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1 UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA Renata Claudia Martins Ferreira SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do Programa Carlos Santos na TV BELÉM/PA 2011

SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO,

LINGUAGENS E CULTURA

Renata Claudia Martins Ferreira

SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do

Programa Carlos Santos na TV

BELÉM/PA

2011

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Renata Claudia Martins Ferreira

SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do

Programa Carlos Santos na TV

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Comunicação,

Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia.

Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi

BELÉM/PA

2011

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Renata Claudia Martins Ferreira

SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

AUDITÓRIO NÃO MORRE: uma análise do

Programa Carlos Santos na TV

Dissertação de Mestrado apresentada como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Comunicação,

Linguagens e Cultura, pela Universidade da Amazônia. Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi

Data de aprovação: ___/___/______.

Banca examinadora:

________________________________________________ - Orientador

Orientadora: Profa. Dra. Analaura Corradi

Universidade da Amazônia

________________________________________________

Prof. Dra. Maria Ataíde Malcher

Universidade Federal do Pará

________________________________________________

Prof. Dra. Ivânia dos Santos Neves

Universidade da Amazônia

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Dedico este trabalho ao meu pai, Antônio Fernando Araújo

Ferreira (in memorian), e a minha mãe, Carmem Máximo

Martins Ferreira. Com eles aprendi o valor do estudo e do

trabalho e a importância da amizade e do respeito ao outro.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, professora Analaura Corradi, pela paciência e

direcionamentos imprescindíveis a esta pesquisa e respeito com que acolheu a proposta desta

dissertação.

Aos professores do Programa de Mestrado em “Comunicação, Linguagens e

Cultura”, da Unama, pelos conhecimentos preciosos repassados nos dois anos de convivência.

Às professoras Maria Ataíde Malcher, incentivadora dos meus estudos em nível

de pós-graduação desde os nossos primeiros contatos, e à professora Ivânia Neves, pelo

estímulo e confiança.

Aos colegas de turma do mestrado, principalmente às queridas amigas Tatiana

Ferreira e Vânia Leal, pelo apoio nos momentos de angústia.

À jornalista Lara Lages, amiga fundamental nesta jornada, que com dedicação e

amizade me ajudou a tornar mais compreensível e palatável este texto.

Ao meu companheiro, Paulo Maurício Coutinho, pela compreensão quanto às

horas dedicadas a este estudo, roubadas de nossa convivência, pelo apoio em meus momentos

de apreensão e incertezas e comemoração nas pequenas vitórias conquistadas neste caminho.

As minhas irmãs, Eliana e Cleva, e a minha sobrinha Simone Lobão, pelo afeto e

conforto emocional.

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É só no espaço da comicidade que a televisão se atreve a deixar ver o

povo, esse “feio povo” que a burguesia racial quis a todo custo

ocultar. Só aí a televisão se trai, ao mostrar sem pudor as faces do

povo. Mais uma vez, o realismo grotesco do cômico se faz espaço de

expressão dos de baixo, que nele se dão uma face e apresentam suas

armas, sua capacidade de paródia e caricatura. E é também nesses

programas que as classes altas, as oligarquias, são ridicularizadas e,

mais ainda que elas, os que tentam imitá-las. O alvo das piadas mais

refinadas será a nova classe média, que está com a grana......mas

sobe pelas paredes!

Martín-Barbero (2009, p.320)

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RESUMO

O surgimento dos meios de comunicação na América Latina, no século XX, transformou a

cultura cotidiana. Essa transformação, porém, se deu (e se dá) conjugando a tradicional

oralidade com as novas experiências audiovisuais e técnicas. Assim, a América Latina

colocou a televisão em uma posição especial, considerando as características

socioeconômicas, políticas e culturais desse continente. Situado nesse contexto, encontra-se o

Brasil, onde a televisão conta com um lugar privilegiado dentre os meios de comunicação de

massa. Na grade de programação da TV brasileira, o programa de auditório teve e tem

destaque. Voltando os olhos para o Pará, registra-se o Programa Carlos Santos na TV, objeto

de análise deste estudo, a fim de verificar se esse programa apresenta características de um

programa de auditório tradicional e quais os elementos que o ajudaram a mantê-lo no ar por

17 anos. Pretende-se como objetivos específicos: a descrição do Programa Carlos Santos na

TV e do perfil e da atuação do seu apresentador, a fim de investigar se esses dois aspectos

influenciaram na manutenção do programa. Parte-se da hipótese que o formato e a dinâmica

do programa, o seu aspecto popular e o seu apresentador colaboraram para a manutenção e

resistência desse gênero na TV paraense.

Palavras-chave: gêneros televisivos, Programa Carlos Santos, programa de auditório,

televisão paraense.

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ABSTRACT

The emergence of the means of communication in Latin America, in the twentieth century,

transformed the everyday culture. This transformation, though, took (and takes) combining

the traditional orality with the new audiovisual and techniques experiences. Thus, Latin

America put television in a special position, considering the socioeconomic, political and

cultural characteristics of the continent. Situated within this context, is Brazil, where

television has a privileged place among the means of mass communication. In the schedule of

Brazilian TV, the game show had and still has a prominent position. Turning eyes to Pará, is

registered the Carlos Santos show, object of analysis of this study, in order to verify if this

show has the characteristics of a traditional game show and what are the elements that helped

to keep it in the air for 17 years. It is intended as specific objectives: the description of Carlos

Santos show, the description of the profile and performance of its host, in order to investigate

whether these two aspects influenced in the maintenance of the program. It starts with the

assumption that the shape and dynamics of the program, its popular appearance and its host

contributed to the maintenance and strength of this genre on Para´s TV.

Key words: television genres, Carlos Santos show, game show, Pará’s television.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Carta de Ajustes da TV Tupi utilizada a partir de 1951 39

Figura 2: Índio Tupi usado na logomarca da TV Marajoara 39

Figura 3: Programação TV Guajará com o símbolo que a representava, o saci 40

Figura 4: Quadro Resumo da Definição de Bardin 89

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LISTA DE TABELAS

Quadro 1 - Alguns programas de rádio famosos dos anos 50 25

Quadro 2 - Movimento gradual da TV 29

Quadro 3 - Estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 66

Quadro 4 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995) 68

Quadro 5 - Situações-modelo de França (2006) e suas descrições nos programas

de TV

72

Quadro 6 - Profissionais da mídia de Belém e espectadores do programa 92

Quadro 7 - Programas objeto de pesquisa 96

Quadro 8 - Situações-modelos de Vera França 97

Quadro 9 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995) 97

Quadro 10 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 98

Quadro 11 - Coleta de dados fundamentada em França (2006) 99

Quadro 12 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira

(1995)

101

Quadro 13 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 103

Quadro 14 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 104

Quadro 15 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira

(1995)

105

Quadro 16 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 106

Quadro 17 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 107

Quadro 18 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira

(1995)

108

Quadro 19 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 110

Quadro 20 - Coleta de dados fundamentada em França (2006) 111

Quadro 21 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira

(1995)

112

Quadro 22 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 113

Quadro 23 – Coleta de dados fundamentada em França (2006) 116

Quadro 24 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira

(1995)

116

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Quadro 25 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004) 117

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13

2 A TELEVISÃO E O COTIDIANO 19

2.1 A televisão e a sua cotidianidade 19

2.2 Um pouco da história da televisão no Brasil 23

2.2.1 Programas de auditório no rádio 31

2.3 Memória da televisão paraense 35

2.3.1 Desenvolvimento da televisão no Pará 36

2.4 Contexto político e sociocultural de Belém na década de 1980 51

2.5 A estratégia do SBT e a chegada da emissora no Pará 55

3 GÊNEROS COMO ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS 59

3.1 Gêneros televisivos 59

3.2 O que é o programa de auditório 65

3.3 O amigo do povo – Trajetória de Carlos Santos 73

3.4 O Programa Carlos Santos 82

3.5 Análise de Conteúdo – Forma de Olhar 86

3.5.1 Fases da Análise de Conteúdo 89

3.5.2 A Análise de conteúdo mediada pela caracterização do

gênero televisivo

90

4 METODOLOGIA 92

5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS 99

5.1 Análise do Programa A, exibido em 23 de novembro de 1995 99

5.2 Programa B, exibido em 12 de julho de 2003 103

5.3 Programa C, exibido em 06 de março de 2004 107

5.4 Programa D, exibido em 10 de janeiro de 2009 110

6 RESULTADOS 114

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 120

APÊNDICE 124

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1 INTRODUÇÃO

As vozes de ídolos da música brasileira dos anos 40 e 50 ecoavam da

aparelhagem de som da taberna1 de seu Ari, em Salvaterra, município da Ilha de Marajó, uma

das regiões mais pobres do Estado do Pará2. Seu Ari, um comunicador nato, tinha a facilidade

de chamar a atenção das pessoas para o seu pequeno negócio. Por isso, a sua taberna era

conhecida como o ‘O Amigo do Povo’. Foi a partir dessa experiência que o menino Carlos

Santos, filho do seu Ari, se inspirou e abraçou a carreira de cantor, locutor de rádio,

proprietário de uma rede de lojas do varejo e de apresentador de um dos programas de

auditório com mais tempo de exibição na TV paraense.

Para entender o conteúdo do Programa Carlos Santos na TV, objeto desta

pesquisa, é preciso situá-lo nesse contexto de vida de seu apresentador. As informações

citadas no parágrafo anterior foram extraídas do depoimento de Carlos Santos ao jornalista

Antônio José Soares, em 2010. Com base neste depoimento, Soares está escrevendo a

biografia autorizada de Carlos Santos que recebeu o título de “De camelô a governador –

História de um vencedor”.

Esta dissertação é o resultado de uma pesquisa no âmbito do Mestrado de

Comunicação, Linguagens e Cultura, da Universidade da Amazônia, cujo objeto é a análise

do Programa Carlos Santos na TV, a fim de verificar se as características que apresenta são

de um programa de auditório, de acordo com o que Souza (2004) entende como tal.

Além disso, propõe-se como objetivos específicos: descrever o Programa

Carlos Santos e verificar como o perfil e a atuação do seu apresentador influenciaram na sua

manutenção.

Parte-se da hipótese que a dinâmica do programa colabora para a resistência de

um formato popular na televisão paraense, o gênero programa de auditório em sua concepção

tradicional.

O método de pesquisa utilizado é a Análise de Conteúdo (AC), com base em

Fonseca Júnior (2008) e Gil (2008). Segundo Fonseca Júnior (2008), nas últimas décadas, a

1 A palavra deriva, pelo latim taberna, do grego ταβέρνα, que significa "abrigo" ou "oficina". É uma espécie de

bar onde também podem ser encontrados alimentos para a venda. 2 O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região é um dos piores do país, 0,63, em uma escala que vai

de zero a um, segundo dados do Ministério de Desenvolvimento Agrário de 2010. O IDH é uma medida

comparativa usada pela Organização das Nações Unidas para classificar os países pelo seu grau de

desenvolvimento humano, tendo como referência a qualidade de vida.

http://www.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/marajpa/one-community

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Análise de Conteúdo voltou com renovado interesse de pesquisadores ligados a estudos sobre

as Novas Tecnologias da Informação.

De acordo com Gil (2008, p. 152), a Análise de Conteúdo se desenvolve em

três fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados, inferência e

interpretação. A pré-análise envolve o planejamento do que será analisado. É o momento de

organizar e sistematizar os documentos e textos para a análise. A exploração do material

refere-se à análise propriamente dita a partir do recorte, enumeração e classificação decididos

previamente. Por fim, o tratamento dos dados, inferência e interpretação consistem em tornar

os dados válidos.

Como esta pesquisa trata de um gênero televisivo, no caso o programa de

auditório, busca-se articular a AC com o conceito de gênero televisivo.

Segundo Martín-Barbero (2009, pp. 304-305), a verdadeira função do gênero

televisivo é ser “a chave para a análise dos textos massivos e, em especial, dos televisivos”.

Sendo assim, de acordo com esse autor, os gêneros televisivos são estratégias de

comunicabilidade entre o programa exibido e o telespectador que promovem a interação entre

as duas partes.

Acredita-se que o gênero televisivo dará conta da natureza dialógica da

constituição dos enunciados, trazendo as múltiplas vozes do programa de auditório, ajudando

a fugir da dureza da Análise de Conteúdo, de viés positivista.

Para isso, segue-se a abordagem metodológica proposta por Simone Maria

Rocha (2008). Segundo a autora, se o objetivo do pesquisador é identificar padrões gerais do

conteúdo da mídia e também determinar processos mais subjetivos de construção de sentido, é

necessário combinar a Análise de Conteúdo com algum tipo de análise textual mais detalhada.

Dessa forma, aplicou-se nos programas a Análise de Conteúdo, fundamentada

nas variáveis apontadas por França (2006), Mira (1995) e Souza (2004).

O Capítulo I traz a cotidianidade da televisão nos lares brasileiros e a história

da TV no Brasil, destacando as suas relações com o cenário local.

Toma-se as abordagem de Silverstone (1999, pp.170-171) sobre o tema TV e o

cotidiano, quando o autor diz que, por meio da televisão, as pessoas entendem as suas

próprias vidas, marcam as passagens do tempo e vivem em um espaço sem lugar.

Ao destacar a relevância da recepção e da mediação nos estudos televisivos,

Martín-Barbero (2009) também trata da cotidianidade familiar. O autor refere-se ao ambiente

do lar como um lugar rico de subjetividades e mediações.

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É neste espaço de relações estreitas e de proximidade, de confrontação,

manifestação de angústias e de privação e exacerbação dos desejos de seus habitantes que se

manifesta a expressividade da cultura da televisão, segundo Martín-Barbero (2009).

No caso da história da TV no Brasil, a proposta é ressaltar alguns tópicos

considerados pertinentes para esta pesquisa, como o ambiente econômico, social e cultural do

país no período de surgimento da TV e a relação desse cenário com os meios de comunicação

de massa.

Segundo Mattos (2009), experimentalismo, improvisações e amadorismo

marcaram a chegada da televisão no Brasil, fato datado oficialmente em 18 de setembro de

1950. A ousada iniciativa foi do empresário paraibano Assis Chateaubriand que mandou

buscar de avião dos Estados Unidos duzentos aparelhos para serem utilizados na primeira

transmissão da TV Tupi, em São Paulo.

O autor ressalta também a forma como o Regime Militar (1964-1985) utilizou

a expansão da televisão no país para consolidar o seu sistema e a censura imposta aos

programas de auditório, neste período de repressão.

Também no Capítulo I, faz-se um passeio pela memória da televisão paraense,

por meio de entrevistas com profissionais ligados a esse meio de comunicação, e

contextualiza-se historicamente a década de 1980, período em que surgiu o Programa Carlos

Santos na TV.

Os anos 80 foram marcados pela efervescência da cultura paraense, como

lembra Costa (2011). Foi nesse clima de inquietação cultural que ocorreu a inauguração de

três emissoras de televisão: o SBT Belém (1981), unidade regional do Sistema Brasileiro de

Televisão, do empresário e comunicador Silvio Santos; a TV Cultura do Pará (1987),

emissora pública do Governo do Estado; e a RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão

(1988), à época, afiliada da TV Manchete do Rio de Janeiro.

Cada uma dessas emissoras tinha uma proposta mercadológica bem definida e

grades de programação estratégicas para a consolidação de suas marcas no Estado.

O embasamento teórico que sustenta esta pesquisa encontra-se no Capítulo II.

Essa segunda parte do trabalho inicia pelo conceito de gênero televisivo e a exploração de um

desses gêneros especificamente: o programa de auditório.

Gênero televisivo muito peculiar na TV brasileira, o programa de auditório faz

parte da história da televisão do país, pois aparece na programação das primeiras emissoras

instaladas em território nacional.

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Originado no rádio, esse gênero de programa foi transportado e assimilado pela

TV, onde também fez muito sucesso e ganhou popularidade, a partir dos anos 60. Mas eles

começaram a ser transferidos do rádio para a televisão na década de 1950. Segundo Barbosa

Filho (2009), nesse processo de transferência de um veículo para o outro, o programa de

auditório quase não sofreu alterações quanto as suas características originais, com exceção do

recurso da imagem.

Com o passar do tempo, no entanto, esse gênero ganhou contornos próprios na

televisão, como a inclusão de quadros de entrevistas, números de dança e atrações oriundas do

circo, a exemplo de mágicos, trapezistas, malabaristas e animais adestrados.

Segundo Mira (1995), a origem remota do programa de auditório se encontra

no circo e nas festas de largo realizadas a céu aberto. Entretanto, ressalta a autora, o gosto

popular, oriundo das massas, está presente na origem cultural dos povos ocidentais primitivos,

anteriores ao surgimento das sociedades de classes e do Estado.

Nestas comunidades, a seriedade e a comicidade eram consideradas sob o

mesmo aspecto, conviviam juntas nas festas, no ambiente sagrado e no oficial. Com o

surgimento das classes sociais e do Estado, porém, o ambiente sério e o cômico foram se

afastando paulatinamente. O aspecto cômico foi se transformando então em um mundo a

parte: o ambiente popular, de caráter não-oficial.

Na Idade Média, continua Mira (1995), as visões de sério e cômico estavam

bem delimitadas e apartadas, em função da rígida hierarquia social. O Carnaval e os

espetáculos cômicos eram expressões populares, faziam parte da visão de mundo das pessoas.

Elas entendiam as festas, os jogos, os banquetes e as brincadeiras como um convite à

liberdade do corpo e do espírito.

Este ambiente onde predominava o gosto popular, o riso e a extravagância,

coexistia com o mundo da cultura oficial do Estado e da Igreja, considerado mais sério e

elevado. Eram ambientes que conviviam paralelamente, mas não se misturavam, pois o riso

havia sido expurgado dos cultos religiosos e das cerimônias do Estado.

Foi dessa forma que, historicamente, a cultura popular foi se afastando da

cultura dominante, considerada de qualidade mais elevada. No entanto, é importante frisar

que, com base em Canclini (2006), entende-se que não há hierarquia entre as culturas. Além

disso, de um modo geral, as culturas têm aspectos heterogêneos e híbridos, pois reúnem

elementos originais e outros importados. Assim, o programa de auditório, que é um produto

cultural, é atravessado por elementos das culturas populares tradicionais, assim como por

outras formas de cultura.

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17

Para melhor compreensão de tema tão complexo, recorre-se às palavras de

Cuche (1999, p.149):

As culturas populares revelam-se, na análise, nem inteiramente dependentes,

nem inteiramente autônomas, nem pura imitação, nem pura criação. Por isso,

elas confirmam que toda cultura particular é uma reunião de elementos

originais e importados, de invenções próprias e de empréstimos.

Segundo Souza (2004, p. 93), os programas de auditório são os “que mais

aproximam o telespectador da realidade da produção em televisão”. Além disso, este gênero

televisivo está sempre relacionado à dinâmica dos quadros, à concepção cênica, ao estilo e à

linguagem do apresentador e à forma como ele se relaciona com a platéia no estúdio, com os

convidados, jurados e telespectadores. Essas são algumas estratégias de comunicabilidade

desse gênero de programa, de acordo com Souza.

Nas emissoras de televisão paraenses, o programa de auditório também

conquistou um lugar estratégico. Em 12 de novembro de 1988, foi exibido pela primeira vez o

Programa Carlos Santos pelo SBT-Belém, canal 5, em caráter experimental. Esta atração da

afiliada paraense do Sistema Brasileiro de Televisão estava em conformidade com o estilo

popular da programação da emissora do empresário e apresentador Sílvio Santos.

Depois desta breve passagem pelo SBT-Belém, a atração comandada por

Carlos Santos estreou em abril de 1989, na TV Guajará, canal 4, onde fez muito sucesso. O

programa era transmitido ao vivo, aos sábados de manhã, das 9 horas ao meio-dia.

No período de 1991 a 1994, o programa foi suspenso devido ao fato de Carlos

Santos ter sido eleito vice-governador do Pará. Em 1994, o programa voltou a ser exibido,

ininterruptamente, até junho de 2010, quando saiu do ar devido à candidatura de Carlos

Santos ao cargo de deputado estadual.

Ex-camelô, cantor, locutor de rádio, empresário do ramo do varejo e político

que chegou a ocupar o posto mais alto do Poder Executivo, o de governador do estado, Carlos

Santos tem uma trajetória rica em significados sociais e culturais. Sua imagem está

relacionada à identificação do telespectador com o programa. Assim, dedica-se um item do

Capítulo II à história de vida e ao perfil do apresentador.

No Capítulo III, dedicado à Metodologia, destaca-se a base amostral que utiliza

como corpus quatro programas, exibidos em 23/11/1995, 12/07/2003, 06/03/2004 e

10/01/2009. Os DVDs com a gravação dos programas foram entregues à pesquisadora pela

produção do Programa Carlos Santos que não permitiu interferência na escolha das datas de

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18

exibição. Diante desse fato, foi preciso elencar critérios de análise dos programas, a saber:

cenário, quadros e dinâmica do programa (relação do apresentador com o auditório e com o

telespectador, participação da plateia no estúdio, das dançarinas de palco e do locutor do

programa, anúncios de patrocinadores e duração do programa). Para facilitar o entendimento,

os programas foram denominados de A, B, C e D, respectivamente.

A fim de estabelecer o desenvolvimento e o histórico da TV paraense, foi

realizada pesquisa qualitativa com profissionais do rádio e da televisão paraenses, listados na

metodologia do trabalho, entrevistados no período de dezembro de 2010 a janeiro de 2012.

Foi também incorporada ao estudo a pesquisa bibliográfica documental.

O Capítulo IV é dedicado à análise dos programas e o Capítulo V aos

resultados da análise.

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2 A TELEVISÃO E O COTIDIANO

2.1 A televisão e a sua cotidianidade

O surgimento dos meios de comunicação na América Latina, no século XX,

transformou a cultura cotidiana. Essa transformação, porém, numa terra onde “as tradições

ainda não se foram e a modernidade não terminou de chegar” (GARCÍA CANCLINI, 2006, p.

17) se deu (e se dá) conjugando a tradicional oralidade com as novas experiências

audiovisuais e tecnológicas.

A esquizofrenia cultural e a ausência de espaços de expressão política, como

nos diz Martín-Barbero (2009 ou 2004, p. 25), potenciam a cena dos meios de comunicação,

principalmente a televisão.

Desta forma, a América Latina colocou a televisão em uma posição especial,

considerando as características socioeconômicas, políticas e culturais desse continente, ao

torná-la palco central da constituição de imaginários coletivos.

O que, portanto, necessitamos pensar é a profunda compenetração – a

cumplicidade e a complexidade de relações – que hoje se produz na América

Latina entre a oralidade, que perdura como experiência cultural primária das

maiorias, e a visualidade tecnológica, essa forma de “oralidade secundária”

tecida e organizada pelas gramáticas tecnoperceptivas do rádio e do cinema,

do vídeo e da televisão (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 47).

Segundo Rezende (2000), a televisão no Brasil conta com um lugar

privilegiado dentre os meios de comunicação de massa, pois para grande parte da população

ela assume a função de ser a única fonte de acesso às notícias e ao entretenimento, graças a

sua capacidade de penetração nas diferentes regiões. Sendo assim, não se pode deixar de

considerar os impactos inquestionáveis que a TV trouxe para o país nestes mais de 60 anos de

existência, como a mudança de hábitos da população e a disseminação de novas posturas

sociais e tendências da moda. A TV tornou-se, assim, um elemento importante da vida

cotidiana, contribuindo para a estrutura e a organização da rotina das pessoas.

Rezende (2000, p. 23) cita algumas razões para o sucesso e a popularidade da

televisão no país:

Vários fatores contribuíram para que a TV se tornasse mais importante no

Brasil do que em outros países: a má distribuição da renda, a concentração

da propriedade das emissoras, o baixo nível educacional, o regime totalitário

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nas décadas de 1960 e 70, a imposição de uma homogeneidade cultural e até

mesmo a alta qualidade da nossa teledramaturgia.

Ressalta-se, ainda, que a televisão funciona como uma válvula de escape para a

rotina e uma forma das pessoas se sentirem parte de um contexto maior, de se perceberem

inseridas na cultura hegemônica. A identificação existe e a recepção se completa porque a

programação tenta criar condições de verossimilhança com o universo habitual do

telespectador.

Destaca-se que a linguagem televisiva é composta por três elementos: icônico,

sonoro e lingüístico. Falar ao telespectador é exatamente combinar com equilíbrio esses

elementos.

De acordo com Rezende (2000), o elemento icônico está relacionado à

percepção visual, à imagem que o telespectador vê e reconhece, porque ela (a imagem)

pertence a sua realidade física (um animal) ou cultural (um eletrodoméstico).

O elemento sonoro, segundo este mesmo autor, é relativo à música e aos

efeitos sonoros e se manifesta de forma isolada ou como parte da montagem de uma atração

televisiva. Este elemento tem um forte efeito emotivo no espectador, a exemplo da música-

tema de um personagem de telenovela ou da trilha de uma vinheta de um determinado

programa ou telejornal.

Por fim, o código lingüístico que abarca a imensa variedade de palavras e a

combinação dessas palavras que dá origem às frases.

A força da imagem (elemento icônico), porém, seria a chave do poder de

comunicação da televisão, comparada a outros meios como o rádio e o jornal, como aponta

Rezende (2000). Segundo este autor, a despeito da imagem ser o código básico e o mais

impactante na linguagem televisiva, a palavra falada (elemento lingüístico) cumpre um papel

fundamental nesse contexto. A TV não pode prescindir do verbal, porque é ele que completa a

imagem.

Dessa forma, o verbal permite que o telespectador apenas ‘ouça’ a TV, quando

assim desejar fazê-lo, visto que a palavra, assim como o som, pode ser ouvida de qualquer

ambiente que o telespectador esteja, mesmo que este espaço não conte com um aparelho de

TV. Basta que a TV esteja próximo ao telespectador para que ele possa escutá-la.

De acordo com Rezende (2000), para criar essas condições, a televisão teve

que aprender a falar com o telespectador. Para isso, ela desenvolveu seu poder de chamar a

atenção, utilizando uma linguagem coloquial, inscrita no senso comum e nos padrões de uma

Page 21: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

21

determinada cultura. Mas o autor faz uma ressalva. Fazer uso da palavra informal não quer

dizer, no entanto, liberdade total quanto às regras gramaticais, mas sim emprego de uma

linguagem compatível com o perfil da audiência e comprometida com a comunicabilidade.

Assim, a TV reúne imagem, som e palavra, criando signos facilmente

reconhecíveis que falam imediatamente aos sentidos, pois a televisão não se distingue por

imagens extraordinárias, como o cinema, mas sim pela busca do reconhecimento e da

identificação do telespectador. Familiaridade, portanto, é uma das características mais

marcantes da TV, visto ser ela um meio de comunicação que convive com as pessoas na

intimidade, na trivialidade.

O lar e o cotidiano como espaços onde a mídia produz seus efeitos e convive

tão proximamente com a família é tema abordado por Silverstone (1999). O autor refere-se à

mídia de um modo generalista, mas concentra o seu pensamento na televisão e no

computador.

As considerações desse autor sobre o lar, sob o ponto de vista de um espaço da

mídia e mediado, é centrada na força simbólica das portas das casas e seus movimentos de

entrada e saída que permitem o acesso ao mundo lá fora, assim como são portais para o

mundo seguro e reservado do interior das residências.

Em um mundo pautado pela tecnologia, as portas são as telas dos meios

eletrônicos. Segundo Silverstone (1999, pp.170-171), por meio da televisão, as pessoas

entendem as suas próprias vidas, marcam as passagens do tempo cotidiano e vivem em um

espaço sem lugar.

Eis o que diz o autor:

E agora temos novas portas, marcadas pela soleira da televisão ou da tela do

computador. Portas e janelas que nos permitem ver e transpor, de fato, a

imaginação. Ligar, conectar-se é transcender o espaço físico, é claro. Mas é

adentrar, como sempre foi, mesmo no mundo da mídia impressa, um

território marcado, que oferece um vislumbre de algo sagrado; ordinário mas

ultramundano; poderoso em sua capacidade de nos dar a ilusão – e às vezes a

realidade – do controle adquirido e exercido; poderoso, também naquilo que

amiúde se crê que ele é capaz de fazer para nós.

Ao destacar a relevância da recepção e da mediação nos estudos televisivos,

Martín-Barbero (2009) também trata da cotidianidade familiar. O autor refere-se ao ambiente

do lar como um lugar rico de subjetividades, onde atuam as mediações.

É nesse espaço de relações estreitas e de proximidade, de confrontação,

manifestação de angústias e de privação e exacerbação dos desejos de seus habitantes que se

Page 22: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

22

manifesta a expressividade da cultura da televisão. (Martín-Barbero, 2009, p. 295) “começa a

se estabelecer uma concepção que vê na família um dos espaços fundamentais de leitura e

codificação da televisão.”

No entanto, complementa este autor, o núcleo familiar é mais do que um

habitat de mediação, pois ele também inscreve regras fundamentais na linguagem e no

formato do conteúdo televisivo. Alguns desses dispositivos primordiais que a cotidianidade

estabelece e a TV assimila são: a simulação do contato e a retórica do direto.

Ao explicar o conceito de simulação do contato, Martín-Barbero (2009) trata

da necessidade de intermediários para tornar mais fácil a interação e a identificação do

telespectador com o produto oferecido pela televisão. A simulação do contato se dá por meio

dos mediadores (apresentadores, repórteres) que lançam mão, ao se comunicar, de um tom

pretensamente íntimo e da linguagem coloquial para se aproximar do telespectador e ser seu

interlocutor com o mundo exibido no vídeo.

Esse recurso do diálogo entre apresentador, repórter e telespectador é uma

característica marcante dos programas televisivos produzidos e exibidos principalmente na

América Latina, onde a cultura oral ainda é forte, resquício do parentesco ancestral tribal, do

sentimento de responsabilidade e de envolvimento coletivo.

No entanto, o papel de interlocutor desempenhado pelo apresentador é bem

maior do que apenas o de um transmissor de informações, visto que o diálogo direto e cordial

entabulado com o telespectador é uma necessidade imposta pela simulação do contato, como

explica Martín-Barbero (2009, p.296):

E a necessidade, então, de intermediários que facilitem o trânsito entre a

realidade cotidiana e o espetáculo ficcional. A televisão recorre a dois

intermediários fundamentais: um personagem retirado do espetáculo

popular, o animador ou apresentador, e um certo tom que fornece o clima

exigido, coloquial. O apresentador-animador – presente nos noticiários, nos

concursos, nos musicais, nos programas educativos e até nos ‘culturais’, para

reforçá-los – mais do que um transmissor de informações, e na verdade um

interlocutor, ou melhor, aquele que interpela a família convertendo-a em seu

interlocutor. Daí seu tom coloquial e a simulação de um diálogo que não se

restringe a um arremedo do clima familiar.

O discurso televisivo que familiariza, que induz à intimidade, requer rostos

amistosos. As fisionomias que produzam identificação e sensação de imediatez são

características do meio televisivo e da vida cotidiana e são antagônicos ao cinema, onde as

ações são metafóricas e por vezes oníricas, e os rostos estão repletos de simbolismo.

Page 23: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

23

Esta é a retórica do direto, na concepção de Martín-Barbero (2009, PP. 296-

297):

Na televisão, nada de rostos misteriosos ou encantadores demais; os rostos

da televisão serão próximos, amigáveis; nem fascinantes, nem vulgares.

Proximidade dos personagens e acontecimentos: um discurso que familiariza

tudo, torna mais próximo até o que houver de mais remoto e assim se faz

incapaz de enfrentar os preconceitos mais familiares. Um discurso qiue

produz seus efeitos a partir da mesma forma com que organiza as imagens:

do jeito que permitir maior transparência, ou seja, em termos de

simplicidade, clareza e economia narrativa.

Ao destacar a predominância do oral na televisão, Machado (2005) chama a

atenção para o grande número de conteúdos televisivos que têm por base a entrevista, o

depoimento, o comentário e o debate, além do diálogo estabelecido entre os apresentadores-

animadores e seus públicos, nos programas de auditório.

Ainda hoje, de acordo com o autor, a palavra oralizada continua sendo a base

da programação das emissoras de TV brasileiras, mesmo que exista a utilização de recursos

gráficos computadorizados em maior escala. (MACHADO, 2005, p.71/72) “Herdeira direta

do rádio, ela (a televisão) se funda primordialmente no discurso oral e faz da palavra a sua

matéria-prima principal.”

Vale destacar que o texto oral, base da pseudo-intimidade entre o apresentador-

animador e seu espectador, pode explicar o sucesso alcançado por um dos gêneros televisivos

mais tradicionais da televisão brasileira: o programa de auditório. Esse gênero televisivo é

essencialmente marcado pela comunicação direta entre o apresentador, a platéia presente no

estúdio de gravação e o telespectador.

2.2 Um pouco da história da televisão no Brasil

Para compreender melhor o cenário brasileiro, quando houve a implantação da

televisão, é necessário levar em consideração o contexto dos anos 50. A seguir, destaca-se

tópicos considerados pertinentes como o ambiente socioeconômico, político e cultural do país

naquele período e a relação desse cenário com os meios de comunicação de massa.

O Brasil da década de 1950 dava os primeiros passos rumo ao processo de

industrialização e urbanização, contando com a força econômica da classe dominante

Page 24: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

24

concentrada nas grandes cidades e uma população predominantemente rural e jovem. As

disparidades regionais eram profundas e o número de analfabetos, elevado. Segundo Mattos

(2009), 20% da população era urbana, enquanto 80% viviam na zona rural, em 1950.

Nesta época, o país não contava com uma sociedade de consumo forte e

poderosa, fato que limitava significativamente o acesso da população ao novo meio de

comunicação que estava surgindo, a televisão.

Soma-se a isto, o fato de o Brasil não possuir um parque industrial

desenvolvido, preparado para produzir bens duráveis, como o aparelho televisor, tampouco

infra-estrutura consolidada, do ponto de vista da locomoção e comunicação de pessoas e

produtos.

Nos anos seguintes, o crescimento industrial caminhou a passos largos, de

acordo com Mattos (2009), incentivando a migração acelerada da população das áreas rurais

para as capitais e, consequentemente, favorecendo o surgimento do proletariado e da classe

média urbana. Tanto que, em 1975, de acordo com o autor, 60% da população já vivia nas

cidades e São Paulo já era o maior centro industrial e comercial do país.

Segundo Mattos (2009), experimentalismo, improvisações e amadorismo

marcaram a chegada da televisão no país, fato datado oficialmente em 18 de setembro de

1950. A ousada iniciativa foi do empresário paraibano Assis Chateaubriand que mandou

buscar de avião dos Estados Unidos duzentos aparelhos para serem utilizados na primeira

transmissão da TV Tupi, em São Paulo. Os televisores foram instalados em lojas e bares da

cidade e no saguão dos Diários e Emissoras Associados, grupo empresarial de comunicação

de Chateaubriand, constituído de jornais, revistas e emissoras de rádios e televisão.

O transmissor de televisão da marca RCA Victor foi colocado no topo do

prédio do Banco do Estado de São Paulo, no centro da capital paulista, e as imagens foram

geradas a partir de um estúdio também localizado no centro da cidade. Assim foi inaugurada a

televisão brasileira.

É importante destacar a relação de poder da elite brasileira com o processo de

implantação da TV no país, como explica Mattos (2009, p. 50):

Quando a televisão chegou ao Brasil, a vida cultural do país era concentrada

no Rio de Janeiro. O Copacabana Palace Hotel oferecia atrações

internacionais a todos aqueles que desejavam jogar no que era considerado o

menos violento cassino do mundo, como descrito em folhetos turísticos

promocionais da época. Quando o jogo foi banido, nos anos cinqüenta, a

elite foi encorajada a procurar por novos tipos de diversões, numa época em

que, tanto a classe alta como a média estavam conscientes que lhes faltava o

último e mais moderno símbolo de desenvolvimento tecnológico que seus

Page 25: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

25

semelhantes estavam desfrutando nãos países industrializados. O

estabelecimento da televisão no Brasil atendeu ao crescente desejo desses

grupos por novos entretenimentos.

A partir deste ponto, seguindo os passos de Malcher (2009, p.p. 75-76),

propõe-se um deslocamento de foco das questões gerais que envolvem a implantação da TV

no Brasil para o tratamento desse tema de modo mais específico, relacionado diretamente aos

processos de desenvolvimento dos veículos de massa, partindo do rádio, considerado a mídia

antecessora da televisão no Brasil:

Na verdade, o rádio se introduz no Brasil em 1922 e durante toda essa

década se faz a partir de experimentações e pouco penetração no país. Sua

expansão e modificação iniciam-se em 1930 com a chegada do rádio de

válvula, proporcionando, consequentemente, seu barateamento e

possibilitando sua disseminação.

Outra característica do rádio na década de 1930 é o fato das emissoras

passarem a contar com recursos estáveis e programação mais estruturada, devido a permissão

oficial da veiculação de publicidade nesse veículo. Esse fator foi determinante para que o

rádio deixasse para trás a sua fase experimental e começasse um modelo pautado nas

atividades comerciais, abrigando profissionais oriundos do cinema e teatro, duas formas de

entretenimento usuais na época, como destaca Malcher (2009).

Foram esses profissionais os responsáveis pela produção de atrações que

marcaram para sempre a indústria cultural do rádio brasileiro, a exemplo dos famosos

programas de auditório, dos humorísticos e das radionovelas, que ajudaram a fazer do rádio o

mais popular meio de comunicação de massa do país na década de 1950. Esse

amadurecimento e profissionalismo possibilitaram a criação das bases da linguagem televisiva

no país.

Quadro 1: Alguns programas de rádio famosos nos anos 50.

Emissora Programa Gênero Apresentador

Rádio Nacional-RJ Edifício Balança,

mas não Cai

Humorístico Paulo Gracindo

Rádio Nacional-RJ Consultório

Sentimental

Feminino Helena Sangirardi

Rádio Nacional-RJ A Turma do Sereno Musical/Seresta Paulo Tapajós

Page 26: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

26

Rádio Nacional-RJ Este Mundo é uma

Bola

Auditório Fernando Lobo

Rádio Nacional-RJ Jerônimo, o Herói do

Sertão

Radionovela

Vários

Rádio Tupi-RJ Calouros em Desfile Musical Ary Barroso

Rádio Clube de

Niterói-RJ

Cassino do

Chacrinha

Variedades Abelardo Barbosa

Fonte: Adaptado dos sites Tele História (http://www.thtv.com.br/notícias) e Década de 50

(http://decadade50.blogspot.com/2006/09/radio-nacional-e-o-sistema-de-estrelato) por Ferreira (2011).

O período anterior à implantação da televisão, marcado pela consolidação do

rádio como a mídia mais popular, é também caracterizado por uma fase de efervescência

cultural no país, como descreve Malcher (2009, p. 77):

No contexto existente nas décadas que antecederam a vinda da televisão para

o Brasil, apesar de não ser considerado como a época de total implantação da

indústria cultural, são detectados movimentos que demonstram que vários

setores dessa área se encontravam em ebulição (revistas, jornais e livros) que

aumentava seu volume de circulação; o rádio se expandia e se consolidava

como veículo de maior poder de penetração em relação aos demais. O

cinema demonstrava atividades marcadas pela forte hegemonia dos produtos

norte-americanos no mundo todo e, em particular, no terceiro mundo.

Naqueles anos também se configuravam as tentativas do cinema nacional.

Chega, então, a fase de implantação da TV. Este fato é caracterizado pelos

recursos técnicos televisivos rudimentares e mão de obra proveniente do rádio. Outra

peculiaridade do primeiro período da TV no país é a forte influência da publicidade, sendo

esta a principal fonte de renda das emissoras. Um exemplo disso eram os programas daquela

época batizados com os nomes dos patrocinadores, como o Repórter Esso, telejornal adaptado

de um programa de rádio, mantido pela Esso, empresa norte-americana de petróleo, exibido

de 28 de agosto de 1941 até 31 de dezembro de 1968.

Porém, mesmo com a grande influência da publicidade na programação, fator

que poderia massificar e popularizar demais os programas, Mattos (2009) classifica de elitista

a primeira fase da televisão brasileira (de 1950 a 1964). Esta classificação está relacionada

tanto ao alto custo do aparelho televisor, quanto à qualidade da programação. Como a infra-

estrutura industrial e logística do país era precária, os televisores não eram fabricados aqui. Os

aparelhos eram importados, o que restringia o seu acesso às classes mais abastadas.

Page 27: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

27

Sobre essa realidade, afirma Mattos (2009, p. 81):

O preço de um televisor era três vezes maior que o da mais sofisticada

radiola da época, pouco menos que um carro. Além disso, não existia

nenhuma indústria de componentes para televisores no país, até mesmo as

válvulas eram importadas dos Estados Unidos.

Por outro lado, de acordo com o autor, as emissoras não contavam com uma

estrutura comercial estável e fortalecida, os recursos técnicos eram primários e elas

dispunham apenas do suficiente para manter as estações no ar. Além disso, a audiência era

restrita, porque era formada pela elite da sociedade. Estes fatores foram determinantes para

que a TV enfatizasse certos formatos de programas, considerados por Mattos (2009), mais

elevados do ponto de vista da qualidade.

Toma-se como exemplo o Jornal de Vanguarda, que foi ao ar em 1962, pela

TV Excelsior. Este telejornal, que contava com a participação de profissionais respeitados

provenientes do jornalismo impresso, foi idealizado pelo jornalista Fernando Barbosa Lima,

criador de inúmeros programas de TV.

O Jornal de Vanguarda recebeu prêmios internacionais pela sua qualidade.

Porém, não resistiu à censura imposta pelo golpe militar de 1964 e deixou de ser exibido em

1968.

Por sua vez, Ortiz (2006) faz uma abordagem que diverge da tese de Mattos

(2009) quanto à primeira fase da TV brasileira. Segundo Ortiz (2006), grande parte das

atrações exibidas pelas emissoras tinham sim um caráter popular. O fato é que esta

programação era destinada ao pequeno público que podia comprar um aparelho de TV.

Portanto, os telespectadores é que faziam parte da elite brasileira e não a programação é que

era de aspecto cultural elevado.

Destaca-se a opinião de Ortiz (2006, p. 73):

Não deixa de ser irônico observar que para diversos autores a história da

televisão brasileira como meio de massas seja considerado elitista. Trata-se

de um rótulo que vamos encontrar quase que obrigatoriamente nos estudos

sobre o advento da televisão no Brasil, sejam escritos por acadêmicos ou por

jornalistas que se ocuparam do assunto. Na verdade, há nessas afirmações

uma boa dose de exagero, uma vez que elas esquecem que a totalidade da

programação da época era composta por programas populares, e não por

peças de cunho cultural; por exemplo, shows de auditório, programas

humorísticos, música popular, telenovela. Não é por acaso que esta tendência

conflita com a acima descrita, pois a televisão brasileira recrutava a maioria

de seus quadros entre antigos profissionais do rádio, onde este tipo de

programação já havia se consagrado como popular.

Page 28: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

28

É importante notar que esses profissionais da TV – uns oriundos do teatro e

outros do rádio –, citados por Ortiz (2006), estabelecem uma espécie de hierarquia e de

mobilidade na dinâmica de funcionamento das emissoras de televisão, nas primeiras décadas

desse meio de comunicação no país. Os profissionais originados no rádio eram relacionados a

um tipo de programação identificada como popular, enquanto os do teatro eram vistos como

uma elite cultural.

Sendo assim, de acordo com Ortiz (2006), a programação televisiva do período

demonstra que existe uma hierarquia de valores que agrupa, de um lado, programas

considerados mais nobres – a exemplo do teatro e do teleteatro - e de outro lado, os programas

populares. Estes últimos eram produzidos segundo o antigo modelo do rádio.

Segundo Ortiz (2006), esse aspecto hierárquico marcante da programação

televisiva nos primórdios da TV nacional reflete uma característica da formação social dos

meios de comunicação no país que é muito forte, particularmente, em relação aos programas

de auditório: eles sempre foram vistos como produções de segunda linha. (ORTIZ, 2006, p.

87): “O rádio-teatro e o cinema falado se aproximam do pólo da modernidade mais culta,

ficando os shows de auditório e os programas humorísticos no segundo plano.”

No desenvolvimento histórico dos meios de comunicação de massa no Brasil,

não se pode desconsiderar as consequências e influências do Regime Militar (1964-1985). O

fim do Jornal de Vanguarda é um dos exemplos iniciais da atuação desta política imposta

pelo militares no processo de comunicação.

Eis a explicação de Mattos (2009, p.p. 34-35) para a relação do Regime Militar

com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa:

Entre outras coisas, segundo os próprios revolucionários de 1964, o

movimento ocorreu a fim de construir um programa de desenvolvimento

nacional através de nova ordem social e econômica. Inicialmente, o regime

militar assumiu uma política de descentralização de incentivos a fim de

reduzir as desigualdades de condições de vida e de desenvolvimento entre

regiões e cidades. Essa política também exigiu a construção de um espírito

nacional baseado na preservação das crenças, cultura e valores brasileiros. A

fim de alcançar esses objetivos, o regime precisou de um meio de

disseminação das idéias da nova ordem, ou seja, das aspirações e conceitos

de desenvolvimento, paz e integridade do movimento revolucionário. Os

meios de comunicação de massa se transformaram no veículo através do

qual o regime poderia persuadir, impor e difundir seus posicionamentos,

além de ser a forma de manter o status quo após o golpe. A televisão, por seu

potencial de mobilização, foi mais utilizada pelo regime, tendo também se

beneficiado de toda a infraestrutura criada para as telecomunicações.

Page 29: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

29

Considerando a evolução da TV no Brasil, Mattos (2009, p.p. 78-79)

estabelece um movimento gradual dividido em seis momentos, descrito no Quadro 2, com

base no contexto socioeconômico, político e cultural do país, que vale ser destacado a título

de melhor compreensão do tema.

Quadro 2: Movimento gradual da TV

Período Fases Observações

1950-1964 Elitista quando o televisor era considerado um luxo

ao qual apenas a elite econômica tinha

acesso;

1964-1975 Populista quando a televisão era considerada um

exemplo de modernidade e programas de

auditório tomavam grande parte da

programação;

1975-1985 desenvolvimento

tecnológico

quando as redes de TV se aperfeiçoaram e

começaram a produzir, com maior

intensidade e profissionalismo, os seus

próprios programas com estímulo de órgãos

oficiais, visando, inclusive, a exportação;

1985-1990 da transição e da expansão

internacional

durante a Nova República, quando se

intensificam as exportações de programas;

1990-2000 de globalização e da TV

paga

quando o país busca a modernidade a

qualquer custo e a televisão se adapta aos

novos rumos da redemocratização;

começa no

ano 2000

de convergência e da

qualidade digital

com a tecnologia apontando para uma

interatividade cada vez maior dos veículos de

comunicação, principalmente a televisão,

com a internet e outras tecnologias da

informação. Fonte: Adaptado de Mattos (2009, p.p.78/79) por Ferreira (2011).

Entende-se que, neste ponto, cabe retratar brevemente a maneira como os

programas de auditório foram vistos e tratados na segunda fase da TV no país (1964-1975).

Segundo Mattos (2009, p. 97), foi nessa fase que houve a redução do custo do

televisor, como resultado do aumento da produção do aparelho no país, e a presença dos

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30

investimentos publicitários se tornou mais forte. Com uma audiência maior, os conteúdos

televisivos se tornaram mais populares, baseando-se na tríade: novelas, enlatados (filmes

norte-americanos de entretenimento) e shows de auditório.

A partir de janeiro de 1970, o governo federal começou a se preocupar

oficialmente com o ‘baixo nível’ da produção televisiva. O resultado dessa iniciativa foi a

criação de uma comissão, em 1971, composta por representantes dos ministérios das

Comunicações, Educação, Justiça e Trabalho, como o objetivo de analisar o conteúdo da TV.

Mattos (2009, p. 101) faz referência a essa época:

Nas administrações de Médici e Geisel, muitos ministros, professores e

críticos fizeram palestras e deram declarações sobre as implicações e

responsabilidades educacionais e culturais da televisão, sobre o conteúdo de

seus programas e sobre os efeitos negativos dos mesmos. Como um

resultado indireto disto, a televisão brasileira avançou e melhorou suas

técnicas e os padrões culturais, bem como iniciou um processo de

nacionalização da programação.

Mattos,(2009, p. 11) ressalta também a importância dos estudos dos meios de

comunicação de massa, a partir de experiências locais, como se propõe nesta pesquisa. A

opinião do autor toma proporções mais relevantes principalmente por se tratar de experiências

televisivas de um país do terceiro mundo, como o Brasil, que passou da situação de

dependência da importação de programas de TV de outros países para a formação de uma

indústria televisiva de ponta, geradora e exportadora de atrações de diversos gêneros, em

especial, as telenovelas.

O caso do Brasil nos leva a repensar as suposições e hipóteses de inúmeras

teorias que vêm estudando o desenvolvimento dos meios de comunicação,

principalmente a televisão, nos países periféricos. Exatamente por isso

acreditamos que estudos de caso podem ser de maior utilidade para se

compreender o crescimento da mídia no Brasil do que muitas abordagens

que tentam estudar a evolução da televisão brasileira a partir, unicamente, de

uma perspectiva global.

Fecha-se este item destacando-se alguns pontos tratados, a exemplo da

influência do rádio como mídia antecessora da televisão, o contexto de surgimento da TV e o

papel deste veículo no cenário socioeconômico do país. No próximo item, aborda-se um

pouco da história do rádio no Brasil e no Pará, com destaque para alguns programas que

marcaram por sua originalidade e popularidade.

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31

2.2.1 Programas de auditório no rádio

A característica do programa de auditório no rádio, segundo Barbosa Filho

(2009), é a multiplicidade de informações e diversidade de seções. Mas o entretenimento é a

tônica e está presente nos quadros de humor e nos números musicais. Mesmo assim, há

espaço para as seções de prestação de serviço (orientações sobre o trânsito, divulgação de

datas de programas de saúde pública, como vacinação etc) e de notícias sobre fatos da

atualidade, esporte e política.

O Programa Casé - o que a gente não inventa, não existe, dirigido por Ademar

Casé, é considerado um dos pioneiros do gênero entretenimento, segundo Barbosa Filho

(2009). A atração iniciou a sua transmissão em fevereiro de 1932, na Rádio Philips, depois

convertida em Rádio Nacional do Rio de Janeiro. O programa foi transmitido pela última vez

em 1951, um ano após o surgimento da televisão no país. O Programa Casé lançou o

primeiro jingle do rádio brasileiro3, revelou alguns dos maiores nomes da música brasileira -

como Noel Rosa, Braguinha e Ari Barroso – e apresentou também ao Brasil a radionovela e

os programas de crônica policial.

Em meados da década de 1950, a época de ouro dos programas de auditório no

rádio estava chegando ao fim nas emissoras do país. Começava o declínio do gênero que fez

tanto sucesso e levou diversão e alegria a milhões de pessoas. O programa de auditório

desapareceu das emissoras de rádio do Brasil na década de 1960, porque os seus custos

ficaram inviáveis, em razão da queda das receitas publicitárias que eram destinadas ao

veículo.

Porém, mesmo enfraquecido, o programa de auditório no rádio ainda teve

fôlego anos mais tarde, a exemplo do programa Balancê, surgido na década de 1980, na então

Rádio Excelsior de São Paulo, como destaca Barbosa Filho (2009).

Apresentado pelo locutor esportivo, Osmar Santos, o Balancê recebia artistas,

personalidades e políticos para entrevistas, trazia reportagens e serviços. Contava também

com a dupla de humoristas, Nelson Tatá e Carlos Roberto, e com a locução de Juarez Soares.

O radialista e apresentador de televisão, Fausto Silva, participava do programa como repórter

ou assumindo vez ou outra a apresentação.

3 O primeiro comercial é um jingle do compositor Antônio Nássara, década de 30, para uma padaria da Rua

Voluntários da Pátria, em Botafogo, no Rio de Janeiro, veiculado no Programa Casé, da Rádio Phillips: “Ó

padeiro desta rua!/ Tenha sempre na lembrança/ Não me traga outro pão/ Que não seja o Pão Bragança!”.

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32

Em 1983, em função do maior envolvimento de Osmar Santos em projetos para

a televisão e a ida de Juarez Soares para a TV Bandeirantes, em São Paulo, Fausto Silva se

torna o apresentador titular do programa, acentuando o lado cômico da atração, junto com a

dupla de humoristas, Nelson Tatá e Carlos Roberto. Em outubro deste mesmo ano, o Balancê

passa a contar com a presença da platéia no auditório da rádio Excelsior.

De acordo com Barbosa Filho (2009), em função do êxito do programa, em

março de 1984, ele passa a ser exibido pela TV Gazeta, somente para São Paulo, com o nome

de Perdidos na Noite. Fausto Silva continua na apresentação. Em setembro do mesmo ano, o

programa passa para a TV Record. Em 1986, o Perdidos na Noite passa a ser transmitido pela

TV Bandeirantes para todo o Brasil. O programa foi o embrião do Domingão do Faustão4,

produção da Rede Globo que está no ar até hoje.

Em Belém, não foi diferente do resto do país. Em entrevista concedida à

pesquisadora em dezembro de 2010, em seu apartamento em Belém, o radialista Jaime

Bastos5, um dos locutores de rádio daquela época, falou principalmente sobre os programas de

auditório da Rádio Marajoara, onde atuou por muitos anos.

A entrevista com Bastos integra a pesquisa qualitativa realizada com

profissionais do rádio e da televisão paraenses, listados na metodologia deste trabalho. Os

profissionais foram entrevistados no período de dezembro de 2010 à novembro de 2011.

Bastos iniciou sua carreira na Rádio Clube do Pará, em 1949, passando ao

longo dos anos por diversas emissoras paraenses. Foi na área técnica que ele começou sua

atuação no rádio, época em que já ouvia a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e prestava

atenção no modo de falar dos locutores. Em seguida, fez locução de comerciais, participou de

rádionovelas e apresentou programas esportivos e de auditório.

Um dos programas que mais marcou a sua carreira foi o Vesperal Alegre que

ele começou a apresentar, ao vivo, em 1954, na Rádio Marajoara, nos estúdios instalados no

bairro de Nazaré, na capital paraense. O Vesperal era um programa de variedades, exibido nas

tardes de sábado, das 16 às 18 horas. O show de calouros, a participação de cantores

paraenses e o envolvimento do auditório faziam da atração vespertina um sucesso.

O auditório do programa ficava lotado, com quase 800 pessoas, graças ao

sucesso da atração e ao preço irrisório do ingresso. A platéia era bastante receptiva e Bastos

4 O programa Domingão do Faustão, apresentado por Fausto Silva, está no ar desde 1989. É uma das mais

antigas atrações da Rede Globo. 5 Jayme Bastos, radialista, advogado, aposentado do Tribunal de Contas, concedeu a entrevista em dezembro de

2010, em Belém.

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33

aproveitava esse comportamento para chamar uma pessoa do auditório para cantar ou dançar

no palco.

Os patrocinadores do Vesperal Alegre eram os seguintes produtos: Fósforo

Moça, Rum Bacardi e Tintas Renner. Devido a esses bons patrocínios, o programa premiava

os calouros com uma quantia em dinheiro, enquanto os vencedores das brincadeiras feitas

com o auditório ganhavam brindes.

Bastos trabalhou na Rádio Marajoara até 1959. Depois, juntamente com o

jornalista Linomar Baía, foi fazer parte da equipe que montou a Rádio Guajará, permanecendo

nesta emissora cerca de seis anos. Posteriormente, foi para a Rádio Liberal, onde trabalhou

doze anos. Também trabalhou nas rádios Rauland e Maguari, onde ficou até o ano de 1995.

Na década de 1960, foi eleito vereador de Belém, mas abandonou a política em

1967 e fez concurso público para auditor do Tribunal de Contas.

Outro nome conhecido do rádio paraense é Ivo Amaral6. Radialista,

comentarista esportivo e publicitário, Amaral começou a carreira na Rádio Marajoara em

agosto de 1957, aos 15 anos de idade, exercendo a função de rádio-escuta, no departamento

de esportes da emissora. No jargão jornalístico, rádio-escuta é a pessoa encarregada de ouvir

os noticiários das emissoras de rádio a fim de informar a redação sobre os fatos que merecem

uma apuração mais aprofundada com o objetivo de gerar uma matéria ou entrevistas.

Inaugurada no dia 6 de fevereiro de 1954, pelo diretor dos Diários e Emissoras

Associados Zona Norte, o jornalista Frederico Barata, a Marajoara era considerada uma rádio

padrão deste grupo de comunicação, segundo Amaral. A emissora, juntamente com os jornais

A Província do Pará e O Imparcial, faziam parte do império de comunicações de Assis

Chateaubriand no Pará.

A Marajoara revolucionou o meio radiofônico paraense com sua programação

diversificada e modernos equipamentos importados, como rádios para escuta, gravadores e

microfones potentes.

Além disso, a emissora contava com 11 locutores, uma orquestra com

aproximadamente 15 componentes, um conjunto de música regional e outro de música

romântica. Havia também um grupo de atores de rádioteatro, um grupo de comediantes e

cerca de 15 cantores. Estes artistas formavam o cast da emissora.

A infra-estrutura física também era grande: três auditórios eram usados para as

diversas atrações produzidas na emissora. O maior deles tinha 714 lugares. Estava instalado

6 Ivo Amaral é radialista, comentarista esportivo, publicitário e proprietário da Ivo Amaral Publicidade.

Concedeu entrevista em 25 de outubro de 2011, em sua agência de publicidade, em Belém.

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34

onde funciona hoje o Banco Santander, na avenida Nazaré, um ponto nobre de Belém. Neste

espaço, eram apresentados os programas de auditório da emissora, como o Rádio

Divertimentos 20, com o professor de português, Clodomir Colino, exibido nas noites de

domingo, e o Vesperal Alegre, com Jaime Bastos, aos sábados.

Durante os 15 dias em que se festeja o Círio, festa católica em homenagem à

Nossa Senhora de Nazaré, realizada no segundo domingo de outubro, em Belém, este

auditório maior recebia artistas da cidade e de outras capitais, como cantores, mágicos e

vedetes, para o Show Nazareno.

Aos 19 anos de idade, Amaral assumiu a chefia do departamento esportivo da

Rádio Marajoara. A emissora começava as transmissões às seis horas da manhã e só saia do ar

à uma da madrugada. Segundo o publicitário, os textos lidos nos programas eram todos

redigidos por uma equipe de redatores, pois não havia espaço para muitos improvisos, como

ocorre atualmente na maioria das emissoras do país. Ele permaneceu na Marajoara até 1982,

ano em que começou a trabalhar na Rádio Liberal, como comentarista de esportes.

Outro veterano da Rádio Marajoara é o radialista e bacharel em Ciências

Contábeis, Graciano Almeida, funcionário do Arquivo da TV Cultura do Pará. Ele atuou

como rádio-ator na Patrulha da Cidade, programa de jornalismo policial que fez história no

rádio paraense. O programa estreou em 1965. A música “... é uma tristeza, uma infelicidade,

ouvir meu nome na Patrulha da Cidade...” abria o programa, de segunda à sexta-feira, na hora

do almoço.

A atração contava com duas sequências: a Ronda da Cidade que narrava os

casos investigados pela polícia e Os Dramas da Cidade que transformava os fatos em novela,

num tom bem-humorado.

A Patrulha da Cidade teve vários apresentadores, mas o mais marcante foi

Paulo Ronaldo, como recordou Graciano Almeida. Paulo Ronaldo era repórter policial do

jornal A Província do Pará, quando foi convidado para apresentar o programa pelo diretor da

rádio, Adwaldo Castro.

Os textos eram ensaiados pelos atores um pouco antes de o programa começar.

Almeida lembrou alguns radioatores que faziam a Patrulha da Cidade com ele, como:

Tacimar Cantuária, Iracema Oliveira, Lindolfo Pastana e Astrogildo Corrêa.

A Rádio Marajoara AM é propriedade da Carlos Santos desde maio de 1982.

Em 31 de dezembro de 1988, o apresentador colocou no ar a Rádio Marajoara FM 100,9. Nas

manhãs de domingo, de 8 horas ao meio-dia, ele apresenta o seu programa, no qual divulga

Page 35: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

35

artistas da música nacional e regional e faz sorteios de prêmios. Desde o final de 2011, o

programa dominical de Carlos Santos passou a ser apresentado na Marajoara AM.

Antes da Marajoara, durante 26 anos, a PRC-5 Rádio Clube do Pará foi a única

emissora de rádio do Estado. Fundada por Roberto Camelier, Eriberto Pio e Edgar Proença, a

transmissão inaugural da Rádio Clube ocorreu em 22 de abril de 1928. Assim como as

primeiras rádios do Brasil, a PRC-5 surgiu sob a forma de associação, em que os integrantes

pagavam mensalidades fixas para manter a emissora. O prefixo pertenceu à família Proença

até 1983, ano em que o empresário Adolpho Bloch comprou a emissora, alguns meses depois

de inaugurar a TV Manchete, no Rio de Janeiro. Desde 1992, a emissora pertence ao Grupo

RBA de Comunicação.

A terceira rádio inaugurada em Belém foi a Liberal AM, em 06 de outubro de

1960. A emissora era de propriedade do então governador do Estado, o general Moura

Carvalho, membro do Partido Social Democrático (PSD). Em 1970, a Liberal foi vendida ao

empresário Romulo Maiorana. Até hoje, a emissora pertence à família Maiorana, proprietária

do Grupo Liberal de Comunicação.

A Guajará AM inaugurou poucos meses depois da Liberal, no dia 24 de

dezembro de 1960. A emissora pertencia ao ex-governador Lopo de Castro, integrante da

Coligação Democrática Paraense (CDP).

2.3 Memória da televisão paraense

Para entendermos melhor o desenvolvimento da televisão no Pará, vale uma

resumida incursão histórica pela conjuntura do Brasil e do Estado nos anos em que se

implantou esse importante meio de comunicação no país, antes da digressão sobre a memória

da TV paraense propriamente dita.

Para fazer um recorte de memória buscando o papel da produção televisiva no

Estado, especialmente em Belém, partiu-se do depoimento de algumas pessoas que

vivenciaram alguns momentos dessa produção. Assim, tenta-se reconstruir um pouco da

história da televisão paraense, sem a pretensão de esgotar tema tão rico e abrangente.

Segundo Pereira (2002), quando a televisão chegou ao Pará, em 30 de setembro

de 1961, com a inauguração da TV Marajoara, canal 2, o Brasil vivia o período que antecedeu

ao Regime Militar. O início dos anos 60 foi marcado por acontecimentos anteriores ao Golpe

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de 1964, como a renúncia inesperada do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961,

e a campanha nacional, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola,

defendendo a posse do vice-presidente João Goulart, então contestada pelas Forças Armadas.

João Goulart (“Jango”) assume, então, a presidência e seu governo dá espaço a

organizações sociais, preocupando classes conservadoras. No comício realizado na Central do

Brasil, em 3 de março de 1964, Jango prometia Reformas de Base. Em oposição, os

conservadores organizaram, quase uma semana depois, a Marcha da Família com Deus pela

Liberdade, em São Paulo. Essa tensão fez com que João Goulart deixasse o país e se

refugiasse no Uruguai. De acordo com Pereira (2002), o governador do Pará, Aurélio do

Carmo, que governou o estado de 1962 a 1964, também apoiava Goulart, por isso foi deposto

pelo Golpe Militar.

Paralelamente ao contexto político, as emissoras nacionais estavam buscando

formas de atuar e conquistando estabilidade técnica, profissional e comercial. Desta forma, o

fator político interferiu na consolidação da televisão no país, desde a primeira emissora

inaugurada, a TV Tupi, em 1950, a primeira emissora de TV do Brasil e da América Latina,

de propriedade de Assis Chateaubriand.

Depois vieram muitas outras emissoras, como a TV Paulista, em 1951 (que

passa às Organizações Victor Costa – TV e Rádio Excelsior – em 1955), a TV Record em

1955 e a TV Cultura de São Paulo em 1960. A Rede Globo entra no ar em 1965, consolidando

a televisão como o meio de comunicação de massa mais popular do país e acentuando a

decadência das emissoras do grupo dos Diários Associados, como destaca Pereira (2002).

Com exceção da TV Excelsior, ligada a João Goulart, todas as emissoras de

TV da época foram acusadas de apoiarem os militares em seu projeto de integração nacional,

em sua lógica de segurança nacional. A Excelsior, perseguida pelo regime, sai do ar

definitivamente em 1970. Já a Globo, na mesma época, já era líder de audiência.

2.3.1 Desenvolvimento da televisão no Pará

As primeiras emissoras de televisão foram implantadas fora do eixo Rio – São

Paulo somente a partir de 1959, segundo Pereira (2002). Nessa época, Assis Chateaubriand,

proprietário do grupo de comunicação mais poderoso do país, os Diários Associados, fez

diversas inaugurações de emissoras de televisão, do Sul ao Norte do país.

Page 37: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

37

Naquele momento, já se usava o termo rede para caracterizar a

homogeneização da programação em nível nacional. No entanto, as emissoras regionais e

estaduais ainda produziam grande parte do próprio conteúdo pelas dificuldades técnicas e

operacionais de comunicação com as suas sedes e porque o videoteipe7 estava em sua fase

inicial de utilização no país. Até então, a televisão era feita exclusivamente ao vivo.

O videoteipe permitiu a gravação prévia de programas destinados a

transmissões posteriores. Ele começa a ser usado no Brasil em 1960, em substituição aos

equipamentos pesados, com película, que exigiam a revelação do filme antes da edição de

imagens.

O VT trouxe um considerável avanço para a televisão, afirma Mattos (2009),

porque permitia que uma mesma atração fosse vista em todo país em um horário determinado,

pois cada emissora recebia antecipadamente a fita com a cópia do programa a ser exibido.

Segundo este mesmo autor, a utilização do videoteipe possibilitou a

implantação de uma programação horizontal, criando o hábito de o telespectador assistir à

televisão rotineiramente, sobretudo às telenovelas. Com o uso do VT, se tornou obsoleta a

programação de caráter vertical que consistia na exibição de programas em horários diferentes

todos os dias.

Quando a televisão chegou ao Pará, o clima na capital paraense era de avidez

por entrar na modernidade, registra Pereira (2002). Como opção cultural e de entretenimento,

a cidade contava com cerca de dez cinemas que mostravam chanchadas nacionais, filmes

norte-americanos e europeus, e com cines-teatros que apresentavam números de teatro de

revista.

A inauguração da TV Marajoara, canal 2, em 30 de setembro de 1961, ligada

ao grupo dos Diários Associados, ocorreu no momento em que as emissoras começavam a

usar o videoteipe.

Os hábitos da população da capital, nessa época, são lembrados por Pereira

(2002, p. 15):

No começo dessa era, o móvel da televisão na sala ainda era um raro sinal de

status em Belém. Muitos dos privilegiados proprietários ligavam o aparelho

às 18h30 e passavam meia hora vendo apenas a imagem do indiozinho que

marcava o padrão de entrada da TV Marajoara no ar, até às 19 horas, quando

começava o primeiro programa. Poucos telespectadores escapavam de

compartilhar o serão com algum ‘televizinho’, termo que se tornou comum à

7 Equipamento usado para gravar magneticamente áudio e vídeo, originado nos Estados Unidos.

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38

época e só desapareceu quando a ampliação do crediário e a indústria

eletroeletrônica nacional contribuíram para a popularização dos receptores.

Em função do seu pioneirismo, como relembra o publicitário, Ivo Amaral

(2010), a TV Marajoara foi uma escola de onde saíram profissionais que aprenderam a fazer

televisão sem manual, lançando mão de conceitos que eles haviam utilizado no rádio. Amaral

se inclui nesta escola. Ele foi um dos primeiros contratados da TV Marajoara, onde

apresentou quase todas as atrações da emissora. Só não participou das novelas.

Amaral (2010) recorda o profissionalismo da emissora:

A Rádio e a TV Marajoara funcionavam 24 horas produzindo os programas,

apesar da TV só entrar no ar às 18h30 e sair às 23 horas. Essa rotina de

trabalho só era possível porque a estrutura era muito grande e bem equipada

e o elenco era de primeira. Foi assim que a emissora conseguiu uma

popularidade enorme, principalmente aos domingos, dia em que os números

chegavam a 90 por cento de audiência.

Amaral começou a fazer televisão na noite da inauguração da TV Marajoara.

Ele foi um dos apresentadores do show Noite Cheia de Estrelas que durou três horas e contou

com a presença de artistas paraenses e nomes nacionais, a exemplo do compositor e cantor

pernambucano, Luiz Vieira8.

Neste mesmo ano da inauguração, 1961, a Marajoara transmitiu o Círio com a

presença de repórteres em pontos estratégicos da procissão. Amaral participou desse momento

histórico, na função de repórter. “Foi emocionante. Esta foi a primeira transmissão externa da

TV paraense”.

Dessa forma, a TV Marajoara se mostrou em sintonia com o ambiente e o

caminho do país rumo ao progresso. O logotipo da emissora paraense era o mesmo logotipo

da TV Tupi, (Figura 01), um indiozinho da tribo dos Tupinambás.

8 Luiz Vieira nasceu em 12 de outubro 1928, em Caruaru, no interior de Pernambuco. Mudou-se para o Rio de

Janeiro ainda menino, onde foi crooner de orquestra em um cabaré do bairro da Lapa. Depois, conseguiu ser

contratado pelas rádios Tupi e Record, em São Paulo, que pertenciam às Emissoras Associadas. Também

apresentou programas de TV, como Encontro com Luiz Vieira, na TV Excelsior, canal 9, de São Paulo, que

estreou em 1962. Ganhou as paradas de sucesso com a canção Prelúdio Pra Ninar Gente Grande, mais

conhecida como Menino Passarinho. Até hoje, prefere ser chamado de cantador.

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Figura 1: Carta de Ajustes da TV Tupi utilizada a partir de 1951

Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002

Figura 2: Índio Tupi usado na logomarca da TV Marajoara

Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002

Grande parte da programação da emissora era composta por conteúdo local,

produzido por quase cem pessoas, comandadas pelo diretor de TV, Péricles Leal, enviado

pelos Diários Associados. Amaral (2010) conta que foi Leal o responsável pela seleção e

treinamento da equipe.

Apesar de estarem sempre muito atrelados ao conteúdo gerado nas sedes das

emissoras, a TV Marajoara e as emissoras mais antigas instaladas em Belém, como a TV

Guajará, inaugurada em 27 de março de 1967, puderam desenvolver uma programação com

características paraenses. A Marajoara, por exemplo, contava com uma produção local

variada, pautada em programas de entrevista, de variedades, de auditório, musicais, infantis e

tele-teatro.

Um desses programas era o Notícias a Rigor exibido aos domingos à noite.

Segundo contou Amaral, se tratava de um programa jornalístico que contava com sete

apresentadores, entre eles, o próprio publicitário, todos eles vestidos com traje a rigor. Cada

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apresentador tratava de um tema diferente, como política, variedades, economia, cultura.

Amaral fazia o comentário esportivo.

Por sua vez, a TV Guajará, canal 4, de propriedade dos empresários Lopo e

Conceição de Castro, iniciou as suas operações no auge do regime militar. O símbolo

escolhido para representar a emissora foi um Saci, como se vê no trecho da grade de

programação abaixo (Figura 3):

Figura 3: Programação TV Guajará com o símbolo que a representava, o saci

Fonte: Adaptado de Memória da Televisão Paraense e os 25 anos da TV Liberal, 2002

Do seu estúdio no alto do edifício Manoel Pinto da Silva, no coração de Belém,

a TV Guajará começou transmitindo a programação da TV Record, de São Paulo, segundo

Pereira (2002). Em 1969, a emissora trouxe a programação da TV Globo para a capital

paraense, sendo, assim a primeira afiliada do país da emissora de televisão carioca.

A chegada da TV Guajará esquentou o mercado local e deu início à disputa por

audiência entre esta emissora e a TV Marajoara, como destaca Pereira (2002, p. 16):

A entrada da Guajará esquentou o mercado e instalou a disputa pela

audiência. A ‘briga’ era tão grande que, em dezembro de 1967, a Revista TV

Roteiro, ediatada aqui mesmo por Jaime Bastos e Gil Mont’ Alverne, fazia

campanha pela compra do segundo televisor, para evitar desavenças

domésticas.

Uma das atrações da TV Guajará era o Capitão Furacão, apresentado pelo ator

e radialista Kzan Lourenço. Vestido como um velho capitão de navio, Kzan Lourenço divertia

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41

as crianças do auditório contando suas aventuras pelos mares do mundo. A atração marcou

época e é lembrada até hoje, principalmente pelos veteranos da TV paraense. “O programa foi

um sucesso imediato”, relembra o radialista Graciano Almeida (2011)9, que começou a

trabalhar em televisão nos primórdios da TV Marajoara, como mimiografista, e hoje é um dos

responsáveis pelo arquivo de imagens da TV Cultura do Pará.

Ainda sobre a TV Guajará, outro antigo integrante dos quadros da televisão

paraense, o jornalista e publicitário, José Paulo Vieira da Costa (2011)10

, relembra o Jornal da

Terra, nome do telejornal que durava seis minutos e exibia notícias do meio rural. Como a

equipe era muito pequena, além de criar e dirigir os programas, Costa (2011) redigia os textos

do telejornal. Ele também escrevia as chamadas de divulgação da programação da emissora e

as lia, ao vivo, nos intervalos dos filmes.

Em 1976, em virtude de divergências políticas, a família Lopo de Castro

perdeu a concessão da TV Globo para a TV Liberal, canal 7, das Organizações Romulo

Maiorana, inaugurada em 27 de abril daquele ano.

Segundo o site Tele História (2011), esse foi um período de dificuldades para a

TV Guajará que via os faturamentos publicitários minguarem e não tinha dinheiro para pagar

todos os funcionários.

Ainda em 1976, a Guajará passa a receber gravações da Rede Bandeirantes e se

torna uma das primeiras afiliadas do país da rede de televisão paulista que, na época, estava

em formação. De acordo com Costa (2011), foi neste momento que surgiram na TV Guajará o

programa de esportes de Ivo Amaral e o programa de entrevistas e de números musicais do

radialista Eloy Santos.

Costa (2011) conta também que, no início da década de 1980, a TV Guajará

comprou o prédio da TV Marajoara, no bairro de Nazaré. De posse de uma infraestrutura

física muito maior e contando com equipamentos mais modernos, a emissora pôde pensar em

uma programação mais ousada.

Um exemplo desse novo tempo foi o surgimento do TV Cidade, em 1984, um

programa destinado a um público heterogêneo, inspirado nos tradicionais programas de

auditório da TV brasileira e no TV Mulher, programa da TV Globo lançado em 1980, exibido

de segunda a sexta-feira de manhã, apresentado pela jornalista Marília Gabriela. A atração

estava em sintonia com a imagem de uma nova mulher que vinha se consolidando no país:

9 Graciano Almeida, radialista, concedeu a entrevista em abril de 2011, em Belém.

10 José Paulo Vieira da Costa, jornalista e publicitário, concedeu a entrevista em janeiro de 2011, em Belém.

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urbana, profissional e mais dona de suas convicções. O programa ficou no ar durante seis

anos.

O TV Mulher era um misto de programa jornalístico com entretenimento que

trazia como atrações notícias do Brasil e do mundo comentadas, entrevistas, números

musicais e quadros destinados ao público feminino, como o da sexóloga, Marta Suplicy, que

comentava as cartas que recebia dos telespectadores, na maioria, sobre dúvidas de cunho

sexual e a respeito de relacionamentos amorosos. Atualmente, Marta Suplicy é senadora do

Partido dos Trabalhadores, por São Paulo.

Costa (2011), criador e diretor do TV Cidade, falou sobre a concepção do

programa:

Queríamos algo muito popular, mas que ao mesmo tempo se comunicasse

bem com todas as classes sociais. Pensamos, então, em um programa nos

moldes do TV Mulher, da TV Globo. Só que a nossa versão falaria mais

diretamente ao povo, pois teríamos um auditório com pessoas fazendo

pedidos para solucionar seus problemas mais prementes e reivindicações de

serviços públicos. O cenário seria uma estilização de uma redação de um

jornal impresso, como o TV Mulher, com estações onde um comentarista

falaria sobre esporte, outro sobre polícia, em outra sessão, notícias da

sociedade paraense, e mais as entrevistas feitas pelo apresentador do

programa, o ator Kzan Lourenço, com médicos, advogados, autoridades, etc.

Haveria também o espaço para a apresentação dos artistas, como um palco.

Tudo simples e colorido, mas de bom gosto. Foi assim que surgiu o TV

Cidade.

De acordo com Costa (2011), Kzan Lourenço, já falecido, foi escolhido devido

ao fato de ele conhecer a linguagem televisiva, pois já havia apresentado o Capitão Furacão,

na TV Guajará. Além disso, Lourenço era ator, sabia usar a voz e tinha um tom tranquilo e

um jeito muito espontâneo de se relacionar com o público e com o telespectador. “Kzan

Lourenço tinha um estilo único que não pode ser comparado com nenhum outro apresentador

de programa de auditório do país,”, elogia Costa.

Costa (2011) rememora alguns números do programa e dá sua opinião acerca

do êxito alcançado por esta atração da TV paraense, que era exibida de segunda à sexta-feira,

do meio-dia às 15 horas:

O TV Cidade foi um sucesso tremendo. Ficou no ar por cerca de 15 anos. O

auditório lotava com a presença de umas 150 pessoas que queriam participar

do programa mais popular da TV paraense, sobretudo às sextas-feiras,

quando abríamos mais espaço para os números musicais. Muitas vezes, os

pedidos feitos pelas pessoas do auditório eram atendidos na mesma hora por

quem estava assistindo ao programa. Todos os artistas que vinham fazer

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show em Belém se apresentavam no TV Cidade. Assim como os artistas

paraenses mais populares, que não tinham espaço em outras emissoras, como

os ídolos do estilo de música brega que estava surgindo naquela época, a

exemplo de Beto Barbosa e Ted Max.

Em janeiro de 1989, Carlos Santos, que havia recusado em 1980 o convite da

Guajará, é novamente convidado por esta emissora para fazer o Programa Carlos Santos na

TV.

Desta vez ele aceita o convite e estreia o seu programa de auditório, ao vivo,

em abril de 1989. A atração era exibida aos sábados de manhã, com três horas de duração, das

9 horas ao meio-dia, com diversos quadros compostos por apresentação de calouros e de

cantores e bandas, gincanas e sorteios, como: Viva a Criança, Bairro Contra Bairro e Show de

Variedades.

O Programa Carlos Santos na TV fez parte de um contexto histórico bastante

rico e efervescente da cultura paraense, ocorrido na década de 1980. De acordo com Costa

(2011), foi nesse clima de inquietação cultural que ocorreu a inauguração de três emissoras de

televisão: o SBT Belém (1981), unidade regional do Sistema Brasileiro de Televisão, do

empresário e comunicador Silvio Santos; a TV Cultura do Pará (1987), emissora pública do

Governo do Estado, e a RBA – Rede Brasil Amazônia de Televisão (1988), afiliada da TV

Manchete do Rio de Janeiro.

Enquanto o SBT priorizava uma programação de caráter popular, encabeçada

pelo programa de auditório do dono da emissora, Sílvio Santos, a TV RBA surgia com a

mesma proposta da TV Manchete, do Rio de Janeiro, da qual era afiliada. Ou seja, apuro

estético de imagem e atrações de nível cultural mais elevado, voltadas para as classes de

maior escolaridade e poder aquisitivo.

De propriedade do empresário Jair Bernardino, dono da Belauto, holding que

tinha como carro-chefe uma revendedora de automóveis da montadora Volkswagen, a RBA

foi inaugurada em 15 de dezembro de 1988, com uma grande festa que contou com

autoridades, políticos, empresários paraenses e artistas do elenco da TV Manchete. O prédio

moderno da emissora e a imensa torre de concreto construída ao lado dele chamavam a

atenção de quem passava pela movimentada avenida Almirante Barroso, a principal via de

acesso ao centro da capital.

Com equipamentos novos e avançados e uma equipe grande de profissionais, a

TV RBA foi ao ar com uma programação local ousada para uma emissora em fase inicial de

operação, ancorada por três telejornais locais exibidos diariamente. Uma dupla de

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apresentadores conduzia cada um dos telejornais que duravam de 30 a 40 minutos. José

Carlos Raimundo, Karina Wilker e esta pesquisadora foram alguns destes apresentadores.

Costa (2011), que também atuou como supervisor geral de produção e imagem

nos primeiros anos da RBA, relembra os objetivos de Jair Bernardino em relação à emissora e

as ações de planejamento da empresa:

Em Belém, a estratégia de Bernardino para a RBA era consolidar uma

emissora de televisão forte, competitiva, bem montada, muito bem equipada,

e que, embora integrada à uma rede nacional, tivesse ampla vocação

regional. Isto não só daria suporte de comunicação a todas as empresas

Belauto, mas também ajudaria o grupo a alçar novos negócios. A idéia era, a

partir de Belém, gerar, via satélite, programação de rede, mas também

expressiva grade regional para, inicialmente, 49 pontos no Pará, ao mesmo

tempo brigando inteligentemente por maior espaço para fazer programação

local. Bernardino acreditava que poderia formar uma rede regional

Amazônia-Centro, a partir de Belém. A concorrência prendeu a respiração.

Com um jornalismo robusto, tanto factual quanto o de eventos, conforme relato

de Costa (2011), as matérias produzidas pela RBA tinham presença constante nos telejornais

da Rede Manchete.

No telejornalismo local, além dos telejornais e programas, marcou, entre

outras, pela transmissão pioneira, ao vivo, do Círio Fluvial, em outubro de 1989. Essa romaria

é realizada nas águas da Baía do Guajará, no sábado que antecede ao domingo da procissão do

Círio. Ela cumpre um percurso de dez milhas, do trapiche do distrito de Icoaraci até a

escadinha do Cais do Porto, em Belém.

Algumas datas importantes para o cenário cultural do país e do estado foram

transformadas pela RBA em especiais de TV: carnaval, quadra junina, Círio de Nazaré, Natal.

A emissora também criou um evento, a queima de fogos, na torre da emissora, comemorando

a passagem do ano, no dia 31 de dezembro, que perdura até hoje, segundo Costa (2011).

Comparada à TV RBA, a proposta do SBT Belém era bem mais tímida e

simplória, do ponto de vista de estratégia empresarial e fomento da produção local.

O jornalista Sérgio Palmiquist (2011)11

, que foi diretor de jornalismo do SBT

Belém na segunda metade dos anos 80, afirma que a emissora contava apenas com um

telejornal de 20 minutos, exibido às 19 horas, de segunda a sexta-feira, apresentado por

Ronaldo Porto e Norma Aguiar.

11

Sérgio Palmquist, jornalista, concedeu entrevista em março de 2011, em Belém.

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45

Tratava-se do informativo Cidade 5X, exibido entre 1987 e o ano seguinte,

quando foi substituído pelo TJ Pará. A mudança ocorreu em virtude do lançamento pelo SBT

do Telejornal Brasil, o TJ Brasil, em 28 de setembro de 1988.

Segundo Palmiquist (2011), o SBT não valorizava o jornalismo, assim como a

produção regional. O foco era conquistar anunciantes regionais com base na programação

nacional, pautada, principalmente, no Programa Silvio Santos, nos desenhos animados e

filmes.

Por conta disso, a equipe da emissora em Belém era muito pequena e a

estrutura improvisada, como lembra Palmiquist (2011). “Só tínhamos duas equipes de

reportagem e apenas uma delas contava com repórter. A outra era uma equipe muda que fazia

só imagens.”

Como demonstração da programação local claudicante, a equipe de jornalismo

do SBT Belém chegou a ser demitida e depois recontratada para dar continuidade ao

telejornal. Mas as condições de trabalho continuaram muito precárias. “Conseguíamos fazer

um bom telejornal porque a equipe era muito interessada”, conta Palmiquist.

O jornalista Afonso Klautau (2011)12

, que também foi diretor de jornalismo do

SBT Belém, na década de 1980, conta que as reportagens de cunho policial e aquelas que

partiam de denúncias da comunidade eram prioridade nos noticiosos da emissora. Matérias

sobre cultura e arte, comportamento e esporte eram minoria na pauta dos telejornais.

Por outro lado, segundo Klautau (2011), o TJ Pará foi ao ar em um momento

em que o SBT passou a levar mais a sério o seu jornalismo. Foi a época em que esse

departamento recebeu um tratamento mais profissional, amparado pela estréia do Telejornal

Brasil, informativo nacional do SBT, exibido pela primeira vez em 28 de setembro de 1988,

com duração de 40 minutos.

Em razão de ser considerado um paradigma para o telejornalismo brasileiro e

um fator de mudanças para a concepção do jornalismo do SBT Belém, julga-se importante

fazer algumas considerações sobre o TJ Brasil.

Segundo Rezende (2000), o TJ Brasil surgiu com um modelo bastante original

de telejornalismo, com perfil editorial pautado na figura de seu âncora, o jornalista Boris

Casoy. Veterano da imprensa escrita paulista, Casoy imprimiu credibilidade ao jornalismo da

emissora, com o seu trabalho de ancoragem que lhe permitia editar o telejornal, apresentar

notícias e fazer comentários com liberdade em entrevistas, ao vivo ou gravadas.

12

Afonso Klautau, jornalista, concedeu entrevista em março de 2011, em Belém.

Page 46: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

46

A figura do âncora criada pelos telejornais norte-americanos, inicialmente,

inspirou Casoy que se fundamentou no modelo de ancoragem dos Estados Unidos. Porém,

com o passar do tempo e a consolidação do TJ Brasil, o jornalista deu uma feição particular

ao seu trabalho.

Sobre a atuação de Boris Casoy à frente do TJ Brasil, escreve Rezende (2000,

p. 163): “é provável que nenhum jornalista, na condição de empregado, tenha desfrutado de

tanta liberdade para conduzir programas jornalísticos na TV brasileira”.

Rezende (2000) lembra também que, na década de 1990, o TJ Brasil conseguiu

grande audiência em todo o país, especialmente em São Paulo, e trouxe enorme popularidade

ao seu âncora. Com alta pontuação registrada em institutos de pesquisa, o TJ Brasil chegou a

ser o segundo programa do SBT em número de cotas publicitárias, ficando atrás apenas do

Programa Sílvio Santos. Mas como de praxe, em se tratando do SBT, ressalta o autor, o TJ

Brasil mudou de horário de exibição diversas vezes, sem que esse fato, no entanto, provocasse

baixas significativas de audiência.

Porém, após a saída de Boris Casoy o noticioso do SBT perdeu a sua força,

apesar da experiência e do carisma, o novo âncora, Hermano Henning, como ressalta Rezende

(2000). Henning não conseguiu manter a configuração do telejornal, que estava muito

atrelado ao estilo de Casoy, e em 31 de dezembro de 1997, o TJ Brasil teve a sua última

edição.

Após essa digressão sobre o TJ Brasil, volta-se o foco para a realidade

paraense por meio do relato do radialista Antônio Siqueira13

(2010), primeiro supervisor de

operações contratado pelo SBT Belém, que relembra como eram produzidos os telejornais

locais da emissora:

A emissora entrava no ar às 17h, com a programação da TVS, como os

desenhos animados, o humorístico A Praça é Nossa, o Programa Sílvio

Santos e os filmes. A nossa produção regional era apenas o jornal da noite,

às 19h, porque as nossas instalações eram improvisadas. O telejornal de

trinta minutos era gravado no estúdio localizado no último andar do edifício

Manoel Pinto da Silva, um apartamento adaptado, e enviado para o

complexo exibidor na avenida Alcindo Cacela.

Segundo Siqueira (2010), não havia uma continuidade na exibição do telejornal

que ficava um ano ou dois anos no ar e depois era retirado por ordens vindas da sede da

13

Antônio Siqueira, radialista, concedeu a entrevista em dezembro de 2010, em Belém.

Page 47: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

47

emissora, em São Paulo, para retornar algum tempo depois. Essa realidade só mudou nos

últimos dez anos, com a regularidade do telejornal SBT Belém, exibido até hoje às 13h.

Além do telejornal, Siqueira lembra-se de outra produção local do SBT.

Tratava-se do programa Sessão Premiada que entrava ao vivo nos intervalos comerciais dos

filmes transmitidos pela rede nacional. O apresentador atendia uma ligação de um

telespectador que deveria adivinhar o nome que faltava no jogo de palavras exibido em um

painel montado no cenário. O telespectador que acertasse a palavra levava um prêmio em

dinheiro. O programa caiu nas graças do público que congestionava as linhas telefônicas da

emissora, na tentativa de ganhar o prêmio.

Em outra ponta, figurava a TV Cultura, emissora pública do Estado do Pará,

com um projeto diferenciado: fazer uma televisão de qualidade, desatrelada das imposições

ditadas pelos interesses comerciais e das regras do mercado.

A TV Cultura do Pará começou a funcionar em 1986, pelo canal 2, apenas

como uma retransmissora da TV Educativa do Rio de Janeiro. Em 13 de março do ano

seguinte, a emissora passa a ter uma programação local com a exibição de um telejornal de

meia hora.

A liberdade para experimentar novos formatos e o estímulo à criatividade

encorajava a equipe formada por jornalistas experientes e outros recém-formados.

Palmiquist (2011) fala da importância da TV Cultura para o panorama

televisivo paraense. “Pela primeira vez, tínhamos uma emissora com espaço para a produção

regional e para experimentações.”

O grupo era comandado pelo jornalista Afonso Klautau (2011), diretor da TV

Cultura do Pará à época.

Klautau (2011) fala sobre o perfil da programação da emissora:

A idéia era implantar uma programação regional com enfoque para o

telejornalismo. E foi isso que fizemos. Um jornalismo atuante na Grande

Belém, que era respeitado porque não se prendia à pauta do Governo do

Estado. Além do jornalismo, produzimos grandes documentários, como um

sobre Serra Pelada e outro abordando a vida e obra do maestro Waldemar

Henrique, e outros programas de variedades e de entrevistas, totalizando

cinco horas de conteúdo local. Outro diferencial, era a linha esportiva com

exibição de competições de esporte amador e campeonatos estudantis. A

nossa meta era fazer bem feito ou não fazer. E como havia um hiato na grade

da TV paraense em relação ao regional, a TV Cultura se destacou com uma

programação de referência.

Page 48: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

48

Entende-se que também merece destaque nesta reminiscência da TV Cultura do

Pará o programa de entrevistas mais antigo da TV paraense em exibição, o Sem Censura

Pará, no ar ininterruptamente há 24 anos.

O Sem Censura Pará é um programa de entrevistas feito ao vivo, no início das

tardes, de segunda a sexta-feira. Conduzido por um apresentador, o programa conta sempre

com a presença de três ou quatro convidados que tratam de temas diferentes. Um ou dois

debatedores ajudam o apresentador a estimular o debate.

Desde que começou a ser exibido até hoje, o telespectador pode participar do

programa fazendo perguntas aos convidados ou comentários sobre os temas em questão, por

meio de ligação telefônica.

Nos últimos anos, o correio eletrônico (e-mail) e o twitter, rede social, também

são utilizados para o mesmo fim. Os produtores e estagiários ficam responsáveis para que a

participação do telespectador chegue até as mãos do apresentador.

Desde o seu início, a condução do programa contou com as seguintes

jornalistas: Fátima Aragão, Márcia Freitas, Linda Ribeiro, Daniele Redig, Elane Magno,

Andréa Cunha e esta pesquisadora, atual apresentadora do programa.

A importância do Sem Censura Pará é destacada pelo jornalista Sérgio

Palmiquist (2011), um dos diretores do programa na década de 1990 e, atualmente, um dos

debatedores do programa. “É um programa histórico. O mais interessante da televisão

paraense, porque é dinâmico, cabe qualquer assunto e estimula a participação do

telespectador”.

Como está há muitos anos no ar, o programa conta com alguns espectadores

regulares e entusiasmados. Um destes telespectadores é o defensor público aposentado,

Paraguassú Éleres (2011)14

que assiste ao programa desde os primeiros anos de sua exibição.

O formato e o espaço que o Sem Censura Pará dispensa para os assuntos de

interesse regional mereceram o comentário de Éleres (2011):

O que me faz assíduo telespectador é a transparência e variedade dos temas,

a identidade da paisagem social e da linguagem regional com a sociedade de

Belém e do Pará, bem como a atualidade das matérias e a franquia da

palavra aos entrevistados. Eles mostram as suas caras, sem subterfúgio, “sem

censura”. Sob outro prisma, como, em regra, são três entrevistados e cada

qual trata de um assunto diferente, o convidado não é só inquirido, ao vivo,

por um debatedor e pela apresentadora, mas também pelos outros

convidados. Ou seja, pessoas que necessariamente não são do ramo que, em

tese, ele é conhecedor. Além disso, os entrevistados são ainda questionados

14

Paraguassú Éleres, defensor público aposentado, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém.

Page 49: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

49

pelo telespectador, por meio de perguntas ou comentários nem sempre

elogiosos, que querem dissecar a verdade.

O Sem Censura Pará também é citado por Éleres (2011) como exemplo de

prática de produção televisiva de uma emissora pública, em virtude da grande diversidade de

temas de interesse da comunidade que são debatidos no programa, como educação, saúde,

política, meio ambiente, ciência, cidadania, arte e cultura, entre outros.

Éleres (2011) fala ainda sobre a sua participação e simpatia pelo programa:

Além de (sempre que possível) fazer perguntas pelo telefone sobre os temas

que são tratados, tenho o privilégio de ter participado do Sem Censura

como debatedor e entrevistado, tratando de assuntos os mais variados e junto

a pessoas de magno conceito intelectual na sociedade paraense. A maioria

desses programas eu os tenho arquivados e por meio deles vejo a variedade

de temas do programa: 1992 (Acidentados do avião da TABA); 2001

(Emancipação de Icoaraci); 2002 (20 Anos da Defensoria Pública, junto com

o escritor paraense Benedicto Monteiro); 2003 (Novo Código Civil, junto

com o jurista Zeno Veloso); 2004 (Questão de Limites entre Pará e Mato

Grosso); 2006 (Projeto de Lei de Florestas Nativas); 2008 (50 anos da

primeira encenação de Morte e Vida Severina pelo Norte Teatro Escola do

Pará).

Na segunda metade dos anos 70, antes da implantação do SBT Belém, da TV

Cultura do Pará e da RBA, havia entrado no ar a TV Liberal, pelo canal 7, afiliada da TV

Globo. A emissora era de propriedade do empresário e jornalista Romulo Maiorana, que já

possuía o jornal O Liberal e a Rádio Liberal AM.

O jornalista Nélio Palheta15

(2011), diretor de jornalismo da TV Liberal, na

década de 1970, relata o impacto da chegada desta emissora ao solo paraense:

Em 1976, quando a TV Liberal inaugurou, havia duas emissoras, a TV

Marajoara, que retransmitia a TV Tupi, e a TV Guajará, retransmitindo a

Globo, que perdeu a filiação para a nova emissora, que chegou moderna,

com equipamento de última geração. Enfim, era o que a Globo precisava

para ampliar a audiência, o que de fato aconteceu. As duas pioneiras ainda

resistiram algum tempo. A TVM desapareceu não só por causa da

esmagadora audiência da TVL, mas porque o Condomínio Diários

Associados – proprietário do canal 2 estava nos estertores. A chegada da

TVL foi um golpe de morte na Marajoara, uma das mais antigas do Brasil. A

TVM vinha de uma experiência exitosa, nos rastro da TV Tupi; produzia

telejornais, programas de auditório, tinha seu corpo musical, um cast

maravilhoso – gente que migrou do rádio para a televisão. Tudo ao vivo, é

15

Nélio Palheta, jornalista, concedeu a entrevista por e-mail, em janeiro de 2011.

Page 50: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

50

claro. A TVM, lembro, tinha um jornalismo atuante, melhor do que o da TV

Guajará.

Segundo relato de Palheta (2011), o jornalismo era estratégico não como uma

decisão da TV Liberal, mas porque estava na grade de programação da TV Globo.

A emissora começou com três telejornais diários: Jornal Hoje (local), Jornal

Liberal (antes do Jornal Nacional), e o Jornal Eletrônico que entrava antes do Jornal

Amanhã - chamado, atualmente, de Jornal da Globo. Só depois foi ao ar o Bom Dia Belém,

apresentado por Ronald Pastor, radialista oriundo da Rádio Liberal.

O ambiente na TV Liberal era inventivo e a equipe mostrava entusiasmo, como

demonstra o comentário de Palheta (2011):

A produção do jornalismo era efervescente, eu praticamente morava na TV,

depois do último telejornal, gravávamos entrevistas no estúdio para o jornal

do dia seguinte. Cantores, artistas nacionais famosos, como João Bosco e

Audir Blanc, em temporada em Belém, passaram pela TV para gravar

entrevista; autoridades, altas horas da noite, iam ao estúdio gravar

entrevistas. Essa era a solução, porque a emissora tinha apenas um vídeo

RCA de quatro polegadas, onde eram rodadas as novelas que vinham do Rio

por avião. Era nessa máquina que se gravavam matérias e também os

comerciais que contratavam.

A presença de Romulo Maiorana, de acordo com Palheta (2011), era constante

nas instalações da emissora. Palheta (2011) ressalta que o empresário dava muito valor ao

jornalismo e que quase toda noite, depois do Jornal Nacional, passava na emissora e ia à

redação perguntar se tudo estava correndo bem.

Não lembro de o Romulo ter interferido gravemente no jornalismo. Recordo-

me de um pequeno episódio, sem muitas consequências, por causa de um

pedido que o reitor da Universidade Federal do Pará, na época, fizera-lhe

para não deixar ir ao ar uma matéria sem grande importância.

Palheta (2011) relembra de um programa da TV Liberal que ainda permanece na

memória de muitos telespectadores: o Pierre Show, uma telerevista social apresentada pelo

colunista social do jornal O Liberal, à época, Pierre Beltrand.

De acordo com Palheta (2011), como a TV Globo era razoavelmente flexível

em relação à grade da programação e por um capricho de Romulo Maiorana foi possível

exibir o Pierre Show. “Era uma tentativa de agradar a alta sociedade paraense. Não demorou

no ar, porque, como produto de TV, era muito ruim”, comenta Palheta. Posteriormente, o

Page 51: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

51

Pierre Show passou a ser um quadro dentro do Jornal Liberal Primeira Edição, com a

denominação de Minuto Social.

Segundo o site Tele História (2011), Pierre Beltrand já havia apresentado

programas com enfoque na alta sociedade paraense na TV Marajoara, como o Noite Social

RM que foi ao ar em 1961.

Esta atração foi substituída pelo Pierre Show que trazia entrevistas com artistas

nacionais e locais e contava com a presença de dançarinas que eram chamadas de "pierretes",

jovens que faziam performances na abertura do programa. Na TV Marajoara, o Pierre Show

foi exibido até 1980, ano em que a emissora foi desativada.

Palheta (2010) destaca o jornalismo esportivo da TV Liberal que começou com o

Liberal Esporte, um programa de três minutos que apresentava os resultados dos jogos da

rodada do dia anterior, exibido durante o horário do almoço.

Os comentaristas esportivos Jayme Bastos e Mário Antônio dos Santos foram

apresentadores do programa, assim como o jornalista Zaire Filho. Como não havia uma

editoria de esporte, as matérias só eram feitas quando havia uma equipe do jornalismo

disponível.

Ao se observar a grade de programação das emissoras paraenses, nos anos 1980,

percebe-se que os telejornais locais foram programas estratégicos para todas elas, do ponto de

vista da busca por audiência e da consolidação da marca perante o público. Em segundo lugar,

aparecem os programas esportivos, de entrevistas e de auditório.

2.4 Contexto político e sociocultural de Belém na década de 1980

Considerando que esta pesquisa trata de um programa da televisão paraense e

como este programa começou a ser exibido nos anos 80, acredita-se importante fazer uma

breve abordagem deste período, levando em conta o contexto político e sociocultural da

época.

Sob a ótica dos acontecimentos políticos e sociais, a década de 1980 foi

marcante para a história do século XX, pois se considera que ela delimita o fim da idade

industrial e o início da idade da informação.

Em termos mundiais, a eleição de Ronald Reagan para a presidência dos

Estados Unidos e de Margareth Thatcher para ocupar o cargo de primeira-ministra do Reino

Page 52: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

52

Unido foram determinantes para toda a década de 1980, pois delinearam a política neoliberal,

presente ainda hoje na maioria dos países capitalistas.

No Brasil, foi um período de mudanças radicais dos rumos políticos. O país

estava saindo de 20 anos de regime militar e a população foi para as ruas se manisfestar, por

meio de movimentos mobilizadores como o das Diretas Já, que reivindicava eleições diretas

para presidente da República, após a morte de Tancredo Neves, eleito em 1985, e também a

implantação da Constituinte com o objetivo de elaborar uma nova Constituição para o país.

Os jornais paraenses registraram com destaque todos esses fatos. As páginas de

O Liberal (inaugurado em 1946), A Província do Pará (1876-2001) e o Diário do Pará

(1982), estampavam as mudanças na política brasileira e os principais acontecimentos do

mundo.

Um exemplo é a manchete da primeira página de O Liberal, do dia 10 de

agosto de 1981, anunciando a saída do ministro-chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e

Silva, e informando o nome de Leitão de Abreu para o cargo, indicado pelo presidente João

Figueiredo, último presidente do período militar. No texto da matéria, o líder político do Pará

na época, coronel do Exército Jarbas Passarinho, então presidente do Senado, comentava a

saída de Golbery do Couto e Silva da Casa Civil, do Governo Federal.

Ainda nesta edição, uma nota informava que o cantor Frank Sinatra já estava

no Brasil para fazer um show no Rio de Janeiro. Ao lado, destaque para a chamada do

programa Viva o Gordo, humorístico comandado por Jô Soares, exibido às 21h15.

Na coluna Repórter 70, a mais prestigiada do jornalismo impresso paraense,

uma nota registrava o desagrado da cantora Simone com a acústica do Ginásio de Educação

Física, da Universidade do Estado do Pará, onde ela se apresentou para um público

entusiasmado que lotou as arquibancadas e a quadra do local.

A gravidez de Lady Diana, esposa do príncipe Charles, herdeiro do trono

britânico, mereceu destaque no segundo caderno do jornal. A nota anunciava que a princesa

esperava o primeiro filho.

E um canto do segundo caderno, havia um registro discreto de mais uma vitória

de Lula, então presidente da Central Única dos Trabalhadores, para a presidência do Sindicato

dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.

A política regional mereceu registro, também no segundo caderno. Na matéria,

o rival político de Jarbas Passarinho, coronel Alacid Nunes, comentava a adesão do PMDB,

liderado por Jader Barbalho, à Assembléia Nacional Constituinte que iria elaborar a

Constituição de 1988. Foi também na década de 1980 que Jader Barbalho, atual senador da

Page 53: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

53

república, consolidou a sua trajetória política com a primeira eleição para o Governo do

Estado em 1982, quando era deputado federal.

O forte fluxo migratório em direção à capital também marcou a década de

1980, como assinala Pereira (2004). Segundo o pesquisador, o crescimento da população das

cidades, nos anos 70 e 80, mostra a nova peculiaridade da ocupação da Amazônia que tem

como uma das causas a dificuldade de acesso a terra. (PEREIRA, 2004, p. 42): “O núcleo

urbano, segundo essa premissa, passa a ser a condição chave de integração do espaço social e

territorial. É nele que passa a se realizar a dominação econômica e política, necessárias à

reprodução do sistema.”

Segundo os dados do Censo Demográfico de 1991, destacados por Pereira

(2004), enquanto na década de 1960, a população urbana representava 37,4% da população

total da Região Norte, na década de 1970, esse percentual subiu para 45,1%, e nos anos de

1980 para 51,7%.

Pereira (2004, p. 43) ressalta que a concentração de um maior número de

pessoas nas cidades propicia a interação econômica, ideológica e cultural desses centros

urbanos, difundindo comportamentos e valores próprios desse modo de vida.

A urbanização, nesse contexto, não está relacionada apenas ao crescimento

das cidades e de sua população. Como alguns autores chamam a atenção, a

urbanização refere-se à multiplicação dos pontos de concentração e de sua

população na cidade; à (re)socialização da população migrante (consumo de

novas informações e busca de satisfação de necessidades básicas como

educação, saúde e novas oportunidades de trabalho); ao desenvolvimento de

uma nova racionalidade propiciada pela vida na cidade, que, tanto interfere

na sua visão de mundo, quanto orienta a sua tomada de decisão; ao

desenvolvimento de uma economia urbana e por um mercado de trabalho em

bases assalariadas. Define-se, portanto, pela instauração do modo de vida

urbano.

Como parte das consequências desse forte processo de urbanização e

concentração da população, Belém viveu com intensidade os agitados anos 80 no cenário

artístico, como indica o DVD, ‘Belém aos 80’ (2007). De acordo com um fragmento do texto

do encarte do DVD, o processo liberalizante da política e a ansiedade por novidades

propiciaram o clima de efervescência cultural da cidade. Surgiram importantes iniciativas na

área artística que contribuíram para o aparecimento de novas idéias e romperam paradigmas

na forma de apresentar trabalhos.

Page 54: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

54

No teatro, o Grupo Experiência16

começa o seu trabalho de pesquisa em

espaços da cidade mais fortemente caracterizados pela cultura amazônica, como o Mercado

do Ver-o-Peso. Foi na década de 1980 que o grupo montou pela primeira vez o espetáculo Ver

de Ver-o-Peso que devido ao enorme sucesso é apresentado até hoje. Esse texto teatral é

importante para o teatro paraense porque foi montado a partir da observação do

comportamento e da linguagem dos trabalhadores do mercado.

Na música, o Anestesia Geral17

, grupo de jazz instrumental, também surgiu nos

anos 80, levando dezenas de pessoas às suas apresentações nas noites de quinta-feira, no Roxy

Bar, no bairro do Umarizal. Esse e outros grupos, como o Gema18

, liderado pelo cantor, ator e

locutor Walter Bandeira, falecido em 02 de junho de 2009, despertaram o gosto de parte da

população para a música instrumental feita na capital paraense.

Na artes plásticas, destaca-se a obra do artista Emmanuel Nassar, fortemente

marcada pela apropriação de conceitos e de referenciais da cultura popular. Em 1984, o artista

foi premiado com a obra Currupiu Gigante no Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de

Janeiro, evento determinante para a sua inserção no circuito brasileiro de arte.

A cidade viu florescer ainda iniciativas pioneiras e inventivas, a exemplo da

Associação Fotoativa19

, voltada para a prática reflexiva do saber fotográfico e das

experimentações, e o Arraial do Pavulagem20

, coletivo de pessoas reunidas em torno dos

ritmos e das festas tradicionais do estado, como as toadas de boi-bumbá e o carimbó, que sai

em cortejo pelas ruas de Belém em datas especiais, como o Carnaval e as festas juninas.

Muitos desses artistas, assim como jornalistas, arquitetos e escritores,

contavam com um ponto de encontro na cidade: o Bar do Parque, ao lado do Theatro da Paz,

na avenida Presidente Vargas. Naquele pequeno reduto da boemia, um espaço eclético e

16

O Grupo Experiência foi fundado em 1971, por um grupo de atores liderados pelo ator e diretor de teatro,

Geraldo Salles, com a proposta de montar espetáculos voltados para a realidade da região norte. Um desses

espetáculos é Verde Ver-o-Peso, uma comédia de costumes de muito sucesso, encenada há 29 anos pelo grupo.

Em março de 2010, o Grupo Experiência comemorou 40 anos de trajetória. 17

O grupo de música instrumental, Anestesia Geral, foi fundado nos anos 80 pelo baterista João Bererê. 18

O grupo Gema foi criado na década de 1970 por Walter Bandeira e um grupo de músicos. O artista

interpretava as canções sob os acordes de Nego Nelson, Kzan Gama, Bob Freitas e Dadadá. As apresentações do

grupo no bar Maracaibo, na rua Alcindo Cacela, em Belém, ficaram famosas na noite paraense, nos anos 80. 19

Fundada em agosto de 1984, pelo fotógrafo Miguel Chikaoka, a Associação Fotoativa funciona até hoje.

Instalada no bairro da Campina, em Belém, a Fotoativa é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos

que trabalha com o processo de aprendizagem e prática da fotografia voltada para a construção e exercício da

cidadania. 20

O Arraial do Pavulagem surgiu em 1987, a partir da iniciativa de músicos e compositores paraenses que

tinham o objetivo de divulgar a música de raiz produzida na Amazônia, em especial no Pará. Em 2003, o grupo

criou o Instituto Arraial do Pavulagem, uma sociedade civil, sem fins lucrativos, que desenvolve atividades de

educação cultural. O grupo está em atividade até hoje.

Page 55: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

55

democrático, surgiram idéias criativas que modificaram e revitalizaram o cenário artístico e

cultural da capital paraense nos frenéticos anos 80.

Se o Bar do Parque era o centro catalizador e difusor de boas idéias e abrigo

dos intelectuais, por outro lado, a cidade contava com uma pujante classe média que absorveu

os principais símbolos socioeconômicos da época, a exemplo dos carros grandes e possantes

que circulavam pelas ruas e da moda extravagante e muito colorida que os jovens exibiam nos

sábados à noite, nas filas dos principais cinemas como o cines Olímpia e Palácio e nos bares e

boates dos bairros nobres.

Os casais de mais idade frequentavam o jantar dançante do restaurante

Avenida, instalado na avenida Nazaré, esquina com a avenida Generalíssmo Deodoro, e a

boate do clube social Assembléia Paraense, na avenida Presidente Vargas. Nas rodas de

conversa, um dos assuntos preferidos era o sucesso da telenovela Vale Tudo (maio de

1988/janeiro de 1989), da TV Globo, que trouxe para a sala dos brasileiros a discussão sobre a

corrupção no país.

2.5 A estratégia do SBT e a chegada da emissora no Pará

Em 1976, de acordo com Mira (1995), o empresário Sílvio Santos começou a

operação do Canal 11 do Rio de Janeiro, emissora denominada de TVS – TV Sílvio Santos,

localizada no bairro de São Cristovão, considerada o embrião do Sistema Brasileiro de

Televisão - SBT que se materializou em 19 de agosto de 1981.

A concessão do governo federal recebida por Sílvio Santos para explorar a

TVS autorizava-o a assumir quatro emissoras de televisão: TV Tupi, em São Paulo; TV

Marajoara de Belém, no Pará, TV Piratini de Porto Alegre no Rio Grande do Sul e TV

Continental do Rio de Janeiro.

Segundo Mira (1995), o SBT foi concebido sob a égide da mesma filosofia

seguida na TVS. Ou seja, o objetivo continuava a ser fazer uma televisão para atender as

demandas do mercado e agradar às classes menos favorecidas do país em termos sociais e

econômicos.

Dessa forma, os programas exibidos pelo SBT seguiam a linha popular –

filmes, desenhos e noticiários. De acordo com Mira (1995), todos eles eram encabeçados pelo

líder de audiência da TV brasileira aos domingos: o Programa Sílvio Santos. Criado em 1968,

Page 56: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

56

na TV Paulista, emissora de São Paulo que foi incorporada pela Rede Globo, o Programa

Sílvio Santos foi transferido para a TV Tupi, em 1976, onde ficou até a falência desta

emissora em 1980. Com a inauguração do SBT, em 1981, o programa passa a ser exibido por

esta emissora.

A estratégia de mercado do grupo empresarial de Sílvio Santos é destacada por

Mira (1995):

Todas as suas empresas, o baú da Felicidade, as Lojas Tamakavy, a

financeira, o Clam, a Aposentec, entre outras, têm uma característica

comum: procuram cobrir uma demanda que se situa entre as classes C e D.

Parece-me que uma das razões do sucesso do Grupo Sílvio Santos é que ele

percebeu a existência de um mercado de consumo popular, investiu e lucrou

com o relativo abandono a que este ficou relegado durante os anos 70. Na

segunda metade da década , o Grupo penetrou nesse ‘espaço vazio’ também

no âmbito do imaginário. Um espaço que o ‘projeto Rede Globo’ deixou

aberto, quando optou por uma linha de programação que respondia,

basicamente, aos anseios das classes médias em ascensão a partir dos anos

60.

Um bom exemplo desse modo pragmático de Sílvio Santos gerir o SBT foi a

Sessão Contínua. Tratava-se da repetição do mesmo filme por mais de duas vezes ao longo da

semana, reduzindo os custos de exibição em aproximadamente 50%.

Os filmes apresentados também seguiam a linha popularesca da emissora, a

exemplo de O Homem Cobra, exibido Sessão das Dez. O filme retratava as aventuras de um

homem jovem que se transformava em serpente, após passar por vários estágios de mutação,

graças às pesquisas de um cientista. Segundo Mira (1995), no Rio de Janeiro, o Homem

Cobra chegou a alcançar 41 pontos de ibope, contra a programação da TV Globo.

A história de vida, os valores defendidos e a carreira dos integrantes da equipe

de produtores do Programa Sílvio Santos, núcleo do SBT, é destacada por Mira (1995) que

chama a atenção para a origem humilde e ascensão profissional desses produtores dentro da

empresa de Sílvio Santos e a relação destes profissionais com a filosofia do grupo

empresarial.

A carreira dos produtores do programa se mistura com a da empresa e reproduz

a trajetória de ascensão de Sílvio Santos. Segundo a pesquisadora (1995, p.p. 94-95), “Tão

popular quanto o público do Programa Sílvio Santos é o seu núcleo de produção.”

Na sua maioria, quando essas pessoas entraram no mercado de trabalho tinham

entre doze e dezesseis anos de idade, começaram no rádio e na televisão sem experiência,

ocupando funções subalternas e, paulatinamente, conquistaram cargos de maior

Page 57: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

57

responsabilidade e importância. (MIRA, 1995, p. 97): “Todos eles, sem exceção, afirmam

saber, por experiência ou por intuição, o que o povo gosta. Em geral, essa fala significa

também uma recusa do mundo filosófico ou intelectual.”

Essa mesma realidade pode ser observada em Belém, principalmente quanto ao

setor operacional das emissoras de TV locais. Um dos exemplos é o radialista Antônio

Siqueira (2010). Ele não fez curso superior, concluiu apenas o ensino médio e começou a

trabalhar em televisão aos 18 anos de idade, na área técnica da extinta TV Marajoara, na qual

chegou ao cargo de chefe de operações, funcionário responsável pela coordenação do pessoal

que operava os equipamentos da emissora.

Segundo Siqueira (2010), ele foi o primeiro operador de videoteipe do Estado,

visto que esse equipamento foi utilizado em primeira mão no Pará pela TV Marajoara, no

início dos anos 60. “O videoteipe facilitou muito o nosso trabalho, porque é muito mais

prático usar fitas magnéticas do que enormes rolos de filme”.

Quando a TV Marajoara passou a ser uma das concessões do grupo da TVS,

Siqueira foi, automaticamente, remanejado para a nova emissora, sendo contratado como

supervisor de operações.

As primeiras transmissões da TVS Belém foram realizadas no dia 26 de agosto

de 1981, pelo então canal 2, da TV Marajoara. Logo, a emissora passou a operar pelo canal 5.

Os princípios norteadores da emissora paraense seguiam as diretrizes da TVS: a programação

local, caso houvesse alguma, deveria atender ao gosto do cidadão comum.

O contexto histórico da criação do SBT, assim como as circunstâncias da sua

instalação em Belém, é relatado pelo jornalista e publicitário José Paulo Vieira da Costa

(2011):

Em março de 1975, a TV Guajará perde a programação da Globo que passa a

ser exibida na nova emissora que surgia, a TV Liberal canal 7, montada

dentro dos mais modernos requisitos exigidos para uma afiliada de primeira

linha e com transmissor cinco vezes mais potente que o das concorrentes,

além de um sistema de irradiação de sinal perfeito, abrangendo a cidade com

sinal uniforme e seguro. Em julho de 1980, o Governo Federal fecha a Rede

Associada (Diários Associados), com exceção das emissoras de Brasília e de

Salvador. Foi o fim da TV Marajoara, aqui em Belém. Ainda em 1980, o

Governo anuncia a abertura de concorrência para nova exploração desses

canais, dessa vez divididos em 2 blocos. Em 1981, Sílvio Santos ganha um

desses blocos, o que continha o canal 2 de Belém, ainda no mesmo ano

passando para o canal 5. A nova emissora foi instalada, para surpresa de

muitos, em um dos apartamentos do vigésimo quinto andar do edifício

Manoel Pinto da Silva, alugado pelos donos da TV Guajará que encolheram

as instalações do canal 4 para dar lugar à nova concorrente. Pouco tempo

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58

depois, a gentileza era esclarecida: a família Castro, dona da Guajará,

compra o prédio da extinta TV Marajoara e lá se instala com novos

equipamentos, a partir de 1983. A programação local popular passa a ser o

forte da emissora, com pontos expressivos de audiência, integrando,

nacionalmente, na época, a Rede Bandeirantes.

Dessa forma, nos primeiros anos de atuação, o SBT Belém não contava,

efetivamente, com uma programação local. Produzia e exibia apenas um telejornal de quinze

minutos (contando com os intervalos comerciais), às 19 horas, que saiu do ar diversas vezes

porque não dava o retorno financeiro que a emissora de Sílvio Santos esperava. O restante da

grade era preenchido com a programação gerada pelo SBT, em São Paulo.

O noticiário era gravado em um estúdio instalado precariamente em um

apartamento no último andar do edifício Manoel Pinto da Silva, área central de Belém, e

depois a fita era enviada para o complexo exibidor localizado na avenida Alcindo Cacela.

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59

3 GÊNEROS COMO ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS

3.1 Gêneros televisivos

O processo comunicativo ainda é uma questão instigante para os estudos sobre

comunicação. Ao longo dos anos de constituição do campo da comunicação, criaram-se

inúmeras teorias desde as que enfatizavam as fontes até os estudos de recepção, como

demonstra Silva (2005).

Considerando os meios de comunicação eletrônicos – rádio e televisão – há

estudos que privilegiam o campo da produção, levando em conta as rotinas de escolha dos

temas e a construção da credibilidade dos programas.

No campo da análise do produto, existem pesquisas sobre as linguagens

específicas dos veículos e a forma como as ideologias são transmitidas nas mensagens.

Na área da recepção, campo de interesse muito explorado pelos estudos

culturais que, ainda na década de 1970, começaram a estabelecer suposições para a análise do

processo comunicativo, incluindo pontos relacionados à recepção dos produtos mediáticos,

como ressalta Silva (2005). Principalmente a partir da década de 1980, esses estudos se

voltaram para a identificação do receptor e para o contexto em que se dá a recepção do

produto.

Dentro do contexto dos estudos culturais e do processo de recepção, chega-se

aos estudos latino-americanos, principalmente às pesquisas de Martín-Barbero (2009),

considerado um dos expoentes deste tema. O autor se apóia na teoria do gênero do discurso de

Bahktin (1997) para explicar a relação da linguagem televisiva e a compreensão dessa

linguagem pelo telespectador, vislumbrando um caminho para o entendimento do processo

comunicativo audiovisual.

Vale ressaltar que Bahktin, filósofo russo que viveu no período de 1895 a

1975, não estudou gêneros televisivos, mas sim gêneros discursivos. No entanto, sua obra é

referência até hoje graças à atualidade, coerência e profundidade do seu pensamento.

No intuito de reforçar a ideia de identificação do telespectador por meio do

gênero televisivo, recorre-se às palavras do próprio Martín-Barbero (2009, pp. 304-305),

quando ele diz que a verdadeira função do gênero televisivo é ser “a chave para a análise dos

textos massivos e, em especial, dos televisivos”.

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60

De acordo com este autor, os gêneros televisivos são estratégias de

comunicabilidade entre o programa exibido e o telespectador que promovem a interação entre

as duas partes. Martín-Barbero traz, assim, a noção de competência cultural para os estudos da

recepção no meio televisivo, pois aponta o modo como as mensagens, por si só, acionam a

audiência e seus conhecimentos.

Para Bakhtin (1997, p. 301), gênero é um “padrão relativamente estável de

estruturação de um todo”. O autor enfatiza, ainda, a natureza dialógica dos gêneros

discursivos. Ou seja, a constituição dos enunciados se dá na relação negociada entre eles, de

modo que o discurso traz em si múltiplas vozes. O enunciado é construído socialmente e, por

isso,

(...) visa a resposta do outro (dos outros), uma compreensão responsiva ativa,

e para tanto adota todas as espécies de formas: busca exercer uma influência

didática sobre o leitor, convencê-lo, suscitar sua apreciação crítica, influir

sobre êmulos e continuadores, etc. A obra predetermina as posições

responsivas do outro nas complexas condições de comunicação verbal de

uma dada esfera cultural. A obra é um elo na cadeia da comunicação verbal:

do mesmo modo que a réplica do diálogo, ela se relaciona com as outras

obras-enunciados: com aquelas a que ela responde e com aquelas que lhe

respondem, e, ao mesmo tempo, nisso semelhante à réplica do diálogo, a

obra está separada das outras pela fronteira absoluta da alternância dos

sujeitos falantes (BAKHTIN, 1997, p. 298).

Estabelecendo um processo relacional entre esses autores citados, segundo

Martín-Barbero (2009), é por meio dos gêneros televisivos que as competências culturais dos

produtores e emissores das atrações televisivas e do público receptor se tornam reconhecíveis

e estruturadas, visto que esses atores sociais congregam uma matriz cultural comum, mas

negociada. É por isso que o telespectador é capaz de reconhecer um gênero, mesmo

desconhecendo as etapas de produção dos programas e o funcionamento de uma emissora de

televisão.

O autor destaca também o fato de o gênero televisivo indicar a familiaridade do

telespectador com a televisão, pois os gêneros acionam mecanismos de recomposição da

memória e do imaginário coletivos. Ou seja, o telespectador possui um repertório televisivo

construído ao longo do tempo que lhe permite identificar e reconhecer um determinado

gênero de programa proposto pelo emissor, no momento em que está assistindo a um

determinado programa.

Page 61: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

61

Deste modo, o telespectador cria uma expectativa diante da atração exibida,

porque o gênero televisivo é o elemento que se coloca entre o produto e o telespectador, no

processo de recepção. O gênero televisivo, portanto, tem relação tanto com o campo da

produção quanto com o da recepção, influenciando nas expectativas criadas pela audiência

quando colocada diante de um produto.

Por meio do reconhecimento do gênero, o telespectador acompanha a

programação da TV e se posiciona de maneira diferente de acordo com o que lhe está sendo

proposto: se um programa de entretenimento, se um telejornal, se uma telenovela.

Para deixar mais claro o raciocínio, toma-se como exemplo o caso dos

telejornais. Diante da leitura de uma nota pelada (notícia lida pelo apresentador do telejornal,

sem a utilização de qualquer imagem sobre o fato narrado), o telespectador espera uma

informação breve, com menor repercussão e importância para a sociedade.

Quando assiste a uma reportagem, caracterizada pela riqueza de imagens,

presença do repórter no local do acontecimento, narração minuciosa do fato, depoimentos dos

envolvidos e opinião de especialistas sobre o respectivo tema, a expectativa do telespectador é

de uma informação aprofundada e mais detalhada sobre o ocorrido.

De acordo com Silva (2005), no caso dos telejornais, há também alguns

mediadores (repórteres, apresentadores) que possibilitam que o telespectador identifique

rapidamente qual o tipo de assunto que será tratado graças ao estilo próprio do repórter de

apresentar os fatos e os temas mais abordados por um determinado profissional da TV.

Toma-se como exemplo uma repórter muito popular da TV Globo: Glória

Maria21

. As suas matérias remetem imediatamente a costumes e fatos ocorridos em países

distantes do Brasil, com culturas muito diferentes da realidade nacional. A forma realista com

que Glória Maria se envolve com o tema da matéria e reporta essa experiência ao

telespectador, a exemplo dos casos em que ela experimenta comida exótica, salta de pára-

quedas ou veste um traje típico de uma determinada localidade, ajudam o espectador a

perceber o que ele pode esperar daquela reportagem.

Segundo Silva (2005), pode-se afirmar que diante da variação dos elementos,

como os formatos que as notícias são repassadas, o reconhecimento dos mediadores e dos

quadros apresentados, o telespectador vai mudando o seu panorama de expectativas ao longo

21

Jornalista formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Já trabalhou nos

noticiários da Rede Globo: RJTV, Jornal Hoje e Jornal Nacional. Apresentou e fez reportagens para o programa

Fantástico. Atualmente é repórter especial do Globo Repórter.

Page 62: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

62

da emissão. Dessa maneira, ele cria expectativas de acordo com o gênero de programa

(telejornal, telenovela, programa de entrevista, programa de auditório).

Machado (2005) também segue os estudos de Bakhtin (1997) sobre gêneros do

discurso para tratar de gênero televisivo. Para o autor, um programa de auditório ou de

entrevistas, um capítulo de uma novela, um comercial publicitário, uma entrada ao vivo do

repórter em um telejornal, são eventos audiovisuais. No entanto, eles correspondem a um

enunciado, porque expressam um conceito por meio de seus conteúdos e de suas temáticas e

da maneira de operar os códigos do audiovisual. A organização relativamente estável desses

conteúdos, ricos em significados, na grade de programação da TV, pode ser chamada de

gênero televisivo.

Machado (2005) trata ainda da heterogeneidade e da mutabilidade dos gêneros

televisivos, destacando que eles não são apenas muito diferentes entre si, mas também se

multiplicam com facilidade, gerando muitos outros gêneros, simultaneamente, o que permite a

produção de um repertório muito grande e rico em permanente exibição na TV.

A esse respeito, Machado (2005, p. 71) escreve:

Eles existem em grande quantidade, chegam a ser mesmo inumeráveis,

aparecem e desaparecem ao sabor dos tempos, alguns deles predominam

mais num período do que em outro, ou mais numa região do que em outra,

muitos deles subdividem-se em outros gêneros menores. Os gêneros existem

numa diversidade tão grande que muitas vezes se torna complicado estudá-

los enquanto categorias. De fato, como colocar no mesmo pede igualdade

eventos audiovisuais tão distintos entre si, como uma narrativa de ficção

seriada, a transmissão ao vivo de uma partida esportiva, o pronunciamento

oficial de um presidente, um videoclipe, um debate político, uma aula de

culinária, uma vinheta com motivos abstratos, uma missa ou um

documentário sobre o fundo do mar?

É importante, no entanto, não confundir o gênero televisivo com o gênero

discursivo, visto que ambos trazem regras de construção e de leitura dos enunciados.

De acordo com Silva (2005), um dos caminhos para fazer a diferença entre eles

é sistematizando-os dentro da esfera do jornalismo, da seguinte forma: o gênero discursivo

refere-se a uma categoria ampla. Tomando como exemplo o jornalismo, o gênero discursivo

está relacionado às suas regras de construção.

Desse modo, cabe na análise do jornalismo como gênero discursivo, tratar de

questões como: discussões sobre objetividade e imparcialidade da imprensa, a construção de

credibilidade, os valores da notícia e os critérios do que é considerado notícia

(noticiabilidade).

Page 63: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

63

Por outro lado, quando se analisa o gênero televisivo propriamente dito, é

possível fazer uma articulação das questões citadas. Um bom exemplo seria a forma como um

telejornal ou um programa de entrevistas utiliza o conceito da construção da credibilidade no

seu modo de produção. Isso pode ser feito por meio do critério de escolha do apresentador do

programa. A opção pode ser feita, por exemplo, a partir do conceito de respeitabilidade que

ele (apresentador) construiu ao longo de sua carreira.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado com relação ao motivo da identificação

do público com um determinado programa de auditório. Os meios para buscar essa

identificação podem ser a escolha de um apresentador que traçou a sua carreira no rádio e por

isso se expressa de forma mais direta e espontânea.

No caso específico do programa de auditório, o telespectador sabe que vai

encontrar entretenimento neste gênero televisivo, por meio das atrações apresentadas, como

números musicais e de variedades, brincadeiras propostas pelo apresentador-animador ao

auditório e entrevistas curtas e superficiais com artistas convidados.

De acordo com Souza (2004), os elementos utilizados pelos programas de

diferentes gêneros televisivos configuram um determinado formato. É a partir do formato que

os programas se distinguem uns dos outros e passam a atrair uma determinada fatia do

público, estabelecendo uma identificação com o telespectador.

O formato, portanto, é outro termo importante ligado ao ambiente televisivo e

complementa a concepção de gênero televisivo, mas é pouco encontrado em obras científicas

que tratam deste tema.

Como já mencionado, os formatos se multiplicam e podem ser adaptados a

diversos gêneros. E mais do que isso, podem sofrer um processo de hibridação, apresentando-

se de maneira combinada, fato que possibilita o surgimento de outros programas.

E é justamente a férrea disputa por audiência das emissoras de televisão que

tem aumentado a busca por novos formatos em nível mundial, como aponta Souza (2004, p.

47):

O desenvolvimento e a explosão dos formatos de TV no mundo têm sido um

fenômeno extraordinário dos últimos anos em nível mundial. A cada dia é

maior o número de canais que trocam imediatamente programas que não

funcionam por outros mais interessantes, o que provoca uma concorrência

feroz entre os formatos. As emissoras de todo o mundo procuram um

formato ‘salvador da pátria’ que resolva o problema de audiência em toda a

temporada da programação. Os formatos são a base do êxito, mas muitas

vezes é difícil distinguir o essencial do secundário, para apontar qual o

motivo do triunfo de um e porque ele é diferente do outro.

Page 64: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

64

O formato é determinado pelas características gerais, os aspectos de um

determinado programa. Essas peculiaridades são organizadas de uma determinada forma.

Assim, um programa agrada a um tipo de público, dando origem a um formato novo ou

consolidando um já existente.

Por exemplo, no caso do programa de auditório, a presença da platéia no

estúdio e do palco (espaço cenográfico onde fica o apresentador/animador) são as

características principais que delimitam o formato desse gênero televisivo. Mas nada impede

que outro gênero televisivo, como o talk show, por exemplo, incorpore o formato palco e

platéia. Este é o caso do Programa do Jô, criado em agosto de 1988, no SBT. Em 2000, o

programa passou para a grade de programação da TV Globo, emissora em que está até hoje.

Ainda na esfera do entendimento acerca de formatos televisivos, nas duas

últimas décadas, os programas de auditório vêm sendo denominados pelas próprias emissoras

de ‘programas de variedades’. Esse fenômeno ocorre graças à facilidade que o gênero

auditório tem de se desdobrar em outros formatos que comportam reportagens, entrevistas

mais longas e atrações diversas.

Souza (2004), no entanto, chama a atenção para as intenções das emissoras no

que se refere a este novo termo que vem sendo utilizado para os programas de auditório.

Segundo o autor, não raro, sob a nomenclatura de ‘variedades’, esses programas ridicularizam

os seus convidados e a platéia, apresentando quadros dramáticos que exploram fatos do

cotidiano da sociedade, diferenciando-se dos programas de auditório originais.

Para melhor compreensão do tema, recorre-se ao texto de Souza (2004, p. 139):

A reclassificação do gênero variedades, antes denominado auditório, é um

artifício criado pelas próprias emissoras para não dar ao programa uma

imagem popular. Rebatizados, os programas de variedades são os programas

de auditório pós-modernos na TV, que promovem a guerra de audiência com

prejuízo para o telespectador, que vê, ri, chora e se espanta com tudo que é

apresentado. Há uma tentativa de dar continuidade à fórmula desenvolvida

há décadas por Hebe Camargo, Silvio Santos e Flávio Cavalcanti, entre

outros.

Vale ressaltar que esta pesquisa trabalha com o conceito tradicional de

programa de auditório e não com o conceito de programa de ‘variedades’, citado por Souza

(2004). Entende-se que esta opção é a mais adequada para esta pesquisa, pois o conceito

tradicional de programa de auditório traz em seu bojo a história, o desenvolvimento e a

importância desse gênero televisivo no processo de consolidação da televisão brasileira.

Page 65: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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3.2 O que é o programa de auditório

O programa de auditório é um gênero televisivo muito peculiar da TV

brasileira. Ele faz parte da história da televisão do país, pois aparece na programação das

primeiras emissoras instaladas em território nacional. Originado no rádio, esse gênero de

programa foi transportado e assimilado pela TV, onde também fez muito sucesso e ganhou

popularidade.

Na classificação proposta por Souza (2004), o programa de auditório é um

gênero que pertence à categoria ‘entretenimento’. Nesta categoria, estão elencados mais 22

gêneros televisivos: colunismo social, culinário, desenho animado, docudrama, esportivo,

filme, game show (competição), humorístico, infantil, interativo, musical, novela, quis show

(perguntas e repostas), reality show (TV-realidade), revista, série, série brasileira, sitcom

(comédia de situações), talk show, teledramaturgia (ficção), variedades, western (faroeste).

Focalizando apenas no gênero programa de auditório, destaca-se que ao ser

transferido do rádio para a TV, na década de 1960, o programa de auditório quase não sofreu

alterações quanto as suas características originais, com exceção do recurso da imagem. Com o

passar do tempo, no entanto, esse gênero de programa ganhou contornos próprios na

televisão, como a inclusão de quadros de entrevistas e a apresentação de números de dança e

atrações oriundas do circo, a exemplo de trapezistas, malabaristas, animais adestrados.

Segundo Souza (2004), a variedade de atrações apresentada durante um só

programa é um dos elementos característicos do programa de auditório e é uma das suas

estratégias para prender a atenção do telespectador. Assim como, a presença da platéia no

estúdio e a figura do apresentador-animador que comanda o programa e estimula o auditório a

cantar, dançar e tomar parte das brincadeiras, pois ele é o condutor do programa.

A onipresença do apresentador ocorre tanto pelo discurso direto que ele

constrói frente às câmeras, como também está presente na sua personalidade e carisma. Além

disso, no gênero auditório, o caráter de afirmação do apresentador é bastante nítido, pois ele

desempenha o papel de animador, anfitrião, mediador e juiz.

Ao desempenhar esses papéis, o apresentador funciona como um elo de contato

entre todas as falas em circulação no programa (locutor, convidados, jurados, platéia). Assim

é que, de acordo com Oliveira (2005), de forma diferente do discurso jornalístico tradicional

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66

na TV, marcado pela homogeneização, o discurso dos programas de auditório é heterogêneo,

pois reflete diversas vozes.

A dinâmica dos quadros e a estrutura cenográfica do programa – como cenários

e figurino do apresentador, das dançarinas de palco e da platéia – também ajudam na

composição do programa de auditório.

Como em qualquer outro gênero televisivo, os programas de auditório são

espaços de convenções e regras. Há um ritual presente em cada programa, do qual fazem parte

o apresentador-animador, a equipe técnica e os participantes (platéia, entrevistados, artistas,

convidados, figurantes etc). Todos devem seguir as normas, sob pena de quebrar o sentimento

de coletividade que paira nos estúdios de TV, visto que há um clima de colaboração em torno

do caráter performático do espetáculo.

Sendo assim, é usual nos programas de auditório a presença de um (ou mais de

um) coordenador de palco carregando placas de ‘aplauso’ ou ‘silêncio’ direcionadas à platéia,

a fim de provocar diretamente tais manifestações. O coordenador de palco também pode

utilizar os gestos com os braços e as mãos para incitar o auditório.

A forma de participação do auditório (atuante ou passiva), a linguagem do

apresentador (coloquial direta) e a cenografia do programa (cores, cenários) são alguns

elementos que compõem as estratégias de comunicabilidade dos programas de auditório,

sintetizadas aqui nas ideias Souza (2004), conforme indica o Quadro 3.

Quadro 3: Estratégias de comunicabilidade, com base em Souza (2004)

Presença de auditório Passiva ou atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto

Tipo de narrativa Pessoal, intimista

Linguagem Coloquial, direta

Relação de uso que se estabelece com a

recepção

Entretenimento, participativo, cooperativo

Cenografia dos programas Cores, cenários e similares

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

É importante registrar, porém, que entre as adaptações implantadas ao longo do

tempo nos programas de auditório da TV brasileira estão as inserções de quadros de oferta e

venda de diversos produtos, como ferramentas de marketing, chamadas de merchandising no

Page 67: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

67

meio da publicidade e propaganda. Essa influência da publicidade significou uma das

principais fontes de renda das emissoras possibilitando o próprio desenvolvimento dos

programas, sob o ponto de vista das condições financeiras, dos recursos técnicos e das

atrações.

Mas para delimitar de forma ainda mais precisa o programa de auditório, deve-

se refletir um pouco sobre a origem e a presença desse gênero televisivo na TV brasileira.

Segundo Mira (1995), três fenômenos culturais bastante populares e muito

interligados encontram-se nos fundamentos da história do programa de auditório no Brasil: o

rádio, o teatro de revista e a chanchada produzida pelo cinema nacional. A dinâmica das

relações entre eles está registrada, por exemplo, nos números de teatro de revista que eram

apresentados antes da exibição de filmes, nas salas de cinema da cidade do Rio de Janeiro.

O tipo de humor praticado no teatro de revista e na chanchada era explorado

nos programas de auditório do rádio. Assim como as vedetes do teatro de revista teriam

influenciado a presença e a performance das dançarinas de palco dos programas de auditório

da televisão, anos depois.

A autora destaca o circo como fenômeno cultural encontrado na matriz mais

remota dos programas de auditório, assim como a festa de largo, realizada no entorno das

igrejas, principalmente nas cidades do interior.

Como se verifica, uma mistura de atrações de estilo popular e uma grande

variedade de recursos cênicos e artísticos compõem a estrutura básica dos programas de

auditório, como afirma Mira (1995, p. 128):

Um fato absolutamente notável é que quanto mais voltamos na história dos

programas de auditório mais nos aproximamos do universo da cultura

popular. Passando pelas histórias das primeiras emissoras de TV e das

manifestações culturais que constituíram suas fontes mais diretas (o rádio, a

‘chanchada’ e o teatro de revista), acabamos por descobrir sua ligação

profunda com o circo e a festa popular.

De acordo com Mira (1995, p.127), nas décadas de 1920 e 1930, a imprensa

costumava denominar o teatro de revista e alguns programas de rádio, em especial os

programas de auditório, como atrações vulgares, grosseiras, maliciosas e pouco elaboradas.

Entretanto, ressalta a autora, o gosto comum, oriundo das massas, está presente

na origem cultural dos povos ocidentais primitivos, anteriores ao surgimento das sociedades

de classes e do Estado. Nestas comunidades, a seriedade e a comicidade eram consideradas

sob o mesmo aspecto, conviviam juntas nas festas, no ambiente sagrado e no oficial. Porém,

Page 68: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

68

com o surgimento das classes sociais e do Estado, o ambiente sério e o cômico foram se

afastando paulatinamente. O aspecto cômico foi se transformando então em um mundo a

parte: o ambiente popular, de caráter não-oficial.

Na Idade Média, continua Mira (1995), as visões de sério e cômico estavam

bem delimitadas e apartadas, em função da rígida hierarquia social. O Carnaval e os

espetáculos cômicos eram expressões populares, faziam parte da visão de mundo das pessoas.

Elas entendiam as festas, os jogos, os banquetes e as brincadeiras como um convite à

liberdade do corpo e do espírito.

Este ambiente onde predominava o gosto popular, o riso e a extravagância

coexistia com o mundo da cultura oficial do Estado e da Igreja, considerado mais sério e

elevado. Eram ambientes que conviviam paralelamente, mas não se misturavam, pois o riso

havia sido expurgado dos cultos religiosos e das cerimônias do Estado.

A autora destaca, porém, que o gosto popular medieval não morreu totalmente

na Idade Moderna (séculos XVI, XVII e XVIII), tampouco perdeu a sua vitalidade e

capacidade de resistência. Haja vista os espetáculos apresentados em praça pública, pelos

profissionais andarilhos, a exemplo dos palhaços, malabaristas, dançarinos, curandeiros,

menestréis e acrobatas.

Mira (1995) compara alguns elementos característicos das festas populares e do

circo que até hoje são utilizados tradicionalmente em atrações dos programas de auditório,

conforme indica o Quadro 4.

Quadro 4: Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Proposta de quadros dos programas Gosto popular

Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes circenses

magia/limites do corpo

Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Musicais/coreografias Danças/música

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias

Narrativas

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco

Riso/inversão do mundo

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).

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69

Nesta perspectiva, a autora trata dos apresentadores-animadores dos programas

de auditório, chamando atenção para a desenvoltura que eles têm em lidar com o público.

Segundo Mira (1995), esse talento pode ser comparado ao dos apresentadores de espetáculo

em praça pública, dos séculos XVI e XVII, que tinham habilidade para chamar a atenção do

público com brincadeiras, além de um texto oral simples e envolvente.

Em geral, esses apresentadores citados pela autora eram espécies de

charlatães. Hábeis vendedores ambulantes de pílulas e remédios que atraíam a atenção dos

fregueses fazendo brincadeiras sobre as qualidades do produto ofertado, além de alguns

números básicos de mágica e de malabarismo.

A seguir, um trecho da obra de Mira (1995, p. 141) que ilustra bastante o perfil

do apresentador-animador do passado e a sua relação com a figura do empresário e

apresentador Sílvio Santos, foco da pesquisa da autora:

Nos séculos XVI e XVII, os espetáculos de praça pública tinham um

apresentador. O charlatão ou “opérator”, como às vezes ele se

autodenominava na França, era um vendedor ambulante de pílulas e outros

remédios, que fazia palhaçadas e desfiava uma arenga engraçada para atrair

a atenção de fregueses em potencial. Na Itália, a palavra ‘ciarlatano’ pode

significar um camelô que vende remédios ou um ator de rua. Mas a praça

não era o único cenário da cultura popular. Quando o espetáculo era

apresentado nas tabernas ou em seus pátios, o estalajadeiro atuava como

empresário ou ‘animateur’. A semelhança com a figura de Sílvio Santos não

parece ser mera coincidência. Poderíamos pensá-lo como um ‘charlatão

moderno’: ao mesmo tempo apresentador de espetáculos e empresário

capitalista. Na verdade, um dos maiores empresário brasileiros no setor da

‘cultura popular de massa’. O tipo de espetáculo que ele comanda em seu

programa e no próprio SBT como um todo incorporou temas, fórmulas e

características próprias do universo da cultura popular tradicional, agora

produzidos em larga escala e negociados no mercado de bens culturais.

Mas como estamos falando de gosto popular, é importante que se tente

compreender melhor este conceito, com a ressalva de que não há a pretensão de aprofundar

tão complexa questão. Explicando melhor, este trabalho não pretende fazer uma abordagem

de grande alcance acerca do processo histórico do termo ‘popular’, mas apenas compreender a

sua definição.

Segundo França (2006, p. 38), o termo popular apresenta diversos significados

e remete a formas de relações diferentes com o povo: o que vem do povo, aquilo que é feito

para ele, o que é peculiar do povo e o que é apreciado por ele.

Page 70: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

70

Entende-se que, como o foco desta pesquisa é um programa de auditório, o

significado de popular que mais se aproxima deste gênero televisivo é o segundo: aquilo que é

feito para o povo, que se destina a ele. De acordo com França (2006, p. 40), este significado

se relaciona aos produtos destinados ao povo que buscam ativar o consumo por meio da

identificação. Ou seja, estes produtos assumem algumas características entendidas pelo senso

comum como apreciadas pelo povo, a exemplo de falta de sofisticação, baixa qualidade, cores

berrantes.

No entanto, esta concepção de cultura popular é abordada criticamente por

Canclini (2006). O autor destaca que, à exceção do trabalho de Mikhail Bakhtin, somente nas

três últimas décadas, surgiu uma atenção da comunidade científica em relação à cultura

popular. A maioria destes trabalhos, no entanto, tende a considerar a cultura popular como

uma manifestação tradicional e subalterna, em contraposição ao que é entendido como culto,

caracterizado pelo moderno e hegemônico.

Para Canclini (2006, p. 255), “estes estudos conceberam o popular como uma

subcultura, determinada pela posição de seus agentes e pela extensão de seu público.”

Esta concepção dos primeiros estudos, de acordo com Canclini (2006, p. 255),

pautou os veículos de massa acerca do conceito de cultura popular, “segundo os quais, a

cultura massiva substituiria o culto e o popular tradicionais.” Ou seja, estes estudos

consideravam os meios de comunicação de massa uma ameaça às tradições populares. Por sua

vez, os meios de massa entenderam que o popular não interessa como tradição e experiência,

mas como algo fugaz e prosaico.

Eis o que diz Canclini (2006, p. 259):

Para a mídia, o popular não é o resultado de tradições, nem da personalidade

coletiva, tampouco se define por seu caráter manual, artesanal, oral, em

suma, pré-moderno. Os comunicólogos vêem a cultura popular

contemporânea constituída a partir dos meios eletrônicos, não como

resultado de diferenças locais, mas da ação difusora e integradora da

indústria cultural. Popular é o que se vende maciçamente, o que agrada a

multidões. A rigor, não interessa ao mercado e à mídia o popular e sim a

popularidade.

Sendo assim, Canclini (2006, p. 281) chama a atenção para a importância do

estudo transdisciplinar, quando ao conceito de cultura popular, visto que pesquisadores de

campos de estudo diferentes têm suas próprias visões e contribuições sobre o tema, a exemplo

de folcloristas, comunicólogos e sociólogos.

Page 71: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

71

Talvez a coisa mais alentadora que esteja ocorrendo com o popular é que

alguns folcloristas não se preocupam só em resgatá-lo, os comunicólogos em

difundi-lo e os políticos em defendê-lo, que cada especialista não escreva só

para seus iguais nem para determinar o que o povo é, mas antes para

perguntar-nos, junto aos movimentos sociais, como reconstruí-lo.

Seguindo esta linha de pensamento, entende-se importante ressaltar que,

originalmente, não há hierarquia entre as culturas. De um modo geral, elas são heterogêneas,

híbridas e conversam entre si, pois reúnem elementos originais e outros importados. Assim, o

programa de auditório, que é um produto cultural, é atravessado por gostos das culturas

populares tradicionais, assim como de outras formas de cultura do mundo atual, como a pop e

a urbana .

Para um melhor entendimento, eis as palavras de Cuche (1999, p.149):

As culturas populares revelam-se, na análise, nem inteiramente dependentes,

nem inteiramente autônomas, nem pura imitação, nem pura criação. Por isso,

elas confirmam que toda cultura particular é uma reunião de elementos

originais e importados, de invenções próprias e de empréstimos.

O cunho popular do Programa Sílvio Santos está profundamente relacionado

aos profissionais que fazem o programa, como aponta Mira (1995). Segundo a autora, grande

parte dos produtores do Programa Sílvio Santos é oriunda das classes populares ou vem de

uma trajetória profissional ligada à produção de programas destinados ao consumo popular.

Por isso a produção de Sílvio Santos traz a marca do popular, pois os profissionais envolvidos

saíram desse universo ou conviveram com ele, na TV, desde cedo.

Eis a explicação de Mira (1995, p. 101):

A idéia de que, por sua própria formação pessoal e profissional, eles

partilham da mesma ética e possuem um repertório apenas mais trabalhado

do que seu público parece bem mais próxima da verdade. Quase tão

anônimos quanto o povo, os produtores dos programas populares não têm de

fazer tantas concessões como se imagina. Seu gosto e seus valores não são

assim tão diferentes dos de seus espectadores.

Esses homens e mulheres são originários das classes trabalhadoras. Nesse

ambiente, eles construíram suas condições de sujeitos sociais, na família, na escola e nos

contatos profissionais, ressalta Mira (1995). Emergiram, assim, vivências e experiências que

influenciaram na construção do gosto dessas pessoas, determinando preferências em relação à

arte e ao consumo.

Page 72: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

72

Julga-se pertinente também trazer a análise de França (2006) acerca da

presença do povo na TV brasileira. Historicamente, a televisão brasileira conta com pessoas

famosas na condição de protagonistas nos programas de auditório, a exemplo de astros da TV,

atletas consagrados, personalidades, modelos, atores e cantores. Às pessoas comuns, cabem os

papéis secundários. Elas aparecem como participantes de gincanas, jogos e brincadeiras, ou na

condição de atrações circenses ou de calouros. Neste último caso, cantando canções que

fizeram sucesso nas vozes de ídolos da música.

Somente a partir dos anos 90 é registrada uma mudança sutil nesse quadro: o

homem comum passa a ter participação diferenciada em alguns programas que contam com

platéias no estúdio de gravação. Estes programas, no entanto, não apresentam,

necessariamente, todos os elementos que caracterizam os programas de auditório tradicionais.

Estes programas surgidos na década de 1990, como o Programa do Ratinho,

levam pessoas comuns para o centro, a fim de que elas contem os seus dramas pessoais e

busquem soluções para eles, com a ajuda do apresentador, da platéia e de convidados,

especialistas em relacionamento humano ou na resolução de conflitos, como médicos,

terapeutas e psicanalistas.

Porém, como sublinha França (2006, p. 52), as pessoas comuns tornam-se o

centro das atenções, são protagonistas por alguns minutos, mas não ocupam o lugar de estrela.

O papel delas continua sendo secundário, como sempre foi na TV brasileira, pois a

participação do povo na televisão apresenta aspectos singulares, como descreve a autora.

França (2006, p.p. 52-53) destaca a presença do homem comum nestes

programas surgidos nas últimas duas décadas a partir de cinco situações-modelo, descritas no

Quadro 4: “o circo”, em que a pessoa passa por uma situação engraçada no ar; “o tribunal-

divã”, em que as pessoas levam seus problemas pessoas para serem debatidos no ar; “a

máquina de sonhos”, na esperança de realizar desejos; “os games”, em que as pessoas

participam de disputas visando prêmios; e “as vítimas”, pessoas que expressam algum

sofrimento e vão ao ar pedir justiça. Algumas dessas situações, como indica o quadro 5,

podem até ser encontradas nos programas de auditório tradicionais.

Quadro 5: Situações-modelo de França (2006) e suas descrições nos programas de TV

Circo Pessoa que passa por situação engraçada no

ar.

Tribunal-divã Pessoas que expõem problemas pessoais para

Page 73: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

73

serem debatidos em público.

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a serem realizados.

Games Pessoas que disputam visando prêmios.

Vítimas Pessoas que expressam opressões sofridas e

buscam soluções.

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

Por tudo o que foi dito até este ponto sobre a importância do estilo e do

desempenho do apresentador em um programa de auditório, no próximo item, trata-se com

mais detalhes da origem, do perfil e da personalidade do empresário e apresentador Carlos

Santos.

3.3 O amigo do povo – Trajetória de Carlos Santos

Nascido em Salvaterra, distrito da Ilha do Marajó22

, uma das regiões mais

pobres do Pará, no dia 12 de novembro de 1951, Carlos Santos é filho de um pequeno

comerciante, Carlos Santos Filho, conhecido como seu Ari, e de uma dona de casa.

O pequeno negócio de seu pai, em Salvaterra, tinha a denominação de ‘O

Amigo do Povo’, nome aproveitado por Carlos Santos, muitos anos depois, como slogan de

sua rede de lojas de varejo, o ‘Avistão’.

As vozes de ídolos da música brasileira dos anos 40 e 50 ecoavam da

aparelhagem de som da taberna de seu Ari. O ‘sonoro’, como são popularmente chamadas as

aparelhagens de som no Pará, era utilizado também para anunciar as novidades e as

promoções feitas pela pequena casa comercial.

Segundo Carlos Santos, seu pai era um comunicador nato, um homem

simpático e de trato fácil que sabia agradar as pessoas e atraí-las para seu ponto de comércio.

22 A ilha do Marajó está localizada na foz do rio Amazonas, no arquipélago do Marajó, no estado do Pará. Com

uma área de aproximadamente 40 100 km², é a maior ilha fluviomarinha do mundo. O arquipélago do Marajó é

composto por 16 municípios e população de cerca de 400 mil habitantes. O índice de Desenvolvimento Humano

(IDH) da região é um dos piores do país, 0,63, em uma escala que vai de zero a um, segundo dados do Ministério

de Desenvolvimento Agrário de 2010. O IDH é uma medida comparativa usada pela Organização das Nações

Unidas para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento humano, tendo como referência a qualidade

de vida. http://www.mda.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/marajpa/one-community

Page 74: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

74

Essa lição foi aprendida e utilizada pelo apresentador, pois ele não se afastou das raízes

populares durante sua trajetória, como empresário, comunicador e político.

A opção por iniciar este perfil de Carlos Santos tratando de sua procedência

justifica-se porque se entende que a sua origem popular e humilde é muito representativa no

contexto da sua vida profissional. O meio onde nasceu e se criou nunca foram negados pelo

apresentador. De outro modo, foi utilizado por ele na construção de sua imagem pública e no

marketing dos seus negócios. É possível comprovar essa afirmação conhecendo alguns fatos

de sua vida.

Os passos seguidos por Carlos Santos estão descritos no seu depoimento ao

jornalista Antônio José Soares (2010), autor da biografia do apresentador a qual a

pesquisadora teve acesso. O texto, que recebeu o título de ‘De Camelô a Governador –

História de um Vencedor’, está em fase de elaboração.

A biografia (2010) enaltece as qualidades de Carlos Santos, enquanto homem

empreendedor, determinado e ativo, mas também evidencia os traços de sua personalidade

relacionados à simplicidade, sensibilidade e preocupação com as condições de vida do povo

simples do seu Estado. Em momento algum, o texto descola a imagem de Carlos Santos da

figura de homem do povo.

Nesse sentido, pode-se dizer que o texto é uma peça laudatória à figura do

menino do interior, ex-camelô, empresário, cantor e comunicador de sucesso, à sua

persistência e força de vontade, como retrata o trecho a seguir da biografia (SOARES, 2010,

pp. 01-02):

Menino, em Salvaterra, Marajó, sonhou um dia em ser governador do Pará.

Carlos Santos sonhou algo que parecia impossível para muitas pessoas.

Menos para ele mesmo que não ficou de braços cruzados, esperando que o

tal sonho se materializasse sozinho. Lançou-se em busca do seu objetivo e,

como se sabe, foi um dos vitoriosos. Teve que percorrer um longo caminho,

é fato. Mas toda a conquista importante é sempre difícil. Primeiro foi

camelô, depois lojista, apresentador de programa de rádio e televisão,

cantor.... Vice-governador e, finalmente, governador do Pará, em 31 de

março de 1994.

Carlos Santos trilhou o seu caminho apoiado no conceito de homem do povo,

assim como escolheu Sílvio Santos como modelo de apresentador e empresário. Ele não

esconde de ninguém a sua admiração pelo apresentador carioca, tampouco o fato de o seu

programa de TV ter como base o Programa Sílvio Santos.

Page 75: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

75

Carlos Santos, no entanto, não se refere ao seu programa como uma imitação

do Programa Sílvio Santos. Ele diz em seu depoimento (2010) que assistia muito a esse

programa quando veio morar em Belém, recém-chegado de Salvaterra, e que, partindo da

observação do estilo de Sílvio Santos e das características dos quadros apresentados em seu

programa dominical, concebeu, então, o formato do seu programa.

Na biografia (2010), ele conta que o sentimento de admiração por Sílvio Santos

nasceu a partir da adolescência, época em que Carlos Santos começou a assistir ao programa

de televisão do apresentador carioca. No entanto, a história de vida dos dois é parecida em

muitos aspectos, a começar pelo sobrenome. Mas as coincidências são muitas, como a origem

simples, a vida de camelô, a carreira de comunicador, a facilidade para as relações comerciais

e as aspirações políticas.

Além da admiração, Carlos Santos soube tirar proveito dessas coincidências,

no sentido de construir sua imagem pública associada ao nome do empresário e apresentador

carioca. Chegou, inclusive, a batizar um filho e uma filha com o nome de Sílvio e Sílvia.

Na década de 1980, espalhou autdoors em Belém a fim de verificar a sua

popularidade, com a perspectiva de se candidatar a um cargo político. Dos cartazes, constava

a seguinte frase: ‘Carlos Santos vem aí!’, em uma alusão ao refrão da música cantada no

quadro de calouros do Programa Sílvio Santos.

Como fisicamente Carlos Santos não se parece com Sílvio Santos (o

apresentador paraense tem estatura baixa, rosto arredondado e pele morena), ele imita seu

ídolo na maneira de vestir, na cor e no corte do cabelo.

Assim, o visual de Carlos Santos em seu programa de TV segue a risca o estilo

o de Sílvio Santos. O apresentador paraense veste paletó completo, geralmente de cor escura,

e penteia o cabelo para trás. Nos lábios, um sorriso constante, a fim de reafirmar a todo

instante a sua simpatia e afabilidade com o auditório, com os seus convidados e o

telespectador. Os gestos são contidos e o texto oral demonstra informalidade e proximidade

com o espectador. As frases são curtas, diretas e repetidas muitas vezes ao longo do

programa.

A presença de Carlos Santos é constante, no entanto não chega a ser poderosa,

imponente ou mesmo ruidosa e extravagante, a exemplo de outros apresentadores famosos de

programas de auditório da televisão brasileira.

Ele faz o estilo distinto de maneiras. Não desrespeita, tampouco ignora a

presença de seus convidados, ou mesmo deixa de prestar atenção para as poucas palavras ditas

por eles. As suas palavras e gestos indicam que ele não rejeita as suas origens, até tira partido

Page 76: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

76

delas. No entanto, ele não perde a oportunidade de mostrar que conseguiu se transformar em

um homem requintado e polido.

Um exemplo desse comportamento está no fato de Carlos Santos, vez ou outra,

dizer que as atrações do seu programa são internacionais, assim como afirmar que ele esteve

em locais famosos, como restaurantes e casas de espetáculos em capitais do país e cidades do

exterior.

Entende-se que, dessa forma, o apresentador pretende dar um caráter de

importância e prestígio ao seu programa, assim como quer deixar que é um homem fino e

viajado. Esse comportamento reafirma a imagem pública do garoto do interior que ganhou o

mundo, tornando-se um cosmopolita, acostumado ao luxo, mas sem esquecer as suas raízes

interioranas e simples.

Em resumo, Carlos Santos valoriza os seus convidados, respeita as dançarinas

e a platéia, mas não deixa de ser ele mesmo o centro das atenções. Ou seja, não abandona em

momento algum o papel de orquestrador do seu programa, como se espera de um apresentador

desse gênero televisivo.

A biografia (2010) destaca também a trajetória de Carlos Santos, como

empresário, o sonho de se tornar político e a sua passagem pelo Executivo paraense, como

vice-governador e governador do Pará. Mas também aborda a faceta de radialista e de

apresentador de televisão.

Sobre o ingresso e a permanência na carreira política, as palavras de Carlos

Santos no depoimento querem fazer crer que ele elaborou uma estratégia, com base em um

planejamento muito bem organizado, apoiado no marketing pessoal. Existe a possibilidade,

porém, de o apresentador não ter estruturado a sua vida de forma tão metódica e elaborada, no

sentido de direcioná-la para esse fim, mas sim de os fatos e as oportunidades terem surgido e

ele ter aproveitado essas chances.

Com base nessa última possibilidade, é oportuno afirmar que, com o passar do

tempo, naturalmente, ele foi conquistando popularidade e posição social, o que possibilitou as

condições para o ingresso na política.

Uma das passagens relatadas na biografia (SOARES, 2010, p. 27), entretanto,

trata o projeto político do apresentador como um quadro projetado por ele com perspicácia e

foco no seu objetivo:

Uma das crenças de Carlos Santos é de que a propaganda é a alma do

negócio. Por isso, sempre investiu muito em publicidade, aproveitando todos

Page 77: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

77

os meios possíveis. Criou uma rede de lojas cujo alvo eram os menos

favorecidos e direcionou a sua propaganda para este nicho, certo de que,

assim, pavimentaria o caminho para o Palácio Lauro Sodré, até então a sede

do Governo paraense. Acreditava que, ao se tornar conhecido e popular,

poderia credenciar-se a um cargo eletivo. Sua tática se revelaria eficaz,

embora muitos achem que Carlos Santos se tornou governador porque é um

predestinado, não um estrategista.

Carlos Santos afirma que cultivou o desejo de se tornar chefe do Poder

Executivo do Estado23

desde a visita do ex-governador do Pará, Aurélio do Carmo, a

Salvaterra, quando o apresentador era garoto. O espírito cívico do evento, com banda de

música e comitiva governamental, teria deixado o menino do interior deslumbrado e a cena

registrada em sua memória.

Aurélio do Carmo foi eleito governador pelo Partido Social Democrático

(PSD) em 1962, exercendo o mandato até 1964 quando foi deposto pelo Golpe Militar.

Na biografia (2010), ao ser questionado sobre o seu talento como cantor,

Carlos Santos diz que não se sente um profissional dessa área, no sentido de ter uma voz

diferenciada e bem treinada e de investimento na carreira. Ele afirma que é um animador de

auditório, um comunicador, que vez ou outra grava discos, tanto que começou a cantar

profissionalmente para vender discos e assim promover as suas lojas e firmar a sua carreira no

rádio e na televisão.

Mas ele conseguiu construir uma carreira de sucesso como cantor, chegando ao

ponto de ganhar seis discos de ouro e cinco de platina, em razão do número de discos

comercializados, 3,5 milhões de cópias vendidas.

Para chamar a atenção do seu público-alvo, as classes C e D, Carlos Santos

usou uma estratégia de marketing no lançamento do seu primeiro disco em 1975, como relata

a biografia (2010).

Aurino Gonçalves, mais conhecido como ‘Pinduca’, o rei do carimbó, um dos

melhores amigos de Carlos Santos e artista muito popular no Estado, foi chamado para

produzir o compacto feito em homenagem à inauguração da ponte Belém-Mosqueiro,

construída sobre o Furo das Marinhas.

A obra era muito esperada pelos moradores de Belém, pois resolveria o

problema da viagem cansativa e demorada feita de navio ou por rodovia. Nesse último caso, o

trecho do rio era atravessado por balsas.

23 Carlos Santos elegeu-se vice-governador do Pará em 1991, na chapa do PMDB, encabeçada por Jader

Barbalho. Em 1994, Jader renunciou ao cargo para concorrer a uma vaga no Senado Federal. Durante este ano,

quem completou o mandato foi o vice-governador Carlos Santos.

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78

A estratégia utilizada na divulgação do primeiro compacto demonstra o talento

de Carlos Santos para saber exatamente o que o povo gosta. Foi essa habilidade que o levou a

primeiro distribuir seu disco entre amigos e clientes para depois vendê-lo nas suas lojas.

Carlos Santos começou a carreira de empresário com uma pequena loja,

chamada Discolux, localizada na rua Treze de Maio, no bairro do Comércio, em Belém. No

início, vendia somente discos, depois diversificou os negócios com móveis e colchões, dando

origem à rede ‘Avistão - O Amigo do Povo’.

Habituado a lidar com o público e a divulgar seus produtos desde os tempos em

que era camelô, o apresentador comprou um carro e com um microfone em punho fazia

pessoalmente a propaganda de sua rede de lojas.

Carlos Santos entrou no mundo das comunicações em 18 de abril de 1973,

quando começou a apresentar o programa de rádio Boa Noite Pará, na PRC-5 Rádio Clube do

Pará, ao lado do radialista, Jota Meninéia. Meses depois, foi para a Rádio Guajará fazer o

Programa Carlos Santos. A convite do então diretor da Rádio Liberal, o jornalista Walter

Guimarães, se transfere para esta emissora em 1975, onde permaneceu até o início de 1981.

Neste mesmo ano, ele vai para a Rádio Marajoara. No ano seguinte, Carlos

Santos assume o controle acionário da Marajoara e amplia seu grupo de comunicação para

três emissoras de rádio e duas televisão: Rádio Marajoara, em Belém; Rádio Guarani, em

Soure, no Marajó; e Rádio Ximango, em Alenquer, município do oeste do Pará, e mais as

emissoras de TV nos municípios paraenses de Ananindeua, Região Metropolitana de Belém e

Castanhal, no nordeste do estado.

Desde a década de 1980 até os dias de hoje, Carlos Santos apresenta o seu

programa de rádio aos domingos, das 8 horas da manhã ao meio-dia, na Rádio Marajoara FM.

Algumas vezes o programa é feito ao vivo, outras vezes é gravado. O formato conta com

sorteios de brindes para os ouvintes que participam das brincadeiras propostas por Carlos

Santos e apresentação de cantores e grupos regionais e nacionais. No final de 2011, o

programa passou a ser transmitido na Rádio Marajoara AM, mantendo o mesmo horário e

formato.

Pessoalmente, Carlos Santos não é muito simpático. É sério e parece sempre

apressado, sobrecarregado de compromissos e reuniões. Não gosta de falar muito de si

mesmo, preferindo que a pessoa interessada em sua vida visite o seu site. Mas é acessível,

desde que o seu interlocutor possa esperar até que sua agenda esteja mais livre.

Os contatos para marcar reuniões e entrevistas são feitos com uma secretária

que tenta conciliar as obrigações da vida pessoal e profissional do apresentador. Foi ela quem

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agendou o encontro desta pesquisadora com Carlos Santos. A reunião foi muito rápida,

porque o apresentador precisava atender as outras pessoas que o esperavam na ante-sala do

seu escritório. Além disso, Carlos Santos pareceu desconfiado com o objetivo e o conteúdo

desta pesquisa. Dessa forma, pediu para eu visitar o seu site e buscar mais informações com a

sua secretária.

Na ocasião, Carlos Santos usava camisa azul claro de mangas compridas e

calça social bege. Instalado nos autos da Rádio Marajoara, no centro comercial de Belém, as

instalações do escritório do apresentador são bastante simples. Não há nada de extraordinário

que chame a atenção pelo luxo ou sofisticação.

O espaço é simples, limpo, claro e espaçoso. Os móveis são básicos e os

apetrechos assentados na sua mesa de trabalho, como canetas e blocos de papel, são comuns.

Não há nada que possa relacionar o apresentador ao requinte, nem mesmo os funcionários que

o rodeiam. Gente simples, assim como o patrão.

Para saber o que pensa e qual o perfil socioeconômico de alguns

telespectadores do Programa Carlos Santos na TV, esta pesquisadora conversou com quatro

pessoas que assistiam frequentemente ao programa.

Uma das pessoas ouvidas foi a cozinheira Rita de Cássia Pereira (2011)24

, 45

anos, paraense, ensino fundamental incompleto. Como trabalha em um restaurante de uma

empresa, Rita tem folga aos sábados, dia em que era exibido o programa. Ela contou que

parava o que estava fazendo para assistir a atração, porque acha Carlos Santos muito

simpático e respeitador com os convidados e o auditório. Além disso, segundo Rita, o

apresentador leva ao seu programa artistas e atrações do Pará.

Rita (2011) conta que gostava quando Carlos Santos dizia, assim que começava

o seu programa: “ligue para cinco pessoas que você conhece e diga que o Carlos Santos está

no ar.”

A entrevistada também assiste a telejornais, em especial os da TV Record, e

programas populares produzidos pelas emissoras locais que mostram perseguições policiais a

acusados de assaltos e roubos. “É bom porque a gente fica sabendo quem são as pessoas do

nosso bairro que estão envolvidas em crimes e quais são os bons policiais e os boçais”, diz

Rita.

Expor as “coisas do Pará” e o fato do apresentador sentir orgulho de ser

paraense são duas características do Programa Carlos Santos que mais chamam a atenção de

24 Rita Pereira, cozinheira, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém.

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Walcicléa Pereira (2011)25

, paraense, de 32 anos, assistente de cozinha. “Ele fala bem da

nossa terra e diz que nasceu aqui. Não tem vergonha das origens dele”, afirma.

É interessante notar que tanto Rita quanto Walcicléa destacam a presença de

artistas populares, principalmente os paraenses, como a grande força do Programa Carlos

Santos. Entende-se, dessa forma, que esse seria um dos canais mais fortes de identificação do

programa com elas.

Os tipos populares exibidos nos programas de auditório são um dos seus

grandes diferenciais, justamente porque trazem para o ambiente televisivo o mundo real de

um determinado segmento da sociedade, proporcionando a identificação entre o produto e o

seu espectador.

Outro exemplo que permite reconhecer esse tipo de identificação é a referência

que Rita (2011) faz aos programas policiais criados e produzidos por emissoras locais. Saber

se o vizinho é ou não procurado pela polícia é muito mais útil e importante para ela do que

conhecer a cultura de um país distante, saber a cotação da Bolsa de Valores ou compreender o

resultado da última pesquisa científica.

Sendo assim, parece correto conjeturar que, esse gênero de programa se opõe à

TV glamourizada, limpa e bem composta que os brasileiros estão acostumados a assistir,

como França (2006, p. 127) chama a atenção: “É por causa desse diálogo entre TV e

experiência cotidiana, dos mecanismos de identificação que ele aciona, que o programa, a

despeito de sua qualidade, ganha importância”.

Fã de Carlos Santos e de seu programa, a doceira, Antônia Rodrigues de

Almeida (2011)26

, de 82 anos, participou muito dos sorteios do programa. “Eu ia para o

auditório, porque gostava da animação do programa e do Carlos Santos. Ele era muito

educado, simpático e inteligente. Também ajudava muita gente”

Segundo Antônia, ela ganhou muitas vezes as cestas de mantimentos que

Carlos Santos dava ou uma pequena quantia em dinheiro, o equivalente hoje a R$ 10, para

quem adivinhasse as charadas ou preenchesse a ficha com o nome, depositada na urna.

Antônia afirma que gostava muito de adivinhar as charadas. Lembra até de

uma delas: – Vocês sabem por que a água foi presa? Porque matou a sede. Ela também

participou do quadro “Realize o seu sonho”. O seu pedido foi cantar no programa. “Cantei a

música Ronda. Minha voz falhou um pouco no final, mas mesmo assim foi emocionante”, diz.

25 Walcicléa Pereira, assistente de cozinha, concedeu a entrevista em março de 2011, em Belém. 26

Antônia Almeida, dona de casa, concedeu a entrevista em julho de 2011, em Belém.

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De acordo com Antônia, o programa mudou muito nos últimos anos em que foi

transmitido, pois não havia mais as brincadeiras e competições. “O programa já não estava tão

alegre, como antes”, afirma.

Para o ator Roger Paes (2011)27

, de 43 anos, outro telespectador do Programa

Carlos Santos, chama a atenção o fato de Carlos Santos e seus produtores acreditarem naquilo

que estão fazendo. Por essa razão, o programa não soa falso e penetra facilmente no universo

popular, possibilitando a identificação do público.

Segundo Paes, “o programa é tosco e mal acabado. Algumas figuras que se

apresentam são bizarras. Mas tudo funciona naquele contexto, porque quem faz o programa,

no caso a equipe técnica e os produtores, assim como quem o assiste, os telespectadores, se

identificam com aquele mundo, até porque vieram e vivem nesse mundo de características

populares.”

Um dos produtores do Programa Carlos Santos na TV é citado na biografia

(2010) de Carlos Santos. Trata-se de Paulo Gonçalves, nascido em Salvaterra, amigo de

infância do apresentador e seu homem de confiança. Gonçalves sempre esteve presente nos

negócios, assim como nos momentos de lazer de Carlos Santos, a exemplo de viagens e festas

de aniversário da família.

De origem humilde, Gonçalves vendia discos com Carlos Santos nas calçadas

do centro de Belém e cantavam e tocavam violão aos domingos, no Bosque Rodrigues Alves.

Foi funcionário de Carlos Santos durante 28 anos. Produziu discos na Gravason, empresa de

Carlos Santos, e chegou a gerente-geral do Grupo Avistão.

Em seu testemunho ao jornalista Antônio José Soares (2010, p. 80), Gonçalves

demonstra a sua admiração pelo apresentador, patrão e amigo, e ajuda a reforçar a imagem de

Carlos Santos como um empresário visionário:

O Carlos começou a sua arrancada de sucesso como empreendedor a partir

de uma portinha, ao pé de uma escada, na rua 13 de Maio. Em seguida, ele

abriu o Feirão, na João Alfredo, em frente à Lobrás. Ele possui um grande

dom: o de enxergar mais além. Se ele disser vou fazer tal coisa, ela faz e

tudo dá certo.

Para Carlos Santos, atuar na televisão foi uma consequência da sua carreira de

locutor de rádio, conforme consta da biografia. Mas comparado aos seus primeiros anos no

rádio, o começo do trabalho de Carlos Santos na TV foi mais difícil, em função do maior

27

Roger Paes, ator, entrevista concedida em abril de 2011, em Belém.

Page 82: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

82

número de recursos tecnológicos próprios da televisão, especialmente a comunicação com o

telespectador que implica no ato de falar, olhando para as câmeras, sem perder o foco no

auditório, nas atrações apresentadas e no ambiente do estúdio como um todo.

Apesar das dificuldades iniciais, ele conseguiu superar os obstáculos da sua

carreira televisiva, como demonstra o seu programa de auditório, consolidando o seu nome

como um apresentador popular e desenvolto.

Fecha-se neste ponto o item sobre a vida e a personalidade de Carlos Santos.

Espera-se ter conseguido traçar um perfil o mais honesto possível e fiel do apresentador,

dentro das possibilidades deste trabalho e das fontes as quais esta pesquisadora teve acesso.

3.4 O Programa Carlos Santos na TV

O Programa Carlos Santos na TV foi ao ar pela primeira vez em 12 de

novembro de 1988, exibido pelo SBT-Belém, canal 5. A atração estava em consonância com

o caráter popular suscitado pela emissora de Sílvio Santos. Mas esta foi apenas uma

experiência-piloto, segundo o radialista Nelson Magalhães28

, diretor e produtor do Programa

Carlos Santos durante aproximadamente 11 anos.

Depois desta primeira experiência no SBT, Carlos Santos foi fazer o seu

programa na TV Guajará, canal 4, onde contava com uma infraestrutura maior e mais bem

organizada. Foi nesta ocasião que Nelson Magalhães (2012) foi convidado pelo apresentador

para dirigir e produzir o Programa Carlos Santos na TV. A nova atração estreou em um

sábado, do mês de abril de 1989, ao vivo, com três horas de duração, das 9 horas ao meio-dia.

Nesta época, Carlos Santos já era bastante conhecido como cantor, locutor de

rádio e empresário do ramo do varejo. “O programa fez muito sucesso. O auditório ficava

lotado. Eram cerca de trezentas pessoas na plateia e mais duzentas que ficavam do lado de

fora, porque não conseguiam entrar”, conta Magalhães.

O programa desfilava na TV paraense uma diversidade grande de atrações,

como show de calouros, gincanas, números de mágica, de malabaristas, acrobatas e de humor.

Também havia sorteios de prêmios e brincadeiras com a plateia e os telespectadores e

apresentação de cantores e grupos musicais regionais e nacionais. 28

Nelson Magalhães, radialista, diretor e produtor de televisão, com atuação na Rede Globo de Televisão,

TV Cultura do Pará e RBA – Rede Brasil Amazônia de Comunicação. Concedeu a entrevista por telefone, em

janeiro de 2012.

Page 83: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

83

No período de 1991 a 1994, o programa deixa de ser exibido em função da

eleição de Carlos Santos ao cargo de vice-governador do Pará.

Segundo Magalhães, o programa volta a ser exibido em julho de 1994, mas

desta vez pela RBA – Rede Brasil Amazônia de Comunicação, aos sábados, das 10 horas ao

meio-dia. “A equipe de produção era bastante enxuta. Eu contava com três pessoas. E o

sistema de áudio, a iluminação e o cenário eram por nossa conta e não de responsabilidade da

emissora”, diz Magalhães.

Em 1996, o programa deixa de ser ao vivo. Passa a ser gravado no estúdio de

propriedade de Carlos Santos, instalado no bairro do Arsenal, em Belém, em um galpão que

antes servia de depósito para a rede de lojas do empresário. Sobre esta fase, Magalhães conta

que o programa perdeu um pouco a sua força, porque o carisma de Carlos Santos ficou um

abalado em função de sua passagem pela política. “As pessoas passaram a confundir o

apresentador com o político e isso prejudicou um pouco a audiência do programa.” Magalhães

produziu e dirigiu o Programa Carlos Santos na TV até 2003.

De acordo com o site do Programa Carlos Santos na TV, em 16 de dezembro

de 2005, o programa estreia na TV Diário, canal 22, de Fortaleza. Neste mesmo ano, passa a

ser transmitido pela TV Marajoara, canal 50, instalada em Ananindeua, Região Metropolitana

de Belém, emissora de propriedade de Carlos Santos; nas cidades de São Luiz e Imperatriz, no

Maranhão; em Macapá, capital do Amapá; e em mais 120 cidades espalhadas pelo Norte e

Nordeste do Brasil.

Em 2006, o programa vivencia uma mudança significativa, pois passa a ser

gravado em um estúdio de uma produtora em São Paulo e transmitido pela RBI, canal 14,

instalada na capital paulista, para mais 18 emissoras do país.

Em Belém, o programa era exibido pela RBA – Rede Brasil Amazônia de

Comunicação aos domingos, do meio-dia às 13 horas e 30 minutos. O Programa Carlos

Santos na TV saiu do ar em junho de 2010, devido à candidatura de Carlos Santos ao cargo de

deputado estadual pelo Partido Progressista (PP). O apresentador perdeu a eleição. Até 10 de

janeiro de 2012, o programa não voltou a ser exibido.

Percebe-se que, ao longo desses anos, foram feitas alterações na concepção

cenográfica do programa. O cenário passou da simplicidade de cores e formas – branco, preto,

cinza e amarelo claro, figuras geométricas espalhadas pelo palco, tecido preto contornando o

auditório, fotografias amadoras do apresentador – para algo mais bem elaborado e colorido,

com fotos de monumentos, representando Belém e o Rio de Janeiro, imagens expressivas do

apresentador e revestimento prateado no auditório.

Page 84: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

84

Essas transformações, porém, se deram sempre em consonância com a

perspectiva popular do programa. Isso significa dizer que a simplicidade está presente na

composição do cenário, nos trajes das dançarinas de palco e das pessoas que compõem a

platéia e nas atrações do programa.

Outro exemplo do contexto popular está nas tomadas dos cinegrafistas

mostrando as câmeras e os refletores do estúdio presos em grossos cabos de aço escuro. Vez

ou outra também nota-se a presença de um homem segurando alguns papéis, posicionado ao

lado de Carlos Santos, informando o apresentador sobre algo acerca do programa.

Também merece destaque a presença de Sapolino. Trata-se de um boneco de

marionete em forma de sapo que conta com um cenário próprio: uma toca estilizada, de tecido

e madeira, feita em um tronco falso de uma árvore. Simpático, o boneco é feito de um tecido

verde, usa chapéu de palha e veste uma espécie de colete com gravata borboleta.

O boneco interage com Carlos Santos durante o programa, ajudando a divulgar

os sorteios e as competições, apresentando algumas atrações e fazendo piadas e comentários

que não ficariam bem saindo da boca do apresentador. Carlos Santos segue a linha de seu

ídolo, Sílvio Santos, na condução de seu programa. Respeitoso, polido e simpático, trajando

paletó e gravata, Carlos Santos não constrange seus convidados, tampouco menospreza

qualquer um deles. De outra forma, sempre tem um elogio ou comentário favorável em

relação aos seus convidados.

Sapolino é o parceiro de Carlos Santos, nos moldes do Louro José, do

programa Mais Você, da TV Globo, apresentado por Ana Maria Braga. O nome do mascote

de Carlos Santos foi escolhido por meio de uma pesquisa feita com os artistas que se

apresentavam no programa e com o telespectador.

O sapo-boneco tece rápidos diálogos com o apresentador sobre o programa e

suas atrações, mas a sua presença não é tão explorada, como no caso do Louro José29

, que tem

uma participação significativa no Mais Você.

Nesse caso, de forma divertida, o papagaio dialoga com Ana Maria Braga,

opina sobre os assuntos em pauta, as reportagens, participa das brincadeiras, conversa com os

convidados, dá conselhos e auxilia o preparo das receitas culinárias. Ou seja, está presente em

29

O Louro José é um boneco de fantoche na forma de um papagaio idealizado para divertir o público infantil do

programa Mais Você. A intenção era a criança se identificar com esse tipo de animal, conhecido por imitar o ato

humano da fala. O boneco acabou fazendo sucesso também entre os adultos. Louro José é manipulado pelo ator

Tom Veiga, ex-assistente de palco da apresentadora que passou a fazer o papel após um teste feito em estúdio. O

Mais Você é produzido e exibido pela Rede Globo, desde 18 de outubro de 1999, de segunda a sexta-feira, às

8h30.

Page 85: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

85

praticamente todos os quadros do Mais Você, diferentemente de Sapolino que só é interpelado

nos momentos em que Carlos Santos se dirige até a sua toca.

Chamadas de ‘Carletes’, em uma alusão às Chacretes do programa do

Chacrinha30

, as dançarinas do Programa Carlos Santos vestem trajes sensuais, mas sem

caráter apelativo. As Carletes podem ser consideradas bem discretas se comparadas às roupas

e aos gestos que as Chacretes faziam em frente às câmeras.

Até nesse aspecto percebe-se a imitação que Carlos Santos faz de seu ídolo,

Sílvio Santos que também não prima pela lubricidade de suas ajudantes de palco. Além disso,

deve-se levar em consideração o fato de Carlos Santos prezar pela imagem de homem digno,

pai de família e político sério. Não ficaria bem, no âmbito dessa imagem que ele quer passar,

um programa repleto de mulheres seminuas e insinuantes.

Entre outros recursos, o Programa Carlos Santos também utiliza matérias

gravadas. A estratégia ajuda a dar mais dinâmica e também dar credibilidade para o programa.

As matérias são modestas e singelas, no que se refere aos temas, à abordagem, estrutura e à

linguagem.

Por meio das matérias, a proposta é mostrar ao telespectador aquilo que está

acontecendo de interessante, peculiar e engraçado no Pará. O programa cumpre esse objetivo

se valendo das técnicas do telejornalismo, em uma tentativa de denotar compromisso com a

realidade e verdade dos fatos.

As técnicas utilizadas são sonoras (entrevistas feitas com pessoas que fazem

parte da situação ou fato apresentado), texto em off do repórter (no telejornalismo, o off

refere-se aos momentos em que o repórter não está em cena, mas a sua voz está contado o fato

ocorrido, apresentado nas imagens) e a passagem de vídeo (repórter aparece em cena falando

sobre algo referente à matéria. Em geral, a passagem é usada quando não há imagem para

cobrir o que o repórter está falando).

Os shows e os programas de auditório são atrações demarcadas pelo

entretenimento, assim como as telenovelas, filmes e séries pertencem ao mundo da ficção, de

30

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, nasceu em Surubim, Pernambuco, no dia 30 de setembro de

1917, e faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de junho de 1988. Foi comunicador de rádio e um nome muito popular

da televisão brasileira, como apresentador de programas de auditório, desde os anos 50 até a década de 1980, na

TV Tupi, TV Rio e Rede Globo. Foi o autor da célebre frase: "Na televisão, nada se cria, tudo se copia".

Apresentava-se com roupas engraçadas e espalhafatosas, acionando uma buzina de mão para desclassificar os

calouros. Utilizava um humor debochado e bordões e expressões que se tornaram populares, como

"Teresinha!", "Vocês querem bacalhau?". As Chacretes eram as suas dançarinas e ajudantes de palco. Elas

usavam collants bastante coloridos, uma espécie de maiô muito cavado na parte superior da coxa, meias,

sandálias altas e enfeites no cabelo. Cada uma tinha um apelido dado pelo próprio Chacrinha, como Rita

Cadillac, a mais famosa das Chacretes que faz shows até hoje.

Page 86: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

86

acordo com França (2006). No âmbito dessas atrações, a realidade nunca foi a preocupação

central. Por isso, a introdução de matérias em programas de auditório é uma forma

relativamente nova na televisão brasileira de reforçar a realidade e trazê-la para o campo de

ação desse gênero televisivo.

Outra característica observada no programa é a publicidade em forma de

merchandising. Acredita-se que esta característica se relaciona ao tipo de recepção

cooperativa estabelecida com o telespectador, de acordo com Bahktin (1996) e Aronchi

(2004).

As maneiras de fazer marketing de produtos no programa são variadas.

Ocorrem sob a forma da apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos em que

eles são anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na volta do

intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da fachada

desses empreendimentos ou de suas logomarcas.

O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há

momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência

do Banpará, um dos patrocinadores do programa, e foi muito bem atendido pelo gerente.

No item seguinte, aborda-se a forma de observação do objeto deste estudo. A

forma escolhida foi a Análise de Conteúdo, muito utilizada nos estudos de Comunicação

Social, por sua possibilidade de revelar o que está por trás dos estereótipos.

3.5 Análise de Conteúdo – Forma de Olhar

O conteúdo de uma comunicação permite muitas interpretações. A Análise de

Conteúdo (AC) faz parte da formação do campo da Comunicação Social. Desde a

communication research até às pesquisas sobre novas tecnologias dos dias de hoje, esse

método tem sofrido adaptações e novas técnicas foram a ele acrescidas para que ele pudesse

responder aos desafios atuais (FONSECA JÚNIOR, 2008, p. 280). Talvez o maior desafio da

abordagem da Análise de Conteúdo seja explicitar os seus objetos de análise sem ser

reducionista.

Wilson Fonseca Júnior (2008, p. 281), em seu levantamento sobre o uso da

Análise de Conteúdo, descreve-a como tributária do positivismo, corrente de pensamento

desenvolvida por Augusto Comte (1798-1857), que valorizava as ciências exatas, cujas

Page 87: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

87

observações da experiência sensível deveriam produzir dados verificáveis, concretos. A

corrente positivista pregava devoção à ciência e o progresso da sociedade só se daria a partir

da ordem com base nos conhecimentos científicos.

Essa foi uma tentativa de dar maior objetividade às pesquisas. Por isso, a AC

teve seus altos e baixos nas ciências. Ela foi muito valorizada no contexto da II Guerra

Mundial (1939-1945), depois desqualificada pela corrente de pensamento marxista na década

de 1970.

A crise epistemológica levou seu principal teórico, Bernard Berelson, a

reconhecer as limitações do método no modo como se apresentava. A rigidez do modelo nos

moldes positivistas era usada como caminho para uma ilusória neutralidade do método.

Rocha e Deusdará (2005, p. 309) acreditam que essa busca por neutralidade gerou um

equívoco clássico de associar análise quantitativa e objetividade, ocorrendo sempre uma

espécie de patrulhamento para afastar qualquer indício de subjetividade. “Aproximar-se da

neutralidade equivale, nesses termos, a sustentar-se como ciência. O analista seria, portanto,

um detetive munido de instrumentos de precisão para atingir a significação profunda dos

textos”. O analista deveria, portanto, fornecer técnicas objetivas capazes de garantir o

verdadeiro significado do texto.

Nas últimas décadas, a Análise de Conteúdo volta com renovado interesse de

pesquisadores ligados a estudos sobre as Novas Tecnologias da Informação. A definição

clássica da AC sob a postura positivista, formulada por Berelson, em 1952, e posteriormente

desenvolvida por Kientz, Bardin e Krippendorff, designa-a “como uma técnica de pesquisa

para a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”

(KIENTZ, 1973; BARDIN, 1988 E KRIPPENDORFF, 1990, apud FONSECA JÚNIOR,

2008, pp. 281-282).

No campo da comunicação, até metade do século XX, as principais

preocupações dos estudos eram em relação à opinião pública e à propaganda política. A partir

de 1955, percebe-se a superação da ênfase excessiva nos aspectos quantitativos, tendo como

característica principal a inferência.

Vamos entender as definições da AC dos autores citados por Fonseca Júnior.

Para Albert Kientz (1973, p. 69), a “análise de conteúdo permite revelar (no sentido

fotográfico) os modelos, as imagens, os estereótipos que circulam na cultura de massa”. É um

trabalho de ordem lógica, que analisa a estrutura formal dos textos.

Page 88: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

88

Já para Krippendorff “é uma técnica de investigação destinada a formular, a

partir de certos dados, inferências reproduzíveis e válidas que podem se aplicar a seu

contexto”, incluindo o elemento contextual para amenizar a herança positivista.

Por fim, a AC de Laurence Bardin está relacionada à investigação

psicossociológica e ao estudo das comunicações de massa. O analista parte dos índices postos

em evidência para “inferir (deduzir de maneira lógica) conhecimentos sobre o emissor ou

sobre o destinatário da comunicação” (BARDIN, 1988, PP. 39-40 apud FONSECA JÚNIOR,

2008, pp. 284). Aqui, já é pesquisado o campo semântico de um determinado enunciado.

Segundo Gil (2008, p. 152), a Análise de Conteúdo se desenvolve em três

fases: pré-análise; exploração do material; e tratamento dos dados, inferência e interpretação.

A pré-análise envolve o planejamento do que será analisado. É o momento de organizar e

sistematizar os documentos e textos para a análise. A exploração do material refere-se à

análise propriamente dita a partir do recorte, enumeração e classificação decididos

previamente. Por fim, o tratamento dos dados, inferência e interpretação consistem em tornar

os dados válidos.

Mais detalhes no esquema, a seguir, cunhado por Fonseca Júnior (2008), com

base em Bardin (1988).

Page 89: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

89

Figura 4: Quadro Resumo da Definição de Bardin

Fonte: Fonseca Júnior, 2008, p. 289.

3.5.1 Fases da Análise de Conteúdo

O método na tabela anterior da pesquisadora francesa Laurence Bardin (1988)

está estruturado em cinco etapas: Organização da análise; codificação; categorização;

inferência e tratamento informático.

Page 90: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

90

Fonseca Júnior (2008) detalha cada etapa. Num primeiro momento é preciso

planejar o trabalho a ser elaborado. É preciso ter um ponto de partida e um problema de

pesquisa sólido. Entrar em contato com documentos, fazer uma leitura flutuante para

aproximar-se do tema, e decidir o que analisar propriamente.

Aqui daremos destaque para as categorias organizadas por Krippendorff, a

saber: sistemas, normas, índices e sintomas, representações linguísticas e comunicação. A

escolha desta análise se dá pelo sistema. Ele é descrito como recorte da realidade e os seus

elementos constitutivos podem relacionar-se com estados de coisas ainda desconhecidos

(FONSECA JÚNIOR, 2008, p. 291).

O próximo passo são a codificação e a categorização. A partir daí pode-se

transformar os dados brutos em categorizados, segundo regras de enumeração, agregação e

classificação. É uma forma de ligar o material da análise à teoria escolhida pelo pesquisador.

Já os critérios de categorizaão podem ser semântico, sintáticos, lexicais e expressivos (Ibid.,

p. 292).

A inferência vem logo depois. É uma fase de extrema importância. Inferir

significa admitir uma proposição sobre determinado texto, associando-a a proposições já

aceitas como verdadeiras. É uma operação lógica de construção de uma teoria. Assim, a

Análise de Conteúdo é libertada da sua operação apenas descritiva e oscila entre o formalismo

estatístico e análise qualitativa de materiais. A valorização de um ou outro depende da

ideologia do pesquisador.

Por fim o tratamento informático torna o computador um instrumento que

possa auxiliar na compreensão e processamento de dados. Na pesquisa aqui proposta, não será

utilizado nenhum programa de informática para o processamento de materiais textuais.

3.5.2 A Análise de conteúdo mediada pela caracterização do gênero televisivo

Segue-se a abordagem metodológica proposta por Simone Maria Rocha (2008)

que articula análise de conteúdo com análise de gênero televisivo.

Como descrito acima, a Análise de Conteúdo deve sempre exceder a mera

descrição e “se dedicar também às condições que engendram a produção de significados”

(ROCHA, 2008, p. 123).

Page 91: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

91

Ainda de acordo com Rocha (2008, p. 124), na tentativa de identificar o

processo e as características da produção, “os gêneros enriquecem o entendimento, pois são

convenções pelas quais a maneira de significar dos programas é estruturada, determinando

regras, modos e limites para o processo de produção”.

Como já dito, a Análise de Conteúdo pode ser combinada a outros modos de

análise. Rocha utiliza a afirmação de Mauro Porto (2007) para embasar seu raciocínio:

Se o pesquisador está interessado na identificação dos padrões gerais do

conteúdo da mídia e também na identificação de processos mais subjetivos

de construção de sentido, ele ou ela necessita combinar análise de conteúdo

com algum tipo de análise textual mais detalhada. Apesar do fato de que os

autores vinculados aos estudos de recepção geralmente rejeitam a análise de

conteúdo devido às suas limitações epistemológicas, alguns autores

ressaltam que as potencialidades deste método não foram ainda

compreendidas de forma adequada [...] (Thomas, 1994) e que enfoques

quantitativos e qualitativos podem ser combinados na análise de conteúdo

(PORTO, 2007, apud ROCHA, 2008, p. 124).

Por isso, exploraremos os potenciais da AC associada ao gênero. Assim,

podemos lançar mão de uma técnica diferenciada que ajude a fugir da dureza da Análise de

conteúdo de viés positivista. O gênero dará conta da natureza dialógica da constituição dos

enunciados, trazendo as múltiplas vozes do programa de auditório. Mas é válido ressaltar que

não será uma análise de discurso. Destrincharemos apenas os padrões do programa, com o

auxílio do gênero programa de auditório, para desenvolver a análise textual.

Page 92: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

92

4 METODOLOGIA

Para estabelecer o desenvolvimento e o histórico da TV paraense foi realizada

pesquisa qualitativa com profissionais atuantes no meio, do período de dezembro de 2010 a

janeiro de 2012, os quais destacaram e marcaram pontos referenciais, e também com alguns

telespectadores do Programa Carlos Santos, como indicado no Quadro 6.

Quadro 6 - Profissionais da mídia de Belém e espectadores do programa

Nome Cargo/função

Ivo Amaral Radialista, comentarista esportivo e publicitário, Amaral

começou a carreira na Rádio Marajoara em agosto de 1957,

aos 15 anos de idade, exercendo a função de rádio-escuta, no

departamento de esportes da emissora, onde também foi

locutor de programas esportivos. Em seguida, assumiu a

direção deste departamento. Com a inauguração da TV

Marajoara, em 1961, Amaral foi para esta emissora, onde

atuou como apresentador e comentarista esportivo. Hoje, é

proprietário da Ivo Amaral Publicidade e comentarista

esportivo da TV Liberal.

Graciano Almeida Radialista e contador, começou a trabalhar nos veículos de

comunicação paraenses em 1956, como jornaleiro, no

periódico A Província do Pará. Das ruas da cidade, foi para a

redação do jornal, como office boy. Em 1960, foi contratado

pela Rádio Marajoara como operador de mimeógrafo31

. Foi

nessa época que começou a fazer pequenos papéis nas

radionovelas da emissora. Assim que inaugurou a TV

Marajoara, em 1961, foi transferido para a emissora, onde

também operava o mimeógrafo. Almeida também passou pelo

departamento comercial e pela tesouraria da TV Marajoara.

Deixou a emissora em 1984, ano em que ela foi comprada

pela TVS, do empresário Silvio Santos. Dois anos depois, foi

chamado para trabalhar na TV Cultura do Pará que estava em

fase de implantação. Ele começou a montar o arquivo de fitas

da emissora, departamento em que trabalha até hoje.

José Paulo Vieira da Costa Jornalista e publicitário. Começou a carreira de jornalista na

TV Guajará, em 1975. Fez de tudo um pouco. Locução de

cabine; redação de chamadas de programa; direção de

programação e produções; direção de atores em quadros de

teledramaturgia e diretor do Núcleo Belém do programa

31 Máquina usada para fazer cópias que utiliza na reprodução álcool e um tipo de papel chamado estêncil.

Page 93: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

93

nacional Boa Noite Brasil (Rede Bandeirantes). Passou para a

Rede Brasil Amazônia de Televisão em 1988, onde foi

Supervisor Geral de Produção e Imagem, redator de

documentários e programas e diretor de fotografia de

programas e especiais. De 1978 a 1992, promoveu eventos

culturais, shows e feiras e criou comerciais para o rádio e a

televisão. Hoje, é sócio-proprietário da produtora de vídeo 3D.

Sérgio Palmiquist Jornalista, começou a trabalhar no periódico A Província do

Pará, onde exerceu as funções de repórter, chefe de

reportagem, editor e diretor de redação. Trabalhou na Rádio

Cultura do Pará, como chefe de reportagem e criou, dirigiu e

apresentou o programa Cultura da Terra. Chefiou o

departamento de jornalismo da TVS, atual SBT. Foi chefe de

reportagem da TV Liberal. Foi repórter da Revista Veja,

sucursal da Amazônia. Trabalhou no Programa Academia

Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Trabalhou na TV

Cultura do Pará, onde dirigiu o Programa Sem Censura Pará,

o programa Regatão Cultural e apresentou o programa de

entrevistas, Controvérsia. Hoje, é editor da Revista

Tucunduba, da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade

Federal do Pará.

Afonso Klautau Jornalista, foi diretor de jornalismo do SBT Belém, na década

de 1980. Professor do curso de Comunicação da Universidade

Federal do Pará. Também foi diretor da TV Cultura do Pará,

na década de 1980 e 1990. Foi proprietário da produtora de

vídeo AK. Hoje, está de volta à TV Cultura, onde desenvolve

projetos especiais.

Antônio Siqueira Radialista, trabalhou na TV Marajoara, na década de 1960,

logo depois que a emissora foi inaugurada, em 1961. Foi

operador de videoteipe, o primeiro a ter esta função em

Belém, segundo ele próprio. Em 1981, Siqueira foi para o

SBT Belém que, na época, se chamava TVS, como supervisor

de operações. Nessa época, o SBT estava instalado no

vigésimo quinto andar do edifício Manoel Pinto da Silva, ao

lado da TV Guajará. As instalações eram improvisadas. A

cabine de som, por exemplo, onde eram gravadas as locuções

dos apresentadores e repórteres, não contava com acústica

adequada. Eram forradas com compensado. As duas emissoras

usavam a mesma torre de transmissão. Siqueira trabalhou 26

anos no SBT e só saiu de lá para a aposentadoria.

Nélio Palheta Jornalista, atuou como repórter e editor dos jornais A

Província do Pará, O Liberal e Folha do Norte. Na Mendes

Page 94: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

94

Publicidade, atendeu as contas de imprensa. Também ocupou

o cargo de Assessor de Comunicação da Telepará, onde teve a

oportunidade de lidar com planejamento de marketing. Foi

diretor de jornalismo da TV Liberal na década de 1970. Foi

fundador da agência de propaganda, Griffo Comunicação,

onde criou produtos inovadores de comunicação empresarial e

de endomarketing para várias empresas e Governo do Estado.

Retornou à redação nos anos 80, como Diretor de Jornalismo

da TV Liberal, onde já havia implantando o Departamento de

Jornalismo, quando a emissora foi inaugurada. Foi presidente

da Rede Cultura de Comunicação e da Imprensa Oficial do

Estado na década de 1990, onde chefiou uma equipe

numerosa, ofereceu treinamento a diversos profissionais e

criou conteúdos. Hoje, é proprietário da Xingu Comunicação.

Paraguassú Éleres Defensor público aposentado. Foi Topógrafo do Ministério da

Aeronáutica, 1a Zona Aérea, em Belém, em 1962. Foi

Coordenador Geral da Defensoria Pública do Pará de julho de

1984 a janeiro de 1989. Foi Sub-Coordenador de Assuntos

Possessórios da Defensoria Pública (1989). Foi também

Diretor Técnico do Instituto de Terras do Pará (1995-1999),

professor de Direito em instituições de ensino particulares de

Belém, além de professor convidado da Escola de

Magistratura do Tribunal de Justiça do Pará, no curso de pós-

graduação em Direito Agrário, na preparação de juízes das

Varas Agrárias do Pará (2006, 2008, 2010, 2011). Hoje, é

defensor público aposentado.

Rita de Cássia Pereira Cozinheira.

Walcicléa Pereira Assistente de cozinha.

Roger Paes Ator.

Antônia Rodrigues de

Almeida

Doceira.

Jaime Bastos Iniciou a carreira no setor técnico da Rádio Clube do Pará, em

1949, passando ao longo dos anos por diversas emissoras de

rádio paraenses. Em seguida, fez locução de comerciais,

participou de radionovelas e apresentou programas esportivos

e de auditório, como o Vesperal Alegre, feito ao vivo, a partir

de 1954, na Rádio Marajoara. Trabalhou na Rádio Marajoara

até 1959. Depois, juntamente com o jornalista Linomar Baía,

foi fazer parte da equipe que montou a Rádio Guajará,

permanecendo nesta emissora cerca de seis anos.

Posteriormente, foi para a Rádio Liberal, onde trabalhou doze

anos. Também atuou nas rádios Rauland e Maguari. Nesta

Page 95: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

95

última emissora ficou até o ano de 1995. Na década de 1960,

foi eleito vereador de Belém. Abandonou a política em 1967 e

fez concurso público para o cargo de auditor do Tribunal de

Contas. Hoje, está aposentado.

Nélson Magalhães Radialista, produtor e diretor de programas de TV. Trabalhou

como produtor, de 1974 a 1986, na linha de programas de

entretenimento da TV Globo, no Rio de Janeiro, como Os

Trapalhões e Viva o Gordo. Voltou para Belém em 1986 para

trabalhar na TV Cultura do Pará, quando esta emissora estava

sendo implantada. Em 1989, começou a produzir e dirigir o

Programa Carlos Santos na TV, na TV Guajará. Ele trabalhou

com Carlos Santos até 2003. Depois disso, atuou em televisão

em Macapá e em cidades do interior do Pará. Voltou para

Belém em 2007. Atualmente, dirige o programa de variedades

Ari Santos tá bonito na TV, apresentado pelo irmão de Carlos

Santos, exibido na Rede TV, aos sábados, do meio-dia às 13

horas.

Fonte: Produzido pela autora.

As entrevistas feitas para esta pesquisa foram do tipo semi-aberta. Realizadas

pessoalmente pela pesquisadora, no período de dezembro de 2010 a março de 2011, as

entrevistas foram registradas em um gravador digital e por meio de anotações. Assim, foi

possível assinalar o conteúdo completo das respostas dos entrevistados, como assegurar a

transcrição correta de cada resposta.

Segundo Duarte (2005), a entrevista semi-aberta é um tipo de entrevista em

profundidade, realizada em pesquisas de caráter qualitativo. Sua característica está na

formulação de questões semi-estruturadas, na abordagem em profundidade e nas respostas

indeterminadas obtidas do entrevistado.

Esse tipo de entrevista, de acordo com Duarte (2005), conjuga a flexibilidade

da questão não estruturada com um roteiro de controle. As questões, sua ordem, profundidade,

forma de apresentação, dependem do entrevistador, mas a partir do conhecimento e

disposição do entrevistado, da qualidade das respostas, das circunstâncias da entrevista.

As entrevistas foram feitas a partir da formulação de questões amplas que

deram liberdade de resposta aos entrevistados que falaram à vontade sobre os tópicos

questionados. Por outro lado, a pesquisadora também teve flexibilidade para fazer novas

perguntas, com base nas respostas obtidas dos entrevistados, resultando em entrevistas

espontâneas, específicas, concretas e auto-reveladoras.

Page 96: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

96

O objeto da pesquisa é a análise do Programa Carlos Santos, a fim de verificar

se esse programa apresenta características de um programa de auditório tradicional. Dessa

forma, pretende-se verificar como se apresenta o programa e quais os elementos que o

ajudaram a mantê-lo no ar por 21 anos.

Os objetivos específicos escolhidos foram a descrição do Programa Carlos

Santos e do perfil e da atuação do seu apresentador, a fim de investigar se esses dois aspectos

influenciaram na manutenção do programa.

Parte-se da hipótese que o formato e a dinâmica do programa, o seu aspecto

popular e o perfil do seu apresentador colaboraram para a manutenção e resistência desse

gênero na TV paraense.

Para a base amostral foi usado como corpus quatro programas exibidos em

23/11/1995, 12/07/2003, 06/03/2004 e 10/01/2009 (Quadro 7), disponibilizados pela produção

do programa, buscando-se diferenças e similitudes nos programas pesquisados.

Quadro 7 - Programas objeto de pesquisa

Programas Datas de exibição

Programa A 23/11/1995

Programa B 12/07/2003

Programa C 06/03/2004

Programa D 10/01/2009

Fonte: pesquisa de campo da autora.

Foram também incorporados ao estudo a pesquisa inloco, por meio da

observação pessoal, e pesquisa bibliográfica documental. Este último item inclui literatura

sobre a história da TV no Pará.

Além das pesquisas citadas, ainda aplicou-se na metodologia a Análise de

Conteúdo aplicada aos programas, fundamentada nas variáveis apontadas por França (2006),

Mira (1995) e Souza (2004).

França defende que os programas televisivos com presença do auditório no

estúdio, exibidos a partir dos anos 1990, apresentam como elementos de atratividade cinco

situações-modelo (Quadro 8).

Page 97: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

97

Quadro 8 - Situações-modelos propostas por França (2006)

Circo Pessoa que passa por situação engraçada no

ar

Tribunal-divã Pessoas que expõem problemas pessoais para

serem debatidos em público

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a serem realizados

Games Pessoas que disputam visando prêmios

Vítimas Pessoas que expressam opressões sofridas e

buscam soluções

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

As variáveis apontadas por Mira (1995), descritas no Quadro 09, exemplificam

a presença do conceito de gosto popular tradicional nas propostas de quadros dos programas

de auditório.

Quadro 9 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Proposta de quadros Gosto popular tradicional

Mágicas espetaculares Números de feiras/ artes circenses

Magia/limites do corpo

Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Musicais/coreografias Danças/música

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias

Narrativas

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco

Riso/inversão do mundo

Fonte: adaptado de Mira (1995) por Ferreira.

Complementando a delimitação da análise do programa, destaca-se as ideias de

Souza (2004) sobre as estratégias de comunicabilidade dos programas de auditório, como

aponta o Quadro 10.

Page 98: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

98

Quadro 10 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Presença de auditório Passiva ou atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto

Tipo de narrativa Pessoal, intimista

Linguagem Coloquial direta

Relação de uso que se estabelece com a

recepção

Entretenimento, participativo, cooperativo

Cenografia dos programas Cores, formatos, cenários e similares

Fonte: Adaptado de Aronchi (2004) por Ferreira (2011).

Page 99: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

99

5 ANÁLISE DOS PROGRAMAS

Dentro desse contexto de análise, os programas que são objetos deste estudo, já

denominados de A, B, C e D, serão observados buscando atender às demandas propostas no

problema, objetivos específicos e hipótese.

5.1 Análise do Programa A, exibido em 23 de novembro de 1995

Programa ao vivo, com 50 minutos de duração, dividido em quatro blocos,

incluindo os intervalos que levam, em média, dois a três minutos. Exibido na manhã de

sábado, o programa é todo focado em uma gincana, na qual os participantes (jovens do sexo

masculino e feminino) levam atrações para julgamento do júri, a fim de receber um prêmio.

Quadro 11 - Coleta de dados fundamentada em França (2006)

Programa A, exibido em 23/11/1995

Situações-modelos Descrição Observações

Circo Pessoa que passa por

situação engraçada no

ar.

Sim, esta situação-modelo foi

observado no Programa A, no

número da macaca adestrada e dos

acrobatas, em um percentual de

50%, em relação ao seu

significado no programa como um

todo.

Tribunal-divã Pessoas que expõem

problemas pessoais para

serem debatidos em

público.

A situação-modelo tribunal-divã

não foi registrada no Programa A.

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a

serem realizados.

Sim, registrada no lançamento do

sorteio ‘Enxoval de Rainha’.

Games Pessoas que disputam Sim, a situação-modelo games está

Page 100: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

100

visando prêmios. presente em todo o Programa A,

visto que ele é pautado na gincana.

Percentual de 100% em relação a

sua importância dentro do

programa.

Vítimas Pessoas que expressam

opressões sofridas e

buscam soluções.

Esta situação-modelo não foi

registrada no Programa A.

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

No Programa A, a situação-modelo circo está presente e caracterizada no

número da macaca adestrada, Chuca. Vestida com um macacão prateado, a macaca dança e

faz acrobacias sob o comando do seu adestrador. Essa é uma atração típica do universo

circense e muito utilizada pelos programas de auditório. Nesse caso, trata-se de uma atração

meio bizarra que faz o auditório rir.

O grupo de contorcionistas e acrobatas, Los Wilson, também é exemplo da

situação-modelo circo. Verifica-se o aspecto cômico, meio fanfarrão, na encenação do

integrante mais velho que faz brincadeiras usando o suporte do microfone como se fosse o

corpo de uma mulher. Ele também brinca com o salto quebrado do seu sapato e com a sua

peruca que cai ao final da apresentação. Para acompanhar o número, uma música típica do

universo circense, uma espécie de marcha, sincopada e alegre.

A situação máquina de sonhos é verificada no lançamento do sorteio Enxoval

de Rainha. Carlos Santos diz que vai sortear uma das cartas que serão enviadas ao programa

(não diz o prazo para mandar a carta) com o nome dos noivos, data e local do casamento. A

noiva da carta sorteada vai ganhar o vestido, a festa, com direito à filmagem, e a viagem de

lua-de-mel (apresentador também não diz o destino da viagem). O noivo será presenteado

com o traje do casamento e mais algumas peças de roupa.

A vencedora desse sorteio irá ao programa receber seus prêmios. Nesse

momento, ela terá o seu desejo atendido, como uma cinderela que vai ao baile viver a noite de

sonho. A situação-modelo ‘máquina de sonhos’ é representada também quando uma pessoa

comum vai ao programa para ganhar uma casa, rever parentes ou conhecer um ídolo.

Observa-se que, nessas situações, o sorteado não deixará a sua condição de

pessoa simples, comum, pois ela se destaca por um desejo que foi atendido, não por um

Page 101: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

101

talento artístico diferenciado, pela beleza ou por ser um ídolo do esporte, por exemplo, como

as estrelas e personalidades, protagonistas dos programas de auditório da televisão brasileira.

A situação-modelo games ocorre quando pessoas comuns participam de

torneios, gincanas e disputas dos mais variados tipos, com a finalidade de conseguir o prêmio

oferecido à equipe vencedora. Exatamente como ocorre com a gincana do programa em

análise, na qual cada equipe leva uma atração para a disputa.

Quadro 12 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Programa A, exibido em 23/11/1995

Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações

Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes

circenses

magia/limites do corpo

Sim, esta proposta de

quadro foi observada no

Programa A nos

números da macaca

adestrada, dos acrobatas

e do homem que fala 58

idiomas, em um

percentual de 50% em

relação ao seu

significado no contexto

do programa.

Competições / Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Sim, presente na

gincana. 100% do

programa.

Musicais/coreografias Danças/música Musicais e coreografias

não foram detectadas no

Programa A.

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/

Estórias/narrativas

Não há registro deste

item.

Piadas/humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Sim, piadas e humor

foram observadas em

atrações como os

Page 102: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

102

acrobatas, o humorista e

a presença do mascote,

‘Sapolino’. Percentual

de 50% em relação a sua

importância no

programa.

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco

Riso/inversão do mundo

Sim, observado em

atrações como a macaca

adestrada, os acrobatas,

o humorista e o matador

de moscas, em um

percentual de 80% em

relação ao significado

no programa.

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).

O gosto popular tradicional está presente em praticamente todo o Programa A,

sob diversos aspectos. Chama a atenção, a proposta de quadro denominada ‘mágicas

espetaculares’, sob a forma de artes circenses, nos números da macaca adestrada, dos

acrobatas e do homem que fala 58 idiomas.

As competições e jogos aparecem na gincana. Assim como considera-se os

acrobatas, o humorista e a presença de Sapolino, o mascote do programa, números de teatro e

comicidade.

Sapolino é um boneco de marionete em forma de sapo que interage com Carlos

Santos durante o programa, ajudando a divulgar os sorteios e as competições, apresentando

algumas atrações e fazendo piadas e comentários.

No caso do humorista, ele está de terno, camisa e gravata colorida, chapéu na

cabeça e barbicha. Fala como se fosse um caipira, reforçando o estereótipo do homem

simplório do campo.

Os bobos, bufões e o riso são observados na macaca adestrada, nos acrobatas,

no humorista e no matador de moscas.

O matador de moscas é um senhor que criou um equipamento rudimentar para

matar o inseto. A demonstração do equipamento é motivo de gargalhadas do auditório e dos

jurados.

Page 103: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

103

Quadro 13 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Programa A, exibido em 23/11/1995

Elementos Descrição Observações

Presença de auditório Passiva ou atuante Auditório atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo

Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal

Linguagem Coloquial direta Coloquial direta

Relação de uso que se

estabelece com a recepção

Entretenimento, participativo,

cooperativo

Entretenimento,

participativo

Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular

presente no formato,

no cenário, nas

atrações e na

dinâmica do

programa.

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

5.2 Programa B, exibido em 12 de julho de 2003

Programa ao vivo, exibido pela TV RBA, no sábado de manhã. Com 55 minutos e

32 segundos de duração, divido em quatro blocos e intervalos de dois minutos, em média, este

programa é chamado por Carlos Santos de Programa de Verão.

Destaque para vinheta do programa na abertura e na volta dos intervalos e anúncio

dos patrocinadores no início do programa, logo após a vinheta de abertura.

Patrocinadores: Avistão, Banpará – Banco do Estado do Pará, Celpa

(concessionário de energia elétrica), Banco da Amazônia, Big Ben (rede de farmácias), Óticas

Diniz, Armazéns Paraíba (rede de varejo), Shopping João Alfredo (centro de compras

popular), e sabão em pó Ace.

Vídeos de três patrocinadores (Banpará, Armazéns Paraíba e Óticas Diniz) são

exibidos em três blocos do programa. Há também a exibição de mais dois vídeos feitos em

Page 104: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

104

Paragominas e Ulianópolis, nordeste do Estado, mostrando os investimentos feitos pelos

prefeitos desses municípios e o potencial econômico dessa região do Pará.

Registra-se ainda as pequenas matérias do repórter Sidney Santos, mostrando o

veraneio na praia do Atalaia, em Salinópolis, município localizado na costa atlântica do Pará.

Quadro 14 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)

Programa B, exibido em 12/07/2003

Situações-modelos Descrição Observações

Circo Pessoa que passa por

situação engraçada no ar

Não foi registrada no Programa B

a situação-modelo de circo.

Tribunal-divã Pessoas que expõem

problemas pessoais para

serem debatidos em

público.

Não foi registrado.

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a

serem realizados.

A situação-modelo máquina de

sonhos está presente sob a forma

de videoclipe de uma dançarina do

programa. Representa 3% de

importância no contexto do

Programa B.

Games Pessoas que disputam

visando prêmios.

Games foram constatados.

Vítimas Pessoas que expressam

opressões sofridas e

buscam soluções.

Não foi registrada a situação-

modelo vítimas.

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira.

A situação-modelo máquina de sonhos pode ser caracterizada no vídeo de uma

dançarina de palco do programa, produzido em lugares de Belém que ela mais gosta de

freqüentar. Sorridente, a jovem dançarina, Anngye Fhabrycya, foi filmada tomando uma

ducha, saindo de biquíni das águas de um igarapé, remando lentamente em um caiaque e

Page 105: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

105

caminhando sobre uma ponte de madeira usando uma saída de banho feita com um tecido

vazado sobre o biquíni.

Vestindo calça jeans e blusa de alças, a jovem também aparece dirigindo uma

motocicleta e caminhando no Complexo Feliz Lusitânia, bairro da Cidade Velha, em Belém.

Na sequência, ela surge sentada na motocicleta com o microfone em punho, sorri para a

câmera e diz que é dançarina do Programa Carlos Santos e que aqueles são os seus lugares

preferidos para passear.

Os espaços por onde a jovem passeia, no entanto, não são identificados no

momento em que são exibidos, conforme determinam as regras da linguagem televisiva.

Tampouco a dançarina cita o nome dessas locais em sua fala. Esses pequenos detalhes

evidenciam o amadorismo do vídeo.

O videoclipe de aspecto caseiro e meio tosco da dançarina se encaixa na

máquina de sonhos, como um dos componentes dos programas de auditório de cunho popular.

Nas cenas gravadas está a jovem anônima, simplória, vestida com trajes comuns, usando

pouca maquiagem e os cabelos soltos ao vento que tem os seus quinze minutos de fama.

Ao aparecer fitando o telespectador e se mostrando para ele, a dançarina de

palco passa a ter o status de uma estrela de TV, caracterizando a situação de sonhos

realizados.

É importante considerar também que o videoclipe da dançarina é uma

estratégia para aproximar o universo de referência do programa com o seu telespectador e de

valorizar e glamourizar as ajudantes de palco de Carlos Santos.

Quadro 15 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Programa B, exibido em 12/07/2003

Proposta de quadros

Gosto popular tradicional

Observações

Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes

circenses

magia/limites do corpo

Não foi registrada esta

proposta de quadro.

Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Não houve registro.

Page 106: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

106

Musicais/coreografias Danças/música Sim, presente nas

atrações musicais e nas

dançarinas de palco, em

um total de 80% em

relação à importância e

significado no contexto

do programa.

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias

Narrativas

Não foi registrada a

proposta de ‘quadros

dramatizados’.

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Não foram registrados

quadros de humor.

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpo grotesco

Riso/inversão do mundo

Não foram registrados.

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira.

Chamadas de Carletes, as jovens dançarinas fazem coreografias simples para

acompanhar as oito bandas que se apresentam no programa. Elas têm o biótipo amazônico

(morenas, de cabelos longos, pretos) e vestem trajes sensuais, mas sem caráter apelativo.

Quadro 16 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Programa B, exibido em 12/07/2003

Elementos Descrição Observações

Presença de auditório Passiva ou atuante Atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo

Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal

Linguagem Coloquial direta Coloquial direta

Relação de uso que se

estabelece com a recepção

Entretenimento, participativo,

cooperativo

Entretenimento,

participativo

Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular

presente no formato,

cenário, nas atrações e

Page 107: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

107

na dinâmica do

programa.

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

5.3 Programa C, exibido em 06 de março de 2004

Programa ao vivo, exibido pela TV RBA, no sábado de manhã. Com 60

minutos de duração, divido em quatro blocos e intervalos de dois minutos, em média.

Destaque para vinheta na abertura e na volta dos intervalos e anúncio dos patrocinadores no

início do programa, logo após a vinheta de abertura.

Quadro 17 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)

Programa C, exibido em 06/03/2004

Situações-modelos Descrição Observações

Circo Pessoa que passa por

situação engraçada no

ar.

Não houve registro da situação-

modelo circo

Tribunal-divã Pessoas que expõem

problemas pessoais para

serem debatidos em

público.

Não houve registro da situação-

modelo tribunal-divã

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a

serem realizados.

Sim, a situação-modelo máquina

de sonhos está presente no

lançamento do sorteio ‘O Sonho

da Minha Vida’. 3% de

importância no contexto do

programa

Games Pessoas que disputam

visando prêmios.

Não foram registrados

Vítimas Pessoas que expressam Não foram registradas

Page 108: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

108

opressões sofridas e

buscam soluções

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

O Sonho de Minha Vida é o sorteio lançado por Carlos Santos neste programa.

Entende-se que esse sorteio se enquadra na situação-modelo máquina de sonhos. Para

participar, o telespectador deverá enviar para o endereço indicado no programa uma carta

contando qual o desejo que pretende realizar. A carta sorteada terá o seu sonho atendido pela

produção do programa, segundo Carlos Santos.

Quadro 18 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Programa C, exibido em 06/03/2004

Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações

Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes

circenses

magia/limites do corpo

Não foi detectada a

proposta de quadro

‘mágicas espetaculares’.

Competições/ Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Sim, na adivinhação das

charadas propostas pelo

mascote, ‘Sapolino’, à

plateia. 5% de

importância no

programa

Musicais/coreografias Danças/música Sim, nos números

musicais e nas

dançarinas de palco.

70% em significado no

programa

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias

Narrativas

Sim, a proposta de

quadro dramatizado está

presente na matéria do

disco voador. 10% em

importância no contexto

Page 109: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

109

do programa

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Sim, foi detectado

humor na participação

do sapo-mascote. 10%

de significado no

contexto do programa

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco

Riso/inversão do mundo

Sim, na presença do

transformista. 5% de

importância no contexto

do programa

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira.

A matéria do disco voador pode ser enquadrada na proposta, quadro

dramatizado, pois se trata de uma estória, ou seja, uma narrativa curiosa sobre um senhor que

está construindo o seu segundo disco voador, em Curuçá, município do nordeste do Estado.

Baixo, calvo, de bigode e olhos miúdos, o tenente aposentado do Exército,

Nazaire, é o criador da “primeira nave espacial do Pará”, como afirma o repórter Sidney

Santos.

A nave é uma estrutura de alumínio, no formato de um disco, montada sobre

um alambrado de madeira. Uma escada, também de madeira, dá acesso ao objeto. Nazaire

mostra o interior do disco voador e as turbinas e conta que a construção tem como base alguns

livros e visões que ele tem com alienígenas que explicam como construir o objeto.

A presença do transformista Lorran está de acordo com a proposta de quadro

calouros, anomalias, em função do caráter bizarro da atração.

Lorran veste uma extravagante roupa branca, com mangas em forma de asas.

Usa um enorme arranjo na cabeça e calça botas pretas de saltos e cano alto. Ao final, o

transformista diz a Carlos Santos que se apresenta em uma boate, na avenida Boulevard

Castilhos França. Localizada no Comércio, próximo ao Porto de Belém, essa avenida é

conhecida na cidade pelas boates e bares de baixa condição que fazem a vida noturna do

bairro.

Na cultura popular, encontram-se outros tipos que poderiam estar nesta

proposta de quadro calouros, anomalias, a exemplo dos bufões e bobos. Todos esses tipos

representam o grotesco e a inversão da forma tradicional de ver e interpretar o mundo. De

outra forma, eles são o avesso da sociedade, os excluídos e estranhos, presentes na cultura

Page 110: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

110

popular da Idade Média, que resistiram o passar do tempo e se encontram hoje nos programas

de auditório.

Quadro 19 - Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Programa C, exibido em 06/03/2004

Elementos Descrição Observações

Presença de auditório Passiva ou atuante Atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto Ao vivo

Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal

Linguagem Coloquial direta Coloquial direta

Relação de uso que se

estabelece com a recepção

Entretenimento, participativo,

cooperativo

Entretenimento,

participativo

Cenografia dos programas Cores, formatos, cenários e

similares

Gosto popular,

presente no formato,

no cenário, nas

atrações e na

dinâmica do

programa.

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

5.4 Programa D, exibido em 10 de janeiro de 2009

Programa gravado, com 1 hora e 12 minutos de duração, dividido em cinco

blocos, com uma média de quinze minutos cada bloco, sendo duas a três apresentações de

artistas ligados à música em cada um desses blocos.

Gravado nos estúdios de uma produtora, em São Paulo, este programa foi

transmitido para diversas cidades do país por várias emissoras, por meio de antenas

parabólicas, em dias diferentes.

Chama a atenção, neste programa, a publicidade em forma de merchandising

que recebeu tratamento especial e ganhou um espaço maior e bem demarcado neste programa.

O merchandising é feito por outro apresentador, de nome Fernando, que aparece ao lado de

Page 111: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

111

Carlos Santos, em quatro blocos, na volta do intervalo. Ele divulga impressora, equipamento

para filtrar água e aparelho de ginástica.

Mas as maneiras de fazer marketing de produtos neste programa são variadas.

Ocorrem também sob a forma de apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos

em que eles são anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na

volta do intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da

fachada desses empreendimentos ou de suas logomarcas.

O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há

momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência

do Banpará, um dos patrocinadores, e foi muito bem atendido pelo gerente.

Quadro 20 - Coleta de dados fundamentada em França (2006)

Programa D, exibido em 10/01/2009

Situações modelos Descrição Observações

Circo Pessoa que passa por

situação engraçada no ar

Não houve registro

Tribunal-divã Pessoas que expõem

problemas pessoais para

serem debatidos em

público

Não houve registro da situação-

modelo ‘tribunal-divã’

Máquina de sonhos Esperança de sonhos a

serem realizados

Não houve registro

Games Pessoas que disputam

visando prêmios

Sim, os games estão presentes na

atração ‘Em busca de Novos

Talentos’. 5% de importância no

contexto do programa

Vítimas Pessoas que expressam

opressões sofridas e

buscam soluções

A situação-modelo ‘vítimas’ não

foi constatada

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

Page 112: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

112

Quadro 21 - Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Programa D, exibido em 10/01/2009

Proposta de quadros Gosto popular tradicional Observações

Mágicas espetaculares Número de feiras/ artes

circenses

Magia/limites do corpo

Não houve registro.

Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

Sim, nos calouros do

‘Em busca de Novos

Talentos’. 5% de

significado no contexto

do programa

Musicais/coreografias Danças/música Sim, esta proposta de

quadro está presente em

todos os blocos do

programa, somando

80% de importância no

contexto do Programa D

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ estórias

Narrativas

Esta proposta de quadro

não consta do programa

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

Sim, na participação do

boneco-mascote,

‘Sapolino’. 5% de

significado no contexto

do programa

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos grotesco

Riso/inversão do mundo

Não houve registro da

proposta de quadro

‘calouros e anomalias’

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).

Uma mulher participou do Em busca de Novos Talentos, um quadro que

escolhe o melhor calouro na área da música. Supõe-se que em cada programa participou um

calouro até completar um determinado número exigido pela produção e assim escolher o

melhor com a ajuda do auditório.

Page 113: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

113

Competições de diversas naturezas, a exemplo dos calouros que mostram seus

talentos musicais, são atrações muito utilizadas pelos programas de auditório desde a época

do rádio até os dias de hoje, como forma de trazer dinâmica ao programa e incitar a

participação da platéia.

Registra-se também que os comentários maliciosos saem da boca do boneco

Sapolino, caracterizando a proposta de quadro piadas/humor. Ao boneco-mascote cabem as

ironias, as brincadeiras mais pesadas, assim como os gracejos, a exemplo dos pedidos de beijo

às artistas que se apresentam.

O boneco-mascote teve o seu nome escolhido por meio de uma consulta feita

com o telespectador e com os artistas que se apresentavam no Programa Carlos Santos.

Os quadros de humor e piadas acompanham os programas de auditório desde o

seu início. Esses quadros têm origem na cultura popular da Idade Média. Eles permaneceram

nas festas de largo e no circo, origem remota dos programas de auditório, passando depois

para o rádio, o teatro de revista e as chanchadas do cinema, origem mais atual desse gênero

televisivo.

Quadro 22 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Programa D, exibido em 10/01/2009

Elementos Descrição Observações

Presença de auditório Passiva ou atuante Auditório atuante

Formato Ao vivo, gravado ou misto Gravado

Tipo de narrativa Pessoal, intimista Pessoal

Linguagem Coloquial direta Coloquial direta

Relação de uso que se

estabelece com a recepção

Entretenimento, participativo,

cooperativo

Entretenimento e

participação

Cenografia dos programas Cores, cenários e similares Gosto popular,

presente no formato,

no cenário, nas

atrações e na

dinâmica do programa

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

Page 114: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

114

6 RESULTADOS

Explica-se, em primeiro lugar, que as atrações são consideradas segundo as

suas importâncias e os seus significados no contexto do programa. Dessa forma, a análise é

qualitativa e não quantitativa, pois verifica-se que muitas atrações se enquadram em mais de

uma situação-modelo proposta pelos autores que estão no referencial teórico desta pesquisa.

Programa A

Nota-se que o Programa A é o que apresenta o maior número de situações-

modelo propostas por França (2006), como o circo (50%), a máquina de sonhos (5%) o os

games (100%). Esses últimos (games/jogos) permeiam todo o programa, com a gincana. Por

isso, o percentual de 100% dessa situação-modelo, em relação a sua relevância no contexto

total do programa.

O Programa A indica também um número significativo de quatro propostas de

quadros, sugeridas por Mira (1995), como mágicas espetaculares (50%), competições e

gincanas (100%), piadas/humor (50%) e calouros/anomalias (80%).

Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza

(2004), o Programa A conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,

linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo

entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.

Programa B

O Programa B apresenta apenas uma situação-modelo referida por França

(2006), a de máquina de sonhos (3%). Quanto às atrações tradicionais de programas de

auditório, segundo Mira (1995), o Programa B aponta apenas musicais/coreografias (80%).

Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza

(2004), o Programa B conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,

linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo

entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.

Programa C

Page 115: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

115

O Programa C apresenta apenas uma situação-modelo referida por França

(2006), a de máquina de sonhos (3%). Por outro lado, quanto às atrações tradicionais de

programas de auditório, segundo Mira (1995), o Programa C apresenta cinco, das seis

atrações, que têm como base a cultura popular tradicional. São elas: competições/gincanas

(5%), musicais/coreografias (70%), quadros dramatizados (10%), piadas/humor (10%) e

calouros/anomalias (5%).

Este programa, portando, só não apresenta a atração mágicas espetaculares,

proposta por Mira (1995).

Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza

(2004), o Programa C conta com auditório atuante, formato ao vivo, narrativa pessoal,

linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo

entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.

Programa D

Observa-se que o Programa D conta com apenas uma situação-modelo indicada

por França (2006) que é o game (5%), quando pessoas disputam entre si visando a um prêmio.

As atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995), estão presentes em

três, das seis propostas de quadros: competições/gincanas (5%), musicais/coreografias (70%)

e piadas/humor (5%). Os 20% restantes são ocupados por marketing de produtos.

Quanto aos elementos de estratégias de comunicabilidade, segundo Souza

(2004), o Programa D conta com auditório atuante, formato gravado, narrativa pessoal,

linguagem coloquial direta, relação de uso que se estabelece com a recepção é do tipo

entretenimento participativo. O programa é todo construído com base no gosto popular.

Resultados apresentados em quadros

Abaixo, apresenta-se os três quadros com os resultados dos programas, de

acordo com os autores que são a base do referencial teórico desta pesquisa e segundo o que

foi exposto no item acima (Resultados). Cada quadro mostra os elementos propostos por um

autor e a presença destes elementos no Programa A, no Programa B, no Programa C e no

Page 116: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

116

Programa D. No primeiro e no segundo quadros, a palavra SIM indica que o elemento

proposto pelo autor foi detectado no respectivo programa e a palavra NÃO indica que o

elemento não foi encontrado no programa.

Quadro 23 – Coleta de dados fundamentada em França (2006)

Situações-

modelos

Descrição Programa

A

Programa

B

Programa

C

Programa

D

Circo Pessoa que passa por

situação engraçada no

ar

SIM NÃO NÃO NÃO

Tribunal-divã Pessoas que expõem

problemas pessoais

para serem debatidos

em público

NÃO NÃO NÃO NÃO

Máquina de

sonhos

Esperança de sonhos a

serem realizados.

SIM SIM SIM NÃO

Games Pessoas que disputam

visando prêmios

SIM NÃO NÃO SIM

Vítimas Pessoas que expressam

opressões sofridas e

buscam soluções

NÃO NÃO NÃO NÃO

Fonte: Adaptado de França (2006) por Ferreira (2011).

Quadro 24 – Atrações tradicionais de programas de auditório, segundo Mira (1995)

Proposta de quadros Gosto popular

tradicional

Programa

A

Programa

B

Programa

C

Programa

Mágicas espetaculares número de feiras/ artes

circenses

magia/limites do corpo

SIM NÃO NÃO NÃO

Competições/Gincanas Duelos/apostas/adivinhas

Lutas/jogos

SIM NÃO SIM SIM

Musicais/coreografias Danças/música NÃO SIM SIM SIM

Quadros dramatizados Lendas/contos/sermão/ NÃO NÃO SIM NÃO

Page 117: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

117

estórias

Narrativas

Piadas /humor Farsa/paródia

Teatro/comicidade

SIM NÃO SIM SIM

Calouros /anomalias Bobos/bufões/ corpos

grotesco

Riso/inversão do mundo

SIM NÃO SIM NÃO

Fonte: Adaptado de Mira (1995) por Ferreira (2011).

Quadro 25 – Elementos de estratégias de comunicabilidade em Souza (2004)

Elementos Descrição Programa A Programa B Programa C Programa D

Presença de

auditório

Passiva ou

atuante

Atuante Atuante Atuante Atuante

Formato Ao vivo,

gravado

ou misto

Vivo Vivo Vivo Gravado

Tipo de

narrativa

Pessoal,

intimista

Pessoal Pessoal Pessoal Pessoal

Linguagem Coloquial

direta

Coloquial

direta

Coloquial

direta

Coloquial

direta

Coloquial

direta

Relação de

uso que se

estabelece

com a

recepção

Entreteni

mento,

participati

vo,

cooperativ

o

Entretenimen

to/participati

vo

Entretenimen

to/participati

vo

Entretenimen

to/participati

vo

Entretenimen

to/participati

vo

Cenografia

dos

programas

Cores,

cenários e

similares

Gosto

popular

Gosto

popular

Gosto

popular

Gosto

popular

Fonte: Adaptado de Souza (2004) por Ferreira (2011).

Page 118: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

118

Resultados finais

Em vista desses resultados, observa-se que, nos primeiros anos, o Programa

Carlos Santos apresentava diversos elementos do gênero programa de auditório no seu

formato mais tradicional, como atrações inspiradas nas artes circenses, número de piadas,

dança, música, corpo de jurados, jogos, competições e gincanas. No entanto, alguns desses

elementos foram perdendo a força no contexto do programa, haja vista a prevalência de

atrações musicais e merchandising e a ausência de acrobatas, malabaristas, mágicos,

transformistas, e animais adestrados, como se verifica no Programa D, exibido em 10 de

janeiro de 2009.

Porém, a composição visual, a dinâmica do programa e o estilo de música e

coreografia continuaram a obedecer aos cânones do gosto popular, visto que o Programa

Carlos Santos manteve a plateia no estúdio, com participação atuante. A comunicação do

apresentador continuou no estilo direto e coloquial, prezando o estímulo à participação do

telespectador, por meio de sorteios e promoções. Outros elementos que permaneceram foram

as dançarinas de palco e a presença do boneco-mascote Sapolino, concentrando nele uma

parte do tom cômico e burlesco do programa.

Há também o registro da presença do locutor, Valdo Souza, pontuando o

programa com seus comentários sobre as atrações, informando os sorteios, números de

telefone para contatos e divulgando os patrocinadores do programa.

À frente do programa, o apresentador Carlos Santos, figura de apelo popular

forte diante do telespectador, devido a sua trajetória de vida rica de significados, sob o ponto

de vista da ascensão social e da carreira como empresário, político e comunicador do rádio e

da televisão.

Conforme os depoimentos de telespectadores e dos profissionais da imprensa,

ouvidos nesta pesquisa, assim como o conjunto de fatos relacionados ao Programa Carlos

Santos, descritos neste trabalho, verifica-se a influência do apresentador na consolidação e

manutenção do programa.

Além disso, nos relatos e na pesquisa bibliográfica foi registrado apenas outro

programa de auditório de maior expressividade, produzido no Pará, na década de 1980. Trata-

se do TV Cidade, da extinta TV Guajará, que começou na segunda metade da década de 1980

e chegou a ser apresentado por Carlos Santos. Segundo o publicitário e jornalista José Paulo

Vieira da Costa (2011), criador e diretor do TV Cidade, o programa foi exibido durante doze

ou quinze anos, no máximo.

Page 119: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

119

Ressalta-se, assim, que o Programa Carlos Santos demonstra a sua força

diante do público pelo tempo em que foi exibido, cerca de 17 anos, assim como evidencia que

é um espaço de resistência do universo popular na televisão paraense.

Dessa forma, entende-se que esta pesquisa, que tem como objeto a análise do

Programa Carlos Santos, cumpriu os objetivos específicos que são a descrição do programa e

a atuação de seu apresentador, assim como a hipótese de que o formato e a dinâmica do

programa, o seu aspecto popular e o perfil de Carlos Santos colaboraram para a resistência

desse gênero na TV paraense.

Nota-se que essa hipótese é importante porque o Programa Carlos Santos foi

um canal de divulgação das preferências das classes populares do Pará na TV. Contar com

programas regionais que mostram a cultura, os gostos e o biótipo do povo da Amazônia é uma

forma de resistência à televisão glamourizada e plasticamente limpa que ainda é feita

majoritariamente no país.

Page 120: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

120

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Page 122: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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- Depoimentos e Entrevistas

ALMEIDA, Graciano. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

AMARAL, Ivo. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

COSTA, José Paulo Vieira da. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista

concedida para a pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

ÉLERES, Paraguassú. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

KLAUTAU, Afonso. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

PAES, Roger. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a pesquisa

sobre o Programa Carlos Santos.

PALHETA, Nélio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

PALMIQUIST, Sérgio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para

a pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

PEREIRA, Rita de Cássia. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida

sobre o Programa Carlos Santos.

PEREIRA, Walcicléa. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida sobre

o Programa Carlos Santos.

SIQUEIRA, Antônio. Série de Depoimentos. Belém, PA, 2011. Entrevista concedida para a

pesquisa sobre a história da televisão no Pará.

- Eletrônicas

DÉCADA de 50. A rádio nacional e o sistema de estrelato. Disponível em:

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Page 123: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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TELE História. Disponível em: http://www.telehistoria.com.br. Acesso em: 29 julho de 2011.

TRIBUNA Popular. História do voto no Brasil: Década de 80: as Diretas-Já. Disponível

em: http://tribunapopular.wordpress.com/historia-do-voto-no-brasil-decada-de-80-as-

diretas-ja. Acesso em: 31 julho de 2011.

Page 124: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

124

APÊNDICE

Page 125: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

125

APÊNDICE A

Programa A

Data de exibição: 23 de novembro de 1995

Tempo: 50 minutos

Blocos: quatro blocos

Concepção cenográfica

Simploriedade dos recursos cênicos, a exemplo do pano preto que contorna

todo o auditório, onde a platéia senta em cadeiras forradas por um tecido vermelho. O palco é

revestido de um piso na cor prata brilhante de um material que não parece de muito boa

qualidade. Figuras geométricas nas cores branca, cinza e amarelo claro rodeiam o palco.

Algumas tomadas das câmeras mostram a parte de cima do estúdio, com

refletores presos em grossos cabos de aço escuro. Vez ou outra também nota-se a presença de

um homem segurando alguns papéis, posicionado ao lado de Carlos Santos, como se estivesse

ali para informar o apresentador sobre algo acerca do programa.

Atrações

Uma das atrações levadas por um dos grupos que participam da gincana é um

rapaz e sua macaca adestrada que dança e faz acrobacias. A macaca, que responde pelo nome

de Chuca, está vestida com um macacão prateado.

Carlos Santos pede aplausos do auditório que atende à solicitação com palmas

e gritos. O adestrador pede para Chuca estender a mão para Carlos Santos que a cumprimenta

e pergunta se ela está gostando do programa. A macaca faz um sinal negativo com a cabeça.

O auditório ri e aplaude mais uma vez. Carlos Santos também sorri, passa a mão na cabeça do

animal e pergunta para o adestrador o número do telefone para quem estiver interessado em

contratar a atração.

Em seguida, o apresentador anuncia a próxima atração: ‘Los Wilson’, um

grupo de três homens, dois jovens e um senhor, que faz um número de contorcionismo e outro

de acrobacia utilizando xícaras.

O aspecto cômico do número é encenado pelo integrante mais velho que faz

brincadeiras com o suporte do microfone como se esse objeto fosse o corpo de uma mulher.

Page 126: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

126

Ele também brinca com o salto quebrado do seu sapato e com a sua peruca que cai da cabeça,

no momento em que ele agradece os aplausos da plateia. Para acompanhar o número, uma

música típica das apresentações circenses, uma espécie de marcha, sincopada e alegre.

Nesse número, configuram-se as características das atrações de circo, tão comuns

nos programas de auditório. No integrante mais velho do grupo Los Wilson está representado

o bobo da corte, o bufão, o mundo visto pelo lado cômico e ao mesmo tempo, a ingenuidade e

e o riso sem artifícios.

É assim também que se enquadra a presença do comediante. Com um jeito

bobalhão, ele veste paletó listrado e gravata de bolas e os seus dois dentes da frente estão

pintados de preto, como se estivessem faltando. Na cabeça, uma peruca escura e um chapéu

de tecido preto. O comediante imita um pouco a maneira de falar de um caipira do interior,

mas suas piadas são maldosas, cheias de trocadilhos e de fácil entendimento.

O auditório

O programa começa com a imagem das pessoas na plateia aplaudindo, ajeitando-

se nas cadeiras e sorrindo. Quando Carlos Santos aparece no vídeo, ele mesmo pede mais

aplausos para o seu programa.

- Aplausos, aplausos!, diz o apresentador, sorrindo.

As risadas e os aplausos não foram colocados ali sem um propósito, pois

mostram ao telespectador que o espetáculo está ocorrendo naquele momento em que está

sendo exibido. Dessa forma, os efeitos sonoros não são meros enfeites, mas elementos

primordiais do meio televisivo.

É usual nos programas populares de auditório a presença de um (ou mais de

um) coordenador de palco carregando placas de ‘aplauso’ ou ‘silêncio’ direcionadas à platéia,

a fim de provocar diretamente tais manifestações. O coordenador de palco também pode

utilizar os gestos com os braços e as mãos para incitar o auditório, como constatado neste

programa.

Como em qualquer outro gênero televisivo, os programas de TV são espaços

de convenções e regras. No caso do programa de auditório, o público que é chamado a

participar deve conhecer e respeitar essas regras, sob pena de quebrar o sentimento de

coletividade que deve pairar nos estúdios dos programas de TV.

Outros elementos de destaque no programa

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127

Destaca-se também o júri formado por duas donas de casa, um piloto de avião,

um garçom, um maestro e uma mulher integrante do Corpo de Bombeiros. Sem dúvida, um

corpo de jurados bastante eclético e inusitado. Afinal, o que estaria fazendo um piloto de

avião em um júri de um programa de auditório?

Nota-se ainda que não há integrantes com formação técnica em artes ou

música, com exceção do maestro. Tampouco registra-se a presença de artistas ou

personalidades, como ocorre normalmente nos programas de variedades da TV brasileira.

Cabia aos jurados atribuir notas para duas equipes integradas por jovens

(homens e mulheres) que participavam da gincana. O tipo físico desses jovens é bem

paraense: pele morena e cabelos pretos. Eles vestem shorts e mini-blusas, mas os trajes são

bem-comportados.

Obedecendo às orientações do apresentador, eles correm pelo palco e

respondem as perguntas, animadamente, sob os aplausos, as vaias e os gritos orquestrados da

platéia.

Uma das brincadeiras é responder em que estado foi inventado o trio elétrico.

As opções são: Bahia, Rio de Janeiro e Pará. A vencedora foi a equipe que respondeu ‘Bahia’.

Page 128: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

128

APÊNDICE B

Programa B

Data de exibição: 12 de julho de 2003

Tempo: 55 minutos e 32 segundos

Blocos: quatro blocos

Concepção cenográfica

A fotografia de Carlos Santos aparece em destaque, emoldurada em um

círculo, na lateral esquerda do cenário. No centro, de frente para o telespectador, está o palco

de piso prateado, rodeado por uma estrutura de alumínio que sustenta todo o cenário,

composto por figuras geométricas nas cores laranja, vermelho e amarelo.

Nos momentos em que Carlos Santos se dirige à câmera, ele se posiciona em

frente a sua fotografia. Dessa forma, ele aparece em duplicidade para o telespectador. Ou seja,

ele está falando com o espectador, enquanto a sua imagem aparece atrás, com o mesmo

sorriso largo e o indefectível paletó.

Entende-se que a redundância da figura do apresentador é proposital, pois se

trata de uma forma de marcar fortemente a sua imagem no repertório televisivo do

telespectador.

Atrações

Destaque para as bandas de música de estilo popular e o quadro Flagra de

Verão, com o repórter Sidney Santos mostrando algumas situações engraçadas na praia do

Atalaia, no município de Salinópolis, na costa atlântica do Pará.

Outros elementos de destaque no programa

Matéria gravada que utiliza as técnicas do telejornalismo, em uma tentativa de

denotar compromisso com a realidade e verdade dos fatos, como sonoras (entrevistas feitas

com pessoas que fazem parte da situação ou fato apresentado), texto em off do repórter (no

telejornalismo, o off refere-se aos momentos em que o repórter não está em cena, mas a sua

voz está contado o fato ocorrido, apresentado nas imagens) e a passagem de vídeo (repórter

Page 129: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

129

aparece em cena falando sobre algo referente à matéria. Em geral, a passagem é usada quando

não há imagem para cobrir o que o repórter está falando).

Os shows e os programas de auditório são atrações demarcadas pelo

entretenimento, assim como as telenovelas, filmes e séries pertencem ao mundo da ficção. No

âmbito dessas atrações, a realidade nunca foi a preocupação central. Por isso, a introdução de

matérias em programas de auditório é uma estratégia relativamente nova na televisão

brasileira, dentro desse gênero.

Neste programa, na volta do primeiro intervalo, após a exibição da vinheta

(nome do programa rodeado de estrelas azuis e roxas, com a música-tema ao fundo), vêem-se

imagens do monumento construído na entrada do município de Santa Izabel do Pará.

Logo em seguida, corte para um homem de meia-idade, forte, com entradas nos

cabelos grisalhos, vestindo uma camisa de mangas compridas amarelo-escuro, de microfone

na mão, respondendo as perguntas de Carlos Santos, durante um programa exibido em outra

data. Depois entram as imagens de pessoas em volta de um igarapé bucólico e se jogando em

suas águas. Enquanto as imagens são exibidas, o locutor diz:

- Santa Izabel rumo ao progresso com Antônio Simão na prefeitura, dando

apoio a todos os setores. No turismo, os balneários e igarapés recebem visitantes de toda a

parte.

Após a exibição das imagens e do texto do locutor em off, aparece Carlos

Santos, de camisa pólo branca, calça bege e cinto preto, em um dia ensolarado, segurando o

microfone, como um repórter, perguntado a um rapaz, enquanto aponta para as águas verde-

escuras, contornadas por árvores frondosas:

- Como é o nome deste igarapé aqui?

- É o rio Itá, responde o rapaz, enquanto são exibidos vários takes (imagens) do

local. E continua: ele passa por São Francisco e Vila do Carmo e vai desembocar no rio

Caraparu. É uma das belezas que temos aqui em Vila do Carmo, onde os turistas, os

namorados, vêm curtir o lugar. É o lugar mais sossegado em Vila do Carmo. Porque aqui tem

outros igarapés, mas esse é o melhor da região.

Mais uma vez Carlos Santos aparece, em pé, próximo ao igarapé, fazendo a

mesma pergunta para outro rapaz:

- Como é mesmo o nome deste igarapé?

- Itá, responde o rapaz.

- E as pessoas vêm aqui nos finais de semana, banhar-se e fazer o lazer?,

pergunta o apresentador.

Page 130: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

130

- Vêm, vem muita gente aqui de fora, muitos turistas, mesmo. Aqui é ótimo.

Em seguida, o enquadramento da câmera é mais aberto. Carlos Santos agora

está próximo a uma mesa, perto do igarapé, onde se vê um rapaz e uma jovem em pé e outro

homem sentado na cadeira, mais perto da mesa. Sorridente, o apresentador se dirige à jovem e

pergunta o nome dela:

- Letícia, diz a jovem, vestida com o sutiã do biquíni e shorts, enquanto pega

alguma coisa para comer em um prato, disposto na mesa.

- Você vem sempre aqui?

- Sim, com certeza, responde a jovem, meio tímida.

- E você?, pergunta Carlos Santos ao homem sentado, usando sunga preta e

boné verde.

- Sim. Venho tomar uma cervejinha, relaxar do estresse da semana, comer

alguma coisa. Aproveitando o domingo, né?

A voz em off do locutor diz então: visite Santa Izabel, cidade dos balneários e

igarapés.

Conceição do Itá é um balneário de Vila do Carmo, localizada em Santa Isabel

do Pará, município distante 38 quilômetros de Belém.

O balneário é um lugar simples, de gente do povo. A matéria mostra

exatamente essa realidade. Meninos pulando do tronco de árvores no igarapé, fazendo gesto

de adeus para as câmeras, garrafas de cerveja e pratos com peixe e caranguejo nas mesas,

pessoas vestindo trajes comuns. Não há luxo, aparato ou requinte nesse lugar. Só a realidade

popular do povo paraense.

Por essa razão, a matéria está em consonância com a concepção e estrutura do

programa, pois ela foi pensada como uma estratégia destinada a causar algum efeito no

espectador do programa.

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APÊNDICE C

Programa C

Data da exibição: 06 de março de 2004

Tempo: 60 minutos

Blocos: quatro blocos

Concepção cenográfica

Foto de Carlos Santos no centro do cenário em volta do palco. Fisionomia do

apresentador reflete entusiasmo. Ele está com o sorriso aberto e em sua volta há muitas

estrelas nas cores rosa, azul e amarelo. Durante o programa, flashes de luzes coloridas

iluminam todo o cenário. Em volta do auditório, espelhos grandes refletem a imagem do

apresentador, dos convidados e das dançarinas.

Atrações

Sapolino, o boneco marionete em forma de sapo, mascote do programa, recebe

uma camiseta da banda ‘Tá na Cara’, formada por um casal de cantores e dançarinos, após a

apresentação do grupo. O boneco diz que está feliz com o presente.

Em seguida, Carlos Santos chama uma jovem da platéia que está segurando um

cartaz, feito de cartolina branca, com declarações de carinho para a banda. A jovem dá um

beijo no casal de cantores e diz que é fã do grupo há bastante tempo. Carlos Santos pede

aplausos e depois convida a todos para assistirem a matéria do repórter Sidney Santos sobre

um disco voador que está sendo construído em Curuçá, nordeste do Estado.

Após a exibição da primeira parte da matéria do disco voador, o programa

volta para o estúdio, onde Carlos Santos faz uma brincadeira com a nave espacial de Curuçá

e, em seguida, pede à banda ‘Tá na Cara’ mais uma música.

Depois da banda, entra o intervalo. Na volta do comercial, é a vez da banda

‘Zíngara’, que distribui camisetas para o auditório, enquanto Carlos Santos diz:

Page 132: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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- Alegria, alegria. Carlos Santos está no ar. Quem quer ganhar camisetas da

banda ‘Zíngara’?

Em seguida, é a vez de chamar ao palco o ‘Ceguinho’, líder do Carnaval de

Ananindeua. O rapaz está acompanhado da ‘Garota Carnaval do Ceguinho’, uma jovem de

pele morena clara, cabelos longos pretos, vestindo uma calça e top jeans muito justos.

Carlos Santos elogia a beleza de Leidiane, nome da jovem, e pede uma música

de Carnaval para que ele possa dançar. Enquanto faz uma demonstração, o locutor do

programa diz, com malícia:

- Imagina se ele não fosse ‘Ceguinho’, não é Carlos Santos?, em uma

referência à beleza e exuberância da jovem.

Depois disso, o apresentador anuncia o transformista ‘Lorran’ para uma

dublagem de música internacional. O artista recebe os aplausos da platéia. Ele está vestindo

uma extravagante roupa branca, com um enorme arranjo na cabeça e calçando botas pretas de

cano até o início das coxas e saltos muito altos.

É nesse ponto que as realidades do espectador e de quem é atração no

programa se interligam, pois a para o receptor, o artista popular está próximo do seu

cotidiano. É gente que vive a mesma realidade e passa pelo mesmo tipo de problema que ele,

que gosta do mesmo estilo de diversão, de música e talvez admire os mesmos ídolos.

É assim que essas pessoas se sentem reconhecidas e incluídas ao assistirem um

programa de cunho popular. Por meio da legitimação da forma de suas vidas, esse gênero

televisivo confere certa aura de poder ao seu espectador.

Outros elementos de destaque no programa

A linguagem utilizada por Carlos Santos é coloquial e direta, mas a sua

abordagem em relação aos convidados, ao auditório e ao espectador é cordial e respeitosa. Os

comentários maliciosos saem da boca do boneco Sapolino. A ele cabem as ironias, as

brincadeiras mais pesadas, assim como os gracejos, a exemplo dos pedidos de beijo às artistas

que se apresentam.

Pode-se afirmar que Carlos Santos é o orquestrador do seu programa, como se

espera de um apresentador desse gênero televisivo.

Nos lábios, um sorriso constante, a fim de reafirmar a todo instante a sua

simpatia e afabilidade com o auditório, com os seus convidados e com o telespectador. Os

Page 133: SUCESSO NO RÁDIO E NA TELEVISÃO, O PROGRAMA DE

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gestos são contidos e o tom do texto falado é de relativa intimidade com o espectador, nas

frases curtas, diretas e repetidas muitas vezes ao longo do programa.

O apresentador solicita constantemente a participação do público. Ele divulga o

número do telefone do programa, diz que está esperando a ligação de quem está em casa,

como foi observado no programa do dia 06 de março de 2004:

- Ok, ok. Alegria, alegria. Eu quero ver você aí, participando! Ligue para mim.

Qual é o telefone, Valdo?

Entra a voz em off do locutor Valdo Souza que lembra muito o tom e a maneira

de falar do famoso Lombardi32

, do programa Sílvio Santos. Enquanto o locutor informa os

números dos telefones para participação do telespectador, Carlos Santos permanece em foco,

sorridente.

Em seguida, diz:

- Ligue agora para cinco pessoas que você conhece e diga que Carlos Santos

está no ar.

Na volta do intervalo, Carlos Santos fala, ao som de um rock and roll que toca

em playback. Desta vez, ele imita nitidamente Sílvio Santos:

- Oiaaa, exclama, com ênfase na letra ‘a’. Alegria, alegria. Você está com

Carlos Santos. Ligue, ligue para cinco pessoas que você conhece e diga que Carlos Santos

está no ar.

Enquanto pronuncia estas frases, o apresentador faz uns passos, tentando

acompanhar a música que toca ao fundo.

Faz parte da linguagem televisiva a repetição de palavras, expressões e

comportamento dos comunicadores. A redundância e a repetição estão relacionadas ao

universo televisivo e a sua atmosfera de familiaridade com o telespectador.

32

Lombardi começou sua carreira na TV Globo, na década de 1960. No entanto, ele ficou famoso depois de

trabalhar com Sílvio Santos. Foi locutor oficial do programa Sílvio Santos por 40 anos. Lombardi evitava ser

fotografado para manter o mistério em torno de sua voz forte e marcante. O locutor morreu no dia 02 de

dezembro de 2009, em sua casa, em Santo André, na Grande São Paulo, aos 69 anos, vítima de um infarto.

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APÊNDICE D

Programa D

Data de exibição: 10 de janeiro de 2009

Tempo: 1 hora e 12 minutos

Blocos: cinco blocos, com uma média de quinze minutos cada bloco.

Concepção cenográfica

A composição de cena é mais ordenada e impessoal, comparada aos demais

programas analisados. O ambiente está mais atraente em termos de disposição e cores do

cenário e efeitos da iluminação. A cena mostra o apresentador como um paraense apaixonado

por sua terra, mas em sintonia com o resto do país. A análise abaixo tem o objetivo de

evidenciar essas observações.

A estrela roxa com matizes azuis sombreada de preto, onde está escrito

Programa Carlos Santos, é o destaque no conjunto de elementos que compõem o cenário

criado especialmente para a gravação do programa. Atrás da estrela roxo-azulada sobressai

um círculo azul anil como se fosse um globo terrestre pontilhado por pequenas estrelas

amarelas.

Este é o ponto principal da estrutura da construção cênica do programa. A

estrela com o nome do programa está localizada bem no centro do cenário, de frente para o

telespectador, no tapume central, entre os dois outros instalados lateralmente. Justamente por

estar no centro, é o enquadramento mais utilizado pelo diretor de imagens durante a exibição

do programa e, consequentemente, a representação plástica mais vista pelo telespectador.

O cenário atrás do palco é revestido com a cor azul claro, entremeada de rasgos

brancos, como se fossem nuvens. Entende-se que a intenção é passar a idéia de um céu bonito

e sereno que transmita a sensação de infinitude e impessoalidade.

Essa concepção de cenário empresta um caráter cosmopolita e incaracterístico

ao programa, pois sob aquele céu pode estar qualquer cidade do país.

Entende-se que tal conceito está presente com o objetivo de colocar Carlos

Santos como um comunicador bem-sucedido, com status para apresentar o seu programa em

qualquer capital brasileira. O apresentador está em todas as cidades e ao mesmo tempo em

nenhuma delas. Situa-se em um lugar fora dos lugares geográficos. Está em um não lugar,

onde não há raízes no chão.

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Mas no tapume do lado direito do telespectador, sob o mesmo céu plácido e

alegre, está a fotografia do Mercado do Ver-o-Peso, o mais tradicional e conhecido espaço

turístico de Belém. Esse é o ponto de identificação com o público paraense.

Símbolo da capital paraense, o Ver-o-Peso é a síntese da diversidade

sociocultural da cidade. Construído no século XVII, em frente à Baía do Guajará, é local de

mistura de aromas, cores, frutas, peixes, carnes, raças e de gente, muita gente. Nada melhor

do que uma foto bem grande desse espaço singular para aflorar o inconsciente ufanista do

paraense, principalmente daquele que vive em Belém.

Esse é o objetivo da reprodução fotográfica do Ver-o-Peso no cenário do

programa. Trazer à tona o afeto pela cidade e relacionar esse sentimento ao programa e ao seu

apresentador. Além disso, é mostrar que Carlos Santos está inserido naquele contexto popular

do mercado. Mostrar que ele não deixou para trás as suas raízes e o seu povo.

Prova disso é que Belém tem outros espaços e prédios importantes do ponto de

vista histórico e arquitetônico, como o Theatro da Paz, conjunto no estilo neoclássico

finalizado em 1874, e o Palácio Lauro Sodré, construído em 1771, atualmente sede do Museu

do Estado do Pará. Mas o Ver-o-Peso é o único que tem cheiro de gente, de ervas da

Amazônia e de comida típica.

No entanto, conforme foi referido, a composição cenográfica também tem o

propósito de construir a imagem de Carlos Santos como um homem do mundo, exitoso nos

negócios, um comunicador sem fronteiras que fala para todas as cidades do país.

Desse modo, do lado esquerdo do vídeo, pode-se ver a foto do Cristo Redentor,

imagem-símbolo do Rio de Janeiro, conhecida como a cidade maravilhosa, metáfora do Brasil

grandioso em sua natureza exuberante e de terra boa que abriga um povo simpático, generoso

e acolhedor.

Mais à esquerda, após a foto do Cristo Redentor, está montada a toca estilizada,

de tecido e madeira, feita em um tronco falso de uma árvore, onde está o boneco em forma de

sapo, Sapolino.

Atrações

Os convidados são cantores e bandas populares de diferentes cidades do país e

as dançarinas usam trajes bem cuidados, mas sem extravagância. No auditório, somente

jovens bonitas de cabelos longos, usando blusas brancas de malha e calça jeans.

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Abaixo, destaca-se um trecho do programa, a fim de enfatizar a estética de gosto

popular e o texto verbal.

- ‘Atenção Brasil para o toque de cinco segundos’, diz o locutor, enquanto os

números de um a cinco vão aparecendo no vídeo, em ordem decrescente, contornados por

estrelas azuis e roxas, como a vinheta do programa.

Corte para o estúdio, onde aparece o auditório, e ao fundo ouve-se novamente a

voz do locutor:

- Sucesso no norte e nordeste, agora para todo o Brasil: Programa Carlos

Santos!

O apresentador aparece, dizendo:

- Ok, ok, estamos chegando para mais um Programa Carlos Santos.

Aplausos do auditório.

- Obrigado, obrigado. Podem sentar, podem sentar. Obrigado também às

dançarinas e ao Sapolino. Quem quiser participar do programa é só ligar ou mandar um e-

mail, informa o apresentador, enquanto aparecem no vídeo os endereços para a participação

do público.

- Alô galera que está aqui no estúdio (gritos do auditório), daqui a pouco vou

dar dinheiro para vocês. Quem quer ganhar dinheiro? (auditório se levante e responde

afirmativamente). E você que está aí em casa pode ganhar também. Não é mesmo, Sapolino?

O sapo-boneco responde que sim, diz o número do telefone para o

telespectador participar, (91) 4005-4433, e informa que será divulgado o nome do ganhador,

no final do programa.

- E agora a nossa primeira atração internacional: Lowalva Braz, anuncia Carlos

Santos.

A artista entra no palco e já começa a cantar. No meio da apresentação, os

caracteres mostram no vídeo o nome da cantora e o número do telefone para contratá-la para

shows. Em seguida, aparece o número do telefone para a participação do telespectador,

seguido da frase: ganhe dinheiro.

No final da apresentação de Lowalva Braz, sob os aplausos da platéia, Carlos

Santos entra no palco, dança com a cantora e diz que ela já fez shows em várias cidades do

mundo. A cantora agradece a oportunidade de estar no programa, sai do palco e Carlos Santos

chama a próxima atração, uma banda de tecnobrega.

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Após a apresentação da banda, Carlos Santos chama o intervalo.

Após os comerciais, volta para o estúdio, onde Carlos Santos incentiva o

telespectador a ligar para o programa e participar do sorteio. Em seguida, ele apresenta a

banda de rock, ‘Cará com Alho’, do Rio de Janeiro. Depois, Carlos Santos anuncia a última

atração, o cantor de música romântica, José Roberto, de 41 anos de carreira. Nesse momento,

o apresentador agradece a presença do cantor, se despede do espectador e da platéia.

Enquanto José Roberto canta uma música desbragadamente romântica, os

caracteres anunciam no vídeo o nome do ganhador do prêmio em dinheiro e o valor a ser

recebido: módicos R$ 100. É o povo na TV!

Outros elementos de destaque no programa

O merchandising recebeu tratamento especial e ganhou um espaço no

Programa. As maneiras de fazer marketing de produtos no programa são variadas. Ocorrem

sob a forma da apresentação dos nomes dos patrocinadores, nos momentos em que eles são

anunciados pelo locutor, logo após a apresentação da vinheta de abertura, na volta do

intervalo. O locutor diz os nomes das empresas, enquanto são exibidas imagens da fachada

desses empreendimentos ou de suas logomarcas.

O chamado marketing testemunhal também é explorado no programa. Há

momentos, por exemplo, em que o apresentador diz que esteve em uma determinada agência

do Banpará, um dos patrocinadores do programa, e foi muito bem atendido pelo gerente.

Na volta do primeiro intervalo, corte direto para Carlos Santos. Ele está ao lado

de um homem magro e alto, bem-apessoado, vestindo um terno escuro, cabelos pretos lisos,

penteados para trás. Os dois estão na parte do cenário em que aparece a foto em tamanho

grande do Mercado Ver-o-Peso. Na frente deles, está uma máquina colocada em cima de uma

mesa pequena coberta com uma toalha.

- Que sucesso, hein, Fernando? diz Carlos Santos para o homem que está ao

seu lado.

O interlocutor responde, mostrando a MaqJet, máquina recarregadora de

cartuchos de tinta para impressora, e relatando as qualidades e vantagens do produto.

Em outro momento do programa, Fernando aparece novamente ao lado de

Carlos Santos. Eles estão no mesmo lugar do cenário, ou seja, em frente à foto do Ver-o-Peso.

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Dessa vez, eles estão vendendo um aparelho para exercícios físicos que

movimenta ao mesmo tempo pernas e braços. Uma das dançarinas é quem faz a demonstração

do aparelho, sob os olhares atentos de Carlos Santos e Fernando e os comentários de ambos

sobre os benefícios que o equipamento pode trazer para a saúde do telespectador, um

potencial comprador do produto.

Mas no programa Carlos Santos, também se vende máquina para fazer adesivos

usados em camisetas e aparelho que ajuda a controlar a quantidade da água utilizada em casa.