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Sustentabilidade e Tecnologias de Baixo Carbono no Brasil ( * ) SUMÁRIO Inovação e tecnologias de baixo carbono no Brasil Jacques Marcovitch 02 Inovações tecnológicas brasileiras capazes de contribuir para a redução das emissões de CO2 dos veículos automotores Gleriani Torres Carbone Ferreira 12 Smart Grid e potencial de contribuição às mudanças climáticas no Brasil: um estudo da tecnologia Plataforma Hemera José Guilherme F. de Campos 32 A tecnologia flex na indústria como redutora da emissão de gases de efeito estufa Matheus Silva Ricardo Galvão Guimarães 52 A aplicação da tecnologia multicombustível no transporte aéreo Daniela Stump 71 Inovação tecnológica no setor de aterros sanitários: O caso do evaporador de percolado (chorume) com a queima de biogás Flávia Gonzaga Pileggi 82 ** Trabalhos de conclusão da disciplina EAD-5953 – Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, oferecida pelo EAD-FEA-USP no primeiro semestre de 2011. Docentes responsáveis: Profs. Drs. Jacques Marcovitch e Isak Kruglianskas.

Sustentabilidade e tecnologias de baixo carbono

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Sustentabilidade e Tecnologias de Baixo Carbono no Brasil ( *)

SUMÁRIO

Inovação e tecnologias de baixo carbono no BrasilJacques Marcovitch 02

Inovações tecnológicas brasileiras capazes de contribuir paraa redução das emissões de CO2 dos veículos automotores

Gleriani Torres Carbone Ferreira 12

Smart Grid e potencial de contribuição às mudanças climáticasno Brasil: um estudo da tecnologia Plataforma Hemera

José Guilherme F. de Campos 32

A tecnologia flex na indústria como redutora da emissão degases de efeito estufa

Matheus Silva Ricardo Galvão Guimarães 52

A aplicação da tecnologia multicombustível no transporte aéreo Daniela Stump 71

Inovação tecnológica no setor de aterros sanitários: O caso do evaporador de percolado (chorume) com a queima de biogás

Flávia Gonzaga Pileggi 82

** Trabalhos de conclusão da disciplina EAD-5953 – Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, oferecida pelo EAD-FEA-USP no primeiro semestre de 2011.Docentes responsáveis: Profs. Drs. Jacques Marcovitch e Isak Kruglianskas.

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Inovação e tecnologias de baixo Carbono no Brasil

Jacques Marcovitch

Os pós-graduandos da disciplina “Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas”, do programa de pós-graduação em Administração FEA/USP, abordam aqui vários casos de tecnologias inovadoras para a sustentabilidade no empreendedorismo privado. Além da descrição de processos, é analisada nos papers a sua viabilidade econômica e eventual utilização em grande escala. Abaixo, resumidamente, os conteúdos apresentados nesta publicação.

Inovações tecnológicas brasileiras capazes de contribuir para a redução das emissões de CO2 dos veículos automotores - O texto de Gleriani Ferreira apresenta um estudo de duas inovações brasileiras, as quais reduzem as emissões de GEE causadas por veículos automotores. São apresentadas duas inovações desenvolvidas por subsidiárias brasileiras de empresas multinacionais. A primeira é a inovação estrutural do virabrequim da ThyssenKrupp, a qual otimiza o contorno da superfície do virabrequim, melhorando sua resistência à fadiga, aumentando sua vida útil e reduzindo o uso de combustível devido ao menor atrito entre suas peças. A segunda inovação é o sistema que elimina o tanque de gasolina em veículos flex-fuel, desenvolvido pela Magneti Marelli do Brasil. A eliminação do tanque de gasolina leva a uma redução no consumo de combustível e, consequentemente, das emissões. A tecnologia já está sendo exportada para os Estados Unidos e Europa.

Smart Grid e potencial de contribuição às mudanças climáticas no Brasil: um estudo da tecnologia Plataforma Hemera - José Guilherme Campos mostra que o setor energético, um dos principais responsáveis pelas emissões de GEE, pode redirecionar o seu desenvolvimento produzindo com maior eficiência. O seu artigo explora tecnologia desenvolvida por uma empresa brasileira, a CAS Tecnologia, relacionada com a eficiência energética e redes inteligentes (Smart Grid), a Plataforma Hemera. Trata-se de um sistema composto de hardware adaptado, sistemas e softwares, o qual utiliza a infraestrutura de telecomunicações para coletar, mensurar, armazenar, processar e transmitir informações sobre os fluxos de energia e consumo. A plataforma é capaz de gerenciar de forma centralizada todas as informações sobre geração, transmissão, distribuição e consumo de eletricidade. De acordo com o presidente da CAS Tecnologia, a Plataforma Hemera tem mostrado ganhos significativos em termos de eficiência energética, revelando uma redução média no consumo de cerca de 20%.

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A tecnologia flex na indústria como redutora da emissão de gases de efeito estufa – O ensaio produzido por Matheus da Silva e Ricardo Guimarães analisa uma tecnologia que consiste na adaptação de queimadores industriais, permitindo o uso do etanol como seu combustível. Esta tecnologia foi desenvolvida por uma empresa brasileira, a Gasalcool, e é um exemplo de inovação incremental no contexto de tecnologias para reduzir as emissões de GEE. Muitas indústrias, incluindo aquelas com altos níveis de emissões, usam queimadores industriais para gerar calor. O principal benefício do produto Gasalcool é uma redução de 25% nas emissões de CO2, de mais de 50% nas de NO/NOx. Além disso, tem a vantagem de substituir um combustível fóssil por uma fonte renovável de energia.

A aplicação da tecnologia multicombustível no transporte aéreo - Este artigo de Daniela Stump discute a aplicação da tecnologia SPS (Software Flexfuel Sensor) em motores de aviões a pistão. Esta tecnologia foi desenvolvida e patenteada pela subsidiária brasileira da Magneti Marelli. A iniciativa tem parceria com uma agência do Ministério da Defesa brasileiro. A inovação incremental tem o potencial de reduzir as emissões de dióxido de carbono pela aviação geral, como a tecnologia SFS já tornou possível para veículos flex. De acordo com dados preliminares fornecidos pela Magneti Marelli do Brasil, o uso do etanol em aviões reduz as emissões de CO2 durante a decolagem em cerca de 38%, e de 63% quando em velocidade de cruzeiro, comparativamente a aviões que usam gasolina.

Inovação tecnológica no setor de aterros sanitários: O caso do evaporador de percolado (chorume) com a queima de biogás - Flávia Pileggi estuda o Evaporador de Percolado EVC-1.900, da empresa BTS, que viablizou a queima direta de biogás, para maximizar a evaporação do chorume com eficiência térmica. Utilizando como combustível o próprio biogás produzido no aterro, o evaporador permite simultaneamente a queima do metano e a otimização da capacidade das lagoas de tratamento de percolado (chorume). Instalado sobre uma carreta rebaixada, o evaporador bombeia para dentro de um tanque o percolado estocado nas lagoas de tratamento do aterro. A seguir o líquido é aquecido e evapora, a uma razão de até 1 m³/h. O processo de aquecimento utiliza como combustível o próprio biogás gerado no aterro, que é canalizado e queimado dentro do evaporador. O objetivo da tecnologia é utilizar o biogás que antes era emitido para a atmosfera, com alta concentração de metano, um dos gases causadores do efeito estufa, para promover a evaporação do percolado.

Uma transição para a métrica

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Estes documentos demonstram, em boa parte, uma promissora tendência em trabalhos acadêmicos e, de modo geral, nos estudos que apresentam a sustentabilidade como eixo temático. Vem acontecendo, neste segmento do saber, e deveria acontecer com maior celeridade, uma bem-vinda transição da retórica, útil mas insuficiente, para as métricas verificáveis de sustentabilidade. Talvez o ponto de partida para estas novas formas de abordagem esteja no sempre lembrado relatório de Nicholas Stern, que lucidamente insistiu na prevalência do fazer sobre o sonhar e quantificou, no caso das mudanças climáticas, os graves prejuízos da inércia. Mas a questão não se esgota no mero uso de cálculos para demonstrar situações de fato. Na administração de políticas sustentáveis, sejam públicas ou privadas, é preciso lidar mais rigorosamente com as informações. O Conselho da Segurança da ONU pediu recentemente ao secretário-geral Ban Ki-Moon, que todos os relatórios sobre o clima, no âmbito da Organização, incluam projeções confiáveis sobre os impactos causados pelo aquecimento global. Também no universo dos negócios aprofunda-se a noção de responsabilidade com uso de informações aos consumidores quando se anuncia determinados produtos e mesmo a imagem de uma corporação. Prevalece hoje no meio corporativo mundial uma grande resistência às lacunas informativas na transmissão de dados à sociedade. O IIRC (International Integrated Reporting Committee), a poderosa câmara de lideranças empresariais e da sociedade civil, elegeu os seguintes princípios básicos do uso de indicadores em qualquer documento: relevância e verificação; acessibilidade às informações; compreensão e clareza; e comparabilidade e consistência.

No mundo inteiro a questão emerge com força e apresenta, em alguns casos, desvios de conduta. Há uma expressão em inglês, greenwashing, usada para designar empresas que tentam lavar a imagem anunciando práticas “sustentáveis”, que mascaram ações contra o meio ambiente. É comum, nestes casos, o financiamento de ONGs superficialmente envolvidas em atividades ecológicas, enquanto a empresa apoiadora mantém atividades de largo e negativo impacto ambiental.

Caracteriza-se aí o marketing encobrindo a gestão antissocial. No Canadá, uma agência de marketing ambiental, TerraChoice, publicou relatório enumerando aos mais graves pecados de greenwashing, todos apontando para a propaganda enganosa e a falta de transparência na gestão que se alegava sustentável. A agência recomenda precauções do consumidor contra empresas que utilizam indevidamente o tema do ambientalismo no lançamento de produtos. Esta cautela deve ser observada no Brasil. Se, por exemplo, tratarmos da Amazônia, cabe perguntarmos, seguindo os conselhos da TerraChoice: “De acordo, estes produtos provêm de uma colheita floresta sustentável, mas quais são os impactos de sua manufatura e transporte? Será que o fabricante procurou reduzir esses impactos?”

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Normas do CONAR

No Brasil, em agosto de 2011, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) anunciou princípios indeclináveis na veiculação de anúncios: Veracidade – as informações ambientais devem ser verdadeiras e passíveis de verificação e comprovação; Exatidão – as informações ambientais devem ser exatas e precisas, não cabendo informações genéricas e vagas; Pertinência – as informações ambientais veiculadas devem ter relação com os processos de produção e comercialização dos produtos e serviços anunciados; Relevância – o benefício ambiental salientado deverá ser significativo em termos do impacto total do produto e do serviço sobre o meio ambiente, em todo seu ciclo de vida, ou seja, na sua produção, uso e descarte.

A informação não circula apenas nos anúncios. Ela está presente, e até com maior fartura, nos estudos e documentos, inclusive os oficiais. Métricas não verificáveis ocupam grandes espaços e a principal razão para isso é a precariedade de indicadores ambientais. No Brasil tal quadro exige uma reversão urgente. Nosso país admitiu, na COP-10 em Buenos Aires, que o seu primeiro Inventário de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa continha algumas imprecisões nos indicadores registrados. Aliás, este grau de transparência foi um dos méritos do documento.

O Guia de Boas Práticas na Elaboração de Inventários do IPCC (IPCC, 2000) reconhece que a incerteza das estimativas não pode ser totalmente eliminada e que o objetivo principal deve ser o de produzir estimativas que não sejam nem subestimadas nem sobreestimadas (estimativas acuradas), buscando, ao mesmo tempo e na medida do possível, aumentar a precisão das estimativas.

Seguindo essas recomendações, na geração das estimativas apresentadas neste Inventário, buscou-se assegurar que elas fossem não tendenciosas (sem viés). Para algumas atividades esse objetivo não pode ser totalmente alcançado, seja pela impossibilidade de estimar valores para alguns subsetores, seja pela inadequação de parâmetros default utilizados na ausência de valores apropriados às condições nacionais.

[...] A precisão das estimativas variou dependendo das características de cada setor, dos dados disponíveis e dos recursos que puderam ser investidos na determinação de fatores de emissão mais adequados às circunstâncias brasileiras. Nesse sentido, ênfase foi dada aos setores mais relevantes em termos de emissões de gases de efeito estufa.

Estatísticas ambientais

Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, onde lançou importantes publicações em torno do tema, produziu um estudo focando a precária situação das estatísticas ambientais, mesmo em centros mais desenvolvidos. Isto se dá, explicou ele, porque na maior parte do

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século XX os governos privilegiaram outras áreas de interesse. Neste espaço de tempo, as estatísticas demográficas evoluíram significativamente, o mesmo acontecendo com as estatísticas econômicas, em razão da proeminência dessas questões no período. Já o debate sobre sustentabilidade emergiu nos primórdios dos anos 1970 e somente na década seguinte ganhou relevância estratégica. Trata-se de um tema bem mais novo na agenda global.

Explicam-se, portanto, em boa parte, os desencontros e contradições que freqüentemente encontramos nas informações relativas ao meio ambiente. Besserman registra que o Brasil dispõe de qualidade estatística, mas na dimensão ambiental ainda vive as mesmas carências de outros países. Ele ressalva os bons serviços do IBGE e reconhece o mérito do Ministério da Ciência e Tecnologia na elaboração do Inventário Brasileiro de Emissão de Gases de Efeito Estufa. Faz-se necessário, porém, que todos os governos destinem recursos para ampliar essa área, que hoje adquire importância equivalente a dos estudos econômicos e demográficos. É aberta uma exceção para o trabalho do IPCC que montou um sistema capaz de produzir inventários de boa qualidade para além dos países desenvolvidos.

O Brasil deve, portanto, aparelhar-se para montagem de um abrangente banco de dados ambientais, em condições de atender às demandas do governo, da academia, da mídia e, principalmente, da sociedade. No longo prazo, faz-se necessário pensar numa estrutura maior, a partir do modelo IBGE e outros organismos internacionais de referência.

No plano mundial, vemos as representações institucionais da pesquisa, como o IPCC, atuando com equilíbrio para normatizar as formas possíveis de mensuração de resultados no enfrentamento do aquecimento global. Diferentemente do que acontece na rua da ciência, as regras não primam pela razoabilidade na rua das finanças. Ali quase tudo se calcula em fórmulas nebulosas e atrapalhadas. O erro de US$ 2 trilhões nas projeções da dívida pública americana, cometido pela agência Standard & Poor’s, foi por ela reconhecido, mas com a desculpa de que o foco do rebaixamento da nota dos Estados Unidos era a instabilidade política, e não o montante da dívida.

O cálculo errado, denunciado pelo governo americano, foi rapidamente apagado na lousa. A agência de risco declarou-se, da noite para o dia, especialista na avaliação de crises políticas, um domínio que imaginávamos não constar de seu portfólio. O exemplo mostra apenas que o exercício da medição precisa cumprir-se com extremo rigor técnico, em linha com a importância da questão avaliada.

A inovação no Brasil

A métrica é um compromisso público, a inovação uma ferramenta para cumpri-lo. Em complementaridade, elas otimizam a eficiência e a imagem da empresa, legitimando a sua apresentação ao mercado como agente da sustentabilidade.

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Em 2011, no Global Inovation Index, da INSEAD, que compara 125 países do mundo, o Brasil avançou 21 posições, passando, neste quesito, da 68ª para a 47ª posição. O ranking demonstra que a inovação tornou-se prioridade global em seis economias européias, duas asiáticas e duas norte-americanas no TOP 10. Se considerarmos a América Latina, ocupamos o terceiro lugar, ligeiramente abaixo do Chile (36) e da Costa Rica (45). Este ranking, organizado por uma das maiores escolas de negócio do mundo, foi realizado em parceria com a Organização Mundial de Propriedade Industrial (OMPI), agência especializada das Nações Unidas.

É importante notar que a posição brasileira sobe em meio a turbulências de grande monta na economia mundial. O ranking da INSEAD pode servir como ferramenta de benchmarking e para incentivar a cooperação público-privada em nosso país, tendo a inovação como questão central. Lembremos que é hora de considerar o surgimento da inovação de terceira geração, ou seja, aquela que integra e relaciona todas as políticas públicas, e não apenas moderniza o setor privado. Na esfera governamental é necessário encontrar formas ágeis de compartilhar resultados inovadores entre as diversas áreas de atuação; e na esfera empresarial, buscar uma articulação permanente da inovação com a sustentabilidade e com o empreendedorismo.

A adoção nas empresas de políticas de sustentabilidade faz parte de uma estratégia moderna e deve levar em conta seis parâmetros na fabricação de qualquer produto. A produção sustentável de um caminhão, de um eletrodoméstico ou de uma resma de papel terá que mostrar qual foi a redução do consumo de energia por unidade produzida, o corte nas emissões de gases-estufa, a diminuição no consumo de água e a redução de dejetos. A unidade se refere a uma unidade de produção de uma empresa, ou seja, um produto. Também há relação com a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) de um Estado ou país. Os outros dois indicadores são o aumento do número de patentes e o aumento da cobertura florestal.

Para que o Brasil possa influenciar a agenda ambiental mundial ele deverá dar um salto na inovação tecnológica. O fato de ter cobertura vegetal e riquezas naturais não vai nos garantir ser um país importante neste século, se não tivermos um diferencial significativo na inovação tecnológica. Nesse quesito, a despeito de recentes avanços, o Brasil vem perdendo para a China e a Índia.

Atualmente, o uso de indicadores sustentáveis é voluntário e as empresas escolhem o que querem divulgar em seus balanços. Essa tendência mudará. As novas regras do CONAR levarão toda empresa que se gabar de ser sustentável em suas peças publicitárias a provar quais os diferenciais que as tornam verdes.

O ambiente para inovação não depende apenas de governantes que adotem medidas periódicas de estímulo ao setor privado, nem de empresários com um perfil modernizador. Sem estabelecermos o peso de cada um dos fatores, recordemos aqueles os principais mencionados em vários estudos pertinentes. A lista é extensa, mas cabe

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reproduzi-la: Proteção da propriedade intelectual; estabilidade política do país; ambiente de regulamentação; quadro institucional; estabilidade macro-econômica; abertura ao investimento estrangeiro; regime fiscal; flexibilidade do mercado de trabalho inclusive na contratação de estrangeiros; abertura para influência de outras culturas; atitude proativa com relação ao avanço da ciência e acesso a financiamento dos investimentos.

Vários fatores podem tornar ainda mais favorável e estimulante o ambiente para a inovação no Brasil em prol da sustentabilidade. Podemos filtrá-los nas seguintes direções:

Adotar métricas de sustentabilidade claramente fixadas e que assegurem sua rigorosa verificação a todos os investidores, em especial aqueles que se beneficiem de recursos públicos

Valorizar nos currículos das escolas técnicas e das faculdades de engenharias os processos de inovação que almejam o desenvolvimento de produtos e processos redutores de GEE

Aprimorar os processos de registro de patentes no Brasil e elevar as compensações aos pesquisadores e inventores que obtém o registro de patentes para processos e produtos redutores de GEE.

A métrica do desenvolvimento

Outras formas de mensuração do desempenho das nações também vêm sendo experimentadas. Quando se trata de refletir sobre o futuro global, vemos que esses novos exercícios relativizam o peso do Produto Interno Bruto na caracterização do desenvolvimento. E podemos considerá-los cada vez mais orientadores na complexa leitura do nosso tempo.

Um conhecido ranking da revista The Economist mede o progresso de países pelo seu grau de inovação. É um dos conteúdos mais interessantes sobre a matéria, já divulgados naquele veículo. Tomemos, para breve comentário, suas projeções relativas ao ano de 2013. Japão, Suíça, Estados Unidos, Suécia e Finlândia permaneceram na liderança, mas a partir do universo abrangente daquele estudo, chamou a atenção o desempenho das nações emergentes, entre as quais o Brasil. O levantamento fornece tabelas com base em dados sobre patentes internacionais, insumos, resultados e ambiente favorável a projetos nesta linha.

Apesar de o Brasil ter melhorado sua colocação nas previsões para 2009/2013, em comparação ao período anterior, a China aumenta bem mais fortemente o desempenho, em contraste, sobretudo, com a pequena melhoria da Índia. O país comunista beneficia-se do ímpeto de sua expressão econômica, esforço concertado para melhoria da base tecnológica e investimentos em P&D muito superiores aos demais emergentes.

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Cabe lembrar, igualmente, a edição regular do Academic Ranking of World Universities, que reflete o interesse dos chineses em conhecer as instituições capazes de receber seus estudantes e inspirar avanços internos do ensino superior. Foi neste processo que a liderança daquele país decidiu investir, nos próximos dez anos, expressivos recursos adicionais nas Universidades de Peking e Tsinghua.

A China já é líder mundial no número de pessoas engajadas em ciência e tecnologia. Em 2005 representava 6% do número de artigos científicos publicados no mundo (1,6% em 1995), e agora é o quinto país na mesma escala. Os seus egressos do ensino superior formados em cursos de ciências e engenharia representam 40% do total, o que representa quase o dobro da média da OCDE, e muito acima dos 15% registrados nos Estados Unidos. Grande parte do investimento direto na China dirige-se a segmentos inovadores da indústria. Exige-se das empresas estrangeiras ali instaladas que montem laboratórios de pesquisa no país.

Um ranking ambiental

Se no ranking de avanço tecnológico aquele país asiático distinguiu-se notavelmente e situa-se bem à frente do Brasil, em outro estudo, focado na sustentabilidade ambiental invertem-se as posições. Tratemos aqui do Environmental Performance Index (EPI) – Rankings & Scores, da Yale University, coordenado pelo professor Daniel Esty.

O EPI identifica metas de performance ambiental amplamente aceitas e medidas relativas a proximidade de cada país com relação a cada uma destas metas. Como um indicador quantitativo de controle da poluição e de identificação de resultados da gestão dos recursos naturais, o índice fornece uma poderosa ferramenta para a melhoria das políticas sustentáveis e de aprimoramento da tomada de decisões com base em fundamentos analíticos mais sólidos.

A métrica do desenvolvimento, que ainda tem no PIB a sua referência decisiva, é também questionada pela Comissão Stiglitz-Sen, assim chamada porque tem à frente dois ganhadores do Prêmio Nobel, Joseph Stiglitz (2001) e Amartya Sen (1998). A “Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress” está revendo cálculos e parâmetros na avaliação das contabilidades nacionais. Busca um indicador que transcenda o PIB atual, não restrito aos números da produção, mas considerando igualmente o êxito de políticas públicas. Além de participar ativamente da Cúpula das Américas em abril do próximo ano e das reuniões do G-20, o Brasil sediará, no mês de junho de 2012, a Conferência Rio+20. Os três eventos são oportunidades para que o nosso país ingresse na vanguarda geopolítica dos temas ambientais. Na reunião do Rio de Janeiro a economia verde poderá se inserir no plano mais amplo da sustentabilidade e da erradicação da pobreza extrema. Supõe-se que haverá tempo suficiente para que este novo projeto social do governo brasileiro, ao qual não

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faltam métricas explícitas, venha a ser detalhado aos olhos de observadores estrangeiros e suscitem apoios não cogitados.

Cenários demográficos

Métrica não específica da sustentabilidade ambiental, mas presente nela e às vezes decisiva em todos os desafios contemporâneos, a demografia é a grande bússola para medir o futuro. Em 2011, o mundo chegou aos sete bilhões de habitantes. Para o final do século, vários cálculos, inclusive o que aponta redução populacional, estão circulando nos estudos pertinentes. A Organização das Nações Unidas adotou o critério de trabalhar com a hipótese média, 10 bilhões de habitantes em 2100. Para isso considerou um viés de alta que levaria o mundo à cifra explosiva de 15,8 bilhões de moradores, e um viés de baixa reduzindo o ritmo de queda populacional em todos os continentes (exceto a África). Este último, situando-se no patamar de 6,2 bilhões de indivíduos, seria inferior ao que atingimos no ano em curso. A média estimada pela ONU impõe todas as precauções lícitas, que incluem itens diversos, entre estes o controle da natalidade e a educação. Avultam, ainda, os esforços para garantir segurança alimentar e abastecimento de água às multidões vindouras. Todos os estudos defendem o encolhimento da população do mundo em que viverão os beneficiários das nossas preocupações ou as vítimas da nossa irresponsabilidade. E não basta simplesmente que se usem preservativos ou se estabeleça obrigatoriedade dos métodos contraceptivos. Embora o Brasil, nos últimos dez anos, tenha baixado a taxa de fecundidade, só em 2040 a população local vai efetivamente diminuir. Um especialista brasileiro em estudos populacionais, George Martine, deixou nos jornais uma advertência que serve de premissa para a adoção de métricas demográficas: “Planejamento familiar não tem efeito retroativo. Cerca de 80% do crescimento populacional projetado é inercial. Mesmo que a taxa de fecundidade caia abruptamente em todos os países, a população continuará crescendo por um bom tempo e temos que discutir como nos adaptar a essa nova realidade.”

Conclusão Quando se trata de fixar objetivos em projetos sustentáveis, a métrica não é aposta e muito menos declaração de intenções. Deve relacionar-se, nestes casos, a todas as variáveis que cercam o projeto. Depois, para medir os resultados, ela incorpora os mesmos fundamentos utilizados para fixá-las. A transparência deve ser um procedimento indeclinável. O mesmo se dá na composição e caracterização informativa de um produto. O desatrelamento entre crescimento econômico e uso dos recursos naturais é precondição para um futuro sustentável. Neste quadro, certas regras tácitas que priorizam o curto prazo, embora comuns e até seculares na rotina dos negócios, perdem completamente

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o sentido na verdadeira economia verde. Vive-se, finalmente, a transição entre a retórica documental e a métrica. A sustentabilidade percorreu longo caminho até ganhar uma nova identidade. Não é lícito anular esta conquista.

Referências Bibliográficas

BESSERMAN, Sérgio. A lacuna das informações ambientais. In “Meio Ambiente no século 21. Sextante, 2003.

Economist Intelligence Unit Report. Ranking of the World’s most Innovative Countries, abril, 2009. Disponível em: http://graphics.eiu.com/PDF/Innovation_Complete.pdf

Environmental Performance Index (EPI). Ranking & Scores. Yale University, 2010. Disponível em: http://epi.yale.edu.

GÓIS, Antônio. Muvuca planetária. Folha de S. Paulo, Ilustríssima, pgs. 4/5, 14 ago. 2011. MARCOVITCH, Jacques. 2006. Para Mudar o Futuro – Mudanças Climáticas, políticas

públicas e estratégias empresariais. Edusp/Saraiva.World Economic Fórum: http://www.weforum.org/ documents/gcr0809/index.html

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INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS BRASILEIRAS CAPAZES DE CONTRIBUIR PARA A REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE CO2 DOS VEÍCULOS AUTOMOTORES

Gleriani Torres Carbone Ferreira

1. Introdução

Este estudo se propõe a pesquisar inovações tecnológicas brasileiras capazes de reduzir as emissões de gases poluentes provocadas por veículos automotores. A Ideia central surgiu do questionamento quanto a motivação e capacidade das indústrias no desenvolvimento de soluções capazes de melhorar a eficiência energética e reduzir as emissões de gases poluentes para o atendimento das metas previstas no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, especificamente no que se refere ao setor de transportes. Partindo de um sentimento de inquietude quanto às inúmeras críticas que têm sido atribuídas ao uso dos veículos, busca-se conhecer a história recente das principais inovações da indústria automotiva brasileira, a frota nacional, a contribuição dos veículos automotores na poluição atmosférica e, principalmente, invenções brasileiras capazes de reduzir as emissões dos veículos automotores. De acordo com dados do Climate Leadership Group (2011), as cidades consomem mais de dois terços da energia do mundo e respondem por mais de 70% das emissões globais de CO2. Embora o 1º Inventário de Emissões Antrópicas de Gases de Efeito Estufa Diretos e Indiretos do Estado de São Paulo tenha demonstrado que a cidade responde por 33% do PIB nacional e emite apenas 6,5% das emissões totais do país, é preocupante o fato de ter havido 63% de aumento nas emissões de 1990 a 2008, sendo 10% de aumento somente nos últimos três anos. No ano de 2008, dentre as emissões do setor energético, os combustíveis derivados de petróleo foram responsáveis por 78% das emissões de CO2. Nesse contexto, amplia-se a importância das inovações incrementais capazes de baixar os índices de emissões de gases poluentes emitidos pelos veículos, justificando a relevância desse estudo pela forte influência dos transportes na discussão ambiental e por sua capacidade de alterar o conceito de mobilidade que, conforme Abramovay (2011), deve ser redesenhado para algo energeticamente mais eficiente do que duas toneladas de aço, vidro e borracha para transportar um ser humano por vias congestionadas. Para ilustrar, apresentamos duas inovações tecnológicas desenvolvidas por brasileiros em empresas transnacionais, cuja relevância dos benefícios sinaliza para a disseminação em outros países: a inovação estrutural no virabrequim da ThyssenKrupp e o sistema que elimina o reservatório de gasolina nos veículos flex-fuel, da Magneti Marelli.

2. Metas para a Indústria Automotiva

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No Brasil, a deficiência do transporte público tem favorecido a demanda por veículos e, por consequência, tem elevado a produtividade das montadoras instaladas no país que produziram 662 mil veículos em 1990, superaram a marca de 1.325.000 em 2000 e encerraram 2010 com novo recorde de mais de 3.287.000 veículos produzidos. Nestes anos, deve-se notar a melhoria na qualidade do produto final, bem como a tendência impressa pelos fabricantes que migraram rapidamente da produção de veículos movidos a gasolina e etanol para os motores bicombustível: enquanto em 2003 a produção de veículos flex-fuel representava apenas 2,6% do total, em 2006 já respondia por 59,7% e atingiu 87% do total produzido no país em 2009 (ANFAVEA, 2011). Do ponto de vista mercadológico, os fabricantes de automóveis estão sendo pressionados a oferecerem veículos que atendam aos limites toleráveis de GEE sob pena de ver seu produto receber sanções acumulativas em função do desempenho insatisfatório do ponto de vista ambiental. Alguns países da União Europeia já estão aplicando multas por cada grama de CO2 que ultrapassar o limite estabelecido, enquanto outros oferecem bônus para veículos preparados para receber combustíveis alternativos ou na troca de veículos antigos e poluidores por um veículo novo que atenda aos padrões atuais de emissões. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, Barack Obama encerrou décadas de inércia e lançou metas de redução das emissões para a indústria automotiva. Em julho de 2011, mostrou que a tolerância para as emissões será ainda menor a partir de 2025, quando 4,3 litros deverão ser suficientes para percorrer 100 km. Pode ser que esta medida cause desempregos e eleve o preço do veículo em aproximadamente dez mil dólares, mas por outro lado, o consumidor economizará com as despesas de combustível ao longo da vida do veículo, a economia americana será favorecida com a redução dos gastos com importação de petróleo, além do meio ambiente ficar livre de mais de seis bilhões de toneladas métricas de GEE ao longo da vida do programa, o que equivale às emissões provenientes dos Estados Unidos em 2010 ou o que a floresta Amazônica absorve em três anos. No Brasil, muitas inovações são incentivadas por medidas de controle e redução das emissões como a CONAMA nº 18, de 06/06/1986, que instituiu em caráter nacional, o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores – PROCONVE, com os objetivos de: a) reduzir os níveis de emissão de poluentes por veículos automotores visando o atendimento aos Padrões de Qualidade do Ar, especialmente nos centros urbanos; b) promover o desenvolvimento tecnológico nacional, tanto na engenharia automobilística, como também em métodos e equipamentos para ensaios e medições da emissão de poluentes; c) criar programas de inspeção e manutenção para veículos automotores em uso; d) promover a conscientização da população com relação à questão da poluição do ar por veículos automotores; e) estabelecer condições de avaliação dos resultados alcançados; f) promover a melhoria das características técnicas dos combustíveis líquidos, postos à

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disposição da frota nacional de veículos automotores, visando à redução de emissões poluidoras à atmosfera. Dada a complexidade desse programa que propõe fortes alterações num setor significativo e de grande abrangência como o automotivo, neste estudo veremos principalmente esforços para atendimento do primeiro objetivo: reduzir os níveis de emissão de poluentes por veículos automotores visando o atendimento aos Padrões de Qualidade do Ar, especialmente nos centros urbanos. Nesse sentido, o Proconve prevê que, a partir de 2013, veículos novos de carga e de passageiros (frota a diesel) terão que sair das fábricas emitindo 33% menos poluentes, em média. A partir de janeiro de 2014, a mesma medida passa a ser válida para os movidos a álcool e a gasolina. Assim, há de se notar que o processo mundial de criação de leis que estabelecem padrões máximos de emissões e que irão dificultar (ou impedir) a comercialização de veículos que não atendam os padrões estabelecidos, tem impulsionado a indústria automotiva mundial à pesquisar, em primeiro lugar, inovações capazes de reduzir as emissões de gases poluentes. Como normalmente ocorre em programas de controle e redução das emissões, o alcance das metas depende do envolvimento da comunidade acadêmica, da indústria, do governo e da sociedade.

2.1 - Brasil: País do Pró-Álcool e do Flex-fuel

Embora a maior preocupação daquele momento fosse preparar uma resposta à crise do petróleo, a criação do programa governamental Pró-Álcool nos anos 80, apresentou uma resposta ecológica com o uso de um combustível renovável e menos poluente. Entretanto, com a desvantagem de que a escolha sobre o tipo de combustível era uma decisão que deveria ser tomada no momento da aquisição do veículo, sem possibilidade de alteração em função de questões mercadológicas como a oferta e demanda da cana-de-açúcar ou condições climáticas já que havia redução no desempenho em baixas temperaturas. Ainda assim, os veículos movidos por motor a álcool foram bem aceitos e chegaram a representar 90% do total comercializado. Além do entendimento de que o excesso de demanda causou a falta do álcool, levou ao retorno da gasolina e obrigou a indústria a estudar uma possível miscibilidade no combustível Eduardo Campos, que trabalha na Magneti Marelli há 34 anos, conta que a história do combustível flex-fuel teve inicio com a observação do comportamento de consumidores que misturavam álcool com gasolina para economizar no abastecimento. O processo se dava por experimentação onde, considerando um tanque de combustível com capacidade para 50 litros, o consumidor abastecia 40 litros de gasolina e 10 litros de álcool. Obtendo bom desempenho, no próximo abastecimento, utilizava 30 litros de gasolina e 20 de álcool. Prosseguia dessa maneira até encontrar uma combinação em

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que não obtivesse sucesso. Neste momento, era conhecido o limite da tolerância do veículo. A Magneti Marelli observou esse comportamento e começou seus testes a fim de conhecer a faixa de tolerância da Unidade Eletrônica de Comando – ECU para a combinação do álcool com a gasolina. Depois de saber que até 10% de álcool é transparente para o motor, os esforços foram voltados no sentido de aumentar essa faixa de tolerância até 100% para criar o veículo flex-fuel. Através de um software alimentado com dados provenientes de um sensor que determina os componentes na mistura do combustível, ajustando o motor para a situação de funcionamento ideal independente da situação a que o consumidor expusesse o carro, a decisão quanto a escolha do combustível passou a ser tomada no momento do abastecimento. Mais tarde, a tecnologia tetra-fuel também foi uma grande inovação tecnológica da Magneti Marelli do Brasil cujo conceito foi criar um motor capaz de responder à quatro combustíveis: gasolina pura, gasolina brasileira chamada de E22 porque contém 22% de álcool, o álcool e o gás natural veicular (GNV). Com esta tecnologia a Magneti Marelli comemorou, não só a indicação, mas também o recebimento do prêmio Pace Award, que é o Oscar da indústria automotiva, se tornando a primeira indústria da América Latina a recebê-lo. Atualmente, a Magneti Marelli do Brasil é a unidade-referência da empresa para todos os estudos e pesquisas relacionados à miscibilidade e combustíveis alternativos. A indústria automotiva brasileira ganhou visibilidade com o desenvolvimento do carro flex-fuel que destacou o Brasil como centro de referência internacional em estudos de miscibilidade de combustíveis (Teixeira, 2005), principalmente por se tratar de uma inovação radical, aquela que representa uma ruptura estrutural com o padrão tecnológico anterior, originando novas indústrias, setores ou mercados (Melo & Leitão, 2010). Atualmente, o setor desfruta de credibilidade junto aos players mundiais por ser um importante mercado consumidor e apresentar possibilidades reais de crescimento, mas também por reunir profissionais capacitados e notáveis inovações de produtos e processos, fruto de parcerias de sucesso com institutos de pesquisa e universidades. Soluções tecnológicas para a miscibilidade de combustíveis nos motores e para a produção dos combustíveis alternativos são necessárias porque, de acordo Abramovay (2011), nos próximos 30 anos o mundo vai enfrentar dois desafios civilizacionais inéditos: o primeiro é o pico do petróleo no momento em que sua exploração entrará em declínio terminal e, o segundo, mais grave, refere-se ao fato de que as emissões de gases de efeito estufa devem iniciar trajetória seriamente declinante ainda na atual década. Em se tratando da análise do balanço energético (resultado da comparação entre a energia renovável gerada com a energia fóssil utilizada para produzi-la), o resultado do etanol brasileiro de cana é aproximadamente quatro vezes melhor que o do etanol proveniente da beterraba e do trigo, produzido principalmente na Europa, e quase cinco vezes superior ao balanço do etanol de milho, produzido nos Estados Unidos. Em se tratando de produtividade, o resultado obtido com o etanol de cana de açúcar é de 7,5 mil

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litros por hectare, enquanto a beterraba oferece 5,5 mil litros por hectare e o milho, 3,5 mil litros por hectare. Entretanto, o uso de combustíveis mais limpos ainda esbarra em questões políticas e econômicas, tanto que, em diversos períodos do ano, o consumidor brasileiro opta pela gasolina em função da alta do preço do etanol que é vulnerável à oferta e demanda da matéria-prima. A matriz da oferta e da procura também está aproximando os setores de energia e de alimentos dada a capacidade de converter grãos em etanol. Essa aproximação passa a ser negativa no momento em que o valor do grão usado para gerar energia superar seu valor como alimento. Lester Brown (2009) lembra que o Banco Mundial atribui o grande aumento de preço dos cereais, ocorrido entre 2006 e 2008, ao intenso uso de grãos para a produção de combustível para carro. Embora pouco milho seja consumido in natura, quantidades enormes são consumidas em produtos como leite, ovos, queijo, carne de frango, presunto, carne moída, sorvetes e iogurte. Mas os grãos devem ser usados para mover automóveis ou alimentar pessoas? Para Brown (2009) a única solução é aumentar em 20% os padrões de eficiência do motor dos automóveis. Assim sendo, razões financeiras, políticas e sociais impulsionam inovações tecnológicas capazes de melhorar a eficiência energética e alterar radicalmente a maneira como se faz a gestão da energia no mundo contemporâneo com o objetivo de gastar menos combustível ou queimar melhor.

2.2 - Inovações Tecnológicas na Indústria Automotiva

Da mesma forma que as montadoras investem em pesquisas na tentativa de melhorar o desempenho de algum item do veículo, os fabricantes de peças automotivas também se esforçam no desenvolvimento de inovações que possam ser oferecidas aos seus clientes – as montadoras. Nesse sentido, podem surgir melhoramentos significativos nas características funcionais ou de uso dos bens e serviços existentes, seja por meio de mudanças em materiais, componentes ou outras características que aprimoram seu desempenho. Certamente as montadoras podem direcionar seus esforços sob diferentes aspectos, mas facilmente somos levados a pensar somente em novos periféricos, mudança na potência do motor, na parte elétrica ou na transmissão. Entretanto, a criação de matérias-primas mais leves e estudos aerodinâmicos também influenciam fortemente o desempenho do veículo, o consumo de combustível e, por consequência suas emissões. Há poucos anos, assistimos a indústria de embalagens passar a produzir as garrafas PET em larga escala para substituir aquelas fabricadas com vidro, e os fabricantes de refrigerantes trabalharem para alterar a rotina dos consumidores habituados com o uso de vasilhames. Isso foi conseguido, porém, atualmente estas mesmas indústrias estão retornando à Ideia original, principalmente, por motivações ambientais. Da mesma forma, as

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montadoras ofereceram veículos com quatro portas e obtiveram plena aceitação dos consumidores, mas atualmente, estão retornando ao padrão anterior por verificar que as portas traseiras significam peso e defasagem no desempenho do veículo. Por outro lado, muitos fabricantes de peças automotivas inovam para que o veículo seja capaz de oferecer um número maior de atrativos em relação à concorrência. Neste sentido, inovações no design interno ou externo, bem como melhoria no conforto e dirigibilidade, são facilmente reconhecidas pelo consumidor. Porém, esse processo de reconhecimento é mais complexo quando se trata de inovações tecnológicas no sistema operacional do veículo. Isso ocorre porque o consumidor não está diante da decisão de compra de um sistema de injeção eletrônica e, muitas vezes, não tem conhecimento técnico sobre esse item, embora seja determinante para o desempenho do produto final. Para os engenheiros Ricardo Cardoso e Luis Galli, da ThyssenKrupp, o sucesso de uma inovação está associada ao pleno atendimento de três condições: a) possuir design atraente para o consumidor ou ser funcional para o conjunto do veículo; b) ser flexível para sofrer ajustes que variam entre montadoras e modelos de veículos; c) oferecer durabilidade adequada. O design e a funcionalidade que tratam dos itens que são expostos ao contato direto do usuário do veículo, seja o motorista ou os passageiros, deverão ser atraentes de acordo com o perfil do consumidor que se pretende atingir e o posicionamento pretendido pela montadora. No caso do Fox, os dezessete porta-objetos agradam as mulheres (conforme previsto), mas também os homens que não associaram o veículo ao público feminino. Nesse sentido, itens como espaço interno e potência do motor também podem ser relevantes. A flexibilidade para sofrer ajuste é essencial para que a inovação possa ser adaptada em diversos modelos e montadoras, sendo representada por melhoramentos significativos em especificações técnicas, componentes, materiais, softwares incorporados, facilidade de uso ou outras características funcionais. Finalmente, a durabilidade deve ser planejada para atender não só o prazo estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor, mas também a expectativa de qualidade definida pela montadora que, muitas vezes, segue uma tendência mercadológica. Possivelmente, a chegada de montadoras chinesas dispostas a ganhar uma fatia do mercado brasileiro oferecendo seis anos de garantia com o objetivo de melhorar a imagem do país de origem no que diz respeito a qualidade dos seus produtos, seja capaz de alterar o prazo de garantia dos veículos comercializados por aqui (que geralmente é de um à três anos), não por imposição legal, mas por disputa de mercado. Confirmando uma questão já identificada pelo IBGE, de que muitas inovações se tornam viáveis a partir da parceria entre a empresa geradora da inovação e outra que a utilizará em seus processos ou a colocará em produção, esse estudo reforça a importância da parceria entre as montadoras e os fabricantes de peças automotivas. Embora não se trate de inovações radicais, aquelas que causam algum impacto significativo em um

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mercado e na atividade econômica das empresas nesse mercado, inovações brasileiras têm sido capazes de contribuir para a melhoria da performance dos veículos sob diferentes pontos de vista. Nesse contexto, onde a indústria automotiva busca inspiração tecnológica para economizar combustível e/ou melhorar a qualidade da queima, apresentamos estudos de caso do virabrequim de alta performance e do sistema que elimina o reservatório de gasolina dos veículos flex-fuel. Duas inovações brasileiras capazes de contribuir para o alcance da meta de redução das emissões de gases poluentes publicada no Plano Nacional sobre Mudança do Clima, de incentivar o uso eficiente dos derivados de petróleo e do gás natural com ações diretas junto aos setores de transporte de carga, passageiros e combustíveis, colaborando para a premissa de que “não há energia mais barata e ambientalmente mais sustentável do que a energia economizada”.

3. Estudos de Caso

A escolha dos casos seguiu duas condições previamente estabelecidas: a) deveria ser uma inovação tecnológica capaz de reduzir as emissões de gases poluentes; b) a inovação deveria ter sido desenvolvida no Brasil. Diversas inovações foram consultadas a fim de proporcionar oportunidade de escolha e por considerar que poderia haver negativa por parte da empresa sendo que as duas inovações escolhidas justificam-se pela relevância de sua inovação em âmbito mundial e por terem oferecido amplo canal de discussão para os estudos. Além de conhecer uma inovação brasileira da indústria automotiva, esse estudo busca entender como ocorreu a motivação e o processo de criação. Nesse sentido partimos de três hipóteses: i) a inovação teria sido motivada pela necessidade de reduzir custos do produto final; ii) por representar um valor ao cliente; iii) pela busca por reduções nas emissões de poluentes.

3.1 - ThyssenKrupp

O grupo ThyssenKrupp Forging Group, formado pelas empresas ThyssenKrupp Crankshaft Company, ThyssenKrupp Gerlach e ThyssenKrupp Metalúrgica Campo Limpo, produz uma ampla variedade de virabrequins e componentes de motores, transmissão e suspensão forjados e usinados, prontos para instalação. As plantas produtivas do grupo estão distribuídas da seguinte forma: uma nos Estados Unidos, uma na Índia, uma na China e uma no México, além de duas plantas na Alemanha e duas no Brasil, sendo uma na cidade de Santa Luzia – Minas Gerais e outra em Campo Limpo Paulista – São Paulo. Neste estudo nos dedicamos à área de P&D e inovação localizada na planta de Campo Limpo Paulista que possui uma área total de 1.600.000m2 e 116.000m2 de área construída, com aproximadamente 3200 funcionários.

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Em 2003, a ThyssenKrupp concluiu que seria importante criar um centro de pesquisa com a finalidade de reunir o conhecimento acumulado sobre virabrequins, já que cada unidade tinha sua própria expertise, porém, não compartilhada. Sobre a escolha do local para este centro, pesou o fato do país possuir a maior planta dentre todas as unidades, além de uma moeda relativamente estável e em patamar acessível. Entretanto a natureza flexível e a excelência nas competências foram essenciais para a instalação do setor de Desenvolvimento de Engenharia Avançada no Brasil. O setor que foi visitado em duas oportunidades para o desenvolvimento desta pesquisa, está situado em Campo Limpo Paulista é formado por um time de quatorze profissionais altamente especializados com titulação que alcança até o nível de pós-doutoramento. A opção de contar com um time pequeno é justificada pela extrema necessidade de alinhamento das Ideias e linhas de pesquisa, além do extremo cuidado com o fluxo de informações por se tratar de segredos industriais, ora fruto de suas próprias pesquisas e projetos, ora fruto do projeto de alguma montadora. Normalmente, a tarefa de descrever a inovação a ser patenteada não é atribuída aos inventores por ser tratar de um processo extremamente delicado e estratégico. Escritórios especializados na prestação dos serviços de escrita e condução do registro de patentes possuem equipes de advogados e profissionais técnicos de diversas áreas, especializados em descrever a inovação com certa margem de proteção, ou seja, resguardando detalhes, porém, oferecendo proteção às suas características fundamentais. A ThyssenKrupp já possui uma rede de prestadores de serviços, bem como conhecimento das rotinas e práticas para cada processo de registro de patente nos mercados americano e europeu, o que justifica a preferência por realizá-los fora do Brasil mesmo quando se trata de uma inovação brasileira como o produto tratado nesta pesquisa. O know-how adquirido favorece a brevidade do processo que, em média, demanda seis meses de elaboração da solicitação de patente. Em seguida, a comunicação de patente fica exposta publicamente durante o período de três anos a fim de oferecer oportunidade para que haja reclamação de plágio. Decorrido este prazo e não havendo nenhuma contrariedade, a patente será registrada. Embora esse processo ocorra junto ao escritório central de patentes para o mercado americano, destaca-se a importância de estender a cobertura para todos os países onde a empresa opera ou pretende operar. A inovação tratada neste estudo recebeu o nome de “Crank Drive”, foi registrada no ano de 2007 e obteve o registro definitivo em 04 de agosto de 2010, sob o número US 2010/0083791 A1.

3.2 - Surgimento da inovação

O setor de Desenvolvimento de Engenharia Avançada da ThyssenKrupp trabalha com 2 focos. O primeiro é o desenvolvimento alinhado a projetos de montadoras almejando

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a satisfação do cliente atrelada ao projeto especifico. Neste caso, a relação deixa de ser entre fornecedor e cliente e passa a ser de parceiros para o desenvolvimento de um produto com o qual ambos terão benefícios já que se estabelece um contrato de fornecimento exclusivo daquela peça. O segundo foco trata das tendências onde todos os esforços relacionados à P&D são voltados para criar soluções a partir de suas próprias ideias. Buscando alinhamento com as tendências tecnológicas futuras, o departamento pesquisa e desenvolve conceitos que circundam o desempenho dos seus produtos, inclusive, analisando-os criticamente a partir do entendimento de que eles podem ser melhorados e/ou substituídos. Neste caso é possível observar maior poder de penetração de uma inovação completamente desenvolvida por sua equipe. Considerando o cenário atual onde o crescimento da economia mundial se apóia em ganhos crescentes de eficiência energética, já que cada unidade de PIB é obtida com uso cada vez menor de energia e materiais, a eficiência energética deve ocupar o centro das discussões sobre inovação tecnológica. Reforçando a importância desse tema, de um modo geral, as montadoras estão dispostas a pagar até dez euros a mais para cada quilo que é reduzido no peso do produto que compõe seu veículo, seja de passeio ou de carga. Nesse cenário, o virabrequim tem sido alvo de muitos estudos para melhoria de design e desempenho, exatamente por ser uma peça pesada e volumosa. Grandes resultados já foram alcançados, pois, se há alguns anos, eram necessários 12 contrapesos para 6 cilindros, atualmente apenas 8 contrapesos desempenham o mesmo trabalho com, aproximadamente, 15% de redução no peso do bloco. Se já é desafiador criar inovações no seu setor de atuação, inovar no mercado do seu cliente é uma tarefa ainda mais complexa. Na inovação apresentada neste estudo, os inventores da ThyssenKrupp foram capazes de associar o conhecimento técnico sobre a fabricação de virabrequins às condições mercadológicas do setor automotivo de veículos e de caminhões. Ou seja, observaram e identificaram as possibilidades de inovação tendo em vista as tendências desses dois mercados distintos onde os veículos tendem a se tornar mais compactos e leves, ao passo que os caminhões devem oferecer cada vez mais capacidade de carga.

3.3 - Virabrequim de Alta Performance

A inovação em questão é o resultado do trabalho em conjunto de quatro brasileiros: Sergio Stefano Guerreiro, Luis Antonio Fonseca Galli, Walter Tavares de Oliveira e Alex de Souza Rodrigues, funcionários da ThyssenKrupp. Sérgio Stefano Guerreiro é graduado em Engenharia de Produção-Mecânica, Mestre em Ciências Nucleares e Doutor em Engenharia dos Materiais, com experiência na área de Engenharia de Desenvolvimento de Materiais, Metalúrgica Física e Processos Produtivos.

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Luis Antonio Fonseca Galli é Engenheiro Mecânico, Mestre em Mecânica Computacional com especialização em Gestão da Inovação Estratégica. Juntos, também desenvolveram uma outra patente a respeito de um atuador rotativo para entrada e arranjo de válvulas de escape em um motor de combustão interna. Os outros dois inventores, Walter Tavares de Oliveira e Alex de Souza Rodrigues, também são funcionários da área de desenvolvimento. A invenção se refere a um dispositivo que compreende um eixo de manivela (100) e pelo menos uma biela (200) tendo uma grande extremidade (202) montada em um pino de manivela (102) do virabrequim. O pino de manivela (102) e o final (201) da biela (200) compreendem superfícies de deslizamento (108, 202) que estão em contato próximo um ao outro em uma área de carga que levam as forças que atuam entre o final (201) da biela e manivela (102) quando o dispositivo é operado. De acordo com a invenção, a superfície de deslizamento (108) e o pino de manivela (102) possuem perfil côncavo com a extremidade (201) apresentando um perfil convexo. (Figura 1).

Figura 1: Desenho do novo tipo de virabrequim

Fonte: Patente US 2010/0083791 A1

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A gota de óleo apresentada no destaque superior indica melhoria da lubrificação com base em um efeito de bomba de óleo que ocorre quando a unidade de manivela é operada. Assim, o objeto da invenção é capaz de otimizar o contorno da superfície de deslizamento do pino de manivela e a grande extremidade final da biela melhorando a resistência à fadiga do virabrequim e a vida útil do dispositivo, mantendo o processo de produção simples.

Figura 2: Desenho do novo tipo de virabrequim com destaque para as partes abauladas

(A) Padrão atual (B) Inovação

Fonte: Patente US 2010/0083791 A1

A partir de um olhar comparativo sobre a figura 2(A) que retrata o padrão atual e a figura 2(B) que ilustra a invenção, pode-ser perceber o princípio básico da inovação onde a superfície de apoio compreende uma curva de progressão constante, com uma curvatura côncava. A curvatura que tem basicamente o perfil de um arco circular é o fator chave para a resistência à fadiga do virabrequim.

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Para manter o consumo de combustível em níveis mais baixos e otimizar o desempenho do veículo, as perdas por atrito mecânico nos respectivos componentes do motor devem ser reduzidas a um mínimo. O que deve ser alcançado com a redução dos tamanhos de mancais em virabrequins forjados. Como os mancais dos virabrequins ficam em contato direto com os mancais de fricção das bielas e com as bases dos mancais, mancais menores reduzem as superfícies de contato e, dessa forma, diminuem o atrito. Entretanto, os mancais com laterais menores também reduzem a força e a robustez do virabrequim. Esses pontos fracos podem ser compensados usando-se materiais e processos de produção alternativos. Também é possível modificar a geometria do braço de manivela de acordo com as tensões, fortalecendo assim o virabrequim como um todo. Independentemente do tipo de abordagem adotado para a otimização, deve-se assegurar que o virabrequim realize sua função no mecanismo de acionamento da manivela como um todo, bem como que satisfaça aos critérios do motor em relação a desempenho, consumo de combustível e acústica. Aspectos dinâmicos como vibração torcional e forças nos mancais também são levados em consideração no processo de otimização de um virabrequim. As tendências atuais de desenvolvimento indicam que os virabrequins forjados oferecem a oportunidade ideal para reduzir os tamanhos dos mancais, tendo em vista as excepcionais propriedades mecânicas do material. Considerando que atualmente há uma demanda por soluções capazes de melhorar o desempenho do motor e diminuir o nível de emissões, esta inovação se apresenta extremamente alinhada às tendências e valores atuais por otimizar o peso do virabrequim, reduzir o campo de atrito com o pistão e resultar em ganho de força com menor esforço.

3.4 - Mensuração dos resultados

Atualmente a inovação está em processo de análise e negociação junto às montadoras, mas os inventores acreditam que esse novo tipo de virabrequim se tornará uma referência para veículos em todo o mundo, principalmente por estarmos tratando de uma peça que não é sensível às variações ambientais. Sobre esse assunto, vale esclarecer que as montadoras adaptam diversas partes do veículo para adequá-lo a cada mercado. Por exemplo, o mercado brasileiro exige suspensão mais resistente em função da precariedade das ruas e estradas, enquanto o air-bag é um item obrigatório nos veículos destinados ao mercado americano e sistemas eficientes de aquecimento são necessários para o Canadá que sofre com rigoroso inverno durante vários meses do ano. Entretanto, o virabrequim é um item que não demanda adaptação em função do país de destino do veículo. A única adaptação necessária será um ajuste na Unidade de Controle Eletrônica – ECU, para que seja possível alcançar melhor performance em função dos diferentes tipos de combustível, características técnicas do motor, dimensões e capacidade

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de carga do veículo. Portanto, assim como já ocorre com diversos itens, a ThyssenKrupp poderá produzi-lo no Brasil e depois exportá-lo para diversos países. Essa estratégia é viável diante da oferta de matéria-prima existente no país e da possibilidade de aproveitamento da capacidade instalada. O novo virabrequim é altamente indicado para motores pesados por ser capaz de oferecer maior capacidade de força sem que haja aumento no consumo de combustível na mesma proporção. Para a indústria de veículos de passeio, os benefícios serão traduzidos em ganho de eficiência energética proporcionada pela redução no peso, conforme estudos preliminares que apontam para um ganho de 5 a 10% no peso do virabrequim, além da possibilidade de seguir a tendência mundial de veículos com design compacto, já que há diminuição no tamanho do bloco do motor. Além disso, testes desenvolvidos em motores a diesel de quatro cilindros para veículo de passageiros, mostraram sucesso na redução do peso da parte não usinada em 12% pela otimização da geometria do braço de manivela.

3.5 - Magneti Marelli

Fundada na Itália em 1919, a Magneti Marelli desenvolve e produz sistemas e componentes de alta tecnologia para a indústria automotiva. Com 32 mil colaboradores em 77 unidades produtivas, 11 centros de P&D e 26 centros de aplicações em 18 países, o Grupo fornece para as principais montadoras da Europa, das Américas e da Ásia. Sendo um dos principais fabricantes de sistemas e componentes automotivos no mundo, está presente no Brasil desde 1978 e ao longo destes anos têm contribuído de forma significativa para o desenvolvimento da indústria automobilística nacional, desenvolvendo tecnologias que mudaram o rumo da história no segmento. São 13 fábricas espalhadas na região Sudeste do país, cinco centros de Pesquisa e Desenvolvimento e mais de oito mil colaboradores. O mercado brasileiro é um dos mais importantes para a companhia com sede em Corbetta, na Itália tanto que, o Brasil, é o único país, além da Itália, onde o Grupo Magneti Marelli mantém todas as suas linhas de negócios, além de Centro de Pesquisa e Desenvolvimento. A Magneti Marelli escolheu o Brasil para sediar sua primeira fábrica ecologicamente correta, que se tornou a primeira fábrica de peças automotivas a seguir o padrão green building no Brasil. Trata-se da fábrica de Hortolândia, região de Campinas, visitada para o desenvolvimento deste estudo. A construção não utilizou amianto, o sistema que capta a água da chuva para abastecer o processo industrial garante 20% de redução no consumo de água, o sistema de iluminação com clarabóias e lâmpadas fluorescentes garante a economia de até 50% no consumo de energia, o modelo do teto proporciona maior isolamento térmico e acústico e, para compensar o gás carbônico emitido na atmosfera

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durante as obras, a empresa desenvolveu um programa de replantio de árvores ao redor do Complexo Magneti Marelli na cidade. Com um auditório com capacidade para receber até 150 pessoas, espaço para eventos e demonstração de produtos, o Centro Tecnológico de Hortolândia está subdividido em três principais atividades: a) gestão de produtos e design para o desenvolvimento de materiais; b) Laboratório de Prototipagem e Viabilidade que abriga equipamentos para choque térmico, controle do fluxo de ar, controle do fluxo de injeção, dispositivos de vibração e dispositivos de prototipagem, além de realizar testes de validação, testes de viabilidade, a personalização de produtos e a produção de protótipos; c) Laboratórios de Calibração e manutenção de veículos: realizam ensaios estáticos e dinâmicos com dinamômetros, dispositivos de controle de emissões e câmaras térmicas (quente e fria). Todas as unidades da Magneti Marelli estão certificadas com a versão mais recente da norma TS 16949 que é uma norma automotiva mundial que define requisitos de qualidade, alinhando todas as definições automotivas já existentes, baseadas na ISO 9001:2000, AVSQ (Itália), EAQF (França), QS-9000 (Estados Unidos) e VDA 6.1 (Alemanha). Além disso, também possuem certificação pela versão mais recente da ISO 14001, o que proporciona benefícios como maior credibilidade no mercado, melhor qualidade e eficiência na produção. Em 2011, a Magneti Marelli concluiu o processo de certificação de todas as suas unidades brasileiras, pela última versão da OHSAS 18001, norma que salienta a importância de se trabalhar em um ambiente seguro e saudável. Como exemplo podemos citar a atividade de fundição que sempre esteve associada a péssimas condições de trabalho com exposição intensa a altas temperaturas, poluição e alto risco de acidentes. Porém, na Magneti Marelli a área de fundição está inserida próxima a outras atividades produtivas exatamente porque não há qualquer sinal de poluição ou fumaça, tanto que os funcionários vestem-se com uniformes brancos. Além disso, o maquinário de alta tecnologia reduz o risco de acidentes porque os movimentos mais perigosos são desenvolvidos por braços mecânicos.

3.6 - Surgimento da inovação

Em linhas gerais, as inovações desenvolvidas pela Magneti Marelli no Brasil são resultado de encomendas das montadoras. Entretanto a empresa também inova a partir de suas próprias experiências e parcerias. Foi assim que surgiu a primeira galeria de combustível de plástico. Essa solução foi importante tendo em vista o alto custo do inox e a intolerância do alumínio ao contato com o álcool cujo problema poderia ser resolvido com tratamento, mas não sem arcar com elevado custo. Assim, em conjunto com a Rhodia, a Magneti Marelli desenvolveu a galeria de combustível de plástico que também é uma patente brasileira e já está disseminada em âmbito internacional.

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O sucesso do uso do plástico motivou estudos para o desenvolvimento do injetor de plástico batizado de Pico Eco. Com materiais atomizados especialmente para o funcionamento de motores multicombustíveis, esse produto é capaz de melhorar a pulverização do combustível no ato da injeção, melhorar a queima, o consumo e as emissões do motor conseguindo uma resposta mais ágil e melhor controle de dosagem. Depois da ECU, componente responsável pelo gerenciamento de combustível nos motores bicombustíveis, o novo injetor é o item que possui maior conteúdo tecnológico desenvolvido pela empresa e o que mais contribui na preparação da mistura ar-combustível nos novos motores. Em se tratando do veículo flex-fuel, a primeira versão de sistema flexível apareceu nos Estados Unidos em 1991, mas incluía o uso de um sensor físico para analisar o combustível que encarecia o preço do veículo. Em 2003, essa tecnologia passou a ser realidade graças aos engenheiros da Magneti Marelli do Brasil que desenvolveram a inovadora tecnologia SFS – Software Flexfuel Sensor que permite abastecer o carro com gasolina, álcool ou uma mistura dos dois combustíveis. Rapidamente difundido no exterior, o SFS é um poderoso software de cálculo posicionado no módulo de injeção eletrônica que identifica e dosa a combinação de etanol e gasolina no tanque, usando as informações recebidas dos sensores do sistema de controle de motor e da sonda Lambda, sobre as temperaturas do motor, velocidade, rotação e sensores de detonação, determinando o instante ideal da ignição. Agora, a equipe de P&D da unidade industrial de Hortolândia lança a tecnologia batizada de Flex 3ª Geração que é composta por uma versão atualizada do tradicional SFS, os injetores de combustível Pico Eco e o sistema de partida a frio ECS – Ethanol Cold System que elimina a necessidade de gasolina na partida, detalhado a seguir.

3.7 - ECS: o fim do reservatório de gasolina

Embora com inúmeras vantagens econômicas e ambientais, o veículo flex-fuel tem a desvantagem de depender de um reservatório de gasolina para garantir a partida em temperaturas inferiores a 15 graus. Além do risco explosão ou vazamentos, existe o inconveniente da necessidade de reabastecimento periódico sob pena de que a falta de gasolina provoque sérios danos ao veículo. Por último, o sistema apresenta elevado índice de emissões causadas durante os vinte segundos da partida e pós-partida. Com o principal objetivo de contribuir para o cumprimento da meta de redução das emissões de gases poluentes, o engenheiro Eduardo Augusto de Campos desenvolveu o sistema chamado de ECS – Ethanol Cold System cuja complexidade está relacionada à grande faixa de temperatura em que o veículo é exposto, variando desde cinco graus negativos até quarenta e dois graus positivos, com o sistema de partida devendo responder satisfatoriamente em todas as situações. Durante a fase de estudos, são realizados diversos

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testes in loco em regiões com diferentes temperaturas para avaliar o desempenho do sistema, cujo depósito da patente ocorreu em 20/07/2004 com publicação em 01/08/2006 sob o número PI 0403039-7, conforme descrição abaixo:

Figura 3: Esquema do ECS – Ethanol Cold System

Fonte: Patente 0403039-7

O “sistema de partida a frio sem gasolina para motores funcionantes a álcool”

compreende uma derivação da galeria de combustível (1), onde numa de suas extremidades há uma entrada de combustível (2), e no lado oposto uma derivação da linha de combustível (3), o qual se conecta a um dispositivo de controle de vazão ou fluxo auxiliar de partida a frio (4); num fluxo controlado em seguida entra num dispositivo de aquecimento de combustível (5), após o aquecimento o combustível é conduzido ao motor através do sistema de dutos (6) para o motor, distribuindo de forma uniforme para os seus cilindros; o acionamento do aquecimento do dispositivo de aquecimento de combustível (3) pode ser feito sob o gerenciamento da Unidade Eletrônica de Comando (7), a qual pode receber sinal

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proveniente de um switch (8) instalado na porta do veículo, ou outro tipo de sinal, que informa à Unidade Eletrônica de Comando que o veículo será ligado e, portanto, inicia-se o processo de aquecimento controlado no combustível. Além da patente PI 0403039-7, outras duas derivações do sistema também estão patenteadas sendo a PI 0405181-5 que trata de um sistema de partida a frio sem gasolina para motores funcionantes a álcool, provido de dispositivo de aquecimento individualizado para cada cilindro e a PI 0405182-3 que trata de aquecimento individualizado para um par de cilindros. Com larga experiência sobre o setor automotivo do Brasil e vivência internacional, o engenheiro Eduardo Campos ressalta que as montadoras não estão dispostas a assumir custos mais elevados mesmo em se tratando de peças capazes de reduzir as emissões de GEE. Sendo assim, normalmente, inovações aguardam o lançamento de novos veículos (e não somente de novas versões de veículos já conhecidos) para que sejam incorporadas no custo de desenvolvimento do produto.

3.8 - Mensuração dos resultados

As novas diretrizes governamentais vindas de diversas partes do mundo têm demonstrado que as inovações da Magneti Marelli estão alinhadas com as tendências do setor por visarem: i) a redução das emissões; ii) a redução no consumo de combustível; iii) a produção a partir de processos que não agridem o meio ambiente. A contribuição que os injetores de combustível são capazes de trazer para o meio ambiente é a redução de até 3% no consumo de combustível, a redução de 5% nas emissões de CO, HC, Nox e CO2 dos veículos automotores e 15% de redução dos HC (hidrocarbonetos), em velocidades constantes. Entretanto, esses valores serão aumentados nos veículos que reunirem todos os componentes da chamada tecnologia Flex 3ª Geração. A fábrica de Hortolândia está operando com sua plena capacidade para produzir 13,5 milhões de injetores por ano, sendo que 20% desse volume são destinados à exportação para os Estados Unidos e Europa e 80% abastecem todos os veículos da Ford e alguns modelos da Fiat, como Novo Uno, Idea, Palio, Punto, Siena, Doblo e Línea. Finalizando, vale comentar que a Magneti Marelli do Brasil continua recebendo investimentos e uma nova fábrica ecologicamente correta deverá garantir a expansão da produção e o lançamento de novas soluções para equipar o veículo do futuro.

4. Conclusão

Relembrando Porter (1989), a prosperidade de um país não deriva de suas riquezas naturais, do número de trabalhadores ou do valor da moeda, mas sim da capacidade de seus setores industriais para inovar e modernizar. Assim, o Brasil não deve esperar que seus recursos naturais sejam suficientes para garantir a prosperidade, debruçando-se na

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exploração indiscriminada, no comodismo de exportar produtos sem valor agregado e permanecendo carente de um plano de zoneamento fundamentado na aptidão agrícola de cada área.

É legítimo acreditar nos benefícios do pré-sal e de sediar eventos esportivos de magnitude internacional, mas serão insuficientes para garantir o pleno desenvolvimento do país. Mais do que sentir orgulho da Amazônia, da riqueza das reservas minerais, da extensão dos rios e da diversidade da fauna e da flora, a sociedade deve reconhecer a importância da preservação, do estudo de qualidade e do exercício da crítica que são inspiradores na busca de novas soluções. Há de se ter a correta dimensão da responsabilidade de ser o país com melhores condições de solo, clima, disponibilidade territorial e abundância de água para a produção de grãos, atrelada à ambição necessária para contribuir com o avanço tecnológico mundial.

Podemos ser otimistas quanto ao incentivo governamental, já que no primeiro semestre de seu mandato, a presidente Dilma Rousseff lançou a Política de Desenvolvimento da Competitividade (PDC), com a justificativa de que o salto competitivo necessário para ampliar a inserção internacional e a participação brasileira em segmentos de alta e média-alta intensidade tecnológica depende da inovação. Entretanto, os acordos internacionais ainda carecem de ênfase no pleito por maior acesso dos produtos brasileiros com valor agregado.

Durante a pesquisa, o parecer de profissionais da área deixou claro que a eficiência energética também é reflexo da postura do proprietário do veículo que deve realizar semanalmente a calibração dos pneus, abandonar hábitos prejudiciais ao desempenho do veículo (como carregar peso desnecessário no porta-malas) e preferir combustíveis de melhor qualidade. Por outro lado, se a qualidade da pavimentação esbarra em questões políticas e financeiras de cada município, a sincronização dos semáforos é uma medida que poderia ser facilmente implementada pelas empresas de gerenciamento de tráfego a fim de melhorar o fluxo das vias e o aproveitamento do veículo.

Contudo, chegamos ao final do estudo com a grata satisfação de concluir que indústrias do setor automotivo estão empenhadas na busca por soluções capazes de reduzir as emissões dos veículos, que brasileiros estão à frente de inovações capazes de alterar processos produtivos em escala mundial, que empresas multinacionais investem em centros de pesquisa e desenvolvimento no Brasil e que, além das matérias-primas, estamos caminhando para elevar as exportações de inovações tecnológicas e produtos finais.

Sem a pretensão de esgotar os assuntos abordados, esperamos que o exemplo de inovação desenvolvida por esses brasileiros sirva de inspiração para que tantos outros também trilhem o caminho da inovação orientada pelos pilares da sustentabilidade, criando bens e serviços capazes de reduzir as emissões de gases poluentes, melhorar a sociedade e alcançar bons resultados financeiros.

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SMART GRID E POTENCIAL DE CONTRIBUIÇÃO ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NO BRASIL: UM ESTUDO DA TECNOLOGIA PLATAFORMA HEMERA

José Guilherme F. de Campos

Palavras-chave: mudanças climáticas, eficiência energética, Plataforma Hemera, Smart Grid.

Resumo

As mudanças climáticas são realidade atualmente, tendo causas e consequências diversas. Visando o combate das emissões do setor que é mais emite gases de efeito estufa (GEE), o energético, a eficiência energética vem surgindo como importante fator, apontando para a proeminência da inovação tecnológica como um dos mecanismos eficazes dentro dos diversos necessários. Este artigo tem o objetivo de explorar uma das tecnologias à serviço da eficiência energética, a Plataforma Hemera, tecnologia desenvolvida por uma empresa brasileira que se insere dentro do contexto da Smart Grid. Para descrever seus aspectos de inovação, seu processo de desenvolvimento e sua contribuição para evitar as mudanças climáticas, a seção de apresentação e descrição da tecnologia é antecedida pela uma contextualização do setor elétrico e sobre a Smart Grid, seu desenvolvimento no Brasil e seu potencial impacto à redução das emissões de GEE.

Abstract

Climate change is reality today, with various causes and consequences. In order to combat emissions of the sector that is the most responsible for the greenhouse gases (GHGs) emissions, the energy, energy efficiency has emerged as an important factor, pointing to the prominence of technological innovation as an effective mechanism, among the several that are necessary. This article aims to explore one of the technologies of energy efficiency, Hemera Plataform , technology developed by a brazilian company, which falls within the context of Smart Grid. To describe its innovation aspects, its development process and its contribution to avoid the climate change, the display section and description of the technology is preceded by a contextualization of the electricity sector and the Smart Grid, its development in Brazil and its potential on reducing GHG emissions.

Key words: climate change, energy efficiency, Hemera Plataforma, Smart Grid.

1. Introdução

As questões ambientais estão no centro do debate quando se discute, sob qualquer prisma, os rumos da humanidade. Marcovitch (2006:19) aborda o que chama de a “crise universal do futuro”, entendida como ‘o conjunto de questões ambientais não-resolvidas e cujo ônus incidirá sobre as próximas gerações’. No epicentro delas, encontra-se as mudanças climáticas ocasionadas pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEE), sobretudo pós-revolução industrial e devido à atividades antrópicas.

Suas consequências, até onde se conseguiu prever, são nefastas. Stern (2006) cita diversas em relação aos diferentes níveis de aumento da temperatura que podem acontecer segundo diferentes níveis de concentração de partes por milhão (p.p.m) dos GEE na atmosfera. Outros pesquisadores renomados apresentam pontos de vista ainda mais radicais, defendendo o decrescimento, como Lovelock (2006). No Brasil, estudo revelou que

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a Amazônia observou entre 2005 e 2010 eventos climáticos extremos devido às mudanças climáticas (MARENGO, 2010).

Retomando sua origem, as causas das emissões, segundo Stern (2006), residem em diversos setores de atividade e fatores de produção, dentre eles a Agricultura, indústria, uso da terra, transporte, mas, sobretudo, responsável por 24% das emissões mundiais, estão as oriundas do setor de energia.

Diante da aparente inevitabilidade da questão climática, cabe questionar as mudanças de paradigma e valores da sociedade e, como parte e subsistema desta, dos negócios e das atividades produtivas. Neste sentido, Smeraldi (2009) e Hoffman e Woody (2008) exploram a dualidade da questão, ao tratar que, sim, é necessário que os negócios atentem e se adaptem quanto aos riscos, porém, podem se aproveitar desta como oportunidade de adquirirem vantagem competitiva. Como instrumento de ação contra as mudanças climáticas, a Ciência e Tecnologia (C&T) vêm demonstrando sua importância, como apresenta a OCDE (2004) com as novas tecnologias que ajudam a proteger o ambiente. É o que acontece no caso do setor elétrico, que segundo projeções, da IEA (2011), até 2050, deve ter sua demanda acrescida em mais de 150% para a América do Sul.

Entre as limitações para se atender tal demanda encontram-se as dificuldades para se implementar novas grandes usinas geradoras, notadamente em relação às próprias limitações do espaço físico natural, e em relação às exigências pela preservação do ambiente e por manter a matriz energética limpa, preocupação expressa no Plano Nacional de Mudanças Climáticas (BRASIL, 2008).

Esses fatores vêm mobilizando diversos stakeholders do setor elétrico e de sua cadeia produtiva em direção à implementação do conceito de Smart Grid. Tal conceito envolve ambas as inovações em termos de produtos quanto de processo, fazendo referência à tipologia de inovação proposta por Tidd, Bessant e Pavitt (2005), na medida em que mudará toda a concepção do Sistema de Energia Elétrica (SEE).

O presente artigo tem como objetivo explorar uma tecnologia inovadora que compõe o a cadeia da Smart Grid no Brasil, mais especificamente relacionado à telemetria: Plataforma Hemera, desenvolvida pela empresa brasileira CAS Tecnologia. A tecnologia trata-se de um arranjo de hardwares e softwares com interface e grande potencial de contribuição à eficiência energética tanto junto aos distribuidores, consumidores de alta/média e baixa tensão. Isto se dá por meio da interface com a infraestrutura de telecomunicações, possibilitando realizar a mensuração, coleta e processamento do fluxo e consumo de energia de maneira centralizada; abrindo oportunidades para dar incentivos ao usuário final para redução de consumo; aprimorando a gestão e planejamento energético; promovendo a integração com os sistemas legados de concessionárias e clientes de alta e média tensão; reduzindo custos de manutenção e administração do sistema elétrico com ambas as perdas técnicas e comerciais.

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De parte dos consumidores finais especificamente, oferece a possibilidade da real integração do sistema de cogeração de energia ao sistema elétrico, inclusive por meio dos veículos elétricos, e a prática da tarifação diferenciada como estímulo a economia de energia, dentre outros benefícios.

Falcão (2010), ao sintetizar o papel da Smart Grid quanto ao grande potencial de ganhos em termos de eficiência energética, destaca também sua contribuição quanto à mitigação das mudanças climáticas. Assim, a Plataforma Hemera desponta como uma importante tecnologia quanto às opções de mitigação das emissões via eficiência energética, fator citado no estudo de Baixo Carbono para o Brasil, coordenado pelo Banco Mundial (GOUVELLO, 2010), bem como alçado como prioridade de ação no eminente estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil (MARGULLIS e DUBEUX, 2010).

Desta forma, o artigo ilustra a tecnologia em termos de seu processo de desenvolvimento, características inovadoras, seu mercado e potencial contribuição às mudanças climáticas. Como pano de fundo para compreender seu emprego, apresenta-se um panorama do setor elétrico brasileiro e do conceito de Smart Grid.

2. Panorama Setorial e Conceitual

Esta seção inicia-se com um panorama do Sistema de Energia Elétrico brasileiro, em que são discutidas questões concernentes à oferta e demanda de energia, destacando-se o papel da eficiência energética. Em seguida, são explorados o processo e características da Smart Grid e suas principais facetas.

2.1- Panorama do Sistema de Energia Elétrica Brasileiro

A matriz de energia elétrica brasileira é predominantemente limpa em relação ao resto do mundo, apresentando, segundo dados do Balanço Energético Nacional de 2009 (EPE, 2010), um percentual de 85% gerada por hidroeletricidade. A participação das fontes renováveis também tem subido em relação às demais fontes no suprimento de energia interna – na geração, essa relação se inverte, passando de 45,9% em 2008 para 47,3% em 2009.

De acordo com o mesmo Balanço Energético Nacional (EPE, 2010), do ponto de vista da demanda, o setor industrial no Brasil é responsável pelo consumo de 43,7 % da energia elétrica no Brasil, seguido do uso residencial, 23,9%, e do uso comercial, 15,1%. O consumo elétrico per capita subiu 4,3% em 2009 comparativamente ao ano anterior, atingindo 43,8 quilowatt-hora.

A despeito do aumento do consumo, estudo da CNI (2007) revela que o preço da energia elétrica vem aumentando por outros fatores, sendo três seus componentes principais: (l) encargos; (2) tarifas de transporte nas distribuidoras; e (3) custo de nova capacidade de geração, destacando como condutores de custo, na parte da oferta, três

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principais causas: aumento dos custos ambientais e de financiamento, e a redução da taxa interna de retorno.

Para se reduzir o impacto destes custos, um aspecto lógico, seria reduzir a pressão do lado da demanda. A CNI (2007), neste sentido, destaca a eficiência energética como aspecto nevrálgico da agenda para energia elétrica brasileira, enfatizando que o tema deveria ser tratado com a mesma prioridade que o aumento da oferta de energia.

Isto porque, a eficiência energética no Brasil tem muito a se aprimorar. Segundo dados do Balanço Energético Nacional (EPE, 2010:181), em mensuração de 2004, o uso da eletricidade no Brasil apresentava eficiência de apenas 68,8%. Sob a perspectiva dos setores de atividades para todas as fontes energéticas, o setor elétrico apresenta uma eficiência energética de 75%, enquanto que o setor industrial 72% e, por fim, o consumidor brasileiro, de apenas 47,4%. O caminho para se aumentar a eficiência energética aponta para questões de diversas ordens como redução de desperdício e de perdas técnicas, conscientização do consumidor final, substituição de aparelhos atuais por outros que consomem energia, dentre outros. A resposta a esses desafios, por sua vez, enseja o desenvolvimento de novas soluções tecnológicas, do qual a Smart Grid vem despontando como um dos protagonistas.

2.2 - Smart Grid

2.2.1 Conceito de Smart Grid

Smart Grid é o conceito de modernizar a rede elétrica e compreende tudo o que está relacionado ao sistema elétrico, desde o ponto de geração até qualquer ponto de consumo, passando por transmissão e distribuição (IEC SMB SMART GRID STRATEGIC GROUP, 2009; LITOS STRATEGIC COMMUNICATION, 2009), além de ser um processo evolucionário, não se tratando de um evento isolado (IEA, 2011).

Ele abrange três grandes dimensões verticalizadas, a saber: equipamentos, infraestrutura de comunicação e sistemas computacionais, elementos que tornarão possível todo o conjunto se tornar realmente inteligente. O momento é propício, já que as tecnologias de comunicação estão cada vez mais confiáveis e os preços dos medidores/sensores cada vez menores (BOCUZZI, 2007).

Considerando seus micro-processos, envolve a monitoração remota, telecontrole e supervisão do fornecimento visando aperfeiçoar a operação e gerenciamento dos sistemas elétricos, procurando realizar a automação integrada de toda a cadeia de equipamentos do sistema de energia elétrica, além de pressupor a implantação de sensores, de canal de comunicação de alta velocidade e um sistema informatizado para a transmissão de dados de maneira bidirecional – clientes e empresas – para o gerenciamento das operações em tempo real (ROCHAS, 2008).

Para consolidar o conceito, no Quadro 1, sintetiza-se suas principais características.

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Quadro 1 – Principais características da Smart Grid

Característ icas Descrição

Intel igenteCapaz de detectar sobrecargas, red i rec ionar f luxos, func ionar automat icamente, adaptando-se à demanda sazona l

Versáti lAce i ta energ ia de d i ferentes fontes , como so lar a eó l i ca

MotivadoraP e r m i t e a c o m u n i c a ç ã o e m t e m p o r e a l e n t r e consumidores/d i s t r ibu idoras e a cus tomização ma is prec isa segundo as necess idades dos consumidores

Oportuníst ica Cr ia novos mercados e oportun idades

Focada na qual idadeCapaz de entregar energ ia de qua l idade, sem fa lhas e d is túrb ios

Resi l iente Res is tente a ataques e desastres natura is

Fonte: adaptado de NIST (2010:23), Litos Strategic Communication (2009:21) e IEA (2011)

Ante ao amplo arcabouço de atividades e serviços envolvidos na implantação e o desenvolvimento da Smart Grid, torna-se evidente o envolvimento de um também grande espectro de stakeholders, a saber: geradoras, distribuidoras e transmissoras, operadores e reguladores responsáveis pela administração e normatização do sistema elétrico, provedores de serviços (softwares e hardwares para organizações do sistema elétrico), e, por fim, os consumidores (residências, prédios comerciais e indústria) (NIST, 2010).

2.2.3 - Smart Grid no Brasil

No Brasil, a principal motivação dos investimentos na Smart Grid é o monitoramento do consumo. Assim, temos os primeiros projetos-piloto fundamentados na adoção de medidores eletrônicos dotados de canal de comunicação (ROCHAS, 2008), corroborando o argumento do IEC SMB Smart Grid strategic group (2009), de que muitos países começam o desenvolvimento da Smart Grid por esse passo.

Bocuzzi (2007), à luz dos interesses dos stakeholders envolvidos, afirma que a abordagem do desenvolvimento da Smart Grid no país, está focada em três visões: (a) das empresas geradoras de energia, cujos interesses se fundamentam nas perdas comerciais de bilhões de reais por ano, na redução dos custos de operação, retenção e melhor gerenciamento da base de clientes e aperfeiçoamento da gestão de ativos ; (b) da administração pública, no que concerne à universalização e dos acessos á rede elétrica e aos serviços de telefonia fixa e móvel e aos altos custos de implantação e manutenção das infra-estruturas elétrica e de telecomunicações face a extensão territorial brasileira; por fim, temos a visão (c) das operadoras de telecomunicações, que enxergam a oportunidade de redução dos custos da universalização das telecomunicações, incluindo telefonia fixa e internet de banda larga.

Contudo, Rochas (2008) reflete que apesar dos passos dados pelo Brasil o país ainda está longe do horizonte de concretizar uma completa rede inteligente para o setor

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elétrico. Neste sentido, Pessali e Fernández (2006:97) relatam a importância do governo na medida em que pode “incentivar ou coibir uma tecnologia através de demanda forçada ou criar especificações legais de acordo com critérios ou objetivos variados”.

Em termos de políticas públicas diretamente relacionadas ao setor elétrico, o governo federal, por meio da Aneel principalmente, também tem agido. Como regulador do sistema elétrico nacional, a ANEEL (2010:8), vem envidando esforços no sentido de realizar estudos e pesquisas para a elaboração de um Plano Nacional de migração tecnológica para o setor, dos quais se destaca: Indicação das funcionalidades e dos requisitos associados ao conceito no Brasil, com ênfase na medição inteligente; Indicação de padronização das tecnologias e metodologias a serem adotadas; Indicação do papel do consumidor e das formas de sua efetiva integração como ponto final na complexa cadeia da rede elétrica em modernização, visando comprometimento, apoio e motivação para participação em programas de redução do desperdício.

Do ponto de vista tecnológico, há indicações de que seu fomento ainda está se dando a passos curtos. Em termos de pesquisa aplicada, um dos aspectos basilares ao desenvolvimento tecnológico, em consulta ao sistema de busca de grupos de pesquisa do CNPQ1, registra-se que ainda há somente seis grupos de pesquisa registrados sobre Smart Grid no país.

2.2.4 - Desenvolvimento da Smart Grid: paradigma da eficiência e redução das emissões de GEE

A produtividade radical dos recursos é apontada como uma das quatro estratégias centrais do chamado capitalismo natural, na medida em que desacelera seu esgotamento, fornece as bases do crescimento do emprego em atividades significativas em todo o mundo e diminui as emissões. É sob este prisma que empresas e formuladores de políticas públicas estão estimulando o desenvolvimento de meios de fazer com que os recursos naturais trabalhem cinco, dez ou cem vezes mais do que atualmente, sobretudo por meio do design e tecnologia (HAWKEN, LOVINS e LOVINS, 1999).

De parte especificamente das empresas, os chamados consumidores de média e alta tensão, Green e Miles (1996) já clamavam para atenção ao cumprimento das metas de melhoria da eficiência energética e consequentemente redução do consumo de energia em todos os setores, destacando o papel da área de tecnologia da informação e mais propriamente de seus sistemas como principais contribuintes nesse processo. A Smart Grid, neste sentido, é um poderoso instrumento à busca da eficiência energética. A importância da Smart Grid neste aspecto torna-se evidente ao se abordar o sem número de benefícios que sua instalação traz (NIST, 2010:24):

1 Disponível em : http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/

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Permite a participação dos clientes no processo, baseando-se no fornecimento de informações precisas ao mesmo;

Envolve todas as opções de geração e armazenamento de energia; Potencial de desenvolvimento de novos produtos, serviços e mercados; Provimento de energia de qualidade de maneira customizada, segundo as

necessidades específicas de cada ator; Otimização do uso de ativos e da sua operação eficiente; e Resiliência a distúrbios, ataques e desastres naturais.

Além das questões já mencionadas, uma questão subjacente à adoção da Smart

Grid é a sua potencial contribuição quanto à questão ambiental (BOCUZZI, 2007; SMARTGRID.GOV, 2008; BOCUZZI e MELLO, 2009), mais especificamente quanto às questões das reduções de emissões dos chamados gases estufas, diretamente, por seis vias diferentes, como traz o Quadro 2, resultado de estudo patrocinado pelo Eletric Power Research Institute dos EUA.

Quadro 2 – Potencial de redução do consumo de energia por fatores de melhoria na eficiência energética a partir da adoção da Smart Grid

Fatores de melhoria na eficiência energética da energiaPotencial de redução do

consumo de energia(i) Extensão dos serviços aos clientes: habilitação da precificação dinâmica da energia e consequente resposta da demanda; aumento da disponibilidade de energias ditas verdes; possibilidade de manutenção proativa de equipamentos, garantindo sua performance energética;

9% (sobre o uso em instalações)

(ii) Melhoria da eficiência operacional: redução das perdas nas linhas de transmissão, por controle de voltagem; redução da necessidade de deslocamento por conta da medição inteligente remota; mudança de comportamento dos usuários a partir do feedback indireto de informações a respeito de seu consumo.

Não indicado

(iii) Facilitação da extensão da resposta da demanda e controle de carga: (1) economia de energia devido às reduções de pico de demanda; emprego facilitado de fontes renováveis de energia elétrica para responder aos picos de demanda; redução do uso de fontes geradoras de energia para os momentos de pico de consumo.

(1) 5% (para residências, comércio

e indústria combinados)

(iv) Transformação do comportamento de uso de energia do consumidor: feedback direto ao consumidor via displays dentro de instalações (residências, prédios comerciais e industriais), que podem conter informações gráficas, alertas ou alarmes, por exemplo, sobre a)uso atual e histórico de energia e as emissões de CO2 equivalentes ao consumo; b) precificação da energia momentânea; c) nível de umidade, luminosidade e temperatura ambiente; feedback indireto aos consumidores via contas com informações mais detalhadas a respeito do consumo.

2%(industrial), 3% (comercial) e 5%

(residencial)

(v) Apoio ao desenvolvimento de novos modelos de negócio: (a) aumento da previsibilidade e confiabilidade das informações sobre a demanda de energia por meio de recursos superiores de mensuração e verificação; promoção de padrões abertos e interoperabilidade entre os componentes de comunicação e controle da infraestrutura e entre os dispositivos dos usuários finais conectados à rede.

(a) 5% a 20%

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(vi) Mecanismos de Smart Grid que reduzem as emissões de carbono, independente da economia de energia: integração de geração renovável intermitente à rede, como energia solar ou eólica; integração dos PHEV’s (plug-in hybrid electric vehicles), Facilitando a adoção e interconexão deles, culminando na redução das emissões de veículos de motor à combustão.

Indução à redução da intensidade de uso de

carbono

Fonte: adaptado de Parmenter, Hurtado e Siddiqui (2008)

O conjunto dos fatores mencionados no Quadro 2 torna menor a necessidade de investimento em novas instalações geradoras que ainda são, de modo geral, predominantemente de matriz poluente (IEC SMB SMART GRID STRATEGIC GROUP, 2009).

A WBCSD (2006) corrobora tais argumentos, colocando a Smart Grid e o uso final de energia, como dois das seis mais importantes medidas que envolvem toda a cadeia de valor e diversos stakeholders para fortalecer, em termos de tecnologia, o combate às emissões de gases de efeito estufa.

À parte dos fatores que individualmente justificam a redução das emissões, em se tratando de mensuração objetiva e quantitativa do impacto da Smart Grid nas reduções das emissões de gases de efeito estufa, como parâmetro e sob uma perspectiva internacional, a IEA (2011) destaca que ela pode ajudar responsável, em 2050, a reduzir as emissões em até 2,1 milhões de toneladas de CO2 no mundo.

A Smartgrid.gov (2008), órgão dos EUA, por sua vez, refere-se a estudos feitos pelo Grupo de Clima do Departamento de Energia do mesmo país, segundo os quais, o uso da Smart Grid poderia reduzir em 4% as emissões em 2020, ceteris paribus, sendo até mesmo superior ao potencial de sequestro do carbono emitido por fontes de energia baseadas no carvão. Tamanha é a importância da Smart Grid, que a IEC (2010) a coloca como um dos fatores mais importantes para a redução das emissões de gás carbônico associadas à eletricidade num cenário para 2050.

Apesar de existirem algumas estimativas, os desafios da quantificação do impacto da Smart Grid nas emissões, no entanto, ainda se impõem. A WBCSD (2006) ressalta que ainda se carecem de estudos mais aprofundados que determinem o potencial de redução de emissões, citando o caso de um dos gases de efeito estufa, o SF6, emitido na distribuição de energia.

No Brasil, corroborando o exposto pela WBCSD, não foram encontrados estudos conclusivos que expusessem o dimensionamento deste impacto. O estudo já mencionado do Banco Mundial sobre o baixo carbono do Brasil (GOUVELLO, 2010), por exemplo, enumera apenas aspectos relacionados à novos equipamentos ou iluminação mais eficientes, pelo lado da demanda de energia elétrica. O estudo Economia da Mudança do Clima no Brasil (MARGULLIS e DUBEUX, 2010) menciona que o setor energético tem o potencial de reduzir 1,8 bilhões de toneladas de CO2 no acumulado entre 2010 e 2030, sem,

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contudo especificar o papel da energia elétrica, apesar de reconhecer que a eficiência energética é uma importante ação.

Tal fato pode evidenciar certo subdimensionamento do potencial impacto de redução de emissões do setor de energia elétrica no cenário desenhado de baixo carbono, já que não envolve outras tecnologias emergentes com grande potencial e que foram inventariadas pelo estudo sobre mapas estratégico-tecnológicos da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), como se verá.

3. Métodos Empregados no Estudo

Tendo em vista o objetivo do estudo, se caracteriza como tendo natureza exploratória (DIEHL e TATIM, 2004) e ser de abordagem qualitativa, tendo como estratégia de pesquisa o estudo de caso (MARTINS e THEÓPHILO, 2007), para o qual se busca diversas fontes de evidência e posterior triangulação e agregação de dados.

Desta forma, o estudo iniciou-se com o levantamento documental e teórico, a partir do qual se elaborou o roteiro de análise semiestruturada para a coleta de informações. O Quadro 3 sintetiza os elementos abordados no roteiro de entrevista e que serão abordados à frente, quando da explanação sobre a tecnologia.

Quadro 3 – Conteúdo do roteiro de análise e entrevista

Eixo temát ico E lementos

Inovação

Etapas da i novação Aspec tos sob re a i novação , Ca rac te r í s t i cas :

Tipo de i novação ‘Marke t pu l l ’ ou ‘ t echno logy push ’ ? Cooperação pa ra o desenvo l v imen to Riscos envo l v i dos Mecan ismo de f i nanc iamen to Prop r i edade i n te lec tua l de t i da Impac to se to r i a l Resu l tados de mercado

Mudanças C l imát icas I n te r face com o P lano Nac iona l de Mudanças C l imá t i cas . I m p a c t o s o b r e a r e d u ç ã o d a s e m i s s õ e s d e G E E /

mudanças c l imá t i cas .Fonte: elaborado pelo autor a partir de BRASIL (2008), IBGE (2010), OCDE(1997), Kline e Rosberg (1986) e Parmenter, Hurtado e Siddiqui (2008)

Além de informações secundárias sobre a tecnologia, foi realizada entrevista para levantar as informações sobre a Plataforma Hemera junto a um diretor de Serviços da empresa que é detentora da tecnologia, a CAS Tecnologia. A empresa atua há mais de dez anos na indústria de provimento de soluções de telemetria, automação e controle, contribuindo nos processos e eficiência operacional de empresas de diversos segmentos, dentre eles o de concessionários de energia, água e gás, apresentando, segundo a Info-

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Exame (2010), 11,2 milhões de dólares em faturamento, se posicionando entre as 200 maiores empresas de TI do Brasil.

Dando sequência, parte-se à descrição da Plataforma Hemera.

4. Apresentação e Discussão da Tecnologia CAS Hemera Plataform

A CAS Hemera Plataform ou Plataforma Hemera, a tecnologia que é objeto do presente trabalho, trata-se de uma inovação, que segundo define o Manual de Oslo, “[...] compreende as implantações de produtos e processos tecnologicamente novos e substanciais melhorias tecnológicas em produtos e processos” (OCDE, 1997:54). Para o desenvolvimento de uma inovação, Kline e Rosenberg (1986) descrevem as etapas envolvidas: pesquisa, identificação de potencial de mercado, invenção e/ou o desenho analítico, design detalhado e teste, redesenho e produção e, finalmente, a distribuição e comercialização ao mercado.

Partindo do presente ao passado, inicialmente, será descrita a tecnologia e suas potencialidades inovadoras, de modo a tornar claro o objeto de estudo, passando-se, então, à perspectiva de mercado da tecnologia e à discussão das suas etapas de desenvolvimento, abordando-se as etapas propostas por Kline e Rosenberg (1986), culminando-se nas perspectivas futuras para a tecnologia. Por fim, são apontados os caminhos quanto à mensuração do seu impacto nas emissões de CO2.

4.1 - Descrição da Plataforma Hemera

Trata-se de um sistema composto por hardwares adaptados, sistemas e softwares e que usa a infraestrutura de telecomunicação para coletar, mensurar, armazenar, processar e transmitir informações sobre os fluxos e consumo de energia, integrando componentes de hardware e software de diferentes fornecedores, sistemas corporativos existentes (por exemplo, SAP) e os vários protocolos de medidores elétricos (ABNT, IEC e ANSI) existentes, administrando de maneira centralizada e a partir de um único ponto as informações e operações sobre a geração, transmissão, distribuição e consumo de energia elétrica.

O sistema é utilizado por concessionárias de energia junto a seus clientes, atualmente, sobretudo os de média e alta tensão (grupo A), tendo o potencial de ser usado junto a consumidores residenciais finais, uma vez superado alguns desafios.

A coleta, mensuração e armazenamento primário se dão por meio de equipamentos e dispositivos com hardwares e softwares embarcados localizados no ponto de coleta. Posteriormente, ocorre a transmissão de informações sobre o consumo de energia, que pode ser feita por meio de diversos meios, SMS, bluetooth, ethernet/modem, GRPS ao servidor dedicado da Plataforma Hemera, onde elas são armazenadas para seu gerenciamento e tratamento.

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Uma vez feito isso, pode trazer diversas funcionalidades: oferecer dados via web e a tempo real aos consumidores finais, trazendo facilidade de simulação de faturamento, carga e opção de tarifa pré-paga; controle remoto online do ambiente de telemetria por meio de sensores, para, por exemplo, enviar ordens remotas e automáticas de comando, por exemplo, de ligar/religar ou, em último caso, facilitar a logística de atendimento em campo, por meio da integração com dados geográficos (Google Maps); regras automáticas antifraudes para aplicação automática, com respaldo legal de corte via assinatura digital, entre outras. Como benefícios finais, as concessionárias conseguem reduzir perdas comerciais e técnicas, reduzir custos com comunicação das informações e operação de serviços, fazer planejamento integrado de expansão da rede elétrica, gerenciar grande quantidade de pequenos sistemas geradores de energia (por exemplo, carro elétrico), além de poder oferecer de maneira fácil e objetiva as informações aos consumidores finais sobre o seu perfil de consumo, de maneira integrada em relação aos diferentes fornecedores de energia e em relação aos seus sistemas internos.

Para o funcionamento desta complexa engrenagem de serviços que compõem a plataforma, a empresa mantém uma estrutura de cerca de 80 funcionários dedicados à diversas áreas como desenvolvimento de softwares e sistemas, engenharia, controle de qualidade, homologação de softwares, manutenção de equipamentos e logística.

4.2 - Perspectiva de mercado da tecnologia

A mensuração inteligente atualmente é realidade para os grandes e médios consumidores, do grupo A, de adoção mais fácil, já que representam cerca de 2 a 3% dos consumidores totais, apesar de representarem de 40% a 50% das receitas das concessionárias de energia no Brasil. Segundo a empresa, seu desenvolvimento teria sido facilitado dado a facilidade desses de realizarem investimentos de maior monta e estes serem mais concentrados, facilitando a escalabilidade gradual da Plataforma, de maneira mais segura. Agora, o próximo desafio é acessar os consumidores do chamado Grupo B, isto é, os consumidores de baixa tensão, basicamente, os residenciais, que impõem alterações e instalação de softwares e dispositivos nas cerca de 65 milhões de residências brasileiras, respondendo por mais de 90% dos consumidores. A este respeito, a empresa relata que se desenvolverá a médio e longo prazo, dado que a ANEEL prevê plano para, em um horizonte de 10 anos, trocar os medidores eletromecânicos por medidores inteligentes (eletrônicos), fator, tido como fundamental para iniciar o desenvolvimento e implementação da Smart Grid .

Em relação à tecnologia, segundo o diretor da CAS Tecnologia apontou, a empresa possui dois concorrentes principais, que, apesar de desenvolverem soluções semelhantes à Plataforma Hemera, os recursos que detém são menos robustos, focando-se basicamente

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em mensuração remota de dados, identificação de falta de nível de tensão/fase, detecção de fraudes e vazamentos, ‘corte e religação’ automáticos, atendimento em termos de compatibilidade apenas com os padrões ABNT e NBR de hardware e software. São eles as empresas M2M telemetria e ADTS. A superioridade da Plataforma Hemera fica evidente ao se comparar o mercado que detém 18 concessionárias de energia como clientes cativos, enquanto que os principais concorrentes possuem, somados, 7 outras concessionárias.

Tal vantagem da Plataforma Hemera é garantida por sua liderança tecnológica e propriedade intelectual de suas inovações: o conjunto das soluções embarcadas na Plataforma Hemera, detém três patentes devidamente depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)2. São elas:

• Dispositivo de identificação remota e segura de transformadores de tensão e corrente de energia elétrica (MU8900971-1 U2) - publicada em novembro de 2010, visa coletar e armazenar características técnicas de transformadores de corrente e tensão de equipamentos diversos de uma concessionária de energia elétrica, visando a promover maior interoperabilidade dos equipamentos, agregando robustez à Plataforma.

• Rede de Energia Elétrica Assinada (PI0902058-6 A2), publicada em novembro de 2010, objetiva a detecção e localização de desvio de energia elétrica utilizada por consumidores do grupo B, os de baixa tensão.

• Dispositivo de localização, sensoriamento e controle remoto utilizando redes de telefonia celular (BR 0203919), cujo pedido é analisado desde em 2002, utilizando-se da tecnologia de telecomunicações para recepção e transmissão de informações sobre redes de forma a controlar o funcionamento, realiza a leitura de estado de funcionamento e controlar remotamente equipamentos eletroeletrônicos, sendo fundamental para o ligue e religue e a verificação de sua vida útil.

Sob o ponto de vista estratégico nacional, o destaque da solução da CAS Tecnologia fica evidente ao se analisar os mapas tecnológicos construídos pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) em relação a sistemas aplicados energia e meio ambiente, em que a Plataforma Hemera e a CAS Tecnologia, foram mencionadas em seu documento como um dos oito agentes atuante no Brasil no tópico “Sistemas de controle de perda de energia” (referência “T5i”), ao lado de grandes e proeminentes organizações como ABINEE, FAPESP e Whirlpool. Além dessa, a CAS Tecnologia/Plataforma Hemera, apesar de não citadas, encontram posicionamento também no tópico “Smart Grid – Intelligent Meters/Sensors” (referência “T5g”).

Ambos os tópicos destacam o setor energético (relacionado à energia solar, eólica e de células a combustível) como mais impactado, garantindo proeminência na atuação da Plataforma Hemera como importante ator na integração do sistema de cogeração de

2 Levantamento via consulta ao portal do INPI na internet

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energia/geração distribuída na perspectiva de reverter à rede de energia elétrica o excedente de energia elétrica gerado, por exemplo, pelos veículos elétricos.

4.3 - Pesquisa e Desenvolvimento da Plataforma Hemera: de sua gênese ao momento atual

Sendo uma das pontas de lança da Smart Grid no Brasil, como já mencionado nas seções anteriores, a Plataforma Hemera teve a evolução de seu desenvolvimento pari passu ao desenvolvimento do Sistema de Energia Elétrica no Brasil nos últimos anos. Entendê-la, pois, requer uma breve exposição dos fatos que o remontam, segundo a CAS tecnologia.

Até cerca de 10 anos atrás, não havia a adoção de medidores inteligentes no Brasil, não havia integração dos softwares das diferentes distribuidoras de energia e havia pouca possibilidade de comunicação remota de dados e tampouco transmissão automática e remota de comandos. No início da década de 2000, dois dos proprietários da empresa, tendo experiência na área de tecnologia da informação e telecomunicações, começaram a se questionar o porquê, analogamente ao setor de telefonia celular – ao qual prestavam serviços de maneira contumaz, não se fazia o controle remoto das informações e serviços também para a rede elétrica. À época, no exterior, alguns falavam em Smart Metering, porém, ainda havia um grande hiato no que diz respeito a uma abordagem integrada entre o mundo de Tecnologia da Informação e a medição.

Quando em 2002/2003, diante do desafio de desenvolver um serviço à concessionária de energia Light para proteção de dados, envolvendo solução que fosse escalável, que tivesse contingência e balanceamento, os futuros empresários corroboraram sua percepção do potencial do uso de requisitos de TI nos sistemas de energia elétrica. Nascia o embrião da Plataforma Hemera.

A partir de então, há 10 anos, o setor de energia vem evoluindo de maneira sistemática. Primeiramente, ocorreu o a integração entre as tecnologias de informação com a as tecnologias de medição, possibilitadas pela adoção dos medidores eletrônicos nos consumidores do grupo A, ao passo que ocorria a convergência tecnológica e de comunicação de dados à distância via diferentes sistemas como Ethernet, GRPS, dentre outros. Isto permitiria às distribuidoras elétricas realizarem de maneira remota a coleta de informações sobre a transmissão, distribuição e consumo de energia, sob demanda e programada. Isto as habilitou a possuir as informações de maneira mais frequente, célere e dispendendo-se menos recursos.

Segundo, ocorreu a análise das perdas comerciais a partir da coleta de informações diárias, proporcionando o tratamento de dados, uma vez que fosse centralizado. O desenvolvimento destas soluções representou a primeira versão da Plataforma Hemera. Paralelamente a isso, tais consumidores apresentavam dificuldades de integração de sistemas dos diversos distribuidores de energia elétrica dos quais compravam, dificultando a geração de informação de maneira sistematizada acerca do seu padrão de consumo.

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Em resposta a isso, como terceiro aspecto, passou-se a ter um sistema de integração do sistema de mensuração de energia com os demais sistemas da empresa, como o de operações, automação e faturamento, proporcionando a gestão do processo com um todo. O desenvolvimento de tais soluções representou a 2ª versão da Plataforma Hemera.

Por fim, como quarto e atual desafio, é necessária uma visão corporativa da mensuração, resgatando-se informações sobre a gestão da carga e o agregamento de informações de diversas concessionárias de energia, ampliando ainda mais a possibilidade da integração com outros sistemas das empresas e com potencial de oferecer informações de maneira sistematizada sobre o mercado de energia.

O exposto permite concluir que o desenvolvimento ocorreu de maneira incremental. Inicialmente, levada pela visão de aplicações em outros setores, no caso, TI e Telecomunicações, compreendendo uma dinâmica de “Technology push”. Posteriormente, seu desenvolvimento seguiu conduzido pelo mercado, “Market pull”, já que a Plataforma Hemera acompanhou a evolução natural do setor, desenvolvendo serviços sob demanda para determinado cliente – e muitas vezes em cooperação com este, que, posteriormente, seria sistematizado e integrado aos serviços da Plataforma, ainda que sempre mantendo sua filosofia original.

Essa política de ‘incrementalidade’ no desenvolvimento, leva a CAS Tecnologia sempre a reinvestir parte de sua receita na Plataforma Hemera, que já recebeu o montante de cerca de R$ 60 milhões de reais até meados de 2011. Assim, a tecnologia, em seus cerca de 10 anos de desenvolvimento, apesar de já estar em sua 2ª versão, vem sofrendo aprimoramentos para a 3ª versão, visando trazer maior robustez para a escalabilidade, maior modularidade/flexibilidade na integração com outros sistemas e uma melhor usabilidade com o usuário final.

Foi nesta esteira de desenvolvimento incremental, por exemplo, que geraram produtos como a certificação digital do processo de corte de energia, promoveram a integração com os demais sistemas das empresas consumidoras de energia ou diversificaram os meios de comunicação pelos quais poderia transmitir informações e comandos. Somado à incrementalidade e o desenvolvimento dos serviços acompanharem as demandas dos seus clientes, como sempre ofereceram e ainda oferecem serviços de Tecnologia da informação, o entrevistado acredita que não houve riscos substanciais envolvidos com o desenvolvimento da Plataforma Hemera à empresa.

4.4 - Perspectivas futuras

Como aspecto futuro do desenvolvimento da Smart Grid, a CAS Tecnologia apontou dois caminhos dos quais está participando do desenvolvimento junto às concessionárias de energia para o desenvolvimento de soluções ao usuário final: o veículo elétrico e o provimento de soluções relacionadas à Smart Grid no atendimento às demandas dos

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usuários residenciais, o chamado grupo A, esta última já induzida pela ANEEL mediante políticas específicas, que preveem a substituição dos medidores mecânicos pelos inteligentes.

Para o atendimento aos mais de 65 milhões de canais de mensuração, a solução já prevê atualmente escalabilidade suficiente para gerar a coleta, comunicação, armazenamento e processamento do proporcionalmente substancial volume de informação que este movimento movimentará. Para o desenvolvimento das plataformas de carga/recarga aos veículos elétricos, a empresa já está envolvida em fóruns de discussão com outros importantes atores.

Além destas, com o advento cada vez maior do mercado de geração distribuída, por meio do qual se poderá diminuir o payback do investimento e até mesmo ser condição sine qua non para o seu desenvolvimento, na medida em que se consiga gerar receita ao microgerador via revenda do excedente de energia à rede elétrica, empresa acredita que se abrirá cada vez maior espaço para o desenvolvimento da Smart Grid no Brasil.

Para agregar maior potencial de desenvolvimento tecnológico e recursos, apesar de ainda não o fazerem atualmente, esperam desenvolver, dentre outras coisas, parcerias com universidades.

4.5 - Impacto da tecnologia

4.5.1 - Em termos de eficiência energética e o reflexo econômico-financeiro

A Plataforma Hemera, segundo o presidente da CAS Tecnologia, vem apresentando expressivos ganhos econômico-financeiros e em termos de eficiência energética. Quanto à economia direta por meio do engajamento do consumidor, há um histórico médio de redução em seus clientes da ordem de 20% do consumido antes da implantação do sistema.

Quanto às concessionárias de energia, esse percentual de ganho é semelhante, guardadas algumas diferenças regionais (por exemplo, em SP e MG o consumo é menor, ao passo que no RJ e em estados do Nordeste o consumo é consideravelmente maior), sobretudo via eliminação de falhas e defeitos na distribuição – perdas técnicas - e erradicação das perdas comerciais.

Por questões confidenciais e estratégicas, a empresa não pôde transmitir os ganhos financeiros advindos da aplicação da Plataforma Hemera. Assim, ainda que sem uma grande precisão, recorreu-se à fonte secundária para a aferição deste potencial. Em recente tese de doutorado defendida, Pascalicchio (2010) descreve o modelo de negócio de Smart Grid usualmente verificado no Brasil, guardando grande semelhança com o modelo da Plataforma Hemera ,envolvendo as etapas de geração, transmissão, distribuição e telecomunicação.

Desta forma, O pesquisador calcula que, por ano, o ganho via aumento receita/redução de despesas por parte das concessionárias supera o custo do investimento inicial

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sem correção em 77,2%, sendo a maior parte atribuída à redução de perdas comerciais (41,4%), ganho com redução das ligações informais ou “gatos” (24,6%) e ganhos de receita ou redução de despesas técnicas por vários mecanismos (28,7%). Para uma simulação com recursos advindos do BNDES, o prazo de retorno encontrado pelo pesquisador foi de oito anos, sem considerar um cenário em que alguns custos poderiam ser reduzidos – por exemplo, considerando taxas e custos dos medidores menores.

4.5.2 - Contribuição às mudanças climáticas

O Diretor de Serviços da CAS Tecnologia da empresa compartilha da visão exposta pela EPRI, apontando que de fato a Smart Grid está contribuindo para a mitigação das emissões. Contudo, afirma que, apesar de haver uma preocupação pairando a pauta, a questão das mudanças climáticas ainda não está na ordem do dia na agenda nos fóruns de organizações das quais a empresa participa junto a outros agentes do setor.

De toda a forma, a análise da tecnologia leva a concluir que, em relação às potencialidades de redução das emissões descritas no Quadro 2, a Plataforma Hemera atende atualmente às àqueles relacionados à oferta de energia elétrica: (ii)Melhoria da eficiência operacional, na medida em que promoveu reduções substanciais quanto à redução das perdas técnicas e comerciais de energia elétrica por parte das concessionárias e (v)Apoio ao desenvolvimento de novos modelos de negócio, trazendo informação de maior qualidade e aumentando substancialmente a interoperabilidade entre os componentes de diferentes fornecedores, comprovando que ainda tem bastante a avançar.

Quanto aos demais aspectos, apesar de atualmente estarem previstos na Plataforma, não estão contidos em sua aplicação, tendo grande potencial para se desenvolverem na medida em que se expanda a cobertura da Smart Grid ao grupo A, engendrando a potencialidade de contribuir por meio de (i)Extensão dos serviços aos clientes, (iii) Facilitação a extensão da resposta da demanda e controle de carga e (iv) Transformação do comportamento de uso de energia do consumidor; em movimento paralelo, tem buscado também outros mecanismos correlatos, como a participação em discussões sobre o modelo do carro elétrico no Brasil, relacionado a (vi)Mecanismos de Smart Grid que reduzem as emissões de carbono, independente da economia de energia.

Quanto à mensuração quantitativa do impacto, o diretor afirma que não é feito e que não existe atualmente uma metodologia de mensuração, ainda que haja um grande potencial latente de se colher e tratar informações por meio do sistema existente, uma vez que este se torne definitivamente robusto.

5. Considerações Finais

“O que pode ser mensurado, pode ser administrado". É com essa filosofia que a Plataforma Hemera tem o potencial de contribuir com a redução das emissões de gases de

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efeito estufa. Primeiramente, pela melhoria da eficiência energética, alçada em praticamente todas as instâncias e estudos como um dos potenciais aliados às reduções das emissões no setor elétrico, seja pela melhoria das perdas técnicas e comerciais, sob o ponto de vista da demanda, oferecendo dados e possibilidade de gerenciamento mais robustos às concessionárias e consumidores de média e alta tensão. A difusão da Smart Grid neste mercado, via concessionárias de energia, já é ampla, tendo espaço, no entanto, continuamente às inovações incrementais.

Do ponto de vista dos consumidores do grupo B, os consumidores residenciais finais, sobretudo, a Plataforma Hemera pode promover a redução do consumo seja pela conscientização, via verificação da informação em displays em suas próprias casas, por exemplo, seja pelo incentivo econômico, via precificação dinâmica e diluição dos picos de consumo de energia. Este mercado ainda está em maturação, mas a Plataforma Hemera já consegue responder aos desafios que se impõem para ir ao encontro das perspectivas antevistas pela ANEEL.

A despeito de serem claras às contribuições à melhoria da eficiência energética e, consequentemente, se reduzirem as emissões de gases de efeito estufa, ainda não há uma mensuração quantitativa da sua potencial contribuição e ainda não estão previstos planos para tanto, ainda que já esteja em sua 3ª versão ao longo dos seus mais de 10 anos de existência.

Na medida em que a Smart Grid se desenvolve no país e os pesquisadores, formuladores de políticas públicas e autoridades tomem conhecimento do seu potencial, contudo, torna-se mais provável que tenha seu valor reconhecido e, com isso, tenha seu papel destacado na mitigação dos gases do efeito estufa na área de eficiência energética. Aproveitando-se de seu know-how em tecnologia da informação, telecomunicação e sistemas elétricos, e de sua liderança na área de telemetria, a CAS Tecnologia guarda grande perspectiva para despontar como líder, buscando desenvolver, junto às concessionárias de energia, o desenvolvimento de metodologias, processos, métricas e sistemas de mensuração das emissões de gases de efeito estufa no sistema elétrico.

Um passo a esse respeito foi dado, no entanto, não pela CAS Tecnologia, mas pela EDP Energia e o INPE, quando em dezembro de 2010, estabeleceram uma parceria para o Projeto ClimaGrid. O projeto tem o intuito de gerar a capacidade de avaliar, dentro de cerca de três anos, o impacto das mudanças climáticas – ventos, tempestades e chuvas - no setor elétrico, gerando perspectivas à possibilidade de se pensar medidas para a adaptação às mudanças climáticas, comprovando que o caminho, que pode ser deveras árduo, é

amplamente possível e viável.

6. Referências Bibliográficas

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A TECNOLOGIA FLEX NA INDÚSTRIA COMO REDUTORA DA EMISSÃO DE GASES DE EFEITO ESTUFA

Matheus Silva Ricardo Galvão Guimarães

Resumo

Neste artigo é analisada uma tecnologia brasileira que promove o uso de combustíveis renováveis, por meio de uma adaptação de queimadores industriais que permite a utilização do etanol como combustível. Almeja-se expor os principais estímulos e entraves à utilização da tecnologia, bem como procura-se mensurar os impactos de sua utilização no contexto das mudanças climáticas. Dados primários foram obtidos por meio de entrevistas com o empreendedor responsável pelo desenvolvimento da tecnologia e com uma empresa usuária, além de pesquisa documental. A tecnologia mostra-se detentora de características que permitem auferir boa perspectiva de utilização no setor industrial, sendo um exemplo de inovação incremental no contexto de tecnologias com menor emissão de GEE. Este artigo tem o propósito também de fomentar o diálogo sobre a necessidade ao estímulo de tecnologias como esta.

Abstract

This article analyzes a Brazilian technology which promotes the use of renewable fuels, through an adaptation of industrial burners that allows the use of ethanol as fuel. It aims to expose the main incentives and barriers to the use of this technology, and seeks to measure the impacts of its use in the context of climate change. Primary data was obtained through interviews with the entrepreneur responsible for the development of technology and a user company, documentary research was also adopted. The technology seems to hold features that allow a good use perspective in the industrial sector, being an example of incremental innovation in the context of technologies with lower GHG emissions. This article intends also to foster dialogue on the need for stimulating technologies such as this.

Palavras-chave: Etanol; Redução de Gases de Efeito Estufa; Queimadores Industriais.

1. Introdução

1.1 - Contexto

O aquecimento do sistema climático é inequívoco, bem como se observam aumentos de temperatura nos oceanos e na atmosfera, derretimento progressivo de neve e gelo e elevação dos níveis marítimos (IPCC, 2007). A questão das mudanças climáticas configura-se como um dos grandes desafios a ser enfrentado pela humanidade no século que se inicia. A mitigação e combate ao aquecimento global passa necessariamente pela redução da emissão dos chamados gases de efeito estufa (GEE).

As emissões antrópicas de GEE têm crescido substancialmente desde a revolução industrial, sendo que entre 1970 e 2004, sofreram aumento de 70% (IPCC, 2007), tendo sido os setores de fornecimento de energia, industrial e de transportes seus principais catalisadores. Dentre os GEE, o dióxido de carbono (CO2) configura-se como o mais crítico, devido à sua geração decorrente principalmente de matrizes energéticas fósseis e não renováveis.

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O perfil dos processos emissores destes GEE varia de acordo com algumas características de determinada região. A geografia, o perfil da matriz energética e o nível de desenvolvimento econômico e social podem ser apontados como alguns exemplos. As origens das emissões globais estão distribuídas atualmente segundo a seguinte figura.

Figura 1 – Participação dos setores nas emissões antrópicas em 2004 em termos de CO2 equivalente

Fonte: IPCC Climate Change 2007

Instituições globais, como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) têm reunido esforços e conhecimento em busca de respostas e proposições que resultem em ações e acordos fomentadores de combate ao aquecimento da atmosfera. Ao Protocolo de Kyoto, vê-se o seguimento de reuniões almejando a discussão de questões pertinentes ao tema. A última delas, realizada em dezembro de 2010 em Cancun, a COP 16, teve como resultado compromissos que são em grande parte frutos dos Acordos de Copenhagen (2009) e estabeleceu como meta o limite de aumento de 2 graus Celsius, a partir dos níveis pré-industriais.

O papel e as responsabilidades dos países emergentes estão se alterando, ainda que não tenham sido os principais responsáveis pelas emissões globais até recentemente, estas nações possuem características que os colocam no centro das discussões. Primeiro, há consenso que suas emissões possuem tendência de forte aumento, devido ao crescimento de suas economias. Além disso, terão de enfrentar o fato de que possuirão 90% da população mundial em 2050 (STERN, 2008).

É neste contexto que surge o objeto deste estudo: uma tecnologia brasileira que visa reduzir a emissão de GEEs das indústrias através da substituição da matriz energética dos queimadores industriais para geração de vapor d’agua. O equipamento desenvolvido

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promove uma solução flexível, factível e simples para que a quantidade de emissões seja reduzida sem que a competitividade das empresas seja alterada. Este tipo de solução é uma forma possível de fazer com que o crescimento econômico dos países em desenvolvimento não seja prejudicado e ao mesmo tempo trazer contribuições no que se refere ao controle de emissões de GEEs.

Este trabalho tem como objetivo mostrar os impactos desta tecnologia que adapta o uso de um equipamento existente (queimador industrial) ao uso do know-how brasileiro na produção de fontes energéticas renováveis, evidente no caso do etanol.

1.2 - Panorama Brasileiro e Setorial

O Brasil, membro do Anexo II do Protocolo de Quioto, divulgou seu primeiro inventário de emissões por meio do Plano Nacional para Mudança do Clima (2008), contemplando dados de 1990 a 1994. Responsável por cerca de 3% das emissões globais de GEE, o país gerava em 1994, 1.029.706 Kg de CO2, aliado às perspectivas de crescimento de sua emergente economia, possui papel e responsabilidades ímpares na questão do aquecimento global.

A conversão de florestas para uso agropecuário, em especial soja e criação de bovinos nas fronteiras amazônicas, ainda é a principal forma de emissão de CO2 no país, chegando a 75%. Por deter alta participação de fontes renováveis em sua matriz energética, o Brasil possui emissões por uso de combustíveis fósseis relativamente pequenas. Contudo é necessário ressaltar o fato de que a demanda por energia apesar de atualmente ser modesta quando comparada a países desenvolvidos, tende a elevar-se.

Ciente desta perspectiva, o governo federal criou em 2002 o Programa de Incentivo às Fontes de Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA). Objetivou-se promover principalmente a construção de parques eólicos e a decorrente comercialização da energia gerada. No momento da elaboração deste artigo, governo e sociedade discutiam a necessidade da prorrogação do programa, devido aos preços de mercado da energia oriunda dos parques eólicos já se encontrarem competitivos.

O Brasil está elaborando a sua Segunda Comunicação Nacional de acordo com as Diretrizes para Elaboração das Comunicações Nacionais dos Países não Listados no Anexo I da Convenção (países em desenvolvimento) e as diretrizes metodológicas do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC), a consecução deste árduo e fundamental trabalho fica a cargo do Ministério da Ciência e Tecnologia.

O parque industrial brasileiro é tido como o mais complexo e diversificado da América Latina. O país é líder em diferentes setores da agroindústria, está entre os dez maiores produtores mundiais de aço, alumínio, cimento e automóveis e possui importante papel em setores como petróleo, gás e petroquímica (PNMC, 2008). A estabilidade econômica e a conjuntura mundial contribuem para um cenário de consolidação e expansão.

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O setor industrial, foco deste artigo, compunha 7% das emissões de CO2 em 1994. Em termos absolutos, a tendência é de aumento, dado o cenário acima exposto. Apesar das emissões serem apenas de 7% em 1994, há indícios para que se acredite em seu crescimento, por conta da redução da importância das queimadas no total das emissões contabilizadas. Se desconsideradas as queimadas, que é algo que vem sendo trabalhado pelo governo federal e pela sociedade civil, temos que o setor industrial é responsável por aproximadamente 28% das emissões de CO2 e 8% de CH4. Observa-se aqui a representatividade do setor frente à questão do clima.

2. Inovação

As indústrias constituem o setor que talvez mais interaja e se beneficie das inovações tecnológicas. A terceira edição do Manual de Oslo (2009) define inovação como “... a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”. O Manual afirma ainda, que um aspecto importante da inovação é que esta deve ter sido implementada.

O item 308 do Manual explicita:

“As atividades de inovação das empresas, incluindo as compras de capital, as despesas com P&D e outras despesas correntes ligadas às inovações, podem ser caracterizadas como investimentos capazes de render retornos no futuro. Esses retornos frequentemente vão além da inovação específica para a qual a atividade se direciona.”

Ao aplicar-se no contexto de tecnologias relacionadas à mudança do clima, a citação encaixa-se de maneira ímpar. A sociedade, em alinhamento ao acima exposto neste artigo, encontra-se, por necessidade, desafiada a inovar e desfrutar de seus variados retornos.

As inovações podem ainda ser categorizadas de acordo com sua natureza. De acordo com Freeman (1991), há quatro delas: inovações incrementais, inovações radicais, novos sistemas tecnológicos e mudanças de paradigma tecnológico-econômico. Essa divisão está associada também à maneira com que se difundem.

Inovações incrementais são aquelas que ocorrem de maneira relativamente contínua, variando de acordo com o segmento em que estão inseridas. São em sua maioria, decorrentes de demandas do mercado ou experiência de usuários. Freeman destaca ainda seu efeito conjunto, como protagonista fundamental para o aumento de produtividade, apesar de seus efeitos individuais não alterarem o cenário econômico.

Neste artigo, a tecnologia analisada caracteriza-se como uma inovação incremental, possibilitando que equipamentos já existentes, funcionem de maneira mais alinhada às questões climáticas.

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As indústrias e seus processos, por sua natureza, propiciam experimentos e implementações tanto incrementais como disruptivas, constituindo assim um rico campo

para a inovação.

3. Metodologia

Para demonstrar como estas questões estão sendo tratadas no país, propusemos uma análise qualitativa sobre uma empresa escolhida por conveniência e devido aos resultados e medições consolidados que apresenta. De acordo com a seguinte definição:

“metodologia de pesquisa não-estruturada, exploratória, baseada em pequenas amostras, que proporciona insights e compreensão do contexto do problema”. (MALHOTRA, 2001, p. 155).

A análise dos dados no processo de pesquisa tem como finalidade investigar o material levantado, na busca por padrões, respostas e relações. Análises que ocorreram durante a presente pesquisa foram norteadas por impressões e questões elaboradas pelos autores.

Nesta pesquisa descritiva busca-se discutir como a tecnologia abordada se relaciona com as questões ambientais, trazendo para a discussão, seu impacto, seu uso e suas possibilidades para o futuro. Para tal, foi exposto de maneira sucinta o atual panorama de mudanças climáticas, bem a maneira pela qual a tecnologia se insere neste contexto.

Houve a intenção de consultar obras pertinentes ao tema, com a finalidade de aumentar a confiabilidade dos dados. Martins (2006) define: “Confiabilidade refere-se à consistência ou estabilidade de uma medida”. A confiabilidade deve vir antes da validade, uma vez que esta não se estabelece sem aquela. Uma medida que constitui parte de um estudo, ou mesmo o estudo em si deve antes ser confiável para que possa ser pertinente, útil ou válido, para algo.

Há proximidade de atuação profissional entre a empresa e um dos autores do presente artigo, fator que foi fundamental para sua escolha. Vale ressaltar que tal proximidade não ocasionou vieses significativos quanto às análises aqui apresentadas. A relação se limita à atuação em um cliente comum às partes.

As análises aqui apresentadas partem de entrevistas presenciais semi-estruturadas, realizadas a partir de um roteiro básico elaborado pelos autores. O processo de coleta de dados consistiu, portanto, em encontros com o empreendedor e com a equipe técnica responsável pela área de utilidades de um de seus principais clientes, na qual a tecnologia já se encontra plenamente empregada. A facilidade de acesso aos respondentes constituiu o fator primordial para a coleta dar-se por meio de entrevistas semi-estruturadas, ferramenta julgada pelos autores como adequada a esta situação.

Além do acima exposto, dados secundários foram buscados em diversas fontes. Utilizou-se obras relevantes no campo de estudo, como relatórios sobre mudanças do clima

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e planos governamentais. Obras relacionadas à inovações também foram consultadas, visando fundamentar o enquadramento da tecnologia em determinada categoria. Instituições ligadas à indústria sucroalcooleira foram buscadas para enriquecer a análise, como centros de pesquisa com atuação relacionada ao tema (CEPEA) e associações do setor (UNICA).

O presente artigo está divido em seções, para melhor exposição dos assuntos. Na primeira encontram-se a introdução que contextualiza o tema das mudanças climáticas e da inovação, seguida da metodologia empregada. Na sequência, encontra-se uma seção sobre queimadores industriais, que leva à apresentação da empresa e sua tecnologia. Posteriormente, discute-se e pormenoriza-se a comercialização e características do produto, apoiando-se em uma análise de um cliente que já opera a tecnologia. Por fim, encontram-se as conclusões auferidas e a bibliografia utilizada.

4. Queimadores Industriais

As indústrias utilizam formas diferentes para a geração de calor necessária à realização da produção. Esta geração de calor pode vir de caldeiras geradoras de vapor, de trocadores de calor, de aquecedores elétricos, entre outros. O processo industrial focado neste artigo é a queima de combustível para gerar calor, realizado pelo uso de queimadores industriais, utilizados em diversos segmentos.

Queimadores industriais são equipamentos de combustão, utilizados como fonte de calor para aquecimento de fluidos, principalmente água. Estes equipamentos podem utilizar como combustível o GLP, gás natural, óleo, biomassa ou álcool. Tecnicamente, os queimadores são responsáveis por possibilitar a combustão através da correta relação entre combustível e ar para que a ignição possa gerar fogo de forma controlada, conforme a necessidade.

Figura 2- Queimador de Chama direta

Fonte: Centro de Informação Metal Mecânica

Este tipo de equipamento é e m p r e g a d o n a s indústrias químicas, têxtil, a u t o m o b i l í s t i c a , d e

mineração, transformadoras de metais, alimentícias, em hospitais, cozinhas industriais, entre outras. Possui uma gama considerável de aplicações: caldeiras a vapor, aquecedores

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de água, aquecedores de fluído térmico, geradores de gases quentes, secagem, incineração, climatização, tratamento térmicos, queima de produtos cerâmicos, aquecimento de estampos, fusão e refino de vidros, fusão de produtos ferrosos e não-ferrosos, estufas e calcinação.

Tabela 1 - Exemplos de usos de queimadores:

Segmentos FinalidadeSiderúrgicas  aquecimento de fornosCerâmicas e Fundições  queima do material e secagem para redução de umidadeIndústria de Papel e Celulose  secagem do papelIndústria de Vidro  fundição, moldagem do material, solda e acabamentoIndústria AutomoAva  secagem da Anta na pinturaIndústria TêxAl  secagem de tecidos e fixaçãoIndústrias Gráficas  secagem do papel em máquinas rotaAvas

Fonte: Liquigás

Os queimadores industriais são objeto de análise e medição das emissões, conforme o GHG Protocol, que é fruto de uma parceria entre governo, academia, órgãos multilaterais e setor empresarial. O objetivo desta ferramenta é capacitar cada um destes setores a divulgar relatórios padronizados com levantamentos das emissões e para que as fontes sejam identificadas e que os sumidouros sejam removidos, conforme o PNMC de 2007.

Este padrão de protocolo de GEE que está de acordo com as normas ISO e ABNT considera gases emitidos por queimadores dos setores de Metais (Ferro e Aço), Químicos e Resíduos, como parte do escopo 1 (emissões diretas de GEE da organização relatora) e a maior parte dos demais setores como escopo 2 (Emissões da organização relatora ligadas à geração de eletricidade, calefação ou refrigeração, ou vapor adquirido para consumo próprio) por conta da utilização de vapor, que geralmente são gerados a partir de queimadores.

Dada a grande variedade de aplicações, estes equipamentos constituem um importante consumidor de combustíveis. Dos 44.897,7 mil metros cúbicos de Gás Natural consumidos diariamente no país em março de 2011, 28.620,8 mil m3, ou 64 % foram utilizados pelo setor industrial (ABEGÁS , 2011).

Os queimadores flex podem ser usados em quase todos os processos que utilizam GLP, a figura abaixo mostra a utilização de GLP em cada um dos segmentos industriais,

segundo (BEN 2005 * Estimativa CBIE com base nos dados de janeiro a junho).

Figura 3- Distribuição do uso de GLP por segmentos industriais.

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Fonte: CBIE

Neste artigo, foi focada a relação com o GLP, devido à semelhança do uso, da forma de distribuição (tanto o GLP e o Etanol dependem da entrega via caminhão, situação diferente no caso do gás natural, em que gasodutos são utilizados) e pelo caso estudado em que uma (importante indústria que adota o sistema flex.

5. Empresa e Tecnologia

5.1. GASALCOOL

Existem oportunidades de mitigação de emissão de GEE desenvolvidas internamente no país, utilizando produtos e capacitação nacionais, conforme poderá ser visto a seguir.

O Plano Nacional para Mudança do Clima (2008) define como mitigação “as mudanças e substituições tecnológicas, que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa”, e destaca como oportunidade o uso de equipamentos eficientes no setor industrial, bem como o controle das emissões de gases; outro ponto levantado é a substituição de combustíveis mais carbono-intensivo por outros renováveis ou de menor teor de carbono.

Neste contexto de mitigação e adaptação, passando por ganhos de eficiência no setor produtivo, as inovações tecnológicas constituem-se elemento fundamental da viabilização deste processo. A tecnologia flex para queimadores da empresa GASALCOOL, insere-se de maneira ímpar neste cenário, mostrando-se uma opção viável à sua concretização.

No ano 2000, os engenheiros Arthur Zanetti e Marcos Camerini utilizaram um projeto de motor a álcool pré-vaporizado (um dispositivo que transforma o etanol em vapor antes de entrar na câmara de combustão, com o objetivo de causar uma queima mais eficiente), desenvolvido e patenteado pelo Professor Romeu Corsini da Escola de Engenharia de São

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Carlos (EESC) da USP (Patente: PI8402740-1), na tentativa de empregar a tecnologia em carros comerciais. Em caso de êxito, a eficiência do motor poderia melhorar e conseqüentemente reduzir os níveis de monóxido de carbono emitidos. A iniciativa não funcionou comercialmente, majoritariamente por conta do desenvolvimento da tecnologia de carros flex, que apesar de possuir queima menos eficiente que a tecnologia de pré-vaporização, permitia uma flexibilidade de escolha para o consumidor final.

Foi neste contexto que o Sr Arthur Zanetti teve a Ideia de aplicar esta mesma tecnologia em queimadores industriais.

Em janeiro de 2011, a GASALCOOL começou a elaboração do produto específico para indústrias. Foram 2 anos de desenvolvimento do projeto, que culminaram na entrada do pedido de patente em junho de 2003 (pedido PI0302222-6 A2), a expectativa é que a carta de patente seja concedida ainda no ano de 2011. O desenvolvimento do produto era avaliado frente aos benefícios financeiros em relação ao GLP (o álcool em 2003 custava em torno de R$ 0,79/l, conforme o CEPEA-ESALQ/USP, o GLP oscilava em torno de R$2,15/kg (ANP), considerando o poder calorífico do etanol 1,8 vezes inferior ao do GLP, para uma mesma quantidade de calor, o preço do etanol como combustível seria R$1,42 contra R$ 2,15 do GLP).

Em maio de 2003, foi montado o primeiro protótipo do produto, que foi testado e teve suas emissões medidas em outubro de 2003 por um prestador de serviços analíticos da região, quatro meses depois o produto estava pronto.

5.2 - Comercialização

A primeira venda foi feita ao Hospital dos Fornecedores de Cana Domingos José Aldrovandi, em fevereiro de 2005. O hospital possuía uma caldeira de pequeno porte, de cerca de 1 ton vapor d’água/h.

Atualmente, com 25 queimadores vendidos, a GASALCOOL apresenta clientes importantes como a Natura, além de clientes do ramo têxtil, hospitalar e alimentício. Possui propostas em andamento para empresas de grande porte e originárias de diferentes setores como mineração, automobilístico, cosméticos e cerâmica.

Em geral, o que se têm observado é que o produto tende a possuir boa aceitação por parte de empresas preocupadas com suas emissões de GEE, mas outros fatores primordiais para a realização das vendas são o custo de instalação e o preço do Etanol.

Uma importante barreira percebida pelas vendas é a dificuldade de efetivação da venda devido ao investimento inicial, que gira em torno de R$ 100 mil reais para uma caldeira de 1 ton de vapor d’agua/ hora. Na realidade isso se deve por conta de dois fatores: a insegurança do preço do álcool na hora em que se faz a análise de investimento, assunto

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que será abordado no texto; e a diferença de modelo de venda, em relação ao seus concorrentes. Atualmente, quando uma empresa de venda de Gás Natural, ou de GLP vende seus combustíveis, eles realizam uma operação de comodato de toda a tubulação necessária para o uso do combustível, portanto o investimento inicial é zero, e como os planos de investimentos são realizados de forma comparativa, a decisão pelo queimador flex fica dificultada.

Nos últimos anos, o preço do álcool tem sofrido variações, com tendência de alta.Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB, 2011), o cultivo da cana-de-açúcar abrange atualmente uma área de 8.442,8 mil hectares, distribuídos entre os estados da federação, área que corresponde aproximadamente ao território dos Emirados Árabes Unidos, ou cerca de duas vezes o estado do Rio de Janeiro. O estado de São Paulo é o maior produtor nacional, com 52,8% da produção total, seguido pelos estados de Minas Gerais (8,77%) e Paraná (7,33%). O estado paulista é responsável por mais da metade do aumento de 10% da área cultivada no país na safra 2010/11, em relação à safra de 2009/10 (CONAB, 2010).

A destinação atual projetada pela CONAB para o etanol é de aproximadamente 51,88% da produção total de cana-de-açúcar, ou 27.091 milhões litros, 1,83% menor que a produção da safra 2010/11. Sendo que destes, 8.709 milhões litros de etanol anidro e 18.382 milhões litros de etanol hidratado. Caracterizando um aumento de 8% na produção do anidro e redução de 6% para o hidratado. Os queimadores industriais podem utilizar ambos os tipos.

Fatores climáticos como estiagem, e a falta de acesso a financiamento para renovação das lavouras, (algumas encontram-se no 12º corte, sendo que a produtividade cai cerca de 50% a partir do 5º), são apontados pela CONAB como os principais entraves à produção atualmente no país. O setor privado, em especial a União da Indústria de Cana-de-Açúcar, expõe entraves relacionados à falta de infra-estrutura e política tributária, além da crise mundial de 2008, que freou o crescimento da produção observado até então nesta década. Mesmo neste cenário, a expectativa é de um incremento de 2,9% na produção total de cana-de-açúcar na safra 2011/12.

Em artigo publicado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da ESALQ-USP (2001), é explicitado o aumento do preço do etanol nos últimos anos, sendo apontada como sua causa, o não acompanhamento da demanda, pelos motivos apontados

anteriormente, como fatores climáticos e quedas de produtividade e rentabilidade do setor.

Figura 4. Preços reais médios mensais de etanol hidratado nos principais estados produtores do Centro-Sul.

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Fonte: Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.

A consequência desta discussão é a insegurança quanto à utilização da tecnologia aqui analisada. Sua viabilidade econômica está diretamente associada ao custo inicial e em proporção maior ao preço do etanol. Em cenários instáveis como o recentemente observado, o emprego de gás natural ou o GLP como combustível dos queimadores podem constituir alternativas economicamente mais atrativas, principalmente se o custo total de aquisição for utilizado.

5.3 - Produto

O produto desenvolvido pela GASALCOOL consiste em um tanque de vaporização de álcool, que pode ser acoplado a um queimador com ou sem o sistema para receber outros combustíveis como o GLP e o gás natural. Para que o álcool (anidro ou álcool hidratado) seja utilizado em caldeiras preparadas para GLP ou gás natural e para que tenha maior rendimento e eficiência, deve ser vaporizado antes da queima. Nos casos em que o sistema já está preparado para GLP ou gás natural basta adicionar um conector “T” e uma válvula no tubo de admissão de combustível e desta forma pode-se escolher entre diferentes combustíveis. Vale retomar que para gerar a mesma quantidade de energia que 1Kg de GLP é necessário a utilização de 1,8l de álcool, devido a diferença de poder

calorífico de cada combustível.

Figura 5: Esquema de uso do equipamento desenvolvido pela GASALCOOL

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Fonte: Elaboração própria

O principal benefício do produto se dá pela redução da emissão de gases de efeito estufa. O queimador reduz em média, a emissão de CO2 em 25% e a emissão de NO/NOx em mais de 50% do que seria emitido se fosse utilizado o GLP com a simples mudança de uma válvula. Além disso, a substituição de um combustível fóssil por uma fonte de energia renovável, já traz ao meio ambiente uma série de benefícios, de forma que a emissão de CO2e é zero.

Conforme medições realizadas por um de seus clientes, temos os seguintes resultados:

Tabela 2 – Medição de emissões.

Parâmetro Medidos Média GLP Média Álcool Comparação de emissões

com o uso de álcool e GLP

Temp Ambiente (oC) 28 27 N/ATemp Stack (oC) 216 239 N/AO2 (%) 3 6 80%CO (ppm) 1 0 -67%CO2 (%) 12 9 -25%Pressão (mbar) -15 0 -98%NO (ppm) 107 44 -59%NOx (ppm) 113 46 -59%

Fonte: Elaborado a partir de relatórios técnicos de um dos clientes

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A instalação além de não demandar parada no processo industrial propicia a diversificação da matriz energética, tornando a operação mais flexível com relação à flutuações de preço dos combustíveis e aumenta o poder de negociação com os fornecedores. Os custos de armazenamento e transporte também são benéficos para o usuário, já que o álcool é um combustível com características de menor risco tanto nos processos de transporte como na estocagem. Já sob a ótica dos produtores de etanol, há o benefício de expandir a comercialização junto às indústrias, favorecendo uma parceria.

Com um aumento da utilização desta tecnologia, criar-se-ia uma demanda adicional por álcool, o potencial de aumento seria de cerca de 17% (quase 3 milhões de litros), caso os equipamentos que usem GLP utilizassem a tecnologia flex, sem considerar a substituição do gás natural. Outro benefício potencial é a escalabilidade e flexibilidade do equipamento. A princípio, pode ser utilizado em diferentes tipos de queimadores. Devido à alta incidência dos queimadores no setor industrial, esta tecnologia pode constituir uma importante ferramenta para a redução da emissão de GEE em diferentes lugares do planeta. Por utilizar o etanol, estaria alinhada também a políticas públicas de substituição de combustíveis fósseis nas matrizes energéticas nacionais.

Apesar de todos os benefícios oferecidos pelo produto, há algumas características que impedem que o uso dessa tecnologia seja ampliado de forma rápida.

No âmbito econômico, para a utilização do equipamento é necessário um investimento inicial que depende da necessidade da empresa e que pode ser um fator que inviabilize o investimento. Outro problema enfrentado é a já discutida flutuação no preço do etanol, que varia conforme a safra e depende do contrato da empresa com fornecedores, correndo o risco do etanol possuir um preço mais alto que o de combustíveis fósseis como o GLP e o gás natural, para esta atividade.

Além das dificuldades econômicas, existem também as institucionais e de infra-estrutura. O mercado de fornecimento de álcool para fins industriais ainda não está estabelecido, o que acarreta em ineficiências que ainda precisam ser contornadas, como a necessidade de se comprar fracionadamente de um distribuidor de combustíveis, não existindo fornecimento contínuo, como o que ocorre por meio dos gasodutos no caso do gás natural.

5.4 - Estudo de Cliente

Em uma entrevista com um dos principais clientes da GASALCOOL, pode-se entender melhor como estes pontos supracitados, são refletidos na prática através deste pequeno estudo de caso.

A empresa deste estudo adquiriu o equipamento da GASALCOOL em janeiro de 2010 para uma caldeira de porte médio (3ton de vapor por hora). Esta empresa estava preocupada com a redução dos gases de efeito estufa, e principalmente com a emissão de CO2 equivalente (CO2e), métrica utilizada em um grande programa de redução da pegada

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de carbono. Em uma análise feita, o principal emissor de CO2e da planta foi a caldeira. Neste momento, foram analisadas as diversas fontes de combustíveis, e elaborado um estudo comparativo entre GLP, gás natural, biodiesel e etanol, sendo o último mais vantajoso tanto na emissão de gases como na questão econômica. A redução de CO2e seria de 60% e o payback do investimento no sistema flex seria de 1,5 ano.

Desde a instalação do equipamento, houve um período de adequação do processo e de aprovação da CETESB que levou cerca de um ano, para que atualmente, a empresa possa utilizar a caldeira com etanol como fonte energética principal (90% etanol e 10% GLP). È importante notar que apesar das condições econômicas terem sofrido importante modificação a empresa continua privilegiando o uso do álcool. Atualmente, esta empresa aumenta os custos com o uso de etanol em cerca de 24% (essa diferença é ocasionada também pela redução do preço do GLP concedida pelo fornecedor, para incentivar o uso deste combustível). Outra dificuldade encontrada pela empresa é a realização de um contrato com os fornecedores de etanol, para que o preço seja mais estável e previsível, o que torna os custos de produção voláteis.

Além do uso do etanol comprado por distribuidores é utilizado também o álcool residual do processo de limpeza dos reatores. Esta melhoria esta em fase de adaptação para que se possa utilizar 70% do etanol comprado e 30% do álcool residual, o que reduziria a geração de resíduos e diminuiria o impacto financeiro. Portanto, a tecnologia estudada permite a utilização de subprodutos ou resíduos do processo produtivo.

A empresa está expandindo a produção de vapor d’água e está adquirindo mais uma caldeira, que também utilizará o sistema flex, o que é um claro indício de que os objetivos da empresa de emissão foram atingidos. Para realizar a emissão de gases, esta empresa realiza medições mensais das emissões das caldeiras com equipamento próprio, e conta com a análise feita por laboratórios externos com menor periodicidade. No entanto, há uma preocupação da empresa sobre a durabilidade de um sistema projetado para GLP, com a utilização de etanol que pode sofrer maior corrosão, ou perda de eficiência.

A companhia tem recebido visitas da Petrobrás, de empresas de outro setor e até de concorrentes para avaliar o sistema flex de caldeiras. A Petrobrás aprovou a tecnologia e alguns concorrentes estão se preparando para utilizar o mesmo sistema em suas plantas fabris. Portanto, a tecnologia desenvolvida pela GASALCOOL se mostra com grande potencial de comercialização, expansão e uma boa alternativa para a redução dos gases de efeito estufa.

6. Conclusões

A tecnologia desenvolvida pela GASALCOOL é uma tecnologia de redução do impacto dos GEE razoavelmente simples no que diz respeito ao entendimento, implantação, funcionamento e operação, o que faz com que a aplicação esteja atrelada à externalidades. É visível que a dependência do sucesso desta tecnologia esteja ligada ao preço do etanol

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hidratado, mais precisamente à relação entre o preço deste combustível com o preço do GLP, do gás natural e do biodiesel.

É importante notar as diferenças que cada setor enfrenta na utilização deste método que pode ser desvantajoso e alterar a competitividade ou custos de formas mais substanciais. Entretanto, o principal efeito que deveria ser considerado pelas empresas é a efetiva redução de GEE da cadeia produtiva, visto à situação climática para a qual caminhamos, e neste aspecto a tecnologia apresentada se mostra eficiente para mudanças incrementais.

Viu-se que, no caso da empresa cliente analisada neste artigo, foi possível uma redução de CO2e de 60% e o payback do investimento no sistema flex seria de aproximadamente 1,5 ano. Evidencia-se aqui métricas que elucidam o benefício da tecnologia desenvolvida.

Verificou-se que o potencial de aumento na demanda por etanol seria de cerca de 17% em torno de 3 milhões de litros, caso os equipamentos movidos à GLP utilizassem a tecnologia flex, sem considerar a substituição do gás natural. A demanda interna por etanol seria alavancada, além da sensível diminuição em toda indústria da emissão de GEE, conforme expostos no parágrafo anterior.

O produto desenvolvido pela GASALCOOL apresenta uma séria de vantagens para as empresas que o utilizam e para o meio ambiente. Porém, o modelo atual de vendas desta empresa precisa ser aprimorado para que o alcance e os benefícios da tecnologia sejam ampliados.

Na visão do empreendedor, o modelo de negócio proposto poderia partir de um comodato do equipamento, conforme é feito pelas empresas de GLP e outros gases industriais. Desta forma, a primeira e significativa barreira de vendas do produto, o investimento inicial, seria solucionado. Este modelo permitiria que a GASALCOOL se tornasse uma fornecedora de álcool combustível para as indústrias, não apenas sendo uma empresa que vende um equipamento, singularmente. A cadeia de valor do álcool poderia ser trabalhada para que os preços estabilizassem e para que o transporte e a tributação fossem mais eficientes.

Sendo uma distribuidora de combustíveis, esta empresa poderia despertar interesse para outras companhias relacionadas como a Raizen (joint venture entre a Shell e a Cosan) e até mesmo a Petrobrás.

Outro fator que aprimoraria o negócio a longo prazo, seriam políticas públicas que taxassem combustíveis mais carbono intensivos, alternativa já discutida atualmente. Neste cenário, a tecnologia aqui analisada teria ampla vantagem frente a substitutos, como o GLP.

Felizmente, têm-se observado o esforço de diversas instituições, empreendedores e grupos de pessoas para o desenvolvimento de tecnologias que promovam um clima global mais equilibrado e perene. Inovações incrementais surgem constantemente, sendo muitas delas amplamente difundidas e suprindo demandas imediatas como ganhos de eficiência

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energética e reaproveitamentos. Inovações radicais, como o carro elétrico, já são realidade mesmo em países emergentes (iCET, 2011). Espera-se que o conjunto de inovações como estas possam gerar novos sistemas tecnológicos, baseados na premissa de que os recursos naturais são escassos, sendo seu correto gerenciamento mandatório. Neste contexto, a bio e a nanotecnologia, tidos como os potenciais protagonistas da nova mudança de paradigma tecno-econômico deverão ter em mente o panorama das emissões de GEE e das mudanças climáticas, para que seja realmente viável, um novo paradigma.

A América Latina possui índices de inovação ainda abaixo dos observados em países europeus. De acordo com o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (2010), o investimento em P&D em relação às receitas é de 0,2% na Argentina, e 0,58% no Brasil, sendo este o país latino americano com índice mais alto. Na Bélgica, a porcentagem chega a 2,1% e na Alemanha são registrados 2,9%. Outro dado importante é relacionado à alocação dos recursos direcionados à inovação. Cerca de metade deste total é utilizado para a aquisição de bens de capital (BID, 2010), com tecnologia já desenvolvida em países desenvolvidos. Este perfil de uso deixa de fomentar inovações e tecnologias nacionais, tornando-as mais incrementais e menos disruptivas.

Este quadro expõe a grande distância entre países europeus desenvolvidos e o Brasil, no que concerne aos índices de pesquisa e inovação. Contudo, a economia em rápida expansão, aliada a características geográficas e à biodiversidade, coloca o país em posição de destaque no futuro próximo. Pode-se apontar como necessário para que se concretize esta oportunidade, além de esforços para o desenvolvimento educacional da população, a solidificação de instituições, como a de proteção à propriedade intelectual, e agências regulatórias e de certificação de qualidade. Contudo, a conjuntura mundial que se estabelece, revela países emergentes consolidando seu papel na dinâmica econômica, entre eles o Brasil. Os inovadores possuem papel ímpar na solidificação deste patamar alcançado. Para Schumpeter, o empreender faz-se pelas oportunidades geradas pelas coisas novas, pelas criações: “Em essência, essa função não consiste em inventar algo nem, de outra forma, criar as condições que a empresa possa explorar. Ela consiste em conseguir que as coisas sejam feitas.” (SCHUMPETER, 1942).

Buscou-se no presente artigo evidenciar as potencialidades do emprego de uma tecnologia inovadora brasileira frente às emissões de GEE. Outro objetivo deste trabalho é mostrar que existem soluções possíveis para reduzir a emissão de gases e que muitas destas soluções podem utilizar know-how e recursos locais para impactar os efeitos climáticos. No entanto, é importante que haja o envolvimento maior do governo e das empresas para que estas tecnologias sejam utilizadas de maneira mais ampla e desenvolvidas de maneira mais rápida e com o apoio maior das entidades de fomento.

Com esta intenção fica ainda a ser estudado alguns aspectos relevantes a esta tecnologia. Como o mapeamento completo das emissões da cadeia de valor do etanol, considerando principalmente o transporte, a produção agrícola e sua transformação, de

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maneira a comparar com as cadeias do GLP, do gás natural e do biodiesel. Fica ainda a ser pesquisado, uma comparação mais profunda com casos de complementação a outros combustíveis e os impactos de estimular a monocultura da cana. Ainda sobre esta tecnologia, fica a necessidade de estudar a possibilidade de ampliação do uso para outros equipamentos além dos queimadores e da possibilidade de internacionalização desta tecnologia flex.

Em relação à produção e estímulo ao desenvolvimento de tecnologias nacionais com foco na redução dos impactos climáticos, fica um grande campo a ser pesquisado, que além de pesquisas acadêmicas, ainda são necessárias pesquisas de ordem mais prática para que o apoio a estas tecnologias seja mais efetivo e para que os interessados em promover este tipo de avanço tenham um caminho mais claro e menos penoso, visto que os benefícios destas atividades geram melhorias ambientais, além de estarem alinhados com o Plano Nacional de Mudanças Climáticas e com os protocolos e compromissos assumidos pelo país.

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ANEXO

ROTEIRO

1. Como surgiu a empresa GASALCOOL?2. Quais os principais motivos que levaram a GASALCOOL a se voltar para questões

relacionadas com a redução de gases de efeito estufas? (fonte: “Para mudar o Futuro”)

3. Como surgiu a tecnologia FLEX de caldeiras? Demanda de clientes ou ideia?4. Este produto é patenteado?5. Quem investiu na produção desta tecnologia?6. A tecnologia é construída junto com o cliente?7. Quais foram as etapas de desenvolvimento deste produto?8. Como e onde este produto foi testado, para que os clientes pudessem comprar?9. Como foi a primeira venda?10. Como é o pós venda? Os resultados das emissões são medidos? Como são

medidos?11. Quais os principais resultados desta tecnologia? Quais os ganhos para os clientes e

para o meio ambiente?12. Qual a importância do produto para a redução de emissões de seus clientes?13. Como e quem é responsável pelo desenvolvimento do MDL oferecido por seu

produto?14. Como a empresa utiliza os acordos internacionais de emissão de gases para venda

dos produtos?15. Quais as perspectivas de vendas deste produto?

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A APLICAÇÃO DA TECNOLOGIA MULTICOMBUSTÍVEL NO TRANSPORTE AÉREODaniela Stump

Resumo

O presente artigo discorre sobre a aplicação da tecnologia SFS – Software Flexfuel Sensor, desenvolvida e patenteada pela Magneti Marelli Brasil, em motores de avião a pistão. A iniciativa conta com a parceria da Divisão de Propulsão Aeronáutica (“APA”) do Instituto de Aeronáutica e Espaço ("IAE"), centro de Pesquisa e Desenvolvimento vinculado ao Ministério da Defesa.

A inovação incremental está em fase final de desenvolvimento e tem potencial para reduzir emissões de dióxido de carbono pela aviação geral, tal como a tecnologia SFS proporcionou aos veículos multicombustíveis (denominados “flex”). Segundo dados preliminares disponibilizados pela Magneti Marelli Brasil, a utilização de etanol nas aeronaves reduz a quantidade de CO2 emitida na decolagem em aproximadamente 38% (trinta e oito por cento), enquanto que, em velocidade de cruzeiro, as emissões chegam a cair 63% (sessenta e três por cento), se comparadas com o uso da gasolina de aviação. A contribuição da aplicação da tecnologia SFS deve ser acompanhada pelo desenvolvimento de inovações no campo da substituição da querosene utilizada por aviões de grande porte, largamente utilizada pela aviação comercial, no intuito de se reduzir a contribuição da aviação para o fenômeno do aquecimento global. Introdução

A queima de combustíveis fósseis pela aviação contribui para a intensificação do fenômeno do aquecimento global. Iniciativas que promovam a utilização de biocombustíveis em aeronaves são parte da solução para a redução da pegada de carbono da aviação.

Neste contexto, este artigo aborda a aplicação da tecnologia SFS – Software Flexfuel Sensor ("SFS"), desenvolvida e patenteada pela Magneti Marelli do Brasil Indústria e Comércio Ltda. (“Magneti Marelli Brasil”), em motores a pistão de aeronaves. Esta iniciativa vem sendo desenvolvida pela empresa em parceria com a Divisão de Propulsão Aeronáutica (“APA”) do Instituto de Aeronáutica e Espaço ("IAE"), centro de Pesquisa e Desenvolvimento vinculado ao Ministério da Defesa.

O presente artigo é resultado de pesquisa feita a partir de fontes primárias, consistentes em entrevistas realizadas com Eduardo Campos, representante da Magneti Marelli Brasil, e Alfred Swarcz, representante da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (“UNICA”).

A aplicação da tecnologia SFS na aviação geral é capaz de beneficiar o clima global e reduzir os custos operacionais do vôo, como passaremos a expor.

1. A contribuição da aviação para o aquecimento global e a regulação aplicável

O setor de aviação contribui em larga escala para a queima de combustíveis fósseis (gasolina e querosene) e para o conseqüente agravamento do fenômeno do aquecimento global. Segundo dados do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (“IPCC”), a aviação é responsável por 2% das emissões de gases de efeito estufa globais advindas de

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ações humanas e metade das emissões de CO2 advindas do setor de transportes (IPCC 2007).

Relatório produzido pelo Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima demonstrou que as emissões relacionadas ao setor de aviação nos países desenvolvidos elevaram-se em 62,8% no período entre 1990 e 2005 (UNFCCC 2007).

No Brasil, as emissões advindas do setor de transporte aéreo, em 2005, foram de 5.374 gigatoneladas de CO2. As emissões aéreas aumentaram 53% (cinquenta e três por cento) entre 1990 e 2005 (MCT 2010).

Diante da significativa contribuição das emissões da aviação para o fenômeno global, os países listados no Anexo I da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, se comprometeram expressamente, por meio da assinatura do Protocolo de Quioto, a limitar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa originárias de combustíveis do transporte aéreo internacional, nos termos do artigo 2.2 do protocolo. O trabalho deverá ser conduzido pela Organização de Aviação Civil Internacional (“OACI”) e pela Organização Marítima Internacional (“OMI”).

A partir de 2012, as emissões de gases de efeito estufa liberadas pelas aeronaves que decolem ou aterrissem no território da União Europeia também serão controladas 3 . Qualquer companhia aérea, não importa a nacionalidade, que opere no velho continente, receberá permissões para emitir quantidade limitada dos gases causadores do aquecimento global. Caso emitam mais que o devido, as empresas deverão investir na adoção de tecnologias limpas em sua frota ou comprar permissões de emissões no mercado europeu (o chamado European Union Emissions Trading Scheme ou EU-ETS). Caso suas aeronaves sejam eficientes, emitirão menos gases que a meta imposta e poderão vender suas permissões para as companhias aéreas que delas necessitam.

Os Estados Unidos também buscam reduzir as emissões advindas da aviação. A visita do presidente Barack Obama, ao Brasil, em março de 2011, propiciou a assinatura de Memorando de Entendimento entre o Brasil e os Estados Unidos para Avançar a Cooperação em Biocombustíveis. O texto do memorando reconhece que "o desenvolvimento de biocombustíveis de aviação constitui instrumento importante para mitigar os efeitos da mudança do clima e para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE)".

Um dos objetivos da cooperação Brasil-EUA é "fortalecer parcerias do setor privado mediante a criação de ambiente favorável para pesquisa e círculos acadêmicos, bem como empreendimentos para desenvolver cooperação e iniciativas voltadas para o desenvolvimento de biocombustíveis de aviação". O acordo inclui, expressamente, o apoio

3 Diretiva Europeia 2009/29/EC.

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ao diálogo entre a Aliança Brasileira para Biocombustíveis de Aviação (“ABRABA”) e a Iniciativa de Combustíveis Alternativos para a Aviação Comercial (“CAAFI”).

2. Solução para redução de emissões na aviação: nova aplicação da tecnologia multicombustível

Se a paternidade do avião é dividida entre o brasileiro Santos Dumont e os norte-americanos Irmãos Wright, parece não pairar dúvida sobre a contribuição genuinamente brasileira para a utilização de biocombustíveis na aviação.

Em 2005, a EMBRAER, em parceria com o DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aerospacial), foi responsável pela conversão do motor a gasolina para etanol do avião Ipanema, fabricado pela companhia brasileira Neiva, há quarenta anos.

A substituição da gasolina pelo etanol garantiu ao monoplano redução de custos e melhoria do desempenho ambiental4. O Ipanema é movido a motor a pistão e é largamente utilizado na agricultura brasileira. É campeão de vendas na categoria, dominando 75% do mercado em que atua. Atualmente, 25% dos aviões vendidos são movidos a etanol, o que representa uma diminuição de custos operacionais de até 40%.

Seguindo o pioneirismo da EMBRAER, a Magneti Marelli Brasil buscou tornar mais atraente a opção pela utilização do etanol na aviação, a partir da aplicação da tecnologia SFS em motores de avião a pistão. A inovação, em desenvolvimento desde 2005, é capaz de substituir o atual sistema de ignição e alimentação de combustível usado em motores a pistão, permitindo que funcionem normalmente com gasolina de aviação, etanol ou com mistura de etanol e gasolina de aviação, em qualquer proporção.

A Magneti Marelli é uma das maiores fabricantes do mundo de sistemas e componentes automotivos e está presente no Brasil desde 1978, onde possui 13 unidades produtivas e cinco centros de Pesquisa e Desenvolvimento (Contagem, Itaúna, Lavras, Amparo, Hortolândia, Mauá, Santo André e São Bernardo). Neste projeto, trabalha em parceria com a Divisão de Propulsão Aeronáutica ("APA") do Instituto de Aeronáutica e Espaço ("IAE"), centro de Pesquisa e Desenvolvimento vinculado ao Ministério de Defesa do Estado brasileiro.

Segundo consta no site Inovação Unicamp, “o projeto da recebeu investimento de R$ 580 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio do fundo setorial CT-Aeronáutico. O valor está sendo usado na compra de equipamentos e material de reposição e para os ensaios de desenvolvimento”. Completa a reportagem que “a Magneti Marelli responsabilizou-se pelo desenvolvimento do sistema que gerencia o motor, a calibração do sistema e o software que comanda e controla todas as informações, e pela parte de

4 Disponível em http://www.aeroneiva.com.br/site/content/produtos/produtos_ipanema_vant_alc.asp. Acesso em 20 de maio de 2011.

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certificação do sistema. Já a APA cuida dos ensaios de laboratórios e de vôo e da especificação dos requisitos aeronáuticos” (INOVAÇÃO UNICAMP 2009).

A tecnologia bicombustivel para motores de avião pode ser considerada incremental, na medida em que aplica a tecnologia SFS, desenvolvida pela Magneti Marelli Brasil para aplicação em automotivos. A tecnologia SFS, totalmente nacional, consiste em programa de computador inserido no módulo de comando da injeção eletrônica. O primeiro modelo a usá-la foi o Gol Total Flex, lançado em 2003.

O SFS5 está patenteado perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial ("INPI"), sob o número PI0202226-5, em nome da Magneti Marelli Brasil, como depositante, e dos inventores brasileiros que trabalharam na pesquisa: Carlos Fernando Damasceno, Pedro Henrique Monnerat Junior, Alberto Bucci e Vagner Eduardo Gavioli, cujos currículos encontram-se anexos a este artigo.

No início do projeto, datado da segunda metade da década de 1990, a matriz italiana supervisionava o andamento da pesquisa e promovia o intercâmbio entre as descobertas realizadas pela subsidiária brasileira e as demais subsidiárias da empresa distribuídas no globo. Contudo, o resultado da pesquisa foi inteiramente creditado à equipe brasileira (TEIXEIRA 2005).

A adaptação do SFS a motores de avião a pistão, está em fase de calibração e será primeiramente implantada em um motor Lycoming 0-360 A1D, de fabricação nos Estados Unidos, com potência de 180 HP. Os ensaios em vôo serão realizados em uma aeronave AeroBoero 180, pelo Instituto de Pesquisa e Ensaios em Vôo (“IPEV”).

A aplicação da tecnologia SFS em motores de avião foi demandada pelo mercado (market pull), que já aprovou a utilização de etanol no setor automotivo e em aviões de pequeno porte, como o Ipanema. A tecnologia é capaz gerar maior difusão dos ganhos econômicos e ambientais proporcionados pelo uso do etanol.

Trata-se de inovação de produto em progresso, que promete ter grande aceitação do mercado brasileiro e norte-americano, segundo estima o representante comercial da empresa, Eduardo Campos6.

5 O SFS – Software Flexfuel Sensor é descrito no pedido de patente do INPI como "SISTEMA DE CONTROLE DE MOTOR. O presente resumo refere-se a uma patente de invenção para sistema de controle de motor, pertencente ao campo da indústria automotiva, que foi desenvolvido para proporcionar que o motor de um veículo adapte-se instantaneamente ao tipo de combustível que lhe seja alimentado: gasolina/ mistura gasolina +álcool/álcool e compreendido: por um sistema (1) de controle de motor convencional; por um Sensor Lógico de Software (100), no qual se baseia o sistema de controle de motor convencional (1) e apto a inferir a porcentagem de álcool da mistura combustível utilizado no veículo, desde gasolina com 0% de álcool até 100% de álcool hidratado e anidro e adaptar instantaneamente o comportamento do sistema de controle de motor convencional (1) à composição detectada do combustível; e por sonda lambda (31), pertencente ao sistema de controle de motor convencional (1), que sensora o circuito de escape (39) dos gases provenientes da queima do combustível para inferir a variação da mistura, através do Sensor Lógico de Software (100) determinando a porcentagem de álcool contida na mistura".

6 Entrevista realizada com Eduardo Campos no mês de maio de 2011.

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De acordo com dados obtidos junto à Agência Nacional de Aviação Civil (“ANAC”), do total de 12.505 aeronaves registradas no período entre 1996 e 2009, 9.513 delas possuem motores a pistão7. Significa dizer que 76% das aeronaves registradas perante a ANAC poderão se beneficiar da tecnologia SFS. Segundo reportagem do site Inovação Unicamp, o Brasil é o segundo maior mercado para aviões a motor de pistão no mundo (INOVAÇÃO

UNICAMP 2009).

3. Vantagens ambientais e econômicas da tecnologia multicombustível

Segundo estimativa recente divulgada pela UNICA, o uso de etanol como combustível em veículos automotivos de motor multicombustível fez com que 128.330.160 toneladas de dióxido de carbono (CO2) deixassem de ser lançadas na atmosfera. Este índice cobre o período entre o lançamento desses veículos no Brasil, em março de 2003, até o início de junho de 2011 (UNICA 2011). A aplicação da SFS em veículos automotivos chega a reduzir 90% das emissões de CO2 se comparada à queima de gasolina8.

De acordo com dados obtidos no site Etanol Verde (www.etanolverde.com.br) o cálculo acima leva em consideração as seguintes médias anuais: (i) 4,8 toneladas por ano de emissões evitadas por veículos bicombustíveis que utilizam etanol (E100), o que equivale a 0,40 tonelada por mês; e, (ii) 0,95 tonelada por ano por veículos bicombustíveis que utilizam gasolina com 25% de etanol (E25), o que equivale a 0,08 tonelada por mês.

A Magneti Marelli Brasil dispõe de dados preliminares sobre as emissões provocadas pela utilização de gasolina e do etanol em aviões movidos por motores a pistão, obtidos durante o desenvolvimento da tecnologia em questão.

Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem Decolagem

ServoServo % Gasolina% GasolinaHC

(ppm)HC

(ppm) CO2(g)CO2(g) CO(g)CO(g)GASOLINAGASOLINA 100100 150150 133,32133,32 117,88117,88

ETANOLETANOL 00 8585 82,7282,72 2,522,52

Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro Cruzeiro

Servo % Gasolina% GasolinaHC

(ppm)HC

(ppm) CO2(g)CO2(g) CO(g)CO(g)GASOLINA 100100 193193 136,84136,84 118,72118,72ETANOL 00 163163 51,0451,04 23,5223,52

Fonte: Magneti Marelli

7 Dados obtidos no site da ANAC (www.anac.gov.br).

8 Dado obtido no site www.etanolverde.com.br.

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A observação dos quadros acima nos permite concluir que a utilização de etanol nas aeronaves reduz a quantidade de CO2 emitida na decolagem em aproximadamente 38% (trinta e oito por cento), enquanto que, em velocidade de cruzeiro, as emissões chegam a cair em 63% (sessenta e três por cento).

Além de benefícios globais, é de se esperar que a redução do uso da gasolina de aviação traga benefícios locais. A gasolina de aviação, por conter alta octanagem, é rica em chumbo, substância altamente prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente, que não está presente no etanol9.

Ao lado das vantagens ambientais, o uso do etanol contribui com a redução do custo operacional da aviação, dos quais, quase 20% (vinte por cento) são constituídos pelo valor do combustível (OACI 2010). Embora o custo do etanol possa oscilar, chega a valer um terço do preço da gasolina de aviação10.

Outrossim, a tecnologia multicombustível para aviação em teste pela Magneti Marelli Brasil promove o desenvolvimento da indústria canavieira brasileira. Contudo, segundo representante da UNICA, Alfred Szwarc, ainda é difícil avaliar o impacto da adoção da tecnologia multicombustível pela indústria aérea na produção do insumo energético11.

4. Limitações da tecnologia multicombustível para aviação

A aplicação da tecnologia SFS possui vantagens ambientais e econômicas que não podem ser desconsideradas.

Nas palavras de Fernando Reinach:

O impacto potencial da tecnologia Flex é muito grande. Ela libera os consumidores da dependência exclusiva dos produtores de petróleo ou de álcool, permitindo que o álcool venha a competir direta e gradativamente com a gasolina, abrindo o mercado de álcool em países que não possuem uma rede de distribuição dedicada. Ela permite uma transição gradual dos combustíveis fósseis para os combustíveis renováveis, criando um mercado estável para os combustíveis renováveis (TEIXEIRA 2005, Prefácio).

No entanto, a aplicação da tecnologia multicombustível em motores de aviões apresenta algumas limitações com relação a sua efetiva contribuição para a redução de emissões de gases de efeito estufa.

9 Entrevista realizada com Eduardo Campos no mês de maio de 2011.

10 Disponível em http://www.cenarioscana.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=506&catid=1&Itemid=50 Avião pulverizador movido a etanol . Acesso em 29 de julho de 2011.

11 Entrevista realizada com Alfred Swarcz em maio de 2011.

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A tecnologia desenvolvida pela Magneti Marelli Brasil aplica-se somente a motores de avião a pistão, utilizados por aviões de pequeno porte, utilizados na agricultura e para taxiaereo. Os aviões de grande porte, destinados a movimentação comercial de cargas e passageiros, são movidos por motores a turbo-hélice, a base de querosene. Nesse sentido, a utilização de tecnologia multicombustível não auxiliará as companhias aéreas a se conformarem às novas regras europeias. De outro lado, poderá ser utilizada pelos países europeus em seus vôos de curto percurso e para utilização na agricultura.

Conclui-se que, para efeito de mitigação das mudanças do clima, a tecnologia multicombustível desenvolvida pela Magneti Marelli Brasil deverá ser complementada por outras iniciativas que ataquem as emissões provocadas pela utilização do querosene.

5. Iniciativas complementares: desenvolvimento de alternativas à querosene

Além da iniciativa da Magneti Marelli, outras inovações tecnológicas brasileiras em progresso devem contribuir para a redução das emissões de GEE liberadas pelo transporte aéreo.

A Embraer, a Azul Linhas Aéreas, a empresa de biotecnologia americana Amyris e a General Electric (GE), uniram-se para desenvolver o bioquerosene. O biocombustível poderá ser produzido a partir da fermentação da sacarose proveniente da ponta da planta de cana de açúcar, da palha e de outras fontes vegetais, como o milho. O projeto prevê que o primeiro vôo experimental de um jato E-Jet movido a bioquerosene se dará no primeiro semestre de 2012 (BARBOSA 2011).

Segundo informações divulgadas no site da Embraer, a Amyris produz seu combustível renovável utilizando tecnologia de biologia sintética. O processo consiste em alterar o metabolismo de micro-organismos, para que transformem o açúcar em uma grande variedade de produtos renováveis, incluindo diesel, combustível para jatos e produtos químicos de alto desempenho (EMBRAER 2011).

O projeto está recebendo recursos da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia.

Paralelamente, pesquisadores da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp também estão desenvolvendo processo de produção de bioquerosene a partir de óleos vegetais. Em setembro de 2009, foi requerida a patente perante o INPI em nome dos inventores Rubens Maciel Filho e Maria Regina Wolf Maciel, lideres, e César Benedito

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Batistella e Nívea de Lima da Silva, cujos currículos estão no Anexo deste artigo, sob o n° PI0803465-612.

Segundo reportagem publicada no site Inovação Unicamp, “além de mais barata, a alternativa desenvolvida por eles seria menos poluente, pois não emite enxofre, compostos nitrogenados, hidrocarbonetos nem materiais particulados” (INOVAÇÃO UNICAMP 2009).

O desenvolvimento de biocombustíveis alternativos a querosene deverá ter maior impacto na aviação internacional se comparado à utilização de tecnologia multicombustível em motores a pistão.

O interesse das empresas brasileiras no desenvolvimento de biocombustíveis de aviação é tamanho que, em maio de 2010, foi formada a Aliança Brasileira para Biocombustíveis de Aviação (“ABRABA”)13, composta, inicialmente por Algae Biotecnologia, Amyris Brasil, Associação Brasileira dos Produtores de Pinhão Manso (ABPPM), Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB), Azul Linhas Aéreas Brasileiras, Embraer – Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A., GOL Linhas Aéreas Inteligentes, TAM Linhas Aéreas, TRIP Linhas Aéreas e UNICA (EMBRAER 2010).

6. Considerações finais

A despeito das iniciativas emergentes, a Organização de Aviação Civil Internacional prevê que, em 2050, apenas 10% das aeronaves utilizarão biocombustíveis. A reduzida difusão dessa fonte de energia limpa deve-se a fatores que tendem a limitar a produção de sua matéria-prima (ICAO 2010). Entre esses fatores está a escassez de terras agricultáveis que não pressionem a produção de alimentos ou a preservação de florestas nativas.

Disso concluímos que, a indústria da aviação somente poderá contribuir de forma significativa para o combate ao aquecimento global se o desenvolvimento de combustíveis de baixa emissão de gases de efeito estufa for conjugado com outras inovações no setor, como a redução do peso das aeronaves e a redução de uso de recursos naturais para sua fabricação.

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12 O pedido de patente traz como descrição da invenção: "BIOQUEROSENE E PROCESSO DE OBTENÇÃO DO MESMO A presente invenção pertence ao campo dos biocombustíveis. Mais especificamente, o biocombustível da presente invenção é o bioquerosene obtido a partir da transesterificação de óleos vegetais na presença de um catalisador. Adicionalmente, a reação da presente invenção é uma reação que transcorre em 10 minutos e o processo de obtenção do bioquerosene compreende ainda uma etapa de purificação do produto obtido. Especificamente, o bioquerosene obtido na presente invenção tem potencial aplicação como combustível para aviação".

13 Como exposto no início deste artigo, a ABRABA foi expressamente mencionada no memorando de entendimentos para cooperação Brasil-EUA.

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TEIXEIRA, Evelyn Carvalho. O Desenvolvimento da tecnologia Flexfuel no Brasil. São Paulo, outubro de 2005. Disponível em http://146.164.33.61/silviocarlos/PF%2008/Rodrigo%20Faria%20PF%2007/Cap2/FLEXFUEL.pdf.

UNICA. Uso de etanol em carros flex já evitou emissão de 128 milhões de toneladas de CO2, de 20 de junho de 2011. Disponível em http://www.unica.com.br/noticias/show.asp?nwsCode=F2662A90-EE1A-4C93-81D6-274953719F96. Acesso em 20 de junho de 2011.

______. Etanol e bioeletricidade: a cana-de-açúcar no futuro da matriz energética, 2010. UNITED NATIONS FRAMEWORK CONVENTION ON CLIMATE CHANGE, FCCC/SBI/2007/30, 24 de

outubro 2007.

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AnexoResumo do currículo lattes dos inventores citados

Carlos Fernando Damasceno

É Técnico em Mecânica pelo Colégio Técnico de São Paulo, Franca (1977). Técnico em Engenharia de Construção pela FATEC/UNESP (1983). Possui especialização em Matemática e Metodologia da Computação (1984) e em Engenharia da Computação (1990), ambas pela USP. Foi Diretor de Programa da Magneti Marelli Powertrain em Hortolândia, até 2005, quando liderou a equipe que concebeu, desenvolveu e implementou a produção do primeiro veículo flexfuel no mercado usando apenas software (nomeado SFS). Hoje, Damasceno atua como Diretor de P&D da Magneti Marelli Powertrain LLC em Sanford, Carolina do Norte, EUA. Possui publicações como:

Damasceno and Montanari ” Tetrafuel”, Prêmio FINEP 2006 Catálogo Participant pg 70 w w w. i e l p r. o r g . b r / p r o j e t o s E s p e c i a i s / u p l o a d A d d r e s s / C a t % C 3 % A 1 l o g o _ P r%C3%AAmio2006%5B33614%5D.pdfDamasceno and Monatanaari G, “Tetra fuel” IEE SPECTRUM May 2007, http://spectrum.ieee.org/geek-life/profiles/at-the-ace-awards-engineers-are-the-starsDamasceno, Montanari “Software Flexfuel Sensor (SFS) for Flexfuel vehicles”, PACE Award 2006 - www.autonews.com/assets/html/11_pace/past_winners.html

Pedro Henrique Monnerat Junior

Engenheiro Eletrônico pela Universidade Brasília(UnB) em 1988. Mestrado em Engenharia Elétrica na UNICAMP em 2000. Trabalhando na área automotiva desde 1992 tendo atuado na área de SW em sistemas embarcados, definições de estratégias de controle para motores e cambios automatizados. Conhecimento de sistemas de controle DBW(drive_by_wire) tendo atuado na elaboração de tools matemáticos para definições de parâmetros para o motor e experiência em calibração de estratégias de segurança em veículo. Atualmente atua como Program Manager em aplicações de sistema Flex junto as montadoras.

Vagner Eduardo Gavioli

É Engenheiro Eletrônico pelo Instituto Mauá de Tecnologia. Possui MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas. Está na Magneti Marelli desde 1988, atuou no desenvolvimento dos primeiros sistemas de injeção eletrônica para o mercado brasileiro. Como responsável pelos grupos de hardware e software atuou na concepção e desenvolvimento dos sistemas Flexfuel, Tetrafuel e ECS.

Rubens Maciel FilhoBolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Federal de São Carlos (1981), mestrado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1985) e doutorado em Engenharia Química pela Leeds Metropolitan University (1989). Atualmente é professor titular da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em Processos Industriais de Engenharia Química.

Maria Regina Wolf MacielBolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1ª. Possui graduação em Engenharia Quimica pela Universidade Federal de São Carlos (1981), mestrado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1985) e doutorado em Engenharia Química - The Leeds University (1989). Atualmente é professor Titular da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia das Separações e Termodinâmica Aplicada.

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Nívea de Lima da Silva Bolsista de Pós-doutorado Júnior. Doutora em engenharia química pela FEQ/UNICAMP (2010), com mestrado em engenharia química com ênfase em processos químicos na FEQ/UNICAMP (2006), possui graduação em engenharia química pela Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase processos químicos, atuando principalmente nos seguintes temas: produção e caracterização de biodiesel proveniente de óleos vegetais e gordura animal; produção de biodiesel por destilação reativa; produção de biodiesel utilizando reator de alta rotação (Ultra-Shear reactor); produção de biodiesel por sistemas convencionais; produção de bioquerosene de alta pureza; purificação da glicerina residual e obtenção de produto grau farmacêutico; produção de gás de síntese a partir da glicerina do biodiesel; determinação dos parâmetros cinéticos da reação de transesterificação.

César Benedito Batistella

Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. Possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1989), mestrado e doutorado em Engenharia Química pela Universidade Estadual de Campinas (1999). Atualmente é pesquisador da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Química, com ênfase em Operações de Separação e Mistura, atuando principalmente nos seguintes temas: destilação molecular, engenharia de processos, destilação de produtos naturais, química fina, produtos naturais e petróleo. Fez pós doutoramento em modelagem, simulação, projetos e desenvolvimento de equipamentos especiais de processo, entre eles destiladores moleculares, e desenvolvimento de processos e purificação de produtos naturais.

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INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO SETOR DE ATERROS SANITÁRIOS: O CASO DO EVAPORADOR DE PERCOLADO (CHORUME) COM A QUEIMA DE BIOGÁS

Flávia Gonzaga Pileggi

1. Introdução

A forma de tratamento do lixo é um grande problema ambiental enfrentado pelas cidades. Os resíduos descartados pelos brasileiros geram uma efetiva emissão de milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.

A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/10, e seu Decreto regulamentador, Decreto 7.404/10, que tratam do gerenciamento de resíduos sólidos no país, inovaram quanto às responsabilidades dos geradores de resíduos e do Poder Público para dar fim aos lixões, verdadeiros vetores de doenças epidêmicas e degradadores da qualidade ambiental.

Uma possível alternativa ambientalmente adequada a este problema é a implantação de aterros sanitários.

Mesmo ainda sendo insuficiente, o número de aterros sanitários no Brasil vêm crescendo nos últimos anos. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) 2008 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítica- IBGE, o percentual de municípios que destinavam seus resíduos a vazadouros a céu aberto caiu de 72,3% para 50,8%, enquanto os que utilizavam aterros sanitários cresceram de 17,3% para 27,7%.

Os Aterros Sanitários são definidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 1984) como:

"aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos, consiste na técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais, método este que utiliza os princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho ou à intervalos menores se for necessário.” (ABNT, NBR, 1984)

Os grandes aterros sanitários, atualmente gerenciados por grandes empresas e prefeituras municipais, cada vez mais estão aprimorando técnicas para diminuir o impacto social e ambiental. No entanto, um dos maiores desafios para as empresas que operam estes aterros está em fazer com que os “resíduos dos resíduos”, o percolado (chorume) e o biogás, tenham tratamentos adequados, sem a criação de passivos e riscos ambientais.

O biogás e o percolado são produtos indesejáveis formados num aterro sanitário e se não houver tratamento adequado podem causar danos como a contaminação do ar pelo biogás e do solo e/ou corpos hídricos pelo líquido percolado que infiltra no solo.O biogás é uma mistura de diferentes gases: CH4 (metano), CO2 (dióxido de carbono), H2 (hidrogênio) e H2S (ácido sulfúrico). O CH4 representa de 50% a 80% do total de volume do gás, enquanto o CO2 representa de 5% a 20%. A composição do biogás é similar ao gás

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natural, sendo, no entanto, uma alternativa possível para geração de energia. (ALVES, 2000).

Já o Percolado (chorume) é o liquido proveniente da decomposição da matéria orgânica presente na massa de resíduos sólidos sob a ação das águas que se precipitam sobre a mesma. O impacto produzido pelo percolado sobre o meio ambiente está diretamente relacionando com sua fase de decomposição. Contém alta carga poluidora, por isso, deve ser tratado adequadamente. A presença do percolado em águas subterrâneas pode ter conseqüências extremamente sérias para o meio ambiente e para a saúde pública por apresentar compostos altamente tóxicos.

Como tentativa de resolver esses dois problemas: o biogás e o percolado, a SOLVÌ (empresa brasileira atuante nos segmentos de Resíduos, Saneamento e Valorização Energética e Engenharia) importou um equipamento de evaporador de percolado dos Estados Unidos, para ser implantado no Aterro de Salvador, no entanto o equipamento fazia aquecimento com queima de GLP (gás liquefeito de petróleo) e não conseguiu performar com o percolado brasileiro. Em seguida, o equipamento foi levado para São Paulo e com parceria técnica da BTS (empresa brasileira de termodinâmica e sistemas) após várias alterações práticas realizadas no equipamento, como por exemplo, implantação de um sistema de contenção da espuma, porque o percolado brasileiro tem muito detergente; sistema de queima a biogás; e montagem em uma carreta especial, conseguiu-se que ele funcionasse no Aterro de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.

Assim, foi criado o Evaporador de Percolado EVC-1.900, de modo a atender as particularidades operacionais do Brasil projetado e fabricado dentro dos parâmetros para instalações de evaporação do percolado através da queima direta de biogás, objetivando a máxima evaporação com a máxima eficiência térmica .Utilizando como combustível o próprio biogás produzido no aterro, o evaporador permite ao mesmo tempo a queima do metano e a otimização da capacidade das lagoas de tratamento de percolado.

Instalado sobre uma carreta rebaixada, o evaporador bombeia para dentro de um tanque o percolado estocado nas lagoas de tratamento do aterro. A seguir o líquido é aquecido e evapora, a uma razão de até 1 m³/h. O processo de aquecimento é feito utilizando-se como combustível o próprio biogás gerado no aterro, que é canalizado e queimado dentro do evaporador, sob condições controladas.

Desta maneira, o objetivo deste artigo consiste em realizar uma análise acerca da problemática da inovação tecnológica e a questão ambiental, defendendo a posição de que o Brasil deve dar um passo adiante para se manter no posto de um país “sujeito” na questão da Governança Ambiental.

O artigo visa contribuir com uma maior compreensão dos procedimentos para se desenvolver um produto inovador na área de redução de GEE no Brasil, principalmente na área de Aterros Sanitários. Com este objetivo, utilizou-se como estudo de caso o “Evaporador de Percolado”, desenvolvido pelas empresas BTS e SOLVÍ, analisando-se seus

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benefícios e entraves econômicos e ambientais. Ao longo da elaboração deste artigo foram entrevistados os engenheiros responsáveis pela criação do equipamento.

2. Metodologia

Para o presente artigo foi realizada uma revisão na literatura acadêmica a fim de tomar conhecimento do que havia sido publicado sobre inovação tecnológica na área de aterros sanitários, levando-se em consideração a meta de diminuição das emissões de GEE.

Em seguida, após a escolha prévia do estudo de caso, foi realizada a entrevista semi-estruturada mediante a utilização de um roteiro com questões abertas. Esta entrevista foi aplicada ao Engenheiro Sérgio Marcondes, da empresa BTS, um dos responsáveis pela criação do evaporador de percolado.

Neste roteiro de entrevista constavam questionamentos à respeito da idealização do equipamento, a criação, retorno financeiro e benefícios ambientais.

A coleta de dados ocorreu durante os meses de maio e junho de 2011. Em seguida, fora realizada a análise dos dados.

3. Evaporador de Percolado

O Evaporador de Percolado foi criado com a grande vantagem de tratar o percolado (chorume) por aquecimento e, concomitantemente, usar o gás do próprio aterro (biogás) para funcionar. O objetivo da criação foi utilizar o biogás que antes era emitido para a atmosfera, com alta concentração de metano, um dos gases causadores do efeito estufa para promover a evaporação do percolado.

O sistema pode ser representado pelo seguinte esquema e pela explanação seqüencial das etapas de funcionamento do equipamento:

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Fonte: SOLVÍ

Etapas do Processo do Sistema de Evaporação de Percolado:

Sistema de Coleta do Biogás: Por meio de poços verticais existentes no aterro, o gás é coletado e depois o encaminhamento se dá através de tubos de polietileno de alta densidade, interligando os poços que promoverá a sucção do gás e que será instalado na mesma plataforma do evaporador;

Sistema de Tratamento do Biogás: Para o gás ser admitido no evaporador ele precisa passar por um tratamento anterior, visando diminuir sua umidade e a quantidade de resíduos.

Sistema de Alimentação de Percolado: O evaporador utiliza uma bomba que succiona de uma lagoa, caixa ou tanque o percolado do aterro a ser tratado recalcando-se para o interior da câmara de combustão. O sistema é composto por dois filtros em paralelo, com válvulas manuais de manobra de maneira a que um sempre esteja em operação, e o outro disponível para limpeza sem necessidade de parada de operação do evaporador.

Estes filtros estão interligados com a bomba de alimentação do percolado. O sistema opera continuamente, sendo controlado através do sensor de nível do tanque principal, o qual uma vez atingido o nível máximo, comandará o fechamento das válvulas solenóides da linha principal e a abertura da válvula solenóide instalada na linha de retorno a lagoa / tanque de percolado, ou vice versa no caso de ser atingido o nível mínimo.

Sistema de circulação de percolado: Uma vez atingido o nível normal de operação no tanque principal do evaporador, o sistema de circulação deverá ser acionado, através de sua bomba de circulação e em seguida os sistemas de Spray, anti-espuma, e uma vez atingido o sensor de nível no tanque superior, no qual estão instalados os dois queimadores, o sistema indicará a existência de nível de percolado neste tanque e dará permissão para que estes queimadores sejam ligados.

Sistema de Combustão: A combustão da mistura de biogás e ar é iniciada por um sistema de piloto automático com detector de chama, e toda a energia liberada é arrastada pelos gases de combustão, que são conduzidos a um tubo provido de ranhuras no interior do evaporador e submerso por percolado. Quando os gases passam pelas ranhuras ocorre a turbulência e, a transferência de energia. A energia térmica pode aquecer o percolado à cerca de 80°C, ou seja sem alcançar o ponto de ebulição.

Com a transferência de energia, os gases se umidificam e saturam na forma de vapor de água, evaporando o percolado.

O resfriamento produzido pela própria evaporação permite manter a temperatura me valores reduzidos evitando a volatização de metais pesados. A grande vantagem nesse processo de combustão submersa é que a superfície de transferência de energia (a própria bolha) é mantida limpa independente da precipitação de sólidos.

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Sistema de Spray: No processo de aquecimento do percolado considera-se que existe injeção de ar quente no mesmo, o que proporciona a formação de espuma. Para resolver o problema foi criado um sistema adicional de spray de percolado frio no interior da câmara de combustão com objetivo de destruir a espuma.

Sistema de descarga de lodo: Atingido o nível mínimo de operação no tanque principal, deverão ser acionadas as roscas de descarga de lodo.

O lodo que sedimenta no fundo da câmara de evaporação deve ser despejado em local próprio. O concentrado líquido que sai do lodo volta para a lagoa de acumulação de onde foi retirado o percolado. A fração sólida resultante sai em forma de lodo e deve ser encaminhada ao aterro.

De uma forma geral o processo se resume à entrada de percolado (percolado , biogás e ar) e saída de vapor de exaustão e resíduos sólidos concentrados, oriundos da sedimentação do percolado.

As fotos, a seguir, mostram o equipamento instalado no Aterro de São Leopoldo-RS, em 2007, pela BTS e SOLVÌ

Evaporador de Percolado do Aterro de São Leopoldo-RS

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Evaporador de Percolado do Aterro de São Leopoldo-RS

Evaporador de Percolado do Aterro de São Leopoldo-RS

4. Surgimento de uma Ideia Inovadora

A SOLVÍ tinha dificuldades de disponibilizar áreas para lagoas de evaporação natural de percolado em pequenos aterros, pois para a implantação das lagoas exige-se a disponibilidade de uma área ampla.

A empresa já conhecia o sistema de aquecimento e/ou vaporização de líquidos através de borbulhamento direto de gases. Este sistema pode ser utilizado para vários objetivos, sendo uma das aplicações possíveis o percolado. Com o equipamento em mãos, os responsáveis pensaram na disponibilidade do biogás in natura para a produção do calor requerido para que através da queima efetue a evaporação do percolado.

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Segundo um dos responsáveis da empresa BTS, utilizando-se o biogás muitas vezes é mais comum pensar-se em um sistema de evaporação indireto, através de trocadores de calor. Porém, ele afirma que o sistema de evaporação direto por não necessitar de um trocador de calor tem um custo bastante menor, menos manutenção e uma eficiência térmica muito superior.

Com a necessidade da SOLVÍ em resolver seu problema e a expertise técnica da BTS foi possível criar em conjunto (engenheiros da BTS e SOLVÌ) o equipamento de Evaporador de Percolado.

Segundo o Manual de Oslo (2005) uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas. Ou seja, a inovação é algo bem mais abrangente do que produtos totalmente novos e com sofisticados recursos eletrônicos e computacionais. De acordo com essa definição, entende-se que a inovação pode estar presente em praticamente todas as áreas de qualquer organização.

É importante salientar que todos os conceitos de inovação levam em consideração o fato de que uma novidade seja implementada na forma de produtos, serviços ou processos para que se configure, efetivamente, como uma inovação.

O evaporador de percolado por ora escolhido pode ser considerado uma inovação por ser um produto significativamente melhorado na área de produtos e processos no setor de aterros sanitários.

Este produto pode ser considerado inovador, pois antes dele só havia produtos porque as máquinas importadas faziam aquecimento com queima de GLP (gás liquefeito de petróleo) e não funcionava para o Brasil, além de utilizarem combustíveis fosseis não aproveitando o gás gerado no aterro (Biogás).

4.1 - Implantação

Este equipamento foi fornecido pela BTS para implantação em um aterro operado pela empresa SOLVÍ, em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. E, de acordo com o Órgão Ambiental do Rio Grande do Sul a evaporação de percolado tornou-se uma solução de tratamento de percolado por ele recomendado. A BTS, empresa fabricante do evaporador, não opera o equipamento, ficando esta função a cargo da SOLVÍ. Mas, segundo os técnicos que acompanham o funcionamento, foi informado que a operação tem transcorrido sem problemas, com pouca manutenção desde o inicio da operação em 2007. Desde 2007, apenas um aterro implementou esse evaporador de percolado (chorume) e um está em fase de implantação. Segundo informações da própria BTS eles estão fazendo algumas propostas para implantação em outros aterros e, fora do Brasil já

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existem outras empresas oferecendo equipamentos parecidos com base no mesmo processo físico. 4.2 - Benefícios e Entraves Ambientais e Econômicos

O Evaporador de Percolado possui dois benefícios ambientais representativos. O primeiro é a evaporação de percolado sem a necessidade de grandes áreas para implantação de lagoas de percolado, evitando assim a contaminação do solo, dos corpos hídricos e do lençol freático. O segundo benefício é a diminuição das emissões de GEE, pois o equipamento permite a queima do biogás, reduzindo assim o metano (CH4) nele presente convertendo em gás carbônico (CO2), água e traços de demais produtos de combustão. O processo é relativamente simples. O biogás (gás de aterro), que contém alta concentração de metano (CH4), é coletado pelos drenos dispostos no aterro e depois succionado para o equipamento. O CH4 misturado com o O2 (do ar) no processo de combustão gerará CO2, mais água e calor. Este calor é responsável pela evaporação do chorume.

CH4 + 2 O2 → CO2 + 2 H2O + calorPelas características dos resíduos sólidos no Brasil, o biogás gerado na maioria dos

aterros sanitários apresenta elevada concentração de metano, acima de 55%, e de Dióxido de Carbono, acima de 30%.

O biogás gerado nos aterros sanitários, por contar em sua composição com metano e dióxido de carbono, é um dos gases formadores do fenômeno conhecido efeito estufa e que vem contribuindo para o aquecimento do planeta. Estudos existentes indicam que, considerando um período de 100 anos, 1 grama de metano contribui 21 vezes mais para a formação do efeito estufa do que 1 grama de dióxido de carbono.

No entanto, é importante salientar que da mesma maneira que nas lagoas de evaporação natural de percolado são volatilizados diversos componentes existentes no percolado sem sua destruição, no evaporador de percolado isto também acontece. Se, o órgão ambiental local não permitir esta emissão de material evaporado, é necessária a instalação de uma câmara de pós queima, o que requer um outro equipamento com um elevado consumo de energia (biogás) pois requer uma temperatura na faixa de 800 à 1000°C além do tempo de permanência mínima de 0,3 segundos, o que é inviável em aterros de pequeno porte, pois a quantidade de biogás não é tão alta, devendo ser usado outro tipo de combustível (óleo diesel, por exemplo) o que emitiria muito mais gases de efeito estufa.

Em relação, a queima do biogás a mesma se dá em alas temperaturas, o que permite uma boa eficiência de destruição do CH4 (metano), no entanto não há um controle de tempo de permanência dos gases queimados em alta temperatura, como é feito nos Flares enclausurados.

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Apesar das vantagens ambientais, a solução de utilizar o evaporador de percolado (chorume) não pode ser estendida indiscriminadamente a todos os aterros. Pois este equipamento é uma solução adequada para aterros de pequeno/médio porte, onde o volume de líquido a tratar é compatível com a capacidade do equipamento. Para aterros muito grandes, como por exemplo, o Aterro de Caierias - São Paulo (10 mil ton/dia em média de resíduos) é fundamental a adoção de outras soluções.

Segundo o Eng° Sérgio Marcondes (BTS) o tipo de evaporador em discussão, refere-se a equipamentos compactos, para maiores volumes seriam necessárias várias unidades. O processo de evaporação pode ser aplicado a volumes maiores sem dificuldade, no entanto a forma construtiva (compacta) não seria possível.

O lay-out compacto do evaporador pode ser utilizado para capacidades de evaporação limitadas até uma faixa de 2 a, no máximo, 3 m3/h. No entanto para aterros grandes o volume de chorume gerado é bastante maior, e embora utilizando-se o mesmo processo de queima “ submersa “, seria mais conveniente uma instalação projetada sob encomenda, de acordo com a necessidade especifica do aterro.

Outro ponto importante é que, atualmente, o custo de transporte do percolado (chorume) até a estação de tratamento é alto o que torna o evaporador mais viável financeiramente. Segundo a SOLVÍ, o Aterro que teve a implantação do evaporador reduziu seu custo de tratamento de percolado, que antes eram transportados e tratados em unidade externa de terceiro. Na tabela, abaixo, são apresentados os custos comparativos:

Custos Comparativos Com/Sem Evaporador de PercoladoCusto (R$/m³) Sem o Evaporador Com o EvaporadorTransporte R$8,50/m³ _Transporte externo R$19,30/m³ _

Evaporador _ R$18,00/m³

Total R$27,80/m³ R$18,00/m³Redução de Custos De R$9,80/m³, correspodente à 35%

Fonte: FIESP. 2009

No entanto, segundo informações da BTS, antes da implantação do equipamento é preciso efetuar um balanço econômico entre os custos das lagoas de evaporação, a disponibilidade de biogás, a análise se esse biogás poderia ser aplicado em outros processos com maior retorno financeiro, a exigência ou não do órgão de controle ambiental para a instalação de uma câmara pós queima.

O preço do Evaporador varia em função da capacidade e dos materiais utilizados. Para referência, segundo técnico da BTS um evaporador com capacidade de evaporação na faixa de 1,5 ton./h queimando apenas biogás, com tanque de chorume em aço inox AISI

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304, câmaras de combustão em aço inox AISI 310 e tubos de sopragem em aço inox AISI 316, o valor está na faixa de R$ 1.800.000,00 ( um milhão e oitocentos mil reais ).

A empresa pretende ampliar o número de aterros atendidos pelo evaporador, mas afirma que ainda não foi realizado um estudo para saber quantos e quais aterros o evaporador compacto de chorume poderia atender no Brasil. Para isso seria necessário saber a quantidade de chorume e biogás que um aterro gera através de análise de caracterização do resíduo, ou seja, seria necessário conhecer a porcentagem média de material orgânico, plástico, papel etc., que chegam ao aterro, assim como a quantidade total diária e seu tempo de vida do aterro.

5. Patentes

Em relação à patente do equipamento o processo de queima submersa é de domínio publico, no entanto o que foi feito pela BTS foi a aplicação de queimadores de gás disponíveis no mercado, para a queima de biogás em condições de pressão acima da atmosférica ( saída dos gases queimados) diretamente no tanque de percolado (chorume) sob uma coluna de liquido de pressurização, de maneira que a troca de calor seja feita diretamente entre os gases resultantes da combustão em alta temperatura e o liquido á ser evaporado. Tudo isso sem necessidade de trocadores de calor.

O projeto do Evaporador de Percolado (chorume) deu à Solví o Prêmio Top 25 Empresas mais Inovadoras do Brasil, criado pela Revista Exame e Monitor Group, porém as empresas criadoras do equipamento não possuem a patente do produto.

Este dado só ressalta ainda mais que o Brasil precisa crescer muito na área de inovação tecnológica e para isso é necessário que haja investimento neste setor, Segundo dados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em 2010 o Brasil registrou 442 pedidos de patentes, enquanto a China, um país emergente como o Brasil, registrou 12.337. Como inovação nada mais é do que a introdução de uma novidade ou aperfeiçoamento tecnológico no ambiente social ou produtivo, seu desenvolvimento encontra-se intrinsecamente ligado à possibilidade do inovador se apropriar e colher os frutos das suas criações. É exatamente aí que o sistema de patentes passa a exercer um papel fundamental.

6. Considerações finais

Neste trabalho o Evaporador de percolado (chorume) serviu como exemplo para análise das dificuldades e incentivos dos equipamentos criados no Brasil.

Através dos relatos proferidos nas conversas com os responsáveis técnicos, foi possível concluir que o equipamento é extremamente interessante, mas como serve apenas para pequenos aterros inviabiliza a maior proliferação deste no mercado. Uma vez que são as empresas operadoras de grandes aterros que poderiam comprar este equipamento, já

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que para os pequenos aterros muitas vezes esse investimento torna-se inviável considerando-se que ávida útil de um aterro não é longa.

Maior investimento na área de aterros sanitários no Brasil seria de extrema importância, tanto para disponibilizar equipamentos financeiramente viáveis, como para criação de novos equipamentos. A SOLVÍ relata que está testando outros sistemas de tratamento de percolado, específico para grandes aterros, porém desde 2007 não houve nada inovador neste setor.

A inovação na área de reciclagem, talvez seja um dos pontos mais importantes na questão de resíduos sólidos, mas não há como deixar de lado o destino dos resíduos que não são recicláveis, como por exemplo, os resíduos orgânicos (grandes emissores de CH4 na sua decomposição).

A inserção de equipamentos que permitam a utilização do biogás como um combustível gerador de energia ou a queima desse gás em flares enclausurados (fechados) só aumentaram no Brasil depois da aprovação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Ou seja, através de mecanismos de flexibilização presentes no artigo 12 do Protocolo de Kyoto que permitem a venda de créditos de Carbono de países em desenvolvimento que reduzam suas emissões para países do Anexo 1 que têm uma meta na diminuição de GEE. Isso demonstra que o Brasil, neste setor de aterros, ainda depende muito de capital externo, como a venda de créditos de carbono, para implementar um equipamento importante para a questão das mudanças climáticas no setor de aterros sanitários.

A queima do biogás para aquecimento do evaporador de percolado (chorume) ainda não permite a venda de créditos de carbono, o motivo não foi analisado neste artigo, mas abre-se o precedente para ser um dos motivos da não ampliação deste equipamento em outros aterros.

O Brasil está atrasado na criação de novas tecnologias em todos os setores e, se o país quer assumir uma posição líder na transição do mercado para uma Economia Verde, faz-se necessário que o país assuma uma posição mais “agressiva” na questão das inovações tecnológicas. Há inúmeras maneiras possíveis de se encorajar o rápido crescimento tecnológico. As atividades básicas como P&D devem ser mais bem orientadas pelas universidades e instituições de pesquisa. Contudo, os pesquisadores precisam ser incentivados por meio de apoios financeiros já que precisam de tempo para efetuar esses trabalhos. É de extrema importância que as instituições de ensino ao redor do mundo recebam um incentivo para continuar buscando novas tecnologias de diminuição de Gases de Efeito Estufa. E, sendo o setor privado um dos maiores interessados nestas novas tecnologias, deveria haver uma maior parceria entre os dois setores (público e privado). (STERN, 2010)

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Outro ponto importante é que a pesquisa em tecnologias inovadoras deve-se expandir em todos os setores, como por exemplo, energia, aterros, captação de CO2 etc., para que não haja crescimento em somente um setor, deixando outros defasados.

Jacques Marcovitch (2006) em seu livro “Para Mudar o Futuro” aponta alguns estudos internacionais que mostram a necessidade de engajar o governo para enfrentar o problema das mudanças climáticas. As políticas públicas defendidas nestes estudos enfatizam instrumentos como, financiamento governamental para P&D através de contratos com empresas privadas, universidades, institutos de pesquisa; apoios diretos e indiretos para incentivos fiscais para P&D, créditos fiscais e subsídios à produção para empresas que levem ao mercado novas tecnologias; e apoios para aprendizagem e difusão do conhecimento e da tecnologia através de treinamento de recursos humanos.

Segundo Nicolas Stern (2010), as mudanças tecnológicas necessárias para chegarmos a um mundo de baixo carbono provavelmente proporcionarão uma nova onda de inovação, criatividade e investimentos. Joseph Schumpeter, economista, mostrou em 1942, a história da grande onda de “destruição criativa” que pode impulsionar o crescimento econômico por meio de toda uma gama de novas oportunidades de investimento.

7. Referências Bibliográficas

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS-ABNT. NBR 8419. Apresentação de projetos de Aterros Sanitários de Resíduos Sólidos Urbanos. Rio de Janeiro. 1984

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. (2008). Disponível em: www.ibge.gov.br

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htmMARCOVITCH, Jacques. Para Mudar o Futuro: Mudanças Climáticas, PolíticasPúblicas e Estratégias Empresariais. São Paulo, Edusp/Saraiva, 2007.Organização Mundial da Propriedade Intelectual –OMPI. Disponível em: www.ompi.comSTERN, Nicholas. O caminho para um mundo mais Sustentável. São Paulo. Editora

Elsevier, 2010SOLVÌ. Revista Solví. Ano I - número 2 novembro de 2007 a janeiro de 2008. Disponível em:

http://www.solvi.com/downloads/revistasolvi02.pdf