus”, e a utilizavam como âncora para a meditação, desejand o que ela setornasse tão instintiva e espontânea quanto a respiração ... algo como uma atitude interior, que transcende a expressão verbal.

    O perdão de Deus, por sua vez, quando nos liberta do senso de dívida, nos liberta também da insistência em cobrar nossosdevedores, e, nesse caso, transferimos o perdão que recebemos para aqueles que nos devem. A condicional estabelecida porJesus no Pai Nosso: “perdoa-nos assim como perdoamos”, possui uma explicação simples: quem não perdoa, ainda acredita quedeve, e portanto, o perdão recebido é ineficaz; e, quem ainda deve, não perdoa. O perdão de Deus nos liberta tanto de nossa culpaem relação a Ele, Deus, como nos ajuda a libertar os que culpados em relação a nós.

    Foi na cruz que Jesus expiou o pecado da raça. Esta verdade do cristianismo foi predita: “o castigo que nos traz a paz estava sobreEle”, disse profeta Isaías.13 Foi também corroborada pela interpretação que São Paulo, apóstolo, fez da cruz de Cristo: “Deusestava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens os seus pecados...Aquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus”. 14  Quandoestamos vivendo no universo estabelecido pelo Pai Nosso, pisamos em solo de sangue, o sangue de Jesus Cristo, “que nos

     purifica de todo pecado”.15 

    CONFLITO ESSENCIAL #4:A OPRESSÃO DO MALIGNO

    Há um registro no inconsciente de todos nós quanto ao fato de que o universo é povoado por espíritos malignos. De fato, parecelógico que a crença em Deus implica também crer na ação dos adversários de Deus. Registre-se que o Diabo não é o oposto deDeus, como pretendem os que dizem ser o mal a ausência do bem. O Diabo é apenas o opositor de Deus. Isso porque o oposto deDeus seria outro deus, o que equivale ao Dualismo e não ao Cristianismo.

    As crianças sempre perguntam quem criou o Diabo. Meus filhos já perguntaram, e tive que explicar dizendo que Deus criouLúcifer, “anjo de luz”, e Lúcifer criou o Diabo. O Diabo é “Lúcifer Rebelde”. O Diabo existe porque Deus, em sua liberdade,optou por criar seres livres. “Demônios são seres que mudaram o centro do universo para si mesmos... demônios são narcisosincuráveis”, compreende o Rev. Caio Fábio D’Araújo Filho.

    O mundo, portanto, é povoado por seres que exercem as funções de antagonismo a Deus, o Criador, e se tornam promotores dedesarmonia nos planos material, mental e espiritual. Jesus diz que a segurança do homem em relação ao mal e o Malignosomente é possível a partir de uma ação espiritual superior: “livr a-nos do mal”. 

     Num mundo povoado por demônios, o ser humano corre três riscos. O primeiro é ser vítima da desarmonia provocada por eles.Espero que ninguém considere que um terremoto que mata milhares de pessoas tenha sido planejado no céu, ou que as epidemiassejam obra do divino. É absurdo crer que Deus criou neuróticos de guerra que metralham criancinhas em lanchonetes, maníacosque matam mulheres em parques, além da bandidagem urbana e os bacanas de colarinho branco. Deus não coloca bombas emavião, nem dirige embriagado. Não constrói prédios com material de qualidade duvidosa, não desvia verbas públicas, nemespecula na bolsa. Enfim, há no universo e na trama da vida humana um horizonte de realidade maligna que não procede de Deus eafeta todo mundo que tem carne e osso. E qualquer um que pondera sobre isso mais de trinta segundos acaba por temer que um

    dia essa lama toda se derrame sobre sua cabeça... caso ainda não tenha sido derramada. Num mundo povoado por demônios, corremos um segundo risco: ser engolidos por eles. Isso seria equivalente a “cair emtentação”. O evento da tentação de Jesus pode ser analisado como uma luta entre o homem exterior e o homem interior, diantedo Tentador. As sugestões para a transformação de pedras em pães, e a oferta de atalhos para as posses e o poder podem servistas como uma tentativa do Diabo engolir Jesus. Uma vez que o Diabo é um “narciso incurável”, que a tudo quer chamar de “eu”,

    12 Evangelho Segundo São Lucas 18.9-1413 Livro do Profeta Isaías 53.514 Segunda Espístola de São Paulo aos Coríntios 5.19,2115 Primeira Epístola Segundo São João 1.7

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    sua atuação mais rotineira é tentar cooptar, inclusive aquele que jamais esteve à venda.

    Finalmente, há um terceiro risco. O risco de nos tornarmos iguais aos demônios que nos tentam. Quem cede à tentação, e sedeixa escravizar, acaba sujeito aos propósitos e manipulado por espíritos cujos caminhos se destinam à direção contrária deDeus. Quem é engolido pelo Maligno, é assimilado por ele, e deixa a categoria de vítima para integrar as fileiras de súdito. O Evangelho é a boa notícia que “Jesus desfez as obras do Diabo”.16 Mais do que isso, o Evangelho diz que a vitória de Jesuscontra o Diabo foi conquistada na cruz. De fato, foi ali, na cruz, que Jesus pagou nossa dívida diante de Deus, e se colocou comomediador entre nós e Deus, como também derrotou o Diabo, e se colocou entre nós e o Diabo.17 

    Quando estamos orando no universo espiritual delimitado pelo Pai Nosso, estamos plenamente seguros quanto ao fato de que astrevas jamais triunfam sobre a luz. Quando estamos orando, nos identificamos com o Espírito de Deus, em comunhão com onosso próprio espírito, e podemos vencer o Maligno e andar sem temor na vida. Em comunhão com Deus, sabemos que

     poderemos ordenar “afasta-te de mim, Satanás”, na certeza de que a voz de comando não é nossa, mas do Cristo, que “foi morto,  mas ressurgiu, e tem nas mãos as chaves da morte e do inferno”.18 

    PONDO OS PÉS NO CHÃO

    Chegou à hora das perguntas mais importantes. Este é momento quando a teoria passa para a prática. Agora, começamos a colocaros pés no chão. Certamente você deseja saber como podemos cultivar a presença de Deus no corre-corre cotidiano? Ou como podemos cultivar estágios profundos de introspecção do tipo “orar sem cessar”, para que nossa integralidade bio -psíquica-espiritual seja preservada?

    A resposta a estas perguntas podem ser encontradas numa expressão grega antiga, usada para descrever a preparação dos atletasolímpicos: askesis. Os jogos olímpicos eram os eventos, enquanto as práticas de preparação eram askesis. Esta conceituaçãocombina com a idéia das “práticas ascéticas” ou “disciplinas espirituais” cultivadas pelos místicos do p assado.

    Muitas listas destas disciplinas espirituais foram preservadas historicamente, e ainda hoje beneficiam milhares de pessoas que as praticam. Minha experiência pessoal envolve algumas destas disciplinas, às quais recorro em momentos distintos, alter nando asopções de acordo com minhas conveniências, necessidades, vontade e tempo. São recursos que uso para me manter “orando semcessar” ou “andar com Deus desfrutando de sua companhia”. Quero sugerir pelo menos cinco disciplinas espirituais a titulo de

     primeiros passos na trilha da peregrinação espiritual.

    TRÊS TIPOS DE ORAÇÕES

    Pratique regularmente três tipos de orações: orações simples, orações auto-focalizadas e orações de intercessão . Asorações simples, as chamo assim porque não observam qualquer padrão ou elaboração. Acontecem espontaneamente, vindas deinsights instantâneos, em qualquer lugar, a respeito de qualquer coisa, a qualquer hora.

    Estas orações simples duram pouquíssimo tempo, quando no meio de minhas atividades diárias “me lembro” de q ue estou na presença de Deus e me dirijo a Ele com reverência e afeto. São “encontros” e vislumbres constantes com o  Abba Pai. Nestes pequenos encontros ou small talks , acredito estar “santificando Deus em meu coração”, isto é, dando a Ele a primazia e o lugarde honra, trazendo sua presença para o centro das atenções e fazendo a sintonia fina de sua face que está sempre voltada para

    mim, mas que fica desfocada porque minhas lentes estão sujas, ou, como disse Jesus, “meus olhos não estão iluminados”.

    19

     As orações auto-focalizadas  são mais demoradas, e dizem respeito ao meu mundo interior, quando tento perceber osdesalinhamentos de minhas emoções, estados mentais e procedimentos. Estas orações estão assentadas basicamente em duasexpressões bíblicas. Ou me pergunto como o salmista: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de

    16 Primeira Epístola Segundo São João 3.817 Epístola de São Paulo aos Colossenses 2.13-1518 Livro do Apocalipse de São João 1.1819 Evangelho Segundo São Mateus 6.22,23

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    mim?”20, ou então peço a Deus que me revele o que se passa dentro de mim: “Sonda -me ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno”.21 

    Geralmente, estas orações auto-focalizadas me conduzem a dois períodos distintos: a súplica pelo “pão de cada dia” e o pedidode “perdão das dívidas”. As perturbações de minha alma geralmente es tão ligadas com necessidades ou pseudo-necessidades nãosatisfeitas - e por isso peço “o pão”- e posturas e comportamentos que feriram o que já conheço do caráter, propósitos eintenções de Deus para comigo. Estes comportamentos e posturas eu chamo de pecado, e sobre eles peço que Deus derrame seu

     perdão, de modo que me livre de tais padrões e da culpa que me trazem. Esta é uma das maneiras como oro para que Deus “melivre do mal”. 

     Nas orações de intercessão, desvio o foco de meus pensamentos e desejos de mim mesmo para outras pessoas ou situações.Peço a Deus que estenda sua mão sobre algumas pessoas com quem o meu contato pastoral está mais estreito, ou pessoas que mesolicitaram que orasse por elas. Tenho uma lista de pessoas que estão sempre em minhas o rações. Nestas orações de intercessão,abro a agenda, o mapa mundi ou o jornal do dia na minha mente, e “peço que Deus traga seu reino e faça a sua vontade” emlugares e circunstâncias que não me afetam diretamente.

    Estas orações de intercessão trazem sempre dois resultados imediatos. O primeiro deles é que esta abstração faz com que navolta eu experimente meu pequeno mundo de maneira muito mais satisfatória, uma vez comparado às necessidades tão maisconflitivas que foram objeto de minhas súplicas a Deus. Em segundo lugar, estas abstrações me libertam de uma tendênciaegocêntrica, disciplinando meu coração a tornar-se cada vez mais inclusivo e solidário.

    As orações de intercessão também produzem um terceiro fruto. Muitas vezes, enquanto oro, percebo que eu mesmo posoinstrumento de Deus para tocar em outras pessoas ou alterar situações. Nesse caso, uma compulsão para obedecer à voz divinacresce dentro e não há como nem porque escapar.

    Tenho certeza que Deus ouve minhas orações. Tenho muitas histórias para contar. Por isso estimulo você a orar como se Deusestivesse lá. Ele está.

    TEXTOS SAGRADOSLeia a Bíblia sistematicamente. Jesus disse que as Escrituras apontam para Ele22, e que a maneira como podemos nosalimentar ele é através de suas palavras, que são “espírito e vida”23, pois “a palavra de Deus é viva e eficaz”24 para produzir frutosespirituais na vida dos que crêem.25 

    A Bíblia não é apenas um livro de sabedoria milenar, mas essencialmente um livro de revelação espiritual. Por esta razão dizemos

    que a Bíblia foi inspirada por Deus. Isto é, Deus, de alguma maneira, se identificou pessoalmente com aquilo que mandouescrever. Conforme ensina um de meus mestres, “a Bíblia é o menu, Jesus é a refeição”. 

    Através da leitura e meditação baseada na Bíblia você receberá insights espirituais. Estes insights são instrumentos de Deus paranos transformar através da “renovação do nosso entendimento”.26. Novamente, estamos diante de “legos mentais”, que precisamser substituídos pela verdade. E não duvide, Jesus disse que “a verdade liberta”. 

    AMIZADES ESPIRITUAISParticipe de um pequeno grupo de cristãos. Reuna-se regularmente com pessoas cujos corações estejam alinhados com o seucoração, cujos interesses, valores, prioridades e anseios sejam compatíveis com sua perspectiva de vida. Poucas coisas são tãorelevantes para o processo de transformação pessoal e peregrinação espiritual como as amizades espirituais. A sabedoria bíblicadiz que “como o ferro com o ferro se afia, também o homem, ao seu amigo”.27 

    20 Livro dos Salmos 42.521 Livro dos Salmos 139.23,2422 Evangelho Segundo São João 5.39 23 Evangelho Segundo São João 6.6324 Epístola aos Hebreus 4.1225 Primeira Epístola de São Paulo aos Tessalonicenses 2.1326 Epístola de São Paulo aos Romanos 12.227 Livros dos Provérbios de Salomão 27.17

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    Pessoas que andam em intimidade com Deus nos ajudam a ver Deus além de nós mesmos, e nos ajudam a ver como Deus nos vê.Como bem disse Virgil Vogt, “se você não pode ouvir a seu irmão, não pode ouvir o Espírito Santo”.28 Todos nós precisamos de pessoas para quem prestar contas de nossa peregrinação espiritual. Um par de amigos íntimos, um

     pequeno grupo de oração e estudo bíblico, e até mesmo um mentor espiritual, são vitais para o mundo espiritual se forme emnós, de dentro para fora. Quem deseja ser transformado por Deus, ao invés de apenas buscar a Deus em momentos de desesperocom interesses de dádivas eventuais, precisa entrar na teia de relacionamentos dos filhos da luz.

    SOZINHO, EM SILÊNCIO.Fique sozinho, em silêncio . Os místicos chamavam este ficar sozinho de “solitude”, diferente de solidão. Jesus constantementese retirava para lugares desertos a fim de orar, de modo que pudesse estar em solitude, porque sozinho, mas não em solidão,

     porque com o Abba Pai.29 A solitude não equivale à mera ausência, mas sim a uma ausência cheia de atenção. Atenção à voz recriadora de Deus. A solitudeé uma disponibilidade intencional para Deus. Nesse sentido, existe grande diferença entre “meditação para relaxamento”, práti cade lazer, e solitude. Esta diferença se mostra na história do homem que recebeu de seu terapeuta a recomendação de ficarsozinho, pelo menos uma hora a cada semana. Na primeira seção após a recomendação o paciente estava eufórico:

    “Foi ótimo, doutor, há muito que não separava tempo para mim mesmo”.  

    “O que você fez enquanto esteve sozinho?”, perguntou o terapeuta.  “Li Fernando Pessoa e ouvi algumas peças de Vivaldi”. “Mas não foi isso que mandei você fazer”.  “Ora, o senhor não mandou que eu ficasse sozinho, pelo menos durante uma hora, a cada semana?” “Exatamente, eu recomendei que você ficasse sozinho, não em companhia de Fernando Pessoa ou Vivaldi”.  “Mas, doutor... eu não me agüento”. 

    Minha solitude é exercitada através de corridas três ou quatro vezes por semana. Percorro quase sempre a mesma distância,geralmente no mesmo percurso, e na mesma velocidade, de modo que sei exatamente quanto tempo tenho para ficar sozinho.

    Geralmente, inicio as corridas em estado de excitação. Enquanto corro, digo para mim mesmo: “Não adianta ter pressa. O outrolado do lago chega somente daqui a 5 minutos”. Não demora muito para que eu encontre um ritmo confortável, estabilize minharespiração e desacelere o turbilhão de pensamentos que passa pela minha cabeça. Tento deixar que esses pensamentos sigam seu

    caminho sem me deter em nenhum deles. Já perdi a conta de quantos encontros tive com Deus em meio às árvores do Parque doIbirapuera, e não tenho palavras para descrever os lugares onde já cheguei nos minutos em que me dedicava a correr em círculo s para chegar a lugar nenhum.

    Muitas vezes, entretanto, pratico minhas corridas apenas como recreação: re-criação, ouvindo música ou refletindo sobre algumacoisa que me incomoda. Mesmo assim, geralmente chego ao final das corridas com insights maravilhosos.Um dos melhores caminhos para a solitude é a prática de atividades mecânicas, que não ocupam nossa atenção concentrada.Ghandi, por exemplo, usava seu tear para recolher-se do mundo. Os movimentos autômatos estabilizam a freqüência dos pulsoselétricos do nosso cérebro, o que aumenta nossa capacidade de percepção e captação. Alguns meditativos diriam que enquantocorro, ouço a voz da minha consciência, minha imaginação e capto algumas mensagens no ar. Não duvido. Mas ninguém vai mefazer descrer que muitas destas vozes são de Deus.

    CONCLUSÃOMais do que de auto-ajuda, o ser humano precisa de ajuda do alto. A sintonia entre o espírito do homem e o Deus Espírito é aúnica possibilidade de superação do complexo bio-psíquico. A dimensão última do ser humano é espiritual.

    Arquimedes queria um ponto de apoio fora do universo. Disse que seria capaz de fazer uma alavanca e mover a terra de seu eixo.Jesus ofereceu esse ponto: “a fé remove montanhas”.30  A fé é a alavanca da oração: “sem fé, é impossível agradar a Deus,

     porquanto é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe e que é galardoador dos que o buscam”. 31 

    28 Foster: 1983, p.217 29 Evangelho Segundo São Mateus 4.1-11; 14.13,23; Evangelho Segundo São Marcos 1.35; 6.31

    30 Evangelho Segundo São Mateus 17.2031 Carta aos Hebreus 11.6

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    O encontro com Deus é sempre um passo de fé. As expressões bíblicas “crer” e “ter fé” são distintas. Infelizmente, as traduçõesdos textos bíblicos tornaram as expressões equivalentes, mas na verdade, falam de duas coisas diferentes. Crer é assumir comoverdadeiro, ter fé é sintonizar interativamente. Crer equivale a assumir como verdadeiro que existem ondas magnéticas no ar. Terfé equivale a sintonizar as ondas para assistir TV ou ouvir rádio. Quem sabe que existem ondas no ar, crê. Quem sintoniza, tem fé.É possível, portanto, crer sem ter fé. A fé que remove montanhas não é aquela que sabe que Deus existe, mas aquela que além desaber que Ele existe, é galardoador, isto é , interage, comunga, participa.

    Isto faz perfeito sentido com a compreensão de que Deus é transcendente e imanente, e que “o Espírito de Deus se comunicacom o nosso espírito”32, conforme afirmou São Paulo, apóstolo. A fé transcende a manipulação de processos mentais quequalificam a química do cérebro, e catapulta o ser na direção de um relacionamento com Deus. Um relacionamento pleno de

     possibilidades. 

    32 Epístola de São Paulo aos Romanos 8.17