Sujeitos processuais penais

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    Quirino Soares

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    Na estrutura do CPP, o legislador colocou o  juiz e o tribunal entre os sujeitos processuais, e ao

    mesmo nível dos restantes sujeitos, o que, embora possa ter algum significado como negação do

    processo penal enquanto  processo de partes, não se coaduna com a função de soberania que o

     juiz exerce e com o consequente feixe de poderes que o próprio código lhe atr ibui.

    O processo penal não é, com efeito, e ao contrário do processo civil, um  processo de partes, no

    tradicional sentido que esta expressão assume na literatura e prática jurídicas: um processo em

    que a acusação e a defesa, ou, numa perspectiva civilista, quem pede e quem contradiz,

    assumem e digladiam entre si, e em plena igualdade, interesses opostos, de que dispõem, perante

    uma entidade, o tribunal, imparcial e independente, que assiste passivamente ao confronto.

    De um  processo de partes, naquele sentido, pode, com propriedade, falar-se a respeito do

    processo civil, não obstante a tendência moderna, mas iniciada há já muitos anos, para a

    absorção de regras próprias dos princípios da oficiosidade. Deste último cariz são, p. ex., as

    normas dos art.24º (iniciativa do juiz no suprimento da incapacidade judiciária e da irregularidade

    da representação), 264º, 2 (tomada em consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais

    que resultem da discussão da causa), 265º ( poder de direcção do processo e princípio do

    inquisitório), 508º, 1 (suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos

    articulados), 645º (inquirição por iniciativa do tribunal ), 653º (audição das pessoas que o tribunal

    entender e realização das diligências que considere necessárias, tudo com vista ao

    esclarecimento dos factos), todos do CPC.

    Tirando isso, fácil é reconhecer no processo civil as características apontadas ao  processo de

     partes, bastando, para o efeito, uma leitura dos art.3º, (necessidade do pedido e da contradição),

    3º-A (igualdade das partes), 264º ( princípio dispositivo), 272º e 273º (alteração do pedido e da

    causa de pedir ), 290º (compromisso arbitral ), 293º (liberdade de desistência, confissão e

    transacção), todos do CPC.

    No processo penal, como se verá de seguida, o MºPº, enquanto titular da acção penal, e

    protagonista principal da acusação, detém uma posição dominante nas primeiras fases do

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    processo, especialmente durante o inquérito, que dirige (art.263º), sob o princípio do inquisitório e,

    eventualmente, do segredo.

    Na instrução, que, como veremos é uma fase facultativa do processo destinada à confirmação

     judicial da decisão final do inquérito (acusação ou arquivamento), e que é composta de duas fases

    (actos de instrução e debate instrutório, por esta ordem), a primeira fase (dos actos de instrução) é

    dirigida, de maneira inquisitória, pelo juiz de instrução.

    Só com a chegada à fase do debate instrutório é que o processo se abre ao pleno contraditório e à

    plena igualdade de armas que caracterizam o “processo de partes”.

    Constitucionalmente falando, só para a audiência de julgamento é que se encontra garantido o

    pleno contraditório (art.32º, 5, CRP), mas, como acabo de dizer, essa parificação das “partes” é

    uma realidade a partir do debate instrutório ou a partir da acusação, quando a instrução não tenha

    sido requerida.

    No processo penal, como também se dirá, o MºPº orienta-se por critérios de legalidade e, nessa

    medida, não pode dispor da iniciativa processual nem do objecto do processo: tem de promover o

    procedimento, de acordo com o que resulta da lei e não pode dispor do seu objecto, desistindo do

    procedimento ou negociando sobre ele.

     Assim não acontece, em regra, no processo civil, onde a iniciativa processual é livre, assim como

    o é a disponibilidade do objecto do processo2.

    No processo penal, ainda, o MºPº, apesar de representante da acusação, orienta-se por critérios

    de estrita objectividade (art.53º, 1), de acordo com a sua função institucional, e, nessa medida,

    não lhe cabe pugnar pela condenação do arguido, tout court ,  mas, sim, pela descoberta da

    verdade e a realização do direito, numa atitude em tudo semelhante à do próprio juiz.

    É, aliás, neste enquadramento que se compreende o poder-dever do MºPº de interpor recursos

    “no exclusivo interesse da defesa” (art.53º, 2, d).

    2 A excepção está nos casos de iniciativa oficiosa da acção, como é o das acções oficiosas de investigação da paternidade ou maternidade, ou de impossibilidade de desistência, transacção ou confissão sobre o pedidorespeitante a direitos indisponíveis (cf. art.1808º e ss., 1864º e ss., do Código Civil (CC), e 299º, CPC

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    Por regra, e como se vê, o processo penal só assume características de um “processo de partes”

    na fase de julgamento e, mesmo aí, com a importante reserva de que uma das “partes”, o MºPº,

    não prossegue, em abstracto, interesses contrapostos aos da defesa, uma vez que, como disse, o

    seu compromisso é com a verdade e a realização do direito.

    Juiz e Tribunal

     Ao falar de juiz e de tribunal, fala-se necessariamente em jurisdição e competência.

     A jurisdição, como poder de, no âmbito da administração da justiça, aplicar a lei e seus juízos de

    valor, lei de determinada natureza (civil; penal; administrativa; financeira; constitucional); a

    competência, como repartição da jurisdição entre os tribunais, como medida de jurisdição de cada

    um.

     A aplicação da lei serve a justiça e esta cumpre-se na “defesa dos direitos e interesses legalmente

    protegidos dos cidadãos”, na repressão da “violação da legalidade democrática” e na dirimição dos

    “conflitos de interesses públicos e privados” (art.202º, 2, CRP 3).

    Este poder de administrar a justiça é um poder de soberania do Estado que, na repartição

    constitucional de poderes, foi confiada aos tribunais (artº202º, 1, CRP), ao lado e em paralelo com

    os demais órgãos de Estado titulares de outros poderes soberanos (Presidente da República,

     Assembleia da República e Governo, com seus poderes representativo e moderador, legislativo e

    executivo, respectivamente).

     A soberania do tribunal reside, então, no seu poder de, em total independência dos demais órgãos

    soberanos do Estado, administrar a justiça em nome do povo. O único limite à independência do

    tribunal é a própria lei e seus juízos de valor (artº203º, CRP e 3º, LOFTJ4).

    O juiz é o titular do tribunal, e a ele compete, por isso, pôr em acto a administração da justiça.

    E a este propósito fala-se da “reserva de juiz”, enquanto expressão do princípio de que só ao juiz

    compete tal tarefa soberana, em termos de se poder dizer que é materialmente inconstitucional

    toda a lei que atribua a outras entidades poderes compreendidos na administração da justiça.

    3 Constituição da República Portuguesa4 Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei 3/99, de 13/01, e alterada pelo DL 38/2003, de 8/03, e pela Lei 105/2003, de 10/12

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    Como suporte da total independência do tribunal, a lei revestiu os juízes, seus titulares, de

    garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade (artº216º, CRP e 4º, LOFTJ)5.

     A independência como garantia de não vinculação a quaisquer ordens ou instruções6.

     A inamovibilidade como significante de nomeação tendencialmente vitalícia7 .

     A inamovibilidade é uma garantia intimamente ligada ao princípio fundamental do juiz natural .

     A possibilidade de transferir um juiz sem motivos razoáveis e antecipadamente previstos na lei

    seria, naturalmente, uma forma de contornar as proibições derivadas daquele princípio

    fundamental do direito processual.

     A irresponsabilidade como garantia de não prestar contas, de qualquer natureza, pelas suas

    decisões, salvas as excepções consignadas na lei8, que compreendem matéria criminal9, civil10 e

    disciplinar 11.

    Esta três garantias devem ser encaradas não com um privilégio dos e para os juízes, mas, antes,

    como uma salvaguarda dos próprios cidadãos, na medida em que os seus direitos e liberdades

    perante os poderes e perante a sociedade só estarão verdadeiramente seguros se, quem tiver a

    função de dirimir os conflitos (o juiz), for independente, inamovível e irresponsável, no sentido

    indicado.

    Releva especialmente, a este respeito, o regime da responsabilidade civil. Ao proferir uma

    decisão, qualquer que seja a sua importância, o juiz pode fazê-lo tranquilamente, sem

    preocupações com que, mais tarde, alguém lhe venha pedir contas. Só se lhe exige que actue de

    boa fé, isto é, sem dolo, e com o mínimo de diligência exigível a qualquer servidor da causa

    pública (isto é, sem culpa grave).

    5 Cf., sobre a definição destas garantias, o disposto nos art.4º, 5º e 6º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais(EMJ), aprovado pela Lei 21/85, de 30/7, alterado, sucessivamente, pelo DL 342/88, de 28/9, e pelas Leis2/90, de 20/1, 10/94, de 5/5, 44/96, de 3/9, 81/98, de 3/12 e143/99, de 31/86 Art.203º, Const e 4º, 1, EMJ7 Art.216º, 1 Const e 6º, EMJ8 Art.216º, 2, Const e 5º, EMJ9 Cf. os capítulos III (Dos crimes contra a realização da justiça) e IV (Dos crimes cometidos no exercício de

    funções públicas), do Título V (Dos crimes contra o Estado), do CP10 Nº3, do citado art.5º, EMJ11 Art.81º e ss., EMJ

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    Como intérpretes da lei, garantes da legalidade democrática, dos direitos e interesses legalmente

    protegidos dos cidadãos, e dirimidor dos conflitos de interesses públicos e privados (artº202º, 2,

    CRP,), os tribunais têm direito à coadjuvação das demais autoridades (artº202º, 3, CRP, e 9º, 2,

    LOFTJ), e as suas decisões são obrigatórias para todas as entidades, públicas e privadas, que

    sejam seus destinatários, prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades (art205º, 2 e 3,

    CRP e 8º, LOFTJ).

     A competência para a administração da justiça penal constitui a  jurisdição penal e pertence aos

    tribunais judiciais12 (artº8º, CPP).

    O território nacional divide-se, para efeitos judiciários, e por ordem decrescente de área territorial,

    em distritos judiciais, círculos judiciais e comarcas (artº15º, LOFTJ).

     A organização dos tribunais judiciais faz-se em forma de pirâmide13, no vértice da qual se encontra

    o Supremo Tribunal de Justiça, com jurisdição sobre todo o território (artº25º, LOFTJ), no meio, os

    tribunais da Relação (artº47º, LOFTJ)14, com jurisdição sobre a área do respectivo distrito judicial,

    e, na base, os tribunais de 1ª instância, com jurisdição sobre área da comarca ou do círculo

     judicial15.

    Os tribunais judiciais de 1ª instância podem ser de competência genérica (competência definida no

    artº77º, LOFTJ), de competência especializada e de competência específica (artº64, LOFTJ)16.

     A competência especializada significa especialização em razão da matéria, independentemente da

    espécie ou forma de processo aplicáveis; a competência específica quer dizer especialização em

    razão da espécie de processo ou da forma de processo aplicáveis (art.64º, LOFTJ).

    São tribunais de competência especializada, na área penal (artº78º, a e g, 79º e 91º, LOFTT):

    12 Também pertencia aos tribunais militares, para determinados crimes previstos no Código de JustiçaMilitar, o que deixou de ser a partir da integração da justiça militar na comum (Lei 15/03, de 10/02, queintroduziu as competentes alterações na LOFTJ)13 Cfr. artº209º, 1, a, e 210º Const e 16º, LOFTJ14 Que, em regra, funcionam como 2ª instância (artº16º, 2, LOFTJ)15 Que são, em regra, os tribunais de comarca (artº16º, nº3, e 62º, nº1, LOFTJ); em regra, porque, como se

    dirá adiante, quer o Supremo quer as Relações também funcionam, para certos casos, como tribunais de 1ªinstância; o círculo judicial é uma agregação de comarcas (artº66º, LOFTJ)16 Cf., sobre o respaldo constitucional das disposições referidas, o art.211º, Const

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    Tribunal de instrução criminal  (para a instrução criminal e a pronúncia, e, também, para as funções

     jurisdicionais relativas ao inquérito)17 

    Tribunal de Execução de Penas  (para a execução da pena de prisão, da pena relativamente

    indeterminada e da medida de segurança de internamento de inimputáveis)18.

    São tribunais de competência específica, em matéria penal (artº96º, nº1, b, d e f, 98º, 100º e 102º,

    LOFTT):

    Varas criminais  (para a fase do julgamento e termos subsequentes, nos processos da

    competência do tribunal colectivo ou do júri)19 

    Juízos criminais (para a fase do julgamento e termos subsequentes, nos processos não atribuídos

    às varas nem aos juízos de pequena instância criminal)

    Juízos de Pequena Instância Criminal  (para os processos sumário, abreviado e sumaríssimo, isto

    é, os processos especiais, e para os recursos das decisões da autoridade administrativa em

    procedimento de contra-ordenações não atribuídos a outros tribunais).

    Os tribunais judiciais podem funcionar como tribunal singular, como tribunal colectivo ou como

    tribunal do júri, e, em casos especiais, com a intervenção de juízes sociais (artº67º, LOFTJ)20.

     A competência da estrutura colegial (tribunal colectivo e do júri) limita-se ao julgamento da

    causa21.

    O tribunal colectivo é composto por três juízes, um dos quais preside (art.105º, 1 e 107º, LOFTJ).

    O tribunal do júri  é composto pelos três juízes que constituem o tribunal colectivo competente e

    por quatro jurados efectivos e quatro suplentes, seleccionados entre os cidadãos inscritos no

    recenseamento eleitoral das freguesias integradas no âmbito da circunscrição judicial sobre que

    exerce jurisdição o tribunal (art.1º e 9º, 1 b, DL 387-A/87, de 29/12).

    A competência

    17 Cfr. o artº17º18 Cfr. o artº18º19 Cfr., a respeito, os artº13º e 14º, adiante analisados com mais pormenor

    20 Cfr. o disposto nos artº84º, nº2 (tribunais de menores) e 88º (tribunais de trabalho), e 112º (questões dearrendamento rural), todos da LOFTJ21 Cfr. artº106º e 111º, LOFTJ

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    Os critérios de distribuição da jurisdição penal pelos diferentes tribunais judiciais (critérios de

    atribuição de competência) estão estabelecidos no Código de Processo Penal e, subsidiariamente,

    na LOFTJ (artº10º).

    São vários os critérios:

    em razão da matéria , tendo em conta a natureza ou a gravidade da infracção;

    funcional, tendo em conta uma determinada fase do processo;

    territorial , tendo em conta a ligação do ilícito ou do seu autor a um local situado na área de

     jurisdição do tribunal, assim declarado competente;

    conexão, tendo em conta a ligação existente entre situações criminosas plurais.

    Competência material e funcional (artº10º a 18º).

    O legislador unificou estes dois critérios de atribuição de competência, por razões de ordem

    prática, e, nesses termos, distribuiu a competência criminal pela seguinte ordem de tribunais, em

    harmonia com o que, a respeito, se encontra, também, estipulado na LOFTJ:

    Supremo Tribunal de Justiça 

    Relações 

    Tribunal do júri

    Tribunal Colectivo

    Tribunal singular

    Tribunal de instrução criminal

    Tribunal de execução das penas.

    Nos artº11º e 12º e nos artº33º a 36º e 55º e 56º, LOFTJ, vem definida a competência do Supremo

    Tribunal de Justiça e das Relações, que, na essência, são tribunais de recurso.

    Mas, cabem-lhes outras importantes funções jurisdicionais, tais como o julgamento, em 1ª

    instância, de titulares de determinados órgãos do Estado, a realização dos actos jurisdicionais

    relativos ao correspondente inquérito e a direcção da correspondente instrução, assim como a

    resolução de conflitos de competência entre tribunais.

    O Supremo e as Relações funcionam em plenário e por secções, conforme os casos.

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    Nos termos da reforma de 200722, e da nova redacção dada aos art.11º e 12º, os referidos

    tribunais superiores passaram a poder funcionar, também, singularmente, através dos respectivos

    presidentes, ou dos presidentes das secções ou, ainda, de cada um dos juízes das secções

    criminais.

     Ao Supremo, em especial, compete, funcionando em plenário de secções criminais ou por

    secções criminais, conforme os casos:

    plenário das secções criminais23 

    -  julgar o Presidente da República24, o Presidente da Assembleia da República, e o Primeiro

    Ministro, pelos crimes praticados no exercício de funções;

    -  julgar os recursos das decisões proferidas em 1ª instância pelas secções25;

    -  uniformizar jurisprudência, nos termos dos artº437º e ss.;

    secções criminais

    -  julgar os processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das

    Relações e magistrados do MPº que exerçam funções junto destes tribunais, ou

    equiparados, e recursos em matéria contra-ordenacional a eles respeitantes;

    -  julgar os recursos que não sejam da competência do pleno das secções criminais;

    -  julgar os pedidos de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nos termos dos artº222º, e

    ss.;

    -  julgar os pedidos de revisão de sentença, nos termos dos artº455º, e ss., decretar a

    anulação de penas inconciliáveis e suspender a execução das penas quando decretada a

    revisão;

    -  julgar os pedidos de atribuição da competência a outro tribunal , nos casos de obstrução

    de jurisdição, nos termos dos artº37º e 38º.

    22 Lei 48/2007 de 29/0823 O plenário do Supremo, englobando, portanto, os juízes de todas as secções (cíveis, criminais e laboral),

    conhece e julga dos conflitos de competência entre as secções, conforme dispõe o artº11º, nº1, a24 Cfr. o artº130º, CRP25 Será o caso, p. ex., do julgamento previsto na alínea b, do artº36º, LOFTJ e no artº11º, nº3, a, CPP

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    Como disse, a recente reforma introduziu a possibilidade de os tribunais superiores

    funcionarem singularmente, em três níveis, desde o presidente até a cada um dos juízes das

    secções criminais, passando pelos presidentes de secção, atribuindo-lhes competências que,

    antes, cabiam ou ao plenário das secções ou às secções.

     Assim, e no que toca ao Supremo:

    Presidente

    - conhecer e decidir sobre conflitos de competência entre secções do mesmo tribunal;

    - autorizar escutas telefónicas (intercepção, gravação e transcrição de conversações ou

    comunicações) em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia

    da República ou o Primeiro Ministro;

    Presidentes de Secção

    Conhecer e decidir sobre os conflitos de competência entre Relações, entre estas e os

    tribunais de 1ª instância ou entre tribunais de 1ª instância de diferentes distritos judiciais26;

    Juiz de cada uma das secções

    -  praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate

    instrutório e proferir decisão instrutória nos processos referidos na alínea a) do nº3 e na

    alínea a) do nº4, do art.11º, isto é, nos processos para cujo julgamento o Supremo tem

    competência em 1ª instância dada a qualidade dos arguidos: Presidente da República,

    Presidente da Assembleia da República, Primeiro Ministro, pelos crimes praticados no

    exercício de funções, juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações e

    magistrados do MPº que exerçam funções junto destes tribunais.

     Às Relações, compete, em especial, funcionando por secções criminais:

    - julgar recursos;

    -  julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito e juízes militares de 1ª

    instância, procuradores da República e procuradores -adjuntos, e recursos em matéria de

    contra-ordenações a eles respeitantes27;

    26 Antes da reforma, a competência era das secções criminais

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    -  julgar os processos judiciais de cooperação judiciária internacional em matéria penal28;

    -  julgar os processos de revisão e confirmação de sentenças penais estrangeiras;

    e funcionando singularmente:

    Presidente

    conhecer e decidir sobre os conflitos de competência entre secções do mesmo tribunal;

    Presidentes de Secção

    conhecer e decidir sobre os conflitos de competência entre tribunais de 1ª instância sedeados na

    área do respectivo distrito judicial;

    Juiz de cada uma das Secções

    praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate

    instrutório e proferir decisão instrutória nos processos referidos na alínea a), do nº3, do art.12º, isto

    é, nos processos para cujo julgamento a Relação tem competência em 1ª instância, dada a

    qualidade dos arguidos: juízes de direito e juízes militares de 1ª instância, procuradores da

    República e procuradores -adjuntos.

     A competência do tribunal do júri  é definida no artº13º29.

    O tribunal do júri , que tem competência exclusivamente criminal, só intervém a requerimento30,

    que é irretractável, do MºPº, do assistente ou do arguido (artº13º, 1, 2 e 4).

    O  júri intervém no julgamento da matéria de facto e de direito, na decisão das questões da

    culpabilidade e da determinação da sanção (art.2º, 2, DL 387-A/87).

    27 Cfr. AUJ 2/2003, de 19.02.2003, no DR 1-A, nº95, de 23.04.03, segundo o qual “compete ao tribunal judicial de comarca a instrução e julgamento de processo crime em que o arguido à data dos factos fosse juiz de direito, e este haja sido, entretanto condenado disciplinarmente em pena de aposentação compulsiva,cuja execução não tenha sido declarada suspensa em recurso contencioso, entretanto interposto, nos termosdos artº106º e 170º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de Julho” ;a jurisprudência tem, além disso, considerado que o juiz de direito na licença ilimitada não goza de foroespecial (cfr. ac STJ de 21.05.89, in BMJ 387º/490, e Ac. Rel. Lxª, de 13.12.89, in CJ, XIV, tomo 5, pag.157)28 Processos de extradição, p. ex.29 Como se disse no capítulo da Parte Geral, a fls.4, o regime do tribunal do júri consta do DL 387-A/87, de29/12

    30 Deduzido no prazo da acusação, se requerido pelo MºPº ou assistente, e no prazo para requerer instrução,

    se requerido pelo arguido (artº13º, 3); no caso de ter havido instrução, o requerimento, quer do arguido, querdo assistente que não deduzira acusação, pode ser interposto nos oito dias seguintes à notificação da decisãoinstrutória

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    Sob o ponto de vista material , a competência do tribunal do júri   afere-se pelo seguinte tipo de

    crimes (artº13º, 1 e 2):

    -  contra a paz e a humanidade, previstos no título III, do livro II, CP;

    -  contra a segurança do Estado, previstos no capítulo I, do título V, do livro II, CP;

    -  previstos na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional (Lei 31/2004, de

    22/07)31 

    -  puníveis com pena de prisão superior a 8 anos32, que, por outras razões, não devam ser

     julgados em tribunal singular 33.

    Neste conjunto de atribuições do tribunal do júri, a LOFTJ, na revisão operada pela Lei 3/99, de

    113/01, introduziu duas ressalvas: a de os processos terem por objecto crimes de terrorismo ou

    respeitarem a criminalidade altamente organizada.

    O legislador entendeu por bem deixar aos magistrados os julgamentos que reclamam doses

    elevadas de profissionalismo.

     Ao tribunal colectivo  compete, nos termos do artº14º, o julgamento dos mesmos crimes que

    competem ao tribunal do júri, se a intervenção deste não tiver sido requerida, e, ainda:

    -  crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma

    pessoa;

    -  crimes cuja pena máxima, em abstracto, exceda 5 anos de prisão34, mesmo que a

    ultrapassagem desse limite resulte, apenas, de concurso de crimes 35 e 36, que não devam

    ser julgados em singular 37.

     A pena abstracta que constitui referencial da competência do tribunal do júri e do tribunal

    colectivo é a aplicável no processo, como se diz na parte final do artº15º.

    31 Acrescentado pela reforma processual de 200732 Levando em conta as circunstâncias qualificativas (artº15º)33 Esta ressalva respeita, se outras razões não houver, pelo menos à faculdade conferida ao MºPº pelo artº16º,334 Levando em conta as circunstâncias qualificativas (artº15º)35 As penas máximas aplicáveis aos crimes que integram o concurso podem ser inferiores àquele limite

    36 A precisão que consta da parte final da alínea b, do nº2, do artº14º, não se aplica à competência do tribunaldo júri, constante do nº2, do artº13º37 De novo, se põe a hipótese prevista no artº16º, 3.

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    Não são de considerar as penas com que aquela venha, eventualmente, a entrar em cúmulo

     jurídico, noutro processo.

    O tribunal singular   tem competência residual, relativamente ao tribunal do júri e ao tribunal

    colectivo (artº16º, 1) e, ainda, para o conhecimento e julgamento de (art.16º, nº2, a e b e nº3):

    -  crimes conta a autoridade pública (capítulo II, título V, livro II, do Código Penal);

    -  crimes cuja pena máxima aplicável seja igual ou inferior a 5 anos de prisão;

    -  crimes previstos na alínea b, do nº2, do artº14º, da competência do tribunal colectivo

    (mesmo em caso de concurso de infracções e ainda que essa competência resulte,

    apenas, do concurso de infracções), quando o Ministério Público, na acusação ou em

    requerimento, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior

    a 5 anos de prisão;

    neste último caso, o tribunal não pode aplicar pena superior àquele limite fixado pelo Ministério

    Público (art.16º, nº4).

    Esta é uma norma que o Tribunal Constitucional tem considerado como conforme à lei

    fundamental, não obstante as grandes reservas suscitadas pelos tribunais à sua aplicação.

    O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado a conformidade constitucional das duas

    normas: nº3 e nº4, do artº16º, pois considera que não põem em crise os princípios constitucionais,

    designadamente, os da legalidade, da igualdade, da  independência dos tribunais, da reserva da

    função jurisdicional  e do juiz natural 38.

    O Tribunal de Instrução Criminal  (artº17º) tem competência para:

    -  instrução39;

    38 Cfr., a este respeito, e só a título de exemplo, o ac. TC de 22.01.91, no processo 211/89, in ITIJ –  ACTC00002601 (com extenso sumário transcrito no Código de Processo Penal Anotado, de Maia Gonçalves,14ª ed., a fls.92-9439 Para a instrução relativa aos crimes para cuja investigação o Estatuto do Mº Pº (Lei 60/98, de 27/08) criouo Departamento Central de Investigação e Acção Penal  (Contra a paz e a humanidade; Organizaçãoterrorista e terrorismo; Contra a segurança do Estado, com excepção dos crimes eleitorais; Tráfico deestupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuiçãodirecta ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; Branqueamento de capitais; Corrupção,

     peculato e participação económica em negócio; Insolvência dolosa; Administração danosa em unidadeeconómica do sector público; Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; Infracçõeseconómico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia

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    Se a consumação se verifica por actos sucessivos ou reiterados (p. ex., lenocínio), releva o local

    do último acto (19º, 2, primeira parte).

    Se a consumação se realiza por um só acto susceptível de protelar-se no tempo (p. ex.,

    sequestro) releva o local onde tiver cessado a consumação – 19º, 2, segunda parte).

    Se não houve consumação, a competência afere-se pelo local do último acto de execução ou de

    preparação, supondo, é claro, a punibilidade da tentativa e dos actos preparatórios (19º, 3).

    Regras especiais

    Crime cometido a bordo de navio ou aeronave – artº20º

    Nos termos do artº4º, b, CP, “salvo tratado ou convenção internacional em contrário, a lei penal

    portuguesa é aplicável a factos praticados a bordo de navios ou aeronaves portugueses”. 

     A regra do art.20º dá o critério de atribuição da competência territorial para tais situações,

    atribuindo-a ao tribunal da área onde se situa o porto ou aeroporto de destino do agente que não

    seja tripulante (para onde o agente se dirigir ou onde desembarcar); se o agente for um tripulante

    ou o seu destino for o estrangeiro, a competência é do tribunal da área da matrícula do navio ou

    aeronave.

     A norma aplica-se mesmo nos casos em que o navio ou a aeronave se encontrem em águas

    portuguesas, visto que área das comarcas não abrange o mar, não passando para lá da linha da

    costa.

    Para qualquer outra hipótese, a competência pertence ao tribunal em cuja área ocorreu a primeira

    notícia do crime.

    Crimes de localização duvidosa ou desconhecida – 21º

    Trata-se de situações em que se sabe que o elemento relevante para a determinação da

    competência (p. ex., a consumação do crime) ocorreu numa de duas ou mais circunscrições, mas

    se não consegue apurar em qual delas exactamente ( localização duvidosa); e de situações em

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    que não foi, de todo, possível apurar a localização do referido elemento relevante, ainda que tão

    só nos termos amplos atrás mencionados (localização desconhecida).

    Localização duvidosa – qualquer dos tribunais das áreas em dúvida

    Localização desconhecida – o tribunal do local onde em primeiro lugar houve notícia do crime.

    Crime cometido no estrangeiro – 22º

    Competente territorialmente será o tribunal do local onde o agente tiver sido encontrado, ou o do

    seu domicílio, em alternativa, ou, ainda, na impossibilidade de recurso àqueles dois elementos de

    conexão, o local onde houve notícia do crime em primeiro lugar.

    Se só em parte cometido no estrangeiro, a competência afere-se pelo local do último acto

    relevante ocorrido em território nacional.

    Processo respeitante a magistrado – 23º

    Se for ofendido, pessoa com a faculdade de se constituir assistente ou parte civil magistrado que

    exerça funções no tribunal territorialmente competente, segundo as regras antes referidas, então a

    competência passa para o tribunal mais próximo, de igual hierarquia e espécie, salvo, como é

    evidente, se se tratar do Supremo Tribunal de Justiça.

     A hierarquia, como já foi dito, escalona-se em 1ª instância, Relação e Supremo Tribunal de

    Justiça, por ordem crescente de grau.

    Pela mesma ordem, a espécie reparte-se entre tribunal singular, tribunal colectivo e tribunal do

     júri42.

    Competência por conexão

     A conexão  que está na base da atribuição de competência é a que se dá entre crimes ou

    comparticipações criminosas.

     As regras, já estudadas, da competência funcional, material e territorial estão pensadas, como o

    próprio texto delas o indica, para a existência ou ocorrência de um só crime.

    42 Cfr., a este respeito, o ac. STJ de 16.01.90, in ITIJ - 040537

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     A pluralidade de crimes ou de participações criminosas com determinada conexão entre si suscita,

    no entanto, preocupações de economia processual, de eficácia de investigação e de harmonia de

     julgados, que tendem para a concentração processual.

    Quando a pluralidade de crimes é imputável ao mesmo agente, acrescem razões atinentes à

    avaliação da personalidade do arguido.

    Para atender a tais preocupações é que o legislador estabeleceu as regras da competência por

    conexão, ao lado das demais competências.

    Foi o legislador especialmente minucioso (mas não totalmente rigoroso e claro) na expressão dos

    motivos ou casos (como lhes chama) de conexão, tendo em conta que, de outro modo (isto é, não

    sendo suficientemente preciso), poderia ser posto em causa o princípio do juiz natural .

    O efeito da competência por conexão é, naturalmente, o da organização de um só processo para

    todos os crimes ou situações criminais determinantes da conexão, ou a apensação dos que,

    entretanto, se tenham instaurado (art.29º).

     A conexão relevante pode ser:

    subjectiva (o elemento polarizador é o agente)

     –  art.24º, 1, a e b (agente que pratica vários crimes através da mesma acção ou

    omissão43, ou na mesma ocasião44 ou lugar 45, ou sendo uns causa ou efeito dos outros46,

    ou, ainda, destinando-se uns a continuar ou ocultar os outros47);

    - art.25º - (agente que pratica vários crimes para cujo conhecimento, segundo as regras de

    competência territorial, sejam competentes tribunais sedeados na mesma comarca);

    objectiva (pluralidade de agentes polarizada no mesmo crime ou pluralidade criminosa referida a

    pluralidade de agentes)

     – 24º, 1, c (o mesmo crime é cometido por vários agentes em comparticipação);

    43 O chamado concurso ideal de crimes44 Ocasião: circunstância oportuna para a realização do crime45 Lugar significa o local do crime; não significa, p. ex., localidade, nem, mesmo, bairro ou rua.46 A ofensa corporal relativamente à coacção

    47 A ofensa corporal relativamente ao lenocínio ou a ocultação ou destruição do cadáver relativamente aohomicídio; também a receptação relativamente ao furto ou o favorecimento pessoal relativamente ao crimeinvestigado.

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    Se, por outro lado, os processos devessem ser da competência de tribunais com jurisdição em

    diferentes áreas territoriais ou com sede na mesma comarca, é competente:

    -  o tribunal competente para conhecer o crime mais grave;

    -  em caso de crimes de igual gravidade, aquele à ordem de quem o arguido, ou o maior

    número de arguidos estiverem presos;

    -  se o número de arguidos presos for igual, ou não houver presos, o tribunal da área onde

    primeiro houver notícia de qualquer dos crimes.

     A competência por conexão interfere, pois, sobrepondo-se-lhes, às competências territorial e

    material/funcional.

    Não de todo, porque, na escolha do tribunal competente para o processamento conjunto, dá como

    antecipadamente fixada a competência que resultaria da aplicação dos outros critérios a cada um

    dos crimes integrantes da pluralidade.

    Mas, não opera entre processos da competência dos tribunais de menores e processos criminais

    (artº26º)51.

     A competência por conexão não deve ser encarada como um desvio às outras regras de

    competência, mas, sim, como o critério de distribuição da jurisdição penal relativamente a

    situações criminosas plurais com alguma ligação entre si.

    Separação de processos – art.30º

    Não obstante a competência por conexão, e sem prejuízo dela, o juiz pode oficiosamente, ou

    mediante requerimento do MºPº, do arguido, do assistente ou da parte civil, ordenar separação de

    algum ou alguns processos, nos seguintes casos provocados pela conexão, em que esta se

    mostra inconveniente:

    -  interesse ponderoso e atendível de qualquer arguido, nomeadamente, no não

    prolongamento da prisão preventiva;

    50  A conexão, neste caso, só interessa a processos relativamente aos quais o tribunal hierarquicamente

    superior funcione em 1ª instância51  Entre os processos da competência dos tribunais de menores, há a espécie  processo tutelar , cujainstauração se baseia na prática de um facto qualificado legalmente como crime (cf. Lei 166/99, de 14/09)

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    -  grave risco para a pretensão punitiva do Estado, para o interesse do ofendido ou do

    lesado;

    -  retardamento excessivo do julgamento de qualquer dos arguidos;

    -  declaração de contumácia, ou julgamento na ausência de um ou alguns dos arguidos e o

    tribunal tiver como mais conveniente a separação.

    Como se trata de um julgamento de conveniência, em que ao juiz cabe uma dose grande de

    discricionariedade, nada impede que, alterados os pressupostos, também se altere a atitude do

    tribunal, ordenando, de novo, a conexão52.

    O requerimento do júri por algum dos co  – arguidos pode, também, servir de fundamento a um

    pedido de desapensação por parte do outro ou outros (nº2, do artº30º) 53. Neste caso, só a pedido

    do interessado, e não oficiosamente, é que a desapensação terá lugar.

    Não obstante o emprego da palavra “pode”, quanto à decisão do tribunal sobre um tal pedido,

    deve entender-se que, nessa hipótese, o juiz não goza de um poder discricionário, visto que não

    seria razoável sujeitar o arguido a um tribunal que não desejou, e que só intervém em virtude do

    requerimento do seu co-arguido.

    Salvo no que respeita ao pedido fundamentado na intervenção do júri, a lei não diz até quando a

    desapensação deve ser feita ou requerida.

    Sendo assim, é razoável entender que todo o tempo antes de iniciada a audiência de julgamento é

    tempo apropriado para aquele efeito54.

     A competência determinada pela conexão mantém-se55 mesmo após a separação. Separam-se os

    processos mas não cessa a competência derivada da conexão (art.31º, b).

     A competência por conexão mantém-se56, também, mesmo que, relativamente ao crime ou crimes

    determinantes da competência, o tribunal profira absolvição ou a responsabilidade criminal se

    extinga antes do julgamento (art.31º, a).

    52 É neste sentido a opinião de alguma jurisprudência: ac. Rel. Lxª, de 21.10.98, in CJ , ano XXIII, tomo 4, pag.153; ac. Rel. Coimbra de 2.06.99, in CJ, ano XXIV, tomo 3, pag.5353 Neste caso, o requerimento deve ser feito nos oito dias posteriores à notificação do despacho que admitiu a

    intervenção do júri54 Neste sentido, o ac. Rel. De Lxª, de 14.10.98, in CJ ano XXIII, tomo 4, pag.15355 Por isso é que, atrás, disse que a separação se faz “sem prejuízo da competência por conexão” 

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    Declaração de incompetência  – artº32º e 33º

     Até ao trânsito em julgado da decisão final, a incompetência do tribunal é por este conhecida e

    declarada oficiosamente, e pode ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido e pelo

    assistente.

    Isto, em consonância com o disposto no art.119º, e, que declara nulidade insanável 57 a violação

    das regras de competência do tribunal .

    Porém, tratando-se de incompetência territorial, ela só pode ser deduzida:

    -  até ao início do debate instrutório, tratando-se de juiz de instrução;

    -  até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento.

    Iniciado qualquer um dos referidos actos, não será mais possível pôr em causa a competência

    territorial do juiz de instrução ou a do tribunal do julgamento.

    Efeitos da declaração de incompetência – 33º

    -  remessa dos autos para o tribunal competente, excepto se se tratar de incompetência

    internacional (neste caso, o processo é arquivado);

    -  prática, pelo tribunal que se declarou incompetente, dos actos urgentes;

    -  anulação, pelo tribunal competente, dos actos que não teriam sido praticados se o

    processo tivesse decorrido perante ele e repetição dos necessários ao andamento do

    processo (só se anula, pois, o acto que não teria sido praticado se o processo tivesse

    decorrido no tribunal competente; os actos que, em qualquer caso, este teria de praticar,

    não se anulam, em homenagem ao princípio da economia processual );

    -  conservação da eficácia das medidas de coação e de garantia patrimonial decretadas pelo

    tribunal declarado incompetente, que devem, porém, ser reavaliadas no mais breve prazo.

    Se o juiz do tribunal ao qual o processo for remetido não aceitar a competência, não pode devolver

    o processo à origem.

    Proferirá despacho fundamentado, declarando competente o primeiro tribunal ou um terceiro.

    Neste último caso, procede como o primeiro tribunal: remete o processo.

    56É por isso que atrás disse que a separação se faz “sem prejuízo da competência por conexão” 57 Adiante, no capítulo dedicado aos Actos Processuais, se abordará o tema das nulidades.

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    Se todos se declararem incompetentes, então o impasse deve ser resolvido junto do tribunal de

    menor hierarquia com jurisdição sobre os tribunais em conflito, por intervenção oficiosa do último

    tribunal ou a requerimento do MºPº, do arguido ou do assistente. 

    Conflito de competência  –34º a 36º

    O conflito pode ser positivo ou negativo, conforme os tribunais (dois ou mais), da mesma ou de

    diferente espécie, se declaram competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo

    processo58.

    Só existe conflito, nesta perspectiva, se os tribunais em oposição tiverem o mesmo grau dentro da

    competência hierárquica. Os tribunais em conflito, como diz o nº1, do artº34º, podem ser da

    mesma espécie ou de espécies diferentes, mas, por isso mesmo, devem estar no mesmo grau

    hierárquico.

    Os conflitos entre tribunais de diferente hierarquia resolvem-se, naturalmente, pela prevalência da

    decisão do tribunal de grau superior, em harmonia com o disposto na parte final do nº1, do artº4º,

    do EMJ59 e 60.

    O nº2 do art.34º possibilita a cessação antecipada do incidente se, no seu decurso, a divergência

    entre os tribunais acabar e houver uma declaração de um dos lados do conflito a aceitar a decisão

    tomada pelo outro lado.

    Denúncia do conflito (artº35º)

    Como se disse, o conflito deve ser suscitado oficiosamente, e também poderá sê-lo pelo Ministério

    Público, o arguido ou o assistente, junto da entidade competente que é a estabelecida nos art.11º

    e 12º61.

    58 O AUJ de 16.10.91, in DR 1-A, de 22.11.91, fixou jurisprudência, no seguinte sentido: “Não configuraconflito a resolver pelas Relações ou pelo Supremo a recusa do tribunal deprecado em cumprir carta-

     precatória expedida por outro tribunal para inquirição de testemunhas em processo por transgressão, comfundamento em que a lei não autoriza tal acto ou diligência” 59 Estatuto dos magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30/07, e sucessivamente alterado pelosseguintes diplomas: DL 342/88, de 28/09; Lei 2/90, de 20/01; Lei 10/94, de 5/05; Lei 44/96, de 3/09; Lei81/98, de 3/12; Lei 143/99, de 31/0860 A este respeito, de conflitos entre tribunais de diferente hierarquia, e seguindo a solução definida no texto,

    cfr. os ac. STJ de 2.02.2000, in ITIJ 99P632, e de 22.11.2001, no recurso61 Antes da reforma processual de 2007, a denúncia devia ser feita junto do tribunal de menor hierarquia com jurisdição sobre os tribunais em conflito

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    Entre as novidades da reforma processual de 2007 62, conta-se a agilização e simplificação do

    procedimento de denúncia e resolução dos conflitos de competência, atribuindo a competência

    para o seu conhecimento e decisão a um órgão individual (o presidente do Supremo ou os

    presidentes das Relações, ou, ainda, os presidentes das respectivas secções criminais, conforme

    os casos), eliminando a fase de resposta dos tribunais em conflito, prevista na anterior redacção

    do nº2, do art.36º, e consagrando, em definitivo, a solução de irrecorribilidade da decisão que, no

    domínio da anterior regulamentação do incidente, não era questão pacífica.

    Se suscitado oficiosamente, o processado do incidente deve conter cópia de todos os actos e

    elementos necessários à resolução, bem como a indicação do Ministério Público, do arguido, do

    assistente e dos advogados respectivos.

    Se suscitado a requerimento, àqueles elementos e menções acresce a indicação das decisões e

    das posições dos sujeitos processuais em conflito.

    Resolução do conflito

    O procedimento de resolução do conflito consta do artº36º.

    Como disse, foi eliminada, relativamente à anterior redacção do preceito, a fase da resposta dos

    tribunais em conflito, que consumia um prazo de oito dias.

    Mantém-se, do antecedente, a fase das alegações, para o que é aberta vista ao MºPº e se

    notificam os demais sujeitos processuais com legitimidade para intervir, que poderão alegar no

    prazo de 5 dias após a vista ou a notificação; seguidamente, após recolhidas as informações e as

    provas tidas por necessárias, o conflito é resolvido por decisão individual da entidade competente.

     A decisão sobre o conflito é, como disse, irrecorrível63.

    62 Lei 48/200763  Na versão anterior destas lições, sob a vigência da reforma de 1998, escrevi:  É discutível se a resolução

    do conflito é susceptível de recurso, tendo em conta os dizeres do nº5 do art.36 e o disposto no art.400º nº1

    c63.

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    Na pendência do conflito, só é lícito realizar “os actos processuais urgentes”.  

    Tal como sucede no domínio da declaração de incompetência,  sem conflito, as medidas de

    coacção ou de garantia patrimonial que tenham sido ordenadas pelo tribunal declarado

    incompetente conservam eficácia, mas devem, no mais breve prazo, ser convalidadas ou

    infirmadas pelo tribunal declarado competente (art.36º – 4).

    Finalmente, importa esclarecer o seguinte: se o juiz se declara competente, a despeito de

    requerimento a solicitar a declaração de incompetência, a reacção do requerente insatisfeito será

    o recurso; a declaração, oficiosa ou a pedido, de incompetência, essa não é susceptível de

    recurso: ou o tribunal para quem o processo é remetido aceita a competência que o outro lhe

    atribui, ou, caso contrário, o problema é resolvido pela via da resolução de conflitos, agora

    estudada.

    Obstrução ao exercício da jurisdição  – artº37º e 38º

    Quando, em qualquer estado do processo, posterior ao despacho que designou audiência de

     julgamento:

    -  o exercício da jurisdição se revelar impedido ou gravemente dificultado;

    -  for de recear daquele exercício grave perigo para a segurança ou a tranquilidade públicas;

    -  a liberdade de determinação dos participantes no processo se encontrar comprometida,

    tudo em virtude de graves situações locais idóneas a perturbar o andamento do processo, este

    pode ser atribuído a outro tribunal da mesma espécie e hierarquia que se encontre o mais próximo

    possível do obstruído, e onde não seja previsível a ocorrência das mesmas perturbações.

    Trata-se de um desaforamento constitucionalmente admissível, porque circunscrito a casos de

    verdadeira impossibilidade de exercício sério e independente do poder judicial.

     Na circunstância, o acórdão da Relação tem o valor de decisão em 1ª instância63 , razão por que se não

    verifica o entrave do artº400º, nº1, c, além de que a regra do nº5, do artº36º deve ser entendida como de

    aplicação apenas quando a decisão do incidente transita em julgado.

     Deve concluir-se, pois, que a decisão do incidente é recorrível, ao abrigo do disposto no art.399º.

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     A constitucionalidade da solução está, por outro lado, reforçada com a taxatividade das causas de

    desaforamento e com a definição legal e antecipada, tanto quanto possível exacta, do tribunal

    competente.

    Compete às secções criminais do STJ, a pedido do tribunal, do Ministério Público, do arguido, do

    assistente ou das partes civis, apreciar e decidir se deve atribuir a competência a outro tribunal da

    mesma espécie e hierarquia que se encontre o mais próximo possível do tribunal obstruído e onde

    a obstrução previsivelmente se não verifique.

    O processamento e decisão do incidente segue o formato do do conflito de competência (art.38º -

    2), com alegações dos sujeitos processuais com legitimidade para intervir, recolha posterior das

    informações e provas tidas por necessárias e decisão final, da competência da secção criminal do

    Supremo à qual o processado tenha sido distribuído.

    O incidente não tem efeito suspensivo, mas, atentas as circunstâncias, o Supremo pode atribuir-

    lho, caso em que o tribunal pretensamente obstruído deve, apenas, praticar os actos processuais

    urgentes.

    Em harmonia com o que sucede no conflito de competência, as medidas de coacção ou de

    garantia patrimonial que tenham sido ordenadas pelo tribunal declarado obstruído conservam

    eficácia, mas devem, no mais breve prazo, ser convalidadas ou infirmadas pelo tribunal a quem foi

    atribuída a competência (art.38º - 2).

     Assim, também, devem ser reavaliados pelo tribunal designado todos os actos praticados pelo

    tribunal obstruído, para confirmação da respectiva eficácia ou sua repetição.

    Toda esta preocupação da lei com os actos praticados pelo tribunal obstruído tem como razão de

    ser a razoável suspeita de que eles poderão ter sido negativamente influenciados pelos atropelos

    à independência do tribunal ou à liberdade dos participantes no processo que estiveram na origem

    da atribuição de competência a outro tribunal.

    No nº5, do art.38º, pune-se severamente, em termos monetários, o arguido, o assistente ou a

    parte civil que tenha deduzido pedido manifestamente infundado.

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    Juiz conselheiro jubilado

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    Impedimentos, recusas e escusas  – 39º a 47º64 

    O prestígio dos tribunais e a confiança nas suas decisões 65  dependem intimamente da

    imparcialidade dos juízes, real e aparente.

    Impedimentos – artº39º e 40º

    Os impedimentos previnem situações que põem em causa a imparcialidade ou a independência,

    real ou aparente, do juiz em relação a determinado processo.

    Trata-se, aqui, pois, de impedimentos relativos ao processo e não de impedimentos relativos ao

    próprio tribunal66.

    O legislador consagrou, de forma taxativa, dois tipos de impedimentos:

    - relativo a relações com os sujeitos do processo (artº39º, nº 1, a e b, e 3)

    - relativo a relações com o próprio processo (artº39º, nº1, c e d e 40º)

    No artº40º, estabelece a lei que são impedientes de intervenção em julgamento, recurso ou pedido

    de revisão os seguintes actos praticados pelo juiz no correspondente processo67:

    - aplicação de alguma das medidas de coacção previstas nos art.200º a 202º ( proibição e

    imposição de condutas, obrigação de permanência na habitação e prisão preventiva);

    - presidência de debate instrutório;

    64 Sobre o regime dos impedimentos recusas e escusas, cf. o ac. STJ de 16.05.02, in ITIJ 01P3914, onde sedecide que não são de aplicar as regras semelhantes do CPC, por ser completa a regulamentação do CPP, atal respeito.65 “Confio na justiça”, ouve-se dizer com frequência66 Os impedimentos relativos ao tribunal constam do local próprio, que é o Estatuto dos Magistrados Judiciais

    (Lei 21/85, de 30/07) –  artº7º67 Redacção da reforma processual de 2007.Segundo a anterior redacção do preceito, eram impedientes da intervenção em recurso ou pedido de revisão aautoria ou co-autoria da decisão recorrida e eram impedientes da intervenção em julgamento a presidência dodebate instrutório ou a antecedente aplicação e posterior manutenção, na fase de inquérito ou na de instrução,de medida de prisão preventiva do arguido.A propósito da segunda parte da norma, disse, então:“ Note-se bem que os pressupostos da aplicação e da manutenção da prisão preventiva são de verificaçãocumulativa, e apenas relevam para a fase inicial do processo (inquérito ou instrução).O que releva, no impedimento previsto no art.40º, é a frequência, intensidade ou relevância da intervenção do

     juiz, propícias à sedimentação de pré-juízos condenatórios ou absolutórios.A actual redacção do artigo, introduzida pela Lei 3/99, de 13/01, veio na sequência do acórdão do TribunalConstitucional , que declarou, com força obrigatória geral, "a inconstitucionalidade da norma constante do

    artigo 40.º do CPP, na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito,decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido, por violação do artigo 32.º, n.º 5, daConstituição da República Portuguesa” 

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    - participação em julgamento anterior;

    - autoria ou participação em decisão de recurso ou pedido de revisão anteriores;

    - recusa de arquivamento em caso de dispensa de pena, de suspensão provisória do processo ou

    da forma sumaríssima por discordância acerca da sanção proposta pelo MºPº68.

     A assumida taxatividade dos apontados motivos de impedimento por participação em processo

    não exclui, a meu ver, a possibilidade de emergência de outros motivos, pois o que releva, para o

    efeito, é a frequência, ou a intensidade ou a relevância da intervenção anterior do juiz, propícias à

    sedimentação de pré-juízos condenatórios ou absolutórios.

    Toda a intervenção não prevista no art.40º que seja susceptível de induzir aquela predisposição

     judicatória deverá ser tratada da mesma forma que as expressamente previstas no art.40º, sob

    pena de inconstitucionalidade, por violação, nomeadamente69, do art.32º - 5 CRP. O que importa,

    ao fim e ao cabo, é assegurar ao arguido, como garantia fundamental de processo penal, todos os

    meios de defesa e um processo equitativo (artº20º - 4 e 32º - 1 CRP, 8º e 10º, DUDH, 6º CEDH, e

    14º PIDCP);

    O juiz tem por dever declarar-se imediatamente impedido (artº41º, 2).

     A declaração de impedimento pode ser requerida pelos restantes sujeitos processuais, a todo o

    tempo (artº41º, 1).

    É irrecorrível o despacho em que o juiz se declara impedido (art.42º - 1, 1ª parte), desde que,

    evidentemente, fundamente o seu despacho em alguma das situações contempladas na lei.

    Mas é recorrível, por outro lado, o despacho em que o juiz não reconhece o seu impedimento, nos

    termos do artº42º - 1, segunda parte, tendo o recurso efeito suspensivo, sem prejuízo da

    realização dos actos urgentes (nº3).

    Com ressalva do que foi dito acerca dos actos urgentes, são nulos os actos praticados pelo juiz

    impedido (artº41º - 3), excepto se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles

    não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.

    68  Sobre todo o historial e sentido da jurisprudência constitucional acerca do artº40º, cfr. o ac. TCnº297/2003, de 12.06, in DR 2ª série, de 3.10.200369 Cf. Ac TC n.º 186/98 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, nº 39. p. 87 ss.)

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    Recusas e escusas – artº43º a 45º

    Há motivo de recusa de juiz ou de o juiz pedir escusa se, para além das situações taxativas de

    impedimento, atrás analisadas, houver o risco de o juiz ser considerado suspeito, por existência de

    motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade – artº43º, nº1.

    Pode sê-lo, p. ex., a intervenção noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo, fora

    das situações de impedimento previstas no artº40º.

    O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito. Pode e deve, sim, suscitar a questão

    perante a entidade competente para decidir sobre o motivo de escusa apresentado.

    Prazos para o requerimento de recusa e o pedido de escusa: até ao início da audiência, da

    conferência, nos recursos, ou do debate instrutório, podendo sê-lo posteriormente, até à sentença

    ou à decisão instrutória, se os factos indicados como motivo forem supervenientes ao início da

    audiência ou do debate instrutório ou forem conhecidos após tal início (artº44º).

    Efeitos do deferimento da escusa ou da recusa sobre os actos do juiz: sendo diferentes as

    situações de impedimento e as que conferem motivo para a recusa ou a escusa, diferentes são,

    também, os efeitos sobre os actos praticados pelo juiz, num e noutro caso;

    os actos praticados pelo juiz recusado ou escusado antes do pedido de recusa ou de escusa são

    válidos, a não ser que deles resulte prejuízo para a justiça da decisão; os praticados

    posteriormente serão nulos, a não ser que não possam ser utilmente repetidos e que deles não

    resulte prejuízo para a justiça da decisão – art.43º, nº5.

    Processamento do incidente – artº45

    Perante o tribunal imediatamente superior ou, no caso de juiz do Supremo Tribunal de Justiça,

    perante a secção criminal deste tribunal, mas sem a participação do visado.

    Depois de apresentado o requerimento de recusa ou o pedido de escusa, o juiz visado apenas

    pode praticar os actos urgentes ou os necessários para assegurar a continuidade da audiência.

    O bom entendimento desta última afirmação não dispensa o conhecimento das normas do

    art.328º, designadamente, do nº6.

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    O incidente tem de estar resolvido (decidido) no prazo de 30 dias a contar do requerimento de

    recusa ou do pedido de escusa e a decisão é irrecorrível70.

    Tal como sucede com o pedido de atribuição de competência a outro tribunal, com fundamento em

    obstrução ao exercício de jurisdição, o requerimento de recusa de juiz que se revele

    manifestamente infundado dá lugar a sanção pecuniária severa (nº7).

    Remessa do processo  –  artº46º (o juiz impedido, recusado ou escusado deve remeter, de

    imediato, o processo para o juiz que, de acordo com a LOFTJ, o deva substituir 71).

    Extensão do regime a outros participantes processuais

    O regime de impedimentos, recusas e escusas é aplicável, com as necessárias adaptações, aos

    peritos, intérpretes e funcionários de justiça – art.47º.

    Ministério Público e órgãos de polícia criminal

    O Ministério Público (MºPº) é o titular da acção penal – artº219º, CRP, 1º do Estatuto do Ministério

    Público (EMP72) e 48º, CPP, orientado pelo princípio da legalidade73.

    O MºPº é um órgão do Estado ao qual competem funções constitucionalmente definidas:

    representação do Estado e defesa dos interesses que a lei determinar; participação na execução

    da política criminal definida pelos órgãos de soberania; exercício da acção penal; defesa da

    legalidade democrática (art.219º, nº1, CRP e 1º, EMP).

    Entre os interesses que lhe compete defender, contam-se, entre os mais importantes, os dos

    incapazes, dos incertos, dos ausentes em parte incerta, os interesses colectivos e difusos, como

    os do ambiente, do património, dos consumidores, e, também, os interesses de carácter social do

    trabalhadores (artº3º, EMP).

    Uma das funções emblemáticas do MºPº e aquela que interessa ao domínio do processo penal é a

    acção penal . O MºPº é o titular da acção penal.

    70 Inovações introduzidas pela reforma de 2007.71 Cfr. o artº68º, LOFTJ

    72 Aprovado pela Lei 47/86, de 15/10, com as seguintes e sucessivas alterações posteriores: Lei 2/90, de20/01; Lei 23/92, de 20/08; Lei 10/94, de 05/05; Lei 60/98, de 27/0873 Sobre o princípio da legalidade, cfr. Parte Geral, em Princípios Gerais do Processo Penal

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    Nessa qualidade, compete-lhe promover o processo penal, e, exercendo, para tal, os poderes que

    constam do art.53º, nº2 (receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o

    seguimento a dar-lhes; dirigir o inquérito; deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na

    instrução e no julgamento; interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa;

     promover a execução das penas e das medidas de segurança).

    Mas, nessa qualidade de titular da acção penal, não cabe ao MºPº, apenas, a promoção do

    processo penal, isto é, uma actuação apenas repressiva.

     A lei, com efeito, confiou-lhe funções de promoção e cooperação em acções de prevenção

    criminal (art.3º, nº1, al. i, EMP).

     A prevenção da criminalidade é uma actividade característica da administração pública, das

    polícias, mais concretamente. Não obstante, foi entendido que a intervenção do MºPº nesta área

    se justifica dada a convergência de objectivos da prevenção e da repressão, no âmbito de uma

    política criminal em cuja execução o próprio MºPº participa (citado artº3º, nº1, al.b).

    Como se vê, o MºPº é um órgão com dignidade constitucional, com importantes funções de

    representação do Estado, de defesa da sociedade e dos incapazes.

     A Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do MºPº.

    Preside-lhe o Procurador-Geral da República (PGR).

    Para além dos poderes específicos da presidência, tem o PGR, quer enquanto tal, quer como

    presidente daquele órgão, amplos poderes, elencados no art.12º, EMF, de que destaco os de

    dirigir, coordenar e fiscalizar a actividade do Ministério Público e emitir directivas, ordens e

    instruções a que deve obedecer a actuação dos respectivos magistrados e o de  fiscalizar

    superiormente a actividade dos órgãos de polícia criminal .

    São ainda órgãos do MºPº, por ordem de hierarquia: as Procuradorias-Gerais Distritais, nas sedes

    dos distritos judiciais74 e as Procuradorias da República, estas nas sedes dos círculos judiciais e

    nas comarcas sede de distrito judicial, dirigidas, respectivamente, por procuradores - gerais

    adjuntos e por procuradores da República.

    74 Para efeitos de organização judiciária, o território nacional divide-se em distritos judiciais, círculos judiciais e comarcas, por ordem decrescente de área (art.15º, nº1, LOFTJ)

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    Os agentes de base do MºPº são os procuradores - adjuntos, que exercem funções em comarcas

    ou grupos de comarcas.

     A representação do Estado junto dos tribunais é feita segundo a hierarquia antes referida, de

    acordo com o estabelecido no artº4º, EMP.

    O MºPº é uma magistratura autónoma mas não independente, como o é a magistratura judicial.

     A autonomia do MºPº caracteriza-se pela vinculação a critérios de legalidade e objectividade75 e

    pela exclusiva sujeição dos magistrados do MºPº às directivas, ordens ou instruções previstas na

    lei (artº2º, nº2, EMP). O MºPº goza, pois, de autonomia orgânica e funcional, estando excluída a

    interferência de outros poderes, nomeadamente o político e o judicial, na sua esfera de acção

    concreta, exceptuados os casos em que actua como advogado do Estado, na defesa dos

    interesses privados ou específicos do Estado, em que está obrigado a cumprir as instruções de

    ordem específica que o Ministro da Justiça lhe entenda transmitir 76.

    Dito de outro modo, e no que ao processo penal importa, a autonomia do MºPº caracteriza-se pela

    não ingerência do poder político no exercício concreto da acção penal e por um princípio de

    separação e paralelismo relativamente à magistratura judicial77.

     As relações do MºPº com o poder político fazem-se através do Ministro da Justiça, cujos poderes,

    relativamente àquela magistratura, constam do art.80º, EMP, e se podem condensar no seguinte:

    requisitar ou solicitar relatórios, informações de serviço, esclarecimentos, além de inspecções,

    sindicâncias e inquéritos aos serviços; fazer comunicações perante o Conselho Superior do MºPº;

    transmitir instruções específicas nos procedimentos não penais em que o Estado seja interessado

    e autorizar o MºPº a confessar, transigir ou desistir nas acções cíveis em que intervenha como

    representante do Estado.

    Disse atrás que o MºPº não é uma magistratura independente.

    Não é independente, externamente, porque o Procurador-Geral da República, seu máximo

    dirigente, é nomeado e exonerado pelo poder político78 e, internamente, porque os seus agentes

    75 Em todas as suas intervenções, o MºPº deve orientar-se por critérios de objectividade (art.53º nº1)76 Cf. art.80º, al. a, EMP77 Cf. art.75º, EMP

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    estão submetidos a uma estrutura funcionalmente hierarquizada79, o que implica a obrigação de

    acatamento pelos magistrados das directivas, ordens e instruções recebidas dos magistrados de

    grau superior (artº76º, nº1 e 3, EMP80).

    Esta estrutura hierárquica serve uma característica estrutural do MºPº que é a sua unidade  e

    indivisibilidade   e que significa que todos os magistrados que fazem parte da mesma comarca,

    departamento ou serviço têm igual competência para exercer as funções que estejam legalmente

    cometidas a esse escalão hierárquico.

    O MºPº é, por outro lado, uma magistratura responsável81, no sentido em que os respectivos

    agentes respondem, nos termos da lei, pelo cumprimento dos seus deveres e pela observância

    das directivas, ordens e instruções recebidas (citado artº76º, nº2).

     A responsabilidade dos magistrados do Ministério Público compreende, tal como a dos juízes,

    aspectos criminais82, disciplinares83 e civis84.

    O estatuto de estabilidade do MºPº (art.78º, EMP) corresponde à garantia de inamovibilidade dos

     juízes.

    Mas, há uma diferença, que o fundamento da inamovibilidade dos juízes, a estrutura hierárquica

    do MºPº e o dito princípio da unidade e indivisibilidade explicam: a estabilidade é compatível com a

    fungibilidade de cargos ou funções, dentro da mesma circunscrição ou serviço; a avocação de

    processos por parte dos superiores hierárquicos85, a temporária acumulação de serviço de outras

    circunscrições86, a coadjuvação e substituição de magistrados, nas acções cíveis e também,

    78 Cf. art.133º, m e 220º, 3, CRP79 Ao contrário, os juízes são independentes, com ressalva do dever de obediência às decisões proferidas emvia de recurso, tal como se disse na altura própria80 Os poderes directivos da hierarquia têm limites especiais, quando comparados com os aplicáveis à função

     pública, em geral, e que se justificam pela qualidade dos agentes envolvidos –  cf. o art.79º, EMP81 Como vimos, uma das garantias da independência dos juízes é, pelo contrário, a irresponsabilidade82 Cf. os capítulos III (Dos crimes contra a realização da justiça) e IV (Dos crimes cometidos no exercício defunções públicas), do Título V (Dos crimes contra o Estado), do CP83 Art.162º, e ss., EMP

    84 Quanto à responsabilidade civil, cf. art.77º, EMP e o art.2º, nº1 e 2, DL 48051, de 21.11.196785 Art. 63º, nº1, al. a86 Cf. art.63º, nº4 a 6 e 64º, nº4, EMP

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    quando razões ponderosas de complexidade processual ou de repercussão social o justifiquem,

    nas acções criminais87.

    Legitimidade do MºPº  para o exercício da acção penal – artº48º

    Como titular da acção penal, é ao MºPº que a lei atribui a legitimidade para promover o

    competente processo.

    Com as seguintes restrições:

     procedimento dependente de queixa  – artº49º88 

     A queixa é, como já disse no capítulo reservado à Parte Geral, um instituto de natureza mista,

    substantivo e processual, e que se distingue da simples denúncia porque, para além da notícia do

    crime que, como aquela, transmite, implica, ao mesmo tempo, o desejo, que só queixoso  tem

    legitimidade para expressar, de instaurar procedimento criminal contra o agente;

     A queixa, do ofendido ou de outra pessoa a quem a lei atribua o direito de queixa, é conditio sine

    qua non da instauração e promoção do processo89;

    No artº113º, nº6, CP, prevê-se, porém, a possibilidade de, nos casos especialmente previstos na

    lei, o MºPº iniciar, oficiosamente, o procedimento dependente de queixa, quando o interesse da

    vítima o impuser;

     procedimento dependente de acusação particular   – artº50º

    nestas hipóteses, a posição do MºPº é, ainda, mais reservada, pois a instauração e prossecução

    do processo fica dependente não só da queixa, nos mesmos termos antes referidos, mas, também

    de que o queixoso se constitua assistente90 e deduza acusação91.

    Se houver desistência da queixa ou da acusação, cessa a intervenção do MºPº - artº51º, nº1.

    87 Art.67º e 68º, EMP88 Cfr. AUJ 1/97, de 19.12.96, no DR 1-A, nº8, de 10.01.97 : « apresentada a queixa por crime semipúblico, por mandatário sem poderes especiais, o MºPº tem legitimidade para exercer a acção penal se a queixa forratificada pelo titular do direito respectivo, mesmo que após o prazo previsto no artº112º, 1, CP1982”.  Deve notar-se que, se se tratar de mandatário judicial, já não é necessária a apresentação de poderesespeciais.89 A queixa pode ser apresentada, também, por mandatário judicial ou outro mandatário, desde que munidode poderes especiais para o acto (cfr., a este respeito, o AUJ de 13.05.92, in DR 1-A, de 2.07.92, segundo oqual “os poderes especiais a que se refere o nº3, do artº49º, CPP, são poderes especiais especificados, e não

    simples poderes para a prática de uma classe ou categoria de actos”) 90 Sobre a figura do assistente se falará mais adiante, neste capítulo91 Acusação relativamente à qual o MºPº tem uma posição subordinada (cfr. artº285º)

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    O artº52º estabelece o modo de proceder do MºPº em caso de concurso entre crimes para cujo

    procedimento tem legitimidade incondicionada e crimes semi - públicos ou particulares.

    Se o crime ou crimes públicos que fizerem parte do concurso forem os de maior gravidade ou

    tiverem igual gravidade que os restantes (semi-públicos ou particulares) o MºPº deve fazer

    prosseguir o processo por eles, independentemente da atitude dos titulares do direito de queixa

    relativamente aos crimes cujo procedimento criminal dependa dela.

    No caso de a maior gravidade estar no crime ou crimes semi-públicos ou particulares e de o ou os

    titulares não terem ainda apresentado queixa, não pode o MºPº iniciar o procedimento por

    qualquer dos crimes do concurso sem que, antes, dê oportunidade àqueles de apresentarem a

    queixa, nos termos e com os efeitos previstos no nº2, do citado art.52º.

    O regime substantivo da queixa e da acusação particular, dos seus pressupostos, da legitimidade

    para o seu exercício, da extensão dos seus efeitos, e da sua extinção, por caducidade, renúncia

    ou desistência, está regulamentado no Código Penal (artº113º, e ss., desse Código).

    Poderes-deveres do MºPº  - artº53º

    Em especial

    -  receber as denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes;

    -  dirigir o inquérito; 

    -  deduzir acusação e sustentá-la efectivamente na instrução e julgamento; 

    -  interpor recurso, ainda que no interesse exclusivo da defesa92; 

    -  promover a execução das penas e das medidas de segurança. 

    O MºPº, tem a primeira e a última palavra da fase inicial (inquérito) do processo, pois é a ele que

    compete, em exclusivo, apreciar o destino a dar às denúncias, participações ou queixas, ainda que

    92 Sobre a legitimidade do MºPº, em matéria de recursos, cfr. o AUJ de 27.10.94, in DR 1-A, de 16.12.94,onde se fixou a seguinte jurisprudência: “ Em face das disposições combinadas dos artº48º a 52º e 401, nº1, a,

    CPP, e atentas a origem, natureza e estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do MºPº,tem este legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisões mesmo que lhe sejam favoráveis e assimconcordantes com a posição anteriormente assumida no processo” 

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    apresentadas a outras entidades (art.48º, 53º, nº2, al. a, 244º e 245º) e proferir o despacho final

    (de acusação ou de arquivamento93). 

    Impedimentos, recusas e escusas  – artº54º

    O MºPº orienta-se, como se disse, por critérios de estrita objectividade.

    Daí que lhe sejam correspondentemente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas

    respeitantes aos juízes.

    Quer a declaração de impedimento, quer o requerimento de impedimento, recusa ou escusa são

    dirigidos ao superior hierárquico, que decide em definitivo.

     Ao contrário do que, como se viu, sucede com os juízes, não é o próprio visado que decide sobre

    o seu impedimento, o que se explica pela natureza hierarquizada da magistratura do MºPº.

    Sendo visado o Procurador-Geral da República, a competência para a decisão cabe à secção

    criminal do Supremo tribunal de Justiça.

    Os órgãos de polícia criminal  – artº55º e Lei 21/2000, de 10/08 - Organização da Investigação

    Criminal (LOIC) 

     A definição de órgãos de polícia criminal (OPC) consta do artº1º, c.

    São as entidades e agentes policiais coadjuvantes das autoridades judiciárias nas tarefas do

    processo penal.

    Podem ser, como adiante se dirá, forças de segurança às quais a lei comete funções no âmbito da

    prevenção e repressão criminal.

     Além da função de coadjuvação das autoridades judiciárias, competem-lhes tarefas especialmente

    prescritas no CPP, e que podem assumir mesmo por iniciativa própria.

    Em especial, compete-lhes, para além da referida função de coadjuvação, (i) colher notícia dos

    crimes e impedir, tanto quanto possível, as suas consequências, (ii) descobrir os seus agentes e

    (iii) levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova  – 

    artº55º.

    93  Com ressalva do procedimento acerca de crimes particulares, em que a legitimidade para a acusação principal pertence ao assistente (art.285º).

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    É a esta luz que devem ser compreendidos os art.248º e ss., relativos a medidas cautelares e de

    polícia, que, como se dirá, se justificam pela necessidade e a urgência, o chamado  periculum in

    mora94.

    Os OPC dependem funcionalmente das autoridades judiciárias, actuando, pois, sob a orientação e

    o mando destas, com vista à realização das finalidades do processo – artº56º.

    Dependência funcional não é o mesmo que dependência hierárquica; não existe tal tipo de

    hierarquia entre as autoridades judiciárias95 e os OPC (cf., a este respeito, o art.2º, nº4, LOIC).

    Na dependência funcional de que falei está, está sim, implicado o poder da autoridade judiciária

    competente96 de atribuir aos OPC a tarefa de procederem a quaisquer diligências e investigações

    relativas à fase do processo que dirigem, com ressalva dos actos que, atendendo à sua

    importância e melindre, a lei considera indelegáveis (art.270º, nº1 e 2, e 290º, nº2), de, aí,

    instruírem especificamente sobre a efectivação de algum ou alguns actos, de fiscalizarem o

    andamento e a legalidade das actividades delegadas, e, mesmo, de avocarem o processo, quando

    o entendam conveniente ou oportuno, mesmo que a actividade delegada ainda não tenha sido

    cumprida (art.2º, nº7, LOIC).

    No que ao MºPº diz respeito, a dependência funcional exprime-se, ainda, no poder de delegação

    genérica de investigação, nos termos do art.270º, nº3 e 4.

    Dentro dos limites da dependência funcional, os OPC gozam de autonomia técnica e táctica

    necessária ao eficaz exercício das suas atribuições97.

     Autonomia técnica que significa a liberdade de utilizar um conjunto de conhecimentos e métodos

    adequados de agir (o vulgarmente chamado know how ); autonomia táctica que consiste na

    liberdade de optar pela melhor via e momento de cumprir as directivas, ordens e instruções

    recebidas.

    94  No ponto do articulado do art.55º em que se fala em “descobrir os seus agentes”, poderá encontrar algumapoio a tese da validade dos chamados  pré-inquéritos, já que está de todo excluída a hipótese de haverinvestigação paralela dos OPC, sem prejuízo dos seus poderes em matéria de medidas cautelares e de polícia(art.248º e ss.).

    95 Cf. definição do art.1º, al. b)96 Juiz, juiz de instrução, MºPº (art.1º, al. b)97 Nº5 e 6, do art.2º, da Lei 21/2000, de 10/08

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     A Lei 21/2000, de 10/0898  (LOIC) organiza a investigação criminal, define as competências dos

    órgãos de polícia criminal e cria, a nível nacional, um conselho coordenador desses órgãos.

    Em questão de competência material, os OPC dividem-se por competência genérica, competência

    específica e competência reservada (art.3º e 4º, LOIC).

     A competência genérica compreende as actividades referidas nas alíneas a e b, do nº3, do art.3º,

    LOIC: coadjuvação das autoridades judiciárias na investigação; desenvolvimento das acções de

     prevenção e de investigação da sua competência ou que lhes sejam solicitadas pela autoridade

     judiciária competente.

    Nos termos do art.3º, nº1, LOIC, são órgãos de polícia criminal, de competência genérica:

    Polícia Judiciária (PJ99); Guarda Nacional Republicana (GNR100); Polícia de Segurança Pública

    (PSP101).

     A PJ é um órgão de polícia criminal por excelência na dependência do Ministro da Justiça.

     A PSP e a GNR são forças de segurança às quais a lei atribuiu competências em matéria de

    polícia criminal.

    Os órgãos de polícia criminal de competência específica  são aqueles aos quais a lei atribui tal

    estatuto e exercem as competências próprias dos órgãos de polícia criminal em áreas específicas

    da criminalidade. É o caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) 102, a quem compete

    proceder à investigação do crime de auxílio à imigração ilegal e de outros com este conexos.

    Sem prejuízo da sua competência genérica, a PJ, a PSP e a GNR têm áreas específicas de

    actuação, isto é, competência específica, consignadas nos nº4 e 5 do citado art.3º, LOIC (quanto à

    PJ) e 6 (quanto à PSP e GNR).

     A natureza própria da PJ explica que, no conjunto dos OPC de competência genérica, lhe sejam

    atribuídas algumas funções centralizadoras e as tarefas de investigação de maior importância.

    98 Alterado pelo DL 305/2002, de 13/1299 DL 275-A/2000, de 9/01, sucessivamente alterado por Lei 103/2001, de 25/08 (com aditamento do artº11º-A), pelo DL 323/2001, de 17/12 (altera o artº4º e o anexo III), pelo DL 304/2002, de 13/12 (altera os artº4º,5º, 25º e 28º, adita os artº33º-A e 37º-A, e altera o anexo I) e pelo DL 43/2003, de 13/3 (altera o artº38º eadita o artº24º-A)

    100 DL 231/93, de 26/06, alterado pelo DL 15/2002, de 29/01 (altera artº11º e 33º)101 Lei 5/99, de 27/08, alterado pelo DL 137/2002, de 16/05 (altera artº25 º 26º)102 DL 252/2000, de 16/10

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    Compete, em especial, à PJ, além de uma específica área de investigação criminal (art.3º, nº4, a,

    LOIC), duas outras importantes funções, uma no domínio das ligações dos OPC e de todos os

    outros serviços públicos nacionais interessados com os organismos internacionais de cooperação

    de polícia criminal, e outra no domínio da centralização, tratamento, análise e difusão, a nível

    nacional, da informação relativa à criminalidade participada e conhecida, da perícia técnico-

    científica e da formação específica adequada às actividades de prevenção e investigação, que

    interessam tanto à própria PJ como aos demais OPC (art.3º, nº4, al. b e c).

    Sem prejuízo da dependência funcional (relativamente ao MºPº) referida, há matérias da

    competência reservada da PJ (cf. artº4º, LOIC). No âmbito desta área reservada da PJ, a GNR e a

    PSP devem comunicar de imediato àquela os factos de que tenham conhecimento, sem embargo

    do dever de realizarem os actos cautelares e urgentes necessários a evitar a consumação do

    crime ou assegurar os meios de prova (art.6º, nº2, LOIC).

    E sem prejuízo, acrescento, do dever, que competirá à PJ, de comunicação no mais curto prazo

    ao MºPº, nos termos do art.245º.

    Os OPC devem-se mútua cooperação (art.6º, nº1, LOIC).

     A coordenação e articulação dos OPC, nomeadamente dos OPC de competência genérica (PJ,

    PSP, GNR), é assegurada, em matéria de orientações, informações e metodologias de acção, por

    um conselho coordenador de âmbito nacional (art.7º, LOIC) e, em matéria operacional , pelos

    respectivos responsáveis máximos ou, nos diferentes níveis hierárquicos ou unidades territoriais,

    pelas autoridades ou agentes de polícia criminal que aqueles designem (art.8º, LOIC).

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    Arguido

     A lei de processo penal não define arguido.

    Define, sim, suspeito, no artº1º, nº1, e.

    O suspeito  não é, ainda, sujeito processual. É, apenas, a pessoa relativamente à qual existe

    indício de que, isoladamente ou por qualquer forma de comparticipação, cometeu ou