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Suetônio - Os Doze Césares

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  • ROMA GALANTE

    COMPOSTO E IMPRESSO NA IMPRENSA

    * * DE MANUEL LUCAS TORRES * *

    R. DIRIO DE NOTICIAS, 87 A 93, LISBOA

  • SUETONIUSSECRETARIO DO IMPERADOR ADRIANO

    ALNTQhronica escandalosa a corte dos doze Cezarcs

    Tra. oe GUILHERME RODRIGUES

    ^Ng-

    JOO ROMANO TORRES & G. a - EditoresRua Alexandre Herculano, 70 a 76

    LISBOA

  • /PH

  • notcia sobre Sutonius

    ii n 1 1 1 H 1 1 1 1 1 1 1 1

    Sabe-se muito pouco crca a via e Sutonius,

    Nasceu em Roma, no primeiro sculo o Christianismo, pelosanos 65.

    Era filho 'um solao.Exercia a profiso e avogao, e ava tambm lies e gramma-

    tica e e rhetorica.

    Ligou-se por intima amizae a Plnio o Moo. N'uma carta queeste escreveu a Trajano, para conceer ao seu amigo o jus trium li-

    berorum, isto , os privilgios conceios aos ciaos pes e trsfilhos, encontramos esta passagem :

    Sutonius, o mais integro, o mais honroso, o mais sbio os nos-sos Romanos, partilha ese muito fempo a minha casa ; agraam-me os seus costumes, a sua eruio : e quanto mais o vejo e perto,mais lhe sou affeioao.>

    Homem e gosto, espirito muito cultivao, Sutonius tornou-se se-cretario o imperaor Ariano ; mas foi bruscamente espeio opalcio, por se ter portao com emasiaa familiariae a respeitoa imperatriz Sabina.Sem esta esgraa, Sutonius talvez no tivesse nunca escripto a

    Vida dos do^es Csares, que immortalisou o seu nome.Passano via privaa e aos escanos a solio, occupou-se, a

    compor esta obra, que um quaro fiel e muito vivo a Roma imperial.Sutonius puera obter apontamentos numerosos sobre a via pri-

    vaa cs imperaores, sobre a conucta e os costumes pessoaesos prncipes que se haviam succeio no throno e Csar.

  • 9 ROMA GALANTE

    Estes apontamentos, tratou e os pr em obra ; sob a sua penna,as noticias e occasio, os contos e correores e e ante-camaras,se tornaram nas mais interessantes memorias que temos sobre Ro-ma, urante este perioo e crimes e e virtues.

    Sutonius escreveu a historia intima os Csares;e como uma

    testemunha que fala, ifficil contestar a sua exactio. Conta o quelhe contaram, e escreve o que viu. No animao e nenhuma

    paixo ; o bem e o mal, julga-os com a mesma impassibiliae. E' maisum anecotista que um historiaor. O seu estvlo tem raras qualia-es ; , ccmtuo, menos vivo e menos conciso que o e Tcito.

    Sutonius, isse Laharpe, no seu Estudo sobre os historiadores la-

    tinos, no comtuo um autor sem mrito. No approva tuo queescreveu

    ; queria vr menos inutiliaes e etalhes minuciosos. Mas,em geral, se no um escriptor eloquente, pelo menos um historia-

    or curioso; exacto at ao escrpulo e rigorosamente methoico.

    No omitte naa o que respeita ao homem, e quem escreve a via,e julga-se obrigao a ccntar no s tuo que fez, mas tuo que setem Oito 'elle !

    Riem-se a atteno com que se estimula nas mais pequenascousas, mas no se zangam e as encontrar.Se abuna em etalhes, forte nas reflexes; conta sem emba-

    raos, sem parecer tomar interesse em naa, sem ar nenhum tes-temunho e approvao ou e censura, e enternecimento ou e in-

    ignao ; o seu fim nico o o narraor.Resulta 'esta inifferena um prejuiso muito bem unao a fa-

    vor a sua imparcialiae ; no ama nem oeia os homens e quemfala

    ;eixa aos leitores o julgal-os. Cita muitas vezes os ouvi di^cr,

    mas sem os garantir ; basta ler ez paginas e Sutonius para se vrque no e nenhum partio, e que escreve sem paixo. >

    O seu livro poeria intitular-se : Chronica escandalosa da cortedos do^e Csares ; porque , na verae, a via galante, as orgiasos imperaores, que elle sobretuo se empenhou em nos escre-ver.

  • II II I II 1 1 1 1 1 1 II II 1 1 III III II II I III

    Jlio Csar(100 a 44 annos anles e Christo)

    Jlio Csar contava apenas 16 annos de edade, quando per-deu seu pae, e aos 17 foi nomeado sacerdote de Jpiter. *

    Cossutia, descendente de cavalleiros muito ricos, assim quesaiu da infncia, lhe foi destinada para noiva, mas Jlio C-sar a repudiou, para casar com Cornlia, filha de Cinna, quehavia sido quatro vezes cnsul, e d'este matrimonio houve umamenina que se chamou Jlia.

    Csar resistiu abertamente a Sylla, ento dictador, que in-tentava forai- o a separar-se de sua mulher por um divorcio,e que, no podendo conseguir o seu intento, o privou do sa-cerdcio, dos bens da mulher e de algumas heranas de fam-lia, e o encarou desde logo como absolutamente votado aopartido do povo.

    Csar viu-se obrigado a no apparecer mais em publico, e,apezar de doente, a mudar todas as noites de domicilio ; noescapou mesmo, seno fora de dinheiro, quelles que o per-seguiam. Foi preciso que as vestaes, Aurlio Coita e Mamerco/Emlio, seus parentes e seus alliados, se reunissem para lheobterem o perdo.

    Passa por certo que Sylla resistiu por muito tempo aos pe-didos dos seus melhores amigos e dos homens mais distinctos

    1 Nasceu em Roma no mez e Julho oo anno 100 antes e Christo.

  • 8 ROMA GALANTE

    do Estado, e que, vencido pela tenacidade das suas instancias,exclamou, fosse prophecia ou penetrao: Vs o quereis,consinto ; mas sabei que este homem, de quem me pedis avida com tanto interesse, ser o inimigo mais fatal do partidoque vs tendes defendido comigo : ha em Csar mais que umMrio.

    Jlio Csar fez as suas primeiras armas na sia, s ordensdo pretor Thermo, e foi alojado na mesma tenda. Enviado porele a Bithynia para mandar vir navios, demorou-se algumtempo em casa do rei Nicodemo, no se livrando da fama deter tido com este prncipe contratos de prostituio; e serviupara confirmar este boato, o voltar alguns dias depois a Bithy-nia, com o pretexto de pagar o dinheiro devido a um liberto,seu cliente. Adquiriu depois mais vantajosa reputao, e tevea honra d'uma coroa civica na tomada de Mithylene.

    Serviu algum tempo em Cilicia sob as ordens de ServilioIsaurico; mas, ao saber da morte de Sylla, apressou- se a vol-tar para Roma, por lhe darem esperanas de novos tumultosexcitados por Lpido. Comtudo, recusou- se a acceitar algu-mas vantagens que lhe promettiam, e no quiz ligar-se a umhomem de quem conhecia o gnio fraco, nem comprometter-se n'uma empresa, que lhe no parecia feliz.

    Acalmados os tumultos accusou de fraude Dolabella, homemconsular e illustrado por um triumpho. O accusado foi absol-vido, e Csar resolveu retirar-se a Rhodes, no s para fu-gir aos inimigos que attrahira, como para se entregar nalgunsmomentos tranquillos ao estudo da eloquncia e s lies deMolon, celebre rhetorico. N'este trajecto, emprehendido noinverno, foi aprisionado pelos piratas,

    *

    perto d'uma ilha cha-mada Pharmacusa, e viu-se com indignao retido por ellesmais d'um mez, tendo ao seu lado apenas um medico e doiscreados de quarto, pois mandara immediatamente todo o seusquito a buscar o dinheiro preciso para o resgate.

    Pagou 50 talentos, e apenas se viu livre do captiveiro, foiem busca de navios a um porto prximo, perseguiu os pira-tas, e no descanou emquanto os no prendeu e mandou en-

    1 Anno 76 antes e Christo.

  • ROMA GALANTE 9

    forcar; j por vezes, em ar de gracejo, os havia ameaado.Mithridate devastava ento os paizes visinhos do imprio.

    Csar, para no parecer insensvel aos perigos dos alliadosde Roma, passou de Rhodes sia, levantou tropas, e tendoexpulso um tenente de Mithridate, conteve em respeito povoshesitantes e incertos.

    Voltando a Roma,*

    a primeira dignidade que obteve pelossuffragios do povo, foi a de tribuno dos soldados, e d'estecargo se serviu para ajudar com toda a sua influencia os quequeriam estabelecer a potencia tribunicia em todos os seusdireitos, que Sylla havia cerceado muito. Fez valer a lei Plo-tia, para chamar de novo a Roma, Lcio Cinna, seu cunhado,e os outros partidrios de Lpido, que, depois da sua morte,se haviam retirado para junto de Sertrio; pronunciou mesmouma arenga sobre este assumpto.

    Sendo questor, encarregou-se da orao fnebre de sua tiaJlia e de Cornlia, sua mulher, fallecidas recentemente. Noelogio de sua tia exaltou muito a sua origem commum, quedizia descender, d'um lado, dum dos primeiros reis de Roma,Anco Mareio, e do outro, da deusa Vnus. Portanto, affir-mava elle, encontra- se na minha famlia a santidade dos reis,que so os senhores dos homens, e a majestade dos deuses,que so os senhores dos reis.

    Depois da morte de Cornlia desposou Pompeia, filha deQ. Pompeu e sobrinha de Sylla, de quem se separou poucodepois, por suspeita de adultrio com Clodio, que aceusavamto publicamente de ter sido introduzido em casa d'ella ves-tido de mulher, com auxilio duma festa, que o senado orde-nou uma inquirio de sacrilgio.Sendo questor, Csar teve o departamento da Hespanha ul-

    terior, e, encarregado pelo pretor de ir assistir s assembleiasdos negociantes romanos estabelecidos n'esta provncia, che-gou at Cadiz. Foi ali que, tendo descoberto n'um templo deHercules a estatua de Alexandre, chorou, segundo se diz, cen-surando-se, muito envergonhado, por no ter feito ainda nada

    1 Anno 74 antes e Christo.

  • 10 ROMA GALANTE

    memorvel n'uma edade em que o heroe da Macednia ha-via j subjugado uma parte do universo.

    Pediu logo licena para vir a Roma, esperar occasio de seengrandecer, e os momentos afortunados. Os adivinhos ali-mentaram-lhe tambm esperanas, interpretando um sonhoque tivera. Csar havia sonhado que violara sua me, e osadivinhos lhe prometteram o imprio do mundo, dizendo queesta me que vira submissa, era a terra, nossa me commum.

    Saiu, portanto, de Hespanha antes do tempo marcado e,encontrou as colnias latinas occupadas em intrigar a burgue-zia romana. Tel-as-ia agitado, se, para demorar os seus em-prehendimentos, os cnsules no tivessem demorado algumtempo ao p de Roma as legies destinadas para a Cili-cia.

    Comtudo, j meditava maiores projectos, se verdade comose suppe, que poucos dias antes de ser edil, se tivesse unidoa M. Crasso, personagem consular, com Publio Sylla e L. An-tronio, ambos convencidos de intriga e privados do consulado,que lhes fora concedido, e que todos juntos tivessem conspi-rado, querendo atacar o senado mo armada, no comeodo anno, degolar uma parte, e dar a dictadura a Crasso, queteria tido Csar por commandante da cavallaria, e depois dese tornarem assim senhores do governo, restabelecer P. Syllae L. Antronio no consulado que lhes haviam tirado.

    Tanusio Gemino, na sua historia ; M. Bibulo, nos seus edis.e C. Curion, pae, nas suas arengas, falam d'esta conjurao,Cicero, n'uma carta a Axio, parece tambm fazer d'ella men-o, quando diz, que o consulado de Csar tinha estabelecidoa tyrannia preparada durante a sua edilidade Tanusio ajuntaque Crasso, ou por medo, ou por arrependimento, no appa-recera no dia marcado para a execuo, e que por esse mo-tivo Csar no deu o signal convencionado, que era ao quese refere Curion, deixar cair a toga dos hombros.O mesmo Curion* apoiado no testemunho de Actorio Naso,

    lhe imputa ainda uma outra conspirao com o joven Piso,e pretende que foi para a prevenir, que se deu a este rapaz,por commisso extraordinria, o departamento de Hespanha ;no obstante, Piso concordou em sublevar os povos de almdo Po e os das margens do Lambre, emquanto que Csar pro-

  • ROMA GALANTE 11

    cederia em Roma, e que a morte de Piso fez abortar todasestas conspiraes.

    Durante a sua edilidade, no somente teve o cuidado defazer decorar as praas publicas e os templos, mas tambmmandou erigir, em torno do Capitlio, prticos destinados aostentar aos olhos do povo offertas de toda a espcie; deujogos e combates de animaes, primeiro juntamente com o seucollega, e depois em seu prprio nome, o que fez, que o fa-vor lhe coubesse todo inteiro para despezas que elle tinha

    apenas partilhado.Tambm Bibulo dizia que, assim como o templo de Castor

    e de Pollux era chamado templo de Castor, a magnificnciade Csar e de Bibulo, se chamava a magnificncia de C-sar.

    A estas prodigalidades juntou um espectculo de gladiado-res, porm menos importante, do que desejara. Tinha mandadovir de Roma um to grande numero, que os seus inimigostiveram suspeitas, e fizeram restringir, por uma lei expressa onumero dos gladiadores que podiam entrar na cidade.

    Apoiado com o valimento do povo, tentou empregar a in-fluencia dos tribunos para alcanar por um plebiscito o go-verno do Egypto. Este pedido d'um commando extraordinrioera fundado em que os habitantes d'Alexandria tinham expulsoo seu rei amigo e alliado do povo romano, violncia repro-vada pela maior parte em Roma. A faco dos grandes fezmallograr as pretenses de Csar, que, de seu lado, para en-fraquecer a sua autoridade, restaurou os tropheus erigidos aMrio dos despojos de Jugurtha, dos Teutes e dos Cimbros,tropheos que Sylla havia destrudo. Ainda mais os humilhouquando sendo juiz das pesquizas contra os sicrios ou assas-sinos, incluiu n'esta classe, sem nenhum respeito pelas leisd'este mesmo Sylla, os que tinham recebido dinheiro do the-souro publico por ter trazido ao dictador as cabeas dos cida-dos proscriptos.

    Foi tambm ell que fez accusar de crime capital C. Ra-birio que, alguns annos antes, havia contribudo mais queningum, para reprimir os furores sediciosos do tribuno Sa-urnino. Nomeado sorte para ser um dos juizes do accu-sado, o condemnou com tanta vehemencia, que Rabirio, tendo

  • 12 ROMA GALANTE

    appellado para o povo, no teve melhor defeza que a violn-cia do seu juiz.

    Perdendo as esperanas do governo que tinha pedido, in-trigou o logar do grande pontfice, e espalhou dinheiro comtanta profuso, que elle prprio assustado com as suas despe-zas e as suas dividas, disse a sua me, abraando-a no dia daeleio, que no o tornaria a vr seno pontfice.

    4 Tambmalcanou tanta vantagem sobre dois concorrentes que lhe eram

    superiores pela edade e pela dignidade, que teve mais suffra-gios s nas suas tribus, que elles tiveram em todas as outrasr Snidas.

    Era pretor quando foi descoberta a conjurao de Catilina,e a morte dos criminosos fora resolvida no senado por una-nimidade; s elle foi de opinio, de que fossem detidos sepa-radamente nas cidades municipaes e que os seus bens fossemconfiscados. Fez vr aos que tinham sido d'uma opinio maissevera, as consequncias que podia ter um dia este procedi-mento, que devia tornai- os odiosos ao povo romano, e intimi-dou-os de tal maneira que Silano, cnsul apontado, no po-dendo sem desdouro desdizer-se absolutamente da opinio quefrancamente apresentara, tomou o partido de lhe dar uma in-terpretao mais suave, queixando-se de que lhe tivessem dadouma interpretao demasiado cruel.

    Finalmente, Csar, que tinha trazido comsigo o maior nu-mero, e at um irmo de Cicero, ia aggredil-o, se a arengade Cato no contivesse o senado receoso. Csar, comtudo,no perdeu a coragem, e insistiu de tal forma na sua opinio,que os cavalleiros romanos que estavam de guarda, voltarampara elle as ponta das espadas. Os senadores mais prximosafastaram- se, e outros o encobriram com as suas togas; en-to Csar viu-se obrigado a ceder, e no appareceu mais nosenado no resto do anno.Ao deixar a pretoria, coube-lhe por sorte o governo de

    Hespanha ; sendo, porm, retido pelos credores, no pde par-tir seno depois de pr em ordem as suas caues. Apressoua partida sem esperar que, segundo o costume, tudo fosse re-

    1 Anno 63 antes e Christo.

  • ROMA GALANTE 13

    guiado no senado crca do seu departamento, ou porque re-ceasse de ser citado judicialmente ao terminar o cargo, ouporque julgasse no ter um momento a perder para dar aosalliados do imprio o auxilio que pediam contra as pilhagensde alguns reis visinhos.

    Pacificada a Hespanha, no foi menos prompto a voltar aRoma, mesmo sem esperar que lhe dessem um successor.

    Sollicitava ao mesmo tempo o consulado e o triumpho, masteve de renunciar ao triumpho, porque precisava entrar nacidade como simples particular, para se apresentar entre os

    aspirantes ao consulado. Quiz ser exceptuado da lei, mas en-controu demasiada opposio.

    Entrando na posse do seu cargo estabeleceu em primeirologar, que se fizesse um jornal de todas as actas do senado edo povo, e que esie jornal se tornasse publico. Fez reviver oantigo uso de se dar ao cnsul, no mez em que o seu collegativesse as fasces * um meirinho a marchar na sua frente e li-ctores que o seguissem.

    Publicou leis novas crca da partilha das terras, e no po-dendo vencer a resistncia do seu collega, expulsou-o da praapublica mo armada.No dia seguinte, Bibulo foi queixar-se ao senado; mas, na

    consternao geral, no se atrevendo ningum a tomar reso-lues vigorosas, que por vezes j haviam sido tomadas pormenores perigos, o cnsul, desesperado, retirou -se para suacasa, no fazendo outra cousa em todo o tempo do seu con-sulado, do que affirmar a sua opposio a todos os actos deCsar.Desde ento, Csar governou a republica com uma auto-

    ridade to absoluta que vrios cidados datavam, por gracejo,de consulado de Jlio e de Csar, separando assim o nome eo sobrenome. Encontram-se tambm em versos d'essa poca :que ningum se pde recordar de se ter dado algum suc-cesso no consulado de Bibulo.

    1 Fasces, feixe e varas com uma segure ou machaa no meio, queserviam e insignia aos lictores e carrascos que caminhavam aeanteos primeiros magistraos.

  • 14 ROMA GALANTE

    A plancie estreitada, consagrada aos deuses pelos nossosantepassados, e os campos da Campania, cujos rendimentoseram applicados s urgncias do Estado, foram distribudos,por ordem de Csar, sem se tirar sorte, a 20:000 cidadosda classe d'aquelles que tinham, pelo menos, trs filhos. Fezuma remessa dum tero aos recebedores dos dinheiros pbli-cos, recommendando-lhes que desde ento no elevassem de-masiado os lances das herdades do Estado.

    Continuou a mostrar-se assim liberal nas despezas da repu-blica, e nada recusava a ningum. Tudo subjugava, de bomgrado ou fora, sua vontade. Cato foi o nico quese atreveu a oppr-se uma vez; Csar o mandou arrastarpelos seus lictores para fora do senado e leval-o para a pri-so.

    Lucullo, depois de o ter arrostado alguns momentos, ficouto aturdido com as suas ameaas, que lhe pediu perdo dejoelhos. Cicero, no discurso em defeza d'uma causa, se alar-gou em queixas pela situao deplorvel a que se estava re-duzido. Csar vingou-se no mesmo dia; conseguiu, em pou-cas horas, que se recebesse no numero dos plebeus o patr-cio Clodio, inimigo declarado de Cicero. Finalmente, queren-do arrastar ultima extremidade todos os inimigos, subornoucontra elles, por dinheiro, um certo Vettio que declarou tersido instado vivamente para assassinar Pompeu e Csar, obri-gando-se a declarar publicamente os autores d'esta conspira-o ; tendo sido, porm, varias pessoas accusadas sem provas,comeou-se a suspeitar da mentira artificiosa, quando a mortede Vettio, envenenado por Csar, segundo constou, salvou esteultimo das consequncias d'uma astcia to imprudente, deque elle j perdera a esperana de se desembaraar.

    Foi por este tempo que Csar desposou Calpurnia, filha dePiso, indicado seu successor no consulado, e que deu emcasamento a Pompeu sua filha Jlia, j promettida anterior-mente a Servilio Cepio, um dos que tinham mais contribudopara derrotar o consulado de Bibulo.

    Depois da sua nova alliana com Pompeu, consultava sem-pre primeiro a sua opinio, quando ia aos votos no senado,apezar de, segundo o uso, no poder tirar a Crasso esta honraque lhe fora concedida antecedentemente, porque a ordme

  • ROMA GALANTE 15

    dos suffragios, uma vez estabelecida para os cnsules, deviaser sempre a mesma durante o anno.

    Assim, apoiado na influencia do seu genro e do seu sogro,entre todas as provncias que podia escolher, preferiu as Gal-lias que, entre outras vantagens, abriam sua ambio umvasto campo de triumphos.Em primeiro logar, obteve a Gallia cisalpina com a Illvria,

    pela lei do tribuno Vatinio ; e em seguida a Gallia transalpinaou cabelluda,

    lpor um decreto do senado, que, na certeza

    de que o povo a daria, antes quiz que Csar a recebesse dasua mo. Diz-se que, no transporte da sua alegria, elle se ga-bou, na presena dos senadores, de ter emfim attingido o cu-mulo dos seus desejos, apezar do dio dos inimigos, reduzi-dos d'ora em deante a lastimarem-se: tendo at o arrojo dedizer, que marcharia por cima das cabeas dos seus concida-dos, e como lhe respondessem : que seria isso difficil a umamulher,> contentou-se em replicar a esta injuria, que Semira-mis tinha reinado na Assyria, e as Amazonas n'uma grandeparte da sia.

    Aproveitava avidamente toda a occasio da guerra, mesmoinjusta ou perigosa. Atacava egualmente os povos alliados eas naes inimigas e selvagens, de forma que muitas vezes fez

    questo no senado de mandar commissarios s Gallias paradarem conta da situao dos negcios, e que alguns senado-res opinavam entregal-o aos inimigos. Mas os seus successosforam to importantes, que obteve a celebrao em Roma dedias de festa mais frequentes e em maior numero do que dan-tes.

    Eis em poucas palavras o que Csar fez durante os noveannos do seu governo. Reduziu a provncia romana todo oterritrio que se estende entre o Rhodano e o Rheno, desdeos Alpes, os Pyreneus e as Cevenas, isto , pouco mais oumenos 200 lguas de terreno, sem se comprehenderem as ci-dades alhadas e amigas da republica. Impz-lhes um tributoannual de 40 milhes de sesterceos. Como o primeiro de

    1 Cabellua, assim chamada por causa os longos cabellos que dis-tinguiam os seus habitantes.

  • 16 ROMA GALANTE

    todos os romanos, passou o Rheno por cima d'uma ponte quemandara construir, atacou os Germanos que habitam almd'este rio, e alcanou sobre elles grandes vantagens. Penetrouat entre os Bretes, que nos eram ainda desconhecidos: ven-ceu-os e recebeu contribuies e refns.No meio de tantas prosperidades apenas soffreu trs reve-

    zes: um na Gran-Bretanha, em que a sua esquadra foi quasidestruda pela tempestade; outro na Gallia, onde uma dassuas legies ficou destroada perto de Clermont, e o ultimonas fronteiras da Allemanha, onde os seus tenentes Titurio eArauculeio morreram numa embuscada.

    Foi no decorrer d'esta expedio das Galliasque Csar per-deu, primeiramente sua me, em seguida sua filha, e poucodepois sua sobrinha. Comtudo, o assassnio de Clodio causaraperturbao em Roma, e o senado era de opinio de nomearsomente um cnsul, e escolher Pompeu. Os tribunos do povoqueriam dar-lhe Csar para collega; mas no querendo vol-tar antes de terminar a guerra, elle os induziu a obterem-lhedo povo a permisso de pedir um segundo consulado, quandoo seu governo nas Galhas estivesse prestes a findar. Obteveesta permisso, e desde este momento, cheio das maiores es-peranas, a nada se poupou para conseguir partidrios forade liberalidades publicas e particulares.Comeou por construir um mercado do dinheiro tomado

    aos inimigos; s o terreno foi comprado por 100 milhes desesterceos. Annunciou espectculos e festins para o povo; emmemoria de sua filha, o que era sem exemplo; e para tornaros preparativos do festim mais imponentes, no se limitou saos empreiteiros escolhidos para esse fim ; os seus escravosali foram empregados. Fazia arrebatar fora os gladiadoresmais famosos no momento em que os espectadores iam pro-nunciar a sua sentena de morte, e fazia exercitar os apren-dizes, no por mestres de esgrima, mas por cavalleiros roma-nos, e at por senadores, que conjurava por suas cartas, quens temos ainda, de se encarregar de instruir a cada um emparticular, e de lhes dar lies elles prprios e fazel-os ma-nobrar na sua presena. Dobrou para sempre o pagamentodas legies. Distribuiu trigo, nos annos de abundncia, semmedida e sem limites; chegou at a dar a cada soldado es-

  • ROMA GALANTE 17

    cravos apanhados entre os prisioneiros, e pedaos de terre-nos.

    Para se ligar a Pompeu para sempre, offereceu-lhe Octa-via, sobrinha de sua irm, que estava casada com C. Marcello,com a condio de que Pompeu lhe daria sua filha, destinadaa Fausto Sylla. Todos que se lhe aproximavam, at mem-bros do senado, eram seus devedores, sem que elle lhes exi-

    gisse nenhum interesse, ou pelo menos um interesse muitomdico.

    Encheu de presentes todos os cidados, fossem de que or-dem fossem, que se lhe rendiam, ou por sua expontnea von-tade ou cedendo aos seus convites; e a sua liberalidade es-tendia-se at aos escravos e aos libertos, segundo a influen-cia que tinham no animo dos seus senhores. Os accusados,os homens perdidos de dividas, a mocidade desordenada, sn'elle encontravam um seguro refugio, comtanto que as accu-

    saes no fossem demasiado urgentes, ou as suas necessida-des demasiado grandes; ento dizia-lhes bem alto, que s umaguerra civil os poderia livrar de embaraos.No empregava menos diligencia em attrahir os reis e as

    provncias. Aos reis offerecia a entrega de milhares de capti-vos sem resgate, e s provncias fornecia soccorros onde qui-zessem e quando quizessem, sem consultar o senado nem opovo. Adornava de bellos monumentos pblicos, no s asGallias, a Itlia e a Hespanha, mas at as mais poderosas ci-dades da Grcia e da sia.

    Finalmente, todos comeavam a olhal-o com terror, pensandoqual seria o fim de tantos emprehendimentos, quando MarcoClodio Marcello, cnsul, tendo primeiro annunciado por umedito que se tratava da salvao da republica, opinou no se-nado, que se desse um successor a Csar antes do termo mar-cado, porque a guerra estava acabada e a Gallia pacificada,e que o exercito victorioso devia ser licenceado, ajuntando quena prxima eleio dos cnsules, se no devia mencionar C-sar, pois que Pompeu no tinha derrogado por um plebiscito lei que apresentara, a qual exclua os ausentes do numerodos candidatos.Na verdade, Pompeu no fizera exceptuar Csar d'esta lei

    geral por um auto autentico ; a excepo no tinha sido feita2

  • 18 ROMA GALANTE

    seno quando a lei j estava gravada e consignada nos archi-vos. Marcello, no contente de tirar a Csar o governo e oprivilegio, ainda mandou riscar do numero dos cidados oshabitantes d'uma colnia que Csar fundara nas Gallias, alle-gando como razo, que o direito do burguezia romana lhesfora dado contra as leis e excedia os poderes d'um gene-ral.

    Csar, ferido por tantos golpes, e persuadido, como diziamuitas vezes, que devia ser mais difficil fazel-o descer do pri-meiro para o segundo degrau, do que precipital-o do segundodegrau at ao ultimo, resistiu com toda a sua fora a Mar-cello, e lhe oppz os tribunos do povo e Srvio Sulpicio, se-gundo cnsul.No anno seguinte, no lhe custou seno dinheiro a segu-

    rana do auxilio de Paulo Emilio, um dos cnsules, e de Cu-rion, o mais impetuoso dos tribunos, contra Caio Marcello, quesuccedera a seu primo co-irmo Marco, e que seguia o mesmoplano. Porm, Csar, encontrando uma obstinada resistncia,e vendo que os cnsules designados eram contra elle, tomouo partido de escrever ao senado para o conjurar de o noprivar d'um favor particular do povo romano, ou pelo menos,ordenar que os outros generaes tambm fossem demittidos,como elle, do commando. Lisonjeava-se, ao que se julga, dereunir os seus veteranos quando quizesse, mais facilmente,como Pompeu no reuniria tropas de nova levada. Offereceu faco inimiga reenviar oito legies, de deixar a Galliatransalpina e de guardar duas legies com o paiz quem dosAlpes, ou mesmo a Illyria com uma s legio, at que ellefosse eleito cnsul.Mas o senado no ligou nenhum respeito s suas cartas, e

    seus inimigos lhe responderam que no poriam nunca emvenda a salvao da republica. Ento passou os Alpes, e tendoreunido uma grande assembleia, deteve-se em Ravena, prom-pto a vingar, viva fora, os tribunos do povo que o apoia-riam, se o senado tomasse contra elles algum partido violen-to. Foi este o pretexto da guerra civil; mas pretende-se quetivesse outras causas. Elle no quizera, dando-se credito aPompeu, prejudicar a republica, somente por no se sentir emestado de cumprir com o povo tudo quanto lhe havia promet-

  • ROMA GALANTE 19

    tido, e porque to prodigiosas despezas excediam os seus re-cursos.

    Segundo outros, Csar receou que o obrigassem a prestarcontas de tudo que tinha feito de violento, de illegal e de de-sacato n'este seu primeiro consulado. Cato annunciava, com

    juramento, que o citaria na justia no momento em que ellereenviasse o seu exercito, e dizia-se bem alto, que seria tra-tado como Milon e forado a advogar a sua causa perante osjuizes, cercado de soldados armados. O que torna esta ultima opinio provvel, que Asinio Pol-

    lio diz, que depois da batalha de Pharsalia vendo os seusinimigos destroados ou em derrota, pronunciou estas pala-vras: Elles o quizeram; depois de tantas victorias, Csar ha-veria sido condemnado, se no tivesse implorado o auxilio dosseus soldados.> Finalmente, uns pensam, que estava corrom-

    pido pelo habito do commando e que tendo pesado as forasinimigas e as suas, acreditara que devia no perder a occa-sio de invadir a soberana potencia, nico fim dos seus votosdesde os seus primeiros annos. Parece ser esta a opinio deCicero, que diz, no terceiro livro do Tratado dos deveres,que Csar tinha sempre nos lbios estes dois versos de Euri-pides :

    Respeitar a virtude ; mas quano preciso reinar,O interesse s prevalece, e a eve esenhar.

    Quando Csar soube, que no havia nenhum respeito pelaopposio dos tribunos, e que elles tinham saido de Roma,destacou secretamente algumas cohortes ao seu encontro, eelle mesmo, para no causar a menor suspeita dos seus de-sgnios, assistiu a um espectculo publico, traou o plano d'umasala de esgrima que devia mandar construir para gladiadores,e entregou-se como de costume, alegria d'um numeroso fes-tim. Mas logo depois do pr o sol, mandou atrelar a um carromulas d'uma padaria visinha, e tomou os caminhos mais des-viados levando muito pouco squito. Os fachos que o guiavam,apagaram-se no meio da noite; perdeu-se no caminho, e stornou a encontrar um guia ao amanhecer. Foi obrigado aatravessar a p atalhos estreitos, que o levaram at ao Ru-bicon, onde reuniu as suas cohortes.

  • 20 ROMA GALANTE

    Este rio era o limite do seu commando. Csar parou, e re-flectindo sobre a audcia do emprehendimento : Ainda tem-po, disse elle, podemos retroceder, mas se passamos esta ponte,o ferro decidir tudo.

    Hesitava ; um presentimento o decidiu. Um homem d'alturaathletica e d'uma forma extraordinria, appareceu de sbito beira do rio, tocando numa flauta. Pastores das visinhanas,vigias e aldeos tocadores se juntaram para o ouvirem. Csaragarrou no clarim dum dos aldeos saltou para o rio, e to-cando com toda a fora, chegou margem opposta. Vamos,pois, disse elle, vamos onde nos chama a voz dos deuses e ainjustia dos meus inimigos; a sorte est lanada.

    l

    O seu exercito passou o rio logo em seguida. Csar rece-beu os tribunos do povo, que, expulsos de Roma, se tinhamrefugiado ao seu abrigo. Arengou aos soldados, reclamandoa sua fidelidade e auxilio, a chorar e a despedaar as vestes,julgou-se mesmo que promettera a cada soldado os rendimen-tos e os direitos de cavalleiros; mas o que deu logar a esteequivoco, foi que, no calor do discurso, Csar mostrara muitasvezes o dedo, onde se via o seu annel, protestando que dariatudo, at esse annel, para satisfazer aquelles que o tivessemdefendido ; de sorte que os mais distantes, mais ao alcancede ver do que de ouvir, julgaram dos seus discursos por estegesto que os illudiu, e divulgaram o boato que lhes tinha pro-mettido o annel e os rendimentos de cavalleiros romanos.Resumamos agora em poucas palavras tudo quanto elle fez

    na guerra civil.Senhor de Picentino, da Ombria e da Etruria, tomou dis-

    cripo Domicio, que na primeira consternao, fora nomeadopara o substituir, e estava encerrado em Corfirnio. Correu aBrindes ao longo do mar Adritico; era ali que se haviamrefugiado Pompeu e os cnsules, resolvidos a embarcar. De-pois de ter tentado, tudo inutilmente, para se oppr sua pas-sagem, voltou para Roma, convocou e arengou no senado.Depressa se apoderou das melhores tropas de Pompeu, queestavam em Hespanha s ordens de trs tenentes, Petreio,

    ! Anno 49 antes e Christo.

  • ROMA GALANTE 21

    Afraino e Varro. Csar tinha dito ao partir: Vou combaterum exercito sem general, e voltarei junto cTum general semexercito. Nem Marselha fechando-lhe as suas portas, nem aescacez de viveres pde embaraal-o.

    Subjuga tudo e volta a Roma, passa a Macednia, investePompeu e conserva-o sitiado durante quatro mezes n'um re-cinto immenso de entrincbeiramentos levantados com muitadespeza; emfim, derrota-o completamente nas plancies dePharsalia l

    ; persegue-o na Alexandria. Pompeu j no existia.O prprio Csar, surprehendido na capital cTum rei poderoso,falto de tudo, na mais rude estao do anno e na mais des-vantajosa posio, s escapou a muito custo s insidias d'umprfido inimigo.

    Vencedor, deu o reino do Egypto a Clepatra e ao mais novode seus irmos, receando, se o fizesse uma provncia romana,ella no se tornasse temvel entre as mos d'um governadormal intencionado. Do Egypto passou Syria, e d'ali ao Ponto,onde o chamavam noticias urgentes dos successos de Phar-nace. Este filho de Mithridate, animado pela occasio favor-vel, tinha alcanado algumas vantagens que muito o orgulha-vam

    ;cinco dias de guerra e quatro horas de combate basta-

    ram a Csar para o derrotar. Tambm protestava muitas ve-zes pela felicidade de Pompeu, que devera a sua reputao avictorias sobre to fracos inimigos. Venceu em Africa Scipioe Juba, que reanimavam os fragmentos do seu partido.

    Acabada a guerra, triumphou cinco vezes, das quaes qua-tro em differentes intervallos, mas no mesmo mez, depois daderrota de Scipio, e a ultima depois da dos filhos de Pom-peu. No primeiro dia, triumphou dos Gallos, e foi este semduvida o mais bello dos seus triumphos ; no segundo dia, dosEgypcios ; no terceiro, de Pharnace ; no quarto, de Africa, noultimo, de Hespanha, sempre com um apparato e um espect-culo differentes.N'uma d'estas cerimonias, como passava ao p do monte

    Avantino, foi quasi derrubado do seu carro, cujo eixo se que-brou. Subiu ao Capitlio ao claro dos fachos que traziam em

    1 Batalha que se deu no anno 48 antes oe Christo.

  • 22 ROMA GALANTE

    candelabros 40 elephantes enfileirados direita e esquerda.Quando triumphou de Phamace, lia-se no quadro da sua vi-ctoria estas palavras: Cheguei, vi e venci>,ques exprimiama promptido da sua empresa, em vez de descrever os deta-lhes, amo os victoriosos costumavam fazer. *

    Csar deu aos seus veteranos 24:000 sesterceos por cabea,alm de dois grandes sesterceos que tinham recebido no prin-cipio da guerra. Assignou-lhes tambm terras, mas retalhadase situadas de distancia em distancia, afim de no expoliar ospossuidores. Distribuiu ao povo dez alqueires de trigo porcabea e outro tanto de libras de azeite, alm 300 sesterceosque lhe havia promettido e aos quaes juntou outros 100, a ti-tulo de ordenados j vencidos e ainda no pagos. Tambmlhe mandou aluguer de suas casas em "Roma at importn-cia de 2:000 sesterceos, e na Itlia at de 500. A todas es-tas dadivas ajuntou um festim publico, uma distribuio decarne, e mesmo depois da sua victoria em Hespanha, deudois banquetes successivos : o primeiro, segundo elle affir-mou, no era digno da sua magnificncia; o segundo foi sum-ptuoso at profuso.

    Prodigalisou espectculos de todos os gneros; combatesde gladiadores, representaes theatraes, declamadas em to-das as lnguas, em todos os bairros da cidade, e por cmicosde todos os paizes; jogos do Circo, luctas e uma batalha na-val. Futrio Leptino, filho d'um pretor e Q. Calpeno, que tinhasido senador e advogara causas perante o povo, combateramnum destes espectculos pblicos.Os filhos de vrios prncipes da sia e da Bithynia dana-

    ram a pyrrhica.l Decimo Laberio, cavalleiro romano, apresen-

    tou os seus histries, recebeu de Csar um presente de 500sesterceos e um annel de ouro, e ao sair da scena passou pelaorchestra para ir sentar-se nos bancos dos cavalleiros.

    Csar mandou augmentar o Circo dos dois lados, e esca-var roda um lago circular, que figurava o Euripo. A jovennobreza de Roma fazia rodar carros e voltear cavallos n'este

    1 Anno 47 antes e Christo.1 Dana militar em que os executantes se apresentavam armaos.

  • ROMA GALANTE 23

    recinto, e dividindo -se em dois grupos distinctos pela differenade edade, celebrava os jogos, a que se d o nome de jogostroianos. Cinco dias foram consagrados aos combates dosanimaes, e por fim fez vr ao povo uma espcie de batalhacampal, entre dois pequenos exrcitos, cada um de 500 ho-mens de p, 300 cavallos e 20 elephantes.

    Para lhes dar latitude, haviam -se levantado as barreiras doCirco, e substitudo dois campos postos em frente um do ou-tro, em cada extremidade. Athletas brigaram, durante trsdias num terreno elevado expressamente no limite do Campode Marte. Galeras com duas, trs e quatro fileiras de remos,navios tyrianos e egvpcios, carregados de numerosos soldadoscombatiam no lago. Havia-se reunido de todas as partes umprodigioso concurso de espectadores, que dormiram, na maiorparte, sob tendas armadas nas ruas e nas encruzilhadas, e quemuitos, entre outros dois senadores ficaram suffocados na mul-tido.

    Aos espectculos succederam os cuidados do governo. Cor-rigiu o calendrio, de tal forma corrompido por culpa dos pon-tfices e pelo abuso dos dias intercalados, que as festas dassearas j no chegavam no estio, nem as da vindimas no ou-tono. Csar supprimiu o mez macednio e regulou o anno se-gundo o curso do sol, de sorte que ficou composto de 365dias, tendo um bissexto todos os quatro annos, e para quetudo se encontrasse na ordem das calendas de janeiro do annoseguinte, juntou dois mezes ao anno em que se fizeram estesregulamentos, que collocou entre novembro e dezembro, oqual ficou com quinze mezes, contando-se com o mez da in-terlacao, que se achou ter logar no mesmo tempo.

    Csar formava os maiores projectos para embellezar e poli-ciar a cidade, e para segurana e engrandecimento do imprio.Queria antes de tudo, erigir um templo a Marte, que fosse omais vasto e imponente de mundo, entulhando o lago onde sedera um espectculo naval, e construir um theatro immensojunto do monte Tarpeio. Queria redigir um cdigo desemba-raado d'uma alluvio de leis inteis, o qual s encerrasse leisprecisas expressas com exactido. Queria formar uma bibliothe-ca, grega e latina, a mais numerosa que fosse possvel, e Var-ro seria o encarregado de cuidar dos livros e de os ordenar.

  • 24 ROMA GALANTE

    Queria seccar os charcos, dar uma saida a um lago, cons-truir um caminho desde o mar Adritico at ao Tibre, sobrea vertente do Apenino ; perfurar o isthmo de Corintho, levantarbarreiras contra os Daos que se haviam espalhado em Ponto,e na Thracia

    ;fomentar a guerra entre os Parthas, passando

    pela Armnia, e no os atacar em batalha campal seno de-pois de os ter bem conhecido.A morte o veiu surprehender no meio dos preparativos dos

    seus grandes projectos.Antes, porm, de falar d'esta morte, parece-me vir a pro-

    psito dar uma ideia sucinta da sua figura, do seu aspecto,vesturio, costumes, prazeres, e das suas occupaes civis emilitares.

    Era de elevada estatura, tez branca, gordo, rosto cheio,olhos pretos e vivos, de temperamento robusto, soffrendo ape-nas j no fim da vida desfallecimentos sbitos e um somnoto perturbado, que muitas vezes despertava horrorisado.Teve dois ataques de epilepsia que o surprehenderam numa

    audincia publica. Tinha tanto cuidado em si prprio, trata-va-se com tal apuro, que chegava a molestar-se; censuravam-n'o de mandar arrancar os cabellinhos na cara, depois de tersido barbeado. Soffria impaciente como ser calvo, e principal-mente pelos gracejos que os seus inimigos lhe dirigiam ; tam-bm era seu costume deixar cair-lhe para a testa os poucoscabellos que lhe restavam, e de todos os decretos trazidos emsua honra pelo senado e pelo povo, nenhum lhe foi mais agra-dvel como o que lhe dava o direito de cingir sempre a frontecom uma coroa de louros.O seu vesturio era tambm muito apurado ; a tnica tra-

    zia-a guarnecida de franjas que lhe desciam at s mos. Ocinto era posto sobre o laticlave,

    *

    que sempre trazia muitolargo, o que dava logar a estas palavras proferidas por Sylla,falando aos grandes: Desconfiae d'este homem de cintolargo.

    1 Larga faxa e purpura que, entre os romanos, ornava a tnica oscnsules e os patrcios. Esta palavra designava tambm essa mesmatnica.

  • ROMA GALANTE 25

    Primeiramente, Csar habitava no bairro chamado Subura,muito parcamente; mas quando se fez grande pontfice, foimorar na rua Sagrada custa da republica. Dizia-se que amavaapaixonadamente o luxo e a magnificncia.

    Possua ao p da Aricia uma casa de campo, que muito lhecustara a edificar, e mandou-a demolir por no estar a seugosto ; no entretanto, tinha ainda uma fortuna medocre e bas-tantes dividas.Na guerra trazia madeira de marchetaria para assoalhar o

    seu alojamento.Diz-se que no ia a Inglaterra seno para roubar prolas,

    e que se divertia a comparar-lhes a grossura e a pezal-as nasmos

    ; que elle procurava cuidadosamente os bellos monumen-tos antigos, as estatuas e os quadros ; que marcava um preoto exorbitante mocidade e belleza dos escravos, que ellemesmo se envergonhava, e se desculpava que a compra ficavaregistrada nos seus livros.

    Dava de comer todos os dias, nos seus governos, em duasmesas differentes, uma para as pessoas de distinco tanto dasua comitiva como da provncia ; a outra para as de uma classeinferior. A disciplina domestica era em sua casa rigorosa e se-vera, at nas mais pequenas cousas. Mandou pr a ferros umescravo, seu padeiro, por servir aos convidados um po diffe-rente do d'elle. Condemnou morte, pelo seu prprio impul-so, e sem que pessoa alguma se queixasse, um liberto que muitoestimava, por ter ultrajado a mulher d'um cavalleiro romano.Nada pde dar a peor ideia dos seus costumes como as

    suas ligaes com Nicomedes; esse opprobrio eterno e in-delvel, e cem bocas o perpetuaram : testemunhas estes versosde Licnio Calvo : O rei de Bithynia o amante de Csaretc; os discursos de Dolabella e de Curion, pae; os ditosde Bibulo em que Csar chamado rainha de Bithynia, eem que se accrescenta que depois de ter amado um rei,ama a realeza.

    Foi no mesmo tempo, dando se credito a Marco Bruto, queum certo Octvio, specie de louco que tinha o direito de di-zer tudo quanto queria, saudou Pompeu perante uma assem-bleia numerosa, chamando-lhe rei, e Csar chamando-lhe rai-nha. C. Memmio o censurou por ter servido Nicomedes

  • 26 ROMA GALANTE

    mesa, com os escravos e os eunucos cTeste prncipe : de lheter apresentado o copo deante de grande numero de convi-dados na presena de vrios negociantes romanos que eramdo banquete, dos quaes declarou os nomes.

    Cicero, no contente de ter escripto nas suas cartas que C-sar fora levado por guardas camar de Nicomedes, e sedeitara com elle num leito de ouro coberto de purpura, e queum descendente de Vnus se havia proslituido em Bithynia,lhe lanou um dia em rosto, no meio do senado, onde Csardefendia a causa de Nisa, filha de Nicomedes, recordando asobrigaes que devia a este prncipe: Deixa l estas obriga-es; sabe-se o que tu lhe deste e o que tu recebeste.

    Emfim, no seu triumpho dos Gallos, os soldados, entre ou-tras brincadeiras com que costumavam acompanhar a marchado vencedor, repetiam muitas vezes esta copla conhecida : C-sar subjugou os Gallos; Nicomedes subjugou Csar; Csartriumphou por ter subjugado os Gallos ; Nicomedes no trium-phou por ter subjugado Csar.

    Todos esto concordes que era excitado ao deboche, e quepagava caro os seus prazeres. Seduziu varias damas da pri-meira jerarchia, como Posthumia, mulher de Srvio Sulpicio ;Lollia, mulher de Aulo Gabinio ; Tertlia, mulher de M. Crasso,e at Mucia, mulher de Pompeu. Pelo menos, os dois Curion,pae e filho, e muitos outros, censuraram a Pompeu, de terescutado os interesses da sua ambio ao ponto de despozara filha de Csar, ainda que fosse unicamente por causa delleque tinha repudiado uma mulher que lhe dera trs filhos, eainda que lhe acontecesse muitas vezes queixar-se com lagri-mas do mal que lhe havia causado este outro Egistho.

    Csar amou sobretudo Servilia, me de Bruto. Foi para ellaque comprou durante o seu primeiro consulado, uma prolaque lhe custou seis milhes de sesterceos, e durante a guerracivil, alm de presentes considerveis que lhe prodigalisou, lhefez arrematar por baixo preo muito boas terras que se ven-diam em leilo. Como se protestava contra a compra, Cicerodisse gracejando: E' ainda melhor para Servilia, de que jul-gaes, porque ella d sua filha em desconto da importncia.Suspeitava-se de Servilia ter tratado com Csar um commer-cio com sua filha Tercia.

  • ROMA GALANTE 27

    Parece que no respeitava mais o leito conjugal nos Gal-los, do que em Roma, como se diz nas canes militares: Ci-dados; guardae vossas mulheres; no trazemos o libertinocalvo, que comprava as mulheres na Gallia com o dinheiroque pedia emprestado em Roma.

    Contam-se rainhas entre as suas amantes, entre outras Eu-no, mulher de Bogude, rei moiro, que encheu de presentes,assim como a seu marido, segundo Actorio Naso, e sobre-tudo Clepatra, com quem passou muitas vezes noites mesa.Queria subir o Nilo com ella at Ethiopia n'um navio dorei do Egypto, se o seu exercito se no recusasse a seguil-o.Fez com que viesse a Roma e no a deixou partir seno car-regada de dadivas e de honras ; supportou mesmo que o filhoque ella lhe deu, tomasse o seu nome. Alguns teem escripto,que este filho se lhe assimilhava pela figura e pelo andar, eAntnio affirmou no senado que Csar o tinha reconhecido,citando o testemunho de Macio e d'Oppio, amigos de Csar.Oppio julgou o facto bastante grave para dever ser refutadoe publicou um escripto, que tinha por titulo: Provas que ofilho de Clepatra no filho de Csar. >

    Helvio Cinna, tribuno do povo, confessou algumas vezes quetinha uma lei toda prompta, que devia publicar na ausncia deCsar e por sua ordem, que lhe permittia desposar sua es-colha quantas mulheres quizesse, afim de ter herdeiros. N'umapalavra, os seus costumes eram to publicamente desacredita-dos, que Curion, pae, n'um dos seus discursos, lhe chamou :o marido de todas as mulheres e a mulher de todos os ma-ridos.A respeito do vinho, os seus inimigos mesmo concordam,

    que fazia um uso muito moderado. Conhece-se esta phrasede Cato que: de todos aquelles que tinham prejudicado arepublica, Csar somente no era bbedo. Oppio declara, queera to indifferente comida, que um dia lhe serviram azeiteestragado em casa d'um homem que o convidara a cear, e foio nico que o no recusou e at fingiu nada perceber, paraque se no julgasse, que notava no seu hospede neglicenciaou impolitica.No foi desinteressado nem no commando nem na magistra-

    tura. Est provado que em Hespanha recebeu, do procnsul

  • 28 ROMA GALANTE

    e dos alliados, dinheiro que pedia com instancia, como um au-xilio preciso para liquidar as suas dividas. Entregou pilha-gem varias cidades da Lusitnia, apezar de no terem feitonenhuma resistncia e de terem aberto as portas sua che-gada. Roubou nas Gallias os templos do deuses, enriquecidosde offertas e de dadivas. Destruiu as praas, mais por lucro,que para exemplo ; e vendo em seu poder muito ouro em bar-ras, mandou-o vender na Itlia e nas provncias por dinheiroamoedado na razo de 3:000 sesterceos por cada libra de ouro.No seu primeiro consulado tomou no Capitlio 3:000 libras

    de peso de ouro. e substituiu-as por uma egual poro decobre dourado. Vendeu a alliana dos Romanos; vendeu rei-nos. S da cidade de Ptclomea, para o reino do Egvpto, ti-rou seis mil talentos, com que fez pagar a sua proteco e ade Pompeu. Finalmente, s fora de dinheiro e de desaca-tos, pde fazer face s despezas da guerra civil, dos trium-phos e dos espectculos.A occasio o determinava muitas vezes a combater, sem o

    projectar; muitas vezes atacava depois d'uma marcha ou emtempo muito mau, quando menos se esperava. Somente nosltimos annos da sua vida, que se mostrou menos apressadoa dar batalha, persuadido que quanto mais vencera muitasvezes, menos devia comprometter-se com a fortuna, e queganharia sempre menos n'uma victoria, o que no perderianuma derrota.Nunca poz um inimigo em debandada, que no se apode-

    rasse do seu campo, sem mesmo lhe dar tempo a refazer-sedo susto. Nos instantes crticos reenviava todos os cavallos,comeando pelo eu, afim de obrigar os soldados ao combateat vencer, tirando-lhes o recurso da fugaO seu cavallo era notvel

    ;tinha os ps rachados de ma-

    neira a assimilharem-se aos dedos do homem. O cavallo nas-cera na sua casa, e os adivinhos o olhavam como um penhordo imprio do mundo, que seu dono devia alcanar; tambmo educou com o maior cuidado. Foi o primeiro e o nico queo montou. Depois o fez collocar em bronze deante do tem-plo de Vnus Me.

    Muitas vezes reuniu s as suas tropas que manobravam,pr endendo os fugitivos, agarrarando alguns com as prprias

  • ROMA GALANTE 29

    mos, e forando-os a voltar a cara ao inimigo. Na maiorparte eram to assustados, que um porta-bandeira, que elle

    agarrara d'esta forma, lhe apresentou a ponta do chuo, e umoutro, a quem elle agarrara no estandarte, lh'o deixou nasmos.Em varias outras occasies deu provas ainda mais estrepito-

    sas d'uma intrpida coragem. Depois da batalha de Pharsalia,mandou formar a vanguarda das tropas, que enviava para asia, e elle prprio passou o estreito do Hollesponto n'umapequena barca de transporte ; encontrou L. Cassio, um dos te-nentes de Pompeu, com dez galeras ; no pensou em fugir ;avanou, intimou-o a render-se, e recebeu a sua submisso.No ataque d'um ponto na Alexandria, viu-se obrigado a lan-

    ar-se num barco para escapar aos Egypcios ; a multido pre-cipitou-se com elle ; e no lhes restou outro partido, senosaltar para o mar. Nadou no espao de 200 passos at ao na-vio mais prximo, tendo a mo esquerda levantada, para nomolhar os papeis que trazia, e tirando a cotta d'armas com osdentes, com medo de deixar este despojo ao inimigo.No estimava o soldado nem pela fortuna, nem pelos cos-

    tumes, mas somente pelas foras, e tratava-o alternadamentecom um extremo rigor e uma extrema indulgncia. Severo

    quando o inimigo estava prximo, mantinha a disciplina maisrigorosa ; no annunciava os dias de marcha nem os de com-bate; queria que todos estivessem sempre promptos pri-meira voz. Algumas vezes mandava marchar o exercito aoacaso, sobretudo em dias de festa ou de chuva. Avisava queno o perdessem de vista, e de repente afastava-se, quer dedia, quer de noite, e forava a sua marcha, para canar aindamais os que o seguiam.

    Tinha por principio no depreciar nem diminuir as forasdos inimigos para animar os soldados; antes pelo contrario,fazia-as engrossar aos seus olhos. Assim, quando os viu assus-tados da marcha de Juba, reuniu-os e disse-lhes : Saibam queo rei da Mauritnia estar dentro em poucos dias nossa frentecom 10 legies, 30:000 homens de cavallaria, 100:000 de tro-pas ligeiras e 300 elephantes. Que algumas pessoas cessem,portanto, de espalhar boatos falsos, e se convenam da ver-dade, que me bem conhecida, ou eu os farei expor no peor

  • 30 ROMA GALANTE

    dos meus navios, para arribarem onde o vento os quizer le-var.

    Durante 10 annos que durou a guerra dos Gallos, Csarno teve de suffocar nenhuma sedio da parte das suas tro-pas. Levantaram-se algumas nas guerras civis, mas foram suf-focadas promptamente, e bem mais pela autoridade que pelaindulgncia, porque Csar no se curvava nunca aos seus sol-dados revoltados

    ; apresentava-se sempre altivo na sua frente.Em Placencia desbaratou ignominiosamente toda a nona le-gio, apezar de Pompeu estar ainda em armas, e no a res-tabeleceu seno depois das mais instantes supplicas, e de terfeito punir os culpados.Em Roma, quando a decima legio pediu com ameaas o

    seu licenceamento e recompensas, e que julgavam a cidadeem perigo, emquanto que, no mesmo tempo, a guerra estavaaccesa em Africa, no hesitou, apezar da opinio dos seus ami-gos, em ir ao seu encontro e a licenceal-a. Mas com uma spalavra, chamando aos revoltados cidados, em logar de solda-dos, transformou-os to facilmente e os submetteu ao pontodelles gritarem, que eram soldados, e o seguiram para Africaa seu pezar, o que no impediu, que os mais revoltosos fossemcastigados e privados da tera parte do lucro e das terras quedeviam obter.O seu zelo e fidelidade para com os clientes, brilharam mesmo

    na sua mocidade. Defendeu Masintha, rapaz de nascimentoillustre, contra o rei Hyempsal, e com tanto calor que, no forteda disputa, agarrou pela barba Juba, filho d'este prncipe; eassim que viu Masintha declarado tributrio de Hyempsal,arrancou-o das mos dos que se haviam apoderado d'elle,occultou-o em sua casa, e como partia para a Hespanha de-pois da sua pretoria, collocou-o na sua liteira com o auxilioda muliido que o cercava, tanto dos seus clientes como dosseus lictores, e o levou comsigo.

    Tratou sempre os amigos com uma bondade e defernciassem limite, Caio Oppio, que o acompanhava nos caminhos des-viados, caiu subitamente doente, e Csar lhe cedeu o nicoalbergue que se encontrou no caminho, deitando-se na terraao ar livre. Quando esteve testa do governo, elevou s maio-res honras muitos d'aquelles que lhe tinham sido dedicados,' e

  • ROMA GALANTE 31

    que eram do mais baixo nascimento, e como o censurassem,respondeu: Se bandidos e assassinos me tivessem prestadoos mesmos servios, que elles prestaram, tel-os-ia recompen-sado da mesma forma.

    Nunca se zangou com qualquer pessoa, que no fosse deprompto, da melhor vontade, desculpar- se quando a occasioo permittia. Caio Memmio tinha-o atacado com muita aspe-reza nas suas arengas, e elle lhe respondera no mesmo tom ;isto no o impediu de o ajudar com toda a sua influencia naperseguio do consulado. Foi o primeiro a escrever a Calvo,que tinha composto contra elle epigrammas sangrentos, e querecorrera ao intermdio d'alguns amigos para obter uma re-conciliao.

    Catullo, segundo as palavras do prprio Csar, havia lheimpremido uma ndoa eterna nos seus versos contra Mamur-ra;> e elle contentou-se com as suas desculpas, admittiu-omesmo sua mesa no mesmo dia, e no deixou de vr seupae e de comer com elle, como d'antes.

    Era naturalmente suave, mesmo nas suas vinganas. Quandose viu senhor dos piratas que o haviam aprisionado, como ti-vera jurado de os pregar numa cruz, mandou-os estrangular,antes do praso marcado para aquelle supplicio.Nunca fez o menor mal a Cornelio Phagita, que lhe ar-

    mara ciladas no tempo em que Csar se occultava, estandoprestes a ser levado a Sylla, muito doente e definhado, dei-xando-o escapar s por uma grande quantia de dinheiro.Mandou matar o seu secretario Philemon, que promettera

    envenenal-o, mas no quiz que lhe applicassem a tortura. Cha-mado como testemunha contra Publio Clodio, amante de suamulher e accusado de desacato, respondeu que no sabia nada,apezar de sua irman ]ulia e Aurlia sua me, j terem de-posto a verdade ; e como lhe perguntassem, porque repudiaraento a mulher: Porque foi preciso, respondeu elle, que oque me pertence seja isento de toda suspeita de crime.>No entretanto, censuram-lhe aces e palavras, que se assi-

    melham ao abuso de poder e parecem justificar a sua morte.No contente de acceitar as honras excessivas, como o con-sulado prolongado, a ditadura perpetua, as funces de cen-sor, os nomes de imperador e de pae da ptria, uma estatua

  • 32 ROMA GALANTE

    entre as dos reis, uma cathedra na orchestra, foi at excedero limite das grandezas humanas ; teve um plpito de ouro nosenado e no seu tribunal

    ;a sua estatua foi levada para o

    Circo com a mesma pompa que as dos deuses ; teve templos,altares, sacerdotes; deu o seu nome a um dos mezes do an-no

    ;ria-se da mesma forma das dignidades que prodigalisava

    e das que recebia.No seu terceiro e quarto consulado, no teve de cnsul se-

    no a titulo, e exerceu a ditadura. Nomeou dois cnsules noseu logar para os trs ltimos mezes d'estes dois annos, du-rante os quaes no fez eleio alguma, alm da das tribus eda dos edis.

    Estabeleceu tenentes no logar de pretores, para governa-rem a cidade debaixo das suas ordens. Fallecendo um doscnsules na vspera das calendas de janeiro, nomeou cnsulpara o resto do dia, Caninio, que lh'o pediu. Foi com o mesmodesregramento e no despreso de todas as leis, que depz ma-gistraturas por alguns annos; que concedeu os ornamentosconsulares a dez pretores ; que poz no numero dos cidados,e at no dos senadores, Gallos semi-barbaros ; que fez algunsdos seus escravos intendentes dos impostos e das moedas, eque deu o commando de trs legies, que deixou na Alexan-dria, a um dos seus predilectos, filho de Rufino, seu liberto.

    Permittia-se publicamente fazer discursos to pouco cir-cunspectos como as suas aces, dando-se credito ao queconta Ampio : A republica, dizia elle, no mais que umnome sem realidade. Sylla sabia bem pouco, pois que abdi-cou a ditadura. E' preciso d'ora avante que me falem commais moderao, e que aceitem as minhas palavras como leis.A sua audcia chegou ao ponto de dizer a um adivinho, quelhe annunciara como um mau presagio o no se ter encon-trado o corao da victima, que tornaria os presagios felizesquando lhe agradassem, e que no era prodgio um animalno ter corao.Mas o que excitou contra elle um dio implacvel, foi ter

    um dia recebido, assentado, deante do templo de Vnus Me,o senado que vinha em corporao apresentar-lhe decretoshonorficos em seu favor. Alguns julgam, que Cornelio Balboo deteve quando elle ia levantar-se ; outros dizem, que no s

  • ROMA GALANTE 33

    se no levantou, mas lanou um mau olhar a Trebacio, que oadvertia que se levantasse.

    Este facto pareceu ainda mais intolervel, porque elle pr-prio se havia indignado que Poncio Aquila fosse o nico dostribunos que se no levantasse, quando passou em triumphopela frente do seu tribunal. Exclamou : Tribuno Aquila, re-clame- me, pois, a republica. E durante muitos dias no pro-mettia nada a ningum, seno com esta clausula: Se com-tudo Poncio Aquila o achar bom.A es3 affronta que fazia ao senado, ajuntou um acto de

    arrogncia ainda mais notado. Regressando das festas latinasno meio das acclamaes extraordinrias do povo, um homemsaido da multido, pz sobre a sua estatua uma coroa de lou-ro, presa com uma pequena faxa branca. Epidio Marullo eCscio Flavos, tribunos do povo, mandaram tirar a faxa, eordenaram que levassem o homem para a priso. Csar viucom magua que esta tentativa tivesse to mau resultado, ouantes, que ella lhe tirara, como ento disse, a gloria de recu-sar o diadema; reprehendeu muito amargamente os tribunose os privou do seu cargo.

    Desde este momento, no pde lavar-se da censura de teraffectado o titulo de rei, apezar de ter respondido aos popula-res que lhe davam este nome, que elle era Csar e no rei,e no dia das Lupercalles tinha regeitado e consagrado a J-piter Capitolino o diadema que Marco Antnio tentara repe-tidas vezes collocar-lhe na fronte na tribuna dos discursos.Espalhou-se o boato, que Csar transferiria a sede e as for-as do imprio romano para Tria ou para a Alexandria, de-pois de ter esgotado a Itlia das colheitas e deixado aos seusamigos o commando em Roma. Espalhou-se at, na assem-bleia do senado, que Cotta, quindecemviro, ia apresentar umalei para dar a Csar o titulo de rei, porque estava escriptonos livros das Sybiilas que os Parthas no seriam vencidos se-no por um rei.Os conjurados para no serem obrigados a dar os seus suf-

    fragios a esta lei, se apressaram execuo da sua empresa.No tendo podido, primeiro, reunir seno em numero de doisou de trs, reuniram-se, e celebraram um conselho geral, a queo povo os convidava. Bem longe de applaudir a situao do

    3

  • 34 ROMA GALANTE

    governo, o conselho parecia detestar a tyrannia e pedir vinga-dores. Affixaram uns cartazes na occasio dos Gallos entraremno senado : O povo avisado de no indicar o caminho dosenado aos novos senadores. Cantava-seem Roma: Os Gal-los que Csar trouxe em triumpho, deixaram o fato no senadopara ali vestirem o laticlav3.

    Quinto Mximo, nomeado cnsul por trs mezes, chegandoao espectculo, o lictor o annunciou, segundo o uso ; gritaram-lhe de todos os lados que no era cnsul. Depois que Cs-cio e Mamilo foram destitudos do tribunal, tiveram nos co-mcios seguintes um grande numero de votos para o consu-lado. Escreveram sobre a estatua de Lcio Bruto: Prazaaos Deuses que tu vivesses ! e sobre a de Csar: Bruto foifeito cnsul por ter expulso os reis; este foi feito rei por ter

    expulso os cnsules.Mais de 60 cidados conspiraram contra elle; tinham

    frente C. Cassio, Marco e Decimo Bruto. Vacillaram ao prin-cipio sobre a forma de se desfazerem do oppressor; se, naassembleia de Campo de Marte, no momento em que cha-masse as tribus aos suffragios, uma parte d'entre os conjura-dos o deitaria por terra, e outra o massacraria ento; ou seo atacariam na rua Sagrada ou entrada do theatro. Masquando a assembleia do senado fosse indicada para os idosde maro na sala construda por Pompeu, elles concordariamtodos a no procurar momento nem logar mais favorveis.

    Prodgios tocantes annunciaram a Csar o seu fim prximo.Alguns mezes antes, colonos a quem elle dera terras na Cam-pania, querendo ali edificar casas, escavaram antigos tmuloscom tanta mais curiosidade, que de tempos em tempos encon-traram monumentos antigos ; acharam n'um sitio, onde se di-zia que Capys, o fundador de Capua, estava sepultado, umamesa de bronze com uma inscrpo em grego cujo sentido eraque, quando se descobrissem as cinzas de Capys, um descen-dente de Jlio seria morto pela mo dos seus parentes, e seriavingado pelas desgraas da Itlia. No se pde encarar estefacto como fabuloso ou inventado ; Cornelio Balbo, amigointimo de Csar, que o conta. Pelo mesmo tempo soube-sequeos cavallos que Csar tinha consagrado no dia da passagemdo Rubincon, e que deixara pastando em liberdade, se absti-

  • ROMA GALANTE 35

    nham de todo o alimento e choravam abundantemente. O adi-vinho Spurinna o avisou, num sacrifcio, que estava ameaadod'um perigo, ao qual se exporia antes dos idos de maro.Na vspera d'estes mesmos idos, pssaros de differentes

    espcies, voaram d'um bosque visinho e fizeram em pedaosuma carria que se havia empoleirado em cima da sala do se-nado com um ramo de louro no bico. Na prpria madrugadado dia em que foi assassinado, pareceu-lhe durante o somno, quevoava acima das nuvens, e que tocava na mo de Jpiter. Suamulher Calpurnia sonhou que o alto da casa caa e seu ma-rido fora ferido com successivos golpes nos braos. As portasda sua camar abriram-se por si mesmo.

    Todas estas razes e a sua sade, que sentia j muito en-fraquecida, o fizeram hesitar, se deveria ficar em casa e ad-diar o que resolvera fazer n'esse dia no senado ; mas DecimoBruto o aconselhou a no faltar ao senado, cujos membros oesperavam em grande numero e desde muito tempo. Saiu pelaquinta hora do dia. Apresentaram-lhe uma memoria que con-tinha um detalhe da conjurao, que elle misturou com outrasque tinha na mo esquerda, como se a reservasse para a lern'outra occasio.

    Imolaram-se varias victimas, sem que uma s desse presa-gios felizes, e arrostando esses terrores religiosos, entrou nosenado, zombando de Spurinna: Afinal, os idos de maro che-garam, vindos sem accidente, dizia elle, a que respondeu oadivinho : os idos no passaram ainda.Quando tomou o seu logar, os conjurados o cercaram como

    para lhe fazerem a corte, e immediatamente Tullio Cimber,que se encarregara de dar comeo tragedia, aproximou-secomo para lhe pedir uma merc. Tendo-lhe Csar feito signalpara deixar para outra occasio o pedido, Cimber o agarroupelo alto da tnica. ZT uma violncia! exclamou Csar.Ento, um dos dois Casca o feriu com um punhal um poucoabaixo do collo, Csar agarrou-lhe no brao, e lhe enterrouum puno que tinha na mo. Quer arremetel-o, mas uma se-gunda punhalada o detm ; v de todos os lados o ferro le-vantado sobre elle; ento cobre a cabea com a sua veste ecom a mo esquerda abaixa a tnica para cair mais decen-temente.

  • 36 ROMA GALANTE

    Deram-lhe vinte e trs golpes. No primeiro soltou um ge-mido sem proferir palavra alguma. Outros, comtudo, contam,que Csar disse a Bruto que avanava para o ferir: f tutambm, meu filho / Ficou algum tempo estendido no cho.Todos haviam fugido. Por fim, trs escravos o levaram paracasa n'uma liteira, d'onde lhe pendia um dos braos.De tantas feridas, a nica que o seu medico Antiscio achou

    mortal, foi a segunda que recebera no peito.Os conjurados tinham resolvido arrastar o cadver para o

    Tibre, de declarar os seus bens confiscados e todos os seusactos nullos, mas o receio que tiveram do cnsul Antnio ede Lpido, general de cavallaria, os deteve.

    Depois, a pedido de Lcio Piso, seu sogro, abriu -se o tes-tamento, que foi lido na casa de Antnio. Csar havia- o feitono mez de setembro anterior, numa casa de campo, chamadaLavicanum, e confiara-o primeira das vestaes. Q. Tuberonconta que, desde o seu primeiro consulado at ao comeo daguerra civil, costumava ter mencionado no testamento C. Pom-peu para seu herdeiro, e que tinha at lido esta clausula n'uma

    arenga que fizera aos soldados. Mas pelas suas ultimas dispo-sies nomeava trs herdeiros, os seus segundos sobrinhos :C. Octvio com trs quartos da herana ; Lcio Pinario eQuinto Pedio tinham a ultimo quarto. No fim do testamentoadoptava Octvio e lhe dava o seu nome. Declarava vriosdos seus assassinos tutores de seus filhos, se os houvesse. Col-locou Decimo Bruto na segunda classe dos seus legatrios,deixava ao povo romano os seus jardins sobre o Tibre e 300sesterceos por cabea.No dia marcado para as exquias, levantou-se uma fogueira

    no Campo de Marte, ao p do tumulo de Jlia, e uma capelladourada defronte da tribuna dos oradores, pelo modelo dotemplo de Vnus Me; ali se collocou um leito de marfim,coberto d'um estofo de ouro e de prpura sobrepujado d'umtropheo d'armas e da mesma tnica, que vestia quando foraassassinado. Como se no acreditava que o dia fosse bastantepara a multido daquelles que traziam offertas para a fo-

    gueira, se se observasse a marcha fnebre, declarou -se que,cada pessoa iria sem ordem e pelo caminho que conviesse,levar as suas dadivas ao Campo de Marte.

  • ROMA GALANTE 37

    Nos jogos funerrios, cantaram-se vrios trechos compos-tos para excitar a piedade e a indignao, como o monologode Ajax na pea de Pacuvio, que tem por titulo : As armasde Achilles:

    Foi o seu salvador para ser sua victima, etc, e o de Ele-ctra d'Accio, mais ou menos similhante.Em logar de orao fnebre, o cnsul Antnio mandou ler

    por um arauto o ultimo senatus-consulto que lhe concediatodas as honras divinas e humanas, e o juramento pelo qual to-dos se obrigavam a defendel-o com risco da prpria vida.Accrescentou muito poucas palavras esta leitura.

    Magistrados em funces ou tendo deixado o cargo, con-duziram o leito de estado para a praa publica. Uns queriamqueimal-o no santurio de Jpiter, outros no senado. De re-pente dois homens armados de espadas e trazendo dois chu-os, deitaram fogo ao leito com tochas, e logo cada um seapressou a deitar-lhe madeira secca, bancos, cadeiras de jui-zes, e tudo que se encontrasse mo. Dois tocadores de flautae histries deitaram os fatos triumphantes de que estavam re-vestidos para a cerimonia; os veteranos legionrios, as armascom que se haviam enfeitado para as exquias do seu gene-ral; as mulheres os seus adornos e os de seus filhos.Os estrangeiros tomaram parte neste luto publico ; deram

    uma volta em torno da fogueira, patenteando o seu desgostocada um ao uso do seu paiz. Os prprios judeus velaram al-gumas noites ao p das cinzas.Logo depois das exquias, o povo correu com fachos s

    casas de Bruto e de Cassio, e s com muito custo foi repel-lido. Encontrou um certo Helvio Cinna, que tomaram pelotribuno Cornelio Cinna, que. na vspera havia arengado vio-lentamente contra Csar

    ;foi massacrado e trouxeram-lhe a ca-

    bea espetada no cabo d'uma lana. Depois, erigiram na praapublica uma columna de mrmore de Africa, de vinte ps dealtura, com a inscripo:

    AO PAE DA PTRIADurante muito tempo o povo ia ali offerecer sacrifcios, for-

    mar votos e terminar certas desavenas jurando pelo nome deCsar.

  • 38 ROMA GALANTE

    Alguns suspeitaram que Csar no cuidava de viver muitotempo, e que por este motivo no dava importncia sua faliade sade, e muito menos s predices funestas e aos presen-timentos dos amigos. Muitos pensam que Csar estava todescanado pelos ltimos decretos do senado e pelo juramentode que falmos, que tinha reenviado uma guarda hespanholaque o escoltava de espada desembainhada. Outros acreditamque Csar antes queria cair nas ciladas dos inimigos, de quesempre os recear, e outros contam, que tinha por costume di-zer : que a republica era mais interessada do que elle, na suaconservao ; que tinha bastante gloria e poder, mas que de-pois d'elle Roma, bem longe de ser pacifica, recairia nas guer-ras civis, e no teria vencedores to suaves.

    Concorda-se geralmente, que a sua morte foi pouco maisou menos como a que desejara. Um dia, lendo em Xeno-phonte que Cyro, na sua ultima doena, dera ordens para assuas exquias, mostrou despreso por um gnero de morteegual, e desejou que a sua morte fosse repentina. Na vsperados idos de maro, ceando em casa de Lpido, falou-se crcade qual seria a morte mais suave, e Csar se declarou pelamais breve e a mais imprevista. Morreu no 56. anno deedade. i Foi collocado na jerarchia dos deuses, no s pelacerimonia religiosa, mas at pela intima persuaso do povo.

    Durante os jogos que o seu herdeiro Augusto celebrou parasua apotheose, um cometa cabelludo brilhou durante sete dias;apparecia pela undcima hora do dia, e dizia-se ser a almade Csar recebida nos cus

    ; por isso que Csar sempre

    representado com uma estrella acima da cabea. Mandou-seentaipar a sala do senado onde o tinham assassinado. Cha-maram aos idos de maro dias parricidas, e foi prohibidoque o senado tornasse a reunir n'esse dia.Nenhum dos seus assassinos lhe sobreviveu mais de trs

    annos, e nenhum morreu de morte natural. Todos foram con-demnados, tendo todos mortes diversas; uns num combate,outros num naufrgio ; alguns se mataram com o mesmo ferrocom que assassinaram Csar.

    1 A 15 Oe maro o anno 44 antes e Christo.

  • II

    (Anno 63 antes e Chriso, ao anno 14 a era christ)

    A famlia Octavia era antigamente uma das primeiras deVelltri

    ; alguns monumentos fazem f.Esta famlia aggregada por Tarquinio o Antigo classe in-

    ferior do senado, depois posta na gerarchia das famlias pa-trcias por Srvio Tullio, tornara-se em seguida plebeia ; e foipor fim restabelecida com muito custo na sua primeira digni-dade pelo ditador Jlio Csar.

    Octvio, pae de Augusto, foi desde a mocidade, rico e es-timado, sendo bem extraordinrio que tenham pretendido queelle fora cambista e mesmo corretor.

    Sustentado na opulncia, chegou com facilidade aos empre-gos que exerceu com distinco. Obteve, depois da sua pre-toria, o governo de Macednia, e antes de para ali partir, de-safiou durante o caminho os restos dos bandidos que tinhamseguido Catilina e Spartaco, os quaes occupavam o paiz deThurium. Esta commisso lhe havia sido dada extraordinaria-mente pelo senado; governou a sua provncia com tanta equi-dade, como coragem. Ganhou uma grande batalha contra osBesses e os Thraas, e tratou to bem os alliados do povoromano, que Ccero, nas cartas que existem ainda, aconselhaseu irmo Quinto, ento procnsul da sia, de que estava muitodescontente, a fazer-se amar dos alliados da republica, comoo seu visinho Octvio.

    Voltando da Macednia, quando ia entrar no numero dosque pretendiam o consulado, a morte o arrebatou de repente.Deixou de sua primeira mulher, Ancharia, uma filha chamada

  • 40 ROMA GALANTE

    Octavia, e cTAtia, sua segunda mulher, uma outra Ocavia eAugusto. Atia era filha de Marco Atio Dalbo e de "Jlia, irmde Csar.

    Balbo era originrio de Aricia, do lado paterno, e contavamuitos senadores na sua famlia

    ;do lado de sua me era

    muito prximo parente de Pompeu. Tinha sido condecoradoda pretoria e um dos vinte commissarios nomeados para dis-tribuir as terras de Campania, em virtude da lei de Jlio C-sar. Comtudo, Antnio, obstinado a desacreditar o nascimentode Augusto, dizia que o seu av materno era Africano e tinhatido uma loja na Aricia, ora de perfumista ora de padaria.Cassio de Parma, numa das suas cartas, trata Augusto comonascido de parentes padeiros e banqueiros, ridiculisando-oassim

    ;Tua me vendia a farinha no moinho mais temvel de

    Aricia, e teu pae a amaava com as mos todas negras do di-nheiro que manejava em Nrulo.

    Augusto nasceu sob o consulado de Cicero e de Antnio,em 20 de setembro, * um pouco antes do nascer do sol, emfrente do monte Palatino, perto d'um local a que chamam Ca-bea de Boi, onde est agora uma capella construda algumtempo depois da sua morte. As actas do senado contam queC. Lectorio, joven patrcio, convencido de adultrio, para al-canar que lhe modificassem o castigo, allegara, alm da suamocidade e seus antepassados, a vantagem que tinha de sero possuidor, e por assim dizer o vigrio do logar

    2que ti-

    nha visto nascer Augusto; que elle tinha pedido que lhe con-cedessem sua graa em favor d'esta divindade que lhe eraparticular e domestica, e que o senado ordenara que este lo-gar fosse consagrado.

    Mostra-se ainda a casa dos seus antepassados onde secreou num dos arrabaldes de Velltri. A camar em que foiamamentado extremamente pequena e assimelha-se a umarmrio. Em Velltri ha a teimosia de acreditar que foi alique nasceu ; teem escrpulo de entrar naquella camar, se-

    1 Nasceu em Roma no anno 63, antes e Christo.! Vigrio, nome ao antigamente ao funccionario fiscal que, no

    municpio cobrava os tributos evios ao monarcha.

  • ROMA GALANTE 41

    no por necessidade e com respito. E* uma antiga tradio,que as pessoas que ali entram com irreverncia so atacadasd'um medo sbito, e o que vem confirmar esta opinio, queum novo proprietrio d'esta casa, tendo-se deitado na referidacamar, ou por acaso, ou para observar o mysterio que exis-tia, foi arrebatado algumas horas depois por uma fora s-bita e desconhecida, e se encontrou com o seu leito deante daporta quasi semi-morto.

    Perdeu seu pae aos 4 annos; aos 12 pronunciou a oraofnebre da sua av Jlia; aos 16, tomou o trage viril e rece-beu dadivas militares na victoria de Csar sobre os Africanos,apezar da sua edade lhe no permittir ainda ir guerra. Al-gum tempo depois, tendo seu tio partido para ir combater osfilhos de Pompeu em Hespanha, elle o seguiu, apenas con-valescente d'uma grave enfermidade, com uma escolta muitofraca, por uma estrada infestada pelos inimigos; at soffreu um

    naufrgio; mas emfim reuniu-se a Csar, que ficou muito im-pressionado por este zelo, no deixando tambm de notar ocaracter que j indicava como a astcia que desenvolvera parase escapar aos perigos.

    Csar, depois da reduco da Hespanha, tendo projectoscontra os Daos e contra os Parthas, o mandou frente pelaestrada do Oriente a Apollonia, onde estudou a litteratura ;foi ali que soube da morte do ditador, que o nomeava seuherdeiro.Ao principio veiu-lhe ao pensamento implorar o auxilio das

    legies visinhas ; mas rejeitou este partido como imprudente eprecipitado. Comtudo, voltou a Roma, e apresentou-se comoherdeiro de Csar, apezar das irresolues de sua me e dasadmoestaes de seu sogro, Mareio Philippo, homem consu-lar que do encargo o desviava com toda a fora, Viu- se embreve testa dum exercito, governou a republica com Ant-nio e Lpido, depois com Antnio s durante 12 annos, e fi-nalmente foi soberano nico e absoluto por espao de 44 an-nos.

    Tal o resumo da sua vida. Vou detalhar cada parte, noseguindo a ordem dos tempos, mas classificando os diversosassumptos, para os apresentar sob um ponto de vista maisclaro e mais distincto.

  • 42 ROMA GALANTE

    Sustentou cinco guerras civis : a de Modena, a da Macedonia, a de Perusa, a de Siclia e a de Accio. A primeira e aultima contra Marco Antnio

    ;a segunda contra Bruto e Cas-

    sio;a terceira contra Antnio, irmo do triumviro ; a quarta

    contra Sexto, o filho do grande Pompeu.Todas tiveram por principio a obrigao em que elle se jul-

    gava de vingar a morte de seu tio e de sustentar a validadedo seu testamento e dos actos da sua ditadura.Apenas chegou de Apollonia resolveu atacar juridicamente

    Bruto e Cassio, que o no esperavam; e como tinham saidode Roma para se porem ao abrigo de todo o perigo, Augustoos accusou, apezar de ausentes, como assassinos. Elle prpriocelebrou os jogos pblicos institudos em memoria da batalhade Pharsalia, porque aquelles que estavam encarregados, nose atreviam a fazei- o. Para seguir os seus emprehendimentoscom mais fora, quiz substituir um tribuno do povo, recente-mente fallecido, e pediu esta dignidade como se fosse patr-cio; verdade que no era ainda senador. Mas soffrendomuita opposio da parte do cnsul Marco Antnio, que jul-gava dever ser o seu principal appoio, e que nada lhe con-cedia, seno o que se concede a toda a gente, pondo aindan'essa concesso um preo exorbitante, passou ao partido dosenado.

    Sabia que Antnio era ali detestado, sobretudo depois quequizera expulsar da Gallia cisalpina, e tinha sitiado em Mo-dena Decimo Bruto, a quem Csar havia dado este governocom a approvao do senado.

    Aconselharam-no que mandasse assassinar Antnio; masno tendo dado resultado esta conspirao, comeou a termedo por si prprio, e esgotou-se em liberalidades para attra-hir os veteranos de Csar, que chamou em seu soccorro e aoda Republica. Quando reuniu foras, tomou o commando, comopropretor,

    le foi encarregado de ir, com Hircio e Pansa, no-

    meados cnsules, soccorrer Decimo Bruto.Esta expedio terminou em trs mezes e em dois comba-

    tes. No primeiro, fugiu, se dermos credito a Antnio, e s

    Magistrado que fazia as vezes e pretor.

  • ROMA GALANTE 43

    reappareceu dois dias depois, sem cavallo e sem armadura.Todos esto de accrdo que, no segundo combate, preencheuos deveres d'um chefe e d'um soldado, e que tendo sido fe-rido o porta bandeira da sua legio na refrega, poz a sua guiasobre os hombros, e a trouxe por muito tempo.

    Hircio e Pansa morreram n'esta guerra, um n'um combate,outro dos ferimentos que recebera. Divulgou-se que Augustofora culpado d'estas mortes; que depois da derrota de Ant-nio, a republica estando sem cnsules, esperava vr-se o nicosenhor do exercito victorioso. O certo que a morte de Pansaexcitou taes suspeitas, que Glycon, seu medico, esteve algumtempo preso, sendo accusado de lhe ter envenenado as feri-das. Aquilio Niger affirma que foi o prprio Augusto que ma-tou Hircio na refrega.

    Fosse o que fosse, quando Augusto soube que Antnio, de-pois de ser derrotado, fora recebido no campo de Lpido, eque os outros generaes, assim como suas legies, eram dedi-cados ao senado, no hesitou em abandonar este partido. Alle-gou, para pretexto d'esta mudana, que tinha razes de sequeixar das suas palavras e das suas aces; que uns o ha-viam tratado como creana ; outros tinham dito ser precisolouval-o e perdel-o, e oppozeram-se s recompensas que lheeram devidas e aos seus veteranos.

    Para fazer accentuar mais o arrependimento que sentia deter servido o senado, condemnou a uma indemnisao consi-dervel os habitantes de Nursio, que haviam erigido um mo-numento aos soldados da republica mortos deante de Mo-dena, com esta inscripo: A's uictimas da liberdade, e comono pudessem pagar esta indemniso, expulsou-os da ci-dade.

    Unido com Antnio e Lpido, terminou a guerra de Ma-cednia nos campos de Philippes, apezar de enfraquecido peladoena. Teve dois combates. No primeiro, foi expulso do seucampo e obrigado a refugiar-se junto de Antnio : no segundoa victoria se declarou a seu favor; mas no usou com mode-rao. Enviou a Roma a cabea de Bruto para que fosse postaaos ps da estatua de Csar.

    Saciou-se contra os prisioneiros mais illustres, chegandomesmo a insultal-os de palavras. Um d'elles lhe supplicava

  • 44 ROMA GALANTE

    com instancia que lhe concedesse sepultura, e teve como res-posta, que s abutres tomariam esse cuidado.Um pae e um filho lhe pediram a vida, e Augusto ordenou

    que tirassem sorte, ou que combatessem juntos, promettendoperdo ao vencedor. O pae foi ao encontro da espada do fi-lho, e este se atravessou com a sua prpria; Augusto viu- osexpirar. Tambm quando Favonio, o imitador de Cato e ou-tros prisioneiros appareceram algemados na presena dostriumviros, saudaram Antnio com respeito, chamando-lhe im-perador, e acabrunharam Augusto com as mais picantes inju-rias.

    Na partilha que seguiu victoria, Antnio se encarregoudos negcios do Oriente; por sua causa trouxe Itlia os ve-teranos, para os pr de posse das terras que lhe estavam pro-metidas. Descontentou toda a gente; os possuidores queixa-ram-se de serem expoliados, e os soldados de no serem bas-tante recompensados.

    N'este mesmo tempo, L. Antnio, o irmo do triumviro,quiz excitar tumultos em Roma. O consulado que exercia e opoder de seu irmo alimentaram lhe as esperanas. Augustoo forou a retirar- se da frente da Perusa e ali o tomou pelafome; mas no procedeu assim sem correr graves perigos n'estaguerra, e mesmo antes do cerco.

    Aconteceu que nos jogos pblicos, um soldado subiu paracima dum dos 14 bancos destinados aos cavalleiros: Augustomandou um lictor intimal-o a sair d'ali. Os seus inimigos, ummomento depois, fizeram correr o boato que o soldado aca-bava de morrer nos tormentos

    ;excitou-se uma tal sublevao

    entre os companheiros, que Augusto esteve em risco de sermorto

    ;mas felizmente para elle, o soldado que se julgava

    morto, appareceu de repente so e salvo. Outra vez, offere-ceu um sacrifcio ao p dos muros de Perusa ; um grupo degladiadores saiu bruscamente da cidade, e quasi o mataram.

    Depois da tomada d'esta praa mandou fazer mo baixasobre quasi todos os seus inimigos, e preveniu as suas des-

    culpas e seus pedidos, com esta nica palavra : E' precisomorrer!

    Tem-se escripto que Augusto escolheu trezentos nas duasordens para os imolar como victimas, no dia dos idos de maro,

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    sobre um altar consagrado a Csar; outros acreditaram quefora elle s quem excitara esta guerra, afim de que os seusinimigos secretos e os que o medo continha mais que a incli-nao se fizessem conhecer pondo- se disposio do partidode Antnio, e que os seus despojos o ajudassem a pagar aosveteranos.

    Comeou a guerra de Siclia, que se alongou muito e foi mes-mo interrompida muitas vezes, ora com o fim de haver tempode reparar as perdas que lhe causaram dois naufrgios, soffri-dos durante o vero; ora para satisfazer o povo, a quem osviveres estavam cortados, e que, soffrendo muito de fome,pedia a paz em altos gritos.

    Emfim, vendo navios novos e vinte mil escravos libertos quetinha feito marinheiros, mandou construir o porto Jlio, aop de Baies, reunindo o lago Lucrain e o lago de Averno, efazendo ahi descer o mar. Depois de ter exercitado as suastropas durante todo o inverno, bateu o joven Pompeu entreMeyle e Nauloque. Achava-se profundamente adormecido nomomento do combate; foi preciso despertal-o para dar o si-gnal, o que eu creio, deu logar a Antnio lhe censurar que,no tinha tido mesmo a coragem de sustentar o relance d'umabatalha campal; que ficara estendido como um homem est-pido, de olhos erguidos para o cu, no tendo deixado estaattitude, para se apresentar aos soldados, seno quando Agrip-pa pz em fuga os navios inimigos.

    Outros o accusam de ter dito, lembrando-se dos seus na-vios despedaados pela tempestade, que tinha vencido em des-peito de Neptuno, e de ter mandado tirar a estatua d'este deus,que levaram para os jogos do Circo.

    Esta guerra foi a que Augusto esteve exposto a mais pe-rigos. Depois de ter feito passar as tropas para a Sicilia, ia ellemesmo mandar vir o resto que estava ainda na Itlia, e toiatacado de improviso por Demochares e Apollophane, te-nentes de Pompeu, e salvouse a muito custo com um s na-vio.

    Indo a p a Rhge, junto de Locres, viu duas galeras dePompeu que costeavam a praia; tomou -as como duas dassuas, e tendo-se aproximado, esteve arriscado a ser aprisio-nado. Fugiu por veredas solitrias. Um escravo de Emlio

  • 46 ROMA GALANTE

    Paulo, que o acompanhava, lembrando-se que n'outro tempohavia proscripto o pae do seu senhor, aproveitou a occasioda vingana, e quiz matal-o.

    Depois da fuga de Pompeu, Lpido, um dos triumviros queOctvio havia chamado d'Africa em seu soccorro, altivo, decommandar 20 legies, pretendeu ter a primeira graduao,e tomou o tom da arrogncia e da ameaa; despojou-o docommando, deixando-lhe a vida que pedia de joelhos, e des-terrou-o perpetuamente para a ilha de Circe.Rompeu emfim com Marco Antnio, depois de frequentes

    discrdias e de vagas reconciliaes, e para provar quantoeste triumviro feria os costumes de Roma, mandou abrir e lerpublicamente um codicillo que tinha deixado, pelo qual met-tia no numero dos seus herdeiros os filhos de Clepatra ; com-tudo, depois de o ter feito declarar inimigo da republica, lhereenviou todos os seus parentes e os seus amigos, entre ou-tros Caio Sosio e Tito Domicio, ento cnsules. Dispensoutambm os Bolonezes, que estavam sempre sob a protecoda famlia de Antnio, de pegar em armas contra elle com oresto da Itlia.

    Pouco tempo depois o desafiou n'uma batalha naval ao pde Accio; o combate durou at ao fim da tarde e Augusto,vencedor, passou a noite no seu navio. D'Accio, foi tomaros quartis de inverno em Samos, ali soube que os soldadosque tinha enviado a Brindes depois da victoria, tomados indis-tinctamente de todos os corpos, se haviam sublevado e pe-diam licenceamento e recompensas. Retomou o caminho daItlia e foi batido duas vezes pela tempestade, primeiro entre ospromontrios do Peloponeso e de Etolia, depois ao p dosmontes Cerannienses. Uma parte das embarcaes ligeiras queo seguiam, ficou submergida, e o seu navio perdeu todos osapparelhos e o leme.

    Demorou-se somente 25 dias em Brindes para os seus ar-ranjos militares, e veiu ao Egypto pela sia Menor e a Svria.Sitiou Alexandria, para onde Antnio se havia retirado comClepatra, e bem depressa se assenhoreou d'ella. Antnio quizfalar de paz, mas j no era tempo ; foi forado a matar-se,e Augusto gozou aquelle espectculo. Desejaria bastante con-duzir Clepatra em triumpho, e como se acreditara que fora

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    mordida por um aspic, fez sugar a chaga pelos psyllos.J

    Permittiu que fosse sepultada com Antnio, e ordenou mesmoque se comprasse um tumulo que elles tinham comeado aconstruir.O joven Antnio, o mais velho dos filhos que o triumviro

    tivera de Fulvia, muito depois de rogativas inteis, se haviarefugiado ao p da estatua de Csar; d'ali o arrancaram parao levarem morte. Casario, que passava por filho de Csar,foi attingido na sua fuga e mandado ao supplicio. Augustopoupou os outros filhos que Antnio tivera da rainha, tra-tou-os como seus parentes e lhes preparou uma situao di-

    gna do seu nascimento.Mandou abrir o tumulo de Alexandre, e tirar o corpo. Pz-

    lhe uma coroa de ouro na cabea, cobriu-o de flores e pres-tou-lhe todas as espcies de homenagens, e como lhe pergun-tassem se queria ver tambm o de Ptolomeu, respondeu :Quiz ver um rei, e no mortos.O Egypto foi reduzido a provncia romana, e para a tornar

    mais frtil e de muito maior recurso para Roma, mandou lim-par pelos seus soldados todos os canaes feitos para receberas innudaes do Nilo, e que por falta de tempo, se tinhaminfectado d'um lodo estagnado.

    Para perpetuar a memoria da batalha de Accio, mandouedificar sobre esta mesma costa Nicopolis; e ali estabeleceujogos que se deviam celebrar todos os cinco annos. Engrande-ceu o antigo templo de Apollo Actiaquio, e o logar onde ti-nham acampado as suas tropas terrestres foi consagrado aMarte e a Neptuno, e ornado com um tropho azul.

    Descobriu e suffocou logo nascena sedies, revoltas,conjuraes que se formaram contra elle em differentes tem-pos : a do joven Lpido, a de V/arro Murna, de Fannio Ce-pio, d'Egnace, de Plaucio Rufo, de Lcio Paulo, seu alliado,d'Audasio, accusado de hypocrita e enfraquecido pela edadee pela doena; d'um certo Epicade, semi-Partha e semi-Ro-mano; e emfim, de Telepho, escravo e nomenclador d'uma

    1 Povo a Lybia. Plinio iz que tinha o om e fascinar as serpen-tes.

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    mulher romana, porque teve de recear at dos mais vis doshumanos. Audasio e Epicade queriam roubar sua filha Jlia eseu sobrinho Agrippa das ilhas onde estavam exilados. Tele-pho que se julgava destinado ao imprio, tinha planeado des-truir Augusto e o senado. Serviu-se at d'um vagabundo doexercito da Illyria, que se encontrou escondido ao p do seuleito

    ;havia escapado a todas as vigi