76
SUSTENTAÇÃO edição especial . XI CONGRESSO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE DO CEARÁ n.28.jan.fev.mar.abr. de 2011.venda proibida ISSN 16764218

Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Trabalhadores do SUS: Histórias de pessoas que fazem a saúde pública acontecer no Ceara. Seja no enlouquecedor frenesi de uma emergência, ou no silêncio abafado das alas de internação, todos nós, quando fragilizados pela doença ou pela fatalida- de, desejamos a mesma coisa: um atendimento humanizado. Não há segredo. Por mais simplista que pareça, às vezes somente uma palavra bem colocada faz toda a diferença. O que dirá anos inteiros de dedicação baseados na certeza de que o próprio trabalho tem o poder de interferir na realidade das pessoas. Este é o verdadeiro trabalhador do SUS. E é para ele e para que ele seja reconhecido, que nós escrevemos esta reportagem. p.21

Citation preview

Page 1: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

SUSTENTAÇÃOedição especial . XI CONGRESSO DAS SECRETARIAS MUNICIPAIS DE SAÚDE DO CEARÁ n.28.jan.fev.mar.abr. de 2011.venda proibida

ISSN 16764218

Page 2: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 3: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

04 editorial

06 opiniãoLuzia Lucélia Saraiva Ribeiro

05

07 entrevistaLúcia Arruda

36 opiniãoLúcia de Fátima Sales Costa

43 vivências municipaisCariréCruzDeputado Irapuan PinheiroGuaraciaba do NorteUbajaraMaracanaúMarcoNASF intermunicipalSobralUmirimFortaleza

galeriaAina Ferrer

73 cultura

74 outras palavrasManoel de Barros

14 opiniãoRicardo Lotif Araújo

37 reportagemEducação no SUS

20 opiniãoA. Carlile H. Lavor e Anya Vieira Meyer

15 entrevistaMilton de Arruda Martins

21 especialTrabalhadores do SUS: Histórias de pessoas que fazem a saúde pública acontecer no Ceará

Page 4: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

COSEMSConselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

DIRETORIA EXECUTIVAPresidente: Wilames Freire Bezerra (Morada Nova)Diretor Financeiro: Francisco Pedro da Silva Filho (Cruz)Secretaria Geral: Valéria Maria Viana Lima (Pindoretama)

CONSELHO FISCALTitular: José Afrânio Pinto Pinheiro Júnior (Umirim)Suplente: Kélvia Carla de Oliveira Moreira (Paracuru)Titular: Maria Ledamir Pinheiro (Milhã)Suplente: Luiza Marilac Barros Rocha (Caucaia)Titular: Olimpia Maria Freire de Azevedo (Aratuba)

COMISSÃO INTERGESTORES BIPARTITEMembro NatoTitular: Alexandre José Mont’Alverne (Fortaleza)Suplente: Francisco Holanda Júnior (Fortaleza)

GRANDE PORTETitular: Carlos Hilton Albuquerque Soares (Sobral)

MÉDIO PORTETitular: Mário Lúcio Ramalho Martildes (Eusébio)Suplente: José Liberlando Alves Albuquerque (Mauriti)Titular: Manoel Lopes Martins (Pentecoste)

PEQUENO PORTETitular: Josete Malheiro Tavares (Guaiúba)

CESAUTitular: Josete Malheiro Tavares (Guaiúba)

PRODUÇÃODesigner: Janaína Teles Fotografia: Hercílio AraújoCapa: Janaína TelesJornalista: Clarisse Cavalcante MTB 1765/CERevisão: Joseana Nobre, Lucélia Ribeiro, Sílvia Lorena Girão NobreIlustração: Aina Ferrer e Guilherme Junior

Impressão: Expressão GráficaTiragem: 3.000 exemplares

Revista Sustentaçãojan.fev.mar.abr de 2011.n.28.venda proibida

ISSN 16764218

COSEMS-CERua dos Tabajaras, 268 Praia de Iracema

Fortaleza-CE CEP 60060-510Fones/Fax:

(85)31015444 / 31015436 / 32199099

www.cosemsce.org.br

editorial Já se passaram doze anos, mas a lem-brança do som que fazia a limpeza diária da-quela ala de internação nunca saiu da minha memória. Especialmente porque vinha sempre acompanhada do assovio constante de músicas populares, daquele funcionário que nem de lon-ge lembrava a frieza típica do corredor de hos-pital. Meu irmão estava em coma induzido, e a hora da limpeza era a que mais me dava alento, porque aquele trabalhador do SUS dizia sempre que tudo ia dar certo, ia ficar bem. Nunca pude agradecê-lo pelo gesto simples de ser otimista quando tudo parecia um caos, mas quando surgiu a oportunidade de escrever uma revista sobre os trabalhadores do SUS, a única coisa que me veio à cabeça foi o desejo de falar sobre as histórias das pessoas. Aquelas que diariamente estão nos fazendo acreditar que vai dar certo. Estão exercendo a vocação de nos auxiliar em nossos momentos de maior fragilidade, de doença e de dor. O trabalhador do SUS é o tema desta revista, como é o tema do XI Congresso das Se-cretarias Municipais de Saúde, porque está na hora de darmos uma atenção especial a quem faz o Sistema funcionar na prática, em cada Uni-dade de Saúde, Hospital, CAPS, NASF. Está na hora de discutir políticas adequadas para cada realidade distinta do estado do Ceará, no que se refere à gestão do Trabalho, à formação, ao for-talecimento de vínculos. Pela primeira vez, a Sustentação traz duas entrevistas, oportunizando os leitores a compreenderem o que se tem discutido em políticas públicas para a área do Trabalho no Ceará e no Brasil. A reportagem especial traz um mergulho nas histórias de vidas de grandes trabalhadores de saúde, sem esquecer a educa-ção e a formação permanente. E contando com a colaboração de diversos parceiros com opiniões e vivências municipais. Foi um grande prazer construir esta edição. E o nosso desejo é que sua leitura tam-bém seja.

Clarisse CavalcanteAssessora de Comunicação do COSEMS-CE

Reciclepela vida!

Page 5: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Ilust

raçã

o> A

ina

Ferr

er .

afcl

otas

@gm

ail.c

om (E

span

ha)

Page 6: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

GestAdoTrabalhoeda EducaCAoemSaUde

A importância dos Trabalhadores do SUS para a construção do Sistema

Não resta duvida que o SUS seja uma conquis-ta nascida das lutas pela democracia no país que em 1988 ganhou estatuto constitucional. Passados mais de 20 anos, inúmeros desafios ainda nos convocam para a manutenção da militância que não pode ser es-quecida, uma luta permanente partilhada entre os usu-ários, trabalhadores e gestores. Todavia, os conflitos e contradições deste tão complexo sistema, se confun-dem com a perspectiva irremovível de qualificação dos trabalhadores bem como modificações tanto na rela-

ção entre usuários e trabalhadores como na relação entre trabalhadores e os gestores. Tão importante quanto estruturas físicas e equipamentos é a cons-trução do SUS através da observação e modificação baseadas no dialogo e reconhecimento profissional, acreditar no que fazemos e transpor barreiras. Vários autores relatam o despreparo dos trabalhadores para lidar com dimensões subjetivas na pratica cotidiana, levando muitas vezes a frag-mentação do processo de trabalho, gerando precárias interações em equipe e dificultando o produto final almejado, qual seja a promoção da saúde e bem estar dos usuários do Sistema Único de Saúde. No entanto, este bem estar deve iniciar “na base” (tão complexa quanto o topo) que é o trabalhador do SUS. Muitos anônimos confundem suas historias de vida com a dedicação do trabalho na construção deste Sis-tema. São profissionais que acreditam no “trabalho de formiguinha”, desde os atendimentos de uma recepção até os que transportam as responsabilida-des para as suas vidas levando as demandas para o convívio familiar: varias madrugadas dedicadas a atender telefones, articular a ausência de leitos, consolarem familiares no desespero de filas em serviços e explicar o que não há explicação: a dor da perda. Para tal, estas atitudes de co-responsabilidade, de protagonis-mo e de autonomia na realidade concreta dos trabalhadores nos mostram a verdadeira face do SUS e é esta face que necessitamos dar publicidade e assim, “contaminarmos” os trabalhadores que ainda estão na descoberta de sua importância para a contínua construção do Sistema Único de Saúde. Sintam-se convocados e “missionados” a isso: O SUS precisa e depende de você trabalhador!!!

Luzia Lucélia Saraiva RibeiroEnfermeira

Mestranda em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará[email protected]

Ilust

raçã

o> G

uilh

erm

e Ju

nior

. gu

ifrib

otic

o@ho

tmai

l.com

06 . opinião Revista Sustentação . 2011 . edição 28

Page 7: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

“O nosso maior desafio é cuidar da carreira do profissional”

Lúcia Arruda é enfermeira, mestra em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará, onde também tornou-se especialista em Planejamento em Saúde. É coordenado-ra da Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde da Se-cretaria da Saúde do Estado do Ceará e representante da SESA na Câmara Técnica de Recursos Humanos do Con-selho Nacional de Secretarias de Saúde do Ministério da Saúde (CONASS).

ENFERMEIRAENFERMEIR

GestAdoTrabalhoeda EducaCAoemSaUde

Text

o> C

laris

se C

aval

cant

e . F

otog

rafia

> H

ercí

lio A

raúj

o

Revista Sustentação . 2011 . edição 28

Page 8: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Sustentação: Pensando na amplitude do uni-verso do trabalho no SUS, como a Coordena-doria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde tem construído políticas que contem-plem as necessidades do Estado nessa área?Lúcia Arruda (coordenadora de Gestão do Tra-balho e Educação na Saúde): A própria cria-ção da CGTES, em 2007, vem atender a uma necessidade do Estado de ter uma política da gestão do trabalho e da educação na saúde, buscando enfrentar os desafios exigidos pelo Sistema Único de Saúde que se relacionam com o mundo do trabalho, que envolvem o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de profissionais, a má distribuição, a fixação de profissionais nos Municípios do Ceará e a inadequação da formação para o enfrenta-mento das necessidades da população. Nesse sentido, a competência assumida pelo Esta-do foi a luta pela desprecarização do traba-lho no setor saúde, estabelecendo políticas

que caminham no sentido de construir no SUS vínculos saudáveis, decentes de tra-balho e com os trabalhadores do Sistema. Para isso, é fundamental lembrar que esse mundo do trabalho é composto de pessoas com imensa necessidade de formação, daí a Política de Educação Permanente, que vem trilhando, a partir do planejamento estadu-al das necessidades, a formação e educação profissional de um contingente de quase 60% dos trabalhadores, ofertando cursos adequados às necessidades do SUS.

Sustentação: Mas essa luta pela despreca-rização está afinada num movimento na-cional, não é?L.A.: Existe um entendimento e esforço nacional que a SESA, através da CGTES, tem participado, com a Mesa de Negocia-ção Permanente, com o CONASS e CO-NASEMS com os Conselheiros de Saúde,

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

de enfrentar o modo desordenado como os trabalhadores se vinculam ao SUS. Isso é uma realidade que nos impele a parar de usar formas paliativas, a fazer o exercício de ordenar a formação de recursos huma-nos. Todas as Conferências de Saúde sem-pre trouxeram em suas temáticas o eixo da política de recursos humanos para o SUS. A Lei Orgânica e as NOBs apontam dire-cionamentos que devemos enfrentar na área de gestão do trabalho. E o grande desafio é desprecarizar o trabalho, criar vínculos decentes, valorizando o trabalho e o traba-lhador, que é o mínimo a ser feito. No meu entendimento, para desprecarizar o traba-lho é preciso priorizar a formação, planejar e redimensionar as reais necessidades de inserção de novos trabalhadores, e promo-ver concursos e processos seletivos. Além disso, Estado e Municípios precisam cum-prir a lei.

“No meu entendimento, para desprecarizar o trabalho é preciso priorizar a formação,

planejar e redimensionar as reais necessidades de inserção de novos

trabalhadores, e promover concursos e processos seletivos.”

08

Page 9: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Sustentação: Uma das principais queixas existentes hoje, tanto por parte de gestores quanto por parte de usuários do SUS é a fal-ta de profissionais, especialmente o médico nos municípios do interior. Existe um mapa que aponte as necessidades do estado?L.A.: Em 2005, o Estado fez, como primei-ro passo antes da realização do concurso, um redimensionamento da necessidade real de trabalhadores para dar funcionalidade à rede do SUS em todo o Ceará, para prestar a atenção à nossa população. Esse levanta-mento nos apontou a necessidade de 10 mil trabalhadores, entre profissionais de saúde e de outras áreas envolvidas na rede. Esse di-mensionamento levou em conta também as diferenças entre as regiões, entre os Municí-pios, trabalhando em parceria com os secre-tários municipais de Saúde na consolidação de um número ideal de trabalhadores para a Atenção Primária, enfrentando as demandas caso a caso. No interior do Estado, a prin-cipal defasagem está na Atenção Primária. Baseada nisso, neste mesmo ano a SESA re-alizou um concurso estadual com base local. Tivemos a adesão de 118 municípios, com vagas para médicos, enfermeiros e dentistas para a Estratégia de Saúde da Família. E re-

alizamos em 2006 um concurso para 4782 vagas, acumulando um déficit de quase seis mil trabalhadores. E hoje sabemos que esse déficit já está maior, porque tivemos essa grande expansão na rede com a construção de 21 policlínicas, 16 Centros de Especiali-dades Odontológicas e os dois hospitais re-gionais. Portanto, trabalhar um processo de contratação em cima de necessidades reais foi também construir um mapa, mas esse é um processo permanente. Os gestores preci-sam, para a tomada de decisão, da permanen-te atualização e equilíbrio entre a formação e as necessidades do SUS, que chamamos de retrato e planejamento da formação para atender a nossa população.

Sustentação: Qual foi o resultado desse pro-cesso?L.A.: O concurso público para Saúde da Fa-mília expirou sua validade agora em 2010 e nós ainda ficamos com banco de reserva. Isso significa que nem todos os Municípios cumpriram a responsabilidade que aderiram ao pactuar com o Estado a realização do concurso, quando eles mesmos levantaram uma demanda que atendesse a Estratégia de Saúde da Família em sua localidade. O com-

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

“Inúmeras equipes da ESF ainda não têm a consistência de profissionais, ou

porque não foram contratados pelas Prefeituras, ou porque não permane-ceram. E aí precisamos enfrentar os motivos dessa não-permanência.”

09

Page 10: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

mEstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFaui

mEstrategiadeSaudedaFam

liamEstrategiadeSaudedaFaed

promisso do Estado foi a responsabilidade de convocar o concurso, de garantir a lisura do processo, mas os vínculos são de respon-sabilidade do Município. De um modo ge-ral, o concurso amenizou a necessidade, mas não resolveu o problema. Inúmeras equipes da ESF ainda não têm a consistência de pro-fissionais, ou porque não foram contratados pelas Prefeituras, ou porque não permanece-ram. E aí precisamos enfrentar os motivos dessa não-permanência, pois isso acontece por uma série de questões. Uma delas é que nós precisamos construir planos de cargos e carreiras para os profissionais do SUS no Ceará, que visualizem não apenas os médi-cos, mas todo o conjunto dos trabalhadores do Sistema. E estes planos também precisam harmonizar e equilibrar os valores humanos no trabalho, na atuação em equipe, na ges-tão. Por isso o tema do congresso do COSE-MS é extremamente pertinente, porque vai direcionar o olhar para este universo, que contempla além do profissional da saúde o advogado, o economista, o auxiliar, o técni-co, enfim todos os trabalhadores do SUS.

Sustentação: Existe um dilema nessa ques-tão dos PCCS porque eles vão de encontro à problemática do financiamento do SUS. O gestor sabe que é ideal, mas ele muitas vezes não tem condições de implementar. Então como é possível desprecarizar diante dessa realidade de financiamento do SUS?L.A.: Fica claro que uma coisa puxa a outra. Hoje a questão do financiamento é uma agen-da permanente entre gestores, trabalhadores, conselheiros e mesas de negociação. É uma questão que perpassa não apenas o universo do trabalho, mas toda a engrenagem do SUS. É uma pauta ainda não resolvida, e por isso precisamos defender uma série de mecanis-

mos que estão paralisados, como a própria Emenda 29. Mas não podemos esquecer também que essa questão passa pela necessi-dade de uma discussão extensa sobre o real valor do trabalho no SUS. Não dá mais para se esquivar da discussão sobre a questão do salário dos trabalhadores. Conhecemos aqui mesmo no Ceará o histórico de concentra-ção de médicos em determinadas regiões, e imensos vazios assistenciais, principalmente nos municípios mais longínquos, com mais dificuldade de acesso, com menos equipa-mentos públicos disponíveis que motivem os profissionais a permanecerem nessas re-giões. E isso força uma oferta desequilibrada de salários, com municípios que muitas ve-zes igualam o salário do médico ao do pre-feito, do gestor maior. E é absurdo porque se repete exatamente nos Municípios mais pobres, com mais necessidades, com menor IDH, ou seja, políticas sem qualquer susten-tabilidade. Está na hora de encararmos essa realidade, que se agrava em todo o Ceará.

Sustentação: Então fazer um PCCS é o prin-cipal desafio para os Municípios?L.A.: O maior desafio nosso é cuidar dessa carreira do profissional, porque quando isso é uma realidade os resultados são melhores, mais plenos. O profissional trabalha melhor com a equipe, a formação é mais valoriza-da, posicionando melhor o profissional e ga-

rantindo que a população se beneficie dessa qualificação. Hoje nós sabemos que quanto mais especialista, mais o profissional migra para outras áreas fora do atendimento pú-blico. O médico principalmente. A Atenção Primária não é um atrativo no universo de possibilidades do trabalho, apesar de ser encantadora e de ser uma necessidade fun-damental da população, porque transforma os indicadores. E esta temática da gestão do trabalho precisa ser mais aprofundada pelos gestores, porque eles tendem a ver a área apenas como uma gestão de recursos huma-nos, de pagamentos de folha etc. Mas esse é um olhar restrito para um campo que é muito mais amplo do que esse, tem uma dimensão maior do que estamos dando.

Sustentação: Mas existe alguma política de estímulo à fixação do profissional no inte-rior?L.A.: Quando falamos em política de gestão do trabalho e educação na saúde, precisamos lembrar que existe um desenho nacional. O

10

Page 11: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

mEstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFaui

mEstrategiadeSaudedaFam

liamEstrategiadeSaudedaFaed

“A Atenção Primária não é um atrativo no universo de possibilidades do trabalho, apesar de ser encantadora e de ser uma necessidade

fundamental da população.”

Page 12: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

trab

alho

mun

dodo

Ministério da Saúde tem olhado para as di-ferentes regiões do país, para a realidade do trabalho no norte e nordeste, para regiões do Brasil com concentração forte de profissio-nais e de recursos também. Existe uma dis-cussão grande sobre o financiamento para a fixação de profissionais nas regiões norte e nordeste, olhando para a dificuldade que é o mundo do trabalho nesse contexto. No nordeste enfrentamos os indicadores que precisamos melhorar. E necessitamos olhar para o financiamento de políticas que atuem nisso. Há as Mesas de Negociação Perma-nente - nacional, estadual e municipal (For-taleza) - com suas diretrizes, que não estão engessadas, que sinalizam caminhos que os gestores podem percorrer do ponto de vista da gestão das carreiras no SUS. Não temos tido muitos avanços municipais e no Estado. Discutir uma diretriz para todos os trabalha-dores ainda é um desafio para nós.

Sustentação: A Atenção Primária é uma prioridade da CGTES?L.A. : Sim, pois é um dos três eixos prioritá-rios para a educação permanente, estabeleci-dos em 2007, em consenso com os gestores municipais, assim como a Gestão do SUS e a Rede de Urgência e Emergência do Ceará, tanto móvel quanto fixa. Direcionamos os recursos do tesouro nacional e também do tesouro estadual para pensarmos políticas de educação com foco nestes eixos. Para a Atenção Primária pensamos em especiali-dades na área da Saúde da Família. Reali-zamos quatro fóruns macrorregionais em 2007, compartilhando a construção das prio-ridades com os secretários municipais, os coordenadores regionais, os conselheiros de saúde, a Mesa Estadual de Negociação Per-manente do SUS e com os gestores estadu-ais. Foi um trabalho grandioso, que resultou no Plano Estadual de Educação Permanente, que nos possibilita ferramentas importantes dentro das necessidades da formação do es-tado do Ceará. É obvio que isso já mudou, porque em 2007 ainda não tínhamos a ex-pansão de ofertas de tantos equipamentos que já estão hoje disponibilizados, mas nos deu respostas fundamentais. Hoje já precisa-mos focar nossa atenção na questão das tec-nologias, porque estes equipamentos novos já apresentaram essas necessidades, de tra-balhadores capazes de atender, plenamente e em número suficiente, as necessidades da população que vai buscar esses serviços.

nm

un

dodo

trab

alh

om

un

dodo

trab

alh

om

un

dodo

n

mundodotrabalhomundodotrabalhomu

“Uma grande conquista foi a discussão sobre a força de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde no Ceará, totalmente vitoriosa. São milhares de trabalhadores, nove mil só de contratados no Estado, cerca

de quinze mil em todo o Ceará.”

Page 13: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Sustentação: Então é preciso estar em cons-tante processo de planejamento?L.A.: Exatamente. Posso te citar o exemplo de um trabalho que fizemos em parceria com o Canadá, que construiu seis cursos técni-cos na área da saúde porque identificamos essa necessidade, entre eles os de técnico em radiologia e técnico em prótese dentária, custeados pela primeira vez com recursos públicos. O técnico em prótese dentária é uma necessidade imensa dos usuários do SUS porque temos uma questão estética e também um problema que antecede a isso, que é uma dívida social com a população, que ainda está precocemente perdendo os dentes, com sua saúde bucal comprometida. O SUS não tem estrutura de prótese dentá-ria, e essa turma vai atender a demanda dos CEOs estaduais. Os profissionais que temos hoje no Ceará foram formados em escolas particulares. E assim ocorre com os demais cursos, sempre planejando em cima de ne-cessidades concretas.

Sustentação: E o que podemos citar de con-quistas da CGTES nos últimos anos?LA: Uma grande conquista foi a discussão sobre a força de trabalho dos Agentes Co-munitários de Saúde no Ceará, totalmente vitoriosa. São milhares de trabalhadores, nove mil só de contratados no Estado, cer-ca de quinze mil em todo o Ceará. Esta contratação foi uma contrapartida forte do Estado, de pagar os salários dos ACS esta-dualizados. Eles passaram por um processo seletivo, também coordenado pela CGTES/SESA e que envolveu a Coordenadorias de Políticas de Atenção à Saúde (COPAS) e Administrativo-Financeira (COAFI) da SESA, a Secretaria Estadual de Planejamen-

to Gestão, a Procuradoria Geral do Estado, e a Assembléia Legislativa. Hoje, os ACS compõem um Quadro Especial na SESA. Mas infelizmente isso não significa que os recursos são suficientes. Para além dos tra-balhadores que foram municipalizados, não temos suficiência de recursos para incentivar os planos de carreiras.

Sustentação: Como se deu o processo de construção da Política Estadual de Educa-ção Permanente?L.A.: A partir da institucionalização e das mudanças ocorridas no Ministério da Saúde quanto às modalidades de financiamento e as prioridades com foco na educação e no trabalho na saúde, desencadeamos em 2007 uma ampla discussão com os conselheiros de saúde, os gestores do SUS, e a Mesa de Negociação, que culminou com o lançamen-to da Política Estadual de Educação Perma-nente, a partir da escolha dos eixos priori-tários, que dissemos anteriormente. Neste processo, destinamos o maior volume de recursos à educação profissional desses tra-balhadores, tanto para aqueles que já estão no serviço, quanto para aqueles dos quais o SUS necessita. Construímos nossas diretri-zes trabalhando no Projeto de Cooperação Brasil-Canadá, que foi um convênio com a SESA, em parceria com a Prefeitura Muni-cipal de Fortaleza, Prefeitura Municipal de Sobral, as Escolas de Saúde Pública de So-bral e Fortaleza e o Consórcio Internacional de Desenvolvimento da Educação (CIDE).

Sustentação: Como se operacionalizou esse Projeto?L.A.: O principal objeto deste projeto era compreender como o Canadá faz planeja-mento para a formação de trabalhadores para o SUS. Dentro disso, nós trabalhamos o retrato do setor saúde, olhando para a forma

como os canadenses trabalham a questão do planejamento, considerando que lá eles têm carência de profissional. Adaptamos essas experiências à nossa realidade, não transfe-rindo tecnologias, mas desenvolvendo ferra-mentas que nos possibilitem resolver nossos problemas. Também trabalhamos a constru-ção de seis cursos técnicos e apresentamos o resultado desse processo em publicações específicas. O Canadá participou fortemente com o intercâmbio de consultores e os ges-tores daqui também estiveram visitando o Canadá. Um projeto que teve começo, meio e fim e agora estamos no momento de ofer-tas de vagas. Os cursos são todos financiados pelo SUS para as três macrorregiões, sempre planejados de acordo com as demandas do SUS. Técnico em Radiologia e em Prótese Dentária já têm reconhecimento pelo MEC.

Sustentação: O Governo do Estado gerou agora um grande espaço de contratação de novos profissionais com a expansão da Aten-ção Especializada, com as Policlínicas e os CEOs. A CGTES participou disso? L.A.: A CGTES não participou da construção dos editais para a contratação de profissio-nais para a Atenção Especializada. Conside-ro isso um problema para a área da gestão no Estado, porque quando não planejamos essa necessidade, esse perfil ideal dos trabalha-dores para atender a determinados equipa-mentos públicos, deixamos de fortalecer as estruturas de construção das políticas de ges-tão do trabalho. Ainda estamos exercitando a derrubada de muros que inibem o diálogo e a gestão compartilhada democrática e par-ticipativa no SUS. Um diálogo permanente com os profissionais é fundamental para ter-mos um futuro mais decente para trabalho no SUS Ceará. E os secretários municipais precisam desenvolver políticas nos Muni-cípios. Sabemos de gestores extremamente comprometidos, mas ainda falta sensibiliza-ção com o mundo do trabalho, com a saúde do trabalhador.

mundodotrabalhomundodotrabalhomu13

Page 14: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

A Importância da Fisioterapia e da Terapia Ocupacional para o SUS

A Fisioterapia e Terapia Ocupacional no Brasil completam em 2011 43 anos de uma sólida e impor-tante regulamentação. Estas duas profissões, mesmo tendo o dobro da idade do Sistema Único de Saúde (SUS), são ainda muito jovens e podem, com as políti-cas corretas, colaborar ainda mais com a saúde pública do nosso país. As duas áreas crescem a passos largos, com um brilhante embasamento científico e sempre de mãos dadas com o SUS. Juntas compõem um exército

de profissionais com uma formação generalista voltada para a saúde públi-ca e suas políticas no SUS. Esse crescimento está sendo um dos maiores entre as profissões regulamentadas na história do nosso país, tanto em nú-mero de vagas como em concorrência nos vestibulares e egressos, fato que foi potencializado pelo surgimento do SUS e da ênfase da estratégia de saú-de no país ser voltada para a atenção básica na qual ele é corretamente cen-trado hoje. O certo é que precisamos avançar muito no SUS,principalmente com relação às políticas públicas voltadas para a Saúde Funcional do in-divíduo e das coletividades, melhorando principalmente a promoção, pre-venção e atenção, diminuindo a distância do que é ofertado hoje no sistema privado e o que é oferecido no SUS. Após a constituição de 1988, a saúde se tornou um bem público, devendo ser provida a todos, principalmente aos que não têm como pagar para ter o acesso e ser tratada como políti-ca de Estado como ocorre no modelo canadense, no francês e inglês. O rumo está certo e basta ver o avanço do controle social e os produtos das Conferências Nacionais de Saúde. Por tudo isto, não se pode falar de SUS sem ter um suporte da Fisioterapia e Terapia Ocupacional nos serviços de reabilitação das clínicas em cada município do Brasil, nas Unidades Bási-cas de Saúde (UBS) da maioria das capitais; da Terapia Ocupacional em todos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e APAE´s, nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) onde a Fisioterapia é a profissão mais inserida no país, em todos os PSF’s de cidades desenvolvidas como Sobral e capitais como Belo Horizonte, em todos os hospitais da Nação e princi-palmente nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s), também desbravando os programas de atenção domiciliar (PAC), citando apenas alguns dentre tantos outros espaços. Hoje necessitamos avançar apostando mais na pre-venção, na promoção da qualidade de vida da população e na Saúde Fun-cional, aumentando a inserção no público do que há de melhor nos serviços das profissões como a Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Psicologia, Educação Física, Nutrição e todas que estão inseridas no SUS, para oferecerem no serviço público o que já é oferecido no privado. Ao longo destes 23 anos estamos caminhando democraticamente para termos um SUS maduro, que hoje é o maior plano de saúde do mundo, é direito de todos nós, sendo dever do Estado provê-lo e nosso como cidadãos de defendê-lo, para que seja cada vez melhor.

Ricardo Lotif AraújoGraduado em Fisioterapia pela UNIFOR

Especialista em Gestão de Serviços de Saúde - ESP/CE Mestre em Saúde Pública pela UECE

Presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Ceará e Piauí[email protected]

Ilust

raçã

o> G

uilh

erm

e Ju

nior

. gu

ifrib

otic

o@ho

tmai

l.com

mEstrategiadeSaudedaFam

liamEstrategiadeSa

14 . opinião Revista Sustentação . 2011 . edição 28

Page 15: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

“As carreiras profissionais têm que ter a educação permanente como um de seus pontos fundamentais.”

Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) (1977), Milton de Arruda Martins fez residência em Clínica Médica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (1978-1980). Cursou doutorado e livre-docência também na Faculdade de Medicina da USP e pós-doutorado na Harvard Medical School, Harvard University (1988-1990). Atualmente, além de secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, é Professor Titular de Clínica Médica Geral da Faculdade de Medicina da USP e Diretor do Serviço de Clínica Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Suas áres de pesquisa são asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, educação médi-ca e promoção da saúde.

mEstrategiadeSaudedaFam

liamEstrategiadeSa

adeS

aude

daFa

mli

amEs

trat

egia

Text

o> C

laris

se C

aval

cant

e .

Foto

grafi

a> H

ercí

lio A

raúj

o

Revista Sustentação . 2011 . edição 28 entrevista . 15

Page 16: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

mEstrategiadeSaumEstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFa

EstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFa

“É claro que para atingir esse objetivo de desprecarizar o trabalho existem grandes dificuldades, e o financiamento é uma das principais.”

16

Page 17: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Sustentação: Uma das grandes problemáti-cas vividas hoje pelo trabalhador do SUS, especialmente os que executam suas ativi-dades nos municípios do interior, é a enor-me precarização dos vínculos de trabalho. Ao mesmo tempo, a própria dificuldade vi-vida no financiamento do SUS dificulta a or-ganização de planos de cargos e carreiras. Como o Ministério da Saúde pensa essas questões?Milton de Arruda Martins: Já existem as dire-trizes, elaboradas pelo Ministério da Saúde, de desprecarização dos vínculos de trabalho e da organização de carreiras para os traba-lhadores do SUS. É claro que para atingir esses objetivos existem grandes dificulda-des, e o financiamento é uma das principais.

Sustentação: A formação do trabalhador tem um caráter fundamental no seu fortale-cimento como profissional de saúde pública. O que a SGETS tem pensado enquanto polí-tica de formação de forma a universalisar o acesso à qualificação necessária?M.M: A formação e a educação permanente do trabalhador da saúde são fundamentais para a sua atuação. As carreiras profissionais têm que ter a educação permanente como um de seus pontos fundamentais. A SGE-TES considera como uma de suas priorida-des a ampliação das escolas profissionais,

da Universidade Aberta do SUS, da política de Educação Permanente e do Telessaúde. A Universidade Aberta do SUS é uma parce-ria entre o Ministério da Saúde, a Fundação Oswaldo Cruz e a Organização Panamerica-na de Saúde, tendo sido constituída uma rede de instituições públicas de ensino que, atra-vés da educação à distância, já está atingindo milhares de trabalhadores, principalmente em cursos para as equipes de saúde da famí-lia e para gestores do SUS. O Telessaúde vai ser ampliado, com estabelecimento de mais pontos, em especial nas áreas mais necessi-tadas do país.

Sustentação: Outro grande desafio para o SUS é garantir a existência e a permanência de profissionais de saúde em regiões remo-tas do Brasil. O que o Ministério da Saúde tem pensado neste sentido?M.M: Existe um grupo de trabalho constitu-ído por representantes das diversas secreta-rias do Ministério da Saúde, do CONASS e do CONASEMS que está preparando um seminário para discutir as melhores alterna-tivas para o provimento de profissionais de saúde em áreas de difícil acesso ou provi-mento. Trata-se de problema complexo e há necessidade de haver soluções que associem condições de trabalho, remuneração e possi-bilidade de educação permanente.

Sustentação: Existem peculiaridades regio-nais das necessidades de recursos humanos para o SUS no país. Como o Nordeste, re-gião pobre, será tratado nesse contexto?M.M: Sem dúvida, estratégias para diminuir as diferenças regionais de acesso à assistên-cia à saúde são fundamentais, assim como o respeito a características e diferenças regio-nais. Por exemplo, já existe uma distribuição relativamente uniforme em vagas em cursos de Medicina considerando as diversas regi-

mEstrategiadeSaumEstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFa

EstrategiadeSaudedaFamliamEstrategiadeSaudedaFa17

Page 18: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

ões do país, se considerarmos uma relação vagas/número de habitantes. No entanto, sa-bemos que para haver fixação de médicos é mais importante a existência de oportunida-des de especialização (Residência Médica). Um programa organizado conjuntamente pelo Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, o Pró-Residência, ofereceu cerca de 1000 vagas a mais de Residência Médica nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em especialidades consideradas prioritárias.

Sustentação: O Ceará foi precursor de mui-tas políticas adotadas em nível nacional, en-tre elas os Agentes Comunitários de Saúde e o próprio Programa de Saúde da Família. E agora voltou a investir em grandes estrutu-ras físicas como prioridade para a garantia do acesso, como hospitais e policlínicas. A SGETS monitora essas necessidades, traba-lhando os perfis necessários no país? Isso não seria importante?M.M: A garantia de acesso com qualidade e humanização em todos os níveis da as-sistência à saúde é uma das prioridades do Ministro Alexandre Padilha. O Estado do

Ceará tem feito contribuições importante ao país, com muitas propostas nesta direção. Na SGETS está sendo constituída uma “sala de situação” com o objetivo de reunir todas as informações sobre necessidades de pro-fissionais de saúde e ofertas de formação e educação permanente, para subsidiar os ges-tores da área da saúde a tomarem decisões cada vez mais baseadas em dados precisos.

Sustentação: A SGETS trabalha em parce-ria com outras secretarias pensando ques-tões como a saúde do trabalhador. Quais os principais desafios nessa área? M.M.: No Ministério da Saúde existe uma disposição muito grande de todas as secre-tarias de atuar conjuntamente, aumentando o alcance do trabalho de cada secretaria. Em relação à saúde do trabalhador, existe um trabalho conjunto da SGETS com a Secreta-ria de Vigilância em Saúde (SVS), as Dire-trizes da Política Nacional de Promoção da Saúde do Trabalhador no SUS, sendo que o texto foi colocado em consulta pública pelo Ministro da Saúde, para que sejam feitas su-gestões para o seu aperfeiçoamento.

rabalh

o mun

dodo

trab

alhomun

dodo

tr

dodotrabalho mundodotrabalhomundodotr

“Estratégias para diminuir as diferenças regionais de acesso à assistência à saúde

são fundamentais, assim como o respeito a características e diferenças regionais.”

18

Page 19: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

dodotrabalho mundodotrabalhomundodotr

Page 20: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Qualificação dos Profissionais da Saúde da Família-o Mestrado Profissional

Um dos objetivos principais da Fiocruz Ceará é apoiar a qualificação dos profissionais da Saúde da Família. Em um consenso formado com o COSEMS, a Secretaria de Saúde do Estado, a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado, as Uni-versidades, a Escola de Saúde Pública do Estado, a Escola de Formação em Saúde da Família de Sobral, o Sistema de Saúde Escola de Fortaleza, e a Escola de Saúde Pública de Iguatu, ficou estabelecido, que a Fiocruz deveria se dedicar à criação de um Mestrado Profissional em Saúde da Família. Aquelas instituições têm oferecido vários cursos de espe-

cialização para os profissionais da área e sentiu-se a necessidade de formar melhor os seus docentes. Ainda são muito poucos os professores dedicados à nova estratégia da atenção básica à saúde, embora os Ministérios da Saúde e da Educação tenham estimulado o redirecionamento do ensino da saúde nas universidades. Faltam pro-fessores e pesquisadores para desencadearem, em maior escala, a reforma desejada pelos ministérios. Continuando a parceria com todos aqueles atores que iniciaram a discussão da criação da Fiocruz Ceará, iniciamos a construção do novo mestrado, a partir de uma Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família – RENASF, com objetivo de formar lideranças para a Estratégia Saúde da Família (ESF), aptas a exercer ativida-des de investigação e de ensino; fomentar o trabalho em equipe através do diálogo entre profissionais da ESF e Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF); e articular elementos da educação, atenção, gestão e investigação no aprimoramento da ESF e do SUS. Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP (Fiocruz do Rio), do Centro de Pesquisas Ageu Magalhães (Fiocruz de Pernambuco), de Uni-versidades de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e do Maranhão juntaram-se aos cearenses na construção do novo curso. A Dra. Maria do Carmo Leal – a Duca, Vice-Presidente de Ensino da Fiocruz e a Dra. Virgínia Hortale, Coordenadora de Pós-Graduação da Fiocruz, têm liderado o processo de construção coletiva. A CAPES autorizou o funcionamento do Mestrado Profissional em Rede em Saúde da Família, que receberá 100 alunos, divididos em cinco turmas, duas em Fortaleza, uma em Sobral, uma em Natal – R.G. do Norte e uma em S.Luiz – Maranhão. Está sendo preparado o Edital para abertura das inscrições para a seleção dos candidatos. As aulas deverão se iniciar no próximo mês de agosto. O curso terá a mesma formatação e o mesmo conteúdo nas cinco turmas e, será oferecido pelas instituições nucleadoras/certificadoras: Fiocruz, UECE, UVA, UFC, UFMA, UFRN. Os professores das demais instituições, que têm colaborado com a construção do curso, participarão como docentes de disciplinas ou orientado-res de dissertações nas turmas referidas. A seleção dos alunos será dirigida, exclusivamente, para os profissionais vinculados à Saúde da Família, incluindo o NASF. Os mestrandos aproveitarão a experiência acumulada nos seus municípios, para desenvolver, durante o curso, uma contribuição científica para o fortalecimento da Estratégia da Saúde da Família. Eles continuarão com as suas atividades regulares no seu município, devendo ser libera-dos, quinzenalmente, nos momentos presenciais do curso.

A. Carlile H. Lavor e Anya Vieira MeyerFiocruz Ceará

[email protected]

Ilust

raçã

o> G

uilh

erm

e Ju

nior

. gu

ifrib

otic

o@ho

tmai

l.com

20 . opinião Revista Sustentação . 2011 . edição 28

Page 21: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Seja no enlouquecedor frenesi de uma emergência, ou no silêncio abafado das alas de internação, todos nós, quando fragilizados pela doença ou pela fatalida-de, desejamos a mesma coisa: um atendimento humanizado. Não há segredo. Por mais simplista que pareça, às vezes somente uma palavra bem colocada faz toda a diferença. O que dirá anos inteiros de dedicação baseados na certeza de que o próprio trabalho tem o poder de interferir na realidade das pessoas. Este é o verdadeiro trabalhador do SUS. E é para ele e para que ele seja reconhecido, que nós escrevemos esta reportagem.

Trabalhadores do SUSHistórias de pessoas que fazem a saúde pública acontecer no Ceará

Text

o> C

laris

se C

aval

cant

e . I

lust

raçã

o> G

uilh

erm

e Ju

nior

. gu

ifrib

otic

o@ho

tmai

l.com

Revista Sustentação . 2011 . edição 28 especial . 21

Page 22: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Quando falamos em Sistema Único de Saúde, algumas pala-vras sempre nos vêm como referências: univer-salidade, Constituição Fede-ral, acesso, medicamentos, legisla-ção, gestão, usuários etc. Quase um alfabeto próprio de memórias construídas diariamen-te. Existe um provérbio que diz: Se a vida for injusta, pelo menos que ela seja injusta a nosso favor. Lembrei disso porque só ao pen-sar de quantas maneiras podemos elucidar o SUS, percebi que poucas vezes essa espiral de conceitos cai sobre a mais mágica das pa-lavrinhas: o trabalhador. Aquele personagem sem o qual essa história não teria vida. Mas isso não é de todo culpa nossa. Levou-se tanto tempo para construir as dire-trizes que ordenariam este gigantesco siste-ma, que a parte mais importante do invento, aquela que de fato o faz funcionar, caminhou à margem de políticas públicas específicas e ideais para o setor. Médicos, enfermeiros, odontólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e todos os demais profissionais de saúde, além de técnicos, auxiliares, engenhei-ros, cozinheiros, jornalistas e todas as áreas que direta ou indiretamente atuam na saúde pública, requerem hoje um olhar mais atento para o que os motiva a serem os navegantes deste imenso navio que é o SUS. O que os

entusiasma? O que os decepcio-

na? Do que eles, nós, de fato necessi-

tamos? Por que chega-mos até aqui?

Esta reportagem quer nos possibilitar captar um pouco dessas respostas. Em três semanas produzimos e concretiza-mos um olhar possível sobre o trabalhador do SUS, seus sonhos e histórias. Não foi a imen-sa quantidade de pedras preciosas que desco-brimos neste percurso que nos surpreendeu, mais a inebriante qualidade delas. Ao longo dos quatro anos em que eu mesma mergulho neste universo infinito de aprendizado que é o SUS, posso dizer com absoluta certeza que só agora acalantei meu coração sobre uma som-bra que nos tenta diariamente a ficarmos pre-ocupados com o futuro do Sistema Único de Saúde. Ela parece absolutamente desnecessá-ria quando sentamos diante de qualquer um dos personagens reais dessa reportagem. Eles simplesmente amam o que fazem, o modo como fazem e a esperança em fazer cada dia melhor. Os profissionais que aparecem aqui nos chegaram por indicações dos gestores de saúde a quem agradecemos imensamente. Este texto nada mais é que uma grande home-nagem a quem faz do SUS um exemplo único de humanidade e amor.

22

Page 23: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Maria Helena Calixto de Alencar, médica

Antes de conhecer Maria Helena de Alencar, as mais fantásticas histórias de transformações sociais de minha memória estavam em livros biográficos – geralmente de pessoas não mais presentes – ou em fil-mes norte americanos. Quem nunca assistiu a uma saga de um professor de escola de pe-riferia tentando mudar a vida dos alunos em algum subúrbio de Nova Iorque, com final feliz? Há várias películas com essa mesma narrativa como fundo. No entanto, aquela tarde vivida em companhia desta médica, me trouxe de presente uma história real na qual qualquer um de nós pode se espelhar para remodelar os conceitos de ética, com-promisso, coletividade e esperança. Dra. Maria Helena não só mudou a realidade das crianças de Aratuba, sempre agindo em parceria com uma equipe que define como ‘extraordinária’, e amparada por uma gestão sensível e comprometida, como não pára de sonhar em mudar muito mais. O trabalho da pediatra hoje é des-tinado a todas as crianças entre zero e dois anos que nascem no Município de Aratuba. É que a pediatra e sua equipe aprenderam na prática que era necessário estabelecer um grupo específico, ou não conseguiriam fa-zer um acompanhamento de qualidade. Mas essa restrição só ocorreu após a organização da rede de atenção, que vai da Estratégia de Saúde da Família ao hospital, todos conec-

tados num princípio comum. É o trabalho in-tegralmente documentado e constantemente avaliado que detecta qualquer necessidade de mudança que ocorra no percurso de aten-dimento de uma criança. “O hospital tinha há dez anos muitas internações infantis, cer-ca de 300 por ano, e com aquela luta deses-peradora de transferir para Fortaleza”, lem-bra Maria Helena. O insight foi organizar primeiro a ESF, a partir dos agentes comu-nitários de saúde. “Foram eles que fizeram o trabalho fundamental de identificar cada paciente da rede. E isso nos apontou as mães de risco, consumidoras de drogas, vítimas de violência, desnutridas. Começamos cuidan-do delas”. As informações obtidas são soma-das num cadastro único que cruza critérios de risco. Isso fez com que todos os profis-sionais pudessem visualizar o panorama de cada paciente, trabalhando prioritariamente a prevenção. Em paralelo, Dra Maria Helena e sua equipe precisaram trabalhar a cultura de atendimento das pessoas, fazê-las assi-milarem uma nova organização sonhada. A enfermeira, Lúcia Colares, lembra: “Nós chegávamos num posto e tinha muito bate-boca, pessoas brigando por um lugar na fila. Muitas vezes paramos o atendimento para explicar que cada pessoa seria atendida na lógica de prioridade que a saúde exige, res-peitando quem tivesse chegado primeiro,

Page 24: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

mas respeitando principalmente o princípio da equidade”. O resultado do diálogo foi inacreditável. “Hoje nós chegamos numa Unidade Básica e os próprios pacientes já vão passando o diagnóstico, dizendo quem deve ser atendido primeiro e porque”, conta Lúcia. E o calendário de visitas discutido de forma multidisciplinar foi assimilado pela população. “Hoje eu tive uma grata surpresa ao perceber que todos os atendimentos fei-tos na zona rural pela manhã foram de crian-ças previamente agendadas. Simplesmente não tivemos demandas espontâneas! Tudo era aguardado”, vibra Maria Helena. Também faz parte da estraté-gia da equipe não deixar nenhuma brecha por onde essa organização possa falhar. Neste sentido, a família se torna co-res-ponsável pelo sucesso no atendimento. As mães são orientadas a portar sempre os cartões de seus bebês, apropriando-se do processo de cuidado. “Eu leio o cartão com elas, explico cada dado novo que é

acrescentado. Ensino que isso é importan-te para mim e para ela, porque vai tornar possível identificar até as causas das doen-ças”, diz a médica. Além do cartão, o plane-jamento familiar, a estrutura de atendimento, a disseminação insistente de informações, a vigilância permanente e o diálogo dentro da rede são elementos intrínsecos do trabalho que já ganhou diversos reconhecimentos, entre eles os três selos Unicef e o recurso BNDS para construção de um Centro de Atenção à Criança Especial, mais novo so-nho da pediatra. O resultado de vencer todas as resistências está apresentando em núme-ros, gráficos espalhados nas paredes da Se-cretaria Municipal de Saúde. Não se escuta mais falar em mortalidade infantil, materna, em desnutrição. E palavras como pré-natal, amamentação e vigilância são parte do coti-diano das pessoas. O trabalho que hoje Maria Helena desenvolve em Aratuba nos ensina imensa-mente sobre amores possíveis. Foi depois de uma vida inteira de atuação no SUS, ocu-

pando papéis importantes em cargos de confiança por todo o Ceará,

implementando políticas públicas, organizando

movimentos pela própria consolida-ção do Sistema,

que a médica, já aposentada, fotografou na memória a cena que a levaria de vez para a Atenção Primária. “Eu já tinha feito muita coisa e achei que tinha chegado a hora de pa-rar. Mas não consegui ficar um mês em casa! Então quando eu cheguei em Aratuba e vi Dra Vilauva (ex-secretária de Saúde) numa roda de conversa com gestantes no quintal de uma Unidade de Saúde, eu entendi que era aquilo que eu queria fazer por tempo in-determinado!”, conta sorrindo. Nossa conversa é interrompida al-gumas vezes por mães com seus bebês, por resultados de exames deixados nas mesas, por diálogos breves com outros profissio-nais, ou simplesmente por um entre tantos fatos inéditos que Dra. Maria Helena presen-cia todos os dias. Naquela tarde, um casal de pais de primeira viagem valeu algumas fotos na máquina que a médica sempre deixa a postos em sua gaveta. Foi o pai do bebê, quase saído da adolescência, que trocou a fralda e as roupinhas da criança, conversan-do com a neném e contando que tinha ver-gonha de dizer aos amigos que gostava de fazer aquilo. A médica, feliz com o que via, nos diz antes de se despedir, reafirmando para si e para todos o sentido maior de seu trabalho: “É isso. Uma criança é um passa-rinho. Quando a gente se toca que só precisa cuidar, tudo muda”.

“Uma criança é um passarinho. Quando a gente se toca que só precisa cuidar, tudo muda.”

24

Page 25: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Espedita Maria de Oliveira Rodrigues, técnica em enfermagem aposentada.

Quando Dona Didi aplicou a pri-meira injeção de sua vida, o Sistema Único de Saúde ainda não existia. Aquela que se tornaria a melhor e mais antiga aplicadora de vacinas do Município de Aurora, começou sua história com um ato ingênuo de altru-ísmo. Mexendo nas gavetas do consultório onde trabalhava ‘vendendo fichas’ de aten-dimento, Espedita Maria de Oliveira Rodri-gues, ainda adolescente, descobriu seringas e ampolas de um medicamento antiasmático. “Naquele tempo as seringas eram de vidro e as agulhas de metal, que usávamos várias vezes!”, lembra com susto o enorme tempo transcorrido. Sem temer as conseqüências, pe-gou o material e foi à casa de uma amiga, que há vários dias sofria de uma terrível falta de ar. Leu as instruções da ampola e apli-cou a injeção. Ficou desesperada ao perce-ber que a amiga começou a reagir de forma estranha, se tremendo muito e “mudando de cor”. Assustada, Espedita correu de vol-ta para o consultório. “Eu pensava o tempo todo: ela morreu, agora ela já morreu. E não sabia o que fazer. Eu tinha roubado um me-dicamento e podia ter matado uma amiga!”, conta sorrindo. Tomou coragem e contou ao médico, seu patrão, o que havia acontecido. Ele riu e disse que ela não se preocupasse, que ela podia voltar lá e ver que a amiga já devia estar bem melhor. “Eu voltei e ao invés de encontrar ela morta, encontrei ela catando feijão e cantando alto, toda feliz”. Daquele dia em diante, Dona Didi jamais deixou de aplicar uma injeção, sendo convo-cada ou não. Em 1973 participou de um treina-mento para prevenir e combater a tubercu-lose, que assolava os Municípios de interior, através da aplicação da BCG. O excelente desempenho a fez tornar-se responsável pela multiplicação do conhecimento nos Muni-cípios de Barro e Aurora, quando descobriu

mais uma vocação: formar novos aplicado-res de vacina. “Naquele tempo éramos mais importantes, tanto que durante muitos anos fui chamada de enfermeira. E não era qual-quer um que aplicava vacina não. Havia os treinamentos, para ensinar a posição adequa-da da criança, do adulto, e a manipulação do medicamento”. O ex-secretário de Saúde de Aurora, Josete Malheiro, lembra que “todas as crianças daquele período passaram pelas mãos da Dona Didi, e algumas tinham medo dela”. Ela não desmente, e completa: “Era porque aquilo de vacina era uma novidade. Nós íamos à zona rural procurar as crianças e as mães as escondiam da gente, achando que a vacina ia fazer algum mal, quando não era a própria criança que corria mato aden-tro, e não conseguíamos mais pegar”. Em reconhecimento ao trabalho re-alizado, Dona Didi ganhou uma sala no pos-to de saúde de Aurora com o seu nome. Em 2005 se aposentou. Olhando para o passado, com uma simpatia peculiar, a trabalhadora do SUS analisa as tantas mudanças ocorri-das. “O SUS teve esse sucesso de investir na vacinação. Soube divulgar e fazer as pessoas se convencerem da importância disso. Lem-bro de quando inventaram o Zé Gotinha, era uma atração! E quando tem campanha, até o ministro vai à televisão vacinar as crianças”. Quando pergunto se ela sente sauda-de de alguma coisa, ela responde como uma mãe responsável por seus filhos: “Muitas vezes eu quis voltar para ver se as meninas estão dando as vacinas direitinho, do jeito que eu ensinei e que tem que ser. Foi a minha vida isso, né?”. Trinta e dois anos re-alizando a simples e grandiosa missão de vacinar pessoas.

“O SUS teve esse sucesso de investir na vacinação. Soube divulgar e fazer as pessoas se convencerem

da importância disso.”

25

Page 26: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Romel Araújo, médico do Instituto José Frota

O médico alto e de uma simpatia tí-mida, quase sorrateira, não lembra em quase nada a pessoa aguerrida e transtornada que eu conhecera em uma das muitas reuniões da Secretaria Estadual da Saúde em que se discutia a transferência de pacientes dos hos-pitais do interior para o Instituto José Frota. Naquela ocasião, Romel Araújo chefiava a Urgência e Emergência do mais importante hospital terciário do Ceará. Quando somos apresentados e digo que cheguei até ele por conta desta imagem gravada em minha me-mória, ele rapidamente muda de semblante para uma seriedade quase angustiada e narra de forma rápida e sem pausa as impressões e certezas dos 20 anos de atendimento no Sis-tema Único de Saúde. Para o médico, o grande nó a ser enfrentado na busca do acesso universal pode ser definido por uma palavra simples: desorganização. “A maior parte dos pacien-tes que dão entrada na emergência do IJF vêm por demanda espontânea, sem qualquer regulação. Temos 21 microrregiões de saú-de que poderiam ter centrais de regulação conectadas com a central maior, do Estado, e saberíamos que paciente iríamos receber, possibilitando uma melhor estruturação do atendimento. Mas os hospitais do interior, de média complexidade, não resolvem todas as suas demandas e esse amontoado de pa-cientes com problemas de todos os níveis de gravidade condicionam o atendimento ainda desumanizado”. A experiência esculpida por tantos anos de convívio com profissionais e usu-ários das emergências onde passou, deu a Romel um modo corajoso de falar sobre as questões que considera cruciais para o Sis-tema Único de Saúde. “A porta de entrada do usuário do SUS hoje é o hospital, que acumula a falta de resolutividade dos níveis anteriores de atenção. Se houvesse os ins-trumentos necessários tanto na Atenção Pri-mária, como boas estruturas de laboratório, imagem e farmacovigilância, e estruturas especializadas com investimentos necessá-rios para realizarem a atenção secundária, não teríamos essa insatisfação generalizada com o atendimento terciário no Brasil”.

26

Page 27: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

E como fica o trabalhador do SUS neste processo? “Quem está atuando na atenção secundária acaba levando a culpa por todos esses problemas, lidando com al-tos níveis de agressividade da população, o que é compreensível, mas sem aparato físi-co e emocional para conduzir esses quadros de extrema delicadeza, como a morte dos pacientes”. O que Romel tem visto em sua caminhada, retrata um lado cruel da situação de trabalho no SUS: os índices de alcoolis-mo, depressão e morbimortalidade dentro do SUS. “Os profissionais estão fugindo deste tipo de trabalho (em emergências públicas) porque não querem mais se responsabilizar por esse quadro resultante de tamanha desor-ganização e falta de estrutura”, diz Romel. A solução? Primeiro, obviamente, investir em organização e informatização do SUS. “O Sistema é cego. Se um paciente sai de um hospital e vai para outro, ele desapare-ce dos dados, se perde da rede, quando o seu histórico poderia ajudar muito no atendimen-to”. Depois, investir em formação e seguran-ça do trabalho. Essas são as novas motiva-

ções do médico, que junto a outros colegas, ministra aulas sobre atendimento adequado em situações de trauma para médicos da rede pública e privada. E continua sua luta pessoal por um fortalecimento do papel da emergência no Sistema. “O trabalhador da saúde tem no SUS uma matéria prima, uma fonte inesgotável de aprendizado, porque aqui acontece tudo! E investir nessa relação formação-serviço público é uma alternativa possível para grandes mudanças”. Para não perder o foco da entrevis-ta, insisti para que Romel me dissesse o que realmente o motiva em permanecer médico do SUS, apesar de todos os problemas apre-sentados. “Isso veio da minha própria histó-ria, de ver meu pai, odontólogo, ser tratado como médico porque era o único profissional habilitado a lidar com doenças no interior em que morávamos, e eu cresci convivendo com essas desigualdades e me indignando com elas. E continuo assim. Gosto do cheiro do ser humano. E se você perde a capacidade de se indignar, e de transformar essa indig-nação em mudança, você fica medíocre”.

“E se você perde a capacidade de se indignar, e de transfor-

mar essa indignação em mudança, você fica medíocre.”

27

Page 28: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Erivanda Lima, Agente Comunitária de Saúde

Erivanda não se sentiu verdadei-ramente à vontade enquanto não nos levou para conhecer a comunidade onde mora e trabalha como agente comunitária de saúde há 21 anos, a localidade de Baú, no Municí-pio de Guaiúba. Havíamos começado nossa entrevista na sede da Secretaria Municipal de Saúde, onde Erivanda nos contou que antes de ser acs foi empregada doméstica e vendedora de cosméticos. “Foi uma amiga que avisou sobre a seleção que a Prefeitura estava fazendo, porque ela tinha uma senha e não ia mais usar. Fui com a senha dela, mas não serviu. Tive que esperar a minha vez”, relembra. A seleção consistia numa prova escrita e numa entrevista para identificar a vocação para o ofício. “Queriam saber se eu gostava de ajudar as pessoas, e eu sempre gostei. Não pela ‘cara’ da pessoa, mas pela necessidade dela”. Conquistou a vaga. No caminho para Baú, a feição sé-ria e tímida de Erivanda vai cedendo lugar a um rosto tranqüilo e feliz de quem tem mui-ta intimidade com o local em que mora e a atividade que desempenha, uma coisa abso-lutamente entranhada na outra. Nos aponta a imensa estrada, agora cercada de verde graças às chuvas de janeiro e fevereiro, por onde faz seu percurso de bicicleta para vi-

sitar a comunidade. Nos apresenta também sua casa, que construiu sozinha em substi-tuição à casa de taipa (pau a pique), onde vive com a filha e o neto. E a pé, no caminho de algumas visitas, vamos pouco a pouco compreendendo a razão do imenso orgulho de Erivanda em nos apresentar o local. Não houve uma única pessoa que não a conheces-se e cumprimentasse com um sorriso largo, enquanto a agente andava e já dava um re-torno a quem estivesse precisando de ajuda, falando sobre seus problemas ou perguntan-do notícias de outros moradores. Enquanto isso as crianças – contamos três de famílias diferentes apenas durante a reportagem -, pe-diam a benção. No total, Erivanda acompanha 114 famílias. Já possuiu uma maleta com a qual prestava os primeiros socorros, se necessá-rio. Agora, como ela mesma explica, a rea-lidade mudou. “Não tínhamos médico aqui, tudo só se resolvia na sede. Mas os princi-pais problemas eram as diarréias e a desnu-trição nas crianças. E muita micose, piolho, verme. Hipertensão, por exemplo, era uma coisa desconhecida”. Hoje seus principais instrumentos de trabalho são a informação e a persistência. Foi com eles que conven-ceu muitas avós a deixarem os umbigos dos

“Não tínhamos médico aqui, tudo só se resolvia na sede.

Hipertensão, por exemplo, era uma coisa desconhecida.”

28

Page 29: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

netos caírem naturalmente e muitas mães a amamentarem seus bebês. Ana Célia Silva é uma delas. Dos três filhos, apenas um não mamou adequadamente. “Ele vivia gripado e tinha muita diarréia. E eu só senti a di-ferença com os outros dois, que quase não adoeceram quando eram pequenos”, conta. A mãe de Ana Célia, Dona Bárbara, de 68 anos, se emociona quando peço que ela me fale sobre a importância do trabalho de Eri-vanda para a comunidade. “Ah, mas eu não sei nem o que dizer. Porque se não fosse por ela, não imagino o que seria da gente. Até de camisola ela já veio socorrer minha filha!”. Na casa de Dona Liduína de Sou-za, mais uma acolhida generosa. Hipertensa, mãe de três filhos com problemas respirató-rios, diz que nunca tomou ou deu uma me-dicação sem consultar Erivanda. “Sempre digo que ela é como uma mãe pra mim. Fiz uma cirurgia agora, e ela estava lá comigo. Se ela dissesse para eu não fazer, eu não teria feito”. Erivanda esclarece que muitas vezes uma simples orientação faz a diferen-ça. “A Liduína vivia no hospital com essas crianças, e isso nem sempre era necessário. O médico orientou alguns cuidados que ela podia ter em casa e eu acompanho, só isso”. Apesar de ter-se tornado referência na comunidade, Erivanda lembra que ainda há algumas resistências muito sérias a serem enfrentadas. “Hoje cedo já estive com uma adolescente que está esperando o primeiro filho. Ela está com dois meses de gestação, mas só quer fazer o pré-natal lá pelo quarto mês. Então estou tentando mostrar a impor-tância dela começar cedo a acompanhar o bebê”. Mas ao longo das duas décadas de trabalho, Erivanda vai colecionando histó-rias e sonhando com horizontes possíveis. Fez aulas para pilotar motocicletas prome-tidas pela administração municipal e quer continuar cuidando das pessoas. “Já me dis-seram, quando eu tinha uns dez anos como agente comunitária de saúde, que eu preci-sava parar de ficar ajudando todo mundo, acompanhando em hospital, orientando os caminhos para as pessoas conseguirem seus direitos. Mas eu disse logo que se tivesse que deixar de ser acs por causa disso, eu deixaria. Mas não mudo”.

29

Page 30: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

José Luiz da Silva Costa, odontólogo

Que grande parte dos profissionais de saúde no Brasil está na Estratégia de Saú-de da Família por um curto período de tem-po até estabelecer carreira, quase sempre na atenção especializada, é um fato conhecido de todos nós. Quase uma regra que, assim como as demais, tem suas exceções. A histó-ria de vida de José Luiz da Silva Costa pode ilustrar isso. Após 25 anos de consultório particular, aos 47 anos de idade, o odontó-logo enxergou no Sistema Único de Saúde um sentido para continuar exercendo sua profissão. E garante: “Aprendi a ser dentista no SUS”. O aprendizado veio junto de uma mudança radical de vida e de objetivos. Dr. Luiz ingressou na ESF de Mulungu em 2006, quando foi aprovado no concurso pro-movido pelo Estado para diversos profissio-nais de saúde, com lotação nos Municípios. “Eu estava cansado de trabalhar apenas para produzir dinheiro, aquilo tinha perdido o sentido pra mim. Então saiu o edital do con-curso e eu escolhi Mulungu por ser serra e por ser próximo de Fortaleza. Nunca tinha vindo aqui!”, lembra o odontólogo. Quando se viu no meio da comunidade, conhecendo as histórias das pessoas, percebeu que tinha acertado na decisão. “Ainda me sinto moti-vado como no primeiro dia”. Para realizar o trabalho que lhe fora destinado, Dr. Luiz precisou voltar a estudar. Necessitava compreender qual era a idéia-mestra da Estratégia de Saúde da Fa-mília. Transformou-se num leitor voraz de publicações sobre o SUS, ingressou numa especialização em Gestão de Saúde Bucal, seguida de outra em Saúde da Família e já se prepara para disputar o Mestrado em Saúde Pública. O conhecimento adquirido apontou desde o início infinitas perspectivas, que o odontólogo transformou em instrumentos de trabalho. Produziu, com base nas experiên-cias vividas na nova realidade de trabalho, guias de saúde bucal, formulários, agendas de atendimento, mapas de produção e plani-lhas diversas que organizam suas atividades (e de toda a equipe da ESF), e fazem com ele tenha completo domínio da população assistida.

30

Page 31: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Dr. Luiz foi coordenador de Saúde Bucal de Mulungu e Guaramiranga, perí-odos em que se sentiu muito reconhecido como profissional, mas agora quer somente continuar o trabalho com sua equipe. “Fa-cilmente encontrava pacientes com dez ou mais dentes com cáries. Se eu estava dispos-to a resolver o problema deles, percebi que não poderia voltar naquela comunidade um mês depois somente, porque não conseguiria concluir o tratamento deles nunca”, explica. Um aspecto da personalidade do odontólo-go ajudou no sonho de organizar o acesso nas localidades em que atua: a compulsão pelo trabalho. As planilhas que o profissio-nal sempre carrega consigo comprovam: há meses em que ele realizou mais de 500 pro-cedimentos. Além dos atendimentos nos con-sultórios, Dr. Luiz mostra com orgulho as fotografias de diversas outras atividades de-senvolvidas, como as visitas domiciliares e as ações de educação junto à comunidade, tudo em parceria com diversas instituições,

como as escolas do Município, de forma interdisciplinar. Exemplo disso é o calendá-rio da saúde, onde são realizadas ações em consonância com as datas comemorativas da área. “Não adianta apenas entregar escova e pasta de dentes. Tem que educar as pes-soas. Se eu ficar só obturando, vou morrer obturando”. Numa planilha de planejamento familiar é possível visualizar o que o odon-tólogo explica. Nela são consolidados dados de todos os membros de cada família visita-da, com as datas dos atendimentos, os pro-cedimentos realizados e os agendamentos futuros, quando necessários. Passados cinco anos, Dr. Luiz ana-lisa sua mudança radical de vida como um constante desafio. “Optar por um Municí-pio do interior, quando se tem uma família grande estabelecida na capital, foi um risco enorme. Mas se eu não tivesse decidido por isso jamais teria compreendido o quanto eu posso fazer a diferença na vida das pessoas, o quanto eu realmente sou capaz de interferir na saúde delas”.

“Ainda me sinto motivado como no primeiro dia. Aprendi

a ser dentista no SUS.”

31

Page 32: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Emílio Carlos Furlani, médico

Foi um capricho do destino que im-possibilitou que Emílio Furlani se tornasse padre com missão na Amazônia. Educado até a maioridade em Seminário, o até en-tão estudante tinha sede de aventura. Que-ria chegar aos lugares mais longínquos, de barco, enfrentando a lógica das águas, para ajudar as pessoas a viverem melhor e com mais saúde. Frise-se: saúde. Esse sonho lhe valeu um insight. Não queria mais ser pa-dre, queria ser médico. Mas na faculdade se apaixonou, casou, e o sonho da Amazônia foi substituído por uma vivência em família em São Paulo, projeto diametralmente opos-to, onde fez pós-graduação em homeopatia e quiropatia (tratamento e cuidado da coluna vertebral). Aos 45 anos, Dr. Emílio entrou em crise e o velho sonho de cuidar das pessoas em lugares carentes de atenção se reacendeu no coração do médico, e o trouxe de volta ao Ceará. “Eu não sabia muito bem a partir de onde começar a mudar aquilo que me in-comodava e impulsionava ao mesmo tempo. Conhecia a experiência dos médicos de fa-mília de Cuba e sabia que queria fazer algo parecido, mas precisava aprofundar isso”, diz. Trabalhou algum tempo em Jijoca de Jericoacoara e depois em Cruz, onde está há 14 anos e onde montou a primeira equipe de Saúde da Família da localidade de Caiçara. Dr. Emílio faz um trabalho extremamente diferenciado na região através de uma visão humanística do cuidado, agregando a home-opatia e a quiropatia na vida dos usuários do SUS. Obviamente encontrou muitas resis-tências no princípio, que agora se tornaram apenas lembranças engraçadas. “Quando eu colocava as moléculas homeopáticas na língua dos pacientes, eles diziam que não acreditavam em olho de piaba para curar doenças”, conta. Para o médico, a própria essência da homeopatia e as referências que ela motivou a resgatar, como o fitoterapia, ajudaram a sedimentar a consciência da po-pulação para outras lógicas de cuidado. “Na homeopatia a doença não existe. O que exis-tem são pessoas doentes. Então o tratamento homeopático associado à terapia comunitá-ria, às farmácias vivas e vários projetos que fomos sonhando com o tempo, naturaliza-ram essas práticas em nosso contexto”.

Page 33: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

O médico também exerce a medi-cina tradicional, alopática, mas em conso-nância com a homeopatia. E confessa que se a primeira opção fosse sua única alternati-va, não conseguiria permanecer no serviço, porque não acredita em tratamentos que não vejam o ser humano em toda a sua integri-dade e complexidade. “De onde vem o alto índice de consumo de drogas entre jovens aqui em Caiçara? Vem da ociosidade e do contato com o mundo. Eles estão a alguns quilômetros de Jericoacoara, onde convi-vem com turistas com todas as ofertas ima-gináveis de substâncias. Então vamos fazer a Escola Agrícola, para que eles tenham outros horizontes possíveis”. O projeto está em fase final de tramitação no Governo do Estado, em parceria com a Organização Não Governamental Cáritas, e vai formar empre-endedores rurais através do beneficiamento de caju e de pescado, 80 alunos inicialmen-te. “Eu sempre digo que o principal órgão do ser humano é o bolso, porque quando as pessoas não têm condição de sustento, não podem ter saúde”, diz Dr. Emílio. Fora isso, o médico também vive comprometido com diversos outros proje-tos, como o de farmácias vivas, em parceria com o Núcleo de Fitoterapia da Secretaria

Estadual da Saúde do Ceará e a terapia co-munitária, que já tem um histórico de su-cesso na região. O enfermeiro que compõe e complementa o trabalho do homeopata, Paulo Diniz, conduz hoje a prática junto aos alunos do Pró-Jovem, lidando frente a fren-te com as questões que afligem esse grupo de pessoas na comunidade. “Nosso trabalho hoje tem ampla aceitação da comunidade porque ela já se apropriou dessas ativida-des que desenvolvemos”, explica. “Esta oca onde estamos sentados foi construída pela comunidade e as cadeiras, de pneus, tam-bém serão confeccionadas por eles. É pre-ciso que todos sintam que são responsáveis por seu processo de bem estar”, comple-menta Dr. Emílio. Quando exerce a quiropatia, o mé-dico também não deixa de lado as referên-cias culturais que compõem a comunidade. Quando alinha a coluna das pessoas, Dr. Emílio pronuncia as orações feitas pelas rezadeiras tradicionais. “Lá se vem o dia nascendo. Jesus Cristo acompanhando. Se alevanta espinhela! Jesus Cristo ta mandan-do!”. No fim das contas, o médico não foi para o Amazonas, mas está na grande aven-tura de dar olhos, braços e ouvidos em tem-pos onde a alteridade é moeda rara.

“Eu não sabia muito bem a partir de onde começar a mudar aquilo que me incomodava e impulsionava ao

mesmo tempo.”

33

Page 34: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Rita de Castro, funcionária pública

Quando finalmente conseguimos localizar Rita, depois de passar por vários prédios públicos, o mais difícil foi sentar-mos alguns minutos sem que nossa con-versa fosse interrompida. “Daqui a pouco a Rita vai ficar cheia de cabelo branco, por-que tudo aqui é ela que resolve mesmo!”, prenunciou o motorista da Unidade Muni-cipal de Pronto Atendimento do Município de Baturité. Indiscutivelmente, de todos os entrevistados, Rita de Castro foi a mais difícil de conceder alguma exclusividade. Ela é funcionária da Prefeitura Municipal e trabalha desde 1980 no Sistema Único de Saúde, onde já desempenhou diversas fun-ções: auxiliar de laboratório, técnica em Ci-tologia, chefe de Posto de Saúde etc. Hoje atua na Coordenação da recém inaugurada UPA. Não tem uma sala porque não sabe ficar parada. Sua verdadeira vocação, e isso logo fica muito claro para nós, é atender as pessoas. Rita é aquele tipo de pessoa que não sabe, e não quer dizer não. É apaixonada pelo SUS e ainda tenta esconder a timidez em ser entrevista-da ocupando nosso tempo com a história do Sistema. “Não Rita, essa eu já conheço. Es-tou aqui para conhecer a sua história!”, digo. Ela respira fundo e diz: “Minha história não tem nada de mais. Eu sou uma pessoa que adora trabalhar, que adora ajudar a resolver as coisas para as pessoas e que acredita que tudo pode dar certo”. Rita enxerga no coti-diano a possibilidade de fazer a diferença. “Estou aqui todos os dias e todos os dias eu vejo o sofrimento das pessoas. Se a gente não está na Saúde para ajudar a mudar isso, está para que?”, questiona. E o seu trabalho de formiguinha vai garantindo que os me-dicamentos cheguem no prazo, as ambulân-cias funcionem, as vagas na Unidade não fiquem ociosas etc. E se não estiver ao seu alcance resolver o problema, ainda assim ela age com o único instrumento possível: a pa-lavra. “Até um não, se você sabe pronunciar direito, já muda a forma do paciente receber o que você tem para dizer”, explica.

“Se a gente não está na saúde para ajudar a mudar o sofrimento das

pessoas, está para quê?”

34

Page 35: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 36: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

O Farmacêutico no Sistema Único de Saúde

O medicamento é considerado insumo estratégico de suporte às atividades de saúde. No Sistema Úni-co de Saúde (SUS) a aquisição de medicamentos é umas das atividades da Assistência Farmacêutica de maior impacto social e financeiro A Política Nacional de Medicamentos cujo propósito precípuo é garantir a necessária seguran-ça e eficácia dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles con-

siderados essenciais, propõe a reorientação da Assistência Farmacêu-tica de forma que englobe todas as etapas do ciclo (seleção, programa-ção, armazenamento, distribuição, controle de qualidade e utilização de medicamentos). A eficácia no gerenciamento da Assistência Farmacêutica no SUS pressupõe, além da disponibilidade de recursos financeiros para aquisição dos medicamentos, a organização dos serviços e, de forma muito especial, pessoal capacitado para coordenar as ações por ela desenvolvidas. A demanda crescente das necessidades do setor saúde e os re-cursos financeiros limitados para aquisição de medicamentos e insumos farmacêuticos exigem conhecimentos técnicos e habilidade gerencial para otimizar os recursos disponíveis, garantir uso racional, qualidade e eficácia do medicamento adquirido. O farmacêutico, responsável pela Assistência Farmacêutica no SUS, ao lado do gestor e dos outros pro-fissionais que atuam na saúde, tem papel fundamental e determinante na racionalização dos recursos financeiros disponíveis, contribuindo de forma decisiva na melhoria do acesso ao medicamento. Além de papel determinante na gestão dos recursos finan-ceiros, na programação e aquisição de medicamento, na Assistência Farmacêutica no SUS, o farmacêutico tem o papel de orientar o pa-ciente quanto ao uso correto de medicamentos, diminuindo as reações adversas, interações e intoxicações, atividades diretamente ligadas à Atenção Farmacêutica. O farmacêutico deve atuar, ao lado dos outros membros da equipe de saúde, no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF); Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); nas Unidades de pronto Atendimento (UPAS), nas Farmácias Hospitalares, participando ati-vamente na orientação quanto ao uso racional de medicamento, detec-ção e prevenção de Reações Adversas ao Medicamento (RAM); assim como em programas de educação em saúde. Além das atividades exclusivas do farmacêutico que vai des-de a produção do medicamento a sua dispensação, outras são desen-volvidas por este profissional no SUS: Análises Clínicas; análises de fluidos biológicos ou no controle de qualidade; atividades relacionadas à promoção da saúde; Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemiológica, Meio Ambiente e Saúde do Trabalhador; Auditoria em Saúde. Enfim, o farmacêutico é um profissional que compõe a equipe de saúde e tem relevância no SUS pela sua atuação nas diferentes esfe-ras da atenção à saúde.

Lúcia de Fátima Sales Costa Presidente do Conselho Regional de Farmácia do Ceará

[email protected]

Ilust

raçã

o> G

uilh

erm

e Ju

nior

. gu

ifrib

otic

o@ho

tmai

l.com

36 . opinião Revista Sustentação . 2011 . edição 28

Page 37: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Text

o> C

laris

se C

aval

cant

e . F

otog

rafia

> Ja

nain

a Te

les

Revista Sustentação . 2011 . edição 28 reportagem . 37

Como o Ceará está enfrentando o desafio de formar trabalhadores em número e perfil adequado para o Sistema Único de Saúde

Educação no SUS

Page 38: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

38

cipal na prestação do serviço quanto no seu fornecimento”. De acordo com a Coordenadoria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde da SESA (CGETS), um dimensionamen-to na rede estadual de saúde realizado em 2005 apontou a necessidade de cerca de 10 mil novos trabalhadores para o SUS, entre profissionais de nível médio e de nível supe-rior. A distribuição dos servidores da SESA por cargo e faixa etária, divulgada na pu-blicação Retrato do Setor Saúde no Ceará, resultante do mesmo Projeto de Cooperação Brasil-Canadá, apresenta ainda um outro fa-tor relevante. Dos 4380 servidores de nível médio ativos, 36% têm entre 50 e 59 anos, e quase 11% têm mais de 60 anos. O dimen-sionamento realizado em 2005 também não levou em consideração a recente expansão da rede de Atenção Secundária e Terciária, para onde serão necessários 328 médicos, 84 enfermeiros, 60 assistenciais de nível su-perior e 1422 assistenciais de nível médio.

que construíram o Projeto de Formação de Recursos Humanos por Competências nas Escolas de Formação em Saúde no Estado do Ceará, desde 2007. Foi este planejamento que determinou, através de diversas discus-sões e da realização de algumas pesquisas, o que era realmente necessário em mão de obra qualificada a nível técnico para a Ceará. Este Projeto foi um exemplo de construção de um mapa do Trabalho no SUS, onde a formação e a educação com base nas necessidades exercem papel primordial. Isto porque no Ceará, assim como no resto do país, a gestão do Trabalho no SUS tem dois grandes desafios: formar profissionais em número suficiente e formar trabalhadores com o perfil adequado ao Sistema Único de Saúde. Na opinião da professora do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universi-dade Federal do Ceará (NESC/UFC), Valde-lice Mota, “a formação de recursos humanos é o aspecto mais importante do SUS porque o trabalhador tanto é a matéria prima prin-

Ainda no primeiro semestre de 2011, a Escola de Saúde Pública do Cea-rá (ESP) dará um passo importante no que se refere à formação de trabalhadores para o Sistema Único de Saúde. Ela vai ofertar o primeiro curso para Técnico em Prótese Dentária totalmente financiado com recurso público no Ceará. A iniciativa representa um avanço na área de educação na Saúde por-que foi resultante de um processo que coloca em prática o que o Artigo 200, inciso III, da Constituição Brasileira determina: que cabe ao SUS ordenar a formação de profissionais e a oferta de vagas nos serviços de saúde. O curso para Técnico em Prótese Dentária, junto a outros cinco cursos em ca-minho de implantação na ESP, resultou de um intenso processo de planejamento cons-truído através do Projeto de Cooperação Brasil-Canadá, uma parceria do Governo do Estado com a Prefeitura de Fortaleza, a Pre-feitura de Sobral e o Consórcio Internacional de Desenvolvimento em Educação (CIDE),

Page 39: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Enfrentar os vazios assistenciais ocasionados pela ausência de mão de obra qualificada dentro das necessidades do SUS é um desafio que o Brasil tem enfrentado com uma política de gestão do trabalho e da educação calcada em programas como o PET Saúde, Profae, ProgeSUS, Pró-Re-sidências, entre outros. Para o secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Mi-nistério da Saúde, Luiz Odorico Monteiro, “os recursos humanos representam hoje o grande desafio para o SUS, convocando a gestão do Sistema a criar a residência in-tegrada, a ampliar os hospitais-escola e as policlínicas-escola etc, pensando na respos-ta adequada ao problema do acesso”. No Ceará, além do Projeto de Co-operação Brasil Canadá, que estruturou os cursos técnicos com mais demanda, a CGETS coordenou a construção de sua Po-lítica Estadual de Educação Permanente cal-cada em três eixos prioritários: A Atenção Primária, a Gestão, e a rede de Urgência e Emergência. Construídos junto à Mesa Es-tadual de Negociação Permanente do SUS,

estes eixos serão alvos de grande parte dos recursos da Política Estadual de Educação Permanente, ligada à Política Nacional de Educação Permanente, disposta pela Porta-ria GM 1996, de 20 de agosto de 2007. O modo como essas prioridades serão exploradas na execução da Política é definido por uma comissão integrada de representação ampla, que inclui além do Estado, representantes das Universidades públicas e do Cosems. Para a Universidade Federal do Ceará (UFC), uma das grandes preocupações no que se refere à formação do trabalhador para o SUS é conseguir fazer uma eficiente transição de um modelo de educação com foco na prestação curativa e especializada de serviços para uma perspec-tiva de promoção, prevenção, tratamento e cura de doenças. “Muitos profissionais con-sideram a Atenção Primária sem complexi-dade, e não há coisa mais complexa do que desenvolver promoção da saúde, fazer com que as pessoas desenvolvam hábitos saudá-veis de vida”, considera a professora Valde-lice Mota.

39

Page 40: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Para isso, a UFC implantou, no ano de 2000, um novo currículo no curso de Medicina que objetiva formar o profissio-nal generalista, dando um importante pas-so no fortalecimento da formação centrada nas necessidades do SUS, onde a Atenção Primária ocupa um lugar primordial. Nes-te sentido, o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da UFC (NESC) ministra a dis-ciplina de Fundamentos da Assistência e da Prática Médica, além de desenvolver o Curso de Especialização em Saúde da Família e de coordenar o Centro Rural de Treinamento (CRUTAC), onde os alunos fazem estágios obrigatórios vivenciando um pouco da realidade dos municípios do interior. “Temos um sistema de saúde que ainda é muito caro para o governo. E a prá-tica tem nos mostrado que é muito mais econômico prevenir do que tratar, o que exige um profissional com compreensão

multidisciplinar”, explica a professora. Além da UFC, a ESP também vive um período de dinâmica intensa de oferta de cursos técnicos, pós-graduações, capaci-tações e atualizações, fortalecendo a ima-gem da instituição como uma das maiores formadoras de trabalhadores do SUS. De acordo com o então superintendente da ESP, Haroldo Pontes, “a escola saltou nos últimos dois anos de uma média de dois mil alunos/ano para vinte mil alunos/ano, fun-cionando como instrumento para a constru-ção da educação permanente no SUS”. São onze cursos de Especialização nas áreas de Atenção à Saúde, Gestão em serviços de Saúde e Vigilância, além de diversas capa-citações e atualizações. As iniciativas já encaminhadas mostram que o Ceará pode se tornar, tam-bém na educação para o SUS, um Estado de referência.

Rua Eurico Facó, 180 | Otávio Bonfim | Fortaleza-CE(85) 3243 8050

Page 41: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 42: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 43: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Todas as informações divulgadas nos textos a seguir são de inteira responsabilidade dos seus respectivos autores.

VIVENCIAS MUNICIPAIS

Envie seu texto [email protected]

VIVENCIASMUNICIPAISVIVEN

VIVENCIAS

Ilust

raçã

o> Ja

nain

a Te

les

vivências municipais

43

Page 44: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Percepção dos agentes de endemias acerca do processo de descentra-lização do trabalho para os territórios da Estratégia Saúde da Família

Introdução O processo de consolidação do Sistema Único de Saúde-SUS, nos últimos vinte anos, vem se fortalecendo com o incre-mento da descentralização de políticas, programas, projetos, ações e serviços de saúde para os estados e, principalmente, para os mu-nicípios. Neste interim, está o processo de descentralização da Epidemiologia e Controle de Doenças, desencadeado pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde-NOB-SUS/1996 (1) e pela Portaria Ministerial 1.399/1999 (2), que atribuiu, inicial-mente, aos Estados e, depois, aos Municípios a responsabilidade da gestão financeira e de pessoal dos trabalhadores que atuam no controle das endemias. O controle das endemias, historicamente, tanto sob a ges-tão da Fundação Nacional da Saúde-FUNASA, como pelos Esta-dos, era realizado de modo centralizado e verticalizado, fato que vem se reproduzindo também em alguns municípios. Situação esta que determina um modelo de processo de trabalho isolado dos de-mais trabalhadores, que não levam em consideração a avaliação coletiva dos problemas e necessidades de saúde das comunidades, assim como a não realização da análise dos indicadores e índi-ces para o planejamento das ações, construindo assim, um modus operandi quase como ilhas sanitárias, fragmentado e com pouca capacidade resolutiva, principalmente, em territórios com eleva-dos índices de infestação predial ou com a incidência de casos, em especial os de dengue. A partir de tal análise, em janeiro de 2009, no município de Cariré – Ceará, vivenciava-se intenso processo de reforma sani-tária, o que resultou na descentralização dos agentes de endemias para os territórios da Estratégia Saúde da Família-ESF, vinculando seu processo de trabalho aos das equipes da ESF. Assim, o presente estudo objetiva analisar a percepção desses agentes de endemias acerca da descentralização do trabalho para os territórios da Estratégia Saúde da Família, além de identi-ficar as facilidades e dificuldades encontradas pelos mesmos.

Sujeitos e Método O estudo é do tipo exploratório-descritivo, com aborda-gem qualitativa, e foi realizado no município de Cariré, no período de fevereiro a abril de 2009. O município de Cariré está localiza-do a noroeste do estado do Ceará, com uma população de 19.354 habitantes. Quanto à estrutura de serviços da ESF, existem nove equipes e 41 Agentes Comunitários da Saúde-ACS. Em 2008, o índice de infestação predial do Aedes aegypti era de 1,19%, com 29.859 visitas registradas no ano, perfazendo o total de 30 casos de dengue notificados e três confirmados labora-torialmente. Cariré possui 14 agentes de endemias, sendo utilizado como critério de inclusão para a pesquisa, o número de profissio-nais trabalhando há pelos menos um ano. Assim, compuseram o estudo onze agentes. Os agentes de endemias tiveram seu processo de trabalho descentralizado, tomando como base a territorialização sanitária estabelecida pela ESF, ficando um agente para cada território/equi-pe da zona rural, no total de sete. A sede do município foi dividida em dois territórios onde sete agentes trabalham cotidianamente, já

Cariré

44

Page 45: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

que tratam-se de setores povoados e populosos. A coleta de dados foi realizada por meio de um questio-nário, contendo perguntas abertas, aplicado durante a roda sema-nal dos supervisores de território com os agentes de endemias, logo após serem informados sobre os objetivos da pesquisa e os aspectos éticos e legais destas. Os dados estão analisados a partir do agrupamento em tabelas, apresentando a discussão de resulta-dos importantes, com base na literatura pertinente.

Apresentação e Discussão dos Resultados Os agentes do estudo são concursados, com salário base no valor do mínimo nacional, acrescido de insalubridade e gratifi-cação de deslocamento. E nos territórios em que não forem detec-tados casos de dengue laboratorialmente pelo LACEN, o agente recebe ainda, um bônus no valor de 30% do salário mínimo.

Acerca do processo de descentralização, as percepções apresentadas pelos agentes de endemias estão vinculadas às ações de prevenção e controle da dengue. No entanto, percebe-se algum avanço no reconhecimento de elementos próprios do trabalho na ESF, tais como: o acolhimento, o vínculo e a integração do traba-lho em equipe. Com a descentralização, os agentes reconhecem que ad-quiriram maior visibilidade para identificar as necessidades dos usuários e de suas famílias em suas particularidades econômicas, sociais e culturais, ao mesmo tempo em que constroem maior vín-culo com a comunidade. Em sua maioria, por serem moradores do território de abrangência da unidade de saúde, os agentes de ende-mias tornam-se tradutores sociais, permitindo canais de comuni-cação entre a equipe e a população. Percebe-se que esta integração tem facilitado a troca de conhecimentos e o maior apoio da equipe da ESF, principalmente dos ACS nas ações de prevenção de do-enças, educação em saúde e de reconhecimento e apropriação do território. Pesquisa realizada com trabalhadores das endemias acer-ca da expectativa de sua descentralização da FUNASA para o Es-tado e Municípios do Ceará, no ano de 2000, apontou o seguinte: necessidade de melhores condições de trabalho; continuidade do processo de trabalho da FUNASA; eficiência, eficácia, motivação e integração do trabalho (3). A pesquisa realizada em 2000 com trabalhadores das en-demias se assemelha às percepções dos agentes de endemias no que concerne à integração do trabalho em equipe e à qualificação do processo de trabalho.

Os agentes de endemias, em suas falas, apontam que a descentralização contribuiu/facilitou para o desenvolvimento de suas competências individuais e coletivas. As principais facilida-des identificadas pelos agentes foram a “fixação em um único ter-ritório, ao invés de percorrer todo o município” e a “parceria dos ACS nas ações de educação em saúde”. É a partir do reconheci-mento do território que se identificam os reais problemas de saúde da população, o que possibilita maior vínculo com as famílias. A parceria com os ACS facilitou o trabalho dos agentes de endemias na abordagem da visita ao lar e nas ações de educação em saúde sobre dengue e doença de Chagas. O elenco das facilidades citadas pelos sujeitos do estu-do reforça o que o Ministério da Saúde apresenta em documento técnico, o qual referencia que a integração da Vigilância à Saúde com a Atenção Primária, atualmente, é condição sine qua non para construção da integralidade na atenção à saúde e vigilância epide-miológica visando a redução de morbidades e danos, assim como a melhoria da qualidade de vida da população. Tais ações devem, portanto, estar inseridas no cotidiano das equipes da ESF, com atribuições e responsabilidades definidas no território. Neste con-texto, faz-se necessário que as atividades dos agentes de endemias e ACS sejam planejadas e desenvolvidas de maneira integrada e intercomplementar (4).

As dificuldades percebidas pelos agentes de endemias referem-se basicamente às ações desenvolvidas no controle da dengue e na relação pessoal com a equipe da ESF. A resistência das famílias à prevenção da dengue tem sido um dos fatores mais discutidos nas reuniões de roda. Mesmo com o vínculo conquis-tado, os agentes têm encontrado dificuldades com as orientações para mudança dos hábitos e comportamentos dos usuários, princi-palmente, no cuidado com o peixe dos reservatórios d’água, que atuam no controle biológico para o controle da dengue; além do acúmulo de lixo nos quintais dos lares.

45

Page 46: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

A dengue, nas últimas décadas, tem sido uma prioridade no trabalho não só dos agentes mas de toda a equipe, como tam-bém uma agenda constante dos gestores municipais. Pois, segundo a Organização Mundial de Saúde-OMS, esta se apresenta como um dos principais problemas de saúde pública no mundo, infec-tando, aproximadamente cem milhões de sujeitos anualmente em mais de cem países, de todos os continentes, exceto a Europa. A cada ano, cerca de quinhentos e cinqüenta mil doentes necessitam de hospitalização. Destes, vinte mil morrem em conseqüência das complicações da doença. Tal situação revela a gravidade da doen-ça e seus possíveis impactos sociais (5). Outro fator que tem dificultado o trabalho dos agentes são as grandes precipitações de chuva, em determinado período do ano, que inviabilizam o deslocamento dos mesmos para áreas mais dis-tantes, além de contribuir para o aumento do índice de infestação do mosquito da dengue. O distanciamento do supervisor de campo no acompanha-mento e apoio das ações dos agentes também foi apresentado como dificuldade vivenciada.

Considerações Finais A descentralização do processo de trabalho dos agentes de endemias para os territórios da APS tem sido uma relevante es-tratégia para a redução da morbidade e mortalidade por agravos e doenças, além de propiciar o aprimoramento do agir em saúde, nos diferentes níveis e atividades, assim como a construção de vínculo e o empoderamento do território. O trabalho em equipe, na ótica dos agentes, é reconhecido como a base de suas ações. Porém, em alguns territórios há confli-tos de poderes e pouco reconhecimento do trabalho pela equipe, principalmente pelos enfermeiros - gerentes dos territórios - e ACS. Os resultados apontam que, para os agentes de endemias assumirem novas responsabilidades ao serem inseridos nos territó-rios da APS, requer que sejam criadas novas competências na pers-pectiva de conhecimentos, habilidades e atitudes, para uma maior apreensão do território.Nessa nova lógica organizacional, cada equipe da ESF deve plane-jar suas ações a partir da análise situacional do território e o agente de endemias está inserido neste processo.

Referências1. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/NOB-SUS 96. Brasília: Ministério da Saúde; 1997. 34 p.2. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria Nº 1.399, de 15 de dezembro de 1999. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/web%20Funasa/Legis/pdfs/portarias_m/pm_1399_1999. pdf. Acesso em: 12 de julho de 2010.3. Ximenes Neto FRG, Santos LFF, Chaves MSM. Expectativa dos trabalhado-res em endemias em relação ao processo de descentralização da epidemiologia e controle de doenças. In: 53º Congresso Brasileiro de Enfermagem, 2001, Curitiba. Curitiba: Associação Brasileira de Enfermagem; 2001.4. Teixeira CF, Vilasbôas ALQ. Diretrizes para a integração entre a APS e Vigilân-cia Em Saúde: documento preliminar. Brasília. Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde: 2009. (mimeo).5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Dengue: diag-nóstico e manejo clínico. 2ª ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.

Francisco Rosemiro Guimarães Ximenes NetoSecretário da Saúde de Cariré

Francisco Rodrigues MartinsCoordenador da Vigilância à Saúde de Cariré

Daniele Tomaz AguiarCoordenadora da Atenção à Saúde de Cariré

46

Page 47: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Cruz

Fontes de financiamento do Sistema Único de Saúde: análise da aplicação dos recursos da Emenda Constitucional 29 nos municípios cearenses, no período de 2007 a 2009

Analisar o Sistema Único de Saúde no Brasil significa refletir sobre uma complexa organização, democrática, pública e gratuita. Porém, vale lembrar que esse sistema é fruto de uma luta, que teve início na década de 70, perdurando até os dias atuais. Por esse caminho, muitas realidades foram vivenciadas: a falta de preocupação do governo com a assistência à saúde pú-blica, a assistência prestada somente aos trabalhadores que contri-buíam com a previdência social, os serviços filantrópicos, a saúde privada e, por fim, o SUS. Cabe ressaltar que o marco histórico do surgimento do SUS é a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986), visto que suas idéias formaram as bases para a seção da Saúde da Constitui-ção Brasileira de 1988. Mas, embora se diga que o SUS foi criado por esta Constituição, é importante enfatizar que sua regulamen-tação só deu-se com a Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990. O caput do artigo 198 desse documento estabelece que o SUS é o principal instrumento pelo qual o Estado atenderá à sua obrigação constitucional de proteção, promoção e recuperação da saúde humana, onde as ações e serviços públicos de saúde, em ge-ral, integram uma rede regionalizada e hierarquizada, constituin-do um sistema único, organizado, basicamente, de acordo com as diretrizes da descentralização, da direção única em cada esfera de governo, do acesso universal ao atendimento sanitário integral e da participação da comunidade. E, nessa perspectiva, é dever do Estado garantir, por meio de políticas sociais e econômicas, a re-dução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse contexto, o SUS tem como princípios básicos a universalidade, a integralidade, a eqüidade, a descentralização, a regionalização, a hierarquização e a participação social. E é partin-do dessa primícia que, ao longo dos anos, esse sistema vem forta-lecendo suas ações, objetivando a melhoria dos serviços ofertados à população. Um dos fatores mais inovadores da administração pública é a compreensão de que as ações e serviços de saúde são de rele-vância pública, sendo, pois, financiados com recursos do orçamen-to da seguridade social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. Buscando a adequação do SUS à realidade social são cria-das as Normas Operacionais Básicas – NOB, as Normas Operacio-nais de Assistência à Saúde – NOAS e o Pacto pela Saúde, ações que norteavam o processo de descentralização e municipalização do SUS, frente à necessidade da organização de uma rede hierar-quizada e regionalizada de ações e serviços, assim como a qualifi-cação da gestão. Nessa perspectiva, esse artigo analisando a relação entre as fontes de custeio do SUS, a aplicação dos percentuais prescri-tos na Emenda Constitucional nº 29 para os municípios cearen-ses, a relação da média de aplicação com a Despesa com Recursos Próprios por Habitantes e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, pautando que a implementação de ações no âmbito financeiro é essencial para o cumprimento das responsabilidades sanitárias estabelecidas no Pacto pela Saúde, bem como para o for-

47

Page 48: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

talecimento do SUS. Para tanto, essa pesquisa teve como base os dados do Sistema de Informação em Orçamento Público em Saú-de, no período de 2007 a 2009, e considerou a média de aplicação das receitas dos municípios cearenses. 1. As doutrinas constitucionais do financiamento do SUS Antes do SUS, a assistência médica era prestada pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), sendo restrita aos empregados que contribuíssem com a previdência social. Outros que necessitassem de atendimento médico-hospitalar teriam que usar os serviços filantrópicos. Em contraposição a este modelo nasce o SUS que, segun-do RODRIGUES NETO (1994,p.94) propunha, ao lado da demo-cratização geral da sociedade, a universalização do direito à saúde, um sistema de saúde racional, de natureza pública, descentrali-zado, integrando as ações curativas e preventivas, e democrático, com participação popular. E a construção desse novo modelo de assistência envolve não apenas a transferência de serviços, mas também de respon-sabilidades, poder e recursos da esfera federal para a estadual e municipal. É a passagem de um sistema extremamente centraliza-do do ponto de vista político, administrativo e financeiro para um cenário em que milhares de gestores passam a se constituir atores fundamentais no campo da saúde. Porém, essa descentralização per se não é insuficiente para a concretização dos princípios do SUS. É preciso que haja o fortalecimento das capacidades administrativas e institucionais do governo central na condução do próprio processo de descentra-lização. E como a maior dificuldade para a implantação do SUS sempre foi a de um financiamento definido e suficiente para os investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambu-latorial e hospitalar e às demais ações de saúde, compreender essas mudanças na forma de repasse dos recursos é fundamental para entender a complexa rede de financiamento que permeia o SUS. Em suma, a Constituição de 1988 preocupou-se com a necessidade de criar fontes de financiamento capazes de garantir o atendimento das ações e serviços de saúde e impôs essa responsa-bilidade às três esferas de governo, devendo, cada qual, assegurar o aporte regular de recursos. No entanto, não assegurou um per-centual de aplicação obrigatória para o setor. No art.35 da Lei Orgânica da Saúde 8.080/1990 fica es-tabelecido que 50% dos recursos destinados aos estados e muni-cípios devem ser distribuídos segundo o quociente de sua divisão populacional, independentemente de qualquer procedimento pré-vio. Já a lei 8.142/1990 dispõe que os recursos federais, definidos segundo critério populacional, devem ser transferidos de forma automática e regular, desde que cada uma das esferas governamen-tais conte com um Fundo de Saúde (Estadual ou Municipal), um Conselho de Saúde, um Plano Plurianual de Saúde, a contrapartida de recursos para a saúde no orçamento e uma comissão para elabo-rar um Plano de Carreira, Cargos e Salários para o pessoal do setor.Contudo, essas leis não conseguem definir concretamente o finan-ciamento do SUS, nem quanto aos montantes e fontes de receita a serem destinados ao setor, nem quanto aos critérios, mecanismos e fluxos financeiros intergovernamentais. Tentando operacionalizar a implantação do SUS, criam-se as NOBs (1990) e as NOAS (2000). Do ponto de vista formal,

são portarias do Ministério da Saúde que definem os objetivos e diretrizes estratégicas para o processo de descentralização da po-lítica de saúde, contribuindo para a normatização e operacionali-zação das relações entre as esferas de governo, não previstas nas leis no 8.080 e 8.142 de 1990. Representam, pois, instrumentos de regulação que tratam eminentemente dos aspectos de divisão de responsabilidades, relações entre gestores e critérios de transferên-cia de recursos federais para estados e municípios. No que tange ao financiamento, a NOB 91 implementará, de fato, os mecanismos de transferência “fundo a fundo”(1) dos recursos federais para os municípios com gestão semiplena. Aqui, os municípios passam a contar com o recurso global da assistência ambulatorial e hospitalar, com plena autonomia para programar a execução destes recursos nas diferentes áreas assistenciais. Porém, os recursos assim transferidos também deviam, por princípio, res-peitar o valor da produção apresentada nos Sistemas de Informa-ções Ambulatoriais (SIA-SUS) e Hospitalares (SIH-SUS). Mas, é preciso saber que esses instrumentos não dão con-ta dos muitos problemas do sistema de saúde brasileiro, embora tenham trazido avanços no processo de municipalização da gestão. Isso porque, muitas vezes não há repasse de verba para os níveis estadual e municipal, fazendo com que os setores públicos apre-sentem dificuldades para atingir as propostas preconizadas pelo SUS. Tentando amenizar esse quadro, responsabilidades são acordadas através do Pacto de Gestão. Segundo o CONASS, esse pacto é o resultado das discussões sobre a regulamentação dos serviços em saúde. Nele destaca-se o fim do processo cartorial de habilitação e sua substituição pela formalização de termos de compromisso de gestão que definam a responsabilidade sanitária e os compromissos de cada esfera de governo. Aqui, a responsabili-zação efetiva deixa de ser uma decisão do gestor local, passando a ser assumida de modo negociado. Cria-se uma efetiva cooperação técnica e financeira, onde há a negociação de metas (assistenciais e gestoras) e compromissos sobre o SUS entre as três esferas de governo. De forma mais clara, a Emenda Constitucional no 29/2000 definirá o percentual de aplicação obrigatória para o setor saúde, na medida em que entende que a instabilidade de investimento dos parâmetros sobre o gasto na saúde poderia colocar em risco o comprometimento da prestação de serviços a toda população. Por meio dela foi estabelecido que o orçamento federal para a saúde terá reajustes automáticos segundo a variação do valor nominal do PIB, vinculando recursos federais, do Distrito Federal, dos Es-tados e Municípios para a saúde e fixando um percentual mínimo dos recursos próprios destes níveis de governo para aplicação ime-diata. Portanto, a EC/29 representou uma importante conquista para a sociedade na construção do SUS, muito embora a Lei Com-plementar em referência a ela ainda não tenha sido regulamentada, mesmo já tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional. E visto a complexidade da discussão e dos conflitos de interesses que envol-vem a destinação de recursos públicos, essa Emenda já provocou muitas críticas.

2. Compreendendo as diversas fontes de custeio do SUS O Fundo Nacional de Saúde funciona como agente finan-

(1) Entenda-se por transferência fundo a fundo a transferência de recursos feita diretamente do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estadual de Saúde – FES ou Fundo Municipal de Saúde – FMS.

Page 49: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

ceiro do SUS, sendo seus recursos destinados a prover as despesas correntes e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entida-des da administração indireta, as transferências para a cobertura de ações e serviços de saúde, a serem executados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal, e outras autorizadas pela Lei Orçamen-tária Federal, em consonância com o Plano Qüinqüenal do Minis-tério da Saúde (art. 2o. da Lei n. 8.142/90). Os recursos que integram esse fundo possuem origens diversas e vêm sendo organizados em conformidade com as di-retrizes e os objetivos do SUS, servindo de importante paradigma para a organização dos respectivos fundos de saúde nos Estados e Municípios. Parte dos recursos que a União aplica em ações e serviços de saúde são advindos, em sua maioria da arrecadação decorrente das contribuições sociais destinadas à Seguridade Social, confor-me definido no art. 195 da Constituição. Também são fontes de recursos do SUS as receitas pre-vistas no art. 32 da LOS que são provenientes de: serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; ajuda, contribuições, doações e donativos; alienações patrimoniais e ren-dimentos de capital; taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); além de rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais. Além destas, outra fonte significativa é o repasse de 50% do Seguro Obrigatório de Veículos Automotores Terrestres (DPVAT), previsto na Lei no 6.194/74(2). Em suma, a apuração dos valores mínimos a serem apli-cados em ações e serviços públicos de saúde dar-se-á a partir das seguintes bases de cálculo: 12% do produto da arrecadação dos impostos de natureza estadual (ICMS, IPVA, ITCMD e simples), receitas de transferência da União (quota-parte do FPE, cota-parte do IPI exportação e transferências da Lei Complementar nº 87/96), imposto de renda retido na fonte (IRRF), bem como outras recei-tas correntes, como receita da dívida ativa tributária de impostos, multas, juros de mora e correção monetária. a nível municipal, a arrecadação deve ser sobre o total das receitas de impostos muni-cipais (ISS, IPTU, ITBI, 25% do ICMS, 50% do IPVA e 25% do IPI exportação), receitas de transferência da União (quota-parte do FPM, quota-parte do ITR, quota-parte do IPI – 25% e quota-parte da Lei Complementar nº 87/96 – Lei Kandir), além de outras re-ceitas correntes como a dívida ativa tributária de impostos, multas, juros de mora e correção monetária. Esses recursos financeiros destinados ao custeio do SUS devem ser depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob a fiscalização dos respectivos Con-selhos de Saúde, responsáveis pelo controle social. Esta regra, pre-vista no art. 33, caput, da LOS, é da máxima importância para que os recursos do SUS não sejam desviados para outras finalidades. Com a EC/29 observa-se uma regra de evolução progressiva de aplicação dos percentuais mínimos de vinculação, não sendo pos-sível reduzir os percentuais de aplicação. Nessa perspectiva, ao definir nova sistemática de cálculo para apuração dos recursos mí-nimos a serem aplicados em saúde pelos entes federados, a EC/29 proporcionou significativo aumento das dotações orçamentárias para o financiamento do SUS. No entanto, há muito que ser feito para que haja o in-cremento necessário na dotação orçamentária da saúde no Brasil, principalmente em nível federal.

(2) Imposto pago no momento da quitação do Imposto de Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o qual, por ser um imposto estadual, obedece a prazos de pagamento definidos pelos Estados, cujo calendário pode ser alterado anualmente. 49

Page 50: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

3. A aplicação do Percentual de Recursos Próprios em Saúde – EC no 29 dos Municípios Cearenses por Faixa Populacional

e serviços no campo da saúde pública. Por isso, a existência de constantes estudos nesta área, todos no sentido de aprimorar o sis-tema e adequá-lo às legitimas exigências dos brasileiros que dele dependem. 6. Considerações finais A Constituição de 1988 trouxe avanços significativos, pois, reconheceu a relevância pública das ações e serviços de saú-de, com benefícios a toda população. A partir dela, a população passou a ter direito a atendimento integral independentemente de pagamento. Outro fator importante é a percepção de que as fontes de financiamento contribuem significativamente para uma defini-ção mais equânime do leque de contribuintes. Com base nisso, verificou-se que para cumprir as atribui-ções previstas na Constituição, o SUS necessita de investimentos mais precisos nas esferas de governo. Necessário se faz compre-ender que esta constituinte não definiu critérios de transferência de recursos para as ações e serviços de saúde, embora isso tenha sido corrigido posteriormente pela EC/29, a qual definiu os recursos mínimos das três esferas de governo para o financiamento do SUS. Na análise dessa Emenda observou-se que a fixação de uma sis-temática de cálculo para apuração dos recursos mínimos a serem aplicados pelos entes federados proporcionou substancial aumento das dotações orçamentárias para o financiamento do SUS. Percebe-se, também, que o Fundo Nacional de Saúde vem sendo organizado em conformidade com as diretrizes e os objeti-vos do SUS, cabendo-lhe o relevante papel de servir de paradigma para organização dos fundos de saúde dos demais entes da federa-

ção, gerindo os recursos arrecadados com ética e transparência. Além disso, o SIOPS apresenta-se como uma ferramenta valio-sa, que deixa claro os investimentos no setor saúde como todo. Nos documentos analisados ficou claro que 100% dos municípios cumprem com os percentuais estabelecidos pela EC nº 29/2000. Entende-se nessa pesquisa que os municípios têm características distintas de receitas vinculadas com certo grau de dependência fiscal tributária, o que impli-

ca em regras que determinam a vinculação de receitas para manu-tenção dos serviços de saúde locais desde a atenção básica até a alta complexidade. Frente a isso, é possível dizer que a aplicação dos recur-sos na saúde é mais expressiva nos municípios com população acima de 200.000 habitantes, os quais se encontram com a maior complexidade de ações de saúde e alta dependência orçamentária.A per capita aplicada com recursos próprios nos municípios até 5.000 habitantes, com IDH médio de 0,600, é da ordem de R$ 234,00 enquanto que para os municípios acima de 100.000 habi-tantes este valor não chega a R$ 150,00. Cabe ressaltar, porém, que estes apresentaram o IDH de 0,875, índice considerado ele-

(3) O SIOPS é um sistema descentralizado de informações orçamentárias financeiras, sendo valioso instrumento de controle e planejamento da aplicação de recursos em saúde. É uma fonte importante para estudos que orienta-riam a vinculação de recursos à Saúde, através da Constituição Federal, pois, possibilita a geração do demonstrativo da receita líquida de impostos e das despesas próprias com saúde dos Estados, Municípios e Distrito Federal, previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O Estado do Ceará tem 184 municípios, perfazendo o total de 8.547,809 habitantes (IBGE/2009), sendo divido em três macrorregiões e 22 microrregiões de saúde. Conforme o dado, ob-tido pelo Sistema de Informação em Orçamento Público em Saúde – SIOPS(3) observa-se que os municípios cearenses têm aplica-dos os percentuais como determina a Emenda Constitucional nº 29/2000. Pode-se verificar nas variadas fontes de receitas exami-nadas neste artigo que o legislador atentou para a base de finan-ciamento do SUS, o que não quer dizer, todavia, que os recursos arrecadados sejam suficientes para a crescente demanda por ações

50

Page 51: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

vado. Já os municípios com população entre 50.001 a 100.000 ha-bitantes, têm um baixo IHD (menor que 0,499) e apresentam uma per capita de R$ 77,94. Portanto, conforme corte populacional, percebe-se que os municípios têm aplicado percentuais acima do que foi estabeleci-do pela EC/29, o que significa que a manutenção do sistema local de saúde necessita de investimentos mais precisos, que devem vir tanto da União, quanto da esfera estadual. Além disso, necessário se faz reajustar os repasses hoje recebidos, visto que os mesmos encontram-se defasados, não custeando sequer seus propósitos.Vale pontuar que o ajustamento financeiro, bem como a captação de novos recursos, entre as normas reguladoras apregoadas pelo Ministério da Saúde e os procedimentos prestados pelos serviços municipais de saúde é de fundamental importância para assegurar o sucesso da oferta de serviços de saúde de qualidade a toda a população. E nesse sentido, muito ainda se tem a caminhar para que se desmistifique o estigma de que o SUS oferece serviços sem qualidade e, por isso, destina-se aos indigentes ou àqueles que não podem custear planos particulares de saúde. Ao longo deste texto verifica-se que é exatamente o contrário. Por fim, frente ao exposto, acredita-se que o enfoque do trabalho do gestor municipal será marcado pelo maior entrosamento deste com as demais esferas da saúde, no sentido de reforçar e melhorar a assistência aos usuários e a própria promoção da saúde pública. Portanto, muito ainda se tem a buscar em prol da qualidade da saú-de pública brasileira, contudo, o primeiro passo foi dado...

ReferênciasBRASIL. Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 20 set 1990.________. Resolução INAMPS 273, de 17 de Julho de 1991. Reedição da Norma Operacional Básica/SUS no. 01/91. Brasília, 1991._________. Lei nº 8142 de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transfe-rências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Brasíla: Diário Oficial da União, 31 ago 1994. ________. Norma Operacional Básica do SUS 01/1996. Brasília: Ministério da Saúde, 1996.________. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 29/2000 de 13/09/2000. Publicada no Diário Oficial da União de 14/09/2000. Brasília, 2000.________. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. 17ª ed. Atualizada em 2001. Brasília: Câmara dos Deputados, 2001.________. Norma Operacional da Assistência à Saúde 01/2001. Brasília: Ministé-rio da Saúde, 2001a.__________. Ministério da Saúde. SIOPS–Despesas com ações e Serviços Pú-blicos de Saúde Financiados com Recursos Próprios, 2000 a 2002. Nota técnica. [Mimeo]. CONASS. Sistema Único de Saúde. Brasília: CONASS, 2007.RODRIGUEZ NETO, E. A Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde: suas origens, suas propostas, sua implantação, suas dificuldades e suas perspectivas. Brasília: Ministério da Saúde, 1994.

Francisco Pedro da Silva FilhoEnfermeiro, Especialista em Sistemas Locais de Saúde - ESP,

Especialista em Auditoria - UECE Secretário da Saúde de Cruz

51

Page 52: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Identificação e Classificação das Constatações Relativas à Atenção Básica dos Relatórios de Fiscalização da Controladoria Geral da União no Ceará

Introdução Das responsabilidades advindas das atividades de gestão pública, uma das que mais chamam a atenção de políticos, ser-vidores dos poderes legislativo e judiciário, como da mídia, é a utilização de recursos financeiros. E execução financeira na gestão pública, além de complexa, está sujeita a toda gama de normatiza-ções específicas para sua correta realização. A atividade de execução financeira, além da operaciona-lização das políticas de saúde, outra função típica da gestão, está sujeita aos controles internos e externos. No âmbito interno, po-demos citar como órgãos de controle e fiscalização os Conselhos de Saúde, órgãos internos de auditoria, regulação e avaliação e os órgãos internos de controle. No ambiente externo, temos o poder legislativo e judiciário, a atuação do Ministério Público, os Tri-bunais de Contas e os órgãos de auditoria e controle externos de outras esferas governamentais. Análises realizadas por órgãos de fiscalização têm tido grande repercussão nos meios da gestão pública, quer pelas con-seqüências de suas atividades ou pelas acaloradas discussões em torno da condução dessas atividades e coerência de seus achados.Um dos órgãos que goza de prestígio junto à mídia e demais ór-gãos de controle e fiscalização é a Controladoria Geral da União (CGU). Relatórios de fiscalização deste órgão têm sido utilizados pela mídia, em geral para denunciar gestores que utilizam inade-quadamente os recursos financeiros, segundo a ótica do citado ór-gão de controle, como também por políticos, servidores do poder judiciário, parlamentares, Ministério Público, quando no exercício de suas funções. A proposta do artigo é contribuir para a qualificação das decisões tomadas, tanto nos serviços de saúde como na gestão do sistema de saúde.

Metodologia Tendo em vista os objetivos da pesquisa, realizou-se pes-quisa bibliográfica e documental e utilizou-se técnicas de análise documental. A natureza da pesquisa impôs atividades explorató-rias de levantamento, sistematização e análise de dados primários. Assim, essa pesquisa caracteriza-se como um estudo quantitativo, retrospectivo, exploratório, utilizando-se técnicas de análise docu-mental.

Deputado Irapuan Pinheiro Resultados Em relação aos tipos de não-conformidades encontradas, buscou-se agrupá-las, de acordo com alguma afinidade e seme-lhança entre elas, por categorias. Foi estabelecido, conforme a lei-tura e análise foi sendo realizada, um total de 10 (dez) categorias diferentes. O principal tipo de não-conformidade que se observou foi relativo a irregularidades em execução financeira, que reuniu diversos tipos de irregularidades, tais como: cheques nominais a empresas sacados por servidores municipais; despesas pagas sem identificação; pagamento sem medições; medições de pagamentos erradas; bens não destinados ao local exigido; ausência de ates-tos em notas fiscais; ausência de registro financeiros; ausência de processo licitatório; montagem de processos licitatórios; superfa-turamento; fracionamento de despesas em processo licitatório; au-sência de prestações de contas; folha de pagamento divergente do sistema de informação; e aquisição de bens não localizados. Esses tipos e não-conformidade representaram 38,85% do total identifi-cado, o que representa, do total de 296 não-conformidades, 115. O segundo tipo de não-conformidade mais significativo foi a utilização indevida dos recursos financeiros da atenção bási-ca, que reuniam os seguintes tipos de irregularidades: pagamento de refeições a pessoal do PSF; aluguéis de Unidades Básicas de Saúde (UBS); contas de água e energia; pagamento de servidores de endemias; e tarifas bancárias, o que representou 13,51% das não-conformidades, 40, do total de 296. Bem próximo ao número acima registrado observou-se que o terceiro e quarto tipos de não-conformidades mais signifi-cativas foram, empatados, ausência/descumprimento de horários de profissionais (reunindo, principalmente, fatos como: não cum-primento das 40h semanais por profissionais do PSF; ausência da composição mínima da equipe) e deficiência no atendimento dos serviços de atenção básica (existência de filas; pouca realização de reuniões de grupos; não agendamento de exames; busca de ser-viço, sem encontrar o profissional na unidade, não marcação de consultas; deficiência na alimentação de sistemas de informação). Cada um desse tipo de não-conformidade representou 11,49% do total, que em números absolutos, representa 34, de um total de 296. Na quinta e sexta posição de não-conformidades mais freqüentes encontramos, respectivamente, irregularidades relacio-nadas a infra-estrutura inadequada em unidades de saúde (relativo a ausência de ambientes; paredes com vazamento; ausência de ba-nheiro em consultório; ausência de área para escovação; espaços inadequados para abrigar os serviços), que representou um percen-tual de 9,46%, 28 das 296 constatações, e cobertura de programa inadequada (quantidade de famílias e pessoas superior ao permi-tido e não cobertura de 100% do território), 8,11%, sendo 24 das 296 constatações. Entre as não-conformidades menos freqüentes encontra-mos: instrumentos de gestão inadequados ou inexistentes (Plano de Saúde inadequado ou inexistente; Relatório de Gestão inexis-tente; planejamento inadequado) e contratação irregular (ausência de contrato; acúmulo de função; ausência de processo seletivo; contrato sem especificar carga horária), representando 2,70%, 8 das 296, cada; deficiência na capacitação de recursos humanos (falta de curso introdutório), 1,01%, 3 das 296; e irregularidade no funcionamento do Conselho Municipal de Saúde (assuntos abor-dados e quantidade de reuniões não atendem à normatização per-tinente e quantidade de reuniões inferior ao necessário), 0,68%, 2 das 296. 52

Page 53: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

No gráfico 1, pode-se observar num mesmo plano as in-formações acima apresentadas.

Discussão Em relação às irregularidades ligadas à utilização indevi-da de recursos financeiros da atenção básica, parecem constituir, em sua grande maioria, práticas advindas de desconhecimento da normatização pertinente e do conhecimento sobre saúde pública e coletiva. Muitas das ocorrências podem ser evitadas com a ade-quada formação dos gestores, nas áreas políticas de saúde, saúde pública e coletiva, contabilidade e administração financeira. As não-conformidades ligadas à deficiência ao cumpri-mento de carga horária ou ausência de profissionais e deficiên-cia no atendimento dos serviços de atenção básica mostram-se de solução bem mais complexa e que exige um esforço de todas as esferas de governo, envolvendo questões que extrapolam o setor saúde e têm interface com o adequado financiamento da saúde, o eficiente planejamento, a adequada formação profissional, o mo-delo de atenção adotado, entre tantos outros fatores que em muito estão fora da governabilidade municipal. As irregularidades relacionadas à infra-estrutura reque-rem de todas as esferas de governo mais recursos financeiros para sua melhoria, e aquelas relativas à cobertura inadequada de pro-grama, podem ter causas provavelmente relacionadas à adoção da estratégia proposta e a escassez de alguns recursos humanos. A es-trutura rígida de composição das equipes de saúde da família, para um país cuja diversidade, em aspectos importantes, é continental, inviabiliza seu adequado cumprimento, não permite a experimen-tação de equipes diferentes voltadas à realidade epidemiológicas diferentes e agride mortalmente a Constituição Federal e as leis orgânicas da saúde. É interessante perceber que apenas um centésimo das ir-regularidades relacionava-se a deficiência na capacitação de recur-sos humanos. Essa é uma área crítica à estruturação dos serviços de saúde e do SUS, inclusive sendo um componente de questão apontada por gestores como prioritária. No entanto, recebe pouca atenção dos órgãos de controle externo. Igualmente, observa-se que, em relação a questões ligadas à contratação de pessoal, re-presentando apenas 2,70% do total, é outra questão que envolve as duas áreas mais críticas ao Sistema Único de Saúde: financiamento e recursos humanos.

Vários são os casos relativos à execução financeira não-conforme. No entanto, nos fixaremos em um caso instigante à prática dos municípios cearenses. Uma das principais falhas que determinariam a utilização indevida, segundo a CGU, mostrou-se no uso de recursos para atividade-meio. A seguir um caso emblemático sobre essa questão. A CGU determinou como não-conforme a realização de despesas indevidas com recursos do Piso de Atenção Básica - PAB Fixo. Foram utilizados recursos para pagamento de aluguéis de unidades de saúde, contas de água e energia, pagamento de servidores liga-dos à endemias e tarifas bancárias. O agente executor esclarece que os prédios relacionados são utilizados pelo Programa Saúde da Família e que alguns valo-res são referentes a consignações em folha de pagamento de servi-dores da atenção básica, apresentando guia. O relatório aponta uma referência normativa acerca da utilização dos recursos do PAB, emanada do Ministério da Saú-de (MS), portaria nº 3.925/GM (BRASIL, 1998), como também aponta a Decisão nº 600/2000 do Tribunal de Contas da União (BRASIL, 2000), que estabelece que recursos financeiros federais, transferidos para estados e municípios, só podem ser utilizados em atividades-fins de ações e serviços de saúde e não em atividades-meio, sendo a apresentação do critério normativo compatível com a constatação apontada. O relatório reconhece o recebimento de justificativa mas apenas diz que a evidência não é suficiente. Há de se registrar existirem entendimentos de que a Deci-são emanada do TCU não comporta coerência técnica, nem mesmo legal, com a realidade da execução de ações e serviços de saúde. Carvalho (2010), em texto onde analisa a referida decisão do TCU, nos lembra que para efeito da aplicação da Emenda Constitucional nº 29, é estabelecido na Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 322/2003 e conforme o disposto nos artigos 196 e 198, § 2º, da Constituição Federal e na Lei n° 8080/90, relacionadas a progra-mas finalísticos e de apoio, inclusive administrativos. Registra ainda que, de acordo com o estabelecido na por-taria nº 2.047, de 5/11/2002, em seu art. 6°, é determinado que para efeito da aplicação do art. 77 dos Atos das Disposições Constitu-cionais Transitórias (ADCT), consideram-se despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas de custeio e de capital, fi-nanciadas pelas três esferas de governo, relacionadas a programas finalístico e de apoio que atendam, simultaneamente, aos princí-pios do art. 7° da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, e às diretrizes que o ato normativo estabelece. De acordo com o art. 7°, inciso XV, da mesma portaria, observa-se que o mesmo esta-belece, como próprio de financiamento com recursos do SUS, as ações administrativas realizadas pelos órgãos de saúde no âmbito do SUS e indispensáveis para a execução das ações indicadas nos itens anteriores. Carvalho (2010) ainda se utiliza de exemplo contundente para reforçar sua posição contrária a Decisão:O Tribunal de Contas da União segundo a CF Art. 71 tem como competência: apreciar e julgar contas, apreciar legalidade, reali-zar inspeções, auditorias, fiscalizar contas e aplicação de recursos e outras.

Como não está expresso na lei nenhuma atividade administrativa para garantir estas ações elas não poderão ser financiadas com recur-sos destinados às ações do TCU? Seria assim ilegal e passível de pu-nição, manter com recursos do tribunal os serviços administrativos de zeladoria, manutenção, alimentação, administração financeira e

53

Page 54: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Por fim o autor conclui que não é coerente à área da saú-de a Decisão do TCU, observando que as atividades de apoio são imprescindíveis às atividades de prestação de serviços de saúde.

Conclusões É primordial que a gestão municipal se utilize das infor-mações dos órgãos de controle, fiscalização e auditoria, na busca da qualificação de suas práticas. Os achados apontam que, por ve-zes, pequenas mudanças e outras não tão pequenas, mas dentro da governabilidade municipal, podem resolver grande parte das irre-gularidades detectadas. Outra questão que fica clara é a necessida-de da fiscalização e auditoria atuarem como órgãos de orientação à adequada prática administrativa. Por isso, há a necessidade de uma correta fundamentação de seus relatórios e adequada resposta às defesas que os agentes interessados apresentam. Outra questão, cujas informações levantadas no estudo permitem observar, é que os órgãos de controle, auditoria e fiscali-zação devem buscar analisar de maneira ampla o contexto em que os programas do governo federal estão inseridos, apreciando as responsabilidades vinculadas entre as esferas de governo, princi-palmente no que se relaciona ao financiamento do SUS, o caráter federativo do Brasil, a essência da descentralização político-admi-nistrativa e a ultrajante afronta que as portarias do Ministério da Saúde, por vezes, fazem à Constituição Federal e leis orgânicas da saúde.

ReferênciasBASTOS, P. S. S.. Nova ou antiga demanda em auditoria: a detecção de fraudes. RCA - Revista de Controle e Administração. v.3, n.1. Rio de Janeiro: Controladoria Geral do Município do Rio de Janeiro, 2007.BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria n.º 3.925, de 13 de novembro de 1998. Aprovar o Manual para Organização da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde. 1998.BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Decisão 600/2000. Requeri-mento de Informações; TCU; Controle Interno; MF; MSD;Aplicação; Recursos Públicos; SUS; Transferência de Recursos; Repasse;Distrito Federal; Administração Estadual; Administração Municipal.Ata 30/2000. 2000.CARVALHO, G.. O dinheiro de arrecadação federal para a saúde e repassado constitucionalmente para estados e municípios: só podem ser usados em atividades fim ou também em atividades meio? Disponível em: <www.gices-sc.org/GASTO-COMSAUDEGCCOM6002000.doc>. Acesso em: 2010.

Rodrigo Carvalho NogueiraOdontólogo. Esp. em Auditoria pela UECE

Aníbal Araújo PintoOdontólogo. Mestre em Saúde Pública pela UECE

de pessoal, protocolo etc. Com que dinheiro se compraria um terreno ou se construiria um prédio para o Tribunal de Contas? Tem cabi-mento um raciocínio desse? E se pensarmos que é financiado plano de saúde para os servidores do TCU com dinheiro público, a meu ver inconstitucionalmente... Aí seria realmente proibitivo... Mas existe...

Nós, da área de saúde, trabalhamos com listas enormes de insu-mos que compramos para apoio AO DESENVOLVIMENTO DAS AÇÕES DE SAÚDE. Não se faz consulta médica sem consultório (área, móveis, luz, água), maca, lençol, papel toalha, equipamentos mínimos, caneta, papel de receita, exames, folhetos de orientação, medicamentos etc) e profissionais de saúde e de apoio (limpeza, guarda, escriturários, motoristas etc..). Todas ações de saúde exis-tentes nos serviços de saúde com servidores pagos com recursos des-tinados à saúde. As ações e serviços de saúde são o paradigma para o gasto dos recursos da saúde. Pode-se gastar o dinheiro da saúde nas atividades fins e nas atividades meio garantidoras das finalísticas. Ao mesmo tempo que se gastam recursos com consultas e exames, se garante o local onde elas devem acontecer: adquirido, construído ou alugado. Se garantem luz, água, gás, telefone. Se garante papel-receita, papel ficha, fichários etc. etc. Se garante segurança, limpeza, jardinagem, alimentação.

54

Page 55: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Interdisciplinaridade e Reabilitação Psicossocial: a experiência do CAPS I de Guaraciaba do Norte-CE

Há uma década era oficializada no Brasil a política de Saúde Mental, fruto de um longo caminho construído por usuá-rios, familiares e profissionais, que acreditavam na inoperância, ineficiência e ignorância aos direitos humanos do tratamento asilar ofertados em hospitais manicomiais. Mais do que uma reorienta-ção de práticas e serviços, a reforma psiquiátrica é uma mudança que exige novos olhares sobre a pessoa com transtorno mental, afinal pressupõe uma mudança sociocultural. Os Centros de Atenção Psicossocial-CAPS, principais dispositivos da reforma psiquiátrica, promovem a reabilitação psi-cossocial: esta entendida como o processo que facilita ao usuário do serviço uma melhor reestruturação de autonomia de suas fun-ções, na comunidade. Para tanto, é essencial a valorização de um trabalho multidisciplinar, que possa lidar com diversas instâncias da subjetividade do sujeito. No CAPS de Guaraciaba do Norte tem-se buscado valori-zar um olhar profissional diversifi-cado e uma consonância de ações que instrumentalizem a integrali-dade, tão em voga nas discussões sobre o SUS. A idéia é que em atividades seguidas, as demandas tenham atenções diferentes e com métodos diversificados.Usuários com comprometimento cognitivo e dificuldade de auto-cuidado participam de Grupos de Convivência coordenados pela Terapeuta Ocupacional, utilizando tanto o espaço físico do serviço, como alguns espaços da comuni-dade (quadra de esporte e centro de convivência do idoso).Enquan-to tal atividade ocorre, cuidadores (sejam pais,filhos,vizinhos,etc.) são acolhidos no grupo de família,facilitado pelo Assistente Social.

Guaraciaba do Norte Neste momento, são repartidas angustias, conquistas e formas de enfrentamento às violações de direito das pessoas com transtorno mental. Busca-se também o fortalecimento dos laços afetivos e estímulo a vivências na comunidade (o que no serviço está sendo feito em prática no grupo da Terapeuta Ocupacional).Outras ações dialogadas são voltadas para mulheres com sintomas depressivos e/ou isolamento social; são realizadas com a Terapeu-ta Ocupacional, Oficinas Produtivas que estimulam a possibilida-de de criação e facilita uma reaproximação gradual com seu meio social. Criar algo,faz com que haja o aumento da autoestima destas usuárias.Posteriormente,participam de psicoterapia individual,na qual é estimulado o potencial de reatividade,descoberta de habili-dades sociais funcionais e distorções cognitivas presentes. Sejam estes ou outros momentos ofertados no CAPS (grupos psicoterapêuticos, acolhimentos, grupos de idosos, moni-toração farmacológica, dentre outros), sempre é discutido entre os técnicos do serviço, Assistente Social, Enfermeiro, Psicólogo, Psi-quiatra e Terapeuta Ocupacional, qual o perfil do usuário admitido e que ações mais adequam-se a ele (e não ele adequar-se ao pro-posto). São comuns então visitas domiciliares com dois técnicos de referência, interconsultas e discussões de caso.

Percebe-se que depois da ado-ção de tais estratégias, houve di-minuição da freqüência de inter-nações de usuários do CAPS e a reincidência de pessoas egressas de internação psiquiátrica. Isso se deve não só a redução de sin-tomas, mas também do maior en-tendimento de cuidadores sobre como é a assistência em saúde mental hoje, não buscando dire-tamente o hospital psiquiátrico e também responsabilizando-se pela melhora. Há também uma maior cons-cientização da comunidade em geral e outros setores públicos, dentro e fora da rede de saúde, sobre a importância de apoderar-se da política de Saúde Mental. Assim, fica para a equipe o desa-fio de aumentar ações desinstitu-cionalizantes e intersetorias.

Khalil Gibran Khalil Viana Matos AndradePsicólogo- Centro de Atenção Psicossocial de Guaraciaba do Norte

55

Page 56: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Multiplicadores em Saúde Bucal como Estratégia de Ação no Municí-pio de Ubajara-Ce

Como parte das ações do Programa de Saúde Bucal – Fa-zendo Ubajara Sorrir – foi desenvolvida uma proposta de trabalho na Equipe de Saúde Bucal(ESB) do distrito de Jaburuna, municí-pio de Ubajara, pautada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) como a eqüidade, a integralidade e a participação popular, além de ações intersetoriais de promoção da saúde. O município de Ubajara localiza-se na região oeste do Estado do Ceará, na Serra da Ibiapaba e possui uma população de 31.792 habitantes, segundo dados do censo populacional 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Atualmente, conta com nove (9) Equipes de Saúde Bucal modalidade 1. A Equipe de Saúde Bucal(ESB) de Jaburuna foi a primei-ra a ser implantada no município, em agosto de 2001. Antes da implantação da ESB, dentro da Estratégia Saúde da Família(ESF), todo o atendimento era centralizado em um único consultório odontológico, localizado na sede do muni-cípio e distante cerca de 10km do distrito. O atendimento era somente por demanda li-vre e exclusivamente individual e mutilador. Com a descentralização das ações de saúde bucal, iniciada dentro da perspectiva de tra-balho com foco na família, abriu-se, então, caminho para a reorientação do modelo de atenção em saúde bucal, e o foco voltou-se para o trabalho em uma equipe multiprofis-sional dentro de um determinado território. O trabalho com multiplicadores ini-ciou-se no ano de 2004, com o objetivo de capacitar alunos e professores para atuarem como agentes multiplicadores de saúde bu-cal. Objetivou também estimular atividades educativas na escola e na comunidade volta-das para a saúde bucal, incentivar a incorpo-ração da educação em saúde bucal dentro da grade curricular das escolas e desmonopoli-zar o saber através da realização de oficinas de capacitação para alunos e professores. A desmonopolização do saber foi

Ubajara mola propulsora para que tal protagonismo levasse a saúde bucal para além das ações individuais e curativas, historicamente pauta-das num modelo excludente. A ESB de Jaburuna conta, na sua área de abrangência, com 7 (sete) escolas públicas municipais, aonde 1300 alunos, de 3 a 14 anos, freqüentam as aulas nos turnos manhã e tarde. Inicialmente, foi feita articulação com a Secretaria de Educação do município, seguida de visitas e reuniões com dire-tores e coordenadores das escolas municipais inseridas na área de abrangência da ESB. Um instrumento de compromisso foi ela-borado para ser assinado pela direção e coordenação das escolas. Foram, então, realizadas oficinas de capacitação para alunos e pro-fessores, utilizando como referencial a problematização, através da utilização de caracteres culturais locais. Um manual de educação em Saúde Bucal foi construído e incorporado à grade curricular das escolas e, semanalmente, os multiplicadores se reúnem para estudar temas do manual, utilizan-do-o em sala de aula e em atividades lúdicas. Estratégias como o teatro, a música e a produção de textos pelos multiplicadores são utilizadas com sucesso. Os alunos multiplicadores ajudam nas

atividades do Programa de Saúde Bucal e incentivam os demais. Foram criados grupos de estudos extracurriculares, além de uma rádio escola, utilizando um mi-crofone e amplificador. A peça de teatro O Bicho da Cárie já foi encenada diversas vezes. Até o ano de 2010 já foram realizadas 11 oficinas com 110 alunos e 42 profes-sores capacitados, que atuam como mul-tiplicadores na escola e comunidade. A realização de oficinas com professo-res e alunos mostrou-se uma ferramenta viável para a incorporação da educação em saúde bucal dentro da grade curricu-lar das escolas, através da iniciativa de professores e alunos multiplicadores, seja na sala de aula ou nos grupos de estudos extracurriculares. É de fundamental importância o pa-pel da escola e da comunidade através da educação aliada à saúde e ao saber cultu-ral de cada região.

José Amilton Costa SilvestreOdontólogo, Coord. de Saúde Bucal de Ubajara, Esp. em Saúde Pública e

Mestrando em Saúde da Família pela UFC

Fotos> Alunos multiplicadores em saúde bucal e o teatro como estratégia; Rádio escola organizada por alunos multiplicadores56

Page 57: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Implantação da Avaliação para Melhoria da Qualidade: a experiência de Maracanaú/CE.

Introdução A proposta da Avaliação para Melhoria da Qualidade – AMQ está inserida no conjunto de ações propostas pelo Ministério da Saúde para a institucionalização da Avaliação da Atenção Bási-ca. Ela é direcionada ao âmbito municipal da Estratégia Saúde da Família (ESF) e tem como atores principais os profissionais das equipes, coordenadores e gestores. A proposta tem como objetivo fornecer as ferramentas necessárias para que os gestores e profissionais da Atenção Básica possam avaliar a qualidade dos serviços prestados à comunidade. Por meio de uma metodologia de avaliação sistêmica, dinâmica e interativa, possibilita a gestão interna dos processos de melhoria da qualidade, com vistas ao contínuo aprimoramento deste modelo de atenção à saúde, considerado o eixo central da Atenção Básica no país. Para atender aos objetivos do projeto, atribui aos padrões(perguntas) o conceito de estágios de qualidade – Elemen-tar (padrões E), em desenvolvimento (padrões D), Consolidada (padrões C), Boa (padrões B) e Avançada (padrões A). Para subsidiar o processo foram elaborados um documen-to técnico e cinco cadernas auto-avaliativas aplicados ao gestor e às equipes da ESF. Esses instrumentos possibilitam a identificação dos estágios de implantação, desenvolvimento e qualidade da es-tratégia, em seus diferentes pontos, desde a gestão até as práticas de saúde das equipes junto à população. Em cada caderno de auto-avaliação estão disponíveis três momentos avaliativos sequenciais, os quais devem acontecer com intervalo minimo entre seis e doze meses. Com a implantação da proposta AMQ no Município de Maracanaú, a Coordenadoria de Saúde busca incentivar a qualida-de da ESF, desenvolvendo o processo de monitoramento e avalia-ção em todos os componentes e espaços de atuação das equipes do Saúde da Família.

Metodologia O processo de implantação da AMQ no Município se deu através de 15 oficinas de apresentação e sensibilização. Após es-sas oficinas foram formados 6 grupos, os quais responderam os instrumentos de avaliação e iniciaram a construção da matriz de intervenção. O intervalo para realização das intervenções propostas deverá ser de, no mínimo de seis e no máximo doze meses, consi-derando-se que mudanças nas condições e processos da atenção à saúde demandam recursos, mobilização de pessoas e tempo para sua realização.

Maracanaú

57

Page 58: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Após a conclusão da 1ª auto-avaliação dos 6 grupos, as respostas foram digitadas no sistema informatizado AMQ.net, que permite a formação de uma memória dos momentos avaliativos e, ainda, a emissão de relatórios de monitoramento e análise. No ano de 2010, Maracanaú totalizou as seguintes quantidades de instrumento respondidos e digitados no sistema:

Resultados Segue abaixo os resultados referente ao 1º momento ava-liativo da AMQ em Maracanaú no ano de 2010:

O gráfico 01, acima, mostra o percentual de respostas afirmativas e negativas, referentes aos 5 instrumentos de auto-ava-liação, estando os melhores percentuais de SIM no instrumento 3 (72,1%) e 5 (49,3%).

O Instrumento 1 é dirigido ao gestor municipal de saú-de e sua equipe direta de trabalho. Aborda temas relacionados à definição política e institucional da estratégia Saúde da Família, a organização da implantação e a integração da rede de serviços, entre outros. 58

Page 59: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

O gráfico 02 mostra que, na dimensão Desenvolvimento da Estrategia Saúde da Família, obtivemos um maior percentual (66,7%) de respostas SIM na subdimensão fortalecimento da co-ordenação, e menor percentual (30%) em gestão de trabalho.

O Instrumento 2 é dirigido aos coordenadores munici-pais da Estratégia Saúde da Família. Aborda temas relacionados ao acompanhamento do trabalho das equipes, apoio técnico, edu-cação permanente, planejamento e avaliação. O gráfico 03 mostra que, na dimensão coordenação técni-ca das equipes, obtivemos um maior percentual (60%) de resposta SIM na subdimensão gestão da avaliação, e um menor percentual (33,3) em gestão de educação permanente e normatização.

O instrumento 3 é dirigido aos responsáveis pela gerên-cia da Unidade de Saúde da Família. Aborda temas relacionados à estrutura física da unidade, organização dos espaços de trabalho, insumos, materiais e medicamentos. O gráfico 04 mostra que, na dimensão Unidade Saúde da Família, obtivemos um maior percentual (88,3%) de respostas SIM na subdimensão insumos, imunobiológicos e medicamentos, e um menor percentual (61,3) em infra-estrutura e equipamentos das USF.

59

Page 60: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

O instrumento 4 é dirigido a todos os profissionais da equipe de Saúde da Família. Aborda temas relacionados aos prin-cípios e diretrizes que organizam, caracterizam e diferenciam este modelo de atenção. O gráfico 05 mostra que, na dimensão consolidação do modelo de atenção, obtivemos um maior percentual (50,9%) de respostas SIM na subdimensão Vigilância I- ações gerais da ESF, e um menor percentual (8,7%) em participação comunitária e con-trole social.

O instrumento 5 é dirigido aos profissionais de nível su-perior da Equipe de Saúde da Família. Aborda temas relacionados à organização do cuidado e os resultados de suas ações junto à população. O gráfico 06 mostra que, na dimensão atenção à saúde, obtive-mos um maior percentual (84,6%) de respostas SIM na subdimen-são Vigilância II- doenças transmissíveis, e um menor percentual (24,5%) em saúde do adolescente.Os resultados apresentados mostram que a ESF em Maracanaú encontra-se em processo de consolidação e qualificação da saúde local. Entretanto, reconhecemos as nossas falhas e necessidade urgente de mudanças, para prestar cuidados de acordo com os va-lores que nossa população merece.

Considerações A gerencia de M&A tem como desafio fazer com que os participantes da AMQ vejam a proposta como um processo avaliativo crítico-reflexivo permanente, que deve ser desenvolvido em co-responsabilidade pelos sujeitos da ação, como forma de subsidiar a to-mada de decisão na gestão da qualidade em saúde. A implantação da AMQ em Maracanaú, enquan-to instrumento para avaliação, planejamento e ges-tão da Estratégia Saúde da Família, buscou ressaltar elementos sutis que deverão ser cultivados no seu processo de utilização: abertura para o novo, impul-so para o aperfeiçoamento do trabalho, flexibilidade para realizar mudanças, perseverança na ação e tra-

balho em equipe. Oferecer à população ações de saúde acessíveis, resolu-tivas e humanizadas é uma responsabilidade a ser compartilhada pelas três esferas de gestão do SUS, sendo este um dos motivos de Maracanaú ter investido na AMQ, tendo sido a sua participação reconhecida pelo governo do Estado através de certificação.

ReferênciasBRASIL. Ministério da Saúde. Secretária de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Documento Técnico: Avaliação para Melhoria da Qualidade da Estratégia Saúde da Família, Brasília, DF, 2008. 108 p._________.Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação de acompanhamento e Avaliação da Atenção Básica. Disponível em : http://dtr2002.saude.gov.br/proesf/autoavaliacaoesf/paginas/amqOquee.asp.VENÂNCIO, S. I. et al. Avaliação para a Melhoria da Qualidade da Estratégia Saú-de da Família – AMQ: estudo de implantação no Estado de São Paulo. São Paulo: Instituto de Saúde, 2008. 112 p. (Temas em Saúde Coletiva, 7).

Rejane Helena Chagas de Lima Inês Dolores Teles Figueiredo, Marisângela Dutra de Almeida, Janaína Saboia

Fernandes Pereira, Geórgia Maria Brasileiro e Gustavo Pereira da SilvaSecretaria de Saúde de Maracanaú

60

Page 61: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

A satisfação no trabalho em saúde e a produção ética do SUS: é possí-vel produzir saúde integral em cenários de precarização do trabalho?

Introdução Na recente reforma sanitária brasileira, os modelos tecno-assistenciais de produção da saúde são aprofundados sobre pers-pectivas distintas, avançando-se de maneira não apenas teórica, mas prática, na produção de novos e aprofundados olhares. No en-tanto, mesmo se reconhecendo a importância vital da implicação e responsabilização do trabalhador com a qualidade do trabalho em saúde, pouco se tem investido em teorizações sobre os processos de satisfação dos trabalhadores com sua atividade laboral. Têm sido propostas práticas democráticas de participa-ção e construção de coletivos de trabalhadores, gestores e usuários como parte importante da produção da saúde. Tal abordagem re-presenta superação dos ordenamentos dominadores dos processos de trabalho, em suas nuances rígidas nos formatos de gestão, ava-liação e captura de trabalho vivo, ou seja, das formas antidemocrá-ticas e autoritárias. Contudo, pensar na necessidade de abertura da gestão, de criação de espaços de produção do comum na diferença, não tem alcançado as dimensões do trabalho em saúde enquanto atividade produzida por gente que busca, a partir do trabalho, sentidos para a existência, emancipação e realização pessoal. De acordo com Dejours (2004), trabalho é aquilo que im-plica o fato de trabalhar: gestos, saber-fazer, um engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir, de interpretar e de reagir às situações; é o poder de sentir, de pensar e de inventar, isto é, um certo modo de engajamento da personalida-de para responder a uma tarefa delimitada por pressões (materiais e sociais). É fato que a ausência de políticas consistentes de gestão do trabalho na saúde têm gerado desgaste e desvalorização do tra-balhador, deixando-o muitas vezes tendo que atuar com vínculos precários, sem promoção de ascensão pessoal, funcional e salarial. Estes fatores podem interferir diretamente na satisfação do traba-lho dos servidores públicos de saúde. A seguir, apresento breve esboço de teorizações sobre sa-tisfação no trabalho. Em seguida, busco contextualizar minhas implicações sugerindo uma pauta de discussão. Abordagens teóricas sobre satisfação no trabalho Apresento conceitos de Christophe Dejours acerca do fenômeno satisfação no trabalho. O pesquisador é um psiquiatra francês, que tem militado na questão da saúde do trabalhador e nos aponta várias questões referentes às relações entre trabalho e subjetividade. O autor tem apresentado suas teorias a partir de uma dis-ciplina específica: a psicodinâmica do trabalho, a qual é baseada na teoria psicanalista e na psicopatologia do trabalho. Para Dejours (1992), não há um só texto, uma só entrevista, uma só pesquisa que não faça surgir, em suas múltiplas variantes, o tema da indig-nidade operária. Este sentimento, de acordo com o pesquisador, é experimentado maciçamente na classe operária: o da vergonha de ser robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, de não ter imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado, etc. A partir dessa discussão, o autor parte para a descrição do que considera como referente à relação do homem com o conteúdo

Marco

Page 62: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

“significativo” do trabalho, considerando, esquematicamente, dois componentes: o conteúdo significativo em relação ao sujeito e ao objeto. Em relação ao sujeito, o autor considera que se tem a di-ficuldade prática da tarefa, a significação da tarefa acabada em re-lação a uma profissão e o estatuto social implicitamente ligado ao posto de trabalho determinado. Em relação ao objeto, ao mesmo tempo em que a ativida-de de trabalho comporta uma significação narcísica, ela pode su-portar investimentos simbólicos e materiais destinados a um outro, isto é, ao objeto. A partir da atividade e dos gestos que ela implica, pelos instrumentos que ela movimenta, pelo material tratado, pela atmosfera na qual ela opera, veicula um certo número de símbolos, os quais dependem, ao mesmo tempo, da vida interior do sujeito. Dessa forma, a complexidade desta questão provém do fato de que o essencial da significação do trabalho é subjetivo. Tal fato se evidencia a partir da visualização de descontinuidades entre o prescrito e a realidade concreta do trabalho. Ou seja, o trabalho é ordenado, acima de tudo, pela subjetividade do sujeito, tendo no trabalho vivo, o acréscimo do que o indivíduo deve somar às pres-crições para poder atingir os objetivos que lhe são designados; ou ainda, aquilo que ele deve acrescentar de si mesmo para enfrentar o que não funciona enquanto ele se ater escrupulosamente à exe-cução das prescrições (Dejours, 2004). Porém, o autor afirma que, da análise do conteúdo signifi-cativo do trabalho, é preciso reter a antinomia entre satisfação e or-ganização do trabalho. Dessa forma complementa: “Via de regra, quanto mais a organização do trabalho é rígida, mais a divisão do trabalho é acentuada, menor é o conteúdo significativo do trabalho e menores são as possibilidades de mudá-lo. Correlativamente o sofrimento aumenta” (DEJOURS, 1992 p. 52). Dejours (1992) refere que existe um custo individual da tarefa, o qual pode ser chamado de carga de trabalho. Portanto, deve haver adaptação da carga de trabalho com suas exigências e obrigações aos corpos, desejos e estruturas psíquicas. Pode haver aí um desconforto, que coloca o trabalhador e sua personalidade à prova de uma realidade material, um conflito que opõe o homem à organização do trabalho.

Uma segunda vertente da satisfação do trabalho é apre-sentada pelo autor como ocupando uma posição fundamental na problemática da relação saúde-trabalho. Trata-se do conteúdo er-gonômico do trabalho. A não adaptação ao ambiente de trabalho pode levar o homem a numerosos sofrimentos somáticos de deter-minismo físico direto, bem como por outras doenças do corpo e do aparelho mental. Portanto, o conteúdo ergonômico do trabalho também é fator de satisfação. Há possíveis favoritismos ou paternalismos nos serviços públicos, os quais podem vir a ser fonte de insatisfação no traba-lho. Nesse contexto, segundo a análise que Dejours (1992) faz so-bre o trabalho como função social, econômica e política, existem postos de trabalho que são entendidos pelos trabalhadores como “o protegido do chefe”, ou ao contrário, “ser sua vítima”. Portanto, o próprio posto de trabalho tem uma significação em relação aos fatores subjetivos do trabalho. Nesse contexto, os efeitos indiretos da falta de transparência, de diálogo e negociação no processo de gestão do trabalho atingem lugares importantes na vida interior e subjetiva (TEÓFILO, 2010). A satisfação com o progresso salarial, de acordo com Dejours (1992), contém numerosas significações, primeiramente concretas – como sustentar a família, ganhar as férias, pagar as melhorias da casa, pagar as dívidas – mas também abstratas, na medida em que o salário contém sonhos, fantasias e projetos de realizações possíveis. A guisa de conclusão, descrevemos a seguir, literalmente, os dois tipos de satisfação apresentadas pelo autor:

As satisfações concretas dizem respeito à proteção da vida, ao bem-estar físico, biológico e nervoso, isto é, a saúde do corpo. Estas satis-fações concretas analisam-se em termos de economia psicossomáti-ca, segundo duas linhas diretrizes: subtrair o corpo à nocividade do trabalho e permitir ao corpo entregar-se à atividade capaz de ofere-cer as vias melhor adaptadas à descarga de energia. As satisfações simbólicas: desta vez, trata-se da vivência qualitativa da tarefa. É o sentido, a significação do trabalho que importam nas suas relações com o desejo. Não é mais questão das necessidades como no caso do corpo, mas dos desejos ou das motivações. Isto depende do que a tarefa vincula do ponto de vista simbólico (DEJOURS, 1992 p. 62).

62

Page 63: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Considerações finais As políticas de atenção à saúde têm conseguido, mesmo no contexto de desestruturação da gestão do trabalho, dar passos significativos, tendo-se, por exemplo, ampliado fortemente a co-bertura de atenção básica à saúde. Porém, abre-se uma demanda dentro do SUS: o grave descompasso no fortalecimento das políti-cas de gestão do trabalho. A satisfação no trabalho precisa ser encarada como meta essencial. Embora o que temos visto, na maioria dos cargos de trabalho na saúde, são trabalhadores em condições insalubres, su-jeitas a contratos verbais, à favoritismos políticos, ao desrespeito com a seleção pública para os cargos públicos, além da estagnação de baixos salários. A saúde do trabalhador também perpassa pela temática em questão. Trabalhadores doentes não podem promover saúde. Os estudos sobre satisfação no trabalho têm detectado relações im-portantes entre esta e o desenvolvimento da doença ocupacional. A descarga psicológica, o conteúdo significativo do trabalho, a carga de trabalho e outros aspectos subjetivos devem ser compreendidos como geradores de insatisfação e sofrimento. Ou seja, a relação entre o tipo de tarefa e o seu significado podem ser cristalizadas pela organização autoritária do trabalho, levando o trabalhador a viver o assédio moral, aliado ao medo de perder o emprego, quan-do submetido a contratos precários, por exemplo. (TEÓFILO, 2010). Diante da escassez de recursos, da desvalorização social da saúde pública no Brasil, gerir os sistemas de saúde no país é uma tarefa árdua. Porém, se os gestores puderem contar com co-letivos de trabalhadores cientes da necessidade de ampliação de seus direitos e deveres, poderão lograr melhores resultados. Não podemos continuar com os vazios de negociação. Pouquíssimos municípios têm conseguido desenvolver processos de negociação do trabalho no SUS, como por exemplo, com a implantação de mesas municipais de negociação permanente.

Dessa forma, se não houver diálogo franco entre gestores e trabalhadores, tanto em espaços dos ambientes de trabalho como em processos legais de negociação, os gestores poderão permane-cer na perspectiva do “fazer de conta” no que diz respeito à gestão do trabalho, tendo-se, por isso, promovidas privatizações da ges-tão pública com as organizações sociais, entre outras estratégias, borrando-se os preceitos constitucionais do SUS e, portanto, sua efetivação verdadeira enquanto direito de todos e dever do Estado.

ReferênciasDEJOURS, Christopher. A Loucura do trabalho. Tradução de Ana Isabel Paraguay e Lúcia Leal Ferreira. São Paulo: Cortez. 1992. 465 p. _______. Subjetividade, trabalho e ação. Rev. Produção. 2004.14(3): 27-34, set./dez. LOCKE, Edwin. The nature and causes of job satisfation. In: Dunnette M.D., et al. handbook of industrial and organization psychology. Chicago: Rand Mcnally. 1976. p. 1297-1349.MARQUEZE, Elaine Cristina; MORENO, Claudia Roberta de Castro. Satisfação no trabalho e capacidade para o trabalho entre docentes universitários. Psicologia em Estudo. 2009. (14): 1:75-82, jan./mar. MARTINEZ, Maria Carmem. Relação entre satisfação com aspectos psicossociais e saúde dos trabalhadores. Rev Saúde Pública. 2004. 38(1):55-61. _______. Relação entre satisfação com aspectos psicossociais e saúde dos traba-lhadores. 2002. 255 p. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Saúde Pública) De-partamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. MARTINEZ, Maria Carmem. PARAGUAY, Ana Isabel Bruzzi Bezerra. Satisfação e saúde no trabalho: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Psicol Soc Trab. vol. 6, p. 59-78. dez. 2003.TEÓFILO, Tiago José Silveira. Interfaces entre a satisfação dos trabalhadores e a gestão do trabalho na Estratégia Saúde da Família em Sobral-Ce. 2010. 132 p. Dissertação (Especialização com Caráter de Residência em Saúde da Família). Re-sidência Multiprofissional em Saúde da Família, Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia. Universidade Estadual Vale do Acaraú.

Tiago José Silveira TeófiloEnfermeiro, Especialista em Saúde da Família

Coordenador do Serviço de Enfermagem do Hospital Municipal Jaime Osterno em Marco, membro da Linha de Pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado

em Saúde cadastrada no Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica da UFRJ

63

Page 64: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

A Implantação do Primeiro Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) Intermunicipal do Estado do Ceará

Resumo O relato de experiência aborda a implantação do primeiro Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) implantado no Esta-do do Ceará por consórcio. A partir da permissibilidade instituída de maneira genéri-ca, na portaria do Ministério da Saúde número 154/GM, de 24 de janeiro de 2008, técnicos do município, com parcerias de consul-torias e assessorias, buscaram as soluções necessárias de materia-lização da estratégia de atenção à saúde nesse cenário de consórcio e proceder a elaboração do projeto de NASF intermunicipal. O treinamento dos profissionais, a atuação totalmente descentralizada, o forte componente de matriciamento, a partici-pação do consórcio, a articulação entre os municípios, a cessão de serviços, a contra-partida dos municípios, os instrumentos buro-cráticos utilizados e a importância das parcerias, são algumas das questões trabalhadas que tornam a experiência inovadora e permi-tiram a concretização da vontade dos municípios. Várias dificuldades foram enfrentadas: a excessiva bu-rocracia, o ineditismo das soluções para a realidade dos serviços de saúde do nosso estado, o desconhecimento e despreparo dos técnicos municipais, o deficiente apoio técnico no nível estadual, a dificuldade de acesso aos técnicos do Ministério da Saúde e a limitada estrutura administrativa do consórcio, lançaram desafios adicionais à implantação do NASF. Apesar de estar atuando a pouco tempo, a repercussão junto a comunidade já se faz sentir, por meio da curiosidade, do apoio de lideranças, da intensa promoção da divulgação do servi-ço, do contato direto com as comunidades e equipes do programa saúde da família. Além disso, o NASF já demonstra nitidamente um salto quantitativo, em termos de acréscimo de profissionais aos serviços e de escopo, na medida em que introduziu, junto aos serviços de saúde, categorias profissionais que não existiam nos quadros dos dois municípios. As intervenções no campo coletivo e individual realiza-das pelo NASF possibilitaram, além da melhoria das condições de saúde da população, uma maior adesão e credibilidade por parte da população à estratégia saúde da família.

Introdução O Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido fortemente regulamentado por meio de instrumentos administrativos, as por-tarias do Ministério da Saúde. Apesar de alguns entenderem pela ilegalidade dessa condução, há de se considerar alguns aspectos que possibilitaram o aumento de serviços de saúde nos municípios do Brasil. A Estratégia Saúde da Família (ESF) é um exemplo dis-so. Apesar de seu financiamento estabelecer como condição de repasse de recursos a implantação de equipes multiprofissio-nais, critério esse não amparado pelas Leis n° 8.080 e 8.142/90, subvertendo assim o princípio da descentralização e da reserva legal, tal estratégia viabilizou e determinou a universalização do acesso a médicos, odontólogos, enfermeiros, auxiliares de saúde e agentes de saúde em quase todos os municípios do Brasil. Estudos revelam que esse tipo de postura permitiu que a distribuição de recursos financeiros federais fosse mais equânime,

NASF intermunicipal

64

Page 65: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

na medida em que aumentou a participação de estados com con-dições mais adversas, como os das regiões Norte e Nordeste, e reduziu na região Sudeste. A portaria do Ministério da Saúde n° 154/GM de 24 de janeiro de 2008, cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF com o objetivo de ampliar a abrangência e o escopo das ações da atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia de Saúde da Família na rede de serviços e o processo de territorialização e regionalização a partir da atenção básica. Assim, o gestor federal novamente estabelece condições técnico-operacionais para que os municípios recebam recursos fe-derais a partir da implantação de determinados serviços. No artigo 5° da referida norma, observa-se a necessidade do município dispor de no mínimo 8 equipes da ESF para ter di-reito a implantação de um NASF tipo 1. Já no artigo 8°, abre-se a possibilidade para que municípios com menos de oito equipes possam, a partir da formação de consórcios, implantar o NASF tipo 1. No Estado do Ceará, pelo menos até a última gestão es-tadual, não era comum falar-se em consórcios na área da saúde. Contudo, a partir do ano de 2007, o Governo do Estado do Ceará, por meio da Secretaria da Saúde do Estado, vem estimulando a implantação de consórcios entre os municípios de cada regional de saúde e o próprio Governo do Estado. Apesar do NASF inter-municipal de Dep. Irapuan Pinheiro e Milhã ter sido implantado por meio do Consórcio de Desenvolvimento da Região do Sertão Central Sul (CODESSUL), que se caracteriza como um consórcio “guarda-chuva”, que pode abrigar iniciativas municipais em várias áreas, é importante frisar a iniciativa do gestor estadual, que abre a possibilidade para que os municípios que façam parte de consórcios da saú-de possam implantar NASF´s intermu-nicipais. Como os municípios de Dep. Irapuan Pinheiro e Milhã haviam des-pertado para as vantagens de se con-sorciarem, para a solução de deter-minados problemas e para o para o aproveitamento de certas oportunida-des, abriu-se, com a permissibilidade da portaria n° 154/GM, a possibilida-de dos municípios que fazem parte do consórcio implantarem um NASF, o que seria inviável por meio de inicia-tivas isoladas. Mesmo com a instituição do NASF tipo 3, deve-se atentar que esta última iniciativa focaliza-se no traba-lho de combate ao uso de drogas lícitas e ilícitas e conta com duas categorias profissionais a menos que o NASF tipo 1, ou seja, ele possui um financiamen-to proporcionalmente bem inferior ao NASF 1. Atentemos que, caso o valor do NASF tipo 2 e tipo 3 fosse pro-porcional ao do NASF tipo 1, os va-lores mensais de custeio deveriam ser de R$ 12.000,00 e não os atualmente praticados, R$ 6.000,00, metade. Já

em relação ao NASF tipo 2, uma restrição relativa a densidade demográfica, o inviabiliza de implantação na grande maioria dos pequenos municípios do Estado do Ceará. Dessa forma, optou-se por manter o credenciamento do NASF intermunicipal tipo 1, no lugar de substituí-lo por um NASF tipo 3, que seria de mais sim-ples implantação, mas que geraria menos benefícios e não seria economicamente viável.

A elaboração do Projeto e o Credenciamento Por iniciativa dos Secretários Municipais de Saúde à épo-ca da elaboração do Projeto, Dr. Rodrigo Carvalho Nogueira, de Dep. Irapuan Pinheiro e Sra. Maria Ledamir Pinheiro, de Milhã, a idéia foi apresentada aos prefeitos municipais que decidiram por levar adiante a iniciativa, comprometendo-se, inclusive, em arcar com contrapartidas caso as mesmas fossem necessárias. A partir daí, com base em uma análise que levou em conta a disponibilidade de profissionais de saúde de nível superior nos municípios, o perfil epidemiológico, a disponibilidade de recursos humanos na região, a coerência das atividades a serem introduzi-das com os objetivos dos Planos de Saúde e as características do processo saúde/doença nos dois municípios, optou-se por implan-tar o NASF 1, com a seguinte composição de categorias: fisiote-rapia, fonoaudiologia, psicologia, educação física e serviço social. A opção por não introduzir as atividades médicas de pediatria e ginecologia deu-se pelo fato de que essa opção tornaria a implan-tação do NASF inviável economicamente, pelo elevado custo que essas categorias representariam em relação às demais. As Secretarias Municipais de Saúde (SMS) desses mu-nicípios decidiram, a partir daí, contratar uma Consultoria/As-

sessoria que colaboraria com a construção técnica do projeto. Essa colaboração, em parceria com a im-portante contribuição do Instituto de Desenvolvimento de Consórcios (IDC), que presta assessoria ao CO-DESSUL, possibilitaram encontrar as soluções inéditas, que necessitou inclusive de visitas ao Ministério da Saúde, para a realidade dos muni-cípios acerca da concreta possibi-lidade e funcionamento do NASF intermunicipal. Desde a construção de uma planilha de custos, que permitiu vi-sualizar a necessidade de contrapar-tida dos dois municípios (que gira em torno de 2% do valor total de repasse federal para cada um) e a viabilidade econômica da proposta, passando pela sistemática de rece-bimentos dos recursos, vinculação de profissionais, seleção e contra-tação, elaboração dos instrumentos de responsabilização, prática de execução financeira, gestão e ge-rência do serviço, processos con-tábeis, licitatórios e de controle in-terno, organicidade do processo de trabalho do NASF, até a sistemática de avaliação, foram desenvolvidas

65

Page 66: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

tal serviço funcionaria como um serviço de referência, onde eles deveriam encaminhar os pacientes para atendimentos individuais. Felizmente, um forte componente planejado pela equipe do NASF foi o de informação e educação, no sentido de orientar como se-riam as atividades do NASF. Além do contato com a comunidade e equipes da ESF, houve participação em rádios e grupos organiza-dos, orientando e procurando calibrar o entendimento sobre as ações do NASF. No planejamento do NASF foram definidos os itens que deveriam ser adquiridos para a utilização dos recursos repassados relativos à implantação. Esses materiais estão diretamente relacio-nados às atividades dos profissionais do NASF, visando o adequado atendimento individual e coletivo realizados pela equipe. A equipe atua uma semana em cada município de modo intercalado. Existe um veículo à disposição da equipe, para deslo-camento aos territórios de ação. Foi escolhido pela própria equipe um coordenador, que terá rodízio semestral, de modo que todos os membros da equipe exerçam a função. Algumas atividades planejadas dão organicidade ao NASF: a elaboração e cumprimento de um cronograma de ações, com pre-visão de palestras, estudos de casos e capacitações; reunião com os agentes de saúde; atividades de mobilização social em eventos re-lacionados à saúde; estabelecimento de parcerias e programação de ações intersetoriais, em conjunto com as áreas de agronomia, meio ambiente e vigilância sanitária; divisão de responsabilidades em re-lação às atividades gerenciais e de atenção à saúde do NASF, são alguns dos exemplos de atividades programadas que dão concretude ao referido núcleo.

Conclusões Os desafios são muitos: realizar ações individuais de tra-tamento, reabilitação e acompanhamento, com enfoque de risco e priorização de clientela; superar as deficiências de estrutura e equi-pamentos; a utilização racional dos recursos disponíveis; estimular a criação de grupos prioritários para ações coordenadas coletivas; fortalecer a mudança do modelo de atenção à saúde; garantir a atua-ção articulada com as equipes da ESF; e superar a visão tradicional de serviços de referência são apenas alguns exemplos do que está por ser trabalhado. Também na área de gestão existem questões a serem ra-cionalizadas: reduzir os custos de transação; aprimorar os processos administrativos; definir a integração entre gestão/gerência/serviços; a definição de responsabilidades relativas aos controles internos e de pessoal; a definição de demonstrativos claros, objetivos e trans-parentes de prestação de contas, entre outros, também exigirão das administrações municipais e consórcio um esforço articulado e or-ganizado de atuação. Mesmo ante aos desafios postos, fica a certeza de que, pela receptividade da população e demais serviços de saúde, além da consistência do treinamento e planejamento, da disposição das administrações municipais, da dedicação e capacidade do grupo, da predisposição ao aprendizado e em fazer com que a iniciativa dê certo, se espera que os profissionais do NASF honrem a confiança que a população dos municípios de Dep. Irapuan Pinheiro e Milhã depositaram no NASF, e que as ações desenvolvidas possam impac-tar positivamente nas condições de saúde dessas populações.

Rodrigo Carvalho NogueiraOdontólogo. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela UECE

Maria Ledamir PinheiroSecretária Municipal de Saúde

em parceria entre as SMS´s, consultoria/assessoria e IDC. Sobre essa construção, se destacam três aspectos que são importantes: o pequeno valor de contrapartida dos municípios, em torno de R$ 1.000,00 para cada um, representando apenas 2% do valor total repassado pelo gestor federal; a utilização do primeiro re-passe de recursos federais para a educação em saúde, focando na ca-pacitação dos profissionais que atuam no NASF, com a construção do Plano de Ação, a partir de um processo de planejamento focado no risco epidemiológico e nos objetivos do NASF, e que teve como conteúdo políticas de saúde, processo saúde/doença, epidemiologia geral, gestão e gerência de serviços de saúde, planejamento e pro-gramação, processo de trabalho do NASF e relato de experiências. O treinamento teve um total de 80 horas/aula presenciais, tendo sido estendido a todos os municípios que compõem do CODESSUL (oito ao todo), em regime intensivo e de imersão, totalmente custea-do e gratuito; e a contrapartida dos município em serviços nas áreas de assessoria em contabilidade, controle interno, gestão e licitação, já que a estrutura administrativa do consórcio ainda não permite que ele viabilize todas essas necessidades administrativas para inicia-tivas de municípios como a do NASF. Só com essas condições é que foi viável a construção do projeto e a visualização do adequado funcionamento do NASF. Com o projeto elaborado, o mesmo foi submetido à apre-ciação dos Conselhos Municipais de Saúde e remetido à aprecia-ção e parecer do gestor estadual, sendo submetido a deliberação na Comissão Intergestores Bipartite (CB-CE). Após aprovação na CIB-CE a resolução foi remetida ao Ministério da Saúde, que levou aproximadamente um ano para aprovar o credenciamento do NASF intermunicipal, o que ocorreu em setembro de 2010.

A implantação, o treinamento e o Funcionamento Com o credenciamento publicado em portaria do Ministé-rio da Saúde foi providenciado edital de seleção dos profissionais, que por sua vez consistia de inscrição, cumprimento dos requisitos necessários e prova discursiva, viabilizando o ingresso dos mem-bros da equipe do NASF. Em seguida foi realizado o cadastramento do serviço e dos profissionais, para a correta regularização e recebi-mento dos recursos federais. No período de 17 a 28 de janeiro foi realizado treinamento dos profissionais, com os conteúdos já mencionados. Contando com professores com Doutorado e Mestrado em Saúde Pública, além de assessora do Ministério da Saúde para o NASF, os profissionais, além de receberem informações que colaboram com a execução de suas ações, foram instrumentalizados em planejamento e progra-mação, visando a elaboração de Plano de Ação, programação do serviço e cronograma. As primeiras 56 horas/aula foram dedicadas à exposição interativa e participativa de conteúdos, com atividades em grupo e aulas expositivas. As demais 24 horas/aula foram utili-zadas para o processo de planejamento orientado, a partir do conhe-cimento da realidade e com foco epidemiológico, além da compa-tibilização com os cronogramas das equipes da ESF. Tal processo resultou na entrega dos instrumentos já referidos, com definição de indicadores de estrutura, processo e resultados. Após o término do curso, a equipe começou a atuar em primeiro de fevereiro de 2011. As primeiras atividades foram dedi-cadas ao conhecimento do território, à adequação do planejamento, à sensibilização de profissionais e comunidade, além da promoção de ações de prevenção de doenças e promoção da saúde. Chamou a atenção como os próprios membros das equipes da ESF desconhe-cem a vertente de matriciamento das ações do NASF, pensando que

66

Page 67: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

A Estratégia Saúde da Família e o Apoio Matricial em Saúde Mental, Sobral-Ce: Olhares da Equipe Multiprofissional

Acontecimentos no âmbito social, político e econômico, ocorridos nas décadas de 70/80, acarretaram profundas transfor-mações na área da saúde que, além de possibilitarem uma nova concepção de saúde, proporcionaram que um crescente interesse fosse sendo dispensado às articulações entre saúde mental e Aten-ção Primária à Saúde (APS). Para Dimenstein (1998), essas mudanças estão ligadas a dois movimentos: a Reforma Sanitária, no campo da saúde públi-ca, e a Reforma Psiquiátrica, no campo da Saúde Mental. Ambos os movimentos fortaleceram a rede primária de saúde através do questionamento ao modelo biomédico e disciplinar tradicional de atenção à saúde, pautado num sistema fortemente assistencialista, individual, curativista e hospitalocêntrico, centrado na Medicina e no especialista. A Estratégia de Saúde da Família (ESF) foi concebida em 1994, pelo Ministério da Saúde, como estratégia inovadora para organização da APS, visando a prevenção, promoção, cura e a rea-bilitação em saúde de uma população delimitada independente da presença de doença, garantindo, entre outros aspectos, a integra-lidade das ações, em consonância com uma visão integral do ser humano, buscando assegurar a referência e contra-referência para diversos sistemas, principalmente para as especificidades (AN-DRADE; BARRETO; BEZZERA, 2008). Quando se pensa na integralidade da atenção e conside-rando a alta complexidade sócio-epidemiológica do sofrimento vivenciado pela pessoa com transtornos mentais, a ESF tem um papel importante no processo de reinserção social dos usuários com transtornos psiquiátricos, assim como os que apresentam so-frimentos psíquicos diversos, já que é um espaço de produção de saúde onde, em geral, tem em vista uma abordagem integral do processo saúde-doença e tem como campo de atuação o território.A territorialização é um pressuposto básico de trabalho da ESF, pois, ambos os conceitos estão fundamentados num reconheci-mento da população, do ambiente e da dinâmica social. Falar em territorialização é pensar no processo que nos permite identificar no território suas particularidades e os movimentos da vida social, seus desafios e suas potencialidades, percebendo seus usos e suas diferentes formas de apropriação. Desse modo, a ESF mostra-se como possibilidade de fa-zer avançar os princípios do SUS, uma vez que aproxima o cuida-do do território, do espaço onde a vida é construída e onde estão presentes os recursos que contribuirão para o processo saúde/do-ença. O Apoio Matricial (AM) apresenta-se como uma tecno-logia de interlocução entre a saúde mental e a ESF, favorecendo a reorganização da atenção primária e a intersecção de saberes, além do fortalecimento da interdisciplinaridade e da integralidade. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde, através do do-cumento “Saúde Mental e Atenção Básica: o vínculo e o diálogo necessários”, elaborou uma proposta de ação conjunta, tendo por base a metodologia de trabalho das equipes matriciais:

Sobral

As ações de saúde mental na atenção básica devem obedecer ao mo-delo de redes de cuidado, de base territorial e atuação transversal com outras políticas específicas e que busquem o estabelecimento de

67

Page 68: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

• Momento de aprendizagem mútuo (seja apoiador matricial, seja equipe de referência). Os profissionais apresentaram dúvidas sobre o modelo teó-rico do AM em Saúde Mental, embora alguns deles soubessem des-crever os seus princípios, os quais eles apontam como conhecimento conquistado por iniciativa pessoal. Do ponto de vista operativo, foram relatadas dificuldades em envolver a equipe mínima da ESF com as ações relacionadas à Saúde Mental, ao mesmo tempo em que se perceberam, em alguns casos, que a interação com os profissionais da rede secundária de Saúde Mental – os preceptores de Psiquiatria – não prezou os princípios da integralidade e reproduziu o ambiente de consultas individuais. Consideraram o ganho no acompanhamento continuado do usuário, com a participação dos agentes comunitários de saúde, nos momentos de AM e reconheceram que os processos grupais faziam parte dessa estratégia de atenção e cuidado. Os profissionais ainda consideraram que, recentemente, uma busca maior de diálogo tem sido feita pelos diversos serviços, que po-dem estar vinculados ao AM em Saúde Mental, assim como tentativas de rearranjo das ações de Saúde Mental vão sendo tecidas no âmbito da ESF. O município de Sobral, com sua forma de organização da atenção à Saúde Mental, apresenta-se como cenário de possibilidades, considerando sua composição por diferentes atores e diferentes mo-dos de se promover saúde. Porém, tal diversidade não será enriquece-dora, caso se configure num mosaico de disciplinas e fazeres cerrados entre si. Assim, o AM em Saúde Mental é, além de uma proposta, um desafio. Uma proposta de integração entre Saúde Mental e a ESF, e um desafio de desconstruir conceitos e práticas baseadas na fragmen-tação e na alienação do trabalho, a partir da articulação de diferentes racionalidades, forças, interesses e ideologias. Contudo, um desafio no qual os profissionais de saúde vêem-se comprometidos.

ReferênciasANDRADE, L. O. M; BARRETO, I. C. H. C.; BEZERRA, R. C. Atenção Primária à Saúde e Estratégia Saúde da Família. In: Campos, G. W. S. et. al. Tratado de saúde coletiva. Rio de Janeiro: Hucitec, Fiocruz, 2006.BRASIL. Saúde Mental e Atenção Básica: o vínculo e o diálogo necessários. Brasí-lia, DF: Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Geral de Saúde Mental, 2003. CAMPOS, G. W. de S. Considerações sobre a arte e a ciência da mudança: Revo-lução das coisas e reforma das pessoas. O caso da saúde. In: CECÍLIO, L. (org). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 1994. DIMENSTEIN, M. D. B. O psicólogo nas unidades básicas de saúde: desafios para a formação e atuação. Estudos em Psicologia, v 3, n 1, 1998. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/epsic/v3n1/a04v03n1.pdf>. Acesso em: 19 dezembro de 2010. IBGE. Cidades@ 2007. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwin-dow.htm>. Acesso em: 06 dezembro 2010. MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10 Ed. São Paulo/Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 2006. TÓFOLI, L. F.; FONTES, S. Apoio Matricial de Saúde Mental na Atenção Primária no Município de Sobral, CE: O relato de uma experiência. SANARE, v.6, n.2, 2007. YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. (Trad. Daniel Grassi). 2. Ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

Maria Lidiany Tributino de Sousa Psicóloga, especialista em Saúde Mental pela UECE,

mestranda em Saúde da Família Prof. Dr. Luís Fernando Farah de Tófoli

Professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFC,coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família

vínculos e acolhimento. Essas ações devem estar fundamentadas nos princípios do SUS e nos princípios da Reforma Psiquiátrica (BRASIL, 2003, p. 3).

Discussão que vinha sendo realizada por Gastão Wagner Campos (1994), autor que dispõem este arranjo como a in-terlocução entre os equipamentos de Saúde Mental, de modo a tornar horizontais as especialidades e estas permearem todo o campo das equipes de saúde locais, estimulando a co-responsabilização pela pro-dução de saúde e a ruptura no modelo assistencial dominante, calcado na lógica da especialização e da fragmentação do trabalho, através de um encontro de diferentes saberes pra entender o sujeito de forma integral. Em Sobral, município do noroeste cearense, com uma popu-lação de 176.895 habitantes (IBGE, 2007), o AM em Saúde Mental foi sendo gerado com suas peculiaridades a partir de outubro de 2000, constituindo-se inicialmente através das visitas de caráter pedagógico dos psiquiatras, denominadas de preceptorias de Psiquiatria, aos Cen-tros de Saúde da Família (CSF) (TÓFOLI; FORTES, 2007). Segundo Tófoli e Fortes (2007), o AM em Saúde Mental foi se ampliando e compreendendo visitas às unidades de saúde, sensibi-lização acerca da Saúde Mental, discussão de casos e interconsultas com as equipes de referências. Sobral é um dos municípios brasileiros onde o AM em Saú-de Mental acontece há mais tempo (10 anos), num cenário que é atualmente composto por múltiplos atores – Estratégia de Saúde da Família (ESF), RMSF, Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e Rede Municipal de Saúde Mental com seus Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A importância desse conhecimento tem impli-cações teóricas, operativas e propositivas, num contexto tanto peda-gógico quanto assistencial, tanto em nível regional quanto nacional. Este processo vem sendo enriquecido com a participação de diferentes categorias profissionais em Saúde da Família. Logo, este estudo de caso de cunho exploratório (YIN, 2001) objetivou analisar o Apoio Matricial em Saúde Mental, a partir da percepção da equi-pe multiprofissional que está envolvida na execução desse arranjo na ESF. O estudo utilizou-se de um roteiro composto por tópicos que versavam sobre percepções, avanços e desafios no cuidado em Saúde Mental na ESF a partir do Apoio Matricial. Para coleta das informações foram realizados dois grupos focais com profissionais de diferentes categorias (serviço social, psi-cologia, terapia ocupacional, farmácia e enfermagem) dos 14 Centros de Saúde da Família (CSF) localizados na sede de Sobral, ou seja, optou-se pela escolha de diferentes perspectivas, a fim de aumentar a dinâmica da discussão. O critério mais importante considerado neste processo de es-colha não foi o numérico, já que a finalidade não era de apenas quan-tificar opiniões e, sim, explorar e compreender os diferentes pontos de vista. Logo, para garantir a representatividade dos significados foram escolhidos profissionais que tivessem uma história de relação com o assunto. O tratamento dos dados desta pesquisa qualitativa foi reali-zado através da Análise de Conteúdo, mais especificamente a Análise Temática (MINAYO, 2006). Das unidades de significação, que so-bressaíram das falas, foram extraídas categorias que traziam a percep-ção do AM como: • Suporte técnico, pedagógico, humano para os casos complexos;• Organizado do serviço (organização dos fluxos, para promoção da co-responsabilização pelos casos, assim como para redução dos enca-minhamentos);

68

Page 69: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Promoção de Saúde Bucal desenvolvida por Cirurgiões-dentistas no Centro de Atenção Psicossocial(CAPS) em Umirim-CE

Introdução Os modelos propostos pela reforma psiquiátrica e pela reforma sanitária brasileiras redirecionaram a atenção à saúde do hospital para a comunidade, desconstruindo saberes, propondo no-vas formas de assistência e de cuidado e reconhecendo a comuni-dade como locus preferencial de intervenção. O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) é uma política contemporânea no campo da saúde mental, com enfoque na de-sinstitucionalização e nas novas estratégias de cuidado, que rein-tegra os portadores de distúrbios psíquicos na comunidade, sendo tarefas que o Sistema Único de Saúde (SUS) vem se dedicando com especial empenho nos últimos anos (MARANTE, 2009). Para Zanetti (1996), as primeiras formas de inserção da odontologia na esfera pública não iam além da mera reprodução da prática flexneriana, que constitui o modelo hegemônico e trans-posta para os serviços de saúde. No entanto, foi se tornando mais claro que, para o enfrentamento dos problemas de saúde numa perspectiva populacional, a lógica da assistência individual não seria suficiente. A saúde bucal apontada por Botazzo (1992) possui três conceitos fundamentais: a politização dos agentes etiológicos im-plica em entender que o processo saúde-doença tem determinantes socioculturais que extrapolam o plano meramente biológico; a vin-culação ao campo das práticas coletivas em saúde significa romper com o isolamento do cirurgião-dentista, fechado em consultórios, desacostumado com a interação com outros trabalhadores da saú-de; e as ações de natureza coletiva, ou seja, ações cujo sentido seja permanentemente construído pela participação das pessoas como sujeito do processo. Os pacientes portadores de transtornos psíquicos têm grande dificuldade de acesso ao tratamento dentário. Os proble-mas enfrentados vão desde a recusa dos profissionais em atender a essa clientela à inapropriada formação profissional dos mesmos (JAMELLI et al., 2010). Conforme Marante (2009), o CAPS tem como objetivo funcionar ar-ticulado em rede, não apenas entre si, ou seja, em rede inter-CAPS mas, sobretudo, em rede com outros serviços sanitários, de saúde mental e saúde em geral, bem como em rede com outros serviços de forma in-tersetorial. Em nosso estudo, observa-se a presença da odontologia coletiva com a promoção da saúde mental. Em pesquisa realizada na base de dados Scientific Electronic Library Online (SCIELO), ao cruzar os descritores saúde bucal e saúde mental, foi encontrado ape-nas um artigo que aborda essas temáticas. A justificativa desse trabalho pauta-se na escassez da literatura com temas abordan-do saúde bucal e saúde mental. Por essa razão é fundamental que

Umirim pesquisadores, no âmbito da saúde coletiva, investiguem a promo-ção da saúde bucal em usuários portadores de transtornos psíqui-cos em sua prática cotidiana, bem como os seus aspectos emocio-nais, sociais e culturais. Face ao exposto, objetivou-se descrever e analisar as ati-vidades de promoção de saúde bucal desenvolvida por cirurgiões-dentistas no Centro de Atenção Psicossocial em Umirim-CE.

Metodologia Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de experiên-cia, desenvolvido por cirurgiões-dentistas, com ações de promo-ção da saúde bucal em usuários do CAPS em Umirim-Ce. Este trabalho foi gestado pelas Equipes de Saúde Bucal e da Estratégia de Saúde da Família (ESF) de Umirim-Ce. Desen-volvido no dia 29 de setembro de 2010, com duração de quatro horas, com a finalidade de proporcionar e sensibilizar o empode-ramento em relação à promoção da saúde bucal em pacientes com transtornos psíquicos. Para operacionalizar a oficina, em semanas antecedentes ao evento, as equipes técnica e de apoio do CAPS mobilizaram os usuários em acompanhamento, para que participassem do referido evento. A equipe técnica é composta por médico, psicóloga, tera-peuta ocupacional, enfermeira, psicopedagoga e auxiliar de enfer-magem enquanto que a equipe de apoio é formada por recepcionis-ta, auxiliar de serviços gerais e auxiliar de cozinha. Para isso, utilizou-se além da abordagem individual, no momento das consultas pelos profissionais do CAPS, a aborda-gem coletiva com utilização de cartazes dispostos nos ambientes do CAPS.

Resultados Iniciou-se a oficina com a apresentação das Equipes de Saúde Bucal, relacionando-os às suas respectivas equipes da ESF de Umirim-CE, os objetivos da oficina, a exposição dos temas a serem abordados e da dinâmica. Utilizou-se a dinâmica da rede, que consistia em formar um círculo com todos os participantes do grupo e utilizar apenas um rolo de barbante, com o objetivo de perder a inibição e co-

nhecer a noção prévia de saúde bucal dos participantes. Após a dinâmica, solicitou-se que hou-vesse a apresentação dos participantes, bem como o local de sua residência e a autoper-cepção de saúde bucal. Em pesquisa com quatro equipes de saúde da família, percebeu-se que muitas são as razões apontadas para a não-inclusão da saúde mental, a saber: o desconhecimen-to acerca da reforma psiquiátrica e a falta de capacitação em saúde mental dos profissio-nais e técnicos da ESF; a não-identificação por parte da população de problemas em saúde mental; a falta de condições para o atendimento de casos com transtorno psi-quiátrico na ESF e a inexistência de me-dicações psiquiátricas; e a inexistência de rede em saúde mental, inclusive a falta de entrosamento com serviços de saúde mental (NUNES, JUCA, VALENTIM, 2007).

69

Page 70: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Procedeu-se a oficina expositiva, interativa e dialogada pelas cirurgiãs-dentistas da ESF, abordando questões referentes à saúde geral e à saúde bucal. Em relação à saúde geral, abordou-se o conceito de saúde, alimentação saudável, hidratação, atividade física, repouso, tabagismo e etilismo. Quanto à promoção da saúde bucal: a importância dos dentes, como escovar os dentes correta-mente, cárie, doença periodontal, uso adequado e higiene da pró-tese, os fatores de risco e como identificar o câncer de boca. Após esse momento, ofereceu-se lanche aos participantes da oficina e, em seguida, um kit de higiene bucal composto por escova dental e bisnaga de dentifrício fluoretado, para que fosse realizada a escovação supervisionada pelas cirurgiãs-dentistas e atendentes de consultório dentário. Pesquisa realizada por Delfini et al. (2009), em São Pau-lo-SP, com o objetivo de relatar uma experiência de parceria entre um CAPS e três equipes da ESF, evidenciou-se que o trabalho con-junto enriquece ainda mais a prática e possibilita uma rede maior de cuidados no território, sendo necessário criar novas propostas e iniciativas inovadoras. Realizou-se o exame epidemiológico de necessidade bu-cal, com o intuito de identificar os usuários com necessidade de intervenção clínica imediata. Sendo assim, agendou-os no Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) de Umirim-CE. Houve aplicação tópica de flúor gel 1,23% acidulado. Finalizou-se a ofi-cina com a discussão sobre os temas trabalhados, esclarecimentos de dúvidas e sugestões para próximas oficinas. Estudo de Gomes (2009), desenvolvido no município de Quixeré-CE, confirmou que os cirurgiões-dentistas participam principalmente da aplicação do gel (93%), assim como as palestras educativas (69%), a escovação supervisionada (65%) e a eviden-ciação de placa bacteriana (55%). Existe a participação do setor educação, com os professores/diretores das escolas e a equipe de saúde bucal, corroborando, assim, para a promoção da saúde em Quixeré-CE, através da intersetorialidade com inúmeras ativida-des preventivas. Nossa pesquisa é confirmada por Sousa, Pinto e Jorge (2010), que afirmam que no trabalho em saúde, especificamente nos serviços de saúde mental, evidencia-se um desafio singular, principalmente por sua dimensão extremamente complexa, desde a reestruturação dos serviços até a qualidade da assistência presta-da, além das relações de trabalho e da assimilação de novos sabe-res, metodologias e tecnologias de trabalho.

Conclusão A oficina de promoção de saúde bucal desenvolvida pelas cirurgiãs-dentistas no CAPS de Umirim-CE mostrou aspecto de positividade, pois, se comprovou com a ótima adesão dos usuá-rios, a participação das atividades propostas da oficina e a sensibi-lização quanto à prevenção para saúde bucal satisfatória. Torna-se fundamental que os profissionais da Estratégia de Saúde da Família, Equipes de Saúde Bucal e os gestores de-senvolvam políticas públicas com base na intersetorialidade, para promoção da saúde e prevenção de doenças bucais, além de desen-

volver ações que estejam direcionadas não somente ao usuário, na assistência ao portador de transtornos mentais, mas considere seu contexto de forma holística na família e na comunidade.

ReferênciasBOTAZZO, C. Saúde bucal coletiva: um conceito em permanente construção. São Paulo, 1992. DELFINI, P.S. S.; SATO, M. T.; ANTONELI, P. P.; GUIMARAES, P. O. S. Par-ceria entre CAPS e PSF: o desafio da construção de um novo saber. Ciênc. saúde coletiva, v. 14, suppl.1, p. 1483-1492, 2009.JAMELLI, S. R.; MENDONÇA, M. C.; DINIZ, M. G.; ANDRADE, F. B. M.; MELO, J. F.; FERREIRA, S. R.; Saúde bucal e percepção sobre o atendimento odontológico em pacientes com transtorno psíquico moradores de residências terapêuticas. Ciênc. saúde coletiva, v. 15, suppl. 1, p. 1795-1800, 2010.MARANTE, P. D. C. Saúde Mental, Desinstitucionalização e novas estratégias de cuidado. In: GIOVANELLA L. et al. Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2008. NUNES, M.; JUCA, V. J.; VALENTIM, C. P. B. Ações de saúde mental no Programa Saúde da Família: confluências e dissonâncias das práticas com os princípios das reformas psiquiátrica e sanitária. Cad. Saúde Pública, v. 23, n. 10, p. 2375-2384, 2007.GOMES, M. L. O. Saúde Bucal em Quixeré-CE. In: Anais do IX Congresso do COSSEMS. Revista Sustentação, v. 24, n. jan.fev.mar.abr., p. 83-83, 2009.SOUSA, D. L. M.; PINTO, A. G. A.; JORGE, M. S. B. Tecnologia das relações e o cuidado do outro nas abordagens terapêuticas grupais do centro de atenção psicossocial de Fortaleza- Ceará. Texto contexto - enferm., v. 19, n. 1, p. 147-154, 2010.ZANETTI, C.H.G. Em busca de um paradigma de programação local em saúde bucal mais resolutivo no SUS. Divulgação em saúde para debate. N. 13, p. 18-35. jul. 1996.

Paloma Stephania Guilhermina Prado de SáCirurgiã-dentista; Coord. de Saúde Bucal de Umirim

José Afrânio Pinho Pinheiro JúniorFarmacêutico; Secretário de Saúde de Umirim

Ana Carolina Matos Holanda Cirurgiã-dentista da Est. de Saúde da Família de Umirim

Vivian Oliveira Lima Cirurgiã-dentista da Est. de Saúde da Família de Umirim

Maria de Fátima Pereira da Silva Psicóloga; Coord. do CAPS de Umirim, Esp. em Psicologia Clínica, em

Psicologia Geral e em Psicologia OrganizacionalMichelle Correia de Sousa

Terapeuta Ocupacional do CAPS de Umirim, Esp. em Saúde da Criança e do Adolescente

Joana Lourdes de Oliveira Costa Enfermeira, Coord. da Atenção Básica de Umirim,

Especialista Saúde da Família pela ESPEveline Campos Teixeira Marques

Fonoaudióloga, Coord. da Vigilância à Saúde de Umirim-CE; Pós-Graduanda em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde

Silvânia Maria Rebouças de Moura Enfermeira; Coord. do Hospital de Umirim, Pós-Graduanda em Gestão de

Serviços de Urgência e EmergênciaFrancisco Antonio da Cruz Mendonça

Enfermeiro, Assistencialista do Hospital de Umirim, Prof. da Graduação em Enfermagem da Faculd. Nordeste

70

Page 71: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Sistema Municipal de Saúde Escola, a experiência de Fortaleza

A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza adota como política estruturante de organização e de gestão dos serviços, o Sistema Municipal de Saúde Escola, cujo objetivo é criar uma Es-tratégia de Educação Permanente, em parceria com as Instituições de Ensino e organizações não governamentais, transformando toda rede de serviços de saúde existente no município em espaços de educação contextualizada e de desenvolvimento profissional. A idéia força que orienta a Secretaria Municipal de Saú-de de Fortaleza é de que o Sistema Municipal de Saúde Esco-la possa, efetivamente, potencializar a reorientação do modelo assistencial, propiciando mudanças qualitativas no processo de trabalho em saúde, ancoradas em uma vivência educacional que tem como protagonistas: gestores, trabalhadores da saúde, insti-tuições formadoras e as diferentes representações dos movimen-tos sociais e populares. É neste contexto que também se dá a mudança curricular A efetivação deste Sistema tem sido viabilizada pela par-ceria entre a Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza, Ins-tituições de Ensino Superior e Escolas Técnicas, que conformam o Fórum do Sistema Municipal de Saúde Escola, responsável pela concepção e desenvolvimento da política de Educação Permanen-te no município, com encontros mensais no primeiro ano e a partir de 2010 bimensais. O Fórum também acontece de forma descen-tralizada em 6 Regionais, incentivando as reflexões e ações nos territórios de acordo com suas especificidades e singularidades, fortalecendo o vínculo desses atores. Outro eixo estruturante do SMSE é a definição dos ter-ritórios de responsabilidade sanitária das IES e Escolas Técnicas, contribuindo para organizar a demanda dos estudantes em proces-sos formativos nas redes assistenciais, assim como a formação de profissionais de saúde de acordo com as necessidades dos servi-ços. Nesse sentido, também as pesquisas realizadas pelas insti-tuições de ensino surgem nos projetos das instituições formadoras a partir da articulação com o serviço, atendendo suas necessidades. O impacto dessa decisão tem sido o acréscimo das pesquisas reali-zadas nos serviços de 98 no ano de 2009 para 296 no ano de 2010.Atualmente a SMS acolhe, por meio do SMSE mais de quatro mil alunos nos processos formativos, em todas as Redes Assistenciais, com presença em 95% dos Centros de Saúde da Família, 100% da Rede Hospitalar e 100% dos Centro de Atenção Psicosocial (CAPS), fortalecendo assim a idéia força do Sistema Municipal Saúde Escola. Entre as ações desenvolvidas pelo SMSE destacam-se:

Fortaleza Residência Multiprofissional em Saúde da Família e Co-munidade: iniciada em maio de 2009, com sessenta e seis residen-tes de onze profissões da área de saúde: Enfermagem, Odonto-logia, Psicologia, Nutrição, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Educação Física, Medicina Veterinária, Farmácia e Serviço Social. Residência de Medicina de Família e Comunidade: em 2010, foi realizada a conclusão de 4 turmas com a formação de 74 médicos de família e comunidade, sendo que 40% destes médicos são ser-vidores concursados da Prefeitura Municipal de Fortaleza/ Estra-tégia Saúde da Família. Especialização em Medicina de Família e Comunidade: com 4 turmas que envolveram 36 médicos formados em Cuba, sendo que 15 estão em processo de formação. Desses especializan-dos, 05 estão na RMFC e todos com diplomas validados. Especialização em Saúde de Família e Comunidade em 2008-2009 envolvendo 250 trabalhadores da rede municipal. Parceria internacional com organizações canadenses para formação de recursos humanos por competências nas áreas técni-cas de saúde, contando com o apoio de outros parceiros no âmbito estadual, com a realização de 52 missões viabilizando a publica-ção juntamente com as demais instituições envolvidas da síntese do que foi produzido. Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - Saú-de da Família, Vigilância em Saúde e Saúde Mental: desenvol-vidas pela UNIFOR, UECE e UFC, com 26 grupos tutorias e a participação de 632 estudantes, 133 preceptores (profissionais de saúde dos serviços) e 26 tutores (professores das IES), distribuídos em 35 unidades do sistema de saúde de Fortaleza (USF, CAPS, Distritos de Saúde). Ação de educação popular em saúde - Cirandas da Vida – envolvendo movimentos populares nas seis regionais a partir das experiências de praticas de cuidado e de arte, desencadeando uma série de processos formativos em rede que envolveram mais 300 trabalhadores da rede municipal de saúde, estudantes universitá-rios e atores populares gerando a inclusão dessas práticas em 68 unidades de saúde da rede municipal. Regulamentação das Práticas de Ensino conforme a Lei Federal nº 11.788 de 25 de setembro de 2008, organizando todo o campo de práticas das instituições de ensino superior e escolas técnicas em todas as Redes Assistenciais. A partir desse processo de organização por meio dos convênios com as instituições o SMSE tem realizado diálogo per-manente com as instituições conveniadas, apontando e pactuando maior investimento na educação permanente dos trabalhadores,

seja em nível de atualização, aperfeiçoa-mento, formação técnica para os servido-res de nível médio, assim como graduação e pós-graduação.

71

Page 72: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 73: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

CD+DVD“Studio 105”Mayra Andrade

Mayra Andrade é uma cantora cabo-verdiana, reconhecida como uma das mais promissoras da música daquele país. Já colaborou, entre outros, com Cesária Évora, Chico Buarque, Caeta-no Veloso, Charles Aznavour, Mariza e João Pedro Ruela. Mayra Andrade identifica-se, antes de mais, como uma artista de palco. Eis uma oportunidade para ficar convencido! Este DVD+CD inclui a gravação do concerto e também um programa que documenta o pro-cesso de criação, desde os ensaios até ao concerto. A cantora interpreta, pela primeira vez e integrada numa pequena formação acústica (Mayra Andrade, voz; Munir Hossn, guitarra; Rafel Paseiro, contrabaixo; Zé Luis Do Nas-cimento, percussão), uma selecção de temas retirados dos seus dois primeiros álbuns de estúdio, com arranjos total-mente novos para esta ocasião única e, também, alguns temas novos. Convida-dos especiais: o cantor Hugh Coltman e o violoncelista Vincent Segal.

LIVRO“Projeto de Cooperação Brasil-Canadá para a Formação de Recursos Humanos por Competências nas Escolas de Formação em Saúde do Estado do Ceará”

Resultado do projeto que teve por finalidade fomentar o intercâmbio de práticas e saberes entre Brasil e Canadá, mais especificamente, entre a Província de Quebec e o Estado do Ceará, no tocante à gestão e forma-ção de trabalhadores para o sistema de saúde, segundo a Abordagem por Competências (APC), de forma a responder adequadamente às necessidades de trabalhadores para o Sistema Único de Saúde (SUS).Após quase quatro anos de coopera-ção, o Ceará tem muitos resultados a socializar com os gestores, trabalha-dores da saúde e demais parceiros, com o intuito de reunir esforços e celebrar compromissos para a im-plementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e ordenação da formação dos trabalha-dores do SUS. Organizadores:Francisca Lúcia Nunes de Arruda, Fernanda Cristina Castelo de Lima Martins e Maria de Fátima de Souza.

para ouvir para ver para ler

FILME“Capitães da Areia”Diretora: Cecília AmadoDrama; 1,5h; 2011; Brasil

Foi aos 14 anos que a carioca Cecília Amado leu pela primeira vez aquela que considera “a mais cinematográfi-ca” das obras de seu avô, “Capitães da areia”. “Foi o livro que marcou minha adolescência. Ficava imaginando aquela molecada correndo pelas ruas de Salvador, dormindo na praia... Lia cada capítulo com a sensação de que estava assistindo a um filme”, conta.Agora, aos 33, a neta cineasta de Jorge Amado (1912-2001) coloca em prática as impressões da juventude e leva às telas um dos romances mais famosos do escritor baiano. Pedro Bala, Volta Seca, Gato, Boa Vida e os menores abandonados que movimentam o romance são interpretados por jovens desconhecidos do público. Para seu primeiro longa-metragem, Cecília foi buscar atores em oficinas culturais de ONGs que atuam na periferia sotero-politana, como o Olodum, o Ilê Aiyê e o Projeto Axé. Estréia no dia 5 de Agosto deste ano. Não percam!

Revista Sustentação . 2011 . edição 28 cultura . 73

Page 74: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará

Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,de céu e de lua mais do que na escola.No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo mais do que os padres lhes ensinavam no internato.Aprendeu com a natureza o perfume de Deusseu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azulE descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecidano tronco das árvores só serve pra poesia.No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássarose tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvoreporque fez amizade com muitas borboletas.

Manoel de Barros

Ilustração> Janaina Teles

74 . outras palavras

Page 75: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará
Page 76: Sustentação 28 / Revista do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará