243
SUMÁRIO DIREITO ADMINISTRATIVO 1. Administração pública e terceiro setor .................................................................................................................................15 2. Administração direta e indireta ................................................................................................................................................32 3. Regulação, concessões e parcerias...........................................................................................................................................56 4. Intervenção do estado na propriedade .................................................................................................................................75 5. Responsabilidade civil do Estado .............................................................................................................................................99 6. Servidores públicos .........................................................................................................................................................................117 7. Ato administrativo ...........................................................................................................................................................................145 8. Licitações e contratos administrativos ..................................................................................................................................179 9. Poder regulamentar e poder de polícia .................................................................................................................................213 10. Domínio público ..........................................................................................................................................................................225 11. Sistema financeiro de habitação ............................................................................................................................................243 DIREITO CONSTITUCIONAL 1. Estado de Direito ..............................................................................................................................................................................251 2. Ordem constitucional .....................................................................................................................................................................255 3. República e federação ...................................................................................................................................................................265 4. Constituição ........................................................................................................................................................................................267 5. Aplicabilidade das normas constitucionais .........................................................................................................................275 6. Interpretação das normas constitucionais ..........................................................................................................................277 7. Princípios fundamentais...............................................................................................................................................................283 8. Direitos fundamentais ...................................................................................................................................................................295 9. Garantias fundamentais ................................................................................................................................................................322 10. Nacionalidade .................................................................................................................................................................................378 11. Direitos políticos ...........................................................................................................................................................................385 12. Partidos políticos...........................................................................................................................................................................399 13. Organização do Estado ...............................................................................................................................................................402 14. Poder Legislativo ...........................................................................................................................................................................410 15. Processo legislativo ......................................................................................................................................................................423 16. Poder Executivo .............................................................................................................................................................................439 17. Poder Judiciário .............................................................................................................................................................................445 18. Funções essenciais à Justiça .....................................................................................................................................................471 19. Controle de constitucionalidade ............................................................................................................................................476 20. Índios...................................................................................................................................................................................................501

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SUMÁRIO

DIREITO ADMINISTRATIVO

1. Administração pública e terceiro setor ................................................................................................................................. 15 2. Administração direta e indireta ................................................................................................................................................ 32 3. Regulação, concessões e parcerias........................................................................................................................................... 56 4. Intervenção do estado na propriedade ................................................................................................................................. 75 5. Responsabilidade civil do Estado ............................................................................................................................................. 99 6. Servidores públicos ......................................................................................................................................................................... 117 7. Ato administrativo ........................................................................................................................................................................... 145 8. Licitações e contratos administrativos .................................................................................................................................. 179 9. Poder regulamentar e poder de polícia ................................................................................................................................. 213 10. Domínio público .......................................................................................................................................................................... 225 11. Sistema financeiro de habitação ............................................................................................................................................ 243

DIREITO CONSTITUCIONAL

1. Estado de Direito .............................................................................................................................................................................. 251 2. Ordem constitucional ..................................................................................................................................................................... 255 3. República e federação ................................................................................................................................................................... 265 4. Constituição ........................................................................................................................................................................................ 267 5. Aplicabilidade das normas constitucionais ......................................................................................................................... 275 6. Interpretação das normas constitucionais .......................................................................................................................... 277 7. Princípios fundamentais ............................................................................................................................................................... 283 8. Direitos fundamentais ................................................................................................................................................................... 295 9. Garantias fundamentais ................................................................................................................................................................ 322 10. Nacionalidade ................................................................................................................................................................................. 378 11. Direitos políticos ........................................................................................................................................................................... 385 12. Partidos políticos........................................................................................................................................................................... 399 13. Organização do Estado ............................................................................................................................................................... 402 14. Poder Legislativo ........................................................................................................................................................................... 410 15. Processo legislativo ...................................................................................................................................................................... 423 16. Poder Executivo ............................................................................................................................................................................. 439 17. Poder Judiciário ............................................................................................................................................................................. 445 18. Funções essenciais à Justiça ..................................................................................................................................................... 471 19. Controle de constitucionalidade ............................................................................................................................................ 476 20. Índios................................................................................................................................................................................................... 501

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DIREITO TRIBUTÁRIO

1. Sistema tributário nacional ......................................................................................................................................................... 513 2. Competência tributária ................................................................................................................................................................. 522 3. Espécies tributárias ........................................................................................................................................................................ 524 4. Imunidade tributária ...................................................................................................................................................................... 532 5. Fontes do direito tributário ........................................................................................................................................................ 541 6. Vigência, aplicação, interpretação e integração da legislação tributária ............................................................. 543 7. Obrigação tributária ....................................................................................................................................................................... 545 8. Crédito tributário ............................................................................................................................................................................. 557 9. Administração tributária .............................................................................................................................................................. 581 10. Impostos da União ........................................................................................................................................................................ 587 11. Impostos dos estados e do Distrito Federal ..................................................................................................................... 607 12. Impostos dos municípios .......................................................................................................................................................... 618

DIREITO PREVIDENCIÁRIO 1. Seguridade Social 1.1 Conceito e disciplina constitucional ................................................................................................................................... 627 1.2 Saúde, assistência social e Previdência Social .............................................................................................................. 629 1.3 Financiamento da Seguridade Social. ................................................................................................................................ 631 1.4 Contribuições do empregador, da empresa e de entidades equiparadas ........................................................ 634 1.5 Contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo ................................................................................................................................................................................................. 638 1.6 Arrecadação e recolhimento das contribuições............................................................................................................ 643 1.7 Regime geral de Previdência Social .................................................................................................................................... 645 1.8 Segurados facultativos .............................................................................................................................................................. 653 1.9 Aquisição, manutenção, perda e reaquisição da qualidade de segurado ......................................................... 654 1.10 Dependentes ................................................................................................................................................................................ 658 1.11 Regras gerais aplicáveis aos benefícios.......................................................................................................................... 661 1.12 Cálculo do valor do benefício ............................................................................................................................................. 662 1.13 Salário de benefício e fator previdenciário ................................................................................................................. 662 1.14 Benefícios em espécie ............................................................................................................................................................. 665 1.15 Aposentadoria por idade ....................................................................................................................................................... 668 1.16 Aposentadoria por invalidez ............................................................................................................................................... 669 1.17 Aposentadoria especial .......................................................................................................................................................... 672 1.18 Auxílio doença ............................................................................................................................................................................ 674 1.19 Auxílio acidente ......................................................................................................................................................................... 678 1.20 Salário maternidade ................................................................................................................................................................ 679 1.21 Salário família ............................................................................................................................................................................. 681 1.22 Benefícios dos segurados ...................................................................................................................................................... 682 1.23 Benefícios dos dependentes ............................................................................................................................................... 682 1.24 Auxílio reclusão ......................................................................................................................................................................... 683 1.25 Serviços da previdência social ............................................................................................................................................ 684 1.26 Contagem recíproca de tempo de serviço ..................................................................................................................... 687 1.27 Decadência e prescrição ........................................................................................................................................................ 688 1.28 Decadência e prescrição para o INSS .............................................................................................................................. 689

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DIREITO ECONÔMICO 1. Constituição econômica brasileira ........................................................................................................................................... 693 2. Ordem jurídico-econômica .......................................................................................................................................................... 695 3. Ordem constitucional econômica: princípios gerais da atividade econômca................................................................................................................................................................................................... 697 4. Uma tipologia das constituições ............................................................................................................................................... 721 5. Intervenção do estado no domínio econômico. Modalidades de intervenção ........................................................................................................................................................................................ 731 6. Abuso de poder econômico e repressão do poder econômico pelo Estado ......................................................... 732 7. Concorrência ilícita e desleal e infrações contra a ordem econômica .................................................................... 740 8. Defesa comercial. Práticas desleais de comércio. Disciplina das medidas de salvaguarda ......................... 742 9. Mercosul. Gatt. OMC. Instrumentos de defesa comercial no mercosul e OMC ................................................. 749

DIREITO EMPRESARIAL 1. Direito comercial .............................................................................................................................................................................. 769 2. Teoria geral dos títulos de créditos ......................................................................................................................................... 776 3. Espécies de empresa....................................................................................................................................................................... 784 4. Teoria geral do direito societário ............................................................................................................................................. 787 - Conceito de sociedade; personalização da sociedade ..................................................................................................... 856 - Classificação das sociedades: sociedades não personificadas sociedades personificadas; socie-dade simples; sociedade em nome coletivo; sociedade em comandita simples; sociedade em comandita por ações; sociedade cooperada; sociedades coligadas ............................................................................. 787 - Liquidação; transformação; incorporação; fusão; cisão; sociedades dependentes de autorização .................................................................................................................................... 796 - Sociedade limitada; sociedade anônima ............................................................................................................................... 797 - Estabelecimento empresarial ..................................................................................................................................................... 812 - Recuperação judicial; recuperação extrajudicial; falência do empresário e da sociedade em-presária ...................................................................................................................................................................................................... 816 - Institutos complementares do direito empresarial: registro; nome; prepostos; escrituração; propriedade industrial........................................................................................................................................................................ 841 5. Sistema financeiro nacional: constituição; Competência das entidades integrantes; Instituições financeiras públicas e privadas; Liquidação extrajudicial de instituições financeiras; sistema financeiro da habitação ...................................................................................................................................................................... 856

DIREITO FINANCEIRO

1. Conceito e objeto .............................................................................................................................................................................. 867 2. Despesa pública ................................................................................................................................................................................ 867 3. Receita pública .................................................................................................................................................................................. 872 4. Orçamento público .......................................................................................................................................................................... 875 5. Lei de responsabilidade fiscal .................................................................................................................................................... 884 6. Crédito público .................................................................................................................................................................................. 896 7. Dívida pública .................................................................................................................................................................................... 897

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DIREITO CIVIL

1. Lei de introdução ao Código Civil. Pessoas naturais: personalidade e Capacidade. Direitos da personalidade. Morte presumida. Ausência. Tutela. Curatela. Pessoas jurídicas: conceito. Classi-ficação. Registro. Administração. Desconsideração da personalidade Jurídica. Associações. Fun-dações. ........................................................................................................................................................................................................ 901 2. Domicílio. Bens. Negócios jurídicos: Conceito. Representação. Condição. Termo. Encargo. Defeitos. Invalidade. Atos jurídicos lícitos e ilícitos ........................................................................................................... 938 3. Prescrição e decadência. Prova ................................................................................................................................................. 974 4. Obrigações: conceito. Elementos Constitutivos. Modalidades. Transmissão. Adimplemento e extinção. Inadimplemento ............................................................................................................................ 987 5. Contratos em geral: teoria geral dos contratos. Princípios. Elementos constitu-tivos. Pressu-postos de validade. Revisão. Extinção ......................................................................................................................................... 1019 6. Contratos em espécie: compra e venda. Permuta. Contrato estimatório. Doação. Locação. Empréstimo. Prestação de serviço. Empreitada. Depósito. Mandato. Comissão. Agência e distribuição. Corretagem. Transporte. Seguro. Constituição de renda. Jogo e aposta. Fiança. Transação. Compromisso. Atos unilaterais: promessa de recompensa. Gestão de negócios. Pagamento indevido. Enriquecimento sem causa ............................................................................................ 1039 7. Responsabilidade civil. Elementos. Responsabilidade por fato de outrem. Responsabilidade por fato da coisa. Teorias subjetiva e objetiva da responsabilidade civil. Dano moral e material. Indenização .............................................................................................................................................................................................. 1094 8. Posse. Definição. Natureza jurídica. Classi-ficação de posse. Aquisição da posse. Efeitos da posse. Composse. Proteção possessória. Perda da posse. Propriedade. Definição. Ele-mentos. Classificação. Extensão da proprie-dade. Restrições à propriedade. Aquisição ou constituição da propriedade. Propriedade imóvel. Propriedade móvel. Propriedade resolúvel e fiduciária. Perda da propriedade móvel e Imóvel. Função social da propriedade. Política agrícola e reforma agrá-ria .................................................................................................................................................................................................................. 1110 9. Superfície. Servidões. Usufruto. Uso. Habitação. Penhor. Hipoteca. Registros públicos. Estatuto da terra ....................................................................................................................................................................................................... 1137

DIREITO PROCESSUAL CIVIL 1. Jurisdição ............................................................................................................................................................................................. 1155 2. Jurisdição constitucional das liberdades e seus principais mecanismos .............................................................. 1158 3. Competência ...................................................................................................................................................................................... 1175 4. Ação ....................................................................................................................................................................................................... 1184 5. Processo ............................................................................................................................................................................................... 1187 6. Partes e litisconscórcio ................................................................................................................................................................ 1192 7. Intervenção de terceiros ............................................................................................................................................................. 1200 8. Ministério público, defensoria pública e advocacia pública e privada................................................................... 1215 9. Formas dos atos processuais ..................................................................................................................................................... 1220 10. Tutela de conhecimento (processo de conhecimento) ............................................................................................... 1234 11. Formação, suspensão e extinção do processo................................................................................................................. 1234 12. Procedimento ordinário ............................................................................................................................................................ 1244 13. Procedimento sumário ............................................................................................................................................................... 1268 14. Direito probatório ....................................................................................................................................................................... 1271 15. Sentença e coisa julgada ............................................................................................................................................................ 1275 16. Tutelas de urgência: antecipação de tutela e tutela cautelar ................................................................................... 1287 17. Dos recursos .................................................................................................................................................................................... 1296

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18. Liquidação e cumprimento de sentença ............................................................................................................................ 1329 19. Execuções em espécie ................................................................................................................................................................. 1350 20. Procedimentos especiais ........................................................................................................................................................... 1361 21. Juizados especiais ......................................................................................................................................................................... 1381

DIREITO AMBIENTAL 1. Direito ambiental. Conceito. Objeto. Princípios ............................................................................................................... 1391 2. O direito ambiental como direito econômico. A natureza econômica das normas de direito ambiental ................................................................................................................................................................................................... 1395 3. Normas constitucionais relativas à proteção ambiental ............................................................................................... 1404 4. Repartição de competências em matéria ambiental ....................................................................................................... 1407 5. Zoneamento ambiental ................................................................................................................................................................ 1413 6. Sistema nacional de unidades de conservação da natureza ........................................................................................ 1417 7. Poder de polícia e direito ambiental. Licenciamento ambiental. Infrações ambientais ................................ 1429 8. Responsabilidade ambiental. Conceito de dano. A reparação do dano ambiental ................................................................................................................................................................................ 1442 9. Sistema nacional do meio ambiente e política naconal do meio ambiente .......................................................... 1452 10. Estudo de impacto ambiental ................................................................................................................................................. 1455 11. Biodiversidade ................................................................................................................................................................................ 1458 12. Proteção às florestas .................................................................................................................................................................... 1466 13. Áreas de preservação permanente e unidades de conservação ............................................................................. 1476 14. Biossegurança e modificação dos genes pelo homem e meioambiente ............................................................. 1482 15. Proteção química das culturas e meio ambiente ........................................................................................................... 1485 16. Produtos tóxicos, controle e transporte ............................................................................................................................. 1493 17. Politica nacional de recursos hídricos ................................................................................................................................ 1501 18. Mineração ......................................................................................................................................................................................... 1505 19. Efetivação da proteção normativa ao meio ambiente: Poder Judiciário, Ministério Público e administração pública ............................................................................................................................. 1507 20. Política energética e meio ambiente .................................................................................................................................... 1511 21. Os indígenas e suas terras ......................................................................................................................................................... 1515

DIREITO PENAL 1. Introdução ........................................................................................................................................................................................... 1521 2. Princípios básicos penais ............................................................................................................................................................. 1522 3. Relações com outros ramos do direito .................................................................................................................................. 1531 4. Lei penal ............................................................................................................................................................................................... 1533 5. Teoria geral do crime ..................................................................................................................................................................... 1545 6. Concurso de pessoas ....................................................................................................................................................................... 1569 7. Penas ...................................................................................................................................................................................................... 1574 8. Teoria geral do crime ..................................................................................................................................................................... 1599 9. Efeitos da condenação ................................................................................................................................................................... 1606 10. Punibilidade ..................................................................................................................................................................................... 1612 11. Prescrição ......................................................................................................................................................................................... 1617 12. Execução penal ............................................................................................................................................................................... 1624 13. Crimes em espécie ....................................................................................................................................................................... 1634

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DIREITO PROCESSUAL PENAL 1. Conceito. Finalidade. Caracteres. Princípios. Fontes. Repartição constitucional de competên-cias. Garantias constitucionais do processo. Aplicação da lei processual penal. Normas das con-venções e tratados de direito internacional relativos ao pro-cesso penal e tratados bilaterais de auxílio direto. Convenção da onu contra a corrupção. Cooperação internacional – tratados bila-terais celebrados pelo brasil em matéria penal ..................................................................................................................... 1733 2. Persecução penal. Inquérito policial. Procedimento. Atribuições da autoridade policial. Inter-ven-ção do ministério público. Garantias do investigado. Outros meios de colheita de indícios da infração. Ação penal. Sujeitos do processo. Juiz. Ministério públi-co. Acusado e seu defensor. Curador do réu menor. Assistente. Auxiliares da justiça. Peritos e intérpretes. Impedimentos e suspeições. Instrumentos legais de obtenção de prova: delação premiada, infiltração de agente policial em organizações criminosas, ação controlada ....................................................................................................... 1747 3. Jurisdição. Competência. Competência da justiça federal. Dos tribunais regionais. Do stj e do stf. Conexão e continência. Prevenção. Perpetuatio jurisdicti-onis. Conflito de competência. Procedimento da ação penal originária nos tribunais. Julgamento por cole-giado de juízes (lei 12.694/2012): Competência e estrutu-ra de funcionamento ......................................................................................... 1770 4. Questões e processos incidentes. Questões prejudiciais. Exceções. Medidas assecuratórias: sequestro, hipoteca legal e arresto. Restituição das coisas a-preendidas. Incidentes de falsidade e de insanidade mental do acusado. Provas. Provas ilícitas. Ônus. Pro-cedimento probatório. Classificação. Prova testemunhal. Documental. Material. Presunções. Indícios. Va-loração. Busca e apreensão .............................................................................................................................................................................................. 1799 5. Processo: finalidade, pressupostos e sistemas. Procedimentos: comum e especiais; júri; cri-mes de abuso de autoridade; crimes de responsabilidade dos funcionários públicos; crimes contra o meio ambiente; entorpecentes; crimes contra a economia popu-lar; crimes de impren-sa; crimes contra o sistema fi-nanceiro nacional; crimes contra a honra; crimes falimentares. Os juizados especiais cíveis e criminais – aplicação na justiça federal; o conciliador e o juiz leigo. Atos processuais: forma. Lugar. Tempo. Prazo. Comunicações. Citações e intimações. Despachos. Decisões interlocutórias. Sentenças. Fixação da pena. Nulidades ................................................................................. 1823 6. Prisão. Flagrante. Temporária. Preventiva. Decorrente de pronúncia, decorrente de sentença. Prisão especial, prisão domiciliar. Liberdade provisória. Fiança. Medidas cautelares diversas da prisão. Execução das penas e das medidas de segu-rança. Execução penal: pena privativa de liberdade. Regimes de cumprimento da pena. Evolução e regressão. Remição. Livramento con-dicional. Suspensão condicional da pena. Pena restritiva de direitos. Multa. Medidas de seguran-ça. Incidentes da execução. Graça. Indulto. Anistia. Reabilitação. Inclusão e transferência de presos para presídios federais ........................................................................................................................................................ 1865 7. Relações jurisdicionais com autoridade estrangeira. Cartas rogatórias. Homologação de sen-tença estrangeira. Extradição. Expulsão. Deportação. Re-cursos. Disposições gerais. Apelação. Recurso em sentido estrito. Protesto por novo júri. Embargos in-fringentes e de nulidade. Carta testemunhável. Re-curso especial e extraordinário. Agravo em execu-ção penal. Coisa julgada. Revisão criminal .................................................................................................................................................................................... 1902 8. Nulidades. Rol legal. Súmulas dos tribunais superiores. Habeas corpus. Natureza jurídica. Espécies. Cabimento. Competência. Legitimidade. Pro-cedimento. Mandado de segurança em matéria penal .......................................................................................................................................................................................... 1924 9. Quebra de sigilo: requisitos e limites. Quebra de sigilo fiscal, bancário e de dados. Intercepta-ções de comunicação ........................................................................................................................................................................... 1935

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DIREITO INTERNACIONAL 1. Introdução ao Direito Internacional Público ...................................................................................................................... 1943 2. Personalidade internacional ....................................................................................................................................................... 1947 3. Tratados internacionais ................................................................................................................................................................ 1956 4. Sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos .......................................................................................... 1968 5. Direito penal internacional ......................................................................................................................................................... 1970 6. Proteção internacional do meio ambiente ........................................................................................................................... 1972 7. Representação diplomática ......................................................................................................................................................... 1973 8. Responsabilidade internacional dos estados ..................................................................................................................... 1977 9. Meios de composição de pacífica de conflitos internacionaiss .................................................................................. 1982 10. Direito internacional econômico ........................................................................................................................................... 1984 11. Mercosul ............................................................................................................................................................................................ 1988 12. Nafta e Alca ....................................................................................................................................................................................... 1993 13. Nomenclatura utilizada no comércio internacional ..................................................................................................... 1994 14. Domínio público internacional marítimo – conceitos fundamentais ........................................................................................................................................................................................... 1995 15. Domínio público internacional aéreo .................................................................................................................................. 1998 16. Direito internacional privado .................................................................................................................................................. 2001 17. Nacionalidade ................................................................................................................................................................................. 2007 18. Regime jurídico do estrangeiro .............................................................................................................................................. 2015 19. Processo civil internacional ..................................................................................................................................................... 2020 20. Prestação de alimentos e convenção de Nova Iorque ................................................................................................. 2026

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

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A doutrina costuma apontar o conceito de Administração Pública em sentido subjetivo e em sen-

tido objetivo: “a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a ativida-

de administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma

das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, mate-

rial ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a

Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder

Executivo”.1 Para alguns autores, no sentido subjetivo a expressão deve ser grafada com as iniciais mai-

úsculas (“Administração Pública”), enquanto no sentido objetivo se emprega as iniciais minúsculas

(“administração pública”).2 Porém, nem todos atentam para este detalhe grafológico, pelo que a distin-

ção há mesmo de ser feita com vistas ao contexto em que se utiliza a expressão.

O objeto de estudo do Direito Administrativo é a função administrativa (administração pública,

em sentido objetivo), seja ela exercida por órgãos ou entidades estatais (Administração Pública, em

sentido subjetivo), seja ela exercida por pessoas privadas às quais o Estado venha a delegar o exercício

de atividades públicas.

No âmbito da máquina estatal, a função administrativa é, em regra, exercida pelo Poder Executi-

vo, o que não impede que os Poderes Legislativo e Judiciário também a exerçam, ainda que atipicamen-

te, pois, apesar de serem órgãos que desempenham respectivamente as funções legislativa e jurisdicio-

nal, também têm, em sua estrutura, setores administrativos. Por isso se diz que a atividade administrati-

va, sendo exercida predominantemente pelo Poder Executivo, não é exclusiva deste Poder. A recíproca é

verdadeira, pois há casos em que o Poder Executivo exerce atividades típicas de outro Poder (v.g. a

edição de medidas provisórias em caso de relevância e urgência – CF/88, art.62).

O importante é salientar que a qualificação da função (legislativa, jurisdicional e administrativa)

não está relacionada com o Poder que a exerce (Legislativo, Judiciário e Executivo), mas sim com a

natureza da atividade desempenhada, de modo a atrair a incidência de normas do Direito Administrativo.

Ao lado disso, não obstante o Estado conserve a titularidade da função administrativa, o orde-

namento jurídico admite que o exercício de algumas de suas atividades administrativas possa ser delega-

do a entes da iniciativa privada, os quais, mesmo não integrando a máquina estatal (não são, portanto,

Administração Pública em sentido orgânico), exercem administração pública (em sentido objetivo).

Na elaboração de classificações que facilitam o estudo sistematizado das normas-princípio, a doutrina começa destacando os princípios fundamentais, que são aqueles previstos na Constituição como decisões políticas estruturais do Estado, citando-se os princípios republicano, federativo, presiden-

1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas. 2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas; MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administra-tivo. São Paulo: Saraiva.

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cialista, do Estado Democrático de Direito, da separação dos Poderes, da livre iniciativa, da função social da propriedade etc.

3 Calcados nesses vetores fundamentais, surgem os demais princípios que dão

suporte normativo às situações jurídicas e que podem ser classificados como gerais ou específicos, con-forme a amplitude de sua incidência.

Os princípios gerais estão presentes nos mais diversos regimes do ordenamento, daí porque cos-tumam ser estudados em todos os ramos da ciência jurídica, não obstante as peculiaridades que a sua aplicação pode ter em cada um deles. São desdobramentos dos princípios fundamentais que se irradiam por toda a ordem jurídica, tais como os princípios da legalidade, isonomia, autonomia estadual e munici-pal, acesso ao Judiciário, irretroatividade das leis, juiz natural, devido processo legal etc

4. Os princípios

específicos (ou setoriais), por sua vez, destinam-se a reger determinados setores do direito, não encon-trando aplicação em outros. Irradiam-se limitadamente, mas em seu âmbito de atuação são supremos. Por vezes são meros detalhamentos dos princípios gerais, como os princípios da legalidade tributária ou da legalidade penal. Outras vezes são autônomos, como o princípio da anterioridade em matéria tributá-ria ou do concurso público em matéria de administração pública

5.

Levando em conta a fonte de onde emanam, muitos desses princípios gerais e específicos podem ser extraídos diretamente da Carta Magna, daí serem tratados como princípios constitucionais. Citem-se aí os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência (art.37, caput), além de outros extraídos do ordenamento constitucional. Há também outros princípios que se revelaram de-pois, por decorrência da mediação legislativa, sendo, nesse sentido, princípios infraconstitucionais. Nes-sa categoria, pode-se apontar, por exemplo, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório da licitação, extraído do art. 41 da Lei 8.666/93.

As normas-princípio podem também ser classificadas quanto ao modo como são extraídas do or-denamento. Um princípio pode se expressar explicita ou implicitamente. Os explícitos já estão incorpo-rados textualmente ao ordenamento jurídico. Os implícitos, apesar de não expressos textualmente, são reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência como extraídos da lógica do sistema jurídico. Alguns deles foram construídos ainda nos primórdios de cada ciência jurídica e vieram adquirindo aceitação geral. Saliente-se que tanto os princípios explícitos quanto os implícitos estão expressos no ordenamen-to, daí a sua força normativa. A diferença é que os explícitos estão expressos textualmente, ao passo que os implícitos não aparecem literalmente no texto, mas dele se extrai por interpretação do sistema jurídi-co. Assim, a título de exemplo, o princípio da legalidade está explícito na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, II e art. 37, caput), enquanto o princípio da razoabilidade encontra-se implícito.

É com base nessas classificações que estudaremos os princípios regentes do Direito Administra-tivo, destacando-se princípios gerais e específicos, expressos e implícitos, extraídos diretamente da própria Constituição ou de leis infraconstitucionais. Todos eles partem de vetores fundamentais que consubstanciam o Estado Democrático de Direito, de viés social, de modo que os interesses públicos devam ser colocados acima dos interesses privados, bem como seja vedado aos agentes da administração dispor do interesse público.

→ Princípios fundamentais da administração pública:

O regime jurídico administrativo constrói-se sobre dois traços: a supremacia do interesse público

sobre o particular e a indisponibilidade do interesse público pela Administração.6 Tais axiomas se reve-

lam como verdadeiros princípios fundamentais do direito administrativo, a partir dos quais decorrem

todos os demais que lhes são subordinados.

3 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva. 4 Idem. 5 Ib idem. 6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros.

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• A supremacia do interesse público sobre o interesse privado: Num Estado que se propõe

voltado para o bem estar social, o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado

é a norma básica que leva o Poder Público a adotar medidas impositivas de sujeições aos particulares em

prol da coletividade. Todo e qualquer condicionamento das liberdades individuais encontra nesse princí-

pio o seu fundamento originário, extraído implicitamente do sistema constitucional na medida em que a

Lei Maior previu valores tais como a função social da propriedade, a proteção do meio ambiente, a in-

tervenção na ordem econômica, dentre outros. Deveras, ainda que submetida a normas jurídicas - como é

característica básica do Estado de Direito - a Administração goza de certos poderes e prerrogativas que a

colocam numa posição de superioridade em relação aos particulares. E a única justificativa para esse

tratamento desigual somente pode estar no fato de que a atuação da Administração tem por finalidade

precípua a satisfação do interesse público, pois é exatamente isso que autoriza o Estado a desapropriar

bens privados, proibir condutas socialmente nocivas e punir os infratores, adotar políticas de controle da

ordem econômica, condicionar o uso da propriedade ou a exploração de bens etc.

• A indisponibilidade do interesse público pela Administração: A relação entre o administra-

dor público e os bens que ele administra não é de propriedade7, daí porque não se encontram, aqueles

bens, à sua livre disposição. Portanto, em todos os setores em que a Administração venha a atuar, a

finalidade da função administrativa haverá de estar sempre na satisfação dos interesses primários da

sociedade. Trata-se aí de finalidade cogente, da qual não pode haver desvio, pois o administrador não

cuida de interesse patrimonial próprio ou da pessoa do Estado, mas, sim, do interesse público. Qualquer

transigência ou renúncia envolvendo assuntos da administração pública somente é possível se prevista na

Constituição ou em lei, sempre com vistas ao interesse público, não sendo dado ao administrador agir

com liberalidade fora destes marcos. Dentre os efeitos emanados desse princípio, destaca-se, por exem-

plo, ser vedado aos agentes administrativos renunciar os seus poderes funcionais ou transferi-los a outra

pessoa fora das hipóteses previstas em lei (art. 11 da Lei 9.784/99). Da mesma forma, não cabe ao admi-

nistrador público descuidar do zelo com a coisa pública, devendo adotar todas as medidas adequadas e

necessárias à proteção do erário.

→ Princípios gerais e específicos da administração pública:

A partir daqueles dois vetores fundamentais que formam o núcleo do direito administrativo, o or-

denamento jurídico brasileiro consagra muitas outras normas-princípio, algumas delas extraídas explici-

tamente da Constituição de 1988 ou das leis, outras reconhecidas como implícitas no sistema jurídico e

merecedoras de igual tratamento quanto à força normativa. Vejamos os princípios gerais e específicos

mencionados pela doutrina:

• Princípio da Legalidade: Dispõe o art. 5º, II, da CF/88 que ninguém será obrigado a fazer ou

deixar de fazer nada senão em virtude de lei. Ao lado disso, o princípio da legalidade é o primeiro men-

cionado no art. 37, caput, da Carta Magna. É clássico o ensinamento de que enquanto os particulares

podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, à Administração Pública somente é dado fazer o que a lei

previamente autoriza8, isto é, todo o seu agir se traduz em obrigatório cumprimento da lei. Como disse o

ilustre Seabra Fagundes, o administrador público deve “aplicar a lei de ofício”9. O culto à legalidade

como único parâmetro movimentador da máquina administrativa teve grande importância na transição

do regime absolutista para o modelo do Estado de Direito, substituindo-se a vontade do rei pela vontade

do legislador. Entrementes, o prestígio que veio sendo atribuído aos princípios jurídicos (pós-

positivismo) levou a uma mudança de concepções em torno do sentido de “lei” e de “legalidade”, con-

ceitos que não mais se circunscrevem apenas aos preceitos formalizados em regras escritas. É impres-

cindível a obediência a todos os vetores normativos do sistema jurídico, sobretudo dos princípios consti-

7 LIMA, Ruy Cirne. Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: RT. 9 FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Rio de Janeiro: Forense.

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tucionais, consubstanciando-se uma legalidade em sentido amplo, o que já há algum tempo os franceses

vem denominando de bloco da legalidade e, mais recentemente, alguns autores designam sob o rótulo de

juridicidade10

. O próprio ordenamento positivo brasileiro já contempla essa idéia ao impor à Adminis-

tração uma “atuação conforme a lei e o Direito” (art. 2º, p. único, I, da Lei 9.784/99). Por outro lado, se é

certo que a concepção estrita de legalidade veio sendo flexibilizada em prol de uma visão sistêmica do

ordenamento jurídico, mormente nas situações em que se tem uma reserva legal relativa (regra legal

como mero ponto de partida), há de se atentar que certas questões somente comportam regramento por

lei em sentido estrito, como acontece, por exemplo, no estabelecimento de sanções administrativas ou

criminais, bem como na instituição de tributos. Fala-se aí em reserva legal absoluta, quando a normati-

zação se dá não apenas em virtude de lei, mas, sim, diretamente nos termos da lei.

• Princípio da Impessoalidade: Também explícito no caput do art. 37 da CF/88, este princípio

comporta dois sentidos, um referente ao administrado e outro ao administrador. Primeiramente, o admi-

nistrador não pode prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas em função de outras finalidades que

não o interesse público, devendo praticar os seus atos sem ter em mira interesse próprio ou de terceiros.

Cumpre evitar ao máximo o emprego de critérios subjetivos de escolha no direcionamento da máquina

administrativa, impondo-se sempre que possível um tratamento objetivo. Sob esse aspecto, a impessoa-

lidade tem nítida relação com o princípio da isonomia, no que tange ao trato com os administrados, e

com o princípio da finalidade, no que concerne à satisfação do interesse público. É em prol dessa norma-

princípio que o ordenamento prevê o concurso público para a admissão de servidores ou empregados

públicos (CF/88, art.37, II), veda a prática de nepotismo (Súmula Vinculante 13 do STF) e impõe a regra

geral de licitação para compras, obras e serviços (CF/88, art. 37, XIX). Sob outro sentido, as ações da

Administração não devem ser imputadas à pessoa do administrador. Daí porque o art. 37, §1º, da Carta

Magna, assim como os artigos 18 a 21 da Lei 9.784/99, proíbem a utilização, nas atividades administra-

tivas, de nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal. Outrossim, o art. 2º, p. único,

III, da Lei 9784/99 impõe que a Administração busque “objetividade no atendimento do interesse públi-

co, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades”. São regras editadas com o fito de reforçar o

princípio sob análise, de modo que a publicidade das ações do governo deva ter caráter estritamente

educativo, informativo ou de orientação social.

• Princípio da moralidade: ao contemplar o valor da moralidade no âmbito da administração

pública, o legislador constitucional deixou claro que de nada valeria o administrador seguir os parâme-

tros formais da legalidade, se as medidas por ele adotadas estivessem em desacordo com os padrões

éticos daquilo que se espera da atuação dos agentes estatais. Esse princípio assume grande impor-

tância quando se investigam atos da Administração formalmente legais, mas que, em sua substância, não

visam o interesse público. Não basta cumprir a lei, a Administração Pública deve também atuar “segun-

do padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (art.2º, p. único, IV, da Lei 9.784/99). Também a Lei

de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) estabelece sanções decorrentes de conduta violadora de

princípios administrativos, dentre eles o da moralidade. É o princípio da moralidade administrativa que,

por exemplo, impede a contratação de parentes para cargos em comissão (exceto para cargos políticos),

conforme já restou decidido pelo STF11

. O fato de não haver lei estabelecendo essa proibição não impe-

de que se aplique diretamente o princípio da moralidade para coibir a prática desse abuso de poder.

• Princípio da publicidade: Este princípio impõe que a Administração atue com transparência,

dando a mais ampla divulgação possível dos seus atos, porque no Estado Democrático de Direito a popu-

lação tem o direito de ser informada sobre os assuntos de interesse público, além do que a publicidade é

requisito essencial a propiciar o adequado controle de legalidade da atividade administrativa. Não deve o

administrador ter por hábito agir às escondidas, "na sombra", pois já se disse que "o melhor desinfetante

é a luz do sol". A norma da publicidade, contudo, não é absoluta, eis que, como previsto na própria

10 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina; Gustavo Binenbojm. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar. 11 ADC-MC 12/DF e Súmula Vinculante 13.

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Constituição, encontra ressalvas nas situações em que se faz necessário o sigilo, seja para proteger a

intimidade ou a honra do administrado (art.5º, X) ou quando imprescindível à segurança da sociedade e

do Estado (art.5º, XXXIII). Foi em cumprimento a esta norma constitucional que o legislador ordinário

editou o art. 2º, p. único, V, da Lei 9.784/99, determinando a “divulgação oficial dos atos administrati-

vos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição”. Fica claro então que a publicidade

traduz um valor a ser sopesado com outros valores igualmente consagrados pelo ordenamento jurídico.

Exemplo dessa ponderação está na decisão do STF em que se reputou inconstitucional a exigência de

veiculação de custo de publicidade em todos os comunicados oficiais, pois isso violaria os princípios da

proporcionalidade e da economicidade, já que existem outros meios adequados para controle das contas

públicas12

. Não se deve confundir publicidade com publicação, que é um dos meios para se cumprir com

aquela, mas não o único. Na verdade, existem diversos mecanismos para se dar publicidade à atividade

administrativa, que vão desde a publicação em diário oficial ou jornal de grande circulação até a simples

afixação de avisos nos prédios públicos. A forma de publicidade dependerá do seu objeto e do que dis-

puser a lei. Para os atos praticados no âmbito interno da Administração, é suficiente que haja divulgação

mediante notificação do interessado, por aviso-circular ou publicação no boletim interno, comum em

algumas repartições públicas. Já no que concerne aos atos de efeitos externos, sobretudo quando versa-

rem sobre assuntos de interesse dos administrados, é preciso que haja publicação em Diário Oficial ou

veículo de comunicação com essa finalidade específica (jornais contratados pelo órgão público, confor-

me previsão legal), não bastando a simples divulgação geral feita pela imprensa particular, por televisão

ou rádio. Ressalte-se, ainda, haver atos em que a publicidade deve obedecer a determinados requisitos

formais, sob pena de ineficácia ou até mesmo invalidade, como ocorre no processo licitatório ou nos

concursos públicos.

• Princípio da eficiência: A Emenda Constitucional 19, de 04/06/1998, inseriu este princípio no

caput do art. 37. Posteriormente, passou a constar explicitamente também na legislação infraconstitucio-

nal, na forma do art. 2º da Lei 9.784/99. Trata-se de princípio relacionado ao modelo gerencial adotado

na administração pública contemporânea, em que se priorizam os resultados e a qualidade das atividades

administrativas. Impõe-se a todo agente realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento

funcional, tendo em meta resultados positivos e satisfatório atendimento das necessidades coletivas. O

princípio da eficiência traduz, em síntese, um dever geral de boa administração e se manifesta basica-

mente sob dois aspectos: eficiência na atuação dos agentes públicos e eficiência no modo de organizar,

estruturar e disciplinar a administração pública. Em relação ao primeiro aspecto, o princípio é o vetor

normativo que determina a adoção de critérios objetivos para a melhor seleção e capacitação dos agentes

públicos, com investimento no seu preparo técnico, emprego de mecanismos de avaliação periódica de

desempenho, boas condições de trabalho e remuneração digna à altura dos cargos ou empregos públicos

que desempenham. É também em nome desse princípio que são criados órgãos que facilitam a escuta de

reclamações ou sugestões formuladas pelos usuários dos serviços públicos ou para a responsabilização

dos agentes que não estejam cumprindo adequadamente a sua função (v.g. ouvidorias, corregedorias,

controladorias etc.). Quanto ao segundo aspecto, deve a Administração cuidar de distribuir da melhor

forma possível a execução das atividades administrativas, adotando-se uma adequada organização dentro

do aparelho estatal, com recurso à desconcentração ou descentralização de atribuições, inclusive por

meio de transferência para entidades da iniciativa privada nos casos em que se revelar mais recomendá-

vel à satisfação do interesse público. Deve também valer-se da tecnologia atual, segundo os recursos

disponíveis para a modernização dos serviços administrativos, bem como adotar o necessário planeja-

mento das atividades de suporte a eles relacionadas. Por fim, a eficiência impõe que a Administração

lance mão de adequados mecanismos de controle interno e externo, com ênfase no controle dos resulta-

dos em detrimento do mero controle de meios.

• Princípio da presunção de legitimidade: A doutrina em geral aponta que, por força desse

princípio, há de se presumir que o administrador público está agindo ou agiu de acordo com a lei (pre-

12 ADI-MC 2.472/RS, DJ de 03/05/2002.

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sunção de legalidade) e que os fatos por ele considerados são verdadeiros (presunção de veracidade). Tal

presunção é relativa (juris tantum), isto é, admite prova em contrário, mas impõe a inversão do ônus da

prova a favor da Administração. Não obstante a sua tradição, o princípio merece uma leitura crítica e

mais consentânea ao atual modelo do Estado Democrático de Direito. Sem dúvida a presunção de legi-

timidade é um vetor normativo que assegura o regular funcionamento da máquina administrativa, propi-

ciando que o Poder Público adote as medidas de força necessárias ao cumprimento de suas ordens e

impedindo escusas aleatórias por parte dos administrados. Contudo, tendo sido concebida no século

XIX, ainda sob influência de concepções não democráticas, a atual vigência do princípio da presunção

de legitimidade demanda uma releitura do instituto (uma filtragem constitucional), adaptando-o ao Esta-

do Democrático de Direito e aos direitos e garantias fundamentais assegurados pela Constituição Federal

de 1988. É preciso reconhecer que a presunção de legitimidade somente deve ser invocada pela Admi-

nistração nos casos em que não for realmente possível a adoção de um adequado procedimento de regis-

tro dos fatos envolvidos na atividade administrativa. Daí existirem casos em que cabe à Administração

demonstrar a validade dos seus atos, por ser ela a única detentora dos meios de produção de prova para

tanto, não lhe cabendo comodamente invocar a presunção de legitimidade e deixar o administrado vulne-

rável ao arbítrio dos agentes públicos13

.

• Princípio da especialidade: Este princípio tem relação com o fenômeno da descentralização

administrativa, em que o Poder Público cria entidades (pessoas jurídicas), tais como autarquias e empre-

sas públicas, para desempenhar determinadas atividades assumidas pelo Estado. O conjunto dessas enti-

dades formará a chamada Administração Indireta, tema que será abordado em capítulo posterior. O

princípio da especialidade é a norma que baliza a atuação de tais entidades estatais, impedindo que ve-

nham a atuar em finalidade estranha àquela prevista na lei que viabilizou a sua criação. Apesar de a

doutrina em geral considerar a especialidade uma característica das pessoas jurídicas estatais, notada-

mente as autarquias, a mesma lógica leva a que se aplique o princípio também no que diz respeito aos

órgãos desprovidos de personalidade, eis que igualmente criados com atribuições específicas delimitadas

por lei. Enfim, a norma em destaque estabelece que cada centro de competência administrativa deva

atuar no estrito limite dos poderes que lhe foram conferidos pela respectiva lei instituidora, reservando-

se a cuidar dos assuntos afetos a sua área de especialidade e evitando, com isso, o choque de atribuições

entre os órgãos e entes públicos.

• Princípio da hierarquia: A hierarquia é um fenômeno recorrente na área empresarial, presente

no interior de qualquer organização administrativa minimamente estruturada e com distribuição e esca-

lonamento de funções entre os profissionais e técnicos que nela labutam. Com a administração pública

não é diferente, a não ser pelo fato de que a hierarquia se espraia entre órgãos e agentes públicos ligados

uns aos outros por um vínculo de subordinação. Do princípio da hierarquia decorrem dois poderes corre-

latos da Administração Pública: o poder hierárquico e o poder disciplinar. O poder hierárquico está

relacionado com a prerrogativa que tem os agentes superiores de dar ordens, rever a atuação, delegar ou

avocar atribuições dos subordinados. Já o poder disciplinar se relaciona com a prerrogativa do superior

em aplicar sanções aos subordinados por descumprimento de algum dever funcional.

• Princípio da autotutela: A hierarquia administrativa possibilita, dentre outras coisas, que as

autoridades superiores revisem os atos praticados pelos subalternos. Esta possibilidade de revisão, ine-

rente à via administrativa, é a chamada autotutela, que tem a ver, portanto, com o controle exercido pela

Administração sobre os atos de seus próprios agentes públicos. A teor da Súmula 473 do STF, “a Admi-

nistração pode anular seus próprios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, porque deles

não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os

direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Saliente-se, porém, que tal

prerrogativa de invalidar ou revogar seus próprios atos somente se aplica àqueles praticados sob o regi-

me jurídico administrativo, quando o Poder Público utiliza de suas prerrogativas exorbitantes, não se

13 CARNEIRO NETO, Durval. Processo, jurisdição e ônus da prova no direito administrativo, Salvador: Jus Podivm.

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estendendo aos atos e contratos que a Administração praticar sob a égide do Direito Privado14

. Nesses

casos, tal dependerá de manifestação do Poder Judiciário.

• Princípio da tutela: Este princípio relaciona-se ao controle exercido sobre entidades da cha-

mada Administração Indireta. Em tópico posterior abordaremos o tema da organização da administração

pública, com destaque para a divisão do aparelho administrativo estatal em dois grandes setores denomi-

nados Administração Direta e Administração Indireta. Será então examinado que não existe hierarquia

entre a Administração Direta e as entidades da Administração Indireta, todavia, cabe àquela exercer um

controle especial sobre os atos destas, supervisionando o cumprimento de suas finalidades específicas

previstas na lei instituidora. Esse controle finalístico, de natureza não-hierárquica, é possível por força

do princípio da tutela administrativa, também chamado de supervisão ministerial. Cumpre, então, não

confundir a tutela, ora estudada, com o vetor normativo da autotutela mencionado no tópico anterior. Na

autotutela, o poder é exercido dentro de uma estrutura administrativa hierarquizada, de um órgão superi-

or para um órgão subalterno; o vínculo, portanto, é de subordinação. Já na tutela, o controle é exercido

entre entes sem liame hierárquico. O vínculo, aí, é de supervisão. São distintos os regimes jurídicos num

e noutro caso, sendo o poder hierárquico mais intenso e variado do que o controle de supervisão, haja

vista a relativa independência que gozam os entes da Administração Indireta frente à Administração

Direta. Como diz Celso Antônio, “enquanto os poderes do hierarca são presumidos, os do controlador só

existem quando previstos em lei e se manifestam apenas em relação aos atos nela indicados”.15

• Princípio da continuidade do serviço público: Como as necessidades da coletividade são con-

tínuas, os serviços públicos a elas relacionados não podem parar totalmente. A expressão serviço público

é aqui empregada num sentido amplo, abrangendo todas as atividades administrativas, não apenas os

serviços públicos propriamente ditos (saúde, educação, transporte etc.), mas também aquelas relaciona-

das ao poder de polícia (segurança pública, vigilância sanitária etc.) e outros setores da Administração.

Naturalmente a continuidade não significa ininterrupção absoluta, pois há serviços que, apesar de contí-

nuos, obedecem a um horário de expediente, a depender da necessidade. Outros são intermitentes em seu

regular funcionamento. A doutrina costuma exemplificar duas situações de incidência deste princí-

pio, a primeira relacionada à greve dos servidores e a segunda aos contratos administrativos. O exercício

do direito de greve no serviço público deve obedecer a limites previstos em lei específica (CF, art.37,

VII), tendo o STF decidido que, enquanto não for editada esta lei, aplica-se, no que couber, a legislação

geral de greve (Lei 7.783/89), que já impõe certos limites ao setor privado16

. Decorrência disso está na

necessidade de se manter um mínimo de funcionamento da máquina pública, impedindo-se a sua total

interrupção, dentre outros limites que levem em conta as peculiaridades do tipo de serviço público en-

volvido. Da mesma forma, aquele que contrata com a Administração não poderá invocar a seu favor a

exceção do contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus) prevista no art. 476 do Código

Civil. Significa dizer que, ainda que a Administração não cumpra a sua parte no contrato administrativo,

o contratante privado deverá dar continuidade ao serviço contratado por um determinado prazo, buscan-

do, se for o caso, uma indenização pelos prejuízos sofridos. Além disso, pode a Administração vir a

adotar medidas de intervenção na empresa contratante, se preciso for para assegurar a não paralisação do

serviço.

• Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade: O princípio da razoabilidade é norma

extraída implicitamente do sistema constitucional, integrando a cláusula do devido processo legal em seu

sentido substancial. Por força desse princípio, não basta que a Administração adote posturas formalmen-

te respaldadas em lei, devendo agir com bom senso em atenção às peculiaridades do caso concreto. Com

isso, termina por impor limitações à discricionariedade administrativa, servindo como parâmetro jurídico

para o seu controle. Há autores que consideram a proporcionalidade praticamente como sinônimo de

razoabilidade. Outros preferem distinguir os princípios, conferindo ao princípio da razoabilidade um

14 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva. 15 MELLO, Curso..., cit. 16 STF, MI 670 e 708, relator min. Gilmar Mendes e MI 712, relator min. Eros Grau, julg. 25/10/2007.

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campo de aplicação mais abrangente, pelo que a proporcionalidade despontaria como um dos aspectos

contidos na razoabilidade17

, especificamente no tocante à relação entre meios e fins, sendo “vedada a

imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao

atendimento do interesse público” (Lei 9.784/99, art.2º, p. único). Com base na doutrina alemã, costuma-

se apontar três aspectos que compõem o princípio da proporcionalidade: a adequação (deve haver uma

relação de causalidade entre meio e fim, isto é, o meio deve ser idôneo à produção do fim), necessidade

(inexistência de outro meio mais suave, isto é, menos restritivo a direitos individuais) e proporcionali-

dade em sentido estrito (o meio deve produzir mais vantagens do que desvantagens para o interesse

público). Desse modo, na prática de um ato administrativo, o Poder Público deverá utilizar um meio

adequado e na estrita medida do necessário para o alcance da finalidade a que se propõe, atentando para

o bom senso quanto a eventuais prejuízos causados à coletividade e sempre observando o mínimo de

respeito aos direitos fundamentais que se espera num Estado Democrático de Direito.

• Princípio da motivação: A Administração deve indicar os fundamentos de fato e de direito de

suas decisões, qualquer que seja a espécie de ato administrativo. Por se tratar de formalidade necessária

para se permitir o controle de legalidade, a Lei federal 9.784/99 determina expressamente que nos pro-

cessos administrativos seja observado o critério da “indicação dos pressupostos de fato e de direito que

determinarem a decisão”, impondo ainda o dever de motivação de grande parte dos atos administrativos

(art. 2o, p. único, VII c/c art.50). Antigamente se considerava que o dever de motivação seria excepcio-

nal e dispensável nos atos em que a autoridade administrativa detivesse certa liberdade de escolha. Essa

idéia revelou-se ultrapassada, mormente quando é sobretudo nessas situações de maior discricionarieda-

de que se torna ainda mais imperioso o dever de motivação, como um dos pilares da boa administração

pública e escudo do cidadão contra subjetivismos, arbitrariedades e outros desvios por parte do adminis-

trador18

. Admite-se que a indicação do motivo seja sucinta naqueles atos estritamente vinculados aos

termos da lei, bastando a simples menção ao dispositivo normativo aplicado ao caso. Porém, ainda assim

exige-se um mínimo de motivação como pressuposto de validade do ato. A motivação deve ser prévia ou

contemporânea à expedição do ato19

. Em alguns casos a motivação pode se dar de modo indireto, por

simples referência a algum parecer que tenha sido emitido. É a chamada motivação aliunde, tal como

prevista também pela Lei 9.784/99, em seu art.50, §1º: "A motivação deve ser explícita, clara e congru-

ente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres,

informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato". É ainda possível a

motivação por meio de formulários com texto padrão, quando se tratar de assuntos repetitivos e não

prejudique o direito de defesa do administrado, o que também é previsto no §2º do referido dispositivo

legal: "Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que repro-

duza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados".

Somente não precisarão ser motivados os atos “de mero expediente, os ordinatórios de feição interna e,

ainda, aqueles que a Carta Constitucional admitir como de motivação dispensável”20

. Os atos de mero

expediente e os ordinatórios são aqueles mais simples da rotina administrativa, sem maiores repercus-

sões e que, portanto, não costumam atingir direitos de terceiros, razão pela qual se lhes dispensa a moti-

vação. Outrossim, há casos em que a própria Carta Magna autoriza expressamente que o agente público

promova escolhas sem precisar indicar as razões da sua decisão, cujo exemplo clássico é a nomeação

para cargo de confiança (CF/88, art.37, II, parte final). Fora daí, porém, a regra geral deve ser a motiva-

ção.

• Princípios da segurança jurídica, proteção à boa-fé e confiança legítima: Tais vetores nor-

mativos, de fundamental importância para o Direito Administrativo contemporâneo, buscam assegurar

razoável previsibilidade à atuação da Administração Pública, garantindo a desejada coerência na aplica-

ção do ordenamento, em respeito à confiança e boa-fé dos administrados. Um exemplo de concretização

17 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 18 FREITAS, Juarez Freitas. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros. 19 MELLO, Curso..., cit. 20 FREITAS, Discricionariedade..., cit.

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destes princípios está na regra do art. 2o, p. único, XIII, da Lei 9.784/99, segundo a qual a interpretação

da norma administrativa deve ocorrer “da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que

se dirige, vedada a aplicação retroativa de nova interpretação”. Ao tratar da segurança jurídica, Celso

Antônio diz que, “por força mesmo deste princípio, (conjugadamente com os da presunção de legitimi-

dade dos atos administrativos e da lealdade e boa-fé), firmou-se o correto entendimento de que as orien-

tações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modi-

ficadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes

pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia”21

. Marçal Justen, na

mesma esteira, assinala que “as expectativas e os direitos derivados de atividades estatais devem ser

protegidos, sob o pressuposto de que os particulares têm a fundada confiança em que o Estado atua

segundo os princípios da legalidade, da moralidade e da boa-fé”.22

Pode-se dizer que a segurança jurídi-

ca é algo da própria essência do Estado de Direito, havendo institutos básicos previstos no ordenamento

que já buscam assegurá-la, tais como a decadência, a prescrição, a coisa julgada, o direito adquirido, o

ato jurídico perfeito, a irretroatividade da lei etc. Não obstante, a concepção contemporânea de seguran-

ça jurídica vai além desses institutos, protegendo direitos que não tenham sido ainda adquiridos, mas se

encontram em vias de constituição ou suscetíveis de se constituir; também se refere à realização de pro-

messas ou compromissos da Administração que geraram, no cidadão, esperanças fundadas; visa, ainda, a

proteger particulares contra alterações normativas que, mesmo legais, são de tal modo abruptas e radi-

cais que suas conseqüências revelam-se desproporcionais.

• Princípio da finalidade pública: Já foi dito anteriormente que a Administração Pública deve

atuar segundo a máxima da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. A partir desta

idéia, pode-se desdobrá-la no princípio da finalidade pública, que sempre haverá de vincular a atividade

administrativa. Significa dizer que será nulo qualquer ato da Administração Pública que se afaste do

interesse público em prol de interesses particulares, incidindo no chamado desvio de finalidade ou desvio

de poder.

• Princípio do controle judicial dos atos administrativos: A legalidade de todos os atos admi-

nistrativos pode ser objeto de controle não apenas pela própria Administração Pública (princípio da

autotutela), mas também pelo Poder Judiciário, a quem cabe sempre a palavra final, com efeito de coisa

julgada, nos litígios envolvendo a Administração. O art.5º, XXXV, da CF/88 reza que toda lesão ou

ameaça de lesão a direito pode ser apreciada pelo Judiciário. O direito brasileiro adotou o sistema inglês

de jurisdição única, segundo o qual apenas os órgãos que integram o Poder Judiciário detêm competên-

cia para exercer tipicamente a função jurisdicional, não existindo, entre nós, tribunais administrativos

dotados de poderes jurisdicionais, como ocorre nos países que seguiram a tradição francesa do sistema

dual. Logo, as decisões da Administração Pública não fazem coisa julgada em relação aos particulares

por ela atingidos, podendo estes, querendo, acessar ao Poder Judiciário visando a alteração do posicio-

namento da Administração.

• Princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa: É um desdo-

bramento do princípio da indisponibilidade do interesse público pelo administrador. Os agentes da Ad-

ministração não agem por direito, mas sim por dever, segundo a finalidade legal que justifica o poder

que exercem e as prerrogativas públicas. Logo, por não dispor do interesse público, o administrador não

pode se esquivar do cumprimento das suas obrigações funcionais, nem pode escolher ou optar se atuará

ou não23

.

• Princípio da responsabilidade do Estado: O art. 37, §6º, da CF/88 prevê que “as pessoas jurí-

dicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderá pelos danos

que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o res-

21 MELLO, Curso..., cit. 22 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum. 23 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito administrativo. Salvador: JusPodivm.

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ponsável nos casos de dolo ou culpa”. Reconhece-se assim, como princípio constitucional expresso, a

responsabilidade do Estado por danos causados aos administrados. Não se pode invocar a soberania do

Estado a pretexto de não se admitir essa responsabilidade, restando inteiramente superada a idéia de

irresponsabilidade que vingou na fase do absolutismo. A doutrina aponta a evolução das teorias que

procuram delimitar os parâmetros jurídicos dessa responsabilidade, desde as primeiras teorias civilistas

calcadas na responsabilidade subjetiva nos moldes do direito privado, passando pelas teorias publicistas

baseadas na idéia de culpa administrativa, avançando até a concepção de risco administrativo, pregando-

se a responsabilidade objetiva. O tema será abordado em capítulo específico desta obra.

Para uma adequada compreensão acerca das mutações pelas quais passou a Administração Públi-

ca brasileira, é preciso voltar no tempo e analisar como se deu a evolução dos métodos de organização e

gestão administrativa, desde o início do século XX.

Por ocasião da proclamação da República, a Administração brasileira estava caracterizada por

um modelo patrimonialista de gestão da coisa pública, em que as autoridades administrativas atuavam de

modo pessoal, com pouca organização, ampla liberdade de ação e sem mecanismos racionais de controle

pela autoridade central. Esse ambiente de descontrole no exercício do poder administrativo fez com que

ainda na década de 30 o governo brasileiro procurasse adotar métodos mais racionais de organização do

aparelhamento estatal. Tal necessidade de modernização já havia sido detectada anos antes em países da

Europa, ocasionando movimentos de reforma que buscaram a implantação de uma Administração Públi-

ca mais profissional, despersonalizada e com mecanismos formais de controle dos meios empregados

por seus agentes. Adveio daí a concepção de "burocracia", tal como idealizada por Max Weber.

Por outro lado, mesmo com a gradativa implementação de mecanismos burocráticos, a Adminis-

tração Pública brasileira por longo tempo se manteve ainda fortemente hierarquizada, com o poder con-

centrado na figura do chefe do Executivo. Vale dizer, nos anos que se seguiram à década de 30 do século

passado a nossa Administração revelou-se, na essência, como uma burocracia centralizada. E em que

pese a abertura democrática propiciada pelo advento da Constituição Federal de 1946, as tentativas de

mudança desse quadro não lograram êxito num primeiro momento, somente vindo a se falar em reforma

no final da década de 50, quando então se iniciaram estudos visando a adoção de modelos de descentra-

lização administrativa no Brasil.

A partir da década de 1960, tais estudos foram postos em prática, culminando com a edição do

DL 200/67 e a primeira grande reforma do aparelho administrativo brasileiro, havendo aí um movimento

de descentralização funcional que levou à criação de autarquias, empresas públicas e sociedades de

economia mista. Se por um lado isso de certa modernizou muito o aparelho do Estado, por outro lado

deu-se sob um mo delo de administração ainda de viés substancialmente burocrático, apenas com mu-

danças quantitativas, mas não qualitativas. Nesse quadro, a Administração brasileira agigantou-se, con-

substanciando a chamada fase do estatismo24

, surgida após a crise do capitalismo liberal e o posterior

advento do Estado do Bem Estar Social (“Welfare State”) na segunda metade do século XX, instituído

sob as luzes de um filosofia política que pregava uma maciça presença do Estado como prestador de

serviços sociais e executor direto de atividades econômicas que até então eram deixadas livres à iniciati-

va privada. Diversas entidades administrativas foram criadas, dentre elas um grande número de empresas

públicas e sociedades de economia mista.

Passaram-se cerca de trinta anos sob esse modelo instituído pelo DL 200/67, com centenas dessas

entidades descentralizadas, em âmbito todas as esferas da federação, até que em 1995 foi dado início a

um novo projeto de modernização da Administração Pública brasileira, que veio a se chamar Plano de

24 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.

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Reforma do Aparelho do Estado. Tal mudança se deu num contexto histórico que se veio a designar

como a fase da democracia, reconhecendo-se a falência do modelo de gestão calcado naquela presença

maciça do Estado, passando-se a colocar, em primeiro lugar, a eficiência da gestão administrativa na

satisfação dos interesses da coletividade. Teve início então um novo modelo de gestão, que se tornou

conhecido como a administração gerencial.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o movimento de transição do modelo burocrático para

o modelo gerencial, em nosso país, teve início em meados da década de 90 do século passado, como

reflexo de um processo de modernização do aparelho estatal que já estava ocorrendo na Europa e nos

EUA desde a década de 70. Tal modelo surgiu como forma de flexibilizar a atuação burocrática do Esta-

do, introduzindo-se novos mecanismos de gestão das atividades administrativas, bem como de avaliação

de desempenho e resultados e de qualidade e eficiência dos serviços públicos, com participação popular

e exercício da cidadania. Buscou-se, dentre outras coisas, a união de esforços entre órgãos, entidades

públicas (cooperação) e a iniciativa privada (parcerias), a democratização do aparato estatal com uma

maior atuação da sociedade, a redução do caráter político das decisões administrativas (despolitização),

adotando-se um modelo de administração pública mais consensual (consensualidade) em que se estimu-

la uma maior participação dos administrados cooperando e colaborando na definição dos rumos da atua-

ção administrativa eficiente. Como ressalta Diogo de Figueiredo, “estava feita a distinção entre a demo-

cracia clássica, voltada à escolha dos governantes, e a democracia emergente deste final do Século XX,

voltada à escolha de como se quer ser governado”.25

Se o marco legal da velha administração burocrática esteve centrado no DL 200/67, o novo mo-

delo veio a encontrar na atual Constituição o seu maior amparo normativo, sobretudo com as modifica-

ções que lhe foram postas pela Emenda Constitucional n. 19/98. Novos atores surgiram, tais como as

agências reguladoras e executivas, as organizações sociais, as sociedades civis de interesse público;

novos instrumentos de execução foram criados, a exemplo das parcerias público-privadas, os contratos

de gestão e os termos de parceria. Também foram instituídos novos mecanismos de controle, mais cen-

trados nos fins (controle de resultados) do que nos meios (controle de procedimentos). Não obstante - é

preciso que se diga - apesar dos avanços já feitos em alguns setores, há muitos segmentos da Adminis-

tração Pública brasileira que ainda seguem mantendo padrões burocráticos de gestão, a desafiar, portan-

to, uma constante e gradual mudança de paradigmas.

Antes de examinarmos o tema em epígrafe, cabe um esclarecimento sobre o que consiste a divi-

são em “setores” no contexto do modelo gerencial. Para que se evite afundar num mar de contradições

semânticas, é preciso atentar que muitas vezes termos iguais são empregados com referência a distintas

classificações, o que inadvertidamente acaba por gerar confusão.

Existe uma primeira classificação, de abordagem sociológica e universal, que leva em conta os

papéis que devem ser distribuídos entre o Estado e a iniciativa privada em cada sociedade. Daí se diz que

o “Primeiro Setor” é aquele ocupado pelo Estado, o “Segundo Setor” refere-se à área reservada ao Mer-

cado e o “Terceiro Setor” abarca certas entidades privadas desenvolvidas sem fins lucrativos. Natural-

mente, o tamanho desses três setores pode variar de país para país, a depender das escolhas políticas e da

ideologia sobre o papel do Estado em cada sociedade. No Brasil, tem se defendido uma atuação subsidi-

ária do Estado (princípio da subsidiariedade), atribuindo-se à iniciativa privada (indivíduos, associa-

ções, sociedades etc.) primazia sobre a iniciativa estatal, ou seja, deve o Estado se abster de exercer

25 Idem.

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atividades que o particular tenha condições de desenvolver com seus próprios recursos ou mediante

incentivos.26

Contudo, o presente tópico diz respeito a outra classificação, totalmente diversa e que foi re-

centemente adotada pelo governo brasileiro, especificamente para delimitar as áreas de atuação do Esta-

do, concebido este como um complexo aparelho a demandar planejamentos setoriais, assegurando com

isso a maior eficiência possível.

Passou-se a falar, então, em quatro setores do Estado (todos eles, portanto, dentro do grande

Primeiro Setor acima identificado), como textualmente descritos no aludido Plano de Reforma do

Aparelho do Estado (1995):

• Núcleo Estratégico: Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas.

• Atividades exclusivas: É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado - o poder de regulamentar, fiscalizar, fo-mentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trân-sito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, etc.

• Serviços não exclusivos: Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Esta-do. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem “economias externas” relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus.

• Produção de bens e serviços para o mercado: Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessário no caso de privatização, a regula-mentação rígida.

Ainda de acordo com o texto do plano de reforma, cada um destes quatro setores referidos apre-senta características peculiares, tanto no que se refere às suas prioridades, quanto aos princípios adminis-trativos adotados.

No núcleo estratégico, o fundamental é que as decisões sejam as melhores, e, em seguida, que se-jam efetivamente cumpridas. A efetividade é mais importante que a eficiência. O que importa saber é, primeiro, se as decisões que estão sendo tomadas pelo governo atendem eficazmente ao interesse nacio-nal, se correspondem aos objetivos mais gerais aos quais a sociedade brasileira está voltada ou não. Segundo, se, uma vez tomadas as decisões, estas são de fato cumpridas. Já no campo das atividades exclusivas de Estado, dos serviços não-exclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo bai-xo. O princípio correspondente é o da eficiência, ou seja, a busca de uma relação ótima entre qualidade e custo dos serviços colocados à disposição do público. Logo, a administração deve ser necessariamente gerencial. O mesmo se diga, obviamente, do setor das empresas, que, enquanto estiverem com o Estado, deverão obedecer aos princípios gerenciais de administração.

26 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Como esclarecido no tópico anterior, o tema do “Terceiro Setor” está relacionado à classificação

que leva em conta a divisão de papéis na sociedade.

Em linhas gerais pode-se dizer que no regime capitalista, tal como adotado no Brasil, existem ba-

sicamente dois grandes atores presentes no teatro da vida social: o Estado e o Mercado. Há um campo

próprio de atuação do Estado e que a doutrina costuma designar como o Primeiro Setor, onde são de-

sempenhadas as atividades relacionadas ao poder de polícia, prestação de serviços públicos, realização

de obras públicas e outras atividades sujeitas a um regime predominante de direito público. De outro

lado, o grande provedor de necessidades e fornecedor de utilidades à população é o Mercado, integrando

o chamado Segundo Setor, que é o campo próprio da trocas econômicas (bens e serviços) empreendidas

pela iniciativa privada e, portanto, sob predominância do regime jurídico de direito privado.

Ocorre que, a meio termo desses dois grandes setores, vieram despontando uma gama de ativida-

des exercitadas por entidades privadas, porém sem a natureza econômica que caracteriza as atividades

desenvolvidas no regime de Mercado e, por isso mesmo, com aspectos semelhantes às atividades de-

sempenhadas diretamente pelo Estado. É com vistas a esse fenômeno que a doutrina passou a empregar a

expressão Terceiro Setor para designar o conjunto de entidades privadas, criadas por particulares ou até

mesmo pelo próprio Estado, que desempenham atividades de utilidade pública, sem fins lucrativos. São

também denominadas de entes paraestatais, entes intermédios ou entes privados em cooperação com o

poder público, tendo alguns autores empregado a denominação de entidades quase-públicas ou públicas

não-estatais. Apesar de não fazerem parte da Administração Pública (por isso não são estatais), tais

entidades sujeitam-se à fiscalização dos tribunais de contas no que concerne à gestão dos bens e recursos

públicos que lhe são repassados.

As atividades desempenhadas pelos entes do terceiro setor, posto que de interesse público, não

são exclusivas do Estado. O particular, mesmo sem o dever de atuar, o faz por razões espontâneas e

filantrópicas, sem qualquer intento de lucro. E é justamente o fato de serem consideradas de interesse

público que leva o Estado a incentivar que a iniciativa privada colabore, prestando serviços sociais nas

áreas de saúde, ensino, pesquisa, defesa do meio ambiente etc. Tal incentivo se dá através de variadas

medidas de fomento público.

Por conseguinte, são firmados acordos e outros ajustes de parceria entre o Poder Público e as en-

tidades privadas, que passam então a figurar dentre as categorias de entes do Terceiro Setor. Advirta-se,

de logo, que não se deve confundir esta parceria (sem fins lucrativos) com outras modalidades de parce-

ria voltadas para a delegação remunerada de serviços públicos, as quais serão estudadas em tópico poste-

rior (dentre eles as parcerias público-privadas, que são espécies de concessão).

No que concerne à definição do papel do Estado na sociedade, o princípio da subsidiariedade

prega a abstenção do Poder Público naquilo que a iniciativa privada tenha condições de realizar dentro

das regras do mercado e de modo eficiente. Discorrendo sobre as idéias inerentes a tal princípio, Maria

Sylvia Zanella Di Pietro destaca “de um lado, a de respeito aos direitos individuais, pelo reconhecimento

de que a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre

a iniciativa estatal; em consonância com essa idéia, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o

particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos; em conse-

qüência, sob esse aspecto, o princípio implica uma limitação à intervenção estatal. De outro lado, o

Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de tal modo a permitir aos particulares,

sempre que possível, o sucesso na condução de seus empreendimentos. E uma terceira idéia ligada ao

princípio da subsidiariedade seria a de parceria entre público e privado, também dentro do objetivo de

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subsidiar a iniciativa privada, quando ela seja deficiente”.27

Destarte, o fomento ao terceiro setor pode

ser considerado uma das conseqüências da aplicação do referido princípio.

Como categorias de entes do Terceiro Setor pode-se citar os serviços sociais autônomos, as orga-

nizações sociais (OS), as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP) e outros entes de

apoio. Essas entidades não integram a Administração Pública, nem mesmo em sentido objetivo. Ou seja,

além de não fazerem parte da estrutura orgânica do aparelho estatal, a atividade que prestam, inobstante

o seu alcance social, não é propriamente uma função administrativa. “O seu regime jurídico é predomi-

nantemente privado, contudo parcialmente derrogado por regras de direito público”28

.

A organização social (OS) foi inicialmente disciplinada pela Lei 9.637/98, que fixou as suas di-retrizes e critérios de qualificação pelo Poder Executivo federal, instituindo o denominado Programa Nacional de Publicização (PNP).

Esta legislação tornou possível que pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, ab-sorvessem atividades desenvolvidas por entidades ou órgãos públicos da União, nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura ou saúde. Tal absorção, nos termos da lei, deve observar as seguintes diretrizes: I - ênfase no atendimento do cidadão-cliente; II - ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados; III - controle social das ações de forma transparente.

O art.2º da Lei 9.637/98 estabelece os requisitos específicos para que as entidades privadas habi-litem-se à qualificação como organização social:

I - comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: a) natureza social de seus objeti-vos relativos à respectiva área de atuação; b) finalidade não-lucrativa, com a obrigatoriedade de investi-mento de seus excedentes financeiros no desenvolvimento das próprias atividades; c) previsão expressa de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e uma diretoria definidos nos termos do estatuto, asseguradas àquele composição e atribuições normativas e de controle básicas previstas nesta Lei; d) previsão de participação, no órgão colegiado de deliberação superior, de representantes do Poder Público e de membros da comunidade, de notória capacidade pro-fissional e idoneidade moral; e) composição e atribuições da diretoria; f) obrigatoriedade de publicação anual, no Diário Oficial da União, dos relatórios financeiros e do relatório de execução do contrato de gestão; g) no caso de associação civil, a aceitação de novos associados, na forma do estatuto; h) proibição de distribuição de bens ou de parcela do patrimônio líquido em qualquer hipótese, inclusive em razão de desligamento, retirada ou falecimento de associado ou membro da entidade; i) previsão de incorporação integral do patrimônio, dos legados ou das doações que lhe foram destinados, bem como dos excedentes financeiros decorrentes de suas atividades, em caso de extinção ou desqualificação, ao patrimônio de outra organização social qualificada no âmbito da União, da mesma área de atuação, ou ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, na proporção dos recursos e bens por estes alocados;

II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organiza-ção social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.

O art.1º da Lei 9.637/98 prevê um rol restrito de áreas de atuação das organizações sociais,

cujas atividades devem estar dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico,

à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

Vale observar que a entidade não nasce já sendo uma "organização social”. Trata-se de uma qua-

lificação posterior conferida à entidade privada. Assim, a Lei 9.637/98 cuidou de estabelecer os requisi-

tos para que as entidades privadas habilitem-se a obter tal qualificação, dentre eles a previsão expressa

27 DI PIETRO, Parcerias na Administração Pública, cit. 28 MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Impetus.

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de a entidade ter, como órgãos de deliberação superior e de direção, um conselho de administração e

uma diretoria definidos nos termos do estatuto. Na composição do conselho de administrativo deve

haver 20 a 40% de membros representantes do Poder Público.

Ainda nos termos da Lei, a qualificação como organização social depende da aprovação discri-

cionária (conveniência e oportunidade) do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área

de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e

Reforma do Estado (atual Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão). Uma vez autorizada a

qualificação da entidade, é firmado um contrato de gestão entre o Poder Público e a entidade qualifica-

da, no qual devem ser discriminadas as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e

da organização social. O contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Ad-

ministração da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à ativi-

dade fomentada.

Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impesso-

alidade, moralidade, publicidade, economicidade, tendo a lei federal estabelecido também a fixação de

programa de trabalho, de metas a serem atingidas, prazos de execução, critérios objetivos de avaliação e

limites de despesa de pessoal, previsão de supervisão pelo Poder Público, controle pelo TCU, pelo Mi-

nistério Público Federal e pela AGU. Dispôs, ainda, sobre o possível emprego de recursos orçamentários

e bens públicos, bem como a permissão de uso, com dispensa de licitação e a cessão de especial de ser-

vidor, com ônus para o Poder Público. Apesar do termo “contrato”, o contrato de gestão não é propria-

mente um contrato, mas, sim, um acordo de essência não-contratual, uma parceria que a Administração

firma com o ente privado, em mútua cooperação e sem interesses contrapostos.

Em regra, os contratos firmados pelas organizações sociais não dependem de prévia licitação,

salvo aqueles relacionados a recursos oriundos de repasse do Poder Público em face do contrato de ges-

tão, caso em que também deve haver a prestação de contas perante o Tribunal de Contas. Nos termos do

art. 12, caput, da Lei 9.637/98, "às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e

bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão". O §3º do mesmo artigo, por sua vez,

dispõe que tais bens "serão destinados às organizações sociais, dispensada a licitação, mediante permis-

são de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão".

As organizações sociais podem ser desqualificadas a qualquer tempo em razão do descumpri-

mento das cláusulas do contrato de gestão, ou quando a qualificação não seja mais conveniente à Admi-

nistração Pública com vistas ao interesse público. Sendo um ato restritivo de direito, faz-se necessário

um prévio processo administrativo no qual se dê oportunidade de defesa à entidade.

A Lei 9.649/98 acrescentou o inciso XXIV ao art. 24 da Lei 8.666/93, autorizando a dispensa de

licitação "para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualifica-

das no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão".

Registre-se a severa crítica de alguns autores ao modelo instituído pela Lei 9.637/89, especifica-

mente no que tange à previsão de extinção de entidades públicas cujas atividades forem absorvidas pelas

organizações sociais. Sobre esse ponto, adverte que "o real objetivo parece ser o de privatizar a forma de

gestão de serviço público delegado pelo Estado", de modo a ficar "muito nítida a intenção do legislador

de instituir um mecanismo de fuga ao regime jurídico de direito público a que se submete a Administra-

ção Pública. O fato de a organização social absorver atividade exercida por ente estatal e utilizar o pa-

trimônio público e os servidores públicos antes a serviço desse mesmo ente, que resulta extinto, não

deixa dúvida de que, sob a roupagem de entidade privada, o real objetivo é o de mascarar uma situação

que, sob todos os aspectos, estaria sujeita ao direito público”.29

A qualificação das organizações sociais

não deve significar a extinção de serviços públicos, não podendo o Estado "eximir-se de desempenhá-

los, motivo pelo qual lhe é vedado esquivar-se deles e, pois, dos deveres constitucionais aludidos pela

29 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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via transversa de ‘adjudicá-los’ a organizações sociais. Segue-se que estas só poderiam existir comple-

mentarmente, ou seja, sem que o Estado se demita de encargos que a Constituição lhe irrogou”.30

Tal como ocorre com as organizações sociais, a organização da sociedade civil de interesse

público (OSCIP) é uma qualificação atribuída a certas entidades que preencham os requisitos previstos

na Lei 9.790/99 e firmem termos de parceria com o Estado.

As áreas de atuação das OSCIPS são mais amplas do que as das OS, pois seus objetivos so-

ciais podem ter uma das seguintes finalidades indicadas no art.3º da Lei 9.790/99: I - promoção da assis-

tência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III -

promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação das organizações

de que trata esta Lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de partici-

pação das organizações de que trata esta Lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI -

defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII -

promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobre-

za; IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de

produção, comércio, emprego e crédito; X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos

direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cida-

dania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; XII - estudos e pesquisas,

desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos

técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo.

Ao contrário do que fez a lei que tratou das organizações sociais (Lei 9.637/98), a Lei 9.790/99

não enumerou exaustivamente os requisitos específicos para que uma entidade possa se qualificar como

sociedade civil de interesse públicos. Apenas fez referência a pessoas jurídicas de direito privado, sem

fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos

ali instituídos, cuidando em seguida de indicar as situações em que uma entidade não poderá assim se

qualificar.

Conforme o art.2º da Lei 9.790/99, não são passíveis de qualificação como Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público, ainda que se dediquem de qualquer forma às atividades descritas

no seu art. 3o desta Lei: I - as sociedades comerciais; II - os sindicatos, as associações de classe ou de

representação de categoria profissional; III - as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de

credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; IV - as organizações partidárias e asseme-

lhadas, inclusive suas fundações; V - as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou

serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; VI - as entidades e empresas que comercializam

planos de saúde e assemelhados; VII - as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantene-

doras; VIII - as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; IX - as

organizações sociais; X - as cooperativas; XI - as fundações públicas; XII - as fundações, sociedades

civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; XIII - as

organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a

que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

A doutrina aponta que, enquanto nas organizações sociais o intuito evidente é o de que elas as-

sumam determinadas atividades hoje desempenhadas, como serviço público, por entidades da Adminis-

tração Pública, resultando na extinção destas últimas, nas organizações da sociedade civil de interesse

público não existe essa intenção, pois a qualificação da entidade como tal não afeta em nada a existência

ou as atribuições de entidades ou órgãos integrantes da Administração Pública. Nas organizações da

sociedade civil de interesse público “o Estado não está abrindo mão de serviço público (tal como ocorre

com a organização social) para transferi-lo à iniciativa privada, mas fazendo parceria, ajudando, coope-

rando com entidades privadas que, observados os requisitos legais, se disponham a exercer as atividades

30 MELLO, Curso..., cit.

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indicadas no art.3o (da Lei 9790/99), por se tratar de atividades que, mesmo sem a natureza de serviços

públicos, atendem a necessidades coletivas”.31

Como já dito, a Lei 9.790/99 estabeleceu que somente algumas pessoas jurídicas de direito pri-

vado sem fins lucrativos podem ser qualificadas como organizações da sociedade civil de interesse pú-

blico. O fato de não ser uma instituição gratuita por si só não significa que haja fins lucrativos, pois o

elemento determinante para se identificar a ausência de fins lucrativos não está na obtenção de alguma

renda proveniente da atividade, mas, sim na não distribuição dessa renda entre os participantes da insti-

tuição (art. 1º, §1º). Todavia, como também já visto, a lei de regência indica expressamente uma série de

instituições que não podem ser qualificadas.

Dentre os principais aspectos ventilados na Lei 9.790/99, consta a proibição de qualificação para

certas entidades, as finalidades a serem perseguidas, os critérios a serem previstos nos estatutos, a neces-

sidade de requerimento de qualificação ao Ministro da Justiça, a natureza de ato vinculado da qualifica-

ção, a necessidade de motivação no deferimento ou indeferimento do requerimento e de processo admi-

nistrativo ou judicial para perda de qualificação, as cláusulas essenciais dos termos de parceria, o acom-

panhamento e fiscalização pelo Poder Público, o controle pelo Tribunal de Contas e Ministério Público e

a publicação de regulamento.

O art. 4º, p. único, da Lei 9.790/99 dispõe que "é permitida a participação de servidores públi-

cos na composição de conselho de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, vedada a per-

cepção de remuneração ou subsídio, a qualquer título". Portanto, a participação de representantes do

poder público não é obrigatória nas OSCIPs. Registre-se que a participação de representantes do poder

público é obrigatória nas Organizações Sociais (OS), conforme o art. 3º da Lei 9.637/98.

Ressalte-se que "contrato de gestão" é a nomenclatura empregada pelo legislador brasileiro ao

tratar das Organizações Sociais (Lei 9.637/98, art. 5º) e das Agências Executivas (Lei 9.649/98, art. 51).

Já em relação às OSCIPs, o legislador utilizou a expressão "termo de parceria" (Lei 9.790/99, art. 9º).

A Lei 9.790/99 estabeleceu que o requerimento de habilitação da OSCIP deve ser formulado pe-

rante o Ministério da Justiça (art. 5º), ao passo que a celebração do termo de parceria será "precedida de

consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existentes, nos res-

pectivos níveis de governo" (art. 10, §1º). A exigência de manifestação do ministro ou da autoridade

supervisora da área correspondente à atividade fomentada, após aprovação pelo Conselho de Adminis-

tração, está prevista em relação aos contratos de gestão das Organizações Sociais (art. 6º, p. único, da

Lei 9.637/98).

Tanto as OS quanto as OSCIPs devem ser pessoas jurídicas de direito privado e sem fins lucrati-

vos, como consta respectivamente no primeiro artigo das Leis 9.637/98 e 9.790/99.

A habilitação das OSs segue os trâmites previstos no art. 6º da Lei 9.637/98, cujo parágrafo único

dispõe que "o contrato de gestão deve ser submetido, após aprovação pelo Conselho de Administração

da entidade, ao Ministro de Estado ou autoridade supervisora da área correspondente à atividade fomen-

tada". Na verdade, a tramitação no Ministério da Justiça é etapa prevista na habilitação das OSCIPs,

como disposto no art. 5º da Lei 9.790/99.

Em suma, comparando-se as organizações sociais (Lei 9.637/98) e as organizações da sociedade

civil de interesse público (Lei 9.790/99), podem ser enumeradas as seguintes notas de distinção: a) a

aprovação da qualificação da OS é discricionária; na OSCIP é vinculada; b) a OS celebra contrato de

gestão; a OSCIP celebra termo de parceria; c) o Poder Público participa da direção da OS; não participa

da OSCIP; d) as áreas de atuação da OS são aquelas especificas na lei; na OSCIP não há esta restrição,

os objetivos são mais amplos.

31 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Apesar de as entidades do terceiro setor não fazerem parte da Administração Pública direta ou

indireta, sujeitam-se à fiscalização do tribunal de contas no que concerne à gestão dos bens e recursos

públicos que lhe são repassados. Consoante o art.70, p. único, da CF/88, “prestará contas qualquer pes-

soa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros,

bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de

natureza pecuniária”. Não bastasse isso, há previsão expressa no art. 9º da Lei 9.637/98, de que “os

responsáveis pela fiscalização da execução do contrato de gestão, ao tomarem conhecimento de qualquer

irregularidade ou ilegalidade na utilização de recursos ou bens de origem pública por organização social,

dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”. Norma

similar consta também do art. 12 da Lei 9.790/99, que trata das organizações da sociedade civil de inte-

resse público.

Por fim, em que pese as Leis 9.637/98 e 9.790/99 terem sido editadas para o âmbito administrati-vo da União, o nosso modelo federativo leva a que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pos-sam também editar legislações com essa mesma finalidade, qualificando entidades privadas como OS e OSCIPS, na esfera de suas respectivas competências. No tocante às OS, "assim como o Governo Federal concebeu essa nova forma de prestação de serviços, nada impede que Estados, Distrito Federal e Muni-cípios editem seus próprios diplomas com vistas à maior descentralização de suas atividades, o que podem fazer adotando o modelo proposto na Lei 9.637/1998 ou modelo diverso, desde que, é óbvio, idênticos sejam seus objetivos. O importante é que a qualificação seja atribuída a entidades que se pro-ponham a executar serviços sociais comunitários em parceria com o Poder Público".

32 O mesmo se apli-

ca às OSCIPS.

Administração Direta é termo utilizado em nosso país para designar o conjunto de órgãos que in-

tegram a estrutura interior da máquina administrativa do ente federado, em nível federal, estadual, distri-

tal ou municipal. Tem relação com o fenômeno da centralização administrativa, no qual a entidade

política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) exercita, ela própria, por meio de seus órgãos, a

atividade administrativa de que é titular. Vale dizer, todos os entes políticos são, ao mesmo tempo, entes

administrativos, quando estejam exercendo a função administrativa.

A noção envolve aspectos importantes: "o primeiro consiste em considerarmos, nesse caso, o Es-

tado como pessoa administrativa. Depois, é mister lembrar que a Administração Direta é constituída por

órgãos internos dessas mesmas pessoas; tais órgãos são o verdadeiro instrumento da ação da Adminis-

tração Pública, pois que a cada um deles é cometida uma competência própria, que corresponde a partí-

culas do objetivo global do Estado. Por fim, vale destacar o objetivo dessa atuação: o desempenho das

múltiplas funções administrativas atribuídas ao Poder Público em geral".33

Assim, ao se empregar o termo na Administração Direta federal, está se falando da União, en-

quanto entidade administrativa; a Administração Direta estadual equivale a determinado Estado-

membro, o mesmo ocorrendo em relação ao Distrito Federal (distrital). E cada Município brasileiro é

uma Administração Direta municipal.

32 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 33 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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Órgãos são centros de atribuição desprovidos de personalidade jurídica, de maneira que a sua a-

tuação consubstancia a atuação da própria entidade administrativa da qual fazem parte. No campo priva-

do e comercial, toda e qualquer empresa, por mais simples que seja a sua estrutura, demanda alguma

divisão de tarefas entre os seus dirigentes, evitando com isso um congestionamento de funções. Com a

Administração Pública não poderia ser diferente, mormente se consideramos a vastidão da máquina

administrativa nos dias atuais.

Denomina-se desconcentração administrativa essa distribuição de funções na estrutura interna

de uma mesma pessoa jurídica administrativa, cujas atividades são, então, exercidas por seus diversos

órgãos.

Como assinala Di Pietro, na desconcentração ocorre “uma distribuição interna de competências,

ou seja, uma distribuição de competências dentro da mesma pessoa jurídica; sabe-se que a Administra-

ção Pública é organizada hierarquicamente, como se fosse uma pirâmide em cujo ápice se situa o Chefe

do Poder Executivo. As atribuições administrativas são outorgadas aos vários órgãos que compõem a

hierarquia, criando-se uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros. Isso é feito para

descongestionar, desconcentrar, tirar do centro um volume grande de atribuições, para permitir seu mais

adequado e racional desempenho”.34

A legislação federal (art.1º, §2º, da Lei 9.784/99) cuidou de definir a figura do órgão como uma

unidade de atuação sem personalidade jurídica, distinguindo-a de outras categorias tais como a entidade

(unidade de atuação, com personalidade jurídica) e a autoridade (pessoa física, que exerce a função

pública). Por exemplo, um Auditor-Fiscal (autoridade) desempenha suas funções no âmbito de determi-

nada Delegacia Regional da Receita Federal (órgão subalterno), subordinada à Secretaria da Receita

Federal do Brasil (órgão superior), por sua vez subordinada ao Ministro da Fazenda (órgão autônomo),

todos integrantes da administração direta da União (entidade).

Segundo o art. 61, §1º, II, e, da CF/88, a criação de um órgão público depende de lei, de inicia-

tiva privativa do respectivo Chefe do Poder Executivo (federal, estadual, distrital ou municipal), de

modo que apenas outra lei, da mesma iniciativa, poderá extingui-lo (princípio do paralelismo das for-

mas). O art.84, VI, da CF/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 32/2001, apenas admi-

te que o Presidente da República, por decreto, faça modificações na organização administrativa federal

que não impliquem aumento de despesas, porém sem criar ou extinguir órgãos, ainda que possa extinguir

funções ou cargos públicos declarados vagos. Assim como ocorre com leis que criam ou extinguem

órgãos, o decreto de organização administrativa é um ato de efeitos concretos, sem caráter normativo.

Em relação à criação e extinção de órgãos públicos integrantes das estruturas dos Poderes Legis-

lativo e Judiciário, bem como do Ministério Público, iniciativa legislativa cabe a cada um deles respecti-

vamente, conforme dispõem os artigos 51, IV; 52, XIII; 96, I, b, d e II, b, c, d; 127, §2º, todos da Cons-

tituição Federal de 1988. Esta mesma autonomia de organização está prevista nas leis orgânicas da Ma-

gistratura e do Ministério Público.

Registre-se que, pelo princípio da simetria, a regra constitucional que reserva ao chefe do Poder

Executivo a iniciativa privativa para a criação e extinção de órgãos da sua Administração deve ser apli-

cada a todos os entes federados, conforme já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, ao declarar

inconstitucional lei estadual que atribuía a iniciativa ao Legislativo35

.

Conforme será visto em tópico posterior, além dos órgãos podem existir, dentro da máquina es-

tatal, entidades administrativas também criadas a partir de lei da iniciativa do Executivo, algumas com

personalidade de direito público (autarquias), como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-

34 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 35 STF, ADI 1275/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 08/06/2007.

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cursos Naturais Renováveis - IBAMA, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e a Agência Nacio-

nal de Telecomunicações – ANATEL; outras com personalidade de direito privado (empresas estatais), a

exemplo do Banco do Brasil S.A. e da Petrobrás S.A. Justamente por terem personalidade jurídica, tais

entidades não são órgãos, integrando a chamada Administração indireta, a ser estudada em tópico poste-

rior.

Só há um meio para saber se determinada estrutura de atuação administrativa é um órgão ou

entidade: examinando o conteúdo da lei que lhe viabilizou a existência. Se o legislador deu-lhe persona-

lidade jurídica, é uma entidade; se não, é um órgão. De nada adianta ater-se à nomenclatura para buscar

distinguir órgão e entidade. Em direito, o nome por si só nada diz, e muitas vezes até engana. Há deter-

minadas "superintendências" que são órgãos e outras que são entidades. Por exemplo, a Superintendên-

cia Regional da Polícia Federal na Bahia é um órgão local, subordinado ao Departamento de Polícia

Federal, do Ministério da Justiça. Já a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) é

uma pessoa jurídica (autarquia).

Importante frisar que o órgão não tem personalidade jurídica, pois é tão-somente uma parte do

ente (ou entidade), no tocante às suas relações com terceiros, assim como no que tange à sua responsabi-

lidade civil. Nas palavras de Celso Antônio, “os órgãos não passam de simples partições internas da

pessoa cuja intimidade estrutural integram, isto é, não têm personalidade jurídica. Por isto, as chamadas

relações interorgânicas, isto é, entre os órgãos, são, na verdade, relações entre os agentes, enquanto

titulares das respectivas competências, os quais, de resto – diga-se de passagem –, têm direito subjetivo

ao exercício delas e dever jurídico de expressarem-nas e fazê-las valer, inclusive contra intromissões

indevidas de outros órgãos”.36

Mas a ausência de personalidade jurídica não retira a importância da atuação dos órgãos como

centros de competência administrativa. Enquanto no direito privado a capacidade para agir pressupõe a

presença de um sujeito de direito (pessoas físicas e jurídicas), isso apresenta menor relevo no âmbito do

direito público, onde “é freqüente que os poderes e as competências sejam atribuídos a núcleos organi-

zacionais que não têm personalidade jurídica”37

. Por isso o Direito Administrativo reconhece certa auto-

nomia jurídica aos órgãos para determinadas atividades, atribuindo-lhe poderes, direitos e deveres, tal

como se pessoa jurídica fosse.

O fato de serem firmados contratos ou convênios em nome do órgão (inclusive com um CNPJ

próprio, para facilitar o controle) por si só não o torna uma pessoa jurídica, porque os seus poderes se

restringem apenas aos atos referentes à sua gestão administrativa, atuando como um centro de imputação

jurídica da vontade da pessoa jurídica à qual pertence.

Muito já se discutiu sobre a natureza da relação existente entre um órgão e a pessoa jurídica da

qual faz parte. Foram criadas basicamente três teorias: a) teoria do mandato; b) teoria da representação;

c) teoria da imputação.

Iniciou-se construindo a tese de que o órgão representaria a pessoa jurídica, tal qual ocorre nu-

ma relação de mandato. Porém, as denominadas teorias do mandato e da representação não esclarecem

adequadamente a situação jurídica dos órgãos, pois a vontade manifestada no âmbito do órgão não é

senão a vontade da entidade à qual pertence.

Sob essa ótica, a atuação dos órgãos públicos é melhor explicada pela teoria do órgão, também

chamada de teoria da imputação, idealizada pelo jurista Otto Gierke. Na verdade, a vontade que movi-

menta a Administração Pública somente pode ser a de seus agentes, as pessoas físicas inseridas na estru-

tura dos órgãos públicos. Por isso, é a lei que imputa juridicamente ao Estado a vontade do agente do

órgão público, de modo que, agindo o órgão, está agindo a pessoa jurídica da qual ele faz parte. O órgão

36 MELLO, Curso..., cit. 37 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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não tem juridicamente vontade própria, senão a vontade imputada à pessoa jurídica da qual faz parte,

conforme previsto em lei. Mais acertado seria, então, dizer que o órgão presenta (e não representa) a

pessoa jurídica.

Justamente por não terem personalidade jurídica, a regra geral é a de que os órgãos não possu-

em capacidade para atuar em juízo, sobretudo em ações versando sobre direitos patrimoniais, cuja res-

ponsabilidade é da pessoa jurídica da qual faz parte. Assim, por exemplo, se um cidadão sofre dano

causado por um preposto da Polícia Militar, órgão da Secretaria de Segurança Pública, eventual respon-

sabilidade civil será direcionada ao respectivo Estado-membro. Este é que deverá figurar como réu no

respectivo processo.

No âmbito da desconcentração administrativa, com a distribuição escalonada de funções entre

diversos órgãos, é de se esperar que exista uma unidade de comando conferindo direção a todos eles. Daí

ser imprescindível haver um liame de subordinação entre órgãos, o que se denomina hierarquia admi-

nistrativa.

A hierarquia não é um fenômeno exclusivo da Administração. Em sentido amplo, ela existe em

qualquer agrupamento organizado de pessoas, no qual haja divisão de tarefas direcionadas ao cumpri-

mento de um interesse predefinido e reputado superior ao interesse pessoal de cada agente. Podem natu-

ralmente variar os mecanismos hierárquicos, conforme o caso. Mas no sentido estrito que ora é aborda-

do, a hierarquia somente existe propriamente entre órgãos dispostos dentro da mesma cadeia de coman-

do, numa estrutura montada pela lei sob a forma de pirâmide e em cujo vértice figurará o órgão superior,

que por sua vez direciona a atuação de todos os demais órgãos que são subalternos uns aos outros, des-

cendo até a base.

No âmbito interno da Administração Pública ocorrem relações não apenas de subordinação, mas

também de coordenação entre órgãos ou agentes. Daí porque o art.12 da Lei 9.784/99 prevê a delegação

de atribuições de alguns órgãos para outros órgãos ou titulares, "ainda que estes não lhes sejam hierar-

quicamente subordinados".

Quando a lei atribui a determinado órgão público a competência exclusiva para a prática de um

ato, não é possível haver a transferência administrativa dessa atribuição para outro órgão, ainda que

hierarquicamente superior. Segundo o art. 15 da Lei 9.784/99, "será permitida, em caráter excepcional e

por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a

órgão hierarquicamente inferior". Apesar de o texto do permissivo não dizer expressamente, subentende-

se que tal avocação somente é possível quando não seja hipótese de competência exclusiva do órgão

subalterno. Essa deve ser a exegese adequada, já que, em relação à delegação, a referida legislação foi

expressa ao proibi-la para as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade (art.13, III). A

mesma razão justifica que seja assim também na avocação, consoante vem entendendo a doutrina. Con-

forme assinala Maria Sylvia Di Pietro, "a possibilidade de avocação existe como regra geral decorrente

da hierarquia, desde que não se trate de competência exclusiva do subordinado".38

Somente existe poder hierárquico no âmbito dos órgãos que desempenham funções administrati-

vas, típica ou atipicamente. Não se aplica o princípio da hierarquia no desempenho das funções legislati-

va e judiciária, pois os agentes dos órgãos públicos competentes para exercerem tais funções (deputados,

senadores, vereadores, juízes, desembargadores etc.) gozam de prerrogativas de independência funcio-

nal, decidindo apenas de acordo com a sua consciência e sem se submeter a ordens superiores. Nesse

diapasão, “entre os órgãos do Legislativo há uma igualdade fundamental, que não permite qualquer

38 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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aplicação do princípio. Os representantes políticos estão no mesmo pé de igualdade. No Poder Judiciário

também não existe hierarquia. Embora haja instâncias, os órgãos judiciais não apresentam entre si rela-

ções de direção e dependência, no sentido próprio da vinculação hierárquica. Os juízes de instância

superior não são superiores hierárquicos dos de instância inferior”39

.

Conclui-se que, no âmbito dos órgãos que compõem os Poderes Legislativo e Judiciário, somente

se poderá falar em hierarquia quando estiverem exercendo atipicamente uma função administrativa, vale

dizer, quando atuam como Administração Pública. O mesmo ocorre em relação aos órgãos que integram

o Ministério Público, bem como no tocante aos Tribunais de Contas.

A doutrina do direito administrativo costuma classificar os órgãos públicos segundo variadas fi-

nalidades, considerando basicamente aspectos relacionados à esfera de poder, à esfera de ação, à compo-

sição e à função que desempenham dentro da organização administrativa. Vejamos estas principais clas-

sificações:

→ Quanto à esfera de poder:

Levando em conta a pessoa política (entidade federativa) de cuja administração fazem parte, os órgãos podem ser federais, estaduais, distritais e municipais. É exemplo de órgão federal o Departa-mento de Polícia Federal, subordinado ao Ministro da Justiça. Como órgãos estaduais podem ser citados os comandos das Polícias Militares, geralmente subordinados ao Secretário de Segurança Pública ou, em alguns Estados, ao próprio Governador. Exemplo de órgão municipal é uma escola pública subordinada à Secretária de Educação do município.

→ Quanto à esfera de ação:

Essa classificação leva em conta a posição do órgão na pirâmide hierárquica da Administração Pública. No âmbito de cada ente federativo, o chefe do Poder Executivo está no centro da organização administrativa, o mesmo ocorrendo na estrutura administrativa dos Poderes Legislativo e Judiciário. Tais agentes políticos integram os órgãos independentes, previstos na própria Constituição, os quais serão melhor examinados em tópico posterior. Diretamente ligados à estrutura dos órgãos independentes estão os órgãos autônomos (ou centrais), localizados na cúpula da Administração e subordinados ao chefe do Poder. Na esfera do Poder Executivo tais órgãos integram o primeiro escalão do governo, composto pelos ministérios ou secretarias que auxiliam a tomada de decisões políticas. Apesar de não serem pes-soas jurídicas, eles dispõem de certa autonomia administrativa e financeira. Logo abaixo dos órgãos autônomos e a eles diretamente subordinados vêm os órgãos superiores, com funções de direção da grande massa de órgãos públicos que integram a máquina administrativa. Todos os demais órgãos são denominados subordinados (subalternos ou locais), aos quais compete adotar medidas materiais e de execução do cumprimento das deliberações tomadas pelos órgãos superiores.

→ Quanto à composição:

Os órgãos dividem-se em singulares (ou monocráticos), quando ocupados por um único agente; e coletivos (ou compostos), quando integrados por diversos agentes. Os coletivos, por sua vez, são subdivididos ainda em órgãos de representação unitária (simples), em que a vontade do órgão se perfaz com a manifestação do seu dirigente; e de representação plúrima (colegiais ou colegiados), em que a

39 BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. Compêndio de Direito Administrativo II, RT, 1969.

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vontade do órgão depende da manifestação de todos os agentes que o compõem, por unanimidade ou por maioria. Quando se diz que o órgão singular (monocrático) é ocupado por um único agente, o enfoque está na unilateralidade nas deliberações referentes à direção do órgão. Obviamente não significa que haja aí uma única pessoa trabalhando na repartição pública. Exemplo está numa Delegacia de Polícia, cuja direção cabe com exclusividade ao respectivo delegado. É claro que ele não trabalha sozinho, mas todos os demais agentes que ali trabalham o estão auxiliando no desempenho daquela função. Já nos órgãos coletivos (compostos), as deliberações não são tomadas por um único agente, mas, por um grupo de agentes que integram um conselho, comitê, junta etc. É o que ocorre, por exemplo, nas congregações das faculdades públicas, nas juntas de julgamento de recursos ou nos conselhos de administração dos tribu-nais.

→ Quanto à função:

Os órgãos ativos (ou de administração ativa) são todos aqueles que decidem e executam provi-

dências administrativas, pondo em movimento a máquina estatal, exercendo poderes e/ou prestando

serviços públicos à população. Podem ser diretivos (com funções de chefia e comando na estrutura

organizacional) e subordinados (executando ordem emanadas dos órgãos diretivos).Dando apoio a esta

tomada de decisões pelos órgãos ativos, encontram-se os órgãos consultivos, geralmente formados por

corpo técnico especializado e encarregado da emissão de pareceres. Existem ainda os órgãos de contro-

le, os quais exercem fiscalização sobre os demais órgãos administrativos, no âmbito da mesma estrutura

hierárquica (controle interno) ou até mesmo fora dela (controle externo), recomendando ou, em alguns

casos, determinando, medidas a serem tomadas pela administração ativa. Por fim, destacam-se os órgãos

de julgamento, encarregados de apreciar variados litígios envolvendo os administrados em geral ou os

próprios agentes públicos, viabilizando com isso uma decisão final acerca da correta execução da lei nos

casos concretos ou sobre a aplicação de penalidades por infrações administrativas.Um ponto importante

merece destaque em relação aos órgãos consultivos, de controle e de julgamento. É que grande parte

desses órgãos são colegiais e é recomendável que estejam fora do controle hierárquico do órgão superior

cujo ato de administração ativa vem a ser objeto de consulta, controle ou julgamento. Não fosse assim,

perderiam a essência que justificou a sua criação, pois o órgão superior poderia simplesmente "enco-

mendar" os termos da consulta ou se abster de cumprir o quanto decidido pelo órgão de controle ou

julgamento, sem maiores conseqüências. Infelizmente, apesar de recomendável que a lei lhes assegure

relativa independência funcional, é comum se encontrar órgãos de controle subservientes e com pouco

espaço para decisões contrárias aos interesses do governante. Por derradeiro quanto a este tópico, cum-

pre salientar que a classificação teórica que leva em conta a função administrativa desempenhada pelo

órgão não deve ser encarada de modo estanque, pois não raro se verifica um mesmo órgão acumulando

funções ativas, consultivas, de controle e até mesmo de julgamento, distribuídas entre setores internos da

sua repartição.

Como já foi dito, a própria ideia de órgão remete a uma unidade de comando despersonalizada

no interior da Administração, o que pressupõe a existência de uma rede hierarquizada de atribuições

administrativas. Forçoso concluir que, em regra, os órgãos subalternos não dispõe de autonomia admi-

nistrativa, porquanto sujeitos à direção dos órgãos superiores, que por sua vez estão submetidos às deli-

berações do chefe do Poder Executivo, no âmbito da Administração Direta, ou do dirigente da entidade

estatal, no âmbito da Administração Indireta.

Destarte, falar-se em órgãos independentes numa estrutura desconcentrada parece soar como al-

go paradoxal. Contudo, existem realmente órgãos que, tendo sua competência definida diretamente pela

Constituição e em razão da peculiar missão que desempenham, dispõem de independência administrativa

frente à autoridade central da pessoa jurídica à qual pertencem.

Por força do princípio da separação dos poderes na organização do Estado brasileiro, há órgãos

que, apesar de integrarem a estrutura da Administração Direta da pessoa política (União, estados-

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membros, Distrito Federal e municípios), não estão subordinados ao chefe do Executivo. Tal se passa

com os órgãos do Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas, os

quais formam uma Administração à parte, não subordinada ao Executivo. Essa independência, repita-se,

encontra fundamento direto na própria Constituição Federal.

Cada Poder tem a sua própria Administração Direta, chefiada por órgãos autônomos, razão pela

qual o art.84, II da CF/88 – ao prever que compete privativamente ao Presidente da República exercer,

com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal – deve ser interpreta-

do sistematicamente com outros dispositivos constitucionais que asseguram independência aos demais

Poderes.

Com efeito, a Carta Magna vigente confere competência privativa à Câmara dos Deputados para

elaborar o seu regimento interno, organizar a estrutura administrativa e dispor sobre o funcionamento

daquela casa parlamentar (CF/88, art. 51, III e IV), o mesmo ocorrendo em relação ao Senado Federal

(CF/88, art. 52, XII e XIII). No âmbito do Poder Judiciário, a Lei Maior dá aos Tribunais a competência

privativa para eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, dispondo sobre a compe-

tência e o funcionamento da sua administração (CF/88, art. 96, I, a e b), regra que também se aplica aos

Tribunais de Contas, no que couber (CF, art. 73). A autonomia administrativa do Ministério Público está

igualmente assegurada na Constituição (CF/88, art. 127, §2º).

Assim, por exemplo, o Senado Federal é órgão autônomo da Administração Direta da União,

pois as suas decisões administrativas são tomadas em última instância por seu Presidente ou pela Mesa

Diretora, conforme previsto no seu regimento interno. No âmbito do Poder Judiciário, cada Tribunal tem

também a sua autonomia administrativa centralizada, seja na presidência do órgão, no respectivo órgão

especial ou conselho de administração, a depender do regimento de cada órgão, existindo ainda órgãos

superiores da administração judiciária previstos a própria Constituição, quais sejam o Conselho da Justi-

ça Federal - CJF (CF/88, art. 105, p. único, II) e o Conselho Nacional de Justiça - (CF/88, art.103, §4º).

No Ministério Público, cada Procuradoria terá seu próprio aparelho administrativo centralizado, tanto no

âmbito dos Estados-membros, quanto no âmbito da União. Há aí também um órgão administrativo supe-

rior, o Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP (CF, art.130-A, §2º), que define parâmetros

gerais para a sua administração.

Em todos esses casos, existe poder hierárquico no tocante às questões administrativas, porém,

apenas entre os órgãos que integram a respectiva estrutura independente (Legislativo, Judiciário, MP e

Tribunal de Contas), não havendo sujeição a hierarquia perante o Executivo.

Outro enfoque digno de registro diz respeito à capacidade processual dos órgãos administrati-

vos que dispõe de independência funcional.

Em regra, por serem unidades despersonalizadas, os órgãos não possuem capacidade para figurar

como parte num processo judicial, sendo isso, a princípio, reservado a pessoas físicas ou jurídicas (CPC,

art. 7º). Todavia, tal como acontece com algumas categorias despersonalizadas do direito privado (v.g., o

condomínio, a massa falida, o espólio, a sociedade de fato etc.), é reconhecida a capacidade processual

de certos órgãos públicos quando o ordenamento jurídico lhes confere autonomia institucional, podendo

defender em juízo assuntos específicos relacionados a suas funções típicas.

Por vezes essa capacidade processual do órgão já vem explicitamente prevista em lei ou na pró-

pria Constituição, como acontece com o Ministério Público (CF, art.129). Noutros casos, mesmo à mín-

gua de previsão explícita, admite-se tal capacidade quando imprescindível à defesa de prerrogativas

funcionais do órgão ou, ainda, em caso de conflitos entre órgãos integrantes de estruturas hierárquicas

distintas (conflitos interorgânicos).

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Foi assim, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a capacidade processual da

câmara legislativa para discutir em juízo assuntos especificamente relacionados à sua competência fun-

cional frente aos demais poderes do Estado, pacificando "entendimento de que cer-

tos órgãos materialmente despersonalizados, de estatura constitucional, possuem personalidade judiciária

(capacidade para ser parte) ou mesmo, como no caso, capacidade processual (para estar em juízo) - ADI

1557, rel. min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 18.06.2004. Essa capacidade, que decorre do próprio

sistema de freios e contrapesos, não exime o julgador de verificar a legitimidade ad causam

do órgão despersonalizado, isto é, sua legitimidade para a causa concretamente apreciada. Consoante a

jurisprudência sedimentada nesta Corte, tal legitimidade existe quando o órgão despersonalizado, por

não dispor de meios extrajudiciais eficazes para garantir seus direitos-função contra outra instância de

Poder do Estado, necessita da tutela jurisdicional". 40

Diz-se, então, que o órgão, apesar de não possuir personalidade jurídica, dispõe de personalida-

de judiciária, podendo ajuizar ação na defesa dos seus poderes institucionais, envolvendo questão afetas

ao seu funcionamento e autonomia administrativa.

Como já se posicionou também o Superior Tribunal de Justiça, "as câmaras municipais possu-

em capacidade processual limitada à defesa de seus direitos institucionais, ou seja, aqueles vinculados à

sua independência, autonomia e funcionamento. (...) A Câmara de Vereadores não possui personalidade

jurídica, mas apenas personalidade judiciária, de modo que só pode demandar em juízo para defender os

seus direitos institucionais, entendidos esses como sendo os relacionados ao funcionamento, autonomia e

independência do órgão. (...) A despeito de sua capacidade processual para postular direito próprio (atos

interna corporis) ou para defesa de suas prerrogativas, a Câmara de Vereadores não possui legitimidade

para discutir em juízo a validade da cobrança de contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha

de pagamento dos exercentes de mandato eletivo, uma vez que desprovida de personalidade jurídica,

cabendo ao Município figurar no pólo ativo da referida demanda (REsp 696.561/RN, Rel. Min. Luiz

Fux, DJ de 24/10/2005)".41

Em suma, apesar de se reconhecer a capacidade processual em alguns casos,

ela não é plena.

A expressão Administração Indireta vem sendo utilizada no Brasil para designar o conjunto de

entidades administrativas (com personalidade jurídica) criadas pelas pessoas políticas, em cada esfera da

federação, integrando a sua respectiva máquina estatal. Assim, ao lado da Administração Direta, a União

possui também uma Administração Indireta, o mesmo ocorrendo com os estados-membros, o Distrito

Federal e os municípios.

Como exemplo de entidades da Administração indireta federal, pode-se citar o Instituto Nacional

do Seguro Social (INSS), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(IBAMA), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Agência Nacional de

Energia Elétrica (ANEEL), a Caixa Econômica Federal (CAIXA), a Petróleo Brasileiro S/A (PETRO-

BRÁS), dentre muitos outros. São pessoas jurídicas, dotadas de autonomia administrativa, que não se

confundem com a União (Administração Direta federal), apesar de estarem vinculadas a esta.

O tema da Administração Indireta apresenta-se como um dos mecanismos de execução descen-

tralizada (descentralização administrativa), por meio da qual a entidade política (União, Estados,

Distrito Federal e Municípios) transfere a execução da atividade administrativa a outra entidade por ela

criada, com personalidade jurídica.

40 STF, RE 595176 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 06/12/2010. 41 STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, REsp. 1109840, DJ de 17/06/2009.

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Ressalte-se que, apesar dessa estreita relação com a chamada descentralização administrativa

funcional (ou por serviços), cuja origem esteve no modelo francês de organização administrativa, o

vocábulo "Administração Indireta" não foi utilizado na França, tendo chegado ao nosso direito por influ-

ência da doutrina italiana das autarquias e por ocasião da reforma administrativa implementada pelo

Decreto-lei 200/67. Já há algum tempo, portanto, emprega-se em nosso direito positivo a divisão da

máquina estatal entre a Administração Direta e a Administração Indireta.

Deve-se atentar que na legislação brasileira tais expressões foram empregadas estritamente no

sentido subjetivo ou orgânico de Administração estatal - ou seja, com o fito de identificar, dentro da

estrutura do Estado, qual o órgão ou entidade administrativa atuante - e não num sentido objetivo ou

formal que leve em conta a natureza administrativa da atividade e o seu modo de execução. Por isso, ao

menos no direito administrativo brasileiro, o conceito de descentralização administrativa é mais amplo

do que o de Administração Indireta, porquanto há também entidades pertencentes a particulares (v.g. as

concessionárias) que desempenham atividades administrativas em regime de colaboração, mas sem

pertencerem à estrutura da Administração Indireta (tem-se, aí, a chamada descentralização administrati-

va por colaboração).

Em suma: quando a atividade administrativa é transferida a entes da Administração Indireta, con-

figura-se a descentralização administrativa funcional (ou por serviços); quando a atividade administrati-

va é transferida a entes privados, tem-se a descentralização administrativa por colaboração.42

A criação de entidades da Administração Indireta é uma opção política que busca assegurar mai-

or eficiência no funcionamento da máquina administrativa e ao mesmo tempo impede que todas as deci-

sões fiquem a cargo do poder central do ente político, possibilitando com isso mais especialização técni-

ca em cada área de atuação do Estado e a adoção de mecanismos decisórios mais democráticos.

São variados os regimes jurídicos dos entes estatais que compõem a Administração indireta, sen-

do que alguns deles têm personalidade jurídica de direito público (ex: autarquias), enquanto outros têm

personalidade jurídica de direito privado (ex: sociedades de economia mista). As entidades estatais insti-

tuídas como pessoas jurídicas de direito público são criadas por lei, ao passo que as de direito privado

têm a sua criação autorizada em lei. Vale dizer, enquanto a pessoa jurídica de direito público "nasce"

com a simples publicação da lei que lhe deu origem (ex lege), a entidade estatal com personalidade de

direito privado, apesar de autorizada por lei, depende ainda do registro dos seus atos constitutivos, tal

como ocorre com as pessoas jurídicas em geral, segundo a lei civil.

Como dito anteriormente, a criação de entidades da Administração indireta visa descentralizar

funcionalmente a execução de certas atividades estatais, atribuindo-as a pessoas jurídicas dotadas de

certa autonomia em relação ao poder central do ente político. Mas é preciso compreender em que consis-

te exatamente essa autonomia.

Etimologicamente, a expressão autonomia denota o poder de se dirigir e de tomar decisões pró-

prias, sem interferência de terceiros. A origem da palavra vem da junção dos termos gregos auto (a si

mesmo) e nomos (ordem, regra). Contudo, para evitar confusões quanto ao uso do verbete, é preciso

primeiramente distinguir a autonomia administrativa, própria das entidades administrativas aqui estuda-

das, da autonomia política referente à organização constitucional do Estado brasileiro e reservada apenas

aos entes políticos.

No sentido estrito, autonomia indica o poder de estabelecer o próprio direito, ou seja, de editar

suas próprias leis de regência, e é neste sentido mais forte que a expressão vem empregada em nossa

Constituição Federal de 1988, ao se destacar a capacidade política dos entes federados (art.18). Logo,

42 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. São Paulo: Atlas.

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somente a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios usufruem de verdadeira auto-

nomia política.

Por outro lado, é comum se utilizar a expressão num sentido mais fraco, destacando-se juridica-

mente graus variados de autonomia, bastando que se empregue um ou outro qualitativo que possa distin-

guir as situações. Assim, ao se falar especificamente em autonomia administrativa, enfoca-se tão-

somente a capacidade de auto-administração de que dispõem as pessoas jurídicas possuidoras de uma

estrutura hierárquica própria e separada da estrutura administrativa do poder central do ente político.

Não se trata aí de autonomia naquele grau forte (autonomia política), mas de mero comando próprio na

esfera da administração.

Enquanto a autonomia política é um fenômeno estudado pelo Direito Constitucional, referente ao

momento inicial da organização do Estado e à divisão do poder político, a autonomia administrativa está

relacionada a um momento posterior, de desempenho da atividade administrativa, o que é objeto especí-

fico do Direito Administrativo. Enquanto os entes políticos usufruem de autonomia política e adminis-

trativa, as demais entidades estatais apenas dispõe de autonomia administrativa.

A nota característica da autonomia administrativa das pessoas jurídicas da Administração Indire-

ta está na ausência de subordinação em relação à Administração Direta. Vale dizer, não existe propria-

mente hierarquia entre o ente político e a pessoa jurídica por ele criada, não obstante ocorra aí um tipo

específico de controle chamado tutela administrativa (ou supervisão ministerial).

Reside nesse ponto a distinção que também deve ser feita entre hierarquia e tutela. Enquanto na

relação hierárquica o órgão inferior está subordinado ao ministério do qual faz parte, na tutela adminis-

trativa se diz que a entidade estatal apenas está vinculada ao ministério, expressão que denota um con-

trole finalístico, menos rígido do que o controle hierárquico. Ao criar um órgão dentro da estrutura de

um ministério, o legislador faz presumir a existência de subordinação entre eles, de modo que o órgão

subordinado somente poderá agir no espaço delineado pelo órgão superior. Já quando se cria uma enti-

dade com personalidade jurídica própria, cabe ao legislador indicar expressamente os parâmetros em que

se operará a supervisão ministerial, fora do que o ente gozará de autonomia administrativa para agir.

Em síntese, o controle hierárquico se presume; o controle por tutela não. “A tutela não se presu-

me, pois só existe quando a lei a prevê; a hierarquia existe independentemente de previsão legal, porque

é princípio inerente à organização administrativa do Estado".43

. "Se a tutela administrativa contrapõe-se

à independência conferida por lei aos entes públicos descentralizados, somente um texto de lei poderá

determinar seu exercício. A tutela não se presume; ela se constitui de uma soma de competências parti-

culares atribuídas explicitamente por lei, que não podem ser acrescidas, nem por analogia".44

Um último esclarecimento cabe ainda de ser feito. Em tópico anterior, ao tratarmos do tema da

Administração Direta, falou-se na desconcentração administrativa como sendo a distribuição de funções

na estrutura interna de uma mesma pessoa jurídica administrativa. Convém agora salientar que a descon-

centração não é um fenômeno restrito ao âmbito da execução centralizada (Administração Direta). Have-

rá desconcentração onde houver distribuição de funções dentro de uma mesma pessoa jurídica, o que

acontece não apenas no interior do próprio ente federativo (União, estados-membros, Distrito Federal ou

municípios), como também no interior de qualquer entidade por ele criado e integrante da sua Adminis-

tração Indireta. Assim, v.g., o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, autarquia federal (entidade

com personalidade jurídica criada pela União), possui dentro de sua estrutura interior uma série de ór-

gãos distribuídos por todo o país. Houve descentralização administrativa por ocasião da transferência de

tarefas da União (pessoa jurídica) para o INSS (pessoa jurídica). Não obstante, a distribuição de tarefas

entre os órgãos internos (despersonalizados) do INSS consubstancia uma desconcentração administrati-

va.

43 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 44 MEDAUAR, Odete. Controle administrativo das autarquias. São Paulo: Bushatsky.

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Como já dito, as entidades estatais são pessoas jurídicas. Logo, para que possamos identificar

quais as suas espécies, é preciso entender de que modo o nosso ordenamento jurídico contempla a cria-

ção das pessoas jurídicas em geral.

O reconhecimento de personalidade jurídica a determinadas universalidades é uma ficção de Di-

reito, constituindo matéria do Direito Civil em cada país, de modo que, no Brasil, os parâmetros para a

instituição de tais entidades somente podem decorrer diretamente da Constituição ou de leis de âmbito

nacional editadas pela União, já que compete privativamente a esta legislar sobre direito civil (CF, art.

22, I).

O art.18 da CF/88, dispondo sobre a autonomia dos entes federados, confere personalidade jurí-

dica de direito interno à União, Estados, DF e Municípios. Além disso, o art. 37, XIX e XX, faz menção

expressa às autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações estatais e entidades

delas subsidiárias.

O Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002), por sua vez, dedicou um título específico às pessoas

jurídicas, indicando o elenco das entidades de direito público (arts. 41 e 42) e as de direito privado (art.

44). Também tratou detalhadamente das pessoas jurídicas de natureza empresarial (arts. 997 a 1108).

Legislações posteriores, também editadas pela União, alteraram o texto do Código, acrescentando novos

modelos de entidades, a exemplo das associações públicas (Lei 11.107/2005).

Como, em regra, qualquer pessoa jurídica há de ser criada de acordo com um desses perfis dita-

dos pela legislação civil, outra modalidade de pessoa jurídica deverá ter previsão em legislação específi-

ca também editada pela União. Significa dizer que, ao optarem por criar entidades administrativas, os

Estados, o DF e os Municípios terão de necessariamente seguir os parâmetros já previstos na lei nacio-

nal, adotando alguma das modalidades de pessoas jurídicas nela indicadas.

Na evolução histórica do fenômeno da descentralização administrativa funcional, as autarquias

foram os primeiros entes administrativos criados pelo Estado. Na França, dita descentralização teve

início com a instituição de serviços públicos dotados de personalidade jurídica, como centros autônomos

de decisão denominados estabelecimentos públicos administrativos. No Brasil, por influência da doutri-

na italiana, tal categoria veio a ser chamada de autarquia.

Autarquias são pessoas jurídicas de direito público interno criadas por lei específica para desem-

penharem atividades estatais típicas, com autonomia administrativa em relação ao poder central do Esta-

do.

Sendo pessoas jurídica de direito público, submetem-se ao mesmo regime jurídico de direito

público aplicável à Administração Direta dos entes políticos. Essa é a regra geral dentre as criaturas do

Estado, que somente por exceção poderá criar pessoas jurídicas regidas por normas de direito privado,

tendo de haver expressa disposição em lei nesse sentido, caso contrário presume-se a aplicação de nor-

mas publicistas. Como explica Celso Antônio, "não se pode pressupor o caráter privado em uma criatura

estatal. Para que se entendesse ocorrente esta última hipótese seria necessário que a própria lei responsá-

vel pelo surgimento da pessoa declarasse de modo inequívoco a intenção de excepcionar a regra - o que

não ocorreu. Com efeito, o normal, a regra, o princípio, só podem ser os de que o Estado cria pessoas

para prosseguir objetivos públicos, cuja consecução se faz mediante regime jurídico similar ao que lhe

cabe"45

.

45 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Pareceres de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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A previsão de criação por lei específica, como consta no art. 37, XIX, da CF/88, faz com que

cada autarquia seja estruturada tendo em conta as particularidades da sua área de atuação, obstando com

isso a criação generalizada de autarquias em diferentes setores administrativos e por meio de uma única

lei. Uma vez publicada a lei específica, advém daí diretamente a sua existência jurídica, sem necessidade

de registro. Da mesma forma, a sua extinção também demanda lei no sentido formal.

As autarquias estão vocacionadas a desempenhar atividades estatais típicas, notadamente aquelas

que consubstanciam exercício do poder de polícia e, portanto, demandam necessariamente a incidência

de um regime jurídico de direito público. É o caso das atividades executadas pelo IBAMA, pelo CADE,

pelo Banco Central do Brasil, dentre outras autarquias. Tais atividades a princípio seriam prestadas pelo

próprio ente político, através de seus órgãos da Administração direta, mas por opção legislativa resol-

veu-se atribuí-las a uma entidade administrativa especializada. A par do exercício de poder de polícia, há

também autarquias voltadas para a prestação de serviços públicos e obras de interesse social, a exemplo

do INSS e do DNOCS.

Não é conveniente haver regime autárquico em setores da atividade econômica comercial ou in-

dustrial, nos quais o Estado, podendo e resolvendo atuar, deverá recorrer a entidades dotadas de estrutura

empresarial (empresas estatais), previstas em lei que expressamente declare a predominância do regime

de direito privado. Neste ponto, discordamos da opinião de Hely Lopes ao considerar que "as autarquias

podem desempenhar atividades econômicas, educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorga-

das pela entidade estatal-matriz”46

. Entendemos que se o Estado opta por atuar diretamente na área eco-

nômica, deve para tanto criar entidades empresariais regidas predominantemente por normas de direito

privado, como previsto no art.173 da CF/88.

Seja como for, percebe-se que, sob o rótulo de Administração Indireta, enquadram-se diversas

entidades estatais nem sempre muito parecidas juridicamente, pois algumas delas estarão submetidas ao

mesmo regime jurídico aplicado ao Estado (autarquias), enquanto outras deverão seguir predominante-

mente as normas gerais do direito privado (empresas estatais). Daí porque, à guisa de se destacar o con-

junto de autarquias que atuam ao lado da Administração Direta, fala-se em Administração Autárquica,

expressão que serve apenas para separar, no conjunto da Administração Indireta, o subconjunto integra-

do pelas autarquias.

Como já dito, a Administração autárquica segue em linhas gerais o mesmo regime jurídico de di-

reito público aplicado a Administração direta, com destaque para aspectos essenciais relacionados ao

regime de bens, regime de pessoal, prerrogativas processuais, imunidades tributárias e outras particulari-

dades que as diferenciam das pessoas jurídicas de direito privado.

Tal como acontece com a Administração Direta, as autarquias usufruem de um regime de bens

públicos com características especiais tais como a imprescritibilidade e a impenhorabilidade, estando o

seu patrimônio diretamente afetado a um fim de interesse coletivo, não admitindo usucapião, nem po-

dendo servir como direito real de garantia. Nesse campo, tanto a Administração direta quanto a autárqui-

ca integram o conceito de Fazenda Pública, expressão utilizada para designar o elemento patrimonial do

Estado.

Nessa condição, as autarquias se beneficiam de prerrogativas processuais, tais como prazo em

dobro para recorrer e em quádruplo para contestar (CPC, art. 188), bem como a remessa oficial das

sentenças que lhes forem desfavoráveis (CPC, art. 475), dentre outras. As ações ajuizadas contra as

autarquias sujeitam-se a prazo prescricional diferenciado (Decreto 20.910/32) e, como os seus bens não

podem ser penhorados, as execuções judiciais hão de seguir o regime de precatório ou requisição de

pequeno valor (CF, art. 100 e CPC, art. 730). Às autarquias se aplica também um regime diferenciado

para cobrança de seus créditos, os quais, após um processo administrativo de cobrança, são inscritos

46 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros.

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diretamente em dívida ativa da Fazenda Pública, dispensando sentença condenatória e comportando de

imediato a execução judicial mediante um rito específico de execução fiscal (Lei 6.830/80).

Quanto ao regime de pessoal, as atividades desempenhadas pelas autarquias, sobretudo quando

exercem poder de polícia, faz com que o seu quadro funcional seja integrado por servidores estatutários

em sua maioria detentores de cargos efetivos. É certo que a Emenda Constitucional n.19/98 alterou a

redação original do art.39 da Constituição de 1988, acabando com a exigência de adoção de regime

jurídico único para os servidores da Administração direta e autárquica, pelo que a lei poderá fixar regi-

mes jurídicos diversificados, estatutário ou contratual, a depender da atividade a ser desempenhada pelo

agente. Porém, conforme abordaremos em capítulo posterior, o STF veio a declarar inconstitucional essa

alteração, voltando a vigorar a exigência do regime jurídico único.47

O legislador constitucional concedeu imunidade tributária para as autarquias, no que se refere

aos impostos incidentes sobre seu patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades es-

senciais ou às delas decorrentes (CF, art.150, VI, a e §2º). A imunidade abrange todos os impostos que,

direta ou indiretamente, atinjam o patrimônio da entidade, conforme decidiu o STF, inclusive quanto à

não incidência do ICMS48

. Essa imunidade geral, porém, fica restrita apenas aos impostos. No tocante às

taxas, só deixarão de ser exigidas se cada autarquia for beneficiada por uma lei específica que lhe confira

isenção.

Os dirigentes das autarquias são designados pelo Chefe do Poder Executivo, a princípio sem in-

gerência de qualquer outro órgão (cargos de confiança, de livre nomeação e exoneração). Há casos,

porém, em que a legislação ordinária vem a condicionar a indicação à prévia aprovação pelo Poder Le-

gislativo, de maneira que a pessoa escolhida submete-se a uma sabatina perante os parlamentares, sem o

que não se completa a sua escolha para o cargo. Tal condição é expressamente admitida pela Constitui-

ção Federal de 1988 (CF, art. 52), em nada afrontando o princípio da separação dos poderes, conforme

inclusive já se posicionou a nossa Corte Suprema.

Com efeito, desde o julgamento da ADI 1949 MC/RS (rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.

18/11/99), o STF já havia sinalizado que "diversamente dos textos constitucionais anteriores, na Consti-

tuição de 1988 - à vista da cláusula final de abertura do art. 52, III -, são válidas as normas legais,

federais ou locais, que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à

prévia aprovação do Senado Federal ou da Assembléia Legislativa: jurisprudência consolidada do

Supremo Tribunal". Restringindo esse entendimento às autarquias e fundações de direito público, afas-

tou-se tal possibilidade em relação às empresas estatais tratadas no art. 173 da Carta Magna, reputando

“ilegítima a mesma intervenção parlamentar no processo de provimento da direção das entidades pri-

vadas, empresas públicas ou sociedades de economia mista da administração indireta dos Estados"

(ADI 2225/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 29/06/2000).

Grande discussão se estabeleceu, todavia, no tocante à possibilidade de se permitir ou não a livre

demissão de agentes nomeados para exercerem mandatos como dirigentes de autarquias, questão sobre a

qual a Carta Magna silencia. O tema é antigo e o posicionamento inicial do STF, antes da CF/88, era

pela plena possibilidade49

, salvo em relação aos reitores das universidades públicas50

. Mais recentemen-

te, ante as peculiaridades de algumas autarquias especiais, o tema voltou à baila, havendo o STF mitiga-

do a sua anterior orientação, passando a considerar incabível tal demissão, conforme será abordado em

tópico posterior acerca das agências reguladoras.

47 ADI 2135-4. 48 RE 242.827/PE. 49 Súmula 25 do STF: "A nomeação a termo não impede a livre demissão, pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia". 50 Súmula 47 do STF: "Reitor de Universidade não é livremente demissível pelo Presidente da República durante o prazo de sua investidu-ra".

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A doutrina aponta basicamente duas classificações para as autarquias, a primeira levando em

conta o aparelhamento estatal a que pertencem, e a segunda a finalidade por elas desempenhada.

Quanto ao primeiro aspecto, qualquer dos entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e

Municípios) pode criar autarquias próprias, que são, por isso, classificadas respectivamente como autar-

quias federais, estaduais, distritais e municipais.

No que diz respeito à finalidade para qual foram instituídas, as autarquias podem ser classificadas

em territoriais, corporativas, fundacionais, assistenciais, previdenciárias, de controle e administrativas.

As autarquias territoriais têm por objeto a administração geral de uma área limitada do território

nacional, como já ocorreu no Brasil com os territórios federais, que ainda podem ser eventualmente

criados (CF, art.18). Discordamos dessa classificação, pois tais territórios são instituídos para exercerem

funções genéricas de administração pública, sem obediência ao princípio da especialidade que inspira a

criação dos entes da Administração Indireta. Assim, a situação dos territórios melhor se enquadra na

esfera da descentralização geográfica51

e não da descentralização funcional.

As autarquias corporativas, também chamadas de autarquias profissionais, são integradas por

um agrupamento de indivíduos sob a forma de conselhos, voltados para a disciplina do exercício de uma

atividade profissional regulamentada em lei (ex: entidades fiscalizadoras do exercício profissional –

CREA, CRE, CRM, OAB). Não obstante, existe uma tendência atual de se localizar tais entidades fora

do âmbito da Administração Indireta, já tendo o STF assim decidido ao menos em relação à OAB. As-

sim, alguns autores já preferem enquadrá-las como entidades paraestatais com personalidade jurídica de

direito público. Existe inclusive um movimento visando instituir uma lei nacional de organização admi-

nistrativa que situe os conselhos profissionais fora da máquina estatal.

As autarquias fundacionais são criadas em razão de um serviço ou atividade específica com

substrato patrimonial, isto é, com patrimônio afetado a determinado fim cultural ou educacional, como

acontece com as universidades públicas. Tais autarquias geralmente são também qualificadas como

fundações de direito público.

As autarquias assistenciais têm a sua atuação voltada para a área social, buscando prestar auxílio

à população mais carente, bem como sanear desigualdades regionais. São “aquelas que visam a dispen-

sar auxílio a regiões menos desenvolvidas ou a categorias sociais específicas, para o fim de minorar as

desigualdades regionais e sociais, preceito, aliás, inscrito no art.3o, III, da CF. Exemplos: a ADENE –

Agência de Desenvolvimento do Nordeste e a ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazônia, o

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária”.52

As autarquias previdenciárias são aquelas que se dedicam à gestão dos serviços públicos volta-

dos para a concessão dos benefícios da previdência social previstos em lei, tanto para os trabalhadores da

iniciativa privada quanto para os servidores públicos. No âmbito do regime geral de previdência social,

de titularidade exclusiva da União, a atividade fica a cargo do INSS. Já em se tratando de previdência

dos servidores públicos, os demais entes políticos poderão instituir autarquias estaduais, distritais ou

municipais para a gestão do atendimento previdenciário dos seus respectivos servidores.

As autarquias de controle são as que se dedicam especificamente à regulação das atividades e-

conômicas e serviços públicos prestados por entidades da iniciativa privada, em regime de colaboração

com o Estado. Destacam-se nessa categoria “as recém-criadas agências reguladoras, inseridas no concei-

to genérico de agências autárquicas, cuja função primordial consiste em exercer controle sobre as enti-

dades que prestam serviços públicos ou atuam na área econômica por força de concessões e permissões

de serviços públicos (descentralização por delegação negocial), como é o caso da ANEEL (Agência

51 DI PIETRO, Parcerias..., cit. 52 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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Nacional de Energia Elétrica), da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e da ANP (Agên-

cia Nacional do Petróleo)”.53

Por fim, todas as demais autarquias que não se enquadrem numa das categorias acima identifica-

das, podem ser genericamente consideradas como autarquias administrativas, as quais “formam a cate-

goria residual, ou seja, daquelas entidades que se destinam às varas atividades administrativas, inclusive

de fiscalização, quando essa atribuição for da pessoa federativa a que estejam vinculadas. É o caso do

INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial); BACEN (Banco

Central do Brasil); IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renová-

veis)”.54

Por fim, fala-se ainda em autarquias especiais (ou sob regime especial), distinguindo-as das au-

tarquias comuns. O foco da diferenciação está em que tais autarquias possuem algumas prerrogativas

específicas além daquelas que consubstanciam o regime geral das demais. Com efeito, nem todas as

autarquias dispõe do mesmo grau de autonomia e, apesar de tecnicamente não existir hierarquia entre

elas e o poder central, existem algumas com maior autonomia do que outras e que por isso são conside-

radas especiais.

Assinala-se três ordens de fatores que influenciam no grau de autonomia de uma autarquia: “O

primeiro se relaciona com sua estruturação organizacional. A autarquia tem uma estrutura administrati-

va distinta da Administração direta. Mas seus órgãos de mais elevada hierarquia são providos por meio

de decisões da Administração direta. Ou seja, o administrador da autarquia não é eleito pelo povo nem

escolhido pelo Legislativo. É escolhido por uma autoridade da Administração direta (ainda que se admi-

ta a possibilidade de a lei subordinar o provimento a uma autorização do Senado Federal). Como regra,

também cabe à mesma autoridade da Administração direta produzir o afastamento do administrador da

autarquia. O segundo tem que ver com as competências da autarquia. A lei pode determinar que a autar-

quia seja titular de competências privativas, sem possibilidade de interferência da Administração direta

sobre as escolhas adotadas. Mas é possível outra solução, em que as decisões da autarquia seriam revisá-

veis e alteráveis por determinação da Administração direta. Portanto, a solução adotada pela lei discipli-

nadora da autarquia importará maior ou menor autonomia. O terceiro se refere aos recursos orçamentá-

rios para a atuação autárquica. Em alguns casos, a lei prevê recursos próprios, vinculados necessaria-

mente à autarquia. Assim se passa, por exemplo, quando a lei institui um tributo vinculado em prol da

entidade. Mas há casos em que a autarquia dependerá do orçamento geral do ente a que se vincula. Isso

significará redução da sua capacidade de formular escolhas autônomas. Em suma, a margem de autono-

mia de uma autarquia depende da disciplina adotada na lei que a instituiu”.55

Trata-se de um fenômeno que ocorreu em diversos países. Na França, por exemplo, ao lado dos

tradicionais estabelecimentos públicos correspondentes às nossas autarquias, vieram sendo criadas al-

gumas entidades dotadas de maior autonomia em relação à administração central, tratadas então como

uma nova categoria, sob a designação de autoridades administrativas independentes. No Brasil, há al-

gum tempo a expressão "autarquia especial" era empregada pela doutrina para destacar o papel das uni-

versidades públicas, por disporem de maior independência do que as autarquias em geral, haja vista a

sua autonomia didático-científica. Depois, estendeu-se tal qualificação a outras autarquias que também

desfrutariam de situação jurídica diferenciada em relação ao conjunto das autarquias comuns, gozando

de maior poder e independência frente à Administração Direta. É o caso do Banco Central do Brasil e da

Comissão de Valores Mobiliários. Em momento mais recente passou-se a utilizar a expressão para fazer

referência às agências reguladoras.

Advirta-se, porém, não haver um critério objetivo e seguro que possa indicar quando exatamente

uma autarquia se revela como "especial", justamente por não existir uniformidade no regime jurídico de

53 Idem. 54 Ib idem. 55 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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tais entidades. Logo, “não havendo lei alguma que defina genericamente o que se deva entender por tal

regime, cumpre investigar, em cada caso, o que se pretende com isto. A idéia subjacente continua a ser a

de que desfrutariam de uma liberdade maior do que as demais autarquias. Ou seja: esta especialidade do

regime só pode ser detectada verificando-se o que há de peculiar no regime das ‘agências reguladoras’

em confronto com a generalidade das autarquias”.56

Tudo dependerá do que dispuserem as leis que as

instituírem.

Com exceção apenas do controle hierárquico pela Administração direta, as autarquias estão sujei-

tas aos mesmos mecanismos de controle interno e externo da Administração Pública, incluindo aí o

exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas.

A fundação é uma entidade qualificada por um patrimônio destinado a determinado fim. As fun-

dações estatais, como o próprio nome sugere, são aquelas instituídas pelo Estado.

O objeto das fundações estatais deverá sempre ter caráter social, razão pela qual “jamais poderá

o estado instituir fundações públicas quando pretender intervir no domínio econômico e atuar no mesmo

plano em que fazem os particulares; para esse objetivo, já se viu, criará empresas públicas e sociedades

de economia mista. O comum é que as fundações públicas se destinem às seguintes atividades: 1) assis-

tência social; 2) assistência médica e hospitalar; 3) educação e ensino; 4) pesquisas; e 5) atividades cul-

turais. Vejamos alguns exemplos de fundações na esfera federal: Fundação Escola de Administração

Pública; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Fundação Casa de Rui Bar-

bosa; Fundação Nacional do Índio, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Fundação

Nacional de Saúde e outras tantas ligadas à Administração”.57

É clássica a controvérsia doutrinária acerca da natureza jurídica das fundações estatais, sobre se

seriam pessoas de direito público ou de direito privado.

Para Hely Lopes somente poderiam existir fundações de direito privado, submetidas às regras do

Direito Civil, opinião ancorada no disposto no Decreto-lei 200/67, com a alteração introduzida pela Lei

7596/8758

e que encontrou reforço no texto da Constitucional Federal de 1988, cujo art. 37, XIX, ao

prever a instituição mediante autorização em lei (e não diretamente por lei), parece haver tratado as

fundações estatais como pessoas jurídicas de direito privado.

Apesar disso, Maria Sylvia, assim como inúmeros outros autores, defende “a possibilidade de o

poder público, ao instituir fundação, atribuir-lhe personalidade de direito público ou de direito privado”,

sendo que, “quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela

regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordi-

ná-las ao Código Civil, neste último caso, com derrogações por normas de direito público”. Assim, “em

cada caso concreto, a conclusão sobre a natureza jurídica da fundação – pública ou privada – tem que ser

extraída do exame de sua lei instituidora e dos respectivos estatutos”.59

Celso Antônio, por sua vez, entende que “saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito

Privado ou de Direito Público é meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecido na

lei que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não meramente o exercício deles, e

disciplinou-a de maneira a que suas relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito

56 MELLO, Curso…, cit. 57 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 58 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 59 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Público, ainda que se lhe atribua outra qualificação. Na situação inversa, a pessoa será de Direito Priva-

do, mesmo inadequadamente nominada”.60

Disso resulta que, como já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, “nem toda fundação insti-tuída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime jurídico administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia”.

61

Em suma, se de acordo com a lei instituidora a fundação estatal for de direito público, o seu re-gime jurídico será idêntico ao das autarquias, revelando-se como simples autarquia fundacional, desig-nação correspondente a sua base estrutural, não havendo qualquer distinção no tocante à finalidade. Nesse caso, “a própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para o nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público”.

62 Tem-se, então, uma fundação pública.

Já se a fundação estatal for de direito privado, o seu regime será similar ao das empresas esta-tais, inclusive quanto à necessidade de registro dos seus atos constitutivos. Todavia, com elas não se confundem, pois enquanto a finalidade das fundações terá sempre caráter social e não lucrativo, as em-presas estatais são criadas para intervir no domínio econômico ou prestar serviços públicos de natureza comercial ou industrial. Advirta-se que “não pode haver fundação, ainda que instituída sob o figurino do Direito Privado, que legalmente possa buscar uma finalidade de interesse privado, quando instituída pela Administração Pública”.

63 Assim, mesmo quando instituída como pessoa jurídica de direito privado, a

fundação estatal não se sujeitará inteiramente às regras do Direito Civil, submetendo-se também a nor-mas do direito público, sobretudo no tocante a sua finalidade. Além disso, a exemplo do que ocorre com as fundações privadas, as áreas de atuação das fundações estatais de direito privado são definidas por lei complementar (CF/88, art.37, XIX).

Noutro giro, José dos Santos critica o critério acima referido, entendendo que “o regime adminis-trativo não é causa da distinção, mas efeito dela”.

64 Da mesma forma, seriam insatisfatórios os critérios

baseados no desempenho de serviço estatal e na finalidade, haja vista que tanto as fundações de direito público quanto as de direito privado exercem atividade qualificada como serviço público não lucrativo.

Segundo o autor, “o único fator do qual se pode extrair pequeno elemento de diferenciação reside na origem dos recursos, admitindo-se que serão fundações estatais de direito público aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa federativa e que, por isso mesmo, sejam man-tidas por tais verbas, ao passo que de direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros”.

65 Aduz que,

“como nos mais diversos exemplos que se têm verificado, seja em nível federal, seja em nível estadual, distrital e municipal, as fundações governamentais dependem diretamente do orçamento público e sub-sistem à custa dos recursos públicos oriundos do erário da respectiva pessoa política que as controla, será forçoso reconhecer que, à luz da distinção acima, restaram poucas dentre as fundações públicas que podem ser qualificadas como fundações governamentais de direito privado”.

66

Frise-se que, seja qual for o seu regime jurídico, as fundações estatais dependem de lei específica para a sua criação ou extinção. Se forem regidas pelo direito público (fundações públicas), independem de registro público para existir, pois a lei por si só já lhe dá publicidade, como de resto ocorre com as demais entidades legalmente instituídas. Se forem regidas pelo direito privado (fundações governamen-tais), não é a lei que cria, mas apenas autoriza a criação do ente.

60 MELLO, Curso..., cit. 61 RE 101.126-RJ, RTJ 113/314; ADI 2.794, DJ de 30.03.2007. 62 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 63 GASPARINI, Manual..., cit. 64 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 65 Idem. 66 Ib idem.

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No capítulo anterior mencionamos a existência de um campo próprio de atuação do Estado, o

qual a doutrina costuma designar como o Primeiro Setor, ao lado do campo próprio da iniciativa privada

(Mercado), considerado este como o Segundo Setor. A princípio o Estado não atua propriamente nessa

área, mas nela desempenha atividades de intervenção direta ou indireta, regulando as liberdades indivi-

duais e a propriedade privada em prol da coletividade. Vale-se aqui da terminologia empregada por Eros

Grau, ao apontar, dentro da atuação estatal tomada em sentido amplo, as atividades de intervenção,

termo utilizado para designar as situações em que Estado interfere no setor privado (2º Setor), pois nesse

caso está atuando em área de outrem.

Convém distinguir juridicamente estas situações daqueloutras em que o Estado desempenha ati-

vidades típicas do setor público (1º Setor). Assim, "o Estado não pratica intervenção quando presta

serviço público ou regula a prestação de serviço público. Atua, no caso, em área de sua própria titulari-

dade, na esfera pública. Por isso mesmo dir-se-á que o vocábulo intervenção é, no contexto, mais correto

do que a expressão atuação estatal. (...) Intervenção indica, em sentido forte (isto é, na sua conotação

mais vigorosa), no caso, atuação estatal em área de titularidade do setor privado; atuação estatal,

simplesmente, ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área de titularidade do

setor privado".67

Infere-se, portanto, que quando o Estado interfere no setor privado, o faz através de modalidades

interventivas, que podem se enquadrar em alguma das seguintes situações:

• Intervenção direta no domínio econômico: Atuação por meio de empresas criadas pelo Esta-

do para desempenharem atividades econômicas, na forma do art. 173 da CF/88. Tal intervenção, ainda

segundo Eros Grau, se dará por absorção (caso a empresa estatal atue em regime de monopólio) ou por

participação (caso a empresa atue em regime de concorrência com a iniciativa privada).68

• Intervenção indireta sobre o domínio econômico: Atuação por meio de regulação e exercício

de poder de polícia, ordenando, consentindo e fiscalizando as atividades desempenhadas pelas empresas

privadas, bem como mediante incentivos que levem o setor empresarial privado a praticar condutas

socialmente relevantes (fomento público). No primeiro caso (regulação), Eros Grau fala em intervenção

por direção; no segundo (fomento), em intervenção por indução.69

Nas palavras de Celso Antônio, “considerando-se panoramicamente a interferência do Estado na

ordem econômica, percebe-se que esta pode ocorrer de três modos, a saber: (a) ora dar-se-á através do

seu ‘poder de polícia’, isto é, mediante leis e atos administrativos expedidos para executá-las, como

‘agente normativo e regulador da atividade econômica’ – caso no qual exercerá suas funções de ‘fiscali-

zação’ e em que o ‘planejamento’ que conceber será meramente ‘indicativo para o setor privado’ e ‘de-

terminante para o setor público’, tudo conforme prevê o art. 174; (b) ora ele próprio, em casos excepcio-

nais, como foi dito, atuará empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; e (c) ora o fará

mediante incentivos à iniciativa privada (também supostos no art. 174), estimulando-a com favores

fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido”.70

Na intervenção direta no domínio econômico – que é a que interessa para o presente capítulo –

tem-se então a chamada Administração indireta empresarial, expressão colocada em sentido amplo para

designar a atuação do Estado como empresário do setor econômico. Trata-se de um conjunto de entida-

des estatais, formal e substancialmente distintas daquelas que integram a Administração indireta autár-

quica ou fundacional. É preciso cuidado para não confundir o uso de dois termos aparentemente parado-

67 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros. 68 Idem. 69 Ib idem. 70 MELLO, Curso..., cit.

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xais: a intervenção é direta (no sentido de que é Estado desempenhando atividade econômica), mas,

exercitada pela Administração Indireta (considerando a estrutura da máquina estatal).

O Estado empresário é um fenômeno recente na história do direito administrativo. Como já dito

em tópico anterior, os primeiros entes administrativos foram criados, à semelhança do próprio Estado,

apenas para desempenharem atividades típicas sob regime jurídico de direito público (na França o esta-

belecimento público administrativo, na Itália a autarquia, expressão esta que veio a ser empregada no

direito brasileiro). Nos primórdios do direito administrativo, segundo um modelo liberal de intervenção

mínima que predominou por todo o século XIX, não havia espaço para a atuação direta do Estado no

campo econômico, sendo a atividade empresarial reservada ao setor privado.

Somente com o advento do modelo social, em meados do século passado, passou-se a adotar uma

opção política de atuação estatal mais incisiva na ordem econômica, surgindo então a necessidade de

serem criadas entidades administrativas com características especiais que pudessem propiciar ao Estado

agir como verdadeiro empresário, portanto, sob predomínio do regime de direito privado. Esse fenômeno

deu origem, na França, aos chamados estabelecimentos públicos industriais e comerciais. No Brasil, tais

entidades estatais foram qualificadas sob o gênero empresas estatais, expressão que abrange as empresas

públicas, as sociedades de economia mista, as empresas subsidiárias, bem como outras empresas em que

o Estado detenha o controle acionário, ainda que não participe efetivamente da sua gestão.

A expressão empresa estatal ou empresa governamental designa “todas as sociedades, civis ou

comerciais, de que o Estado tenha o controle acionário, abrangendo a empresa pública, a sociedade de

economia mista e outras empresas que não tenham essa natureza e às quais a Constituição faz referência,

em vários dispositivos, como categoria à parte (arts.71, II, 165, §5º, III, 173, §1º)”.71

O regime das empresas estatais, apesar de sofrer variável influxo de normas do direito público, é

predominantemente o de direito privado. Enquanto as autarquias (pessoas jurídicas de direito público)

são criadas diretamente por lei e independente de registro, as empresas estatais (pessoas jurídicas de

direito privado) têm a sua criação autorizada por lei, dependendo ainda de registro de comércio. Vale

dizer, a sua instituição é um ato complexo, formado a partir da autorização legal, seguida da elaboração

do documento de constituição (estatuto), que é então depositado no registro público.

Como reza o art. 37, XIX, da CF/88, a instituição de empresa pública ou de sociedade de econo-

mia mista depende de autorização em lei específica, a qual indicará a respectiva área de atuação da esta-

tal, não podendo os seus administradores dispor de modo contrário.

O mais comum é que a empresa estatal seja criada de modo originário, mediante aporte orçamen-

tário, de bens e recursos humanos que a integrarão. Mas pode acontecer de a lei autorizar a aquisição,

pelo Estado, de uma empresa privada já existente (estatização), que passará então a integrar a Adminis-

tração indireta do respectivo ente político, devendo adaptar-se gradualmente ao regime jurídico próprio

das empresas estatais até o final do exercício subsequente ao da aquisição. É possível até mesmo que a

lei autorize a transformação de órgão ou de autarquia em empresa estatal, passando com isso a ter perso-

nalidade jurídica de direito privado, tal aconteceu, por exemplo, com a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos e com a Casa da Moeda do Brasil, ambas empresas públicas criadas mediante transformação

de antigas autarquias federais.

As espécies de empresas estatais tradicionalmente reconhecidas são as empresas públicas e as

sociedades de economia mista, tendo o legislador brasileiro, desde a edição do DL 200, de 1967, apon-

71 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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tado definições para tais modalidades, em alguns aspectos já superadas pelo tempo ou sem a adequada

precisão técnica.

Mas seja qual for a modalidade empregada, haverá sempre pontos comuns em todas as empresas

estatais, a saber: são criadas ou extintas por autorização legal (CF, art.37, XIX), com personalidade

jurídica de direito privado, sujeitas a um regime híbrido em que algumas normas de direito privado são

derrogadas por normas de direito público, com empregados regidos pelas leis trabalhistas, vinculação a

um fim específico definido em lei (especialidade) e desempenho de atividade de natureza econômica

(sentido amplo), que poderá ser um serviço público comercial ou industrial ou uma atividade de inter-

venção direta no domínio econômico (atividade econômica em sentido estrito).

Quanto aos pontos de distinção, as empresas públicas são constituídas por capital inteiramente

público, ainda que possa pertencer a distintos entes da federação. Já as sociedades de economia mista

são constituídas de capital público e privado, tendo o Poder Público a participação majoritária na gestão

da empresa. Por esta razão, no que toca à forma de organização e composição de capital, enquanto as

empresas públicas podem ser organizadas sob qualquer das formas previstas na legislação civil (S/A,

Ltda. etc.) ou em lei nacional específica, as sociedades de economia mista somente são constituídas sob

a forma de sociedade anônima (S/A).

O mais comum é que a empresa pública pertença a uma única entidade federada, que integraliza

todo o seu capital social, mantendo aí a forma de sociedade unipessoal. Não raro, porém, são criadas

empresas públicas cujo capital pertence a mais de um ente estatal, havendo, além do ente instituidor,

outros sócios governamentais minoritários (sociedade pluripessoal). É possível até mesmo que parte dos

seus recursos seja capitalizado por meio de ações, assumindo a forma de sociedade anônima. Contudo,

essas ações devem necessariamente pertencer a sócios governamentais com personalidade jurídica de

direito público interno (entes federados ou autarquias) ou cujo capital seja inteiramente público (outra

empresa pública), pois, se houver alguma participação acionária de capital privado, a entidade será uma

sociedade de economia mista e não uma empresa pública.

Vale dizer, a sociedade de economia mista, sempre constituída como sociedade anônima, poderá

ser uma companhia aberta ou fechada (conforme tenha ou não ações negociadas em bolsa de valores

mobiliários). Já a empresa pública, caso venha excepcionalmente a adotar a forma de sociedade anôni-

ma, terá de ser necessariamente uma companhia fechada, porquanto suas ações somente poderão ser

adquiridas por pessoas governamentais cujo capital seja inteiramente direito público.

São exemplos de empresas públicas, em âmbito federal, a Caixa Econômica Federal (CAIXA), a

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a Casa da Moeda do Brasil, a Empresa Brasileira de

Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRA-

PA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dentre as sociedades de

economia mista podemos citar o Banco do Brasil S/A (BB), a Petróleo Brasileiro S/A (PETROBRÁS), a

Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

A maioria das empresas estatais são instituídas para atuarem na área econômica, no mais das ve-

zes em situação de concorrência com empresas privadas que operam no mesmo setor, sujeitando-se

predominantemente ao mesmo regime jurídico destas (CF, art. 173, §1º, II) e sem gozar de privilégios a

estas não extensíveis (CF, art. 173, §2º). Tal é o caso do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal,

naquilo que diz respeito à atividade comercial enquanto instituições financeiras. Há também estatais que

desempenham serviços públicos em regime de monopólio, como é o caso da ECT (serviço postal) e da

INFRAERO (infraestrutura aeroportuária), e por isso submetem-se a regime jurídico um pouco diferen-

ciado em relação ao setor privado. É comum ainda que o Governo se valha das estrutura das suas empre-

sas também para a implementação de políticas sociais ou o desempenho de serviços administrativos sob

regime de direito público. Cite-se nessa situação o importante papel desempenhado pela Caixa Econô-

mica Federal, quando executa planos de acesso à moradia popular (SFH) ou atua como agente operadora

do FGTS.

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Outro ponto de distinção que merece destaque diz respeito à competência jurisdicional para o e-

xame de questões envolvendo empresas públicas federais. Segundo dispõe o art. 109, I, da CF/88, tal

caberá à Justiça Federal, ressalvadas apenas as ações de falência, de acidentes de trabalho e as sujeitas à

Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Já quanto às sociedades de economia mista federais, a compe-

tência será sempre da Justiça Estadual, salvo quando a União intervém como assistente ou opoente, ou

quando se tratar de questões eleitorais ou trabalhistas.

A teor da Súmula 517 do STF, "as sociedades de economia mista só têm foro na justiça federal

quando a União intervém como assistente ou opoente". Excepciona-se assim a regra geral de que "é

competente a justiça comum para julgar as causas em que é parte sociedades de economia mista" (Súmu-

la 556 do STF). Essa orientação jurisprudencial é reforçada ainda pela Súmula 42 do STJ, segundo a

qual "compete à justiça comum estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de

economia mista e os crimes praticados em seu detrimento". Convém ressaltar que, de acordo com a

Súmula 150 do STJ, "compete à justiça federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justi-

fique a presença, no processo, da união, suas autarquias ou empresas públicas".

Em se tratando de atos praticados por administradores de empresas públicas e de sociedade de

economia mista, ou até mesmo de entidades privadas, somente podem ser contestados por meio de man-

dado de segurança aqueles que são praticados na condição de autoridade, ou seja, quando o dirigente da

pessoa jurídica, exercendo competência própria ou delegada, toma decisões regradas por normas de

direito público, tal como ocorre nas deliberações sobre concurso público e licitações. Já quando a deci-

são envolver mera questão comercial referente à área-fim de atuação da empresa, o administrador não

atua como autoridade. Como se extrai dos §§1º e 2º do art.1º da atual lei do mandado de segurança (Lei

12.016/2009), equiparam-se às autoridades os representantes ou órgãos de partidos políticos e os admi-

nistradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais

no exercício de atribuições do Poder Público, somente no que disser respeito a essas atribuições. Outros-

sim, não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial praticados pelos administrado-

res de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público.

Saliente-se que, mesmo tendo as empresas estatais personalidade jurídica de direito privado, elas

estão sujeitas ao influxo de algumas normas de direito público, sobretudo as previstas na própria Consti-

tuição Federal. O fato de não estarem integralmente regidas pelo direito público “não equivale a afirmar

que estejam abrangidas totalmente sob o direito privado”72

, como se particulares fossem.

Se a empresa estatal desempenhar atividade de natureza privada relacionada à intervenção no

domínio econômico (atividade econômica em sentido estrito), por razões de relevante interesse coletivo

ou imperativo de segurança nacional, aplica-se a regra do art.173 da Constituição Federal de 1988. Se,

por outro lado, a empresa estatal desempenhar atividade econômica assumida pelo Estado como serviço

público comercial ou industrial, aplica-se a regra do art.175 da Carta Magna.

Celso Antônio salienta haver, portanto,“dois tipos fundamentais de empresas públicas e socie-

dades de economia mista: exploradoras de atividade econômica e prestadoras de serviços públicos ou

coordenadoras de obras públicas”. “No primeiro caso, é compreensível que o regime jurídico de tais

pessoas seja o mais próximo possível daquele aplicável à generalidade das pessoas de Direito Privado.

Seja pela natureza do objeto de sua ação, seja para prevenir que desfrutem de situação vantajosa em

relação às empresas privadas – às quais cabe a senhoria no campo econômico –, compreende-se que

estejam, em suas atuações, submetidas a uma disciplina bastante avizinhada da que regula as entidades

particulares de finas empresariais. Daí haver o Texto Constitucional estabelecido que em tais hipóteses

regular-se-ão pelo regime próprio das empresas privadas (art.173, §1º, II).” “No segundo caso, quando a

concebidas para prestar serviços públicos ou desenvolver quaisquer atividades de índole pública propri-

72 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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amente (como promover a realização de obras públicas), é natural que sofram influxo mais acentuado de

princípios e regras de Direito Público, ajustados, portanto, ao resguardo de interesses desta índole”.73

Maria Sylvia, no mesmo sentido, considera que “quando se trata de atividade econômica exercida

pelo Estado com fundamento no art.173, que determina a sujeição ao direito privado, este é que se apli-

cará, no silêncio de norma publicística; por outras palavras, presume-se a aplicação do regime de direito

privado, só derrogado por norma expressa, de interpretação estrita. Quando, porém, o Estado fizer a

gestão privada do serviço público, ainda que de natureza comercial ou industrial, aplicam-se, no silêncio

da lei, os princípios de direito público, inerentes ao regime jurídico administrativo”.74

Cabe ressalvar, todavia, existirem empresas estatais exploradoras de atividades econômicas às

quais não se aplica a regra do art.173, §1º, da CF/88. São aquelas cuja área de atuação, apesar de não ser

propriamente um serviço público, constitui atividade econômica monopolizada pelo Estado, por expressa

previsão constitucional, tal como ocorre com algumas atividades relacionadas à exploração de recursos

minerais (CF/88, art. 177). Nestes casos, as empresas estatais não atuam em regime de concorrência com

outras empresas. Na linha de entendimento do STF, "a norma do art. 173, §1º, da Constituição aplica-se

às entidades públicas que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplicação

às sociedades de economia mista ou empresas públicas que, embora exercendo atividade econômica,

gozam de exclusividade".75

Pode-se, assim, indicar um terceiro tipo fundamental de empresa estatal

(além daqueles dois mencionados por Celso Antônio): as que desempenham atividades econômicas em

regime de monopólio (CF/88, art.177), cujo regime jurídico pode conter certas normas diferenciadas

daquelas comumente aplicadas às empresas privadas.

Quanto às empresas estatais que desempenham serviços públicos, submetem-se como dito a um

regime de direito público mais acentuado, equiparando-se à Fazenda Pública. Daí porque o STF reco-

nheceu a imunidade tributária recíproca tanto em relação à ECT - Empresa de Correios e Telégrafos76

quanto em relação à INFRAERO – Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeronáutica77

. O mesmo vem

sendo decidido em relação a empresas estaduais, quando prestadoras de serviços públicos, citando-se a

Companhia de Águas e Esgotos do Estado de Rondônia78

. Essa imunidade não se aplica às empresas

estatais que exploram atividades econômicas em concorrência com a iniciativa privada, como acontece

com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobrás, que não podem ter qualquer privilégio

fiscal não extensivo à iniciativa privada (CF, art.173, §1º, II).

Questiona-se que a ECT e a INFRAERO são empresas que, apesar de terem como função pri-

mordial o desempenho de serviço público, atualmente também exploram outras atividades econômicas,

em relação às quais não haveria justificativa para a incidência do regime de direito público, tese que,

todavia, não foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal.79

"Chegou-se a questionar a divisibilidade das

operações, para subordinação a regime jurídico distinto de acordo com a natureza das atividades consi-

deradas. Acabou por se reputar inviável, sob o prisma prático, a solução da dissociação de regimes jurí-

dicos para uma e mesma entidade"80

.

Seja como for, percebe-se que, qualquer que seja a atividade desempenhada pela empresa pública

ou pela sociedade de economia mista (serviço público, atividade econômica ou ambos), o seu regime

jurídico jamais será inteiramente de direito privado, pois sempre estarão submetidas, em maior ou menor

73 MELLO, Curso..., cit. 74 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 75 RE 172.816. 76 AI-AgR 690.242/SP. 77 RE-AgR 363.412/BA. 78 AC 1.550/RO. 79 RE 229.696 e ADPF 46. 80 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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grau conforme o caso, a normas de direito público. Será um regime híbrido, sempre havendo um “mí-

nimo de direito público”81

, ampliável em se tratando de prestadora de serviços públicos.

Na lição de José dos Santos, “quando se trata do aspecto relativo ao exercício em si da ativi-

dade econômica, predominam as normas de direito privado, o que se ajusta bem à condição dessas

entidades como instrumentos do Estado-empresário. É comum, portanto, a incidência de normas de

Direito Civil ou de Direito Comercial, reguladoras que são das relações econômicas de direito privado.

Aliás, essa é que deve ser a regra geral, o que se confirma pelo art.173, §1º, II, da CF, que é peremptório

ao estabelecer sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas quanto a direitos e obri-

gações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Em outras palavras, não devem ter privilégios que as

beneficiem, sem serem estendidos às empresas privadas, pois que isso provocaria desequilíbrio no setor

econômico em que ambas as categorias atuam. (...) Ao contrário, incidem as normas de direito público

naqueles aspectos ligados ao controle administrativo resultante de sua vinculação à pessoa federativa.

Não é sem razão, portanto, que várias normas constitucionais e legais regulam essa vinculação adminis-

trativa e institucional das entidades. Em nível constitucional, temos, por exemplo, o princípio da autori-

zação legal para sua instituição (art.37, XIX); o controle pelo Tribunal de Contas (art.71); o controle e a

fiscalização do Congresso Nacional (art.49, X); a exigência de concurso público para ingresso de seus

empregados (art.37, II), a previsão de rubrica orçamentária (art.165, §5º) e outras do gênero. Na verdade,

a visão que se deve ter desse hibridismo do regime jurídico não chega a surpreender, porque ambas as

pessoas administrativas têm, algumas vezes, realçado seu lado privado e, em outras ocasiões, seu aspecto

público”.82

Não se deve confundir o regime de privilégio que caracteriza eventual exclusividade na prestação

de um serviço público (ex: ECT) com o regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de

atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado (ex: PETROBRAS).83

Os dirigentes das empresas estatais são escolhidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo. E

ao contrário do pode ocorrer com as autarquias, não é possível que a lei condicione a escolha do dirigen-

te a prévia aprovação do Poder Legislativo, conforme já se posicionou o STF.84

Questão importante a destacar também é possibilidade ou não de falência das empresas estatais.

No tocante às sociedades de economia mista, o art.242 da Lei 6.404/76 previa que não se sujeitavam à

falência. Não havendo menção às empresas públicas, entendia-se que a estas se aplicaria normalmente

ao regime falimentar como qualquer outra empresa. A doutrina, contudo, excluía desse regime as empre-

sas públicas prestadoras de serviço público. Ocorre que o referido dispositivo foi revogado pela Lei

10.303/2001, passando a doutrina a entender que as sociedades de economia mista também deveriam se

submeter ao regime falimentar, exceto as prestadoras de serviço público. Ou seja, apenas as empresas

estatais exploradoras de atividades econômicas, porquanto submetidas ao regime obrigacional similar às

demais empresas privadas (CF/88, art.173), estariam sujeitas às regras comerciais de falência. As presta-

doras de serviços públicos estariam fora desse regime, de modo que, em caso de insolvência, é razoável

se reconhecer a responsabilidade subsidiária do respectivo ente político instituidor.85

De outro lado, há juristas que afastam peremptoriamente a incidência do regime falimentar, qual-

quer que seja a atividade desempenhada pela empresa estatal, considerando que a sua extinção estaria

sempre condicionada a uma autorização legal, condição esta incompatível com o rito da falência. Defen-

dem, por conseguinte, a responsabilidade subsidiária do ente político controlador, em todos os casos,

por aplicação da regra do art. 37, §6º, da CF/88.86

81 Idem. 82 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 83 STF, ADPF 46, rel. p/ acórdão min. Eros Grau. 84 ADI 1.642/MG. 85 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 86 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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A polêmica acirrou-se com a edição da Lei 11.101/2005, cujo art. 2º exclui do regime falimentar

as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sem fazer distinção quanto à atividade. Não

obstante, alguns autores seguem apontando a inconstitucionalidade dessa nova regra, por incompatibili-

dade com o art. 173, §1º, da CF/88, eis que, estando as empresas estatais exploradoras de atividades

econômicas submetidas às regras comuns do direito comercial, seria um "grande contrassenso aplicar a

falência às empresas privadas e não admiti-la para as estatais que, segundo a Constituição, merecem o

mesmo tratamento”.87

Empresas subsidiárias “são aquelas cujo controle e gestão das atividades são atribuídos à empre-

sa pública ou à sociedade de economia mista diretamente criadas pelo Estado. Em outras palavras, o

Estado cria e controla diretamente determinada sociedade de economia mista (que podemos chamar de

primária) e esta, por sua vez, passa a gerir uma nova sociedade mista, tendo também o domínio do capi-

tal votante. É esta segunda empresa que constitui a sociedade subsidiária”.88

Trata-se, portanto, de empresas criadas por empresas estatais já existentes. A nova empresa será,

então, de segundo grau, sendo a criadora a de primeiro grau. E nada obsta que possa haver sucessivas

criações de empresas, do terceiro grau em diante. Basta que haja, em todos os casos, autorização legis-

lativa, conforme expressamente previsto no art. 37, XIX, da CF/88.

Em todo caso, “não se pode perder de vista que as subsidiárias também são controladas, embora

de forma indireta, pela pessoa federativa que instituiu a entidade primária. A subsidiária tem apenas o

objetivo de se dedicar a um dos segmentos específicos da entidade primária, mas como esta é quem

controla a subsidiária, ao mesmo tempo em que é diretamente controlada pelo Estado, é este, afinal,

quem exerce o controle direto ou indireto, sobre todas”.89

Adverte-se que não basta a participação majoritária do Poder Público na entidade para que ela se-

ja considerada uma sociedade de economia mista, sendo "necessário que haja a participação na gestão da

empresa e a intenção de fazer dela um instrumento de ação do Estado, manifestada por meio da lei insti-

tuidora e assegurada pela derrogação parcial do direito comum. Sem isso, haverá empresa estatal mas

não haverá sociedade de economia mista”.90

Significa dizer que podem existir empresas que, dadas as

peculiaridades fáticas em que nelas se constituiu a participação estatal, não venham a se enquadrar nos

conceitos de empresas públicas, sociedades de economia mista ou subsidiárias, por falta de lei assim

prevendo.

Antigos precedentes jurisprudenciais reconhecem que, mesmo quando o Poder Público passa, por

qualquer fato jurídico, a deter a maioria do capital da empresa (por exemplo, penhora de ações ou heran-

ça), esta não poderá ser considerada como sociedade de economia mista enquanto não houver a indis-

pensável autorização legal.91

É nesse contexto que alguns autores identificam as chamadas empresas de

cooperação, entidades que passam ao controle do Poder Público sem lei autorizadora específica, mas

que servem de instrumentos de participação pública na economia.

87 MARINELA, Direito Administrativo, cit. 88 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 89 Idem. 90 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 91 Nesse sentido decidiu o STF, no RE 92.340-3-RJ, Relator: Ministro Soares Muñoz, DJ de 18.4.80.

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Como assinala Sérgio de Andréa Ferreira, “o Poder Público pode preferir, ao invés de instituir ou

constituir empresas administrativas, integrantes da Administração Indireta e, desse modo, componentes

da organização administrativa, criar, em cooperação com particulares, empresas que sejam instrumentos

de participação pública na economia, mas sem a natureza de pessoas administrativas paraestatais. São as

empresas, dessa nova espécie, de Direito Privado, mas tipicamente paraadministrativas, pois que situa-

das fora da Administração Pública, embora com essa relacionadas, com ela cooperando; e tampouco

pertencendo ao setor econômico privado. A criação dessas empresas, ex novo ou por transformação de

outras já existentes, insere-se, pois, no processo de descentralização administrativa denominada de des-

centralização por cooperação, expressão que bem caracteriza o sentido social do fenômeno, pela co-

participação do Poder Público e dos particulares. Daí falar-se em empresas de cooperação. Muitas

entidades de cooperação são empresas que passaram ao controle do Poder Público, por compra de ações

ou desapropriação, mas que não reuniram os requisitos necessários à sua caracterização como empresas

públicas ou sociedades de economia mista. É o caso da LIGHT, da TELERJ, antes de suas privatiza-

ções”.92

Marçal Justen, por sua vez, fala em empresas estatais de fato, que seriam aquelas constituídas

irregularmente no passado, isto é, sem autorização legal, mas que vieram desempenhando as suas ativi-

dades ao longo do tempo. Invocando o princípio da aparência e o da boa-fé, entende que tais empresas

devem submeter-se às regras e princípios aplicáveis às empresas estatais regulares.93

Por fim, consoante dispõe o art. 71 da CF/88, compete ao Tribunal de Contas da União: "(...) II -

julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da

administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder

Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que

resulte prejuízo ao erário público". Comentando esse dispositivo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defen-

de que o controle do TCU "alcança, pois, todas as empresas de que a União participe, majoritária ou

minoritariamente".94

O termo “regulação” é de emprego relativamente recente no Brasil, abarcando um vasto campo

de atividades inerentes aos tradicionais poderes de polícia e regulamentar reconhecidos à nossa Adminis-

tração Pública, porém indo muito além desse sentido. Para Alexandre de Aragão, "tem causado mal-

entendidos menos pela sua suposta novidade e mais pela às vezes difícil distinção em relação a outros

institutos do direito público da economia, tais como a regulamentação, o poder de polícia, a ordenação

da economia, a autorregulação, a desregulação, a desregulamentação e outros”.95

92 FERREIRA, Sérgio de Andrea. Empresas estatais, paraestatais e particulares com participação pública. RDA 231/74. 93 JUSTEN FILHO, Curso...,cit. 94 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 95ARAGÃO, Alexandre Santos de. Regulação da economia: conceito e características contemporâneas. In: José Eduardo Martins Cardozo, João Eduardo Lopes Queiroz, Márcia Walquiria Batista dos Santos (coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Atlas.

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A CF/88 utiliza o vocábulo ao tratar especificamente do papel do Estado enquanto “agente nor-

mativo e regulador da atividade econômica”. Daí se infere que o poder regulador, apesar de ter uma

estreita relação com o poder normativo, com este não se confunde.

Regular é mais do que regulamentar. Traduz um conceito mais amplo, que abarca, além da fun-

ção normativa, também as funções de planejamento, controle (fiscalização) e incentivos (fomento) ao

setor privado.

No dizer de Calixto Salomão, “a acepção que se pretende atribuir ao termo ‘regulação’, a fim de

estudar as concepções a seu respeito que têm influenciado o sistema brasileiro, é bastante e proposita-

damente ampla. Engloba toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a

intervenção através da concessão de serviço público ou o exercício do poder de polícia”.96

Tal amplitude

é bem retratada na definição proposta por Marçal Justen: “A regulação econômico-social consiste na

atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo per-

manente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamen-

tais”.97

Como já salientamos em capítulo anterior, a busca por um modelo gerencial de administração

pública, em substituição aos tradicionais métodos de administração burocrática, levou à adoção de uma

série de novos conceitos, institutos e instrumentos de gestão pública, visando maior eficiência, satisfação

dos administrados e controle de resultados. Tudo isso é fruto da mudança de paradigmas acerca do papel

ideal do Estado para o desenvolvimento da sociedade, dando-se preferência, sempre que possível, ao

Estado regulador (intervenção indireta) ao invés do Estado executor (intervenção direta). Houve, então,

uma alteração mais qualitativa do que propriamente quantitativa; vale dizer, o Estado continua presente,

com papel ativo em prol do interesse público, porém munido de novos instrumentos de ação.

Quando a regulação se concretiza por meio de atividades da Administração Pública (função ad-

ministrativa), os seus aspectos gerais são estudados pelo Direito Administrativo. Porém, a vastidão e as

especificidades dessa área de atuação estatal levaram a que o seu estudo viesse adquirindo autonomia

científica, daí alguns autores já se referirem a subdivisões da disciplina, a que chamam de Direito Admi-

nistrativo Econômico, Direito Administrativo Regulador, Direito Administrativo Regulatório, Direito

Administrativo do Desenvolvimento, Direito Administrativo Ordenador Econômico, Direito Administra-

tivo da Concorrência etc.

Na denominação de certas autarquias especiais, nas últimas décadas no Brasil, tornou-se habitual

o emprego do termo “agência”, importado do direito norte-americano, em que já era largamente utiliza-

do para se referir a entidades governamentais98

. Todavia, é preciso ter cuidado ao se utilizar aqui expres-

sões do direito estrangeiro sem atentar para as diferenças entre os contextos políticos e os ordenamentos

jurídicos de cada país. A realidade administrativa norte-americana é bem diferente da brasileira, tanto no

tocante aos modelos tradicionais de gestão de atividades públicas, quanto no que concerne ao regime

jurídico dessas atividades.

Nos Estados Unidos a administração pública há muito tem sido organizada de forma descentrali-

zada (policêntrica), existindo vários centros de poder e decisão. Esta é uma tradição que remonta ao final

do século XIX, quando lá foram criadas as primeiras agências99

. Assim, excluídas apenas as tarefas

cometidas ao Presidente da República, ao Congresso e aos Tribunais, praticamente todas as demais

96 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros. 97 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 98 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 99 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar.

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atividades governamentais são implementadas por agências. Vale dizer, nos EUA, falar em Administra-

ção Pública é falar em agências.

No sistema jurídico brasileiro, ao contrário, a tradição sempre foi a de um modelo piramidal e

centralizador de Administração Pública, que somente veio a ser mitigado em meados do século passado,

com a criação das primeiras autarquias, porém, ainda assim, sob a direção superior do Chefe do Poder

Executivo. Destarte, o vocábulo agência há de ter um sentido mais estrito entre nós, apenas designando

certas entidades administrativas criadas sob a forma de autarquias, portanto, pessoas jurídicas de direito

público localizadas dentro da estrutura orgânica da máquina estatal (Administração Indireta) e que,

apesar de sujeitas a um regime especial que lhes confere maior autonomia administrativa, têm os seus

parâmetros de atuação balizados pela lei ordinária e em obediência às diretrizes constitucionais da admi-

nistração pública.

Na verdade, o contexto histórico do surgimento das nossas agências é bem diferente do caso a-

mericano. Enquanto nos EUA as agências administrativas se proliferaram, sobretudo a partir da década

de 1930, visando assegurar uma maior intervenção estatal sobre atividades que até então eram pratica-

mente livres à iniciativa privada, no Brasil elas surgiram meio século depois, no momento em que mui-

tas atividades até então prestadas diretamente pelo Estado passaram a ter a sua execução transferida para

a iniciativa privada, demandando o estabelecimento de novos marcos regulatórios.100

Duas agências reguladoras brasileiras tiveram existência diretamente prevista na Constituição

Federal de 1988: a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (art.21, XI) e a Agência Nacional

do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (art.177, §2º, III). A primeira foi criada pela Lei 9.472/97 e

a segunda pela Lei 9.478/97.

Outras agências reguladoras, apesar de não mencionadas na Carta Magna, foram regularmente

criadas pela União no exercício da competência legislativa para a organização da sua administração

pública, citando-se: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei 9.427/96); Agência Nacional

de Transportes Terrestres – ANTT e Agência Nacional de Transportes Aquaviários - ANTAQ (Lei

10.233/2001); Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (Lei 9.782/99); Agência Nacional de

Saúde Suplementar – ANS (Lei 9.961/2000); Agência Nacional de Águas – ANA (Lei 9.984/2000); A-

gência Nacional do Cinema – ANCINE (MP 2281-1/2001); Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC

(Lei 11.182/2005).

Além dessas agências federais, também vieram sendo criadas no Brasil agências reguladoras es-

taduais e municipais.

Os setores de atuação das agências reguladoras envolvem não apenas serviços públicos comerci-

ais e industriais, mas, também, atividades econômicas livres à iniciativa privada, sob regulação do Esta-

do. Há agências reguladoras que exercem típico poder de polícia, citando-se a ANVISA, a ANS e a

ANA. E nada impede que a agência reguladora exerça o seu poder inclusive sobre empresas estatais que

continuam operando em regime de concorrência com a iniciativa privada, tal como veio a acontecer com

a Petrobrás, também sujeita à controle da ANP. Em suma, as agências reguladoras podem atuar em duas

áreas: i) regulação de serviços públicos objeto de concessões ou permissões públicas; ii) regulação de

atividades privadas sujeitas ao poder de polícia do Estado. Num e noutro caso, os poderes estatais de

controle, normatização e disciplina (em sentido amplo: regulação101

) que tradicionalmente eram atribuí-

dos a órgãos da Administração central, foram transferidos a estas autarquias especiais.

Ressalte-se que apesar da novidade na terminologia dessas agências, a atividade estatal de regu-

lação do mercado há muito já vem sendo executada no Brasil por autarquias com algumas características

semelhantes às das atuais agências reguladoras, sem que tenham essa nomenclatura. É o caso do Banco

100 Idem. 101 “Regular significa, no caso, organizar determinado setor afeto à agência, bem como controlar as entidades que atuam nesse setor". DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Central do Brasil, que dentre outras atribuições regula a atividade bancária; da SUSEP, que regula a

atividade de seguros privados; do CADE, que cuida da defesa da concorrência etc. Apesar de não serem

chamadas agências reguladoras, tais entidades devem ser consideradas, tal como as agências, como

autarquias especiais.

Outrossim, o mero emprego do termo agência por si só não sinaliza tratar-se de uma autarquia

especial, havendo até mesmo órgãos assim chamados, como é o caso da Agência Brasileira de Inteligên-

cia – ABIN, que é órgão da Presidência da República (Lei 9.883/99).

No âmbito da União foi editada a Lei 9.986/2000, que contém disposições aplicadas a todas as

agências reguladoras federais. Contudo, não obstante possam se destacados muitos pontos comuns no

regime jurídico das agências reguladoras, o conteúdo do seu regime especial não é uniforme, pois cada

agência reguladora haverá de seguir regras próprias extraídas da respectiva lei instituidora. Se essa espe-

cificidade de regime já se aplica a qualquer autarquia (já que toda autarquia é criada por lei específica), é

ainda maior o destaque em se tratando de agências reguladoras, cuja autonomia, como dito, é bem mais

reforçada. No caso específico da ANEEL, por exemplo, o art. 8° da Lei 9.472/97 dispõe que "a natureza

de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de

subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira".

Identificando em que consiste a autonomia reforçada típica das agências reguladoras, a doutrina

aponta basicamente quatro aspectos i) maior autonomia política; ii) maior autonomia para a expedição

de atos normativos; iii) maior autonomia para a tomada de decisões; iv) maior autonomia orçamentária.

A começar pela maior autonomia política, a legislação brasileira estabelece que as agências re-

guladoras federais devem ser dirigidas por um colegiado, evitando a concentração de poderes num único

diretor. Os integrantes desse colegiado são escolhidos pelo Chefe do Executivo, após aprovação do

nome pelo Senado Federal, passando a exercer mandatos fixos e não podendo ser livremente exonerados

(Lei 9.986/2000, arts. 4º e 5º), gozando, portanto, de estabilidade no curso do mandato.

É a lei específica instituidora de cada agência reguladora que haverá de fixar o prazo de duração

dos mandatos de seus diretores. No caso da ANEEL, por exemplo, seus dirigentes cumprem mandatos

de quatro anos (art. 5º da Lei 9.427/96). Os mandatos nas agências reguladoras serão alternados de

modo a não haver coincidência quanto ao início e término (Lei 9.986/2000, arts. 6º e 7º), evitando que

toda a diretoria da agência seja trocada de uma única vez, garantindo-se com isso uma maior estabilidade

regulatória.

Em relação à demissão dos dirigentes das agências reguladoras, o STF, modificando a orientação

que era seguida antes da CF/88 (Súmulas 25 e 47), passou a considerar inadmissível que o Chefe do

Executivo afaste discricionariamente o dirigente da autarquia especial que ainda se encontra no curso

regular do seu mandato, reputando igualmente incabível que o Poder Legislativo tenha a iniciativa em tal

demissão102

. Destarte, os dirigentes de agências reguladoras somente perderão o mandato em caso de

renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo disciplinar, sendo que a

lei de criação de cada agência poderá ainda prever outras condições (Lei 9.986/2000, art. 9º). Ao deixa-

rem os seus mandatos, ficarão impedidos de exercer atividades no setor regulado pela respectiva agência

por um período de quarentena de quatro meses, durante o qual os ex-dirigentes continuarão percebendo

remuneração compensatória (Lei 9.986/2000, art. 8º).

Cumpre registrar o peculiar entendimento de Celso Antônio, segundo o qual os mandatos a prazo

fixo exercidos pelos dirigentes das agências reguladoras não deveriam se estender além de um mesmo

período de governo, sob pena de haver o que ele chama de fraude contra o próprio povo, em afronta ao

princípio republicano103

. Não é essa, todavia, a orientação que vem prevalecendo, pois o estrito papel

102 ADI 1949 MC/RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 25/11/2005. 103 MELLO, Curso…, cit.

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técnico das agências em nada deve ser afetado por eventuais mudanças da política governamental, além

do que a referida legislação, ao dispor sobre a não coincidência dos mandatos, naturalmente admitiu que

estes se estendessem além do período de governo em que o dirigente foi nomeado. Saliente-se que não

houve manifestação do STF quanto à suposta inconstitucionalidade dessa previsão legal.

Dada a natureza autárquica, o regime de pessoal das agências reguladoras haverá de ser predomi-

nantemente o estatutário, contando em seu quadro com servidores públicos em sua maioria detentores de

cargos efetivos. O dispositivo legal que previa o regime celetista para todo o quadro de pessoal dessas

agências foi declarado inconstitucional pelo STF104

, considerando que o regime de emprego não é o mais

adequado nas entidades com personalidade de direito público, sobretudo as que exercem poder de polí-

cia. Posteriormente, adequou-se a legislação a esse entendimento jurisprudencial, passando a lei a prever

a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das agências reguladoras105

.

Acerca da maior autonomia para a expedição de atos normativos, a agência dispõe de um

amplo poder normativo referente à gama de assuntos técnicos afetos à sua área de atuação, observadas as

atribuições previstas na sua lei de regência e os limites constitucionais.

Enquanto nos EUA o destaque das agências reguladoras está justamente no exercício de funções

quase-legislativas, no Brasil, desde a instituição das nossas primeiras agências, alimentou-se grande

resistência na doutrina especializada em se reconhecer a amplitude desse poder normativo. Muitos auto-

res consideram que, por força do princípio constitucional da legalidade administrativa, tal poder haveria

de seguir exatamente as mesmas diretrizes que balizam o exercício do tradicional poder regulamentar

reconhecido à Administração direta e autárquica.

Mas em que pese o inegável acerto desse entendimento no que diz respeito aos limites do poder

normativo que se aplicam a toda Administração Pública, aí incluídas as agências, é preciso também

compreender que a capacidade normativa destas entidades, ante as peculiaridades da função reguladora

que exercem, tem se revelado como uma inevitável necessidade da sociedade contemporânea106

. Daí

porque o poder normativo das agências reguladoras não pode ter a sua constitucionalidade simploria-

mente questionada, sem se levar em conta os aspectos fáticos que cercam as atividades ou serviços en-

volvidos e que, a depender do caso, demandam rápidos mecanismos de regulamentação específica, in-

compatíveis com a demora inerente ao processo legislativo.

A discussão, aliás, não é tão nova quanto parece, pois tal competência normativa ampla, exerci-

tada por certos órgãos técnicos, já existe há algum tempo no Brasil, como ocorre por exemplo na inter-

venção estatal na ordem econômica e na ordem financeira, desde quando a Lei 4.595/65 conferiu ao

Conselho Monetário Nacional o poder de expedir normas gerais de política cambial, de contabilidade e

estatística, ao passo que a Lei 4.728/65 lhe deu competência para fixar normas gerais aplicáveis às insti-

tuições financeiras.

Examinando um caso envolvendo a agência reguladora na área de telecomunicações (ANATEL),

o Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de reconhecer tal competência normativa, desde que

respeitados os termos da respectiva lei objeto de regulamentação.107

Ou seja, a Corte manteve-se fiel ao

princípio da legalidade estrita consagrado na Constituição Federal, sem desconsiderar certa amplitude do

poder normativo reservado à agência dentro do setor regulado.

No que toca à maior autonomia para tomada de decisões, afirma-se que as deliberações da a-

gência reguladora não devem estar sujeitas a revisão por parte da Administração direta, o que significa

dizer que a supervisão ministerial haverá de ser aí quase inexistente, sem possibilidade de recursos hie-

rárquicos impróprios, que são aqueles por vezes dirigidos à autoridade da Administração Direta (Minis-

104 Liminar proferida na ADI 2310. 105 Lei 10.871/2004. Com o advento desta legislação, restou prejudicada a ADI 2310, por perda do objeto. 106 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002. 107 ADI 1668-50, julg. em 20/08/1998.

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tério) contra ato praticado no interior da Administração Indireta. No caso das agências reguladoras isso

não deve ser admitido108

. Registre-se haver quem considere possível haver um mínimo de controle da

autarquia especial pelo Ministério, admitindo o recurso impróprio nos casos em que a agência venha a

extrapolar a sua competência109

, posicionamento esse que tem sido alvo de críticas110

.

O destaque da atuação das agências reguladoras vai para a busca de uma despolitização das deci-

sões, em prol de uma melhor aferição de ordem técnica. Esse aspecto específico da autonomia reforçada

envolve, para além do amplo poder normativo já mencionado, o poder de exercitar regulações de nature-

za executiva e judicante. A regulação executiva abrange uma gama de decisões concretas a serem toma-

das pela agência, de interesse das pessoas físicas e jurídicas que desempenham atividades no âmbito do

setor regulado111

. Já a regulação judicante diz respeito aos julgamentos administrativos que cabem à

agência realizar, visando a aplicação de penalidades por infrações cometidas por tais pessoas ou na reso-

lução de conflitos entre elas112

. Tais julgamentos encerram a discussão na via administrativa, daí a relati-

va independência da agência frente aos órgãos de controle da Administração central, não obstante suas

decisões possam ainda ser confrontadas perante o Poder Judiciário.

Por fim, quanto à maior autonomia financeira, algumas agências dispõem de mecanismos para

obtenção de receitas próprias e vinculadas ao cumprimento de suas finalidades, a par das verbas ordiná-

rias previstas no orçamento público. Tais recursos adicionais podem ser de variadas espécies conforme a

área de atuação da agência113

. Dentre as receitas previstas nas legislações específicas para cada setor,

destacam-se as chamadas taxas de fiscalização, além de outros recursos provenientes de acordos ou

contratos, rendimentos de operações financeiras, produtos de multas, emolumentos etc. Receitas dessa

natureza são cobradas, por exemplo, pela ANATEL (Lei 9.472/97, arts. 47 a 50), pela ANEEL (Lei

9.427/96, arts. 11 a 13), pela ANVISA (Lei 9.782/99, arts. 21 a 26), pela ANP (Lei 9.478/97, arts. 15 e

16), pela ANS (Lei 9.961/2000, arts. 16 a 25), pela ANA (Lei 9.984/2000, arts. 19 a 21), pela ANAC

(Lei 11.182/2005, art. 31) e pela ANTAQ (Lei 10.233/2001, art. 77).

Todos esses aspectos da relativa independência das agências reguladoras são de suma importân-

cia para o fiel cumprimento das suas finalidade institucionais, por isso o ordenamento jurídico deve

contemplar mecanismos que assegurem que as suas decisões estejam imunes a pressões políticas e eco-

nômicas. É preciso estar atento ao constante risco de captura ao qual estas agências estão sujeitas, seja

em relação ao governo (captura pelo poder político), seja em relação aos interesses dos grandes grupos

empresariais que atuam no setor regulado (captura pelo poder econômico). Esse fenômeno da captura

foi detectado na experiência americana das agências reguladoras e objeto de várias críticas pelos econo-

mistas da chamada Escola de Chicago.

Um dos mecanismos para evitar a captura pelo poder econômico está previsto na regra do art.8º

da Lei 9.886/2000, segundo a qual o ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de

prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses,

contados da exoneração ou do término do seu mandato. E o seu §2º estabelece que a remuneração com-

pensatória dos ex-dirigentes das agências reguladoras, durante o período de quarentena, deve equivaler à

do cargo de direção que exerceu, com os benefícios a ela inerentes

Em tema de controle da atuação das agências reguladoras, ao se falar da sua autonomia refor-

çada em relação à Administração direta, deve-se ressalvar que não existe independência das agências em

relação aos Poderes Judiciário e Legislativo. De fato, apesar de as agências reguladoras poderem dirimir

108 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 109 Posicionamento do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, ao julgar recurso contra decisão do CADE. Despacho n. 266/95. No mesmo sentido, Gustavo Binenbojm. Uma teoria..., cit. 110 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 111 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Agência reguladoras e entidades similares. In: Direito administrativo econômico. José Eduardo Martins Cardozo, João Eduardo Lopes Queiroz e Márcia Walquiria Batista dos Santos (coord.), São Paulo: Atlas. 112 Idem. 113 JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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conflitos em última instância administrativa, isto não afasta a possibilidade de exame final pelo Poder

Judiciário, eis que, no sistema jurídico brasileiro (sistema único de jurisdição), a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF/88, art.5o, XXXV). As agências também

estão sujeitas ao controle de legalidade pelo Poder Legislativo (CF/88, art.49, X), bem como ao controle

financeiro, contábil e orçamentário exercido por este Poder, com o auxílio do Tribunal de Contas da

União (CF/88, arts. 70 e 71).

Na verdade, o ponto alto da festejada independência das agências reguladoras diz respeito à sua

relação com os órgãos do poder central do governo, ou seja, é uma independência restrita ao âmbito do

Poder Executivo, cujo controle sobre tais autarquias praticamente se esgota com a nomeação dos seus

dirigentes, muito pouco havendo após isso em termos de supervisão ministerial. Essa relativa indepen-

dência, contudo, tem levado estudiosos a apontar um certo déficit democrático das agências reguladoras,

que por vezes tomam decisões técnicas enfocadas apenas em questões setoriais, sem atentar, todavia,

para os reflexos nas demais áreas e para o planejamento global das políticas públicas do governo114

. Uma

solução para essa deficiência talvez esteja na adoção de mecanismos que assegurem maior participação

social nos processos regulatórios, tais como as audiências públicas, consultas públicas, conselhos con-

sultivos e as ouvidorias, já previstos em diversas leis específicas das agências115

.

Outra solução que tem sido empregada, propiciando algum controle político sobre as agências

reguladoras, é o contrato de gestão. Conforme será examinado em capítulo posterior, tal instrumento é

previsto no ordenamento brasileiro tanto na relação do Estado com certas entidades privadas sem fins

lucrativos (organizações sociais), quanto na relação interna entre órgãos e entidades da máquina estatal

da mesma pessoa federativa116

. Nesse último caso, autarquias que já dispõe legalmente de certa autono-

mia perante a Administração Direta, optam por firmar com esta um contrato de gestão por meio do qual

flexibilizam ainda mais os limites desta autonomia, comprometendo-se a alcançar determinadas metas

estratégicas definidas pelo governo, tornando-se, com isso, agências executivas. O contrato de gestão é

assim considerado um instrumento de aperfeiçoamento da gestão administrativa que propicia melhores

condições operacionais, já havendo algumas agências reguladoras que vieram também a ser qualificadas

como agências executivas, como, v.g., é o caso da ANEEL, cuja legislação prevê expressamente a assi-

natura de um contrato de gestão para fins de controle da atuação administrativa da autarquia, da avalia-

ção do seu desempenho e prestação de contas (Lei 9.427/96, art. 7º).

No Brasil, o uso da expressão agência executiva é contemporâneo ao surgimento das nossas pri-

meiras agências reguladoras, também por influência da experiência norte-americana, na qual as agências

são classificadas levando-se em conta o grau de autonomia política dos seus dirigentes, que é maior nas

agências independentes do que nas agências executivas.117

Mais uma vez é preciso advertir que as nossas agências não têm exatamente as mesmas caracte-

rísticas das suas homônimas norte-americanas, sendo que a qualificação executiva, no Brasil, nada tem a

ver com a forma de nomeação dos dirigentes da autarquia. Além disso, conforme já mencionamos no

tópico anterior, as nossas agências reguladoras independentes podem eventualmente vir a ser também

qualificadas como executivas, ou seja, não são realidades conceitualmente distintas como acontece nos

EUA.

114 BINENBOJM, Uma teoria..., cit. 115 CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo, Dialética. 116 OLIVEIRA, Gustavo Justino. Contrato de gestão. São Paulo: RT. 117 CUÉLLAR, As agências..., cit.

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Ao empregar o vocábulo agência executiva, o direito brasileiro apenas prevê a possibilidade de

um órgão ou entidade administrativa já existente firmar um contrato de gestão com a Administração

Direta, adotando com isso um plano estratégico com metas de eficiência a serem alcançadas por meio de

repasses financeiros ou flexibilização de procedimentos. Com isso, o órgão ou entidade adquire maior

autonomia de gestão e disponibilidade orçamentária, assumindo então a referida qualificação.

O primeiro ato normativo tratando das agências executivas no Brasil foi o Decreto 2.487, expe-

dido pelo Presidente da República em 2 de fevereiro de 1998 e cujo art.1º, §1º assim dispõe: “a qualifi-

cação de autarquia ou fundação como agência executiva poderá ser conferida mediante iniciativa do

Ministério supervisor, com anuência do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, que

verificará o cumprimento, pela entidade candidata à qualificação, dos seguintes requisitos: a) ter cele-

brado contrato de gestão com o respectivo Ministério Supervisor; b) ter plano estratégico de reestrutu-

ração e de desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade da gestão e para a

redução de custos, já concluído ou em andamento”. Na mesma data foi também publicado o Decreto

2488, definindo medidas de organização administrativa específicas para as autarquias e fundações quali-

ficadas como agências executivas. Tais decretos foram de pronto atacados pela doutrina sob a pecha de

inconstitucionalidade, além do que sequer havia ainda uma legislação ordinária tratando do tema.

Posteriormente, foi publicada a Lei 9.649/98, cujo art. 51 veio a fornecer critérios normativos

primários para a qualificação de agências executivas, assim dispondo: “O Poder Executivo poderá qua-

lificar como Agência Executiva a autarquia ou fundação que tenha cumprido os seguintes requisitos: I –

ter um plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, em andamento; II – ter

celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério Supervisor. §1º. A qualificação como Agência

Executiva será feita em ato do Presidente da República. §2º. O Poder Executivo editará medidas de

organização administrativa específicas para as Agências Executivas, visando assegurar a sua autono-

mia de gestão, bem como a disponibilidade de recursos orçamentários e financeiros para o cumprimen-

to dos objetivos e metas definidos nos Contratos de Gestão”.

O tema continuou desafiando críticas doutrinárias, por não haver ainda uma autorização constitu-

cional para que uma entidade administrativa criada por lei pudesse ter a sua autonomia ampliada por

meio de um contrato. Ocorre que, logo em seguida, com a promulgação da Emenda Constitucional 19,

em 5 de junho de 1998, estabeleceu-se a matriz constitucional das agências executivas, na forma do

art.37, §8º, da Carta Magna de 1988, com a seguinte redação: “A autonomia gerencial, orçamentária

e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante

contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de

metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do

contrato; II – os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabili-

dade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal”.

Observa-se que, pela letra constitucional ("...cabendo à lei dispor sobre..."), esse contrato de am-

pliação de autonomia há de ter expressa previsão legal.

A Lei 9.649/98, como dito, já tratou da matéria de forma geral. Ao lado disso, vieram sendo edi-

tadas leis específicas autorizando que determinados órgãos e entidades federais firmassem contratos de

gestão, viabilizando a sua qualificação como agências executivas. Exemplo de autarquia comum que

passou a ser qualificada como agência executiva é o INMETRO (Lei 12.545/2011). Como já menciona-

do no tópico anterior, algumas agências reguladoras foram também autorizadas a firmar contratos de

gestão, a exemplo da ANEEL (art.7º da Lei 9.427/96), da ADENE (art. 19 da MP 2.146-2/2001) e da

ANS (art.14 da Lei 9.961/2000).

O que se percebe claramente é que o órgão ou entidade, enquanto agência executiva, não surge

com essa nomenclatura. Na verdade, trata-se de uma administração já existente que, vindo a preencher

determinados requisitos da legislação, firma um contrato de gestão com a Administração central e com

isso passa a se submeter a um regime jurídico especial, recebendo, por decreto, a qualificação de agên-

cia executiva. Esse regime jurídico diferenciado lhe garante determinadas prerrogativas tais como o

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aumento das margens de dispensa de licitação (Lei 8.666/93, art. 24, p. único), além de outras vantagens

previstas em normas regulamentares expedidas no âmbito do Poder Executivo (v.g. o Decreto 2488/98).

Destarte, enquanto nas agências reguladoras o reforço de autonomia decorre diretamente da lei, nas

agências executivas isso decorre do contrato de gestão.

Como aponta Paulo Modesto, "a novidade das agências executivas é que elas introduzem no Di-reito brasileiro um mecanismo flexível de modificar o regime de autonomia ou independência de autar-quias e fundações públicas mediante um simples ato administrativo de qualificação. O ato não é inova-dor da ordem jurídica ou equivalente à lei, mas ele funciona como mecanismo de enquadramento da entidade em um regime jurídico padrão especial, abstratamente previsto em lei, elemento diferencial em relação à tradição de nossa administração pública. Na verdade, a denominação agên-cia executiva designa um título jurídico que pode ser atribuído a autarquias e a fundações públicas. A expressão não traduz uma nova forma de pessoa jurídica pública. Nem é uma qualidade original de qualquer entidade da administração indireta. Dizer de alguma entidade que ela é agên-cia executiva equivale a dizer que a entidade recebeu e mantém o título de agência executiva. Trata-se de uma qualificação decidida no âmbito da Administração Pública e não pelo Poder Legislativo. O ato de qualificação é ato administrativo, expedido no uso de competência discricionária, que pode ser concedido, suspenso e revogado. Cabe ao Poder Legislativo fixar em normas gerais, abstratamente, as situações jurídicas mais favoráveis para as entidades qualificadas como agências executivas".

118

Da mesma forma com que foi qualificada, eventual descumprimento das metas fixadas no contra-to de gestão conduz à desqualificação da entidade, o que também se dá por decreto do Chefe do Poder Executivo. Com isso, retorna ao regime jurídico a que se submetia anteriormente à qualificação.

Saliente-se que a norma constitucional (art.37, §8º) abre espaço a que não apenas autarquias ou fundações, mas até mesmo órgãos possam vir a ser qualificados como agências executivas. Isso já foi feito, por exemplo, com a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, que, na forma do art. 7º da Lei 9.883/99, é um órgão da Presidência da República autorizado a firmar convênios, acordos, contratos e quaisquer outros ajustes objetivando o desempenho das suas atribuições.

Outrossim, por conta da amplitude da autorização constitucional, apesar de a legislação federal (Lei 9.649/98) somente haver previsto tal qualificação para autarquias e fundações, nada obsta que sejam editadas leis específicas autorizando até mesmo empresas estatais a firmarem contratos de gestão, como, inclusive, foi objeto de previsão no art. 47 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), ao se tratar da autonomia gerencial, orçamentária e financeira das empresas controladas pelo setor público que fir-marem contratos de gestão estabelecendo objetivos e metas de desempenho. Foi com base nesse permis-sivo legal que o Decreto 3.735/2001 estabeleceu a possibilidade de contratos de gestão, dentre as diretri-zes aplicáveis às empresas estatais federais. No passado isso já havia sido feito, por exemplo, em relação à Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce, tendo o Decreto 137, de 27 de maio de 1991, instituído o programa de gestão de empresas estatais, prevendo a celebração de contratos de gestão entre a União e suas empresas.

De acordo com a lei federal já referida, a qualificação como Agência Executiva será feita em ato

do Presidente da República. Para a prática de tal ato, todavia, passa-se por um todo um processo de

qualificação, que tem início no respectivo Ministério da área específica de atuação da autarquia ou fun-

dação, passando pelo Ministério central encarregado da administração federal (no atual governo chama-

se Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, que sucedeu o antigo Ministério da Ad-

ministração Federal e Reforma do Estado - MARE). Consoante regulamentado no art. 1º, §1º, do Decre-

to federal 2.487/98, “a qualificação de autarquia ou fundação como agência executiva poderá ser confe-

rida mediante iniciativa do Ministério supervisor, com anuência do Ministério da Administração Federal

e Reforma do Estado, que verificará o cumprimento, pela entidade candidata à qualificação, dos seguin-

tes requisitos: a) ter celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério Supervisor; b) ter plano

estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional, voltado para a melhoria da qualidade

118 MODESTO, Paulo. Agências executivas: a organização administrativa entre o casuísmo e a padronização. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/2587/agencias-executivas. Acesso em 02/05/2012.

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da gestão e para a redução de custos, já concluído ou em andamento”. Portanto, a iniciativa não é exclu-

siva do chefe do Poder Executivo.

Os Estados e Municípios poderão também instituir agências executivas, no âmbito de suas res-

pectivas competências, pois o art.37, §8º da Constituição se dirige amplamente à administração direta e

indireta, em todas as esferas de poder. No Estado da Bahia, por exemplo, o art.4º da Lei estadual

7.314/90 autorizou a assinatura de contrato de gestão com a Agência Estadual de Regulação de Serviços

Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (AGERBA).

Ressalte-se, por fim, que os contratos de gestão não são reservados apenas a órgãos e entidades

estatais qualificadas como agências executivas. Como já foi visto anteriormente, a legislação brasileira

prevê que tais ajustes sejam firmados também com entes privados, que passam então a ser qualificados

como organizações sociais (Lei 9.637/98).

O estudo dos contratos de concessão tem estreita relação com a delegação, a particulares, de ati-

vidades de interesse público, como forma de aliviar o Estado do desempenho de tarefas que possam ser

prestadas com maior eficiência pelo setor privado. A razão primordial desta delegação não há de ser a de

propiciar lucro às empresas privadas ou de assegurar economia de custos para Estado, mas, sim, preci-

puamente, a de assegurar a adequada satisfação dos interesses da coletividade beneficiada por tais servi-

ços. Este é motivo pelo qual a Constituição brasileira permite o instituto.

O regime de concessões se destacou no primeiro momento da organização estatal, ainda sob o

modelo liberal do final do século XIX e início do século XX. Todavia, com a ampliação do papel estatal

em meados do século XX e o advento do chamado Estado do Bem-Estar Social (fase do estatismo), as

concessões tiveram a sua importância reduzida, passando o Estado a intervir diretamente em diversos

setores que antes eram assumidos pelo setor privado. Mais recentemente, buscando-se implantar um

modelo gerencial de Administração Pública (fase da democracia), as concessões voltaram a ter destaque

no cenário administrativo, desenvolvendo-se, em contrapartida, um regime sistematizado de regulação

(intervenção estatal indireta).

Em nosso país, o fundamento constitucional para a delegação de serviços públicos encontra-se no

art. 175 da CF/88, segundo o qual “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob

regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”, de-

vendo a lei dispor sobre: “I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públi-

cos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade,

fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV

- a obrigação de manter serviço adequado”.

Conceitua-se a concessão de serviço público como “o contrato administrativo pelo qual a Ad-

ministração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço, que lhe é priva-

tivo, a terceiro que para isso manifeste interesse e que será remunerado adequadamente mediante a co-

brança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada”.119

O autor segue, assim, a tradição do

direito positivo brasileiro, que aponta a concessão como modalidade contratual administrativa, tal como

qualificado pela Lei 8.987/95, que é a lei nacional de concessões.

Celso Antônio, porém, não concorda com a assertiva de que a concessão seria um mero contrato

administrativo, apontando tratar-se, tal como concebido na tradicional doutrina francesa, de uma relação

119 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, cit.

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jurídica complexa, uma figura híbrida que mistura um ato regulamentar unilateral do Estado concedente,

um ato-condição do concessionário e um contrato privado.120

A outorga de serviço público a concessionário depende de autorização em lei, pelo que “não

pode o Executivo, por simples decisão sua, entender de transferir a terceiros o exercício de atividade

havida como peculiar ao Estado. É que, se se trata de um serviço próprio dele, quem deve, em princípio,

prestá-lo é a Administração Pública. Para isto existe”. “Assim, cumpre que a lei fundamente o ato admi-

nistrativo da concessão, outorgando ao Executivo competência para adoção desta técnica de prestação de

serviço. Nada impede, todavia, que a lei faculte, genericamente, a adoção de tal medida em relação a

uma série de serviços que indique. A Lei 8987, de 13.2.95, não menciona a necessidade de lei autoriza-

dora; nem por isto poder-se-ia prescindir de tal exigência”.121

É possível que a concessão de serviços públicos seja precedida da execução de obra pública (art.

2º, III da Lei 8.987/95), quando se delega ao concessionário a construção total ou parcial, conservação,

reforma, ampliação ou melhoramento de uma obra de interesse público, de forma que o seu investimento

seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço que a obra proporciona.

A princípio, toda concessão dependerá de licitação na modalidade de concorrência (art. 2º da

Lei 8.987/95). Esta é a regra geral. Há, porém, casos específicos em que a legislação admite a modalida-

de de leilão, tal como aconteceu com a transferência de serviços antes prestados por algumas empresas

estatais que foram privatizadas (art. 29 da Lei 9.074/95).

Nos moldes do art. 18, I, da Lei 8.987/95, a concessão de serviços públicos deve ter um prazo

determinado. A lei geral não diz qual seria o prazo máximo, ficando a questão reservada a cada lei

autorizativa. Mas há de ser um prazo suficientemente longo para que o concessionário possa amortizar o

investimento por ele feito em prol dos serviços e também auferir os lucros que licitamente o atraíram a

colaborar com o Poder Público. Tendo em vista esta peculiaridade da concessão, não se aplicam a ela os

prazos contratuais previstos na Lei 8.666/93 para os contratos administrativos em geral.

Importante registrar que não é qualquer serviço público que pode ser objeto de concessão ou

permissão.

Em primeiro lugar, afirma-se haver serviços públicos que, por determinação constitucional, so-

mente podem ser prestados por entidade estatal (administração direta ou indireta) e, portanto, não podem

ser delegados à iniciativa privada. Nas palavras de Celso Antônio, “é necessário que sua prestação não

haja sido reservada exclusivamente ao próprio Poder Público”, assinalando o autor que não houve pre-

visão de transferência do serviço postal e do correio aéreo nacional (CF/88, art.21, X), ao contrário do

que ocorreu quanto aos serviços de telecomunicações, de radiodifusão, de energia elétrica e outros cita-

dos nos incisos XI e XII da Lei Maior, estes sim passíveis de concessão.122

Em segundo lugar, ainda quando não haja impedimento constitucional à delegação, os serviços

suscetíveis de concessão ou permissão somente podem ser aqueles serviços públicos comerciais ou

industriais que propiciem a exploração econômica pelos concessionários, em nome próprio e à sua conta

e risco, daí advindo a sua remuneração geralmente por meio de tarifas pagas pelos usuários. Por conse-

guinte, a remuneração pela própria exploração do serviço é uma característica essencial das conces-

sões, que as distingue dos simples contratos de prestação de serviços em que a empresa prestadora é

paga com verbas dos cofres da Administração Pública.

É esta característica essencial, aliás, que leva a doutrina a afirmar que o concessionário age em

nome próprio, ao contrário do que ocorre nos demais contratos administrativos. Ainda no dizer de Celso

Antônio, “a afirmação de que o concessionário age ‘em nome próprio’ parece ser insubstituível para

120 MELLO, Curso..., cit. 121 Idem. 122 Ib idem.

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realçar a diferença entre a concessão de serviço público e o simples contrato de prestação de serviços

travado entre o Estado e a sua contraparte. Enquanto na concessão instaura-se uma relação jurídica por

força da qual o concessionário é investido em titulação para prestar serviços ao público, nos simples

contratos de prestação de serviços o contratado se vincula a prestar dados serviços ao Estado apenas.

Assim, o liame contratual não extrapola as relações entre ambos; as obrigações recíprocas confinam-se

ao estrito âmbito das partes que se entrelaçaram. Daí a compreensível insistência da doutrina em dizer

que o concessionário age ‘em nome próprio’. (...) É indispensável – sem o quê não se caracterizaria a

concessão de serviço público – que o concessionário se remunere pela ‘exploração’ do próprio serviço

concedido. Isto, de regra, se faz, como indicado, ‘em geral’ e ‘basicamente’ pela percepção de tarifas

cobradas pelos usuários.”123

É possível ainda – e a lei prevê isso – que o contrato estabeleça, ao lado das tarifas, outras fontes

de receitas alternativas que auxiliem na diminuição do seu valor (princípio da modicidade das tarifas,

contemplado no art. 11 da Lei 8.987/95). Mas estas fontes hão de ser complementares ou acessórias,

jamais exclusivas, o que descaracterizaria completamente o instituto da concessão.

Por outro lado, apesar de a remuneração quase sempre se dar por meio de tarifas, isso nem sem-

pre assim acontece, havendo situações em que o concessionário vem a explorar o serviço de outra ma-

neira, tal como ocorre nas concessões de rádio e televisão (radiodifusão sonora ou de sons e imagens),

regidas por normas específicas (CF/88, art. 223), em que “o concessionário se remunera pela divulgação

de mensagens publicitárias cobradas dos anunciantes. Não se trata de tarifas e quem paga por isto não

será necessariamente um ‘usuário’. Mas há aí, igualmente, exploração do próprio serviço público conce-

dido”.124

Insiste-se neste ponto: se o serviço, por sua natureza, não puder ser explorado economica-

mente por conta e risco do prestador, não será passível de delegação por meio de concessão. E é

isso que leva Maria Sylvia a reputar imprópria a menção que a Lei 9074/95 faz “aos serviços de limpeza

urbana como sendo passíveis de concessão, já que se trata de atividade que não se presta a ser objeto

desse tipo de contrato, mas do contrato de prestação de serviços, remunerado pelos cofres públicos dire-

tamente e não pelo usuário, mediante pagamento de tarifa paga ao prestador do serviço. Ao contrário do

que ocorre na concessão, em que há relação trilateral (poder concedente, concessionário e usuário), na

prestação de serviço de limpeza urbana a relação é apenas bilateral, entre poder público e contratado”.125

Em suma, “não podem ser objeto de concessão os serviços uti universi, que são usufruídos apenas indi-

retamente pelo cidadão, como é o caso da limpeza pública”. “O que pode a Administração Pública fazer

é terceirizar a atividade, mediante contrato de prestação de serviço, em que a remuneração é paga pelo

poder público, com verbas provenientes de impostos”126

.

Por fim, a doutrina repudia a delegação de atividades com características típicas do poder

de polícia do Estado, por serem “atividades exclusivas, ou seja, aquelas que só o Estado pode prestar. O

que é possível, em termos de colaboração do particular, é a terceirização de determinadas atividades-

meio que não envolvam qualquer tipo de autoridade sobre o cidadão”.127

Vale dizer, é permitido apenas

que a Administração contrate uma empresa para lhe dar suporte técnico em atividade policial (ex: insta-

lação e manutenção de radares de velocidade para a fiscalização do trânsito); nunca, porém, para atuar

diretamente em tal atividade, muito menos sendo remunerada pela exploração desse serviço. Com efeito,

o STF, no julgamento da ADI 1717/DF128

, firmou posição no sentido de que o poder de polícia não é

passível de delegação a entes privados, somente podendo ser exercitado por pessoas jurídicas de direito

público.

123 MELLO, Curso..., cit. 124 Idem. 125 DI PIETRO, Parcerias..., cit. 126 Idem. 127 Ib idem. 128 Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 28/03/2002.

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

Na concessão de serviços públicos encontram-se as características gerais dos contratos adminis-

trativos, as quais serão estudadas no capítulo sobre as licitações e contratos. Contudo, o regime de con-

cessões contempla alguns aspectos específicos que as destacam dos demais contratos firmados pela

Administração.

A concessão de serviço público demanda sempre prévia licitação, não sendo possível haver con-

tratação direta por dispensa ou inexigibilidade. Com efeito, o art. 175 da CF/88 estabelece que a conces-

são ou permissão de serviço público ocorrerá "sempre através de licitação", sendo que na concessão a

licitação terá de ser na modalidade de concorrência (art. 2º, II, da Lei 8.987/95). Observe-se que o aludi-

do art. 175 da Carta Magna, que é específico para as concessões e permissões de serviço público, não

contém ressalva semelhante à prevista na norma geral do art. 37, XXI, da Constituição, que admite a

contratação direta nas situações de dispensa e inexigibilidade previstas em lei. O art. 14 da Lei 8.987/95,

por sua vez, dispõe que "toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pú-

blica, será objeto de prévia licitação". Ressalte-se que alguns autores admitem até ser possível ocorrer

hipótese de inexigibilidade na concessão (por inviabilidade de competição), porém nunca de dispensa.

Uma característica geral dos contratos administrativos está em que, havendo inadimplemento por

parte da Administração contratante, o particular contratado não poderá invocar de logo a exceptio non

adimpleti contractus (exceção de contrato não cumprido), dispondo a norma geral que ele haverá de

suportar até 90 dias de atraso nos pagamentos que lhe forem devidos (art.78, XV, da Lei 8.666/93). No

caso dos contratos de concessão, por força do princípio da continuidade do serviço público, a Lei

8.987/95 é ainda mais rigorosa ao prever que, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo

poder concedente, o concessionário somente poderá interromper ou paralisar o serviço quando houver

sentença transitada em julgado (art. 39, p. único).

Os atos dos concessionários sujeitam-se a mandado de segurança, pois se afiguram como atos

de autoridade no exercício de função administrativa delegada de atribuição originária do Poder Público

(CF, art.5o, LXIX). Todavia, assim o são somente os atos especificamente relacionados às normas de

regência do serviço público e que atinjam os usuários nesta condição. Atos referentes à mera gestão

empresarial (relação com empregados, fornecedores etc.) não se enquadram nesta categoria.

Ao concessionário de serviço público não se aplica a imunidade tributária prevista no art.150,

§3º, da CF/88, pois seu regime tributário é igual ao das empresas privadas, sendo que o gozo de isenções

legais dependeria expressamente de não haver agressão à isonomia, ou seja, justificativa absolutamente

pertinente, como, por exemplo, a exclusiva diminuição de tarifa.

Existe a possibilidade de intervenção na concessionária nos casos de inadequação ou descon-

tinuidade na prestação dos serviços. A intervenção, nos termos da Lei 8.987/95, deverá ser feita por

decreto do poder concedente indicando o motivo, designando-se um interventor, o prazo de intervenção

e os limites da medida, devendo ainda ser instaurado um procedimento administrativo. Duas alternativas

resultarão da intervenção: ou a devolução ao concessionário do objeto da concessão, com a respectiva

prestação de contas e compostos os prejuízos, ou, então, será possível extinguir-se a concessão, havendo,

nessa hipótese, a declaração de caducidade da concessão, assumindo o poder concedente o serviço, com

a encampação dos bens afetos à concessão.

A responsabilidade do concessionário é objetiva (CF/88, art.37, §6º e Lei 8.987/95, art.25),

sendo que alguns doutrinadores reconhecem ainda a responsabilidade subsidiária do Estado como con-

cedente do serviço público que lhe é afeto, ainda que o contrato ou a lei disponham em sentido contrá-

rio.129

É de se observar que a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) prevê expressamente a

responsabilidade objetiva dos órgãos públicos, das empresas concessionárias, permissionárias ou sob

129 MELLO, Curso..., cit.

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qualquer outra forma de empreendimento, como fornecedores de serviços (arts. 14 e 22). Mas esta res-

ponsabilidade administrativa somente diz respeito a fatos que estejam relacionados ao serviço delegado.

Outros fatos referentes à concessionária, mas que digam respeito à sua gestão interna (relacionamento

com empregados, fornecedores etc.), seguem as regras comuns de responsabilidade civil.

Os contratos de concessão contêm dois tipos de cláusulas: as cláusulas regulamentares, estabele-cidas unilateralmente pela Administração e que podem ser modificadas a qualquer tempo segundo o interesse público, e as cláusulas financeiras (ou simplesmente contratuais), relativas ao equilíbrio eco-nômico-financeiro do contrato, as quais não podem ser modificadas unilateralmente.

O concessionário tem direito à manutenção da equação econômico-financeira do contrato, do objeto contratual e à razoabilidade da remuneração. Tal equação diz respeito ao equilíbrio entre as obri-gações e a remuneração do concessionário, de forma a se assegurar a continuidade e a boa prestação do serviço público. Não significa que o concessionário não tenha de assumir os riscos que são inerentes a qualquer empreendimento comercial ou industrial. A garantia de equilíbrio contratual apenas assegura a manutenção da equação em caso de situações anômalas e imprevisíveis. Trata-se da chamada álea extra-ordinária, que pode ser de duas espécies: i) administrativa (alteração unilateral do contrato, fato do príncipe e fato da administração); ii) econômica (força maior e caso fortuito). Fora isso, o concessioná-rio, como qualquer empresário, há de assumir normalmente os riscos naturais da sua atividade econômi-ca (álea ordinária), contando apenas com a cláusula de reajuste tarifário, eventualmente prevista no contrato. Logo, enfatize-se, há riscos que o concessionário deve suportar sozinho.

Além das formas de extinção dos contratos administrativos em geral, os contratos de concessão de serviço público contêm certas peculiaridades previstas na sua lei de regência. A primeira delas é a chamada encampação, que é a retomada do serviço pelo poder concedente, antes de terminado o prazo da concessão, em decorrência da rescisão unilateral do contrato por motivo de interesse público, median-te lei autorizativa e prévio pagamento de indenização quando não houver culpa do concessionário.

No caso de descumprimento contratual pelo concessionário, a extinção se dá pela caducidade ou decadência (rescisão por culpa do contratado), hipótese em que a indenização não será devida, exceto no tocante aos bens ainda não amortizados. Sempre que extinta a concessão, ocorre a reversão, que é a incorporação dos bens da concessionária ao patrimônio do concedente, com a indenização dos bens eventualmente ainda não amortizados. A reversão, portanto, é uma conseqüência da extinção da conces-são, haja vista a afetação dos bens ao serviço público e a necessidade de sua plena continuidade.

A reversão equivale a uma desapropriação, porquanto o Poder Público adquire a propriedade de bens que antes eram da concessionária, mas que devem continuar afetados à continuidade do serviço público. Logo, salvo quando esses bens já tiverem sido amortizados no decorrer do contrato, a conces-sionária faz jus a uma prévia indenização. O STJ, todavia, tem entendido que o término da concessão por decurso do prazo de vigência previsto no contrato faz presumir que todos os bens já tenham sido devi-damente amortizados, de maneira que a extinção se consuma independente do pagamento de prévia indenização.

Confira-se o teor do seguinte julgado:

"I - O termo final do contrato de concessão de serviço público não está condicionado ao paga-mento prévio de eventual indenização referente a bens reversíveis não amortizados ou depreciados. II - Com o advento do termo contratual tem-se de rigor a reversão da concessão e a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, incluindo a ocupação e a utilização das instalações e dos bens reversí-veis. A Lei n. 8.987/95 não faz qualquer ressalva acerca da necessidade de indenização prévia de tais bens".

130

Este entendimento jurisprudencial tem sido alvo de críticas na doutrina.131

130 STJ, REsp. 1.059.137/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, julg. 14/10/2008. 131 V.g. JUSTEN FILHO, Curso..., cit.

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Conforme será visto no capítulo das licitações e contratos administrativos, todas as permissões,

tanto de serviços públicos, quanto de uso de bens públicos, sempre foram consideradas pela doutrina

como atos unilaterais da Administração, praticados em caráter precário e revogáveis a qualquer tempo.

Ocorre que, com o advento da CF/88, passou-se a tratar as permissões de serviços públicos como espé-

cies de contratos administrativos, haja vista a previsão constante do parágrafo único do artigo 175 da Lei

Maior, segundo a qual as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos firmam con-

tratos de caráter especial, mediante prévia licitação. A Lei 8.987/95, por sua vez, qualificou a permissão

de serviço público como um contrato de adesão, precário e unilateralmente revogável pela Administra-

ção (art. 40).

Ainda de acordo com a Lei 8.987/95, a concessão de serviços públicos somente pode ser celebra-

da com pessoa jurídica ou consórcio de empresas (art. 2º, II), enquanto a permissão de serviço público

pode ser celebrada com pessoa física ou jurídica (art. 2º, IV).

Alexandre de Aragão considera a permissão como modalidade de delegação de serviço público,

“apropriada quando os bens empregados na prestação do serviço público forem de valor diminuto, ou se,

ainda que possuam um valor considerável, tenham uma vida útil curta ou possam ser empregados pelo

particular em outras atividades econômicas que não constituam serviços públicos”.132

Mas, como adverte

o autor, “independentemente da nomenclatura adotada, se houver bens reversíveis a delegação não será

uma permissão, mas sim materialmente uma concessão”.133

São casos em que as permissões acabam se

revelando como típicos contratos de concessão, o que levou Maria Sylvia a alertar que “a forma pela

qual foi disciplinada a permissão (se é que se pode dizer que ela foi disciplinada) pode tornar bastante

problemática a utilização do instituto ou, pelo menos, possibilitar abusos, por ensejar o uso de meios

outros de licitação, que não a concorrência, sob pretexto de precariedade da delegação, em situações em

que essa precariedade não se justifique”.134

Na verdade, as características de ato unilateral e precário, que tradicionalmente sempre foram a-

tribuídas às permissões, serviriam melhor às autorizações de serviço público, figuras semelhantes às

autorizações discricionárias inerentes ao poder de polícia administrativo. Todavia, o legislador constitu-

inte, ao tratar da delegação de serviços públicos segundo a regra geral do art.175, somente fez referência

às concessões e permissões. A menção a autorizações apenas se deu em alguns dispositivos que tratam

especificamente de certos serviços públicos, a exemplo do art. 21, XI (telecomunicações) e XII (radiodi-

fusão, energia elétrica, navegação aérea, transporte coletivo). Também aparece em dispositivos infra-

constitucionais, tal como consta no art.7º da Lei 9.074/95.

Conciliando tais disposições, Celso Antônio entende que a regra geral do art.175 há de ser apli-

cada à normalidade da prestação de serviços públicos, ao passo que a autorização tratada nos incisos XI

e XII do art.21 diz respeito a duas espécies de situações: “a) uma, que corresponde a hipóteses em que

efetivamente há serviço de telecomunicação, como o de radioamador ou de interligação de empresas por

cabos de fibras óticas, mas não propriamente serviço público, mas serviço de interesse privado delas

próprias. Aí, então, a palavra ‘autorização’ foi usada no sentido corrente em Direito Administrativo para

exprimir o ato de ‘polícia administrativa’, que libera alguma conduta privada propriamente dita, mas

cujo exercício depende de manifestação administrativa aquiescente para verificação se com ela não

132 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos Serviços Públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 133 Idem. 134 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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haverá gravames ao interesse público; b) outra, a de abranger casos em que efetivamente está em pauta

um serviço público, mas se trata de resolver emergencialmente uma dada situação, até a adoção dos

convenientes procedimentos por força dos quais se outorga permissão ou concessão”.135

Vê-se que esta segunda hipótese mencionada pelo autor é, na verdade, a única que ele considera referente a serviço público, já que na primeira, como deixou claro, não são propriamente serviços públi-cos, mas sim serviços privados apenas materialmente semelhantes àqueles serviços públicos também tratados no art.21, XI e XII, porque não são desempenhados no interesse da coletividade. Logo, seu pensamento coincide com o de Hely Lopes, quando este se reporta aos serviços públicos autorizados tão-somente “para atender interesses coletivos instáveis ou emergência transitória”.

136

Alexandre de Aragão segue opinião semelhante, porém inova ao considerar a existência de uma

espécie de autorização contratual, isto é, uma “autorização” apenas no nome, porque na verdade se trata

substancialmente de concessão ou permissão. Esclarece que “quando leis que regulam setores de servi-

ços públicos se referem à autorização administrativa pode haver duas circunstâncias: ou a atividade em

questão integra o setor, mas não é serviço público (ex.: serviços de telefonia móvel, autogeração de

energia), e a autorização será então um ato do poder de polícia; ou, caso verse realmente sobre serviço

público, recebendo inclusive uma estrutura contratual em razão da titularidade estatal da atividade, esta-

remos materialmente diante não de uma autorização, mas sim de uma delegação de serviço público

(concessão caso haja bens reversíveis, e, caso não os haja, em princípio permissão). Teremos, portanto,

uma autorização em sentido apenas nominal; teremos uma ‘autorização’ contratual”.137

Apesar de entender que a autorização é um instituto próprio para as atividades privadas, Marçal

Justen também reconhece haver autorização de serviços públicos em hipóteses excepcionais, ressaltando

que “a situação é apontada por Lúcia Valle Figueiredo, nos casos de serviços públicos ‘emergenciais’,

‘não constantes’, e cita como exemplo ‘a autorização que vier a ser dada para, durante greves, empresas

de turismo prestarem serviços de transporte à população’, demonstrando que a autorização requer um

acontecimento relevante, ‘sem natureza constante, cuja necessidade absolutamente aleatória ou passagei-

ra’. Carmen Lúcia Antunes Rocha adota entendimento similar, fundando-se no Decreto n. 952/93, que

prevê a autorização como instrumento de delegação ocasional, com prazo limitado e, usualmente, curto,

para prestação de serviços em situação de emergência ou especialidade”.138

Outros autores, porém, recusam veementemente a existência da autorização de serviço público, reservando a figura da autorização apenas para o campo do poder de polícia. Para estes, a delegação de serviço público somente pode ser feita por concessão ou por permissão.

Assim pensa José dos Santos, ao considerar “inaceitável a noção dos denominados serviços pú-blicos autorizados. A atividade, quando for autorizada, há de refletir interesse exclusivo ou predominan-te de seu titular, ou seja, haverá na atividade autorizada interesse meramente privado, ainda que traga alguma comodidade a um grupo de pessoas. Na prática, existem certas atividades que encerram alguma dúvida sobre se devem ser consideradas serviços de utilidade pública ou atividades de mero interesse privado, dada a dificuldade em se apontar a linha demarcatória entre ambos. Há mesmo atividades que nascem como de interesse privado e, ao desenvolver-se, passam a caracterizar-se como serviços públi-cos. A atividade de transporte de passageiros, por exemplo, às vezes suscita dúvida, e isso porque há serviços públicos e serviços privados de transporte de pessoas. É o caso das vans que conduzem morado-res para residências situadas em local de mais difícil acesso em morros. Ou ainda o serviço de táxis. Trata-se, em nosso entender, de atividades privadas e, por isso mesmo, suscetíveis de autorização. E, sendo autorização, não será realmente para nenhum serviço público, já que este se configura com objeto de permissão”.

139

135 MELLO, Curso..., cit. 136 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 137 ARAGÃO, Direito dos Serviços Públicos, cit. 138 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 139 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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Necessário um esclarecimento preliminar sobre o significado de “parceria” para o Direito Admi-nistrativo brasileiro.

Empregado num sentido bem amplo, o termo tem sido utilizado pela doutrina para abarcar as mais diversas situações em que a Administração Pública conta com o apoio ou colaboração de entidades particulares ou públicas, no desempenho de tarefas de interesse da coletividade ou da própria Adminis-tração, com ou sem remuneração.

Nesse sentido largo, o ordenamento brasileiro contempla um grande número de “parceiros” ad-ministrativos, tais como:

→ Administrações Públicas de distintos entes federados, ao firmarem consórcios públicos ou convênios de cooperação, como previsto no art. 241 da CF/88, possibilitando uma gestão associ-ada de serviços públicos (o que a doutrina chama de cooperação federativa ou federalismo de cooperação

140);

→ Administrações Públicas pertencentes a um mesmo ente federado, ao firmarem ajustes para ampliação de autonomias, na forma do art. 37, §8º, da CF/88 (que alguns chamam de contratos de gestão internos ou endógenos, ou, ainda, acordos administrativos organizatórios

141);

→ Administração Pública e entidade privada, ao firmarem ajustes para desempenho de atividades de utilidade pública, sem fins lucrativos, tais como as OS, as OSCIPS e outros entes do terceiro setor (contratos de gestão externos ou exógenos, também chamados de acordos administrativos colaborativos

142).

→ Administração Pública e entidade privada, ao firmarem os mais diversos contratos administra-tivos para a execução de serviços ou obras, fornecimento de bens, assim como para a delegação de serviços ou obras públicas, aí incluídos os contratos de parceria público-privada.

E é com vista a essa ampla concepção que Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta já existirem vá-rios instrumentos de parceria no nosso direito positivo, a saber: “(a) a concessão e a permissão de servi-ços públicos, tal como disciplinadas pela Lei n. 8987/95; (b) a concessão de obra pública regulada pela mesma Lei n. 8987/95; (c) a concessão patrocinada e a concessão administrativa, englobadas sob o título de parcerias público-privadas na Lei n. 11.079/2004; (d) o contrato de gestão, como instrumento de parceria com as organizações sociais de que trata a Lei n. 9.637/98; (e) o termo de parceria com as organizações da sociedade civil de interesse público, regido pela Lei n. 9790/99; (f) os convênios, con-sórcios e outros ajustes referidos no artigo 116 da Lei n. 8.666/93; (g) os contratos de empreitada (de obras e serviços), disciplinados pela Lei n. 8.666/93; (h) os contratos de fornecimento de mão de obra que, embora sem fundamento legal, constituem uma realidade na Administração Pública dos três níveis de governo”.

143

Num sentido mais restrito, porém, entendemos ser preferível empregar o termo para enfocar ape-nas os ajustes sem fins lucrativos voltados para a realização de objetivos comuns dos parceiros e em prol do interesse público. Essa é a verdadeira “parceria”, por assim dizer. Ficariam aí excluídos os contratos administrativos e os de delegação de obras ou serviços públicos remunerados.

Ironicamente, as parceiras público-privadas, tal como previstas na legislação brasileira (Lei 11.079/2004) – que, conforme se verá no próximo tópico, qualificou-as como espécies de contratos de

140 Carvalho Filho. Manual..., cit. 141 Gustavo Justino de Oliveira. Contratos de gestão. São Paulo: RT. 142 Idem. 143 Parcerias..., cit.

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concessão – não deveriam ser consideradas propriamente como “parcerias” (em sentido estrito), pois nas PPPs o interesse do contratante privado está centrado na remuneração que haverá de receber com a sua participação no ajuste. O são, porém, no sentido amplo acima referido.

Esse enfoque legalmente mais limitado não passou desapercebido por Juarez Freitas, ao salientar que “doutrinariamente pode-se cogitar de parcerias administrativas em sentido amplo – englobando toda e qualquer vinculação do Poder Público com particulares, colimando benefícios mútuos. Contudo, as parcerias público-privadas, em sentido legal, são apenas as ‘concessões’, assim denominadas por opção política do legislador”.

144

Por outro lado, registre-se haver corrente minoritária que, em sentido diametralmente oposto ao antes referido, vale-se de outra concepção estrita para o termo “parceria”, empregando-o para as relações associativas que se formam em torno de um empreendimento econômico.

145

Dentro do contexto do modelo administrativo gerencial, surgiram recentemente no Brasil normas jurídicas tratando da parceria público-privada, modalidade especial de concessão que teve origem na Inglaterra há cerca de trinta anos. O instituto também foi adotado com sucesso em países como Portugal, Irlanda e Espanha.

Seguindo a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e con-tratos administrativos (CF/88, art.22, XXVII), foi editada a Lei 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. Os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios somente poderão instituir normas específicas sobre a maté-ria.

Nos termos do art.2º da Lei 11.079/2004, a PPP é um contrato administrativo de concessão, que pode ocorrer sob duas modalidades:

• concessão patrocinada – é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado;

• concessão administrativa – é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pú-blica seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

Como destaca Diógenes Gasparini, “o objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma de parcerias com o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras seguras e melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na consecução do interesse público que, em termos de eficiência, com raras exceções, carece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração Pública deseja aproveitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez contratada, pois livre de certas peias burocráticas”.

146

Apesar do nome “parceria”, trata-se de contrato administrativo propriamente dito, porquanto traz em seu bojo interesses contrapostos da Administração (que visa a eficiente prestação de serviços públi-cos) e do parceiro privado (que visa de algum modo lucrar com o empreendimento), razão pela qual José

144 Parcerias Público-Privadas (PPPs): Natureza Jurídica. In: José Eduardo Martins Cardozo, João Eduardo Lopes Queiroz, Márcia Walquiria Batista dos Santos (coord.). Direito Administrativo Econômico, cit. 145 Cf. Diogo de Figueiredo Moreiro Neto. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense. 146 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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dos Santos defende que a correta denominação deveria ser contrato de concessão especial de serviços públicos

147

As PPPs na modalidade de concessão patrocinada se distinguem das concessões comuns basica-mente porque elas envolvem necessária contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Portanto, são destinadas sobretudos a áreas de atuação estatal em que não seja viável a explora-ção econômica remunerada exclusivamente por meio de tarifas pagas pelos usuários. Por sua vez, as PPPs na modalidade de concessão administrativa distinguem-se dos contratos administrativos de presta-ção se serviço regidos pela Lei 8.666, haja vista os altos investimentos que devem ser feitos pelo parcei-ro privado e amortizados ao longo do contrato.

Consoante previsto na Lei 11.079/2004, a contraprestação da Administração Pública nos contra-tos de parceria público-privada poderá ser feita por: I) ordem bancária; II) cessão de créditos não tributá-rios; III) outorga de direitos em face da Administração Pública; IV) outorga de direitos sobre bens públi-cos dominicais; V) outros meios admitidos em lei. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato. A contraprestação da Administração Pública será obrigatoriamen-te precedida da disponibilização do serviço objeto do contrato de parceira público-privada.

A lei veda a celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a vinte milhões de reais, cujo período de prestação de serviço seja inferior a cinco anos ou que tenha como objeto único o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execu-ção de obra pública. O prazo de vigência da parceria público-privada deve ser compatível com a amorti-zação dos investimentos realizados e varia de cinco a trinta e cinco anos, incluindo eventual prorrogação. A licitação que deve preceder ao contrato será na modalidade de concorrência.

Para implantar e gerir o objeto da parceria, deve ser constituída uma sociedade de propósito es-pecífico, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negoci-ação no mercado. A lei contém ainda norma expressa no sentido de que, na PPP, não poderá ocorrer a delegação de funções exclusivas do Estado, tais como funções de regulação, de jurisdição ou de exercí-cio do poder de polícia.

À guisa de se destacar os regimes aplicáveis às diferentes categorias de contratos administrativos, o art. 3º da Lei 11.079/2004 assim dispôs:

→ As concessões administrativas regem-se pela Lei 11.079/2004, aplicando-se-lhes adicional-mente o disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei 8.987/95 e no art. 31 da Lei 9.074/95.

→ As concessões patrocinadas regem-se pela Lei 11.079/2004, aplicando-se-lhes subsidiaria-mente o disposto na Lei 8.987/95 e nas leis que lhe são correlatas.

→ As concessões comuns continuam regidas pela Lei 8.987/95 e pelas leis que lhe são correlatas, não se lhes aplicando o disposto na Lei 11.079/2004.

→ Os contratos administrativos que não caracterizem concessão comum, patrocinada ou admi-nistrativa continuam regidos exclusivamente pela Lei 8.666/93 e pelas leis que lhe são correlatas.

Convênios são "ajustes firmados por pessoas administrativas entre si, ou entre essas e entidades

particulares, com vistas a ser alcançado determinado objetivo de interesse público".148

Os participantes

147 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 148 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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de um convênio possuem interesses paralelos e comuns, e o seu intuito fundamental não é o lucro, mas,

sim, a cooperação.

Quando os convênios são firmados entre órgãos ou entidades públicas, não há maiores dúvidas

de que pode haver delegação de serviço público. Todavia, em se tratando de convênio firmado entre a

entidade pública e um particular, a doutrina majoritária entende que não poderia haver propriamente

delegação de serviço público, o que somente é possível mediante contratos de concessão ou permissão,

nos estritos termos do art. 175 da CF/88.

Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “quanto ao convênio entre entidades públicas e parti-

culares, ele não é possível como forma de delegação de serviços públicos, mas como modalidade de

fomento. É normalmente utilizado quando o Poder Público quer incentivar a iniciativa privada de inte-

resse público. Ao invés de o Estado desempenhar, ele mesmo, determinada atividade, opta por incentivar

ou auxiliar o particular que queira fazê-lo, por meio de auxílios financeiros ou subvenções, financiamen-

tos, favores fiscais etc. A forma usual de concretizar esse incentivo é o convênio. O convênio não se

presta à delegação de serviço público ao particular, porque essa delegação é incompatível com a própria

natureza do ajuste; na delegação ocorre a transferência de atividade de uma pessoa para outra que não a

possui; no convênio, pressupõe-se que as duas pessoas têm competências comuns e vão prestar mútua

colaboração para atingir seus objetivos”.149

Ressalte-se, todavia, haver controvérsia na doutrina, despontando corrente minoritária que admite

a delegação de alguns serviços públicos não exclusivos do Estado, como acontece nos convênios firma-

dos no âmbito do SUS, previstos especificamente no art. 199, §1º, da CF/88.

A Constituição Federal de 1988, ao mesmo tempo em dispõe ser “garantido o direito de proprie-

dade” (art. 5º, XXII), estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social” (inc. XXIII) e que

“a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por

interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta

Constituição” (art. 5º, XXIX). Consta ainda, no art.170 da Carta Magna, que a ordem econômica obser-

vará, dentre outros princípios, o da propriedade privada (inc. II) e da função social da propriedade (inc.

III).

O Novo Código Civil (Lei 10.406/2002), seguindo esses vetores constitucionais, preceitua que

“o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e

sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora,

a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evita-

da a poluição do ar e das águas” (art. 1228, §1º). Portanto, leis especiais poderão prever condiciona-

mentos e restrições necessárias a que se dê cumprimento à função social da propriedade.

Em síntese, com fundamento na Constituição, a intervenção do Estado na propriedade é “toda e

qualquer atividade estatal que, amparada em lei, tenha por fim ajustá-la aos inúmeros fatores exigidos

149 DI PIETRO, Parcerias..., cit.

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pela função social a que está condicionada”.150

Como modalidades de intervenção do Estado na proprie-

dade, a doutrina aponta as seguintes: limitação administrativa, servidão administrativa, tombamento,

ocupação temporária, requisição administrativa e desapropriação.

Segundo Hely Lopes, “limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de

ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do

bem-estar social”.151

Limitações dessa natureza se traduzem como meros condicionamentos, os quais, portanto, já in-

tegram as balizas do direito de propriedade, tal como disposto na lei. Vale dizer, apenas conformando o

perfil interno do próprio direito, não são restrições extrínsecas modificadoras do regime jurídico da

propriedade.

Advertindo que “não se deve confundir liberdade e propriedade com direito de liberdade e direi-

to de propriedade”, Celso Antônio, com amparo na observação de Alessi, salienta que as limitações

administrativas ao direito de liberdade e ao direito de propriedade “simplesmente integram o desenho do

próprio perfil do direito. São elas, na verdade, a fisionomia normativa dele”, de maneira que “as limita-

ções ao exercício da liberdade e da propriedade correspondem à configuração de sua área de manifesta-

ção legítima, isto é, da esfera jurídica da liberdade e da propriedade tuteladas pelo sistema. É precisa-

mente esta a razão pela qual as chamadas limitações administrativas à propriedade não são indenizá-

veis. Posto que através de tais medidas de polícia não há interferência onerosa a um direito, mas tão-só

definição que giza suas fronteiras, inexiste o gravame que abriria ensanchas a uma obrigação pública de

reparar”.152

Consistindo em “forma suave de intervenção na propriedade”153

, as limitações administrativas

podem se manifestar como obrigações de fazer (facere), não-fazer (non facere) ou de suportar (pati), isto

é, “obrigações positivas, negativas ou permissivas”154

. Terão sempre caráter geral, porque não atingem

imóveis específicos, mas, sim, um grupamento de propriedades em que é dispensável a identificação,

decorrendo daí a indeterminabilidade acerca do universo de destinatários e de propriedades por elas

atingidas.155

São exemplos de limitações administrativas a obrigação de promover a limpeza de terrenos,

o parcelamento ou edificação compulsória, a proibição de construir além de determinado número de

pavimentos (gabarito), a permissão de vistorias em elevadores de edifícios e ingresso de agentes para

fins de vigilância sanitária, o recuo obrigatório da construção em relação à testada do lote, a proibição de

desmatamento em parte da área florestada etc.

Podem ser instituídas por todos os entes da Federação, observadas as suas respectivas competên-

cias legislativas e áreas de atuação do poder de polícia. E, por se tratar de intervenção branda na proprie-

dade, prevista diretamente na lei e com alcance geral, a obediência à limitação em regra pode ser impos-

ta pela Administração, sem necessidade de prévia ordem judicial (auto-executoriedade).

Dado o seu caráter público, as limitações administrativas não se confundem com outros condi-

cionamentos de caráter privado também previstos no ordenamento da propriedade.

Deveras, a propriedade privada está sujeita a diversas limitações de caráter privado e de caráter

público. As limitações de caráter privado, tratadas no Direito Civil, decorrem de um conjunto de normas

150 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 151 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 152 MELLO, Curso..., cit. 153 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 154 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 155 Idem.

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que consubstanciam o chamado direito de vizinhança, regulando direitos e obrigações entre particulares,

no exclusivo interesse desses. Por conseguinte, todos os interesses afetados são disponíveis, de modo

que, se o prejudicado não se opuser, o proprietário poderá continuar exercendo ainda que de maneira

inconveniente.

Já as limitações de caráter público aqui estudadas (limitações administrativas) têm em mira o in-

teresse coletivo, razão pela qual são consideradas imperativas e indisponíveis. Diogo de Figueiredo

explica que, “a finalidade da limitação, como instituto de Direito Público, é a proteção de um interesse

público de segurança, salubridade e estética das construções e dos conjuntos urbanos, sendo impossível,

dada sua imperatividade, qualquer transigência com os valores que resguarda, ao passo que a finalidade

da restrição de vizinhança, como instituto de Direito Privado, é norma de coordenação de interesses

entre vizinhos, evitando que se conflitem, sendo, por isto, disponíveis mediante transação privada; acres-

ce que a limitação pode ser importa por lei ou ato administrativo normativo, ao passo que a restrição de

vizinhança é instituto de direito civil e só pode ser estabelecida por lei federal”.156

Pelo seu caráter geral, em regra as limitações administrativas são gratuitas, isto é, não geram di-reito de indenização ao proprietário por elas atingido. Como efeito, “as normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade, abrangem quantidade indetermi-nada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta. É mister salientar, por fim, que inexiste causa jurídi-ca para qualquer tipo de indenização a ser paga pelo Poder Público. Não incide, por conseguinte, a res-ponsabilidade civil do Estado geradora do dever indenizatório, a não ser que, a pretexto de impor limita-ções gerais, o Estado cause prejuízo a determinados proprietários em virtude de conduta administrativa. Aí sim, haverá vício na conduta e ao Estado será imputada a devida responsabilidade, na forma do que dispõe o art.37, §6º, da Constituição Federal”.

157 No mesmo diapasão, Diogo de Figueiredo salienta que

“a sua universalidade, que vem a ser a sua aplicabilidade uniforme, sobre propriedades ou atividades de uma mesma classe, garante-lhe a gratuidade, uma vez que o sacrifício limitatório é imposto a todos, na mesma medida, sem exceção, bem como a generalidade da incidência sobre relações jurídicas indeter-minadas, determináveis apenas quando da aplicação. Justifica-se, ainda, a gratuidade, porque os benefí-cios gerais, que decorrerem da limitação, alcançarão e beneficiarão a todos por igual”.

158

Tal gratuidade deve-se ao fato de que as limitações administrativas figuram como formas suaves de intervenção na propriedade, vale dizer, apenas delimitando razoavelmente o âmbito de exercício do direito de propriedade, segundo o interesse público. Com isso, tem-se que jamais se poderá, por meio de uma limitação administrativa, impor-se um ônus que praticamente aniquile o direito de propriedade. Diógenes Gasparini faz essa advertência ao salientar que “a limitação administrativa não pode promover o aniquilamento da propriedade, isto é, a total impossibilidade de sua adequada utilização econômica. Assim, se o proprietário de imóvel for impedido, na zona de preservação ambiental permanente, de retirar a vegetação nativa, seja da espécie que for, é evidente que essa imposição retira qualquer possibi-lidade de utilização da propriedade”.

159 Se o interesse público justificar a intervenção mais gravosa ao

proprietário, deve o Estado valer-se dos institutos da servidão administrativa ou da desapropriação, conforme a hipótese, indenizando o proprietário.

Registre-se, por outro lado, que o STJ em alguns casos tem reconhecido a possibilidade de inde-nização quando lei posterior vem a prever limitações administrativas mais extensas do que as até então existentes, redesenhando o perfil jurídico da propriedade e causando prejuízo concreto ao proprietário, desde que o dano seja alegado por quem já havia adquirido a propriedade antes da mudança legislativa. De fato, há diversos julgados afastando o direito à indenização quando a aquisição da propriedade já se deu sob égide da nova legislação, o que leva a admitir possam ser indenizados antigos proprietários

156 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 157 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 158 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 159 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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prejudicados. Esse posicionamento se coaduna com precedentes do STF, no sentido de que "se a restri-ção ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relati-vo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público”.

160

Em suma, pode-se assim resumir as características da limitação administrativa:

• universalidade: impõe restrições suportadas por todos e em benefícios de todos, as quais inte-gram o próprio conteúdo do direito de propriedade.

• caráter geral: instituída diretamente por lei abstrata, que se aplica a um número indefinido de situações, atingindo proprietários indeterminados. Não visa atingir imóveis específicos.

• imperatividade e indisponibilidade: independem da anuência dos proprietários e não podem ser objeto de transação.

• proporcionalidade: não pode aniquilar o direito de propriedade.

• gratuidade: em regra, não são indenizáveis, salvo se demonstrado prejuízo concreto por quem já era proprietário antes do advento da lei instituidora da limitação.

• auto-executoriedade: tratando-se de um dever geral previsto em lei, o proprietário pode ser materialmente compelido pela Administração a respeitá-lo (poder de polícia), sem necessidade de prévia ordem judicial nesse sentido.

Servidão administrativa "é ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particu-

lar, para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, medi-

ante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário”.161

Por força desta servidão, o

particular transfere ao Poder Público, por tempo indeterminado, uma das faculdades de uso de sua pro-

priedade, em prol do atendimento de serviço público e, em regra, mediante indenização proporcional ao

efetivo prejuízo sofrido.

Revela-se, assim, como uma espécie de desapropriação parcial, pois, apesar de não retirar a pro-

priedade, exclui do proprietário alguns direitos de uso sobre a mesma, daí porque o instituto é tratado na

mesma legislação geral que trata das desapropriações. Segundo o art. 40 do Decreto-lei 3365/41, “o

expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta Lei”. Daí porque a consti-

tuição de servidões deve seguir os mesmos parâmetros procedimentais adotados na desapropriação, tais

como a necessidade de prévio ato de declaração de utilidade pública, de ação judicial em caso de resis-

tência do proprietário, de prévia indenização etc., conforme será ainda abordado em tópico posterior

desse capítulo.

Maria Sylvia cita os seguintes elementos de definição da servidão administrativa: “1. direito real

de gozo; 2. natureza pública; 3. coisa serviente: imóvel de propriedade alheia; 4. Coisa dominante: um

serviço público ou um bem afetado a fins de utilidade pública; 5. o titular do direito real é o Poder Públi-

co (União, Estados, Municípios, Distrito Federal, Territórios) ou seus delegados (pessoas jurídicas pú-

blicas ou privadas autorizadas por lei ou por contrato); 6. finalidade pública; 7. exigência de autorização

legal”.162

160 STF, RE 140436, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 06/08/1999. 161 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 162 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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As servidões costumam recair sobre bens imóveis, mas há autores que reconhecem servidões in-

cidentes sobre bens móveis e até mesmo sobre serviços, o que tem sido objeto de críticas doutrinárias.163

Prevalece, assim, o entendimento que restringe a servidão apenas a bens imóveis.

As servidões administrativas distinguem-se das servidões privadas, pois “enquanto as servi-

dões administrativas se constituem por razões de interesse público, as servidões privadas, ao contrário,

buscam obter ou outorgar um benefício para uma pessoa, atendendo, em conseqüência, tão somente às

exigências desse interesse privado”.164

A distinção segue aqui a mesma lógica da diferenciação apontada

no tópico anterior, quando confrontamos as limitações administrativas com as limitações de vizinhança.

Outrossim, as servidões administrativas distinguem-se das limitações administrativas, pois, ao

contrário destas, na servidão há um verdadeiro sacrifício do direito de propriedade, ainda que parcial.

Na lição de Celso Antônio, “enquanto, por meio das limitações, o uso da propriedade ou da li-

berdade é condicionado pela Administração para que se mantenha dentro da esfera correspondente ao

desenho legal do direito, na servidão há um verdadeiro sacrifício, conquanto parcial, do direito. Ou seja:

a compostura do direito, legalmente definida, vem a sofrer uma compressão em nome do interesse públi-

co a ser extraído do bem sujeito à servidão”.165

Para Gasparini, “essencialmente diferem quanto à natureza (a servidão administrativa é ônus re-

al, e a limitação administrativa constitui obrigação pessoal), à indenização (a servidão administrativa

pode ser indenizada, enquanto a limitação administrativa é inindenizável) e à abrangência (a servidão

administrativa recai sobre propriedade certa e determinada – é, portanto, individualizada -, o mesmo não

ocorrendo com a limitação administrativa, que incide sobre todas as propriedades)”.166

Em síntese, se a restrição ao direito de propriedade decorre de uma norma abstrata da lei, de al-

cance geral a um número indeterminado de bens, está-se diante de uma limitação administrativa, o que,

em regra, não dá direito de indenização ao proprietário afetado. Já se a restrição decorre de uma atuação

específica do Poder Público, que atinge bens determinados e individualizáveis, está-se diante de uma

servidão administrativa. Nesse caso, o proprietário poderá ter direito a uma indenização, pois está sendo

individualmente sacrificado em prol da coletividade (princípio da solidariedade social, também chama-

do de princípio da repartição dos encargos sociais).

A indenização, nesse caso, “há que corresponder ao efetivo prejuízo causado ao imóvel, segundo

sua normal destinação. Se a servidão não prejudica a utilização do bem, nada há que indenizar; se a

prejudica, o pagamento deverá corresponder ao efetivo prejuízo, chegando, mesmo, a transformar-se em

desapropriação indireta com indenização total da propriedade, se a inutilizou para sua exploração eco-

nômica normal”.167

Vale dizer, a servidão administrativa será normalmente onerosa, mas há casos em

que, não detectado qualquer prejuízo sensível ao proprietário, será gratuita, aproximando, nesse particu-

lar, do mesmo regime das limitações administrativas.

Deveras, “algumas vezes as servidões administrativas são suportadas pelos particulares ou pelo

Poder Público sem qualquer indenização, dado que sua instituição não lhes causa qualquer dano, nem

lhes impede o uso normal da propriedade, como ocorre com a colocação de placa de denominação de rua

ou de gancho para sustentar fios da rede de energia elétrica dos trólebus em parede de prédio situado em

certos cruzamentos, e com a colocação de postes nas calçadas por concessionárias de serviço público”.168

Quanto à forma de constituição, a doutrina classifica as servidões administrativas em três moda-

lidades: legal, convencional e judicial.

163 CARVALHO FILHO, Manual.., cit. 164 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva. 165 MELLO, Curso..., cit. 166 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 167 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 168 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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Na servidão administrativa legal, o ônus decorre diretamente da lei, independendo de qualquer

ato constitutivo posterior. Apesar de serem semelhantes às limitações administrativas, as servidões ad-

ministrativas ex lege somente atingem determinados imóveis em condições específicas, como, por e-

xemplo, a servidão sobre terrenos marginais e a servidão de aqueduto (Código de Águas – Decreto

24643/34), a servidão sobre fontes de água mineral, termal ou gasosa e dos recursos hídricos (Código de

Água Mineral – Decreto-lei 7841/45), a servidão sobre prédios vizinhos de obras ou imóvel pertencente

ao patrimônio histórico e artístico nacional (Decreto-lei 25/37), a servidão em torno de fortificações

militares (Decreto-lei 3437/41), a servidão de energia elétrica (Decreto 35851/54).

Alguns autores entendem que, havendo previsão legal, a hipótese seria de limitação administrati-

va e não de servidão administrativa, até porque, em regra, não caberá indenização em tais casos. Assim

pensa José dos Santos, para quem as chamadas servidões legais não passariam de limitações genéricas à

propriedade, possibilitando que o Poder Público exerça seu poder de polícia169

. Outro é o posicionamen-

to de Celso Antônio, ao considerar que “se a propriedade é atingida por um ato específico imposto pela

Administração, embora calcada em lei, a hipótese é de servidão, porque as limitações administrativas à

propriedade são sempre genéricas. Se a propriedade é afetada por uma disposição genérica e abstrata,

pode ou não ser o caso de servidão. Será limitação, e não servidão, se impuser apenas um dever de abs-

tenção: um non facere. Será servidão se impuser um pati: obrigação de suportar”.170

Na servidão administrativa convencional, o Poder Público declara o imóvel como sendo de uti-

lidade pública, contando com a anuência do seu proprietário. Tal modalidade “decorre de acordo entre o

proprietário e o Poder Público. Depois de declarar a necessidade pública de instituir a servidão, o Estado

consegue o assentimento do proprietário para usar a propriedade deste com o fim já especificado no

decreto do Chefe do Poder Executivo, no qual foi declarada a referida necessidade. Nesse caso, as partes

devem celebrar acordo formal por escritura pública, para fins de subseqüente registro do direito real”.171

A servidão administrativa judicial ocorrerá quando, após a declaração de utilidade pública, não

houver acordo, seguindo-se então o procedimento idêntico ao da desapropriação, conforme já dito ante-

riormente com esteio na norma do art. 40 do Decreto-lei 3665/41.

A servidão administrativa legal não demanda a efetivação de registro público, eis que é a própria

lei que dá publicidade à restrição. Já quando se tratar de servidão administrativa convencional ou judici-

al, faz-se necessária a inscrição no respectivo registro do imóvel. A jurisprudência tem entendido que

pode ser dispensável o registro público quando a servidão for aparente (Súmula 415 do STF).

A constituição de servidão administrativa deve seguir os mesmos parâmetros procedimentais a-

dotados na desapropriação, tais como a necessidade de prévio ato de declaração de utilidade pública, de

ação judicial em caso de resistência do proprietário, de prévia indenização etc. Portanto, é preciso haver

um ato declaratório expedido pelo ente público antes de dar início à fase executória, notificando-se o

proprietário a dizer se aceita ou não o preço oferecido. Tal como acontece na desapropriação, a indeni-

zação decorrente de servidão administrativa deverá ser prévia, compensando-se o proprietário pelos

prejuízos que passará a suportar em decorrência da restrição ao seu direito de propriedade. Os parâme-

tros de cálculo hão se seguir em linhas gerais os mesmos critérios utilizados na desapropriação, inclusive

quanto a juros compensatórios caso tenha o Poder Público, em razão de urgência, efetivado a imissão na

posse antes do pagamento integral da indenização (Súmula 56 do STJ).

É juridicamente possível que um ente federativo institua servidão administrativa sobre bem per-

tencente a outro ente da mesma natureza. Com efeito, isso é possível até mesmo para fins de desapropri-

ação, consoante o permissivo do art. 2º, §2º, do DL 3.365/41: “os bens de domínio dos Estados, Municí-

pios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos

169 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 170 MELLO, Curso..., cit. 171 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa”. Logo, se é possível

fazer o mais, desapropriando um bem público, é possível fazer o menos, apenas instituindo uma servidão

quando esta seja suficiente a satisfazer o interesse público defendido pelo ente federativo instituidor.

Seguindo a servidão administrativa o mesmo procedimento da desapropriação (art. 40 do DL 3.365/41),

a doutrina tem entendido que deve ser respeitada a mesma gradação prevista no art. 2º, §2º, valendo

transcrever a opinião de José dos Santos Carvalho Filho, segundo a qual, "à semelhança do que ocorre

com a desapropriação, é de aplicar-se às servidões administrativas o princípio da hierarquia federativa:

não pode um Município instituir servidão sobre imóveis estaduais ou federais, nem pode o Estado fazê-

lo em relação aos bens da União. A recíproca, porém, não é verdadeira: a União pode fazê-lo em relação

a bens estaduais e municipais, e o Estado, em relação a bens do Município. Neste caso, contudo, deve

haver autorização legislativa, como o exige o art. 2º, §2º".172

Mas não seria absurdo compreender que,

inexistindo perda da propriedade por força da servidão administrativa, desnecessária parece a observân-

cia da referida gradação entre as entidades federadas, a exemplo do que acontece com o tombamento,

conforme precedente do STJ: “Como o tombamento não implica em transferência da propriedade, ine-

xiste a limitação constante do art.2º, §2º, do DL 3365/1941, que proíbe o Município de desapropriar bem

do Estado”.173

Saliente-se que a servidão não pode aniquilar o direito de propriedade. Se a intervenção na pro-

priedade for em elevado grau, que acabe por impedir qualquer utilização razoável pelo proprietário, deve

o Poder Público valer-se da desapropriação. Uma servidão que, na prática, gere aniquilação da proprie-

dade será equivalente a uma desapropriação indireta.

Como adverte Maria Sylvia, “às vezes, a Administração não se apossa diretamente do bem, mas

lhe impõe limitações ou servidões que impedem totalmente o proprietário de exercer sobre o imóvel os

poderes inerentes ao domínio; neste caso, também se caracterizará a desapropriação indireta, já que as

limitações e servidões somente podem, licitamente, afetar em parte o direito de propriedade”.174

A autora cita ainda as seguintes causas extintivas das servidões administrativas: “1. a perda da

coisa; 2. a transformação da coisa por fato que a torne incompatível com seu destino; 3. a desafetação da

coisa dominante; 4. a incorporação do imóvel serviente ao patrimônio público”.175

Por fim, caso o proprietário crie algum embaraço à servidão administrativa, poderá a Administra-

ção Pública adotar medidas judiciais visando a desapropriação do bem serviente.

Pode-se assim resumir as características da servidão administrativa:

• individualidade: impõe restrições que recaem sobre determinadas propriedades.

• caráter concreto: é constituído mediante ato administrativo especificador, com base na lei, ha-

vendo, contudo, autores que admitem tal constituição diretamente por lei.

• atinge proprietários determinados: refere-se a imóveis específicos em razão de sua situação.

• impõe sacrifício anômalo: a restrição dela decorrente não integra o perfil jurídico do direito de

propriedade, é algo que vai além dos condicionamentos ordinários que todo proprietário tem de

respeitar.

• proporcionalidade: não pode aniquilar o direito de propriedade, sob pena de se configurar uma

desapropriação indireta.

172 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 173 STJ, REsp. 18952, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 30/5/2005. 174 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 175 Idem.

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• onerosidade: em regra, é indenizável, na proporção dos prejuízos suportados, mas há casos em

que não há o que indenizar.

• não comporta auto-executoriedade: em caso de resistência do proprietário, não pode ser im-

posta à força diretamente pela Administração, dependendo de ordem judicial segundo os mesmos

moldes do procedimento de desapropriação.

Tombamento "é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turísti-

co, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a

inscrição em livro próprio”.176

Encontra fundamento constitucional no art. 216, §1º, da Carta Magna de

1988, que recepcionou as normas procedimentais previstas no Decreto-lei n.25/37.

Todos os entes federados têm competência administrativa para proceder ao tombamento de bens.

De acordo com o art. 23 da CF/88, "é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e

dos Municípios: (...) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e

cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos".

A medida depende da manifestação do órgão técnico encarregado de zelar pela proteção de tais

bens, o que, na esfera federal, é executado pelo Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artísti-

co Nacional – IPHAN, autarquia instituída pelo Decreto 99.492/90 e autorizada pela Lei 8.029/90. Esta

autarquia tinha a denominação anterior de Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural - IBPC. Nas esfe-

ras estadual e municipal também poderão ser criados órgãos ou entidades para esse fim.

Por impor gravame sobre bens determinados, o tombamento se assemelha à servidão administra-

tiva, mas dela difere por não haver objetivamente uma coisa dominante, além do que o tombamento não

se restringe a bens imóveis. Outrossim, alguns autores consideram o tombamento como uma intervenção

branda na propriedade, que não admitiria, em regra, direito a indenização, o que, contudo, tem sido

objeto de controvérsias.

Os objetos do patrimônio cultural são bens de natureza material e imaterial, corpóreos e incorpó-

reos, nos quais se incluem “I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as

criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais

espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histó-

rico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (CF, art.216). Confor-

me dispõe o art. 1º do DL 25/37, “constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos

bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja do interesse público, quer por sua

vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou

etnográfico, bibliográfico ou artístico (...) §2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e

são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que impor-

te conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados

pela industria humana”.

Percebe-se que o conceito de patrimônio histórico e artístico previsto na CF é mais amplo do que

aquele tratado no DL 25/37, de modo que nem sempre a proteção poderá ser feita por via de simples

tombamento, sendo necessário, em certos casos, que haja desapropriação e indenização do proprietário.

Obras de origem estrangeira não são passíveis de tombamento (art.3º do DL 25/37).

176 MEIRELLES, Direito Administrativo, cit.

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O tombamento poderá atingir bens públicos (tombamento de ofício) ou bens particulares (tom-

bamento voluntário, por iniciativa do proprietário, ou compulsório, por iniciativa do Poder Público e

contra a vontade do proprietário).

A notificação do proprietário consubstancia o tombamento provisório, que, após decorrido o

procedimento legal, será convertido em tombamento definitivo, com a transcrição no registro de imóveis

e a inscrição do bem no Livro do Tombo. O tombamento provisório constitui-se ipso facto com a noti-

ficação do proprietário, ainda no início do processo administrativo, seguindo-se a fase de defesa, produ-

ção de provas e julgamento pelo órgão competente. Somente após decorrido o procedimento legal é que

se decretará o tombamento definitivo, quanto então será efetuada a transcrição no registro de imóveis e a

inscrição do bem no Livro do Tombo. Consoante dispõe os artigos 6º e 13 do DL 25/37, o tombamento

provisório tem os mesmos efeitos do tombamento definitivo, exceto no que concerne à transcrição no

registro de imóveis, somente possível no tombamento definitivo.

O tombamento poderá ainda ser individual, quando atingir um bem determinado, e geral, quan-

do atingir bens situados em um bairro ou em uma cidade.

Por efeito do tombamento, o proprietário do bem tombado fica sujeito a uma série de obri-

gações, como, por exemplo, a proibição de modificar o bem tombado sem autorização do órgão compe-

tente; a obrigação de promover as obras necessárias à conservação do bem ou, se não dispor de meios

para isso, comunicar ao órgão competente; de conferir direito de preferência à União, Estados e Municí-

pios em caso de alienação do bem; sujeição à fiscalização do bem pelo órgão técnico competente etc.

Além disso, os proprietários dos imóveis vizinhos estão sujeitos a uma servidão administra-

tiva em prol da coisa tombada, razão pela qual não poderão fazer construção que impeça ou reduza a

visibilidade da coisa tombada nem nela colocar anúncios ou cartazes (art. 18 do DL 25/37).

Para a ocorrência de construções em área de tombamento federal ou estadual situada dentro de

um município, não basta a aprovação das plantas pelo órgão de controle do solo da Prefeitura Municipal;

é preciso também a licença do respectivo órgão técnico que instituiu o tombamento (federal ou estadual).

No que diz respeito à indenização, é preciso observar que a depender do tipo de restrição imposta

pelo tombamento, este pode se apresentar à semelhança de uma simples limitação administrativa ou

alcançar grau de intervenção equivalente à servidão administrativa, variando conforme a hipótese. Regra

geral, pode-se dizer que o tombamento apenas obsta que o proprietário promova modificações ou altere

a maneira como até então o bem veio sendo normalmente utilizado, de modo que não haveria perdas a

compensar. Há casos, porém, em que o tombamento acaba por afetar substancialmente a utilização ordi-

nária do bem, ou até por aniquilar o direito de propriedade (desapropriação indireta), o que impõe seja

indenizado o proprietário.

Sendo a finalidade do tombamento apenas preservar a estrutura do bem de interesse histórico,

cultural ou artístico, não se pode impor ao proprietário que o empregue em determinada atividade consi-

derada de interesse público. Em outras palavras, não pode haver “tombamento de uso”. Se o Estado

pretende que certo imóvel seja destinado a um uso especial de interesse público, como por exemplo um

museu, deve, se houver discordância do particular, valer-se dos mecanismos de desapropriação, com

indenização integral. Já há, inclusive, precedente do STF neste sentido.177

É possível tanto a revogação quanto a anulação do tombamento. Se a Administração, após reava-

liar o interesse público que justificou o tombamento, decidir por desfazê-lo, a hipótese é de revogação.

Se detectar algum vício de legalidade, cabe anulação. Como leciona José dos Santos Carvalho Filho, "o

controle aqui pode ser de legalidade ou de conveniência. Será de legalidade quando se vislumbrar vício

relativo aos requisitos de validade do ato, como a competência, a forma, a finalidade. De conveniência

177 STF, RE 219.292, Rel. Min. Otávio Gallotti, DJ de 23/06/2000.

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(ou de mérito) quando, por razões de interesse público aferíveis apenas pela Administração, for rejeitada

a proposta de tombamento ou for cancelado o próprio ato de tombamento".178

Requisição "é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de

execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de neces-

sidades coletivas urgentes e transitórias”.179

Encontra previsão expressa no art.5o, XXV, da CF/88, segundo o qual, “no caso de iminente pe-

rigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário

indenização ulterior, se houver dano”. Compete privativamente à União legislar sobre requisições civis e

militares, em caso de iminente perigo público e em tempo de guerra (CF/88, art.22, III).

A requisição pode recair sobre móveis, imóveis e até sobre serviços particulares. “Quando recai

sobre móveis fungíveis, assemelha-se à desapropriação, porém com ela não se confunde; na requisição, a

indenização é posterior, o fundamento é a necessidade pública inadiável e urgente; na desapropriação, a

indenização é prévia e o seu fundamento poder ser a necessidade pública, a utilidade pública e o interes-

se social. Além disso, na desapropriação, o Poder Público depende de autorização judicial para imitir-se

na posse do imóvel”.180

Como exemplo de requisição de bem móvel tem-se a utilização, pela polícia, de um veículo au-

tomotor pertencente a particular, quando necessário a perseguir criminoso em fuga, não havendo viatura

oficial disponível no momento. Já um exemplo de requisição de bem imóvel está na utilização de ginásio

de esportes pertencente a um clube privado com a finalidade de acomodar famílias desabrigadas em

decorrência de calamidade pública provocada por chuvas torrenciais, sem que haja prédio público com

capacidade para tanto. Nesta mesma situação, caracterizada por iminente perigo, pode a autoridade re-

quisitar os serviços de um médico particular, a fim de dar suporte ao serviço público de emergência.

Advirta-se, porém, que “o administrador público não é livre para requisitar bens e serviços. Para

que possa fazê-lo, é necessário que esteja presente situação de perigo público iminente, vale dizer, aque-

le perigo que não somente coloque em risco a coletividade como também que esteja prestes a se consu-

mar ou a expandir-se de forma irremediável se alguma medida não for adotada. Tais situações não são

apenas as ações humanas, como bem registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, mas de igual maneira os

fatos da naturezas, como inundações, epidemias, catástrofes e outros fatos do mesmo gênero”.181

O instituto encontra previsão expressa no art.1228, §3º, do Código Civil, bem como em disposi-

tivos legais específicos, a exemplo do art. 15, XIII, da Lei 8.080/90, que trata das situações de irrupção

de epidemia ou calamidade pública na área de saúde.

Ocupação provisória ou temporária "é a utilização transitória, remunerada ou gratuita, de bens

particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interes-

se público”.182

Com efeitos semelhantes aos da servidão, porém, de caráter transitório, o ocupação recai

exclusivamente sobre imóveis.

178 CARVALHO FILHO, Manual de Direito Administrativo, cit. 179 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 180 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 181 CARVALHO FILHO, Manual... , cit. 182 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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Modalidade de ocupação temporária encontra-se no art.36 do Decreto-lei 3365/41, que prevê a

utilização de terrenos não edificados para depósito de equipamentos e materiais destinados à execução

de obras e serviços públicos em áreas vizinhas à propriedade.

Mas além dessa situação, o ordenamento contempla outras hipóteses de ocupação temporária

prevista em normas específicas. São exemplos:

Ocupação de prédios durante as eleições: consoante disposto no art. 135, §§2º e 3º, do Código

Eleitoral (Lei 4737/65). Alguns autores consideram esta modalidade de ocupação como sendo

uma requisição administrativa, o que não nos parece acertado, pois a requisição pressupõe uma

situação de urgência por iminente perigo público.

Ocupação de áreas em que forem localizados monumentos arqueológicos e pré-históricos:

prevista na Lei 3924/61, permitindo-se a imediata ocupação para fins de escavações e pesquisas,

exceto se forem terrenos domiciliares murados.

Ocupação de instalações de empresa contratada pela Administração Pública para serviços

essenciais: prevista no art. 58, V, da Lei 8666/93, nos casos em que seja necessário “acautelar

apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão

do contrato administrativo”.

Ocupação de instalações de concessionária de serviços públicos: prevista no art. 35, §3º, da

Lei 8987/95, nos casos de extinção da concessão e assunção imediata do serviço pelo poder con-

cedente, visando a continuidade do serviço público.

José dos Santos aponta as seguintes características da ocupação temporária: “1) cuida-se de direi-

to de caráter não-real (igual à requisição e diferente da servidão, que é direito real); 2) só incide sobre a

propriedade imóvel (neste ponto é igual à servidão, mas se distingue da requisição, que incide sobre

móveis, imóveis e serviços); 3) tem caráter de transitoriedade (o mesmo que a requisição; a servidão, ao

contrário, tem natureza de permanência); 4) a situação constitutiva da ocupação é a necessidade de reali-

zação de obras e serviços públicos normais (a mesma situação que a servidão, mas diversa da requisição,

que exige situação de perigo público iminente); 5) a indenizabilidade varia de acordo com a modalidade

de ocupação: se for vinculada à desapropriação, haverá dever indenizatório, e, se não for, inexistirá em

regra esse dever, a menos que haja prejuízos para o proprietário (a requisição e a servidão podem ser ou

não indenizáveis; sendo assim, igualam-se, nesse aspecto, a esta última forma de ocupação temporária,

mas se diferenciam da primeira, porque esta é sempre indenizável)”.183

Desapropriação, na definição de Celso Antônio, é o “procedimento através do qual o Poder Pú-

blico, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente despoja

alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização

prévia justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos e rurais, em que, por esta-

rem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em

títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real”.184

183 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 184 MELLO, Curso..., cit.

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Maria Sylvia aponta seis características da desapropriação: 1. “aspecto formal, com a menção a

um procedimento; 2. o sujeito ativo: Poder Público ou seus delegados; 3. os pressupostos: necessidade

pública, utilidade pública ou interesse social; 4. o sujeito passivo: o proprietário do bem; 5. o objeto: a

perda de um bem; 6. a reposição do patrimônio do expropriado por meio de justa indenização”.185

O fundamento da desapropriação é a supremacia do interesse público sobre o interesse particu-

lar, correspondendo “à idéia do domínio eminente de que dispõe o Estado sobre todos os bens existentes

em seu território”.186

Quanto ao objeto, podem ser desapropriados bens móveis ou imóveis, corpóreos ou incorpóreos,

dentre eles ações, quotas e direitos de sociedade (Súmula 476 do STF).

Até mesmo a posse é passível de desapropriação. Com efeito, “a desapropriação atinge bens e di-

reitos, mobiliários e imobiliários, corpóreos e incorpóreos, desde que sejam passíveis de apossamento e

comercialidade, tenham valor econômico ou patrimonial e interessem à consecução dos fins do Estado.

Consoante jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, verbis: ‘Tem direito à indenização não só o

titular do domínio do bem expropriado, mas também, o que tenha sobre ele direito real limitado bem

como direito de posse’ (STF, RE 70338, Rel. Antônio Nader). (...) A posse, conquanto imaterial em sua

conceituação, é um fato jurídigeno, sinal exterior da propriedade. É, portanto, um bem jurídico e, como

tal, suscetível de proteção. Daí porque a posse é indenizável, como todo e qualquer bem”.187

Os beneficiários da desapropriação “são as pessoas de direito público ou quem esteja no exercí-

cio da função administrativa. Também poderão ser beneficiários da desapropriação aqueles que prestam

relevantes serviços de utilidade pública”.188

É possível haver desapropriação de bens públicos. Segundo dispõe o art.2º, §2º, do DL

3.365/41, “os bens de domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desa-

propriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá prece-

der autorização legislativa”. Portanto, o órgão parlamentar do ente expropriante deve emitir uma autori-

zação para que se exproprie bem pertencente a outro ente da federação.

Saliente-se que, apesar de não ocorrer propriamente uma hierarquia entre os entes federados, a lei

estabelece uma ordem de precedência entre os interesses por eles defendidos, tendo o STF declarado

constitucional o referido dispositivo ao estabelecer tal gradação de poder entre os sujeitos ativos da

desapropriação, “de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interes-

se de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado

pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente”.189

Entendemos que dita regra de gradação há de ser aplicada também aos bens das pessoas jurídicas

de direito público (autarquias), levando-se em conta o ente federativo a cuja Administração Indireta

pertençam. Tal interpretação extensiva do aludido art.2º, §2º deve-se ao fato de que as autarquias de-

sempenham atividades típicas do ente político que as criou, pelo que os seus bens devem merecer o

mesmo tratamento jurídico.

Em relação aos bens de entidades estatais de direito privado, notadamente às empresas públicas e

sociedades de economia mista, não incide a aludida gradação legal, de modo a ser possível, por exemplo,

que um Estado desaproprie bens de uma empresa estatal federal. Contudo, há de se ter atenção à regra

específica do art. 2º, §3º do DL 3.365/41, que diz ser “vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito

Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e

185 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 186 MELLO, Curso... cit. 187 STJ, REsp 951533, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 05/03/2008. 188 FIGUEIREDO, Curso..., cit. 189 STF, RE 172816, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 13/05/94.

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empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscali-

zação, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República”.

Interpretando-se o dispositivo, à luz da atual CF/88, pensamos que tal não se aplica a empresas

estatais exploradoras de atividades econômicas, eis que sujeitas ao mesmo regime geral de bens das

empresas privadas (CF, art. 173, II). Portanto, não existe obstáculo à desapropriação por qualquer dos

entes federados, nem há necessidade de autorização.

Por outro lado, a regra restritiva encontra incidência no caso das empresas estatais prestadora de

serviços públicos, pois, como ressalta Hely Lopes, “a desapropriação de bens vinculados a serviço públi-

co, pelo princípio da continuidade do próprio serviço, dependerá sempre de autorização da entidade

superior que os instituiu e delegou, porque, sem essa condição, a atividade dos entes maiores seria tolhi-

da, e até mesmo suprimida, pelos menores, por via expropriatória”.190

Daí porque, como reza a Súmula

157 do STF, “é necessária prévia autorização do Presidente da República para desapropriação, pelos

Estados, de empresa de energia elétrica”, havendo precedente judicial considerando que “não pode o

Município desapropriar imóvel da Rede Ferroviária Federal sem prévia autorização por decreto do presi-

dente da República”191

. Da mesma forma, já se decidiu que, “como a Empresa Brasileira de Correios e

Telégrafos – ECT é empresa pública federal, não pode ter os bens desapropriados por Município sem

prévia autorização do presidente da República, por decreto”.192

Inadmissível, todavia, é a desapropriação operada por Estado sobre bem de outro Estado, ou por

Município sobre bem de outro Município, haja vista estarem em completa situação de igualdade quanto

aos interesses de que cuidam em nossa organização federativa, já tendo o STF se posicionado nesse

sentido.193

A desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade, porquanto não há transmis-

são de propriedade, eis que a transferência do domínio decorre de ato unilateral do Estado, sem qualquer

vinculação ao título jurídico do proprietário anterior. Por isso, todas as questões anteriores referentes ao

imóvel ficam sub-rogadas no preço da indenização (art. 31 do DL 3.365/41).

Desse caráter de aquisição originária inerente à desapropriação, resultam as seguintes conse-

qüências: “a) se o Estado desapropriar um bem e, por engano, vier a indenizar outrem, que não o seu

legítimo proprietário, não se invalida a desapropriação nem se obriga a novo processo expropriatório; b)

a aquisição é livre de qualquer ônus ou gravame real, isto é, qualquer direito dessa ordem incidente sobre

o bem expropriado, com a concretização da medida, extingue-se e seu titular sub-roga-se no preço (De-

creto-Lei federal 3365/41, art.41); c) o expropriante não tem direito à ação redibitória nem de pedir

abatimento do preço por vício ou defeito oculto do bem expropriado”.194

Existem dois gêneros de desapropriação: a desapropriação ordinária ou comum (CF/88, art.5º,

XXIV) e a desapropriação extraordinária (CF/88, arts. 182, §4º, III e 184).

A desapropriação ordinária (CF/88, art.5º, XXIV) baseia-se tão-somente na necessidade da

propriedade em benefício da coletividade, sem que o proprietário a esteja mal utilizando, daí porque a

indenização prévia deverá ser paga integralmente em dinheiro. Compreende duas espécies: a desapro-

priação por interesse ou utilidade pública (DL 3.365/41) e a desapropriação por interesse social (Lei

4.132/62).

190 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 191 STJ, REsp. 71266, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ de 18/09/95. 192 TRF 1ª Região, Ag. 2003.01.00.033337-8, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, DJ de 13/5/2004. 193 STF, MS 19983, Rel. Min. Thompson Flores, DJ de 26/4/76. 194 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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A desapropriação extraordinária (CF/88, arts. 182, §4º, III e 184) pressupõe a má utilização

da propriedade, sendo, portanto, uma espécie de sanção pelo descumprimento da função social da pro-

priedade, razão pela qual a indenização prévia será paga em títulos da dívida agrária (se for desapropria-

ção para fins de reforma agrária – Leis Complementares 76/93 e 88/96 e Lei 8.629/93) ou em títulos da

dívida pública municipal (se for desapropriação para fins de reforma urbana – DL 1.075/70, Lei

10.257/2001 e leis municipais específicas). No que estas legislações especiais forem omissas, segue-se

as normas gerais do DL 3.365/41, que é considerada a Lei Geral de Desapropriações.

Podem ser destacadas três espécies de competência em matéria de desapropriação: a competência

para legislar, a competência para declarar e a competência para executar.

A competência para legislar sobre desapropriação é privativa da União (CF/88, art. 22, II), po-

dendo lei complementar autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas (CF/88, art. 22, p.

único).

A competência para declarar a utilidade pública ou o interesse social do bem para fins de desa-

propriação: concorrente da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Além disso, a lei poderá

excepcionalmente autorizar que outras pessoas jurídicas de direito público possam editar declarações

expropriatórias, tal como ocorre em relação à ANEEL (art.10 da Lei 9.074/95) e ao DNIT (art.82 da Lei

10.233/2001) em seus respectivos setores de atuação. Em outros casos, a lei apenas prevê que tais enti-

dades proponham ao Presidente da República que seja feita a declaração de utilidade pública, como

acontece, v.g., com a ANATEL (art.19, XX, da Lei 9.472/97). O que não é possível é a delegação dessa

competência declaratória a pessoas privadas, porque se trata de exercício de poder de polícia, conforme

já decidiu o STF (ADI 1717).

A competência para executar a desapropriação é concorrente da União, dos Estados, Distrito

Federal e Municípios, bem como outras pessoas autorizadas em lei, decreto ou contrato (empresas esta-

tais, concessionários de serviço público, fundações etc.). Nesse caso, portanto, como se trata de mera

adoção de atos materiais a fim de promover a expropriação já declarada pelo Poder Público, admite-se

possa ser delegada a execução a pessoas privadas.

Nos termos do art.3º do DL 3.365/41, "os concessionários de serviços públicos e os estabeleci-

mentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de Poder Público poderão promover desa-

propriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”.

Em resumo, “a União acumula as três competências: legislativa, declaratória e executiva. O Es-

tado-membro, o Distrito Federal e o Município acumulam as competências declaratória e executória e

alguma competência legislativa. As demais pessoas, quando autorizadas por lei, decreto ou contrato,

somente têm a derradeira das citadas competências, isto é, a executória, salvo alguma que, por força de

lei, também pode promover as competentes declarações expropriatórias”.195

No caso de desapropriação para fins de reforma agrária, as competências, tanto para legislar

quanto para executar são privativas da União (CF/88, art. 184), sendo que a execução é promovida por

autarquia federal criada por lei para este fim, qual seja o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária - INCRA. A Lei Complementar 76/93, prevista no §3º do art. 184 da CF/88, dispõe sobre o

procedimento contraditório especial, de rito sumário, para o processo de desapropriação de imóvel rural,

por interesse social, para fins de reforma agrária. A Lei 8.629/93, por sua vez, dispõe sobre a regulamen-

tação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, especificando inclusive os critérios e

graus de exigência na utilização da terra. O pagamento é feito em títulos da dívida agrária, com cláusula

de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emis-

são, e cuja utilização será definida em lei.

195 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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Cumpre ter atenção de que nem toda desapropriação de área rural será para fins de reforma agrá-

ria, pelo que nada impede que o Estado ou Município desapropriem imóvel rural nas situações previstas

no DL 3.365/41 e na Lei 4.132/62, inclusive para fins sociais de aproveitamento de bem improdutivo

(v.g., para a formação de distrito industrial). Nesse caso, contudo, a indenização há de ser paga integral-

mente em dinheiro, pois a desapropriação rural indenizável em títulos é privativa da União.196

No caso de desapropriação para fins de reforma urbana (ou desapropriação urbanística), a

competência para legislar sobre normas gerais é privativa da União, podendo os Municípios estabelecer

normas específicas referentes aos seus respectivos planos diretores. Tal modalidade expropriatória é

cabível se o proprietário do solo urbano mal utilizado não promover o seu adequado aproveitamento e

quando frustradas outras medidas previstas em lei para induzi-lo a assim proceder (parcelamento ou

edificação compulsórios e IPTU progressivo no tempo), consoante disposto no art. 182, §4º, da CF/88 e

no art. 8º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Primeiro, a lei municipal fixa um prazo para que o

proprietário realize compulsoriamente o parcelamento, a edificação ou a utilização da propriedade (art.

5º do Estatuto da Cidade). Se o proprietário não cumprir esta determinação, segue-se a aplicação de

IPTU progressivo no tempo durante o prazo de até cinco anos consecutivos (art.7º do Estatuto da Cida-

de). Por fim, de nada adiantando tais medidas, aí sim pode o município recorrer à desapropriação com

pagamento em títulos da dívida urbana, de emissão aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate

de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os

juros legais.

Alguns autores apontam ainda a desapropriação-confisco, tal como prevista no art.243 da

CF/88, regulamentado pela Lei 8.257/91, que se refere às glebas onde forem localizadas culturas ilegais

de plantas psicotrópicas. Tecnicamente não se trata de desapropriação, pois ocorre sem qualquer indeni-

zação. É modalidade expropriatória de confisco. Sempre houve certa divergência na jurisprudência sobre

o alcance da expropriação na hipótese do art.243, sobretudo porque a norma constitucional fala em “gle-

bas”, dando a entender tratar-se de um pedaço de terra dentro da propriedade. Nessa interpretação restri-

tiva, somente poderiam ser desapropriadas as glebas em que exatamente localizadas as culturas ilegais e

não toda a propriedade rural. Todavia, o STF decidiu que a expropriação de glebas a que se refere o

art.243 da CF há de abranger toda a propriedade e não apenas a área efetivamente cultivada.197

Não

obstante, tal sanção somente é cabível se o proprietário tiver agido com dolo ou culpa ao utilizar ou

permitir a utilização da sua terra para tal finalidade ilícita. A responsabilidade, nesse caso, jamais pode-

ria ser considerada objetiva, sob pena de violar frontalmente o princípio da proporcionalidade. Esta nos

parece a melhor interpretação a ser dada ao texto constitucional.

O processo de desapropriação envolve três fases: a fase pré-declaratória, a fase declaratória e a

fase executória.

Constitui a fase pré-declaratória o procedimento administrativo por meio do qual o Poder Pú-

blico inicia as verificações sobre a conveniência da desapropriação para o interesse público. Esta fase

tem destaque, sobretudo, nos casos de desapropriação extraordinária para fins de reforma agrária, quan-

do se busca constatar se a propriedade não está cumprindo a sua função social, viabilizando com isso a

expedição do decreto expropriatório. Em caso de desapropriação para fins de reforma agrária, a Lei

8.629/93, art. 2º, §2º, da Lei 8.629/93 autoriza o Poder Público a ingressar no imóvel de propriedade

particular para levantamento de dados e informações, desde que tenha havido a prévia comunicação

escrita ao proprietário, preposto ou seu representante. A falta desta notificação prévia enseja a nulidade

do ato, conforme já se posicionou o STF.198

196 STF, RE 86046, Rel. Min. Décio Miranda, DJ de 25/10/79. 197 RE 543974, rel. Min. Eros Grau, 26.3.2009. 198 MS 23006, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29/08/03; MS 23012, Rel. Min. Maurício Correa, DJ de 24/08/01.

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Em seguida tem-se a fase declaratória, na qual o Poder Público declara a utilidade pública ou o

interesse social do bem para fins de desapropriação e produz os seguintes efeitos: “a) submete o bem à

força expropriatória do Estado; b) fixa o Estado do bem, isto é, suas condições, melhoramentos, benfei-

torias existentes; c) confere ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e

medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder; d) dá

início ao prazo de caducidade da declaração”.199

Em certos países a declaração expropriatória somente pode ser feita por ato legislativo. Esse não

é o caso do Brasil, onde a regra geral é que a declaração de utilidade pública seja feita por decreto do

chefe do Poder Executivo, obedecidos os requisitos gerais da legislação (art.6º do DL 3365/41; art.6º,

art. 1º da Lei 4132/62 e art.2º da LC 76/93). Pode haver, porém, declaração de utilidade pública por

meio de outros instrumentos normativos (resoluções, portarias etc.), quando prevista em lei esta compe-

tência, como acontece, por exemplo, com as resoluções da ANEEL que declaram a utilidade pública,

para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, de áreas necessárias à implantação

de instalações de concessionários, permissionários e autorizatários de serviços de energia elétrica (art. 10

da Lei 9.074/95). Excepcionalmente, a nossa legislação prevê ainda que o Poder Legislativo possa tomar

a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua

efetivação. (art.8o do DL 3.365/41)

A declaração assegura ao Poder Público a realização de novas vistorias, ficando as autoridades

administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em

caso de oposição, ao auxílio de força policial (art.7o do DL 3.365/41 e art. 2º, §2º, da LC 76/93).

Após a declaração expropriatória, terá o Poder Público um prazo para dar início à fase executó-

ria, intentando a respectiva ação judicial, sob pena de caducidade. Esse prazo, contado da publicação do

decreto expropriatório, é: de 5 anos nas desapropriações por necessidade ou utilidade pública, bem como

nas desapropriações para fins de reforma urbana (art.10 do DL 3.365/41); e de 2 anos nas desapropria-

ções por interesse social (art.3º da Lei 4.132/62) ou para fins de reforça agrária (art. 3º da LC 76/93). A

caducidade não enseja a definitiva extinção do poder de desapropriar o bem, pois a declaração de utili-

dade pública, por meio de um novo decreto, poderá ser renovada após 1 ano (art.10 do DL 3.365/41).

Nos termos do art.26 do DL 3.365/41, após a declaração de utilidade pública, as benfeitorias ne-

cessárias serão sempre indenizadas, as benfeitorias voluptuárias jamais serão e as benfeitorias úteis serão

indenizadas quando houverem sido autorizadas pelo poder competente.

A fase executória “compreende os atos pelos quais o Poder Público promove a desapropriação,

ou seja, adota as medidas necessárias à efetivação da desapropriação, pela integração do bem no patri-

mônio público”200

, podendo ser administrativa (quando houver acordo entre expropriante e expropriado a

respeito da indenização) ou judicial (quando não houver acordo).

Legitimados ativos para a ação de desapropriação são todos aqueles entes que têm competência

para adotar as medidas de execução a serem tomadas após a declaração de interesse social. Tal compe-

tência executiva é concorrente da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como outras

pessoas autorizadas em lei, decreto ou contrato (empresas estatais, concessionários de serviço público,

fundações etc.). Nesse caso, portanto, como se trata de mera adoção de atos materiais a fim de promover

a expropriação já declarada pelo Poder Público, admite-se inclusive que possa ser delegada a pessoas

privadas. Conforme o art.3º do DL 3.365/41: “Os concessionários de serviços públicos e os estabeleci-

mentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de Poder Público poderão promover desa-

propriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato”. Esta norma é aplicada também

nos casos das desapropriações por interesse social, por força do art. 5º da Lei 4.132/62.

199 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 200 Idem.

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Cada modalidade de desapropriação observará algumas peculiaridades quanto às hipóteses de ca-bimento e aos procedimentos aplicáveis: a desapropriação por interesse público é regida pelo DL 3.365/41 (Lei Geral das Desapropriações); a desapropriação por interesse social, pela Lei 4.132/62; a desapropriação para fins de reforma agrária, pela LC 76/93; a desapropriação urbanística, por sua vez, segue normas do DL 1075/70 e do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), além de leis municipais espe-cíficas.

Em regra, a transferência da posse do bem desapropriado para o Poder Público somente se dá a-pós a indenização do anterior proprietário, ainda que pela entrega de títulos resgatáveis a prazo (no caso das desapropriações extraordinárias). Todavia, é possível, em certos casos, que o expropriante tome posse do bem antes de efetivada a indenização. Ocorre aí a imissão provisória na posse, concedida quando o Poder Público demonstrar a urgência da medida, depositando uma importância fixada em lei em favor do proprietário.

Como alerta Celso Antônio, “não se deve confundir a imissão provisória de posse com o direito que tem o expropriante, com base no art.7

o do DL 3.365/41, de entrar nos imóveis declarados de utilida-

de pública, a fim de proceder a certas verificações”.201

Para assegurar a imissão na posse, o expropriante deve depositar uma quantia em favor do proprietário, cujo valor obedece a parâmetros fixados na legis-lação de regência, cabendo ao juiz verificar se o depósito provisório corresponde, no mínimo, ao valor cadastral fiscal atualizado do imóvel (art.15, §1º, do DL 3.365/41 e art. 6º, §1º, da LC 76/93). Conforme já decidiu o STF, o depósito autorizador da imissão provisória pode ser inferior do valor da justa indeni-zação, pois esta somente é devida ao proprietário ao final do processo expropriatório

202, de modo que a

regra do art.15, §1º, do DL 3.365/41 não contraria a Constituição (Súmula 652).

No caso da desapropriação urbanística, essa imissão provisória, havendo urgência, somente é possível se o expropriante depositar pelo menos metade do valor arbitrado pelo juiz (art.3º do DL 1.075/70). A lei admite o levantamento integral do valor depositado, quando for inferior ao valor arbi-trado pelo juiz (desde que superior à metade deste valor) ou o levantamento de 80% do valor depositado, se for igual ou superior ao dobro do valor arbitrado (art.5º, p. único, do DL 1.075/70 c/c art.34 do DL 3.365/41).

Ressalte-se que na desapropriação para fins de reforma agrária haverá sempre a imissão provisó-ria na posse, decretada pelo juiz logo ao despachar a petição inicial (art.6º, I, da LC 76/93). Significa dizer que, nessa modalidade expropriatória, o próprio legislador já presumiu (jure et de jure) a urgência da medida, bastando ao expropriante efetuar o depósito correspondente. Feito o depósito, o expropriado poderá levantar até 80% do valor (art.6º, §1º, da LC 76/93), desde que quitados os tributos e obrigações reais relacionadas ao imóvel e não haja dúvida sobre a titularidade do domínio.

A incerteza acerca dos dados pessoais do proprietário do bem não obsta o ajuizamento da ação de desapropriação, haja vista o interesse público predominante. Daí porque o art. 18 do DL 3.365/41 prevê a citação por edital inclusive quando o citando não for conhecido. Também o art. 34, p. único, do mesmo diploma legal dispõe que, em caso de dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito à disposição do juízo até que se resolva a questão em ação própria.

A mera declaração de interesse social não tem o condão de transferir a propriedade ao Estado, pois a desapropriação somente se consuma com o pagamento da indenização ao expropriado. Assim, uma vez editado o decreto, mas enquanto não findo o processo, é assegurado ao proprietário atual a realização das benfeitorias, as quais, todavia, podem não vir a ser computadas no preço, conforme prevê a legislação de regência. Nos termos do art. 26 do DL 3.365/41, após a declaração de utilidade pública, as benfeitorias necessárias serão sempre indenizadas, as benfeitorias voluptuárias jamais serão e as ben-feitorias úteis serão indenizadas quando houverem sido autorizadas pelo poder competente. Contudo, enquanto não consumada a desapropriação, a Administração não pode negar ao proprietário o direito de obter licenciamento para a realização de obras, uma vez preenchidos os requisitos legais, apesar de tais

201 MELLO, Curso..., cit. 202 RE 216.964/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 16/02/2001.

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obras não virem a entrar no cômputo da indenização, salvo se forem relativas benfeitorias necessárias. Daí o enunciado na Súmula 23 do STF: “verificados os pressupostos legais para o licenciamento da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada”.

A justa indenização deve repor integralmente o patrimônio do expropriado, de modo que ele nada

ganhe ou perca com o processo. A desapropriação não pode ser motivo de enriquecimento, nem de em-

pobrecimento. Para tanto, o cálculo deve incluir as seguintes parcelas:

• valor principal: é o valor correspondente ao preço do bem desapropriado, levando em conta o

valor da terra nua e das benfeitorias. Se a desapropriação for ordinária, o montante deve ser pago inte-

gralmente em dinheiro, sendo que, após a declaração de utilidade pública, as benfeitorias necessárias

serão sempre indenizadas, as benfeitorias voluptuárias jamais serão e as benfeitorias úteis serão indeni-

zadas quando houverem sido autorizadas pelo poder competente (art.26, p. único, do DL 3.365/41). Se a

desapropriação for extraordinária, o valor da terra nua há de ser pago mediante títulos públicos resgatá-

veis em determinados prazos. No caso de reforma agrária, a terra nua será indenizada por títulos da

dívida agrária (TDA) resgatáveis em até 20 anos, mas as benfeitorias necessárias e úteis deverão ser

pagas em dinheiro (art.14 da LC 76/93 e art.5º, §1º, da Lei 8.629/93). O prazo de resgate do TDA varia

de acordo com a área do imóvel, conforme disposto no art. 5º, §3º, da Lei 8.629/93. Apesar não haver aí

um pagamento imediato, considera-se que isso não afronta a regra constitucional de prévia indenização,

porquanto o TDA já é de logo entregue ao expropriado e pode ser posto em circulação no mercado,

independentemente do cronograma de resgate. Em se tratando de reforma urbana, o pagamento é feito

em títulos da dívida pública, que terão prévia aprovação pelo Senado Federal e serão resgatados no prazo

de até 10 anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os

juros legais de seis por cento ao ano (art. 8º, §1º, da Lei 10.257/2001).

• correção monetária: a lei de desapropriações previa a correção monetária apenas quando

transcorrido mais de um ano do laudo de avaliação do bem, atualizando-se o cálculo na data do efetivo

pagamento. Esta regra foi derrogada, passando-se a entender que a correção monetária, por não importar

acréscimo de capital, é devida qualquer que seja o tempo decorrido entre o cálculo e o efetivo pagamen-

to. Consoante a Súmula 561 do STF, “em desapropriação, é devida a correção monetária até a data do

efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por mais de

uma vez”. Na mesma linha preceitua a Súmula 67 do STJ: “Na desapropriação, cabe a atualização mone-

tária, ainda que por mais de uma vez, independente do decurso de prazo superior a um ano entre o cálcu-

lo e o efetivo pagamento da indenização, devendo proceder-se à atualização do cálculo, ainda que por

mais de uma vez”.

• juros compensatórios: segundo consagrado entendimento jurisprudencial, são devidos à razão

de 12% ao ano, a fim de compensar a perda antecipada da posse em todos os casos em que tenha havido

imissão provisória, independentemente de comprovação de prejuízo pelo proprietário (Súmulas 618 do

STF e 113 do STJ). Sua base de cálculo será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço

ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença. O governo, por meio da MP 1.577/97, de

11/06/97, incluiu o art.15-A no DL 3365/41, tentando reduzir o percentual dos juros compensatórios

para 6% ao ano, além do que condicionou o seu pagamento à efetiva comprovação de prejuízo. Todavia,

o STF declarou a inconstitucionalidade de tal dispositivo203

, prevalecendo o entendimento anteriormente

consagrado na Súmula 618, que sempre considerou o percentual de 12%. A essa decisão, porém, foi

dado efeito ex nunc, pelo que prevaleceram os parâmetros da referida medida provisória no interstício

entre sua edição (11/06/97) e a data da decisão liminar do julgamento pelo STF (13/09/01), no qual

203 Medida Cautelar na ADIN 2.332-2.

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aplica-se o percentual de 6%. Saliente-se que, para que haja a incidência dos juros compensatórios, é

irrelevante o fato de o imóvel ser ou não produtivo. São devidos sempre que houver a perda da posse

antes do pagamento integral da indenização, tanto na desapropriação direta (a contar da imissão provisó-

ria na posse), quanto na desapropriação indireta (a contar da ocupação), consoante já reconheceu o STF

(vide ADI 2332-2). Os juros compensatórios são fruto de construção jurisprudencial, posteriormente

incorporada à legislação, tendo-se estabelecido um percentual como parâmetro uniforme para todas as

situações de perda antecipada da posse, o que dispensa a dilação probatória sobre a destinação econômi-

ca que o proprietário dava ou teria dado ao imóvel. Por isso não tem qualquer relevância o fato de imó-

vel ser ou não produtivo, gerar ou não lucros para o proprietário. Conforme vem se posicionando o STJ,

"os juros compensatórios 'remuneram o capital que o expropriado deixou de receber desde a perda da

posse, e não os possíveis lucros que deixou de auferir com a utilização econômica do bem expropriado'

(REsp 1.048.586/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, primeira turma, julgado em 4/6/2009, DJe de

1º/7/2009). Irrelevante a alegação de que o imóvel sobre o qual fora constituída a servidão administrativa

não produzia rendas".204

• juros moratórios: devidos à razão de 6% ao ano, pela demora no pagamento da indenização,

incidindo a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito,

nos termos do art.100 da Constituição (art. 15-B do DL 3365/41). A jurisprudência, em consonância

com a Súmula 70 do STJ, pregava que “os juros moratórios, na desapropriação, fluem a partir do trânsito

em julgado da sentença que fixa a indenização”. Todavia, com o advento MP 1997/34, de 13/01/00,

fixou-se a sua incidência, à razão de 6%, somente a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele

em que o pagamento deveria ser feito, haja vista a regra dos precatórios. Esta regra, aceita pelo STF,

coaduna-se com orientação jurisprudencial segundo a qual não há caracterização de mora do ente públi-

co, a justificar a incidência dos correspondentes juros, sempre que o pagamento se faça na forma e no

prazo constitucionalmente estabelecidos.205

Ressalte-se que, “pela demora no pagamento do preço da

desapropriação não cabe indenização complementar além dos juros” (Súmula 416 do STF).

• honorários advocatícios: calculados sobre a diferença entre o valor oferecido pelo exproprian-

te e aquele apurado na avaliação, incluídos os juros moratórios e compensatórios, tudo corrigido moneta-

riamente.206

O governo, por meio da medida provisória 2.027-43, de 27/09/00, que incluiu o art. 15-A no

DL 3361/45, tentou fixar um teto de honorários advocatícios nas ações de desapropriação, no valor de

151 mil reais. O STF, porém, suspendeu este dispositivo, com efeitos ex nunc.207

Prevalece, então, a

orientação consagrada na Súmula 617 do STF, de que “a base de cálculo dos honorários de advogado em

desapropriação é a diferença entre a oferta e a indenização, corrigidas ambas monetariamente”. Contudo,

o referido teto há de ser observado no interstício havido entre a edição da MP e a data da decisão do STF

(de 11/04/00 a 13/09/01).208

Convém mencionar ainda outras peculiaridades relacionadas ao cálculo e ao pagamento da inde-

nização:

Licença de obra durante a desapropriação: “Verificados os pressupostos legais para o licenciamen-

to da obra, não o impede a declaração de utilidade pública para desapropriação do imóvel, mas o valor

da obra não se incluirá na indenização, quando a desapropriação for efetivada” (Súmula 23 do STF).

Cobertura vegetal do imóvel rural: não obstante as controvérsias em derredor do tema, tem prevale-

cido o entendimento jurisprudencial calcado no art.12, §2º, da Lei 8.629/93, no sentido de que o valor

204 STJ, REsp. 1169792/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, julg.18/03/2010. 205 STJ, REsp 540059, Rel. Min. Teori Zavascky, DJ de 05/10/04. 206 Súmulas 378 e 617 do STF; Súmula 131 e 141 do STJ; Súmula 141 do TFR. 207 Medida Cautelar na ADIN 2.332-2. 208 STJ, REsp 540059, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 06/12/04.

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da cobertura vegetal deve ser calculada conjuntamente como componente do preço de mercado da ter-

ra, somente se admitindo o pagamento em separado em casos muitos especiais, quando houver explo-

ração econômica anterior à desapropriação.

Precatório quanto ao valor controverso: Consoante entendimento do STF, o pagamento em dinheiro

não afasta a necessidade de emissão de precatório caso a sentença judicial tenha condenado o Poder

Público a pagar valor superior ao preço ofertado na inicial da ação de desapropriação, razão pela qual

foi declarada a inconstitucionalidade do art.14 da LC 76/93, na parte em que exigia que o pagamento

em dinheiro fosse sempre feito mediante depósito. Posteriormente, com base nesta decisão do STF, a

Resolução do Senado Federal n. 19/2007 suspendeu o dispositivo legal.

Parâmetros na desapropriação para fins de reforma urbana: o art. 8º, §2º, do Estatuto da Cidade

(Lei 10.257/2001) determina que o valor real da indenização refletirá a base de cálculo do IPTU, des-

contado o montante incorporado em função de obras realizadas pelo Poder Público na área durante o

trâmite da desapropriação, afastando do cômputo qualquer expectativa de ganhos, lucros cessantes ou

juros compensatórios. Segundo pensamos, tais parâmetros para o cálculo de indenização previstos no

Estatuto da Cidade, são extremamente genéricos (e bem diferentes daqueles já reconhecidos pela ju-

risprudência em relação à reforma agrária), violando o preceito constitucional da justa indenização,

não se podendo considerar simplesmente a base de cálculo do IPTU, no mais das vezes defasada, nem,

muito menos, excluir juros compensatórios ou expectativas de ganhos que tenha relação direta com as

condições do imóvel, pois são estas que definem o valor de mercado.

Denomina-se desapropriação por zona (ou extensiva), “a desapropriação de uma área maior que a

necessária à realização de uma obra ou serviço, por abranger a zona contígua a ela, tendo em vista ou

reservá-la para ulterior desenvolvimento da obra ou revendê-la, a fim de absorver a valorização extraor-

dinária que receberá em decorrência da própria execução do projeto”.209

Vê-se, pois, que são duas as

situações que comportam a desapropriação por zona, as quais encontram previsão expressa no art.4º do

DL 3.365/41.

Em relação à primeira situação (desenvolvimento ulterior de obra), não há maiores controvérsias,

pois é razoável que, havendo previsão de incremento futuro da necessidade pública, o que justificaria

uma nova desapropriação da área contígua, o Poder Público já se antecipe a isso e promova de logo a

desapropriação de toda a área necessária.

A polêmica se trava, contudo, no que concerne à segunda hipótese legal de desapropriação por

zona (a reserva do bem, em razão de valorização extraordinária, para fim de revenda posterior). Tal

medida pressupõe que a valorização esteja diretamente relacionada com a própria obra ou serviço públi-

co a ser implementado na área desapropriada.

É comum que áreas privadas adjacentes sejam valorizadas em decorrência de obras e serviços

públicos na região em que se encontram. Considera-se, então, não ser justo que alguns particulares se

locupletem às custas da iniciativa estatal e do gasto público.

Mas nem todos os casos comportam a desapropriação por zona aqui estudada. O Estado pode a-

inda se valer de dois outros instrumentos legais, menos gravosos para o proprietário: a contribuição de

melhoria ou o abatimento de preço pago na desapropriação da área principal.

O tema já foi detalhadamente enfrentado pelo STJ.210

Se a valorização imobiliária beneficia in-

distintamente um grupo considerável de proprietários lindeiros, de modo que todos os imóveis vizinhos

209 MELLO, Curso..., cit. 210 STJ, REsp. 951533, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 05/03/2008.

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à obra ou serviço público se valorizam em proporção semelhante (valorização geral e ordinária), o

instrumento adequado é a cobrança de contribuição de melhoria, tributo previsto no art. 145, III, da

CF/88 e no art. 81 do Código Tributário. Ao pagarem a contribuição de melhoria, todos os beneficiados

estarão ressarcindo o Estado pelo gasto da obra ou serviço público. A desapropriação por zona se revela-

ria, nesse caso, uma medida desproporcional.

Outrossim, se o proprietário da área adjacente é o mesmo da área principal cuja desapropriação é

necessária, de maneira que seja o único beneficiado pela valorização imobiliária (valorização específi-

ca), igualmente desnecessário que o Poder Público se valha da desapropriação por zona, bastando que

abata, do valor a ser indenizado, a valorização experimentada pela área remanescente, não desapropria-

da. Isso deve ser levado em conta no cálculo da indenização, como previsto na parte final do art.27 do

DL 3.365/41. Não obstante, se o proprietário não tiver interesse em permanecer com a área adjacente,

por considerar esvaziada a sua utilidade, poderá invocar o direito de extensão, o que será examinado em

tópico posterior.

A desapropriação por zona somente é cabível quando a valorização imobiliária seja geral e ex-

traordinária, ou seja, beneficie diversos proprietários e em diferentes proporções, sem que se possa

distribuir equitativamente entre eles o custo da obra, o que inviabiliza a cobrança de contribuição de

melhoria.

Desapropriação indireta “é a designação dada ao abusivo e irregular apossamento do imóvel par-

ticular pelo Poder Público, com sua conseqüente integração no patrimônio público, sem obediência às

formalidades e cautelas do procedimento expropriatório. Ocorrida esta, cabe ao lesado recurso às vias

judiciais para ser plenamente indenizado, do mesmo modo que o seria caso o Estado houvesse procedido

regularmente”.211

Tratando-se de um apossamento administrativo sem justo título, a jurisprudência sempre conside-

rou que o prazo para intentar a ação indenizatória, por desapropriação indireta, haveria de ser o mesmo

prazo previsto em lei para a usucapião. Esse entendimento ficou consolidado com a edição da Súmula

119 do STJ, segundo a qual a ação de desapropriação indireta prescreveria em vinte anos, que era jus-

tamente o prazo da usucapião, previsto no art. 550 do Código Civil de 1916.

Essa orientação afastava a aplicação do prazo de cinco anos previsto no Decreto 20.910/32, que é

a regra geral nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública. Posteriormente, o governo, por meio de

medida provisória, tentou estabelecer este mesmo prazo quinquenal em norma específica, inserindo um

parágrafo único ao art. 10 do DL 3.365/41, com a seguinte redação: “Extingue-se em cinco anos o direi-

to de propor ação que vise à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público”. O STF,

todavia, suspendeu o efeito desta norma, reafirmando o entendimento consolidado de que a desapropria-

ção indireta tem caráter real e não pessoal, traduzindo-se numa verdadeira expropriação às avessas,

tendo o direito à indenização que daí nasce o mesmo fundamento da garantia constitucional da justa

indenização nos casos de desapropriação regular.212

Prevaleceu, então, a orientação emanada da Súmula 119 do STJ acima referida, no sentido de se

aplicar, à ação indenizatória por desapropriação indireta, o mesmo prazo legal da usucapião. Por outro

lado, com o advento do Código Civil de 2002, o prazo de usucapião, que era de vinte anos no CC 1916,

foi reduzido para quinze anos (art.1238), de modo que é este que deve ser atualmente considerado como

sendo o prazo prescricional para a ação indenizatória por desapropriação indireta.

211 MELLO, Curso..., cit. 212 STF, ADI 2260 MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 02/08/2002.

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Por fim, segundo alguns autores, nada impede que o proprietário se utilize também dos interditos

possessórios contra o Poder Público, tendo em vista a ilicitude da desapropriação indireta e desde que o

bem esbulhado não tenha sido ainda empregado em alguma finalidade de interesse público.

Consoante previsto no art.1238, §4º, do Código Civil de 2002, “o proprietário também pode ser

privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé,

por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjun-

to ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”.

Nesse caso, “o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença

como título para registro do imóvel em nome dos possuidores” (art.1238, §5º).

Trata-se de uma figura similar à desapropriação indireta anteriormente mencionada, com a dife-

rença de que não é o Estado que toma a iniciativa na retirada da propriedade, mas, sim, eventuais possu-

idores do imóvel que, sob as aquelas condições fixadas no dispositivo legal, a podem invocar contra o

proprietário reivindicante.

Há divergências sobre o alcance do controle jurisdicional na ação de desapropriação.

Doutrina e jurisprudência majoritárias, calcando-se no que literalmente dispõem os arts. 9º e 20

do DL 3.365/41, defendem que ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se

se verificam ou não os casos de utilidade pública, de maneira que a contestação só poderá versar sobre

vício do processo judicial ou impugnação do preço, não se admitindo sequer reconvenção. Qualquer

outra questão deverá ser decidida por ação direta, isto é, uma demanda judicial autônoma, que poderá ser

um mandado de segurança ou, em havendo necessidade de dilação probatória, uma ação de rito ordiná-

rio.

Na lição de Hely Lopes, “no processo de desapropriação o Poder Judiciário limitar-se-á ao exame

extrínseco e formal do ato expropriatório e, se conforme à lei, dará prosseguimento à ação para admitir o

depósito provisório dentro dos critérios legais, conceder a imissão na posse quando for o caso e, a final,

fixar a justa indenização e adjudicar o bem ao expropriante. Nesse processo é vedado ao juiz entrar em

indagações sobre a utilidade, necessidade ou interesse social declarado como fundamento da expropria-

ção (art.9o), ou decidir questões de domínio ou posse. Nada impede, entretanto, que, por via autônoma,

que a lei denomina ‘ação direta’ (art.20), o expropriado peça e obtenha do Judiciário o controle de lega-

lidade do ato expropriatório”.213

O mais comum, nesses casos, é que os expropriados se valham do mandado de segurança para

tentar bloquear o andamento do processo de desapropriação. Como já decidiu o STF, “se a desapropria-

ção for ilegal, cabe mandado de segurança, ou com efeito restaurador, depois de iniciada a execução, ou

com efeito preventivo, antes dela. Por outro lado, a ‘ação direta’ a que se refere o art.20 da Lei das De-

sapropriações não exclui o mandado de segurança, pois o que caracteriza este remédio processual é o

direito líquido e certo violado ou ameaçado por ato de autoridade”.214

Há, todavia, quem defenda o amplo controle jurisdicional de legalidade na própria ação de desa-

propriação, abrangendo todas as questões objetivamente levantadas pelo expropriado acerca dos requisi-

tos da desapropriação. É o que pensa Celso Antônio, quando afirma ser preciso que “a declaração de

213 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 214 RDA, 84:165.

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utilidade pública seja efetivamente predisposta à realização de uma das finalidades que ensejam o exer-

cício do poder expropriatório. Segue do exposto que, se o proprietário puder, objetivamente e indisputa-

velmente, demonstrar que a declaração de utilidade pública não é um instrumento para a realização dos

fins a que se preordena, mas um recurso ardiloso para atingir outro resultado, o juiz deverá reconhecer-

lhe o vício e, pois, sua invalidade”.215

Tem direito a ser indenizado não apenas o proprietário do bem desapropriado, mas, também, todo

aquele que for titular de algum direito relacionado ao bem e que tenha sofrido dano patrimonial em

decorrência do ato expropriatório, como acontece com o enfiteuta , o locatário, o usufrutuário, o credor

com garantia real etc. Alguns desses terceiros poderão peticionar no próprio processo desapropriatório,

pleiteando que parte da indenização lhes seja reservada na proporção do seu direito, subrogando-se tal

valor no preço total oferecido pelo expropriante, conforme o sistema de indenização única adotado no

direito brasileiro (art. 26 c/c art.31 do DL 3.365/41). Nesse caso, na lição de José Carlos de Moraes

Salles, "os direitos de terceiros passam a incidir sobre o valor da indenização fixada na sentença para o

proprietário, resolvendo-se numa participação sobre o mesmo".216

Outros poderão ainda se valer de ação

própria para ressarcimento de prejuízos. Como ressalva o referido autor, "é certo que alguns terceiros,

cujos direitos não recaiam propriamente sobre o imóvel por se tratar de direitos de natureza pessoal ou

obrigacional (como o inquilino, p. ex.), não se colocam sob a proteção do art. 31 do Dec.-lei 3.365/1941.

Todavia, também estes poderão socorrer-se das vias judiciais, por ação própria, para fazer valer seus

direitos afetados pela desapropriação".217

Registre-se já haver precedentes do STJ reconhecendo o direito

do locatário a ser indenizado em decorrência da desapropriação, como consta no seguinte trecho de

ementa: "(...) Na desapropriação de imóvel locado para fins comerciais, é assegurado ao locatário, des-

pojado do fundo de comércio, por via do procedimento expropriatório, o direito de ressarcimento por

perdas e danos, esteja ele protegido, ou não, pela Lei de Luvas. Precedentes jurisprudenciais".218

Efetuada a desapropriação, deve o Poder Público dar ao bem uma destinação de interesse públi-co, que foi o que justificou a retirada da propriedade. Se não o fizer, terá havido desvio de finalidade, consubstanciando a hipótese de tredestinação (também chamada de tresdestinação ou, ainda, predesti-nação).

Só haverá tredestinação se “ao bem expropriado para determinado fim é dado outro destino, sem utilidade pública ou interesse social. É o caso, por exemplo, de uma área desapropriada para construção de escola pública e que depois é alienada para uma empresa privada para nela construir um cinema. Mas, se ao bem desapropriado para um fim público for dado outro fim também público, não há de se falar em desvio de finalidade ou predestinação. Assim, se o Poder Público desapropriar uma área para construir uma escola e depois construir um hospital público, não há nenhuma ilicitude, pois o bem foi utilizado em prol da comunidade, do interesse social.”

219

Há, contudo, um caso em que o bem expropriado somente poderá ter uma única destinação, não cabendo qualquer outra, mesmo que também seja de interesse público. Tal ocorre com os imóveis desa-propriados para fins de parcelamento popular, destinado a classes de menor renda (art.5

o, §3º do DL

3.365/41, acrescentado pela Lei 9.785/99). “Desse modo, quando o bem é desapropriado para a implan-tação de tais parcelamentos, não será válido, em hipótese alguma, atribuir-lhe qualquer outra destinação, ainda que de interesse público, como seria o caso da construção de um hospital”.

220

215 MELLO, Curso..., cit. 216 SALLES, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, cit. 217 Idem. 218 STJ, REsp. 406502/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, julg. 23/04/2002. 219 BASTOS, Curso..., cit. 220 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

A tredestinação pode em alguns casos conferir ao antigo proprietário o direito de retrocessão, que é “o direito que tem o expropriado de exigir de volta o seu imóvel caso o mesmo não tenha o destino para que se desapropriou”.

221

Alimentou-se controvérsia acerca da natureza jurídica da retrocessão: se direito real (que assegu-re ao antigo proprietário o poder específico de reaver do bem) ou pessoal (que lhe garanta apenas as perdas e danos), havendo inicialmente uma propensão pela segunda tese. Isso porque, conforme dispõe o art. 35 do DL 3.365/41, “os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.

Hely Lopes aponta que, se o expropriante não der ao bem um destino de interesse público, “o di-reito do expropriado resolve-se em perdas e danos, uma vez que os bens incorporados ao patrimônio público não são objeto de reivindicação (Dec.-lei 3365/41, art.35). A retrocessão é, pois, uma obrigação pessoal de devolver o bem ao expropriado, e não um instituto invalidatório da desapropriação, nem um direito real inerente ao bem. Daí o conseqüente entendimento de que a retrocessão só é devida ao antigo proprietário, mas não a seus herdeiros, sucessores e cessionários”.

222

Celso Antônio, em sentido contrário, defende que “não se pode negar ao ex-proprietários o direi-to de reaver o bem nos casos aludidos, e é isto que se constitui na retrocessão propriamente dita, direito de natureza real”.

223 Nessa linha, já há precedentes jurisprudenciais reconhecendo a retrocessão como

um direito real, e não simplesmente pessoal, tendo em vista a supremacia da norma constitucional que consagra o direito de propriedade, o qual somente pode ceder diante de uma efetiva finalidade pública. O próprio STF, "outrora vassalo da tese do direito pessoal, passou, desde o RE 64.559-SP (RTJ 57/46, Relator Min. Eloy da Rocha), a compreender a retrocessão como direito real".

224

Tudo dependerá do destino dado ao bem, porque se estiver afetado a alguma utilidade pública, ainda que não seja aquela específica que tenha fundamentado o ato expropriatório, descabe a retroces-são

225, cabendo no máximo, se for o caso, a indenização por perdas e danos.

226 Noutro giro, "comprova-

da a não-utilização pelo Poder Público da área expropriada, inclusive alienada a terceiros, impõe-se o seu retorno ao antigo proprietário, pela moeda da desapropriação”.

227 Já se decidiu também que “a sim-

ples demora na utilização do bem expropriado não gera direito à retrocessão”.228

No caso específico da desapropriação urbanística, o art.8º, §4º, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) estabelece que o município deverá proceder ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público. Este aprovei-tamento, segundo §5º do mesmo artigo, poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, com prévia licitação. Ademais, o referido Estatuto preceitua que incorre em improbidade administrativa o Prefeito que deixar de proceder, no prazo de cinco anos, o adequado aproveitamento do imóvel incorporado ao patrimônio público (art.52, II).

A doutrina menciona ainda o chamado direito de extensão, que é “o direito do expropriado de e-

xigir que a desapropriação e a indenização alcancem a totalidade do bem, quando o remanescente resul-

tar esvaziado de seu conteúdo econômico”.229

221 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 222 MEIRELLES, Direito Administrativo, cit. 223 MELLO, Curso..., cit. 224 NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Revista da AJUFE, n.45, mai-jun.1995, p.60-71. 225 STJ, REsp. 57043, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 30/06/2004. 226 STJ, Ag no EREsp 73907, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 07/06/2004. 227 TRF da 1ª Região, EIAC 94.01.04506, Rel. Des. Fed. Fernando Gonçalves, DJ de 13/02/95. 228 STF, RE 52418, Rel. Min. Luis Gallotti, DJ de 09/11/66. 229 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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É uma figura similar à desapropriação por zona, eis que também enseja a expropriação de uma área maior do que a necessária para a finalidade imediata almejada pelo expropriante. A diferença está em que, enquanto na desapropriação por zona é do Poder Público a iniciativa de estender a desapropria-ção a áreas contíguas (visando o desenvolvimento ulterior de obra ou a reserva do bem para revenda posterior), no direito de extensão é próprio expropriado quem provoca a ampliação do objeto a ser desa-propriado, demonstrando não haver para ele qualquer interesse em permanecer com a área remanescente do bem, que, por conta da desapropriação da área original, desvalorizou-se substancialmente.

Conforme posicionamentos do STJ, tal desvalorização ocorre quando "a área remanescente deixa de exercer qualquer atrativo em termos imobiliários, hipótese em que o expropriante deverá indenizar a totalidade do bem”.

230 Desse modo, o direito de extensão "nada mais é do que a impugnação do preço

ofertado pelo expropriante. O réu, quando impugna na contestação o valor ofertado, apresenta outra avaliação do bem, abrangendo a integralidade do imóvel e não apenas a parte incluída no plano de desa-propriação".

231 Cuida-se, portanto, de uma forma de impugnação do preço, matéria que pode ser discuti-

da no próprio processo de desapropriação, em conformidade com a regra do art.20 do DL 3.365/41.

O Poder Público tem a faculdade unilateral de desistir da desapropriação a qualquer tempo, desde que ainda não esteja findo o processo, isto é, até o depósito ou o pagamento da indenização, recompondo todos os prejuízos eventualmente sofridos pelo expropriado, que com isso não poderá se opor à desistên-cia. O expropriante deverá também arcar com todos os custos processuais, incluindo honorários perici-ais, se houver.

Como ensina José dos Santos, "a desistência pode ser declarada diretamente na ação pelo expro-priante, requerendo este a extinção do processo sem resolução do mérito. Pode também instrumentalizar-se através de revogação total ou parcial do decreto expropriatório pelo Poder Público, tendo em vista, de qualquer modo, a ocorrência de fatos supervenientes que afastaram o interesse que o bem inicialmente despertava. A revogação, nesse caso, repercute na ação expropriatória, ensejando, da mesma forma, a extinção do processo sem exame de mérito, por falta de interesse do autor em seu desfecho".

232

Por outro lado, a desistência não é possível se, tendo havido imissão provisória na posse, o ex-propriante tiver efetivado ou permitido substanciais modificações no imóvel, tornando impossível resti-tuí-lo ao estado original.

233

A responsabilidade civil do Estado consiste no dever de reparação por danos materiais e morais

causados por agentes públicos no desempenho de suas funções em razão de ação ou omissão a eles atri-

buída. É regida por normas de direito público, cujo fundamento constitucional está no art. 37, §6º, da

Carta Magna de 1988.

230 STJ, REsp. 617503, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14/06/2004. 231 STJ, REsp. 986386, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 17/03/2008. 232 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 233 STJ, REsp. 450.383-RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 03/08/2006.

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

Algumas distinções preliminares precisam ser feitas.

Em primeiro lugar, a responsabilidade civil aqui tratada é de natureza extracontratual, de modo

que a não se basear na remota existência de um contrato entre o Estado e o administrado.

Tal distinção é essencial porque, na lição de Marçal Justen, “o regime próprio dos contratos ad-

ministrativos protege o particular contra certos eventos imprevisíveis, gerando garantias que não se

verificam no restante das hipóteses. É assegurado ao particular o direito à intangibilidade da equação

econômico-financeira, do que deriva a proteção jurídica em face do caso fortuito, força maior, ou fato do

príncipe. (...) Tutela similar não se verifica no âmbito da atividade extracontratual. Portanto, o campo

próprio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, objeto do exame deste capítulo, abrange

apenas os efeitos danosos de ações e omissões imputáveis a pessoas jurídicas de direito público (ou

particulares prestadores de serviços públicos), relativas a condutas que configurem infração a um dever

jurídico de origem não contratual”.234

Outra distinção importante diz respeito ao sacrifício que o Estado pode impor diretamente aos

particulares sem importar em qualquer violação a direito, o que não se confunde com a responsabilidade

civil aqui versada. São os casos de intervenção estatal na propriedade privada, ocorrendo situações em

que a lei prevê a necessidade de indenização pelo sacrifício da propriedade, seja este um sacrifício parci-

al (v.g. a servidão ou a requisição administrativa) ou total (desapropriação). Porém, esta indenização

paga ao proprietário não tem como causa remota um prejuízo diretamente causado pelo Estado e, por

isso, não configura hipótese de responsabilidade extracontratual. São situações jurídicas diferentes,

porque submetidas a distintos regimes jurídicos.

Como explica Celso Antônio, “o problema da responsabilidade do Estado não pode nem deve ser

confundido com a obrigação, a cargo do Poder Público, de indenizar os particulares naqueles casos em

que a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra o direito de terceiros, sacrifican-

do certos interesses privados e convertendo-os em sua correspondente expressão patrimonial. A desa-

propriação é o exemplo típico dessa situação. Renato Alessi, em sua clássica monografia sobre La Res-

ponsabilità della Pubblica Amministrazione, assinala que só cabe falar em responsabilidade, propria-

mente dita, quando alguém viola um direito alheio. Se não há violação, mas apenas debilitamento, sacri-

fício de direito, previsto e autorizado pela ordenação jurídica, não está em pauta o tema da responsabili-

dade do Estado”.235

A expressão “sacrifício diretamente imposto” significa que a própria lei já o delimitou previa-

mente como inerente à atuação do Estado, que tem por finalidade imediata exatamente a produção da-

quele sacrifício, daí porque, nesses casos, o legislador já cuida de estabelecer os parâmetros para a inde-

nização dos prejuízos suportados. Coisa diferente acontece quando a atuação do Estado não tem por

finalidade imediata a produção de danos, porém acaba por gerar prejuízos patrimoniais a terceiros. Sen-

do assim, eventual indenização haverá de ser apurada segundo os parâmetros da teoria da responsabili-

dade extracontratual do Estado, conforme aqui será estudado.

Alguns autores costumam ainda apontar uma peculiaridade do Direito Administrativo que, ao

contrário do regime privado, admitiria responsabilizar-se o Estado até mesmo por atos lícitos praticados

por seus agentes. Ou seja, enquanto no Direito Civil a responsabilidade extracontratual pressupõe sem-

pre um dano decorrente de ato ilícito, no Direito Administrativo isso não seria imprescindível. É nesse

sentido a opinião de Celso Antônio, para quem a indenização decorrente de ato lícito estatal por vezes

pode ser enquadrada como hipótese de responsabilidade extracontratual, ocorrendo quando o agente

público, agindo de acordo com a lei, termina por indiretamente causar um dano a terceiro.236

Vale dizer,

234 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 235 MELLO, Curso..., cit. 236 MELLO, Curso..., cit.

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a ação lícita do Estado é direcionada a uma situação que a princípio não produziria qualquer dano a

terceiro, mas que acaba produzindo (indiretamente) uma conseqüência danosa que não pode ser evitada.

Maria Sylvia também pensa assim, quando diz que “ao contrário do direito privado, em que a

responsabilidade exige sempre um ato ilícito (contrário à lei), no direito administrativo ela pode decorrer

de atos ou comportamentos que, embora lícitos, causem a pessoas determinadas ônus maior do que o

imposto aos demais membros da coletividade”.237

Como exemplo de responsabilidade por ato lícito,

Mazza cita como exemplo “obras para asfaltamento de rua diminuindo a clientela de estabelecimento

comercial”.238

Registre, todavia, que este entendimento encontra forte resistência por parte de alguns doutrina-

dores que consideram que o Estado somente pode ser responsabilizado por atos ilícitos; para estes juris-

tas (os quais, ao que parece, são minoria na doutrina brasileira), se a conduta estatal for reputada lícita

sob todos os ângulos, não haveria de se falar propriamente em responsabilidade extracontratual. Vale

dizer, ou o ato é, por algum ângulo, considerado ilícito, gerando direito à indenização por responsabili-

dade do Estado; ou o ato é totalmente lícito, e a indenização, caso devida pelo Estado, terá outro funda-

mento jurídico. Assim pensa Marçal Justen239

, conforme teremos oportunidade de examinar em tópico

posterior deste capítulo.

A noção de responsabilidade civil extracontratual do Estado nem sempre foi reconhecida, evolu-

indo ao longo do tempo até ser considerada em maior ou menor grau, passando basicamente por três

fases teóricas, as saber: fase da teoria da irresponsabilidade, fase das teorias civilistas e fase das teorias

publicistas.240

A teoria da irresponsabilidade era a que prevalecia ainda nos primórdios do Estado Moderno

quando da gênese do Direito Administrativo, logo após o rompimento com o regime absolutista, época

em que se entendia que o Estado não poderia jamais ser responsabilizado por seus atos, predominando a

ideologia de que o rei não nunca erra.

É certo que na França, já no ano de 1800, foi editada uma lei que tratava do ressarcimento por

danos oriundos de obras públicas.241

Porém, não se reconhecia aí a responsabilidade por atos ilícitos do

Estado soberano. Se ato ilícito houvesse, a ensejar indenização, esta seria da responsabilidade pessoal do

agente causador do dano. Vale dizer, apenas “haveria possibilidade de responsabilização individual dos

agentes públicos que, atuando com dolo ou culpa, acarretassem dano a outrem. Ressalte-se, porém, que a

responsabilidade existiria em nome próprio e não como prepostos do Estado”.242

A teoria da irresponsabilidade estatal vigorou na França até o final do século XIX, quando, por

volta de 1873, o Tribunal de Conflitos julgou o famoso Caso Blanco, considerado pela doutrina como

um dos marcos históricos da consolidação do Direito Administrativo, notadamente em tema de respon-

sabilidade civil do Estado. Tratou-se de situação envolvendo acidente sofrido por uma menina chamada

Agnes Blanco, que fora atropelada por um vagão pertencente ao Estado, contra quem a família pleiteou

uma indenização, tendo o Tribunal de Conflitos reconhecido a responsabilidade da Administração Públi-

ca.

237 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 238 MAZZA, Manual…, cit. 239 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 240 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 241 Em data conhecida como o 28 Pluvioso do Ano VIII, no calendário Napoleônico (oito anos após 1792). 242 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Apesar de aos poucos vir se reconhecendo a responsabilidade estatal, ainda remanesceu a teoria

da irresponsabilidade em alguns casos submetidos ao tribunal, o que na França recebeu a denominação

de ilhas de irresponsabilidade (“ilôts d’irresponsabilité”). Esses resquícios, todavia, tenderam a desapa-

recer no início do sec. XX.

Hely Lopes salienta que “a doutrina da irresponsabilidade está inteiramente superada, visto que

as duas últimas Nações que a sustentavam, a Inglaterra e os Estados Unidos da América do Norte, aban-

donaram-na, respectivamente, pelo Crown Proceeding Act, de 1947, e pelo Federal Tort Claims Act, de

1946. Caíram, assim, os últimos redutos da irresponsabilidade civil do Estado pelos atos de seus agen-

tes”.243

Sob influência do liberalismo, a teoria da irresponsabilidade foi sendo aos poucos superada e e-

voluindo para a idéia de responsabilidade estatal por culpa (responsabilidade subjetiva do Estado).

Seguiu-se, então, à fase das teorias civilistas, apoiadas “na lógica do direito civil na medida em

que o fundamento da responsabilidade é a noção de culpa. Daí a necessidade de a vítima comprovar,

para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal;

d) culpa ou dolo. Assim, para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público

atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, impru-

dência, imperícia”.244

Num primeiro momento, reconheceu-se que o Estado, apesar de soberano no tocante aos atos de

império praticados por ordem do príncipe, deveria ao menos responder pelos atos de rotina praticados na

gestão dos negócios públicos.

Esta teoria civilista, que diferenciava os atos de império (praticados com prerrogativas de autori-

dade) dos atos de gestão (praticados em igualdade de condições com os particulares), pregava que a

responsabilidade civil do Estado somente ocorreria em relação a estes e desde que o agente público

atuasse com culpa. Concebia-se, portanto, uma espécie de bifurcação da figura do Estado, o que na Ale-

manha veio a ser chamada de Teoria do Fisco. De um lado havia o Estado-soberano, imune de respon-

sabilidade. De outro, o Estado enquanto gestor do patrimônio público (Fisco).

Posteriormente, essa distinção entre atos de império e atos de gestão deixou de ser aplicada, mas

o parâmetro jurídico da responsabilidade estatal continuou sendo a culpa dos agentes públicos, sem o

que nada haveria a indenizar.

Esta segunda teoria civilista, que se pode chamar de teoria da culpa civil ou da responsabilidade

subjetiva, deixou de lado a distinção entre atos de gestão e de império, mas continuou apegada ao requi-

sito da culpa, sem o qual não se configuraria a responsabilidade. Buscando equiparar a responsabilidade

do Estado à do patrão, ou comitente, pelos atos dos empregados ou prepostos, o exame da culpa do

agente estatal era feito segundo os mesmos parâmetros de avaliação da culpa dos particulares.

Entrementes, “embora tenha representado grande avanço em relação ao período anterior, a teoria

subjetiva nunca se ajustou perfeitamente às relações de direito público diante da hipossuficiência do

administrado frente ao Estado. A dificuldade da vítima em comprovar judicialmente a ocorrência de

culpa ou dolo do agente público prejudicava a aplicabilidade e o funcionamento prático da teoria subje-

tiva. Foi necessário desenvolver uma teoria adaptada às peculiaridades da relação desequilibrada entre o

Estado e o administrado”.245

243 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 244 MAZZA, Manual..., cit. 245 MAZZA, Manual…, cit.

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Advém daí a fase das teorias publicistas.

Nesse novo momento, passou-se a considerar que a responsabilidade do Estado não poderia ser

regida pelas regras comuns do Código Civil, devendo-se levar em conta a sua atuação contínua e suas

prerrogativas frente aos particulares, tendo em vista a necessidade do serviço público. Buscou-se então

um regime especial a ser aplicado ao Estado, observadas as peculiaridades de sua atuação.

A primeira teoria publicista baseia-se na chamada “culpa administrativa” ou “acidente admi-

nistrativo”, decorrente da doutrina francesa (faute du service), em que a ausência ou mau funcionamento

funcionamento do serviço público bastaria para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos

causados aos administrados.

Em que pese ainda apegada ao elemento culpa, esta teoria representou importante avanço em re-

lação às teorias civilistas, sobretudo porque dispensava a identificação individual do agente público

causador do dano, bastando que se reconhecesse que o prejuízo se dera em decorrência do serviço públi-

co. Adveio daí a noção de culpa anônima, tal como classicamente desenvolvida pelo jurista francês Paul

Duez.

A teoria da culpa administrativa revelou-se como um meio termo na transição da teoria da res-

ponsabilidade subjetiva para a responsabilidade objetiva do Estado, ocorrendo uma gradativa substitui-

ção da idéia de culpa pela noção de risco.

Surge finalmente a teoria do risco administrativo, quando não se fala mais em culpa ou falta do

serviço, respondendo a Administração Pública sempre que ocorrer dano produzido por um agente estatal

no desempenho de um serviço público (nexo causal). Ou seja, não se exige mais a falta do serviço, bas-

tando haver o fato do serviço, o que por si só já vincularia o Estado ao dano produzido, em decorrência

do risco por ele assumido.

Assinala Maria Sylvia que “essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encar-

gos sociais; assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os

prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um

ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver

entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utili-

zando recursos do erário público”.246

Porém, é preciso atentar que a teoria do risco administrativo, apesar de lastreada na responsabili-

dade objetiva, não ignora a eventual ocorrência de excludentes que tenham o condão de romper com o

nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo, bem como atenuantes que diminuam a carga de res-

ponsabilidade estatal. Ou seja, a responsabilidade fica mitigada ou até mesmo afastada se restar provado

que a vítima concorreu, parcial ou totalmente, para o evento danoso, ou de que houve culpa de terceiro

ou, ainda, motivo de força maior, um fato da natureza sem qualquer liame com algum comportamento do

Estado. Quanto ao caso fortuito por ato de terceiro, há divergências na doutrina sobre se exclui ou não a

responsabilidade do Estado. Se o ato produtor do dano tiver relação específica com a atividade adminis-

trativa, de modo a inserir-se no risco comum assumido pelo Estado, deve ele responder objetivamente.

Mas se o ato for completamente estranho aos riscos inerentes à atividade administrativa, é de ser afasta-

da a responsabilidade.

Modalidade extremada de risco administrativo é contemplada pela chamada teoria do risco in-

tegral, que se destaca pelo alto grau de objetividade na avaliação da responsabilidade estatal. Enquanto a

teoria do risco administrativo, como dito, admite hipóteses nas quais o Estado não responde pelo dano

(excludentes) ou tem diminuída a sua responsabilidade (atenuantes), a teoria do risco integral não as

admite.

246 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Apontando a distinção entre as modalidades de risco, Hely Lopes Meirelles ressalta que “a teoria

do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público

demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo

não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva

indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente,

que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa

total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parci-

almente da indenização. A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco admi-

nistrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Por essa fórmula radical,

a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que

resultante de culpa ou dolo da vítima”.247

Com efeito, adotar inadvertidamente a teoria do risco integral equivaleria a transformar o Estado

numa espécie de segurador universal, ou seja, imputando-lhe a responsabilidade por todo e qualquer

infortúnio sofrido pelas pessoas na convivência em sociedade. Daí porque, “embora seja a visão mais

favorável à vítima, o caráter absoluto dessa concepção produz injustiça, especialmente diante de casos

em que o dano é produzido em decorrência de ação deliberada da própria vítima. Não há notícia de

nenhum país moderno cujo direito positivo tenha adotado o risco integral como regra geral aplicável à

responsabilidade do Estado”.248

O risco integral somente deve ser adotado em situações excepcionais,

quando, por opção política, o legislador imponha ao Estado o dever de reparar prejuízos decorrentes de

determinadas atividades consideradas de alto risco. Há, inclusive, autores que, à vista do inciso XXIII, d,

do art.21 da CF/88, entendem aplicável a teoria do risco integral em caso de danos nucleares. Ainda

assim, a questão tem alimentado extensas divergências na doutrina.

A teoria da irresponsabilidade do Estado jamais foi adotada no Brasil, haja vista que tanto a

Constituição de 1824 quanto a de 1891 foram elaboradas após a queda do absolutismo, já em período

influenciado pelos ideais do liberalismo.

Na fase do Império, reconhecia-se a responsabilidade por danos provocados por atos estatais, a-

inda que a indenização ficasse a cargo dos empregados públicos, como dispunha a nossa Constituição de

1824, em seu art.179, inc.29. Com a proclamação da República, a Constituição de 1891, em seu art.82,

manteve a responsabilidade a cargo do funcionário público.

Já no início do séc. XX, o Direito brasileiro passou a adotar a teoria da culpa administrativa,

fundada na responsabilidade subjetiva, ressalvado o direito de regresso contra o agente causador do

dano, consoante veio a ser previsto no art.15 do Código Civil de 1916.

Com o advento da Constituição de 1934, o direito brasileiro continuou contemplando a culpa sob

regime publicístico, porém adotou, em seu art. 171, o princípio da solidariedade na culpa. Esta concep-

ção foi mantida no art. 158 da Constituição de 1937.

Somente com a Constituição de 1946, passou-se a adotar no Brasil, além da responsabilidade

subjetiva, também a responsabilidade objetiva do Estado, conforme previsto em seu art.194, cuja reda-

ção excluía a idéia comum de culpa disposta no Código Civil então vigente. As Constituições de 1967

(art. 105) e 1969 (art.107) mantiveram a concepção de responsabilidade objetiva.

Tal modelo perdurou com a Constituição de 1988, com o acréscimo da possibilidade de ação re-

gressiva contra o funcionário causador do dano, bem como da responsabilidade das pessoas jurídicas

247 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 248 MAZZA, Manual..., cit.

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privadas prestadoras de serviços públicos. Atualmente, a responsabilidade extracontratual do Estado

encontra previsão na norma do art.37, §6º, da CF/88, vazada nos seguintes termos: “as pessoas jurídicas

de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderá pelos danos que

seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o respon-

sável nos casos de dolo ou culpa”.

O novo Código Civil (Lei 10.406/2002), em conformidade com a Carta Magna, acolheu a doutri-

na da responsabilidade objetiva, ainda que sem mencionar expressamente as pessoas jurídicas de direito

privado prestadoras de serviço público, como se infere do teor do seu art.43: “As pessoas jurídicas de

direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que, nessa qualidade,

causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por

parte destes, culpa ou dolo”.

E é com vistas a estes dispositivos que os administrativistas brasileiros, apesar de se valerem das

referidas teorias publicísticas, apontam distintas metodologias para a resolução de problemas jurídicos

envolvendo a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Pode-se de certa forma dizer que, no Brasil, doutrina e jurisprudência majoritárias adotam, como

regra geral, a teoria do risco administrativo, com base no art.37, §6º, da CF/88, apenas admitindo hipóte-

ses excludentes fundadas na culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, ou, ainda, a atenua-

ção da responsabilidade estatal se houver culpa concorrente da vítima.

Nesse prisma, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “o princípio da responsabilidade obje-

tiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da pró-

pria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberató-

rias – como o caso fortuito e a força maior – ou evidentemente de ocorrência de culpa atribuível à pró-

pria vítima”.249

O Ministro Celso de Mello assim aponta os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado

no direito brasileiro:

“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasilei-

ros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do

Poder Público por danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou omissão. Essa

concepção teórica que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder

Público, faz emergir, da mera ocorrência do fato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indeni-

zá-lo pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos

agentes estatais ou de demonstração da falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura

e delineiam o perfil da responsabilidade objetiva do Poder Público correspondem: a) a alteridade do

dano; b) a causalidade material entre o evento damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo

(omissão) do agente público; c) a oficialidade da atividade causal e levisa, imputável a agente do Poder

Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independente

da licitude, ou não, do comportamento funcional; e d) a ausência de causa excludente da responsabilida-

de funcional estatal”.250

Convém registrar, contudo, que, na esteira da doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, a

responsabilidade objetiva decorrente do risco administrativo somente se aplica aos atos comissivos do

Estado, não se podendo invocá-la em relação a atos omissivos. Quanto a estes, a responsabilidade será

sempre subjetiva, por aplicação da teoria da falta do serviço (culpa administrativa), não se devendo

aplicar simplesmente a teoria da responsabilidade objetiva que leve em conta a mera relação causal entre

a ausência do serviço e o dano produzido.

249 STF, RE 109.615-2, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.08.1996. 250 Idem.

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Assevera o jurista que a responsabilidade por falta de serviço, falha no serviço ou culpa no servi-

ço “não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva, ao contrário do que entre nós e

alhures, às vezes, tem-se inadvertidamente suposto”.251

José dos Santos, na mesma linha, defende que “quando a conduta estatal for omissiva, será preci-so distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se confi-gurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano”.

252

Deveras, seria o verdadeiro caos se o Estado fosse chamado a responder objetivamente por todo evento danoso que não tenha causado diretamente, apenas se lhe atribuindo uma suposta conduta omis-siva. Seria transformar o Estado em um “segurador universal”, imputando-lhe a culpa por tudo que desse errado na vida cotidiana das pessoas. Salientando a importância do tema, Sylvio Motta e William Dou-glas asseveram que “através da habilidade de mentes instruídas e quase genais, é possível criar em quase todo prejuízo de uma pessoa ou grupo econômico alguma relação com a Administração, seja por sua ação ou omissão. A partir daí, calcado na responsabilidade objetiva, iniciam-se ações para que o ente estatal pague a conta”.

253 A culpa administrativa, nesse caso, deve ser examinada de acordo com critérios

de razoabilidade e padrões de normalidade na atuação estatal.

A jurisprudência brasileira veio acolhendo a tese defendida por Celso Antônio, adotando a res-

ponsabilidade subjetiva por omissão, como se infere do seguinte trecho de julgado:

“(...) A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de condu-

ta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este

entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especi-

ficamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do

serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja

configurada a responsabilidade”.254

Em momento mais recente, houve uma sensível modificação do foco de análise da omissão esta-

tal, passando a doutrina e a jurisprudência a se valer da distinção entre a omissão genérica e omissão

específica. Segundo essa corrente, o modelo tradicional da culpa administrativa somente seria aplicável

aos casos de omissão genérica, nos quais o Estado não tem o dever de evitar o dano, porém culposamen-

te contribui para a sua ocorrência. Já na omissão específica, o Estado tem o dever de evitar o dano e

assume o risco da sua ocorrência, configurando-se, então, a responsabilidade objetiva (teoria do risco

administrativo).

Confiram-se os seguintes posicionamentos doutrinários a respeito do assunto:

“Não é correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será en-

carada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não

quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir”.255

"(...) é preciso distinguir 'omissão genérica' do Estado e 'omissão específica'(...) Haverá omissão

específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em

251 MELLO, Curso..., cit. 252 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 253 MOTTA, Sylvio; DOUGLAS, William. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Impetus. 254 STJ, REsp. 888420/SP, rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.05.2009. 255 CASTRO, Guilherme Couto de. A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.

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situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado

atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não pode-

rá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabi-

lizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma

patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir

viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resulta-

do. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado (...)".256

Para melhor compreender os parâmetros levados em conta pela jurisprudência na aplicação de

tais teorias, convém citar a situação do prisioneiro que foge do presídio público e vem a cometer danos

contra terceiros. Consoante vem se posicionando o STF, é preciso examinar o nexo causal configurador

da responsabilidade estatal por dano causado por preso foragido, que não surge como uma consequência

automática da fuga. Se apesar de se tratar de foragido, as circunstâncias do delito praticado demonstra-

rem ter havido interrupção do nexo causal, o Estado não poderá ser responsabilizado. Assim, cabe anali-

sar, em cada caso, as circunstâncias em que se operou a fuga, as providências tomadas pelo Poder Públi-

co após a fuga, o lapso temporal transcorrido entre a fuga e o delito praticado, dentro outros aspectos que

se reputar relevantes.

Confira-se trechos de alguns julgados do STF sobre o tema:

"A negligência estatal no cumprimento do dever de guarda e vigilância dos presos sob sua custó-

dia, a inércia do Poder Público no seu dever de empreender esforços para a recaptura do foragido são

suficientes para caracterizar o nexo de causalidade".257

"Fora dos parâmetros da causalidade não é possível impor ao Poder Público uma responsabilida-

de ressarcitória sob o argumento de falha no sistema de segurança dos presos".258

"A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda

Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6º do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obvi-

amente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus

agentes e o dano causado a terceiros. (...) Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de

que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da omissão da autoridade pública

que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da

quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão".259

"1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugitivo. 2. Não

existindo nexo causal entre a fuga do apenado e o crime praticado, não se caracteriza a responsabilidade

civil do Estado. Precedentes".260

"1. Inexistência de nexo causal entre a fuga de apenado e o crime praticado pelo fugitivo. Prece-

dentes. 2. A alegação de falta do serviço - faute du service, dos franceses - não dispensa o requisito da

aferição do nexo de causalidade da omissão atribuída ao poder público e o dano causado. 3. É pressupos-

to da responsabilidade subjetiva a existência de dolo ou culpa, em sentido estrito, em qualquer de suas

modalidades - imprudência, negligência ou imperícia".261

Por fim, no que concerne à teoria do risco integral, já se disse que alguns autores a admitem es-

pecificamente no que concerne aos danos nucleares, tendo em vista o disposto no art.21, XXIII, c, da

CF/88. Todavia, apontam-se divergências doutrinárias a respeito, havendo quem entenda que, mesmo

256 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas. 257 STF, RE 607771 AgR/SC, rel. Min. Eros Grau, julg. 20/04/2010. 258 STF, RE 172025/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, julg. 08/10/1996. 259 STF, RE 130764/PR, rel. Min. Moreira Alves, julg. 12/05/1992. 260 STF, AI 463531 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 29/09/2009. 261 STF, RE 395942 AgR/RS, rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/12/2008.

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nesse caso seria aplicada a teoria do risco administrativo, com eventuais excludentes de responsabilida-

de, pois a culpa afastada pelo legislador constitucional seria a do Estado e não a da vítima.262

Alexandre Mazza até admite a aplicação da teoria do risco integral em situações excepcionais,

tais como: a) acidentes de trabalho (infortunística); b) indenização coberta pelo seguro obrigatório para

automóveis (DPVAT); atentados terroristas (Leis 10.309/2001 e 10.744/2003) e dano ambiental (art.225,

§§2º e 3º da CF/88). Porém, afasta essa possibilidade em relação ao dano nuclear, considerando que “a

Lei de Responsabilidade Civil por Danos Nucleares – Lei 6.653/77 prevê diversas excludentes que afas-

tam o dever de o operador nuclear indenizar prejuízos decorrentes de sua atividade, tais como: culpa

exclusiva da vítima, conflito armado, atos de hostilidade, guerra civil, insurreição e excepcional fato da

natureza (arts.6º e 8º). Havendo excludentes previstas diretamente na legislação, impõe-se a conclusão

de que a reparação de prejuízos nucleares, na verdade, sujeita-se à teoria do risco administrativo”.263

As doutrinas que se ocupam do tema da responsabilidade civil extracontratual do Estado foram construídas para lidar com as situações de sujeição geral dos administrados em relação ao Poder Público. Nesse prisma, tais regras de responsabilidade servem como garantia aos administrados submetidos ao império estatal, ou seja, é o contrapeso da supremacia geral que tem o Estado, no exercício do seu poder de polícia.

Casos há, todavia, em que o Estado mantém vínculos especiais com certas pessoas, tais como servidores públicos, alunos de escolas públicas, presos mantidos em cadeias e penitenciárias etc. São relações de supremacia especial, também chamadas de relações de custódia, submetidas a regime disci-plinar mais rigoroso e que, por conseqüência, devem seguir parâmetros distintos de responsabilidade por parte do Estado.

Mazza explica que “nessas vinculações diferenciadas, a responsabilidade do Estado é mais acen-tuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever de garantir a inte-gridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros. Os exemplos mais comuns são: o preso morto na cadeia por outro detento; a criança vítima de briga dentro de escola pública; bens privados danificados em galpão da Receita Federal. Em todas essas hipóteses, o Estado tem o dever de indenizar a vítima do dano, mesmo que a conduta lesiva não tenha sido praticada por agente público. Cabe, porém, advertir que a responsabilidade estatal é obje-tiva na modalidade do risco administrativo, razão pela qual a culpa exclusiva da vítima e a força maior excluem o dever de indenizar. Assim, por exemplo, o preso assassinado na cadeia por outros detentos durante rebelião gera dever de o Estado indenizar a família. Entretanto, se a morte teve causas naturais (força maior) ou foi proveniente de suicídio (culpa exclusiva da vítima), não há dever de indenizar. Quando ao fato de terceiro, não constitui excludente da responsabilidade nos casos de custódia, em razão do mais acentuado dever de vigilância e de proteção atribuído ao Estado nessas relações de sujeição especial”.

264

Em relação aos danos sofridos por servidores públicos no exercício da função pública, são i-gualmente aplicadas as regras de responsabilidade civil do Estado, sendo insuficiente para afastá-las o fato de haver uma legislação específica regulando a relação entre o Estado e o seu servidor, seja civil ou militar.

De acordo com a jurisprudência do STJ, por exemplo, "a existência de lei específica que rege a atividade militar (Lei 6.880/80) não isenta a responsabilidade do Estado, prevista no art.37,§6º, da Cons-tituição Federal, em danos morais causados a servidor militar em decorrência de acidente sofrido durante o serviço".

265

262 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 263 Manual..., cit. 264 Idem. 265 STJ, AgRg no REsp 1266484/RS, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 03/04/2012.

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Conforme já abordado anteriormente, desde a Carta Magna de 1946 o direito positivo brasileiro

contempla a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados por agentes públicos. A Constitui-

ção Federal de 1988, em seu art.37, §6º, manteve essa tendência, mas, além disso, inovou no ponto em

que passou a admitir expressamente a aplicação desse regime jurídico-administrativo de responsabilida-

de objetiva inclusive a empresas privadas, quando prestadoras de serviços públicos.

Assim, quando uma pessoa de direito privado, estatal ou não, vem a desempenhar uma atividade

administrativa que lhe foi delegada pelo Poder Público (por meio de concessões, permissões ou outros

instrumentos de delegação de serviços públicos), passa a responder objetivamente por danos que seus

agentes causarem a terceiros. Significa dizer que, não obstante a entidade delegada continue sendo uma

pessoa de direito privado, a sua responsabilidade, no tocante a aspectos relacionados ao serviço público,

segue normas de direito administrativo.

Registre-se que essa responsabilidade objetiva não beneficia apenas os usuários do serviço públi-

co. Acerca deste pondo, o STF, no julgamento do RE 591.874/MS266

, modificou a jurisprudência que

havia adotado em sentido contrário (RE 262.651/SP), passando a considerar que o art.37, §6º, da Carta

Magna de 1988, ao tratar da responsabilidade objetiva das prestadoras de serviços públicos, não estabe-

leceu qualquer distinção quanto à qualidade da vítima. Portanto, a regra constitucional aplica-se tanto a

usuários quanto a não-usuários do serviço público.

Ainda no tocante à atuação das empresas prestadoras de serviços públicos, sejam elas estatais ou

privadas, surge a indagação sobre a incidência do Código de Defesa do Consumidor no regime jurídico

de responsabilidade civil, de modo concomitante ao regime publicista previsto no art.37, §6º.

A princípio, se o serviço já é público, o seu desempenho está submetido a regras e princípios do

Direito Administrativo, de maneira que a responsabilidade objetiva da empresa prestadora já pode ser

suficientemente extraída da norma constitucional, sem necessidade de menção a qualquer dispositivo de

lei ordinária.

Porém, a aplicação concomitante do CDC no que concerne aos usuários do serviço público tem

a vantagem de reforçar a incidência da responsabilidade objetiva decorrente do risco empresarial, que já

se tornou usual nas relações privadas, sobretudo após o advento do Código Civil de 2002. Ao lado disso,

tem-se que a Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/95), ao enumerar os direitos e obrigações dos usuá-

rios de serviços públicos em seu art.7º, deixou claro que tal se dava “sem prejuízo do disposto na Lei

8.078, de 11 de setembro de 1990”. Aliás, o próprio CDC, em seu art.6º, X, contemplou, com direito

básico do consumidor, “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”.

Advirta-se, contudo, que a questão não é tão simples de ser examinada, pois, consoante assinala

Dinorá Grotti, impõe-se “verificar em que medida, extensão e profundidade os serviços públicos encon-

tram-se sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, deve-se analisar quais as

espécies de serviços públicos que se submetem à lei consumerista e quais normas desse diploma legal se

aplicam a esses serviços”.267

A autora demonstra que os doutrinadores divergem quanto ao alcance desta

proteção, uns defendem uma ampla aplicação do CDC a qualquer espécie de serviço público, enquanto

outros se posicionam pela aplicação do CDC apenas aos serviços divisíveis remunerados pelos usuários

(uti singuli), excluindo daí os serviços gerais prestados pelo Estado gratuitamente (uti universi). É este

segundo entendimento que tem prevalecido na doutrina.

Não obstante reconhecer a correção deste entendimento, salientando que “o STJ vem expressa-

mente identificando as relações das quais participam usuários de serviços públicos específicos e remune-

rados como relações de consumo”, Alexandre de Aragão chama a atenção para outro aspecto do proble-

266 Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 20.11.2008. 267 GROTTI, Dinorá. O serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros.

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ma. É que o fato de o CDC proteger os usuários dos serviços públicos uti singuli remunerados não signi-

fica que a sua incidência deva se dar segundo os mesmos parâmetros aplicados aos consumidores priva-

dos. Pondera que “o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente aos serviços públicos, já que eles

não são atividades econômicas comuns, sujeitas à liberdade de empresa e desconectadas da preocupação

de manutenção de um sistema prestacional coletivo”.268

Com efeito, a incidência das regras do CDC

nesta seara deve se dar de modo sistemático em atenção aos princípios e regras administrativas igual-

mente aplicáveis aos serviços públicos.

Seja como for, o fato é que a jurisprudência brasileira vem reiteradamente decidindo pela inci-

dência do CDC aos serviços públicos comerciais e industriais remunerados por tarifas (telefonia, energia

elétrica, serviço postal, transporte coletivo, água e esgoto, estacionamento público etc.), porém afastando

a sua aplicação no tocante aos serviços estatais gratuitos, custeados diretamente pelos cofres públicos,

bem como as atividades típicas de Estado tais quais as decorrentes do poder de polícia.269

Registre-se, todavia, que a responsabilidade civil por aplicação do CDC às relações travadas en-

tre entes estatais ou privados e os usuários de serviços públicos sustenta-se, na maioria das vezes, na

existência de um prévio contrato de prestação de serviços (ainda que, por vezes, seja um contrato ver-

bal). Trata-se, portanto, de responsabilidade contratual. Não obstante, como o STF já disse que a res-

ponsabilidade civil das concessionárias, nos termos do art.37, §6º, da CF/88, alcança inclusive os não-

usuários do serviço, pensamos que este mesmo raciocínio deve ser empregado para justificar a incidên-

cia do CDC na proteção de todos aqueles que, mesmo não sendo os consumidores diretos do serviço,

sujeitam-se aos riscos potenciais da sua realização. Imagine-se, por exemplo, alguém que é vítima de

descarga elétrica ao circular por perto de uma torre de energia, ou que tem o seu veículo abalroado por

caminhão do serviço postal.

Noutro giro, parece-nos que, em se tratando de atividade estatal, a grande utilidade na aplicação

do CDC diz respeito à atuação das sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de

atividade econômica stricto sensu (CF, art.173), como é o caso do Banco do Brasil, da Caixa Econômica

Federal, da Petrobrás etc., que, nessa condição, estariam à margem do regime específico do art.37, §6º,

da CF/88, o qual, como se disse, só alcança as prestadoras de serviço público.

Não raro são encontrados julgados aplicando, a todas estas empresas, o regime público de res-

ponsabilidade, ao lado das normas de proteção ao consumidor, com o que não concordamos. A regra

geral de responsabilidade civil extracontratual do Estado, extraída do art.37,§6º, da CF/88, aplica-se tão-

somente às pessoas jurídicas de direito público e às de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Logo, apenas incide sobre as empresas estatais que executam serviços públicos (v.g. o serviço postal),

não incidindo em relação às exploradoras de atividades econômicas de produção ou comercialização de

bens ou de prestação de serviços, as quais sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas (CF/88,

art.173,§1º,II), somente respondendo objetivamente nas situações específicas previstas na legislação

civil.

Por derradeiro, cabe destacar a situação peculiar dos serviços públicos notariais e de registro.

Nos termos do art. 236 da CF/88, eles são exercidos em caráter privado, mas por delegação do

Poder Público. Trata-se, portanto, de uma modalidade específica de execução de serviço público por

particular, incidindo a regra geral de responsabilidade objetiva por danos decorrentes de atos relaciona-

dos à serventia (CF/88, art.37,§6º). Segundo o art. 22 da Lei 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da

CF, "os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causarem a

268 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Serviços Públicos e Direito do Consumidor: possibilidades e limites de aplicação do CDC. Rev. Dir. Proc. Geral, Rio de Janeiro, (60), 2006. 269 Confira-se, v.g.: STJ, REsp. 976836/RS; REsp.964455/SP; REsp. 993511/MG; AgRg no Ag 777.344/RJ; AgRg no REsp.1135528/RJ; REsp.625144/SP; REsp.660026/RJ.

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terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso

de dolo ou culpa dos prepostos".

O STJ tem diversos precedentes no sentido de que "o tabelionato não detém personalidade jurídi-

ca ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de

má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimida-

de passiva".270

Esse entendimento deu-se em consonância com o posicionamento do STF de que "res-

ponde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa.

Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsa-

bilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito pri-

vado prestadoras de serviços públicos - § 6º do artigo 37 também da Carta da República".271

Em alguns

casos o STF reconheceu a responsabilidade objetiva do próprio Estado, com direito de regresso contra o

notário.272

A reparação do dano de responsabilidade do Estado poderá ser perseguida pela vítima tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial. Princípios constitucionais, sobretudo os princípios da moralidade e da impessoalidade, determinam que o Estado, apurando a ocorrência de danos causados por seus agentes no exercício das funções públicas, indenize espontaneamente a vítima, sem o que esta terá de provocar o Judiciário a lhe conceder o que de direito.

Contudo, para que haja indenização, não basta um prejuízo financeiro (dano econômico); faz-se necessário ter havido efetiva violação a direito subjetivo. A responsabilidade civil extracontratual pres-supõe a ocorrência de prejuízo anormal e específico. Sem isso não há dano jurídico a ser indenizado.

Anormal, porque somente cabe indenização para ressarcimento de dano patrimonial considerá-vel. Danos normais ou insignificantes não comportam indenização. Não se indeniza mero aborrecimento ou desconforto. Dano anormal “é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados normais e tolerá-veis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exemplo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial”.

273

Específico, porque não é qualquer infortúnio que comporta indenização, senão aqueles que su-perem os riscos normais da vida em sociedade e suportados por todos indistintamente. Danos difusos não comportam indenização. Dano específico “é aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Não se indeniza o dano genérico, que é suportado por todos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor da tarifa de ônibus”.

274

Somente o dano certo comporta indenização, seja ele atual (dano emergente) ou futuro (lucros cessantes). Não se indeniza dano incerto baseado em mera probabilidade, ou seja, quando não se tenha elementos concretos para aferir o alcance do dano causado. Mesmo quando se trate de dano futuro, como dito, já se deve de antemão perceber a sua potencialidade.

Essa regra tem sido flexibilizada com base na doutrina da perda de uma chance, que, segundo a jurisprudência, “visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito pratica-do. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir

270 STJ, REsp 545613/MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 29/06/2007. 271 STF, RE 201595, rel. Min. Marco Aurélio, julg. 28/11/2000. 272 RE 518894 AgR/SP, rel. Min. Ayres Britto, julg. 02/08/2011 e RE 209354 AgR/PR, rel. Min. Carlos Velloso, julg. 02/03/1999. 273 MAZZA, Manual..., cit. 274 Idem.

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uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilíci-to de terceiro”.

275

O direito brasileiro adotou a teoria do imputação volitiva concebida pelo jurista alemão Otto

Gierke, segundo a qual os atos que atingem terceiros, quando praticados por agentes públicos no

exercício da sua função, devem ser imputados à pessoa jurídica a que estejam vinculados. Os órgão e

agentes não agem como representantes ou mandatários do ente estatal. Eles “presentam” o próprio ente.

Logo, considera-se que a ação ou omissão da autoridade pública deve ser traduzida como uma atuação

do Estado. O fundamento primário da indenização é a relação jurídica entre o Estado e o cidadão que

sofreu o dano, não havendo relação com a pessoa do agente público. Com isso, eventual ação judicial

deve ser promovida contra o Estado e não contra o agente.

Daí que, na configuração da responsabilidade civil extracontratual do Estado, tal como

contemplada no art. 37, §6º, da CF/88, a relação jurídica embasadora se trava exclusivamente entre o

ente administrativo e o terceiro prejudicado.

Por outro lado, ainda nos termos do dispositivo constitucional, é assegurado ao Estado o direito

de regresso contra o agente responsável, nos casos de dolo ou culpa. Vale dizer: uma vez tenha o

Estado pago uma indenização ao particular que sofreu dano, irá depois buscar que o agente público, que

culposa ou dolosamente o tenha causado, promova o ressarcimento ao erário daquilo que foi

desembolsado naquele pagamento. Tem-se vistas aí exclusivamente à situação jurídica que se estabele

entre o Estado e o agente causador do dano, quando o Poder Público tenha despendido recursos para

indenizar o terceiro, redundando prejuízo ao erário.

Esta exegese busca inclusive proteger o próprio administrado, mormente nos casos em que não

seja identificado exatamente o servidor causador do dano, quando o Estado ainda assim terá de

responder pelo prejuízo causado ao particular (situações de culpa anônima). Outra utilidade da teoria

está em que o administrado fará jus à indenização sem que se precise inferir ter havido culpa ou dolo do

agente (responsabilidade objetiva do Estado por atos comissivos). Com efeito, tendo a presente ação

como causa de pedir a responsabilidade objetiva da autarquia ante fato ocasionado por um agente seu,

descabe perquerir sobre culpa ou dolo deste, questão que ficará reservada, se for o caso, a eventual ação

de regresso proposta pelo Estado contra o servidor.

Nessa linha já se posicionou o STF, considerando que “o § 6º do artigo 37 da Magna Carta

autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de

direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação

de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de

agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda,

dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa

jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior,

praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no

entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa

jurídica a cujo quadro funcional se vincular”.276

É de se registrar, entrementes, que no caso específico de abuso de autoridade a Lei 4.898/65 con-

tém previsão expressa permitindo que a vítima acione diretamente o autor do abuso, independentemente

da condenação do Estado em ação autônoma. Conforme consta no seu art. 9º, “simultaneamente com a

representação dirigida à autoridade administrativa ou independentemente dela, poderá ser promovida

275 STJ, REsp. 1190180/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJ 22.11.2010. 276 STF, RE327904, rel. Min. Carlos Britto, 15/08/2006.

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pela vítima do abuso, a responsabilidade civil ou penal ou ambas, da autoridade culpada”. Parece-nos,

porém, que esta norma não pode ir de encontro ao parâmetro constitucional acima referido, na linha de

entendimento do Pretório Excelso.

Outra questão controvertida diz respeito à possibilidade ou não de, no bojo do processo movido

pela vítima, haver a denunciação da lide proposta pelo Estado contra o servidor causador do dano. Uns

entendem necessária a denunciação na forma do art.70, III, do CPC. Outros defendem o contrário, por

entender que, em regra, a ação da vítima contra o Estado não envolve o exame da culpa do servidor,

razão pela qual a denunciação da lide viria a retardar injustificadamente o andamento do feito, em preju-

ízo da vítima. Nesse caso, restaria ao Estado tão somente propor ação direta contra o servidor.

Examinando minuciosamente a matéria, Maria Sylvia aponta duas hipóteses, em resumo: “1.

quando se trata de ação fundada na culpa anônima do serviço ou apenas na responsabilidade objetiva

decorrente do risco, a denunciação não cabe, porque o denunciante estaria incluindo novo fundamento

na ação: a culpa ou dolo do funcionário, não arguida pelo autor; 2. quando se trata de ação fundada na

responsabilidade objetiva do Estado, mas com argüição de culpa do agente público, a denunciação da

lide é cabível como também é possível o litisconsórcio facultativo (com citação da pessoa jurídica e de

seu agente) ou a propositura da ação diretamente contra o agente público)”.277

Para Mazza, “a denunciação da lide é visivelmente prejudicial aos interesses da vítima à medida

que traz para a ação indenizatória a discussão sobre culpa ou dolo do agente público, ampliando o âmbi-

to temático da lide em desfavor da celeridade na solução do conflito. Por essa razão, a doutrina majoritá-

ria rejeita a possibilidade de denunciação da lide ao argumento de que a inclusão do debate sobre culpa

ou dolo na ação indenizatória representa um retrocesso histórico à fase subjetiva da responsabilidade

estatal. A jurisprudência e os concursos públicos, entretanto, têm admitido a denunciação do agente

público à lide como uma faculdade em favor do Estado, o qual poderia decidir sobre a conveniência, ou

não, de antecipar a discussão a respeito da responsabilidade do seu agente, evitando com isso a proposi-

tura da ação regressiva. Em abono à denunciação da lide, comparecem razões ligadas à economia pro-

cessual, eficiência administrativa e maior celeridade no ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres

públicos”.278

José dos Santos, por sua vez, registra que “começa a predominar o entendimento no sentido da

admissibilidade da denunciação à lide, não como chamamento obrigatório, como emana do art.70 do

CPC, mas de cunho facultativo, o que significa dizer que, não tendo havido a denunciação, o processo é

válido e eficaz, restando, então, admissível o pleno exercício do direito de regresso do Estado contra o

servidor responsável”.279

Atente-se, portanto, à acirrada controvérsia doutrinária a respeito do tema, o que tem se refletido

também na jurisprudência.280

O art.1º do Decreto 20.910/32 dispõe que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Muni-

cípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública (federal, estadual ou munici-

pal), seja qual for a sua natureza, prescrevem em 5 (cinco) anos, contados da data do ato ou fato do qual

se originaram. Por força do DL 4.597/42, esse prazo também se aplica às dívidas das autarquias e funda-

ções de Direito Público.

277 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 278 MAZZA, Manual..., cit. 279 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 280 Confira-se, v.g.: STJ REsp. 631.723; RESP 1.187.456; REsp.167.132; RESP 109.208; REsp. 149.999.

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Em se tratando de entidade estatal com personalidade jurídica de Direito Privado (as quais não se

incluem no conceito de “Fazenda Pública”), deveriam ser aplicados os prazos prescricionais previstos na

legislação comum. Ocorre que o art.1º-C da Lei 9.494/97, inserido pela Medida Provisória n. 2180-

35/2001, estendeu o prazo de 5 (cinco) anos às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de servi-

ços públicos.

Ao tempo do Código Civil de 1916, a prescrição nas ações pessoais obedecia à regra geral do

art.177, que previa o prazo de 20 (vinte) anos. Porém, era pacífica na doutrina e na jurisprudência a

prevalência do dispositivo específico contido no Decreto 20.910/32, não apenas porque editado após o

Código, mas também por ser norma mais favorável à Administração (considerando-se que a prescrição é

um instituto cuja essência está na proteção do demandado). Assim, as ações pessoais que tivessem por

objeto a responsabilidade civil do Estado haveriam de ser propostas no prazo de cinco anos.

Com o advento do novo Código Civil de 2002, diante da previsão específica constante no seu art.

206, §6º, passando a fixar em 3 anos o prazo prescricional das pretensões visando reparação civil, foram

editados diversos precedentes jurisprudenciais aplicando esse dispositivo também às ações indenizató-

rias propostas contra o Poder Público.281

Nessa linha, alguns autores, a exemplo de José dos Santos,

passaram a defender que o prazo de prescrição judicial relacionado ao tema da responsabilidade extra-

contratual do Estado passou a ser de 3 (três) anos.282

Ocorre que, diante da controvérsia, o Superior

Tribunal de Justiça acabou por fixar o entendimento de que o prazo continua sendo o do Decreto

20.910/32 (quinquenal). Com efeito, a Primeira Seção daquela Corte assentou o posicionamento de que

"é de cinco anos o prazo para a pretensão de reparação civil do Estado".283

Outra questão que merece destaque diz respeito à prescrição nas ações que versem sobre o direito

de propriedade. Há situações em que a indenização está relacionada a ato ilícito do Estado que se apode-

rou da propriedade alheia sem nada indenizar (o chamado apossamento administrativo ou desapropria-

ção indireta) ou sem dar ao bem o destino que teria justificado a desapropriação (a chamada tredestina-

ção), casos em que, não sendo mais possível retomar a propriedade (retrocessão), a questão se resolve

em perdas e danos.

A reparação civil, nessas hipóteses, assume nitidamente feição real, pois enquanto houver prazo

para o retorno à propriedade, haverá prazo para a correspondente indenização. Ou seja, a ação calcada

em direito à indenização somente pereceria quando não houvesse mais direito de ação relacionado à

propriedade.

Por isso, antes mesmo do novo Código Civil, doutrina e jurisprudência pregavam que, apesar de

o art.1º do DL 20.910/32 referir-se a qualquer dívida, “seja qual for a sua natureza”, o prazo de cinco

anos somente se aplicaria às ações obrigacionais, de natureza pessoal, enquanto que, no tocante às ações

reais, incidiriam os prazos previstos no art.177 do Código Civil de 1916 (dez anos entre presentes e

quinze anos entre ausentes). Havia também o entendimento de que se o objeto da ação indenizatória

estivesse especificamente relacionado com a perda do direito de propriedade, deveria ser considerado,

por analogia, o prazo de usucapião de vinte anos em caso de má-fé (art.550) ou quinze ou dez anos nos

casos de justo título e boa-fé (art.551).

Com o advento do novo Código Civil, o art.205, ao fixar um prazo geral de prescrição, não fez

mais distinção entre direitos reais e pessoais, estabelecendo um marco de “dez anos, quando a lei não lhe

haja fixado prazo menor”. Porém, em relação à usucapião, o art.1238 reduziu o prazo para 15(quinze)

anos. Logo, seguindo a mesma razão lógica empregada pela jurisprudência ao tempo do Código anterior,

281 V.g. STJ, RESP 1137354, rel. Min. Castro Meira, DJ 18.09.2009. 282 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 283 EREsp 1.081.885/RR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julg. 13/12/2010, DJ de 01/02/2011. No mesmo sentido: AgRg no AREsp 32149/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julg. 04/10/2011.

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é de se considerar que o prazo prescricional para as ações indenizatórias relacionadas com a perda do

direito de propriedade atualmente é de 15(quinze) anos.

Em suma, por força do entendimento que vem predominando atualmente na doutrina e na juris-

prudência, o prazo prescricional das ações indenizatórias por dívidas de natureza pessoal, propostas

contra os entes públicos e entes privados prestadores de serviços públicos, continua sendo de 5 (cinco).

Mas em se tratando de ações indenizatórias fundadas em direito real, por danos relacionados com a

perda do direito de propriedade, aplicar-se por analogia a regra do art.1.238 do novo CC, que fixa o

prazo de 15 (quinze) anos.

Para os fatos ocorridos ao tempo do Código anterior, mas cujo prazo prescricional ainda não te-

nha se esgotado quando do advento do novo Código, a contagem deverá considerar a regra de transição

prevista no art. 2.028 do CC 2002, que dispõe: “Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por

este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais de metade do tempo

estabelecido na lei revogada”.

Cumpre ainda discorrer sobre as hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição nas ações in-

denizatórias por responsabilidade civil.

Há situações em que se dá a suspensão da prescrição, que “é a paralisação temporária da fluên-

cia do prazo prescricional – por força de fato ou ato que a lei atribua tal efeito –, o qual, uma vez cessada

a causa suspensiva, recomeça a correr, computando-se o período transcorrido antes da suspensão”.284

Em

regra, na pendência de apreciação de pleito tempestivamente formulado pelo administrado na via admi-

nistrativa, fica suspenso o prazo prescricional para a ação judicial tratando da mesma questão. Tal ocor-

re, por exemplo, na hipótese tratada no art.4º do Decreto 20.910/32, segundo a qual “não corre a prescri-

ção durante a demora que, no estudo, no reconhecimento ou no pagamento de dívida, considerada líqui-

da, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de apurá-la”.

Existem também hipóteses de interrupção da prescrição, que “é inutilização do lapso temporal

prescritivo já transcorrido, de maneira a recomeçar a contagem de seu prazo a partir do ato ou fato a que

a lei reconheça tal efeito”.285

As regras da interrupção da prescrição aplicáveis ao Poder Público são as

mesmas previstas no Código Civil, com algumas modificações previstas em legislações específicas do

Direito Administrativo.

Nos termos do art.3º do DL 4.597/42, a prescrição qüinqüenal somente pode ser interrompida

uma vez, e recomeça a correr pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu, ou do último do

processo para a interromper; consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último

ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o

prazo de dois anos e meio. Nesse último caso (no curso da lide), tem-se a chamada prescrição intercor-

rente.

Há casos em que dita regra poderia produzir situações injustas, quando a interrupção se der antes

da primeira metade do prazo, pois nesse caso, recomeçando a correr pela metade, o acionante ficaria em

situação pior do que aquele que se manteve inerte. Por isso, a Súmula 383 do STF dispõe que a prescri-

ção em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo,

mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira

metade do prazo.

Quando a dano causado a um particular, por atuação de agente estatal, for instantâneo (esgotar-se

num único ato), o prazo prescricional é contado a partir da data da lesão. Já nas chamadas relações de

trato sucessivo, a violação a direito se renova no tempo, de modo que a cada dia sobrevém um ato que

produz uma nova lesão ao particular. A Súmula 85 do STJ dispõe que nas relações jurídicas de trato

284 MELLO, Curso..., cit. 285 Idem.

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sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio

direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüenio anterior à

propositura da ação.

É preciso atenção para não se confundir a situação em que o dano decorreu de um ato isolado, a-

inda que os efeitos danosos tenham sido permanentes (a prescrição é contada a partir do ato) e aquela em

que houve sucessivos atos danosos que violaram continuamente um mesmo direito de natureza moral (a

prescrição é contada do último ato).

A violação continuada não apenas posterga, como aumenta a aflição moral a que vem se subme-

tendo a vítima, razão pela qual o STJ tem apontado como termo a quo da prescrição a data do último ato

danoso praticado, como se infere dos seguintes trechos de julgados:

"A continuada violação do direito de propriedade dos recorridos por atos sucessivos de poluição prati-cados pela recorrente importa em que se conte o prazo prescricional do último ato praticado" .

286

"Para fins prescricionais, o termo 'a quo', envolvendo violação continuada ao direito de imagem, conta-se a partir do último ato praticado".

287

Mesmo nas ações indenizatórias contra o Estado, o STJ tem reiteradamente aplicado a orientação

geral emanada da sua Súmula 54, segundo a qual "os juros moratórios fluem a partir do evento danoso,

em caso de responsabilidade extracontratual".

Por outro lado, a jurisprudência firmou-se também no sentido de que, uma vez transitada em jul-

gado a sentença condenatória, concluídos os cálculos de liquidação da dívida e não havendo disponibili-

dade orçamentária para pagamento espontâneo, suspende-se a incidência dos juros de mora enquanto

não esgotado o prazo constitucionalmente previsto para a tramitação do respectivo precatório.

Esse entendimento segue a exegese contemplada na Súmula Vinculante 17 do STF, de que "du-

rante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre

os precatórios que nele sejam pagos" (atualmente tal período está previsto no §5º do referido artigo, por

conta da alteração de redação dada pela EC 62/2009).

Observe-se ainda o teor do seguinte julgado do STJ:

"(...) 2. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, amparada no entendimento do

Supremo Tribunal Federal, não se pode imputar à Fazenda Pública a demora do trâmite processual no

período compreendido entre a liquidação do valor devido e a expedição do precatório e sua respectiva

inscrição no orçamento. 3. Assim, somente são devidos juros moratórios até a liquidação do valor execu-

tado, o que se verifica com a definição do quantum debeatur, materializado no trânsito em julgado dos

embargos à execução ou, quando estes não forem opostos, no trânsito em julgado da decisão homologa-

tória dos cálculos".288

Em suma, em se tratando de responsabilidade extracontratual do Estado, os juros de mora inci-

dem a partir do evento danoso e até o momento da liquidação definitiva do valor devido, suspendendo-se

em seguida pelo prazo previsto para pagamento via precatório e voltando a incidir caso o pagamento não

tenha sido feito até final do exercício previsto no art.100, §5º, da CF/88 (antigo §1º).

286 STJ, REsp.20645/SC, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, julg. 24/04/2002. 287 STJ, REsp. 1014624/RJ, rel. Min. Vasco Della Giustina (convocado), julg.10/03/2009. 288 STJ, AgRg no REsp 1135461/RS, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 26/06/2012.

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Dispõe o art.121 da Lei 8112/90 que o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo

exercício irregular de suas atribuições. São, portanto, três esferas distintas de responsabilidade.

O tema será abordado em capítulo específico referente aos servidores públicos, ao qual remete-

mos o leitor.

Os servidores públicos (em sentido amplo) são todos aqueles que mantêm vínculo de trabalho

profissional com as entidades governamentais da Administração direta e indireta. Esse vínculo de traba-

lho profissional, por sua vez, variará conforme o regime jurídico adotado para cada servidor.

Antes da CF/88, os servidores públicos podiam ser livremente contratos sob o mesmo regime de

emprego aplicado à iniciativa privada (CLT) e sem necessidade de prévio concurso público.

Com a nova Constituição, além de ser instituída a regra do concurso público, o art.39, em sua re-

dação original, passou a prever o regime jurídico único, por meio da qual se buscou estabelecer uma

isonomia entre os servidores da Administração direta e autárquica. No âmbito federal, foi de logo adota-

do o regime estatutário (Lei 8.112/90), o mesmo ocorrendo com os Estados e o Distrito Federal. Já quan-

to aos Municípios, nem todos criaram estatutos próprios para os seus servidores, mantendo os seus ser-

vidores basicamente sob o regime celetista, até que fosse adotado o regime estatutário.

A regra do regime jurídico único foi extinta pela Emenda Constitucional 19/98 (Reforma Admi-

nistrativa), passando-se a admitir que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotassem

mais de um regime jurídico para seus servidores, com a instituição de conselhos de política de adminis-

tração e remuneração de pessoal. Isso tornou possível, “por exemplo, que um Estado tenha grupo de

servidores estatutários e outro de servidores trabalhistas, desde que, é claro, seja a organização funcional

estabelecida em lei. O mesmo será permitido para as demais pessoas federativas. Aliás, a própria União

Federal, como já vimos, já tem a previsão de servidores estatutários (Lei 8112/90) e de servidores traba-

lhistas (Lei 9962/2000 e legislação trabalhista). Nada impedirá, é claro, que a entidade política adote

apenas um regime funcional em seu quadro, mas, se o fizer, não será por imposição constitucional, e sim

por opção administrativa, feita em decorrência de avaliação de conveniência, para melhor atender a suas

peculiaridades. A qualquer momento, no entanto, poderá modificar a estratégia inicial e instituir regime

funcional paralelo, desde que, logicamente, o novo sistema seja previsto em lei.”289

Ocorre que, em decisão liminar na ADIN 2135-4 proferida em agosto/2007, o STF posicionou-se

pela inconstitucionalidade formal da EC 19/98 no que concerne à nova redação atribuída ao caput do

art.39 da CF/88. Com isso, voltou a prevalecer a aludida redação original que impõe o regime jurí-

dico único. "Esclareceu o STF, todavia, que a decisão, por possuir caráter provisório, tem somente efei-

tos ex nunc, sendo mantidas as legislações editadas admitindo empregados públicos nas pessoas de direi-

289 CARVALHO FILHO, op. cit., p.484.

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to público com fulcro na emenda suspensa até o julgamento final da ação direta de inconstitucionalida-

de".290

Não obstante, parece-nos que o fato de se prever um regime jurídico único não significa que cada

ente político só possa adotar o regime de cargos para seus servidores, porquanto a própria Constituição,

em outros dispositivos do seu texto original (arts. 51, IV, 52, XIII, 61, §1º, II, ‘a’, e 114) sempre admitiu

também a existência de empregos públicos, com regimes diversificados em certas hipóteses.

Como salienta Celso Antônio, a regra do art. 39 deve conviver com tais dispositivos, o que é per-

feitamente possível desde que se entenda que o pretendido "não foi estabelecer obrigatoriamente um

único regime para todos os servidores da Administração direta, autárquicas e fundações públicas, mas

impor que a União e suas entidades da Administração indireta, Estados e suas entidades da Administra-

ção indireta e Municípios e suas entidades da Administração indireta tenham, nas respectivas esferas,

uma uniformidade de regime para seus servidores. Ou seja: inadmite-se que quaisquer destas pessoas

adotem para si um dado regime e atribuam à autarquia tal, à autarquia qual ou a fundação tal, diferentes

regimes, criando uma pluralidade deles como ocorria antes da Constituição de 1988. Deve haver, isto

sim, um ‘regime jurídico único’ na intimidade das diversas ordens de governo. Em outras palavras: é

possível (embora afigure-se-nos inconveniente) que as atividades básicas estejam sujeitas ao regime de

cargo, isto é, estatutário, enquanto algumas remanescentes, de menor importância, sejam exercidas sob

regime de emprego. Inversamente, não é possível haver diversidade de regimes entre Administração

direta e as distintas pessoas das respectivas Administrações indiretas. (...) para os servidores da Adminis-

tração direta, autarquias e fundações de Direito Público (ou seja: servidores das pessoas jurídicas de

Direito Público), indubitavelmente, o regime normal, corrente, terá de ser o de cargo público, admitin-

do-se, entretanto, como ao diante se explicará, casos em que é cabível a adoção do regime de emprego

para certas atividades subalternas”.291

Têm-se, assim, três regimes jurídicos, que podem ser concomitantemente adotados pela Admi-

nistração Pública direta e autárquica, dos quais decorrem três categorias de servidores: a) servidores

públicos estatutários; b) servidores públicos trabalhistas (empregados públicos); c) contratados por

tempo determinado (temporários).

O regime estatutário é aquele adotado para os servidores detentores de cargos públicos. As suas

disposições decorrem diretamente da lei, o que significa dizer que o vínculo que une o servidor ao Poder

Público não tem natureza contratual. Muitas de suas regras já estão previstas na própria CF/88 (v.g. os

arts. 39 a 41), além de leis e regulamentos administrativos. Fala-se, então, em servidores estatutários.

Cada ente político autônomo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá elaborar o

seu estatuto funcional, respeitados sempre os ditames constitucionais acerca do tema. No caso da União,

o estatuto geral dos servidores públicos civis é a Lei 8.112/90.

Contudo, o regime estatutário pode-se apresentar como uma pluralidade normativa, o que signi-

fica dizer que pode haver mais de um estatuto funcional, conforme o ente político e a categoria do servi-

dor. Vale dizer, ao lado do regime estatutário geral direcionado à grande massa dos servidores de cada

ente político, poderão ainda existir regimes estatutários especiais referentes a determinados servidores

que exerçam função cujas peculiaridades tenham demandado um tratamento legislativo diferenciado. É o

caso, por exemplo, dos advogados e defensores públicos, além de professores, policiais, auditores fiscais

que em algumas unidades federativas têm estatuto próprio, diverso do geral. Sujeitos a regimes estatutá-

rios especiais estão também os juízes, os membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

290 ARAGÃO, Curso..., cit. 291 BANDEIRA DE MELLO, op. cit., p.250-252.

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O fato de o regime estatutário não ter natureza contratual é de suma importância, pois esta carac-

terística implica que possa haver modificação do regime pela simples mudança da lei, a critério do Poder

Público, justamente por não haver acordo bilateral de vontades no estabelecimento das normas de regên-

cia. Contra isso os servidores estatutários não podem se insurgir, o que significa dizer que não há direito

adquirido a regime jurídico, entendimento esse já consolidado por inúmeros precedentes jurisprudenci-

ais.292

José dos Santos cita o seguinte exemplo: "suponha-se que o estatuto do servidor, quando este foi

nomeado para o cargo, contemplasse uma licença para estudar no exterior. Nada impede que o Poder

Público extinga a licença posteriormente, por entendê-la inconveniente à Administração. O servidor não

tem direito adquirido à manutenção da referida licença no estatuto funcional. Esse é um ponto de grande

relevância, não se podendo perder de vista que as leis que traduzem normas gerais e abstratas, como é o

caso dos estatutos, são normalmente alteráveis”.293

Deveras, quando se fala em direitos subjetivos tem-se em mira vantagens concretas usufruídas

por determinado servidor e não propriamente a permanência da lei abstrata que as contempla. O servidor

público somente terá direito adquirido se já houver reunido os requisitos necessários ao exercício de

determinado direito previsto na lei revogada, pelo que a lei revogadora não poderá retroagir. Nesses

casos, a mudança do Estatuto não afetará o direito do servidor, se já adquirido ao tempo da lei anterior.

Em suma, o Estatuto muda (não há direito adquirido a sua permanência), mas a vantagem que nele era

prevista permanece em relação aquele determinado servidor na medida em que reuniu os requisitos para

usufruí-la (direito adquirido ao benefício).

Saliente-se, porém, que o direito adquirido somente prevalece em relação às normas infraconsti-

tucionais e às emendas constitucionais (poder constituinte derivado). Não se pode invocar direito adqui-

rido contra a Constituição originária, que consubstancia o próprio nascedouro da ordem jurídica. Daí

porque o art.17 do ADCT estabeleceu expressamente que os vencimentos, a remuneração, as vantagens e

os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo

com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste

caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

O regime trabalhista é o que incide quando a Administração tenha optado por contratar agentes

públicos sob regime de emprego público, ao invés de cargo público. Fala-se, então, em empregados

públicos.

A natureza do vínculo que une o empregado público ao Estado é contratual, como negócio jurí-

dico bilateral, submetido a regras e princípios do Direito Público. Deverão ser aplicadas as normas refe-

rentes à legislação trabalhista (Constituição, CLT e leis esparsas). “É claro que, sendo, empregador o

Estado, incidem algumas normas de direito público na relação trabalhista. Tais normas, porém, não

podem desfigurar o regime básico da CLT, que é aquele que deve ser observado e que tem natureza

contratual”.294

No âmbito da União, foi editada a Lei 9.962/2000, que trata do regime de emprego público na

Administração direta, autarquias e fundações públicas, adaptando, desta forma, o regime trabalhista

geral às peculiaridades do Direito Público. O seu artigo 1o estabelece que aos empregados públicos

federais será aplicada a legislação trabalhista, em tudo aquilo que não dispuser em contrário. Significa

dizer que o regime de emprego público federal obedece às disposições da legislação trabalhista geral,

ressalvadas eventuais normas em sentido contrário contidas na Constituição e na Lei 9.962/2000. Assim,

por exemplo, o art.3o da Lei 9.962/2000 estabelece que a rescisão do contrato de emprego público deverá

292 V.g. STF, AI-ED 567.722/MG, DJ de 28/09/2007. 293 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 294 Idem.

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ser motivada em uma das hipóteses nele contidas (ato vinculado), não se admitindo, portanto, a simples

dispensa sem justa causa prevista na CLT.

No âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os empregados públicos são regi-

dos exclusivamente por regras da legislação trabalhista geral. Isto porque a Lei 9.962/2000 é uma lei

federal (e não uma lei nacional), além do que tais entes políticos não poderão editar suas leis específicas,

porquanto é da competência privativa da União legislar sobre direito do trabalho (CF/88, art.22, I). Não

obstante, deverão necessariamente observar as regras constitucionais relativas aos empregos públicos

(por exemplo, a necessidade de admissão por concurso público – art.37, II), bem como respeitar os prin-

cípios que regem o Direito Público (moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse público etc.).

Ressalte-se que a mera faculdade de se adotar o regime trabalhista na Administração Direta, nas

autarquias e fundações públicas, não se estende às sociedades de economia mista, empresas públicas e

fundações privadas. Deveras, por se tratarem de pessoas jurídicas de direito privado, estes entes estatais

deverão obrigatoriamente adotar o regime trabalhista de emprego (não se aplica a eles a Lei 9.962/2000),

razão pela qual alguns autores diferenciam os seus empregados aplicando-lhe a nomenclatura específica

de servidores governamentais, para distingui-los dos demais empregados públicos.295

É importante ainda enfatizar que, mesmo na Administração direta, autarquias e fundações públi-

cas, não é qualquer atividade pública que pode ser submetida a regime de emprego público. Há determi-

nadas atividades típicas de Estado que, por sua natureza, somente poderão ser regidas por normas estatu-

tárias, jamais por normas contratuais, conforme salienta a doutrina, apesar de algumas divergências

sobre qual deveria ser o regime predominante na Administração.

Em que pese os pontos de distinção apontados, a Constituição Federal contém normas direciona-

das a todos os servidores públicos, sejam eles estatutários ou trabalhistas.

Com efeito, a Carta Magna prevê criação, transformação e extinção de cargos, empregos e

funções públicas será da competência do Congresso Nacional, por meio de lei submetida à sanção do

Presidente da República (art.48, X). A regra, então, é a existência de lei tratando do tema.

Ocorre que esta regra comporta exceções previstas na própria Carta. O artigo 84, VI, b (com a

redação dada pela EC 32/2001) confere ao Presidente da República a competência privativa para dispor,

mediante decreto, sobre extinção das funções ou cargos públicos, quando vagos. Trata-se, segundo al-

guns, de uma espécie de regulamento autônomo excepcionalmente admitido no ordenamento brasileiro.

Os artigos 51, IV e 52, XIII (com as redações dadas pela EC 19/1998), conferem à Câmara dos Deputa-

dos e ao Senado Federal a competência privativa para dispor sobre a criação, transformação ou extinção

dos cargos, empregos e funções de seus respectivos serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respec-

tiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. Portanto, a

organização funcional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal não depende de lei, dando-se

através de resolução. Já a fixação de vencimentos para tais cargos, empregos e funções depende de lei.

Importante destacar, ainda, que a lei que dispuser sobre a criação e a extinção de cargos e a re-

muneração dos serviços auxiliares no Poder Judiciário, bem como a fixação do subsídio de seus mem-

bros e dos juizes, será de iniciativa dos respectivos Tribunais (Supremo Tribunal Federal, Tribunais

Superiores e Tribunais de Justiça), conforme previsto no art.96, II, b, da Lei Maior. Essa autonomia na

iniciativa das leis também é conferida ao Ministério Público, no tocante à criação e extinção de seus

cargos e serviços auxiliares (CF, art.127, §2º).

Outra determinação constitucional refere-se à acessibilidade aos cargos e empregos públicos e

à investidura por concurso público. Assim, os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos

brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da

lei (art.37, I). E a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso

295 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou em-

prego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de

livre nomeação e exoneração (art.37, II).

A regulamentação da regra constitucional do concurso público poderá ser feita pela legislação in-

fraconstitucional. Muitos aspectos já foram tratados no texto da Lei 8.112/90, que dispõe sobre o regime

dos servidores públicos civis federais, existindo ainda outras leis específicas, inclusive em âmbito esta-

dual e municipal. Mas essas normas infraconstitucionais servem apenas para reforçar a regra geral da

obrigatoriedade do concurso público, já prevista no art.37, II, da CF/88, que é auto-aplicável. Vale dizer,

mesmo que não houvesse lei dispondo sobre a matéria, o prévio concurso seria obrigatório.

Segundo previsto nos arts. 11 e 12 da Lei 8.112/90, o concurso público poderá ser realizado em

duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a

inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e

ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.

O prazo de validade do concurso e as condições de sua realização serão fixados em edital, que

será publicado no Diário Oficial da União e em jornal diário de grande circulação. Tal prazo poderá ser

de até 2 (dois) anos, prorrogável uma única vez por igual período. Ou seja, o edital poderá fixar um

prazo igual ou menor do que esse, de modo que eventual prorrogação poderá inclusive superar os dois

anos. Extrai-se dessa regra que, em havendo prorrogação, o prazo máximo de validade de um concurso

será de 4 (quatro) anos. Registre-se que esse prazo de validade é contado a partir da data de homologa-

ção do concurso, que só ocorre após o anúncio dos aprovados.

A norma legal diz ainda que não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato aprovado

em concurso anterior com prazo de validade não expirado. Na verdade, a melhor interpretação é a de que

pode até ser aberto um novo concurso, desde que os já aprovados no concurso anterior tenham priorida-

de em relação aos novos concursados, como se extrai do art. 37, IV, da CF/88.

O art.37, §8, da CF/88, prevê que a lei reservará percentual de vagas para portadores de defi-

ciência, definindo os critérios de sua admissão. Ou seja, certo número de vagas somente serão disputa-

das por deficientes. No âmbito federal, a Lei 8.112/90 e o Decreto 3.298/99 estabelecem percentual

mínimo de 5% e máximo de 20%, de modo que o edital do concurso fixará o percentual entre esses dois

limites. Se, considerado o número total de cargos disponíveis, a incidência do percentual não resultar

num número inteiro, considera-se o primeiro número inteiro subseqüente, até o limite máximo fixado.

Isso não significa que todo e qualquer concurso deverá ter vagas para deficientes. Primeiro há de ser

verificado se o cargo objeto do concurso é compatível com a deficiência, conforme ressalva o art.5º, §2º,

da Lei 8.112/90. Além disso, dependendo do número total de cargos vagos, pode não ser possível fazer

reserva para deficientes, pois se a aplicação do percentual resultar em número inferior a 1 (um), há ainda

de se verificar se a reserva da vaga implica em percentual superior ao máximo permitido (20%). Por

exemplo, imagine-se um concurso com quatro vagas no total. Ainda que se utilize o percentual máximo

(20%) sobre 4, tem-se o número 0,8, de modo que não se pode reservar sequer uma vaga para deficien-

tes. Em situação semelhante o STF considerou, num concurso em que havia tão-somente duas vagas, ser

descabida a reserva de uma delas para deficientes, pois isso equivaleria a uma reserva de 50%, violando

o princípio da isonomia.296

Há outras peculiaridades que vieram sendo enfrentadas pela jurisprudência acerca do concurso

público.

A Súmula 683 do STF orienta que “o limite de idade para a inscrição em concurso público só se

legitima em face do art. 7º, XXV, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribu-

ições do cargo a ser preenchido”. Saliente-se que o edital do concurso somente pode estabelecer limite

296 MS 26.310/DF, DJ 31/20/2007.

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de idade para determinado cargo se houver lei prevendo isso. Essa restrição não pode estar prevista

apenas em atos normativos da Administração, conforme também já decidido pelo STF.297

Da mesma forma, “só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a

cargo público” (Súmula 686 do STF). E “é inconstitucional o veto não motivado à participação de

candidato a concurso público”, consoante reza a Súmula 684 do STF. E conforme a Súmula 266 do

STJ, “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na ins-

crição para o concurso público”.

Questão polêmica ainda diz respeito à situação jurídica do candidato aprovado em concurso

público, se ele teria direito à nomeação ou uma mera expectativa de direito. A Súmula 15 do STF há

muito considerava que o candidato aprovado somente teria direito à nomeação em caso de preterição da

ordem de classificação no concurso, ou seja, se outro candidato pior classificado fosse convocado na sua

frente. Fora daí, entendia-se haver apenas expectativa de direito. Essa orientação jurisprudencial, todavi-

a, veio mudando ao longo do tempo, instaurando-se controvérsias sobre o tema.

Ocorre que o próprio STF tem precedentes em sentido contrário, considerando que "os candida-

tos aprovados em concurso público têm direito subjetivo à nomeação para a posse que vier a ser dada

nos cargos vagos existentes ou nos que vierem a vagar no prazo de validade do concurso".298

A Corte,

inclusive, reconheceu a existência de repercussão geral da discussão sobre a obrigação de a Administra-

ção Pública nomear candidatos aprovados dentro do número de vagas oferecidas no edital do concurso

público.299

No âmbito do STJ, o entendimento atual vai no sentido de que a aprovação dentro do número de

vagas previsto no edital assegura direito subjetivo à nomeação. Anteriormente a jurisprudência conside-

rava que o candidato aprovado em concurso público apenas tinha uma expectativa de direito a ser nome-

ado e tomar posse no cargo, ainda que tivesse sido classificado dentro do número de vagas constantes do

edital. A única hipótese de direito à nomeação somente era reconhecida em caso de preenchimento do

cargo sem observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF). Fora disso, a efetiva nomeação

ficaria sempre ao crivo discricionário da Administração.300

No entanto, esse entendimento veio sendo

modificado, tendo o STJ firmado posição no sentido de que “o candidato aprovado dentro do número de

vagas previsto no edital tem direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso”.301

De

outro lado, “os candidatos classificados em concurso público fora do número de vagas previstas no edital

possuem mera expectativa de direito à nomeação, apenas adquirindo esse direito caso haja comprovação

do surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse

da Administração Pública em preenchê-la".302

Há concursos em que se exige certa prática profissional. Nos concursos para a magistratura e

Ministério Público, por exemplo, a própria Constituição condiciona que haja três anos de atividade jurí-

dica.

Enquanto o concurso estiver no prazo de validade, eventual contratação temporária para o de-

sempenho de funções inerentes ao cargo efetivo faz nascer direito subjetivo para aqueles candidatos que

haviam sido aprovados fora do número de vagas originariamente previsto no edital. Cite-se o seguinte

julgado:

"(...) 2. O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que os candidatos aprovados em

posição classificatória compatível com as vagas previstas em edital possuem direito subjetivo a nomea-

297 AI-AgR 589.906/DF, DJ de 23/05/2008. 298 RE 227.480/RJ, DJ 21/08/2009. 299 RE 598.099/MS, DJ 05/03/2010. 300 REsp 140616/RS, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 13/10/1997. 301 AgRg no RMS 29680/RS, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJ de 29/03/2012. 302 STJ, MS 17147/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJ de 01/08/2012.

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ção e posse dentro do período de validade do concurso, o que não se constata in casu. Precedentes do

STJ. 3. Já em relação aos candidatos aprovados fora do número de vagas estabelecido originariamente

no edital, os quais integram o cadastro de reserva, o STJ entende não possuírem direito líquido e certo à

nomeação, mas mera expectativa de direito para o cargo a que concorreram. Precedentes do STJ. 4.

Entretanto, a mera expectativa se convola em direito líquido e certo a partir do momento em que, dentro

do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de forma precária, para o preenchimento de

vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em certame ainda válido, estariam

aptos a ocupar o mesmo cargo ou função. Precedentes do STJ. 5. Se, durante o prazo de validade do

concurso público, são abertas novas vagas, preenchidas por contratação temporária, é obrigatória a no-

meação dos candidatos aprovados”.303

Somente é possível haver contratação sem concurso quando se tratar de cargo em comissão ou,

ainda, para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (CF/88, art.37,

IX). Porém, em respeito aos princípios da moralidade, da eficiência e da impessoalidade, a indicação

para os cargos em comissão deve obedecer a critérios que evitem a ocorrência de nepotismo. Saliente-se

que essa proibição de nepotismo, não obstante já seja uma decorrência direta do princípio da moralidade,

é reforçada pelo Decreto 7.203/2010 (aplicado à Administração Federal) e pela Resolução 7/2005 do

CNJ (aplicada no âmbito do Poder Judiciário).

Sobre o tema, o STF editou a Súmula Vinculante n. 13, segundo a qual “a nomeação de cônju-

ge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da

autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou

assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada

na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição

Federal”. Essa proibição estendida a “designações recíprocas” busca evitar o chamado nepotismo cruza-

do. Por outro lado, o STF ressalvou que a proibição referida na Súmula Vinculante n. 13 não se aplica

às nomeações para cargos de natureza política tais como os de Ministro de Estado e Secretário de

Governo, seja em âmbito federal, estadual ou municipal.

Outra norma constitucional relativa a todos os servidores públicos refere-se aos direitos de sindi-

calização e de greve. É garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical (art.37,

VI), tratando-se de norma constitucional de eficácia plena. Já o direito de greve será exercido nos ter-

mos e nos limites definidos em lei específica (art.37, VII). Com vistas a esse dispositivo constitucional,

o STF veio inicialmente adotando o entendimento de que, por se tratar de norma de eficácia limitada, o

direito de greve no serviço público não poderia ser exercido pelo servidor enquanto não fosse editada

uma lei específica o regulamentando. Passados mais de vinte anos desde o advento da Constituição, até

hoje não há lei regulamentando o direito de greve. Não obstante, inúmeras greves de servidores já ocor-

reram e muitas certamente ainda irão ocorrer. A necessidade de lei específica relaciona-se às peculiari-

dades do serviço público, haja vista o princípio da continuidade, além de obstáculos referentes à obten-

ção de vantagem pela via da negociação coletiva.

Nesse quadro de omissão legislativa, ao julgar mandado de injunção tratando da matéria304

, o

STF modificou o seu entendimento anterior, passando a admitir que, enquanto não sobrevier lei específi-

ca cuidando da greve no serviço público, a aplicabilidade do art.37, VII, há de ser garantida aplicando-se

analogicamente a lei de greve da iniciativa privada (Lei 7.783/89).

Outra disposição constitucional refere-se à proibição de acumulação remunerada, norma i-

gualmente aplicável aos servidores estatutários e empregados, alcançando inclusive os chamados servi-

dores governamentais das empresas estatais e até mesmo de outras empresas controladas indiretamente

303 STJ, EDcl no RMS 34138/MT, rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 25/10/2011. 304 MI 670/ESDJ de 31/10/2008.

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pelo Estado. De fato, reza o art.37, XVI que é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos,

exceto, a de dois cargos de professor, a de um cargo de professor com outro técnico ou científico, ou,

ainda, a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamenta-

das, desde que haja compatibilidade de horários. Em seguida, no art.37, XVII, a CF/88 estabelece que

esta proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas

públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indireta-

mente, pelo Poder Público.

Saliente-se que, conforme se posicionou o STF, tal proibição de cumulação ocorre mesmo que se

trate de proventos de inatividade, alcançando, portanto, os servidores aposentados. Esse entendimento do

Pretório Excelso resultou no advento da EC n.20/98, acrescentando o §10 ao art.37, tornando expressa a

proibição de percepção simultânea de proventos de aposentadoria pública com a remuneração de cargo,

emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, resguardados

os direitos dos aposentados que eventualmente já vinham acumulando proventos com vencimentos de

outro cargo efetivo.

A CF/88 fixa ainda em um teto salarial com base no subsídio mensal fixado para os Ministros

do STF (art.37, XI), para os servidores públicos detentores de cargos, empregos, funções públicas e

agentes políticos membros de Poder. Esse teto salarial aplica-se a todos os agentes públicos, inclusive os

empregados das empresas públicas, sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem

recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de

pessoal ou de custeio em geral (CF/88, art.37, §9º). O teto alcança as percepções cumulativas autoriza-

das na Carta Magna, “ou seja, os casos em que o agente acumula legalmente cargos, funções ou empre-

gos públicos, aplicando-se o limite à soma das retribuições”305

(CF, art.37, inciso XVI, que remete ao

inciso XI). O valor do subsídio dos Ministros do STF (pagamento em parcela única) é fixado por lei

(art.48, XV). Tal lei antes dependia da iniciativa conjunta dos Presidentes da República, da Câmara dos

Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, o que dificilmente viria a ocorrer. Todavia, a

recente Emenda n.41/2003 alterou o dispositivo constitucional, de forma a não mais exigir tal iniciativa

conjunta. A iniciativa, então, passou a seguir a regra geral do art.96, II, b, da Carta, ou seja, cabendo ao

Supremo Tribunal Federal a iniciativa da lei de subsídios de seus ministros, o que já foi feito.

Apesar de se sujeitarem ao regime trabalhista (CLT), os empregados das empresas estatais estão

sujeitos ao teto remuneratório estabelecido para a administração pública, sempre que tais entidades rece-

berem recursos da fazenda pública para custeio em geral ou gasto com pessoal (CF/88, art.37, §9º). Não

se aplica a regra do teto às empresas que não recebem tais recursos.

Outra regra constitucional aplicável aos servidores públicos em geral diz respeito às sanções por

improbidade administrativa. Segundo o art.37, §4º, da Lei Maior, os atos de improbidade administra-

tiva importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos

bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabí-

vel. E o §5º do mesmo artigo considera imprescritíveis as ações de ressarcimento contra os agentes pú-

blicos que tenham praticado ato ilícito em prejuízo ao erário.

Por derradeiro, no tocante ao exame jurisdicional de litígios envolvendo a relação entre os agen-

tes públicos e o Estado, a competência judicial dependerá do tipo de regime a que estejam submetidos.

Se a lide decorrer de contrato de trabalho nos moldes da CLT (detentores de emprego público, emprega-

dos governamentais e empregados temporários), a competência será da Justiça do Trabalho, na forma do

art.114 da CF/88. Já se o regime for o estatutário ou de contrato administrativo (detentores de cargos

efetivos, cargos em comissão ou cargos temporários), a competência será da Justiça Comum, Estadual

ou Federal a depender do caso. Justiça Federal se for servidor federal. Justiça Estadual se for servidor

estadual ou municipal.

305 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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Além dos servidores estatutários e dos servidores trabalhistas, a Administração Pública poderá ainda contar com a atuação dos servidores contratados por tempo determinado (contratados temporá-rios) a que alude o art.37, IX, da Carta Magna de 1988, ao dispor que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. São servidores que "exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público".

306

Trata-se de modalidade de contratação excepcional, submetida a três pressupostos inafastáveis apontados por José dos Santos Carvalho Filho: a) determinabilidade temporal da contratação, “ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinado, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho”.

307 b) temporariedade da função, isto é, “a necessidade desses serviços

deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes”.

308 c) excepcionalidade do interesse público, eis que “a Constituição

deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial”.

309

No âmbito da União, a Lei 8.745/93 regulamenta a contratação de servidores temporários, esta-belecendo hipóteses de necessidade temporária de excepcional interesse público, dentre as quais as situ-ações de calamidade pública, surtos endêmicos, atividades de recenseamentos a cargo do IBGE, admis-são de professor substituto, visitante ou estrangeiro, algumas atividades a cargo da FUNAI do INPI, algumas atividades finalísticas no Hospital das Forças Armadas, atividade desenvolvidas no âmbito do SIVAM etc. Tal legislação veio sofrendo modificações em seu texto original, passando a prever novas hipóteses de contratação temporária. Há autores que criticam algumas das situações contempladas na lei, reputando-as de duvidosa constitucionalidade, pois chega-se a prever prorrogação do vínculo por até oito anos, o que não soa razoável em termos de necessidade temporária de excepcional interesse público. Além disso, a lei prevê a realização de processo seletivo simplificado em alguns casos, o que também tem sido alvo de críticas pela doutrina, já que a excepcionalidade do interesse público e a temporarieda-de da função seriam incompatíveis com a realização de concurso.

A princípio, na ausência de legislação específica, o regime dos servidores temporários deve se-guir as normas referentes à legislação trabalhista geral (CLT e leis esparsas), até porque a mesma contém regra específica que trata do contrato de trabalho por prazo determinado (art.479 da CLT). Todavia, havendo lei específica, editada pelo respectivo ente federado, instituindo um regime especial para a contratação temporária no âmbito da sua administração, não será aplicada a legislação trabalhista, mes-mo que seja questionada a validade da contratação.

Saliente-se que o STF firmou entendimento no sentido de que compete à justiça comum (federal ou estadual) processar e julgar causas envolvendo contratação temporária de servidor, ainda que se dis-cuta eventual desvirtuamento da contratação. Considerou-se que "a Justiça do Trabalho não detém com-petência para processar e julgar causas que envolvam o Poder Público e servidores a ele vinculados, mesmo que por contrato temporário com prazo excedido, por se tratar de relação jurídico-administrativa. Ainda que possa ter ocorrido desvirtuamento da contratação temporária para o exercício de função pú-blica, não cabe à Justiça do Trabalho analisar a nulidade desse contrato".

310

Em relação ao regime previdenciário, aplica-se aos contratados temporários o mesmo regime ge-ral dos trabalhadores da iniciativa privada (RGPS), tal como previsto nos arts. 40, §13 e 201 da CF/88.

306 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 307 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 308 Idem. 309 Ib idem. 310 Rcl. 7028 AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 16/09/2009.

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A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na condição de entes federados que go-

zam de autonomia político-administrativa (CF/88, art.18), podem, observadas as normas constitucionais,

dispor sobre a organização funcional que considerem mais adequada à boa prestação dos serviços públi-

cos de que são titulares. Com isso, organizam a sua estrutura de pessoal por meio de cargos, empregos e

funções públicas, os quais integram o respectivo quadro funcional.

Como já visto, os servidores ocupantes de cargos estão submetidos ao regime estatutário, en-

quanto os servidores empregados submetem-se às normas trabalhistas. Já o conceito de função pública

segue outro referencial, pois se relaciona apenas à atividade desempenhada pelo servidor, seja ele estatu-

tário ou empregado público. Na verdade, se utiliza separadamente a expressão função pública porque

existem determinadas atribuições que não são próprias dos cargos ou empregos públicos existentes no

quadro funcional e, por isso, são desempenhadas por servidores de forma adicional às suas tarefas co-

muns, mediante remuneração suplementar (funções de confiança). Nesse caso, a função nada mais é do

que um acréscimo de atribuições. Da mesma forma, os contratados temporários, por não ocuparem cargo

ou emprego público, exercem apenas função (funções temporárias).

Cargos públicos são conjuntos de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organi-

zacional da Administração Pública e que devem ser cometidas aos servidores. Nas palavras de Celso

Antônio, “são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agen-

te, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de Direito

Público e criadas por lei, salvo quando concernentes aos serviços auxiliares do Legislativo, caso em se

criam por resolução, da Câmara ou do Senado, conforme se trate de serviços de uma ou de outra destas

Casas. Os servidores titulares de cargos públicos submetem-se a um regime especificamente concebido

para reger esta categoria de agentes. Tal regime é estatutário ou institucional; logo de índole não-

contratual”.311

Quanto à vocação para a permanência pelos ocupantes, os cargos públicos podem ser:

• efetivos: quando “predispostos a receberem ocupantes em caráter definitivo, isto é, com fixi-dez”

312. Revestem-se do caráter de permanência e são a grande maioria dos cargos existentes nos

quadros funcionais da Administração. Os detentores de cargo efetivo adquirem estabilidade após três anos de exercício (CF/88, art. 41), somente podendo perder o cargo mediante processo judi-cial ou administrativo e nas circunstâncias previstas na Constituição, conforme se verá mais adi-ante.

• em comissão: quando “vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança de autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, que os esteja titularizando”

313. A investidura nos cargos de comissão não de-

pende de concurso público, porém somente devem ser destinados a atribuições de direção, chefia e assessoramento. Podem ser ocupados por pessoas estranhas ao quadro efetivo do ente público, respeitado o percentual mínimo previsto em lei para preenchimento por servidores de carreira (CF/88, art.37, V).

• vitalícios: quando “predispostos à retenção dos ocupantes, mas sua vocação para retê-los é ain-da maior. Os que neles hajam sido prepostos, uma vez vitaliciados, só podem ser desligados me-diante processo judicial”.

314 Os cargos vitalícios estão previstos na própria CF/88, como é o caso

dos magistrados (art.95, I), dos membros do Ministério Público (art.128, §5º, I, a) e dos membros dos Tribunais de Contas (art.73, §3º).

Quanto à sua posição no quadro do ente público, os cargos públicos podem ser:

311 MELLO, Curso..., cit. 312 Idem 313 Ib idem. 314 Ib idem.

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• de carreira: “quando encartados em uma série de classes escalonada em função do grau de responsabilidade e nível de complexidade das atribuições”

315, de modo que “permitem a progres-

são funcional dos servidores através de diversas classes até chegar à classe mais elevada.316

• isolados: “quando previstos sem inserção em carreiras”317

, ou seja, “têm natureza estanque e inviabilizam a progressão”.

318

Os detentores de cargos públicos efetivos poderão ainda exercer funções de confiança, as quais,

ao lado dos cargos em comissão, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento

(CF/88, art.37, V). Vale dizer, o ente federativo poderá optar entre criar os já referidos cargos em comis-

são ou simplesmente instituir funções de confiança a serem desempenhada em caráter adicional por

servidores efetivos do seu quadro funcional ou até mesmo servidores efetivos de outro quadro e que

venham a ser requisitados. Convém não confundir a mencionada função de confiança com o que a dou-

trina chama de função temporária, que é exercida por servidores contratados por tempo determinado

para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público (CF/88, art.37, IX). Tais servido-

res temporários, como já dito anteriormente, exercem função, sem estarem vinculados a cargo ou empre-

go público.

No âmbito da União, a Lei 8.112/90 dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis

da Administração direta e autárquica. Segundo esta legislação, os cargos públicos, acessíveis a todos os

brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para

provimento em caráter efetivo ou em comissão, sendo proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo

os casos previstos em lei.

Investidura é ato jurídico em virtude do qual uma pessoa física implementa as condições para o

desempenho de determinado cargo ou função, envolvendo um procedimento complexo que se i-

nicia com o provimento e, em alguns casos, a posse no cargo.

Provimento “é o fato administrativo que traduz o preenchimento de um cargo público”, “con-

substanciado através de um ato administrativo de caráter funcional: são os atos de provimen-

to”.319

É através do provimento que um servidor vem a ocupar um cargo público; a lei cria o “lu-

gar” e o servidor o “preenche”.

O provimento poderá ser originário ou derivado.

No provimento originário, também chamado de autônomo, “o preenchimento do cargo dá início

a uma relação estatutária nova, seja porque o titular não pertencia ao serviço público anteriormente, seja

porque pertencia a quadro funcional regido por estatuto diverso do que rege o cargo agora provido.

Exemplo: é provimento originário aquele em que o servidor, vindo de empresa da iniciativa privada, é

nomeado para cargo público após aprovação em concurso. Também é provimento originário a hipótese

em que um detetive, sujeito a estatuto dos policiais, é nomeado, após concurso, para o cargo de Defensor

Público, sujeito a estatuto diverso”.320

315 MELLO, Curso..., cit. 316 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 317 MELLO, Curso..., cit. 318 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 319 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 320 Idem.

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No provimento derivado, “o cargo é preenchido por alguém que já tenha vínculo anterior com

outro cargo, sujeito ao mesmo estatuto. Se, por exemplo, o servidor é titular do cargo de Assistente nível

A e, por promoção, passa a ocupar o cargo de Assistente nível B, o provimento é derivado”.321

Atualmente são formas de provimento de cargo público, segundo o art.8o da Lei 8112/90

a nomeação, a promoção, a readaptação, a reversão, o aproveitamento, a reintegração e a recondução.

Destas, somente a nomeação é forma de provimento originário. As demais são formas de provimento

derivado.

A Lei 9.527/97 revogou os incisos III e IV do art.8º, acabando com os antigos institutos da as-

censão e da transferência, os quais somente eram admitidos pelo STF quando o servidor fosse aprovado

em concurso público322

, situação para qual a lei já prevê a figura da nomeação.

Vejamos cada uma das formas de provimento atualmente previstas:

• Nomeação: é o ato administrativo que materializa o provimento originário. Se o cargo for efe-

tivo ou vitalício, em regra deve ser precedida de aprovação prévia em concurso público, salvo

nos casos em que a própria Constituição dispensa tal procedimento (ex: nomeação de ministros

dos tribunais superiores). Em se tratando de cargo em comissão, não é necessário concurso. Por

se tratar de forma originária de provimento, a nomeação por si só não instaura a relação funcional

do Estado com o servidor nomeado. Para que a investidura se complete é preciso que o servidor

nomeado tome posse, no prazo de trinta dias, contados da nomeação ou do término de alguma

das situações de impedimento previstas no art. 13, §2º, da Lei 8.112/90. Só haverá posse nos ca-

sos de provimento de cargo por nomeação. No ato da posse, o servidor declara aceitar o cargo e

se compromete a bem desempenhá-lo, assinando o respectivo termo, no qual deverão constar as

atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não

poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício pre-

vistos em lei. A posse poderá dar-se mediante procuração específica. No ato da posse, o servidor

apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao

exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública. Se o servidor nomeado não tomar

posse no prazo legal, o ato de nomeação será tornado sem efeito e a investidura não se completa.

Havendo a posse, o servidor tem quinze dias para entrar em exercício, isto é, dar início ao efetivo

desempenho das atividades inerentes ao cargo provido, caso contrário será exonerado do cargo.

• Promoção: é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor sai de seu cargo e ingressa

em outro situado em classe mais elevada. É a forma mais comum de progressão funcional”.323

A

promoção poderá ser por antigüidade ou por merecimento, conforme dispuser a lei. Necessário

salientar que a promoção pressupõe a sucessão de classes de cargos dentro da mesma carreira

(derivação horizontal). A Lei 9.527/97 acabou com a figura da ascensão ou acesso na esfera fede-

ral, que era uma espécie de promoção em que a progressão se dava entre carreiras diversas (deri-

vação vertical), o que foi considerado inconstitucional pelo STF324

.

• Readaptação: é a forma de provimento derivado “pela qual o servidor passa a ocupar cargo di-

verso do que ocupava, tendo em vista a necessidade de compatibilizar o exercício da função pú-

blica com a limitação sofrida em sua capacidade física ou psíquica”.325

Conforme o art.24 da Lei

8.112/90, a investidura do servidor por readaptação deve ocorrer em cargo de atribuições e res-

ponsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou men-

321 Ib idem. 322 ADI 231, rel. Min. Moreira Alves; MS 22.148, rel. Min. Carlos Veloso. 323 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 324 ADIN 245, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13/08/1992. 325 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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tal verificada em inspeção médica. Se julgado incapaz para o serviço público, o readaptando será

aposentado. A readaptação será efetivada em cargo de atribuições afins, respeitada a habilitação

exigida, nível de escolaridade e equivalência de vencimentos e, na hipótese de inexistência de

cargo vago, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de vaga.

• Reversão: é o provimento derivado decorrente de reingresso do servidor inativo no serviço pú-

blico, o que, conforme o art.25 da Lei 8.112/90, pode ocorrer em duas hipóteses:

I) restabelecimento do servidor aposentado por invalidez, quando junta médica oficial declarar

insubsistentes os motivos da aposentadoria; II) no interesse da administração, desde que o servi-

dor tenha solicitado a reversão, a aposentadoria tenha sido voluntária, o servidor tenha si-

do estável quando na atividade, a aposentadoria tenha ocorrido nos cinco anos anteriores à solici-

tação e haja cargo vago. A reversão far-se-á no mesmo cargo ou no cargo resultante de sua trans-

formação. O tempo em que o servidor estiver em exercício será considerado para concessão da

aposentadoria. No caso de restabelecimento de servidor aposentado por invalidez, encontrando-

se provido o cargo, o servidor exercerá suas atribuições como excedente, até a ocorrência de va-

ga. O servidor que retornar à atividade por interesse da administração perceberá, em substituição

aos proventos da aposentadoria, a remuneração do cargo que voltar a exercer, inclusive com as

vantagens de natureza pessoal que percebia anteriormente à aposentadoria. Não poderá reverter o

aposentado que já tiver completado 70 anos de idade.

• Aproveitamento: é o provimento derivado decorrente de reingresso do servidor que estava em

disponibilidade remunerada. Como estabelece o art.41, §3º, da CF/88, uma vez extinto o cargo

ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remunera-

ção proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo. O art.30

da Lei 8.112/90, por sua vez, dispõe que o retorno à atividade de servidor em disponibilidade far-

se-á mediante aproveitamento obrigatório em cargo de atribuições e vencimentos compatíveis

com o anteriormente ocupado. Será tornado sem efeito o aproveitamento e cassada a disponibili-

dade se o servidor não entrar em exercício no prazo legal, salvo doença comprovada por junta

médica oficial. Se o servidor ainda não for estável no momento da extinção ou declaração de

desnecessidade do cargo, haverá a sua exoneração, não comportando aí disponibilidade nem a-

proveitamento.

• Reintegração: é o provimento derivado por reingresso de servidor que tenha sido indevidamen-

te demitido do serviço público. Reza o art.41, §2º, da CF/88 que, uma vez invalidada por senten-

ça judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se

estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo

ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço. No âmbito fe-

deral, dispõe o art.28 da Lei 8.112/90 que a reintegração é a reinvestidura do servidor estável no

cargo anteriormente ocupado, ou no cargo resultante de sua transformação, quando invalidada a

sua demissão por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento de todas as vantagens.

Observe-se que o Estatuto Federal faz referência também a decisão administrativa de reintegra-

ção. Alguns Estatutos estaduais somente prevêem a reintegração por decisão judicial, o que, to-

davia, não deve obstar a reintegração pela própria Administração, haja vista o princípio da auto-

tutela. Na hipótese de o cargo ter sido extinto, o servidor ficará em disponibilidade, até posterior

aproveitamento. Encontrando-se provido o cargo, o seu eventual ocupante será reconduzido ao

cargo de origem, sem direito à indenização ou aproveitado em outro cargo, ou, ainda, posto em

disponibilidade.

• Recondução: é o retorno do servidor estável ao cargo anteriormente ocupado, o que, consoante

o art.29 da Lei 8.112/90, pode ocorrer de duas hipóteses: I) inabilitação em estágio probatório

relativo a outro cargo; II) reintegração do anterior ocupante. Encontrando-se provido o cargo

de origem, o servidor será aproveitado em outro de atribuições e vencimentos compatíveis com o

anteriormente ocupado.

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No rol de direitos que tem o servidor público estatutário, que o coloca em situação de vantagem

em relação aos empregados sujeitos à legislação trabalhista, destaca-se a garantia de estabilidade, que

“é o direito outorgado ao servidor estatutário, nomeado em virtude de concurso público, de permanecer

no serviço público após três anos de efetivo exercício, como passou a determinar a EC n.19/98, que

alterou o art.41 da CF, pelo qual anteriormente era exigido o prazo de apenas dois anos”.326

É uma ga-

rantia de permanência no cargo efetivo, que se justifica para assegurar ao servidor a independência no

desempenho de suas funções, afastando-lhe o receio de perseguições políticas.

A estabilidade não se confunde com a efetividade, pois esta é atributo do cargo, enquanto a esta-

bilidade é uma garantia do servidor de permanência no serviço público. O servidor adquire estabilidade

no exercício do cargo efetivo. Não há estabilidade em cargos comissionados ou temporários. Excepcio-

nalmente o ordenamento jurídico considerou estáveis servidores que não ocupavam cargos efetivos, tal

como previsto no art.19 do ADCT.

Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempe-

nho por comissão instituída para essa finalidade.

O período entre o início do exercício pelo servidor e a aquisição de sua estabilidade é denomina-

do estágio probatório, também chamado de período confirmatório. Durante esse período, o cargo efeti-

vo é ocupado temporariamente por servidor não estável (“dizemos temporariamente porque, durante o

período probatório, o funcionário ocupa cargo efetivo, porém não se encontra ainda estabilizado”327

).

Não obstante, a Súmula 21 do STF reza que "funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado

nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade".

Conforme já se posicionou o STJ, “a estabilidade diz respeito ao serviço público, e não ao car-

go”, razão pela qual “o servidor estável, ao ser investido em novo cargo, não está dispensado de cumprir

o estágio probatório nesse novo cargo”.328

O servidor público estável só perderá o cargo: I) em virtude de sentença judicial transitada em

julgado; II) mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III) mediante

procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla

defesa (art.41, §1º, da CF/88). Além disso, o art.169, §4º, da CF/88, com a redação dada pela EC 19/98,

passou a prever a possibilidade de exoneração de servidor estável em observância ao limite de gasto

orçamentário com pessoal, quando não forem suficientes outras medidas de redução de despesas previs-

tas no §3º (I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções

de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis).

O servidor estável que perder o cargo por motivo de redução de despesas fará jus a indenização

correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço (CF/88, art.169, §5º). Outrossim, o cargo

objeto da redução será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribui-

ções iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos (§6º).

No tocante a alguns agentes políticos (servidores em regime especial, segundo parte da doutrina)

a garantia de permanência no cargo se reveste de maior força do que a estabilidade, denominando-se

vitaliciedade, que “somente é possível com relação a cargos que a Constituição federal define como de

provimento vitalício, uma vez que a vitaliciedade constitui exceção à regra geral da estabilidade, defini-

da no art.41. A lei ordinária não pode ampliar os cargos dessa natureza”.329

326 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 327 Idem. 328 STJ, RO em MS 859, 2a Turma, rel. Min. José Jesus Filho, RDA 191/135, 1992. 329 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Juízes de primeiro grau e membros do MP têm vitaliciedade assegurada após dois anos de exer-

cício do cargo, somente podendo perder o cargo por decisão judicial transitada em julgado (CF/88, arts.

95, I e 128 §5º, I, a). Os magistrados nomeados para os tribunais já adquirem vitaliciedade de imediato,

sem necessidade de estágio probatório. O mesmo ocorre com os membros dos Tribunais de Contas

(CF/88, art.73, §3º).

Além da estabilidade, podemos destacar outros direitos e vantagens previstos no Estatuto dos

servidores públicos civis federais (Lei 8.112/90), os quais beneficiam diretamente o servidor ou seus

dependentes.

Em benefício diretamente do servidor existem os direitos e vantagens de ordem pecuniária e os

direitos de ausência ao serviço.

Os direitos e vantagens de ordem pecuniária referem-se à contraprestação salarial paga ao servi-

dor em razão do serviço e as verbas que possibilitam o desempenho do serviço.

Há basicamente duas modalidades de pagamento aos servidores: o sistema de remuneração e o

sistema de subsídios.

A remuneração “é o montante percebido pelo servidor público a título de vencimentos e de van-

tagens pecuniárias. É, portanto, o somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus, em decorrên-

cia de sua situação funcional”.330

Compreende o vencimento (parcela fixa paga ao servidor, referente ao

cargo que ocupa), acrescida das vantagens pecuniárias (indenizações, adicionais e gratificações de

ordem pessoal ou referentes a certos fatos).

O subsídio é a modalidade de pagamento pela qual o servidor é remunerado em parcela única,

sem acréscimos de qualquer espécie, excetuadas apenas eventuais parcelas indenizatórias. Com o adven-

to da EC 19/98, a Constituição Federal passou a prever a remuneração por subsídios para os membros de

Poder, os detentores de mandato eletivo, os Ministros de Estado, Secretários de Estado e Municípios,

observado o teto remuneratório referente ao subsídio de Ministro do STF (CF/88, art. 39, §4º). Além

disso, "o regime de subsídios é aplicável também aos membros do Ministério Público (CF, artigo 128,

§5º, I, c), aos integrantes da Advocacia Geral da União, aos Procuradores dos Estados e do Distrito

Federal e aos Defensores Públicos (CF, artigo 135), aos Ministros do Tribunal de Contas da União e aos

servidores públicos policiais (CF, artigo 144, §9º)”.331

E segundo o art.39, §8º, da CF/88, a remuneração

dos servidores públicos organizados em carreira também poderá também ser fixada em subsídios.

O servidor deve cumprir regularmente a sua carga horária de trabalho, com duração máxima de

40 horas semanais, observados ainda os limites de no mínimo seis e no máximo oito horas diárias. Os

ocupantes de cargos em comissão ou funções de confiança cumprem regime de dedicação integral, po-

dendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração (Lei 8.112/90, art.19, caput, e §1º).

Leis especiais poderão fixar carga horária distinta.

A Lei 8.112/90 prevê indenizações, tais como as ajudas de custo (arts. 53 e 54), as diárias

(art.58) e a indenização de transporte (art.60). Também prevê gratificações, tais como a referente ao

exercício de função de direção, chefia ou assessoramento, cargo de provimento em comissão ou de

natureza especial (art.62) e a gratificação natalina (art.63). São previstos ainda adicionais, tais como o

referente ao exercício habitual de atividades insalubres, penosas ou perigosas (art.68), ao desempenho

de serviço extraordinário (art.73), de trabalho noturno (art.75), a 1/3 de férias (art.76), além de outros

benefícios, como por exemplo o auxílio-natalidade (art.196) e o salário-família (art.197).

Segundo o art.39, §3º, da CF/88, aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto

constitucionalmente no art. 7º, IV, VII (salário mínimo), VIII (décimo terceiro salário), IX (adicional

330 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 331 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo, São Paulo: Atlas.

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noturno), XII (salário-família), XIII (limite de jornada), XV (repouso semanal remunerado), XVI (horas

extras), XVII (férias com acréscimo de 1/3), XVIII (licença à gestante), XIX (licença-paternidade), XX

(proteção do mercado de trabalho da mulher), XXII (redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXX

(proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo,

idade, cor ou estado civil).

Em relação aos servidores estatutários que, antes de assumirem seus cargos, trabalhavam como

empregados nas empresas estatais, o entendimento corrente no STJ somente considera o aproveitamento

do tempo de serviço para efeito de aposentadoria e disponibilidade, não para efeito de pagamento de

adicional. É o que se infere do seguinte julgado:

"1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, submetendo-se as empresas públicas e as

sociedades de economia mista ao regime próprio das empresas privadas, o tempo de serviço prestado

somente pode ser computado na forma prevista no art. 103, V, da Lei 8.112/1990, isto é, conta-se apenas

para efeitos de aposentadoria e disponibilidade. Precedentes. (...). 2. No caso concreto, tratando-se de

servidor público federal que prestou serviços aos Correios e à Dataprev, empresas públicas federais, e ao

Banco o Brasil, sociedade de economia mista, mostra-se incabível o cômputo do período trabalhado para

fins de percepção de anuênio".332

Ainda conforme posicionamento do STJ, "a demissão voluntária equipara-se a uma exoneração,

provocando a extinção do vínculo estatutário do servidor público e fazendo desaparecer toda e qualquer

vantagem adquirida pelo servidor. Nesse caso, eventual novo ingresso no serviço público por certo não

dá ao servidor o direito de permanecer recebendo as gratificações e vantagens adquiridas, porquanto

estas foram desapareceram junto com o vínculo que este tinha com a administração".333

O único aspecto que se considera é a contagem do tempo de serviço prestado anteriormente, co-

mo se infere do seguinte trecho de ementa:

"(...) 1. Os valores pagos a título de indenização pela demissão funcionam como uma compensa-

ção pela perda do cargo e de todas as vantagens e garantias a ele inerentes. Por um lado, a Administra-

ção, com as dispensas, reduz sua folha de pagamento em setores considerados não-essenciais e, por

outro lado, o servidor, recebendo montante compensatório, abre mão da segurança do vínculo de traba-

lho conquistado e perde o cargo. 2. Essa transação, muito embora estabeleça concessões mútuas, atende,

primordialmente, ao interesse do Estado, em detrimento da garantia do emprego, e não chega ao ponto

de retirar do mundo jurídico o tempo de serviço efetivamente cumprido pelo funcionário. Assim, se o

servidor, admitido pela Administração após ter sido aprovado em concurso público, possui um tempo de

serviço anteriormente prestado, deve este ser considerado".334

Além das vantagens de ordem pecuniária, os servidores públicos usufruem também dos chama-

dos direitos de ausência, relacionados às férias (Lei 8112/90, arts.77 a 80), licenças (arts.81 a 92), os

afastamentos (arts.93 a 99) e as concessões (arts.97 a 99).

As licenças poderão ocorrer por motivo de doença em pessoa da família (art.83); por motivo de

afastamento do cônjuge ou companheiro (art.84); para o serviço militar (art.85); para atividade política

(art.86); para capacitação (art.87); para tratar de interesses particulares (art.91) e para desempenho de

mandato classista (art.92). Existe ainda a licença para tratamento de saúde (arts. 202 a 206); a licença à

gestante, à adotante e licença-paternidade (arts.207 a 210); a licença por acidente em serviço (arts.211 a

214). Mais recentemente, a Lei 11.907/2009, acrescentando o art.96-A na Lei 8.112, criou uma nova

modalidade de afastamento, para participação de programa de pós-graduação stricto sensu no país.

332 STJ, AgRg no AREsp 145522/DF, rel. Min. Herman Benjamin, julg. 22/05/2012. 333 STJ, RMS 12692/SC, rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, julg. 22/11/2007. 334 STJ, AgRg no RMS 24857/RS, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 28/06/2011.

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Os afastamentos poderão ser para servir a outro órgão ou entidade (art.93); para o exercício de

mandato eletivo (art.94) ou para estudo ou missão no exterior (art.95).

As concessões poderão ser de 1 (um) dia, para doação de sangue; de 2 (dois) dias, para se alistar

como eleitor; de 8 (oito) dias consecutivos em razão de casamento, falecimento do cônjuge, companhei-

ro, pais, madrasta ou padrasto, filhos, enteados, menor sob guarda ou tutela e irmãos (art.97). A lei prevê

ainda horário especial ao servidor estudante e aos portadores de deficiência (art.98).

Em benefício dos dependentes do servidor existem os direitos e vantagens de natureza previden-

ciária e assistencial, quais sejam a pensão (Lei 8112/90, arts.215 a 225), o auxílio-funeral (art.226) e o

auxílio-reclusão (art.229).

O estudo do regime previdenciário dos servidores públicos poderia ser objeto de uma disciplina

específica e adequada à complexidade das questões jurídicas e peculiaridades relacionadas ao tema, a

exemplo do que já ocorreu em outros campos da administração pública.

No Brasil, existem dois regimes de previdência pública.

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) é o aplicado aos trabalhadores em geral, inclusive

os empregados das empresas estatais, encontrando previsão no art.201 e seguintes da CF/88. Seu estudo

é objeto da disciplina jurídica denominada Direito Previdenciário. Já os servidores estatutários, titulares

de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias

e fundações de direito público, estão submetidos a Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que

alguns autores também chamam de Regime Especial de Previdência Social (REPS).335

As normas fundamentais deste regime estão dispostas no art.40 da CF/88, sendo que cada ente

político deverá ainda editar legislação própria dispondo especificamente sobre a previdência dos seus

servidores efetivos, instituindo, e cobrando deles, contribuições a fim de custeá-lo (CF/88, art.149, §1º).

Este regime próprio de previdência social, em cada ente da federação, estabelecerá os proventos de

aposentadoria referentes a todos os servidores públicos titulares de cargos efetivos, inclusive os mem-

bros vitalícios do Poder Judiciário (CF/88, art.93, VI), do Ministério Público (CF/88, art.129, §4º) e dos

Tribunais de Contas (CF/88, art.73, §3º). Os dependentes destes servidores terão direito a proventos de

pensão.

Observe-se que nem todos os servidores públicos submetem-se a tal regime próprio. Só os efeti-

vos, porque, na forma do art.40, §13, da CF/88, “aos demais servidores estatais, inclusive os ocupantes,

exclusivamente, de cargo em comissão, cargo temporário (são os servidores temporários contratados por

tempo determinado para atenderem necessidades temporárias de excepcional interesse público, nos

termos do art.37, IX, da Constituição Federal) ou emprego público, aplica-se o regime geral de previ-

dência social previsto no art.201”.336

Vejamos, então, quais as principais regras do regime próprio de previdência social na atual legis-

lação brasileira, nos moldes do art.40 da CF/88, após as alterações implementadas pelas EC 20/98, 41/03

e 47/05.

De acordo com o art.40, §1º, da CF/88, na redação dada pelas emendas 20/98 e 41/03, existem

três modalidades de aposentadorias a que faz jus o servidor estatutário efetivo: I) por invalidez perma-

nente; II) compulsória; III) voluntária. Tais aposentadorias poderão ser com proventos integrais ou

335 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 336 CUNHA JÚNIOR, op. cit., p.238.

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proporcionais, a depender da modalidade e da situação do segurado. Além disso, com o advento da EC

47/05, a Constituição passou a prever também hipóteses de aposentadoria especial.

▶ Aposentadoria por invalidez permanente: os proventos serão integrais se decorrente de

acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma em lei.

Nos demais casos, os proventos serão proporcionais ao tempo de contribuição.

▶ Aposentadoria compulsória: aos setenta anos de idade, os proventos serão proporcionais

ao tempo de contribuição. Se o servidor já tiver completado todo o período de contribuição, os proventos

serão integrais.

▶ Aposentadoria voluntária: desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo

exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, devem ser

observadas as seguintes condições: a) 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem, e 55 anos de

idade e 30 de contribuição, se mulher, com proventos integrais, sendo que tais requisitos de idade e de

tempo de contribuição serão reduzidos em cinco anos para o professor que comprove exclusivamente

tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e

médio, compreendido aí o exercício de funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico

(Lei 11.301/2006337

); b) 65 de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, com proventos propor-

cionais ao tempo de contribuição.

▶ Aposentadoria especial: o art.40, §4º, da CF/88 somente admite requisitos e critérios di-

ferenciados para servidores: a) portadores de deficiência; b) que exerçam atividades de risco; c) cujas

atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Pelo

texto do dispositivo constitucional, a eficácia desta regra ainda dependeria da edição de leis complemen-

tares, todavia o STF, em sede de mandado de injunção, decidiu que "inexistente a disciplina específica

da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria

dos trabalhadores em geral - art. 57, §1º, da Lei 8.213/91".338

Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão ex-

ceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que

serviu de referência para a concessão da pensão. E conforme o §8º do art.40, "é assegurado o reajusta-

mento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabe-

lecidos em lei".

Sob a égide da CF/88, o regime próprio de previdência do servidor público titular de cargo efeti-

vo já foi alterado três vezes. Primeiro por meio da EC 20, de 15 de dezembro de 1998; depois pela EC

41, de 19 de dezembro de 2003. Por fim, adveio a EC 47, de 05 de julho de 2005. Todas elas estabelece-

ram regras de transição para aqueles servidores que ainda não haviam implementado os requisitos de

aposentadoria ao tempo da sua edição.

Na crítica de Dirley Cunha, "o objetivo principal e indisfarçável destas reformas foi, reduzindo

os direitos sociais do servidor público, equipará-los aos trabalhadores da iniciativa privada”.339

337 Declarada constitucional pelo STF, na ADI 3772/DF, rel. Min. Carlos Britto, DJ 26/03/2009. 338 MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 29/11/2007. Muitos outros mandados de injunção foram posteriormente deferidos nos mesmos moldes. 339 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo. Salvador: Podium.

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A EC 20/98 substituiu o requisito do tempo de serviço pelo do tempo de contribuição, bem como

introduziu também um limite de idade.

As situações jurídicas instituídas após a EC 20 podem assim ser sintetizadas: "a) àqueles que já

estavam no serviço e preenchiam, no momento, os requisitos para se aposentar conforme a regra do texto

original da CF, foi reconhecido o direito adquirido (não se aplicando a nova regra). Também foi criado o

chamado abono de permanência para os servidores que já preenchiam os requisitos para se aposentar,

mas que continuassem trabalhando, correspondendo a uma isenção da contribuição previdenciária; b)

para aqueles que entraram após a emenda, regra nova, com tempo de contribuição e idade; c) aqueles

que já estavam no serviço antes da emenda, mas que não preenchiam os requisitos para aposentadoria,

ganharam a primeira regra de transição, prevista no art.8º da EC n. 20. Essa regra de transição previa

uma idade intermediária de 53 anos para homens e de 48 anos para as mulheres, além de 35 e 30 anos de

contribuição, respectivamente, somados a um período adicional que foi denominado pedágio. Garantia

também duas regras: uma para proventos integrais e outra para proventos proporcionais. Essa regra já foi

revogada pela EC n. 41/03".340

A EC 41/03, por sua vez, mudou a forma de cálculo dos proventos de aposentadoria ou pensão,

bem como os parâmetros para a sua revisão.

Anteriormente, havia uma regra de integralidade, de modo que o valor da aposentadoria integral

correspondia exatamente ao valor dos vencimentos mensais que o servidor recebia ao se aposentar. Os

proventos de pensão, para os dependentes, eram calculados da mesma forma. Havia também uma regra

de paridade entre a situação do servidor da ativa e o aposentado ou pensionista, de maneira que a revisão

periódica do valor da aposentadoria ou pensão seguia os mesmos parâmetros que viessem a ser aplicados

ao pessoal da ativa.

Tanto a integralidade quanto a paridade foram abolidas com a EC 41.

Atualmente, de acordo com a nova redação do art.40, §3º, da CF/88, para o cálculo dos proventos

de aposentadoria serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do

servidor feitas ao longo do seu tempo de serviço, na forma da lei.

Fixando os parâmetros deste cálculo, foi editada a Lei 10.887/2004, “que determinou, no seu

art.1º, que, no cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qual-

quer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias

e fundações, previsto no §3º do art.40 da Constituição Federal e no art.2º do texto da EC 41/2003, fosse

considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as con-

tribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oi-

tenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início

da contribuição, se posterior àquela competência. As remunerações consideradas no cálculo do valor

inicial dos proventos terão os seus valores atualizados mês a mês de acordo com a variação integral do

índice fixado para a atualização dos salários-de-contribuição considerados no cálculo dos benefícios do

regime geral de previdência social (§1º). A base de cálculo dos proventos será a remuneração do servi-

dor no cargo efetivo nas competências a partir de julho de 1994 em que não tenha havido contribuição

para o regime próprio (§2º). O art.15 da Lei dispõe que os proventos de aposentadoria e as pensões serão

reajustados na mesma data em que se der o reajuste dos benefícios do regime geral de previdência soci-

al”.341

Em relação ao cálculo dos proventos de pensão, deve-se seguir a regra prevista no art.40, §7º, da

CF, com a redação dada pela EC 41, segundo a qual “a pensão por morte, para os futuros pensionistas,

não mais corresponderá à totalidade da remuneração ou dos proventos do servidor falecido. Ela será

340 MARINELA, Direito Administrativo, cit. 341 CUNHA JÚNIOR, Direito Administrativo, cit.

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igual: (I) ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido

para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.201 (que foi fixado pelo art.5º

do texto da Emenda 41/2003 em R$2.400,00), acrescido de 70% (setenta por cento) da parcela excedente

a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou (II) ao valor da totalidade da remuneração do servidor

no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do

regime geral de previdência social de que trata o art.201, acrescido de 70% (setenta por cento) da parcela

excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito. Assim, se o servidor, na data do óbito, per-

cebia, como remuneração ou provento, R$5.000,00, a pensão por morte corresponderá ao limite máximo

estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (R$2.400,00), acrescido de 70% da

parcela excedente a este limite (R$5.000,00 – R$2.400,00 = R$2.600 x 70% = R$1.820,00 + R$2.400,00

= valor da pensão: R$4.220,00)”.342

A Constituição veda percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência dos

servidores, salvo se decorrerem dos cargos acumuláveis nela previstos (art.40, §6º). Mas mesmo nesse

caso, de acordo com o art.40, §11, há de ser observado o teto salarial do serviço público tratado no

art.37, XI (valor do subsídio de ministro do STF).

Não bastasse a complexidade de todas estas regras de regência da previdência dos servidores pú-

blicos, mormente após as modificações feitas pelas emendas 20 e 41, outro ponto torna o estudo do

assunto ainda mais complexo. É que tais regras só são inteiramente aplicáveis aos servidores que ingres-

saram em cargos públicos após o advento da EC 41. Para os servidores que ingressaram antes da EC 20,

bem como para aqueles que ingressaram no período entre a EC 20 e a EC 41, as regras aplicáveis são

diferentes, segundo regras de transição que também foram previstas nestas emendas, bem como na

posterior EC 47/2005.

Saliente-se que tal previsão não decorreu da existência de eventual direito adquirido por parte

destes servidores antigos, pois, conforme precedentes do STF, não há direito adquirido a regime jurídico.

Vale dizer, de acordo com este entendimento, somente tinham direito adquirido à aposentadoria aqueles

servidores que já haviam preenchido os requisitos de inatividade estabelecidos nas regras em vigor antes

da mudança constitucional. Se a mudança veio quando ainda não preenchidos estes requisitos, o servidor

apenas tinha uma mera expectativa de direito. Nesse caso, visando minimizar o impacto da mudança

para aqueles que já estavam a caminho da aposentadoria, mas ainda não havia adquirido este direito

(alguns, inclusive, faltando poucos meses), foram estabelecidos critérios mais flexíveis.

Outra mudança produzida pela EC 41/2003 – talvez a mais polêmica delas – foi a previsão de

cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos, tal como passou a constar no art.40,

§18, da CF/88. Após acirrados debates, com muitos juristas de peso asseverando haver aí uma violação a

direito adquirido e a ato jurídico perfeito, o STF, em decisão histórica no julgamento das ADINs 3105 e

3128, colocou uma pá de cal no assunto e considerou constitucional a cobrança.

Por fim, com a edição da EC 47/05 (chamada de PEC Paralela), foram implementadas novas al-

terações no RPPS, tais como as regras de aposentadoria especial mencionadas no tópico anterior. Impor-

tante mudança dessa nova emenda "foi criar uma segunda alternativa de regra de transição para os ser-

vidores que entraram na Administração Pública antes da EC n. 20. Os requisitos para essa regra de tran-

sição estão no art.3º da EC n. 47, e acredita-se ser a condição mais benéfica, por garantir os direitos de

integralidade e paridade, além da possibilidade de se aposentar com idade reduzida sem descontos na

remuneração, exigindo-se, para isso, vinte e cinco anos de serviço público, quinze anos de carreira e

cinco anos no cargo. O limite de contribuição é de 35 e 30 anos, respectivamente, para homens e mulhe-

res, sendo que a cada ano que se ultrapassar esses parâmetros reduz-se o correspondente no limite de

idade, começando de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres".343

342 Idem. 343 MARINELA, Direito Administrativo, cit.

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O art. 40, §14, da CF/88, na redação dada pela EC 20/98, passou a admitir que a União, os Es-

tados, o Distrito Federal e os Municípios possam instituir regime de previdência complementar para os

seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, quando então poderão fixar, para o valor das apo-

sentadorias e pensões, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência

social (RGPS).

Tal regime de previdência complementar há de ser instituído por lei de iniciativa do respectivo

Poder Executivo, observadas, no que couber, as mesmas regras do regime de previdência privada previs-

to no art. 202 da CF/88, e poderá ser administrado por intermédio de entidades fechadas de previdência

complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios

somente na modalidade de contribuição definida.

Uma vez instituído o regime de previdência complementar, ele será facultativo para os servido-

res que já tiverem anteriormente ingressado no serviço público, que a ele somente poderão aderir medi-

ante prévia e expressa opção. Para os servidores que ingressarem posteriormente, a lei poderá instituir

uma adesão obrigatória.

Dispõe o art.121 da Lei 8112/90 que o servidor responde civil, penal e administrativamente pelo

exercício irregular de suas atribuições.

José dos Santos Carvalho Filho assinala que “cada responsabilidade é, em princípio, independen-

te da outra. Por exemplo: pode haver responsabilidade civil sem que haja responsabilidade penal ou

administrativa. Pode também haver responsabilidade administrativa sem que siga conjuntamente a res-

ponsabilidade penal ou civil. Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo tipo de responsabi-

lidade é simultaneamente gerador de outro tipo; se isto ocorrer, as responsabilidades serão conjugadas.

Essa é a razão por que a mesma situação fática é idônea a criar, concomitantemente, as responsabilida-

des civil, penal e administrativa”.344

O funcionário público que eventualmente deva ser responsabilizado por ilegalidade, omissão ou

abuso de poder será representado perante a sua autoridade superior (Lei 8.112/90, art.116, XII e p. úni-

co). A autoridade superior, por sua vez, tendo ciência dos fatos, é obrigada a tomar providências no

sentido de apurar a eventual irregularidade na atuação do seu subordinado, devendo para tanto observar

um prazo legal.

Na esfera da Administração Pública Federal, nos termos do art.142 da Lei 8112/90, a ação disci-

plinar prescreverá: I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de apo-

sentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão; II - em 2 (dois) anos, quanto à sus-

pensão; III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto á advertência. O prazo de prescrição começa a correr

da data em que o fato se tornou conhecido. Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às

infrações disciplinares capituladas também como crime. A abertura de sindicância ou a instauração de

processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competen-

te. Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a inter-

rupção. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos

assentamentos individuais do servidor (art.170).

A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte

em prejuízo ao erário ou a terceiros (art.122 da Lei 8112/90). Tratando-se de dano causado a terceiros,

344 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva. A obrigação de reparar o dano

estende-se aos sucessores e contra eles será executada, até o limite do valor da herança recebida.

Na lição de Odete Medauar, “se o agente, por ação ou omissão, dolosas ou culposas, causou dano

à Administração, deverá repará-lo, sendo responsabilizado civilmente. A apuração da responsabilidade

civil poderá ter início e término no âmbito administrativo ou ter início nesse âmbito e ser objeto, depois,

de ação perante o Judiciário (...) Para que o servidor possa ser responsabilizado e obrigado a pagar o

prejuízo é necessário comprovar seu dolo (teve a intenção de lesar ou assumiu esse risco) ou sua culpa

(imprudência, negligência ou imperícia). Para isso, a Administração é obrigada a tomar as medidas

legais pertinentes, não podendo, ‘a priori’, inocentar o servidor. De regra, se efetua apuração administra-

tiva por meio de sindicância e, se for o caso, de processo administrativo. Se for verificado dolo ou culpa,

a Administração poderá consultar o servidor a fim de obter o pagamento, por desconto em folha ou

forma diversa. Na ausência de concordância, a Administração deve ingressar no juízo civil para obter o

ressarcimento; se a Administração visa a obter ressarcimento de indenização que pagou a particulares,

em virtude de dano causado pelo agente, trata-se de ação regressiva, como prevê a Constituição, art.37,

§6º, parte final”.345

Importante destacar que, na linha do que já decidiu o STF, é vedado à Administração auto-

executar a cobrança de indenização por dano causado pelo servidor.346

Logo, o desconto em folha das

parcelas indenizatórias só pode ser efetuado se o servidor concordar com esta forma de pagamento, caso

contrário, restará à Administração acionar o Judiciário.

José dos Santos concorda com esse posicionamento, ressaltando que “o Poder Público não tem

crédito privilegiado em relação a seu servidor. Seu crédito é indiscutível, mas a forma de satisfazê-lo há

de ser a empregada para a cobrança dos créditos em geral”.347

Ainda em matéria de responsabilidade civil, a Lei 8.429/92 trata dos atos de improbidade admi-

nistrativa, dentre os quais se destacam aqueles que causam prejuízo ao erário.

A responsabilidade penal abrange os crimes e contravenções imputadas ao servidor, nessa qua-

lidade (art.123 da Lei 8112/90). São os chamados crimes funcionais, previstos no Código Penal e na

legislação extravagante, como, por exemplo, a Lei 4.898/65 (crime de abuso de autoridade) e a Lei

8.666/93 (crimes em matéria de licitações e contratos administrativos). Deve ser apurada mediante ins-

tauração de ação penal pelo Ministério Público.

Em relação aos agentes políticos, além dos crimes comuns, existem ainda tipos penais especiais

definidos como crimes de responsabilidade de natureza política, também objeto de leis específicas, v.g.

a Lei 1.079/50 (Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do STF, Procurador-Geral da

República); a Lei 7.106/83 (Governadores e Secretários de Estado) e o Decreto-lei 201/67 (Prefeitos e

Vereadores).

A responsabilidade administrativa, resultante tanto de ato comissivo quanto ato omissivo, tem

relação com a aplicação de penalidades disciplinares ao servidor, mediante processo administrativo em

que lhe seja assegurada a ampla defesa e o contraditório. Tem por finalidade assegurar o bom funciona-

mento da máquina administrativa.

No caso dos servidores estatutários federais, as sanções disciplinares previstas no art. 127 da Lei

8.112/90 são a advertência, a suspensão, a demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade,

a destituição de cargo em comissão e a destituição de função comissionada. Logo, para punir o servidor,

deve a Administração lançar mão de uma dessas modalidades, não podendo inovar além delas.

345 MEDAUAR, op. cit., p.351-352. 346 STF, MS 24182-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa. 347 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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Por outro lado, ao contrário do que ocorre na esfera penal, as penalidades disciplinares não estão

correlacionadas a condutas tipificadas especificamente. É a chamada atipicidade das infrações discipli-

nares. Como assinala José dos Santos Carvalho Filho, “o sistema punitivo na esfera administrativa é

bem diferente do que existe no plano criminal. Neste, as condutas são tipificadas, de modo que a lei

cominará uma sanção específica para a conduta que a ela estiver vinculada. Assim, o crime de lesões

corporais simples enseja uma sanção específica: a de detenção de três meses a um ano (art.129, CP). Na

esfera administrativa, o regime é diverso, pois que as condutas não têm a precisa definição que ocorre no

campo penal”.348

Deveras, a aplicação de sanções disciplinares faz-se com vistas ao elenco de deveres e proibições

previstos para o servidor público na Lei 8112/90, sendo que muitos dos deveres encerram situações

indeterminadas tais como “manter conduta compatível com a moralidade administrativa”, “exercer com

zelo e dedicação as atribuições do cargo” (art.116). Por isso se diz que o exercício do poder disciplinar

pela Administração Pública demandará certa margem de discricionariedade na adequação da penalidade

a cada caso concreto, compatibilizando a sanção com a conduta (princípio da adequação punitiva ou da

proporcionalidade), de modo que sejam consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os

danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antece-

dentes funcionais (art.128).

É de se observar, todavia, que a própria Lei 8.112/90 já fornece critérios que devem nortear o

administrador na aplicação da penalidade adequada. O art.129 trata dos casos em que é cabível a adver-

tência por escrito. O art.130 trata dos casos em que é cabível a suspensão pelo prazo máximo de noventa

dias. O art.132 trata dos casos em que é cabível a demissão. O art.134 trata dos casos em que é cabível a

cassação de aposentadoria ou a disponibilidade do inativo. O art.135 trata dos casos em que é cabível a

destituição de cargo em comissão.

Dentro de uma mesma instância de responsabilidade (civil, penal ou administrativa), não se ad-

mite o bis in idem, isto é, duas punições por uma só infração. Assim, por exemplo, se o servidor já foi

punido em decorrência de um processo administrativo disciplinar relativo a determinado fato, descabe a

aplicação de outra punição pelo mesmo motivo. Por outro lado, as esferas de responsabilidade são, a

princípio, distintas e independentes; podendo ocorrer de um mesmo ato ensejar cumulação de sanções

civis, penais, administrativas (art.125 da Lei 8.112/90).

O STF já decidiu que a absolvição em processo administrativo disciplinar não impede a apuração

dos mesmos fatos em processo criminal, uma vez que as instâncias penal e administrativa são indepen-

dentes.349

Não obstante, em alguns casos poderá haver a comunicabilidade de instâncias, que ocorre,

por exemplo, com o afastamento da responsabilidade administrativa no caso de absolvição criminal que

negue a existência do fato ou sua autoria (art.126). Da mesma forma, “quando o funcionário for conde-

nado na esfera criminal, o juízo civil e a autoridade administrativa não podem decidir de forma contrá-

ria”.350

Registre-se que a absolvição do servidor na esfera penal somente repercute nas esferas civil e

administrativa se restar provada a inexistência do fato ou a negativa de autoria. As demais hipóteses

de absolvição, relacionadas à ausência de tipificação penal ou à mera falta de provas, não repercutem

nas esferas civil e administrativa.

Primeiro porque “o mesmo fato que não constitui crime pode corresponder a uma infração disci-

plinar; o ilícito administrativo é menos do que o ilícito penal e não apresenta o traço da tipicidade que

348 Idem. 349 HC 77784-MT, Rel. Min. Ilmar Galvão. 350 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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caracteriza o crime”.351

Em segundo lugar, “as provas que não são suficientes para demonstrar a prática

de um crime podem ser suficientes para comprovar um ilícito administrativo”.352

Nestes casos, portanto, ainda que tenha sido absolvido na instância criminal, o servidor poderá

ser sancionado na esfera administrativa. É a chamada falta residual a que se refere a Súmula 18 do

STF: “Pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição

administrativa do servidor público”. Por outro lado, “se a decisão absolutória proferida no juízo criminal

não deixa resíduo a ser apreciado na instância administrativa, não há como subsistir a pena discipli-

nar”.353

Já a condenação na esfera penal irá repercutir automaticamente na esfera administrativa em du-

as situações. Se o servidor for condenado por crime funcional praticado com abuso de poder ou viola-

ção de dever para com a Administração Pública, ocorrerá a perda do cargo, função pública ou mandato

eletivo sempre que a pena privativa de liberdade for superior a 1 (um) ano (Código Penal, art.92, I, “a”).

Se o servidor for condenado por crime não funcional: “a) se a privação de liberdade for por tempo

inferior a quatro anos, o servidor ficará afastado de seu cargo ou função, prevendo o estatuto federal

nesse caso o benefício de auxílio-reclusão, pago à sua família (art.229); b) se a privação de liberdade é

superior a quatro anos, incide o art.92, I, “b”, do CP (com a redação dada pela Lei 9268, de 1/4/1996),

pelo qual a condenação, nessa hipótese, acarreta a perda do cargo, função pública ou mandato eleti-

vo”.354

Compreendidas as esferas de responsabilidade do servidor públicos, vejamos agora os trâmites

legais do processo disciplinar.

O processo administrativo disciplinar (PAD) é o instrumento formal, instaurado pela Administra-

ção Pública, para a apuração das infrações e aplicação das penas correspondentes aos servidores, seus

autores.355

Em outras palavras, é a sucessão ordenada de atos, destinados a averiguar a realidade de falta

cometida por servidor, a ponderar as circunstâncias que nela concorreram e aplicar as sanções pertinen-

tes.356

Costuma-se utilizar a expressão inquérito administrativo, por analogia ao inquérito existente na

via de investigação policial. Tal nomenclatura, porém, é inadequada porque, ao contrário do procedi-

mento policial inquisitório, o processo administrativo disciplinar demanda a observância da ampla defe-

sa e do contraditório. Não obstante, o art.151, II, da Lei 8.112/90 utiliza esta expressão para indicar a

fase de colheita de provas, já no bojo do processo administrativo disciplinar instaurado, a qual deverá

obedecer ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios

e recursos admitidos em direito (art.153).

Também se utiliza o vocábulo sindicância, que, na verdade, é melhor empregado para designar

uma fase investigatória anterior ao processo disciplinar propriamente dito. A sindicância, nesse caso,

tem caráter inquisitório (sem necessidade de ampla defesa e contraditório), pois não há ainda acusação

contra servidor. Não obstante, emprega-se o termo sindicância também para designar um processo admi-

nistrativo de natureza sumária para apuração de faltas consideradas leves, tais como a advertência ou

suspensão de até trinta dias (nesse caso, será necessário o contraditório e a ampla defesa).

Segundo dispõe a Lei 8.112/90, da sindicância poderá resultar: I) arquivamento do processo; I-

I) aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; III) instauração de proces-

so disciplinar (art.145). Sempre que o ilícito praticado pelo servidor ensejar a imposição de penalidade

351 Idem. 352 Ib idem. 353 STF, RDA 123/216. 354 CARVALHO FILHO, Manual, cit. 355 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 356 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou

destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar (art.146).

Observe-se que o art.143 da Lei 8.112/90 distingue as duas situações, ao dispor que a autoridade

que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata,

mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. Nessa

linha, preferimos empregar o termo sindicância para designar a fase de investigação prévia na qual ainda

não estão reunidos elementos concretos em torno da materialidade do fato ou de sua autoria.

Há casos em que a abertura de processo administrativo disciplinar pode ser feito independente-

mente de prévia sindicância, se já houver prova da materialidade e indícios suficientes para responsabili-

zar o servidor. Porém, se ainda existem dúvidas acerca da autoria ou materialidade da infração discipli-

nar, deve a autoridade superior promover uma sindicância para apurar, designando, para tanto, uma

comissão de sindicância. Se desta sindicância forem reunidos elementos suficientes para apontar a res-

ponsabilidade de determinado servidor (ou seja, se o servidor responsável foi identificado) a ensejar

penalidade de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibili-

dade, ou destituição de cargo em comissão, aí sim será promovido o respectivo processo administrativo

disciplinar contra o mesmo, com as garantias de ampla defesa. Nesse caso, haverá uma comissão proces-

sante, também chamada de comissão disciplinar.

Os autos da sindicância integrarão o processo disciplinar, como peça informativa da instrução.

Na hipótese de o relatório da sindicância concluir que a infração está capitulada como ilícito penal, a

autoridade competente encaminhará cópia dos autos ao Ministério Público, independentemente da ime-

diata instauração do processo disciplinar.

Ressalte-se que “as comissões não têm a função de dar a decisão final da sindicância ou do pro-

cesso administrativo disciplinar; apresentam-se, ao mesmo tempo, como órgãos de instrução, de audiên-

cia e de assessoramento à autoridade competente para julgar”.357

A ciência da autoridade superior pode decorrer de atuação ex officio ou, ainda, de provocação por

outra autoridade ou por terceiro (denúncia). As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apura-

ção, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito,

confirmada a autenticidade. Quando o fato narrado não configurar evidente infração disciplinar ou ilícito

penal, a denúncia será arquivada, por falta de objeto.

Ainda segundo a Lei 8.112/90, o prazo para conclusão da sindicância não excederá 30 (trin-

ta) dias, podendo ser prorrogado por igual período, a critério da autoridade superior. Já o prazo para a

conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato

que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigi-

rem. Sempre que necessário, a comissão dedicará tempo integral aos seus trabalhos, ficando seus mem-

bros dispensados do ponto, até a entrega do relatório final. As reuniões da comissão serão registradas em

atas que deverão detalhar as deliberações adotadas.

Como medida cautelar e a fim de que o servidor não venha a influir na apuração da irregularida-

de, a autoridade instauradora do processo disciplinar poderá determinar o seu afastamento do exercício

do cargo, pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, sem prejuízo da remuneração. O afastamento poderá ser

prorrogado por igual prazo, findo o qual cessarão os seus efeitos, ainda que não concluído o processo.

O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de três servidores estáveis desig-

nados pela autoridade competente, que indicará, dentre eles, o seu presidente, que deverá ser ocupante de

cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indicia-

do. A Comissão terá como secretário servidor designado pelo seu presidente, podendo a indicação recair

em um de seus membros. Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge,

357 Idem.

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companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro

grau.

A Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo

necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração. As reuniões e as audiências

das comissões terão caráter reservado.

Na fase de inquérito administrativo, a comissão promoverá a tomada de depoimentos, acarea-

ções, investigações e diligências cabíveis, objetivando a coleta de prova, recorrendo, quando necessário,

a técnicos e peritos, de modo a permitir a completa elucidação dos fatos. É assegurado ao servidor o

direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir

testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial. O

presidente da comissão poderá denegar pedidos considerados impertinentes, meramente protelatórios, ou

de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. Será indeferido o pedido de prova pericial, quando

a comprovação do fato independer de conhecimento especial de perito.

As testemunhas serão intimadas a depor mediante mandado expedido pelo presidente da comis-

são, devendo a segunda via, com o ciente do interessado, ser anexado aos autos. Se a testemunha for

servidor público, a expedição do mandado será imediatamente comunicada ao chefe da repartição onde

serve, com a indicação do dia e hora marcados para inquirição. O depoimento será prestado oralmente e

reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito. As testemunhas serão inquiridas

separadamente. Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acarea-

ção entre os depoentes.

Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado. No

caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente, e sempre que divergirem em

suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles. O procurador do

acusado poderá assistir ao interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas, sendo-lhe vedado

interferir nas perguntas e respostas, facultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do presidente

da comissão.

Quando houver dúvida sobre a sanidade mental do acusado, a comissão proporá à autoridade

competente que ele seja submetido a exame por junta médica oficial, da qual participe pelo menos um

médico psiquiatra. O incidente de sanidade mental será processado em auto apartado e apenso ao proces-

so principal, após a expedição do laudo pericial (art.160).

Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação

dos fatos a ele imputados e das respectivas provas. O indiciado será citado por mandado expedido pelo

presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe

vista do processo na repartição. Havendo dois ou mais indiciados, o prazo será comum e de 20 (vinte)

dias. O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo dobro, para diligências reputadas indispensáveis. No

caso de recusa do indiciado em apor o ciente na cópia da citação, o prazo para defesa contar-se-á da data

declarada, em termo próprio, pelo membro da comissão que fez a citação, com a assinatura de (2) duas

testemunhas.

Ponto objeto de controvérsia na doutrina diz respeito à necessidade ou não de elaboração de defe-

sa técnica, ou seja, de estar o administrado representado por advogado no processo administrativo.

O art.3o, IV, da Lei 9784/99 (lei do processo administrativo federal) facultou que o administrado

se faça assistir por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Logo, a regra

é a facultatividade da defesa técnica. Não obstante, há quem sustente a necessidade da defesa técnica,

“sempre que a extrema complexidade da causa impeça o administrado de exercer sua ampla defesa”.358

358 MOREIRA, Egon Bockman. Processo Administrativo: princípios constitucionais e a Lei 9.784/99. São Paulo: Malheiros.

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No tocante aos processos sancionatórios ou disciplinares, há doutrinadores que consideram necessária a

defesa técnica.359

No âmbito da jurisprudência, a questão também veio desafiando controvérsias, tendo o STJ che-

gado a editar a Súmula 343 prevendo a necessidade de advogado nos processos disciplinares, o que,

poucos dias depois, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal defesa técnica, nos

termos da Súmula Vinculante n. 05: “A falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar

não ofende a Constituição”.

O indiciado que mudar de residência fica obrigado a comunicar à comissão o lugar onde poderá

ser encontrado. Achando-se o indiciado em lugar incerto e não sabido, será citado por edital, publicado

no Diário Oficial da União e em jornal de grande circulação na localidade do último domicílio conheci-

do, para apresentar defesa. Nesse caso, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a partir da última

publicação do edital.

Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo le-

gal. A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa. Para

defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor

dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolarida-

de igual ou superior ao do indiciado.

Apreciada a defesa, a comissão elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças principais

dos autos e mencionará as provas em que se baseou para formar a sua convicção. O relatório será sem-

pre conclusivo quanto à inocência ou à responsabilidade do servidor. Reconhecida a responsabilidade

do servidor, a comissão indicará o dispositivo legal ou regulamentar transgredido, bem como as circuns-

tâncias agravantes ou atenuantes.

O processo disciplinar, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade que determinou a

sua instauração, para julgamento. A lei não prevê concessão de prazo para a apresentação de alegações

pela defesa após o relatório final. No prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, a

autoridade julgadora proferirá a sua decisão. Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da autorida-

de instauradora do processo, este será encaminhado à autoridade competente, que decidirá em igual

prazo. Havendo mais de um indiciado e diversidade de sanções, o julgamento caberá à autoridade com-

petente para a imposição da pena mais grave. Se a penalidade prevista for a demissão ou cassação de

aposentadoria ou disponibilidade, o julgamento caberá às autoridades de que trata o art. 141, I, da Lei

8.112/90 (Presidente da República, das Casas do Poder Legislativo, dos Tribunais Federais e pelo Procu-

rador-Geral da República). Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instaurado-

ra do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos.

Isto é, o julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.

É o chamado efeito vinculante do relatório, que somente não ocorrerá quando o mesmo contrariar as

provas dos autos, caso em que a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade

proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.

A nulidade de processo disciplinar somente é cabível quando se tratar de vício insanável (art.169

da Lei 8.112/90), ou seja, um defeito que não comporte saneamento, seja porque a lei assim expressa-

mente dispôs, seja porque gerou prejuízo para a defesa, o que somente pode ser revertido com a repeti-

ção do ato. No que concerne a eventuais irregularidades na portaria de abertura do processo disciplinar,

como a lei não cuidou de especificar requisitos essenciais para a validade da peça, tampouco impôs

expressamente a sanção de nulidade, a anulação do processo apenas se impõe se tiver havido efetivo

prejuízo para a defesa. Ressalte-se que esse tem sido o entendimento do STJ, ao assim considerar:

359 FIGUEIREDO, Curso..., cit.

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"(...) 2. A portaria inaugural, bem como a notificação inicial, prescindem de minuciosa descrição

dos fatos imputados, que se faz necessário apenas após a fase instrutória, onde são apurados os fatos,

com a colheita das provas pertinentes. 3. Eventual nulidade processual exige a respectiva comprovação

do prejuízo à defesa, o que não ocorreu no presente caso, sendo aplicável à espécie o princípio do pas de

nullité sans grief".360

Verificada a ocorrência de vício insanável, a autoridade que determinou a instauração do proces-

so ou outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, total ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a

constituição de outra comissão para instauração de novo processo. O julgamento fora do prazo legal

não implica nulidade do processo. A autoridade julgadora que der causa à prescrição da ação disciplinar

será responsabilizada.

O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado

voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada. Ocorrida

a exoneração quando não satisfeitas as condições do estágio probatório, o ato será convertido em demis-

são, se for o caso.

O processo disciplinar poderá ser revisto (revisão do processo), a qualquer tempo, a pedido ou

de ofício, quando se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis de justificar a inocência do

punido ou a inadequação da penalidade aplicada. Em caso de falecimento, ausência ou desaparecimento

do servidor, qualquer pessoa da família poderá requerer a revisão do processo. No caso de incapacidade

mental do servidor, a revisão será requerida pelo respectivo curador. No processo revisional, o ônus da

prova cabe ao requerente. A simples alegação de injustiça da penalidade não constitui fundamento para a

revisão, que requer elementos novos, ainda não apreciados no processo originário. O requerimento de

revisão do processo será dirigido ao Ministro de Estado ou autoridade equivalente, que, se autorizar a

revisão, encaminhará o pedido ao dirigente do órgão ou entidade onde se originou o processo disciplinar.

A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias para a conclusão dos trabalhos. O julgamento caberá à auto-

ridade que aplicou a penalidade, no prazo de 20 (vinte) dias, contados do recebimento do processo, no

curso do qual a autoridade julgadora poderá determinar diligências. Julgada procedente a revisão, será

declarada sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos os direitos do servidor, exceto em

relação à destituição do cargo em comissão, que será convertida em exoneração. Da revisão do processo

não poderá resultar agravamento de penalidade.

Antes da Constituição Federal de 1988, costumava-se utilizar mecanismos sumários de apuração

de responsabilidade de servidores, tais como a verdade sabida e o termo de declaração.

Pela verdade sabida, “a autoridade competente, que presenciou a infração, aplica a pena, consig-nando no ato punitivo as circunstâncias em que foi cometida a presenciada falta. Também já se conside-rou verdade sabida a infração pública e notória, divulgada pela imprensa e por outros meios de comuni-cação em massa”.

361 Pelo termo de declaração “a comprovação da falta do servidor surge com a tomada

do depoimento do acusado sobre a irregularidade que lhe é imputada. Se esta é confessada, o termo de declaração serve de base para a aplicação da pena”.

362 A jurisprudência nunca viu com bons olhos tais

mecanismos, que foram definitivamente abolidos com o advento da nossa atual Carta Magna, cujo art.5o,

LV, contempla expressamente que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusa-dos em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Por derradeiro, cumpre revolver ao tema da ação regressiva contra o servidor público por danos suportados pela Administração. Tem relação com o chamado direito de regresso, que é “o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quanto tenha este agido com culpa ou dolo”.

363 Assim, se o Estado foi obrigado a indenizar terceiro prejudicado

360 STJ, RMS 22134/DF, rel. Min. Laurita Vaz, julg. 11/05/2010. 361 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 362 Idem. 363 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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por ato de agente seu, deve dirigir contra esse uma pretensão regressiva. O mesmo ocorre quando o Estado buscar se ressarcir do dano que lhe foi provocado diretamente pelo agente.

Consoante o art.37, §5º, da CF/ 88, “a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos prati-cados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Com base na parte final desse dispositivo, alguns doutrinadores, dentre eles Celso Antônio

364 e Diógenes Gasparini

365, entendem que a ação de reparação movida pela Administração

contra o servidor que causa dano ao erário é imprescritível.

Esse entendimento tem sido objeto de algumas divergências, sob o fundamento de que a Consti-tuição Federal veda a perpetuação das penas (art.5

o, XLVII, b), o que indiretamente ocorreria em se

admitindo a imprescritibilidade da ação de reparação. Entrementes, ao menos no que se refere aos atos de improbidade administrativa que gerem prejuízo ao erário, a jurisprudência foi se firmando no sentido da imprescritibilidade em relação aos agentes públicos, por força citado art.37, §5º, da CF/88.

366

Mais recentemente, julgados do STF passaram a acolher a aplicação geral e irrestrita da regra de imprescritibilidade em relação à reparação de danos ao erário, para além das questões envolvendo im-probidade administrativa e alcançando até mesmo os particulares.

367

Diogo de Figueiredo conceitua o ato administrativo stricto sensu como sendo “a manifestação

unilateral de vontade da administração pública, que tem por objeto constituir, declarar, confirmar, alterar

ou desconstituir uma relação jurídica, entre ela e os administrados ou entre seus próprios entes, órgãos e

agentes”.368

Na mesma linha o conceito formulado por Celso Antônio: “declaração unilateral do Estado

no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante comandos concretos complementares da

lei (ou, excepcionalmente, da própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título

de lhe dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.369

Da análise desses conceitos doutrinários, percebe-se que no ato administrativo somente a Admi-

nistração Pública se manifesta, dirigindo imperativamente a sua atuação ao administrado, independente

da anuência deste. Distingue-se, então, dos contratos firmados entre a Administração e o administrado,

que são atos convencionais bilaterais.

Os efeitos do ato administrativo são os expressamente fixados na lei ou, caso não haja previsão

expressa, aqueles que a lei implicitamente autorize a fixação discricionária pela Administração Pública,

sempre com vistas ao interesse público. São exemplos de atos administrativos a concessão de uma licen-

ça de pesca, a nomeação de um servidor público, um alvará de construção, um auto de infração de trânsi-

to, um parecer administrativo etc.

364 MELLO, Curso..., cit. 365 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 366 V.g. STJ, REsp. 1199617, Min. Mauro Campbell Marques, DJ 08.10.2010; STJ, REsp. 1028330, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 12.11.2010. 367 V.g. RE 608831 AgR/SP, Min. Eros Grau, Julg. 08.06.2010; MS 26.210, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 10.10.2008. 368 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 369 MELLO, Curso..., cit.

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Compreende-se o regime jurídico do ato administrativo a partir das características e atributos pe-

culiares que o diferem dos atos jurídicos típicos do direito privado. A doutrina em geral aponta quatro

características do ato administrativo:

• Presunção de legitimidade: “é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadei-

ros e conformes ao Direito, até prova em contrário. Isto é: milita em favor deles uma presunção juris

tantum de legitimidade; salvo expressa disposição legal, dita presunção só existe até serem questionados

em juízo”.370

Maria Sylvia diferencia a presunção de legitimidade da presunção de veracidade, pois “a

presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei”, enquanto “a presunção de

veracidade diz respeito aos fatos; em decorrência desse atributo, presumem-se verdadeiros os fatos ale-

gados pela Administração. Assim ocorre com relação às certidões, atestados, declarações, informações

por ela fornecidos, todos dotados de fé pública”.371

Diogo de Figueiredo, por sua vez, utiliza o termo

amplo presunção de validade, “analiticamente expressada por uma quádrupla presunção: de veracidade,

de legalidade, de legitimidade e de licitude”.372

No campo processual, o atributo de presunção de veraci-

dade tem como conseqüência a inversão do ônus da prova. Assim, se um ato administrativo for questio-

nado em juízo, caberá ao administrado comprovar a sua invalidade, e não à Administração Pública com-

provar a validade.

• Imperatividade: “é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, inde-

pendentemente de sua concordância”.373

Trata-se, portanto, de um atributo decorrente da prerrogativa

soberana que tem o Poder Público de impor unilateralmente a sua determinação ao administrado, ainda

que contra a vontade deste, criando-lhe deveres e obrigações. E nisso se diferencia substancialmente o

ato administrativo dos atos jurídicos regulamentados pelo direito privado, onde as obrigações em regra

decorrem da manifestação de vontade daquele que se obriga. Como aponta Maria Sylvia, “a imperativi-

dade não existe em todos os atos administrativos, mas apenas naqueles que impõe obrigações; quando se

trata de ato que confere direitos solicitados pelo administrativo (como na licença, autorização, permis-

são, admissão) ou de ato apenas enunciativo (certidão, atestado, parecer), esse atributo inexiste”.374

Sali-

ente-se que a imperatividade não afasta a possibilidade de atuação consensual da Administração Pública,

nos casos em que esta for recomendável ou suficiente.

• Exigibilidade: também chamada de exeqüibilidade, “é a qualidade em virtude da qual o Estado,

no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obri-

gações que impôs. Não se confunde com a simples imperatividade, pois, através dela, apenas se constitui

uma dada situação, se impõe uma obrigação. A exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à

obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário

para induzir o administrado a observá-la”.375

Enquanto a imperatividade tem a ver com a prerrogativa

soberana da Administração de constituir unilateralmente uma situação jurídica obrigacional, submetendo

o administrado a sua vontade, a exigibilidade relaciona-se com a possibilidade de se exigir a obediência

do administrado. Melhor esclarecendo, a imperatividade faz com que o administrado seja obrigado a

obedecer à determinação da Administração (poder de impor a obrigação), enquanto que, num segundo

momento, a exigibilidade faz com que a Administração possa cobrar a observância dessa determinação

(poder de exigir o cumprimento da obrigação), adotando meios indiretos capazes de induzir o adminis-

trado a cumpri-la.

370 Idem. 371 DI PIETRO, Direito administrativo, cit. 372 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 373 MELLO, Curso..., cit. 374 DI PIETRO, Curso..., cit. 375 MELLO, Curso..., cit.

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• Executoriedade: também chamada auto-executoriedade, “é a qualidade pela qual o Poder Pú-

blico pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais,

ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu”.376

Tal ocorre, por exemplo, quando a Administração

se utiliza de força policial para desobstruir uma via interditada por populares. Registre-se que, enquanto

a exigibilidade se relaciona com a prerrogativa de, por meios indiretos, obrigar o administrado a cumprir

a determinação emanada do ato administrativo, a executoriedade assegura à Administração o poder de

efetivá-la materialmente, isto é, valendo-se de meios diretos (coação material). A distinção é importante

porque há atos que são dotados de exigibilidade, mas, não de auto-executoriedade, como ocorre, v.g.

com a imposição de multas administrativas, quando a Administração pode constituir a obrigação de

pagar e até aplicar sanções por atraso no pagamento (meios indiretos de cobrança), mas, não lhe cabe

adotar meios diretos para a satisfação do seu crédito (penhora, arresto, busca e apreensão etc.). Assim, se

o administrado não pagar espontaneamente, a Administração terá de lançar o crédito em dívida ativa e se

valer de um processo judicial específico para executar materialmente a cobrança (execução fiscal). O

mesmo ocorre com a desapropriação, em que, caso não haja acordo, recusando-se o proprietário a aceitar

o preço ofertado pela Administração, esta terá de propor uma ação judicial visando à decretação da perda

da propriedade. Porém, em que pese tais situações, a doutrina tem considerado a auto-executoriedade

como uma característica geral presente na grande maioria dos atos administrativos, por expressa ou

implícita previsão legal, mormente nas situações de urgência em que tal prerrogativa se revele indispen-

sável a assegurar o eficaz cumprimento da finalidade de interesse público. Em todo caso, é garantido

sempre o controle judicial a posteriori.

Antes de citarmos as espécies de atos administrativos, cumpre-nos destacar a advertência feita

por Celso Antônio no sentido de que “a terminologia com que os atos administrativos são rotulados é

muito incerta, inexistindo concordância total entre os autores com respeito à identificação exata do ato

tal ou qual debaixo de uma designação uniforme. O mesmo se passa na legislação, que, freqüentemente,

utiliza acriticamente as expressões mencionadas, sem distinguir ou selecionar com rigor uma dada de-

signação constante para uma determinada espécie de ato”.377

Não obstante essa imprecisão terminológica, vamos aqui indicar as principais designações, tal

como empregadas por ilustres doutrinadores brasileiros, os quais analisam as espécies de atos adminis-

trativos segundo o conteúdo (substância do ato) ou a forma (instrumento do ato).

→ Em função do conteúdo:

• Autorização: é “o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Adminis-

tração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade material, ou a

prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos”.378

Cite-se, v.g., as autoriza-

ções para exploração de jazida mineral e para porte de arma (apesar de a lei de contravenções penais

tratar como licença).

• Licença: “é ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele

que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade. A diferença entre licença e autorização,

acentua Cretella Júnior, é nítida, porque o segundo desses institutos envolve interesse ‘caracterizando-se

como ato discricionário, ao passo que a licença envolve direitos, caracterizando-se como ato vincula-

do”.379

São exemplos as licenças para dirigir veículos, de importação, de edificação etc.

376 Idem. 377 MELLO, Curso..., cit. 378 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 379 Idem.

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• Admissão: “é ato unilateral e vinculado pelo qual a Administração reconhece ao particular, que

preencha os requisitos legais, o direito à prestação de um serviço público. É ato vinculado, tendo em

vista que os requisitos para outorga da prestação administrativa são previamente definidos, de modo que

todos os que os satisfaçam tenham direito de obter o benefício. São exemplos a admissão nas escolas

públicas, nos hospitais, nos estabelecimentos de assistência social”.380

• Permissão: “em sentido amplo, designa o ato administrativo unilateral, discricionário e precá-

rio, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução de serviço

público ou a utilização privativa de bem público. O seu objeto é a execução de serviço público ou a

utilização privativa de bem público por particular. Daí a sua dupla acepção: permissão de serviço públi-

co e permissão de uso”.381

Há divergência doutrinária sobre o caráter discricionário da permissão de

serviço público, pois o art.175 da Carta Magna de 1988 passou a exigir que, em regra, fosse precedida de

licitação.

• Registros: “são atos vinculados que expressam, por meio de assentamentos públicos, o reco-

nhecimento administrativo da satisfação de requisitos legalmente estabelecidos para a prática de atos da

vida privada, por parte do administrado que os requer. Como característica de atos vinculados, os regis-

tros apresentam múltipla utilização, como, por exemplo, para o exercício de trabalho, ofício e profissão,

para a utilização ou manuseio de veículos, equipamentos ou substâncias, para a comercialização de

certos produtos e muitas outras”.382

• Aprovação: “é ato unilateral pelo qual a Administração, discricionariamente, faculta a prática

de ato jurídico ou manifesta sua concordância com ato jurídico já praticado, a fim de lhe dar eficácia. De

conseguinte, admite, conforme exposto, dupla modalidade, a saber: aprovação prévia, quando aprecia a

conveniência e oportunidade relativas a ato ainda não editado, liberando sua prática; aprovação a poste-

riori, quando manifesta concordância discricionária com ato praticado e dela dependente a fim de se

tornar eficaz. A aprovação prévia é menos comum”.383

Cite-se, por exemplo, a aprovação prévia do

Senado Federal para a escolha de ministros, chefes diplomatas, estado de defesa, intervenção federal etc

(CF, arts.49 e 52). “Em todos esses casos, a aprovação constitui, quanto ao conteúdo, típico ato adminis-

trativo (de controle), embora formalmente integra os atos legislativos (resoluções ou decretos-

legislativos) previstos no artigo 59, VI e VII, da Constituição”.384

• Dispensa: “é o ato administrativo vinculado que consiste em exonerar alguém de dever legal,

caso se encontrem presentes determinados requisitos. Damos como exemplo a dispensa da prestação de

serviço militar obrigatório, quando presentes os pressupostos legais”.385

• Homologação: “é ato vinculado pelo qual a Administração concorda com ato jurídico já prati-

cado, uma vez verificada a consonância dele com os requisitos legais condicionadores de sua válida

emissão. Percebe-se que se diferencia da aprovação a posteriori em que a aprovação envolve apreciação

discricionária ao passo que a homologação é plenamente vinculada”. Cite-se, v.g., a homologação do

procedimento licitatório (Lei 8.666/93, art.43, VI).

• Parecer: “é ato pelo qual os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre assun-

tos técnicos ou jurídicos de sua competência. Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, o parecer

pode ser facultativo, obrigatório e vinculante. O parecer é facultativo quando fica a critério da Adminis-

tração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. O parecer é obrigatório

quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato final. A obrigatoriedade diz respeito à solici-

380 Ib. idem. 381 Ib idem. 382 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 383 MELLO, Curso..., cit. 384 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 385 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros.

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tação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). O parecer é vinculante quando a Adminis-

tração é obrigada a solicitá-lo e a acatar a sua conclusão”.386

• Visto: “é ato administrativo unilateral pela qual a autoridade competente atesta a legitimidade

formal de outro ato jurídico. Não significa concordância com o seu conteúdo, razão pela qual é incluído

entre os atos de conhecimento, que são meros atos administrativos e não atos administrativos propria-

mente ditos, porque não encerram manifestações de vontade. Exemplo de visto é o exigido para encami-

nhamento de requerimentos de servidores subordinados a autoridade de superior instância; a lei normal-

mente impõe o visto do chefe imediato, para fins de conhecimento e controle formal, não equivalendo à

concordância ou deferimento de seu conteúdo”.387

• Concessão: “é designação genérica de fórmula pela qual são expedidos atos ampliativos da es-

fera jurídica de alguém. Daí a existência de subespécies. Por isso, fala-se em concessão de cidadania, de

comenda, de prêmio, de exploração de jazida, de construção de obra pública, de prestação de serviço

público etc. É manifestamente inconveniente reunir sob tal nome tão variada gama de atos profundamen-

te distintos quanto à estrutura e regime jurídicos. Assim, verbi gratia, a concessão de serviço público e a

de obra pública são atos bilaterais; já, as de prêmio ou de cidadania são unilaterais”.388

• Certidões: “são atos que reproduzem registros das repartições, contendo uma afirmação quanto

à existência e ao conteúdo de atos administrativos praticados”.389

• Atestados: “são atos que reproduzem assentamentos de ocorrências constantes de processos ou

arquivos públicos, contendo uma afirmação oficial quanto à existência e ao conteúdo de fatos ocorri-

dos”.390

• Autos de Infração: “são atos que reproduzem os fatos e as circunstâncias que caracterizam

transgressões administrativas, produzindo, contemporaneamente aos fatos, uma afirmação oficial de sua

realidade e veracidade”.391

→ Em função da forma:

• Decreto: “é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do

Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito). Ele pode conter, da mesma forma

que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação

(decreto geral) ou pode dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas determinadas. Nesse caso, ele constitui

decreto de efeito concreto (decreto individual); é o caso de um decreto de desapropriação, de nomeação,

de demissão. Quando produz efeitos gerais, ele pode ser: regulamentar ou de execução, quando expedi-

do com base no art.84, IV, da Constituição, para fiel execução da lei; independente ou autônomo, quan-

do disciplina matéria não regulada em lei”.392

Saliente-se que “o decreto só pode ser considerado ato

administrativo propriamente dito quando tem efeito concreto. O decreto geral é ato normativo, seme-

lhante, quanto ao conteúdo e quanto aos efeitos, à lei”.393

O tema dos decretos será ainda estudado quan-

do tratarmos do poder regulamentar da Administração.

• Portaria: “é fórmula pela qual autoridades de nível inferior ao de Chefe do Executivo, sejam

de qualquer escalão de comandos que forem, dirigem-se a seus subordinados, transmitindo decisões de

efeito interno, quer com relação ao andamento das atividades que lhes são afetas, quer com relação à

vida funcional de servidores, ou, até mesmo, por via delas, abrem-se inquéritos, sindicâncias, processos

386 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 387 Idem. 388 MELLO, Curso..., cit. 389 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 390 Idem. 391 Ib idem. 392 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 393 Idem.

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administrativos. Como se vê, trata-se de ato formal de conteúdo muito fluido e amplo”.394

Qualificam-se

as portarias como “atos de competência de presidências, superintendências e chefias de hierarquia inter-

média”.395

• Resolução: “é fórmula pela qual se exprimem as deliberações dos órgãos colegiais”.396

Tais de-

liberações “são atos de competência de Secretários de Estado e de Municípios assim como de corpos

colegiados, que eventualmente podem conter uma decisão concreta, embora a denominação devesse ser

reservada para a expressão da normatividade intermédia”.397

Como se observa, nem sempre são coinci-

dentes os conceitos oferecidos pela doutrina para cada espécie formal de ato administrativo. Pode-se,

todavia, afirmar que a regra de competência serve como parâmetro de distinção. Assim, os decretos são

de competência do Chefe do Executivo, enquanto as resoluções e portarias “são formas de que se reves-

tem os atos, gerais ou individuais, emanados de autoridades outras que não o Chefe do Executivo”.398

• Instrução: “é fórmula de expedição de normas gerais de orientação interna das repartições,

emanadas de seus chefes, a fim de prescreverem o modo pelo qual seus subordinados deverão dar anda-

mento aos seus serviços”.399

As instruções “são atos que contêm uma orientação paradigmática para a

atuação de chefias e de subordinados hierárquicos, no desempenho de suas respectivas atribuições”.400

• Circular: “é o instrumento de que se valem as autoridades para transmitir ordens internas uni-

formes a seus subordinados”.401

“Não veicula regras de caráter abstrato como as instruções, mas concre-

to, ainda que geral, por abranger uma categoria de subalternos encarregados de determinadas ativida-

des”.402

“São ordens uniformes visando a regular os mesmos que as instruções, caracterizadas apenas

pelo mais restrito âmbito de abrangência, circunscrito a entes, órgãos ou agentes determinados”.403

• Despacho: “é o ato administrativo que contém decisão das autoridades administrativas sobre

assunto de interesse individual ou coletivo submetido à sua apreciação. Quando, por meio de despacho, é

aprovado parecer proferido por órgão técnico sobre assunto de interesse geral, ele é chamado despacho

normativo, porque se tornará obrigatório para toda a Administração. Na realidade, esse despacho não

cria direito novo, mas apenas estende a todos os que estão na mesma situação a solução adotada para

determinado caso concreto, diante do Direito Positivo”.404

Despachos, portanto, “são atos de encami-

nhamento ou de decisão, praticados em procedimentos administrativos”.405

• Alvará: “é o instrumento pelo qual a Administração Pública confere licença ou autorização pa-

ra a prática de ato ou exercício de atividade sujeitos ao poder de polícia do Estado. Mais resumidamente,

o alvará é o instrumento da licença ou da autorização. Ele é a forma, o revestimento exterior do ato; a

licença e a autorização são o conteúdo do ato”.406

• Aviso: “é fórmula que foi utilizada ao tempo do Império pelos Ministros de Estado para pres-

crever orientações dos órgãos subordinados, tendo nesse caso o mesmo caráter das instruções atuais, ou

ainda como instrumento de comunicação a autoridade de alto escalão. Hoje tem utilização restrita. Prati-

camente, é usado quase que só nos Ministérios militares”.407

394 MELLO, Curso..., cit. 395 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 396 MELLO, Curso..., cit. 397 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 398 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 399 MELLO, Curso..., cit. 400 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 401 Idem. 402 MELLO, Curso..., cit. 403 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 404 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 405 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 406 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 407 MELLO, Curso..., cit.

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• Ordem de serviço: “é fórmula usada para transmitir determinação aos subordinados quanto à

maneira de conduzir determinado serviço. Ao invés desta fórmula, as ordens por vezes são veiculadas

por via de circular”.408

“São determinações especiais, muito usadas por segmentos burocráticos inferio-

res, dispondo formalmente, em geral, sobre serviços internos de repartições”.409

• Ofício: “é a fórmula pela qual os agentes administrativos se comunicam formalmente. São, por

assim dizer, as ‘cartas’ oficiais. Por meio delas expedem-se convites, agradecimentos e encaminham-se

papéis, documentos e informações em geral”.410

No campo do Direito Civil, costuma-se apontar três elementos para o ato jurídico em geral, quais

sejam o agente capaz, a forma prescrita ou não defesa em lei e o objeto lícito. Já na seara do Direito

Administrativo, considerando-se as peculiaridades do regime jurídico público, devem ser ainda acresci-

dos dois aspectos necessários à constituição dos atos administrativo: a finalidade (interesse público

perseguido pela Administração) e o motivo (causa de agir da Administração).

Assim, na linha de pensamento sistematizada por Hely Lopes, com base no próprio direito posi-

tivo brasileiro (art.2o da Lei 4.717/65 – Lei de Ação Popular), a doutrina enumera cinco elementos cons-

titutivos do ato administrativo, também chamados de requisitos do ato administrativo, quais sejam

competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Vejamos cada um deles:

• Competência: é o “plexo de atribuições outorgadas pela lei ao agente administrativo para con-

secução do interesse público postulado pela norma”.411

Fazendo um paralelo com o Direito Civil, a idéia

de agente capaz no ato administrativo está relacionada à competência do agente e à função pública por

ele desempenhada. Como bem assinala Diogo de Figueiredo, “para o ato jurídico exige-se apenas a

capacidade do agente, mas para a prática do ato administrativo, a noção de capacidade não tem relevân-

cia, pois o que importa é saber se a manifestação de vontade de Administração partiu do ente, órgão ou

agente a quem a lei cometeu a função de exprimi-la e de vinculá-la juridicamente”.412

Importante desta-

car que toda competência decorre da lei (princípio da reserva legal da competência), eis que nenhum

agente administrativo exerce poder por direito subjetivo próprio, mas sim porque a lei lhe reservou tal

poder com vistas ao interesse público. Por decorrer de lei, a competência não pode ser transferida por

vontade do agente, salvo nos casos em que a própria lei admita ou, ainda, nos casos em que, por razões

de disposição funcional hierárquica dos agentes administrativos, haja previsão implícita de delegação ou

avocação de poderes (desde que não se trate de competência conferida a determinado órgão ou agente,

com exclusividade, pela lei413

).

• Finalidade: é o pressuposto teleológico vinculado do ato administrativo, isto é, relaciona-se

com o bem jurídico por ele perseguido sempre com vistas ao interesse público. Em sentido amplo, "a

finalidade sempre corresponde à consecução de um resultado de interesse público; nesse sentido, se diz

que o ato administrativo tem que sempre finalidade pública; em sentido restrito, finalidade é o resultado

específico que cada ato deve produzir, conforme definido na lei; nesse sentido, se diz que a finalidade do

ato administrativo é sempre a que decorre explícita ou implicitamente da lei”414

. É a obediência à finali-

dade específica de interesse público que caracteriza um ato administrativo como legítimo e a sua inob-

servância faz configurar o desvio de poder.

408 Idem. 409 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 410 MELO, Curso..., cit. 411 FIGUEIREDO, Curso..., cit. 412 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 413 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 414 Idem.

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• Forma: constitui um elemento de exteriorização material do ato administrativo, “através da

qual a vontade manifestada se expressa, permanece e se comprova no mundo jurídico”.415

É, portanto, a

maneira específica como cada ato administrativo deve ser externado. Sabe-se que no âmbito do Direito

Civil a regra é a liberdade de forma. No regime jurídico-administrativo, ao contrário, a regra é a formali-

dade, pelo que o ato deve em regra ser escrito ou, ao menos, registrado. “Normalmente, a formalização

do ato administrativo é escrita, por razões de segurança e certezas jurídicas. Entretanto, há atos expres-

sos por via oral (por exemplo, ordens verbais para assuntos rotineiros) ou por gestos (ordens de um

guarda sinalizando o trânsito), o que, todavia, é exceção, ou, até mesmo, por sinais convencionais, como

é o caso dos sinais semafóricos de trânsito”.416

Em suma, cada tipo de ato administrativo demandará a

obediência a determinadas formalidades, a depender do grau de vinculação legal. Assim, ao lado de atos

que dispensam maiores formalidades, há outros que, para sua validade, exigem estrita observância ao

procedimento de formação previsto em lei. Cite-se, por exemplo, as modalidades de licitação pública

previstas expressamente na Lei de Licitações (Lei 8.666/93). E de acordo com o grau de vinculação

legal, a formalidade poderá ser essencial (necessária à validade do ato administrativo) ou acidental

(mera irregularidade sanável, que não invalida o ato).

• Motivo: é a causa de agir da Administração ao praticar o ato, vale dizer, “o pressuposto de fato

e de direito que determina ou possibilita a edição do ato administrativo”.417

No campo do Direito Civil

pouco importa o motivo. Por exemplo, se alguém deseja comprar um automóvel, pouco importa se o

mesmo se destina para o seu lazer, para o trabalho, para dar de presente a outrem, para deixar parado na

garagem etc. Já na esfera do Direito Administrativo, o motivo constitui elemento essencial do ato, pois o

agente público não age por vontade própria, mas sim de acordo com a lei e visando o interesse público.

A lei pode prever expressamente o fato que ensejará a atuação do Poder Público (motivo legal), ou,

ainda, deixar certa margem de liberdade para a atuação da Administração (motivo discricionário). As-

sim, por exemplo, “no ato de punição do funcionário, o motivo é a infração que ele praticou; no tomba-

mento, é o valor cultural do bem; na licença para construir, é o conjunto de requisitos comprovados pelo

proprietário; na exoneração do funcionário estável, é o pedido por ele formulado”.418

• Objeto: é o resultado por ele visado, aquilo que ele determina, o seu efeito jurídico, que será

sempre a constituição, declaração, confirmação, alteração ou desconstituição de uma relação jurídica.

Em suma, “o objeto do ato administrativo é a alteração jurídica que se pretende introduzir relativamente

às situações e relações sujeitas à ação administrativa do Estado”.419

O objeto é também chamado de

conteúdo do ato administrativo, apesar de alguns autores diferenciarem estas duas expressões. “É o caso

de Régis Fernandes de Oliveira que, baseando-se na lição de Zanobini, diz que o objeto é a coisa, a

atividade, a relação de que o ato se ocupa e sobre a qual vai recair o conteúdo do ato. Dá como exemplo

a demissão do servidor público, em que o objeto é a relação funcional do servidor com a Administração

e sobre a qual recai o conteúdo do ato, ou seja, a demissão. Na desapropriação, o conteúdo do ato é a

própria desapropriação e o objeto é o imóvel sobre o qual recai”.420

Cumpre registrar que esta enumeração dos cinco elementos do ato administrativo encontra, ado-

tada a partir de lições de Hely Lopes, encontra divergências entre alguns doutrinadores brasileiros, haja

vista a ausência de sistematização legal. Para Celso Antônio, por exemplo, os elementos do ato seriam

apenas o conteúdo e a forma, enquanto aspectos intrínsecos, havendo, ao lado disso, o que ele chama de

pressupostos de existência (objeto e pertinência à função administrativa) e pressupostos de validade

(sujeito, motivo, requisitos procedimentais, finalidade, causa e formalização).421

415 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 416 MELLO, Curso..., cit. 417 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 418 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 419 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 420 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 421 MELLO, Curso..., cit.

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Outrossim, convém não confundir o elemento motivo com a motivação do ato administrativo.

Revelando-se como a enunciação do motivo que levou a Administração a agir, a motivação diz respeito

às formalidades do ato, integrando, portanto, o elemento forma acima estudado. Consoante aponta Ri-

cardo Marcondes, “dentre as exigências concernentes à forma, por força de sua importância, uma merece

exame autônomo: a motivação. Eis o primeiro passo para sua compreensão: ela é uma das exigências

impostas pelo sistema jurídico à forma do ato administrativo, diz respeito ao pressuposto formalístico de

regularidade”.422

Existe certa controvérsia na doutrina sobre a necessidade ou não de motivação de todos os atos

administrativos, conforme sejam eles vinculados ou discricionários. Celso Antônio defende a exigência

de motivação como uma regra geral dos atos administrativos, mas reconhece que existem pelo menos

três correntes sobre o tema: “alguns – perfilhando a tese mais retrógrada – consideram obrigatória a

motivação apenas quando a lei a imponha; outros, inversamente, entendem que a motivação é sempre

obrigatória; finalmente, outros, fazem-na depender da natureza do ato, que a lei haja exigido explicita-

mente sua enunciação, quer haja silenciado. Parece-nos que a exigência de motivação dos atos adminis-

trativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra

geral”.423

Com efeito, ao menos no direito brasileiro, a exigência de motivação tornou-se lugar comum

na administração pública, conforme extensamente disposto no art. 50 da Lei 9.784/99 (Lei do Processo

Administrativo Federal), havendo pouquíssima margem para a edição de atos administrativos sem moti-

vação.

A motivação assume ainda grande importância para a validade do ato, segundo a teoria dos mo-

tivos determinantes, “em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados

como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras

palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija motivação, ele só será válido

se os motivos forem verdadeiros. Tomando-se como exemplo a exoneração ad nutum, para a qual a lei

não define o motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o fez por falta de verba e depois

nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por vício quanto ao motivo”.424

Praticado um ato administrativo, é natural que este passe a produzir os seus efeitos. Em alguns

casos, tais efeitos se esgotam no momento da prática (atos instantâneos) ou logo em seguida. Noutros, os

efeitos permanecerão sendo produzidos no futuro, por prazo certo ou incerto a depender do caso. Seja

qual for a situação, cumpridos em definitivo os efeitos do ato, tem-se a sua extinção natural. Extinção

natural haverá também quando desaparecer o sujeito ou o objeto do ato.

Não obstante, há situações em que a extinção do ato administrativo ocorre de modo anômalo, isto

é, fora das hipóteses naturais em que normalmente ocorreria. Nestes casos, tem-se o desfazimento do ato

administrativo, que Celso Antônio chama de retirada, “quando o Poder Público emite um ato concreto

com efeito extintivo sobre o anterior”.425

Destarte, o desfazimento ou retirada de um ato administrativo

pode ocorrer basicamente em duas situações: defeito de legalidade ou reapreciação de mérito. Os vícios

do ato administrativo estão relacionado à primeira delas, demandando um análise da patologia do ato, ou

seja, a identificação da "doença" que contamina algum de seus elementos constitutivos.

O desfazimento por defeito de legalidade ocorre quando detectado vício insanável em algum dos

elementos constitutivos do ato administrativo, o que impõe deva ser o ato invalidado (ou anulado), seja

422 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros. 423 MELLO, Curso..., cit. 424 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 425 MELLO, Curso..., cit.

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pela própria Administração, seja pelo Poder Judiciário. Dentre os mecanismos de provocação do Poder

Judiciário visando a invalidação (anulação) de atos administrativos, o nosso ordenamento constitucional

prevê a ação popular (CF, art.5º, LXXIII), regulamentada pela Lei 4.717/65, cujo art. 2º dispõe serem

nulos os atos lesivos ao patrimônio público nos casos de: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegali-

dade do objeto; d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade.

Confira-se, a respeito, o teor da Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal: “A administração

pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se

originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos

adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Vê-se que a Súmula emprega indis-

tintamente o termo “anular” para todos os casos de invalidade por vício de legalidade dos atos adminis-

trativos. Vejamos quais são:

• Por defeito de competência: Dispõe o art. 2º, p. único, a, da Lei 4.717/65 que “a incompetên-

cia fica caracterizada quanto o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou”. Inter-

pretando sob um enfoque mais amplo o texto legal, Diogo de Figueiredo assinala que o defeito de com-

petência no ato administrativo pode se dar por três formas: usurpação, abuso ou invasão. Usurpação de

competência “se dá quando alguém, sem título algum, regular ou irregular, desempenha uma função

pública”. Abuso de competência “é a exorbitância do ente, do órgão ou do agente que exerce funções

além do âmbito de atribuições que lhe é adstrito por lei, sem que, contudo, sua ação invada as atribuições

de outro órgão ou agente”. Invasão de competência é também um abuso de competência, “só que quali-

ficado pela atuação invasora do campo de atribuições legais de outro ente, órgão ou agente administrati-

vo”.426

Chama a atenção para a hipótese do servidor de fato, “que é o que exerce uma função pública

sem investidura ou nela defeituosamente investido, mas guardando da aparência de legalidade”.427

Nesse caso, a aparente competência do agente, aliada à boa fé do administrado, pode recomendar a ma-

nutenção dos efeitos do ato administrativo, em respeito ao princípio da segurança jurídica, razão pela

qual "ao contrário do ato praticado por usurpador de função, que a maioria dos autores considera como

inexistente, o ato praticado por funcionário de fato é considerado válido, precisamente pela aparência de

legalidade de que se reveste; cuida-se de proteger a boa-fé do administrado”.428

Seja como for, incidem

as regras do direito civil relativas à incapacidade física (loucura, delírio, embriaguez completa), o mes-

mo ocorrendo com os vícios de consentimento (coação moral ou física, erro de fato), observadas, contu-

do, as peculiaridades do caso concreto segundo os princípios do direito administrativo. Por isso, como

destaca Celso Antônio, a doutrina reconhece como válidos os atos totalmente vinculados produzidos por

funcionário em estado de loucura, sempre que a decisão tomada haja sido aquela mesma que a lei ante-

cipadamente impunha como a única admissível.429

• Por defeito de finalidade: O desvio de finalidade, segundo o nosso direito positivo, “se verifi-

ca quanto o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na

regra de competência” (Lei 4.717/65, art. 2º, p. único, e). Todo e qualquer ato administrativo, seja vincu-

lado ou discricionário, deve ter por finalidade o interesse público. Esta deve ser a intenção legal do ato,

sendo que “o defeito de legalidade que incide sobre este elemento é a traição daquela intenção legal, que

se dá quando o agente desvia sua competência, ou seja, o poder-dever de agir de que está investido, para

prosseguir outro interesse que não o público, visando a uma finalidade diferente daquela que, estando

ínsita na regra de competência, deveria ser, necessariamente, a única determinante de sua ação. O defeito

de finalidade poderá ocorrer, ainda, sempre que o agente, ao praticar um ato administrativo discricioná-

rio, não observe os limites do exercício da discricionariedade. Esses limites vinculam a Administração

de modo a manter sua atividade discricionária não só orientada como balizada pela satisfação do interes-

se público definido em lei, pois a inobservância desses lindes não é um problema de incorreta avaliação

426 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 427 Idem. 428 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 429 MELLO, Curso..., cit.

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do mérito, mas de violação indireta da lei e, portanto, um defeito de finalidade a ser corrigido”.430

A

liberdade da Administração no exame da conveniência e da oportunidade (mérito administrativo) não é

absoluta, pois o ato sempre carregará consigo um elemento vinculado, que é a realização do interesse

público. Por isso a doutrina costuma apontar não haver discricionariedade quanto à finalidade.431

• Por defeito de forma: Segundo o art.2º, p. único, b, da Lei 4.717/65, “o vício de forma consis-

te na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou

seriedade do ato”. Deve-se atentar, contudo, em cada caso, se a forma é ou não essencial à constituição

do ato administrativo. Seabra Fagundes entende que podem ocorrer duas situações: 1) preterição de

forma expressamente prevista na lei; 2) preterição de forma necessária ao alcance da finalidade.432

Como

esclarece Maria Sylvia, “o ato é ilegal, por vício de forma, quando a lei expressamente exige ou quando

determinada finalidade só possa ser alcançada por determinada forma. Exemplo: o decreto é a forma que

deve revestir o ato do Chefe do Poder Executivo; o edital é a única forma possível para convocar os

interessados em participar de concorrência”.433

• Por defeito de motivo: Na legislação brasileira, “a inexistência dos motivos se verifica quando

a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamen-

te inadequada ao resultado obtido” (art. 2º, p. único, d, da Lei 4717/65). Analisa-se se o defeito decorre

de desvio do motivo previsto na lei (motivo vinculado) ou se por manifesta inoportunidade ou inconve-

niência (motivo discricionário), sendo que as duas situações conduzem à invalidade do ato. Como ensina

Diogo de Figueiredo, “o motivo vinculado será razão necessária para agir, embora possa não ser sufici-

ente. Qualquer outro motivo, que não o vinculado, acarreta a nulidade do ato, inclusive o insuficiente, o

inadequado e, com maior razão, o falso. Por outro lado, se a lei abre à Administração a avaliação da

oportunidade e da conveniência de agir, tem-se o motivo discricionário. O motivo discricionário é ape-

nas uma razão para agir, nem necessária e, muitos menos, suficiente, mas deve ser sempre razoável para

justificar a ação administrativa, relativamente aos objetos pretendidos. Neste sentido, também anulará o

ato, embora discricionário quanto aos motivos, uma evidente inoportunidade ou uma manifesta inconve-

niência, das quais possam resultar graves danos ao interesse público. Da mesma forma, embora discri-

cionários, os motivos não poderão ser falsos, insuficientes ou inadequados. Uma vez comprovados esses

vícios, o ato administrativo também deverá ser declarado nulo”.434

• Por defeito de objeto: “A ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em

violação de lei, regulamento ou outro ato normativo” (art. 2º, p. único, d, da Lei 4.717/65). Salientando

que o objeto deve ser lícito, possível, moral e determinado, a doutrina enumera as hipóteses em que o ato

administrativo será nulo por vício relativo ao objeto: “1. proibido por lei; por exemplo: um Município

que desaproprie bem imóvel da União; 2. diverso do previsto na lei para o caso o qual incide; por e-

xemplo: a autoridade aplica a pena de suspensão, quando cabível a de repreensão; 3. impossível, porque

os efeitos pretendidos são irrealizáveis, de fato ou de direito; por exemplo: a nomeação para um cargo

inexistente; 4. imoral; por exemplo: parecer emitido sob encomenda, apesar de contrário ao entendimen-

to de quem o profere; 5. incerto em relação aos destinatários, às coisas, ao tempo, ao lugar; por exemplo:

desapropriação de bem não definido com precisão”.435

Cumpre salientar que a ocorrência de vícios nos elementos dos atos administrativos nem sempre

é de fácil constatação, mormente quando se tratarem de atos com baixo grau de vinculação e, consequen-

temente, com elevado grau de discricionariedade. Isso levou a doutrina a elaborar uma série de teorias

com a finalidade de facilitar a detecção de irregularidades. Vejamos as principais elaborações a respeito

do tema:

430 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 431 FAGUNDES, O controle..., cit. 432 Idem. 433 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 434 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 435 DI PIETRO, Curso..., cit.

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→ Teoria do desvio de poder (ou de finalidade): Construída pela jurisprudência do Conselho

de Estado francês, a partir do célebre arrêt Lesbats, de 1864, considerando-se haver desvio de poder

(“détournement de pouvoir”) quando uma autoridade administrativa cumpre um ato de sua competência,

mas, em vista de fim diverso daquele para o qual o ato poderia legalmente ser cumprido.

→ Teoria dos motivos determinantes: Também construída a partir das decisões do Conselho de

Estado e sistematizada por Gaston Jèze. Celso Antônio diz que a invocação de motivos falsos, inexisten-

tes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando a lei não haja estabelecido, antecipadamen-

te, os motivos que ensejariam a prática do ato, bem como se o agente enunciar os motivos em que se

calcou ainda quando não esteja obrigado a enunciá-los.436

→ Teoria do excesso de poder: A doutrina do excesso de poder (excés de pouvoir) é considera-

da a principal contribuição do Conselho de Estado francês e da qual vieram sendo extraídos princípios

norteadores que passaram a orientar prescritivamente a conduta da Administração nos casos subsequen-

tes, uma obra que Hauriou qualificou de maravilha da arqueologia jurídica437

. Ocorre excesso de poder

quando a autoridade desborda da sua área de competência, agindo fora do seu campo de atribuições.

Diferencia-se do desvio de poder, porque nesse a autoridade age dentro da sua competência, mas para

finalidade diversa da prevista na lei.

→ Teoria da exigência de motivação: Ultrapassando a velha exigência da teoria dos motivos

determinantes, Juarez Freitas438

defende que, no atual contexto, a fundamentação precisa estar presente

em todos os atos administrativos, salvo apenas os de mero expediente, os autodecifráveis por sua singe-

leza e aqueles casos constitucionais de exceção (exemplo: cargos de livre nomeação e exoneração).

Aduz que toda discricionariedade precisa estar vinculada aos motivos que obrigatoriamente haverão de

ser expostos, de maneira consistente e elucidativa, sempre que afetados direitos.

Ressalte-se, todavia, que o poder de anular não é absoluto e nem sempre poderá a Administra-

ção desfazer um ato administrativo inválido. Neste sentido, a doutrina aponta a existência de limites

formais e temporais à correção do ato.

No que concerne aos limites formais ao poder de anular, o ato de invalidação sempre haverá de

seguir o devido processo legal no âmbito administrativo, com as garantias constitucionais da ampla

defesa e do contraditório. Significa dizer que a anulação de atos administrativos, que tenham gerado

benefício ao administrado, pressupõe um procedimento em que se garanta a este o direito de pugnar pela

manutenção do ato. Esse tem sido o entendimento do STF em diversos precedentes.

Todavia, a mesma Corte Suprema considerou desnecessário o contraditório nos casos em que o

ato administrativo, apesar de já haver ou estar produzindo alguns de seus efeitos, ainda não tenha com-

pletado o seu ciclo de formação, como acontece com os atos de aposentadoria sujeitos a registro perante

o Tribunal de Contas.

Ainda como limite formal, doutrina e jurisprudência assinalam que, caso a validade do ato já te-

nha sido objeto de questionamento judicial já exaurido, a Administração não pode ir de encontro à coisa

julgada. Aponta-se até mesmo a figura da coisa julgada administrativa, que é a qualidade pela qual

determinada decisão tomada pela Administração Pública se torna irretratável perante esta, isto é, enseja a

imodificabilidade da decisão na esfera administrativa, sem prejuízo, todavia, de apreciação na esfera

judicial. A reapreciação da matéria em juízo somente é possível se a decisão administrativa tiver sido

proferida contra os interesses do administrado e este, inconformado, tenha buscado amparo perante o

Poder Judiciário. Vale dizer, não cabe à Administração Pública, após transitada em julgado a questão na

via administrativa, favoravelmente ao administrado (atos ampliativos), pleitear no Judiciário a modifica-

ção da decisão. A decisão administrativa favorável ao administrado goza de definitividade absoluta em

436 MELLO, Curso..., cit. 437 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva. 438 FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros.

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relação à Administração. Nada impede, porém, que eventual terceiro prejudicado acione o Judiciário,

podendo fazê-lo também o Ministério Público nos casos em que este tenha legitimidade ativa.

No tocante aos limites temporais ao poder de anular, há de ser observado o prazo decadencial

de cinco anos, quando o ato tenha produzido efeitos favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-

fé (art.54 da Lei 9.784/99).

Pela redação do dispositivo legal, o prazo decadencial somente incide na ausência de comprova-

da má-fé (seja do administrado, seja da Administração). Juarez Freitas439

, no entanto, entende que mes-

mo havendo má-fé haverá de ser observado algum prazo decadencial, porque, salvo as situações de

imprescritibilidade expressas na CF (crimes imprescritíveis, ressarcimento de dano por improbidade),

não se poderia admitir, em nome da segurança jurídica, que se pudesse anular a qualquer tempo. Entende

o jurista que o prazo aí continuaria sendo de 5 anos, mudando apenas a forma de contagem, isto é, con-

tando-se não do momento da configuração do vício (data do fato), mas sim do momento da ciência do

ato lesivo pela Administração. Mas como a má-fé enseja a configuração de improbidade, entende que

nesse caso a indenização ao erário é imprescritível (CF, 37, §5º) e, portanto, será sempre devida por

quem deu causa ao ato.

Registre-se que, antes do advento da Lei 9.784/99, não havia previsão de decadência para a anu-

lação, de modo que o prazo de cinco anos somente passou a ser contado a partir da vigência da nova

legislação, consoante já assentado pelo STJ.

Por outro lado, se a anulação do ato administrativo é pretendida pelo administrado, deve este ob-

servar também os prazos prescricionais ou de preclusão para acesso às instâncias administrativas ou

judiciais. Como leciona Hely Lopes, “a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do ato

no âmbito da Administração ou pelo Poder Judiciário. E justifica-se essa conduta porque o interesse da

estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração ou entre esta e seus servidores

é também interesse público, tão relevante quanto os demais. Diante disso, impõe-se a estabilização dos

atos que superem os prazos admitidos para sua impugnação, qualquer que seja o vício que se lhes atribu-

a. Quando se diz que os atos nulos podem ser invalidados a qualquer tempo, pressupõe-se, obviamente,

que tal anulação se opere enquanto não prescritas as vias impugnativas internas e externas, pois, se os

atos se tornaram inatacáveis pela Administração e pelo Judiciário, não há como pronunciar-se sua nuli-

dade”.440

Tema que desafiou grandes debates na doutrina e na jurisprudência diz respeito aos efeitos do

desfazimento do ato administrativo, sobretudo quando ocorre a anulação.

A Súmula 473 do STF, já transcrita anteriormente, aborda o tema de forma geral ao prever que a

anulação dos atos inválidos, em regra, não produz qualquer efeito (porque deles não se originam direi-

tos). Por isso se costuma dizer que a anulação produz efeitos ex tunc (ao contrário da revogação, que

produz efeitos ex nunc). Essa regra, todavia, não é absoluta, havendo casos em que, mesmo se tratando

de atos inválidos, deve ser também observada a segurança jurídica e a boa-fé do administrado, bem

como eventuais prejuízos patrimoniais por este sofrido. Tais aspectos devem ser necessariamente sope-

sados, sem perder de vista, inclusive, que os atos administrativos gozam de presunção de legitimidade,

vale dizer, hão se ser considerados presumidamente válidos.

Almiro do Couto e Silva, pugnando pela ponderação nos casos concretos entre os princípios da

legalidade e da segurança jurídica, considera que “embora inexistente na órbita da Administração Públi-

ca o princípio da res judicata, a faculdade que tem o poder público de anular seus próprios atos tem

limites, não apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse de proteger a

boa-fé e a confiança”.441

Daí defender uma flexibilização e o temperamento do rigor da Súmula 473. Na

439 O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros. 440 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 441 RDA, 237/271-315, Rio de Janeiro, jul.-set./2004.

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mesma linha de pensamento, Seabra Fagundes admite a flexibilização dos efeitos da nulidade e a manu-

tenção do ato viciado quando for mais conveniente para o interesse público.442

Como parâmetros a levar

em conta (além da legalidade), aponta a segurança jurídica, a boa-fé, o respeito ao fato consumado, a

vedação ao enriquecimento ilícito. Daí porque a maior parte da doutrina contemporânea já reconhece “a

persistência de efeitos em relação a terceiros de boa-fé, bem como de efeitos patrimoniais pretéritos

concernentes ao administrado que foi parte na relação jurídica, quando forem necessários para evitar

enriquecimento sem causa da Administração e dano injusto ao administrado, se estava de boa-fé e não

concorreu para o vício do ato”.443

Registre-se, porém, que não há como se estabelecer um padrão rígido de avaliação da segurança

jurídica e da boa-fé dos administrados, em confronto com o exame de legalidade dos atos administrati-

vos no que toca ao alcance dos seus efeitos. Na verdade, a prática tem demonstrado que a solução jurídi-

ca deve ser buscada em cada caso concreto, com base em critérios de razoabilidade. Isto porque nem

sempre a nulidade de um ato administrativo é manifesta, pois muitas vezes depende da forma como a

Administração Pública interpretou a lei, sendo comum a mudança de interpretação em prejuízo dos

administrados. Em casos tais, o direito positivo brasileiro, apesar de reconhecer a possibilidade de a

Administração empregar nova interpretação da norma administrativa de forma que melhor garanta o

atendimento do fim público a que se dirige, dispõe ser vedada a aplicação retroativa da nova inter-

pretação (Lei 9.784/99, art.2o, p. único, XIII), o que significa dizer que devem ser resguardados os

efeitos do ato anulado.

A par do respeito à segurança jurídica ou à boa-fé do administrado ou terceiros, alguns doutrina-

dores, com base em jurisprudência que remonta à década de 60, apontam ainda, como obstáculo à anula-

ção de atos viciados, a chamada teoria do fato consumado. Todavia, deve-se ter cuidado para que o

emprego desmedido desta teoria não acabe por banalizar o respeito à juridicidade, em prejuízo da pró-

pria segurança jurídica. Daí porque atualmente o STF e o STJ têm acolhido com cautela a doutrina do

fato consumado, apenas em situações excepcionais, refutando-a em diversos casos em que não constata-

dos prejuízos que justifiquem a manutenção dos efeitos jurídicos.

Outro tema relacionado aos vícios dos atos administrativos é o da convalidação (também cha-

mada de sanatória), ou seja, a atividade pela qual a Administração busca sanear um ato administrativo

que, embora apresente defeito de legalidade, deve ser mantido em prol do interesse público. Dispõe o

art. 55 da Lei 9784/99 que “em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público

nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela pró-

pria Administração”. Frise-se que somente os vícios sanáveis comportam convalidação, havendo situa-

ções em que tal não é admitida.

Maria Sylvia assevera que a possibilidade de convalidação do ato administrativo dependerá do

tipo de vício que o contamine, razão pela qual “o exame do assunto tem que ser feito a partir da análise

dos cinco elementos do ato administrativo: sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade".444

Se houver

vício de competência, é possível a convalidação do ato (mediante ratificação), desde que não se trate de

matéria da competência exclusiva de autoridade distinta da que o praticou. Se houver vício de forma, a

convalidação somente é possível se não se tratar de forma essencial à validade do ato. Quanto ao motivo

e à finalidade, a referida autora considera nunca ser possível a convalidação, porque não há como alterar

retroativamente uma situação de fato. O mesmo ocorre com relação ao vício de finalidade, pois não há

como corrigir um resultado que estava na intenção do agente que praticou o ato. Também o vício de

objeto não pode ser convalidado, admitindo-se, porém, em alguns casos, a conversão do ato viciado num

outro ato previsto na lei para a situação em que aquele foi praticado, com efeitos retroativos à data do ato

original e aproveitando-se os efeitos já produzidos.

442 FAGUNDES, O controle..., cit. 443 MELLO, Curso..., cit. 444 PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Não obstante a redação do art. 55 da Lei 9.784/99, os autores divergem sobre a natureza da con-

validação, se trata-se de um dever ou de mera faculdade. Classicamente sempre se reputou como sendo

uma atividade discricionária da Administração, a quem caberia verificar a conveniência e oportunidade

da medida sanatória, a depender da ponderação do caso concreto. Discordando desse pensamento, Weida

Zancaner sustenta que, em regra, não existe discricionariedade entre convalidar ou invalidar um ato

administrativo. Ou é caso de convalidação ou é caso de invalidação. A autora somente admite discricio-

nariedade entre anular e convalidar numa única situação, qual seja, o de ato discricionário praticado por

autoridade incompetente (tendo a autoridade competente opção entre convalidá-lo, se reputar adequado,

ou invalidá-lo se não).445

Celso Antônio Bandeira de Mello também não aceita o entendimento de que o

poder de convalidar seja uma mera faculdade da Administração. Para ele, sempre que possível for a

convalidação (atos que não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros), deverá o

Administrador assim proceder.446

Logo, a expressão “poderão ser convalidados”, constante no art.55 da

Lei 9.784/99, há de ser interpretada em conformidade com os demais princípios gerais de Direito, não

como mera faculdade, mas, sim, como autêntico dever-poder.

Concluindo o presente tópico, convém apontar que, além das duas figuras clássicas acima men-

cionadas - a anulação (por vício de legalidade, pela Administração ou pelo Judiciário, em regra com

efeito ex tunc) e a revogação (por conveniência e oportunidade, pela Administração, com efeito ex nunx)

- a doutrina reconhece ainda outras três categorias de retirada do ato administrativo.

A primeira delas é a cassação (também chamada de “caducidade fática”), que ocorre especifica-

mente quando o particular deixa de cumprir certas condições necessárias para que continue a se benefi-

ciar dos efeitos do ato, cessando os pressupostos fáticos de legalidade que o embasaram. Enquanto a

revogação se dá por ato discricionário, a cassação será sempre vinculada. Como exemplifica Daniele

Talamini, a autorização para porte de arma pode ser cassada se o seu titular deixar de exercer profissão

que o exponha a risco ou passe a conduzir a arma ostensivamente em locais públicos.447

Outro exemplo

seria a cassação de licença para edificar, se o interessado deixa de observar o projeto anteriormente

aprovado pela autoridade municipal.

Outra categoria é a da caducidade (também chamada de decaimento), que se dá por alteração no

direito positivo; ou seja, o ato, que antes encontrava respaldo legal, passou a ser ilegítimo. Enquanto na

cassação ocorre uma superveniente mudança nos aspectos fáticos que embasaram o ato, na caducidade

ocorre uma superveniente mudança nos aspectos normativos, isto é, terá havido uma modificação na

ordem jurídica (“caducidade jurídica”).

Por fim, tem-se a contraposição, que acontece quando um outro ato administrativo, decorrente

do exercício de competência administrativa diversa, acaba por ir de encontro aos efeitos do ato originá-

rio, implicando, na prática, a sua retirada. Assim, por exemplo, o ato de interdição de um parque munici-

pal, por razões de segurança pública, termina por desfazer ato administrativo anterior que havia concedi-

do ao particular o uso privativo de um box localizado na área interna do mesmo parque. O segundo ato

não anulou nem revogou o primeiro. Mas com ele se contrapôs, retirando-lhe a eficácia jurídica.

A importância dos critérios de classificação está relacionada a sua utilidade prática. Transcreve-

remos aqui, na íntegra, as categorias e conceitos apontados por Celso Antônio Bandeira de Mello:

→ Atos administrativos quanto à natureza da atividade448

445 ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Malheiros. 446 MELLO, Curso..., cit. 447 TALAMINI, Daniele. Revogação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros. 448 MELLO, Curso..., cit.

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• Atos de administração ativa: visam a criar, produzir, uma utilidade pública, constituindo situ-

ações jurídicas. Exemplo: autorizações, licenças, nomeações, declarações de utilidade pública, conces-

sões etc.

• Atos de administração consultiva: visam a informar, elucidar, sugerir providências adminis-

trativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. Exemplo: pareceres, informes etc.

• Atos de administração controladora: visam a impedir ou permitir a produção ou a eficácia de

atos de administração ativa mediante exame prévio ou posterior da conveniência ou da legalidade deles.

Exemplo: aprovações prévias ou posteriores, homologações etc.

• Atos de administração verificadora: visam a apurar ou documentar a preexistência de uma si-

tuação de fato ou de direito. Exemplo: o exame para apurar-se se um funcionário está ou não doente para

obter licença, se um candidato a motorista sabe ou não ler e escrever para obter a carteira de habilitação.

• Atos de administração contenciosa: visam a julgar, em um procedimento contraditório, certas

situações. Exemplo: o julgamento de funcionários em processos disciplinares. Não têm força de coisa

julgada, portanto, podem ser revistos pelo Judiciário.

→ Atos administrativos quanto à estrutura do ato449

• Atos concretos: dispõem para um único e específico caso, esgotando-se nesta única aplicação.

Exemplo: a exoneração de um funcionário.

• Atos abstratos: prevêem reiteradas e infindas aplicações, as quais se repetem cada vez que o-

corra a reprodução da hipótese neles prevista, alcançando um número indeterminado e indeterminável de

destinatários. Exemplo: o regulamento cujas disposições colherão sempre novos casos tipificáveis em

seu modelo abstrato.

→ Atos administrativos quanto aos destinatários do ato450

• Atos individuais: têm por destinatário sujeito ou sujeitos especificamente determinados. O ato

individual pode ser singular ou plúrimo. Singular se o destinatário é o único sujeito especificado. Exem-

plo: a nomeação de um dado funcionário. Plúrimo se os destinatários são múltiplos sujeitos especifica-

dos. Exemplo: a nomeação, em única lista, de múltiplos sujeitos especificados.

• Atos gerais: têm por destinatários uma categoria de sujeitos inespecificados, porque colhidos

em razão de se incluírem em uma única situação determinada ou em uma classe de pessoas. Exemplo:

um edital de concurso público, uma ordem para dissolução de passeata, a concessão de férias coletivas

aos funcionários de uma dada repartição.

→ Atos administrativos quanto ao grau de liberdade da Administração em sua prática451

• Atos de competência discricionária: são os que a Administração pratica dispondo de certa

margem de liberdade para decidir-se, pois a lei regulou a matéria de modo a deixar campo para uma

apreciação que comporta certo subjetivismo. Exemplo: autorização de porte de arma.

• Atos vinculados: são os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para

decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigura-

da em termos objetivos. Exemplo: licença para edificar; aposentadoria, a pedido, por completar-se o

tempo de contribuição do requerente.

→ Atos administrativos quanto à função da vontade administrativa452

449 Idem. 450 Ib idem. 451 Ib Idem.

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• Atos negociais: são os em que a vontade administrativa é, de direito, preordenada à obtenção de

um resultado jurídico, sendo ela que cria imediatamente os efeitos jurídico, embora dentro dos quadros

legais. Exemplo: a admissão de alguém ao gozo de um serviço público.

• Atos puros (ou meros atos administrativos): correspondem a simples manifestações de co-

nhecimento (como uma certidão) ou desejo (como um voto em órgão colegial), nos quais os efeitos

jurídicos descendem diretamente da lei, de tal sorte que o ato nada mais faz que implementar uma condi-

ção legal para a deflagração deles.

→ Atos administrativos quanto aos efeitos453

• Atos constitutivos: fazem nascer uma situação jurídica, seja produzindo-a originariamente, seja

extinguindo ou modificando situação anterior. Exemplo: uma autorização para exploração de jazida, a

demissão de um funcionário.

• Atos declarórios: afirmam a preexistência de uma situação de fato ou de direito. Exemplo: a

conclusão de vistoria em edificação afirmando que está ou não em condições habitáveis; uma certidão de

que alguém é matriculado em escola pública.

→ Atos administrativos quanto aos resultados sobre a esfera jurídica dos administrados454

• Atos ampliativos: aumentam a esfera de ação jurídica do destinatário. Exemplo: concessões em

geral, permissões, autorizações, admissões, licenças.

• Atos restritivos: diminuem a esfera jurídica do destinatário ou lhe impõem novas obrigações,

deveres ou ônus. Exemplo: os que extinguem os atos ampliativos, as sanções administrativas em geral,

as ordens, as proibições etc.

→ Atos administrativos quanto à situação de terceiros455

• Atos internos: produzem seus efeitos apenas no interior da Administração. Exemplo: propos-

tas, pareceres, informações etc.

• Atos externos: produzem efeitos sobre terceiros. Exemplo: admissão, licença etc”.456

→ Atos administrativos quanto à composição de vontade produtora457

• Atos simples: são produzidos pela declaração jurídica de um único órgão. Exemplo: uma li-

cença de habilitação para dirigir automóvel. Os atos simples podem ser simples singulares e simples

colegiais. No primeiro caso a vontade expressada no ato provém de uma só autoridade, como é corrente.

No segundo caso provém do concurso de várias vontades unificadas de um mesmo órgão no exercício de

uma mesma função jurídica e cujo resultado final substancia-se na declaração do órgão colegial. É o

caso das decisões de Comissões, Conselhos etc.

• Atos complexos: resultam da conjugação de vontade de órgãos diferentes. Exemplo: a nome-

ação, procedida por autoridade de um dado órgão, que deve recair sobre pessoa cujo nome consta de lista

tríplice elaborada por outro órgão”.458

Aqui se faz necessário um esclarecimento, pois alguns doutrinadores falam ainda de uma ter-

ceira categoria, a dos atos compostos. A sua diferença em relação aos complexos, é que nestes as vonta-

des seriam homogêneas (identidade entre conteúdo e fins), ao passo que naqueles haveria uma vontade

452 Ib idem. 453 Ib idem. 454 Ib idem. 455 Ib idem. 456 Ib idem. 457 Ib idem. 458 Ib idem.

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principal e outra acessória. Celso Antônio não aceita a categoria dos compostos, razão pela qual só trata

dos simples e complexos.

→ Atos administrativos quanto à formação459

• Atos unilaterais: são formados pela declaração jurídica de uma só parte. Exemplo: demissão

de um funcionário, multas, autorizações etc.

• Atos bilaterais: são formados por um acordo de vontades entre partes. São os atos conven-

cionais. Exemplo: um contrato, uma concessão de serviço público.

→ Atos administrativos quanto à natureza das situações jurídicas que criam460

• Atos-regra: criam situações gerais, abstratas e impessoais e por isso mesmo a qualquer tempo

modificáveis pela vontade de que os produziu, sem que se possa opor direito adquirido à persistência

destas regras. Exemplo: o regulamento.

• Atos subjetivos: criam situações particulares, concretas e pessoais, produzidas quanto à for-

mação e efeitos pela vontade das partes, sendo imodificáveis pela vontade de uma só delas e gerando,

então, direitos assegurados à persistência do que dispuseram. Exemplo: o contrato.

• Atos-condição: são os que alguém pratica incluindo-se, isoladamente ou mediante acordo

com outrem, debaixo de situações criadas pelos atos-regra, pelo quê sujeitam-se às eventuais alterações

unilaterais delas. Exemplo: o ato de aceitação de cargo público, o acordo na concessão de serviço públi-

co, a habilitação de determinada empresa para que possa participar de processo licitatório, o deferimento

de inscrição de candidato em concurso público etc.

→ Atos administrativos quanto à posição jurídica da Administração461

• Atos de império: os que a Administração praticava no gozo de prerrogativas de autoridade.

Exemplo: a ordem de interdição de um estabelecimento.

• Atos de gestão: os que a Administração praticava sem o uso de poderes comandantes. Exem-

plo: a venda de um bem; os relativos à gestão de um serviço.

Porém, Celso Antônio explica que "esta velha distinção está em desuso desde o final do século

passado por imprecisa, inexata e haver perdido sua função primordial (excluir responsabilidade do Esta-

do pela prática dos primeiros e admiti-la para os segundos)". Aduz que, "hoje, com certa similaridade,

porém maior precisão, fala-se em atos de Direito Privado praticados pela Administração e atos regidos

pelo Direito Público”.462

Outra classificação, ainda, leva em conta a aptidão para a produção de efeitos, como leciona

Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

→ Atos administrativos quanto à exequibilidade463

• Ato imperfeito: não está apto a produzir efeitos jurídicos, porque não completou o seu ciclo

de formação. Por exemplo, quando falta a publicação, a homologação, a aprovação, desde que exigidas

por lei como requisitos para a exequibilidade do ato. A prescrição, administrativa ou judicial, não corre

enquanto o ato não se torna perfeito.

• Ato perfeito: é aquele que está em condições de produzir efeitos jurídicos, porque já comple-

tou todo o seu ciclo de formação. O ato perfeito, por sua vez, pode ser pendente ou consumado. Ato

459 Ib idem. 460 Ib idem. 461 Ib idem. 462 Idem, p.379. 463 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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pendente é o que está sujeito a condição ou termo para que comece a produzir efeitos. Distingue-se do

ato imperfeito porque já completou o seu ciclo de formação e está apto a produzir efeitos; estes ficam

suspensos até que ocorre a condição ou termo. Ato consumado: é o que já exauriu os seus efeitos. Ele se

torna definitivo, não podendo ser impugnado, quer na via administrativa, quer na via judicial; quando

muito, pode gerar responsabilidade administrativa ou criminal quando se trata de ato ilícito, ou respon-

sabilidade civil do Estado, independentemente de licitude ou não, desde que tenha causado danos a

terceiros.

Por fim, destaque-se uma última classificação, apontada por alguns autores, que se refere aos

efeitos que podem ser produzidos pelos atos administrativos. Como explica Fernanda Marinela, os atos

administrativos podem produzir:

• Efeitos típicos: "também denominados próprios, são os efeitos correspondentes à tipologia

específica do ato, à sua função típica prevista pela lei. Por exemplo, é próprio do ato de nomeação habili-

tar alguém a assumir um cargo; é próprio do ato de demissão o desligamento do funcionário do serviço

público".464

• Efeitos atípicos: "também denominados impróprios, são efeitos decorrentes da produção do

ato, sem que resultem de seu conteúdo específico. Os efeitos atípicos podem ser de duas ordens: I) pre-

liminares, também denominados prodrômicos. São efeitos verificados enquanto persiste a situação de

pendência do ato, isto é, durante o período intercorrente desde a produção do ato, até o início de produ-

ção de seus efeitos típicos. Como, por exemplo, nos atos sujeitos a controle por parte de outro órgão, o

dever-poder de emitir o ato de controle é um efeito atípico preliminar do ato controlado. Trata-se de

efeito atípico, porque não decorre de seu conteúdo específico, bem como é preliminar, porque o ato

ainda não está produzindo seus efeitos típicos, em razão da não realização da condição do ato controlado

- o controle ; II) reflexos são aqueles que também atingem outra relação jurídica, ou seja, atingem tercei-

ros não objetivados pelo ato, terceiros que não fazem parte da relação jurídica travada entre a Adminis-

tração e o sujeito passivo do ato, como, por exemplo, o locatário de um imóvel que foi desapropria-

do".465

Já vimos que, no desempenho das diversas atividades estatais, em sua relação com os particulares

ou ainda entre seus próprios órgãos e entes, a Administração pratica uma série de atos administrativos,

emitindo declarações das mais variadas, constituindo, modificando ou desconstituindo direitos e obriga-

ções, aplicando sanções etc.; atos como, por exemplo, a licença de pesca, a nomeação de servidor públi-

co, a ordem de serviço, o alvará de construção, o auto de infração de trânsito, o parecer administrativo, o

confisco de mercadoria, dentre outros.

Alguns desses atos administrativos são praticados sem maiores formalidades, sobretudo quando

não atingem a esfera de interesses de terceiros ou ainda quando o interesse público justifique a execução

instantânea do ato. Todavia, como na maioria das vezes a Administração pratica atos que interferem no

patrimônio jurídico de administrados ou de seus agentes, ou, ainda, atos sujeitos a instâncias de controle,

o Poder Público deve se valer necessariamente de um mecanismo formal prévio antes de tomar a deci-

são. Tem-se, então, “hipóteses em que os resultados pretendidos são alcançados por via de um conjunto

de atos encadeados em sucessão itinerária até desembocarem no ato final”466

, consubstanciando

fases que devem anteceder à edição deste, tais como a realização de vistorias ou inspeções, a prestação

464 MARINELA, Direito Administrativo, cit. 465 Idem. 466 MELLO, Curso..., cit.

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de informações, a elaboração de pareceres, intimações, oitiva de testemunhas, dentre outras diligências

que a lei reputar necessárias, a depender da situação.

Daí decorre a noção de processo administrativo como um conjunto de atos ordenados, cronologi-

camente praticados e necessários a produzir uma decisão sobre certa questão de natureza administrati-

va.467

Em outras palavras, é o instrumento que formaliza a seqüência ordenada de atos e de atividades do

Estado e dos particulares a fim de ser produzida uma vontade final da Administração.468

Considerando a forma federativa do Estado brasileiro, todos os entes políticos (União, Estados,

DF e Municípios) à princípio detêm competência para legislar sobre normas de processo administra-

tivo, eis que é por meio destas normas que se estabelecem os parâmetros de atuação de toda a adminis-

tração pública brasileira, o que leva a que cada entidade federativa possa tratar da matéria no âmbito de

suas respectivas competências administrativas. Cuida-se, portanto, de competência legislativa privativa

de cada ente político, razão pela qual, como assevera Hely Lopes, “o processo administrativo não pode

ser unificado pela legislação federal, para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia de seus

serviços”.469

Daí porque a Lei 9.784/99, conhecida como Lei de Processo Administrativo (LPA), somen-

te se dispõe a regular o processo administrativo no âmbito da administração pública federal, cabendo aos

Estados, Distrito Federal e Municípios instituírem as suas próprias disposições sobre o tema. Vale dizer,

a Lei 9.784/99 tem caráter federal (e não nacional), tendo muitos Estados e alguns Municípios já editado

estatutos locais regulando o processo administrativo no âmbito das suas respectivas administrações.

Em suma, tratando-se de matéria de processo administrativo, todos os entes podem legislar, salvo

naquilo que a própria Constituição tenha excepcionado como sendo da competência privativa da União

(é o que acontece com a edição de normas gerais sobre licitações e contratos, cuja legislação compete à

União, em caráter nacional, como previsto no art. 22, XXVII, da CF/88).

No âmbito da União, a referida Lei 9.784/99 aplica-se integralmente aos processos administrati-

vos federais, desde que não haja outra lei tratando especialmente de determinada modalidade processual.

Se houver lei específica (v.g., a Lei 8.112/90, ao tratar do processo administrativo disciplinar dos servi-

dores civis), a LPA aplica-se apenas subsidiariamente.

O art. 2o da Lei 9.784/99 aponta princípios do processo administrativo, com destaque para a le-

galidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contradi-

tório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Ao lado disso, em seu parágrafo único, a referi-

da regra alude a critérios a serem observado, citando, entre outros: I - atuação conforme a lei e o Direito

(juridicidade); II - atendimento a fins de interesse geral (finalidade), vedada a renúncia total ou parcial

de poderes ou competências, salvo autorização em lei (indisponibilidade); III - objetividade no atendi-

mento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades (impessoalidade); IV -

atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (moralidade); V - divulgação oficial dos

atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição (publicidade); VI -

adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superi-

or àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público (proporcionalidade); VII - indi-

cação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão (motivação); VIII – observância

das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados (devido processo legal); IX - ado-

ção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos

direitos dos administrados (formalismo moderado); X - garantia dos direitos à comunicação, à apresen-

tação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que pos-

sam resultar sanções e nas situações de litígio (contraditório e ampla defesa); XI - proibição de cobrança

de despesas processuais (gratuidade), ressalvadas as previstas em lei; XII - impulsão, de ofício, do pro-

cesso administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados (impulso oficial); XIII - interpretação da

467 GASPARINI, Direito administrativo, cit. 468 CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual..., cit. 469 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada

aplicação retroativa de nova interpretação (segurança jurídica).

Como sujeitos de uma relação processual, os administrados têm direitos e deveres perante a Ad-

ministração Pública. Dentre os direitos, a Lei 9.784/99 prevê os seguintes: I – ser tratado com respeito

pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas

obrigações; II – ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de

interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões profe-

ridas; III – formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consi-

deração pelo órgão competente; IV – fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando

obrigatória a representação, por força de lei. Dentre os deveres, estão: I – expor os fatos conforme a

verdade; II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; III – não agir de modo temerário; IV – prestar

as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos.

Dispondo sobre quem poderá participar de um processo administrativo, formulando requerimento

ou se defendendo perante a Administração Pública, a Lei 9.784/99 reputa como legitimados: I – pesso-

as físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício

do direito de representação; II – aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses

que possam ser afetados pela decisão a ser adotada; III – as organizações e associações representativas,

no tocante a direitos e interesses coletivos; IV – as pessoas ou as associações legalmente constituídas

quanto a direitos ou interesses difusos. Estabelece, ainda, que são capazes, para fins de processo admi-

nistrativo, os maiores de 18 anos, ressalvada previsão especial em ato normativo próprio.

A Lei contém ainda regras gerais sobre a competência administrativa, que como se sabe é o ple-

xo de atribuições fixadas para um agente, órgão ou entidade públicos. Estabelece que a competência é

irrenunciável e se exerce pelos órgãos administrativos a que foi atribuída como própria, salvo os casos

de delegação e avocação legalmente admitidos.

Na delegação, “as competências recebidas são atribuídas a outrem, geralmente um subordinado,

com o objetivo de assegurar maior rapidez e eficiência às decisões, colocando-se, desse modo, na pro-

ximidade dos fatos o agente competente para dar o necessário atendimento”.470

A doutrina clássica sem-

pre considerou como pressuposto da delegação a existência de um sistema hierarquizado em que inseri-

dos o delegante e o delegado. Contudo, já se fala atualmente em delegação mesmo fora de uma estrutura

hierárquica, tendo a Lei 9.784/99 estabelecido que um órgão administrativo e seu titular poderão, se não

houver impedimento legal, delegar parte da sua competência (nunca a competência toda) a outros órgãos

ou titulares, ainda que estes não lhes sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em

razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial. Mas não poderão ser

objeto de delegação: I - a edição de atos de caráter normativo; II - a decisão de recursos administrativos;

III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade. O ato de delegação e sua revogação

deverão ser publicados no meio oficial, especificando-se as matérias e poderes transferidos, os limites da

atuação do delegado, a duração e os objetivos da delegação e o recurso cabível, podendo conter ressalva

de exercício da atribuição delegada. É revogável a qualquer tempo pela autoridade delegante, sendo que

as decisões adotadas por delegação devem mencionar explicitamente esta qualidade e considerar-se-ão

editadas pelo delegado.

Além a delegação, a Lei 9.784/99 permite, em caráter excepcional e por motivos relevantes devi-

damente justificados, a avocação temporária de competência, quando a autoridade superior chama para

si funções atribuídas ao seu subordinado. "Essa prática, apesar de legal, não deve ser abusiva, dados os

inconvenientes que podem trazer a exemplo da deslocação, da diminuição e da extinção dos níveis ou

graus dos recursos administrativos e o fato de desprestigiar o subordinado”.471

470 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 471 Idem.

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Em síntese, para se constatar qual a autoridade competente para praticar determinado ato admi-

nistrativo, deve-se primeiro examinar se existe lei atribuindo competência específica e se existe algum

ato de delegação ou avocação de atribuições. Inexistindo competência legal específica, o processo admi-

nistrativo deverá ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir.

Apesar de todas estas regras prevista na Lei 9.784/99, Celso Antônio adverte que “tanto o tema

da delegação quanto o da avocação estão tratados na lei de modo um tanto ambíguo. Com efeito, desde

logo observa-se que, por força da redação do art.11, tem-se de depreender que ambas as figuras só po-

dem ter lugar, como dito, nos casos legalmente admitidos. Já no art.12 está dito coisa diversa, isto é, que

um órgão administrativo e seu titular poderão delegar parte de sua competência se não houver impedi-

mento legal, o que é coisa muito distinta de só poder delegar havendo permissão legal. Quanto à avoca-

ção, no art.15 prevê-se que, em caráter excepcional e por motivos relevantes, poderá ser temporariamen-

te avocada a competência do órgão hierarquicamente inferior. Ora, se em relação a ela só foi menciona-

da sua possibilidade nos casos admitidos em lei, perde sentido a menção ao ‘caráter excepcional e por

motivos relevantes’, pois esta seria questão já resoluta em nível legal”.472

Por força do princípio do formalismo moderado (que alguns chamam de informalismo), tal co-

mo contemplado na Lei 9.784/99, os atos do processo administrativo não dependem de forma determi-

nada senão quando a lei expressamente a exigir. Devem ser produzidos por escrito, em vernáculo, com a

data e o local de sua realização e a assinatura da autoridade responsável. Salvo imposição legal, o reco-

nhecimento de firma somente será exigido quando houver dúvida de autenticidade. A autenticação de

documentos exigidos em cópia poderá ser feita pelo órgão administrativo. O processo deverá ter suas

páginas numeradas sequencialmente e rubricadas.

Os atos processuais devem realizar-se em dias úteis, no horário normal de funcionamento da re-

partição na qual tramitar o processo. Serão concluídos depois do horário normal os atos já iniciados, cujo

adiamento prejudique o curso regular do procedimento ou cause dano ao interessado ou à Administra-

ção. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos

administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força

maior. Esse prazo pode ser dilatado até o dobro, mediante comprovada justificação. Devem realizar-se

preferencialmente na sede do órgão, cientificando-se o interessado se outro for o local de realização.

Como também previsto na LPA, o órgão competente perante o qual tramita o processo adminis-

trativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências,

observando-se a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento. A intimação

pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou

outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. No caso de interessados indeterminados,

desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação ofici-

al. As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o compareci-

mento do administrado supre sua falta ou irregularidade. O desatendimento da intimação não importa o

reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado. No prosseguimento do

processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado. Devem ser objeto de intimação os atos

do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao

exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

Os prazos começam a correr a partir da data da cientificação oficial, excluindo-se da contagem o

dia do começo e incluindo-se o do vencimento. Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil

seguinte se o vencimento cair em dia em que não houver expediente ou este for encerrado antes da hora

normal. Os prazos expressos em dias contam-se de modo contínuo. Os prazos fixados em meses ou anos

contam-se de data a data. Se no mês do vencimento não houver o dia equivalente àquele do início do

472 MELLO, Curso..., cit.

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prazo, tem-se como termo o último dia do mês. E, salvo motivo de força maior devidamente comprova-

do, os prazos processuais não se suspendem.

A doutrina em geral aponta quatro fases do processo administrativo: a fase de instauração; a fase

de instrução, a fase de relatório e a fase de julgamento. Se se tratar de procedimento acusatório ou puni-

tivo, deverá haver também uma outra fase, chamada fase de defesa, geralmente situada entre a instrução

e o relatório. Celso Antônio menciona ainda as fase controladora e de comunicação.473

Na fase de instauração, também chamada de fase propulsória ou de iniciativa, dá-se abertura do

procedimento administrativo, seja de ofício pela própria Administração Pública (já que deve sempre

zelar pela legalidade de seus atos), seja por iniciativa do administrado interessado. Nos termos da Lei

9.784/99, o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado. O requerimento

inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito,

contendo a indicação do órgão ou autoridade administrativa a que se dirige, a identificação do interessa-

do ou de quem o represente, o domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações, a

formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos, data e assinatura do requerente

ou de seu representante. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos,

devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas, cabendo elaborar

modelos ou formulários padronizados para assuntos que importem pretensões equivalentes. Quando os

pedidos de uma pluralidade de interessados tiverem conteúdo e fundamentos idênticos, poderão ser

formulados em um único requerimento, salvo preceito legal em contrário. Uma vez instaurado o proces-

so administrativo, será o mesmo autuado e numerado. Em certos casos, notadamente nas reclamações

disciplinares propostas contra determinadas autoridades, a lei oportuniza o contraditório antes mesmo da

instauração do processo (defesa prévia), evitando com isso a abertura de procedimentos temerários, sem

o mínimo de indícios contra o agente público.

Na fase de instrução, também chamada de preparatória, segue-se a apuração dos fatos que são

objeto do processo, o que se dá por meio de exame de documentos e coleta de novas provas (depoimen-

tos dos interessados, inquirição de testemunhas, elaboração de perícia, inspeções etc.). Como também

disposto na Lei 9.784/99, a instrução do processo cabe primordialmente à Administração (princípio do

impulso oficial), sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. O órgão com-

petente para a instrução fará constar dos autos os dados necessários à decisão do processo. Os atos de

instrução que exijam a atuação dos interessados devem realizar-se do modo menos oneroso para estes. A

instrução, dentro do possível, só deve terminar “quando tudo o que deveria ser produzido para o conven-

cimento e prolação da decisão da Administração Pública foi efetivamente realizado”.474

Não se deve,

porém, estender demasiadamente a instrução, perpetuando o procedimento.

A Lei prevê ainda que as provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis no processo admi-

nistrativo, o que, aliás, já vem expresso na Constituição Federal de 1988 e é amplamente abordado na

doutrina e na jurisprudência. Por outro lado, somente poderão ser recusadas, mediante decisão funda-

mentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou

protelatórias. Admite-se a prova emprestada, ou seja, aquela produzida em processo anterior, a fim de

que não seja necessária produzi-la novamente. Incide no caso o princípio da economia processual. Para

tanto, faz-se necessário que a prova tenha sido produzida regularmente, com observância do devido

processo legal, do contraditório e da ampla defesa, bem como verse sobre situação análoga a que se

pretende provar no processo atual.

Mormente nos processos punitivos, a doutrina contemporânea tem repudiado a tradicional teoria

da verdade sabida, que considera o conhecimento pessoal e direto do fato pela autoridade como sufici-

ente à aplicação da sanção administrativa. Por força do art.5o, LV, da Carta Magna, que assegura sempre

473 MELLO, Curso..., cit. 474 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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o respeito ao contraditório e à ampla defesa, à aplicação de sanção ao administrado deve sempre prece-

der um procedimento em que se produzam as provas, nas quais a autoridade embasará a sua decisão e

motivará o ato sancionador.

Quando a decisão envolver a assuntos de interesse geral da coletividade, a LPA prevê a possibi-

lidade de serem realizadas prévias consultas públicas, audiências públicas ou outros meios de participa-

ção dos administrados, diretamente ou por meio de organizações e associações legalmente reconhecidas.

A Lei estabelece também que, quando necessária à instrução do processo, poderá haver audiência de

outros órgãos ou entidades administrativas, a ser realizada em reunião conjunta, com a participação de

titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada aos autos.

Ainda conforme o texto legal, quando deva ser obrigatoriamente ouvido um órgão consultivo, o

parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, salvo norma especial ou comprovada neces-

sidade de maior prazo. O parecer, mesmo quando obrigatório, nem sempre é vinculante, caso em que se

deixar de ser emitido no prazo fixado, o processo poderá ter prosseguimento e ser decidido com sua

dispensa, sem prejuízo da responsabilidade de quem se omitiu no atendimento. Mas se a lei considerar o

parecer como vinculante, o processo não terá seguimento até a respectiva apresentação, responsabilizan-

do-se quem der causa ao atraso.

A fase de defesa, obrigatória nos procedimentos acusatórios ou punitivos, por meio dos quais se

busca aplicar uma sanção ao administrado (particular ou agente público), geralmente vem em seguida à

instrução, com a conclusão da produção de provas. Portanto, a ampla defesa é exercitada difusamente ao

longo da instrução, através do contraditório (eis que ao acusado se propicia a participação na produção

das provas e dos demais atos instrutórios), bem como concentradamente na fase de alegações finais

(quando então, com vistas aos fatos elucidados na instrução, apresenta a sua defesa escrita). No âmbito

federal, prevê a Lei 9.784/99 que, uma vez encerrada a instrução, o interessado terá o direito de manifes-

tar-se no prazo máximo de dez dias, salvo se outro prazo for legalmente fixado.

Ponto objeto de controvérsia na doutrina diz respeito à necessidade ou não de elaboração de defe-

sa técnica, ou seja, de estar o administrado representado por advogado no processo administrativo. A Lei

9.784/99 facultou que o administrado se faça assistir por advogado, salvo quando obrigatória a represen-

tação, por força de lei específica. Logo, a regra é a facultatividade da defesa técnica. Não obstante, há

quem sustente a necessidade da defesa técnica, “sempre que a extrema complexidade da causa impeça o

administrado de exercer sua ampla defesa”475

, bem como nos processos sancionatórios ou disciplina-

res476

Na jurisprudência brasileira, a questão também veio sendo alvo de debates, o levou o STJ a editar

a sua Súmula n. 343, prevendo a necessidade de advogado nos processos disciplinares, o que, poucos

dias depois, todavia, foi desconsiderado pelo STF ao reputar meramente facultativa tal defesa técnica,

nos termos da Súmula Vinculante n. 05: “A falta de defesa técnica por advogado no processo disciplinar

não ofende a Constituição”. Destarte, a presença de advogado somente é obrigatória se houver lei especí-

fica assim dispondo.

Na fase do relatório, a autoridade ou a comissão processante elabora o relatório, isto é, “a sínte-

se de todo o apurado, com a avaliação das provas, dos fatos levantados, das informações, do direito

desatendido conforme a natureza do processo (punitivo, controle, outorga) e proposta conclusiva para

orientar a decisão da autoridade competente. O relatório é peça informativo-opinativa que, salvo previ-

são legal, não é vinculante para a Administração Pública ou para os demais interessados no processo

administrativo. Por esse motivo, a autoridade competente pode divergir da conclusão ou sugestão ofere-

cida e decidir de modo diferente, bastando que fundamente sua decisão”.477

475 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros. 476 FIGUEIREDO, Lúcia Vale, Curso..., cit. 477 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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Na fase de julgamento, também chamada de dispositiva, a autoridade administrativa competente

é obrigada a decidir sobre o objeto do processo. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos o

direito de petição perante o Poder Público (art.5º, XXXIV), daí decorrendo, para Administração, o corre-

lato dever de decidir, de modo que o silêncio administrativo ou a demora desarrazoada configuram abu-

so de poder. A Lei 9.784/99, enfocando expressamente este dever de decidir, dispõe que cabe à Admi-

nistração explicitamente emitir decisões e dar resposta sobre solicitações ou reclamações em matéria de

sua competência, sendo que, uma vez concluída a instrução nos processos administrativos, a Adminis-

tração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente

motivada. Assim, quando as leis específicas não fixarem prazos para a conclusão dos processos, caberá à

autoridade cuidar de fazê-lo em cada caso concreto, com vistas aos princípios que regem a atividade

administrativa (legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade

etc.), bem como o referido prazo limite de trinta dias. Eventual demora no processo pode ser justificada

em razão da complexidade do seu objeto, ensejando eventuais prorrogações do prazo eventualmente

estabelecido pela autoridade. Saliente-se que, por força da Lei 12.008/2009, foram incluídos novos dis-

positivos estabelecendo prioridades de tramitação em razão da idade, deficiência ou algumas doenças.

Na fase controladora, também chamada de integrativa, autoridades diversas das que participa-

ram até então verificam se houve satisfatório transcurso das fases anteriores e se o decidido deve ser

confirmado ou infirmado.478

Esta fase somente ocorrerá nas hipóteses em que a legislação estabelecer,

no bojo do procedimento, um mecanismo de controle necessário a referendar a decisão.

Por fim, na fase de comunicação, procede-se à intimação dos interessados para que tenham ci-

ência da decisão proferida pela Administração, de forma a lhes possibilitar, inclusive, a interposição de

eventual recurso administrativo.

Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito (art. 56

da Lei 9.784/99). Com a interposição do recurso, dá-se início à fase recursal, sendo inicialmente dirigi-

do à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, encaminhará

o recurso à autoridade superior. O recurso administrativo tramitará no máximo por três instâncias admi-

nistrativas, salvo disposição legal diversa.

Ensina Hely Lopes Meirelles que os recursos administrativos, em sentido amplo, compreendem a

representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito, abrangem s recursos

hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Vejamos separadamente cada uma dessas moda-

lidades, na esteira dos ensinamentos do renomado administrativista:

• Representação administrativa: "é a denúncia formal e assinada de irregularidades internas ou

de abuso de poder na prática de atos da Administração, feita por quem quer que seja à autoridade compe-

tente para conhecer e coibir a ilegalidade apontada. O direito de representar tem assento constitucional e

é incondicionado, imprescindível e independe do pagamento de taxas (CF, art.5o, XXXIV, a)".

479

• Reclamação administrativa: "é a oposição expressa a atos da Administração que afetem direi-

tos ou interesses legítimos do administrado. O direito de reclamar é amplo e se estende a toda pessoa

física ou jurídica que se sentir lesada ou ameaça de lesão pessoal ou patrimonial por atos ou fatos admi-

nistrativos".480

• Pedido de reconsideração: "é a solicitação da parte dirigida à mesma autoridade que expediu o

ato, para que o invalide ou o modifique nos termos da pretensão do requerente, Deferido ou indeferido,

478 MELLO, Curso..., cit. 479 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 480 Idem.

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total ou parcialmente, não admite novo pedido, nem possibilita nova modificação pela autoridade que já

reapreciou o ato".481

• Recursos hierárquicos: "são todos aqueles pedidos que as partes dirigem à instância superior

da própria Administração, propiciando o reexame do ato inferior sob todos os seus aspectos. Podem ter

efeito devolutivo e suspensivo, ou simplesmente devolutivo, que é a regra; o efeito excepcional suspen-

sivo há de ser concedido expressamente em lei ou regulamento ou no despacho de recebimento do recur-

so. Os recursos hierárquicos, segundo o órgão julgador, classificam-se em próprios e impróprios. Recur-

so hierárquico próprio é o que a parte dirige à autoridade ou instância superior do mesmo órgão admi-

nistrativo, pleiteando revisão do ato recorrido. Recurso hierárquico impróprio é o que a parte dirige a

autoridade ou órgão estranho à repartição que expediu o ato recorrido, mas com competência julgadora

expressa, como ocorre com os tribunais administrativos e com os chefes do Executivo federal, estadual e

municipal. Esse recurso só é admissível quando estabelecido por norma legal que indique as condições

de sua utilização, a autoridade ou órgão incumbido do julgamento e os casos em que tem cabimento. (...)

Vão se tornando comuns esses recursos na instância final das autarquias e entidades paraestatais, em que

a autoridade julgadora é o titular do Ministério ou da Secretaria de Estado a que a entidade se acha vin-

culada (não subordinada)".482

• Revisão do processo: "é o meio previsto para o reexame da punição imposta ao servidor, a pe-

dido ou de ofício, quando se aduzir fato novo ou circunstância suscetível de justificar sua inocência ou a

inadequação da penalidade aplicada”.483

Desde pedido de revisão não poderá resultar agravamento da

penalidade.

Não havendo norma específica estabelecendo prazo para recurso, aplica-se a norma geral da Lei

9.784/99, que prevê o prazo de dez dias, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão

recorrida. O órgão competente para dele conhecer deverá então intimar os demais interessados para que,

no prazo de cinco dias úteis, apresentem alegações.

Segundo a LPA federal, têm legitimidade para interpor recurso administrativo: I - os titulares de

direitos e interesses que forem parte no processo; II - aqueles cujos direitos ou interesses forem indire-

tamente afetados pela decisão recorrida; III - as organizações e associações representativas, no tocante a

direitos e interesses coletivos; IV - os cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos.

O recurso interpõe-se por meio de requerimento no qual o recorrente deverá expor os fundamen-

tos do pedido de reexame, podendo juntar os documentos que julgar convenientes. Salvo disposição

legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo, mas havendo justo receio de prejuízo de difícil

ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá,

de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.

O recurso não será conhecido quando interposto: I - fora do prazo; II - perante órgão incompeten-

te; III - por quem não seja legitimado; IV - após exaurida a esfera administrativa. Na hipótese de recurso

interposto perante órgão incompetente, será indicada ao recorrente a autoridade competente, sendo-lhe

devolvido o prazo para recurso. O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de

ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.

Tema polêmico diz respeito à eventual previsão legal de depósito prévio ou outro tipo de garantia

condicionadora ao conhecimento do recurso. A Lei 9.784/99 dispõe que, salvo exigência legal, a inter-

posição de recurso administrativo independe de caução (art. 56, §2º). Logo, pela dicção do texto, extrai-

se que uma lei específica poderia vir a prever algum tipo de garantia prévia ou depósito recursal. A

questão foi amplamente discutida perante os nossos tribunais, tendo o STF inicialmente se posicionado

pela constitucionalidade do depósito prévio, ao fundamento de que se a Carta Magna sequer previa a

481 Ib idem. 482 Ib idem. 483 Ib idem.

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garantia do duplo grau na via administrativa, nada obstaria que eventual recurso dependesse de algum

tipo de garantia. Recentemente, contudo, o STF reviu esta posição, passando a adotar o entendimento de

que é inconstitucional a exigência de depósito prévio como condição à admissibilidade de recurso admi-

nistrativo (ADI 1976-DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 05/06/2007).

Quando a lei não fixar prazo diferente, a LPA federal prevê que o recurso administrativo deverá

ser decidido no prazo máximo de trinta dias, a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.

Este prazo poderá ser prorrogado por igual período, ante justificativa explícita. O órgão competente para

decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recor-

rida, se a matéria for de sua competência. Se disso decorrer gravame à situação do recorrente, este deve-

rá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

Registre-se que, salvo disposição legal específica, não se aplica na via recursal administrativa a

proibição do non reformatio in pejus, típica do processo judicial. Vale dizer, no processo administrativo

o julgamento do recurso pode vir a piorar ainda mais a situação do recorrente. Trata-se de uma decorrên-

cia do princípio da verdade real, segundo o qual a Administração, em qualquer de suas instâncias, deve

sempre investigar a real verdade dos fatos com vistas ao cumprimento objetivo da lei.

Isso não vale, contudo, no caso de revisão do processo, que, como previsto na Lei 9.784/99, pode

ser feita a qualquer tempo (a pedido ou de ofício, desde que surjam fatos novos ou circunstâncias rele-

vantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada) e não poderá resultar em agravamento

da sanção aplicada ao administrado.

Em suma, a proibição do non reformatio in pejus não vigora na via administrativa, exceto para o

pedido de revisão.

O Estado de Direito, desde a sua concepção moderna, nasceu sob influência de filosofias políti-

cas que pregam a contenção e controle do poder estatal em prol da liberdade. E foi sob prisma que cons-

tou inscrito no art.15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que “a sociedade tem

o direito de pedir conta a todo agente público, quanto à sua administração”.

Daí a necessidade de controle da Administração Pública, traduzida, nas palavras de Maria Sylvia,

como o “poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legis-

lativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe

são impostos pelo ordenamento jurídico”.484

Acrescenta que “embora o controle seja atribuição estatal,

o administrado participa dele à medida que pode e deve provocar o procedimento de controle, não ape-

nas na defesa de seus interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo”.485

Versando sobre as espécies de controle da Administração Pública, Odete Medauar486

aponta as

seguintes modalidades:

→ quanto ao aspecto em que incide:

• de legalidade: defesa da legalidade em geral ou à legalidade contábil-financeira.

• de mérito: exame da conveniência e oportunidade da decisão.

• da "boa administração": análises de eficiência, produtividade e gestão.

484 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 485 Idem. 486 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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→ quanto ao momento em que se exerce:

• prévio: realizado antes da eficácia da medida ou decisão.

• concomitante: efetua-se durante a realização da medida ou ato.

• sucessivo (ou a posteriori): realizado após a edição do ato ou adoção da medida.

→ quanto à amplitude:

• de ato: incide sobre atos específicos, considerados isoladamente.

• de atividade: abrange um conjunto de atuações.

→ quanto ao modo de desencadear-se:

• de ofício: por iniciativa do próprio agente.

• por provocação: quando pessoas, entidades, associações, solicitam a atuação do agente contro-

lador.

• compulsório: realiza-se necessariamente no momento oportuno, em atendimento a normas que o disciplinam.

O controle poderá ainda ser interno (autocontrole), quando executado por órgãos da própria Administração controlada, ou externo (heterocontrole), quando executado por órgãos pertencentes a outras estruturas administrativas, sejam eles integrantes de um mesmo Poder (uma espécie de controle interno externo) ou de Poderes diversos (controle externo propriamente dito). Todos esses controles têm por objeto o desempenho da função administrativa, alcançando qualquer órgão ou entidade que execute atividades tipicamente administrativas, sejam órgãos da administra direta, da administração indireta ou, em certos casos, até mesmo particulares, pessoas físicas ou jurídicas que atuem por delegação do Poder Público ou manuseando recursos públicos.

O controle interno é decorrência da prerrogativa que tem a Administração de anular seus pró-prios atos, quando eivados dos vícios que os tornem ilegais, ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade (Súmula 473 do STF). Assim, todos os órgãos da administração direta e indireta devem ter mecanismos de controle interno, o qual assume basicamente duas feições:

• hierárquico: quando executado no bojo de uma mesma estrutura funcional (autotutela admi-nistrativa). Tal fiscalização “é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma Adminis-tração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e agentes. É inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa, e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do Executivo. São características da fiscalização hierárquica a permanência e a automa-ticidade, visto que se exercita perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou de solicitação especial. É um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional”.

487

• de supervisão: quando exercido em relação a entes da Administração indireta vinculados a de-terminado órgão da Administração direta (tutela administrativa). Também chamado de supervisão mi-nisterial, “é um meio atenuado de controle administrativo geralmente aplicável nas entidades da Admi-nistração indireta vinculadas a um Ministério (Dec.-lei 200/67, arts.19 e ss.). Supervisão não é subordi-nação, pois que esta decorre do poder hierárquico e aquela resulta do sistema legal imposto às autarquias e entidades paraestatais, sujeitas, apenas, ao controle finalístico da Administração que as instituiu. A subordinação admite o controle pleno do órgão superior sobre o inferior; a supervisão é limitada aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira das entidades vincu-ladas à Administração central”.

488

487 MEIRELLES, Direito Administrativo, cit. 488 Idem.

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Em suma, o controle interno é, por excelência, controle hierárquico, mas pode se dar também sob

o regime de supervisão ministerial, hipótese em que se configura uma espécie de “duplo controle inter-

no” ou um “controle interno exterior”489

.

O art.74 da CF/88 faz expressa menção a um sistema de controle interno relacionado à fiscaliza-

ção orçamentária, financeira e contábil.

O controle externo, por sua vez, é aquele exercido por agentes políticos que não integram o ór-

gão ou ente da Administração Pública que praticou o ato fiscalizado, compreendendo o controle parla-

mentar direto, o controle pelo Tribunal de Contas e o controle jurisdicional.

O controle parlamentar direto é também chamado de controle político, sendo efetuado, no âmbito

federal, pelo Congresso Nacional nas seguintes hipóteses:

• Sustação de atos e contratos do Executivo (CF/88, art.49, X);

• Convocação de Ministros e requerimentos de informações; recebimento de petições, queixas e

representações dos administrados e convocação de qualquer autoridade ou pessoa para depor (CF/88,

art.50);

• Comissões Parlamentares de Inquérito (CF/88, art.58, §3º);

• Autorizações ou aprovações do Congresso necessárias para os atos concretos do Executivo, ci-

tando-se, por exemplo, a resolução definitiva sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarre-

tem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (CF/88, art.49, I), a autorização para

que o Presidente da República declare guerra, celebre a paz ou permita o trânsito de forças estrangeiras

no território nacional (CF/88, art.49, II), a autorização para que o Presidente ou o Vice-Presidente da

República se ausentem do território nacional (CF/88, art.49, III), a aprovação do estado de defesa e

intervenção federal, a autorização do estado de sítio (CF/88, art.49, IV), sustar os atos normativos do

Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (CF/88,

art.49, V) etc.;

• Poderes controladores privativos do Senado, como, por exemplo, dispor sobre limites e condi-

ções para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno (CF/88, art.52,

VIII), estabelecer limites e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios (CF/88, art.52, IX) etc.;

• Julgamento das contas do Executivo (CF/88, art.49);

• Suspensão e destituição (“impeachment”) do Presidente ou de Ministros, da competência priva-

tiva do Senado Federal (CF/88, art.52, I).

O controle pelo Tribunal de Contas relaciona-se especificamente com a fiscalização contábil, fi-

nanceira e orçamentária, ao lado do controle interno específico previsto no art.74 e conforme arts.71, 73

e 75 da CF/88. Dá-se sob quatro aspectos: fiscalização da legalidade, fiscalização financeira, fiscaliza-

ção da legitimidade e fiscalização da economicidade.

489 MELLO, Curso..., cit.

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Em que pese a atribuição de julgar as contas dos administradores públicos (CF, art.72, II) e pos-

suir jurisdição em todo território nacional (CF, art.73), as decisões definitivas do Tribunal de Contas,

em auxílio ao Poder Legislativo no controle externo, detêm natureza administrativa e não jurisdicional.

Não fazem coisa julgada, de modo que são ainda passíveis de controle pelo Poder Judiciário.

No âmbito dos Estados e do Distrito Federal, o controle externo é exercido pela respectiva As-

sembléia Legislativa, com auxílio do respectivo Tribunal de Contas do Estado. As Constituições estadu-

ais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros (CF,

art.75). No âmbito dos Municípios, o controle externo será exercido pela respectiva Câmara Municipal,

com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de

Contas dos Municípios, onde houver (CF, art.31, §1º). Consoante já se posicionou o STF, os Estados-

membros, o Distrito Federal e os Municípios estão sujeitos, em matéria de organização, composição e

atribuições fiscalizadoras de seus respectivos Tribunais de Contas, ao modelo jurídico estatuído na Carta

Federal.490

Saliente-se que a Carta Magna de 1988 manteve a vedação advinda da Emenda 01/69 quanto

à criação de novos Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais (CF, art.31, §4º), tendo perma-

necido apenas os já existentes à época, quais sejam os Tribunais de Contas dos Municípios de São Paulo

e Rio de Janeiro.

O controle jurisdicional, exercido tipicamente pelo Poder Judiciário, decorre do sistema inglês de

jurisdição única adotado no Brasil, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário

lesão ou ameaça a direito (CF/88, art.5o, XXXV).

É um controle de legalidade, sendo, em regra, vedado ao Judiciário imiscuir-se em questões afe-

tas ao mérito das decisões administrativas. Isso não obsta, todavia, que o Judiciário deva examinar se a

atuação administrativa deu-se dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, inclusive por

aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo que mesmo os atos discricioná-

rios, quando praticados com finalidade desviada do interesse público ou de modo arbitrário, são passí-

veis de controle jurisdicional. Destarte, caberá ao Poder Judiciário controlar a legitimidade dos atos

concretos da Administração Pública, decretando, se for o caso, a nulidade dos mesmos quando eivados

de vícios de juridicidade (legalidade em sentido amplo), bem como condenando o Poder Público a inde-

nizar eventuais prejudicados em decorrência de tais desvios.

São diversos os mecanismos de provocação do Poder Judiciário para fins de controle da Admi-

nistração Pública. “Dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da conduta administrativa,

afora as comuns ao Direito Privado, como, exempli gratia, as de defesa ou reintegração de posse ou as

ações ordinárias de indenização e as cautelares em geral, existem algumas específicas para enfrentar atos

ou omissões de ‘autoridade pública’. São elas o habeas corpus, o mandado de segurança, individual ou

coletivo, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e a ação direta de

inconstitucionalidade, por ação ou omissão”.491

Tais mecanismos de controle jurisdicionais da Administração Pública foram reforçados com o

advento da Lei 8.429, de 02/06/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que estabeleceu como atos de

improbidade administrativa os que importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e

os que atentam contra os princípios da administração. Também encontraram reforço na Lei Complemen-

tar 101, de 04/05/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que dispõe especificamente sobre normas de

finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão financeira e patrimonial da administração

direta e indireta, como previsto no art.165, §9º, II, e 169 da CF/88. Tais legislações obrigam tanto a

490 STF, RTJ 152:73-4 e 152:398. 491 Bandeira de Mello, cit.

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União quanto os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas entidades administrativas,

bem como todas as pessoas privadas que exerçam funções públicas ou lidem com recursos públicos, em

todas as esferas da federação. Portanto, são, ambas, leis de caráter nacional.

Vejamos, então, alguns mecanismos específicos que viabilizam o controle jurisdicional da admi-

nistração pública:

• Mandado de Segurança: Previsto na Constituição para proteger direito líquido e certo, não

amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de

poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público

(CF/88, art.5º, LXIX). É o mais tradicional dos remédios constitucionais contra o exercício arbitrário de

poder pela Administração Pública, sendo também denominado de writ ou remédio heróico. O impetrante

pode ser qualquer pessoa física ou jurídica que sofra violação (MS repressivo) ou tenha justo receio de

vir a sofrê-la (MS preventivo) por parte de autoridade. O mandado de segurança pode ser individual ou

coletivo, estando o procedimento atualmente normatizado nos termos da Lei 12.016/2009. O mandado

de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Na-

cional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funciona-

mento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (CF/88, art.5º,

LXX). A lei prevê o prazo de impetração de 120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato

impugnado. Em se tratando de MS preventivo, naturalmente esse prazo não terá início enquanto não

praticado o ato pela autoridade coatora, ou seja, o prazo só se aplica ao MS repressivo.492

Para impetrar

mandado de segurança é necessário invocar-se direito líquido e certo, o que, segundo a doutrina, "nada

tem a ver com a complexidade das teses jurídicas ou dos documentos apresentados. Trata-se de questão

meramente instrutória: de que as alegações do impetrante sejam suscetíveis de serem provadas por ele-

mentos já existentes, ou seja, de que não demande a produção de prova pelo juízo. Se precisar, por e-

xemplo, de perícia ou da oitiva de testemunhas, deverá propor outra modalidade de ação, mas não man-

dado de segurança. No mandamus admite-se apenas a prova documental pré-constituída, ainda que não

anexa à inicial, mas acessível mediante requisição judicial. Isso é o direito líquido e certo. Se todas as

alegações do impetrante puderem ser comprovadas dessa forma, por mais complexos e complicados que

sejam os respectivos documentos, será cabível o mandado de segurança".493

Daí que, consoante já se

posicionou o STF, a existência de controvérsia sobre matéria de direito por si só não impede a concessão

de MS (Súmula 625). Destaque-se ainda outros posicionamentos consolidados pelo STF acerca do MS,

sendo vasta a edição de súmulas sobre o tema:

→ O MS não substitui a ação popular (Súmula 101), nem pode ser utilizado como substitutivo de ação de cobrança (Súmula 269);

→ Não cabe MS contra lei em tese (Súmula 266), aí compreendidos os atos administrativos normati-vos (regulamentos) sem operatividade imediata

494;

→ Não cabe MS contra ato judicial passível de recurso ou correição (Súmula 267), nem contra dec i-são judicial com trânsito em julgado (Súmula 268);

→ A concessão de MS não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais de-vem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria (Súmula 271);

→ Decisão denegatória de MS, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria (Súmula 304);

→ O STF não é competente para conhecer de MS contra atos dos tribunais de justiça dos estados (Súmula 330);

492 V.g. STJ, AgRg no REsp 1115711/RJ, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 28/05/2012. 493 ARAGÃO, Curso..., cit. 494 V.g. STF, RMS 24266 / DF. rel. Min. Carlos Velloso, julg. 07/10/2003.

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→ O prazo para recorrer de acórdão concessivo de segurança conta-se da publicação oficial de suas conclusões, e não da anterior ciência à autoridade para cumprimento da decisão (Súmula 392);

→ Denegado o MS pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a limi-nar concedida, retroagindo os efeitos da decisão contrária (Súmula 405).

→ A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do MS contra o-missão da autoridade (Súmula 429).

→ Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o MS (Súmula 430).

→ É competente o Tribunal Regional do Trabalho para julgar MS contra ato de seu presidente em e-xecução de sentença trabalhista (Súmula 433).

→ Praticado o ato por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ele cabe o MS ou a medida judicial (Súmula 510);

→ Não cabe condenação de honorários advocatícios na ação de MS (Súmula 512);

→ Não cabem embargos infringentes de acórdão que, em MS decidiu, por maioria de votos, a apela-ção (Súmula 597);

→ Não cabe agravo regimental contra decisão do relator que concede ou indefere liminar em MS (Súmula 622);

→ Não gera por si só a competência originária do STF para conhecer do MS com base no art.102, I, n, da CF/88, dirigir-se o pedido contra deliberação administrativa do tribunal de origem, da qual haja participado a maioria ou a totalidade de seus membros (Súmula 623);

→ Não compete ao STF conhecer originariamente de MS contra atos de outros tribunais (Súmula 624).

→ A suspensão de liminar em MS, salvo determinação em contrário da decisão que a deferir, vigora-rá até o trânsito em julgado da decisão definitiva de concessão de segurança ou, havendo recurso, até a sua manutenção pelo STF, desde que o objeto da liminar deferida coincida, total ou parcialmen-te, com o da impetração (Súmula 626);

→ No MS contra a nomeação de magistrado da competência do Presidente da República, este é con-siderado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior do procedimento (Súmula 627);

→ A impetração de MS coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe de autori-zação destes (Súmula 629);

→ A entidade de classe tem legitimação para o MS ainda quando a pretensão veiculada interesse a-penas a uma parte da respectiva categoria (Súmula 630);

→ Extingue-se o processo de MS se o impetrante não promove, no prazo assinalado, a citação do li-tisconsorte passivo necessário (Súmula 631);

→ É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de MS (Súmula 632).

Convém, ainda, mencionar as súmula editadas pelo STJ sobre a matéria:

→ Na ação de MS não se admite condenação em honorários advocatícios (Súmula 105);

→ O MS constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária (Súmula 213);

→ Não cabe agravo de decisão que indefere o pedido de suspensão da execução da liminar, ou da sentença em MS (Súmula 217);

→ Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado espe-cial (Súmula 376).

• Ação Popular: É uma ação de natureza cível prevista no art.5º, LXXIII, da CF/88, com a fina-lidade específica de proteção do patrimônio público, entendido este num sentido amplo a abarcar não apenas o patrimônio financeiro dos entes estatais, mas também o patrimônio da coletividade. O primeiro

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aspecto já havia sido contemplado pela Lei 4.717/65, cujo art. 1º estabelece que "qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autáquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencio-nadas pelos cofres públicos". Mas a CF/88 ampliou ainda mais o objeto da ação popular, cabível não apenas contra atos lesivos ao patrimônio público ou de entidade da qual o Estado participe, mas também contra atos atentatórios à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultu-ral, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. A ação popular pode ser proposta por qualquer cidadão, ou seja, as pessoas naturais, brasileiros natos ou naturalizados, no gozo dos seus direitos políticos. Excluem-se aí, portanto, as pessoas jurídicas (Súmula 365 do STF), os estrangeiros e os nacionais que não estejam em gozo dos seus direitos políticos. A legi-timidade ativa deve ser comprovada na petição inicial, mediante a juntada do título de eleitor, demons-trando o status de cidadão do autor da ação.

• Ação Civil Pública: É uma ação prevista no art. 129, III, da CF/88, como um dos instrumentos eficazes ao exercício das funções atribuídas ao Ministério Público, visando a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A Carta Magna expressa-mente admitiu também a legitimidade concorrente de terceiros interessados (art.129, §1º), conforme previsto em lei. Sendo assim, há de ser observado o rol taxativo de legitimados previsto na lei, a começar pelo art. 5º da Lei 7.347/85 (com nova redação dada pela Lei 11.448/2007), de modo que podem ajuizar a ação civil pública: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Dis-trito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao con-sumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Além desses, a legislação também atribui legitimidade ativa ao Conselho Federal da Or-dem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/94, art. 54, inciso XIV), bem como a entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destina-dos à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 82, III, da Lei 8.078/90 c/c art. 21 da Lei 7.347/85). Ainda segundo dispõe a Lei 7.347/85, o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei, sendo facultado ao Poder Público e às associações legitimadas habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Minis-térios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos protegidos pela ACP. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extraju-dicial. Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elemen-tos de convicção. E se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providên-cias cabíveis. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patri-mônio público (Súmula 329 do STJ). O STF já firmou a orientação de que "o Ministério Público de-tém legitimidade para requerer, em Juízo, a implementação de políticas públicas por parte do Poder Executivo, de molde a assegurar a concretização de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos garantidos pela Constituição Federal, como é o caso do acesso à saúde", de modo que, "o Poder Judiciá-rio, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecurató-rias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes"

495. Reconheceu-se, outrossim, a legitimidade do MP para propor ação

civil pública quando a controvérsia envolver a defesa de direitos individuais homogêneos de consumido-

495 STF, AI 809018 AgR/SC, rel. Min. Dias Toffoli, julg. 25/09/2012.

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

res496

. Por outro lado, tem-se afastado tal legitimidade para a propositura de ação civil publica contra a Fazenda Pública em defesa de interesses individuais homogêneos de contribuintes

497.

• Ação de Improbidade Administrativa: É uma modalidade específica de ação civil pública, que encontra fundamento constitucional no art. 37, §4º, da CF/88 e é regulada pela Lei 8.429/92, visan-do combater atos de que resultem: a) enriquecimento ilícito no desempenho de função pública ou ativi-dade com ela relacionada; b) danos ao erário; c) violação dos princípios da administração pública. Toda-via, a legitimidade ativa para a AIP é mais restrita do que a prevista na regra geral da ACP, pois o art. 17 da Lei 8.429/92 restringe a sua propositura ao Ministério Público e à pessoa jurídica interessada, enten-dida esta apenas como a entidade administrativa diretamente afetada pelo ato de improbidade. Desse modo, os demais legitimados para a ACP, ainda que possam ajuizar ação coletiva buscando desconstituir o ato de improbidade, não podem pleitear a aplicação das sanções específicas na Lei 8.429/92. Registre-se, contudo, haver entendimento minoritário no sentido de que se aplicariam à AIP as mesmas regras de legitimidade ativa da ACP, por interpretação sistemática das Leis 7.347/85 e 8.429/85. Segundo a Lei 8.429/92, a AIP pode ser proposta contra qualquer agente público, servidor ou não, contra a administra-ção direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Estão também sujeitos os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou credi-tício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. Reputa-se agente público, para fins de improbidade administrativa, todo aquele que exerce, ainda que transitoria-mente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anteri-or. Envolve, no que couber, aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. O STF tem precedentes no sentido de que o Ministério Público detém legitimidade para o ajuizamento da AIP com o fito de obter condenação de agente público ao ressarcimento de alegados prejuízos que sua atuação teria causado ao erário, ainda que a pessoa jurídica diretamente interessada não tenha proposto, em seu nome próprio, a competente ação de ressarcimento.

498 Ainda segundo o STF, o sistema constitucional brasilei-

ro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos, não admi-tindo a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei 8.429/92) e o regime fixado no art. 102, I, "c", (disciplinado pela Lei 1.079/50). Assim, os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especi-ais de responsabilidade (CF/88, art. 102, I, "c"; Lei 1.079/1950), não se submetem ao modelo de compe-tência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), competindo exclusivamente ao STF processar e julgar os delitos político-administrativos a eles imputados.

499 Por

outro lado, este entendimento foi afastado em relação a agentes políticos sem prerrogativa de foro pre-vista diretamente na Constituição Federal, como é o caso dos Prefeitos e Secretários Municipais, que continuam, portanto, respondendo normalmente na via da ação de improbidade administrativa, tendo o STF declarado a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º, do art. 84, do CPP, inseridos pelo art. 1º da Lei 10.628/02, atribuindo foro especial na ação de improbidade (ADIN 2.797/DF).

500 Assim vem se posi-

cionando também o STJ501

. Por derradeiro, saliente-se que, consoante entendimento jurisprudencial pacífico, para a configuração da conduta de improbidade administrativa, faz-se necessário examinar o elemento volitivo do agente público e de terceiros (dolo ou culpa), não sendo suficiente a irregularidade ou a ilegalidade do ato. Isso porque "não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbida-de é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente"

502.

496 V.g. STF, AI 606235 AgR / DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 05/06/2012. 497 V.g. STF, RE 604481 AgR / DF, rel. Min. Rosa Weber, julg. 16/10/2012. 498 STF, RE 225777 / MG, rel. Min. Eros Grau, rel. p/ acórdão Min. Dias Toffoli, julg. 24/02/2011. 499 STF, Rcl 2138 / DF, rel. Min. Nelson Jobim, rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, julg. 13/06/2007. 500 V.g. STF, Rcl 6034 MC-AgR / SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julg. 25/06/2008. 501 V.g. STJ, REsp 1282046/RJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ de 27/02/2012. 502 STJ, REsp 827.445-SP, rel. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, DJ de 08/03/2010.

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A fim de bem desempenhar as atividades que lhe são incumbidas pela Constituição e pelas leis, o Estado dispõe de uma estrutura administrativa própria, de forma a executar diretamente suas funções. Chama-se execução direta a que é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos próprios meios (Lei 8.666/93, art.6

o, VII).

Todavia, o Estado também precisa contar habitualmente com a colaboração de particulares, ora para a aquisição ou alienação de bens, ora para a execução de obras ou, ainda, para a prestação de servi-ços. Não tendo a vocação para atuar diretamente em determinados setores, o Poder Público vê-se voltado a contratar com a iniciativa privada, buscando, da melhor forma possível, satisfazer ao interesse público. Nesses casos, tem-se a execução indireta, quando o órgão ou entidade estatal contrata com terceiros (Lei 8.666/93, art.6

o, VIII). Para tanto, deve a Administração selecionar aqueles com quem deve contratar, o

que, em regra, é feito através de um procedimento denominado licitação.

Marçal Justen explica que a contratação de terceiros para a execução de atividades administrati-vas deve-se a fatores econômicos e políticos. Economicamente falando, num sistema capitalista “o Esta-do não dispõe de conhecimentos, de recursos materiais ou de pessoal necessários para a execução de serviços ou a produção de bens de que necessita”, sendo mais vantajoso recorrer à iniciativa privada, sobretudo nas situações em que “a remuneração paga aos particulares é inferior ao montante que o Esta-do desembolsaria para produzir o mesmo objeto mediante a sua própria atuação direta”.

503 Pode-se

então considerar a terceirização como uma estratégia política, na medida em que evita o crescimento desmensurado da máquina estatal, tal como determinado no art.10, §7º, do DL 200/67. Sob aspecto político, como num regime democrático é “juridicamente impossível ao Estado obter serviços privados mediante instrumentos autoritários”, tem-se que “o contrato administrativo será o instrumento primordial por meio do qual o Estado estabelecerá relacionamento com os particulares para obter bens e serviços de que necessita”.

504

Como salienta Celso Antônio, “ao contrário dos particulares, que dispõem de ampla liberdade quando pretendem adquirir, alienar, locar bens, contratar a execução de obras e serviços, o Poder Públi-co, para fazê-lo, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabele-cido na conformidade da lei”.

505 Daí o seu conceito de licitação: “é o procedimento administrativo pelo

qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obras, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condi-ções por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de sele-cionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e di-vulgados”.

506

Em suma, a licitação é um procedimento prévio à contratação pela Administração Pública, neces-sário para que se selecione o contratante, evitando-se, com isso, favorecimentos pessoais (impessoalida-de) e assegurando-se a melhor proposta (eficiência). A licitação é a regra nas contratações do Poder Público, admitindo a Constituição algumas hipóteses legais em que ela poderá excepcionalmente não ocorrer, conforme será estudado.

503 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética. 504 Idem. 505 MELLO, Curso..., cit. 506 Idem, p.468.

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No Brasil, a regra da licitação vem expressamente prevista em dispositivos da Carta Magna de

1988, citando-se os artigos 22, XXVII; 37, XXI e 173, §1º, III.

Com base art. 22, XXVII da CF/88, tem-se que as normas gerais de licitação e contratos de-

vem ser objeto de lei nacional, de competência legislativa privativa da União, podendo os Estados, Dis-

trito Federal e Municípios legislar sobre normas específicas.

Discorrendo sobre o significado da expressão “norma gerais de licitação”, tal como empregada

pelo constituinte, Lúcia Valle Figueiredo aponta que seriam aquelas que: “a) disciplinam, de forma

homogênea, para as pessoas políticas federativas, nas matérias constitucionalmente permitidas, para

garantia da segurança e certeza jurídicas; b) não podem ter conteúdo particularizante que afete a auto-

nomia dos entes federados, assim não podem dispor de maneira a ofender o conteúdo da Federação, tal

seja, não podem se imiscuir em assuntos que devam ser tratados exclusivamente pelos Estados e Muni-

cípios; c) estabelecem diretrizes sobre o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implíci-

tos”.507

Atualmente, o Estatuto das Licitações, é a Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que já conta com

diversas alterações em seu texto original, decorrente de legislações supervenientes (V.g. as Leis

8.883/94, 9.648/98, 9.854/99, 10.973/2004, 11.196/2005, 11.481/2007, 11.763/2008, 11.952/2009,

12.349/2010, 12.715/2012, dentre outras). Tal estatuto geral, fonte legislativa primária disciplinadora

das licitações508

, aplica-se à Administração direta e indireta, em todas as esferas de poder (União, Esta-

dos, Distrito Federal e Municípios), daí o seu caráter de lei nacional.

Muitas objeções têm sido levantadas pela doutrina em relação a alguns dispositivos da Lei

8.666/93, que não se limitariam a conter regras gerais, mas, sim, específicas, avançando inconstitucio-

nalmente no campo de competência legislativa dos Estados, DF e Municípios.

Adotando posição mais flexível, Diogo de Figueiredo prefere dizer que as disposições específicas

da Lei 8.666/93 não seriam inconstitucionais, porquanto somente aplicáveis à União, de modo que ape-

nas as suas normas gerais é que seriam aplicáveis também aos demais entes.509

Esse entendimento cor-

responde ao posicionamento adotado pelo STF, ao conferir interpretação conforme a dispositivos da

referida Lei.510

Segundo o art.37, XXI, da CF/88, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,

serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure

igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamen-

to, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências

de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações

Por força do art.173, §1º, III, da CF/88, com a redação dada pela EC 19/98, prevê um regime

diferenciado de licitações e contratos para as empresas públicas, sociedades de economia mista e suas

subsidiárias, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de presta-

ção de serviços, haja vista as peculiares de sua atuação junto ao mercado, no mais das vezes em regime

de concorrência. Tal regime depende de lei que até o momento ainda não foi editada, diante do que,

segundo entende Odete Medauar, “enquanto não se editar o estatuto jurídico das estatais, as licitações e

contratações dessas entidades continuam a reger-se pela Lei 8666/93”.511

Em sentido contrário, alguns

autores consideram que o regime licitatório previsto na Lei 8.666/93 somente obrigaria inteiramente as

507 FIGUEIREDO, Curso..., cit. 508 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 509 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 510 ADI 927 MC/RS, rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 11/11/94. 511 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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empresas estatais prestadoras de serviços públicos, não se aplicando às atividades-fim daquelas estatais

que desempenham atividade econômica no mercado.512

Cumpre assinalar que a competência da União para a edição de normas gerais de licitações não

se esgotou na edição da Lei n. 8.666/93, apesar de ser esta a principal legislação sobre o tema. Já foram

ou podem ainda ser editados outros diplomas normativos tratando do tema. Em verdade, o legislador,

por meio da Lei 8.666/93, buscou disciplinar a matéria num único diploma, mas nada impede que outras

normas gerais de licitação sejam editadas em legislação esparsa. Nesse sentido, a União exerceu essa

mesma competência quando editou normas gerais de licitações referentes a concessões e permissões de

serviços públicos (Lei 8.987/95), à modalidade de pregão (Lei 10.520/2002), regras de licitação aplicá-

veis a microempresas e empresas de pequeno porte (arts. 42 a 45 da LC 123/2006). Além disso, a União

também pode editar normas licitatórias relacionadas a atividades de sua competência privativa, como

acontece no tocante às licitações na área de telecomunicações (Lei 9.472/97), na área de petróleo, gás

natural e biocombustíveis (Lei 9.478/97), dentre outros casos. Recentemente foi editada a Lei

12.598/2012, que estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de

produtos e de sistemas de defesa.

Por fazer parte do regime jurídico administrativo, o ordenamento de licitações abrange os princí-

pios gerais da administração pública já estudados, alguns deles expressamente mencionados na Lei

8.666/93. Além disso, existem princípios específicos da seara licitatória, também indicados na legisla-

ção.

Após destacar que a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da

isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento

nacional sustentável, o art.3o

da Lei 8.666/93 faz referência aos seguintes princípios básicos: da Legali-

dade, da Impessoalidade, da Moralidade, da Igualdade, da Publicidade, da Probidade Administrativa, da

Vinculação ao Instrumento Convocatório, do Julgamento Objetivo. Além desses, o dispositivo legal

alude aos princípios correlatos (derivam dos princípios básicos) previstos ao longo do texto da lei, quais

sejam: da Competitividade (art.3o, §1º, I), da Indistinção (art.3

o, §1º, II), da Padronização (art.11), da

Inalterabilidade do Edital (art.41), do Sigilo das Propostas (art.43, §1º), da Vedação à Oferta de Vanta-

gens (art.44, §2º), da Ampla Defesa (art.87) . Outrossim, a doutrina ainda faz menção aos princípios do

Formalismo Procedimental, da obrigatoriedade e da Adjudicação Compulsória.

Como ressalta Celso Antônio, “os autores dissentem quanto ao número de princípios da licitação.

Em geral, todavia, a discordância radica-se em que fundem ou desdobram os mesmos preceitos”.513

Vejamos, então, quais são os princípios mais comumente apontados pela doutrina:

▶ Princípio da Legalidade: O procedimento licitatório contém grande carga de vinculação,

com suas fases rigorosamente disciplinadas na lei. Logo, em tema de licitações, este princípio basilar da

atividade administrativa impõe ao Administrador a fiel observância ao devido processo legal, seja no

tocante às formalidades exigidas para o certame, seja com referência a critérios de razoabilidade na

condução do procedimento.

▶ Princípio da Impessoalidade: O objetivo da licitação é obter a proposta que melhor atenda

ao interesse público, de forma a evitar favorecimentos pessoais. Assim, o Poder Público deve dispensar

o mesmo tratamento àqueles que estejam aptos a contratar, sendo vedada a discriminação.

512 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 513 MELLO, Curso..., cit.

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▶ Princípio da Moralidade: A atuação da Administração durante o processo licitatório deve se

pautar não apenas na estrita legalidade, mas, também, em critérios de boa-fé, respeito aos costumes, aos

ideais de justiça, ética e boa administração. Convém lembrar que no direito moderno já se considera a

moralidade associada à própria legalidade em seu aspecto substancial e tendo em vista sobretudo os fins

de interesse público.

▶ Princípio da Igualdade: Está expresso no art. 37, XXI, da CF/88, quando contempla a “i-

gualdade de condições a todos os concorrentes”. Significa dizer que todos os concorrentes devem ter a

mesma expectativa de poder contratar com a Administração Pública. Observa-se aqui a estreita relação

com o princípio da impessoalidade, de forma mais uma vez a se assegurar um processo licitatório imune

de privilégios a determinado concorrente. Registre-se que isso não impede que a própria lei venha a

estabelecer distinções de tratamento com vistas ao interesse público. Daí porque a Lei 8.666/93 prevê,

como critério de desempate em igualdade de condições, a preferência sucessivamente a bens e serviços:

i) produzidos no País; ii) produzidos ou prestados por empresas brasileiras; iii) produzidos ou prestados

por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País (art.3o, §2º). Há

também expressa menção a margem de preferência para produtos manufaturados e para serviços nacio-

nais que atendam a normas técnicas brasileiras (art.3o, §5º). Busca-se com isso promover o desenvolvi-

mento nacional sustentável no âmbito das licitações, vetor normativo explicitamente introduzido pela

Lei 12.349/2010.

▶ Princípio da Indistinção: Apontado como corolário do princípio da igualdade, “segundo o

qual é vedado criar preferências ou distinções relativas à naturalidade, à sede ou ao domicílio dos licitan-

tes (art.3o, §1º, II, do Estatuto). Algumas tentativas foram feitas para proteger licitantes de um ou de

outro lugar na federação, mas os Tribunais as rejeitaram incisivamente”.514

Saliente-se que, conforme já

mencionado quando tratamos do princípio da igualdade, a norma geral de indistinção não obsta a que a

própria lei estabeleça certas distinções devidamente justificadas pelo interesse público, desde razoáveis

(portanto, constitucionais). Assim, por exemplo, a lei prevê que a aquisição de bens e serviços de infor-

mática e automação será restrita às empresas que cumpram um determinado processo produtivo básico

(art. 3o da Lei 8.248/91). Também pode ser citada a LC 123/2006, que estabeleceu tratamento favorecido

a microempresas e empresas de pequeno porte. Na mesma linha de se admitir distinções razoavelmente

justificadas adveio a Lei 12.462/2011, que instituiu um regime diferenciado de contratações (RDC),

aplicável às licitações e contratos relacionados aos jogos olímpicos e paraolímpicos de 2016, Copa das

Confederações de 2013 e Copa do Mundo de 2014, o que, todavia, foi objeto de questionamento perante

o STF (ADI 4645 e 4655).

▶ Princípio da Competitividade: É também corolário do princípio da igualdade, na medida em

que, assegurando-se iguais oportunidades aos licitantes, estimula-se a competição em busca da proposta

mais adequada ao interesse público. Tamanha é a importância desse princípio que o art.90 da Lei

8.666/93 considera crime a frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório. Tal

ocorre, por exemplo, quando o administrador, buscando beneficiar determinado grupo de concorrentes,

estabelece desmedidos critérios de habilitação que acabam por inviabilizar a competição.

▶ Princípio da Publicidade: Se os atos administrativos em geral devem ser públicos, devendo a

Administração atuar com a adequada transparência, tal se revela ainda mais imprescindível no tocante às

licitações, quando se busca não apenas dar ciência do procedimento, mas, sobretudo, atrair o maior

número possível de interessados em contratar com o Poder Público, obtendo-se, com isso, maiores chan-

ces de se obter uma proposta que melhor atenta ao interesse coletivo.

514 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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▶ Princípio da Probidade Administrativa: Se já é princípio geral da atividade administrativa

(CF/88, art.37, §4º e Lei 8.429/92), devendo o Administrador sempre atuar com honestidade, adquire

importância especial em matéria de licitações, na medida em que as contratações administrativas envol-

vem elevados gastos públicos, os quais devem ser bem empregados.

▶ Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório: Também chamado de Princípio da

Inalterabilidade do Edital, encontra previsão expressa no art.41 da Lei 8.666/93, ao dispor que "a Ad-

ministração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vincula-

da". Valendo-se das palavras de Hely Lopes, o edital é a lei interna da licitação.515

Significa dizer que

tanto a Administração quanto os administrados devem a ele se reportar, sem possibilidade, em regra, de

modificação posterior. Conforme ainda será estudado, existe um prazo apropriado para se impugnar o

instrumento convocatório, após o qual não será mais possível modificá-lo, de modo que somente deixará

de valer se for o caso de anulação do certame.

▶ Princípio do julgamento Objetivo: É uma decorrência da vinculação ao instrumento convo-

catório acima mencionado. O julgamento da licitação, assim como as demais decisões incidentes ao

longo do procedimento, devem observar os critérios objetivos previstos no Edital, sem levar em conta

posicionamentos pessoais do administrador. Deve-se descartar subjetivismos e personalismos, que põe a

perder o caráter igualitário do certame.516

Encontra previsão no art.45 da Lei 8.666/93. Busca-se com

isso evitar tratamento privilegiado a determinado concorrente, a pretexto de discricionariedade adminis-

trativa. É claro que não se pode eliminar totalmente o elemento subjetivo da decisão administrativa,

sempre restando alguma carga de discricionariedade, na forma da lei. Porém, mesmo nesses casos, a

decisão deve ser devidamente motivada.

▶ Princípio da Padronização: Extraído do art.15, I, da Lei 8.666/93, aplica-se especificamente

em matéria de compras, impondo-se, sempre que possível, compatibilidade de especificações técnicas e

de desempenho, observadas as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas. Em

outras palavras, busca-se empregar um modelo racional de aquisição de bens, evitando-se variações

desregradas de fornecedores, a fim de que a Administração Pública possa melhor dispor de assistência

técnica, manutenção, reposição de peças e adequação de estoque. Esse princípio contempla a chamada

estandardização, mediante um processo administrativo conduzido por uma comissão de padronização.

Todavia, não deve se transformar numa premissa absoluta, comportando as exceções que forem do inte-

resse público, de modo que a padronização deixará de ser feita quando não for possível ou vantajosa

para a Administração Pública. Além disso, deve se ter cuidado para, a pretexto de padronizar, não se

frustrar a realização de licitação, impedindo a competição. Como destaca Diógenes Gasparini, "a padro-

nização, seja pela escolha de um marca, seja pela entronização de um estander próprio, não pode ser

meio, instrumento, para beneficiar ou prejudicar fornecedores; nem utilizada como fim em si mesma,

isto é, padronizar por padronizar". Para evitar isso, "tudo o que for importante para a entidade ver-se

convencida da necessidade da padronização e para comprovar a vantagem da estandardização – estudos,

laudos, perícias, pareceres técnicos, atestados, relatórios de experiências e testemunhos – deve fazer

parte da instrução desse processo".517

▶ Princípio do Sigilo das Propostas: É condição necessária a se garantir a justa competição no

certame, daí porque o art.43, §1º, da Lei de Licitações prevê a entrega de propostas em envelope fecha-

do. Dita regra, todavia, atualmente já comporta exceções, como, por exemplo, no procedimento na mo-

dalidade de pregão (Lei 10.520/2002), que admite novos lances verbais após a abertura de envelopes.

515 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 516 SUNDFELD, Carlos Ari. Licitações e Contratos Administrativos, Rio de Janeiro: Esplanada. 517 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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▶Princípio da Vedação à Oferta de Vantagens: Relaciona-se com o princípio do julgamento

objetivo já estudado. Segundo dispõe o art.44, §2º, da Lei 8.666/93, não se considerará qualquer oferta

de vantagem não prevista no edital ou no convite, inclusive financiamentos subsidiados ou a fundo per-

dido, nem preço ou vantagem baseada nas ofertas dos demais licitantes. Significa dizer que “as regras de

seleção devem ser adstritas aos critérios fixados no edital, não se podendo admitir que, além disso, inter-

venham fatores outros, como o de algum licitante ofertar vantagem própria ou baseada na oferta de outro

licitante”.518

▶ Princípio da Ampla Defesa: Sendo de aplicação geral no tocante aos atos estatais, praticados

na esfera administrativa ou judicial (CF/88, art.5o, LV), em tema de licitações a ampla defesa torna-se

especialmente imprescindível, propiciando aos licitantes afastar eventuais obstáculos que lhe forem

opostos à habilitação ao certame, à classificação ou à contratação. O respeito à ampla defesa garante a

própria eficácia da competição. No tocante a aplicação de sanções administrativa, o art.87 da Lei

8.666/93 dispõe expressamente sobre a necessidade de prévia defesa.

▶ Princípio Formalismo Procedimental: É corolário do princípio da legalidade, significando

que o procedimento de licitação deve obedecer aos ritos previstos na lei, não podendo o Administrador

Público adotar outro caminho a seguir. Com efeito, “percebeu o legislador que a própria igualdade de

tratamento depende da rigidez formal dos mecanismos de competição, razão por que se impõe a obser-

vância do devido processo legal”.519

▶ Princípio da obrigatoriedade: A licitação é a regra obrigatória nas contratações do Poder

Público, admitindo o art.37, XXI da CF/88 apenas algumas hipóteses legais em que ela poderá excep-

cionalmente não ocorrer, seja por dispensa ou por inexigibilidade, os chamados casos excludentes de

licitação, conforme será adiante estudado.Tais casos, todavia, devem ser vistos como exceção à regra de

obrigatoriedade, razão pela qual o art.89 da Lei 8.666/93 considera crime dispensar ou inexigir licitação

fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à

inexigibilidade.

▶ Princípio da Adjudicação Compulsória: Em matéria de licitação, adjudicação é o ato pelo

qual a Administração atribui ao licitante vencedor o objeto da licitação. Segundo este princípio, uma vez

concluído o certame, a Administração não pode atribuir a realização do contrato a outrem que não o

vencedor. A doutrina chama a atenção para o fato de que, ao contrário do que possa dar a entender a

expressão adjudicação compulsória, a Administração não está obrigada a contratar imediatamente,

podendo deixar de fazê-lo de acordo com o interesse público (nesse sentido o vencedor da licitação tem

apenas expectativa de contratar, não havendo direito adquirido à contratação). Na verdade, o princípio

em tela apenas garante que, em caso de contratação pelo Poder Público, tal ocorrerá com o vencedor do

certame. Outrossim, proíbe a Administração de realizar nova licitação enquanto eficaz a adjudicação

anterior. Nesse sentido, dispõe o art.50 da Lei 8.666/93 que "a Administração não poderá celebrar o

contrato com preterição da ordem de classificação das propostas ou com terceiros estranhos ao procedi-

mento licitatório, sob pena de nulidade". Voltaremos a tratar do tema no tópico referente às fases proce-

dimentais.

518 CARVALHO FILHO, Manual... , cit. 519 Idem.

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A Lei 8.666/83 prevê cinco modalidades de licitação (concorrência, tomada de preços, convite,

concurso e leilão), vedando a criação de outras modalidades ou a combinação dentre as nela menciona-

das. Posteriormente o legislador veio a instituir mais uma nova modalidade: o pregão (Lei 10.520/2002).

Cumpre examinar as situações em que cada uma dessas modalidades pode ser adotada, verifican-

do em seguida os procedimentos empregados.

▶ Concorrência: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial

de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital

para execução de seu objeto. Destina-se, em regra, a obras de grande vulto, conforme faixa de valor

fixada por lei (Lei 8.666/93, art.23, I, c e II, c). Além disso, é também utilizada tendo em vista a nature-

za de determinados contratos, independentemente do valor, tal como ocorre com a compra ou alienação

de bens imóveis (salvo alguns casos de leilão), de concessão de direito real de uso ou com contratações

internacionais (salvo alguns casos de tomada de preço e convite). Como se verá, ainda, a seleção no

sistema de registro de preços, para fins de compras, deve também ser feita mediante concorrência. A

concorrência demanda formalismo mais acentuado, tendo duas características básicas: ampla publicida-

de e universalidade. Isto porque é uma modalidade destinada à participação de quaisquer interessados

que preencham os requisitos do edital, mediante habilitação preliminar. Portanto, ao contrário do que

ocorre na tomada de preços, a concorrência não exige cadastro prévio dos licitantes.

▶ Tomada de preços: É a modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados

ou que atenderem a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do

recebimento das propostas, observada a necessária qualificação. Destina-se a contratações de vulto

médio, conforme a faixa de valor fixada na lei (Lei 8.666/93, art.23, I, b e II, b). Não demanda a ampla

divulgação típica da concorrência, pois dela só participam interessados previamente cadastrados ou aptos

a se cadastrar no prazo legal. Portanto, somente poderão participar os que possuírem o Certificado de

Registro Cadastral (CRC), válido no máximo por um ano, ou aqueles que, mesmo não possuindo esse

certificado, apresentarem os documentos necessários ao cadastramento até três dias antes da abertura dos

envelopes, com a devida qualificação. Essa possibilidade de cadastramento durante o certame acaba

conferindo alguma dose de universalidade à modalidade de tomada de preços. José dos Santos destaca a

possibilidade de substituição nas situações em que, “ainda que o vulto do contrato comporte a tomada de

preços, pode o administrador optar por realizar concorrência. Mas a recíproca não é verdadeira, ou seja,

não pode a concorrência ser substituída pela tomada de preços. Isso significa que pode ser escolhida

modalidade mais formal do que seria a pertinente, mas nunca modalidade mais informal”.520

▶ Convite: É a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, ca-

dastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a

qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastra-

dos na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e

quatro) horas da apresentação das propostas. Destina-se a contratações de menor vulto, conforme a faixa

de valor fixada na lei (Lei 8.666/93, art.23, I, a e II, a). Por isso, comporta o menor rigor formal. Ao

contrário das demais modalidades licitatórias, na modalidade de convite não há edital; o instrumento de

convocação é chama-se carta-convite. Deverão ser convidadas no mínimo três interessados. Se não

aparecer esse número mínimo, e se houver possibilidade de haver outros possíveis interessados, deverá

ser repetido o convite, salvo se restar demonstrado o desinteresse dos interessados ou a limitações do

mercado, mediante a devida justificação no processo. As empresas que não forem convidadas também

poderão participar, desde que estejam cadastradas e manifestem o seu interesse até 24 antes da apresen-

520 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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tação das propostas. Observe-se que a participação no certame pressupõe duas situações: 1) a empresa,

cadastrada ou não, é convidada; 2) a empresa cadastrada não é convidada, mas manifesta o seu interesse

no prazo legal. Assim, a empresa não cadastrada somente participará da licitação se a Administração a

convidar. Apesar de não haver previsão legal específica, Celso Antônio defende que, tal como ocorre

com a tomada de preços, mesmo os não cadastrados “terão direito a disputar o convite se, tomando co-

nhecimento dele, requererem o cadastramento no prazo estabelecido em relação àquela modalidade

licitatória (três dias antes do recebimento das propostas)”.521

Existindo na praça mais de 3

(três) possíveis interessados, a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, é obri-

gatório o convite a, no mínimo, mais um interessado, enquanto existirem cadastrados não convidados

nas últimas licitações. Quando, por limitações do mercado ou manifesto desinteresse dos convidados, for

impossível a obtenção do número mínimo de licitantes, essas circunstâncias deverão ser devidamente

justificadas no processo, sob pena de repetição do convite.

▶ Concurso: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para escolha de trabalho

técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, con-

forme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (qua-

renta e cinco) dias. Cuida-se, portanto, de modalidade licitatória voltada para o exame de trabalho inte-

lectual. A Administração somente poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico

especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa

utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração. Em se

tratando de projeto, o vencedor deverá autorizar a Administração a executá-lo quando julgar convenien-

te. Quando o projeto referir-se a obra imaterial de caráter tecnológico, insuscetível de privilégio, a ces-

são dos direitos incluirá o fornecimento de todos os dados, documentos e elementos de informação per-

tinentes à tecnologia de concepção, desenvolvimento, fixação em suporte físico de qualquer natureza e

aplicação da obra. O julgamento no concurso será feito por uma comissão especial integrada por pessoas

de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou não. O

concurso deve ser precedido de regulamento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no

edital, e que deverá indicar a qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e a forma de apresenta-

ção do trabalho, as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos.

▶ Leilão: É a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a venda de bens móveis

inservíveis para a administração ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alie-

nação de bens imóveis prevista no art. 19 da Lei 8.666/93, a quem oferecer o maior lance, igual ou supe-

rior ao valor da avaliação. Refere-se em regra à venda de bens móveis, admitindo-se também em relação

aos semoventes. No caso de bens imóveis, a regra é a realização de concorrência e o leilão somente

poderá ser utilizado quando se tratar de imóveis cuja aquisição haja derivado de procedimentos judici-

ais ou de dação em pagamento (art.19). Convém ressaltar que “os bens móveis mencionados são inser-

víveis para a Administração, o que não significa que não tenham utilidade para outras pessoas. Sucata de

ferro, dormentes, veículos etc. São bens de valor econômico, embora tenham perdido a utilidade ou a

finalidade para as atividades concernentes à Administração Pública”.522

Todo bem a ser leiloado será

previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arrematação. Os bens passí-

veis de serem levados a leilão são aqueles avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao

limite previsto para as compras na tomada de preços (Lei 8.666/93, arts.17, §6º e 23, II, b). A exemplo

da concorrência, no leilão também há o requisito de ampla publicidade, a fim de que se atraia o maior

número possível de participantes. Os interessados oferecerão lances, sendo vencedor o que oferecer

maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação. O leilão pode ser cometido a leiloeiro oficial (leilão

comum) ou a servidor designado pela Administração (leilão administrativo). “O leilão comum é regido

pela legislação federal pertinente, mas as condições de sua realização poderão ser estabelecidas pela

521 MELLO, Curso..., cit. 522 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Contratos Administrativos, São Paulo: Atlas.

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Administração interessada; o leilão administrativo é o instituído para a venda de mercadorias apreendi-

das como contrabando, ou abandonadas nas alfândegas, nos armazéns ferroviários ou nas repartições

públicas em geral, observadas as normas regulamentares da Administração interessada”.523

▶ Pregão: Previsto na Lei 10.520/2002 como nova modalidade licitatória, ao lado das já con-

templadas na Lei 8.666/93. Foi inicialmente criado como uma modalidade específica para o setor de

telecomunicações (art.55 da Lei 9.472/97), tendo a sua aplicação estendida depois, por força da Medida

Provisória 2026 e reedições. Como disposições valiam apenas para o âmbito federal, houve críticas

doutrinárias no sentido de que a modalidade deveria se estender aos demais entes federados. Com a

conversão na Lei 10.520/2002, passou-se a admitir o seu emprego no âmbito da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios, adotando, com isso, o caráter de lei nacional, nos mesmos moldes da Lei

8.666/93, cuja aplicação passou a ser subsidiária para o pregão. É uma modalidade adequada às contra-

tações de pouca complexidade, voltadas para a aquisição de bens e serviços comuns, quais sejam, aque-

les cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio

de especificações usuais no mercado. Não há qualquer restrição por faixa de valor, ao contrário do foi

adotado na concorrência, tomada de preços e convite. Dada a sua importância e vasto âmbito de aplica-

ção, o pregão será posteriormente tratado em tópico específico deste estudo.

A Lei 8.666/93 impõe que seja a modalidade de concorrência adotada em obras de grande vulto

(art.23, I, c e II, c), na compra ou alienação de bens imóveis (salvo alguns casos de leilão), na concessão

de direito real de uso e nas contratações internacionais, salvo alguns casos de tomada de preço e convite

(art.23, §3º), bem como na seleção para o sistema de registro de preços (art.15, §3º). Todavia, a Lei não

proíbe a utilização da concorrência em outras situações nas quais poderiam ser empregadas outras moda-

lidades menos complexas tais como a tomada de preços e o convite. Como se extrai do §4º do art. 23,

"nos casos em que couber convite, a Administração poderá utilizar a tomada de preços e, em qualquer

caso, a concorrência". Além disso, consoante dispõe o art.17, §6º, para a alienação de móveis a utiliza-

ção do leilão somente é admitida para bens com faixa de valor igual ou inferior ao limite previsto no art.

23, II, b - que é o da tomada de preços -, o que torna obrigatória a concorrência sempre que o bem móvel

for superior a esse limite.

Registre-se que as licitações internacionais poderão adotar a modalidades de concorrência, to-

mada de preços e convite. De fato, conforme dispõe o art. 23, § 3º, da Lei 8.666/93, a regra nas licitações

internacionais é a realização de concorrência, sendo possível, contudo, "a tomada de preços, quando o

órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não hou-

ver fornecedor do bem ou serviço no País".

Como processo administrativo que é, a licitação segue etapas e fases procedimentais que depen-

dem da modalidade adotada.

Primeiramente é instaurado o processo administrativo, que é autuado, protocolado e numerado.

“No processo deve estar, de imediato, a autorização para o certame, a descrição do objeto e, o que é mais

importante, a menção aos recursos próprios para a futura despesa”.524

Assim, tem-se a etapa interna,

por meio da qual se busca o planejamento da licitação, com a identificação do objeto, a estimativa do

valor da contratação, a escolha da modalidade adequada e a previsão de reserva orçamentária para fins

de empenho.

523 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 524 Ib idem.

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A Lei 8.666/93 previu procedimentos diferenciados na delimitação do objeto licitatório, confor-

me se trate de obras e serviços (arts. 7º a 13) ou de compras (arts. 14 a 16). No caso das obras e serviços,

o legislador estabeleceu um rito que se inicia com o projeto básico, seguindo-se o projeto executivo e a

execução da obra ou serviço.

As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I - houver projeto básico aprovado

pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitató-

rio; II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos

unitários; III -houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações

decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o

respectivo cronograma; IV - o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no

Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso.

A Lei conceitua o projeto básico como sendo o conjunto de elementos necessários e suficientes,

com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços

objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem

a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibili-

te a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução. Deve ser elaborado

com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o

adequado tratamento de impacto ambiental do empreendimento.

Quando a licitação é promovida sob a modalidade do pregão, o documento descritivo do objeto

denomina-se termo de referência.(art.9º da Lei 10.520/2002).

Além do projeto básico, pode haver nessa etapa interna a elaboração de um projeto executivo, de-

finido pela lei como o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de

acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas -ABNT.

Os projetos básico e executivo devem observar o requisito de impacto ambiental. A lei só exige

previamente o projeto básico como regra geral, podendo o projeto executivo ser elaborado concomitan-

temente com a execução da obra ou do serviço. Daí a crítica de Marçal Justen no sentido de que “talvez

uma das providências mais essenciais que a reforma da Lei de Licitações deva conter seja a vedação à

instauração de licitação de obra fundada apenas em projeto básico. A existência do projeto executivo é

uma garantia inafastável para o interesse coletivo”.525

No que concerne à fase interna na licitação destinada a compras, o Estatuto reza que nenhuma

compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários

para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa. Como

regra geral, deverá a Administração proceder a adequada caracterização do objeto com vistas aos parâ-

metros estabelecidos no art.15 da Lei n. 8.666/93. Consoante orienta a Súmula 177 do TCU, “a definição

precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como

pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicida-

de, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, cons-

tituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especifica-

ções mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão”.

O art.39 do Estatuto menciona a necessidade de audiência pública, com antecedência mínima de

quinze dias da data prevista para a publicação do edital, sempre que o valor estimado para uma licitação

ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a cem vezes o limite previsto

para a concorrência nas obras e serviços de engenharia. Consideram-se licitações simultâneas aquelas

com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores a trinta dias e licitações

525 JUSTEN FILHO, Comentários... cit.

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sucessivas aquelas em que, também com objetos similares, o edital subseqüente tenha uma data anterior

a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da licitação antecedente.

Iniciada a etapa externa, o procedimento mais complexo é o da concorrência, que compreende

cinco fases: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação. Vejamos cada uma delas:

▶ Edital: É através dele que a Administração leva ao conhecimento de todos o seu intento em

contratar determinado serviço, obra, alienação ou compra, discriminando o objeto da contratação e de-

mais requisitos necessários ao certame. O art.21 do Estatuto faz menção aos avisos contendo os resumos

dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, os quais devem ser

publicados com antecedência, ainda que realizados no local da repartição interessada. É o chamado

aviso-resumo, que deverá conter a indicação do local em que os interessados poderão ler e obter o texto

integral do edital e todas as informações sobre a licitação. Convém, portanto, não confundir o aviso-

resumo com o edital propriamente dito, pois, como esclarece Hely Lopes, “o que a lei exige é a notícia

da abertura da licitação, isto é, do aviso resumido do edital, e não de seu texto completo, pois este os

interessados obterão no local indicado na comunicação. Nada impede, entretanto, que a Administração,

em face da importância da licitação, promova a publicação na íntegra e em maior número de vezes que o

legalmente exigido”.526

O §2º do art.21 trata dos prazos mínimos de convocação dos licitantes, a serem

observados entre a data da publicação do edital resumido (ou da expedição do convite no caso de convi-

te). O edital deverá conter no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição inte-

ressada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será

regida pela Lei 8666, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para

início da abertura dos envelopes. Além dessas determinações básicas, há uma série de elementos que

deverão estar obrigatoriamente indicados no texto do edital, dentre eles o objeto da licitação, em descri-

ção sucinta e clara, o prazo e condições para assinatura do contrato ou retirada dos instrumentos, para

execução do contrato e para entrega do objeto da licitação, as sanções para o caso de inadimplemento,

o local onde poderá ser examinado e adquirido o projeto básico, se há projeto executivo disponível na

data da publicação do edital de licitação e o local onde possa ser examinado e adquirido, as condições

para participação na licitação e forma de apresentação das propostas, o critério para julgamento, com

disposições claras e parâmetros objetivos, além de outros elementos. Convém salientar que o edital

contém elementos não apenas referentes à licitação, mas também ao próprio contrato dela objeto. Qual-

quer cidadão é parte legítima para impugnar o edital de licitação por irregularidade na aplicação da lei,

devendo protocolar o pedido até cinco dias úteis antes da data fixada para a abertura dos envelopes de

habilitação. Em relação aos licitantes, o prazo decadencial para impugnar os termos do edital de licitação

perante a administração vai até o segundo dia útil que anteceder a abertura dos envelopes de habilitação

em concorrência, a abertura dos envelopes com as propostas em convite, tomada de preços ou concurso,

ou a realização de leilão. A impugnação deverá ser julgada e respondida pela Administração em até

três dias úteis. Além disso, qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica, poderá representar

ao Tribunal de Contas ou aos órgãos integrantes do sistema de controle interno contra irregularidades na

aplicação da lei no tocante ao controle de despesas nas licitações e contratos. A impugnação feita tem-

pestivamente pelo licitante não o impedirá de participar do processo licitatório até o trânsito em julgado

da decisão a ela pertinente.

▶ Habilitação: Na data estabelecida no edital, os interessados apresentam os envelopes de do-

cumentação e os envelopes de propostas. Na fase de habilitação, também chamada de qualificação,

procede-se à abertura dos envelopes de documentação apresentados pelos proponentes, verificando-se se

os licitantes preenchem os requisitos de qualificação técnica e econômica, indispensáveis à garantia do

cumprimento das obrigações tal como previsto no art.37, XXI, da CF/88. Observa-se, portanto, a aptidão

do candidato para a contratação objeto da licitação. A inabilitação do licitante importa preclusão do seu

526 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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direito de participar das fases subseqüentes do certame. Havendo a inabilitação, sequer se abre o envelo-

pe de proposta, o qual é devolvido fechado ao concorrente inabilitado. Algumas legislações estaduais

modificam a ordem das fases licitatórias, estabelecendo a fase de habilitação após a classificação das

propostas. O art.27 do Estatuto menciona a documentação exigível para a habilitação dos proponentes,

que deve se referir exclusivamente aos aspectos de habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação

econômico-financeira, regularidade fiscal, cumprimento do disposto no art. 7o, XXXIII, da

CF/88 (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos). O legislador cuidou

de enumerar a documentação relativa à comprovação da habilitação jurídica (art.28), da regularidade

fiscal (art.29), da qualificação técnica (art.30) e da qualificação econômico-financeira (art.31). Ressalte-

se que o edital pode prever uma pré-qualificação dos licitantes, por meio do registro cadastral. O art. 34

da Lei 8.666/93 estabelece que "os órgãos e entidades da Administração Pública que realizem freqüen-

temente licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação, na forma regulamentar, váli-

dos por, no máximo, um ano". Em geral os registros cadastrais são utilizados para o procedimento da

tomada de preços, cuja tônica é a habilitação preliminar. Contudo, a Lei de Licitações, em seu art.32,

§§2º e 3º, admite que o certificado de registro cadastral seja empregado nas outras modalidades de licita-

ção, em substituição aos documentos de habilitação nas concorrências, quando previsto no edital e desde

que o concorrente se comprometa a declarar, sob as penas da lei, a superveniência de fato impeditivo da

habilitação. Atendidas as exigências legais quanto aos documentos, o licitante deve ser habilitado, de-

vendo-se evitar o rigor exagerado na fase de habilitação (formalismo moderado), a fim de assegurar a

maior competição possível no exame das propostas. Celso Antônio salienta que o comparecimento ou a

habilitação de um único licitante não obsta que se prossiga no procedimento do certame, com o exame

da proposta e adjudicação do objeto. O mesmo deve ocorrer se vários licitantes comparecerem mas

apenas um for habilitado.527

A habilitação gera para o licitante, ao mesmo tempo, um direito e um dever.

Terá pleno direito ao exame da sua proposta, pois "ultrapassada a fase de habilitação dos concorrentes e

abertas as propostas, não cabe desclassificá-los por motivo relacionado com a habilitação, salvo em

razão de fatos supervenientes ou só conhecidos após o julgamento" (art.43,§5o da Lei 8.666/93). Por

outro lado, o habilitado tem também o dever de manter a proposta, porquanto, "após a fase de habilita-

ção, não cabe desistência de proposta, salvo por motivo justo decorrente de fato superveniente e aceito

pela Comissão" (art.43, §6º). De acordo o art. 109 da Lei 8.666/93, o recurso pode ser interposto no

prazo de 5 (cinco) dias úteis a contar da intimação do ato ou da lavratura da ata. No caso de recurso

contra à habilitação ou inabilitação do licitante, a regra geral é a publicação na imprensa oficial, salvo se

presentes os prepostos dos licitantes no ato em que foi adotada a decisão, quando poderá ser feita por

comunicação direta aos interessados e lavrada em ata. Haja vista esta regra específica prevendo publica-

ção na imprensa oficial, descabe a intimação por via postal. O recurso terá sempre efeito suspensivo o

recurso administrativo nos casos de habilitação ou inabilitação do licitante e de julgamento das propos-

tas. Nos demais casos, o efeito suspensivo poderá ou não ser atribuído pela autoridade competente.

▶ Abertura de envelopes de propostas e classificação: Após a habilitação, são abertos os en-

velopes de propostas para exame, em sessão pública com data previamente designada. Em seguida, dá-se

a classificação das propostas, de acordo com os critérios fixados no edital. Há autores que consideram a

classificação como uma etapa anterior ao julgamento. Primeiro se examina a admissibilidade da propos-

ta para depois, uma vez classificadas, proceder-se ao julgamento da melhor proposta. Assim, na fase de

classificação se faz uma espécie de exame prévio de admissibilidade das propostas, de forma que so-

mente as propostas classificadas vão a julgamento. Em regra o julgamento ocorre logo em seguida à

classificação, todavia é possível que a Administração o faça posteriormente nos casos que demande

exame mais acurado, mesmo sem a presença dos licitantes, daí porque se costuma separar didaticamente

as duas fases. Na etapa prévia da classificação é observado se as propostas atenderam às exigências do

ato convocatório da licitação, se não contêm valor global superior ao limite estabelecido ou preços mani-

festamente inexeqüíveis, caso contrário serão desclassificadas. Se todas as propostas forem desclassifi-

527 MELLO, Curso..., cit.

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cadas, a administração poderá fixar aos licitantes o prazo de oito dias úteis para a apresentação de nova

documentação ou de outras propostas escoimadas das causas da desclassificação, facultada, no caso de

convite, a redução deste prazo para três dias úteis. Não se admitirá proposta que apresente preços global

ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários

de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha

estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do

próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração.

▶ Julgamento: Após a classificação, “colocadas lado a lado as propostas dos classificados,

cumpre selecionar aquela que é mais vantajosa para a Administração, segundo o que o instrumento con-

vocatório estabelecer. Essa vai ser a proposta vitoriosa, permitindo o futuro vínculo obrigacional com a

Administração”.528

O julgamento das propostas será objetivo, devendo a comissão de licitação ou o

responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente

estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira

a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. Excetuada a modalidade de concur-

so, os tipos de licitação, para efeito de classificação, são: a) a de menor preço; b) a de melhor técnica;

c) a de técnica e preço; d) a de maior lance ou oferta. Como esclarece Celso Antônio, o que a lei deno-

mina de "tipos de licitação", na verdade, são os distintos critérios fundamentais de julgamento por ela

estabelecidos para obras, serviços e compras, vedada a criação de outros.529

Pelo critério de menor preço,

leva-se em conta o menor preço ofertado, desde, é claro, sejam atendidas as demais condições fixadas no

edital. Dado o caráter estritamente objetivo do critério de menor preço, esse tipo de licitação é a regra

geral que deve ser adotada, daí porque a Lei 8.666 reservou os demais tipos de licitação para hipóteses

especificas. Os critérios de melhor técnica e de técnica e preço são destinados exclusivamente para

serviços de preponderante natureza intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscali-

zação, supervisão, gerenciamento, engenharia consultiva. Para contratação de bens e serviços de infor-

mática, a administração deverá adotar obrigatoriamente o tipo de licitação técnica e preço , salvo se

houver decreto permitindo o emprego de outro tipo de licitação. Excepcionalmente, os tipos de licitação

por critérios de melhor técnica e de técnica e preço poderão ser adotados, por autorização expressa e

mediante justificativa circunstanciada da maior autoridade da Administração promotora constante do ato

convocatório, para fornecimento de bens e execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto

majoritariamente dependentes de tecnologia nitidamente sofisticada e de domínio restrito, atestado por

autoridades técnicas de reconhecida qualificação, nos casos em que o objeto pretendido admitir soluções

alternativas e variações de execução, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtivida-

de, rendimento e durabilidade concretamente mensuráveis, e estas puderem ser adotadas à livre escolha

dos licitantes, na conformidade dos critérios objetivamente fixados no ato convocatório. No critério de

melhor técnica a lei estabeleceu uma preeminência do fator preço, de modo que acabará vencendo

aquele que, dentro da ordem de classificação, aceitar assumir o menor preço dentre os oferecidos. Já no

critério de técnica e preço, a classificação dos proponentes far-se-á de acordo com a média ponderada

das valorizações das propostas técnicas e de preço, observados os pesos preestabelecidos no instrumento

convocatório.

▶ Classificação final: Vimos anteriormente que o julgamento é feito com vistas às propostas

que foram classificadas na fase de abertura dos envelopes. Não obstante, o termo “classificação” tam-

bém é utilizado para a etapa final da fase de julgamento, em que se procede ao estabelecimento da ordem

de seleção das propostas aprovadas tendo em vista as vantagens que oferecem. Nesse sentido, feito o

julgamento, classificam-se as propostas pela ordem de preferência, escolhendo-se o primeiro colocado.

Em caso de empate na avaliação das propostas, o art.45, §§2º e 3º, da Lei 8666/93 dispõe que deve-se

primeiro obedecer aos critérios de preferência estabelecidos no § 2º do art. 3º, da mesma Lei ("Em i-

528 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 529 MELLO, Curso..., cit.

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gualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos

bens e serviços: I - produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional; II - produzidos

no País; III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras"). Persistindo o empate, a classificação se

fará por sorteio. Com o resultado final do certame, dá-se ao vencedor o direito de preferência na contra-

tação, associado ao dever de manter a proposta assumida, ficando a Administração impedida de realizar

nova licitação enquanto eficaz o resultado final por ela proclamado.

▶ Homologação: Após a classificação final das propostas, surge a derradeira fase do procedi-

mento licitatório, na qual ocorrerá a deliberação da autoridade competente quanto à homologação e

adjudicação do objeto da licitação. Há autores que não consideram a homologação propriamente como

uma fase da licitação, mas apenas um ato que confere eficácia à licitação já concluída. Deveras, a homo-

logação é ato de aprovação afeto ao poder hierárquico da autoridade superior, geralmente a responsável

pela ordenação de despesas referentes ao contrato objeto da licitação ou outra indicada no edital. Com a

homologação, fica confirmada a validade da licitação. Recebidos os autos do processo administrativo

licitatório pela autoridade superior, para fins de homologação do certame, poderão eventualmente ser

adotadas, antes disso, providências para fins de esclarecimento, caso necessário. Ademais, ao invés de

homologar, poderá ainda a autoridade vir a anular o procedimento (por vício de ilegalidade) ou até mes-

mo revogá-lo (por razões de superveniente interesse público). Não poderá, todavia, modificar o teor do

julgamento feito pela Comissão. A homologação da licitação não obsta que a Administração possa anu-

lá-la, por ilegalidade, ou revogá-la, por razões de interesse público superveniente. De acordo com o

art. 49 da Lei 8666/93, "a autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá

revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente com-

provado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou

por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado".

▶ Adjudicação: Com a homologação do certame, segue-se a adjudicação, que é o ato pelo qual

se atribui ao vencedor a atividade objeto da licitação (na legislação anterior a adjudicação vinha antes da

homologação). A doutrina diverge quanto aos efeitos da adjudicação. Alguns consideram que a adjudi-

cação dá ao contratante o direito subjetivo de contratar com a Administração. Esse é o entendimento de

Hely Lopes quando aponta, como um dos efeitos jurídicos da adjudicação, “a aquisição do direito de

contratar com a Administração nos termos em que o adjudicatário venceu a licitação”530

, e de Adilson

Dallari, ao assinalar que “a licitação, no momento em que é aprovada, aperfeiçoa uma promessa de

contrato, um compromisso de contratar, emergindo daí um direito ao contrato”.531

A doutrina majoritá-

ria, porém, considera que a adjudicação não confere ao licitante vencedor propriamente um direito subje-

tivo de contratar, mas, sim, uma mera expectativa na contratação, consubstanciada no direito de prefe-

rência por parte do vencedor, isto é, um direito de não ser preterido, nos termos do art.50 do Estatuto.

Essa expectativa poderá ser eventualmente frustrada por decisão da Administração, em caso de fato

superveniente que justifique a não contratação. Nessa linha, Diógenes Gasparini assinala que a adjudica-

ção tem como um de seus efeitos jurídicos a “aquisição, pelo vencedor do certame, do direito de contra-

tar com a pessoa licitante, se houver contratação”.532

Mais do que mero debate acadêmico, a distinção

nos efeitos da adjudicação tem reflexo direto nas questões de ordem patrimonial referentes à eventual

não contratação do licitante vencedor. De fato, ao se considerar que a adjudicação lhe daria direito subje-

tivo de contratar, eventual não contratação poderia ensejar, em tese, o direito a uma indenização. Já em

se considerando haver mera expectativa de contratar, não haveria dano a indenizar. De qualquer modo, a

questão de caber ou não indenização dependerá do exame de cada caso concreto, pois da mesma forma

em que será cabível indenização quando um contrato já em curso vem a ser unilateralmente desconstitu-

ído pela Administração por razões de interesse público (denúncia lícita), é possível se falar em indeniza-

530 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 531 DALLARI, Adilson de Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação, São Paulo, 1992. 532 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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ção quando o licitante vencedor se vê frustrado em sua pretensão de contratar também por ato discricio-

nário da Administração (revogação). A autoridade competente para a aprovação do procedimento so-

mente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devi-

damente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta (art.49 da Lei 8.666/93). Nesses

casos, apesar de lícita a revogação, parece justo que o licitante seja indenizado por eventuais prejuízos

sofridos, mas há divergências acerca desse entendimento. Já a anulação do procedimento licitatório (por

motivo de ilegalidade) a princípio não gera obrigação de indenizar, salvo se já firmado o contrato e

houver prejuízos regularmente comprovados não imputáveis ao contratante, promovendo-se a responsa-

bilidade de quem lhe deu causa (Lei 8.666, art.49, §1º c/c 59, p. único). Ainda em tema de efeitos da

adjudicação, Lúcia Valle Figueiredo aponta os seguintes direitos e deveres do melhor licitante: “a) direi-

to de não ser preterido; b) direito de exigir que se fundamentem as razões se o contrato não se aperfeiço-

ar; c) dever de sustentar a proposta para a assinatura do contrato; d) dever de firmar o contrato nos ter-

mos em que se obrigou”.533

Acrescente-se que a Administração não poderá convocar novo certame

enquanto estiver em vigor a adjudicação. Em relação aos demais licitantes, a adjudicação tem como

efeitos a sua liberação dos encargos da licitação e o direito ao desentranhamento dos documentos apre-

sentados.

Nos termos do art. 64, §2º, da Lei 8.666/93, "é facultado à Administração, quando o convocado

não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições

estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual

prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atuali-

zados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação

prevista no art. 81 desta Lei". Pela redação do dispositivo fica claro que a convocação é uma faculdade -

e não uma obrigação - da Administração, que poderá optar pela revogação do certame quando esta se

revelar a medida mais adequada ao interesse público.

Dispõe o art. 51, §3º, da Lei 8.666/93, que "os membros das comissões de licitação responderão

solidariamente por todos os atos praticados pela comissão, salvo se posição individual divergente estiver

devidamente fundamentada e registrada em ata lavrada na reunião em que tiver sido tomada a decisão".

Todas as fases acima estudadas integram o procedimento licitatório na modalidade de concorrên-

cia, por ser o mais complexo, direcionado a contratos de maior vulto. As demais modalidades compor-

tam procedimentos mais simplificados, nos seguintes moldes:

▶ Procedimento na Tomada de Preços: Sendo utilizada para contratos de porte médio, são

poucas as diferenças em relação ao procedimento de concorrência. Na tomada de preços a habilitação é

prévia, por meio de registro cadastral, havendo ainda possibilidade de habilitação aos não inscritos que

apresentarem documentação até três dias antes do recebimento das propostas. O edital é publicado com

antecedência de 15 dias (na concorrência são 45 e 30 dias a depender do caso.

▶ Procedimento no Convite: Por ser voltado a contratos de pequeno porte, o procedimento do

convite é mais simples ainda. Não há edital nem fase de habilitação, pois os licitantes são convocados

pela própria Administração, com antecedência de 5 dias. A carta-convite é enviada a pelo menos 3 inte-

ressados e afixada em um local apropriado, podendo ser publicada. A comissão de licitação pode ser

substituída por um servidor designado.

▶ Procedimento no Concurso: Tratando-se de modalidade específica destinada à seleção de

trabalho técnico, científico ou artístico, o art. 52 do Estatuto prevê que cada concurso terá o seu regula-

mento próprio, a ser obtido pelos interessados no local indicado no edital. O regulamento deverá indi-

car a qualificação exigida dos participantes, as diretrizes e a forma de apresentação do trabalho, assim

533 FIGUEIREDO, Curso..., cit.

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como as condições de realização do concurso e os prêmios a serem concedidos. O edital é publicado

com antecedência mínima de 45 dias. O julgamento será feito por uma comissão especial integrada por

pessoas de reputação ilibada e reconhecido conhecimento da matéria em exame, servidores públicos ou

não.

▶ Procedimento no Leilão: Assim como o concurso, o leilão também constitui modalidade com

objeto específico, eis que voltado para a alienação de bens móveis e semoventes da Administração, além

dos imóveis públicos que tiverem sido adquiridos em procedimento judicial ou dação em pagamento. O

edital é publicado com antecedência de 15 dias. As propostas são oferecidas através de lances. Em lugar

da comissão de licitação, o leilão será cometido a leiloeiro oficial (leilão comum) ou a servidor designa-

do pela Administração (leilão administrativo), procedendo-se na forma da legislação pertinente. Todo

bem a ser leiloado será previamente avaliado pela Administração para fixação do preço mínimo de arre-

matação. Os bens arrematados serão pagos à vista ou no percentual estabelecido no edital, não inferior a

5% (cinco por cento) e, após a assinatura da respectiva ata lavrada no local do leilão, imediatamente

entregues ao arrematante, o qual se obrigará ao pagamento do restante no prazo estipulado no edital de

convocação, sob pena de perder em favor da Administração o valor já recolhido. Nos leilões internacio-

nais, o pagamento da parcela à vista poderá ser feito em até vinte e quatro horas. O edital de leilão deve

ser amplamente divulgado, principalmente no município em que se realizará.

▶ Procedimento no Pregão: A Lei 10.520/2002 prevê um rito específico e diferenciado das

demais modalidades. No âmbito federal, o procedimento está regulamentado nos Decretos 3.555/2000 e

3.693/2000, sendo que os Decretos 5.450/2005 e 5.504/2005 tratam da forma eletrônica. O tema será

melhor abordado em tópico posterior.

A licitação deixa de ser obrigatória nas hipóteses excludentes, os quais podem ser de duas espé-

cies: os casos de inexigibilidade de licitação e os de casos dispensa de licitação. Nesses casos haverá

contratação direta do particular.

Maria Sylvia explica que “a diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dis-

pensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação; de modo que a lei faculta a dispensa,

que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há

possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da

Administração; a licitação é, portanto, inviável”.534

Vejamos as hipóteses separadamente:

▶ Inexigibilidade de licitação: Em regra os objetos de contratações pelo Poder Público podem

ser prestados por mais de uma pessoa, propiciando, portanto, a realização de uma competição a fim de se

verificar qual o prestador que melhor se adeqüa ao interesse público. Há situações, porém, em que tal

disputa não é possível, casos em que ficará configurada a inexigibilidade de licitação. Nos termos do

art.25 da Lei 8.666/93, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição. E, em caráter

exemplificativo, cita algumas hipóteses em que isto poderá especialmente ocorrer: I - para aquisição de

materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou represen-

tante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser

feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a

licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas

entidades equivalentes; II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de

534 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade

para serviços de publicidade e divulgação; III - para contratação de profissional de qualquer setor artís-

tico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada

ou pela opinião pública. Do exame do dispositivo legal, observa-se que os casos de inexigibilidade

envolvem ou a singularidade do objeto ou a singularidade do sujeito. Celso Antônio explica esses dois

parâmetros: “a) quando o objeto pretendido é singular, sem equivalente perfeito. Neste caso, por ausên-

cia de outros objetos que atendam à pretensão administrativa, resultará unidade de ofertantes, pois, como

é óbvio, só quem dispõe dele poderá ofertá-lo; b) quando só há um ofertante, embora existam vários

objetos de perfeita equivalência, todos, entretanto, disponíveis por um único sujeito. Esta última hipótese

corresponde ao que, em nossa legislação, se denomina produtor ou fornecedor exclusivo”.535

▶ Dispensa de licitação: ocorre quando, apesar de ser possível a competição, esta se revela in-

conveniente para a Administração, seja em razão do pequeno valor (fixado na lei como sendo de 10% do

limite de valor adotado para a modalidade mais simples de licitação), em razão de situações excepcio-

nais (v.g. casos de guerra, grave perturbação da ordem, emergência ou de calamidade pública), em razão

do objeto (v.g. compra de imóvel específico, compra de hortifrutigrangeiros e outros gêneros perecíveis,

com base no preço do dia), em razão da pessoa (v.g. contratação com instituição brasileira de ensino sem

fins lucrativos e com reputação ético-profissional, contratação de organização social), em razão de desin-

teresse na contratação (casos de licitação frustrada ou deserta, em que não houve interessados na licita-

ção anterior), em razão de disparidade de propostas (os licitantes oferecem preços incompatíveis com as

condições de mercado), em razão de complementação do objeto (quando houver necessidade de com-

plementar obra, serviço ou fornecimento anterior), dentre outras hipóteses. São situações incompatíveis

com a demora do processo licitatório, razão pela qual a própria lei já dispensa a licitação (licitação dis-

pensada - art.17, I, II, §§2º e 4o da Lei 8666/93) ou faculta à Administração dispensá-la (licitação dis-

pensável - art.24 da Lei 8666/93). Comentando o art.24, Marçal Justen Filho sistematiza os casos de

dispensa de licitação basicamente em quatro hipóteses: “a) custo econômico da licitação: quando o custo

econômico da licitação for superior ao benefício dela extraível (incs. I e II); b) custo temporal da licita-

ção: quando a demora na realização da licitação puder acarretar a ineficácia da contratação (incs. III, IV,

XII e XVIII); c) ausência de potencialidade de benefício: quando inexistir potencialidade de benefício

em decorrência da licitação (incs. V, VII, VIII, XI, XIV, XVII, XXIII, XXVI, XXVIII e XXIX); d)

função extraeconômica da contratação: quando a contratação não for norteada pela critério de vantagem

econômica, porque o Estado busca realizar outros fins (incs. VI, IX, X, XIII, XV, XVI, XIX, XX, XXI,

XXIV, XXV e XXVII)”.536

Acrescenta o autor que a hipótese do inc. XXII não se subordina a nenhum

desses casos, assemelhando-se mais à situação de inexigibilidade do que propriamente de dispensa. Da

mesma forma, as hipóteses dos incs. X, XV, XIX, XXII, XXV, XXVI e XXVIII não caracterizam dis-

pensa de licitação, mas inexigibilidade, porquanto se assemelham à situação descrita como ausência de

viabilidade da competição. No âmbito da dispensa, como dito acima, há autores que fazem a distinção

substancial entre licitação dispensável (art.24) e licitação dispensada (at.17). Marçal Justen, porém,

discorda dessa distinção, salientando que o regime jurídico é exatamente o mesmo numa e noutra situa-

ção, de maneira que, “em ambos os casos, o legislador autoriza contratação direta. Essa autorização

legislativa não é vinculante para o administrador. Ou seja, cabe ao administrador escolher entre realizar

ou não a licitação. Essa competência administrativa existe não apenas nos casos do art.24. Aliás, não

fosse assim, o art.17 conteria hipóteses de vedação de licitação. Significa reconhecer que é perfeitamente

possível realizar licitação nas hipóteses do art.17, desde que o administrador repute presentes os requisi-

tos para tanto. (...) Para ser mais preciso, a natureza jurídica da dispensa prevista no art.17 não é distinta

daquela contida no art.24”.537

Por fim, há ainda quem mencione ao menos uma hipótese de licitação

535 MELLO, Curso..., cit. 536 JUSTEN FILHO, Comentários..., cit. 537 Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14. ed. São Paulo: Dialética, 2010, p.300.

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proibida, quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional, nos casos estabele-

cidos em decreto do Presidente da República, ouvido o Conselho de Defesa Nacional (art.24, IX).

O art. 24, V, da Lei 8.666/93 prevê hipótese de dispensa "quando não acudirem interessados à li-

citação anterior e esta, justificadamente, não puder ser repetida sem prejuízo para a Administração,

mantidas, neste caso, todas as condições preestabelecidas". É o que a doutrina chama de licitação deser-

ta, que, porém, não se confunde com a licitação fracassada. Como explica Maria Sylvia Di Pietro, a

licitação fracassada é aquela "em que aparecem interessados, mas nenhum é selecionado, em decorrência

da inabilitação ou da desclassificação. Neste caso, a dispensa de licitação não é possível".538

Ressalte-se que o fato de haver hipóteses excludentes de licitação (dispensa ou inexigibilidade)

não significa que a Administração possa escolher o contratante de modo arbitrário ou despropositado. O

legislador apenas autorizou que a contratação não necessite observar rigidamente as regras previstas para

as modalidades licitatórias típicas, porém cabe à Administração, mesmo nas contratações diretas, seguir

critérios razoáveis e até mesmo, em alguns casos, adotar algum processo seletivo simplificado que seja

adequado ao objeto do contrato.

Não é admissível que a escolha do contratante se faça por critérios subjetivos do administrador,

haja vista o princípio da impessoalidade que deve nortear todas as atividades da Administração. Por isso

a contratação direta pressupõe a adoção de certos procedimentos que propiciam o controle de legalidade

do ato, impedindo que a escolha se faça de modo arbitrário. Dispõe o art.26 da Lei 8.666/93 que, com

exceção das situações de dispensa em razão de pequeno valor, todas os demais casos de dispensa (art.17,

§§2º e 4o

e art.24, III a XXIV), assim como os de inexigibilidade (art.25), deverão ser necessariamente

justificados e comunicados dentro de três dias à autoridade superior, para ratificação e publicação na

imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição para eficácia dos atos. Se, a pretexto de adotar

hipótese de dispensa ou inexigibilidade de licitação, for comprovada a ocorrência de superfaturamento,

responderão solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de servi-

ços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis. Além disso, a adoção

de dispensa ou inexigibilidade fora dos casos taxativamente previstos na lei, assim como a inobservância

das formalidades previstas para tais hipóteses, é tipificada como crime no art.89 da Lei de Licitações.

Como ocorre em todos os atos administrativos, os atos que integram o procedimento licitatório

estão sujeitos ao autocontrole, seja por meio de anulação, seja por meio de revogação (Súmula 473 do

STF). Este controle poderá ser feito de ofício ou provocado por recursos administrativos interpostos

pelos interessados. Além disso, a anulação do certame poderá também ser decretada pelo Poder Judiciá-

rio, ao qual competirá ainda a tutela penal nas situações tipificadas como crimes de licitação (arts. 89 a

98 da Lei 8.666/93). Também existe o controle pelo Poder Legislativo, que poderá ser feito diretamente

pelas próprias casas parlamentares ou indiretamente com o auxílio dos tribunais de contas.

A anulação do certame deverá ser decretada quando ocorrer, no bojo do procedimento, algum

vício de legalidade, por violação a regras ou princípios da licitação. É o acontece, por exemplo, quando

se adota modalidade licitatória inadequada, quando não tenha ocorrido a publicação do edital, quando

um dos licitantes toma conhecimento antecipado da proposta do outro, quando se utiliza o procedimento

de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora dos casos previstos em lei, quando não se observa a

ampla defesa e o contraditório etc.

O ato de anulação é vinculado e em regra gera efeitos retroativos (ex tunc), cabendo à própria

Administração, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fun-

538 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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damentado, assegurado o contraditório e a ampla defesa (art.49,§3º da Lei 8.666/93). Se a Administração

não o fizer, poderá ser acionado o Poder Judiciário. O vício de nulidade é tão grave que contamina até

mesmo o contrato objeto da licitação, ainda que este já tenha sido formalizado (art.49,§2º). De fato, a

declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos

que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos (art.59).

Em princípio, a anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obriga-

ção de indenizar (art.49,§1º). Contudo, se a nulidade for decretada após o término do procedimento e a

firmação do respectivo contrato, cabe à Administração indenizar o contratado pelo que este houver exe-

cutado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto

que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa (art.59, p. único).

Há autores que consideram inconstitucional, por afronta ao art.37, §6º da CF/88, a norma do art.49,§1º

da Lei 8.666/93, quando este afasta a responsabilidade estatal pelos prejuízos causados pela anulação do

procedimento licitatório em curso.539

A revogação do procedimento licitatório está relacionada a critérios de conveniência e oportuni-

dade, por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, perti-

nente e suficiente para justificar tal conduta, demandando sempre parecer escrito e devidamente funda-

mentado (art.49). É de ser observado aí, dentre outros, o princípio da proporcionalidade.

Apesar de envolver discricionariedade da Administração no exame da melhor solução para o in-

teresse público, o ato de revogação é vinculado quanto à finalidade e à motivação. Cuida-se, portanto, de

uma revogação condicionada540

. Logo, o licitante vencedor “pode exigir a indicação dos motivos pela

Administração, e, não os havendo, poderá obter judicialmente a anulação do ato revocatório, com o

restabelecimento de seus direitos na licitação, quer recebendo o objeto que lhe fora adjudicado, quer

obtendo a indenização correspondente”.541

Nos casos passíveis de revogação, apesar de o procedimento licitatório haver transcorrido regu-

larmente, sem qualquer vício de ilegalidade, fato posterior pode levar a Administração a considerar que

interesse público recomenda o cancelamento do certame. É o que ocorre, por exemplo, numa licitação

para a “compra de uma motoniveladora que antes da contratação é doada à Administração Pública lici-

tante. Se o objetivo da licitação foi alcançado, ainda que de outro modo, não há como prosseguir com o

procedimento. Qualquer medida nesse sentido é ilegal, pois afronta o interesse público”.542

Só há revogação propriamente dita quando o procedimento licitatório já tenha chegado ao fim.

Antes disso, caso a Administração opte por não prosseguir com o certame, também por motivo de inte-

resse público, será a hipótese de desistência da licitação.

A doutrina diverge quanto ao cabimento de indenização ao licitante vencedor. Uns não admitem

a indenização, considerando que “o vencedor da licitação tem expectativa na celebração do contrato,

mas não é titular de direito subjetivo, como chegamos a ver. Por essa razão é que, revogada a licitação

por motivos válidos, aferidos por critérios administrativos efetivos, não é devida qualquer indenização

aos licitantes, nem particularmente ao vencedor”.543

Outros admitem a indenização, pois “se a Adminis-

tração exige seriedade dos concorrentes e firmeza em suas propostas, não pode, depois, mesmo socorrida

por razões de interesse público, deixar de atuar com seriedade e honrar com firmeza da convocação que

fez, ignorando os gastos em que incorreu aquele que venceu o certame apresentando oferta satisfatória.

Se a revogação for ilicitamente efetuada e, por qualquer razão, não mais existirem meios de assegurar a

efetivação do contrato, aquele que teria direito a ele fará jus a uma indenização que acoberte, já agora,

não apenas as despesas que efetuou para disputar o certame, mas também o que perdeu e deixou de

539 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 540 Idem. 541 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 542 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 543 CARVALHO FILHO, Manual..., cit.

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ganhar em decorrência do ato ilícito que lhe frustou os proveitos que auferiria com o contrato”.544

Por

outro lado, “somente o vencedor tem direito à indenização, pois os outros foram eliminados em razão da

finalidade da licitação, assumindo, assim, o risco decorrente da natureza competitiva do procedimento. O

valor da indenização é igual ao montante das despesas efetivamente realizadas e comprovadas (projeto,

desenhos, memoriais, digitação, taxas, cópias, viagens, certidões) que o vencedor realizou para participar

da licitação revogada. A indenização, como restou afirmado, cobrirá,tão-só, as despesas havidas com a

licitação ou em razão dela, sem abranger, portanto, as vantagens e lucros como se fora efetuado e execu-

tado o contrato, já que a este o vencedor da licitação não tem direito”.545

Com o objetivo de desburocratizar e agilizar o procedimento de licitação nos casos de contratos

administrativos de pouca complexidade, a Lei 10.520/2002 trata do pregão como nova modalidade

licitatória. Como já dito anteriormente, o pregão tem por objeto a aquisição de bens e serviços comuns,

quais sejam, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo

edital, por meio de especificações usuais no mercado. Inexiste restrição por faixa de valor.

São de grande variedade os bens comuns e os serviços comuns, vindo geralmente enumerados em

decretos executivos (v.g. Decretos 3.555/2000, 3.693/2000, 5.450/2005 e 5.504/2005) , daí porque tem

sido de grande utilização essa nova modalidade licitatória. Tais bens comuns "dividem-se em bens de

consumo (os de freqüente aquisição) e bens permanentes (mobiliário, veículos etc). Os serviços comuns

são de variadíssima natureza, incluindo-se, entre outros, os de apoio administrativo, hospitalares, con-

servação e limpeza, vigilância, transporte, eventos, assinatura de periódicos, serviços gráficos, informá-

tica, hotelaria, atividades auxiliares (motorista, garçom, ascensorista, copeiro, mensageiro, secretaria,

telefonista etc.)"546

.

Alguns doutrinadores destacam a facultatividade do pregão, uma vez que “não é modalidade de

uso obrigatório pelos órgãos públicos. Trata-se, pois, de atuação discricionária , na qual a Administração

terá a faculdade de adotar o pregão (nas hipóteses cabíveis) ou algumas das modalidades previstas no

Estatuto geral".547

Todavia, essa discricionariedade na sua adoção deve ser encarada com algumas reser-

vas, pois o princípio da eficiência determina que a Administração sempre utilize o pregão nas situações

em que ele for adequado. Por isso, em âmbito federal, o emprego do pregão para aquisição de bens e

serviços comuns tornou-se obrigatória (Decreto 5.504/2005). Atualmente a Administração tem se utili-

zado de tecnologia da informação para agilizar ainda mais o procedimento, tornando-o mais transparente

e menos custoso (é o chamado pregão eletrônico). Sempre que possível (preferencialmente) a Adminis-

tração deve valer-se do pregão eletrônico; se isso não for possível, o administrador público terá que

justificar.

Os trabalhos no pregão serão dirigidos por um pregoeiro, designado pela autoridade competente

da unidade administrativa e com as atribuições de receber propostas e lances, analisar a sua aceitação e

classificação, habilitar os concorrentes e adjudicar o objeto da licitação.

Na fase de convocação, haverá a publicação de um aviso e do edital, com antecedência de 8 dias

até a apresentação das propostas. Inicialmente há apenas uma habilitação preliminar, por meio de sim-

ples declaração do licitante de que atende às exigências de habilitação e qualificação, bem como está em

situação regular perante a Fazenda Nacional, o INSS e o FGTS. A lei prevê sanções para o caso de de-

claração falsa (impedimento de contratar com a União e descredenciamento do Sistema de Cadastramen-

544 MELLO, Curso..., cit. 545 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 546 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 547 Idem.

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to Unificado de Fornecedores – SICAF – por até cinco anos, além de multa). Haverá uma sessão pública

para abertura dos envelopes de propostas formais e escritas. O autor da proposta de valor mais baixo e

aqueles com propostas com preços até 10% superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e su-

cessivos.

Somente após a classificação das propostas é que o pregoeiro procede ao exame dos documentos

de habilitação, havendo, portanto, uma inversão do procedimento nesta modalidade. Com isso, apenas

são verificados os documentos do licitante vencedor, o que simplifica muito o procedimento. “Se o

licitante vencedor for inabilitado, o pregoeiro analisará os documentos de habilitação apresentados pelo

licitante que estiver em segundo lugar na ordem de classificação, e assim continuará procedendo até que

encontre um licitante que atenda integralmente às condições de habilitação fixadas no edital”.548

O regulamento geral do pregão foi editado através do Decreto 3.555/2000, sendo que o Decreto

5.450/2005 veio a regulamentar o pregão na forma eletrônica.

Vimos até aqui seis modalidades gerais de licitação (concorrência, tomada de preços, convite,

concurso, leilão e pregão), cujos procedimentos estão descritos nas Leis 8.666/93 e 10.520/2002, com

respectivas regulamentações em decretos e outros instrumentos normativos.

Contudo, nada obsta que leis especiais estabeleçam outros procedimentos ou modalidades, consi-

derando as peculiaridades de cada atividade administrativa. Tal já havia ocorrido, por exemplo, na área

de telecomunicações, quando, ao lado do pregão, o art.55 da Lei 9.472/97 instituiu um mecanismo licita-

tório específico denominado consulta, cuja constitucionalidade veio a ser reconhecida pelo STF.549

Posteriormente o art. 37 da Lei 9.986/2000 estendeu esta modalidade para todas as demais agências

reguladoras.

A licitação na modalidade de consulta tem por objeto o fornecimento de bens e serviços não

compreendidos dentre aqueles em que se deve utilizar a modalidade de pregão (art.58 da Lei 9.472/97).

Não se deve confundir esta consulta (modalidade específica de licitação) com a chamada consulta públi-

ca (modalidade de participação popular prevista no art.31 da Lei 9.784/99).

O art. 15, II, da Lei 8.666/93 estabelece que as compras, sempre que possível, deverão ser pro-

cessadas através de Sistema de Registro de Preços (SRP), precedido de ampla pesquisa de mercado e

publicado trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial. Quando possível, esse

sistema deverá ser informatizado, de modo que os interessados possam indicar as quantidades e valores

dos bens que desejam fornecer à Administração, cujos preços deverão valer por certo período.

Como explica Celso Antônio, o registro de preços “é um procedimento que a Administração po-

de adotar perante compras rotineiras de bens padronizados ou mesmo na obtenção de serviços. Neste

caso, como presume que irá adquirir os bens ou recorrer a estes serviços não uma, mas múltiplas vezes,

abre um certame licitatório em que o vencedor, isto é, o que ofereceu a cotação mais baixa, terá seus

preços ‘registrados’. Quando a promotora do certame necessitar destes bens ou serviços irá obtê-los,

sucessivas vezes se for o caso, pelo preço cotado e registrado”.550

Trata-se, portanto, de um procedimento licitatório feito por antecipação, sob a modalidade de

concorrência ou de pregão, do tipo menor preço, no qual o vencedor do certame terá o seu preço regis-

trado em cadastro, para fins de futura contratação de compra. A Ata de Registro de Preços é um docu-

mento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação. O procedi-

mento está regulamentado pelos Decretos 3.931/2001 e 4.342/2002, devendo ser atendidas as peculiari-

548 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 549 ADI 1668-5/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julg. 20/08/1998, DJ de 16/04/2004. 550 MELLO, Curso..., cit.

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dades regionais, a estipulação prévia do sistema de controle, a atualização dos preços registrados e

a validade do registro não superior a um ano.

Um órgão ou entidade da Administração Pública se encarrega de realizar a licitação para o regis-

tro de preços, bem como o gerenciamento da ata de registro de preços dela decorrente (órgão gerencia-

dor). Serão então registrados os preços para as futuras compras necessárias a um ou mais órgãos ou

entidades administrativas, os quais participam do procedimento, integrando a ata de registro de preços

(órgãos participantes).

O SRP será adotado, preferencialmente, nas seguintes hipóteses: I - quando, pelas características

do bem ou serviço, houver necessidade de contratações freqüentes; II - quando for mais conveniente a

aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços necessários à Admi-

nistração para o desempenho de suas atribuições; III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a

contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; e

IV - quando pela natureza do objeto não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado

pela Administração. Além disso, poderá ser realizado registro de preços para contratação de bens e ser-

viços de informática, obedecida a legislação vigente, desde que devidamente justificada e caracterizada a

vantagem econômica.

A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles

poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às

licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições. Qual-

quer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibili-

dade desse com o preço vigente no mercado.

Ao se tratar dos ajustes de vontade contratuais no âmbito do Direito Administrativo, costuma-se

empregar em sentido amplo a expressão contratos administrativos, tal como prevista na Lei 8.666/93

(arts. 1º e 54). Convém assinalar, porém, que nem todos os contratos firmados pela Administração en-

quadram-se nesta categoria, existindo ainda contratos em que o Poder Público não age exclusivamente

sob a égide do regime jurídico administrativo. Daí ser preliminarmente necessário apontar que os contra-

tos da Administração (gênero) podem ser subdivididos em duas espécies: a) contratos administrativos

(em sentido estrito ou contratos administrativos propriamente ditos); b) contratos privados da Adminis-

tração.

Como explica Maria Sylvia, “a expressão contratos da Administração é utilizada, em sentido

amplo, para abranger todos os contratos celebrados pela Administração Pública, seja sob regime de

direito público, seja sob regime de direito privado. E a expressão contrato administrativo é reservada

para designar tão-somente os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas

ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução dos fins públicos, segundo regime jurídico de

direito público. Costuma-se dizer que, nos contratos de direito privado, a Administração se nivela ao

particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da horizontalidade e que, nos contratos admi-

nistrativos, a Administração age como poder público, com todo o seu poder de império sobre o particu-

lar, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da verticalidade”.551

Não obstante, é de se notar que nenhum contrato celebrado pela Administração Pública estará

exclusivamente sob a égide do Direito Privado, sempre havendo alguma interferência do Direito Público,

em maior ou menor grau, já que “o interesse público existe em todos os comportamentos da Administra-

ção Pública, inclusive nos contratos regidos pelo Direito Privado".552

Portanto, “uns e outros estão pari-

551 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 552 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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ficados pelo menos quanto às condições e formalidades para estipulação e aprovação, disciplinadas pelo

Direito Administrativo”553

.

Alguns doutrinadores distinguem as duas espécies levando em conta o interesse público envolvi-

do. Nos contratos administrativos propriamente ditos, as prestações decorrentes do ajuste estão direta e

imediatamente relacionadas à satisfação de um interesse público específico, de modo que as obrigações

assumidas pelos contratantes são regidas pelo Direito Público. Já nos contratos privados da Administra-

ção, as prestações estão apenas indiretamente voltadas à satisfação do interesse público geral, envolven-

do obrigações regidas pelo Direito Privado.

Como exemplifica Diogo de Figueiredo, “se um Município resolve transferir o uso de um imóvel

dominical a um particular, para que nele instale uma loja, o contrato que vier a celebrar estará submetido

ao Direito Administrativo, pois a renda gerada pela locação do imóvel é uma prestação de interesse

público e, por isso, legalmente definida como uma receita pública extraordinária, teoricamente substitu-

tiva do próprio uso público regular do bem. Neste caso, há um contrato administrativo, submetido a suas

prescrições substantivas e formais, regendo-se subsidiariamente pelo Direito Privado. Distintamente,

noutro e simétrico exemplo, se um Município toma em locação um imóvel privado, para nele instalar

uma repartição pública, o contrato que vier a celebrar com o particular ainda será, subjetivamente, um

contrato da Administração, mas não mais, materialmente, um contrato administrativo, uma vez que

nenhuma das prestações recíprocas estará endereçada a um interesse público específico definido por lei,

pois a entrega do uso do imóvel é uma prestação privada, que incumbe ao locador particular, e o aluguel,

a ser pago pela Administração, será uma renda privada que será por ele auferida. Como contrato da

Administração, ele estará apenas submetido a prescrições formais do Direito Administrativo, regendo-se,

em tudo mais, pelo Direito Privado”.554

Na mesma linha, Maria Sylvia assinala que “quando a Administração celebra contrato cujo obje-

to apenas indiretamente ou acessoriamente diz respeito ao interesse geral (na medida em que tem reper-

cussão orçamentária, quer do lado da despesa, quer do lado da receita), ela se submete ou pode subme-

ter-se ao direito privado”.555

Assim, “por exemplo, para comprar materiais necessários a uma obra ou

serviço público, para colocar no seguro os veículos oficiais, para alugar um imóvel necessário à instala-

ção de repartição pública, enfim, para se equipar dos instrumentos necessários à realização da atividade

principal, esta sim regida pelo direito público. O mesmo ocorre com a utilização de bens do domínio

privado do Estado (bens dominicais) por terceiros; se a utilização se der para fins de utilidade pública

(mercado municipal, por exemplo), o instituto adequado é a concessão de uso, contrato tipicamente

administrativo; se a utilização se der para proveito exclusivo do particular (como residência) e não para

exploração de utilidade pública, o instituto adequado será a locação. Nesses casos, o interesse público é

protegido apenas indiretamente, à medida que, por esse meio, a Administração estará explorando ade-

quadamente o patrimônio, para obtenção de renda”.556

Em suma, enquanto os contratos administrativos estão formal e materialmente ligados ao Direito

Público, os contratos privados firmados pela Administração, apesar de formalmente ligados ao Direito

Público, são materialmente regidos pelo Direito Privado.

O aspecto material que identifica especificamente os contratos administrativos revela-se por

meio das chamadas cláusulas exorbitantes, as quais, como o próprio nome sugere, envolvem parâme-

tros contratuais que exorbitam daqueles comumente empregados no Direito Privado. É justamente a

presença destas cláusulas que faz com que haja uma relação de verticalidade entre a Administração e o

contratante particular. A Lei 8.666/93 tem dispositivos que permitem a inclusão destas cláusulas exorbi-

tantes, como se infere, v.g., no seu art.58, que prevê, dentre outras coisas, a prerrogativa que tem a Ad-

553 MELLO, Curso..., cit. 554 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 555 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 556 Idem.

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ministração de modificar ou rescindir unilateralmente contrato, de fiscalizar a execução e aplicar san-

ções ao contratado, bem como de, nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens e servi-

ços vinculados ao objeto do contrato, para fins de apuração de faltas contratuais ou na hipótese de resci-

são.

Já a obediência ao aspecto formal de Direito Público há de estar presente em todos os contratos

firmados pela Administração, tanto nos contratos de Direito Público, quanto nos contratos de Direito

Privado. Deveras, ao lado dos contratos administrativos propriamente ditos, a Lei 8.666/93 reconhece a

possibilidade de a Administração Pública firmar contratos regidos predominantemente pelo Direito

Privado, apesar de, mesmo nestes casos, recomendar a incidência de algumas normas de Direito Público,

no que couber (art.62, §3º, I). É o caso dos contratos de seguro, financiamento, locação em que o Poder

Público seja locatário, compra e venda, doação, franquia, arrendamento mercantil (leasing), permuta,

direitos autorais etc. Haverá aí um regime jurídico híbrido, isto é, predominantemente privado, mas

derrogado por algumas disposições de ordem pública conforme vier a ser fixado no ajuste. São situações

em que, dado o tipo de objeto contratado, não se justificaria razoavelmente que a Administração agisse

com o alto grau de prerrogativas exorbitantes típicas dos contratos administrativos. E apesar de sempre

haver necessidade de observância do interesse público em todas as contratações nas quais o Estado esteja

presente, o influxo das normas de Direito Público nos contratos privados da Administração é bem menor

dos que nos contratos administrativos propriamente ditos.

A distinção entre os contratos administrativos propriamente ditos e os contratos privados da Ad-

ministração adquire maior importância em países que adotam o sistema dual de jurisdição (modelo fran-

cês), no qual apenas os primeiros sujeitam-se à competência dos tribunais administrativos (a chamada

jurisdição administrativa), enquanto as controvérsias oriundas de contratos privados da Administração

devem ser dirimidas perante o Poder Judiciário. Já nos sistemas de jurisdição única (modelo inglês), tal

como ocorre no Brasil, todos os contratos firmados pela Administração submetem-se ao crivo do Poder

Judiciário, de modo que o aspecto material acima destacado, apesar de útil na identificação do regime

jurídico aplicável, não serve de critério para divisão da competência jurisdicional.

Na esteira dos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, “equilíbrio econômico-

financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas

obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação eco-

nômica que lhe corresponderá”.557

Explica que “enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público

busca a satisfação de uma utilidade coletiva. Calha, pois, à Administração atuar em seus contratos com

absoluta lisura e integral respeito aos interesses econômicos legítimos de seu contratante, pois não lhe

assiste minimizá-los em ordem a colher benefícios econômicos suplementares ao previsto e hauridos em

detrimento da outra parte”.558

Como assinala Lúcia Valle Figueiredo, "a Administração tem o direito de alterar o contrato, des-

de que mantenha o objeto contratual, para bem adequá-lo às necessidades administrativas. É o chamado

ius variandi da Administração. (...) Obstáculo inarredável à alteração é o objeto contratual, que, jamais,

poderá ser modificado. É inalterável. Ora, se possível fosse a alteração do objeto contratual, nenhuma

valia teria a licitação precedente (mesmo sem considerarmos o interesse do contratado, mas, apenas,

atentos aos princípios que regem o procedimento licitatório). Sem dúvida alterações podem ser determi-

557 MELLO, Curso, cit. 558 Idem.

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nadas ao contratado, porém, apenas e tão-somente, no sentido de tornar o objeto mais adequado ao inte-

resse público, mantendo-se, todavia, a inalterabilidade do objeto contratual".559

Na preservação do equilíbrio econômico-financeiro tem-se presente a idéia de que o agente pri-

vado age como colaborador da Administração no desempenho de atividades de interesse público, de

forma que deve ser também protegido o seu interesse.

Várias situações podem vir a desequilibrar um contrato administrativo, tais como a alteração uni-

lateral do contrato imposta pela Administração contratante; medidas tomadas sob titulação diversa da

contratual (fato do príncipe e fato da administração); fatos imprevisíveis produzidos por forças alheias às

pessoas contratantes (superveniência de força maior ou caso fortuito); sujeições ou interferências impre-

vistas (fato anterior, porém desconhecido dos contratantes no momento da contratação, que acaba por

onerar o contrato); inadimplência da Administração contratante (violação contratual).

A alteração unilateral do contrato, o fato do príncipe e o fato da administração estão enquadrados

na chamada álea administrativa. Os demais fatores em que se aplica a teoria da imprevisão enquadram-

se na chamada álea econômica.

Em todas essas hipóteses, a manutenção do contrato administrativo, quando possível, impõe me-

didas para preservar o seu equilíbrio econômico-financeiro, mediante revisão contratual, podendo, ainda,

ocorrer a rescisão contratual por inexecução absoluta, com o eventual pagamento de indenização a de-

pender do caso.

Registre-se que, no caso específico das concessões de serviço público, o art. 9º, §4º, da Lei

8.987/95 estabelece que "em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio

econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração". Maria

Sylvia salienta que as concessões de serviço público "tem a mesma característica da mutabilidade, apli-

cando-se-lhes as teorias do fato do príncipe e da imprevisão. Aliás, foi a propósito da concessão de ser-

viço público que se elaboraram originariamente essas teorias".560

Mas é preciso advertir que o respeito à equação econômico-financeira do contrato, se autoriza al-

terações quantitativas ou qualitativas nas cláusulas referentes ao serviço delegado, não poderá jamais

alterar o próprio objeto do contrato. Assim por exemplo, é possível que numa concessão para serviço de

transporte público a Administração altere o contrato, obrigando a concessionária a colocar mais ônibus

numa determinada linha; mas não será possível alterá-lo para que a concessionária assuma a construção

de uma rodovia, pois isso implicaria modificação do próprio objeto do contrato, burlando princípios da

licitação.

Sendo razoavelmente possível a continuação do contrato, o contratante particular não poderá

suspender de forma sumária a execução dos serviços contratados, haja vista as restrições ao uso da exce-

ção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus), em respeito aos princípios da conti-

nuidade dos serviços públicos e da supremacia do interesse público sobre os interesses privados.

A suspensão da execução do contrato pelo particular, em regra, somente é possível quando hou-

ver atraso superior a 90 dias dos pagamentos devidos pela Administração, salvo em caso de calamidade

pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra (art.78, XV, da Lei 8666/93). No caso específicos

dos contratos de concessão, a paralisação das atividades somente pode ocorrer após haver decisão judici-

al transitada em julgado (art.39, parágrafo único, da Lei 8987/95).

Outro ponto a destacar é a consagrada teoria da imprevisão, que tem estreita relação com a ve-

lha cláusula rebus sic standibus, implícita em todo contrato, conforme a qual “as obrigações contratuais

hão de ser entendidas em correlação com o estado das coisas ao tempo em que se contratou. Em conse-

559 FIGUEIREDO, "A equação econômico-financeira do contrato de concessão. Aspectos pontuais". 560 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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qüência, a mudança acentuada dos pressupostos de fato em que se embasaram implica alterações que o

Direito não pode desconhecer. É que as vontades se ligaram em vista de certa situação, e na expectativa

de determinados efeitos, e não em vista de situação e efeitos totalmente diversos, surdidos à margem do

comportamento dos contraentes”.561

Hely Lopes Meirelles analisa as hipóteses em que se aplica a teoria da imprevisão:

Força maior “é o evento humano que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o

contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato. Assim uma greve que parali-

se os transportes ou a fabricação de um produto de que dependa a execução do contrato é força maior,

mas poderá deixar de sê-lo se não afetar totalmente o cumprimento do ajuste, ou se o contratado contar

com outros meios para contornar a incidência de seus efeitos no contrato”.562

Caso fortuito “é o evento da natureza que, por sua imprevisibilidade e inevitabilidade, cria para o

contratado impossibilidade intransponível de regular execução do contrato. Caso fortuito é, p. ex., um

tufão destruidor em regiões não sujeitas a esse fenômeno; ou uma inundação imprevisível que cubra o

local da obra; ou outro qualquer fato, com as mesmas características de imprevisibilidade e inevitabili-

dade, que venha a impossibilitar totalmente a execução do contrato ou retardar seu andamento, sem

culpa de qualquer das partes”.563

Fato do príncipe “é toda determinação estatal, positiva ou negativa, geral, imprevista e imprevi-

sível, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo. Essa oneração, constituindo

uma álea administrativa extraordinária e extracontratual, desde que intolerável e impeditiva da execu-

ção do ajuste, obriga o Poder Público contratante a compensar integralmente os prejuízos suportados

pela outra parte, a fim de possibilitar o prosseguimento da execução, e, se esta for impossível, rende

ensejo à rescisão do contrato, com as indenizações cabíveis (...) O fato do príncipe, caracterizado por um

ato geral do Poder Público, tal como a proibição de importar determinado produto, só reflexamente

desequilibra a economia do contrato ou impede sua plena execução. Por isso não se confunde com o fato

da Administração, que incide direta e especificamente sobre o contrato”.564

Fato da Administração “é toda ação ou omissão do Poder Público que, incidindo direta e especi-

ficamente sobre o contrato, retarda ou impede sua execução. O fato da Administração equipara-se à

força maior e produz os mesmos efeitos excludentes da responsabilidade do particular pela inexecução

do ajuste. É o que ocorre, p. ex., quando a Administração deixa de entregar o local da obra ou serviço,

ou não providencia as desapropriações necessárias, ou atrasa os pagamentos por longo tempo, ou pratica

qualquer ato impeditivo dos trabalhos a cargo da outra parte”.565

Interferências imprevistas “são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração

do contrato mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e one-

rando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos. As interferências imprevistas

não se confundem com outras eventuais superveniências (caso fortuito, força maior, fato do príncipe,

fato da Administração), porque estas sobrevêm ao contrato, ao passo que aquelas o antecedem, mas se

mantém desconhecidas até serem reveladas através de obras e serviços em andamento, dada sua omissão

nas sondagens ou sua imprevisibilidade para o local, em circunstâncias comuns de trabalho. Além disso,

as interferências imprevistas não são impeditivas da execução do contrato, mas sim criadoras de maiores

dificuldades e onerosidades para a conclusão dos trabalhos, o que enseja a adequação dos preços e dos

prazos à nova realidade encontrada in loco, como, p. ex., numa obra pública, o encontro de um terreno

561 Idem. 562 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 563 Idem. 564 Ib idem. 565 Ib idem.

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rochoso, e não arenoso como indicado pela Administração, ou mesmo a passagem subterrânea de canali-

zação ou dutos não revelados no projeto em execução”.566

Observa-se que a incidência da teoria da imprevisão demanda um mínimo grau de imprevisibili-

dade, não podendo ser aplicada indiscriminadamente em qualquer situação de desequilíbrio. A jurispru-

dência, por exemplo, tem considerado que a simples conversão de cruzeiros reais em unidades reais de

valor no território nacional não atraiu a aplicação da teoria da imprevisão. Vejamos o teor do seguinte

trecho de julgado do STJ:

"(....) 2. Esta Corte já se pronunciou que a instituição da Unidade Real de Valor – URV, se con-

substanciou, em si mesma, cláusula de preservação da moeda. Sendo assim, in casu, não se aplica a

teoria da imprevisão, uma vez que este Tribunal entende não estarem presentes quaisquer de seus pres-

supostos. 3. É requisito para a aplicação da teoria da imprevisão, com o restabelecimento do equilíbrio

econômico-financeiro do contrato, que o fato seja imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às

suas consequências; estranho à vontade das partes; inevitável e causa de desequilíbrio muito grande no

contrato. E conforme entendimento desta Corte, a conversão de Cruzeiros Reais em URVs, determinada

em todo o território nacional, já pressupunha a atualização monetária (art. 4º da Lei n. 8.880/94), ausen-

te, portanto, a gravidade do desequilíbrio causado no contrato".567

Dentre os fatores que podem interferir no equilíbrio econômico-financeiro do contrato adminis-

trativo destacam-se as flutuações econômicas, sobretudo em uma economia de mercado globalizada

como é a brasileira. Adquire importância aí a adoção de cláusulas de reajustes de preços, com base em

índices oficiais. De fato, a variação dos preços inerentes ao serviço ou obra contratada deixou de ter

caráter de imprevisibilidade, segundo a cláusula rebus sic standibus, passando a refletir padrões de nor-

malidade consubstanciados nas habituais flutuações do mercado, risco presente em qualquer tipo de

negócio (álea ordinária ou empresarial), de modo a haver expressa previsão nos contratos.

Consoante explica Celso Antônio, “pela cláusula de reajuste, o contratante particular e o Poder

Público adotam no próprio contrato o pressuposto rebus sic standibus quanto aos valores então demar-

cados, posto que estipulam a revisão dos preços em função das alterações subseqüentes. É dizer: preten-

dem acautelar os riscos derivados das altas que, nos tempos atuais, assumem caráter de normalidade.

Portanto, fica explícito no ajuste o propósito de garantir com previdência a equação econômico-

financeira, na medida em que se renega a imutabilidade de um valor fixo e se acolhe, como um dado

interno à própria avença, a atualização do preço. Tal proceder, longe de insueto, tornou-se habitual,

sendo de uso corrente e moente nos chamados contratos administrativos inclusive no Exterior, conforme

já averbamos. Parece claro a todas as luzes que nestes casos a intenção traduzida no ajuste é a de buscar

equivalência real entre as prestações e o preço. Em suma: o acordo de vontades, no que atina à equação

econômico-financeira, em interpretação razoável, só pode ser entendido como o de garantir o equilíbrio

correspondente ao momento do acordo, de sorte a assegurar a sua persistência, prevenindo-se destarte o

risco de que contingências econômicas alheias à ação dos contratantes escamoteiem o significado real

das prestações recíprocas”.568

Para assegurar o efetivo equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, convém

que sejam utilizados índices oficiais que bem retratem a realidade das flutuações da moeda, sem qual-

quer manipulação por parte da Administração Pública. Pertinentes mais uma vez as lições do mestre

Celso Antônio:

“Nos contratos administrativos com cláusula de reajuste este se reporta a índices oficiais que de-

verão reproduzir a real modificação deles. À Administração não é dado manipulá-los, ou por qualquer

566 Ib idem. 567 STJ, REsp. 1129738/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. 05/10/2010. 568 MELLO, Curso..., cit.

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modo viciá-los em detrimento do contratante. Até porque, se atuar deste modo, estará se desencontrando

com sua real finalidade e perseguindo interesses secundários assintônicos com os interesses públicos

primários (...) Exatamente pelas razões aduzidas, se e quando os índices oficiais a que se reporta o con-

trato deixam de retratar a realidade buscada pelas partes quando fizeram remissão a eles, deve-se procu-

rar o que foi efetivamente pretendido, e não simplesmente o meio que deveria levar – e não levou – ao

almejado pelos contraentes. Não padece dúvida de que os índices são um meio e não um fim. A eleição

de meio revelado inexato não pode ser causa elisiva do fim, mas apenas de superação do meio inadequa-

do. Para que as partes cumpram devidamente o ajuste em toda sua lisura, boa-fé e lealdade, como de

direito, cumpre que atendam ao efetivamente pretendido, respeitando a real intenção das vontades que se

compuseram”.569

Importante destacar que as cláusulas de revisão de preços previstas nos contratos apenas servem

para garantir o equilíbrio no tocante às flutuações monetárias do mercado, sem prejuízo das demais

garantias de preservação da equação econômico-financeira dos contratos fundadas na teoria da imprevi-

são, conforme vem entendendo a jurisprudência.

Nesse particular, Cretella Júnior aponta como nulas eventuais disposições contratuais que impli-

quem renúncia às garantias baseadas da teoria da imprevisão pelo simples fato de haver cláusulas de

revisão de preços:

“Os mais recentes trabalhos públicos ou de fornecimento contêm mesmo uma cláusula formal pe-

la qual o co-contratante renuncia a pedir qualquer outro tipo de indenização, notadamente a imprevisão,

a não ser as que resultem das cláusulas de revisão dos preços. Entretanto, já que o inesperado sempre

acontece, precisamente porque a indenização da imprevisão supõe a superveniência de acontecimentos

ou de situações que, por hipóteses, as partes não poderiam Ter previsto no instante da conclusão do

contrato, decidiu a jurisprudência que tais cláusulas, inseridas nos contratos, eram sem valor no caso em

que qualquer outra circunstância, realmente inesperada, sobreviesse nesse ínterim. Com efeito, nenhuma

cláusula poderia impedir a outorga de uma indenização de imprevisão, num caso, por exemplo, de em-

preitada, ao empreiteiro, se um fato novo, totalmente inesperado, inimaginável na data da celebração do

contrato e transtornando as previsões da parte. A inclusão de uma cláusula de revisão de preços num

contrato não impede, em princípio, a outorga de uma indenização de imprevisão, porque há circunstân-

cias que não são cobertas por esta cláusula”.570

Dispondo basicamente sobre normas gerais de licitações e contratos, a Lei 8.666/93 cuida ainda de indicar algumas modalidades de contratos administrativos em seu art.2º, tais como os contratos de obras, de serviços (inclusive de publicidade), de compra, de alienação, de concessão, de permissão e de locação.

Naturalmente, “a legislação federal tampouco esgota a categorização de contratos administrati-

vos, e não impede que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definam, por seu turno, interesses

públicos específicos outros, e os disciplinem individualmente como novas espécies de contratos admi-

nistrativos, bem como acrescentem suas respectivas normas específicas para as modalidades definidas

em nível nacional. O que não é possível é reduzir o elenco dos contratos administrativos definidos pelas

normas gerais existentes”.571

Assim, a doutrina aponta ainda outras espécies de contratos administrati-

vos, a saber: de fornecimento, de empréstimo público, de trabalhos artísticos, de gerenciamento etc. Ao

lado desses, há ainda os contratos de concessão de serviço público, concessão de obra pública e a con-

cessão de uso de bem público, bem como outras modalidades contratuais específicas.

569 Idem. 570 CRETELLA JÚNIOR, José. Dos Contratos Administrativos, São Paulo: Forense. 571 MOREIRA NETO, Curso..., cit.

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Vejamos então as características das principais espécies de contratos apontados:

▶ Contrato de obra pública: Nos termos do art.6o, I, da Lei 8.666/93, obra é “toda construção,

reforma, fabricação, recuperação ou ampliação, realizada por execução direta ou indireta”. E consoante

explica Diógenes Gasparini, “construção é a conjugação de materiais e atividades empregados na execu-

ção de um projeto de engenharia. Reforma é a obra de melhoramento da construção, sem ampliar sua

área. Ampliação é a obra que tem por objeto aumentar a área da construção. De outro lado, a obra públi-

ca pode destinar-se ao serviço público (edifícios públicos) ou à população (ruas, calçamento, praças,

pontes, canalizações, metrô, ferrovias, portos, aeroportos, represas, usinas etc.). Esses contratos só po-

dem ser realizados com profissional ou empresa de engenharia, registrados no Conselho Regional de

Engenharia e Arquitetura – CREA”.572

Direta é a execução feita pelos órgãos e entidades da Administra-

ção, por seus próprios meios. É também chamada de execução por administração, na qual “os trabalhos

são executados diretamente pelos agentes da Administração ou, sob sua direção, por operários ajustados

por dia. A autoridade administrativa interessada tem, então de celebrar contratos de fornecimentos para

assegurar os materiais necessários, a fornecer os recursos para a providência dos trabalhos, a recrutar a

mão de obra, se for o caso, mediante locações de serviço”.573

Já na execução indireta, o órgão ou entida-

de contrata com terceiros, sob um dos seguintes regimes previstos no inciso VIII do art.6o da Lei

8666/93: a) Empreitada por preço global – quando se contrata a execução da obra ou do serviço por

preço certo e total; b) Empreitada por preço unitário – quando se contrata a execução da obra ou do

serviço por preço certo de unidades determinadas; c) Tarefa – quando se ajusta mão de obra para peque-

nos trabalhos por preço certo com ou sem fornecimento de materiais; d) Empreitada integral – quando

se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, servi-

ços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega em operação,

atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e ope-

racional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada. Quando a empreitada

envolve apenas a prestação de serviço, ou seja, a mão de obra necessária à execução da obra, é chamada

de empreitada de lavor, na qual o material é fornecido pela Administração contratante. Existe, ainda, a

modalidade de administração contratada, em que a Administração fornece todo o material e mão de

obra, contratando apenas a gestão da execução da obra pública. Ao lado de todas essas modalidades de

empreitada e tarefa, a execução indireta pode se dar também mediante concessão de obra pública, a ser

estudada em tópico adiante.

▶ Contrato de serviço: Definindo serviço como toda atividade destinada a obter determinada

utilidade de interesse para a Administração, o art.6o, II, da Lei 8.666/93 apresenta um rol exemplificativo

de serviços: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação,

manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnicos profissionais. Se-

gundo Hely Lopes, “o que distingue, pois, o serviço da obra é a predominância da atividade sobre o

material empregado. A atividade operativa é que define e diversifica o serviço, abrangendo desde o

trabalho braçal do operário até o labor intelectual do artista ou a técnica do profissional mais especiali-

zado”.574

Toda atividade contratada pela Administração que não esteja inserida no conceito de obra

pública será um serviço público. Os serviços poderão ser de quatro espécies: a) serviços comuns – quan-

do não exijam habilitação legal específica do prestador; b) serviços técnicos profissionais generalizados

– quando apenas exigem habilitação legal específica do prestador, sem maiores conhecimentos teóricos

ou práticos, que não os normalmente exigidos da sua categoria profissional; c) serviços técnicos profis-

sionais especializados – quando, além da habilitação legal específica do prestador, exige-se especiais

conhecimentos teóricos ou práticos, que distingue determinados profissionais pelo seu nível de excelên-

cia e, em alguns casos, a sua notória especialização. d) Serviços artísticos – quando busquem à realiza-

572 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 573 CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos..., cit. 574 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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ção de serviços de belas artes, como, por exemplo, pintura, escultura, música etc. O contrato de serviço,

ora estudado, não se confunde com o contrato de concessão de serviço público, conforme também será

visto em tópico específico.

▶ Contrato de fornecimento: Nos termos do art.9º da Lei 8.666/93, o contrato de fornecimento

envolve a entrega de bens necessários à execução de obra ou serviço da Administração, também lhe

sendo aplicadas as normas referentes às compras em geral. Por meio deste contrato, “a Administração

adquire coisas móveis (materiais, produtos industrializados, gêneros alimentícios etc.) necessárias à

realização de suas obras ou à manutenção de seus serviços”.575

Assemelha-se ao contrato de compra e

venda regido pelo Direito Privado. Cretella Júnior aponta os seguintes elementos do contrato de forne-

cimento: “1o) é um contrato administrativo, ou, o que é o mesmo, realizado pela Administração, con-

forme a norma jurídica que ela dita para cada caso com o fim de atender ao funcionamento de um servi-

ço público e de acordo com um regime de Direito Público; 2o) consiste numa prestação de coisas, pro-

dutos ou serviços, sempre e quando as coisas e produtos tenham de aplicar-se de maneira direta a um

serviço público regido diretamente pela Administração, ou quando se trate de um serviço público, em si

mesmo. Esta característica distingue o contrato de fornecimento de obras públicas, do de concessão de

serviço público e do de prestações pessoais; 3o) realizar-se por conta e risco do fornecedor; 4

o) o forne-

cimento é pago em dinheiro, o que faz com que se assemelhe, em algumas de suas hipóteses, ao contrato

de compra e venda, embora não lhe convenha tal qualificação, por motivo de conteúdo de Direito Públi-

co”.576

O fornecimento pode ser de três espécies: a) fornecimento integral, em que a coisa é entregue

pelo fornecedor de uma só vez, geralmente com pagamento à vista. Nesse caso, o contrato se assemelha

a uma simples compra e venda, a não ser pela necessidade de licitação e observância das regras dos

arts.15 e 16 da Lei 8.666/93, dentre as quais está o princípio da padronização (compatibilidade de espe-

cificações técnicas e de desempenho); b) fornecimento parcelado, em que a entrega da coisa se faz por

partes até atingir a quantidade total contratada. Por exemplo: compra de cinco lotes de computadores; c)

fornecimento contínuo, em que a entrega da coisa se faz de modo continuado, sucessivo e freqüente,

enquanto durar o contrato. Envolvem bens de uso habitual pela Administração, como, por exemplo,

papéis, cartuchos de impressora, etc.

▶ Contrato de alienação: Alienação “é toda transferência de propriedade, remunerada ou gra-

tuita, sob a forma de venda, permuta, doação, dação em pagamento, investidura, legitimação de posse

ou concessão de domínio. Qualquer dessas formas de alienação pode ser utilizada pela Administração,

desde que satisfaça as exigências administrativas para o contrato alienador e atenda aos requisitos do

instituto específico”.577

Segundo dispõe a Lei 8.666/93, a alienação de bens da Administração Pública,

subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será em regra precedida de avali-

ação e obedecerá às normas previstas no seu art.17. A alienação de bens imóveis dependerá de autoriza-

ção legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais e, para todos,

inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de con-

corrência (salvo os casos de dispensa de licitação enumerados no art.17, I, letras a a g). Se o bem for

móvel, não há necessidade de autorização legislativa, razão pela qual a sua alienação dependerá apenas

de avaliação prévia e de licitação (salvo os casos de dispensa de licitação enumerados no art.17, II, letras

a a f).

▶ Contrato de gerenciamento: Trata-se de uma modalidade específica do contrato de serviço

já estudado. No gerenciamento, a Administração “comete ao gerenciador a condução de um empreendi-

mento, reservando para si a competência decisória final e responsabilizando-se pelos encargos financei-

ros da execução das obras e serviços projetados, com os respectivos equipamentos para sua implantação

575 Idem. 576 CRETELLA JÚNIOR, Dos Contratos Administrativos, cit. 577 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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e operação”.578

Envolve atividades de caráter eminentemente técnico, tais como programação, supervi-

são, consultoria, controle e fiscalização. Busca, sobretudo, racionalizar recursos. A modalidade de ge-

renciamento mais utilizada é a referente a serviços de engenharia, arquitetura e agronomia, tal como

disposto na Lei 5.194/66. Além disso, destaca-se o gerenciamento privado de entes públicos, no qual a

Administração Pública contratante transfere a entes privados determinadas atividades de gestão de seus

recursos, tal como ocorre com hospitais, postos de saúde, penitenciárias, escolas etc.

▶ Contrato de empréstimo público: Para desempenhar suas atividades, a Administração ne-

cessita de recursos, os quais, em regra, são oriundos das receitas públicas, a maioria delas provenientes

da cobrança de tributos. Todavia, não raro o Poder Público precisa executar certos gastos emergenciais

sem que haja disponibilidade orçamentária para tanto com base nas receitas ordinárias, razão pela qual

recorre a empréstimos de particulares. Diógenes Gasparini ensina que "os empréstimos podem ser alcan-

çados no mercado interno ou no externo. São empréstimos internos os conseguidos e cumpridos no

mercado interno, e externos os conseguidos e cumpridos no mercado internacional. Também podem ser

federais, estaduais ou municipais, conforme seja seu tomador a União, o Estado-Membro ou o Municí-

pio. A celebração desse ajuste exige prévia autorização legislativa, consoante se infere do estabelecido

no art.48, II, da CF. Ademais, deve observar as normas de endividamento e outras indicadas pelo Banco

Central do Brasil e as editadas pelo Senado Federal. O contrato de empréstimo público não se confunde

com o contrato de fornecimento, dado que neste não há obrigação de devolver coisa da mesma espécie e

qualidade (dinheiro), mas pagamento, enquanto naquele há devolução de dinheiro. O Contrato de Aber-

tura de Crédito por Antecipação de Receita Orçamentária – ARO é exemplo de contrato de empréstimo

público”.579

Como espécie de contrato administrativo (regime de Direito Público), o empréstimo público

se distingue do contrato de financiamento eventualmente firmado pela Administração sob regime pre-

dominantemente privado e que será tratado em tópico posterior.

▶ Contrato de concessão: Esta modalidade tem estreita relação com a delegação, a particula-

res, da execução de obras e serviços e públicos, como forma de aliviar o Estado do desempenho direto

de atividades que possam ser melhor executadas pelo setor privado. O regime de concessões predominou

na fase do liberalismo clássico. Com o advento do Estado Social e o desenvolvimento do modelo buro-

crático (fase do estatismo), as concessões tiveram a sua importância reduzida, passando o Estado a inter-

vir diretamente, por meio de seus entes, em diversos setores que antes eram delegados. Posteriormente,

com a reforma do Estado e a gradativa implantação de um modelo gerencial de administração pública

(fase da democracia), as concessões voltaram a ter destaque no cenário administrativo, desenvolvendo-

se, em contrapartida, um regime sistematizado de regulamentação (intervenção estatal indireta, por meio

de agências reguladoras), como já foi abordado anteriormente. Maria Sylvia define a concessão como “o

contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de servi-

ço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore por sua conta e

risco, pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais”.580

Verifica-se, portanto, que o contrato

de concessão comporta três objetos distintos:

• Concessão de serviço público – O fundamento constitucional está no art.175 da CF/88, segun-

do o qual “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou per-

missão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. A lei a que alude a norma consti-

tucional é da competência privativa da União no tocante às normas gerais que estabelece (CF/88, art.22,

XXVII), ou seja, tem caráter de lei nacional. Para tanto foi editada a Lei 8.987/95, que dispõe o regime

de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, bem como a Lei 9.074/95, que estabelece

normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos. Conforme dispõe

o art.2º desta última legislação, a outorga de concessões e permissões de serviços públicos pela União,

578 Idem. 579 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 580 Ob. cit., p.266.

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Estados, Distrito Federal e Municípios dependerá de lei autorizativa, salvo nos casos de saneamento

básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas

Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios. No caso da União, a própria Lei 9.074/95, em seu

art.1º, enumera os serviços e obras públicas de sua competência passíveis de delegação por concessão ou

permissão, quais sejam: vias federais, precedidas ou não da execução de obra pública; exploração de

obras ou serviços federais de barragens, contenções, eclusas, diques e irrigações, precedidas ou não da

execução de obras públicas; estações aduaneiras e outros terminais alfandegados de uso público, não

instalados em área de porto ou aeroporto, precedidas ou não de obras públicas; os serviços postais.

Além desses, existem as autorizações em leis especiais, a exemplo da Lei 9.427/96 (concessão de servi-

ço público de energia elétrica). Outros aspectos legais referentes aos contratos de concessão de serviço

público já foram abordados no capítulo que tratou da regulação, concessões e parcerias.

• Concessão de obra pública – Pode se dar como acessório em um contrato de concessão de ser-

viço público ou como um contrato autônomo. Na lição de Maria Sylvia, “o que a Administração Pública

tem em vista é a prestação do serviço público, mas, como este depende da realização de uma obra públi-

ca, esta é previamente transferida ao mesmo concessionário. Hoje, já se reconhece a existência desse

contrato, como modalidade autônoma em relação ao de concessão de serviço público; ele tem por objeto

a execução de uma obra, sendo secundária a prestação ou não de um serviço público. O que é essencial

para que se caracteriza a concessão de obra pública é que a remuneração do concessionário não seja feita

pelo poder concedente, pois, se assim fosse, ter-se-ia simples contrato de empreitada. Essa remuneração

pode ser assegurada por diferentes formas: ou por meio de contribuição de melhoria instituída pelo poder

concedente para remunerar o concessionário; ou pela delegação da execução de um serviço público, o

que significa que o contrato terá dois objetos sucessivos: o primeiro a execução da obra, depois a presta-

ção do serviço; ou pela simples exploração comercial das utilidades que a obra permite (...) Suponha-se a

hipótese em que o concessionário construa um estacionamento público e seja autorizado, posteriormente,

a explorar comercialmente esse estacionamento a título de remuneração pela construção da obra. Ou que

construa uma ponte e depois explore comercialmente o tráfego pela ponte. Não há prestação de um

serviço público, mas a simples exploração comercial decorrente do uso de bem público pelos adminis-

trados. É o que ocorre também nas concessões de rodovias”.581

• Concessão de uso de bem público – destina-se a outorgar ao particular a utilização privativa de

um bem público. Conforme será abordado em capítulo que tratará do domínio público, a utilização de

bens públicos por particulares pode se dar por uso comum (todos usam indistintamente) ou por uso pri-

vativo ou especial (exclusivo para determinadas pessoas ou grupos). Para que possa ser objeto de uso

privativo, o bem público deve antes ser desafetado do seu fim de uso comum. Assim, o contrato de

concessão de uso é um dos mecanismos de outorga estatal que asseguram a utilização privativa do bem

público, ao lado de atos administrativos tais como a autorização, licença, permissão, locação, aforamento

etc. Sendo um contrato administrativo, a concessão de uso de bem público confere ao contratante priva-

do algumas garantias que ele não teria se o uso lhe fosse conferido por simples ato administrativo de

caráter precário. A doutrina distingue a concessão de uso da concessão de direito real de uso (Decreto-

Lei 271/67), pois enquanto aquela “confere ao concessionário um direito pessoal intransferível a tercei-

ros”, esta “confere ao concessionário um direito real, transferível a terceiros por ato inter vivos ou por

sucessão legítima ou testamentária”.582

• Parceria Público-Privada (concessão especial) – É modalidade específica de concessão, pre-

vista na Lei 11.079/2004 e já abordada no capítulo referente à regulação, concessões e parcerias.

▶ Contrato de permissão: Tradicionalmente todas as permissões (de serviços públicos e de uso

de bem público) eram consideradas atos unilaterais da Administração, de natureza precária, ou seja, que

581 DI PIETRO, Parcerias..., cit. 582 BASTOS, Curso..., cit.

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não forneciam ao permissionário maiores garantias no tocante a sua situação jurídica. Com o advento da

CF/88, porém, as permissões de serviços públicos foram tratadas como contratos administrativos, sujei-

tos, inclusive, à regra de licitação (art.175). A Lei 8.987/95, por sua vez, estabeleceu que “a permissão

de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das

demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade

unilateral do contrato pelo poder concedente”. Não obstante, alguns doutrinadores ainda contestam o seu

caráter contratual, apontando a imprecisão técnica de redação do art. 175 da CF/88.583

O que se observa,

contudo, é que o tratamento clássico atribuído pela doutrina à permissão (na modalidade de serviços

públicos) não mais se coaduna com o texto constitucional vigente, não se podendo reputar unilateral algo

que a Lei Maior submeteu ao regime de contratos e licitações. A permissão, portanto, é ato bilateral,

ainda que substancialmente um contrato de adesão, precário e revogável unilateralmente. Ou seja, é

contrato, ainda que precário se comparado com as garantias asseguradas pela concessão. Mas essa preca-

riedade é menor do que a decorrente de atos administrativos discricionários. Na esfera dos serviços

públicos, as características de ato unilateral e precário, tradicionalmente atribuídas às permissões, atual-

mente reservam-se melhor às autorizações, que são em regra discricionárias (salvo algumas autorizações

vinculadas previstas em leis especiais). Já no tocante às permissões de uso de bem público, inexiste

controvérsia de que são atos unilaterais e precários, e não contratos, conforme será estudado no capítulo

do domínio público.

A extinção dos contratos administrativos pode decorrer daquilo que, desde o início, era esperado

que acontecesse (extinção normal), ou advir de modo inesperado em razão de fato ou ato que lhe ponha

fim prematuramente (extinção anômala).

→ A extinção normal do contrato:

Estipula-se o contrato para ser naturalmente cumprido, pela conclusão dos trabalhos e a entrega

do objeto ao contratante, ou pelo decurso do prazo determinado para a sua vigência. Como enuncia

Diógenes Gasparini, “concluído o objeto pelo contratado e recebido pela Administração Pública, extin-

gue-se o contrato, independentemente de qualquer formalidade. Com efeito, se o contrato foi celebrado

em função do desejado pela Administração e esse desejo foi plenamente satisfeito, não há razão para a

continuidade do contrato”.584

Para surtir os seus efeitos jurídicos, o cumprimento do contrato pressupõe o recebimento do seu

objeto pela Administração, nos termos dos arts. 73 a 76 da Lei 8.666/93. Esse recebimento pode se dar

provisória ou definitivamente, sendo que as regras variam conforme o objeto. No caso de obras e servi-

ços, o recebimento provisório é aquele em que o responsável pelo acompanhamento e fiscalização do

contrato elabora termo circunstanciado a ser assinado pelas partes em até 15 (quinze) dias da comunica-

ção escrita do contratado. Já o recebimento definitivo dá-se por servidor ou comissão designada pela

autoridade competente, também mediante termo circunstanciado assinado pelas partes, após o decurso

do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais. Em se

tratando de compras ou locação de equipamentos, o recebimento provisório ocorre apenas para efeito de

posterior verificação da conformidade do material com a especificação. O recebimento definitivo, por

sua vez, dá-se após a efetiva verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

Se os equipamentos forem de grande vulto, tais recebimentos dependem de termo circunstanciado; nos

demais casos, bastará a elaboração de um recibo.

A Administração rejeitará, no todo ou em parte, obra, serviço ou fornecimento executado em de-

sacordo com o contrato. E se no momento da entrega forem detectados vícios, defeitos ou incorreções, o

583 MELLO, Curso..., cit. 584 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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contratado será obrigado a reparar, corrigir, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em

parte, o objeto do contrato. Ressalte-se que o recebimento provisório ou definitivo não exclui a respon-

sabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço, nem ético-profissional pela perfeita exe-

cução do contrato, dentro dos limites estabelecidos pela lei e pelo contrato.

Nos contratos cujo objeto é cumprido de forma continuada no tempo, a extinção dá-se pelo natu-

ral decurso do seu prazo de vigência, já que o art.57, §3º, da Lei 8.666/93 veda o contrato com prazo de

vigência indeterminado. A princípio, os contratos devem ter prazo de duração dentro do período de

vigência do respectivo crédito orçamentário. Mas a Lei 8.666/93 prevê várias hipóteses em que os con-

tratos poderão se estender além desse prazo (art.57). Além disso, existem leis especiais que dispõe sobre

contratos administrativos de longo prazo, como é o caso das legislações que tratam das concessões e

permissões públicas (Lei 8.987/95) e das parcerias público-privadas (Lei 11.079/2004).

→ A extinção anômala do contrato:

A Lei 8.666/93 trata das hipóteses de inexecução total ou parcial do contrato administrativo, e-

numeradas no seu art.78. São casos nos quais o contrato não chega ao seu fim natural, por não ter sido

feita a devida entrega do objeto ou em outras situações em que o contrato teve de cessar antes do decurso

do seu prazo de vigência. A Lei emprega genericamente a expressão rescisão contratual, que pode se

dar independentemente de ordem judicial (por ato unilateral da própria Administração ou por consenso

dos contratantes) ou por necessária ordem judicial (no caso de a rescisão dar-se por iniciativa do contra-

tante particular).

Vejamos, então, as principais hipóteses de extinção anômala:

▶ Rescisão unilateral pela Administração: Pode decorrer de vício de legalidade, inadimple-

mento pelo contratante particular ou razões de interesse público, nos casos enumerados nos incisos I a

XII e XVII do art.78 da Lei 8.666/93, em que cabe à Administração Pública impor o final do contrato,

sem necessidade de prévia ordem judicial (cuida-se, portanto, de medida auto-executável). Se o contrato

contém vício de legalidade em algum dos seus elementos constitutivos, impõe-se que seja declarada a

sua nulidade com efeitos retroativos (ex tunc), resguardando-se, se for o caso, os direitos do contratante

que agiu de boa-fé ou não tenha concorrido para o vício. Também deve ser rescindido unilateralmente

pela Administração se houver descumprimento das obrigações assumidas pelo contratante particular. Se

este tiver agido com dolo ou culpa, em regra não lhe cabe qualquer indenização e, além disso, poderá ser

responsabilizado administrativa, civil e penalmente. Se não houver culpa do contratado (caso fortuito,

força maior etc.) ou ainda se, apesar de o contrato estar sendo regularmente cumprido, razões de interes-

se público justificarem o seu término antecipado, é justo que o particular seja indenizado pelos prejuízos

sofridos até o momento da rescisão, com a devolução de garantia, os pagamentos devidos pela a execu-

ção do contrato até a data da rescisão e o custo de desmobilização (art.79, § 2o , da Lei 8.666/93). Firme-

se, portanto, que somente haverá ressarcimento de prejuízos nas situações enumeradas nos incisos XII a

XVII do art. 78, que são aquelas em que não houve qualquer descumprimento por parte do contratado.

No caso de inadimplemento (inciso I do art. 78), o art. 80 estabelece procedimento específico de resci-

são, não prevendo o ressarcimento de prejuízos, ainda que não tenha havido culpa do contratado.

▶ Rescisão amigável ou judicial: Dá-se por inadimplemento pela Administração ou motivo de grave desequilíbrio extraordinário, nos casos enumerados nos incisos XII a XVII do art.78 da Lei 8.666/93. Se o particular contratado não tiver culpa na inexecução do contrato, poderá pleitear a sua rescisão perante a própria Administração (de forma consensual) ou, em caso de litígio com esta, perante o Poder Judiciário. Cumpre destacar, portanto, que o particular não pode unilateralmente rescindir o contrato sem, antes disso, recorrer ao Judiciário; essa é uma prerrogativa que só a Administração tem (auto-executoriedade). No tocante ao direito do particular à indenização, aplica-se aqui a regra do art.79, §2º, acima referida. No caso da rescisão consensual (amigável), o art.79, II trata da figura do distrato, quando há um acordo entre as partes, desde que haja conveniência para a Administração. Para tanto,

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cabe à autoridade administrativa competente autorizar a elaboração do termo de distrato em que constem as condições do ajuste rescisório.

Registre-se que a inexecução total ou parcial do contrato pode ser caso até mesmo de rescisão do contrato (Lei 8.666/93, art. 77). Antes disso e quando se reputar adequado e suficiente para punir a falta da contratante (princípio da proporcionalidade), é cabível a aplicação de outras sanções mais brandas tais como: I - advertência, II - multa, III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar ou, ainda, IV - a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública (art. 86). Todavia, a lei somente prevê a possibilidade de cumulação dessas penalidades se uma delas for a de multa, como se infere da redação do §2º do art.86: "As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do inte-ressado, no respectivo processo, no prazo de 05 (cinco) dias úteis". Logo, por exemplo, não é possível aplicar a sanção de advertência juntamente com a suspensão temporária de participação em licitação.

O poder normativo da Administração Pública, também chamado de poder regulamentar (poder

de expedir regulamentos), está relacionado à edição de normas gerais e abstratas pela Administração

Pública, de caráter secundário em relação aos atos legislativos. Tal função normativa se expressa basi-

camente por meio de instrumentos regulamentares tais como os decretos, resoluções, portarias, instru-

ções etc.

A expedição de regulamentos consubstancia uma função típica da Administração Pública (por-

tanto, é uma função administrativa), que não deve ser confundida com o poder normativo atipicamente

exercido pelo Executivo ao expedir atos normativos primários (medidas provisórias e leis delegadas).

Dispõe o art.84, IV, da CF/88 que “compete privativamente ao Presidente da República: (...)

“sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel

execução”. Com base nesse dispositivo constitucional, o conceito estrito de regulamento é traçado como

sendo “ato administrativo, editado privativamente pelo Chefe do Poder Executivo, segundo uma relação

de compatibilidade e hierarquia com a lei, a fim de assegurar seu fiel cumprimento e execução”.585

Po-

rém, à vista dos demais instrumentos regulamentares referidos, a doutrina tem também concebido o

termo sob uma significação mais ampla, de modo a abranger todos os atos normativos expedidos por

órgãos e entes da Administração Pública, nos mais diversos escalões de competência, com o escopo de

viabilizar a aplicação da lei.

Como bem destaca Fabrício Mota, “o constitucionalismo contemporâneo não somente admite

como exige, por razões diversas, que o Executivo dite normas”, considerando que “não há possibilidade

de se governar uma sociedade como a atual, cujas inter-relações são cada vez mais complexas e sutis,

sem atribuir ao Executivo função normativa”.586

Em síntese, o regulamento executivo é editado para: “a)

precisar e padronizar os procedimentos que serão adotados em alguma ação administrativa determinada

585 MOTA, Fabrício. Função Normativa da Administração Pública. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 586 Idem.

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pela lei; b) precisar o conteúdo de conceitos enunciados, na lei, de modo vago ou impreciso; c) delimitar

os contornos da competência discricionária legal”.587

Haja vista a complexidade da organização da Administração Pública no Estado contemporâneo,

cada vez mais descentralizada, é inevitável que outras autoridades, que não apenas o Chefe do Executi-

vo, disponham também de competências para editar normas administrativas. A própria CF/88 assim

sinaliza quando prevê, por exemplo, a competência dos Ministros de Estado para expedir instruções para

a execução das leis, decretos e regulamentos (art.87, II).

Daí porque, explica Maria Sylvia, “além do decreto regulamentar, o poder normativo da Admi-

nistração ainda se expressa por meio de resoluções, portarias, deliberações, instruções editadas por auto-

ridades que não o Chefe do Executivo”.588

Tais atos, segundo Celso Antônio, “alojam-se em nível inferi-

or ao próprio regulamento. Enquanto este é ato do Chefe do Poder Executivo, os demais assistem a

autoridades de escalão mais baixo e, de conseguinte, investidas de poderes menores. Tratando-se de atos

subalternos e expedidos, portanto, por autoridades subalternas, por via deles o Executivo não pode ex-

primir poderes mais dilatados que os suscetíveis de expedição mediante regulamento”.589

Apesar de a doutrina reconhecer a existência de instrumentos normativos inferiores, há certa di-

vergência sobre a natureza dos atos normativos expedidos pelas autoridades subalternas, em contraponto

aos decretos e regulamentos de competência privativa do Chefe do Executivo. Parece-nos, todavia, que a

questão se resolve simplesmente recorrendo-se à distinção entre a substância e a forma do regulamento,

atentando-se, é claro, para os distintos regimes jurídicos a que se submete cada espécie normativa. A

substância traduz a essência dos regulamentos, ou seja, o seu aspecto intrínseco, aquilo que revela a

natureza regulamentar do ato normativo secundário (estabelecimento de normas de conduta, gerais e

abstratas, desdobradas a partir da lei). Já a forma diz respeito aos variados instrumentos dos regulamen-

tos, o seu aspecto extrínseco, aqueles atos administrativos através dos quais os regulamentos se revelam.

No tocante a este aspecto, os regulamentos podem ser exteriorizados através de decretos, portarias, reso-

luções, instruções normativas, dentre outros.

Os decretos são atos de competência dos Chefes do Poder Executivo, nas três esferas de poder:

Presidente, Governadores e Prefeitos. No dizer de Geraldo Ataliba, “decreto é a forma (veículo) de ma-

nifestação da vontade do chefe do Executivo. Quando essa manifestação se dá no exercício de compe-

tência regulamentar, tem-se o decreto regulamentar. Dessa consideração se vê que o decreto é a forma, o

continente. Regulamento é a matéria, o conteúdo”.590

Do mesmo modo, todos os demais atos normativos

secundários expedidos por órgão e entes da Administração são instrumentos regulamentares (sentido

formal), dotados de natureza normativa (regulamentos, em sentido substancial). As portarias em geral

competem ao escalão administrativo superior, onde se situam os ministros e secretários de governo. As

resoluções são atos de competência de órgãos colegiados, como, por exemplo, o CONTRAN. Já as ins-

truções são atos normativos de nível inferior, destinados ao órgãos subalternos.

Registre-se, contudo, que nem todo decreto terá caráter normativo. Tal como acontece inclusive

com alguns atos legislativos (v.g. leis que tratam de movimentação no orçamento público), há decretos

que funcionam não como veículos de normas gerais e abstratas, mas, sim, para estabelecer efeitos con-

cretos. É o que ocorre, v.g., com o decreto que declara imóvel como de interesse social, para fins de

reforma agrária (CF/88, art. 184, §2º). Isso também ocorre com outros instrumentos comumente utiliza-

dos com finalidade normativa (portarias, resoluções), mas que em alguns casos são expedidos sem este

fim, gerando apenas efeitos concretos, como ocorre, por exemplo, numa portaria que nomeia um servi-

dor público.

587 Ib idem. 588 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 589 MELLO, Curso..., cit. 590 ATALIBA, Geraldo. Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 97, 1969.

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A distinção é importante porque somente os atos de efeitos concretos comportam questionamento

na via do mandado de segurança, descabendo este remédio contra atos normativos (Súmula 266 do STF).

Outrossim, não é possível questionamento de ato de efeito concreto por via de controle concentrado de

constitucionalidade, como já se posicionou o STF.591

A doutrina faz algumas classificações sobre os regulamentos, sendo a principal delas a que sepa-

ra os regulamentos em executivos e autônomos.

Tudo o que foi dito no tópico anterior aplica-se aos regulamentos executivos, por meio dos

quais se busca tão-somente assegurar a fiel execução da lei (CF, art.84, IV). Não inovam a ordem jurídi-

ca, pois visam apenas desdobrar os comandos normativos da lei a fim de melhor instrumentalizar a sua

aplicação pelos seus destinatários, em especial os agentes administrativos. São estes a regra geral do

direito brasileiro, onde só os atos legislativos podem inovar na ordem jurídica (fontes primárias do Direi-

to). Os regulamentos, como atos administrativos, são fontes secundárias do Direito.

Já os regulamentos autônomos (também chamados de independentes), inovam a ordem jurídica,

não sendo em regra admitidos pela Carta Magna de 1988, haja vista as garantias asseguradas pelo prin-

cípio da legalidade (CF, art.5º, II), em conformidade com o qual somente os atos legislativos podem

criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações. Apenas se admitiu a edição de regulamentos autôno-

mos em situações autorizadas pela própria Constituição, como ocorreu no tocante aos regulamentos

editados por alguns órgãos do Executivo cuja competência normativa era prevista anteriormente a 1988,

pelo prazo de cento e oitenta dias prorrogável por lei, na forma do art.25, I do ADCT.

Alguns doutrinadores entendem que a Emenda Constitucional n.32/2001 teria excepcionalmente

criado outra espécie de regulamento autônomo entre nós, ao modificar o art.84, VI, da Carta Magna,

passando a admitir que o Presidente da República possa dispor, mediante decreto, sobre: "a) organização

e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou

extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos". Disso discorda

Celso Antônio, para quem o Direito brasileiro apenas admite a existência de regulamentos executivos,

sendo equívoco “imaginar que o art.84, VI, da Constituição do País introduziu em nosso Direito os cha-

mados ‘regulamentos independentes ou ‘autônomos’ encontradiços no Direito europeu”.592

Conclui, por

conseguinte, que “entre nós, por força dos arts. 5º, II, 84, VI, e 37 da Constituição, só por lei se regula

liberdade e propriedade; só por lei se impõe obrigações de fazer ou não fazer. Vale dizer: restrição

alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se não estiver previamente delineada, configu-

rada e estabelecida em alguma lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Executivo pode expedir

decretos e regulamentos”.593

Fato é que o tratamento jurídico dado aos regulamentos no Direito brasileiro difere daquele exis-

tente em outros países. Aqui o vetor constitucional que contempla o princípio da legalidade é deveras

forte para se admitir genericamente competências normativas primárias atribuídas ao Executivo. Predo-

mina, então, a figura do regulamento executivo. O contrário se vê, por exemplo, na França, onde a pró-

pria Constituição prevê expressamente um rol aberto de matérias afetas ao campo normativo regulamen-

tar, ou seja, há grande espaço para regulamentos autônomos.

Não obstante, o STF já reconheceu a existência de regulamentos autônomos editados por órgãos

administrativos com competência normativa prevista na própria Constituição, como é o caso do CNJ.

591 V.g. RMS 24266/DF, rel. Min. Carlos Velloso, julg.07/10/2003; ADI-MC-QO 1937, rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg.20/06/2007. 592 MELLO, Curso..., cit. 593 Idem.

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Sabe-se que a função legislativa é exercida tipicamente por órgãos que integram o chamado Po-

der Legislativo, que, no sentido orgânico, abrange as diversas casas parlamentares existentes no país (no

âmbito federal, o Congresso Nacional, composto pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados; no

âmbito estadual, as Assembléias Legislativas; no âmbito municipal, as Câmaras de Vereadores). A pró-

pria Constituição admite ainda que outros órgãos, não integrantes do Legislativo, exerçam atipicamente

a função legislativa. O exemplo clássico é o das Medidas Provisórias editadas pelo Chefe do Executivo,

com força de lei. O mesmo ocorre com as leis delegadas. São, ambos, atos legislativos. Não são meros

regulamentos executivos, eis que inovam na ordem jurídica. Vale dizer, trata-se aí de competência nor-

mativa primária (função legislativa) e não competência regulamentar (função administrativa normativa).

Mas essa função legislativa atípica não se resume ao exemplo das medidas provisórias. Existem

também outros órgãos e entidades aos quais a Constituição atribui a competência normativa primária, em

função da autonomia que devem dispor em respeito ao princípio da separação dos poderes, entendimento

que já encontra força na doutrina e na jurisprudência. É o caso, por exemplo, dos regimentos internos

editados pelos Tribunais, Casas Parlamentares e órgãos do Ministério Público, bem como certas resolu-

ções expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CJN) e do Conselho Nacional do Ministério Público

(CNMP). Por conseguinte, tais disposições não são meros regulamentos executivos, mas, sim, atos com

o mesmo grau hierárquico dos atos legislativos e, portanto, inovadores da ordem jurídica.

Em relação aos regimentos internos dos Tribunais, conforme dispõe o art.96, I, a, da Carta Mag-

na de 1988, desde que respeitem as normas sobre processo e garantias processuais das partes, poderão

dispor primariamente sobre a competência e funcionamento dos seus respectivos órgãos jurisdicionais e

administrativos. São, deste modo, atos de natureza mista, dispondo, os Tribunais, por meio deles, tanto

de competência normativa primária quanto secundária.

No tocante aos atos normativos expedidos pelo CNJ, a regra do art. 103-B, §4º, I da CF/88 lhe a-

tribui competência para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da

Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar

providências. Por força desta regra, diretamente extraída da Constituição, o STF considerou válida a

Resolução n.07/05 daquele órgão, tratando de procedimentos para evitar a prática de nepotismo no Judi-

ciário, concluindo, assim, tratar-se de ato normativo primário, expedido independente de prévia lei tra-

tando da matéria. Tem-se aí, portanto, uma espécie de regulamento autônomo. O mesmo ocorre com

certos atos regulamentares expedidos pelo CNMP.

Não raro a própria lei explicitamente fixa a necessidade de regulamento para complementar a or-

denação por ela estabelecida, ocorrendo o que se chama de remissão normativa explícita.

Dita remissão obedece a certos parâmetros normativos pré-fixados na própria lei (standards),

com base nos quais o administrador, dentro do âmbito da norma (o que Kelsen denominou de “moldu-

ra”), especifica as suas hipóteses de incidência. Exemplo desse tipo de remissão normativa é encontrado

no art. 12 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito), no tocante às atribuições normativas do CONTRAN.

Também na área eleitoral, a Lei 4.737/65 (Código Eleitoral) contempla remissões normativas ao atribuir

ao TSE a competência “para expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código”

(art.23, IX). O mesmo se diga da política ambiental fixada na Lei 6.938/81 e Decreto n. 99.274/90, com

relação às atribuições normativas do CONAMA.

Atualmente a técnica da remissão normativa vem sendo muito utilizada no tocante às agências

reguladoras, a exemplo do que acontece com a Agência Nacional de Saúde – ANS (art.32 da Lei

9.656/98), a Agência Nacional do Petróleo – ANP (art. 15, XV da Lei 9.478/97), a Agência Nacional de

Telecomunicações – ANATEL (art.19, XIX, da Lei 9.472/97), dentre outras.

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Noutros casos, porém, a lei nada estabelece em seu texto, o que não afasta, por si só, a competên-cia regulamentar da autoridade administrativa encarregada de zelar, da melhor forma, pelo seu cumpri-mento e, sobretudo, pelo cumprimento dos ditames constitucionais. Trata-se aí de poderes normativos implícitos, os quais decorrem da própria razão de ser da competência administrativa fixada na Constitui-ção. Pode-se então dizer que há, nestes casos, uma remissão normativa implícita).

Mas seja explícita ou implítica, a remissão deve obedecer aos parâmetros normativos extraídos da lei (standards), sob pena de se configurar uma indevida delegação de função legislativa ao Executivo, chamada pela doutrina de deslegalização e não admitida no ordenamento brasileiro. Deveras, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a delegação legislativa somente é possível nos casos e segundo o procedimento expressamente previstos em seu art. 68. Fora daí haverá ilícito constitucional, consoante já se posicionou o STF.

594

Entrementes, o fato de os regulamentos executivos não inovarem na ordem jurídica não impede que eles especifiquem certas normas de conduta diretamente decorrentes das normas de conduta instituí-das pela lei. Ora, um regulamento que apenas repetisse textualmente o que consta na lei seria inútil, de modo a ser perfeitamente admissível que o regulamento, buscando garantir a fiel execução da lei, estabe-leça certas condutas a serem seguidas pelos agentes administrativos e pelos administrados, como mero desdobramento das obrigações legais. Logo, ressalvadas as hipóteses de reservas de lei, notadamente a absoluta, haverá sempre algum espaço para atividade criativa do poder regulamentar de execução.

595

É preciso, então, em cada caso concreto averiguar se a obrigação prevista no regulamento (obri-gação secundária) é simples desdobramento da obrigação prevista na lei (obrigação originária), ou se houve abuso do poder regulamentar, isto é, se a Administração, a pretexto de regulamentar uma lei, inovou indevidamente na ordem jurídica.

Do que foi visto até aqui, infere-se que no Brasil a regra geral é a dos regulamentos executivos,

ou seja, aqueles que visam apenas assegurar a fiel execução da lei, como previsto no art.84, IV, da

CF/88.

Traçadas as balizas constitucionais para o exercício do poder regulamentar, a Carta Magna cuida

também de instituir mecanismos jurídicos de controle do seu exercício.

Primeiramente, tem-se o controle pelo Poder Legislativo, a quem cabe precipuamente zelar pela

sua autonomia no exercício da atividade legiferante, obstando a ocorrência de usurpação pelo Poder

Executivo. Daí que o art.49, V, da CF/88 prevê a possibilidade de sustação de atos regulamentares que

extrapolem os limites da função normativa secundária.

Ao lado disso, o controle do poder regulamentar pode ser feito pela própria Administração (Sú-

mula 473 do STF) ou mediante provocação do Poder Judiciário, toda vez em que se questionar a ilegali-

dade ou inconstitucionalidade de um ato administrativo de caráter normativo.

Como dito acima, o termo regulamentação há muito vem sendo utilizado no Direito Administra-

tivo brasileiro, reportando-se genericamente ao poder normativo da Administração Pública, onde tem

destaque a figura do regulamento.

594 ADI-MC 1296/PE, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14/06/1995. 595 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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Já a expressão regulação, não obstante se refira a um fenômeno natural ao moderno Estado de

Direito, teve um emprego mais recente entre nós, especificamente quando vieram à tona concepções

ideológicas defendendo a gradativa substituição do modelo burocrático (que, adotando a noção francesa

clássica de serviço público, foi o que predominou no Estado do Bem-Estar Social) pelo modelo gerencial

(inspirado na experiência norte-americana de Estado Regulador, em lugar do Estado Providência). Isso

levou ao surgimento das nossas primeiras agências reguladoras em meados da década de 1990.

Sob este prisma, regulamentação é apenas um dos instrumentos da regulação, tendo esta um sen-

tido muito mais amplo no atual contexto de intervenção estatal em assuntos econômicos e sociais. Como

aponta a doutrina, "a expressão 'regulamentação' corresponde ao desempenho de função normativa in-

fraordenada, pela qual se detalham as condições de aplicação de uma norma de cunho abstrato e geral,

tal como dispõe o art.84, IV, da Constituição. O conceito de regulação é muito mais amplo e qualitati-

vamente distinto. Eventualmente, a regulação pode se traduzir em atos de regulamentação"596

, mas não

se atém apenas à edição de regulamentos, nem tampouco se restringe ao exercício do poder de polícia.

O tema já foi abordado no capítulo 3 deste estudo, para o qual remetemos o leitor.

Nenhum direito individual, por mais precioso que seja, é absoluto, pois sempre encontrará limites

em outros direitos individuais e, sobretudo, em direitos coletivos, cabendo precipuamente ao Estado

utilizar as regras do Direito para equilibrar os interesses individuais com o interesse público. Quando

assim atua, diz-se que o Estado exerce o seu poder de polícia administrativo, que, segundo Hely Lopes,

“é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens,

atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.597

O fundamento do poder de polícia da Administração é o interesse público em prol da coletivida-

de. Simplificando, o citado autor qualifica o poder de polícia com um mecanismo de frenagem de que

dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.

A doutrina identifica o poder de polícia em sentido amplo e em sentido estrito. No primeiro caso,

abrange todos os atos estatais, com destaque para os de natureza legislativa, os quais balizam juridica-

mente as esferas da liberdade e propriedade individuais, conformando-as ao interesse da coletividade.

Esse foi o sentido originalmente empregado no direito americano (police power), a partir do clássico

caso Brown vs Maryland, em que se considerou constitucional a edição de leis impondo condicionamen-

tos ao direito de propriedade. Já no sentido estrito, a expressão refere-se especificamente aos atos prati-

cados pela Administração Pública.

No Brasil, seguindo a tradição francesa, a doutrina emprega a expressão em seu sentido estrito

(atividade administrativa), que também foi o adotado pelo ordenamento pátrio. De fato, o conceito estri-

to está, entre nós, positivado no art.78 do Código Tributário Nacional, segundo o qual “considera-se

poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse

ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à

segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de

atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pú-

blica ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos”. Também está mencionado

expressamente no art.145, II, da CF/88, como referência a uma das espécies de fatos geradores das taxas.

O STF há muito enfocou o conceito do poder de polícia como sendo a “faculdade que tem o es-

tado de opor à liberdade do cidadão as condições necessárias para garantir a saúde, a vida, a segurança

596 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 597 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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individual e os interesses legítimos”.598

Como exemplos de restrições decorrentes do poder de polícia,

cita-se a proibição de construir acima de certa altura, a obrigatoriedade de observar determinado recuo

de construção, o dever de denunciar doença contagiosa, a vedação de manter certos animais na zona

urbana ou de, nessa zona, promover certa lavoura.599

Buscando delimitar o alcance do poder de polícia administrativo, diferenciando-o de outras ex-

pressões de poder do Estado, a doutrina alemã, a partir de Otto Mayer, elaborou uma distinção entre a

“supremacia geral” e a “supremacia especial”. Assim, o poder de polícia decorre da supremacia geral

do Estado perante todas as pessoas submetidas ao seu império, indistintamente, e que em regra emana

diretamente da lei, não se confundindo com outras situações de poder entre a Administração e determi-

nadas pessoas que com ela mantém específicas relações de sujeição, tal como ocorre com os servidores

públicos, aqueles que firmam contratos com a Administração, bem como outros indivíduos submetidos a

disciplinas internas de certas instituições públicas tais como universidades, hospitais, bibliotecas, presí-

dios etc. Nesse caso, tem-se não propriamente poder de polícia, mas, sim, poder disciplinar decorrente

de supremacia especial.

Pode-se dizer que enquanto o poder de polícia está voltado para o “público externo”, o poder hie-

rárquico e o poder disciplinar são expressões da autoridade exercida pela Administração em relação ao

seu “público interno”, ou seja, aqueles que com ela mantêm algum vínculo funcional ou que estejam

mais próximos da estrutura administrativa, sujeitando-se, por isso, a uma disciplina mais rigorosa, não

obstante igualmente sujeita ao princípio da legalidade.

Para diferenciar o poder de polícia das atividades prestacionais do Estado, costuma-se ainda re-

correr à idéia de que o poder de polícia busca uma abstenção por parte do administrado, ao passo que o

serviço público ou a atividades econômicas asseguram prestações positivas. Tal distinção, porém, nem

sempre é segura, porque as atividades do poder de polícia, a depender do ângulo que se examine, têm

também um caráter prestacional.

Não obstante se tratar de terminologia de uso já consagrado na doutrina, não faltam críticas ao

termo poder de polícia. Como adverte Celso Antônio, "raciocina-se como se existisse uma ‘natural’

titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsecamente, fruto de um

abstrato ‘poder de polícia’”.600

Por isso, Carlos Ari Sundfeld prefere utilizar o termo Administração

Ordenadora para abrigar todas as operações estatais de regulação do setor privado, com o emprego do

poder de autoridade.601

Mas apesar de tais críticas fundamentadas, fato é que a expressão segue sendo

amplamente utilizada pela doutrina nacional, até porque, como dito, consta da redação do art.145, II, da

CF/88 e no art.78 do CTN.

No tocante às competências para o exercício do poder de polícia, a princípio as atividades de po-

lícia administrativa são titularizadas privativa ou conjuntamente pela União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, tendo a Constituição Federal buscado delimitar o campo de atuação de cada uma dessas

entidades políticas, de acordo com as competências legislativas previstas nos artigos 22, 24, 25 e 30.

Porém, o fato de uma atividade de polícia titularizada por determinado ente político poder ser por

ele exercida, através dos órgãos que integram a sua Administração Direta, não impede que a execução

possa vir a ser transferida a um outro ente administrativo, com personalidade jurídica de direito público,

criado por lei para essa finalidade específica. Assim, por exemplo, tendo a União a competência para

executar medidas administrativas de implementação da reforma agrária, foi criado o INCRA, autarquia

federal à qual foi outorgada tal atribuição. Tem-se aí a distinção que costuma ser feita entre poder de

polícia originário e poder de polícia delegado. O primeiro nasce com a entidade política que o titulariza,

598 RMS 2138/DF, rel. Min. Luiz Gallotti, 24/07/1953. 599 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 600 MELLO, Curso..., cit. 601 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo.

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sendo pleno no seu exercício, ao passo que o segundo é exercido por outra entidade, após transferência

legal, sendo limitado aos termos da outorga legal e caracterizado essencialmente por atos de execução.

É preciso atentar ainda para não se confundir as competências para legislar e para executar (ad-

ministrar). Há atividades de polícia que podem ser exercidas por Estados e Municípios, mas com base

em ordenação da competência legislativa privativa da União. Ou seja, os Estados e Municípios executam

medidas de polícias, porém seguindo a legislação nacional (Código Nacional de Trânsito, por exemplo).

Vale dizer, o fato de Estados e Municípios exercerem poder de polícia nem sempre significa que possam

legislar sobre o assunto correspondente. Haveria, nesses casos, flagrante inconstitucionalidade, conforme

já decidiu o STF.602

Sejam áreas de competência privativa de determinado ente político, sejam áreas de atuação con-

junta deles, o fato é que no atual contexto da intervenção estatal são múltiplos os setores e áreas de atua-

ção do poder de polícia em âmbito federal, estadual e municipal.

Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a polícia administrativa atua em quatro grandes á-

reas de interesse público, verdadeiros valores convivenciais, quais sejam a segurança, a salubridade, o

decoro e a estética.603

Pode-se ainda subdividir os referidos campos de atuação destacando setores espe-

cíficos de atuação da polícia administrativa, distribuídos segundo vários critérios legais ditados pela

política e pelas conveniências da organização administrativa do Estado, a saber: polícia de costumes

(prevenção e repressão ao crime e às atividades sociais nocivas), polícia de comunicações (fiscalização

de abuso de propaganda, diversões, espetáculos públicos), polícia sanitária (defesa da saúde humana),

polícia de viação (controle de trânsito e tráfego terrestre, marítimo, aéreo, fluvial e lacustre), polícia de

comércio e indústria (disciplina das atividades comerciais e industriais), polícia das profissões (fiscali-

zação do exercício profissional), polícia ambiental (controle da atmosfera, águas, oceanos, flora e fau-

na), polícia de estrangeiros (controle de ingresso no território nacional, concessão de passaportes etc.),

polícia edilícia (controle de obras e construções), dentre outros.

A doutrina costuma apontar que o poder de polícia poderá ser preventivo (polícia administrati-

va) ou repressivo (polícia judiciária), distinção oriunda do direito francês. Todavia, não é seguro o

critério de distinção com base no caráter exclusivamente repressivo ou preventivo, havendo situações em

que a policia administrativa age com repressão, bem como outras em que a polícia judiciária toma medi-

das preventivas.

Celso Antônio aponta que “o que efetivamente aparta polícia administrativa de polícia judiciária

é que a primeira se predispõe unicamente a impedir ou paralisar atividades anti-sociais enquanto a

segunda se preordena à responsabilização dos violadores da ordem jurídica”.604

Neste mesmo sentido,

para Celso Ribeiro Bastos “é inegável o caráter eventualmente repressivo da polícia administrativa,

como quando desfaz passeata ou comício que já havia iniciado o processo perturbador da ordem e da

tranqüilidade públicas, por cuja manutenção peleja o poder de polícia. O que distingue a repressão típica

da polícia administrativa da judiciária é que aquela somente se justifica enquanto ainda houver proveito

na sua ação, isto é, enquanto da sua aplicação possam ainda ser evitados danos futuros”.605

Como já dito, o poder de polícia administrativo é muito amplo, exercendo-se em diversas esferas

(trânsito, vigilância sanitária, caça e pesca, florestas, edificações, vigilância marítima, aérea e de frontei-

ras, rodovias, ferrovias, pesos e medidas etc.), ao passo que o poder de polícia judiciário tem por objeti-

vo precípuo a investigação de delitos, em auxílio ao Poder Judiciário. Isso reflete no regime jurídico

aplicável, pois enquanto as atividades da polícia administrativa são regidas por normas administrativas,

as da polícia judiciária regem-se por normas do processo penal. A maioria dos órgãos de polícia atuam

602 V.g. ADI-MC 3625/DF, rel. Min. Cézar Peluzo, julgamento de 17/08/2006. 603 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 604 MELLO, Curso..., cit. 605 BASTOS, Curso..., cit.

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na seara da polícia administrativa, sendo poucos os que exercem precipuamente as funções de polícia

judiciária (é o caso da Polícia Civil). Já a Polícia Federal, exerce tanto atividades de polícia administrati-

va (v.g. emissão de passaportes e polícia de imigração) quanto de polícia judiciária (investigação de

crimes federais).

Ainda sob inspiração do direito francês, a doutrina aponta a distinção entre polícia geral e polícia

especial. A primeira se ocuparia dos aspectos da ordem pública, basicamente nos campos da tranqüilida-

de, da segurança e da salubridade públicas, nos quais poderia haver regulamentos autônomos tratando

das matérias. Já a segunda estaria voltada aos demais ramos de atuação da polícia administrativa. Poste-

riormente, a jurisprudência francesa acrescentou, ao conceito de “ordem pública geral”, os valores esté-

tica e moralidade pública. Nesta tradição gaulesa, por estar encarregada do “mínimo social necessário”

(ordem pública), os atos da polícia geral não necessitam de texto legal expresso, decorrendo de uma

espécie de domínio eminente do Estado, podendo haver inclusive regulamentos autônomos sobre a maté-

ria. Já a polícia especial estaria voltada para outras finalidades de regulação do setor privado, distintas da

ordem pública geral, necessitando de previsão expressa em lei.

Celso Antônio nega aplicação de tal distinção no Direito Administrativo brasileiro, no qual todas

as atividades de polícia encontram-se niveladas em um mesmo patamar, havendo sempre necessidade de

lei pautando a conduta da Administração, sem espaço para regulamentos autônomos, mas apenas regu-

lamentos executivos.606

Ademais, não há critério seguro para se identificar precisamente o que seja um

ato de polícia visando à manutenção da ordem pública e outro com finalidade distinta. Na própria França

isso vem gerando divergências, como ocorreu com o famoso caso do “lançamento de anões”, em que o

Estado proibiu uma esdrúxula prática de entretenimento que vinha sendo adotada por alguns bares, em

que anões eram contratados para divertir o público, sendo lançados à maior distância possível. Apesar de

muitos anões consentirem com a brincadeira, por conta da remuneração que recebiam em troca, conside-

rou-se que tal prática violava a dignidade da pessoa humana. Marçal Justen ressalta que toda a doutrina

francesa comenta essa decisão, porque foi tomada em nome da “ordem pública”, apesar de haver um

texto legislativo muito específico delimitando as finalidades buscadas pelo poder de polícia.607

Essa

insegurança de critérios conceituais aumenta muito mais no contexto do Direito Administrativo contem-

porâneo, haja vista, dentre outros aspectos, a vinculação direta a normas constitucionais garantidoras de

direitos fundamentais, bem como a amplitude da atuação reguladora do Estado.

Quanto às formas de atuação do poder de polícia, a doutrina aponta quatro: ordem de polícia, fis-

calização de polícia, consentimento de polícia e sanção de polícia.

A ordem de polícia “caracteriza-se por ordens e proibições que se manifestam por meio de nor-

mas administrativas limitadoras e sancionadoras da conduta individual dos administrados, sobretudo

àqueles que, de alguma forma, utilizam bens ou exercem atividades de efeito para toda a sociedade”.608

Trata-se de atuação regulamentar que busca assegurar a fiel execução da lei.

A fiscalização de polícia caracteriza-se “pela observância feita pela Administração no que con-

cerne à forma de uso que certo bem recebe, considerando, particularmente, que o administrado, ao fazer

uso de determinado bem, deve cumprir exatamente o que é estabelecido pela Administração”.609

Tal

fiscalização poderá ser exercida, por exemplo, em relação à higiene de alimentos e segurança nas cons-

truções, podendo inclusive ser delegada.

606 MELLO, Curso..., cit. 607 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 608 FRIEDE, Lições..., cit. 609 Idem.

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O consentimento de polícia “consiste na permissão dada pela Administração ao administrado

para exercer algum ato ou para utilização de determinado bem”610

, o que geralmente ocorre por meio de

alvarás, licenças e autorizações. Tal atuação poderá ser também delegada pelo Estado.

A sanção de polícia “pode ser entendida como a penalidade aplicada pela Administração em vir-

tude da inobservância da ordem de polícia”611

. Tais penalidades devem ter assento em lei, das quais são

exemplos a multa, a interdição, a demolição, a destruição, a inutilização, o embargo etc. Trata-se de

atividade indelegável, cabendo exclusivamente ao Estado atuar nesta fase. No âmbito federal, a Lei

9.873/99 estabelece o prazo de cinco anos para a aplicação das sanções de polícia.

A doutrina aponta as seguintes características do poder de polícia: discricionariedade, vinculação,

auto-executoridade e proporcionalidade.

A discricionariedade “consiste na livre escolha, pela Administração Pública, dos meios adequa-

dos para exercer o poder de polícia, bem como, na opção quanto ao conteúdo, das normas que cuidam de

tal poder”.612

Convém registrar, todavia, que nem todos os atos de polícia são discricionários. Aliás,

nenhuma atividade da Administração é totalmente discricionária, pois sempre existirá alguma carga de

vinculação nos atos administrativos.

A vinculação “existe no momento em que a norma administrativa se origina em verdadeiro lia-

me entre os administrados e a Administração, na pessoa do autor (autoridade administrativa) que expe-

diu o regulamento de polícia”.613

Desta maneira, “a atividade de polícia ora é discricionária, a exemplo do que ocorre quando a

Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo, ora é vinculada, nos

moldes do que acontece quando a Administração Pública licencia uma construção (alvará ou licença de

construção). O certo, então, é dizer que tal atribuição se efetiva por atos administrativos expedidos atra-

vés do exercício de uma competência às vezes vinculada, às vezes discricionária”.614

José dos Santos salienta haver na doutrina controvérsias quanto à caracterização do poder de po-

lícia, se vinculado ou discricionário, citando as opiniões divergentes de Hely Lopes e Celso Antônio.

Entende que haverá discricionariedade apenas nos casos em que a lei não fixou delimitadamente a di-

mensão da restrição imposta ao particular, citando o caso da proibição de pesca, ficando a cargo da

Administração dizer em quais rios onde deverá ser observada. Noutros casos, porém, quando a lei já

cuida de delimitar bem a restrição, não poderá a Administração ampliar o seu alcance, estando vinculada

às balizas da lei.615

Pode-se dizer que um alto grau de vinculação é raro de acontecer. O mais comum é que haja cer-

ta margem de discricionariedade. Aliás, “a análise da maioria das hipóteses de sua aplicação prática

indica discricionariedade no desempenho do poder de polícia. Todavia, é preciso fazer referência a casos

excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem natureza vinculada. O

melhor exemplo é o da licença, ato administrativo vinculado e tradicionalmente relacionado com o poder

de polícia”.616

610 Ib idem. 611 Ib idem. 612 Ib idem. 613 R. Friede, Lições..., cit. 614 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 615 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 616 MAZZA, Manual…, cit.

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A auto-executoriedade “pode ser entendida pela possibilidade efetiva que a Administração tem

de proceder ao exercício imediato de seus atos, sem necessidade de recorrer, previamente, ao Poder

Judiciário”.617

Nestes casos, poderá o administrado atingido pelo ato buscar proteção no Judiciário, utili-

zando-se, por exemplo, de mandado de segurança.

Maria Sylvia desdobra a auto-executoridade em duas faces: a exigibilidade (tomada de decisões)

e executoriedade (execução das decisões)618

. Enquanto a exigibilidade se relaciona com o poder de obri-

gar, por meios indiretos, o administrado a cumprir a determinação contida no ato administrativo, a exe-

cutoriedade assegura à Administração o poder de efetivá-la materialmente, de forma direta.

Cabe ressalvar, todavia, que, por opção constitucional, determinados atos de polícia estão sujei-tos à reserva de jurisdição, isto é, à manifestação prévia do Poder Judiciário. Logo, têm exigibilidade, mas não têm executoriedade. Cite-se, por exemplo, a quebra de sigilo telefônico, somente admitida em processo criminal e observados certos requisitos substanciais (CF, art.5

o, XII e Lei 9296/96). Outro

exemplo de ato administrativo que não pode ser auto-executado, demandando procedimento judicial específico previsto em lei, é a cobrança de multas. A Administração pode aplicá-las, mas, havendo resis-tência do devedor em efetuar o pagamento, só restará a execução do valor na Justiça.

A proporcionalidade “é uma característica do poder de polícia que obriga que a efetiva ‘sanção de polícia’ aplicada ao administrado guarde, necessariamente, uma relação de proporcionalidade com a violação de ‘ordem de polícia’ realizada por ele”.

619 Ao discorrer sobre a proporcionalidade, Rui Cirne

Lima alude à famosa hipérbole na frase de Fritz Fleiner: “a polícia não deve atirar com canhões em pardais”.

620

O vetor de proporcionalidade não é uma característica afeta tão-somente à sanção administrativa, devendo ser respeitado em todos os âmbitos de atuação do poder de polícia já referidos.

Tema polêmico na doutrina diz respeito à possibilidade ou não de transferência a particulares (delegação) de prerrogativas inerentes ao poder de polícia.

O STF já tem precedente no sentido de que o exercício do poder de polícia é exclusivo de pesso-as de direitos público (ADI 1717), tendo declarado inconstitucionais dispositivos da Lei 9.649/98 que atribuíam aos Conselhos de Fiscalização Profissional a personalidade jurídica de direito privado.

Marçal Justen entende que aspectos nucleares do poder de polícia são indelegáveis, abrangendo aí as competências de cunho normativo e de autoridade.

Diz que “veda-se a delegação do poder de polí-

cia a particulares não por alguma qualidade essencial ou peculiar à figura, mas porque o Estado Demo-crático de Direito importa o monopólio estatal da violência. Não se admite que o Estado transfira, ainda que temporariamente, o poder de coerção jurídica ou física para a iniciativa privada. Isso não significa vedação a que algumas atividades materiais acessórias ou conexas ao exercício do poder de polícia se-jam transferidas ao exercício de particulares. O que não se admite é que a imposição coercitiva de deve-res seja exercitada por terceiros, que não agentes públicos”.

621

Muitos outros autores sustentam a impossibilidade do exercício do poder de polícia por entes privados, quando estejam em jogo a liberdade dos administrados. Segundo Celso Antônio, “salvo hipó-teses excepcionalíssimas (caso dos poderes outorgados aos capitães de navio), não há delegação de ato jurídico de polícia a particular e nem a possibilidade de que este o exerça a título contratual. Pode haver, entretanto, habilitação do particular à prática de ato material preparatório ou sucessivo a ato jurídico desta espécie”.

622 José dos Santos diz que em regra a delegação apenas é possível em relação a entes

617 Idem. 618 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 619 FRIEDE, Lições..., cit. 620 LIMA, Princípios..., cit. 621 JUSTEN FILHO, Curso..., cit. 622 MELLO, Curso..., cit.

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públicos, mas admite a possibilidade de atribuição a entes privados de certas tarefas de apoio à fiscaliza-ção.

623

Reportando-nos ao que foi dito acima sobre as formas de atuação do poder de polícia, entende-mos relativamente possível a transferência, por lei, do poder de polícia no que tange à fiscalização de polícia e ao consentimento de polícia. Já no tocante à ordem de polícia e à sanção de polícia, a princípio pensamos tratar-se de atividades que não devem ser delegadas, cabendo exclusivamente ao Poder Públi-co. Todavia, esta questão ainda tem despertado muita polêmica na doutrina e na jurisprudência.

9.8. LIMITES, EXTENSÃO E CONTROLE DO PODER DE POLÍCIA

Os limites e a extensão do poder de polícia são temas relacionados ao controle de legalidade em sentido amplo (juridicidade) dos atos administrativos. Como já visto, o exercício do poder de polícia comporta certa margem de discricionariedade por parte da Administração, o que não deve servir de pretexto ao cometimento de arbitrariedades. Entram em cena aí não apenas o vetor normativo da legali-dade administrativa, mas, também, os princípios jurídicos da administração pública já estudados, nota-damente a razoabilidade, a proporcionalidade e a impessoalidade.

Maria Sylvia assinala que, “quanto aos fins, o poder de polícia só deve ser exercido para atender ao interesse público. Se o seu fundamento é precisamente o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, o exercício desse poder perderá a sua justificativa quando utilizado para bene-ficiar ou prejudicar pessoas determinadas; a autoridade que se afastar da finalidade pública incidirá em desvio de poder e acarretará a nulidade do ato com todas as conseqüências nas esferas civil, penal e administrativa”.

624

É indispensável, no Estado Democrático de Direito, que o ordenamento jurídico contemple me-canismos que assegurem o efetivo controle dos atos de polícia, “de sorte que contra eles cabem os recur-sos administrativos (recurso hierárquico) e judiciais (mandado de segurança, ação civil pública, ação popular) para obstar gravames que podem causar aos administrados, à própria Administração Pública e à coletividade (interesses difusos)”.

625

Na via administrativa, o controle pode ser feito de ofício ou mediante provocação do particular interessado, valendo-se, nesse último caso, dos recursos administrativos, que em sentido amplo compre-endem a representação, a reclamação e o pedido de reconsideração. Em sentido restrito, abrangem os recursos hierárquicos, que poderão ser próprios ou impróprios. Tais mecanismos de controle dos atos da Administração encontram-se previstos na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo federal.

Sabe-se que o controle dos atos administrativos no Brasil pode ser efetuado tanto pela própria Administração Pública quanto pelo Poder Judiciário, já que a Carta Magna garantiu o pleno acesso às vias judiciais, sempre que houver lesão ou ameaça a direito (art.5

o, XXXV). Portanto, adotou-se em

nosso país o sistema de jurisdição única, de origem inglesa, ao contrário do sistema francês que admite a existência de Tribunais Administrativos (v.g. o Conselho de Estado francês) com jurisdição especial distinta do Judiciário (sistema do contencioso administrativo ou de jurisdição dual).

O tema do controle dos atos da administração pública já foi anteriormente abordado no capítulo 7, ao qual remetemos o leitor.

Abordou-se em tópico precedente que a noção de regulação tem um sentido muito amplo e en-volve uma série de atividades estatais, que não apenas os clássicos poderes reconhecidos ao Estado, tais como o poder normativo e o poder de polícia.

623 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 624 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 625 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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Outrossim, como já destacamos no capítulo 3, a concepção de um Estado Regulador implicou uma alteração qualitativa do papel do Estado perante a sociedade, tendo-se adotado diversos novos ins-trumentos de ação.

Enfocando a distinção entre poder de polícia e regulação, a doutrina salienta que "o Estado de-sempenha a regulação tanto quando disciplina externamente atividade que é de titularidade privada (ex.: a regulação sobre os bancos, os planos de saúde, a fabricação de medicamentos etc.), como quando disciplina, através predominantemente de contratos, o exercício por particulares de atividades econômi-cas lato sensu que são de titularidade estatal (ex.: serviços e monopólios públicos concedidos). Nesses casos, não há poder de polícia, mas prerrogativas inerentes à titularidade estatal da atividade (poder concedente); o Estado não está limitando a liberdade privada, pois sobre a atividade não vige a liberdade de iniciativa, já que a atividade em si (circunstancialmente não o seu exercício) é estatal. Sob essa pers-pectiva, os conceitos de poder de polícia e de administração ordenadora se aproximam do conceito de regulação, apesar de não alcançá-lo in totum por não abrangerem a regulação dos serviços e monopólios públicos exercidos por particulares".

626

A noção de Estado está relacionada ao elemento de soberania, que se traduz no poder de império

por ele exercido em face dos seus súditos. Outro aspecto da soberania do poder estatal, contudo, revela-

se também no que diz respeito aos bens, o que a doutrina chama de domínio eminente, isto é, a “dispo-

sição estatal sobre todos os bens em seu território ou que, de alguma forma, estejam institucionalmente

sujeitos à sua ordem jurídica”.627

O domínio eminente é partilhado entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios (CF,

art.18), dele resultando três ordens de domínio: 1) o domínio privado (bens privados); 2) o domínio

público (bens públicos); 3) as coisas de ninguém (res nullius). Sobre cada qual dessas ordens, o Estado

exerce o seu poder de forma diferenciada.

Em relação ao domínio privado, o poder estatal se revela através do poder de polícia e nos meca-

nismos específicos de intervenção na propriedade, alguns deles já estudados anteriormente (limitação,

servidão, tombamento, requisição, ocupação e desapropriação). Outra é a situação dos bens de domínio

público e daqueles sem titularidade definida.

Edimur Ferreira de Faria assim destaca estas três ordens de domínio:

• Bens Privados – “Sendo de propriedade privada, garantida pela Constituição, o Estado não po-

de exercer sobre esses bens o mesmo domínio a que se submetem os bens públicos. Mas deve estabele-

cer regras para o exercício do direito sobre eles, impondo limitações ao respectivo titular, em decorrên-

cia da função social que deve atender à propriedade privada. A interferência do Estado sobre os bens

privados vai desde o ordenamento do solo à desapropriação, passando pelas limitações administrativas,

ocupação temporária, requisição, servidão administrativa e tombamento. Além dessas modalidades de

626 ARAGÃO, Curso..., cit. 627 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso..., cit.

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intervenção na propriedade, o Estado interfere no domínio econômico através do controle de preço, do

estabelecimento de estoques reguladores, de restrição ao monopólio, ao cartel e a outros meios de mani-

festação do abuso econômico”.628

• Bens Públicos – “Sobre os bens públicos, o domínio eminente do Poder Público é diferente e

mais acentuado, em relação ao exercido sobre os bens privados. Os bens públicos são assim chamados

pelo fato de pertencerem a entidades públicas, políticas ou não. Embora tais bens sejam de propriedade

estatal, o uso e a manutenção deles são voltados para o interesse público”.629

• Bens sem titularidade definida ou res nullius – “São os inapropriáveis, em virtude de sua na-

tureza. Exemplos: água, espaço aéreo, meio ambiente, flora e fauna. Para a fruição, apropriação e uso

desses bens, o Estado exerce o seu poder eminente editando leis dispondo sobre a utilização e conserva-

ção dos mesmos, visando ao interesse social, à saúde e à boa qualidade de vida”.630

O objeto do presente estudo envolve o domínio público, que, como sintetiza Cretella Júnior, “é o

conjunto dos bens móveis e imóveis de que é detentora a Administração, afetados quer a seu próprio uso,

quer ao uso direto ou indireto da coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogató-

rio e exorbitante do direito comum”.631

Hely Lopes apresenta um conceito amplo de bens públicos, como sendo “todas as coisas, corpó-

reas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer

título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais”.632

Esta conceituação é passível de críticas, notadamente quanto à inclusão dos bens das paraestatais

dentro da categoria de bens públicos.633

Primeiro, porque o termo “paraestatais” – que era empregado

por Hely para se referir às empresas públicas e sociedades de economia mista – atualmente é utilizado

com outro significado, designando entidades situadas fora do aparelho estatal e, portanto, cujos bens são

privados. Ademais, mesmo as empresas estatais, apesar de integrarem a Administração Indireta, quando

exploradoras de atividades econômicas têm os seus bens submetidos a regime jurídico de Direito Priva-

do, na forma do art. 173, II, da CF/88. Logo, seus bens também não integram o conceito de domínio

público.

Nesse prisma, recorremos ao conceito oferecido por Celso Antônio, para quem bens públicos

“são todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de Direito Público, isto é, União Estados, Distrito

Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de Direito Público (estas últimas, aliás, não

passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não

pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público. O conjunto de bens

públicos forma o domínio público, que inclui tanto bens imóveis como móveis”.634

Institutos estreitamente relacionados com o domínio público são a afetação e a desafetação. Afe-

tação “é a atribuição, a um bem público, de sua destinação específica”,635

ou seja, “é a destinação fática

628 FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. Belo Horizonte: Del Rey. 629 Idem. 630 Ib idem. 631 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Forense. 632 Direito Administrativo Brasileiro, cit. 633 FIGUEIREDO, Curso..., cit. 634 MELLO, Curso..., cit. 635 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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ou jurídica de um bem a uma utilização de interesse público”.636

Desafetação, em sentido contrário, é a

“redução ou extinção, fática ou jurídica, da utilização de interesse público de um determinado bem”.637

Logo, diz-se que um bem público está afetado quando empregado em alguma utilidade pública.

Tal afetação é um fato administrativo, que pode ser declarado em lei ou ato administrativo - como acon-

tece em relação aos bens de uso especial - ou simplesmente decorrer do destino natural do bem - como

ocorre com os bens de uso comum do povo (praias, ruas, praças etc.). Por exemplo, a construção de uma

praça e sua utilização pela população já faz configurar de imediato a sua afetação, independente de de-

claração expressa do Poder Público.

Consoante explica José dos Santos Carvalho Filho, "a afetação e a desafetação constituem fatos

administrativos, ou seja, acontecimentos ocorridos na atividade administrativa independentemente da

forma com que se apresentem. Embora alguns autores entendam a necessidade de haver ato administra-

tivo para consumar-se a afetação ou a desafetação, não é essa realmente a melhor doutrina em nosso

entender. O fato administrativo tanto pode ocorrer mediante a prática de ato administrativo formal, como

através de fato jurídico de diversa natureza. Significa que, até mesmo tacitamente, é possível que deter-

minada conduta administrativa produza a afetação ou a desafetação, bastando, para tanto, verificar-se no

caso o real intento da Administração".638

Cumpre ter atenção a esta peculiaridade do Direito Administrativo, onde a expressão “bem pú-

blico” não é necessariamente sinônimo de “propriedade pública”. A doutrina enfatiza que pertencem ao

domínio público não somente os bens de propriedade dos entes e Direito Público (domínio patrimonial),

mas também os que estejam destinados a um fim público. Com isso, o domínio público pode levar em

conta dois aspectos distintos: propriedade e afetação. Basta a presença de qualquer um deles para que

haja domínio público.

Percebe-se, pois, que “a noção de domínio público é mais extensa que a de propriedade, pois nele

se incluem bens que não pertencem ao Poder Público; a marca específica dos que compõem tal domínio

é a de participarem da atividade administrativa pública”.639

A doutrina classifica os bens públicos quanto à titularidade, à destinação e à disponibilidade.

→ Quanto à titularidade: classificam-se conforme as regras de dominialidade pública dispostas

na Lei Maior.

• Bens federais: aqueles que pertencem à União, consoante disposto no art.20 da CF/88. São e-

les: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; II - as terras devolutas

indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de

comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; III - os lagos, rios e quaisquer correntes de

água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros

países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as

praias fluviais; IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias maríti-

mas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II; V - os recursos

naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terre-

nos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; IX - os recursos minerais,

inclusive os do subsolo; X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Além disso, os bens dos Territórios federais inte-

gram o domínio da União, inserindo-se dentre os seus bens (CF/88, art.18, §2º).

636 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 637 Idem. 638 CARVALHO FILHO, Manual..., cit. 639 MELLO, Curso..., cit.

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• Bens estaduais: além dos que forem adquiridos pelos Estados na forma da lei, o art.26 da

CF/88 assim os discrimina: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito,

ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II - as áreas, nas ilhas oceâni-

cas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou

terceiros; III - as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União; IV - as terras devolutas não compre-

endidas entre as da União.

No tocante ao Distrito Federal, “por extensão implícita no princípio de competência legislativa,

disporá sobre o mesmo rol de bens atribuídos aos Estados (art.32, §1º, CF)”.640

• Bens municipais: “os Municípios não foram contemplados explicitamente na partilha dominial

constitucional, tendo ficado excluídos, assim, do exercício do domínio sobre terras devolutas, sobre rios

e lagos. Assegura-se-lhes, todavia, o domínio patrimonial sobre os bens públicos de uso comum situados

no perímetro urbano (art.30, VIII, CF) e, quanto às águas, sobre aquelas fluentes ou em depósito, artifi-

cialmente captadas ou estancadas por obras municipais”.641

Outro aspecto importante diz respeito à competência legislativa em matéria de bens públicos.

Diógenes Gasparini ressalta que “cabe a cada uma das pessoas políticas (União, Estado-Membro, Distri-

to Federal e Município) regular alguns aspectos da aquisição, do uso, da administração e da alienação

dos bens que integram seus respectivos patrimônios, visto que essa atribuição é da essência da autono-

mia dos entes federados”.642

Daí porque o art.48, V, da Carta Magna de 1988 prevê expressamente ser da

competência do Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre os bens do

domínio da União. A ratio desse dispositivo há de ser aplicada simetricamente aos demais entes federa-

dos, de modo que possam editar leis dispondo sobre os bens do seu respectivo domínio público.

→ Quanto ao grau de afetação: tomando por base a sua destinação, são divididos em três espé-

cies.

• Bens de uso comum “são os destinados ao uso indistinto de todos, como os mares, ruas, estra-

das, praças etc”.643

• Bens de uso especial “são afetados a um serviço ou estabelecimento público, como as reparti-

ções públicas, isto é, locais onde se realiza atividade pública ou onde está à disposição dos administrados

um serviço público, como teatros, universidades, museus e outros abertos à visitação pública”.644

• Bens dominicais “também chamados de dominiais – são os próprios do Estado como objeto de

direito real, não aplicados nem ao uso comum, nem ao uso especial, tais os terrenos ou terras em geral,

sobre os quais tem senhoria, à moda de qualquer proprietário, ou que, do mesmo modo, lhe assistam em

conta de direito pessoal”.645

Como dispõe o Código Civil (Lei 10.406/2002), "os bens públicos de uso comum do povo e os

de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determi-

nar" (art.100). Já "os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei"

(art. 101).

Em suma, nos bens de uso comum existe uma afetação ao uso comum; nos bens de uso especial

existe uma afetação ao uso especial; nos bens dominicais não existe afetação alguma. Assim, o grau de

desafetação pode variar em cada caso. Um bem de uso comum pode eventualmente ser desafetado deste

uso, porém afetado a um uso especial (tornando-se bem de uso especial) ou não afetado a qualquer des-

640 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 641 Idem. 642 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 643 MELLO, Curso..., cit. 644 Idem. 645 Ib idem.

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tino público (tornando-se bem dominical). Esta classificação é importante porque definirá o regime

jurídico aplicável a cada espécie de bem, especificamente no que concerne às características de inaliena-

bilidade, impenhorabilidade e imprescritibilidade, como veremos mais à frente.

O regime jurídico dos bens públicos é delimitado pelas seguintes características: inalienabilida-

de, impenhorabilidade e imprescritibilidade. Alguns autores acrescentam, ainda, a não-oneração e a

intangibilidade.

A inalienabilidade poderá ser absoluta ou relativa. Será absoluta “quanto aos bens de uso co-

mum do povo. Bom exemplo é o art.225 da Constituição da República, o meio ambiente ecologicamente

equilibrado, que inadmitirá qualquer forma de oneração”. Será relativa “se o bem for afetado a qualquer

uso especial. A possibilidade de alienação somente surgirá quando o bem for desafetado”.646

A alienação de bens públicos, quando possível, demanda avaliação e licitação, sendo que, em

regra, somente os bens desafetados poderão ser alienados. A desafetação se dá por autorização legislati-

va, dispensável apenas no caso dos bens dominicais, pois estes já são desafetados.

É possível também que o bem afetado seja alienado sob regime público, ou seja, visando outro

interesse coletivo. Conforme explica Diogo de Figueiredo, “enquanto afetado a um interesse público

específico, o bem é inalienável sob o regime privado, embora possa vir a sê-lo sob o regime público,

desde que ocorra mutação de um interesse público específico por outro, inclusive admitindo a imposição

de ônus reais administrativos, que resultem no atendimento concomitante de outro interesse público

específico”.647

Em se tratando de alienação de bens imóveis da União, a Lei 9.636/98 estabelece que tal depen-

derá de autorização, mediante ato do Presidente da República, e será sempre precedida de parecer da

Secretaria do Patrimônio da União (SPU) quanto à sua oportunidade e conveniência. A competência para

autorizar a alienação poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.

Como modalidades de alienação, a aludida legislação prevê a venda, a permuta e a doação.

A imprescritibilidade “é a impossibilidade de ser adquirido o domínio de bens públicos por u-

sucapião, mesmo que excepcionalmente”.648

É uma regra absoluta, não admitindo exceção, nem mesmo

em relação aos bens dominiais. Aliás, o caráter de imprescritibilidade absoluta dos bens públicos encon-

tra expressa previsão constitucional, especificamente nos artigos 183,§3º e 191, p. único, da CF/88, ao

dispor que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

Na verdade, desde a vigência do Código Civil de 1916, os bens dominicais, como os demais bens

públicos, não podem ser adquiridos por usucapião (Súmula 340 do STF), tendo o art.200 do DL

9.760/46 reforçado esta regra em relação aos bens imóveis da União, de qualquer natureza. Posterior-

mente, o ordenamento constitucional passou a admitir o usucapião pro labore de terras públicas devolu-

tas (Constituições de 34, 37 e 46), o que foi incluído entre as hipóteses de usucapião especial rural no

art. 2º da Lei 6.969/81. Com o advento da Constituição da República de 1988, foi restabelecida a regra

absoluta de imprescritibilidade dos bens públicos.

A impenhorabilidade resguarda os bens públicos, não permitindo que sobre eles recaia penhora.

É também uma regra absoluta, que envolve inclusive os bens dominiais. Trata-se de um obstáculo que

tem assento constitucional no art. 100 da CRF/88, que prevê mecanismos específicos de execução contra

a Fazenda Pública (precatório e requisição de pequeno valor).

646 FIGUEIREDO, Curso..., cit. 647 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 648 FIGUEIREDO, Curso..., cit.

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A não-oneração é atributo segundo o qual “o administrador público (Prefeito, Governador, Pre-

sidente) não pode gravar livremente os bens que estão sob sua guarda, conservação e aprimoramento. Ou

seja, esses agentes, porque não são donos desses bens, não podem onerá-los”.649

Impede-se, com isso,

que bens públicos sejam gravados com penhor, hipoteca ou anticrese, até porque só os bens alienáveis

podem sofrer tal oneração. Além disso, a não-oneração decorre também da regra de impenhorabilidade

dos bens públicos, daí o seu caráter igualmente absoluto.

A intangibilidade se caracteriza pela impossibilidade de destruição do bem público. “Nesse sen-

tido, a construção de prédio público (bem público) em terreno particular, à luz do princípio da intangibi-

lidade, é equívoco sanável para o Estado. A intangibilidade de obra pública (e, por efeito, do bem públi-

co) impede a simples demolição do prédio (diferente da construção privada em terreno público, ou mes-

mo em terreno particular sem autorização do Estado, que sofreria destruição – desfazimento de obra –

em face da prevalência do interesse público sobre o privado. A solução para o particular, proprietário do

terreno, estaria apenas na possibilidade de pleitear – através de ação de desapropriação indireta – indeni-

zação para ressarcir o prejuízo causado pelo esbulho possessório do Estado)”.650

A classificação dos bens públicos em bens de uso comum, de bens de uso especial ou de bens

dominicais não é suficiente para qualificar as mais diversas situações possíveis de acontecer na dinâmica

da administração pública. Para se saber ao certo qual o regime jurídico incidente em cada caso, torna-se

necessário verificar, além da espécie do bem, a sua forma de utilização, pois a destinação pode variar em

determinadas circunstâncias.

Maria Sylvia identifica basicamente três aspectos a serem levados em conta na definição do mo-

do de utilização de um bem público:

• Uso normal / uso anormal: o uso normal “é o que se exerce de conformidade com a destina-

ção principal do bem”. Já o uso anormal “é o que atende a finalidades diversas ou acessórias, às vezes

em contradição com aquela destinação”.651

• Uso comum / uso privativo: o uso comum “é o que se exerce, em igualdade de condições, por

todos os membros da sociedade”, enquanto o uso privativo ou singular, “é o que a Administração Públi-

ca confere, mediante título jurídico individual, a pessoa ou grupo de pessoas determinadas, para que o

exerçam, com exclusividade, sobre parcela de bem público”.652

• Uso ordinário / uso extraordinário: O uso comum, por sua vez, poderá ser ordinário, quando

“aberto a todos indistintamente, sem exigência de instrumento administrativo de outorga e sem retribui-

ção de natureza pecuniária” ou extraordinário, quando “está sujeito a maiores restrições impostas pelo

poder de polícia do Estado, ou porque limitado a determinada categoria de usuários, ou porque sujeito a

remuneração, ou porque dependente de outorga administrativa”.653

Portanto, o regime de uso observará, em primeiro lugar, a espécie de bem público e, em seguida,

os três aspectos acima enfocados.

→ A utilização dos bens de uso comum:

Começando pelos bens de uso comum (praias, ruas, parques, praças etc.), infere-se que, em regra,

eles serão utilizados pelos particulares sob o regime de uso norma, comum e ordinário. Ou seja, a

649 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 650 FRIEDE, R. Lições Objetivas de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva. 651 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 652 Idem. 653 Ib idem.

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princípio são de livre utilização de todos, em concorrência igualitária e sem necessidade de prévia auto-

rização da Administração.

Por exceção, o uso dos bens de uso comum poderá ser particular, anormal ou extraordinário. A

ocorrência de qualquer dessas circunstâncias excepcionais faz configurar o uso especial, que é a nomen-

clatura única empregada por Celso Antônio.654

Explica o autor que “além do uso comum dos bens de uso comum, isto é, deste uso livre, podem

ocorrer hipóteses em que alguém necessite ou pretenda deles fazer usos especiais, ou seja, que se afas-

tem das características dantes apontadas, por implicarem sobrecarga do bem, transtorno ou impedimen-

to para a concorrente e igualitária utilização de terceiros ou ainda por demandarem até mesmo o des-

frute de uma exclusividade no uso sobre parte do bem. Em tais situações, ora será indispensável (a) a

prévia manifestação administrativa concordante (autorização de uso ou permissão de uso), ora será

necessário (b) dar prévia ciência à Administração de que se pretende fazer determinada utilização de um

certo bem público de uso comum, para que o Poder Público possa vetá-la, se for o caso. Com efeito,

nestes casos não mais se estará ante o uso comum, mas ante usos especiais”.655

Também para Hely Lopes, qualquer restrição individual ao uso comum faz caracterizar um uso

especial de bem de uso comum. Esclarece que o “uso comum do povo é todo aquele que se reconhece à

coletividade em geral sobre os bens públicos, sem discriminação de usuários ou ordem especial para sua

fruição. É o uso que o povo faz das ruas e logradouros públicos, dos rios navegáveis, do mar das praias

naturais. Esse uso comum não exige qualquer qualificação ou consentimento especial, nem admite fre-

qüência limitada ou remunerada, pois isto importaria atentado ao direito subjetivo público do indivíduo

de fruir os bens de uso comum do povo sem qualquer limitação individual. Para esse uso só se admitem

regulamentações gerais de ordem pública, preservadoras da segurança, da higiene, da saúde, da moral e

dos bons costumes, sem particularizações de pessoas ou categorias sociais. Qualquer restrição ao direito

subjetivo de livre fruição, como a cobrança de pedágio nas rodovias, acarreta a especialização do uso e,

quando se tratar de bem realmente necessário à coletividade, só pode ser feita em caráter excepcio-

nal”.656

Percebe-se que existe certa desconformidade nas nomenclaturas utilizadas pelos administrativis-

tas brasileiros no tocante à utilização dos bens de uso comum, pois o que uns denominam uso privativo,

anormal ou extraordinário, outros consideram simplesmente uso especial. Deixando de lado as divergên-

cias na designação, o importante é que se saiba visualizar qual o regime jurídico de uso aplicado a cada

caso específico.

→ A utilização dos bens de uso especial:

Os bens de uso especial, como visto, são aqueles afetados à realização de serviços públicos, inte-

grando o aparelho administrativo, a exemplo dos edifícios onde funcionam as repartições públicas, veí-

culos utilizados pela Administração etc. Logo, em regra, o uso comum desses bens deve corresponder

às exigências dos respectivos serviços públicos. Excepcionalmente poderá haver uso privativo de bem

de uso especial.

Ainda na lição de Celso Antônio, “como os bens de uso especial são aqueles onde estão instala-

das as repartições públicas, compreende-se que, como regra, o uso que as pessoas podem deles fazer é o

que corresponda às condições de prestação do serviço ali sediado. Assim, exempli gratia, o acesso a um

museu, a um teatro, a um campo de futebol ou ginásio esportivo públicos dar-se-á nos termos regentes

da utilização dos serviços. Sem embargo, casos há em que os administrados podem obter um uso exclu-

654 MELLO, Curso..., cit. 655 Idem. 656 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit.

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sivo sobre partes das áreas de bens de uso especial, por ser esta justamente a destinação das sobreditas

áreas. É o que se passa nos mercados públicos e centros de abastecimento. O Poder Público, então, defe-

re, mediante licitação, permissão de uso ou concessão de uso destes boxes onde se instalarão os comer-

ciantes interessados”.657

→ A utilização dos bens dominicais:

Os bens dominicais (ou dominiais), já se disse, compõem o patrimônio disponível do Estado,

“semelhante ao patrimônio privado” e que, “por não estarem comprometidos com o interesse social, são

dispensáveis e, por isso, alienáveis. A Administração, além de poder aliená-los, conforme preceitua o

art.17 da Lei n. 8666/93, pode também, segundo a conveniência e o interesse público, ceder-lhes o uso a

particular, pessoa física ou jurídica, através de instrumento adequado”.658

Sejam bens de uso comum, bens de uso especial ou bens dominicais, o ordenamento jurídico ad-

mite que a Administração Pública outorgue a utilização privativa, em favor de determinado particular.

Em todo caso, como destaca Odete Medauar, o regime jurídico de utilização privativa obedecerá

aos seguintes parâmetros: a) Compatibilidade com o interesse público – “o uso privativo pelo particular

não pode contrariar o interesse público”; b) Consentimento da Administração – “o uso privativo do bem

por particular depende de consentimento da Administração, que é o título legal para esse uso”; c) Obser-

vância de condições fixadas pela Administração – “a Administração pode fixar preceitos relativos ao

uso pelo particular e este deverá observar tais regras, sob pena de cessação do uso”; d) Possibilidade de

cobrança – “o uso privativo de bem público admite cobrança de preço por parte da Administração a que

se vincula o bem, havendo também usos gratuitos”; e) Precariedade – “é a regra para o uso privativo;

por motivo de atendimento ao interesse público, a Administração pode cessar unilateralmente o uso

privativo, mesmo dotado de prazo determinado, mesmo formalizado mediante contrato; havendo prazo,

a cessação do uso privativo, somente por motivo de interesse público, enseja indenização a favor do

particular”.659

A princípio, os bens de uso comum (praias, ruas, parques, praças etc.) serão livremente utilizados

por todos sob o regime de uso comum, normal e ordinário, sem necessidade de prévia autorização da

Administração. Todavia, é possível que a Administração faculte a particulares o uso privativo de bens

públicos, até mesmo os de uso comum, mediante instrumentos tais como a autorização de uso, a permis-

são de uso, a concessão de uso, a concessão de direito real de uso, dentre outros. É o que ocorre, por

exemplo, quando se autoriza o uso de terreno público para a instalação temporária de um circo, ou per-

mite-se a ocupação de determinado box em mercado municipal ou a instalação de banca de revistas em

praça pública.

Segundo Maria Sylvia, "o conteúdo do uso privativo é variável,podendo comportar faculdade de

ocupação (como a instalação de bancas na calcada), poderes de transformação (construção de vestiário

na praia) ou até poderes de disposição de uma parte da matéria (aproveitamento das águas públicas ou

extração de areia)".660

Não obstante tal variedade de situações, em qualquer hipótese há duas caracterís-

ticas essenciais: "1. a exclusividade na utilização da parcela dominial, para a finalidade consentida; 2. a

exigência de um título jurídico individual, pelo qual a Administração outorga o uso e estabelece as con-

dições em que será exercido".661

657 MELLO, Curso..., cit. 658 FARIA, Curso..., cit. 659 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit. 660 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 661 Idem.

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São variados os instrumentos de que a Administração Pública dispõe para outorgar o uso privati-

vo, alguns deles específicos do Direito Público e outros tomados do Direito Privado, desde quando com-

patíveis com os princípios administrativos. Vejamos os principais:

• Autorização de uso: “é o ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administra-

ção consente que um particular utilize privativamente um bem público. Pode incidir sobre qualquer tipo

de bem. De regra, o prazo de uso é curto; poucas e simples são suas normas disciplinadoras; independe

de autorização legislativa e licitação; pode ser revogada a qualquer tempo. Ex.: uso de área municipal

para instalação de circo, para formar canteiro de obra pública”.662

Enquanto a permissão e a concessão

são conferidas visando diretamente a satisfação do interesse público, a autorização traduz um consenti-

mento voltado à satisfação do interesse particular do usuário do bem, mas que indiretamente gera bene-

fícios à coletividade. O fato de se tratar de utilização direcionada precipuamente ao interesse particular

do beneficiário faz com que: 1) a autorização reviste-se de maior precariedade do que a permissão e a

concessão; 2) seja outorgada, em geral, em caráter transitório; 3) confira menores poderes e garantias ao

usuário; 4) não crie para o usuário um dever de utilização, mas simples faculdade663

.

• Permissão de uso: “é o ato administrativo discricionário e precário pelo qual se atribui ao par-

ticular o uso privativo de bem público. Em geral, a permissão se aplica a usos privativos não conformes

à real destinação do bem, mas compatíveis, por exemplo: bancas de jornais em ruas, mesas e cadeiras em

frente a restaurantes e bares. Qualquer tipo de bem público poderá ser objeto de permissão de uso; inde-

pende de autorização legislativa; quanto à licitação, embora de regra não se exija, melhor parece efetuar-

se o certame se o caso comportar disputa entre interessados, propiciando-se, desse modo, igualdade de

oportunidade e evitando-se favoritismos”.664

Maria Sylvia assinala três diferenças entre a autorização e a

permissão de uso: “1. Enquanto a autorização confere a faculdade de uso privativo no interesse privado

do beneficiário, a permissão implica a utilização privativa para fins de interesse coletivo; 2. dessa pri-

meira diferença decorre outra, relativa à precariedade. Esse traço existe em ambas as modalidades, con-

tudo é mais acentuado na autorização, justamente pelas finalidades de interesse individual; no caso da

permissão, que é dada por razões de predominante interesse público, é menor o contraste entre o interes-

se do permissionário e o do usuário do bem público; 3. a autorização, sendo dada no interesse do usuá-

rio, cria para este uma faculdade de uso, ao passo que a permissão, sendo conferida no interesse predo-

minantemente público, obriga o usuário, sob pena de caducidade do uso consentido”.665

Saliente-se,

contudo, que esses traços de distinção nem sempre são observados pelo legislador, havendo dispositivos

que tratam como permissão de uso situações que, segundo a doutrina, seriam de autorização de uso. É o

que ocorre no art.22 da Lei 9.636/98, segundo o qual "a utilização, a título precário, de áreas de domínio

da União para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religi-

osa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso,

em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União". Apesar da sua

relativa precariedade, enquanto estiver em vigor a permissão de uso naturalmente assegura direitos sub-

jetivos ao permissionário para proteger a utilização na forma permitida, sobretudo perante quanto a

terceiros.

• Concessão de uso, também chamada concessão comum de uso, “é o contrato administrativo pe-

lo qual a Administração consente que particular utilize privativamente bem público. Qualquer tipo de

bem público pode ser objeto de concessão de uso. Em geral, a concessão se efetua para uso conforme à

própria destinação do bem, ou seja, é inerente a esse tipo de bem o uso privativo, no todo ou em parte, de

particular, como é o caso dos boxes em mercados municipais, dependências de aeroportos, de portos, de

estações rodoviárias, cantinas de escolas”666

. Depende de autorização legislativa e, por se tratar de con-

662 Ib idem. 663 Ib idem. 664 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit. 665 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 666 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit.

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trato, deve ser precedido de licitação, em regra na modalidade de concorrência, salvo exceções legais.

Ainda segundo Maria Sylvia Di Pietro, a concessão de uso “é o instituto empregado, preferentemente à

permissão, nos casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade

pública de maior vulto e, por isso mesmo, mais onerosas para o concessionário. Este assume obrigações

perante terceiros e encargos financeiros elevados, que somente se justificam se ele for beneficiado com a

fixação de prazos mais prolongados, que assegurem um mínimo de estabilidade no exercício de suas

atividades”.667

• Concessão de direito real de uso: contrato administrativo previsto no art. 7º do DL 271/67,

segundo o qual "é instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou

gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regulari-

zação fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveita-

mento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência

ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas". Ainda conforme esta legislação específica,

esta modalidade poderá ser contratada por instrumento público ou particular, ou por simples termo ad-

ministrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial. Desde a inscrição da concessão de uso, o

concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por

todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sobre o imóvel e suas rendas.

Resolve-se a concessão antes de seu termo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa

da estabelecida no contrato ou termo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso,

as benfeitorias de qualquer natureza. A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, a

concessão de direito real de uso transfere-se por ato inter vivos , ou por sucessão legítima ou testamentá-

ria, tal como os demais direitos reais sobre coisas alheias, registrando-se a transferência.

• Concessão de uso especial para fins de moradia: é um instrumento recente de outorga de uso

de bens a particulares, previsto na Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e medidas provisórias posterio-

res, que assegura a utilização de imóvel público urbano até 250 m2 àquele que, até 30/06/2001, o haja

possuído como seu por cinco anos ininterruptos e sem oposição, desde que não seja proprietário de outro

imóvel. Ao lado dela, existe também a autorização de uso especial para fins de moradia, nos mesmos

moldes, todavia destinada aos imóveis utilizados com fins comerciais. Em se tratando de áreas de pro-

priedade da União, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos, o art. 22-A da Lei 9.636/98 (incluído

pela Lei 11.481/2007) admite o emprego do instituto, exceto para imóveis funcionais.

• Locação: apesar de divergência doutrinárias acerca da sua aplicação no tocante aos bens públi-

cos, está expressamente prevista em relação aos bens imóveis da União, na forma do art.86 do Decreto-

lei 9760/46, que prevê tal modalidade: I – para residência de autoridades federais ou de outros servidores

da União, no interesse do serviço; II – para residência de servidor da União, em caráter voluntário; III –

a quaisquer interessados. Diogo de Figueiredo critica tal dispositivo legal por entender que se trata, na

verdade, de hipótese de permissão de uso, aludindo à possibilidade de rescisão unilateral por interesse do

serviço público (art.89, III e §2º, do Decreto-lei 9760/46).668

• Arrendamento: é uma forma de locação com fim específico de exploração de frutos ou presta-

ção de serviços, conforme prevê o art.96 do DL 9.760/46. O prazo máximo para arrendamento é 10 (dez)

anos, salvo em casos especiais, expressamente determinados por lei.

• Enfiteuse: também chamada de aforamento, é instituto tradicional do Direito Privado, cujo re-

gime ainda vem sendo aplicado a alguns bens públicos dominiais, naquilo que não tenha sido derrogado

por normas específicas de Direito Público. No caso de bens da União, encontra-se regulamentado em

dispositivos do DL 9.760/46 e da Lei 9.636/98, sendo que, no tocante aos terrenos de marinha, a própria

Constituição contemplou o emprego do instituto (art. 49, §3º, do ADCT). Como escreve Maria Sylvia,

667 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 668 Ob. cit., p.341.

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“a Constituição de 1988 revela a intenção de extinguir a enfiteuse, no art.49 das Disposições Transitó-

rias; o dispositivo faculta aos foreiros, no caso de sua extinção, a remição dos aforamentos mediante

aquisição do domínio direto; porém, determina que o mesmo instituto continuará a ser adotado nos ter-

renos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima”.669

Na

forma do art. 116 do DL 9.760/46, não há qualquer necessidade de anuência da União para fins de

transmissão de direitos por ato causa mortis, de modo que, com o falecimento do antigo foreiro, o domí-

nio útil poderá ser regulamente transmitido aos herdeiros, que farão jus à transferência das obrigações

enfitêuticas, bastando para tanto formular um simples requerimento de averbação junto ao órgão compe-

tente (SPU). Registre-se que, consoante posicionamento do STF670

, o usucapião do domínio útil de bem

público submetido a enfiteuse, reivindicado em face ao foreiro, não viola a regra de imprescritibilidade

dos bens públicos. Nesse caso, o bem continuará sendo público, apenas se substituindo o antigo enfiteuta

pelo usucapiente, sem qualquer prejuízo para o ente público proprietário do bem.

• Cessão de uso: prevista no art.64 do DL 9.760/46, no DL 178/67 e no art.18 da Lei 9636/98,

“pode ocorrer quando interessar à União prestar colaboração ou auxílio mediante o uso gratuito de imó-

vel seu”.671

“Comparando-se a cessão com outros institutos de direito público, ela se apresenta como

espécie do gênero concessão de uso. Esta pode ser gratuita ou onerosa, por tempo determinado ou inde-

terminado; pode ter objeto bens públicos de qualquer natureza e pode atender aos mais variados fins

públicos e até ser de utilidade privada do concessionário (como no caso da concessão de sepultura); a

cessão é sempre gratuita, por tempo determinado, e só pode ter por objeto bens dominicais, só podendo

ser conferida para os fins definidos nos citados dispositivos da legislação federal. Dispensa autorização

legislativa e concorrência pública”.672

A cessão de imóveis da União poderá ocorrer a: I) Estados, Muni-

cípios e entidades sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social; II) pesso-

as físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de

interesse nacional, que mereça tal favor. A cessão poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão

de direito real de uso resolúvel já anteriormente estudado. Segundo o regime instituído pela Lei

9.636/98, além de imóveis, poderão ser objeto de cessão o espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço

físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da

plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insuscetíveis de transferência de direitos

reais a terceiros. A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante

termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finali-

dade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tornar-se-á nula, independentemente de ato

especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autoriza-

tivo e conseqüente termo ou contrato.

• Inscrição de ocupação: no âmbito federal, tanto o DL 9.760/46, quanto o DL 1561/77 e, mais

recentemente, a Lei 9.636/98, mencionaram a figura da ocupação, referindo-se à situação fática dos que

até então vinham ocupando e ainda ocupam terrenos da União sem título formal, ou seja, sem amparo

em qualquer dos instrumentos de outorga de uso privativo acima estudados, o que não obstou que, ha-

vendo concordância da Administração, pudessem se manter na posse do bem, ainda que a título precário,

mediante o pagamento anual da taxa de ocupação. Portanto, a inscrição da ocupação não é propriamente

um instrumento de outorga de utilização de bem público, mas sim um procedimento saneador de situa-

ção jurídica irregular que demandava regularização mediante o cadastramento do ocupante. Como escre-

ve Gasparini, as referidas legislações "acabaram por instituir e impor à Administração Federal a obriga-

toriedade de rever todas as ocupações e proceder à regularização das em desacordo com a lei, mediante a

adoção dos instrumentos de trespasse de uso: locação, aforamento, cessão, concessão de direito real de

uso, conforme o caso. Essa obrigatoriedade não assegura aos ocupantes qualquer direito à ocupação nem

indenização por benfeitorias, salvo as hipóteses que especifica. Ademais, pode a inscrição ser cancelada

669 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 670 STF, RE-AgR. 218324, rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 20/04/2010. Precedente: RE 82106. 671 MEDAUAR, Direito Administrativo Moderno, cit. 672 Di Pietro, ob. cit., pp.559/560.

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a qualquer tempo, reintegrando-se a União na posse do bem. Aí, portanto, está, no estilo tradicional, a

adoção da permissão de uso”.673

Refletindo a jurisprudência dominante do STJ está a seguinte ementa:

"1. A ocupação de área pública, sem autorização expressa e legítima do titular do domínio, é me-

ra detenção, que não gera os direitos, entre eles o de retenção, garantidos ao possuidor de boa-fé pelo

Código Civil. Precedentes do STJ. 2. Posse é o direito reconhecido a quem se comporta como proprietá-

rio. Posse e propriedade, portanto, são institutos que caminham juntos, não havendo de se reconhecer a

posse a quem, por proibição legal, não possa ser proprietário ou não possa gozar de qualquer dos poderes

inerentes à propriedade. A ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como

posse, mas como mera detenção. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas

depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o

surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis

e necessárias (REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24.11.2008). 3. Confi-

gurada a ocupação indevida de bem público, não há falar em posse, mas em mera detenção, de natureza

precária, o que afasta o direito de retenção por benfeitorias (REsp 699374/DF, Rel. Min. Carlos Alberto

Menezes Direito, Terceira Turma, DJ 18.6.2007). 4. A ocupação de bem público não passa de simples

detenção, caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão público.

Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do CódigoCivil/1916) (REsp 489.732/DF, Rel.

Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, DJ 13.6.2005). 5. Tem-se como clandestina a construção, a qual

está inteiramente em logradouro público, além do fato de que a sua demolição não vai trazer nenhum

benefício direto ou indireto para o Município que caracterize eventual enriquecimento, muito pelo con-

trário, já que se está em discussão é a desocupação de imóvel público de uso comum que, por tal nature-

za, além de inalienável, interessa a toda coletividade (REsp 245.758/PE, Rel. Min. José Delgado, Primei-

ra Turma, DJ 15.5.2000). 6. Recurso Especial provido. (REsp 900159/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin,

julg. 01/09/2009). 1. Conforme dispõe a Lei 5.861/72, incumbe à TERRACAP, empresa pública que

tem a União como co-proprietária, a gestão das terras públicas no Distrito Federal. 2. A jurisprudência

firme desta Corte entende não ser possível a posse de bem público, constituindo a sua ocupação sem

aquiescência formal do titular do domínio mera detenção de natureza precária. 3. Os artigos 516 do

Código Civil de 1916 e 1.219 do Código Civil em vigor estabelecem a posse como requisito para que se

possa fazer jus ao direito de retenção por benfeitoria. 4. Recurso especial provido".674

Noutro precedente, o STJ considerou que "não se indenizam benfeitorias realizadas em bem pú-

blico se expressamente estabelecido, no contrato de concessão de direito real de uso, que seriam incorpo-

radas ao imóvel, sem direito à indenização, em caso de rescisão por inadimplemento das prestações

mensais. Validade da cláusula de não indenizar".675

Por fim, no tocante à situação específica dos concessionários de serviços públicos, o STJ também

já se posicionou no sentido de que "a cobrança em face de concessionária de serviço público pelo uso de

solo, subsolo ou espaço aéreo é ilegal (seja para a instalação de postes, dutos ou linhas de transmissão, p.

ex.) porque (i) a utilização, neste caso, reverte em favor da sociedade - razão pela qual não cabe a fixa-

ção de preço público - e (ii) a natureza do valor cobrado não é de taxa, pois não há serviço público pres-

tado ou poder de polícia exercido".676

673 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 674 STJ, REsp 841905/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg.17/05/2011. 675 STJ, REsp. 1169109/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julg. 22/06/2010. 676 STJ, REsp. 1246070/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, julg. 03/05/2012.

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As terras devolutas “são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das en-tidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos espe-cíficos. São bens públicos patrimoniais ainda não utilizados pelos respectivos proprietários”.

677 Diogo de

Figueiredo as chama de bens públicos fundiários dominicais inafetados.678

A origem do nome decorre do fato de que tais terras, que originariamente eram públicas, mas cu-jo uso veio sendo concedido no antigo sistema das sesmarias, acabaram devolvidas ao Poder Público por não haverem efetivamente se incorporado ao domínio privado, em alguma das situações indicadas no art. 5º do DL 9.760/46. Em síntese, são devolutas as terras que não foram registradas em nome de particula-res e as terras públicas sem destinação específica.

Maria Sylvia aponta que “as terras devolutas sempre foram definidas de forma residual, ou seja, por exclusão: são devolutas porque não entraram legitimamente no domínio particular ou porque não têm qualquer destinação pública. E existe, indubitavelmente, uma presunção em favor da propriedade pública, graças à origem das terras no Brasil: todas elas eram do patrimônio público; de modo que, ou os particulares as adquiriram mediante concessão, doação, venda, legitimação de posse ou usucapião (no período permitido), ou elas realmente têm que ser consideradas públicas e insuscetíveis de usucapi-ão.Trata-se de presunção juris tantum, cabendo ao interessado em adquiri-la por usucapião provar que a terra não é devoluta, porque adquirida por particular por meio de título legítimo. O Estado nada tem que provar, mesmo porque não há meios de prova hábeis para demonstrar que a terra não é de particular, a não ser por meio de ação discriminatória”.

679 A dermacação das terras devolutas se faz por meio do

processo discriminatório, atualmente regulamentado pela Lei 6.383/76.

Justamente por não serem afetadas a qualquer destinação, as terras devolutas pertencem à cate-goria de bens dominicais, compondo, portanto, a patrimônio público disponível, podendo ser alienadas de acordo com o interesse coletivo. Excetuam-se dessa regra as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção de ecossistemas naturais (CF/88, art.225, §5º), bem como as de propriedade da União (CF/88, art. 20, II).

A princípio, as terras devolutas pertencem aos Estados-membros, ressalvadas as pertencen-tes à União (CF/88, art.20, II c/c 26, IV), que, por sua vez, são apenas as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei.

Quanto aos Municípios, a Constituição vigente não lhes contemplou com terras devolutas, mas os Estados poderão lhes transferir terras devolutas situadas nos respectivos perímetros urbanos.

A CF/88, em seu art.20, §2º, considera faixa de fronteira a faixa de até cento e cinqüenta quilô-metros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, considerando-a como fundamental para a defesa do território nacional e que, por isso, terão a sua ocupação e utilização reguladas em lei. Ainda que não seja propriamente um bem público, a faixa de fronteira tem grande importância para a segurança nacional. Mas, como ressalta Maria Sylvia, “não quer dizer que todas as terras situadas na faixa de fronteira sejam públicas e de propriedade da União; a Constituição faz referência às terras devolutas. Existem terras particulares nessa faixa, que ficam sujeitas a uma série de restrições estabelecidas em lei, em benefício da segurança nacional”.

680 A Lei 6.634/79 dispõe sobre a faixa de fronteira, fixando restrições ao uso e

alienação de suas áreas.

As terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras são bens de uso especial da União (CF/88, art. 20, II). Logo, os Estados-membros não podem dela dispor, sob pena de nulidade absoluta insanável. Consoante já se manifestou o STJ, "qualquer alienação ou oneração de terras situadas na

677 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 678 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 679 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit. 680 Idem.

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faixa de fronteira, sem a observância dos requisitos legais e constitucionais, é 'nula de pleno direito'", como diz a Lei 6.634/79, especialmente se o negócio imobiliário foi celebrado por entidades estaduais destituídas de domínio. A alienação pelo Estado a particulares de terras supostamente situadas em faixa de fronteira não gera, apenas, prejuízo de ordem material ao patrimônio público da União, mas ofende, sobretudo, princípios maiores da Constituição Federal, relacionados à defesa do território e à sobera-nia nacional".

681

Em suma, a faixa de fronteira não é um bem público, mas, sim, uma área em que se situam diver-sos bens, públicos e particulares. Dentre os bens públicos estão as terras devolutas da União, que, sendo dominiais, apenas poderão ser alienadas nas situações específicas previstas na Lei 6.634/79.

Os terrenos de marinha “são as faixas de terra fronteiras ao mar numa largura de 33m contados

da linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à mar-

gem dos rios e lagoas que sofram influência das marés, até onde esta se faça sentir, e mais as que con-

tornam ilhas situadas em zonas sujeitas a esta mesma influência. Considera-se influência das marés a

oscilação periódica do nível médio das águas igual ou superior a 5cm (art.2o e parágrafo único do Decre-

to-lei 9760, de 5.9.46)”.682

São bens da União (CF/88, art.20, VII, e art.1o, a, do Decreto-lei 9760/46) e

integram a categoria dos bens dominicais, salvo se estiverem destinados ao uso comum ou especial ou,

ainda, por algum título legítimo pertencerem ao domínio particular, como previsto no Código de Águas

(art.11 do Decreto 24.643/34).

Deveras, os terrenos de marinha são considerados bens públicos dominicais enquanto não afeta-

dos a uma destinação específica, podendo ser explorados pelo Poder Público, inclusive mediante a co-

brança de taxas pela sua ocupação por particulares. Porém, se tais terrenos vierem a ser utilizados para

algum serviço de interesse público (por exemplo, a instalação de uma base naval), passam a integrar um

bem público de uso especial, assumindo esta mesma natureza.

Boa parte dos terrenos de marinha, notadamente os localizados em áreas urbanas, estão sendo

ocupados por particulares em regime de enfiteuse, em que a União conserva o domínio direto, transfe-

rindo para o enfiteuta o domínio útil. Se o enfiteuta aliena as benfeitorias existentes no terreno, tem a

União direito a receber o respectivo laudêmio. Cite-se o seguinte precedente:

"1. A jurisprudência do STJ é no sentido de que, consoante previsão do art. 3º do Decreto-Lei

2.398/1987, é legítima a cobrança não apenas de laudêmio sobre a transferência onerosa do domínio útil,

mas também de qualquer direito sobre benfeitorias construídas em imóvel da União, bem como a cessão

de direitos a ele relativos. 2. Orientação reafirmada pela Primeira Seção, no julgamento do REsp.

1.214.683/SC".683

Acrescente-se que art. 49 do ADCT previu a possibilidade de a lei dispor sobre a extinção da en-

fiteuse em terrenos de marinha e a conseqüente aquisição do domínio direto pelo particular, ressalvando

apenas os terrenos de marinha situados na faixa de segurança, a partir da orla marítima (§3º). Portanto,

alguns terrenos de marinha podem pertencer a particulares.

Não se deve confundir os terrenos de marinha com as praias, estas, sim, bens de uso comum do

povo e inalienáveis684

. Vale dizer, a faixa referente aos terrenos de marinha perdem a natureza dominial

se nelas existirem praias marítimas, tornando-se bens de uso comum. Nos termos do art.10, §3º, da Lei

7.661/88, entende-se por praias a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da

681 STJ, REsp 1015133/MT, rel. Min. Eliana Calmon, Rel. p/acórdão Min. Ministro Castro Meira, julg. 02/03/2010. 682 MELLO, Curso..., cit. 683 STJ, AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1222795/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 26/06/2012. 684 STF, RDA, 156:229.

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faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite

onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema.

A fiscalização e a demarcação dos terrenos de marinha são da competência da União, por meio

da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), nos termos do art.9o do DL 9.760/46. Todavia, alguns

terrenos de marinha existentes no Brasil ainda não foram demarcados pela SPU, razão pela qual a identi-

ficação das áreas de marinha por vezes tem sido feita levando-se em conta o início de vegetação natural

nas praias (a chamada linha de jundu), o que, todavia, não encontra amparo legal.685

Como já dito anteriormente, a União pode consentir a utilização de terrenos de marinha, seja a-

través de enfiteuse ou aforamento, seja a título precário, mediante outros instrumentos de outorga de uso.

Tema importante diz respeito à incidência das normas municipais sobre os terrenos de marinha

situados no respectivo município. Hely Lopes ensina que “a utilização de terrenos de marinha, inclusive

para edificações, depende de autorização federal, mas, tratando-se de áreas urbanas ou urbanizáveis, as

construções e atividades civis nelas realizadas ficam sujeitas a regulamentação e a tributação municipais,

como as demais realizações particulares. A reserva dominial da União visa, unicamente, a fins de defesa

nacional, sem restringir a competência estadual e municipal no ordenamento territorial e urbanístico dos

terrenos de marinha, quando utilizado por particulares para fins civis”.686

Os terrenos acrescidos de marinha, na forma do art.3o do DL 9.760/46, são os que se tiverem

formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos

de marinha. Podem se formar tanto por acréscimo de terra (aluvião próprio) como por afastamento das

águas (aluvião impróprio). Nesse último caso, tem-se o chamado álveo abandonado.

Os terrenos reservados, também chamados de terrenos marginais, nos termos do art.4o do DL

9.760/46, são os que banhados pelas correntes navegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância

de 15 (quinze) metros medidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linha média das

enchentes ordinárias.

Como enfatizado por Maria Sylvia, “a expressão fora do alcance das marés é importante para

distinguir os terrenos reservados dos terrenos de marinha; se o terreno marginal ao rio estiver sob influ-

ência das marés, ele entra no conceito de terreno de marinha”.687

Os terrenos reservados pertencerão à União se forem marginais a águas pertencentes ao domínio

federal (CF/88, art.20, III). Caso contrário, serão de propriedade dos Estados.

Tal como os terrenos de marinha, os terrenos marginais são qualificados como bens públicos

dominicais pelo Código de Águas (art.11 do Decreto 24.643/34), salvo se estiverem destinados ao uso

comum ou pertencerem ao domínio particular por título legítimo conferido pelo Poder Público.

No passado, já houve divergências acerca do domínio público sobre terrenos marginais, havendo

quem sustentasse que seriam de domínio privado e, portanto, indenizáveis quando reivindicados pelo

Poder Público. A questão, porém, foi superada com o posicionamento do STF, consolidado na Súmula

479, de que “as margens dos rios navegáveis são de domínio público, insuscetíveis de expropriação e,

por isso mesmo, excluídas de indenização”. Este posicionamento, contudo, não se aplica nos casos em

que tiver ocorrido transferência de propriedade ao particular, hipótese em que apenas se submetem ao

regime de servidão pública.

685 GASPARINI, Direito Administrativo, cit. 686 MEIRELLES, Direito Administrativo Brasileiro, cit. 687 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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Existem também os terrenos acrescidos aos terrenos reservados ou marginais, os quais “são do

domínio federal se situados nos ‘lagos, rios e quaisquer correntes de água em terreno de seu domínio, ou

que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou estendam a território estrangei-

ro ou dele provenham’, visto que os terrenos reservados pertencem à União. Os demais são de proprie-

dade dos Estados-Membros se, a justo título, não forem do domínio federal, municipal ou particular os

terrenos reservados a que se formarem”. 688

São também bens públicos dominicais, salvo se estiverem

destinados ao uso comum ou por algum título legítimo pertencerem ao domínio particular.

Registre-se, por fim, que as margens dos rios não navegáveis não são consideradas terrenos re-

servados. Nesses casos, haverá apenas uma servidão de trânsito numa faixa de dez metros (art.12 do

Código de Águas).

Consoante disposto na CF/88 (art.20, IV, c/c art.26, II), as ilhas marítimas (que podem ser cos-teiras ou oceânicas) são bens da União, excluídas as que contenham sedes de Municípios, bem como áreas internas pertencentes aos Estados, Municípios ou a particulares. As ilhas costeiras estão situadas próximas à costa, no relevo da plataforma continental, enquanto as oceânicas estão mais distantes da costas, para além do relevo da plataforma continental.

Pelo texto literal do art.20, IV, na redação original de 1988, havia o entendimento de que todas as ilhas marítimas sempre pertenceriam à União, apenas podendo existir, em seu interior, áreas específicas pertencentes aos Estados, Municípios ou particulares.

Esta leitura, todavia, desconsiderava situações peculiares em que a sede de certos municípios está situada em ilha costeira, inclusive em algumas capitais (ex: São Luís, Vitória e Florianópolis), daí por-que a Emenda Constitucional 46/2005 cuidou de alterar o texto do inciso IV do art.20, ressalvando que não pertencem à União as ilhas costeiras que contenham a sede de Municípios, ainda que possam existir, dentro delas, áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal.

Ao lado disso, uma leitura isolada do referido art. 20, IV poderia levar a inadvertidamente consi-derar que todas as ilhas marítimas seriam de domínio público, o que também não se mostra acertado. A legislação brasileira de há muito admite a possibilidade de domínio privado sobre ilhas marítimas. Se-gundo o art. 1° do DL 9.740/46, elas pertencem à União, salvo se por qualquer título legítimo pertence-rem aos Estados, Municípios ou a particulares, o que foi recepcionado no art.26, II, da CF/88. Além do mais, sendo as ilhas bens públicos de natureza dominical (salvo se tiverem afetadas ao uso comum ou especial – art.25 do Código de Águas), algumas ilhas ainda poderão ser alienadas a terceiros, segundo as regras previstas no ordenamento e já estudadas anteriormente.

Portanto, é preciso sempre analisar a cadeia dominial do imóvel, atentando que continuam per-tencendo ao domínio privado as ilhas que já estavam nesta situação nos moldes da legislação vigente ou cuja propriedade foi transferida a particulares, por título legítimo conferido pelo Poder Público.

Em síntese, a situação dominial das ilhas marítimas pode ser assim sintetizada: a) em regra per-tencem à União; b) se oceânicas e forem sede de Município, pertencem ao respectivo Município, exce-tuadas as áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, inclusive os terrenos de mari-nha (que pertencem à União); c) em todo caso, podem conter áreas pertencentes aos Estados, Municípios ou particulares, se munidos de título legítimo.

As ilhas fluviais e lacustres, por sua vez, em regra pertencem aos Estados, salvo se estiverem em zonas limítrofes com outros países, quando então serão de domínio da União (CF/88, art. 20, IV e 26, III). Nelas é possível também existirem áreas pertencentes à União, aos Municípios ou a particulares.

688 GASPARINI, Direito Administrativo, cit.

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Historicamente são três os sistemas de riquezas minerais: 1) o fundiário ou da acessão: a riqueza

mineral pertence ao proprietário do solo, que a pode explorar livremente, desde que apenas respeitadas

as normas impostas pelo poder de polícia do Estado; 2) o regaliano ou dominial: a riqueza mineral per-

tence ao Estado, que pode explorá-la diretamente ou conceder a terceiros esse aproveitamento (sistema

da concessão); 3) o de res nullius ou industrial: a riqueza mineral é coisa de ninguém, pertencendo àque-

le que primeiro descobrir a jazida (sistema da ocupação), que tem o direito de exploração, respeitadas as

normas impostas pelo Estado.

No Brasil foi inicialmente adotado o sistema regaliano, em que a toda a riqueza mineral perten-

cia à Coroa Portuguesa e, depois da independência, ao Império Brasileiro; após a proclamação da Repú-

blica, a Constituição de 1891 passou a adotar o sistema fundiário , de modo que a propriedade do solo

abrangia as riquezas do subsolo, e assim ficou estabelecido no Código Civil de 1916 (art.526). Posteri-

ormente, com o Decreto 24.642/34 (Código Juarez Távora), foi empregado o sistema de res nullius,

acolhido pela Constituição de 1946 (que dava ao proprietário direito de preferência na exploração) e pela

Constituição de 1967 (que dava ao proprietário direito de participação na exploração).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, retornou-se ao sistema regaliano de domínio

federal, passando todos os recursos minerais para o domínio da União (art.20, IX), com exploração

mediante autorização ou concessão. Segundo o art.176 da atual Carta, as jazidas, em lavra ou não, e

demais recursos minerais e potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta do solo, para

efeitos de exploração e aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade

do produto da lavra. O regime administrativo de mineração é de competência legislativa privativa da

União (CF/88, art.22, XII), estando em vigor o Código de Mineração (DL 227/67), regulamentado pelo

Decreto 62.934/68.

Tal como ocorre com o aproveitamento de potenciais de energia hidráulica, a pesquisa e lavra de

recursos minerais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no inte-

resse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e admi-

nistração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se

desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas (CF/88, art.176, §1º). O proprietário do solo

também terá participação nos resultados da lavra (CF/88, art.176, §2º, regulamentado pela Lei 8.901/94).

Segundo o art.20, §1º da CF/88, é assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal

e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da

exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de

outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econô-

mica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

O poder de polícia relacionado à exploração de recursos minerais fica a cargo do Departamento

Nacional de Produção Mineral - DNPM, autarquia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energi-

a, que tem como finalidade promover o planejamento e o fomento da exploração e do aproveitamento

dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem

como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território na-

cional (art.3º da Lei 8.876/94).

O direito brasileiro acolheu o chamado princípio do Primeiro no Tempo, isto é, dá preferência

àquele que primeiro requer os direitos de exploração mineral sobre uma determinada área. Com isso, "o

Estado visa a incentivar novas pesquisas e novas descobertas minerais, sobretudo quando o ordenamento

jurídico prevê pouca ou nenhuma condição a ser previamente atendida pelo interessado".689

689 TRINDADE, Adriano Drummond Cançado. Princípios de Direito Minerário Brasileiro. In: "Direito Minerário em evolução". Marcelo Gomes de Souza (Coord.). Belo Horizonte: Mandamentos.

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A legislação emprega o termo jazida para designar toda massa individualizada de substância mi-neral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra e que tenha valor econômico (art.6

o do Decreto 62.934/68). Havendo a suspeita da existência de uma jazida em potencial, é feita a

pesquisa mineral, que “é o conjunto dos processos técnicos necessários à definição da jazida, à sua ava-liação e à determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico”.

690 Quando a jazida passa

a ser explorada, mediante uma atividade econômica produtiva, tem-se então uma mina.

O regime de exploração mineral compreende a autorização, a concessão, o licenciamento, a ma-trícula e o monopólio.

Maria Sylvia Di Pietro cuida de explicar cada uma destas situações: “A autorização é dada me-diante alvará do Ministro das Minas e Energia, no caso de pesquisa, a qual tem por objetivo a execução de trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e determinação sobre exeqüibilidade de seu aproveitamento econômico. No final dos trabalhos, o titular deve apresentar relatório das atividades, concluindo sobre a qualidade do minério. Aprovado o relatório, ele terá prazo de um ano para requerer a concessão da lavra; findo esse prazo, caduca o seu direito. A concessão é dada por decreto do Presidente da República, para a execução dos trabalhos de lavra, ou seja, de aproveitamento industrial das jazidas, a começar pela extração de substâncias minerais úteis até o seu beneficiamento. Só pode ser dada para área já pesquisada; pode ser objeto de alienação e oneração mediante autorização do poder concedente. O licenciamento é utilizado pelo proprietário do solo ou quem seja por ele autorizado, para o aprovei-tamento das jazidas de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil (preparo de arga-massas, de agregados, pedras de talhe); somente é possível, portanto, quando não se destine à indústria de transformação. Se, no curso dos trabalhos, for descoberta substância enquadrável nessa hipótese, o interessado terá que passar para os regimes de autorização e de concessão. A matrícula é utilizada para o aproveitamento definido como garimpagem, faiscação ou cata. O regime de monopólio é disciplinado por leis especiais e compreende, nos termos do artigo 177 da Constituição, a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, bem como a pesquisa, a lavra, o enrique-cimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. A partir da Emenda Constitucional n.9, de 9-11-95, que alterou o §1º do artigo 177 da Constituição, a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização de atividades previstas nos incisos I a IV, observadas as condições estabelecidas em lei. Disciplinando o assunto, foi promulgada a Lei 9478, de 6-8-97”.

691

A Lei 11.685/2008 instituiu o chamado Estatuto do Garimpeiro, prevendo que o exercício da ati-vidade de garimpagem só poderá ocorrer após a outorga do competente título minerário.

No tocante às atividades petrolíferas, a Lei 9.478/97, dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo e institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo. Com a recente descoberta de petróleo na chamada área do "pré-sal", foram instituídos parâmetros específicos para a concessão petrolífera nesta área, previstos nas Leis 12.351/2010, 12.304/2010 e 12.276/2010.

As atividades nucleares, por sua vez, são tratadas pela Lei 4.118/62, que dispõe sobre a política nacional de energia nuclear e criou a Comissão Nacional de Energia Nuclear.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (CF/88, art.231, §1º) foram constitucionalmente tratadas como bens da União (CF/88, art.20, XI) e são destinadas à posse permanente pelos indígenas, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, rios e lagos nelas existentes (CF/88, art.231, §2º). Por conta desta específica destinação, de que decorre a sua inalienabilidade e indisponibilidade, tais terras são doutrinariamente classificadas na categoria dos bens públicos de uso especial.

690 MOREIRA NETO, Curso..., cit. 691 DI PIETRO, Direito Administrativo, cit.

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O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) foi instituído pela Lei 4.380/64, constituindo uma re-

de de gestão e concessão de recursos financeiros destinados a reduzir o déficit habitacional no país,

assegurando a construção e aquisição da casa própria pela população de baixa renda, mediante financia-

mento facilitado e de longo prazo, além de fomentar a indústria da construção civil.

A referida legislação criou o Banco Nacional da Habitação (BNH), autarquia federal encarregada

de orientar, disciplinar e controlar o SFH. Tal instituição veio depois a ser extinta pelo DL 2.291/86,

transferindo-se as atribuições para órgãos ministeriais e outras entidades administrativas, com destaque

para o papel assumido pela Caixa Econômica Federal, que, absorvendo todo o acervo do extinto BNH,

passou a gerir os recursos do SFH, além de atuar como agente operador do FGTS.

Por muitos anos, a aquisição da moradia popular dependeu quase que exclusivamente dos finan-

ciamentos oferecidos pelos agentes operadores do SFH. Mais recentemente vieram sendo criados outros

modelos diferenciados de financiamento de imóveis populares, tais como o Sistema Financeiro Imobili-

ário – SFI (Lei 9.514/97) e o Arrendamento Residencial (Lei 10.188/2001).

No início, o Sistema Financeiro da Habitação era subsidiado basicamente por recursos da União

e da captação de poupança por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Com a

criação do FGTS (Lei 5.107/66) e o incremento na captação de poupança, novos recursos foram adicio-

nados, dando-se grande impulso ao SFH.

O SFH sempre reuniu várias entidades operadoras de financiamentos, sendo atualmente inte-

grado por bancos múltiplos; bancos comerciais; caixas econômicas; sociedades de crédito imobiliário;

associações de poupança e empréstimo; companhias hipotecárias, órgãos federais, estaduais e munici-

pais, inclusive sociedades de economia mista em que haja participação majoritária do poder público,

operadoras de financiamento de habitações e obras conexas; fundações, cooperativas e outras formas

associativas para construção ou aquisição da casa própria sem finalidade de lucro; caixas militares; enti-

dades abertas de previdência complementar; companhias securitizadoras de crédito imobiliário e outras

instituições que venham a ser consideradas pelo Conselho Monetário Nacional como integrantes do SFH

(Lei 11.977/2009).

No âmbito do SFH, os parâmetros de reajuste das prestações e do saldo devedor nos contratos

imobiliários passaram por diversas mudanças legislativas e regulamentares, mantendo-se o maior acesso

possível à moradia popular, porém, sem se perder de vista a necessidade de garantir um mínimo de re-

muneração dos recursos vinculados ao sistema, considerando os altos índices de inflação que assolavam

o país.

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No momento em que instituído o SFH, a Lei 4.380/64 já cuidou logo de prever um plano de cor-

reção monetária, impondo o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros nos contratos

imobiliários, com a conseqüente correção do valor monetário da dívida, toda a vez que o salário mínimo

legal fosse alterado. Tal reajustamento, baseado no índice geral de preços mensalmente apurado, entrava

em vigor após sessenta dias da data de vigência da alteração do salário-mínimo, devendo ainda obedecer

à relação original entre a prestação mensal de amortização e juros e o salário-mínimo em vigor na data

do contrato. Para se determinar a data do reajustamento, tomava-se por base o salário-mínimo da região

em que situado o imóvel.

Tal modelo de reajustamento garantia a solvabilidade do sistema de financiamento, porquanto as

prestações eram reajustadas exatamente pelos mesmos índices aplicados ao saldo devedor, de maneira

que, ao menos em teoria, o correto pagamento das prestações mensais durante o prazo previsto levaria à

integral quitação da dívida pelo mutuário, não deixando qualquer resíduo.

Entrementes, não demorou muito a se perceber que o reajuste do salário-mínimo ocorria em per-

centual superior à majoração da renda do mutuário, razão pela qual, em 1969, adotou-se um sistema de

reajustamento que também levava em conta o aumento da categoria salarial a que pertencesse o mutuá-

rio. Assim, com base na Resolução 36 do BNH, foi criado o Plano de Equivalência Salarial (PES),

prevendo um número fixo de prestações, com reajustamento sessenta dias após o aumento do salário

mínimo, desvinculado dos índices aplicados ao saldo devedor, o que forçosamente levava à geração de

um resíduo ao final do contrato, mesmo após o pagamento da última prestação. Para diminuir o impacto

desse descompasso entre a correção da prestação e do saldo devedor, instituiu-se o Coeficiente de Equi-

paração Salarial – CES, por meio do qual se aumentava o valor da prestação inicial, como forma de

corrigir futuras distorções. Outro mecanismo utilizado foi o Fundo de Compensação de Variações

Salariais – F.C.V.S., que já havia sido criado pela Resolução 25/67 do BNH e servia para dar suporte

financeiro na cobertura do saldo devedor residual.

Com o advento do DL 2164/84, foi instituído o Plano de Equivalência Salarial por Categoria

Profissional (PES/CP), pelo que, a partir de 1985, o reajuste das prestações passou a corresponder ao

mesmo percentual e periodicidade do aumento de salário da categoria profissional a que pertencia o

adquirente. Se o mutuário fosse autônomo ou não tivesse categoria profissional definida, o reajustamento

seguiria sendo feito com base na variação do salário mínimo. Foi mantida a regra segundo a qual o rea-

justamento somente era implementado após o decurso de sessenta dias do aumento do salário mínimo.

Essa carência foi depois reduzida para trinta dias, por força da Lei 8.004/90.

Posteriormente, a Lei 8.177/91 estabeleceu o reajustamento com base na taxa de remuneração

básica da poupança (TR), facultando, todavia, que se continuasse utilizando o índice de aumento sala-

rial da categoria profissional (PES/CP), quando este fosse conhecido. Logo, se o mutuário não cuidasse

de demonstrar ao agente financeiro o índice de reajuste da sua categoria, as prestações seriam reajusta-

das com base na TR.

O STF admitiu a aplicação da TR nos contratos imobiliários, todavia, apenas incidindo a partir da

vigência da Lei 8.177/91. O posicionamento inicial do STJ, consolidado na sua Súmula 295, foi o de que

“a Taxa referencial (TR) é indexador válido para contratos posteriores à Lei 8.177/1991, desde que

pactuada”. Depois passou-se a admitir a incidência da TR mesmo para os contratos assinados anterior-

mente, desde que pactuada a correção monetária. Consoante reza a Súmula 454 do STJ, “pactuada a

correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice aplicável à caderneta de poupança, incide a

taxa referencial (TR) a partir da vigência da Lei 8.177/1991”.

A Lei 8.692/93 criou o Plano de Comprometimento da Renda (PCR), como nova modalidade

de reajustamento de contrato de financiamento habitacional, no âmbito do SFH. Manteve-se a sistemáti-

ca da Lei 8.177/91, quanto à utilização da taxa de remuneração básica da poupança (TR), todavia o

agente financeiro deveria respeitar um percentual de comprometimento de no máximo 30% (trinta por

cento) da renda bruta do mutuário destinado ao pagamento dos encargos mensais. Foi extinto o Fundo de

Compensação de Variações Salariais – FCVS.

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A partir de 1998, com a edição da Medida Provisória 1.671, passou-se a admitir a utilização de

outros índices de reajustamento nos contratos vinculados ao SFH, além daqueles previstos na legislação

até então vigente, o que já sinalizava um gradativo abandono das políticas de reajustamento relacionadas

à renda do mutuário, o que se acabou se consolidando em setembro de 2001, quando a Medida Provisó-

ria 2.223 terminou por vedar totalmente a aplicação do PES/CP e do PCR.

Ao pagar as prestações do financiamento imobiliário, a dívida do mutuário vai sendo aos poucos

abatida. Esse abatimento gradual, ao longo da vigência do contrato de mútuo, é o que se chama de amor-

tização. Contudo, o valor de tal amortização não é exatamente o valor da prestação que foi paga, mas

apenas uma parte dele.

De fato, cada prestação mensal é composta por duas parcelas distintas: 1) a parcela de amortiza-

ção, que equivale ao quanto é restituído mês a mês ao agente financeiro e abatido da quantia que foi

emprestada ao mutuário; 2) a parcela de juros, referente ao acréscimo que o mutuário paga a título de

lucro do agente financeiro e que, portanto, não é abatido do saldo devedor.

Consoante reza a Súmula 450 do STJ, "nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo

devedor antecede sua amortização pelo pagamento da prestação". Significa dizer que, a cada mês, é feita

a correção monetária do saldo devedor, o que, acrescido da parcela de juros do mês, resultará no seu

valor atualizado. Desse valor atualizado do saldo devedor, é então abatida a parcela de amortização

mensal.

Vários sistemas de amortização já foram adotados no âmbito do SFH, citando-se:

• Sistema Francês de Amortização – Também conhecido como “Tabela Price”, foi o primeiro

sistema adotado, por força da Resolução 36 do BNH. Nele, a prestação mensal é fixa. À medida que a

parcela de juros vai diminuindo juntamente com o saldo devedor, a parcela de amortização vai aumen-

tando no mesmo montante, de modo a que a soma (amortização + juros) resulte sempre no mesmo valor

de prestação. Esse modelo facilitou muito o acesso ao SFH, propiciando financiamentos imobiliários

com baixas prestações iniciais. Todavia, por se tratarem de contratos de longo prazo, associados à infla-

ção galopante no Brasil até a década de 80, a incidência da correção monetária acabou aumentando

muito o valor do saldo devedor, tornando a dívida impagável.

• Sistema de Amortizações em Série Gradiente – Sistema criado pela Lei 7.764/89 e que, de

modo semelhante ao sistema da Tabela Price, previa prestações fixas, variando a parcela mensal de

amortização. Todavia, a série gradiente admitia a aplicação de um redutor sobre o valor das prestações

iniciais, a ser compensado no valor das prestações futuras no decorrer do financiamento. Esse sistema

facilitou ainda mais o acesso ao SFH, porquanto as prestações iniciais eram bem reduzidas. Contudo,

acabou dificultando muito a quitação integral da dívida, na medida em que sempre haveria uma diferen-

ça no saldo devedor final, o que teria de ser compensado por meio de reajustes adicionais ou aumento do

número de prestações. Para corrigir tal discrepância, alguns contratos passaram a prever cláusula de

cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, pelo que eventual resíduo do

saldo devedor final seria da responsabilidade daquele Fundo, garantido pelo Tesouro Nacional.

• Sistema de Amortização Constante (SAC) – Também conhecido como sistema hamburguês.

Nele a prestação mensal contém um valor de amortização fixo, acrescido da parcela de juros. Ou seja,

enquanto na Tabela Price as prestações mensais são iguais, no SAC são as parcelas de amortização que

são iguais em cada prestação. Com isso, calcula-se uma prestação inicial bem elevada, mas que vai

diminuindo ao longo do financiamento, à medida em que a parcela de juros vai ficando menor. Esse

modelo dificultou a entrada no SFH (por conta da prestação inicial elevada), mas tornou mais viável a

quitação do financiamento.

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• Sistema de Amortização Crescente (SACRE) – Este modelo de amortização é bem parecido

com o SAC, propiciando prestações iniciais mais elevadas que facilitam a amortização. Mas, além disso,

o SACRE prevê o aumento gradual da parcela de amortização no decorrer do contrato, reduzindo ainda

mais o valor da parcela de juros. A partir do ano de 2000, esse sistema passou a ser o principal modelo

de amortização adotado pela Caixa Econômica Federal nos contratos vinculados ao SFH.

• É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada (Súmula 121 do STF).

• A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis (Súmula 30 do STJ).

• A aquisição, pelo segurado, de mais de um imóvel financiado pelo SFH, situados na mesma localida-de, não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros (Súmula nº 31 do STJ).

• Na execução hipotecária de crédito vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, nos termos da Lei 5.741-71, a petição inicial deve ser instruída com, pelo menos, dois avisos de cobrança (Súmula 199 do STJ).

• A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel (Súmula 308 do STJ).

• Nas ações referentes ao Sistema Financeiro da Habitação, a Caixa Econômica Federal tem legitimida-de como sucessora do Banco Nacional da Habitação (Súmula 327 do STJ).

• A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor (Súmula 380 do STJ).

• O art. 6º, e, da Lei n. 4.380/1964 não estabelece limitação aos juros remuneratórios nos contratos vin-culados ao SFH (Súmula 422).

• Nos contratos vinculados ao SFH, a atualização do saldo devedor antecede sua amortização pelo pa-gamento da prestação (Súmula 450 do STJ).

• Pactuada a correção monetária nos contratos do SFH pelo mesmo índice aplicável à caderneta de poupança, incide a taxa referencial (TR) a partir da vigência da Lei n. 8.177/1991 (Súmula 454 do STJ).

• O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a institu-ição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada (Súmula 473 do STJ).

• O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interesses individuais homo-gêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo Siste-ma Financeiro da Habitação (STF, RE-AgR-ED 470135, rel. Min. Cezar Peluso, julg. 22.05.2007).

• Pacífico no c. Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que é possível, nos contratos de mútuo do SHF, mesmo naqueles firmados anteriormente à edição da Lei n. 8.177/91, a atualização do saldo devedor pela TR, desde que contratualmente prevista a utilização da taxa básica aplicável aos depósi-tos da caderneta de poupança (STJ, AAGP 6162, rel. Min. Felix Fischer, DJ de 09/02/2009).

• A Caixa Econômica Federal, operadora dos contratos do SFH, é a entidade responsável pela cobrança e atualização dos prêmios do seguro habitacional, bem como seu repasse à seguradora, com quem mantém vínculo obrigacional. Assim, tratando-se de questão que envolve a utilização da cobertura secu-ritária para fim de quitação do mútuo, a CEF, na qualidade de parte na relação contratual e mandatária do mutuário, detém legitimidade 'ad causam' para responder sobre todas as questões pertinentes ao contrato, inclusive as relativas ao seguro. Não há litisconsórcio necessário entre a CEF e a companhia seguradora. Os mutuários, em regra, não celebram contrato com a companhia seguradora. Quem o faz é o agente financeiro, para garantia do mútuo. Assim, é o agente financeiro quem deve responder pe-rante o mutuário (STJ, REsp. 590215, rel. Min. Castro Filho, DJ de 03/02/2009).

• O art. 9º, Lei n. 4.380/1964 não veda a quitação de um segundo imóvel financiado pelo mutuário, situ-ado na mesma localidade, utilizando-se os recursos do FCVS, determinando, tão-somente, o vencimen-to antecipado de um dos financiamentos. É lícita a conservação da cobertura do FCVS, ainda que em relação aos mutuários que adquiriram mais de um imóvel numa mesma localidade, quando o contrato foi aperfeiçoado antes da vigência do art. 3º, Lei n. 8.100/1990, em mesura ao princípio da irretroativi-

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dade das leis. A quitação, pelo FCVS, de saldos devedores remanescentes de financiamentos adquiri-dos antes de 5.12.1990 tornou-se ainda mais evidente com a edição da Lei 10.150/2000, que a declarou expressamente (STJ, AGREsp.1039321, rel. Min. Humberto Martins, DJ de 03/02/2009)

• É direito do mutuário a manutenção da cobertura do FCVS e, por conseqüência, a liquidação anteci-pada do saldo devedor, com desconto de 100% pelo Fundo, desde que o contrato tenha sido celebrado até 31 de dezembro de 1987 (art. 2º, § 3º, da Lei n. 10.150/00) (STJ, REsp. 638.132/PR, rel. Min. Fran-ciulli Netto, 2ª Turma, DJ 6.9.2004).

• Nos contratos de financiamento celebrados no âmbito do SFH, sem cláusula de garantia de cobertura do FCVS, o saldo devedor residual deverá ser suportado pelo mutuário. Tal entendimento não se limita aos contratos firmados após a Lei n. 8.692/93, mas se espraia para qualquer contrato de financiamento habitacional em que não se tenha pactuado expressamente a cobertura do FCVS (STJ, REsp.823791, rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 16/12/2008).

• A capitalização de juros, vedada legalmente (o art. 4º do Decreto nº 22.626/33), deve ser afastada nas hipóteses de contrato de mútuo regido pelas normas do Sistema Financeiro de Habitação, ainda que expressamente pactuada pelas partes contratantes, por constituir convenção abusiva. Incidência da Súmula 121/STF (STJ, REsp. 601.445, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13/09/2004).

• O CDC é aplicável aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, incidindo sobre contratos de mútuo. Entretanto, nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação própria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas (STJ, REsp. 489.701/SP, DJ de 16.4.2007).

• A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, nos contratos do Siste-ma Financeiro de Habitação, com cobertura do FCVS, como a hipótese dos autos, não se aplicam as regras do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, como Código de Defesa do Consumidor não é aplicável ao contrato de mútuo habitacional, com vinculação ao FCVS, como no caso em apreço, des-cabe a restituição em dobro do pagamento indevido" (STJ, AgRg no REsp 948789/RS, Rel. Min. Mauro Campbell, julg.18/03/2010).

• A Justiça Federal é competente para processar e julgar os feitos relativos ao SFH em que a CEF tem interesse por haver comprometimento do FCVS (STJ, CC 40.755/PR, rel. Ministro Antônio de Pádua Ri-beiro, DJ de 23/08/2004).

• A Caixa Econômica Federal, após a extinção do BNH, ostenta legitimidade para ocupar o pólo passivo nas demandas referentes aos contratos de financiamento pelo SFH porquanto sucessora dos direitos e obrigações do extinto BNH e entidade gestora do FCVS - Fundo de Comprometimento de Variações Sa-lariais (STJ, REsp. 747.905, DJ de 30/08/2006)

• É considerado legal o critério de amortização do saldo devedor mediante a aplicação de correção mo-netária e juros para só então efetuar o abatimento da prestação mensal do contrato de mútuo para aqui-sição de imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação (STJ, AGREsp.772065, rel. Min. Castro Meira, DJ de 27/11/2008).

• É possível a utilização da TR como índice de correção monetária do saldo devedor de contrato firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação em momento anterior à vigência da Lei n. 8.177/91, des-de que haja previsão contratual de utilização do mesmo índice aplicável à caderneta de poupança (STJ, REsp 502.624/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU 07.02.07).

• Nos contratos regidos pelo Plano de Comprometimento da Renda, o reajuste dos encargos mensais tem por base o mesmo índice e a mesma periodicidade de atualização do saldo devedor, conforme o art. 4º, caput, da Lei n. 8.692/93, respeitado o percentual máximo de comprometimento da renda esta-belecido no contrato. Reconhecida a legitimidade na adoção do Plano de Comprometimento de Renda – PCR, nos contratos firmados após a vigência da Lei n. 8.692/93, descabe a sua substituição pelo Plano de Equivalência Salarial (STJ, REsp.1035484, rel. Min. Massami Uyeda, DJ de 26/11/2008).

• O Código de Defesa do Consumidor é inaplicável aos contratos celebrados anteriormente a sua vigên-cia. O critério de prévia atualização do saldo devedor e posterior amortização não fere a comutatividade das obrigações pactuadas no ajuste, uma vez que a primeira prestação é paga um mês após o emprés-timo do capital, o qual corresponde ao saldo devedor. A redução da multa moratória de 10% para 2%, tal como definida na Lei nº 9.298/96, que modificou o CDC, aplica-se apenas aos contratos celebrados após a sua vigência (STJ, AGREsp.969040, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 20/11/2008).

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MAGISTRATURA FEDERAL DIREITO ADMINISTRATIVO

• Segundo o entendimento do STJ, no período em que o mutuário é profissional liberal autônomo, o rea-juste das prestações de contrato de financiamento firmado no âmbito do SFH, após o advento da Lei n.º 8.004, de 14.3.1990, deve ser feito com base no Índice de Preços ao Consumidor-IPC. O Plano de E-quivalência Salarial (PES) só pode ser aplicado para reajustar as prestações do financiamento pe-lo SFH se o mutuário pertence a uma categoria de empregados; isto é, se recebe salário, pois o PES considera justamente o percentual definido para reajustar os salários da categoria a que pertence o mu-tuário. A coisa julgada que determina a aplicação do Plano de Equivalência Salarial só produz efeitos no período em que o mutuário pertence a uma categoria de empregados (STJ, REsp.869479, rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 23/10/2008).

• As vantagens pessoais incorporadas definitivamente aos vencimentos do mutuário devem ser compu-tadas nos reajustes das prestações dos contratos de financiamento pelo SFH vinculados ao PES/CP. O art. 6º, "e", da Lei n° 4.380/64 não impõe limitação dos juros em contratos regidos pelo Sistema Finan-ceiro da Habitação (STJ, REsp.1063120, rel. Min. Massami Uyeda, DJ 15/10/2008).

• Nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação pró-pria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas (STJ, REsp 489.701, rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 16.04.07).

• A capitalização de juros, vedada legalmente (o art. 4º do Decreto nº 22.626/33), deve ser afastada nas hipóteses de contrato de mútuo regido pelas normas do Sistema Financeiro de Habitação, ainda que expressamente pactuada pelas partes contratantes, por constituir convenção abusiva. Incidência da Súmula 121/STF (STJ, REsp 601.445, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13/09/2004).

• É direito do mutuário a manutenção da cobertura do FCVS e, por conseqüência, a liquidação anteci-pada do saldo devedor, com desconto de 100% pelo Fundo, desde que o contrato tenha sido celebrado até 31 de dezembro de 1987 (art. 2º, § 3º, da Lei n. 10.150/00) (STJ, REsp 638.132, rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 06/09/2004).