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SUSTENTABILIDADE NO COTIDIANO: IMAGENS, HISTÓRIAS E OFICINAS
Nayara Elisa Costa da Conceição – Universidade Federal Fluminense (UFF)
Shaula Maíra Vicentini de Sampaio – Universidade Federal Fluminense (UFF)
Figura 1 - “Para uma refeição mais sustentável basta um pacotinho” Fonte: registro pessoal
Hoje vemos a sustentabilidade sendo articulada a produtos, à mídia, a empresas, a
ONGs, às artes. Observamos diversas imagens no dia-a-dia atreladas ao discurso da
sustentabilidade. Esse discurso do sustentável se pulverizou e não o encontramos somente em
lugares especializados e sim no nosso cotidiano, como por exemplo, numa peça publicitária
de uma marca famosa nas redes sociais, numa capa de revista, ou até mesmo em um
guardanapo, como na imagem acima (figura 1). Essa pesquisa, a qual foi realizada em âmbito
de mestrado, inspirada pelos estudos culturais em seu encontro com a educação, coloca em
evidência as imagens de sustentabilidade que nos acessam no nosso cotidiano investigando o
que essas imagens disparam e narram sobre sustentabilidade e os sentidos que isso produz nos
sujeitos. E tentou buscar caminhos para a pergunta: “Como é que a sustentabilidade vem nos
acessando hoje em forma de imagens?”
De acordo com Costa (2012), vivemos em uma era em que a cultura visual ocupa um
lugar importantíssimo, destacada pelas imensas possibilidades de visibilidade e pelos variados
meios de comunicação e informação que fazem circular cada vez mais imagens. Hoje, além
de consumirmos produtos, somos consumidores de imagens, significados que nos ensinam
valores, desejos, ou seja, modos de ver e de nos comportarmos em relação a nós mesmo, aos
outros e aos produtos. Para Costa (2012), “o mundo das imagens transformou-se em potente
indústria que mobiliza desejos, vaidades e interesses mercantis” (p. 265).
Além disso, Flores e Guimarães (2015) afirmam que a imagem exige seu próprio
modo de análise levando em conta os aspectos culturais e históricos que se entrelaçam na e
pela imagem. Assim, os estados de sensação ao ver e se ver por uma imagem acabam
levantando outros problemas de pesquisa, outros modos de investigação (FLORES;
GUIMARÃES, 2015). Isso envolve um processo contínuo de discussão acerca da imagem e
do visual que produz subjetividades, afetos e saberes. É importante destacar que esse olhar
para as imagens praticado nessa pesquisa está afinado com as perspectivas pós-modernas e
pós-estruturalistas, assumidas nos estudos culturais. Nestas vertentes teóricas as imagens são
tomadas como produção e conhecimento, e não mais como uma tradução do belo ou meras
expressões de alguma realidade subjacente. Então, o nosso interesse não é pensar as imagens
como algo que se fixa e aprisiona os sentidos, mas sim pensá-las como produções em
constante movimento.
Assim como a imagem, a sustentabilidade é também tema central dessa pesquisa. O
conceito de desenvolvimento sustentável surgiu na década de 1980 e a sua definição que se
tornou célebre nos anos 1990 afirma que é preciso um desenvolvimento que seja capaz de
garantir as necessidades da sociedade atual sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de atenderem suas próprias necessidades (SCOTTO et al., 2007). A solução estaria em
um crescimento econômico com novas tecnologias limpas, energeticamente econômica e
eficiente (LAYRARGUES, 1997). E uma das principais críticas a essa definição de
desenvolvimento sustentável diz respeito ao seu caráter contraditório de tentar unir
crescimento econômico e proteção ambiental (SAMPAIO, 2012).
Nessa direção, Sampaio (2012) assinala que muitos autores afirmam que é essa
característica “conciliadora” que faz com que a ideia de desenvolvimento sustentável tenha
uma ampla aceitação em diferentes instâncias. E é essa busca da sustentabilidade pensada em
uma racionalidade tecnológica e de uma globalização focada simplesmente no mercado que
ganha cada vez mais espaço em nossa sociedade. E com isso, vemos a sustentabilidade ser
apropriada e remanejada a partir da sua conexão com outras práticas políticas e econômicas,
produzindo assim novos discursos (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2012).
Desse modo, nos ocupamos desses temas que se entrelaçam nos tempos presentes e
suas fronteiras são borradas em seus limites. Assim, o que podemos observar é que há ativos
processos de interpretação e rearticulação das imagens de meio ambiente e sustentabilidade
pelos sujeitos que, com suas histórias as olham, algumas vezes bem atentos e outras nem
tanto. Esse trabalho, então, pretende atentar para as imagens de sustentabilidade que nos
acessam no nosso cotidiano. A proposta é fazer uma análise dessas imagens de
sustentabilidade, as quais chegaram até as nossas mãos através dos participantes de oficinas
planejadas e produzidas por nós. Também buscamos investigar as formas com que esses
grupos que participaram das atividades propostas enxergam essas imagens.
O menor como caminho potente
Pensando na pesquisa que é desafiada por um referencial pós-moderno, os estudos
culturais, que colocam a cultura no centro das análises sociais, foi preciso pensar caminhos
compatíveis com essa investigação. Com isso, a fim de obter as imagens de sustentabilidade
no cotidiano, a solução metodológica foi realizar oficinas, com o intuito de trazer as visões de
diferentes sujeitos para a composição do trabalho. A decisão de realizar oficinas se pauta na
intenção de construir juntos um espaço de debate sobre as imagens de sustentabilidade para
além de uma estrita coleta de dados. Sendo assim, buscamos promover um ou mais encontros
com os sujeitos que nos trariam essas imagens, a fim de que, durante esses momentos
pudéssemos ter, além de imagens, trocas de experiências, de conhecimentos, de textos e de
falas.
No processo de planejamento das oficinas, o contexto foi de tensionamentos políticos
e econômicos do país, que reverberaram no campo da educação por meio de cortes de
recursos e reformas em políticas educacionais. Como reação a essas medidas ocorreram, em
todo país, ocupações em escolas e universidades pelos estudantes. Nessa conjuntura, a
Universidade Federal Fluminense também foi ocupada. E as oficinas que compõem esse
trabalho foram realizadas dentro desse contexto de ocupação da universidade. As oficinas
foram realizadas com duas1 turmas de graduandos de diferentes cursos da UFF. Elas
ocorreram fora dos prédios onde acontecem as aulas, sendo realizadas em espaços abertos no
interior dos campi. Nesse contexto de universidade ocupada, dividimos os espaços com outras
aulas e atividades que aconteciam ao ar livre. Uma experiência. Um desafio. E partir desse
contexto pudemos perceber que investigar imagens de sustentabilidade no cotidiano de um
público com suas individualidades e diferentes percursos, sendo pensadas e narradas dentro de
uma universidade ocupada, nos permite potências “minoritárias”.
O conceito de menor foi forjado por Deleuze e Guattari para falar sobre a literatura de
Kafka. Uma literatura menor, a qual possui três características: a desterritorialização da
língua; uma literatura que é política; e por fim, uma literatura que tem sempre um valor
coletivo. Cabe apontar que a noção de menor nos desafia para além da literatura. O menor é
produtivo para se pensar e escrever em muitas outras áreas, tal como na educação. Mesmo que
a educação não seja um tema central na obra de Deleuze, Gallo (2003) afirma que o que
pretende é “desenvolver (...) uma demonstração da fecundidade do pensamento de Deleuze
para nos fazer pensar a educação, para nos permitir pensar, de novo, a educação” (p. 63). Este
autor desloca o conceito de menor para produzir reflexões no campo da educação. Segundo o
autor, é preciso:
Insistir nessa coisa meio fora de moda, de buscar processo educativo
comprometido com transformações no status quo; insistir nessa coisa de
investir num processo educativo comprometido com a singularização,
comprometido com valores libertários. Em suma, buscar um devir-Deleuze
na educação (GALLO, 2003, p. 75).
Se na literatura menor de Kafka era preciso desterritorializar a língua, na educação é
preciso desterritorializar os processos educativos. Todas essas políticas educacionais,
parâmetros da educação maior, querem sempre nos dizer o que ensinar, como ensinar, a quem
ensinar, tornando-se uma máquina de controle. A educação menor desterritorializa as normas
da educação maior, gerando novas aprendizagens insuspeitas. E de dentro da sala de aula
busca-se fazer surgir novas possibilidades que escapem da máquina de controle. É impedir a
produção da educação maior, é opor resistência e produzir diferenças (GALLO, 2003).
1 No total foram três oficinas realizadas. Nesse momento, falo em duas oficinas porque foram as duas últimas
que aconteceram nesse contexto de tensionamentos políticos e que reverberaram no planejamento e andamento
da pesquisa.
Uma literatura menor é, em sua essência, política. A educação em si também é
política; na educação menor isso é ainda mais latente por se tratar de um processo de
oposição, de resistência. Na educação menor, a ramificação política age no sentido de
subverter as diretrizes de políticas educacionais, abrindo um espaço para o professor militante
agir em um nível micropolítico (GALLO, 2003). Não se busca grandes políticas que nortearão
suas ações, mas sim empenhar-se em suas ações cotidianas.
Gallo salienta, por fim, que a educação menor tem valor coletivo. Não há a
possibilidade de atos solitários, mas sim coletivos. A educação menor é uma produção de
multiplicidades que se conectam entre si sempre gerando novos desdobramentos. E até
mesmo a singularização é no fundo um ato coletivo, e assim, todo ato coletivo se singulariza
também. Não há mestres, não há sujeitos e nem ações centradas em um ou outro. Tudo é
coletivo: os projetos, os acontecimentos, os agenciamentos (GALLO, 2003).
Todas essas características expressas tanto na literatura menor, como na educação
menor apresentam o tamanho do desafio para essa pesquisa que enreda tantas frentes:
educação, sustentabilidade, imagens, cotidiano, sujeitos. Trazer as histórias de cada sujeito
contadas a partir de sua imagem de sustentabilidade capturada através de sua lente cotidiana e
dividida com um grupo é uma singularização coletiva. Perceber o quanto a sustentabilidade
está imersa em redes e nos captura com todos os seus tentáculos em diferentes ambientes do
nosso cotidiano e nos diz cada dia mais como ser e agir e poder entender tudo isso é um ato
político. Realizar as oficinas em uma universidade pública ocupada pelos estudantes contra as
manobras da macropolítica é desterritorializar o processo educativo, é um ato político. Por
isso, o conceito de menor trazido por Deleuze e Guattari (2014) tornou-se fundamental neste
estudo, subsidiando a análise das imagens trazidas pelos participantes das oficinas.
Nos escritos de Godoy (2008), também é trabalhado o conceito de menor, mas em
articulação com o campo da ecologia. O estudo de Godoy se tornou uma bússola para esse
presente trabalho porque, no esforço e na busca pelo menor, pela menor das ecologias, ela se
deixa “surpreender pelo movimento das coisas, na vida como errância, sem objetivo e
finalidade” (GODOY, 2008, p. 15).
Godoy nos alerta sobre trabalhar o conceito de menor na ecologia. Ela diz que não é
suficiente fazer uma analogia com a literatura menor de Kafka apresentada por Deleuze e
Guattari: é preciso levar em consideração o campo discursivo próprio da ecologia e as
diferenças entre uma prática literária e uma prática científica. Para Godoy (2008), não
podemos confundir a menor das ecologias com uma ecologia de minorias ou alternativa; isso
nos remeteria a uma oposição entre biologia da conservação e a ecologia social, mas a
verdade é que esses dois lados são campos férteis para se debater maioridades. Ambos tendem
a manter a verdade do campo da ecologia, a verdade da Natureza, a verdade das descobertas;
manter a existência de verdades.
A ecologia maior se baseia em um padrão majoritário que o pensamento do
conservacionismo moldou e este se reduziu a uma ciência da conservação dos organismos no
meio onde vivem. Uma ciência que quer conhecer tudo, uma razão que quer legislar sobre
tudo. Isso reduziu a vida em sua existência, impôs tarefas de conservação, adaptação e
utilidade. E os critérios de conservação quem dita é a ecologia maior. Sendo assim, ela
seleciona práticas e os modos de vida adequados, estabelecendo a quem pertence o futuro na
Terra. Ela prescreve, determina, delimita. Com isso,
faz-se necessário compor o menor com um pensamento ativo e com uma
vontade que afirma, pois para pensar a menor das ecologias exige-se uma
“outra forma de pensar”, de maneira que o pensamento ganhe uma amplitude
de futuro que não se dá mais pela projeção de um presente, pela antecipação
de um fim ou da morte (GODOY, 2008, p. 64).
O menor, para Godoy (2008), busca experimentar novos arranjos, inventar novas
maquinações, levar os conceitos e as noções de ecologia ao máximo de sua potência. O menor
não é resolução de problemas, e nem vai resolver como um remédio milagroso pendências na
ecologia maior. Na menor das ecologias há o desejo apto para afirmar a inexistência de um
mundo verdadeiro, de verdades indiscutíveis. Essa vontade de não verdade instiga invenção e
maquinação de outra forma de sentir e pensar. A menor das ecologias é experimentação; é
desmontagem e fuga.
Nesse sentido, a menor das ecologias, se inspira em práticas que talvez não sejam
reconhecidas como ecológicas, mas que trabalham noções criadas pela ecologia maior,
tornando-as temas, pequenas peças, que ao invés de significarem algo, explicarem alguma
coisa, elas simplesmente funcionam, agem como máquinas. Máquinas a serem desmontadas,
para extrair novas maquinações, novas tonalidades e que se tornem potência, máquinas de
guerra. “O menor aponta para uma potência de devir – minoritária – que afirma o indivíduo
como multiplicidade prestes a tornar-se outro, aquém ou além do fato que exprime a constante
definidora do maior” (GODOY, 2008, p. 61).
É essa dimensão do menor que trazemos também para essa pesquisa. É esse
pensamento de múltiplas potencialidades que a sustentabilidade nos propicia tecer. Quando
trazemos a sustentabilidade para ser pensada e narrada em imagens, contadas por diferentes
sujeitos, não temos a pretensão de definir um caminho único com um fim delineado e que
todos saiam das oficinas sendo “sujeitos sustentáveis”. O desejo é pensar e vivenciar juntos
essa sustentabilidade que insiste em nos atravessar no cotidiano, seja por uma novela, pelas
redes sociais, pela horta vertical que se fez em casa, pelas sacolas retornáveis de
supermercados. É movimentar esse conceito de sustentabilidade, trazer vida e novas
possibilidades É vivenciar tudo isso através de fotografias, histórias próprias ou fictícias. Essa
foi a maneira que conseguimos de tentar criar rachaduras em uma estrutura definida pela
ecologia maior. Godoy (2008, p. 62) diz que “é na experimentação e na embriaguez do
combate que se inventam novos modos de existência, novos territórios”.
Oficinas, imagens e histórias
Como dito anteriormente, o caminho metodológico escolhido para se obter as imagens
de sustentabilidade e o encontro com os sujeitos foi produzir oficinas. A primeira oficina foi
feita com uma turma da disciplina de Didática que abrangia estudantes de licenciatura dos
cursos de Psicologia, Filosofia e Pedagogia. A segunda oficina foi realizada com uma turma
da disciplina de Instrumentação em Educação Ambiental do curso de Ciências Biológicas da
UFF, ambas as oficinas no 2º semestre de 2016.
Nesse texto daremos ênfase à primeira oficina (realizada com a turma de Didática),
enfocando uma das atividades desenvolvidas nessa oficina. No primeiro dia da oficina foi
pedido que os participantes fotografassem alguma imagem de sustentabilidade que
encontrassem no cotidiano deles. Explicamos que poderia ser qualquer imagem de
sustentabilidade, desde uma peça publicitária a rótulos de embalagens. Essas imagens foram
enviadas para um grupo de whatsapp que criamos. Assim, nós levaríamos as fotografias
impressas no segundo encontro da oficina para que cada um dos estudantes pudesse contar
uma história a partir da imagem que escolheu. Mas, nesse segundo encontro onde teríamos o
compartilhamento das imagens e suas histórias, tivemos muitos faltosos e, ao mesmo tempo,
alunos que não estavam no primeiro dia da oficina. A solução foi entregar as imagens dos
faltosos para os alunos presentes poderem participar. A ideia foi que eles inventassem uma
história para aquela imagem fotografada pelo seu colega que estava ausente.
Aqui não iremos identificar as histórias “reais” das fictícias, até porque Reigota (2003)
afirma que mesmo as narrativas que consideramos reais e verdadeiras se aproximam da
ficção. “Nenhum personagem pode ser encontrado na vida real conforme descrito, pois
nenhum é reflexo de uma única pessoa, mas sim constituído de múltiplos fragmentos
encontros nos diferentes indivíduos (...)” (REIGOTA, 2003, p. 74). As narrativas ficcionais
não significam falseamento da realidade, mas sim, produção, construção. São entrelaçamentos
dos fragmentos e estilhaços criando “colagens” baseadas em fatos reais, mas que não são lidas
como obra de ficção (REIGOTA, 2003). Então, as falas de cada aluno contando as histórias
com suas imagens são narrativas ficcionais. A seguir apresentamos algumas das imagens e as
histórias criadas.
Meu nome é Tamara. Essa foto que eu tirei na verdade é a minha mãe, né?! Minha mãe é
a louca das customizações, ela adora reutilizar tudo. E aí, no meu quarto está cheio dessas
coisinhas, porque assim, minha mãe é a louca das customizações e a minha irmã, a louca das
canetas, lápis e essas coisas. Então assim, todos os potinhos que a minha mãe acha em casa,
potes diferentes e até latas mesmo, ela sempre guarda. Ela compra na rua tecido ou algo
assim para reutilizar e enfeitar o pote e deixar em casa organizado. Tem essa coisa de
organização, de deixar tudo no seu lugar, tudo organizado. A gente usa muito. Eu já não jogo
nada fora, guardo, porque já sei que em algum momento a gente vai usar.
* *
Meu nome é Bárbara. Essa foto foi no Sana. Lá todo mundo é muito natural né, então eu
acho que eles fizeram um jardim na árvore, sabe?! Aqui atrás tem outras coisas penduradas
que são tênis, acho, de crianças. Parece o tênis do Ronald do Mc Donalds, mas eu acho que
são de criança. A foto está no zoom, né.
Outra aluna: Será que eles não se inspiraram no filme Wall-e. O do robozinho. O planeta
Terra é tomado por lixo, muito lixo. Aí ele se torna inabitável e as pessoas vão morar no
espaço e lá no espaço eles criam um robozinho bem moderno para saber se tem vida no
planeta Terra. E aí o robozinho que vive no planeta Terra coletando lixo, ele encontra uma
plantinha e coloca dentro de uma botinha assim. O filme todo é essa botinha com a plantinha.
É um sinal de vida, né. Aí com isso eles descobrem que tem vida no planeta Terra. Aí eles
voltam e voltam a plantar novamente. Esse filme é legal, mostra as pessoas não se
relacionando, ficando só na internet, consumindo...
Outra aluna: Tipo hoje, né? (Risos)
* *
Meu nome é Walcéa. A minha foto foi uma diarista que trabalha lá em casa e ela estava
organizando as minhas coisas. Aí ela falou para mim: “Walcéa, você não quer que eu faça
um organizador de gavetas para você?” E eu já estava há muito tempo querendo comprar,
mas você achar na medida é complicado e fazer também fica caro, né. Aí eu: “Ah, como é
que é essa história aí?” Aí ela: “eu uso caixa de leite e faço assim...” e foi e mostrou uma
foto do que ela fez na casa dela. Aí eu: “poxa, que legal!” Aí ela foi e fez tudo para mim. Aí
estou aprendendo e fazendo para os meus banheiros. Ela fez para os quartos, aí eu falei:
“vou aproveitar porque os banheiros também estão precisando de uma organizada básica.”
Então, a história é essa, né, que ela aprendeu a fazer, me ensinou e é muito fácil né? Vai
grampeando, cortando, mede tudo direitinho e tal, você pode usar em vários ângulos e a
história é essa. Então, foi uma aprendizagem que eu tive. E essa questão da conscientização,
né... eu jogava muito fora caixa de leite, muita criança, bebe muito leite e eu ficava
preocupada sempre com o lixo que eu estava produzindo e eu sempre tive essas preocupações
ambientais e aí eu comecei a tentar ver a sustentabilidade nos locais, eu até vi uma
propaganda de produto, mas aí eu lembrei de você falando sobre consumo e eu me recusei a
tirar porque parecia que estava fazendo propaganda da fábrica, né... “Eu, a gente faz
reflorestamento”, aí eu: “ah, desse aqui não vou tirar não”. Eu meio que filtrei mesmo e
procurei do cotidiano mesmo e aí achei essa interessante e trouxe.
* *
Eu sou a Vitória. Essa foto aqui é do play de onde eu moro. Eu sou a síndica de lá e aí eu
comecei a fazer uma coisa diferente para as crianças com material reciclado. Isso aqui são
pneus para as crianças brincarem, brincarem de amarelinha, e é isso. É uma consciência de
preservação para o prédio todo, para quando as famílias forem lá peguem a ideia e levem
para dentro de casa.
* *
Ao nos depararmos com as narrativas criadas pelos participantes, tivemos o cuidado
para não sobrepor a nossa voz, de pesquisadoras, sobre tais relatos e histórias. Essas narrativas
têm por si só potências imagéticas, imaginativas. E assim, tentamos conversar e dialogar com
essas imagens e histórias sem limitar sua inventividade.
Quando vemos somente as imagens de sustentabilidade (algumas tantas clichês) talvez
pensemos que lhes faltam lacunas, vazios, de onde poderiam brotar outros sentidos. Mas
quando consideramos as histórias, trabalhamos com recordações e sentidos singulares, como a
menção ao filme Wall-e por uma aluna ao ver a imagem trazida pela sua colega. Com isso,
entendemos que não podemos acelerar as narrativas junto ao capital, ao mercado, como
muitas vezes, acontece com as imagens de sustentabilidade. As narratividades habitam um
tempo próprio. Por isso, não é possível, nem faz sentido acelera-las. De acordo com Han
(2014), a narrativa é como um “estar a caminho”, uma condição carregada de significações. É
uma transição para um ali. Estar a caminho é ter narratividade. Ter o que preencher.
Porém, devemos dizer que também tivemos alguns lampejos a partir dessas imagens e
histórias dessa primeira oficina. Quando ouvimos a Walcéa contando que não tirou foto de
uma imagem de propaganda por conta do que tínhamos conversado no primeiro dia da oficina
- das imagens de sustentabilidade que mais vemos no cotidiano e como elas se relacionavam
com o consumo – fica ainda mais nítido a nossa presença como pesquisadoras no trabalho,
produzindo sentidos com os participantes. Ela preferiu tirar uma foto de um organizador feito
com caixas de leite dizendo que era mais do cotidiano dela e que ele fugia da questão do
consumo ligado às questões ambientais. Ficamos nos perguntando, se esse organizador é
“mais cotidiano” do que aquela imagem da peça publicitária? Para ela sim. E foi por isso que
ela quis contar que aprendeu a fazer organizadores a partir de caixas de leite, demonstrando,
em sua fala, a vontade de assumir sua responsabilidade com o ambiente por meio da
reutilização de objetos que seriam descartados.
Outro ponto que se sobressaiu com relação a essa oficina diz respeito ao quanto essa
turma enviou imagens de sustentabilidade relacionadas ao “reciclado”, ou melhor, ao “reuso”.
Pneus para brincar de amarelinha, caixa de leite para produzir organizadores de gaveta, latas
para porta-caneta, tênis para cultivar plantas. Talvez essa prevalência se deva à forma de
exposição das imagens de sustentabilidade que fizemos no primeiro dia da oficina, ou mesmo
quando a primeira imagem foi enviada para o grupo do whatsapp. Talvez, também, a noção
de sustentabilidade que seja mais demarcada para eles seja essa ligada à redução do consumo,
que aparece na mídia, em tantas aulas e oficinas de educação ambiental ou na escola. O
“reciclar” (muitas vezes no sentido de reutilizar objetos) é um dos verbos mais falados e
ouvidos quando exploramos a sustentabilidade.
Figura 2 - Um ângulo da sustentabilidade: o trio reduzir, reutilizar e reciclar. Fonte: internet.
Esse trio de verbos - reduzir, reutilizar e reciclar (figura 2) - conseguiu se propagar de
forma rápida na sociedade há algumas décadas quando se fala sobre questões ambientais.
Muitos produtos, propagandas, diferentes artefatos trazem o símbolo da reciclagem para
informar que aquele produto pode ser reciclado. A própria educação ambiental trabalha muito
com cada um deles, como itens importantes para termos, realmente, uma sociedade
sustentável. Mas, indo um pouco além, também é necessário vermos a educação ambiental
trabalhando na emergência da sustentabilidade desnaturalizando ambientes. É a educação
ambiental se colocando nas múltiplas enunciações e práticas. E, não somente, reproduzir
técnicas e discursos. É se colocar em movimento e produzir novos mundos, novas
possibilidades de falar sobre sustentabilidade.
Acreditamos, que esse movimento tenha sido feito aqui. Os participantes podem ter
trazido quase todos, imagens de artefatos reutilizados. Mas, as histórias e os relatos nos
apresentam interrupções e desnaturalizações com essas mesmas imagens. O falar sobre essas
imagens, o contar uma história movimenta outros sentidos para além de apenas observá-las
como fotografias de materiais reutilizados. Com as narrativas construímos novos mundos com
tantos outros significados para as imagens que não nos causam pausas.
Imagens e histórias que nos causam pausas, silêncios. Será esse o silêncio que Godoy
(2008) nos fala que o menor apresenta? Um silêncio, que por um momento nos cala, mas nele
há tantas coisas, tantas possibilidades que escapam de um modelo, de um padrão. Assim é a
menor das ecologias que encontramos quando lemos cada história a partir das imagens dessa
oficina. Porque o menor se dá exatamente na experimentação, no encanto da lacuna e assim,
inventamos novos modos de existência e novos territórios. É um pensamento de múltiplas
potencialidades. Foi interessante ver que praticamente todas as imagens enfocavam objetos
que transgrediam a sua utilidade inicial. A lata que vira porta-caneta. A caixa de leite que vira
organizador. E cada história contada a partir delas girou em torno do cotidiano, das relações
pessoais e do afeto. Pensar a sustentabilidade aqui foi por um caminho não das práticas de
conservação da ecologia maior, mas sim de uma sustentabilidade do cotidiano, mais
desafiadora, mais próxima. Pensar a sustentabilidade dessa forma é pensar em nós mesmos,
mas também nos ambientes que habitamos, nos objetos que utilizamos, nas histórias que esses
objetos contam. É pensar em um movimento que está “a caminho”, é um processo. A ideia de
processo de que “nunca se termina nada”, “nunca cessa de se fazer” (GODOY, 2008).
Todos os participantes experimentaram a oficina. Experimentaram procurar imagens
de sustentabilidade, fotografaram. Compartilharam suas histórias nos pilotis do prédio, em
ambiente aberto, em uma universidade ocupada. O menor desconstruiu o processo educativo.
Opôs resistência, vislumbrou potências e multiplicidades. Foi feito no coletivo, no
compartilhamento de narrativas. Se deu no prédio da Vitória, como na casa da Walcéa, como
dentro da UFF. Aconteceu. E acontecimento aqui, partindo das palavras de Larrosa (2004), é
algo que por definição não se pode fabricar. Não podem existir políticas de acontecimentos,
só se pode favorecer as condições. E ainda com Sampaio (2005), acontecimento é o que
escapa de qualquer tentativa de apreensão. Acreditamos no acontecimento dessa oficina, para
nós e para os participantes. De formas diferentes, cores diferentes, tons diferentes. Mas,
mesmo assim, as imagens de sustentabilidade aqui ganharam uma potência minoritária através
das narrativas com suas invenções, silêncios e os ruídos que proliferaram dessas
histórias/narrativas disparadas por imagens.
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FLORES, Cláudia Regina; GUIMARÃES, Leandro Belinaso. Pesquisa com imagem em
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