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SUMÁRIO - FAPERJ · Milho-pipoca – Laboratório da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) pesquisa sementes ... Depois da lei seca, os motoristas poderão, em breve,

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SUMÁRIO

EXPEDIENTE

Governo do Estado do Rio de JaneiroGovernador | Sérgio Cabral

Secretaria de Estado de Ciência e TecnologiaSecretário | Alexandre Cardoso

Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo àPesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJDiretor-presidente | Ruy Garcia MarquesDiretor Científico | Jerson Lima SilvaDiretor de Tecnologia | Rex Nazaré AlvesDiretor de Administração e Finanças | CláudioFernando MahlerRio Pesquisa. Ano 1. Número 4

3 | SEGURANÇA NOTRÂNSITOProjeto permitirá que peritos do estadousem saliva para analisar quantidadede álcool e outras drogas em motoristas

6 | ENGENHARIACentrífuga geotécnica – Equipamentoda Uenf oferece oportunidade de estudode soluções para os novos desafios daengenharia

8 | DESENVOLVIMENTOSUSTENTÁVELVersátil e renovável, o bambu reduz oscustos da construção civil, absorve CO2e gera oxigênio

11 | SAÚDEAntigas ameaças à saúde coletivavoltam à cena – Edital apóia estudo dedoenças negligenciadas e reemergentes

15 | INOVAÇÃOUm robô que gosta de limpeza etrabalha em prol da saúde –Engenheiro cria ferramenta paralimpeza de dutos de ar-condicionado

20 | PERFILJacob Palis – Filho de imigrantes,presidente da Academia Brasileira deCiência trocou Uberaba (MG) pelo Rioantes de abraçar a carreira científica

24 | AGRONOMIAMilho-pipoca – Laboratório daUniversidade Estadual do NorteFluminense (Uenf) pesquisa sementesadaptadas ao clima da região

27 | DIFUSÃOA divulgação científica ruma na direçãodo interior fluminense – FundaçãoCecierj espalha centros de ciênciainterativos pelo estado

29 | EDUCAÇÃOGeografia urbana x desempenho escolar– Alunos de favelas da Zona Sul têmaproveitamento inferior quandocomparados aos de outras áreas carentes

32 | ENTREVISTAMarco Antonio Zago, presidente doCNPq – agência do Ministério daCiência e Tecnologia quer estimularparcerias com os estados

36 | FÍSICAPesquisadores da Uerj participam deprojeto internacional que já éconsiderado o mais desafiador dahistória da física – o Grande Colisorde Hádrons, o maior acelerador departículas do mundo

40 | ENSINOMelhoria do ensino público motivaprojetos em universidades

43 | INOVAÇÃOReciclagem e purificação de águaganha alternativa com a utilizaçãode membranas – projeto inovador foidesenvolvido na incubadora deempresas da Coppe/UFRJ

46 | FAPERJIANASOrla de Copacabana ganha acessoà Internet sem fio. Serviço prometemelhorar a qualidade de vida e osserviços oferecidos no bairro

48 | EDITORAÇÃOConfira algumas das obrasfinanciadas pelo programa daFAPERJ de apoio à editoração

Coordenação editorial | Paul Jürgens

Redação | Paul Jürgens, Vilma Homero,Vinicius Zepeda e Débora Motta

Colaboraram para esta edição | MônicaMaia, Fúlvia D’Alessandri, Juliana Lanzarinie Flávia Machado

Diagramação | Adrianne Mirabeau eMirian Dias

Capas | Adrianne Mirabeau e Mirian Dias

Revisão | Marcelo Bessa

Mala direta e distribuição | Élcio Novis eViviane Lacerda

Foto da capa|Divulgação Robô-In

Gráfica | Grafitto Gráfica e Editora Ltda.

Tiragem |12 mil exemplares

Periodicidade |Trimestral

Distribuição gratuita |Proibida a venda

Avenida Erasmo Braga 118/6° andar,Centro, Rio de Janeiro, RJ - CEP 20020-000Tel.: 3231-2929 | Fax: 2533-2944

[email protected]

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3 | Rio Pesquisa - nº 4 - Ano IAno I - nº 4 - Rio Pesquisa | 2EDITORIAL

De acordo com ranking re-centemente divulgado pelaCoordenação de Aperfeiço-amento de Pessoal de NívelSuperior (Capes), o Brasil é o15º colocado entre os paísescom maior produção cientí-fica do mundo – embora sejalíder absoluto na América La-tina. O País perde, contudo,cinco posições quando a ava-liação leva em conta o desem-

penho na área tecnológica. Dirigentes e pesquisadoresde renome do setor concordam que um dos gargalosnacionais é transformar conhecimento científico emtecnologia. Uma boa notícia, no entanto, acaba de serdivulgada por uma importante empresa norte-ameri-cana de consultoria nos segmentos de tecnologia dainformação e telecomunicações – International DataCorporation. Estudo encomendado em 2007 pela sub-sidiária brasileira de uma multinacional de hardware re-velou que, entre as economias emergentes do Bric (Brasil,Rússia, Índia e China), o País é o que mais investe emtecnologia e inovação. Segundo o levantamento, no gru-po de países classificados como de “maturidade mé-dia”, o Brasil é o único entre os “emergentes” comgastos superiores a 2% do Produto Interno Bruto (PIB)no estímulo ao desenvolvimento da inovaçãotecnológica, o que o põe ao lado do Japão, da Françae da Alemanha.

Para ilustrar a inovação em tecnologias, trazemos, nestaedição, reportagem de capa com um empreendedor que,ao longo dos últimos anos, tem se dedicado à criação derobôs destinados a tarefas diversas. O engenheiro Ale-xandre Etchebehere, que começou trabalhando numaoficina doméstica, na qual idealizou o seu Robô-In – ummecanismo multiferramenta capaz de percorrer os estrei-tos dutos de ar-condicionado removendo a sujeira acu-mulada –, hoje assina uma série criativa de novos inventos.O desenvolvimento do projeto contou com o apoio daFAPERJ por meio do edital Rio Inovação – programade fomento que também destinou recursos para outraempresa mencionada em reportagem nesta edição, a PAM-Membranas, especializada na filtragem de água por meiode um processo inovador.

A inovação e os investimentos na formação de recur-sos humanos para a área tecnológica também são abor-dados pelo nosso entrevistado, o presidente do Conse-lho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq). Pouco mais de um ano depois detomar posse no cargo, Marco Antonio Zago tinha pelomenos um excelente motivo para comemorar no iníciode agosto: o lançamento de edital com o maior volumede recursos já reunidos na história do país, o programaInstitutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). Ainiciativa, que conta com a parceria da FAPERJ, Fapespe Fapemig, prevê investimentos de cerca de R$ 435 mi-lhões na criação de uma rede de pesquisa reunindo osprincipais pesquisadores do País.

A quarta edição da Rio Pesquisa procura traçar ainda umperfil do presidente da Academia Brasileira de Ciências(ABC), Jacob Palis. O premiado matemático, filho deimigrantes nascido no interior mineiro, conta como seapaixonou pelo Rio, onde vive desde a juventude, e porque decidiu voltar dos Estados Unidos após obter, nasegunda metade da década de 1960, o título de doutorna prestigiada Universidade de Berkeley, na Califórnia.

A participação de cientistas brasileiros em projeto que já éconsiderado o mais desafiador da história da física – oGrande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), omaior acelerador de partículas do mundo – também éassunto deste número. Entusiasmado com o projeto, opesquisador Alberto Santoro, que coordena o Grupo deFísica de Altas Energias do Departamento de Física Nu-clear e Altas Energias do Instituto de Física Armando DiasTavares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(Uerj), explica a importância de um projeto dessa magni-tude, não somente como objeto de estudo da física, mastambém pelo que ele pode representar com o surgimentode novas tecnologias em benefício da sociedade.

Depois da lei seca, os motoristas poderão, em breve,enfrentar a “blitz da saliva”. Esse é o assunto de repor-tagem que explica como, a partir da inauguração dasnovas instalações do Instituto Médico Legal (IML), asautoridades envolvidas com o trânsito de veículos pas-sarão a investigar não só a presença de álcool no sanguedos condutores de veículos, mas também a de psico-trópicos, como ecstasy, a partir de um exame de saliva.

Boa leitura!

Brasil lidera investimentos em tecnologiaentre as economias emergentes

Na ponta da língua

SEGURANÇA NO TRÃNSITO

Estudo da Fiocruz permitirá que peritos do estado usem saliva paraanalisar quantidade de álcool e outras drogas em motoristas

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No Rio de Janeiro, um grupode jovens sai de uma raveapós ter consumido drogas

à vontade. No carro, a direção fica acargo do único rapaz que não ingeriuálcool durante a noite, embora aindaesteja sob efeito de uma pílula deecstasy. No caminho, o motorista co-mete uma série de imprudências. Nãodemora muito para o carro ser para-do por uma blitz. Até aqui, a cena écomum. Mas, se ela ocorresse hoje, pro-vavelmente o motorista voltaria paracasa sem punição. É que o teste doetilômetro (o conhecido bafômetro) sómede o nível de álcool consumido.Neste caso, nenhum grama.

Longe dali, uma jovem que voltava dacasa da avó, onde tomou alguns golesde cerveja, também é parada por poli-ciais. Apesar de estar visivelmente só-bria, ela terá de pagar uma multa desalgados R$ 955. Tudo isso a partir daLei 11.705, sancionada pelo presidenteLula em junho último, que prevê puni-

ções para motoristas que ingerirem qual-quer quantidade de álcool.

Antes, pelo Código Brasileiro de Trânsi-to de 1997, só eram punidos, com in-fração gravíssima, os motoristas queapresentassem quantidade igual ou supe-rior a seis decigramas de álcool por litrode sangue – o equivalente ao consumode aproximadamente dois chopes – ouque tivessem ingerido qualquer substân-cia entorpecente ou que determinassedependência física ou psíquica.

Agora, passam a sofrer punições ad-ministrativas (multa por infraçãogravíssima, suspensão do direito de di-rigir por um ano e retenção do veícu-lo) os motoristas flagrados com maisde dois decigramas por litro de san-gue ou 0,1 mg de álcool por litro de arexpelido no bafômetro. Ou seja, qual-quer quantidade de bebida alcoólicaingerida resultaria nesses índices.

Já os motoristas flagrados com umadosagem maior que seis decigramas deálcool por litro de sangue ou 0,3 mg deálcool por litro de ar expelido nobafômetro (equivalente a dois chopes)

passam a receber não apenas puniçõesadministrativas como ainda respon-dem criminalmente. O motorista é,então, preso em flagrante, e a penapode variar de seis meses a três anosde prisão. O infrator também perde acondição de réu primário caso venhaa ser condenado por lesão corporalprovocada em terceiros – o que nãoacontecia anteriormente.

Mas como saber se o motorista inge-riu outras drogas, como o ecstasy, porexemplo? Nesse caso, o suspeito de teringerido substância entorpecente pre-cisaria, espontaneamente, aceitar serlevado a um hospital, deixar que amos-tras de sangue fossem colhidas e espe-rar pelo resultado. Esse método, alémde ser invasivo, exige tempo das auto-ridades e do paciente.

Além disso, para que uma morte notrânsito seja contabilizada comoprovocada pela direção em estado deembriaguez, é preciso que uma análisedo cadáver constate a presença de ál-cool ou outras drogas no sangue. Quan-do o condutor morre no hospital – mui-

Juliana Lanzarini

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tas vezes dias após o ocorrido –, ofalecimento não engorda a lista.

“Esse cenário é uma distorção”, co-menta Jefferson José Oliveira da Sil-va, pesquisador da FundaçãoOswaldo Cruz (Fiocruz) e perito doInstituto Médico Legal Afrânio Pei-xoto (IML). Ele lamenta a ausência,no país, de uma infra-estrutura quepossibilite a existência de númerosprecisos sobre os acidentes de trân-sito provocados pelo uso de álcool epsicotrópicos. Considerando apenasas mortes nas estradas e no local doacidente, calcula-se que 32 mil pes-soas morram anualmente. Contudo,também devem ser levados em con-sideração os prejuízos que abrangemperda de produção do acidentado, in-válido ou morto, gastos com a saúde,resgate e conserto de avarias de veícu-los, perda de cargas de caminhões edanos a propriedades.

Para Jefferson, caso fossem conside-radas as mortes ocorridas nos hospi-tais no prazo de até um mês após asocorrências em estradas, tal númeropossivelmente triplicaria. “Estima-seque 80% dos acidentes de trânsito noBrasil sejam provocados pelo uso deálcool, mas tudo o que se fala é chute”,lamenta. “Da mesma forma, os da-dos sobre a correlação entre o uso desubstâncias psicoativas e os incidentesde trânsito têm sido subestimados”,alerta Jefferson.

Agora, imagine se a primeira blitzpudesse colher amostras da saliva do

condutor que ingerira ecstasy. Empoucos minutos, graças a um equi-pamento especial, os policiais cons-tatariam a presença de drogas e omotorista seria imediatamente obri-gado a deixar o veículo. Essa açãopreventiva poderia, sem nenhumadúvida, salvar muitas vidas.

E se esse mesmo motorista, em vezde ter sido parado pela “blitz da sa-liva”, se envolvesse em um acidente,colidindo com outro automóvel?Nesse caso, a equipe do Corpo deBombeiros chamada para o localpoderia colher amostras do sanguedos motoristas vitimados. Um au-tomóvel da polícia, especialmenteequipado, transportaria o materialcolhido até o IML, onde exames pre-cisos diagnosticariam a presença ounão de álcool ou de outras drogas nosangue das vítimas, vivas ou mortas.

Toda essa logística e tecnologia, queaté parece roteiro de um seriado deficção policial, será realidade. Quemexplica é o próprio pesquisador daFiocruz, durante a realização destareportagem, na atual sede do IML,um prédio que data da década de1940, situado no centro do Rio. Nomomento, aguarda-se a inauguraçãodo novo prédio. As novas depen-dências do IML, que ficarão na ave-nida Francisco Bicalho, na Zona daLeopoldina, é o que falta para que o“Estudo do impacto do uso de ál-cool e psicotrópicos nos incidentesde trânsito e a capacitação do esta-do para atenuar seus efeitos”, coor-denado por Jefferson e que conta

com a participação de outros seis pes-quisadores, possa, enfim, tornar-serealidade.

O estudo, desenvolvido pelaFiocruz, foi contemplado pelo editalPrioridade Rio – Apoio ao Estudode Temas Prioritários para o Gover-no do Estado – 2007, da FAPERJ.“A grande dificuldade do estado,hoje, é justamente a falta detecnologia e o despreparo para sefazer uma medição precisa eabrangente”, diz. O estudo tambémconta com recursos da SecretariaNacional de Segurança Pública e daSecretaria de Segurança do Estadodo Rio de Janeiro.

Um dos objetivos do projeto é amodernização do parque tecno-lógico de toxicologia relativo à me-dicina legal e perícia criminal, a fimde possibilitar a detecção de subs-tâncias psicoativas, por meio dacapacitação dos técnicos e da aquisi-ção de equipamento. O projeto foidividido em três linhas de ação: apreventiva, que atuará nas ruas, pormeio de laboratórios móveis, fazen-do testes de saliva; a ativa, que anali-sará sangue/urina dos acidentados;e a passiva, que analisará sangue doscadáveres. “Atualmente, o estado sóconsegue fazer, de forma satisfatória,a vertente passiva. Mesmo assim,praticamente apenas naqueles refe-rentes à ingestão de álcool”, diz.“Esse tipo de vigilância, de custo bai-xo e execução simples, é também omenos representativo.”

No futuro, uma vez implantado oprojeto, o equipamento que será uti-lizado para coletar e analisar a salivados motoristas usará um métododeterminístico direto, que busca asmoléculas por resposta imunológica.“Por meio dele, é possível saber seo indivíduo consumiu álcool ou ou-tras nove classes de drogas”, explicaJefferson, que também é professorda Universidade Federal do Estadodo Rio de Janeiro (UniRio).

“A saliva é um método não-invasivo,fácil de coletar e que oferece a infor-mação precisa de que buscamos”, dizJefferson. O exame pela saliva, aocontrário daquele realizado com aurina, é capaz de revelar com preci-são se o indivíduo está ou não coma consciência alterada pelo efeito dedrogas. “No caso da aplicação doteste no trânsito, essa diferença é fun-damental, pois a questão mais rele-vante é se as percepções e reaçõesdo condutor do veículo foram in-fluenciadas”, explica o pesquisador.

Os kits de análise da saliva – cuja efi-ciência já foi testada e validada pelaFiocruz – estão em fase de importa-ção e já receberam o sinal verde daAgência Nacional de Vigilância Sa-nitária (Anvisa). Eles terão validadede seis meses após o uso e exigirãoinvestimentos de R$ 250 mil.

O projeto também precisará de umnovo cromatógrafo líquido de altaresolução com sistema de extraçãoem fase sólida acoplado, além deequipamentos básicos de laborató-rio que serão utilizados para que oIML analise as amostras das vítimas.Parte dos equipamentos já foi im-portada, mas ainda está encaixotadano Laboratório de Toxicologia doinstituto, aguardando a inauguraçãodo novo prédio do IML, para ondeserão transferidos.

Enquanto isso não ocorre, Jeffersonacerta outros detalhes do projeto,como a entrega dos carros que se-

rão utilizados no projeto – dois au-tomóveis herdados dos Jogos Pan-Americanos do Rio, realizados em2007. Os carros receberão aslogomarcas das instituições envolvi-das no projeto e estão sendo adap-tados para fazer o transporte e ser-vir como postos médicos legais vo-lantes. Outra questão que ainda pre-cisa ser acertada é a da parceria como Corpo de Bombeiros, que terá umpapel fundamental para a viabilida-de do projeto.

Inicialmente, segundo Jefferson, aidéia era que a coleta de sangue dosvitimados fosse feita nos hospitais,o que não será possível devido à bu-rocracia envolvendo o estado e o mu-nicípio (a Polícia Civil é do estado, eos hospitais de maior porte são domunicípio). “Agora conversaremoscom o Corpo de Bombeiros”, diz.“Quando esse projeto começar a fun-cionar, teremos um quadro de infor-mações muito mais detalhado doque hoje é oferecido pelo IML”, diz.

Segundo dados preliminares do La-boratório de Toxicologia do IML,estima-se que pelo menos 50% dasmortes provocadas no trânsito ur-bano tenham associação com o con-sumo de álcool ou outra substânciacapaz de reduzir a capacidade decondução de veículos (benzodia-zepínicos, anfetaminas etc.). ParaJefferson, esses dados são absoluta-mente frágeis, devido à defasagemtecnológica do laboratório. O insti-tuto possui apenas um equipamento

para análise de álcool no sangue –um cromatógrafo gasoso avaliadoem cerca de R$ 150 mil.

Outro equipamento disponível noIML é o cromatógrafo em camadadelgada, utilizado para a análise depsicotrópicos no sangue. “Trata-sede uma tecnologia tão ineficiente quesó seria capaz de identificar um gra-ma de substância orgânica equivalen-te a um saquinho de sal em mil litrosde água”, diz o pesquisador. “Oscromatógrafos modernos são, semexagero, pelo menos um milhão devezes mais precisos”. Na sua avalia-ção, a atual tecnologia disponível noIML pode oferecer um resultado ne-gativo mesmo para alguém que tenhaingerido uma quantidade razoável deoutras drogas que não o álcool.

Com a nova data para a inaugura-ção do prédio do IML – previstapara o início de 2009 –, uma alter-nativa para que o projeto e suaimplementação não sejam prejudi-cados é a realização dos testes naprópria Fiocruz. Nesse caso, no en-tanto, Jefferson explica que as análi-ses terão de ser feitas no prédio dainstituição, mas por peritos da polí-cia. Para realizar as análises, a Fiocruzprecisaria da autorização dos indiví-duos. “Apenas os peritos do IMLpodem realizar análise forense, quenão precisa de consentimento”, diz.Além disso, a Fiocruz não poderiausar os dados coletados pelas análi-ses. Essas informações, segundo opesquisador, só seriam reveladas de-pois de terem se tornado públicaspela própria Polícia Civil do Estadodo Rio de Janeiro. “Esperamos co-meçar os testes na Fiocruz muito embreve”, diz.

Foto: Reprodução

Pesquisadores: Jefferson José Oliveirada Silva, Sergio Rabello Alves, Paulade Novaes Sarcinelli, Juliana deRezende Chrisman, Walter da SilvaBarros, Mônica Batista da Trindade eAna Cristina Simões RosaInstituições: Fiocruz e IML

Jovens na balada: PMs não têm como verificar uso de substâncias psicoativas por motoristas

Foto: Peter Suneson

O País não dispõe de números precisossobre os acidentes de trânsito provocadospelo uso de álcool e psicotrópicos

Novas instalaçõesdo IML permitirãoampliar controle douso de psicotrópicos

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Um equipamento que podeajudar a evitar problemasambientais relacionados

com a infiltração de poluentes nosolo, aumentar a segurança de bar-ragens e túneis, e determinar a for-ma ideal de ancoragem em águasprofundas para plataformas de pe-tróleo tem certamente serventia emum grande número de países, inclu-indo o Brasil. Depois de uma longaespera e muitos contratempos deordem burocrática, já funciona nocampus da Universidade Estadual doNorte Fluminense (Uenf) a primeiracentrífuga geotécnica de viga daAmérica Latina, a segunda no He-

misfério Sul – com capacidade parasimular um campo gravitacional até100 vezes a gravidade terrestre.

A instalação do equipamento é o re-sultado de um esforço de mais deuma década de um grupo de pes-quisadores empenhados com o de-senvolvimento e a consolidação doLaboratório de Engenharia Civil daUenf, em Campos dos Goytacazes.Comprado em 1993 à empresa WyleLaboratories, da Califórnia (EUA),a um custo de US$ 770 mil, o equi-pamento chegou ao país em 1995.A iniciativa foi resultado de uma açãoliderada pelo engenheiro e profes-sor da Pontifícia Universidade Ca-tólica do Rio (PUC-Rio) PedrictoRocha Filho, quando ele integrava a

comissão encarregada de implantara Uenf. “A centrífuga, por meio dasimulação de um campo gravi-tacional, oferece a oportunidade deestudo de soluções para os desafiosque a engenharia enfrenta na atuali-dade, como, por exemplo, em pro-blemas associados à lâmina d’águaprofunda”, diz Rocha Filho, que ocu-pou a presidência da FAPERJ de2004 a 2006. “O equipamento podecontribuir ainda para a produção dematerial didático, mostrando o com-portamento e o desempenho deobras geotécnicas. Sua presença nocampus da Uenf pode levar a univer-sidade a se tornar um centro de re-ferência nacional e mesmo interna-cional.”

Depois de dois anos retida no por-to, seguiu para Campos, onde per-maneceu mais cinco anos à esperada infra-estrutura necessária para seufuncionamento. Em 2002, depois deangariar recursos de diversas entida-des de fomento à pesquisa, uma novatentativa de colocar a centrífuga emmovimento fracassou por proble-mas na importação de novossensores. Em 2006, no entanto, oCentro de Pesquisas da Petrobras(Cenpes) vislumbrou a chance deutilizar o equipamento em pesquisas,criando, na Uenf, o Núcleo de Ex-celência em Ancoragem em ÁguasProfundas. Depois de uma rodadade encontros para discutir o assun-to, ficou acertada a colaboração dolaboratório da universidade com aUnidade de Negócios da Bacia deCampos (UNBC), da Petrobras.“Com os recursos disponibilizadospela empresa em maio de 2007, pu-demos trazer de volta ao país os téc-

nicos americanos e finalizar o proje-to de infra-estrutura, que permitiu ainstalação do equipamento”, explicaFernando Saboya, do Laboratório deEngenharia Civil da Uenf, que ocu-pou a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da universidade nos anosde 2003 a 2007.

Saboya, que esteve à frente do proje-to de instalação da centrífuga ao lon-go dos últimos anos, acredita que, atéo fim de 2008, será possível obter osprimeiros resultados com modelosque deverão testar novas tecnologiasna ancoragem de plataformas de pe-tróleo que operam em águas profun-das. A centrífuga geotécnica, ao sub-meter modelos reduzidos à ação dagravidade, pode investigar tambéma ação do tempo sobre estruturas decaracterísticas diversas. Ao aumentara gravidade sobre um determinadoobjeto, é possível simular a passagemdo tempo ao longo dos anos quan-do a formulação que governa o fe-nômeno é dependente do tempo.Assim, com o auxílio de modelos hi-dráulicos reduzidos, é possível, porexemplo, investigar a ação provocadapelo fluxo da água em mananciais, ofluxo de poluentes no subsolo, a in-fluência das marés em estuários e odesempenho de vertedouros de bar-ragens. “Podemos utilizar modeloscom até uma tonelada de peso, atin-gindo até 100 toneladas no chamado‘vôo’”, diz.

De porte médio, a centrífuga foi pro-jetada e construída para acomodardois modelos, simultaneamente, quesão apoiados diretamente sobre ces-tos localizados nos extremos dosbraços do equipamento. O seu fun-cionamento é controlado por meio desoftware próprio, e os dados coletadosem cada modelo são enviados, atra-vés de fibra ótica e por telemetria, parao sistema de controle. O sistemapode transmitir até 100 Mbps, per-mitindo a aquisição de dados de di-versos instrumentos em grande ve-

locidade. Entre os diversos acessó-rios para ensaios, destaca-se umacâmera fotográfica capaz de produ-zir até 30 mil fotos por segundo.

De acordo com o pesquisador, gran-de parte dos problemas na engenha-ria geotécnica advém das forças demassa, relacionadas ao peso dosmateriais envolvidos numa determi-nada obra. “A partir da utilização deum modelo, em escala reduzida, épossível submetê-lo a uma acelera-ção correspondente a até 100 vezesa gravidade”, explica. “Com isso,tensões e cargas, e, conseqüentemen-te, o desempenho de uma estrutura,são testados antes da execução deuma obra.” Estudos de fenômenoscomo ruptura de edificações, estru-turas offshore, barragens e pontes se-rão certamente recorrentes no pro-grama de experimentos a ser reali-zado pelo equipamento.

A centrífuga ganhou, com recursosdisponibilizados pela Petrobras,Finep (Financiadora de Estudos eProjetos, do Ministério da Ciência eTecnologia) e FAPERJ, um prédiopróprio, com 550 m2 de área cons-truída, dotado de sala de ensaios re-servada ao equipamento, um labo-ratório e salas de controle, estudo eusinagem de modelos. De acordocom o engenheiro, boa parte dotempo é gasta na confecção dosmodelos, que precisam ser elabora-dos com grande precisão. O País jápossuía duas outras centrífugas –ambas com características bastante

Centrífuga geotécnica entraem operação na Uenf

distintas –, uma no Instituto AlbertoLuiz Coimbra de Pós-Graduação ePesquisa em Engenharia (Coppe/UFRJ), no Rio, e a outra no Institutode Pesquisas Tecnológicas (IPT), emSão Paulo. No Hemisfério Sul, ape-nas a Austrália possui equipamentocom os mesmos recursos.

O pesquisador avalia que um dosprincipais desafios no futuro seráformar e manter uma equipe mul-tidisciplinar permanente no local, emcondições de operar os equipamen-tos. “Acredito que, com o apoio daPetrobras, CNPq, Capes e FAPERJ,conseguiremos reunir o grupo depesquisadores e técnicos em condi-ções de atender à demanda por tes-tes num futuro bem próximo”, apos-ta. A parceria com outras empresaspúblicas e, também, privadas nãoestá descartada e, ao contrário, de-verá ser incentivada. Por enquanto,ele prefere manter em sigilo as ne-gociações em andamento. “Estamosotimistas com as perspectivas de es-tabelecer novas parcerias, permitin-do que toda a comunidade científi-ca e também as empresas possamse beneficiar da instalação do equi-pamento”, diz. Instituições estrangei-ras, como a Universidade doColorado (EUA) e o Centro de Es-tudos de Fundações Offshore, da Aus-trália, já demonstraram interesse emutilizar o equipamento e estabelecerparcerias.

Paul Jürgens

Pesquisador: Fernando SaboyaInstituição: Uenf

Campus da Uenf: equipamento ganhou prédio próprio, com 550 m2 de área construída

No Hemisfério Sul, apenas aAustrália possui equipamentocom as mesmas características

Fotos: Felipe Moussallem

ENGENHARIA

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Quem imaginaria que veícu-los como bicicletas, triciclose carros poderiam ser fei-

tos a partir de uma estrutura de bam-bu? Para o engenheiro KhosrowGhavami, professor titular do De-partamento de Engenharia Civil daPontifícia Universidade Católica doRio (PUC-Rio) e Cientista do Nos-so Estado, da FAPERJ, o bambu é– como gosta de dizer – o “materi-al do século XXI”. Pesquisando oassunto há quase 30 anos, ele afirmaque a gramínea se presta a um nú-mero enorme de usos, bastandoaplicar o adequado conhecimentotécnico-científico, adquirido ao lon-go desses anos de pesquisa. Comamplas vantagens: matéria-prima al-ternativa, ou como ele prefere di-zer, material não-convencional, re-duz os custos da construção civil,absorve CO

2 e gera oxigênio, além

tamanho final em cerca de dois me-ses. A partir dos três anos, já temresistência suficiente para o uso naconstrução civil e deve ser maneja-do, porque, depois dessa fase, a re-sistência começa a decrescer. Depoisde cerca de sete anos, apodrece emorre. É claro que, devido à gran-de diversidade de espécies, esses da-dos são também variáveis”, explicao pesquisador.

Com tantas características interessan-tes, o bambu tornou-se objeto deum edital do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq), a Rede Nacionalde Pesquisa e Desenvolvimento doBambu (Redebambu/BR). Lançadono mês de agosto, o edital foi frutoda persistência dos pesquisadores,entre eles Ghavami, que em 2006,durante um evento organizado naUniversidade de Brasília (UnB), cri-aram a Rede do Bambu, para man-ter intercâmbio de conhecimentos eevitar a repetição de pesquisas. O es-forço do grupo no CNPq foi bem-sucedido. O programa, recém-lan-çado, passa a apoiar financeiramen-te projetos que busquem a inovaçãoe a difusão de conhecimentoambiental e de tecnologias de utili-zação do bambu em setores comoconstrução civil, da indústria de mó-veis e de outros artefatos.

Em telhados, carros ou bicicletas, a es-trutura usada é praticamente a mes-ma, guardadas as diferenças de tama-nho e de posição. “Se virarmos uma

treliça simples e simétrica, como a usa-da em um telhado, de cabeça parabaixo, temos os enrijecedores paraconstruir o casco de um barco. Oimportante são as ligações entre oscolmos do bambu, que precisam serbem estudadas”, fala Ghavami. Naconstrução civil, pode ser empregadoem lajes, como forma permanente emestruturas de concreto armado, oucortado em tiras, que são devidamen-te tratadas, substituindo o aço utiliza-do na armadura convencional. “As fi-bras da planta podem ainda ser em-pregadas para produzir telhas, caixas-d’água etc. Essa combinação de arga-massa, ou nata de cimento e fibrasvegetais, pode ser feita com a fibrado sisal, do curauá, do eucalipto, dobambu e de várias outras. O interes-sante é que a técnica pode ser implan-tada em qualquer fábrica de amianto,apenas substituindo parcialmente amatéria-prima”, comenta.

O pesquisador trabalha ainda em ou-tra vertente: a partir da composiçãoquímica do bambu, que tem em suaconstituição polímeros naturais,pretende impregná-lo com outrospolímeros compatíveis e com eles pre-encher sua estrutura porosa. “Fazen-do isso, conseguiremos transformá-lonum supermaterial, absolutamente re-sistente”, anima-se. Para levar avante aidéia, Ghavami anda atrás de quími-cos especializados em polímeros, in-teressados em aliar-se à pesquisa.

Quando se trata de materiais não-convencionais em geral, e do bam-bu em particular, o professor, nasci-do no Irã, é mesmo um entusiasta.“Se pensarmos que o aço consomeenormes quantidades de energiapara ser produzido, e tanto sua fa-bricação como seu transporte geramenormes quantidades de poluentes,vemos o quanto é necessário bus-carmos opções. Além disso, gasta-mos milhões de dólares parapesquisar corrosão e oxidação, doisgrandes problemas do aço. O bam-

bu, ao contrá-rio, é renovável, tem cus-to baixo e pode ser plantado próxi-mo à área de produção, evitandoassim, a necessidade de transporte.Para se produzir em aço uma tone-lada de perfis tubulares com as me-didas de um colmo de bambu, serápreciso, por exemplo, gastar 50 ve-zes mais energia. Além disso, na pro-dução de uma tonelada de aço, ge-ram-se em média 2,5 toneladas deCO

2, ao contrário do bambu, co-

nhecido por ser boa reserva de car-bono”, explica.

Professor do Imperial College, àépoca em que essa instituição aindaera parte da Universidade de Lon-dres, Ghavami foi convidado pelaPUC-Rio, em 1978, para organizaros cursos e as linhas de pesquisa teó-rico-experimentais de estruturas me-tálicas. Suas pesquisas tiveram iníciologo que ele chegou ao Brasil, nomesmo ano. Ao observar que poraqui o amianto ainda era usado –embora já tivesse sido condenadonos Estados Unidos e na Europa pe-los malefícios que causa à saúde hu-mana –, ele começou a estudar ma-teriais que pudessem substituí-lo.Suas primeiras linhas de pesquisaempregaram a fibra de coco, mate-rial bastante comum que costuma serdescartado por aqui, com bons re-sultados. Mas, ao conhecer os váriostipos de bambu que crescem nocampus da PUC-Rio e no JardimBotânico do Rio de Janeiro, não he-sitou em testá-los.

“No começo, há 30 anos, conside-rava-se o bambu uma praga, e aspessoas não acreditavam que ele pu-

Material do século XXI

Vilma Homero

Versátil e renovável, o bambu reduz os custos daconstrução civil, absorve CO2 e gera oxigênio

de ser um produto renovável, prin-cipalmente num país como o Brasil,onde a planta é abundante. Na cons-trução de uma casa, por exemplo,pode ser empregado desde as fun-dações até o telhado.

Tubular, com altura final de mais de25 metros, resistente ao vento e àchuva, o bambu, testado em diver-sos ensaios para caracterizar suas pro-priedades físicas e mecânicas, apre-senta resistência à tração semelhanteà do aço. De origem asiática e sul-americana, cresce principalmente emáreas tropicais e subtropicais, embo-ra seja escasso no Hemisfério Nor-te, isto é, nos países industrializados.Apesar do lento desenvolvimento dorizoma, depois que o broto despontano solo, passa a crescer rapidamente,algo em torno dos 45 cm por dia,como aponta o registro feito naPUC-Rio para o bambu Dendroca-lamus giganteus. “A planta atinge seu

Khosrow Ghavami, engenheiro e professorda PUC-Rio: pesquisa sobre as propriedadesfísicas e mecânicas da gramínea

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

desse ser empre-gado na construção. Minhaprimeira aluna de mestrado em ma-teriais não-convencionais foi a estu-dante paraguaia Ruth Amada. Osalunos brasileiros não queriam fazerpesquisa nessa área; preferiam estu-dar o concreto e o aço”, lembra. Se-gundo Ghavami, é a mesma menta-lidade que leva certos professoresem países em desenvolvimento aaplicar apenas as técnicas consolida-das nos países industrializados. “A ar-quitetura brasileira muitas vezes co-pia o que é feito em países frios,usando muito concreto, aço e vidro.Mas se lá se procura vedar ao máxi-mo as construções, impedindo aentrada do vento e da neve, já quese trata de clima frio, aqui seria maislógico estudar formas de melhorventilar as moradias, dispensando,assim, o ar-condicionado”, argu-menta. “É importante que, num gru-po de pesquisa, o orientador envol-va os alunos de diversos níveis aca-dêmicos em projetos de ensino”. Eexemplifica com a participação doaluno de mestrado João Krause nocurso de Introdução à Engenharia,voltado para estudantes de gradua-ção recém-ingressados na faculdade.“Sua atuação foi importante naimplementação das idéias e na exe-cução dos projetos dos veículos debambu”, argumenta.

Ao mesmo tempo em que se dedi-cava a pesquisas de alto nível em aço,até então sua especialidade acadêmi-ca, Ghavami estudava, como hobbye com a participação de alunos deiniciação científica, as característicasdo bambu, da fibra de coco e dosisal. Produziu diversos artigos parapublicações nacionais e estrangeiras,até que, em 1984, organizou, em cola-boração com o professor Hsai Y. Fang,

Novas pesquisaspodem transformaro bambu em‘supermaterial’

Foto: Divulgação

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da Lehigh University, na Pensilvânia(EUA), o Congresso Internacionalsobre Materiais e Tecnologias Não-Convencionais, com participantes domundo todo. “Conseguimos que 70especialistas de altíssimo nível vies-sem por conta própria ao Rio deJaneiro apresentar suas pesquisas”,lembra. Naquele mesmo ano, fun-dou, no Rio de Janeiro, o ComitêTécnico em Materiais e TecnologiasNão-Convencionais, do qual é presi-dente. O sucesso do congresso levouà realização de um segundo encontro,organizado na Índia, em 1997, e umterceiro, em Hanói, em 2002, com aparticipação de dez brasileiros.

Conhecido internacionalmente,Ghavami troca experiências com umenorme número de pesquisadoresque também se interessam em ma-teriais não-convencionais. É membrofundador do International Networkfor Bamboo and Rattan (Inbar) e doComitê de Normas Técnicas deBambu, fundado em conjunto como professor Julius Janssen e patroci-nado pelos governos holandês e ca-nadense. Por duas vezes, em 1988 eem 2007, foi convidado pela Aca-demia de Ciências da China para

ministrar seminários sobre as técni-cas que vem pesquisando. “No ex-terior, há muito mais interesse emestudos nessa área. Cada vez maisperdemos a oportunidade de inves-tir pioneiramente e continuar lideran-do as pesquisas sobre o tema”, criti-ca. Ghavami levanta ainda um ou-tro problema: a falta de investimen-to e de produção, por empresas pri-vadas, em tecnologia de ponta vin-culada a esses incríveis materiais.

Técnica milenar chinesajá usava a planta

Técnicas milenares de arquitetura jáempregavam materiais, como palhade trigo, no caso do Irã, ou mesmoo bambu, na China, em construçõesque resistiram ao tempo. “Aqui noBrasil, as casas-grandes dos engenhoseram erguidas com paredes de tai-pa. Dependendo da forma de cons-trução, elas duram séculos e são fan-tásticas. A taipa de mão, ou pau-a-pique, atualmente considerada mátecnologia, insalubre, é na verdademal-empregada. Quando executadacorretamente, de acordo com as téc-nicas tradicionais aprendidas pelohomem ao longo dos séculos, é ummaterial comprovadamente durávele econômico, além de não agredir oambiente em que se insere. São mé-todos que deveriam ser ensinados eaperfeiçoados nas escolas técnicas euniversidades”, diz.

Hoje, alunos de universidades estran-geiras vêm procurar orientação e es-tudar com Ghavami. Foi assim queauxiliou um grupo de arquitetos eengenheiros belgas, que projetarame construíram o centro comunitáriode Camburi, comunidade de antigosquilombolas, em Ubatuba, no lito-ral paulista. Além do bambu na con-fecção das treliças do telhado e dospilares, outras técnicas inusitadas fo-ram aplicadas: a compactação de ter-ra para construção de paredes, co-

nhecida como taipa de pilão, e o tetoverde. A princípio, os próprios mo-radores, que ajudaram nas obras, nãoacreditavam no sucesso da emprei-tada. Mas depois se tornaram orgu-lhosos defensores do projeto, que lápermanece para quem quiser ver.“Acho que, em Camburi, demons-tramos muito bem nosso principalobjetivo. Especialmente em peque-nas comunidades, é fundamental de-senvolver projetos que empreguemtécnicas e materiais não-convencio-nais, e barateiem o custo das cons-truções. É também um meio de evi-tar a migração de trabalhadores ru-rais para as megalópoles”, conclui opesquisador.

Seu grupo de pesquisa procura que-brar paradigmas, pregando amultidisciplinaridade. “Isso é funda-mental à atual pesquisa de alto nível.Hoje, contamos com um arquiteto euma agrônoma, e temos a coopera-ção do design e das demais engenha-rias da universidade”, diz. Em 1996,Ghavami foi membro fundador daAssociação Brasileira em Materiais eTecnologias Não-Convencionais(ABMTENC), que promove con-gressos internacionais sobre o tema(os Nocmat, como são conhecidosna sigla em inglês), a exemplo do queocorrerá em novembro, na Colôm-bia. Aberta a estudantes e profissio-nais da área, dela participam o reitorda PUC-Rio, padre Jesus Erthal, aolado de outros dirigentes da institui-ção e de renomados cientistas detodo o país. “Ao longo desses 30anos, muitos alunos, professores eprofissionais contribuíram para a ci-ência dos materiais não-convencio-nais. Todos eles tiveram a sua parte nosucesso das pesquisas, que sempre con-taram com o apoio, essencial, das agên-cias de fomento brasileiras”, conclui.

Pesquisador: Khosrow GhavamiInstituição: PUC-Rio

Foto: Divulgação

Construções estreitas que abri-gam numerosos habitantes,com higiene restrita, em cô-

modos pouco ventilados e úmidos,perto de esgotos a céu aberto. Esseperfil de ambiente propício à proli-feração de doenças poderia ser omesmo da moradia descrita em Ocortiço, clássico da literatura brasileiraque retrata as más condições de ha-bitação da população pobre do Riode Janeiro no fim do século XIX.Passado mais de um século, esse ce-nário do romance do escritormaranhense Aluísio Azevedo só pre-cisaria de algumas adaptações pararetratar a falta de saneamento bási-co comum nas cidades brasileiras,um dos fatores responsáveis peloretorno de males que já foram con-siderados erradicados. Entrereemergentes e negligenciadas, do-enças infecciosas como tuberculose,dengue, leishmaniose, hanseníase eleptospirose voltam a representar,neste início de século, uma ameaça àsaúde pública.

Entende-se por reemergentes as do-enças conhecidas de longa data e queretornam de repente, freqüentementecom uma incidência maior, quandose acreditava que estavam sob con-trole ou erradicadas. Já as negligenci-adas são consideradas aquelas que nãorecebem investimentos necessáriospara tratamento e prevenção, em boaparte devido a interesses econômi-cos. Especialistas atribuem o retor-no dessas doenças às relações do ho-mem com o meio ambiente. Alémda falta de saneamento básico, liga-da à pobreza e à urbanização desen-freada, questões como a desin-formação, as mudanças climáticas ea resistência dos vírus depois demutações também explicam o res-surgimento das infecções.

Para incentivar o combate a essas en-fermidades, a FAPERJ inovou ao lan-çar, em julho, o edital Apoio ao Es-tudo de Doenças Negligenciadas eReemergentes. O programa destinouR$ 10 milhões para estudos na área– o maior orçamento já disponibili-zado no país por uma fundação esta-dual de amparo à pesquisa para o es-tudo desse grupo de doenças.

TuberculoseUm dos pesquisadores contempla-dos no edital foi o pneumologistaAfrânio Lineu Kritski. Chefe doDepartamento de Clínica Médica daFaculdade de Medicina da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), ele coordena o projeto “Es-tratégias para aumentar a prevençãoe detecção de tuberculose resistente,e co-infecção tuberculose/HIV emunidades de saúde da Região Metro-politana do Rio de Janeiro”. ParaKritski, a tuberculose está diretamen-te associada às condições precáriasde habitação nos centros urbanos. “Aincidência da tuberculose tem avan-çado nas grandes metrópoles dospaíses em desenvolvimento. Ela estáligada ao aumento da pobreza e àfavelização. Imagine o bacilo circu-lando no ar de casas pequenas, quetêm cerca de quatro pessoas no mes-mo cômodo. A chance de transmis-são nesse ambiente é maior, já que avítima passa a doença para toda afamília”, avalia.

Batizada de “mal do século” no sé-culo XIX, a doença dizimou milha-

Velhas ameaças à saúde coletiva

Débora Motta

voltam à cena

Leishmaniose, hanseníase e tuberculose: falta de saneamento básico nas cidades brasileiras contribui para o ressurgimento das doenças

Fotos: Ministério da Saúde

SAÚDE

Ghavami e o triciclo feito de bambu

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res em vários países. “Morrer de tu-berculose era considerado chiqueporque, no início, ela atingia especi-almente a elite. A Revolução Indus-trial na Inglaterra, por volta de 1820,intensificou as migrações do campopara a cidade e, com o processo deurbanização, o número de vítimasaumentou mais entre os pobres. Daísurgiu no imaginário popular a idéiade que a tuberculose afeta mais alco-ólatras e desempregados. Nascia oestigma de que a doença é coisa degente desregrada, um castigo deDeus”, conta.

Dois séculos depois, um dos fatoresque mais contribuem para areemergência da tuberculose é a bai-xa imunidade causada pelo HIV. “Amaior causa de mortalidade em pa-cientes soropositivos é a tuberculo-se. É fácil contrair o bacilo quandoquem respira o ar contaminado estáimunodeprimido”, explica Kritski, in-formando que o Rio de Janeiro é acapital líder no ranking de casos detuberculose associados à Aids, segui-da por São Paulo, Porto Alegre eRecife.

O diagnóstico tardio também é res-ponsável pela disseminação da do-ença. “No Rio, em São Paulo e emPorto Alegre, de 20% a 30% doscasos de tuberculose ocorrem devi-do à transmissão em hospitais quenão têm condições de detectar adoença a tempo”, diz. Os dados,esclarece Kritski, são da Rede Brasi-leira de Pesquisa em Tuberculose, aRede-TB, da qual é vice-presidente.O professor, que pesquisa a incor-poração de novos testes para detec-tar a tuberculose nos hospitais públi-cos, alerta para a maior resistência dobacilo: “A tuberculose resistente au-menta. Um dos motivos é o abando-no de tratamento, que deve ser nomínimo de seis meses. No país, de 83mil casos por ano, a taxa de abandonoanual é de 10%. Em alguns locais daBaixada Fluminense, chega a 30%”.

HanseníaseConhecida popularmente por lepra,a hanseníase é outra doença que vol-ta a ser alvo das preocupações deespecialistas e autoridades. A profes-sora Euzenir Nunes Sarno, da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foicontemplada pelo edital Apoio àsInstituições de Pesquisa Sediadas noRio de Janeiro, lançado pela FAPERJ,em abril, com a pesquisa “Estudoda modulação da célula de Schwann,e da resposta imune, pela infecçãopor Mycobacterium leprae – Uma abor-dagem clínica e celular da neuropatiana hanseníase”.

“Não diria que a hanseníase é umadoença reemergente no Brasil por-que ela sempre ocorreu. A média dedetecção de casos novos é a mesma

há 15 anos ou mais, embora a pre-valência de casos tenha caído acentu-adamente. Hoje são cerca de 40 milnovos casos por ano no país. Seriamais adequado dizer que é uma do-ença negligenciada”, pondera EuzenirSarno. Ela explica que, como se tratade uma doença de longa duração,para a qual já existe um tratamentoeficaz, não há grande interesse porparte da indústria farmacêutica debuscar novas drogas.

A pesquisadora acredita que o maiorentrave no tratamento da hanseníaseé o preconceito. “A rejeição social éo grande problema para diagnosti-car a doença a tempo. O próprio pa-ciente omite a hanseníase, seguindouma tendência secular de se escon-der, com medo de contaminar ou-

tras pessoas”, aponta. A enfermida-de tem um histórico de isolamentosocial. “Antigamente, os pacienteseram confinados em colônias. Nadécada de 60, surgiu um movimen-to para transformar as colônias emhospitais gerais. Hoje, nenhum paci-ente é afastado. Quando ele estámedicado, não contagia mais. Mas omedo continua no imaginário dapopulação.”

Euzenir destaca a necessidade deuma mobilização para superar essabarreira social e combater a doença:“É preciso investir em campanhasde mídia de conscientização dos sin-tomas, para que as pessoas procu-rem tratamento, que dura pelo me-nos um ano, no caso da poli-quimioterapia. Se a hanseníase for

diagnosticada cedo, a chance de curaé muito alta. Mas quando é detecta-da mais tarde, depois de cinco anos,fica difícil”.

Ao longo do tempo, diversos estu-dos comprovaram que a dissemina-ção da hanseníase – que tem focosem todo o país, exceto na região Sul– está associada à baixa renda. “Adoença é mais comum nas popula-ções carentes, que têm grande possi-bilidade de contágio devido às máscondições de habitação. No Rio deJaneiro, a maior concentração é naBaixada Fluminense, em municípioscomo Nova Iguaçu, Caxias e SãoJoão de Meriti. O Grande Rio temem torno de 2 mil casos por ano,enquanto a capital tem uma médiade 600 casos”, diz a professora.

LeishmanioseA leishmaniose é outra das enfermi-dades consideradas reemergentes enegligenciadas. No Estado do Rio,um dos pesquisadores que têmacompanhado de perto a evoluçãoda doença é o professor Edésio deMelo, do Laboratório de BiologiaCelular e Tecidual da UniversidadeEstadual do Norte Fluminense(Uenf). No edital voltado para asdoenças negligenciadas/reemer-gentes, a pesquisa “Bioensaios comextrato de nim (Azadirachta indica,JUS) e cinamomo (Melia azedarach)para fins terapêuticos sobre o con-trole de fertilidade canina e controleda leishmaniose”, de sua autoria, foiuma das selecionadas para receber oapoio da fundação.

Causada pelo protozoário leish-mânia, a doença é uma zoonose,transmitida por animais, como cãese roedores, para o homem, por meiodo mosquito Lutzomyia longipalpis. “Aforma mais tradicional de leishma-niose humana no Brasil é a que causaferimentos na pele. Existem casos emque ela pode ser fatal, quando atacaos órgãos internos. É a leishmaniose

visceral, mais comum na Ásia”, dizo pesquisador, acrescentando que oNordeste e a Região Metropolitanade Belo Horizonte são os principaisfocos da doença no país.

O crescimento desordenado de ani-mais justifica os surtos dessa doen-ça. “A reemergência da leishmaniosenos centros urbanos decorre do au-mento do número de cães infectados,que vivem na rua. A falta de sanea-mento básico está ligada indireta-mente à proliferação da doença,porque faz a resistência imunológicada população diminuir”, diz Melo. Eressalta: “O combate epidemiológicoé importante nas periferias, porque énelas que mais ocorrem casos epidê-micos nas grandes cidades”.

Leptospirose

Transmitida pela água contaminadapela urina de ratos ou cães, aleptospirose atinge, principalmente,a população sem acesso às condi-ções básicas de higiene. É comumaparecerem surtos da doença emépocas de enchentes. “Os serviçosde saneamento não acompanham ocrescimento das cidades. A falta dedragagem dos rios contra as enchen-tes, de controle de roedores e de umacoleta regular de lixo facilita a trans-missão da doença”, diz WalterLilenbaum, professor da Universi-dade Federal Fluminense (UFF).

Depois de realizar o pós-doutora-do no Departamento de MedicinaVeterinária Preventiva da Universi-dade de São Paulo (USP), em 2006,Walter, que tem se dedicado à pes-

Construções estreitas e falta de higiene favorecem volta de males antes considerados erradicados

Foto: Thiago Guimarães/Secom

Urina de ratos:transmissão da

leptospirose

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Um robô que gosta de limpezae trabalha em prol da saúde

INOVAÇÃO

Depois de criar ferramenta destinada a limpardutos de ar-condicionado, o engenheiroAlexandre Etchebehere desenvolve novos robôsdestinados a tarefas diversas

Robô desperta a curiosidade de alunos do ensino fundamental durante exibição em evento de tecnologia

quisa “Avanços no desenvolvimentode vacina recombinante para aleptospirose”, avalia a enfermidadecomo uma doença emergente: “Nãohouve uma retomada do crescimen-to da doença. Depois do primeirosurto epidêmico que atingiu o Riode Janeiro, em 1988, os númeroscrescem permanentemente”. O pes-quisador acredita que, para comba-ter a leptospirose, é necessário investirem mudanças ambientais. “As me-didas de controle saem da esfera dasaúde. É preciso um programa in-tenso de saneamento básico e de con-trole de roedores.”

O professor diz que não existe umaresistência maior da bactériaLeptospira interrogans. “O desafio nãoé a mutação da bactéria, mas as con-dições ambientais inadequadas. Nãoé à toa que a leptospirose ocorre nasregiões tropicais de países em desen-volvimento”, diz Lilenbaum, que es-tuda uma forma de identificar pro-teínas das bactérias que possam serutilizadas em diagnósticos mais efi-cientes ou em uma vacina – visto quea vacina para uso humano ainda temlimitações e, por isso, é empregadaem poucos países, como Cuba eChina, mas não é utilizada no Brasil.

Dengue

Com mais de 226 mil casos regis-trados pela Secretaria de Estado deSaúde e Defesa Civil no Estado doRio de Janeiro nos oito primeirosmeses de 2008, a dengue é a doençareemergente e negligenciada que maisassusta os cariocas. O professor daFaculdade de Medicina da UFRJRoberto Medronho desenvolve oprojeto “Dengue em menores de 15anos em localidade da Ilha do Go-vernador durante epidemia de 2007/2008, Rio de Janeiro: epidemiologia,modelos de intervenção e de assis-tência”, que, a exemplo de Lilenbaum,também foi contemplado pelaFAPERJ no edital específico para asdoenças desse grupo.

Assim como as outras doençasreemergentes e negligenciadas, a den-gue está ligada às condições de vidada população. “Os surtos de den-gue são conseqüência dos descasoscom o saneamento básico, comofalta de água encanada e de coletaregular de lixo. No Rio, fatorescomo a alta densidade demográfica,o clima quente e a própria caracte-rística portuária da cidade, que é umaporta de entrada para pessoas de

A FAPERJ destinou R$ 10 milhões para estudos de doenças negligenciadas e reemergentes

Pesquisadores: Afrânio L. Kritski,Roberto Medronho, WalterLilenbaum, Euzenir N. Sarno e EdésioJosé T. de MeloInstituições: UFRJ, UFF, Fiocruz e Uenf

vários lugares, contribuem para aocorrência de epidemias regulares”,explica Medronho.

Ele ressalta que o tratamento dadoença, transmitida pelo mosquitoAedes aegypti, não é prioridade dospaíses ricos. “A dengue é negligenci-ada pelos laboratórios internacionais.Alguns deles desenvolvem protoco-los de vacina, mas com lentidão. Éuma doença típica de países pobrese tropicais”, diz. E ressalta: “A den-gue é muito mais antiga e menoscomplexa do que a Aids e ainda nãotem um financiamento adequadopara o desenvolvimento de uma va-cina ou de um tratamento específi-co antiviral”.

De acordo com o especialista, osinvestimentos em pesquisa na áreadevem ser constantes: “As pesquisassó oferecem resultados em longoprazo. Já que os países desenvolvi-dos não investem na pesquisa dessegrupo de doenças, que nós tome-mos a expertise dos pesquisadoresbrasileiros para prevenir ou contro-lar de forma mais adequada a den-gue e outras doenças reemergentese negligenciadas. O impulso daFAPERJ no sentido de fomentar apesquisa no estado é de grande rele-vância científica e social”.

Para Medronho, depois dos surtosde dengue em 2002 e 2008, umanova epidemia da doença deve ocor-rer no verão de 2009. “Caso as au-toridades não invistam agora em pre-venção, um novo surto deve ocor-rer, com número de casos acima doesperado, especialmente na BaixadaFluminense”, prevê. “É preciso umamaior integração entre município, es-tado e União para conter o surgi-mento de novas epidemias.”

Foto: Thiago Belinato

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Apoluição do ar nas metró-poles se transformou numgrave problema de saúde

pública e vem assumindo proporçõesalarmantes neste início de século. Paraficar num só exemplo, os chineses ti-raram metade da frota de automó-veis das ruas de Pequim durante osJogos Olímpicos para que o resto domundo – de estrangeiros fãs do es-porte que visitaram o país durante oevento à audiência global de cente-nas de milhões de telespectadores queacompanharam a competição – nãovisse o altíssimo custo ambiental pro-vocado pelo boom da economia quemais cresce no planeta. Nos ambi-entes fechados e refrigerados, con-tudo, permanece a sensação de queali estamos ao abrigo da ação depoluentes e de microorganismos no-civos. Ledo engano, diria o engenhei-ro Alexandre Etchebehere, da Robô-In, para quem essa ameaça tem sidonegligenciada por autoridades, lide-ranças empresariais e especialistas emsaúde pública. “A disseminação doar-condicionado central nas últimasdécadas não foi acompanhada pelodesenvolvimento de tecnologias capa-zes de garantir o controle da qualida-de do ar que respiramos dentro des-ses ambientes”, alerta.

Segundo Etchebehere, uma pessoaadulta respira entre 10 mil e 15 millitros de ar por dia. Análises bacteri-ológicas realizadas por agências par-ticulares e públicas, dentro e fora dopaís, têm evidenciado a presença demicroorganismos nocivos à saúdedentro de um grande número deedificações climatizadas. Entre elas,os hospitais ocupam o topo das pre-ocupações das autoridades governa-mentais, que, desde o fim da décadade 1990, buscam uma regulamenta-ção eficiente para o setor. De acor-do com esses relatórios, uma dasprincipais causas para essa contami-nação são os dutos dos sistemas dear-refrigerado, por meio dos quaiso ar é conduzido aos diferentes es-paços dos edifícios.

“A limpeza dos dutos continua sen-do um desafio para os que lidamcom o assunto. Quase sempre estrei-tos e de difícil acesso, eles raramentepassam por um processo de limpe-za adequada”, explica Etchebehere,que, ao longo dos últimos anos, temse dedicado à criação de robôs des-tinados a tarefas diversas. Em buscade uma solução para o problema,em associação com a empresaFrioterm Engenharia Ltda., ele criouum robô multiferramenta capaz nãosó de percorrer e limpar os dutosdos sistemas de ar-refrigerado, mas

também de higienizá-los. O desen-volvimento do robô, que tem apoioda FAPERJ por meio do edital RioInovação, entrou em produção no iní-cio de 2008.

Equipado com uma escova e um sis-tema de aspiração semelhante ao dosaspiradores de pó domésticos, o me-canismo é capaz de limpar as tubu-lações sem espalhar os resíduos peloresto do duto. “A sujeira fica acumu-lada principalmente na base dessasinstalações. A maioria dos sistemasdisponíveis no mercado coloca umaspirador na extremidade do duto aser limpo e, em seguida, usa um robôequipado com uma escova acoplada auma hélice para ‘espanar’ o duto a par-tir da outra extremidade. Dessa for-ma, espalha desnecessariamente osresíduos, levando a sujeira para todaa tubulação, incluindo as laterais e aparte superior”, diz.

O Robô-In, como é chamado, pos-sui igualmente uma garra para pegarobjetos, como plásticos, madeiras,pedras, vidros etc. Dotado de umapá, ele ainda é capaz de recolher resí-duos, como areia, pedras de peque-no porte e lixo. Controlado por umjoystick, o mecanismo recebeu umafonte de luz e uma câmera que trans-mite imagens de alta definição doambiente – seja o interior de tanques,tubulações industriais, galerias ou for-ros – para um monitor. “Ele é capazde colocar e retirar objetos a uma dis-tância de 30 metros em seções de200 mm x 200 mm e foi equipadocom um sistema de tração por estei-ra, lisa, de silicone, o que garante suamovimentação mesmo em ambien-tes com grande acúmulo de poeiraou outros sedimentos. Além disso, écapaz de vencer com facilidade obs-táculos, como as saliências deixadaspelas chavetas e parafusos entre asseções de dutos”, destaca.

Associado à empresa Frioterm En-genharia Ltda., Etchebehere produ-ziu quatro unidades do robô e, ago-

ra, estuda o aprimoramento da li-nha de produção para o produto.“Acredito que há um mercado po-tencial, no país, para venda de cercade 300 unidades/ano de equipamen-tos de limpeza do gênero. Com apossível comercialização de 30 uni-dades ao longo do primeiro ano, te-ríamos condições de alcançar pou-co mais de uma centena de robôsnegociados ao longo do quarto anode vendas.”

O preço das primeiras unidadesdeve ficar entre US$ 6 mil e US$ 15mil cada, segundo as estimativas doprojeto e dependendo da configu-ração do equipamento. O preço demodelos importados com caracte-rísticas semelhantes gira hoje em tor-no de US$ 28 mil. De acordo comdados da Associação Brasileira deRefrigeração, Ar-Condicionado, Ven-tilação e Aquecimento (Abrava), háno país cerca de 120 empresas asso-ciadas e especializadas na instalaçãoe manutenção de ar-condicionado,e cerca de 50 delas são ou preten-dem ser prestadoras de serviços delimpeza e higienização. “Com baseem levantamentos feitos no merca-do internacional, estamos convenci-dos de que há espaço lá fora para aexportação do equipamento”, diz.Desenvolvido dentro do conceitode plataforma tecnológica, Etche-behere espera estender a aplicabili-dade do robô às necessidades deinspeções submarinas, como nas pla-taformas de petróleo.

Protótipo do Robô-In foidesenvolvido em oficinadoméstica

Em 2004, ao lado de um grupo decolegas de escritório, Etchbehere foidesignado para acompanhar o pro-cesso de modernização do sistemade ar-condicionado do Instituto Na-cional de Metrologia, Normalizaçãoe Qualidade Industrial (Inmetro),onde trabalha há 29 anos. Na oca-

sião, ele ficou surpreso com as difi-culdades enfrentadas pelo grupo paracontrolar a qualidade do ar na em-presa. “A partir daí, tomei o desafiopor conta própria e passei boa partedas minhas horas de folga trabalhan-do em minha modesta oficina emcasa”, conta.

Quando o protótipo do robô come-çou a dar seus primeiros “passos”, emmarço de 2004, ele procurou aFrioterm e propôs uma parceria. Aempresa apostou na idéia e, em pou-cos meses, entidades como aFAPERJ e a Federação das Indústri-as do Estado do Rio de Janeiro(Firjan) já apoiavam a idéia. O passoseguinte foi o aluguel de um galpão,em Duque de Caxias, BaixadaFluminense, para onde foi transferida,em junho de 2006, a sua oficina casei-ra. Com o auxílio da Frioterm, Etche-behere pôde aprofundar a pesquisasobre os problemas ligados à conta-minação de ambientes climatizados.

Segundo o engenheiro, estudos rea-lizados nos Estados Unidos indicamque aquele país registra perdas de US$10 bilhões/ano por causa da baixaprodutividade associada a problemasrespiratórios decorrentes da conta-minação dos ambientes por agentes,como fungos, bactérias, algas eamebas. No Brasil, esse montanteequivaleria a cerca de US$ 100 mi-lhões/ano. A “síndrome do edifíciodoente”, como vem sendo chama-da pelos especialistas e que as pes-quisas indicam atingir cerca de 30%das novas edificações, é apontadacomo responsável pelo surgimentode alergias, rinites e intoxicações, emalguns casos, com conseqüências gra-ves e irreversíveis. “Os únicos ambi-entes que têm merecido uma aten-ção especial são os hospitais e as in-dústrias voltadas para a produção defármacos e alimentos, em razão doseventuais impactos na sociedade e naeconomia”, alerta.

Paul Jürgens

Alexandre Etchebehere em sua oficina doméstica (à esq.) e na sede da empresa que criou em Caxias

Robô-In: limpeza de dutos dear-condicionado sem espalhar asujeira acumulada

Fotos: Divulgação

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O Robô-In tem sido regularmenteexibido em eventos de tecnologiarealizados na região Sudeste. Entreas participações mais recentes estãoas feiras internacionais BrasilOffshore, no Rio de Janeiro, eAnalitica Latin America, em São Pau-lo, ambas realizadas em 2007. Se o“aspirador de dutos” abriu novoscaminhos na trajetória profissionaldo engenheiro, a ferramenta apenas

inaugurou uma série criativa de no-vos inventos que levam a sua assina-tura. Entre eles, estão o Tixa, oRobô-Péa e o Robô-Tom. O pri-meiro foi inspirado na lagartixa esuas habilidades em se locomoverpor estruturas verticais. A idéia de seudesenvolvimento surgiu a partir dademanda por um equipamento ca-paz de fazer inspeções em tubula-ções do forno de hidrogênio daRefinaria de Duque de Caxias(Reduc), da Petrobras, evoluindopara a pintura industrial e inspeçõesexternas, com o objetivo de analisareventuais deformações.

No caso do Robô-Péa, inspirado nacentopéia, que pode se esgueirar porlocais de difícil acesso, o objetivo éoferecer um robô que possa fazerinspeções complexas de 360º nahorizontal e 90º na vertical, em dutosde dimensões reduzidas, com até 50metros de extensão. A idéia de de-senvolver o produto surgiu durantea feira Analitica Latin America, emsetembro de 2007. Na ocasião, o re-presentante da área de qualidade deuma empresa que atua no setor deprodução de pás para geradoreseólicos, em forte expansão no país,inquiriu o engenheiro sobre a possi-bilidade de adaptar a plataforma doRobô-In para inspecionar a parte in-terna das pás, que abrigam sensorese possuem geometria complexa. Aspás chegam a ter entre 30 e 50metros de comprimento e seu pesopode alcançar dezenas de toneladas.

Último da lista entre os inventos re-centes, o Robô-Tom foi assim bati-zado em homenagem ao cartoonamericano Tom e Jerry, criado peladupla Hanna & Barbera. “De tão pe-queno, ele é capaz de passar pelo bu-raco da casa do Jerry, o ratinho”, dizEtchbehere, mostrando que um pou-

co de humor não faz mal à inova-ção brasileira. “O objetivo é ofere-cer uma ferramenta capaz de ofere-cer um serviço de inspeção em am-bientes restritos à presença do ho-mem, como tanques de arma-zenamento de produtos químicos,extremamente insalubres, ou, de ou-tra forma, os locais de dimensõesextremamente reduzidas, como ga-lerias de serviços com cabos e tubu-lações. O engenheiro teve pelo me-nos uma motivação especial para tra-balhar na criação do Robô-Tom: “Opontapé inicial aconteceu quandorecebemos a ligação de um clienteque havia feito uma consulta, pelaInternet, sobre empresas quedisponibilizam robôs para tarefasindustriais”, relembra. “Ele relatouque estava seguro de que a pesquisanos sites de busca apontariam paraempresas fora do país. Disse que malpôde acreditar quando viu nossoendereço e de que se tratava de umaempresa genuinamente brasileira ecarioca”, diz.

O engenheiro adianta que outrasidéias para a criação de novos ro-bôs já estão sendo testadas nas me-sas de seu laboratório. Mas, por ora,prefere não revelar os novos cami-nhos por que trilham suas pesquisas.Afinal, recomenda-se proteger dacuriosidade alheia invenções ainda emfase de testes. A atitude de Etche-behere nada tem de reprovável. Opaís e sua comunidade científica pa-recem ter aprendido a lição com osprejuízos – ou, inversamente, a faltade ganhos – causados por criaçõesnão patenteadas que foram levadaspara o exterior com grande sucesso,e que nenhum benefício trouxerampara seus criadores ou para o país.

Participação em eventos de tecnologia atraiinteresse de empresas sobre os robôsdesenvolvidos por Etchebehere e sua equipe

Fotos: Divulgação

Pesquisador: Alexandre EtchebehereEmpresas: Robô-In e Frioterm

Pelos pulmões de um adulto normal cir-culam cerca de 11 mil litros de ar por dia,o que representa aproximadamente 450litros/hora. Um indivíduo que trabalhaoito horas por dia confinado em localonde as boas condições do ar não sãorigidamente preservadas é um potencialcandidato a doenças. Esses lugares cos-tumam utilizar sistemas de climatizaçãoque pouco transferem o ar externo parao ambiente interno. Estudos realizadosnos Estados Unidos revelam que mui-tas pessoas passam de 80% a 90% doseu tempo de vida em ambientes assim,trabalhando, fazendo compras, desen-volvendo atividades de lazer ou repou-sando.

Desde 1982, a Organização Mundial daSaúde (OMS) reconhece a existência dasíndrome do edifício doente (SED). Elaocorre quando ocupantes de um prédioapresentam sintomas como irritação dasmucosas dos olhos, nariz e garganta, dorde cabeça, ressecamento da pele, tosse,chiados respiratórios, náuseas, dificulda-de de concentração, sensibilidade a odo-res, mal-estar e cansaço semelhantes a umestado gripal – sem que se possa associá-los a uma origem patológica definida oua uma doença preexistente, contraída forado edifício, e que apresentam melhorasignificativa tão logo as pessoas deixemo edifício.

As principais causas da SED são a venti-lação e a renovação inadequadas do ar, apresença de poluentes químicos, comoo monóxido e o dióxido de carbono (COe CO

2), amônia, dióxido de enxofre e

formaldeído, produzidos no interior dosestabelecimentos, a partir de materiais deconstrução, materiais de limpeza, fuma-ça de cigarro (que tem mais de 4.700 subs-tâncias, muitas irritantes, indutoras deinflamação e até cancerígenas), fotocopi-adoras e pelo próprio metabolismo hu-mano, além de poluentes biológicos, in-cluindo fungos, algas, protozoários, bac-térias e ácaros, com proliferação favorecidapela limpeza inadequada de carpetes, ta-petes e cortinas.

Sistemas de ar-condicionado podem serdifusores desses poluentes, ou mesmosuas fontes. Quando ocorre inadequadahigienização dos equipamentos ou con-

taminações, o ambiente se torna propí-cio ao surgimento de epidemias. Essescasos devem ser entendidos diferente-mente das SED, já que é possível a iden-tificação do agente etiológico (mesmoque tardiamente) e dos mecanismos pa-tológicos. Chamadas de doenças relacio-nadas aos edifícios (DREs), elas podemderivar de equipamentos de refrigera-ção e ser infecciosas.

Exemplos de DREs associadas aos sis-temas de refrigeração são a febre dePontiac e a doença dos legionários. Aprimeira – assim denominada em refe-rência à cidade de Pontiac, no estadoamericano de Michigan – provocou, em1968, uma epidemia caracterizada porfebre, dores de cabeça e musculares queafetou a saúde de 114 pessoas, 100 de-las funcionários de um edifício do de-partamento de saúde local. Já a doençados legionários provocou, em 1977, amorte de 34 das 182 pessoas infectadasque participavam de uma convenção daLegião Americana no hotel Bellevue-Strafford, na Filadélfia, também nosEUA. Ambas as doenças foram causa-das pela até então desconhecida bactériaLegionella pneumophila, disseminada apartir de colonização dos sistemas decondicionamento de ar.

Outra doença que chama a atenção paraa necessidade de cuidados com os siste-mas de refrigeração é a ceratite amebiana.Segundo a Associação Paulista de Me-dicina, as ocorrências saltaram de doiscasos, detectados em 1975, para 350 ca-sos, em 1990. Ela é causada por umprotozoário que pode se proliferar nasbandejas coletoras da condensação daumidade dos condicionadores de ar.Nos de uso doméstico, os problemasnão alcançam tais dimensões, mas deve-se sempre fazer limpeza periódica dosfiltros e evitar a deposição de fezes deaves na face externa do equipamento,que podem ser fontes de disseminaçãode fungos, como o Cryptococcus.

A climatização de ambientese o risco de epidemiasDepois de criar o

Robô-In, que deunome à empresa, o

engenheiro agoratrabalha no

desenvolvimento denovas ferramentas

Arnaldo José Noronha Filho,pneumologista, é professor daFaculdade de Ciências Médicas da Uerje secretário geral da Sociedade dePneumologia e Tisiologia do Estado doRio de Janeiro (Sopterj)

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Jacob Palis ainda guarda na lembrança o dia em que se apaixonoupelo Rio de Janeiro. Aos 16 anos, o jovem estudante que se tornariamatemático de reputação internacional, formulando as “conjecturasde estabilidade e, mais recentemente, do comportamento típico dos

sistemas dinâmicos caóticos”, deixou a casa dos pais na sua terra natal,Uberaba (MG), para fazer a prova do vestibular para o curso de Enge-nharia na capital do antigo Estado da Guanabara. Foi morar na casa deum irmão mais velho, no bairro do Flamengo, bem em frente ao Pão deAçúcar. Ao abrir pela manhã a janela do 16º andar, na vertigem da pai-sagem deslumbrante, jurou amor pela cidade que nunca abandonou.“Imagina um mineiro que nunca tinha visto o mar abrir a janelinha doseu apartamento e ter à sua frente aquele visual.” Mas a grande paixão dePalis é a ciência e, em particular, a matemática.

Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia deCiências para o Mundo em Desenvolvimento (TWAS, na sigla em in-glês), ele leva a vida profissional com o desprendimento de quem adorao que faz e gosta de experimentar. Aos 68 anos, mantém a vitalidade narotina de trabalho intenso à frente das entidades que dirige. “Veja bemque ainda não são 78, são só 68”, brinca. E haja fôlego! O matemáticodesdobra-se para conciliar as atividades de dirigente com as obrigaçõesde pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada(Impa) e ainda orientar alunos de pós-graduação.

Apesar de ser membro de pelo menos dez academias de ciências inter-nacionais, nunca deixou de se dedicar à pesquisa ao assumir responsabi-lidades institucionais. Em sua trajetória, orientou 41 doutorandos, entrebrasileiros e estrangeiros. Mesmo exercendo funções de relevância entreos seus pares, Palis acredita que o papel do cientista não passa necessari-amente por um cargo executivo, “depende do temperamento de cadaum”, e admira quem o faz em benefício da comunidade. “É preciso termuita paixão para realizar tarefas diversas em várias frentes. O importan-te é que a comunidade científico-tecnológica brasileira seja proativa. Masficar no laboratório, privilegiar a pesquisa e a formação de pesquisadorestambém é legítimo e não diminui a importância da contribuição de cadaum à ciência e tecnologia (C&T)”, avalia, com a flexibilidade de quemconsegue discutir um programa de C&T nacional e, minutos depois,debater um problema com colegas e alunos.

A parte política do DNA de sua fa-mília, contudo, concentrou-se em seuirmão Wilmar Palis, que o acolheuno Rio e foi vereador e deputadopelo estado. O pai do cientista, umlibanês que combateu o ImpérioOtomano, veio para o Brasil logoapós a Primeira Guerra Mundial. “Avida e os fenômenos da natureza têmcerto grau de incerteza, sempre pre-sente. Meu pai ia para os EstadosUnidos. Foi à Espanha tomar umnavio, mas no último momento umcolega o convenceu de que os EUAestavam saturados e que São Pauloera uma cidade representativa doverdadeiro país do futuro. Não foia escolha de uma de suas irmãs, quepreferiu seguir para os EUA. Eles sesepararam ali.”

Chegando ao Brasil, o pai de Palisestabeleceu-se como comerciante emUberaba (MG), onde logo conhe-ceu aquela que seria sua futura mu-lher, também, como ele, imigrante,mas do norte da Síria. No interiormineiro, montou uma loja ampla ediversificada na oferta de artigos, decasimira inglesa a itens de armarinho.“Fui o último de oito filhos. Lem-bro que meu pai nunca deixou quetrabalhássemos na loja porque que-ria que todos estudassem, inclusiveas mulheres. Ele financiava nossosestudos até o término do curso uni-versitário e, no final, ainda dava cer-to subsídio financeiro para que apessoa atuasse na carreira escolhidae montasse um consultório ou umescritório”, reconhece.

Palis diz que, desde a infância, de-monstrou aptidão pela ciência, des-tacando-se nas disciplinas de maioridentificação com o conhecimentocientífico. No vestibular, conseguiua proeza de passar em primeiro lu-gar para o curso de Engenharia daantiga Universidade do Brasil, hojeUFRJ, quando ainda concluía o se-gundo ano do ensino médio. Nãofoi possível cursar a graduação por

ainda não ter terminado o curso enão ter a idade mínima necessária.Mas repetiu o feito no exame do anoseguinte e, em 1962, concluiu a fa-culdade com louvor, recebendo oPrêmio Universidade do Brasil, demelhor formando.

Porém, o amor pela matemática,após um breve namoro com a físi-ca, falou mais alto. O mineiro resol-veu largar a engenharia para se dedi-car às questões conceituais. “Na épo-ca de estudante, eu fazia muitas per-guntas aos professores. Muitas ve-zes, eles respondiam satisfatoriamen-te; em outras, não.” A inquietude in-telectual de Palis às vezes eraincompreendida, confundida comindisciplina. Ele recorda que dois

professores foram ao diretor daEscola de Engenharia (RufinoPizarro, que dá nome ao elevado queliga a Linha Vermelha ao túnelRebouças, na capital fluminense) pe-dir sua punição por conta de seusquestionamentos sobre questõesconceituais das disciplinas que esta-va cursando.

“Para um deles, eu havia dito que asúltimas aulas poderiam ser resumi-das em metade de uma só. Quantoao outro, depois que ele realizou noquadro-negro uma operação mate-mática durante sua exposição, eu lheperguntei por que determinada ma-triz não era singular. Esse professoraparecia uma vez por semestre, eraum grande catedrático. Ele rubori-zou-se, indignado com a minha au-dácia, e me disse: ‘Meu filho, tenhomuita experiência em engenharia enunca encontrei essa tal de matriz sin-

gular’. Eu não estava debochando,apenas dando vazão à vontadeirresistível de fazer perguntas paraentender melhor o assunto expos-to”, conta. Depois da faculdade,decidiu estudar mais matemática efísica, para entender melhor os fun-damentos dos temas de engenhariapara, mais tarde, voltar a ela, o quenunca ocorreu. “Fiz vários cursos noImpa e alguns também no CentroBrasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).E fui, aos poucos, enveredando-mepela matemática, mais e mais.”

A vontade de estudar crescia e Palisresolveu apostar num passo maior:investir na carreira acadêmica, fazen-do um doutorado no exterior. Logofoi aceito na tradicional Universida-de de Columbia, em Nova York.Curiosamente, a notícia foi um cho-que para seus familiares. “Naquelaépoca, não era comum no país fa-zer mestrado e doutorado. Quandocontei a novidade para a família, elaficou assustada. ‘Quer estudar maispara quê? Como é que você vai vi-ver?’”, lembra. Ele venceu a resistên-cia dos pais. No entanto, o golpemilitar, em 1964, quase o impediude levar adiante o projeto. Sem ver-bas, o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico(CNPq) praticamente fechou as por-tas durante um tempo, e o jovemengenheiro não tinha como arcarcom seus estudos fora do país.

Palis não desistiu. O desejo de serorientando do renomado matemá-tico Steven Smale, nos Estados Uni-dos, era maior. “Soube, por amigos,que havia uma bolsa de estudos daFullbright (comissão para intercâmbioeducacional entre os EUA e o Brasil).Faltando apenas três meses para adata prevista para a viagem, fiz umteste de inglês e consegui o apoio.”Nesse meio tempo, Smale mudou-se para Berkeley, na Califórnia. Omestre americano, contudo, nego-ciou a transferência do brasileiro para

Um matemático aserviço da ciência

Filho de imigrantes, Jacob Palistrocou Uberaba (MG) pelo Rio antesde abraçar a carreira científica

Débora Motta

PERFIL

O amor pelamatemática apósum breve namorocom a físicafalou mais alto

Fotos: Vinicius Zepeda

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sua nova instituição, na qual Palis cur-sou o mestrado e o doutorado emapenas três anos. Já doutor, visitoualgumas instituições da costa leste dosEstados Unidos, como a Universi-dade de Brown e o MassachusettsInstitute of Technology (MIT), vol-tando em seguida à Califórnia, comoprofessor assistente em Berkeley.

Enquanto isso, o Brasil vivia os “anosde chumbo”. Apesar dos temposdifíceis, Palis estava determinado avoltar. A idéia de permanecer noexterior e aceitar propostas de tra-balho como professor e pesquisadornão o seduziam. Correspondendo-se com colegas brasileiros, teve oimpulso que precisava. “Ouvi falarem novidades que representavamdois marcos para a C&T brasileira.Um deles foi que o Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES, que à época aindanão havia incorporado o ‘S’ à sigla)ia passar a investir 2% do seu orça-mento em ciência e tecnologia bási-cas. Outro foi o lançamento de umprograma de pós-graduaçãoestruturado, com base no excelenteParecer Sucupira do Conselho Na-cional de Educação, do MEC.”

O matemático queria participar da-quele momento que, tudo fazia crer,deveria se transformar num grandeimpulso para a ciência do país. So-nhava em reproduzir “a magia doambiente científico” do LaboratórioCavendish, em Cambridge, na Ingla-terra, descrita no livro A dupla hélice,de James Watson, o qual, com FrancisCrick, descobriu a estrutura do DNA.“Achava, em 1968, que talvez fosseuma ocasião propícia para contribuirpara a criação no Brasil de um am-biente de ponta na linha do labora-tório britânico, mas em matemática.Conversei sobre isso com colegasbrasileiros que estavam em Berkeley,como Elon Lima e, sobretudo,Manfredo do Carmo. O resumo dahistória é que eu não me arrependo

de nada. Talvez possa dizer que tivea oportunidade de contribuir paracriar um ambiente atraente de pes-quisa no país”.

Depois de 40 anos de serviços pres-tados à ciência, Palis considera quepode fazer um balanço positivo dasua carreira. Doutor honoris causa porseis universidades, o ponto alto desua trajetória profissional, segundoo próprio, foi sua contribuição paraa compreensão e formulação de umavisão global do comportamento tí-pico dos sistemas dinâmicos, os quaisservem para descrever, em lingua-gem matemática, os processosevolutivos, como o clima e o cresci-mento da população. “Esse estudoestá vivo e em progresso. É como umsonho que vai se realizando. O pro-grama tem importância não só para amatemática, mas também para apli-cações. Minha ambição maior é veresse programa de pesquisa florescer.”

Reconhecimento internacional nãofalta ao atual presidente da Acade-mia Brasileira de Ciências, após umavida inteira de dedicação à ciência e,em particular, à matemática, que lherendeu nada menos que oito prêmiosinternacionais. O mais recente delesveio da italiana Accademia Nazionaledei Lincei, a academia de ciências maisantiga do mundo, fundada em 1603.A instituição concedeu o Prêmio In-ternacional Tartufari de Matemáticaao pesquisador, em junho deste ano.“Foi uma cerimônia muito bonita, ositalianos são bastante pomposos, masde bom gosto. Fui o único cientistanão italiano a receber o prêmio”,comemora com um sorriso come-dido o ex-presidente da União In-ternacional de Matemática.

Palis dispensa o estereótipo de gênioe diz se permitir pequenos prazeresdo cotidiano nas horas de lazer. Nosfins de semana, gosta de ir à praia eouvir música, especialmente se forjazz, bossa nova, ou música clássica eópera. Villa-Lobos é um dos seuscompositores preferidos.

O pesquisador considera que a ciênciabrasileira ainda atravessa processo deamadurecimento, e que os melhores

frutos ainda estão por vir. “A ciênciado Brasil só começa mesmo no fimdos anos 30, 40, com exceção de al-guns heróis do passado, como CarlosChagas. Outro personagem-símbolofoi César Lattes, mas já no fim dosanos 40. Em 1951, surgem o CNPq ea Capes (MEC). Outros marcos já ci-tados foram o Programa de Pós-Gra-duação e o Programa do BNDE(S)na segunda metade dos anos 60, esteúltimo resultando na criação daFinanciadora de Estudos e Projetos(Finep)”, recorda.

Ele cita ainda, como importantes re-ferências, a criação do Ministério daCiência e Tecnologia, das secretariasestaduais de C&T, e das fundações deamparo à pesquisa estaduais. “No con-junto, temos no Brasil uma estruturade apoio à C&T de causar inveja amuitos países. Mas é uma estrutura re-lativamente recente. Só na década de70 os pesquisadores das universidadese centros de pesquisa passaram a tertempo integral para se dedicar à ciên-cia. Isso já era feito nos EUA, na In-glaterra, na França e outros países eu-ropeus há muito tempo.”

Na avaliação de Palis, o País teveuma evolução científica substancial

em um curto período de tempo. “Oprogresso da ciência brasileira nosúltimos 40 anos é impressionante.Na fase inicial, houve uma preocu-pação em formar novos pesquisa-dores, o que fizemos com grandeêxito. Passamos a um lugar de des-taque no mundo e, mais ainda, naAmérica Latina.” Otimista, acreditaque os principais desafios serão su-perados. “A próxima etapa é crescere se integrar com o setor produtivo,para traduzir nossa ciência em pro-gresso e inovação em nossa indús-tria.” Ele defende ainda a necessida-de de um maior envolvimento daopinião pública na formulação depolíticas de ciência e tecnologia.“Cabe também a nós, cientistas, fa-zer um esforço maior de sen-sibilização da sociedade para a rele-vância da ciência e tecnologia na bus-ca de soluções para muitos dos pro-blemas que atingem o dia-a-dia docidadão.”

Para o cientista, o atual momentopolítico é bom para a C&T do país.“Os governos Lula e Cabral têm in-vestido bastante em ciência.” Apro-veitando a conjuntura favorável, elenegocia uma nova sede para a ABC.“Há uma possibilidade ainda nãoconfirmada de que tenhamos umanova sede até o fim de 2009”, adi-anta. “A atual é modesta para umaacademia de ciências com tantas ati-vidades e ambições de atuar em prolda ciência e da sociedade. O gover-no do estado tem se mostrado mui-to receptivo à idéia de colaborarnesse sentido. A ciência nacional me-rece, a essa altura, contar com umacasa com dependências mais amplas.Sediada no Rio, garantirá um justoprestígio para o estado fluminense.”

Palis, um dos pesquisadores contem-plados regularmente pela FAPERJno edital Cientistas do Nosso Esta-do, destaca o apoio da Fundação àpesquisa fluminense e brasileira. “Opapel da agência é muito importan-te. Ela aporta recursos, que hoje sãoexpressivos, e representa o compro-misso do Estado do Rio de Janeirocom a ciência e a tecnologia. Cadaestado deve fazer o mesmo em be-nefício de sua sociedade.”

Em relação à matemática nas esco-las, reconhece que o ensino da disci-plina, que costuma ser o terror damaioria dos alunos, está longe doideal. “A matemática brasileira avan-çada tem destaque internacional.Exemplo disso é a excelência doImpa e de vários outros centros na-cionais. No ensino fundamental, a si-tuação é grave, com enorme defici-ência na formação de professores ecom a oferta de baixos salários. Adecisão recente de aumentar o pisopara R$ 950,00 deverá, certamente,atrair pessoas mais talentosas paratarefa tão nobre”.

Palis é pai de três filhos: uma econo-mista do IBGE que trabalha com ascontas nacionais (PIB), um adminis-trador de empresas e uma estudantede biologia e meio ambiente. Ne-nhum seguiu sua carreira. “Nuncaforcei os meus filhos”, diz, com or-gulho das diferenças. Para o pesqui-sador, as opções profissionais devemser escolhidas naturalmente. Com aespontaneidade de quem abraçouseu trabalho por vocação e entusias-mo pela profissão, ele define o queé a matemática. “É a maior criaçãodo intelecto humano. A linguagemque melhor descreve as leis e os fe-nômenos da natureza, como diziaGalileu Galilei.” E voltando seus pen-samentos para a Academia, onderecebeu a reportagem da Rio Pesqui-sa, completa: “A Academia de Ciên-cias é também uma paixão, mais re-cente, mas igualmente grande”.

Para Palis, a pesquisa científica no país ainda atravessa processo de amadurecimento

Palis avalia que aciência no País estáamadurecendo

Nova sede para aacademia estáentre as prioridades

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“Atualmente, o milho-pipoca que éconsumido em Campos vem deempacotadoras que utilizam híbridosnorte-americanos adaptados a con-dições temperadas e que são culti-vados em parceria com produtoresde regiões frias do Brasil. Vem tam-bém da importação direta da Argen-tina desses mesmos híbridos norte-americanos”, explica o engenheiroagrônomo Antônio Teixeira doAmaral Junior, coordenador daspesquisas que visam ao melhoramen-to do milho-pipoca. Segundo o pes-quisador, tudo começou em 1993,quando Joachim F. W. von Bulow, jáfalecido, levou para a Uenf semen-tes do programa de melhoramentoda Universidade de Brasília (UnB),doadas pela Escola Superior deAgricultura Luiz de Queiroz (Esalq)da Universidade de São Paulo, dan-do início às pesquisas.

Inicialmente, foram realizados cru-zamentos entre essas sementes e ou-tras resistentes a doenças. Depois,novas gerações foram selecionadaspor meio do método de seleçãomassal, que se fundamenta apenas nofenótipo dos indivíduos. Assim, aseleção das plantas era feita pela ob-servação das melhores espigas. Atu-almente, é utilizado o método da se-leção recorrente com famílias de ir-mãos completos, que permite maio-res ganhos genéticos. Nesse caso, sãorealizados sucessivos ciclos, envol-vendo a obtenção, avaliação erecombinação das melhores progê-nies de irmãos completos, com oobjetivo de dar origem a plantas su-periores, principalmente no que serefere à produtividade e à capacida-de de expansão, que são as princi-pais características da cultura.

“Nossa expectativa é lançar a culti-var de milho-pipoca Uenf no pra-zo máximo de três anos. Até lá, cer-tamente já teremos concluído o quin-to ciclo de seleção recorrente. Já oregistro no Ministério da Agricultu-

ra vai demorar um pouco mais, por-que o material terá de passar por umasérie de avaliações”, diz o professor.

O termo pipoca tem origem no tupiantigo pi’poka , ou grão de milho quese abre exposto ao calor do fogo. Ovocábulo, de acordo com o Dicioná-rio Houaiss de Língua Portuguesa, pas-sou a ser empregado a partir do fimdo século XVIII, tornando-se ele-mento de composição para palavrascomo empipocado, espipocar, pipocado,pipocamento, pipocante, pipocar, pipocas, pi-poco, pipoqueiro e, naturalmente, pipoca.

Batizado de UNBC4, o milho-pipo-ca desenvolvido nos laboratórios dauniversidade pública do NorteFluminense já alcançou a capacidadede expansão recomendada pelo Mi-nistério da Agricultura, bem como aprodutividade média nacional – ca-racterísticas consideradas mais im-portantes para essa cultura. Mas ospesquisadores trabalham para alcan-çar as performances dos melhores ma-teriais lançados no Brasil: média de29 a 30 g/ml (grama por mililitro)para capacidade de expansão e pro-dutividade de aproximadamente2.900 a 3.000 kg/ha. No início das

Filas em frente às carrocinhas de pi-poca já fazem parte da paisagemurbana de Campos dos Goytacazes,

no Norte Fluminense. Os produtores ru-rais locais, contudo, ainda não atentarampara o fato de que praticamente todo omilho-pipoca consumido na cidade pro-vém de outros municípios do País e até

do exterior. No que depender dos pesqui-sadores do Laboratório de Melhoramen-to Genético Vegetal (LMGV) da Univer-sidade Estadual do Norte Fluminense(Uenf), essa realidade já está com dias con-tados. O grupo trabalha no desenvolvi-mento de uma variedade de milho-pipocaadaptada às condições climáticas da região,que deverá ser lançada dentro de, no má-ximo, três anos.

Milho-pipoca:opção para o Norte Fluminense

pesquisas, a capacidade de expansãoera de apenas 12 g/ml. Além disso,os pesquisadores buscam a obten-ção de variedades que sejam resis-tentes a uma das principais caracte-rísticas da região: os fortes ventos.Para isso, são descartados materiaisgenéticos com altura superior a 1,70m, evitando, assim, o acamamento ea quebra das plantas em decorrênciada força dos ventos. “Isso é neces-sário porque o milho-pipoca é umacultura mais frágil que o milho co-mum. Ele tem um colmo mais fino,o que o torna muito suscetível aosventos muito fortes”, explicaAmaral.

De acordo com o pesquisador, háoutras formas de evitar os problemascausados pelo vento. Uma delas é fa-zer barreiras, como o aumento dabordadura (plantar uma quantidademaior em volta de todo o cultivo).Vale também construir quebra-ventosnaturais, plantando árvores ao redordo milharal. Nesse caso, as árvores nãopodem ser muito altas nem ficar mui-to próximas às plantas, porque osombreamento pode prejudicar o ren-dimento adequado do milho.

Amaral observa que o milho-pipo-ca pode se transformar numa boaalternativa de diversificação agrícolapara os pequenos produtores ruraisdo Norte/Noroeste Fluminense.Ao contrário da cana-de-açúcar, querequer grandes áreas de cultivo, acultura permite que o produtor ob-tenha lucro com a exploração de

Fúlvia D’Alessandri

Variedade de milho-pipoca adaptada aoclima da regiãodeverá ser lançadano prazo de 3 anos

AGRONOMIA

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Tomando como referência o preçoatual da saca de 30 kg de milho-pipo-ca (R$ 43), e a produção média obti-da no país (2,5 mil quilos por hectare),o produtor pode obter uma rendabruta de até R$ 3,5 mil por hectare.No cultivo de um alqueire com 4,6hectares, o faturamento final, com doisplantios por ano, será de aproximada-mente R$ 23,8 mil ao ano.

“Além de ser uma boa alternativa dediversificação agrícola para a região,por seu alto valor econômico e pelapossibilidade de agregar valor ao pro-duto final, é importante lembrar queexiste uma demanda grande para oproduto. O consumo de pipoca vemcrescendo a cada ano”, afirma o pro-fessor, acrescentando que o consu-mo anual de milho-pipoca, no Bra-sil, foi estimado em 80 mil toneladasem 2001. Setenta e cinco por centodessa demanda foi atendida com aimportação de híbridos produzidosnos Estados Unidos e cultivados emparceria com produtores brasileiros.

“Nosso objetivo é atender, sobretu-do, o pequeno produtor, evitandoque ele continue à mercê do materialgenético importado. Em geral, essassementes vêm dos Estados Unidos

e passam pela Argentina antes de che-gar ao Brasil. Com o detalhe de queesses híbridos só são disponibi-lizados para produtores considera-dos parceiros. Parceria é bom, masdevemos ficar atentos quando se criauma relação de dependência”, de-clara, lembrando que o milho me-lhorado também apresenta maiorresistência a doenças e pragas.

Os experimentos, que já geraram trêsteses de doutorado, quatro disserta-ções de mestrado e pelo menos noveartigos científicos publicados, vêmsendo conduzidos nos laboratóriosda estação da Empresa de PesquisaAgropecuária do Estado do Rio deJaneiro (Pesagro-Rio) e no ColégioAgrícola Antônio Sarlo, em Campos,contando ainda com a colaboraçãoda Estação Experimental daPesagro-Rio de Itaocara.

Produtores rurais da região que par-ticiparam da já tradicional Semanado Produtor Rural da Uenf, realiza-da no mês de julho, tomaram co-nhecimento das pesquisas em cursona universidade e sobre a viabilida-de do plantio do milho-pipoca naregião. No curso Cultura do Milho-Pipoca: Alternativa de Agronegóciopara o Norte e Noroeste Flumi-nense, foram abordados os aspec-tos nutricionais, morfológicos eagronômicos da cultura, além dequestões relacionadas à sua aduba-ção, controle de pragas e doenças,colheita, entre outros. Agora é espe-rar que, até 2011, os produtores te-nham à disposição um milho-pipo-ca que promete estourar com a hege-monia da popcorn americana no mer-cado nacional e se transformar numaexcelente alternativa para o desenvol-vimento do interior fluminense.

Até 2011, osprodutores deverãoter uma sementeque poderásubstituir os híbridosimportados dos EUA

Pesquisador: Antônio Teixeira doAmaral JuniorInstituição: Laboratório deMelhoramento Genético Vegetal(LMGV) da Uenf

Instrumento importante para tornardisponíveis conhecimentos etecnologias que ajudem a melho-

rar a vida das pessoas, a divulgação ci-entífica avança em direção ao interiorfluminense, contribuindo para popula-rizar a ciência em cidades distantes daregião metropolitana. Um exemplo dis-so é o sucesso alcançado pelo Espaçoda Ciência Maria de Lourdes CoelhoAnunciação, em São João da Barra, mu-nicípio do norte do Estado do Rio, si-tuado a cerca de 340 quilômetros dacapital. Centro de ciências interativo defísica, matemática, biologia e astrono-mia, o espaço, instalado e coordenadopela Fundação Centro de Ciências doEstado do Rio de Janeiro (Cecierj), emparceria com a prefeitura local, contacom o apoio de professores da Uni-versidade Estadual do Norte Flumi-nense (Uenf). A fundação mantém ain-da em funcionamento duas outras uni-dades do gênero, em Paracambi e TrêsRios, ambas na região Centro-SulFluminense. Todos os espaços foramconstruídos graças ao apoio daFAPERJ.

Situado à beira-mar, na praia deAtafona, o Espaço da Ciência de SãoJoão da Barra virou atração turística noverão de 2008. Idealizado por PauloCezar Arantes durante o período emque ocupou a vice-presidência da Fun-dação Cecierj, o espaço se transformounum importante instrumento para pro-

A divulgação científica

Vinicius Zepeda

ruma parao interior

DIFUSÃO

Foto: Liliana Coutinho

Espaços dedicados à ciência servem paracomplementar a grade extracurricular dopúblico escolar do interior fluminense

pequenas áreas – com um hectareplantado, já é possível obter bons lu-cros, uma vez que o milho-pipoca émais valorizado que o milho comum.Enquanto a saca de 60 kg do milhocomum custa de R$ 25 a R$ 30, asaca com 30 kg do milho-pipoca saipor R$ 43. Além disso, o plantio ébem simples.

“Quando essas novas variedades esti-verem disponíveis, poderemos ajudara diversificar a agricultura na região, pro-piciando ao produtor meios de au-mentar a rentabilidade por unidade deárea. É evidente que não estamos fa-lando de nenhuma solução ‘salvadora’,mas o fato é que, quanto maisdiversificada a produção, maior a ca-pacidade do produtor de enfrentar asadversidades próprias de sua ativida-de”, ressalta Amaral.

Antônio Amaral: coordenação de pesquisa que visa ao melhoramento do milho-pipoca

Foto: Felipe Moussallem

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Se morar em favela pode influir negativamente nodesempenho escolar, viver numa dessas comuni-dades fincadas na zona rica da cidade pode ser ain-

da pior. Traduzido em percentuais, isso quer dizer que,enquanto numa favela de bairro de periferia, o aluno temmais 47% de chances de repetir ano, numa favela da ZonaSul esse risco sobe para 59%. A conclusão, que surpreen-deu os pesquisadores, faz parte de um estudo que anali-sou os dados relativos à educação e ao desempenho es-colar usando os dados do Censo 2000, do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fazendo cruza-mentos por bairros. Para os coordenadores da pesquisa,

Vilma Homero

Alunos de favelas da Zona Sul têm aproveitamento inferiorquando comparados aos de outras áreas carentes

Xdesempenho escolarGeografia urbana

Luiz César Queiroz Ribeiro, do Instituto de Pesquisa ePlanejamento Urbano e Regional (Ippur), da Universida-de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Creso Franco, doDepartamento de Educação da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio (PUC-Rio), o assunto pode servir debase para reflexões sobre a escola pública e os projetospedagógicos que se deseja ver implantados para melho-rar a educação. Essa, por sinal, foi uma área em que aFAPERJ tem investido, ao lançar editais de apoio àmelhoria do ensino nas escolas públicas do Estado doRio de Janeiro. O programa visa contribuir não apenaspara a formação de professores, como para promovero intercâmbio entre universidades e escolas públicasfluminenses de ensino básico.

Testes mostraram diferenças de aprendizado entre alunos de favelas em áreas ricas e pobres

Ilustrações: Divulgação Ippur

EDUCAÇÃO

mover a educação na região. “Alémde atrair os visitantes durante o perí-odo letivo, a visita ao local serve paracomplementar a grade extra-curricular do público escolar da re-gião, que ali podem adquirir conhe-cimentos sobre a fauna e flora lo-cais, além de participarem de ativi-dades dirigidas à educação am-biental”, explica Arantes. O local fun-ciona de terça a sexta-feira, das 9hàs 19h; e sábado e domingo, das 9hàs 20h. Fora da alta temporada, per-manece aberto de terça a domingo,das 9h às 17h.

Inaugurado no fim de 2006, o espa-ço recebeu um público de 2 mil pes-soas no primeiro trimestre do anoseguinte. Em novembro de 2007, olocal ganhou um oceanário, compeixes naturais e exóticos da região,distribuídos por seis aquários de águadoce. “No setor de biologia, com aajuda de microscópios, os visitantespodem observar a presença demicroorganismos causadores de do-enças na água suja. Assim, a ativida-de serve para conscientizar o públi-co da preservação de mananciais”,diz Vera Cascon, coordenadora ge-ral do programa Espaços da Ciên-cia da Fundação Cecierj. “Os apare-lhos servem igualmente para que opúblico possa observar a micro-fauna, com seus elementos naturais,despertando a consciência ecológi-ca”, completa.

No espaço de São João da Barra, opúblico ainda pode aproveitar umasala multimídia, destinada a apresen-tações ligadas às mostras em exibi-ção e a outras atividades culturais. Nolocal, computadores equipados com

softwares voltados para o ensino deciências oferecem livre acesso a di-versos bancos de dados de institui-ções de ensino e pesquisa, além defranquear o acesso à Internet. Segun-do Arantes, as atividades interativascontribuem para levar aos visitantesuma visão simplificada e acessível daciência que, muitas vezes, se escondepor trás das modernas tecnologias.“Estimulamos a inclusão social aodiminuir a distância científica e cultu-ral entre o interior do estado e a re-gião metropolitana. Ao criar um póloturístico de lazer e cultura, os espa-ços da ciência servem para atendernão só à demanda local, como à dascidades vizinhas”, explica.

Entre os experimentos que mais cha-mam a atenção está a “bicicleta-usi-na”, equipamento que transformaenergia muscular em mecânica (demovimento), gerando eletricidadesuficiente para acender várias lâmpa-das, de potências distintas. O movi-mento feito pelo visitante nos pedaispermite acender – uma após outra– as diversas lâmpadas, à medida queo esforço do exercício aumenta. Ou-tra atração é o “girotec”, um supor-te fixo com três círculos concêntri-cos, em que uma pessoa de até 80quilos, presa pelos punhos e pelos pés,gira em várias direções. O objetivo ésimular a ausência de gravidade.

Na lista de equipamentos que des-pertam grande interesse no públicoestá ainda o gerador de Van derGraff, uma máquina eletrostática emforma de cúpula. Ao toque do visi-tante, pêlos do corpo e cabelos seeriçam. “As crianças, e mesmo osadultos, se divertem muito quando

tocam na cúpula e seus cabelos fi-cam iguais aos daqueles atores de fil-mes de terror B. O fenômeno ocor-re porque as cargas elétricas dos pê-los são as mesmas que as geradaspelo experimento, e, segundo a físi-ca, cargas iguais se repelem”, explicaArantes, lembrando ainda o crescentesucesso entre o público dos aquári-os marinhos.

“Tenho guardada uma pasta repletade comentários e mensagens de visi-tantes, elogiando a iniciativa de ofe-recer ao público um espaço comoesse”, orgulha-se. “Ao contrário deboa parte dos museus, em que é proi-bido tocar os objetos, num ‘espaçode ciência’ ocorre exatamente o con-trário. Graças à interatividade que seusequipamentos e computadores pro-porcionam, aqui é proibido ficar pa-rado, sem mexer em nada”, brinca.

Voltada para um público amplo, deadultos a crianças, de curiosos a es-colares, os espaços destinados à ci-ência têm tido, nas sociedades maisavançadas, importante papel não sóde apoio às atividades escolares, mastambém como instrumento para tor-nar disponíveis conhecimentos etecnologias que ajudem a melhorara vida das pessoas e que dêem, aomesmo tempo, suporte a desenvol-vimentos econômicos e sociais sus-tentáveis. Nesse sentido, a vanguar-da da ciência já chegou à praia deAtafona. E também a Paracambi,Três Rios e, estrada afora, a outrasregiões do estado.

Pesquisador: Paulo Cezar ArantesInstituição: Fundação Cecierj

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Avaliando os resultados do estudo, os pesquisadores vêemque a segregação residencial se combina com asegmentação escolar, uma reforçando a outra, criandoum ambiente escolar desestimulante ao aprendizado.“Hoje, a classe média prefere colocar seus filhos em es-colas particulares. Se as escolas públicas fossem mais mis-turadas, poderiam possibilitar a interação entre mundossociais distintos e contribuir para diminuir essas diferen-ças e distâncias. No atual modelo de organização socialdo território urbano, não resta nenhum espaço para queessa interação se dê de forma democrática. Na ZonaSul, escola pública termina sendo a escola dos favelados,reproduzindo em seu interior o estigma do território.Isso fragiliza a experiência escolar e o próprio funciona-mento da escola, que, em geral, lida com poucos recur-sos. O que se torna evidente tanto em suas instalações,em geral precárias, como no modelo pedagógico”, frisaRibeiro.

Carências materiais x apelos deconsumo

Para o cientista social, tudo isso se reflete no aluno comoum sentimento de privação relativa. “O fato de morarnuma área rica, com todos os apelos de consumo queisso traz, faz com que mesmo aquele que não tem condi-ções materiais procure consumir cada vez mais, numatentativa de reconhecimento social. A experiência de em-penhar-se num esforço de aprendizado, adiando a satis-fação presente pela gratificação no futuro, torna-se pou-co satisfatória diante do imediatismo do jovem dianteda incerteza desse futuro, da falta de garantia de efetiva-mente melhorar de situação”, avalia.

O exemplo típico foi visto numa escola da Zona Sul,que funciona nas proximidades de um morro. Totalmentepichada, a depredação pode ser vista em todas suas de-pendências. Os professores, desanimados, agem de for-ma paternalista, como se aquelas deficiências fossem in-superáveis e quase desistindo de sua função de educado-res. “E isso acontece exatamente onde a educação é maisnecessária”, diz.

Apesar de ser esse cenário o mais comum pela cidade,há exceções. A equipe constatou soluções bastante ani-madoras em algumas escolas. “Em um condomínio naBarra da Tijuca, por exemplo, nos surpreendemos posi-tivamente com um colégio público de excelente qualida-de de ensino, que atende estudantes de baixa renda doRecreio dos Bandeirantes e de Jacarepaguá. Podemosdizer que é uma das melhores escolas do Rio. Mas, curi-osamente, nela não há nenhum aluno do próprio condo-mínio, provavelmente por causa do preconceito de se

tratar de uma escola pública, que também é freqüentadapor crianças de outra classe social”, analisa.

Outros modelos bem-sucedidos foram encontrados noLeme, na Zona Sul, e em Vilar dos Teles, na Zona Norte.Nesta escola, ao contrário das instalações depredadas,como é comum acontecer, o que se viu foi uma escolabonita, com bom funcionamento. Em ambos os casos, adiferença partiu de uma direção interessada, que procuraentender o público a que atende. O espanto dos pesqui-sadores foi além do estético. “Em Vilar dos Teles, a dire-tora não apenas recebe pessoalmente os estudantes naentrada e na saída, como organizou uma comissão depais e professores para supervisionar o aprendizado e afreqüência dos alunos. E quando ela soube da existênciade tráfico de drogas na escola, resolveu ir até a bocanegociar um acordo com os traficantes. Foi o modo comoela conseguiu afastar o tráfico não só das dependênciascomo de todo o entorno do colégio”, elogia.

Certas medidas ajudam, especialmente o contato maisestreito com os pais de alunos. “Pais mais presentes navida escolar da criança são sempre uma garantia de bomdesempenho dos estudantes. Vimos que certas escolasestão promovendo atividades de fins de semana paratrazer os responsáveis e torná-los mais participativos. Boaparte dos pais sequer brinca com os filhos em casa”, conta.Saber que soluções práticas funcionam pode ser útil paraa criação de novos modelos e a busca de saídas paramelhorar a educação pública. Ninguém duvida de que épreciso defender uma escola bonita, bem equipada e queconte com um grupo de professores bem preparados ededicados. Ainda assim, o resultado pode trazer decep-ção se os pais – e não apenas os alunos – não fizerem odever de casa, participando de forma mais ativa e exigin-do do poder constituído uma escola de qualidade paraseus filhos.

Pesquisadores: Luiz César Queiroz Ribeiro e Creso FrancoInstituições: Ippur/UFRJ e PUC-Rio

O trabalho, que considerou renda média familiar, gêne-ro, cor, escolaridade da mãe e localização da favela, le-vou a equipe de 20 pesquisadores – alguns egressos deáreas populares – a procurar responder a pergunta ób-via: por que e de que forma o contexto social do bairroformado pelo entorno da moradia influencia no rendi-mento escolar? “Os educadores que estudam o desem-penho escolar já sabem que a aprendizagem é condicio-nada pelo contexto socioeconômico familiar em que ascrianças são socializadas”, esclarece Luiz César Ribeiro,coordenador do Observatório das Metrópoles, institui-ção ligada à UFRJ e apoiada pela FAPERJ, que se dedicaa analisar as conseqüências das desigualdades sociais so-bre a vida de seus habitantes. “Mas hoje sabemos tam-bém que os arredores da moradia exercem sua influên-cia, porque a cidade não é só reflexo das desigualdadessociais, mas ativa mecanismos de reprodução das desigual-dades de oportunidades e de condições educativas. Para acriança, o bairro, o entorno onde ela vive, cumpre papel desocialização. É onde ela também absorverá valores sociaise os elementos cognitivos e atitudinais necessários à trans-missão e absorção da cultura escrita realizada pela esco-la”, prossegue o pesquisador.

Mas se, para famílias de baixa renda, morar em áreas ricasda cidade traz vantagens evidentes – proximidade e facili-dade de emprego, e acesso a serviços públicos ausentes nasregiões de periferia –, para os filhos dessas famílias, essasfacilidades escondem uma armadilha. Mais perto dos ape-los do consumo, esses estudantes, em particular os da oitavasérie, podem acabar trocando a escola pelo mercado detrabalho, ainda que em ocupações precárias. É a forma queencontram de adquirir os objetos de desejo de todo e qual-quer adolescente, independente de classe social. Com isso,diminuem suas chances de prosseguir na educação formal ecrescem os índices de evasão escolar.

O estudo gerou novas pesquisas. Em 20 escolas da Re-gião Metropolitana do Rio, foram aplicados testes deportuguês e matemática no início e no fim do ano de2007 para avaliar o aprendizado dos estudantes, e ques-tionários para analisar o papel da própria escola e davizinhança. Outro estudo, enfocando todas as escolas doEstado do Rio de Janeiro para aferir os resultados doprovão, uniu várias instituições: o Observatório das Me-trópoles, do Ippur; o Laboratório Geres, da PUC-Rio;o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais daUerj; e o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS),da UFRJ. “O interesse vai além do acadêmico. A se con-firmarem essas conclusões, precisaremos sensibilizar osgestores governamentais a levarem esses dados em con-ta na formulação de políticas públicas”, diz.

Segundo Ribeiro, a escola é vivida pelo jovem pobre demodo ambíguo. “Nela, o jovem é levado a acreditar quenão é mais a origem familiar, mas o mérito que distingui-rá o aluno. A questão é que a escola não está preparadapara receber essa população que, durante anos, vem sen-do desassistida. E esse jovem, que já vem de famíliafragilizada, também não encontra apoio na escola nemem políticas do estado. Assim, o que seria destino passa aser resultado, fracasso individual”, explica.

A morfologia social, que promove a proximidade física,também realça as distâncias sociais. Exemplo nítido dis-so é a Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional cria-do, nos anos 1950, para abrigar os moradores da extintafavela da Praia do Pinto e encravado numa das regiõesmais nobres da cidade, o bairro do Leblon. “Quem morana Cruzada dificilmente diz que mora no Leblon. O quemostra o quanto está internalizada em seus habitantes a no-ção de desigualdade e da distância social, traduzidos no sen-timento de não pertencimento àquele bairro.”

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Pouco mais de um ano após tomarposse no cargo de presidente doConselho Nacional de Desenvol-

vimento Científico e Tecnológico (CNPq),o médico paulista Marco Antonio Zagotinha pelo menos um excelente motivopara comemorar no início de agosto: olançamento, pela agência sob seu coman-do, de edital com o maior volume de re-cursos já reunidos na história do país: oprograma Institutos Nacionais de Ciênciae Tecnologia (INCT). A iniciativa prevê in-vestimentos de cerca de R$ 435 milhõesna criação de uma rede de pesquisa reu-nindo os principais laboratórios do país.Professor do Departamento de ClínicaMédica da Faculdade de Medicina de Ri-beirão Preto da Universidade de São Pau-lo (USP) e membro da Academia Brasilei-ra de Ciências, o dirigente tem larga expe-riência em medicina, com ênfase emhematologia. Atualmente, desenvolvepesquisas focalizadas em bases molecularesdas neoplasias e células-tronco adultas, emespecial células-tronco hematopoéticas ecélulas-tronco mesenquimais. Ex-diretorpresidente da Fundação Hemocentro deRibeirão Preto, foi diretor clínico do Hos-pital das Clínicas da Faculdade de Medici-

na da USP e presidente da Sociedade Bra-sileira de Divulgação Científica. É mem-bro do Comitê Gestor do Fundo Setorialde Saúde da Comissão Técnica Nacionalde Biossegurança (CTNBio). Em entre-vista à revista Rio Pesquisa, Zago, nascidoem Birigui (SP), alerta que, para almejaruma posição de liderança na área de ciên-cia e tecnologia (C&T) no futuro, o Paísprecisará garantir uma educação básica debom nível: “Nós não podemos esperarque teremos desenvolvimento funda-mentado em ciência e tecnologia com baseem pessoas que não saibam ler muitobem ou que não sejam proficientes emmatemática”. Confira, a seguir, a íntegrada entrevista.

Dados recentes dão conta de que aprodução científica no País cresceu133% em uma década, só perdendono ritmo de crescimento, entre ospaíses emergentes, para a China. OBrasil já aparece em 15º lugar – 13postos acima do segundo colocado naAmérica Latina, o México. Entretan-to, os dados da produção tecnológica(patentes, por exemplo) foram mui-to mais modestos. Que avaliação osenhor faz desse resultado? E comoo CNPq poderia atuar para melho-rar a capacidade do País no desen-volvimento de produtos tecnológicos?

A principal atuação do CNPq nessa áreaestá voltada para a formação de recursoshumanos, apoiando e incentivando a for-mação, com um enfoque em tecnologia.Não apenas o enfoque em ciência, mastambém na formação tecnológica. Assim,temos, por exemplo, um programa doCNPq chamado RHAE (Recursos Hu-manos em Áreas Estratégicas), que aportarecursos para a formação do pesquisadorna empresa: o CNPq apóia bolsistas quevão atuar nas empresas, em desenvolvi-mento de produtos de cunho tecnológico.A mais recente versão desse programa,lançado no fim de 2007, recebeu R$ 30milhões, dos quais R$ 20 milhões numedital de âmbito nacional e R$ 10 milhõesreservados exclusivamente para o Norte,o Nordeste e o Centro-Oeste, tambémpara estimular o desenvolvimentotecnológico nessas regiões. Outro exem-plo é o Programa Nacional de Pós-Dou-torado, que está sendo feito em colabora-ção com a Capes (Coordenação de Aper-feiçoamento de Pessoal de Nível Superi-or, do MEC) e que teve três entradas pos-síveis: com enfoque nos programas depós-graduação, financiado pela Capes;outra ancorada num grupo de pesquisa,com pesquisador líder, financiado peloCNPq; ou num projeto, também financi-

ado pelo CNPq, ancorado nas empresas,que precisa ter um doutor supervisor.Assim, atuamos de várias formas na for-mação de recursos humanos, não só paraa área de ciência propriamente dita, mastambém para o desenvolvimentotecnológico.

O baixo investimento em pesquisa edesenvolvimento por parte das em-presas é apontado como um dosprincipais gargalos ao desenvolvi-mento tecnológico do País. Recente-mente, um esforço conjunto dasagências federais propiciou o Pro-grama Nacional de Pós-Doutorado,no qual se priorizou o apoio a proje-tos em áreas estratégicas, como oapoio a empresas de base tec-nológica. No nosso estado, a FAPERJtem um forte programa de bolsasde pós-doutorado, inclusive com in-serção em empresas. De que formao CNPq pode contribuir para ampli-ar programas de cooperação entreas agências de fomento à pesquisacom o objetivo de expandir o núme-ro de profissionais com pós-douto-rado?

De um modo geral, a questão da pesqui-sa e do desenvolvimento de novastecnologias deve depender muito maisdas empresas do que da academia. Emtodos os países desenvolvidos, a grandemaioria das patentes tem origem nasempresas, nas indústrias, e apenas umaporcentagem pequena deriva das univer-sidades. Assim, é preciso incentivar a pes-quisa e o desenvolvimento nas indústri-as, na iniciativa privada. Isso depende de

uma série de medidas que estão sendotomadas pelo governo, incluídas no Pla-no Nacional de Ciência e Tecnologia doMinistério da Ciência e Tecnologia (MCT),lançado em novembro de 2007, incenti-vando as empresas a terem pesquisado-res em seu corpo de funcionários. Porexemplo, o Programa de Subvenção Eco-nômica, administrado pela Finep(Financiadora de Estudos e Projetos), co-loca recursos para que a empresa invista eminovação tecnológica, em associação comuniversidades. Além disso, o CNPq estáativamente incluindo nos seus programasde fomento à pesquisa essa visão da trans-ferência tecnológica, quando pertinente.

O CNPq tem importante papel no apoioà pesquisa fundamental, sem aplicaçõesimediatas previstas, aquele tipo de pes-quisa que não implica desenvolvimentotecnológico. Por outro lado, quando setrata de uma pesquisa que permite o de-senvolvimento de tecnologia ou produ-to, isso é incentivado e conta favoravel-mente. Por exemplo, no edital voltadopara a criação dos Institutos Nacionais deCiência e Tecnologia (INCT), o maior jálançado no País, que faz parte do PlanoNacional de C&T, procura-se atender aessa visão, já que os proponentes deverãodescrever com clareza quais serão os me-canismos que permitirão o desenvolvi-mento de tecnologias que poderão bene-ficiar as empresas, a iniciativa privada ouos órgãos públicos, quais serão os meca-nismos que serão usados e que formatoterão essas iniciativas. Mas isso quandocouber, pois, quando se trata de projetosvoltados para a ciência fundamental, mui-tas vezes não cabe esse componente, umavez que o CNPq continuará com sua mis-são de apoiar o que chamamos de pes-quisa básica. Nessa mesma linha, nós pro-curamos estabelecer parcerias com as enti-dades estaduais, porque acreditamosnuma divisão de responsabilidades e játemos a participação de cinco fundaçõesestaduais como co-financiadoras dosINCT (dos estados do Amazonas, MinasGerais, Pará, Rio de Janeiro e São Paulo).

Um dos principais obstáculos ao cres-cimento e ao desenvolvimento doPaís é a deficiência na educação bá-sica e a evasão escolar. De que for-ma isso pode afetar a consolidaçãodo sistema de C&T do País? A ex-periência de sucesso do CNPq no es-

tímulo à pesquisa não poderia con-tribuir para a melhoria do ensinobásico? Como o CNPq poderia en-volver os seus bolsistas de produti-vidade nesse esforço?

Todos reconhecemos que a educação bá-sica, a intermediária e a técnica represen-tam uma prioridade absoluta no País.Nós não podemos imaginar que iremoscrescer, que teremos desenvolvimentosocial e econômico, sem forte apoio à edu-cação. Esses avanços estão, indiscutivel-mente, associados à C&T, e os governosde diferentes países estão entendendoisso, tanto dos países já desenvolvidoscomo daqueles que estão em rápido de-senvolvimento. Países como Taiwan,Coréia, China e Índia estão tendo um rá-pido crescimento porque apostaram emC&T como base do desenvolvimento, eo Brasil está fazendo a mesma coisa, cor-retamente. Agora, para que isso ocorra, énecessário um grande investimento naeducação. Nós não podemos esperar queteremos desenvolvimento fundamenta-do em C&T com base em pessoas quenão saibam ler muito bem ou que nãosejam proficientes em matemática. OCNPq contribui para isso, mas esse não éo nosso ponto forte de atuação. Em pri-meiro lugar, nós temos um grande pro-grama de iniciação científica, com mais de20 mil bolsas e um programa de iniciaçãocientífica júnior, voltada para os alunosdo ensino médio. Nosso propósito, nes-te caso, não é formar cientistas: a bolsa deIC Júnior é para que aquele aluno tenhamelhor oportunidade de alcançar fluênciaem ciência, entender o papel e as limita-ções da tecnologia, e poder usar ciência noseu dia-a-dia, como cidadão. Também nosINCT, uma das missões é justamentecontribuir para a formação científica dapopulação em geral e particularmente dosestudantes do ensino médio. Tudo issoé, no entanto, complemento de um vigo-roso esforço de educação dos governosfederal e estaduais.

O aumento anunciado para o núme-ro de bolsas de produtividade doCNPq atendeu a uma antiga reivin-dicação da comunidade científica.Qual a importância relativa do Esta-do do Rio de Janeiro no quadro depesquisadores apoiados pelo CNPq?Que iniciativas poderiam ser toma-das para que ela seja ampliada?Quais são os outros programas tra-

Marco Antonio Zago: “Países como Taiwan, Coréia,China e Índia estão tendo um rápido crescimento porqueapostaram em C&T como base do desenvolvimento”

ENTREVISTA

Paul Jürgens

Fotos: Vinicius Zepeda

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dicionais em que o CNPq tambémcontinua apostando para o desenvol-vimento do País e quais os que preci-sam de aperfeiçoamento? Algumasnovidades podem ser esperadas?

O número de bolsas de produtividadeserá ampliado na proporção de 20% aoano, distribuídas por todo o País. Assim,diminui grande parte da pressão que exis-tia sobre os pesquisadores, principalmen-te os mais novos, que estão chegandoagora no sistema e que tinham oportuni-dade reduzida, apesar do mérito. Essa am-pliação era necessária e tenho quase certe-za de que isso vai fazer uma correção nasdistorções. Entre os programas tradicio-nais em que continuamos apostando, estáo Pronex (Programa de Apoio a Núcleosde Excelência), que acaba de ganhar umanova edição, podendo alcançar os R$ 150milhões. Esse programa é feito em asso-ciação com as FAPs (fundações de ampa-ro à pesquisa). O governo federal entracom um montante, e as FAPs com umacontrapartida. Uma das maiores colabo-rações que temos no momento, na novaedição desse edital, é justamente com aFAPERJ. É um programa interessanteporque é administrado no próprio esta-do, de tal maneira que é a FAP quem faz oedital e quem escolhe os projetos, refor-çando os sistemas regionais de C&T epermitindo que ela faça uma escolha da-quelas temáticas que estão mais afinadascom as prioridades do estado. Entre osoutros programas tradicionais, está o“casadinho”, que atende às regiões Nor-te, Nordeste e Centro-Oeste, em que umcurso de pós-graduação avaliado com con-ceito 3 ou 4 da Capes, ou seja de qualida-de intermediária, forma uma aliança comum curso forte, de conceito 5, 6 ou 7, emqualquer região do país. Por meio dessaaliança, o mais forte ajuda o mais fraco ase qualificar. O CNPq disponibiliza, as-sim, os recursos necessários para um pro-jeto, visando à melhoria do curso maisfraco. Já dispomos de dados para afirmarque os resultados têm sido muito positi-vos, com a rápida elevação dos conceitosdos mais fracos. O outro programa im-portante é o voltado para jovens pesqui-sadores, para o qual destinamos R$ 30milhões, com foco naqueles que já estãoem instituições de ensino e pesquisa e quese doutoraram a partir do ano 2000. Es-ses pesquisadores, mesmo quando são

produtivos, têm desvantagens em con-correr com pesquisadores mais antigos,com currículo maior. O edital vem supriressa demanda, para que concorram entreeles, podendo pedir recursos que equiva-lem a um grande projeto, podendo alcan-çar R$ 500 mil. Temos, assim, a expectati-va de criar novas lideranças no País. E te-mos ainda o nosso programa de bolsasde mestrado e doutorado, que está sendoexpandido, com um acréscimo de mais1.300 bolsas. Além de mantermos osistema de cotas por curso, como faz a Ca-pes, vamos oferecer essas novas bolsas di-retamente aos orientadores, que assim po-derão solicitar apoio para um pós-gradu-ando da sua escolha. Outra novidade, so-bre a qual já falamos antes, são os INCTs.

A opinião pública, em muitos paí-ses, como o Brasil, tem sido man-tida à margem das discussões acer-ca das definições de prioridadespara o desenvolvimento científicoe tecnológico. O debate sobre ascélulas-tronco foi uma exceção,que acabou permitindo uma raramobilização da sociedade em tor-no do tema. Que papel deve ter aopinião pública na determinaçãode políticas públicas de C&T ecomo o CNPq pode ajudar na di-fusão e popularização da ciênciae tecnologia?

A questão das prioridades e da efetivaçãodas políticas no setor de C&T é de respon-sabilidade do governo, por meio de seusórgãos competentes, no caso o MCT e oCNPq. Essa é a ação executiva, para a qualtemos parâmetros que nos orientam ouque definem a nossa ação. Elas são, nomomento, de dois níveis: em primeiro lu-gar, temos a participação do CongressoNacional em nossas decisões, uma vez queé ele que define o volume de recursos

disponibilizados no orçamento da Uniãopara bolsas e fomento à área de C&T noPaís. Além disso, muitos deputados e se-nadores acompanham a execução dosprogramas para o setor, fazendo elogios,críticas, ou pedindo explicações. Essa éuma das maneiras pela qual a opiniãopública influencia as tomadas de decisõese a execução das políticas de C&T. Valelembrar que o ministro Sérgio Rezende,no início do segundo mandato do atualgoverno, teve a preocupação em propor oplano de consolidação do sistema nacio-nal de C&T do País, que contou com aparticipação das principais entidades dosetor, como a Academia Brasileira de Ci-ências e a SBPC (Sociedade Brasileira parao Progresso da Ciência), incluindo aindaas universidades e o setor produtivo. Esseconjunto de opiniões foi sendo filtrado eaperfeiçoado, de forma que esse plano éresultado de uma ampla discussão dentroda sociedade brasileira e que hoje nos ori-enta. Sobre a importância da difusão e dapopularização da C&T, basta lembrar queesse é um dos quatro tópicos do planonacional, ao lado da idéia de ter a ciênciacomo alavanca para o desenvolvimento e ainclusão social.

Ao longo dos últimos anos, assisti-mos ao crescimento, embora aindatímido, de parcerias e colaboraçõesentre pesquisadores vinculados a ins-tituições nas regiões Sudeste e Sul eoutros nas regiões Norte, Nordestee Centro-Oeste. Em sua opinião,como seria possível estimular essainteração entre os pesquisadores e amigração de recursos humanos for-mados nas regiões Sudeste e Sulpara as regiões de menor desenvol-vimento científico e tecnológico?

Já mencionei o “casadinho”, voltado parao incentivo ao desenvolvimento da pes-quisa nas áreas economicamente menosfavorecidas da federação. Outro progra-ma importante é o DCR (Desenvolvi-mento Científico Regional), em que oCNPq oferece bolsas para doutores quequeiram se fixar nessas regiões (Norte,Nordeste e Centro-Oeste). Outra iniciati-va importante é o PNPD (Programa Na-cional de Pós-Doutorado), que reservou30% das bolsas para essas regiões, o querepresenta uma mudança significativa nospadrões anteriores: antes do início doPNPD, apenas 9% das bolsas de pós-

doutorado do CNPq destinavam-se a es-sas regiões. Essas são iniciativas que ten-dem a promover o desenvolvimento regi-onal e a migração de cientistas do Sul e Su-deste para aquelas regiões. Espero que osprogramas dos INCTs também contribu-am para isso, com a formação de institutosnessas regiões, que poderão oferecer bonslaboratórios, boas instalações. Certamentese constituirão em oportunidades para pes-quisadores que, embora atuando com des-taque nas regiões mais prósperas do País,não estejam tendo todo o espaço de quegostariam, por causa da grande competi-ção, e queiram mudar de ares, levando suaexperiência, seu conhecimento para outrasregiões que necessitam maior desenvolvi-mento científico e tecnológico. O ministroSérgio Rezende é um exemplo dessa traje-tória, pois, sendo carioca, fez sua carreiracientífica no Recife, onde criou, em associa-ções com pesquisadores locais, um centroimportante de física.

Lançado no início do mês de agosto, oprograma Institutos Nacionais de Ci-ência e Tecnologia (INCT) visa ao de-senvolvimento de pesquisa, formaçãode recursos humanos e transferênciade conhecimento para o setor produ-tivo e para a sociedade. Como prin-cipal órgão executor, como o CNPqantevê a execução desse novo pro-grama, no que se refere ao alcance eresultados? O que distingue o Pronex(Programa de Apoio a Núcleos deExcelência) dos INCT, e como fazerpara que ambos possam atender auma crescente demanda qualificada?

Existem várias diferenças entre o Pronex eo dos INCT. O Pronex foi concebido den-

tro de uma visão mais regional, em que hágrupos de excelência envolvidos, mas a se-leção desses grupos é feita regionalmente,dentro dos estados, e seu alcance é princi-palmente de caráter estadual e baseia-se numprojeto de pesquisa. Por outro lado, o pro-grama dos INCT é mais ambicioso. Os ins-titutos devem ser competitivos no contex-to internacional, a seleção será feita numabase nacional, e espera-se que haja vínculosde vários laboratórios associados com umlaboratório-sede, criando uma rede de pes-quisa de alcance extra-estadual. Outra dife-rença é que, no caso dos institutos, estamosfalando de propostas que serão programas,e não apenas projetos, que deverão incluiruma linha de ação para guiar a pesquisa, emque seus participantes terão de contribuirde forma organizada, numa coerente asso-ciação de projetos. Assim, devem ter umprograma de pesquisa para esclarecer ou con-tribuir para o conhecimento de um deter-minado foco que pode ter uma aplicaçãoimediata, podendo incluir interação comempresas ou a transferência de conhecimen-to para o setor público, ou ser apenas umtema de ciência básica. Além disso, as pro-postas deverão contemplar um programade formação de recursos humanos em to-dos os níveis, de pós-graduandos a técni-cos qualificados, e ainda um programa dedivulgação científica voltado principalmen-te para o ensino médio. Quando pertinen-te, os programas deverão contemplar aindao desenvolvimento de tecnologias e a trans-ferência desse conhecimento para as em-presas ou as indústrias.

Ao longo dos últimos anos, agênciasde fomento do governo federal, como

Capes, CNPq e Finep, propuseram erealizaram inúmeras parcerias com asagências estaduais, a fim de impulsi-onar os investimentos na pesquisa. Osresultados, contudo, têm se mostra-do irregulares. O que falta para ga-rantir a continuidade e o sucesso des-sas iniciativas? Em que situações o se-nhor acredita que essas parcerias po-deriam ser mais efetivas?

Não há maneiras efetivas de garantir acontinuidade de uma política se ela nãoestiver inscrita na lei. O que podemos di-zer é que, no momento, há uma clara ori-entação política dentro do MCT e doCNPq de que essas parcerias com os esta-dos devem ser fortalecidas. Mencioneiisso no meu discurso de posse. As par-cerias com os estados, é fato, promove-ram o aumento dos recursos disponí-veis para o setor de C&T, já que temos,nessas associações, um montantedisponibilizado pelo CNPq e a con-trapartida estadual, aumentando o volu-me de recursos, o que é bom para o País.Isso igualmente ajudou os diferentes es-tados na estruturação de seus própriossistemas de C&T, já que nada se estrutu-ra no vazio. Só é possível umaestruturação quando há recursos dispo-níveis e o desenvolvimento de procedi-mentos e estratégias voltados para o usodesses recursos, com o lançamento deeditais, a realização de julgamentos, o for-talecimento da comunidade local e deuma cultura do fomento à pesquisa. Issoocorreu com grande sucesso, e hoje ve-mos o crescimento continuado do orça-mento das FAPs espalhadas pelo País.Da parte do governo federal, posso ga-rantir que há uma clara orientação do mi-nistério e do CNPq para estimular as par-cerias com os estados. Mas é preciso queos governos estaduais façam a sua parte,trazendo uma contrapartida ao financia-mento dos diversos projetos e iniciati-vas. Prova do estreitamento dessas rela-ções entre Brasília e os estados é a partici-pação de várias FAPs no programa dosINCT, que agora, além da FAPERJ,Fapesp e Fapemig, também conta com oapoio da Fapeam e da Fapespa, assimcomo o aumento dos recursos das FAPscomo contrapartida da nova rodada doprograma Pronex. Isso prova que essesistema de parcerias está se fortalecendo,com uma mútua compreensão do bene-fício que traz para os dois lados.

O número de bolsasde produtividadeserá ampliado naproporção de 20%ao ano, distribuídaspor todo o País

Incentivo às parcerias: Zago garante que há uma clara orientação do Ministério da Ciênciae Tecnologia e do CNPq para estimular a colaboração do governo federal com os estados

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Uerj participa domaior aceleradorde partículas domundo

Qual é a origem da matéria?Como elas se agrupam? Ecomo tudo isso se formou

há quase 14 bilhões de anos quandohouve a grande explosão chamadade Big Bang, que teria dado origemao universo? Essas e outras questõesque permeiam cientistas, físicos, pes-quisadores e interessados em sabere entender mais sobre a natureza po-dem estar mais perto de serem com-preendidas. Um experimento deampla escala, previsto para o segun-do semestre de 2008, traz a promes-sa de dar a largada para o que podeser uma resposta – ou, ao menos,uma pista – para algumas dessas in-dagações. Trata-se de um projeto quejá é considerado o mais desafiadorda história da física: Grande Colisorde Hádrons (LHC, na sigla em in-glês), o maior acelerador de partícu-las do mundo.

Disposto em um túnel de 27 quilô-metros de circunferência situado a100 metros abaixo da superfície, nafronteira entre a França e a Suíça, oLHC, administrado pelo CentroEuropeu de Pesquisa Nuclear (Cern,na sigla em francês), entra em ope-ração após 19 anos de planejamen-to e construção. As proporções doequipamento têm chamado a aten-ção da comunidade científica e tam-bém de leigos ao redor do mundo,gerando alta expectativa em relaçãoaos eventuais resultados. O Brasilparticipa do projeto que conta comcerca de 10 mil físicos e engenheirosde outros 50 países que trabalham

Flávia Machado

Grande Colisor de Hádrons, do Cern:19 anos de planejamento e construção

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em colaboração internacional paracompreender melhor como a natu-reza se comporta em um espaço in-finitamente pequeno, bilhões de ve-zes menor que um grão de areia.

Entusiasmado com o projeto, o pes-quisador Alberto Santoro, que co-ordena o Grupo de Física de AltasEnergias do Departamento de Físi-ca Nuclear e Altas Energias do Ins-tituto de Física Armando DiasTavares da Universidade do Estadodo Rio de Janeiro (Uerj), explica aimportância de um projeto dessamagnitude, não somente como ob-jeto de estudo da física, mas tam-bém pelo que ele pode representarcom o surgimento de novastecnologias em benefício da socie-dade. “Além de aumentar o nossoconhecimento da natureza, o equi-pamento utilizado nesse tipo de ex-perimento é absolutamente inovadore provoca um desenvolvimentotecnológico, que, mais tarde, podeestar ao alcance de todos.”

A participação da Uerj, de acordocom Santoro, é importante, pois ainstituição possui a estrutura neces-sária para armazenar a grande quan-tidade de dados e informações ge-rados pelos detectores do Cern. Éa chamada tecnologia Grid, basea-da no compartilhamento das infor-mações entre diversas máquinas – oscentros de filtragens – espalhados aoredor do mundo. Essa arquiteturapermite que as pesquisas sejamglobalizadas, ou seja, todos têm aces-so às informações geradas no Cen-tro, podendo, igualmente, compar-tilhar seus resultados. “Isso quer di-zer que ficamos sabendo imediata-mente o que se faz aqui e em qual-quer outro lugar. É uma revoluçãocausada pelos avanços científicos etecnológicos”, comemora.

O projeto dos físicos brasileiros échamado de HepGrid, que consisteem um conjunto de computadores

de alta performance, com alto nível dearmazenamento de dados, cuja ca-pacidade atual é de cerca de 286terabites. “Em 2007, tivemos um re-corde de transmissão de dados daordem de 1,2 gigabites por segun-do e pretendemos chegar aos 10gigabites por segundo, ainda esteano”, adianta. O convite e o acordocom o Cern para manipular umaquantidade tão grande de informa-ções – a previsão de dados coletadospelo LHC, ao longo de um ano, éde 20 petabites, ou seja, cerca 20 milterabites – foram um desafio para aequipe brasileira. Só para se ter umaidéia da ordem de grandeza que atarefa representa, um petabite/anoequivale a 45 pilhas de CDs da altu-ra do Cristo Redentor!

Por dentro do LHC

Entre paredes de concreto, uma su-cessão de 1.624 tubos azuis e bran-cos, cada um com 14 metros decomprimento e um de diâmetro,enfileiram-se numa seqüência for-mando um anel. No interior dessestubos, dois feixes de partículas maisfinos que um fio de cabelo viajarãoem sentidos opostos a velocidadespróximas à da luz (300 mil quilôme-tros por segundo). As partículas per-correrão, na maior parte do tempo,trajetórias paralelas, guiadas por

eletroímãs resfriados a -271ºC. Po-rém, em quatro pontos do anel, seuscaminhos se cruzarão e bilhões departículas de carga positiva se encon-trarão com outros bilhões de cargastambém positivas em direção con-trária. Os resultados das colisões en-tre as partículas serão analisados porquatro detectores instalados ao re-dor do túnel. O Atlas é o maior de-les, com 46 metros de comprimen-to, 25 metros de altura e 7 mil tone-ladas; o CMS (Compact Muon Solenoid),o mais pesado, tem 21 metros decomprimento, 12 metros de altura e12,5 toneladas; completam a lista oAlice (A Large Ion Collider Experiment);e o LHCb (Large Hadron Colliderbeauty).

Por meio dos detectores, os cientis-tas poderão observar o resultadodas colisões das partículas proveni-entes dos feixes que viajarão no LHC.Atualmente, estima-se que haja umtotal de 18 partículas fundamentais,sendo seis delas léptons; outras seisquarks; e as restantes bósons. É o“modelo-padrão” atual proposto,mas, durante muito tempo, acredi-tou-se que os átomos fossem a uni-dade indivisível da matéria. Somentemais tarde, os cientistas descobriramque o átomo era resultado da interaçãode partículas ainda mais fundamentais,como léptons, férmions e bósons.

Para explicar a ‘materialidade’ do uni-verso, ou seja, como as partículas ad-quirem massa, cientistas acreditam naexistência de uma partícula chama-da de bóson de Higgs, algo que ain-da espera comprovação. Propostapelo físico escocês Peter Higgs, em1964, essa partícula de interação, seencontrada, explicaria a massa detodas as outras partículas elementa-res. Essa é a principal missão de umdos quatro detectores do LHC, oCMS, para o qual se voltam os estu-dos do grupo coordenado porAlberto Santoro.

O Centro Europeu dePesquisa Nuclear - Cern

Criado para investigar a físicasubatômica em 1954, na Suíça, oCern conta com a colaboração doBrasil nos quatro detectores do seuacelerador gigante. Sessenta e oito ci-entistas e físicos de diversas institui-ções participam dos experimentoscom o LHC. Entre as instituiçõesbrasileiras, além da Uerj, participama Universidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), a Universidade Esta-dual Paulista (Unesp), a Universida-de de São Paulo (USP) e o CentroBrasileiro de Pesquisas Físicas(CBPF). A equipe de físicos da Uerjficará responsável pelo arma-zenamento de parte das informaçõesdetectadas pelo CMS. Esse detectoré composto por 100 milhões de ele-mentos individuais de detecção, cadaum deles procurando sinais reve-ladores de novas partículas e fenô-menos, numa velocidade de 40 mi-lhões de vezes por segundo.

Entre os avanços tecnológicos sur-gidos a partir de trabalhos realiza-dos pelo Cern, estão o protocolo li-vre da Internet, ou o “www” (worldwide web), desenvolvido em 1993 parafacilitar a troca de dados entre cen-tenas de colaboradores do projetoem países diferentes; a tomografia,que permite fazer imagens de órgãosdo corpo humano em funcionamen-to; e as aplicações dos aceleradorespara tratamentos de câncer. Comoexplica Santoro, muitos avanços ain-da serão motivados pelos experi-mentos no Cern, mesmo não sendoexatamente esse o objeto de estudo.

Financiamento daFAPERJ

A Grid da Uerj teve, em seu perío-do inicial, o apoio da Financiadorade Estudos e Projetos (Finep), ór-gão do Ministério da Ciência eTecnologia (MCT). Posteriormente,

o projeto ganhou novo impulso aoser contemplado com um auxílio deR$ 600 mil, concedido pela FAPERJ.Outras instituições também colabo-ram para o empreendimento, entreelas o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico(CNPq/MCT). As unidades de Gridda Uerj e a Sprace, de São Paulo,financiada pela Fundação de Ampa-ro à Pesquisa do Estado de São Pau-lo (Fapesp), são os dois únicos cen-tros de filtragem de dados da Améri-ca Latina. A entrada em funcionamen-to dessas unidades no Brasil foi possí-vel também graças ao apoio da RedeNacional de Ensino e Pesquisa (RNP),da Academic Network at São Paulo(ANSP) e da Rede Ampath, que, numacordo, fornecem o link de 1,2 Gbps.

À frente do Grupo de Física de Al-tas Energias do Departamento deFísica Nuclear e Altas Energias daUerj, Santoro reafirma a importân-cia de financiamentos como essepara garantir uma produção cientí-fica continuada. “As pesquisas cien-tíficas costumam ser vistas com cer-to receio pela sociedade, muito pelofato de dependerem de financia-mentos públicos considerados altose, quase sempre, não terem resulta-dos imediatos. Mas, quando as ino-vações tecnológicas chegam até nós,muitas vezes podendo salvar vidas,percebe-se a dimensão de sua im-portância.”

O físico ressalta, ainda, a importân-cia de se formar uma sociedade quevalorize a pesquisa científica no País,investindo mais na formação de pes-quisadores. “Hoje nossas pesquisassão limitadas pelos financiamentos.Precisamos produzir gente com ca-beça pensante!”, defende.

Acelerador de partículas: túnel de 27 km na fronteira entre a França e a Suíça

Pesquisador: Alberto SantoroInstituição: Uerj

Foto: Divulgação Cern

“Em 2007, tivemosna Grid um recordede transmissão dedados, de 1,2gigabites por segundo”

Alberto Santoro: colaboração internacional

Foto: Divulgação

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O país precisará continuar o investimento na melhoriado ensino nas escolas pú-

blicas se quiser contar com uma po-pulação em idade produtiva em con-dições de gerar riqueza. De acordocom o 3º Indicador Nacional deAlfabetismo Funcional (Inaf) do Ins-tituto Paulo Montenegro, 10 milhõesde brasileiros são analfabetos, 35milhões têm dificuldades para escre-ver o próprio nome, 40 milhões nãosabem interpretar o que lêem e ape-nas 30 milhões estão aptos a ingres-sar em alguma profissão que exigealgum conhecimento técnico. Nocaso do Estado do Rio de Janeiro,um programa do governo estadual,por meio da FAPERJ, promete con-tribuir para a melhoria da educaçãopública fluminense. Anunciado em2007, o Programa de Apoio àMelhoria do Ensino em Escolas Pú-

blicas já investiu R$ 3,2 milhões naformação de professores e no in-tercâmbio das universidades com asescolas públicas fluminenses, apoian-do pesquisas voltadas para a reali-dade da escola básica nos diversosníveis de ensino – fundamental emédio, educação infantil e educaçãode jovens e adultos.

Na forma de edital, o programaapoiou 48 projetos em sua primeiraedição (2007) e 47 na segunda (2008),cujo resultado foi anunciado no iní-cio de julho. Na mais recente ediçãodo programa, foram definidas comoprioritárias as áreas de ciências ematemática, identificadas a partir dadivulgação dos baixos índices deaproveitamento alcançados pelamaioria dos alunos do ensino mé-dio em exames nacionais de qualifi-cação. Além de oferecer auxílio fi-

nanceiro à pesquisa, são concedidasbolsas aos professores das escolaspúblicas e, a partir deste ano, tam-bém aos alunos do ensino médio(pré-iniciação científica) e de gradu-ação (iniciação científica) envolvidosnos projetos.

Curso de férias paraalunos e professores

Antes mesmo da criação do progra-ma, a preocupação com a qualidadedo ensino público já vinha mobili-zando pesquisadores apoiados pelaFAPERJ nas inúmeras universidadesdo estado. Uma delas é conduzidapor equipe coordenada pelo profes-sor Leopoldo de Meis, do Institutode Bioquímica Médica (IBqM) daUniversidade Federal do Rio de Ja-neiro (UFRJ), que desenvolve, des-de a segunda metade da década de

1980, um curso para professores dosensinos fundamental e médio, e alu-nos do ensino médio de escolas deáreas menos favorecidas da RegiãoMetropolitana do Rio.

No curso, os professores dedicam,na semana inicial, oito horas diáriasao desenvolvimento de atividadesexperimentais. Na segunda semana,interagem com cientistas palestrantes.Já para os estudantes, o curso durauma semana. O encerramento é re-alizado com uma confraternizaçãoe a apresentação da peça teatral Ométodo científico, seguida da distribui-ção de livros didáticos. “Os alunosque mais se destacam são convida-dos para um estágio remunerado noslaboratórios de pesquisa, sob a ori-entação de pós-graduandos”, expli-ca o pesquisador. “Essa iniciativa ex-pandiu-se para outras 13 universida-des públicas do país e envolve 16grupos de pesquisa, tanto no desen-volvimento dos cursos de fériascomo também em projetos de edu-cação em ciências.”

Wagner Seixas da Silva, hoje um dosorganizadores do curso, é o exem-plo mais bem-sucedido. Há 17 anos,em 1994, o então estudante secun-darista foi selecionado para partici-

par dos três temas oferecidos à épo-ca. Após o curso, ele foi selecionadoa uma das vagas de estágio. Dali parafrente, sua vida foi só “ladeira aci-ma”, culminando com o pós-dou-torado na Universidade de Harvard(EUA). “Durante o estágio no labo-ratório, ajudei o então doutorandoAntonio Galinda Filho em sua tese.Ele, em troca, me ajudava nos estu-dos no colégio. Como prêmio porminha dedicação, a equipe do labo-ratório decidiu me oferecer um cur-sinho pré-vestibular e um de inglês.Em 1997, ingressei na Faculdade deBiologia da UFRJ. Em 2000, já comtrês trabalhos publicados em perió-dicos internacionais, fui direto parao doutorado e, em seguida, paraHarvard”, recorda emocionado obiólogo.

Velha-guarda do sambaganha vídeo feito porestudantesA questão das raízes africanas na cul-tura brasileira é o tema de outro pro-jeto de apoio ao ensino nas escolaspúblicas, coordenado pelo profes-sor Roberto Luís Torres Conduru,do Instituto de Artes da Universida-de do Estado do Rio de Janeiro

(Uerj). Desde 2007, ele desenvolve,com alunos do ensino médio notur-no (supletivo) do Colégio EstadualProfessor Souza da Silveira, umvídeo sobre a Associação das Velhas-Guardas do Rio de Janeiro, institui-ção que agrupa os veteranos músi-cos de todas as escolas de samba dacidade. “O colégio já realiza, desde2004, uma série de projetos que bus-cam debater a questão da afro-descendência entre seus estudantes,por meio de palestras mensais e ou-tras formas de debates. Quando to-mei conhecimento do edital lança-do pela FAPERJ, decidi que era horade elaborar um projeto”, explicaConduru.

Intitulado “Patrimônio artístico-cul-tural, (re)construção identitária e afro-brasilidade”, o trabalho consiste emcapacitar os alunos a desenvolver alinguagem audiovisual por meio deoficinas para pesquisar, roteirizar,dirigir, produzir, filmar e editar umcurta-metragem sobre a memóriadas escolas de samba do Rio. “Alémde motivar o debate racial e de iden-tidade cultural entre os estudantes, ovídeo também serve para evitar quea memória de um bem cultural tipi-camente brasileiro, como o samba,

Melhoria do ensino público motivaprojetos em universidades

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Foto: Divulgação

ENSINO

Estudantes no laboratório (à esq.) e em sala de aula: desde os anos 1980 a UFRJ oferece cursos para professores e alunos do Ensino Fundamental e Médio

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Um recurso estratégico, a águaé considerada, hoje, a gran-de questão do século XXI.

Analistas de política internacional ou-vidos pelo jornal francês Le MondeDiplomatique prevêem que a próxi-ma grande guerra mundial será tra-vada por conta de disputas pelo lí-quido. Empresas que oferecem ser-viços de purificação e reciclagem de

águas devem protagonizar disputascada vez mais acirradas num mer-cado global em que o H

2O já pro-

voca escaramuças entre países emregiões áridas do Oriente Médio edo norte da África. No Brasil, parteimportante da população acredita,equivocadamente, que a falta de águajamais nos alcançará. O País, alémde contar com o rio Amazonas, omais caudaloso do planeta, possuitambém um enorme manancial

subterrâneo de água doce localiza-do no centro-sudoeste do territóriobrasileiro, o Aqüífero Guarani.Uma das empresas que se preparapara brigar nesse novo mercado noPaís é a PAM-Membranas Seletivas.Instalado desde 2005 na Incubado-ra de Empresas da Coppe – Insti-tuto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenha-ria, da Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ) –, o empreendi-

Reciclagem e purificação de água

Mônica Maia

Membranas usadas em sistema de microfiltração: tecnologia de baixo custo no tratamento e reúso de água

INOVAÇÃO

ganha alternativa utilizando membranas

não se perca”, explica Conduru. “Po-rém, o grande diferencial do nossoprojeto é que toda a tecnologia queutilizamos está acessível, já que pou-co adiantaria eles aprenderem a fa-zer um documentário com umatecnologia a que não teriam acesso”,acrescenta.

O Centro de Democratização daInformática (CDI) tem cooperadocom o projeto por meio de oficinaspara uso de softwares livres de ediçãoem vídeo. “Utilizamos tecnologia debaixo custo para as filmagens, comocâmeras fotográficas e de vídeo di-gitais, e celulares que filmam e foto-grafam. Os estudantes já começarama pesquisa nos acervos de fotos evídeos da Associação das Velhas-Guardas e espera-se é que, até no-vembro, o vídeo esteja concluído.”

Em Niterói, plantasviram material didático

Usar o conhecimento popular e ofascínio exercido pelas plantas comoforma de incentivar o conhecimen-to científico entre crianças, jovens eadultos foi o desafio proposto pelabióloga Moemy Gomes de Moraes.

Foto: Divulgação

Desenvolvido por uma equipe depesquisadores e alunos de botânicada Universidade Federal Fluminense(UFF), em Niterói, o trabalho con-tou com o envolvimento de profes-sores, pais, alunos e de toda a co-munidade local do bairro deJurujuba. “Nesse local, há uma co-munidade de trabalhadores que so-brevivem da pesca. Eles naturalmentepossuem, com base em suas experi-ências de trabalho e vida, um conhe-cimento adquirido sobre o uso dosrecursos naturais. Assim, foram bas-tante receptivos em contribuir comnosso projeto”, recorda Moemy.

A pesquisa teve início na Escola Mu-nicipal Lúcia Maria da Silveira. “Emum mês, as crianças desenvolveramuma série de atividades que foramapresentadas no Dia da Botânica.Houve exposições de alunos, ofici-nas de salas e de aproveitamento in-tegral de legumes, de sucos naturais,entre outras. O evento foi um suces-so. O objetivo é motivar não só osestudantes, como todos os atores en-volvidos na educação, pais, profes-sores e membros da comunidade.Espero que essa iniciativa sirva paraque os educadores locais comecema utilizar em suas atividades de ensi-no um material de fácil acesso eabundante, como é o caso das plan-tas”, acrescenta.

Formação de professoresde ciências ganhaincentivo

O ensino de ciências tem motivadotambém uma série de estudos de-senvolvidos por pesquisadores doInstituto de Física da UFRJ. Sob acoordenação da professora MartaBarroso Feijó, o projeto “Ensino defísica e formação de professores”pretende construir laboratórios da

disciplina em escolas públicasfluminenses, além de incentivar umamelhor didática dos docentes comseus alunos. “No Ciep Carlos Drum-mond de Andrade, em Jacarepaguá,Zona Oeste, e no Colégio EstadualSão Bento, em Duque de Caxias, es-tamos propondo, com os professo-res dessas escolas, novas formas parao ensino de ciências”, explica Marta.

Outra vertente do projeto consisteem equipar adequadamente labora-tórios de ensino de ciências em es-colas da rede pública estadual e fe-deral. “Já estamos equipando as uni-dades Niterói e São Cristóvão doColégio Pedro II. Em breve, será avez do Colégio Estadual RosaLuxemburgo, no bairro de Quintino,na Zona Norte”, acrescenta.

Marta lembra que a UFRJ possui umgrande laboratório nas áreas de ci-ências e matemática, e que seus pes-quisadores têm se dedicado à tarefade atender às demandas do MECpara a melhoria do ensino nessas dis-ciplinas. “Prova desse esforço e de-dicação é que este ano a UFRJ lan-çou o mestrado profissional emEnsino de Física”, conclui.

Esses são apenas alguns dos muitosprojetos que vêm sendo desenvol-vidos com o apoio da FAPERJ e deoutros órgãos de fomento ao ensi-no e à pesquisa, como a Capes. Odiretor científico da Fundação, JersonLima Silva, é um entusiasta da idéia:“Somente com a melhoria do ensi-no público nos níveis fundamental emédio nossos jovens poderão terum sólido conhecimento”. E acres-centa: “Torna-se muito mais difícilo despertar para uma profissão semum bom fundamento teórico e prá-tico, e as vocações científicas preci-sam ser estimuladas desde cedo”.

Foto: Reprodução

Ensino de qualidade: vocação para aciência é despertada na infância

Pesquisadores: Leopoldo de Meis,Marta B. Feijó, Moemy G. deMoraes e Roberto Luís T. ConduruInstituições: UFRJ, UFF e Uerj

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Um mercado emexpansão

Segundo a BBC Research,braço especializado em pes-quisas sobre mercado & ino-vação da tradicional rede es-tatal britânica de comunica-ção, o mercado mundial demicrofiltração (somentemembranas) cresceu de U$200 milhões, em 1990, paraU$ 800 milhões, em 2005.As estimativas prevêem queesse mercado chegará a umpatamar de U$ 1,2 bilhãoem 2010.

No fim de 2006, Ronaldo,Cristiano e Cláudio decidi-ram colocar no papel a ex-periência acumulada com o estudodo assunto, lançando o livro Proces-sos de separação por membranas (editoraE-papers). Hoje, um dos clientes daempresa é a Molecular Santa Cruz,uma firma de limpeza da água detanques de postos de combustível.A PAM-Membranas faz o chama-do “polimento” da água suja dostanques dos postos e permite o reúsode água para lavagem de novos tan-ques, poupando recursos ambientaise financeiros. Outra empresa quetambém já faz uso da tecnologia é aPetrobras, empregada no processoda exploração de petróleo em terra,na Fazenda Belém, no Rio Grandedo Norte. A água utilizada na pro-dução, em alguns casos, ainda apre-senta problemas de descarte peloelevado teor de óleo (acima de 20ppm). Além disso, a região é muitocarente de água doce.

“A Petrobras comprou uma unida-de de microfiltração de duplo está-gio. As membranas retêm 90% doóleo em cada estágio e fornecemuma água salobra praticamente isen-ta de óleo. Essa água alimenta umaunidade de osmose inversa, que re-move o sal. A água dessalinizada

deverá ser utilizada em projeto soci-al, para irrigação de plantação de flo-res ornamentais”, diz Ronaldo.

Indústrias e condomíniospoderão enxugar contade água com o sistema

Nas indústrias Dupont, em Uberaba(MG), o reprocessamento do óxi-do de titânio – pigmento brancoutilizado em tintas de paredes e nafabricação de papel – produzia umefluente contaminado com esse pig-mento, que não é biodegradável, ge-rando problemas ambientais para aregião. “Nesse caso, por meio deuma parceria, fornecemos o proje-to do sistema de microfiltração e osmódulos de membrana, e eles mon-taram o sistema. Fomos lá para darinício a um sistema que deixasse depoluir, recuperasse o pigmento per-dido e permitisse o reúso da água”,conta Ronaldo.

Segundo ele, as estações de trata-mento de esgoto doméstico e deefluentes industriais, se bem opera-das, geram um efluente com baixacarga orgânica, mas com contami-nação microbiológica de material em

suspensão. Nessas condi-ções, o efluente tratado édevolvido ao corpo recep-tor. Se for aplicada amicrofiltração desse eflu-ente tratado biologicamen-te, a corrente filtrada seráisenta de microorganismose de material em suspensão.

Isso resulta em água trata-da para usos urbanos nãopotáveis, como irrigação,lavagem de pisos e de ruas,e água para as descargas debanheiros. “Nos condomí-nios mais novos, existemcircuitos independentes deágua para descarga de sani-tários. A economia resultan-te de cada metro cúbico de

água reciclada garante um retornorápido do investimento efetuadocom a unidade de microfiltração eproporciona, em médio prazo, umaeconomia para o condomínio.”

Com o emprego dos sistemas demicrofiltração proposto pela PAM-Membranas, capazes de produzirágua para reúso secundário a umcusto médio de R$ 1/metro cúbico,as indústrias e os condomínios queoptarem por essa tecnologia pode-rão enxugar, de forma considerável,os gastos com a conta de água. “Nocaso da grande São Paulo, por exem-plo, onde cada m3 de água que pas-sa pela indústria tem um custo quepode chegar a R$ 17, o emprego dosistema poderá trazer uma econo-mia de R$ 16 nessa conta. Isso per-mite um rápido retorno do investi-mento e um ganho substancial emcurto prazo”, garante Ronaldo. Umganho que certamente fará muitobem à “saúde” do planeta.

Economia: sistema permite enxugar gastos com a conta de água

Foto: Divulgação

Pesquisador: Ronaldo NóbregaInstituição: PAM-Membranas Seletivas– Incubadora de Empresas daCoppe/UFRJ

mento já exibe um portfólio de ne-gócios com empresas de purificaçãode água nos processos da indústriade papel, reciclagem de água em pos-tos de gasolina, tratamento e reúsode água da produção de petróleo efábricas de pigmento. Em setembrode 2007, a PAM-Membranas ganhoureconhecimento ao levar o PrêmioNacional de EmpreendedorismoInovador, na categoria Melhor Em-presa Incubada. O prêmio é promo-vido pela Associação Nacional deEntidades Promotoras de Empreen-dimentos Inovadoras (Anprotec), emparceria com o Serviço de Apoio àsMicro e Pequenas Empresas (Sebrae).A empresa é comandada pelo ex-professor da UFRJ e engenheiroquímico Ronaldo Nobrega e seustrês sócios: o ex-aluno RobertoBentes de Carvalho e os ex-colegasCláudio Habert e Cristiano PiacsekBorges, que permanecem ativos noPrograma de Engenharia Química daCoppe. “Criamos a empresa em2002 e saímos à procura de investi-dores de risco. Como praticamentenão existe capital de risco no país, oapoio recebido da FAPERJ em2004, por meio do programa RioInovação, foi decisivo para permitiro início das atividades da empresa”,conta Ronaldo.

Os números relativos à utilização daágua na produção industrial dão umaidéia dos valores que o mercadomovimenta. Uma indústria de SãoPaulo paga hoje R$ 8,50 por cadametro cúbico de água que entra emseus reservatórios, e mais R$ 8,50pelo mesmo metro cúbico da águavertida no sistema de esgoto. Na ci-dade do Rio de Janeiro, esse custo éde R$ 5 na captação e mais R$ 5 pormetros cúbicos de esgoto lançado.Evitar desperdício, reusar e raciona-lizar a utilização desse líquido é maisque uma questão política ou am-biental: é econômica.

Canudinhos quedespoluem e limpamEssas membranas do tipo fibra ocapara microfiltração nada mais são doque espécies de tubinhos de dimen-sões capilares. São feitas de materialplástico flexível, cujas paredes con-têm microporos capazes de retertodos os microorganismos ou qual-quer material em suspensão com di-mensões micrométricas. Para o usoindustrial, feixes dessas fibras ocassão reunidos e incorporados emmódulos tubulares de vários tama-nhos e capacidades, utilizando ma-teriais como PVC (policloreto devinila, plástico da família dostermoplásticos), CPVC (PVC commaior adição de cloro) e aço inox.

“A membrana é feita de umpolímero comercial – poliimida –,o mesmo usado na indústria auto-mobilística. É uma commodity, umpolímero-base”, explica o engenhei-ro químico. Diferentemente dos fil-tros de cartuchos, normalmentedescartáveis, as membranas produ-zidas pela PAM têm vida útil de doisa três anos. “Dependendo do tipode efluente a ser tratado e da opera-ção e manutenção corretas do siste-ma de microfiltração – com limpe-za por retrolavagem ou com o au-xílio de um produto químico”, re-comenda Ronaldo.

A origem da idéia da filtração pormeio das membranas surgiu de es-

tudos realizados por Ronaldo duran-te pós-doutorado na Universidadede Toulouse, na França, e tambémdas pesquisas desenvolvidas pelo seuparceiro, Cristiano Piacsek, duranteo doutorado-sanduíche, na Holanda,no início da década de 1990. “Em1992, já tínhamos o domínio dessatecnologia, mas não havia mercado.O que mudou de lá para cá foi aconscientização global da dimensãodo problema da escassez de água noplaneta, abrindo espaço para intro-dução de novas tecnologias para tra-tamento e reúso de água”, explicaRonaldo.

Além das aplicações na purificaçãode águas residenciais, no tratamentode efluentes e reúso de água na in-dústria, as membranas desenvolvidaspela PAM-Membranas podem tam-bém ser utilizadas em diversas ou-tras aplicações, tais como:

- indústria de bebidas: clarificação devinhos e cervejas;

- clarificação de sucos: clarificaçãodo suco de maçã; processamentodo suco de laranja;

- biotecnologia e farmácia: purifica-ção bacteriológica de meios de cul-tura;

- purificação bateriológica de flui-dos injetáveis (injeção e soros);

- purificação de ar: em centros ci-rúrgicos e UTIs (fornecimento dear isento de bactérias); ar-condici-onado (melhoria de qualidade doar em sistemas de ar-condiciona-do); purificação do ar em proces-sos de biotecnologia;

- purificação de água para indústriade refrigerantes;

- pré-tratamento para processos denanofiltração e osmose inversa, umsistema usado para dessalinizarágua do mar ou aproveitar águasalobra, como a dos poços doNordeste do Brasil.

As estimativasprevêem que omercado mundialde microfiltraçãodeve chegar aUS$ 1,2 bilhãoem 2010

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Morador, turista, empresário,trabalhador ou aposentado,quem passa pela praia deCopacabana já pode acessara Internet sem fio de alta ve-locidade. O serviço foi inau-gurado no dia 22 de julho econta com 11 pontos de aces-so, entre as ruas Rua PrincesaIsabel e Figueiredo Magalhães– primeira fase do programaOrla Digital. Fruto de umaparceria entre a Secretaria deEstado de Ciência e Tecno-logia (por meio da FAPERJ)e o Instituto Alberto Luiz Coimbrade Pós-Graduação e Pesquisa de En-genharia (Coppe/UFRJ), a novatecnologia promete revolucionar aqualidade de vida e os serviços ofere-cidos no bairro. Até o fim de 2008,mais dez pontos deverão ser inaugu-rados para estender o sistema até oPosto Seis.

“Ensino a distância nas escolas pú-blicas locais, acesso à cultura e inclu-são de conteúdos de saúde paramelhorar a qualidade de vida dosidosos – para grande parte dosmoradores daqui – são exemplos dealguns dos benefícios”, afirmou ogovernador Sérgio Cabral durante asolenidade. Ele lembrou que o pro-grama Baixada Digital – que pro-moverá o acesso gratuito à Internet

sem fio para municípios da BaixadaFluminense, como Duque de Caxias,Nova Iguaçu, Belford Roxo e SãoJoão do Meriti – também deve serinaugurado este ano. “Ampliaremoso acesso a outros pontos da orla, etambém à Zona Oeste e ao Maracanã.Porém, nossas metas são bem maisaudaciosas: até o fim de 2010, espera-mos tornar o Rio de Janeiro o primei-ro estado do País totalmente digital”,acrescentou. Segundo o governador,o custo do projeto para todo o estadoestá estimado em R$ 40 milhões.

O secretário de estado de C&T, Ale-xandre Cardoso, destacou a utiliza-ção de conteúdos provenientes deconvênios com a Universidade Aber-ta da Terceira Idade, da Universida-de do Estado do Rio de Janeiro(UnATI/Uerj) – unidade de referên-

cia em saúde e centro de con-vivência e pesquisas sobre ido-sos. “Colocamos a tecnologiaà disposição. Agora precisa-mos que as instituições de en-sino e pesquisa estabeleçamparcerias conosco para atuali-zarmos sempre nossos con-teúdos”, ressaltou.

Já o coordenador da Rede Rio– rede integrada de computa-dores financiada pela FAPERJque interliga universidades ecentros de pesquisa sediados

no Estado do Rio, Luís Felipe deMoraes, rebateu a crítica de que asegurança da cidade não garantiria ouso de computadores portáteis napraia. “Com essa tecnologia e pormeio de uma parceria com a Secre-taria de Segurança Pública do Esta-do, vamos instalar câmeras de vigi-lância na região em prazo bem cur-to”, explicou. “Além disso, o uso decomputadores pessoais na praia per-mitirá ao poder público, escolas,hotéis, bares e restaurantes oferece-rem uma série de serviços para apopulação e para o comércio dobairro, tais como diversas aplicaçõesde vídeo sob demanda (VsD) e TVdigital, educação a distância, tele-conferências, sistemas de teleme-dicina e exibição de concertos musi-cais e peças teatrais”, acrescentou.

Orla de Copacabana ganha acesso à Internet

Termos de outorga sãoentregues no PalácioGuanabara

A expansão dos recursos para o se-tor de ciência e tecnologia fluminensefoi a tônica da cerimônia de entrega,no dia 20 de agosto, no Palácio

Guanabara, dos termos de outor-ga aos pesquisadores contempladosem quatro dos 29 editais lançadosem 2008 pela FAPERJ. Os quatroprogramas, que beneficiam 205 gru-pos de pesquisadores, representamum investimento de R$ 34 milhões.“Tenho certeza de que esses recur-

sos serão muito bem empregados eque o orçamento da FAPERJ con-tinuará aumentando significativa-mente ao longo dos próximos anos”,disse o governador Sérgio Cabral.Os quatro editais celebrados na en-trega dos termos de outorga bene-ficiarão o estudo de doenças negli-

genciadas e reemergentes; os gruposemergentes de pesquisa; a constru-ção da cidadania da pessoa comdeficiência; e a produção e a divul-gação das artes.

Congresso do HospitalUniversitário PedroErnesto (Uerj)

Voltado para a temática da “Saúdedo Adolescente”, foi realizado de 25a 29 de agosto o 46º Congresso Ci-entífico do Hospital UniversitárioPedro Ernesto (Hupe). Para organi-zar o evento, foi convidado o Nú-cleo de Estudos da Saúde do Ado-lescente (Nesa) que, desde 1974, de-senvolve, através de uma equipemultidisciplinar, ações de assistência,ensino, pesquisa e extensão, voltadasà saúde deste grupo populacional.Na solenidade de abertura do con-gresso, o reitor Universidade doEstado do Rio de Janeiro (Uerj),Ricardo Vieiralves, anunciou que oorçamento do Hupe para o ano de2009 será de R$ 50 milhões – o do-bro do montante destinado ao hos-pital em 2008. Comemorando oanúncio do reitor da Uerj, o presi-dente da FAPERJ, Ruy Garcia Mar-ques, também destacou o apoio quea Fundação dispensou ao Hupe em2008, quando lançou o edital Apoioa Hospitais Universitários Sediadosno Estado do Rio de Janeiro. “AFAPERJ tem o dever de incentivara pesquisa clínica nos hospitais uni-versitários e, dessa forma, melhorara sua infra-estrutura para pesquisa eassistência”, disse. A FAPERJ, queapoiou a realização do evento, este-ve representada com funcionários dediversos setores, que se revezarampara prestar esclarecimentos sobre osprocedimentos que vêm sendoadotados pela instituição. Na ocasião,um estande ocupado pelo Fundaçãoexibiu algumas obras publicadas

com o apoio do seu programa deauxílio à editoração (APQ 3).

Patrono e ex-presidentes ganhamgaleria de retratos

Em cerimônia realizada no dia 12de agosto, a Fundação inaugurougaleria de retratos do patrono e dosex-presidentes da instituição, contan-do com a presença de vários dos 13nomes que estiveram à frente doórgão desde a sua fundação, em 26de junho de 1980. Entre eles, estevepresente o professor WalmírioEronides de Macedo, primeiro pre-sidente da FAPERJ. Participaram dasolenidade, além do presidente daFAPERJ, Ruy Marques, o secretáriode Estado de Ciência e Tecnologia,Alexandre Cardoso; o presidente daAcademia Brasileira de Ciências,Jacob Palis; integrantes do ConselhoSuperior da Fundação, incluindo suapresidente, Albanita Viana de Olivei-ra; e representantes de diversas insti-tuições de ensino e pesquisa do esta-do, como Uerj, Uenf, Uezo, Uff,Cecierj e UniRio. A filha de CarlosChagas Filho, Cristina Isabel ChagasGouvêa Vieira, e a neta, Maria daGlória Gouvêa Vieira, representarama família do patrono da instituição.

Foto: Ignácio Ferreira

FAPERJIANAS

Sérgio Cabral (centro), ao lado de Alexandre Cardoso, ouveas explicações de Moraes sobre o funcionamento do Orla

Marques, Cardoso e Macedo, o primeiro presidente daFAPERJ: ex-dirigentes ganharam galeria de retratos

Novas tecnologias sãoapresentadas em eventoem Petrópolis

A Fundação participou, no períodode 4 a 8 agosto, do 1º Festival deTecnologia de Petrópolis. Realizadopelo Movimento Petrópolis-Tecnópolis, o evento, que ocupoualguns dos espaços mais tradicionaisdo município, como o Palácio deCristal e o Museu Imperial, exibiuum amplo leque de atrações, comrobôs de competição, aviões não-tripulados, planetário inflável, con-certos em laptops e apresentação defilmes. Ao todo, participaram do fes-tival cerca de 300 executivos de desta-que na área de tecnologia da informa-ção (TI) no Brasil e no mundo.

Fundação reformulasite e boletim on-linecompleta 4 anos

Inaugurado em 11 de agosto, o novosite da FAPERJ trouxe mais do queuma mudança estética. Repaginada,a home page traz uma série de altera-ções que facilitam a navegação pe-los usuários, como o rápido acessoaos resumos de projetos contempla-dos. Com os novos recursos, a Fun-dação mantém maior transparênciasobre os auxílios concedidos, ao for-necer informações sobre as áreas deconhecimento e temas das pesqui-sas realizadas. Cerca de um mês maiscedo, no início de julho, o Boletim on-line da FAPERJ completou quatroanos, com a produção de 194 edi-ções ao longo do período.

Novo site: navegação facilitada

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Vinte e dois novos títulos, so-bre assuntos tão diversosquanto educação, geologia e

antropologia, serão publicados aolongo dos próximos meses com re-cursos do programa de Auxílio àEditoração (APQ3) da FAPERJ. Alista dos projetos aprovados na pri-

Programa APQ 3 apóia 22 novos títulos

To play or not to playO trabalho teatral do Cete

O livro reflete a preocupação e as buscasestéticas de muitos grupos e diretores con-temporâneos voltados para uma artelibertária fundamentada nas expressões enos jogos da maioria da população brasi-leira, tão rica em suas manifestações espeta-

culares e tão longe dos palcos: como personagem, como ator ecomo público.

Autor: Antonio Pedro BorgesEditora: TopbooksNúmero de páginas: 167

Novas memórias do urbanismocariocaO livro busca explorar a gênese e os desdo-bramentos do conhecimento urbanísticono Rio de Janeiro, visando recuperar omodo como seus principais atores – enge-nheiros, arquitetos e urbanistas (funcionári-os públicos ou não) – perceberam, pensa-

ram e agiram sobre a cidade.

Organizadores: Américo Freire e Lúcia Lippi OliveiraEditora: FGVNúmero de páginas: 312

Aprendizagens cotidianas coma pesquisaOs diferentes textos expressam múltiplasformas de aproximação e vivência dos coti-dianos escolares e dos modos de pesquisá-los. O livro traz a atualidade da produçãodas pesquisas nos/dos/com os cotidianosdas escolas.

Organizadores: Carlos Eduardo Ferraço, Car-men Lúcia Vidal Perez e Inês Barbosa de OliveiraEditora: DP et AliiNúmero de páginas: 177

EDITORAÇÃO

meira janela de inscrições do ano de2008 foi divulgada na primeira se-mana de agosto. As propostasselecionadas contemplam pesquisa-dores de 11 diferentes instituições.O programa é voltado para o apoioà edição de livros, manuais, núme-ros especiais (temáticos) de revistas

e coletâneas científicas em qualquertipo de suporte – papel, eletrônicos,vídeos, CDs e DVDs. A iniciativacontribui para a difusão e populari-zação da ciência e tecnologia flumi-nense, oferecendo aos pesquisadoresa oportunidade de divulgar à popu-lação seu trabalho de pesquisa.

Enzimas em biotecnologiaProdução, Aplicações e Mercado

Este livro resultou do trabalho conjunto deprofessores e pesquisadores de InstituiçõesBrasileiras e Portuguesas. Aborda a produ-ção e o uso de enzimas industriais e especi-ais com informações sobre o histórico da

identificação e uso das enzimas, a catálise enzimática, a aplica-ção da biologia molecular na produção de enzimas, o uso deleveduras e fungos filamentosos para expressão heteróloga deenzimas de interesse biotecnológico.

Organizadores: Elba P.S. Bom, Maria Antonieta Ferrara, MariaLuíza Corvo e outrosEditora: InterciênciaNúmero de páginas: 506

Memória Hoje – Volume 1Ciências biológicas e ambientais

Nos 39 artigos reunidos, o leitor terá umpanorama sucinto, mas elucidativo, de gran-des realizações no campo das ciências bioló-gicas e ambientais ao longo dos últimos cin-co séculos.

Organizadores: Alicia Ivanissevich e Antonio Augusto Passos VideiraEditora: Instituto Ciência HojeNúmero de páginas: 200

O Tribunal do ComércioMagistrados e negociantes na cortedo Império do Brasil

Este trabalho contemplou um estudo sobreo Tribunal do Comércio do Brasil imperialpor meio de sua trajetória e de seus mem-bros. Privilegiou a observação das interfacesdos magistrados e dos comerciantes com ossetores privados e públicos da época.

Autor: Edson Alvise NevesEditora: Editora e Livraria Jurídica do Rio de JaneiroNúmero de páginas: 388

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