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 TIAGO LUIS HOFFMANN INCONSTITUCIONALIDADE DO PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SEARA CRIMINAL   UMA ANÁLISE DO RExt 593727 E DA PEC 37 DE 2011 Santa Maria 2013

Tcc Tiago Luis Hoffmann

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  • TIAGO LUIS HOFFMANN

    INCONSTITUCIONALIDADE DO PODER DE INVESTIGAO DO

    MINISTRIO PBLICO NA SEARA CRIMINAL UMA ANLISE DO RExt 593727 E DA PEC 37 DE 2011

    Santa Maria

    2013

  • TIAGO LUIS HOFFMANN

    INCONSTITUCIONALIDADE DO PODER DE INVESTIGAO DO

    MINISTRIO PBLICO NA SEARA CRIMINAL UMA ANLISE DO RExt 593727 E DA PEC 37 DE 2011

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao

    Curso de Graduao em Direito da Faculdade de

    Direito de Santa Maria - FADISMA como

    requisito parcial para a obteno do Grau de

    Bacharel em Direito.

    Orientador: Prof. Ms. Bruno Seligman de Menezes

    Santa Maria

    2013

  • H711i Hoffmann, Tiago Luis

    Inconstitucionalidade do poder de investigao do

    Ministrio Pblico na seara criminal - uma anlise do RExt

    593727 e da PEC 37 de 2011 / Tiago Luis Hoffmann. - 2013.

    64 f.

    Monografia (Curso de Graduao em Direito) Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), 2013.

    Orientador: Prof. Me. Bruno Seligman de Menezes

    1. Investigao criminal 2. Ministrio Pblico 3.

    Exclusividade 4. Constituio de 1988 I. Menezes, Bruno

    Seligman de II. Ttulo.

    CDU 343.9

    Ficha catalogrfica elaborada pela bibliotecria Cibele V. Dziekaniak CRB 10/1385

  • FACULDADE DE DIREITO DE SANTA MARIA FADISMA

    CURSO DE DIREITO

    A COMISSO EXAMINADORA, ABAIXO ASSINADA, APROVA O TRABALHO DE

    CONCLUSO DE CURSO

    INCONSTITUCIONALIDADE DO PODER DE INVESTIGAO DO

    MINISTRIO PBLICO NA SEARA CRIMINAL UMA ANLISE DO RExt 593727 E DA PEC 37 DE 2011

    Elaborado por,

    TIAGO LUIS HOFFMANN

    COMO REQUISITO PARCIAL PARA OBTENO DO TTULO DE

    BACHAREL EM DIREITO

    COMISSO EXAMINADORA:

    _________________________________________

    Prof. Ms. Bruno Seligman de Menezes - Orientador

    __________________________________________

    Prof Esp. Henrique Guimares de Azevedo

    __________________________________________

    Prof Esp. Wagner Augusto Hundertmarck Pompo

    Santa Maria, junho de 2013

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo, antes de tudo, aos meus familiares e amigos que sempre me apoiaram nas

    minhas escolhas, os professores da instituio, sempre atenciosos s dvidas, minhas e dos

    demais colegas, e ainda, Faculdade de Direito de Santa Maria, na pessoa do seu Direto Geral

    o Professor Eduardo de Assis Brasil Rocha, por ter me propiciado os estudos.

  • De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver

    prosperar a desonra, de tanto ver crescer a

    injustia. De tanto ver agigantarem-se os poderes

    na mos dos maus, o homem chega a desanimar-

    se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha

    de ser honesto.

    Rui Barbosa

  • RESUMO

    Na atualidade, ficou evidente uma maior busca por justia e com a sociedade mais

    prxima destes fatos criminosos, verificou-se o cometimento de uma gama de ilegalidades por

    parte do poder pblico, com a finalidade de condenar. Com base no estado democrtico de

    direito, base da sociedade brasileira, a conduta daquele que inflige norma, mesmo que em

    busca da verdade, deve ser considerada ilegal, no servindo como meio hbil de prova para

    fins de condenao. So questes abarcadas pela Constituio Federal de 1998, assim

    declarada como democrtica e instituidora de diversos direitos fundamentais, que sem um rol

    taxativo, devem ser observados tanto no mbito administrativo quanto judicial, sem

    ressalvadas, pois constituem clusulas ptreas, imodificveis. No entanto, com base em

    estudos sobre a atuao do rgo do Ministrio Pblico, principalmente na seara criminal,

    quando da investigao de delitos cometidos, tanto na esfera estadual quanto federal e

    atuando em crimes de grande vulto ou em caso de supostos crimes polticos, ficou

    evidenciado o cometimento de irregularidades e violaes s garantias do investigado,

    assegurados pela Constituio Federal de 1988. Assim, a questo da investigao criminal

    deve ser analisada com base na carta constitucional, que determinou a legitimidade das

    Polcias Civil e Federal para presidncia deste procedimento administrativo, embora no

    tendo previsto sua exclusividade, a atuao desenfreada do Ministrio Pblico na mesma

    seara tem causado violaes a direitos individuais, assegurados pelo nosso estado democrtico

    de direito.

    Palavras chaves: Investigao criminal. Ministrio Pblico. Exclusividade.

    Constituio de 1988.

  • ABSTRACT

    Nowadays, a greater quest for justice is evident and, as society is closer to criminal

    acts, a series of illegalities committed by public authorities in order to convict has been

    noticed. Based on the democratic rule of law, basis of Brazilian society, the conduct that

    inflicts the norm, even in search of the truth, should be illegal and should not be considered as

    a means of evidence required for conviction. These issues are encompassed by the

    Constitution of 1998, declared as democratic and founding of several fundamental rights,

    which are not part of an exhaustive list and must be observed both in the administrative and

    judicial areas, without exceptions, since they are entrenchment clauses, immutable. However,

    studies on the role of the Public Ministry, especially regarding the investigation of criminal

    offenses, both at the state and federal level and concerning its acting in the investigation of

    substantial crimes or alleged political crimes, revealed irregularities and violations of the

    investigated guarantees, secured by the Constitution of 1988. Therefore, the criminal

    investigation issue should be analyzed based on the Federal Constitution, which established

    the Civil and Federal Police legitimacy to lead this administrative procedure, although it has

    not foreseen its exclusivity, noting that the unrestrained actions of the Public Ministry on the

    same sphere has caused violations of individual rights guaranteed by our democratic rule of

    law.

    Keywords: Criminal Investigation. Public Ministry. Exclusivity. Constitution of 1988.

  • SUMRIO

    CONSIDERAES INICIAIS .............................................................................................. 1

    1 INVESTIGAO CRIMINAL: DAS POLCIAS AO MINISTRIO PBLICO ...... 4

    1.1 Das Polcias: Inqurito Policial ..................................................................... 4

    1.1.1 Breve Histrico ............................................................................................. 4

    1.1.2 A Polcia Judiciria ...................................................................................... 7

    1.1.3 Inqurio Extrapoliciais ................................................................................. 9

    1.2 O Ministrio Pblico .................................................................................... 11

    1.2.1 Origens ........................................................................................................ 11

    1.2.2 O Ministrio Pblico e a Constituio de 1988 .......................................... 12

    1.2.3 Investigao Preliminar Criminal .............................................................. 16

    2 ANLISE DO RECURSO EXTRAORDINRIO N 593727 E DA PROPOSTA DE

    EMENDA CONSTITUIO N 37 DE 2011 PONTO RELEVANTES PARA

    DEBATE .................................................................................................................................. 22

    2.1 A fixao da controvrsia ............................................................................ 22

    2.2 Anlise do Recurso Extraordinrio 593727 ............................................... 27

    2.3 Anlise da Proposta de Emenda Constitucional n 37 de 2011 ................ 33

    2.4 Pontos Relevantes para debate: desvantagens da investigao criminal

    pelo Ministrio Pblico e sua Inconstitucionalidade ........................................................... 39

    CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 47

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 54

  • CONSIDERAES INICIAIS

    Em observncia ao aumento da atuao do Ministrio Pblico na sociedade como um

    todo, verificou-se que na seara criminal essa atividade realizada pelo respectivo rgo estatal

    padece de diversos equvocos e contrariedades.

    A vigente Constituio da Repblica do Brasil assegura a qualquer pessoa investigada,

    por possvel ato ilcito, a observncia aos ditames do devido processo legal, do contraditrio e

    da ampla defesa, tanto em processos judiciais quanto em procedimentos administrativos e

    tambm, naqueles realizados por entidades legitimadas para o ato.

    No entanto, a atuao do Ministrio Pblico tem gerado, na sociedade jurdica e

    naqueles que foram investigados, questionamentos acerca da legitimidade do poder

    investigatrio por este exercido, principalmente, devido ao fato de a atuao das Polcias

    Civis e Federais tambm estar adstrita a essa matria e assim, representando uma usurpao

    da competncia j assegurada s polcias judicirias, institudas para esse fim especfico.

    O respectivo estudo tem por objetivo apresentar uma viso constitucional do tema

    exposto, com vistas a demonstrar a importncia na efetivao dos direitos fundamentais

    assegurados pela legislao ptria. Pois, num Estado democrtico de direito legitimar um

    rgo ao ato investigatrio e acusatrio, na sua plenitude, se mostra deveras arbitrrio e

    inconstitucional.

    Assim, a anlise deve ser iniciada com um estudo amplo do conceito de Inqurito

    Policial, observando-se a diferena entre estes e os demais atos investigatrios administrativos

    realizados, nos diversos rgos estatais, e com a respectiva legitimao pela carta

    constitucional.

    Nesse contexto, imperioso analisar a Constituio Federal de 1988, que teria servido

    de base e suporte legal para legitimar a atuao investigativa do Ministrio Pblico na seara

    criminal.

  • 2

    Ademais, a atuao desenfreada do titular da ao penal pblica incondicionada vem

    causando para a atuao dos advogados diversas dificuldades, dentre elas, a impossibilidade

    de uma defesa consistente, principalmente pelo monoplio investigatrio e acusatrio. Sendo

    proposta a respectiva ao penal, em determinadas ocasies, sem que anteriormente tenha

    sido assegurado ao seu cliente o contraditrio e a ampla defesa no respectivo procedimento

    administrativo instaurado pelo Ministrio Pblico, contrariando disposio da carta

    constitucional.

    No tocante aos princpios do devido processo legal, do contraditrio e da ampla

    defesa, constitucionalmente assegurados, tanto em processos judiciais quanto naqueles

    procedimentos administrativos, estes vm sendo flagrantemente violados pelo Ministrio

    Pblico, que no foi institudo para essa finalidade investigativa.

    Embora o Ministrio Pblico tenha legislado internamente sobre a atuao

    investigativa de seus agentes, estes no possuem capacidade fsica e treinamento hbil, e

    sequer, capacidade material para atuar no campo da investigao criminal. No entanto, o

    mesmo vem se utilizando desta falta de infraestrutura e de pessoal preparado para investigar

    apenas determinadas denncias, utilizando-se de um carter de seletividade.

    Nesse contexto, a inconstitucionalidade da atuao investigativa do Ministrio

    Pblico, pela violao a princpios constitucionais e a sua atuao seletiva, ainda no um

    consenso na doutrina e jurisprudncia ptria, defendendo-se ora a legitimidade da atuao

    desse rgo em situaes especficas, ora reprimindo sua atuao integralmente e ainda, em

    determinados casos defendendo uma atuao conjunta com a Polcia Judiciria.

    Atualmente, o Supremo Tribunal Federal tem legitimado a atuao do Ministrio

    Pblico em alguns casos, sendo ento, proposta na Cmara dos Deputados a Proposta de

    Emenda Constitucional n 37 de 2011, que visa a delimitao privativa da competncia das

    Polcias Judicirias de promover investigaes na seara criminal, pois a interpretao da Carta

    Constitucional pelo legislativo contrria ao que vem sendo entendido no Judicirio, gerando

    diversas polmicas.

  • 3

    Fazendo a anlise do Recurso Extraordinrio sob o n 593727, pendente de julgamento

    definitivo pela casa respectiva, ser feito um paralelo da controvrsia e das discusses

    laborados pelos julgadores, que at o momento no chegaram a um consenso sobre a

    legitimidade da atuao do Ministrio Pblico, com relao ao caso concreto e sobre uma

    alterao e unificao da jurisprudncia sobre o assunto.

    Tambm ser analisada a Proposta de Emenda Constitucional n 37 de 2011, que trata

    da insero na Carta Constitucional de delimitao expressa sobre a legitimidade da atuao

    dos rgos do Ministrio Pblico e das Polcias Judicirias. Tal proposta de emenda

    constitucional foi, inclusive, mencionada em uma das sesses do Supremo Tribunal Federal,

    julgando o Recurso Extraordinrio n 593727, no qual, os ministros expressavam sua

    preocupao com relao ao conflito que poderia se instaurar entre o Judicirio e o

    Legislativo caso a mesma fosse aprovada.

    Assim, de relevante importncia o tema em estudo, com vistas a possibilitar uma

    melhor compreenso da temtica da investigao preliminar criminal, tendo em vista o

    conflito de princpios constitucionais instaurado e a busca por solues hbeis para extirpar tal

    controvrsia do ordenamento jurdico ptrio, de forma a no legitimar a atuao investigatria

    do Ministrio Pblico na seara criminal.

  • 4

    1. INVESTIGAO CRIMINAL: DAS POLCIAS AO MINISTRIO

    PBLICO

    1.1 Das Polcias: Inqurito Policial

    1.1.1 - Breve Histrico

    A atuao das polcias na investigao de supostos atos ilcitos chamada de

    investigao preliminar criminal. Em regra, este procedimento administrativo tem como

    objetivo elucidar os fatos noticiados autoridade, para fornecer subsdios ao Ministrio

    Pblico, que visa ao oferecimento da denncia.

    O procedimento administrativo que objetiva investigao criminal, tanto na seara

    estadual quanto federal, chamado de Inqurito Policial, mas, at o ano de 1871 sequer

    existia tal expresso, como bem assevera Fernando da Costa Tourinho Filho:

    As Ordenaes Filipinas, alm de no fazerem distino entre Polcia Administrativa e Polcia Judiciria, no falavam em Inqurito Policial. O livro I

    tratava das atribuies dos alcaides e da maneira de escolh-los. O Cdigo de

    Processo surgido em 1832 apenas traava normas sobre as funes dos Inspetores de

    Quarteiro, mas tais Inspetores no exerciam atividades de Polcia Judiciria.

    Embora houvesse vrios dispositivos sobre o procedimento informativo, no se

    tratava do inqurito Policial com esse nome jris.1

    Somente no ano de 1871 que, com a edio da lei n 2033 de 20.09.1871,

    regulamentada pelo decreto-lei n 4824 de 28.11.1871, que surgiu a expresso Inqurito

    Policial, inclusive com o seu significado expresso no art. 42, como segue: o inqurito policial

    consiste em todas as diligncias necessrias para o descobrimento dos fatos criminosos, de

    suas circunstncias e de seus autores e cmplices, devendo ser reduzido a instrumento

    escrito. Portanto, embora somente tenha surgido a denominao Inqurito Policial com a

    edio da lei 2033/71, tal procedimento j era regulamentado pelo Cdigo de Processo de

    1832.2

    1 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal I. So Paulo, editora saraiva, 2010, pg. 238.

    2 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. 7 edio revista, atualizada e

    ampliada, editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 148.

  • 5

    Atualmente, o procedimento denominado Inqurito Policial regulamentado em ttulo

    especfico do Cdigo de Processo Penal vigente, qual seja o Ttulo II (art. 4/23), que abarca o

    tema de forma ampla e com o estabelecimento de prazos para sua elaborao. Discorrendo

    tambm sobre algumas garantias asseguradas nesse procedimento e ainda, a competncia para

    sua elaborao e arquivamento.

    A finalidade do Inqurito Policial o esclarecimento de fatos ocorridos e noticiados

    autoridade competente, que podem vir a ser considerados crimes, aps apreciao judicial.

    Este procedimento tem o condo de buscar elementos para que o Ministrio Pblico, como

    titular da ao penal pblica, possa promover a competente ao em juzo ou ainda, requerer

    demais diligncias ou seu arquivamento, caso entenda necessrio.

    Ainda, tem-se na elucidao dos fatos noticiados autoridade administrativa a

    necessidade da descoberta do autor, pois, como sabido para promoo de uma ao penal

    so imprescindveis indcios de autoria e materialidade, como bem assevera Guilherme de

    Souza Nucci:

    Nota-se, pois, que esse objetivo de investigar e apontar o autor do delito sempre teve por base a segurana da ao da justia e do prprio acusado, pois, fazendo-se

    uma instruo prvia, atravs do inqurito, rene a polcia judiciria todas s provas

    preliminares que sejam suficientes para apontar, com relativa firmeza a ocorrncia

    de um delito e o seu autor.3

    Portanto, tal descoberta de fatos, levantamento de provas da autoria e da

    materialidade, visa identificar com clareza o infrator e serve de mecanismo hbil a evitar que

    a Justia Criminal venha a processar e julgar algum inocente.

    Ademais, esse procedimento preliminar possui o condo de conduzir/guiar a produo

    judicial da prova, destacando-se que ao juiz proibido utilizar deste procedimento para

    fundamentar sua deciso, devendo o magistrado formar sua livre convico das provas

    produzidas em contraditrio Judicial, conforme art. 155 caput do CPP, assim descrito: O Juiz

    formar sua convico pela livre apreciao da prova produzida em contraditrio judicial, no

    podendo fundamentar sua deciso exclusivamente nos elementos informativos colhidos na

    investigao, ressalvados s provas cautelares, no repetveis e antecipadas.

    3 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. 7 edio revista, atualizada e

    ampliada, editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 148.

  • 6

    Quanto s provas no repetveis e antecipadas, como por exemplo, laudos periciais e

    exames de corpo delito que no puderem ser realizados na fase judicial devem ser apreciados

    em sentena e podem ser utilizados, tanto para acusao quanto para defesa, mesmo que

    produzidas na fase do Inqurito Policial. Contudo, devero as partes ser intimadas do referido

    ato, sob pena de nulidade e no validao da prova, para possibilitar impugnaes ou

    indicao de assistente tcnico.4

    Procedimento esse, de produo da prova extrajudicial, que deve ser respeitado, com

    vistas a atender todos os requisitos da prova judicializada, tais como, contraditrio e ampla

    defesa. Nesse sentido, a concluso de Nucci: Por isso, torna-se imprescindvel considerar o

    inqurito um perodo pr-processual relevante, de natureza inquisitiva, mas que j se reveste

    de alguns contornos garantistas.5

    Com a realizao da investigao criminal, na seara administrativa, vemos

    exteriorizado o poder dever do Estado em perseguir a conduta ilcita, averiguar a

    possibilidade do cometimento de um delito e principalmente sua autoria, a fim de movimentar

    a competente ao penal, como tambm assevera Anderson Souza Daura:

    Os atos de investigao estatal, quando da ocorrncia de um ilcito penal, so a exteriorizao do exerccio do Poder de Polcia do Estado que de forma

    incondicional age visando combater a criminalidade dando sustentao denncia

    criminal e colhendo cautelarmente provas da autoria e materialidade delitiva que

    poderiam se perder at o momento da instruo processual em juzo.6

    Assim, o inqurito policial foi criado e institudo por lei para se desenvolver na esfera

    administrativa, buscar elementos probatrios de autoria e materialidade, e possibilitar ao

    Ministrio Pblico o exerccio da ao penal, com um conjunto de diligncias reduzido a

    escrito pela autoridade administrativa competente.

    Ainda, esse procedimento administrativo realizado de forma inquisitiva,

    evidenciando o carter persecutrio e de instruo provisria, ou seja, a busca pela elucidao

    dos fatos e dos seus elementos, preliminarmente atuao judicial.

    4 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. 7 edio revista, atualizada e

    ampliada, editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 150. 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execuo Penal. 7 edio revista, atualizada e

    ampliada, editora Revista dos Tribunais, 2011, pg. 150. 6 DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    edio revista e atualizada, Curitiba: Juru Editora, 2009, pg. 105.

  • 7

    1.1.2.- A Polcia Judiciria

    Antes de analisar a atuao da polcia judiciria necessrio fazer uma diferenciao

    entre a polcia administrativa e judiciria, diviso clssica utilizada desde a Revoluo

    Francesa. Polcia administrativa atua de forma preventiva, a fim de evitar a ocorrncia da

    prtica delituosa, como por exemplo, as polcias militares e bombeiros, j a polcia judiciria

    atua de forma repressiva, agindo aps o cometimento do ilcito, como por exemplo, polcia

    civil e federal, colhendo provas, buscando o autor do delito, etc, salientando ainda, que ambas

    so autoridades administrativas, integrantes da Administrao Pblica.7

    O conjunto de diligncias investigatrias, laboradas na seara criminal, deve ser

    conduzido por uma autoridade administrativa, de forma repressiva, sendo esta responsvel

    pela aplicao correta do procedimento e o cumprimento dos prazos estabelecidos, para aps

    fazer um relatrio detalhado das diligncias.

    A autoridade responsvel pelo Inqurito Policial como diz o prprio nome, a

    autoridade policial, chamada de polcia judiciria, pois atua na fase preparatria ou preliminar

    fase judicial. Essa competncia est disposta no art. 4 do CPP, como segue: Art. 4: A

    polcia judiciria ser exercida pelas autoridades policiais no territrio de suas respectivas

    circunscries e ter por fim a apurao das infraes penais e da sua autoria.

    As autoridades administrativas, com a funo de polcia judiciria, so encontradas

    nos rgos da polcia civil e federal. Portanto, a polcia judiciria atua tanto em mbito

    estadual como federal, para maior abrangncia das investigaes, conforme cada caso e

    particularidades.

    Essa atuao na seara administrativa decorrente da persecuo penal do Estado,

    tendo em vista que o mesmo titular do jus puniendi (poder de punir), conforme bem

    explicado por Fernando da Costa Tourinho Filho: quando se verifica uma infrao, o titular

    do direito de punir, quer dizer, o Estado, desenvolve, inicialmente, uma agitada atividade por

    7 DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    edio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 65.

  • 8

    meio de rgos prprios, atividade essa que visa a colher informaes sobre o fato tido como

    infracional e a respectiva autoria8

    Dentre outras funes, acometidas aos rgos da polcia judiciria e objeto da

    atividade persecutria do Estado est a realizao de diligncias requisitadas pela autoridade

    judiciria ou Ministrio Pblico, cumprir mandados expedidos pelas autoridades competentes,

    requerer ao juzo a decretao de priso preventiva ou temporria para fins de investigao,

    cumprir cartas precatrias expedidas por autoridade administrativa de circunscrio diversa

    no mbito das investigaes criminais, etc.

    Segundo o doutrinar Jos Lisboa da Gama Malcher a polcia judiciria exerce funes

    de quatro naturezas, quais sejam, probatria, cautelar, coercitiva e auxiliar, devidamente

    regulamentados no cdigo de processo penal e legislao especfica, com observncia ao

    regramento constitucional, que estabelece, dentre outros direitos, garantias aos investigados.

    Com relao aos prazos procedimentais, para incio e trmino do Inqurito Policial, estes so

    taxativos, a depender do caso concreto e ainda, as autoridades responsveis esto sujeitas ao

    controle judicial.

    A finalidade precpua, da atuao administrativa e investigatria, da polcia judiciria

    a coleta de elementos para o exerccio da ao penal, como bem salientado por Jos Lisboa

    da Gama Malcher:

    A polcia judiciria tem como funo dotar o Estado de elementos capazes de garantir o exerccio da ao penal, de permitir que ele atue jurisdicionalmente na

    luta contra o crime. Embora se denomine polcia judiciria, elementar que tal

    polcia seja administrativa: no passa de administrao a servio da justia.

    A polcia judiciria tem funo meramente investigatria, impedindo, atravs de

    inqurito, ou da documentao imediata, que desapaream as provas do crime,

    colhendo os primeiros elementos informativos da persecuo penal, preparando a

    ao penal.9

    Portanto, esse procedimento administrativo, denominado Inqurito Policial,

    instaurado e presidido por autoridades administrativas, j acima descritas, com a finalidade de

    8 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal 1. So Paulo, editora saraiva, 2010, pag. 239.

    9 MALCHER, Jos Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal. 4 edio. Rio de Janeiro: editora forense, ano

    de 2009, pg. 87.

  • 9

    desenvolver um conjunto articulado de diligncias investigatrias e possibilitar, ao fim da

    mesma, que o titular da ao penal possa ingressar em juzo.10

    Ainda, diversos doutrinadores contemplam a funo investigatria, por meio de

    inqurito policial, como atribuio exclusiva da polcia judiciria, consoante art. 144 4 da

    Constituio Federal, no podendo haver confuso com os diversos inquritos que so

    realizados em outros rgos da Administrao Pblica e contemplam inmeras limitaes,

    mas, tem como finalidade desvendar irregularidades praticadas por seus agentes.

    1.1.3.- Inquritos Extrapolicias

    A polcia judiciria possui atribuio exclusiva para instaurao e presidncia de

    inquritos policiais, contudo, demais rgos possuem competncia para instaurar

    procedimentos administrativos investigatrios, excees estas que so contempladas em

    legislaes especficas, como se infere do pargrafo nico do art. 4 do CPP: A competncia

    definida neste artigo no excluir a de autoridades administrativas, a quem por lei seja

    acometida a mesma funo.

    So investigaes no mbito administrativo, que em sntese possuem a mesma

    finalidade do inqurito policial, ou seja, investigaes de ilcitos penais ou irregularidades

    praticadas no mbito daquelas competncias. Assim, as investigaes laboradas por

    autoridades diversas das polcias civis e federal, necessariamente devem possuir, sob pena de

    nulidade, amparo legal para atuao, haja vista que sua competncia decorre de exceo

    regra geral e deve ser observado o princpio da legalidade.11

    Entre as excees esto as Comisses Parlamentares de Inqurito, previstas no 3 do

    art. 58 da CF/88, e amplamente utilizadas nesta dcada, como por exemplo, no caso intitulado

    pela mdia como mensalo e julgado pelo STF na ao penal 470, haja vista a competncia

    originria. Tais comisses podem ser instauradas em nvel federal, estadual e municipal, pelas

    10

    TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, volume I. 32 edio Revista e atualizada, editora

    Saraiva, 2010, pg. 240. 11

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    edio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 83.

  • 10

    respectivas autoridades legislativas, para posteriormente, sendo sua concluso positiva,

    encaminhar o conjunto de diligncias ao Ministrio Pblico, para promoo da

    responsabilidade civil ou criminal dos infratores indicados.

    Tal conceito surgiu no do direito constitucional ingls e posteriormente foi aplicado no

    sistema romano germnico, sendo que tinha o condo de investigar as tpicas funes do

    poder Legislativo, quando verificado um ilcito civil ou criminal praticado dentro da casa

    respectiva, buscando elucidar fatos e responsabilizar os responsveis. 12

    No mbito do poder executivo temos a atuao da Receita Federal, que utilizando do

    seu mister, monta barreiras para a represso do contrabando e descaminho, coibindo o

    transporte de material ilegalmente introduzido pelas fronteiras nacionais, conforme art.15 e

    seguintes do Decreto n 6759 de 5 de fevereiro de 2009. No mais, havendo indcios do

    cometimento de crimes de sonegao fiscal e possibilidade de lavagem de dinheiro possvel

    que o rgo da Receita Federal busque em seu banco de dados informaes que visam

    comprovao da materialidade delitiva.13

    No judicirio tambm possvel a instaurao de procedimento investigatrio, para

    dentre outras irregularidades, apurar a hiptese do cometimento de ilcito penal por

    magistrado, ficando o respectivo Tribunal de Justia ou Tribunal Regional Federal, conforme

    se tratar de juiz de direito ou juiz federal, encarregado da apurao e presidncia do ato

    administrativo, tudo conforme o art. 33, pargrafo nico, da Lei Orgnica da Magistratura

    Nacional. Sendo imprescindvel, no tpico, a lio de Anderson Souza Daura: Os juzes de

    direito podem, em alguns casos, exercer diretamente funes de colheita de provas.14

    Assim, possvel verificar que nos diversos rgos da administrao pblica, no mbito

    dos poderes legislativo, executivo e judicirio, so levados a efeito procedimentos

    investigatrios, inclusive na seara criminal, contudo, com amparo legal especfico e sem a

    12

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    edio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 83/84. 13

    NETO, Mario Azambuja. Investigao Criminal pelo Ministrio Pblico: Para Alm da questo da

    impossibilidade. Revista da SJRJ, dezembro de 2010. Disponvel em:

    . Acesso em: 09 mar. 2013. 14

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    edio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 85.

  • 11

    possibilidade de violaes a estas regras, sob pena de nulidade do respectivo ato. Tambm,

    importante lembrar que por se tratar de ato meramente administrativo, uma condenao na

    seara criminal apenas ser possvel caso haja a instaurao do competente processo pelo

    Ministrio Pblico, aps lhe sejam enviadas as respectivas diligncias investigativas

    realizadas.

    1.2 O Ministrio Pblico

    1.2.1 Origens

    A instituio chamada Ministrio Pblico encontra seus primeiros vestgios no Egito,

    h quatro mil anos, personificado na pessoa do magia (funcionrio real), como sendo o

    principal responsvel pela observncia dos regramentos daquela sociedade, tendo como

    funo castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidados pacficos, podendo

    perseguir os malvados e mentirosos, caso requerido pelos homens justos e verdadeiros. Nesse

    sentido, o papel daquele agente tido como defensor da lei e da ordem, proposto pelo seu

    governo, foi evoluindo at um conceito moderno, criado na Frana, no qual o agente prestava

    o mesmo juramento de um juiz e tinha como funo principal a defesa judicial dos interesses

    do soberano.15

    Com a Revoluo Francesa de 1789 e a codificao, esta patrocinada por Napoleo, os

    anseios daquela sociedade culminaram na criao e difuso de uma instituio com ideais

    liberais e, com vistas ao papel, hoje consagrado, de defensor da sociedade, alm da tutela dos

    interesses do Estado. Tal processo de desenvolvimento fruto das transformaes da

    sociedade, do Estado e do direito, que levaram institucionalizao do Ministrio Pblico e o

    transformaram em sustentculo do regime democrtico, para aps, vir a integrar todas as

    legislaes europias.16

    15

    RITT, Eduardo. O ministrio Pblico como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto

    Alegre: Livararia do advogado, 2002, pg. 114. 16

    PACHECO, Alcides Marques Porto. Notas Sobre o Controle Externo da Atividade Policial: O Porqu e

    Por Quem, ou, a Anlise da Proposta de Sua Retirada das Mos do Ministrio Pblico. Revista brasileira de

    Cincias Criminais, 2011, edio n 91, pg. 348.

  • 12

    Portanto, nessa caminhada evolutiva e principalmente no Brasil, a instituio do

    Ministrio Pblico, surgiu com um ideal de liberdade, sendo no sculo XX conduzida a uma

    atuao na titularidade de interesses sociais, gerais e difusos, para aps, ser consagrada como

    um instrumento de proteo dos direitos coletivos e transformando-se, na atualidade, num

    verdadeiro guardio da sociedade.17

    No que se refere ao conceito de Ministrio Pblico no h um consenso na doutrina,

    alguns entendem que seria mero auxiliar do Poder Judicirio, diferente do contexto que

    apresenta o atual Cdigo de Processo Penal em seu Ttulo VIII (Do Juiz, do Ministrio

    Pblico, do Acusado e Defensor, dos Assistentes e Auxiliares da Justia), outros no o

    classificam como integrante dos chamados Trs Poderes, no entanto, o conceito se mostra

    menos importante do que entender o papel e os limites que essa entidade possui, devendo ser

    analisada, para tanto, a legislao pertinente e principalmente a Constituio Federal de 1988.

    1.2.2 - O Ministrio Pblico e a Constituio de 1988

    Vrias constituies se seguiram desde o incio do Sculo XIX, dentre elas a de 1967,

    promulgada aps o golpe militar de 1964 e que colocava o Ministrio Pblico dentro do

    Captulo do Poder Judicirio, porm, mantendo as regras anteriormente vigentes, as quais, j

    haviam diferenciado esse rgo dos demais poderes. Em 1969, aps novo golpe, foi

    promulgada uma nova Carta Constitucional e esta colocou o Ministrio Pblico dentro do

    Captulo do Poder Executivo.

    Mais tarde, a emenda constitucional n 7, do ano de 1977, determinou a elaborao da

    Lei Complementar do Ministrio Pblico, a qual, com a abertura democrtica da poca

    culminou na elaborao da Lei Complementar Federal n 40/81 (Lei Orgnica Nacional do

    Ministrio Pblico), definindo atribuies, garantias e vedaes aos seus membros, sendo um

    grande marco difusor desta instituio, como bem assevera Eduardo Ritt:

    A lei complementar n 40/81 deve ser comemorada como uma autntica carta de alforria, que possibilitou o processo de libertao da Instituio e de seus agentes da

    17

    RITT, Eduardo. O ministrio Pblico como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto

    Alegre: Livararia do advogado, 2002, pg. 118.

  • 13

    conformao ideolgica e da submisso funcional aos Poderes do Estado, que

    redundou na Constituio Federal de 1988.18

    A lei 7.347 de 1985 (Lei da Ao Civil Pblica) mesmo antes da Constituio Federal

    de 1988 j conferia grande relevncia atuao do Ministrio Pblico na defesa de interesses

    difusos, como por exemplo, a proteo do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direito

    de valor artstico, j consolidando uma atuao efetiva da instituio no meio social.

    No entanto, foi somente com a promulgao da Constituio Federal de 1988 que

    todos os anseios dessa sociedade livre e democrtica culminaram na criao de um Ministrio

    Pblico como agente social, a fim de resguardar aqueles que sofreram com as diversas

    ditaduras ocorridas e contemplar a promoo dos novos direitos, estes de segunda e terceira

    dimenso, ou seja, dos direito de igualdade e fraternidade, respectivamente.

    Nesse contexto, o Ministrio Pblico foi inserido no Captulo IV Das Funes

    Essenciais Justia, dentro do Ttulo IV Da Organizao dos Poderes, com o seguinte texto

    legal: Art.127. O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo

    jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime democrtico e

    dos interesses sociais e individuais indisponveis.

    A Constituio Federal de 1998 projetou o rgo ministerial a uma atuao ampla em

    mbito social, excluindo-a da subordinao de quaisquer dos poderes e mantendo apenas certa

    similitude ao Poder Judicirio, com relao aos princpios e garantias assegurados aos juzes.

    Sendo imprescindvel a constatao do autor Eduardo Ritt: Demonstrou-se, mais, que o

    Ministrio Pblico brasileiro nico e prprio, adquirindo uma natureza constitucional sem

    similar no mundo, com atribuies especficas para uma sociedade ainda carente de

    democracia e de justia social, como a brasileira.19

    Tambm, a anlise dos autores Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens, como segue:

    Das linhas-mestras que formatam sua configurao constitucional resulta inequvoco que o Ministrio Pblico atual tem seu perfil no apenas moldado pela,

    18

    RITT, Eduardo. O ministrio Pblico como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto

    Alegre: Livararia do advogado, 2002, pg. 123. 19

    RITT, Eduardo. O ministrio Pblico como instrumento de democracia e garantia constitucional. Porto

    Alegre: Livararia do advogado, 2002, pg. 137.

  • 14

    mas vinculado positividade emergente do Estado Democrtico de Direito. Por essa

    mesma razo suas funes institucionais parecem anotar em seu favor o predicado

    da intangibilidade.20

    Aps, a legislao atinente ao Ministrio Pblico se desenvolveu, sendo criada a lei n

    8.625 de 1993 (Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico) e a lei complementar n 75 do

    mesmo ano, que dispe sobre a organizao, atribuies e Estatuto do Ministrio Pblico da

    Unio, regulamentando o disposto na Constituio. Regulamentao e legislao que no

    pode ser divorciada dos preceitos da base constitucional, muito embora, seja tratada por

    legislao complementar.

    Dentre os direitos e garantias, assegurados pela Constituio Federal de 1998, esto os

    seguintes, conforme art. 127 e pargrafos e art. 129 e demais incisos:

    Art. 127. O Ministrio Pblico instituio permanente, essencial funo

    jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurdica, do regime

    democrtico e dos interesses sociais e individuais indisponveis.

    1 - So princpios institucionais do Ministrio Pblico a unidade, a

    indivisibilidade e a independncia funcional.

    2 Ao Ministrio Pblico assegurada autonomia funcional e administrativa,

    podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criao e

    extino de seus cargos e servios auxiliares, provendo-os por concurso pblico de

    provas ou de provas e ttulos, a poltica remuneratria e os planos de carreira; a lei

    dispor sobre sua organizao e funcionamento. (Redao dada pela Emenda

    Constitucional n 19, de 1998) 3 - O Ministrio Pblico elaborar sua proposta oramentria dentro dos limites

    estabelecidos na lei de diretrizes oramentrias.

    4 Se o Ministrio Pblico no encaminhar a respectiva proposta oramentria

    dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes oramentrias, o Poder Executivo

    considerar, para fins de consolidao da proposta oramentria anual, os valores

    aprovados na lei oramentria vigente, ajustados de acordo com os limites

    estipulados na forma do 3. (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    5 Se a proposta oramentria de que trata este artigo for encaminhada em

    desacordo com os limites estipulados na forma do 3, o Poder Executivo proceder

    aos ajustes necessrios para fins de consolidao da proposta oramentria anual.

    (Includo pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    6 Durante a execuo oramentria do exerccio, no poder haver a realizao de

    despesas ou a assuno de obrigaes que extrapolem os limites estabelecidos na lei

    de diretrizes oramentrias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura

    de crditos suplementares ou especiais.

    (...)

    Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico:

    I - promover, privativamente, a ao penal pblica, na forma da lei;

    II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Pblicos e dos servios de relevncia

    pblica aos direitos assegurados nesta Constituio, promovendo as medidas

    necessrias a sua garantia;

    III - promover o inqurito civil e a ao civil pblica, para a proteo do patrimnio

    pblico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

    20

    STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituio: a legitimidade da funo investigatria

    do Ministrio Pblico. Rio de Janeiro, editora forense 2006, pg. 12.

  • 15

    IV - promover a ao de inconstitucionalidade ou representao para fins de

    interveno da Unio e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituio;

    V - defender judicialmente os direitos e interesses das populaes indgenas;

    VI - expedir notificaes nos procedimentos administrativos de sua competncia,

    requisitando informaes e documentos para instru-los, na forma da lei

    complementar respectiva;

    VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar

    mencionada no artigo anterior;

    VIII - requisitar diligncias investigatrias e a instaurao de inqurito policial,

    indicados os fundamentos jurdicos de suas manifestaes processuais;

    IX - exercer outras funes que lhe forem conferidas, desde que compatveis com

    sua finalidade, sendo-lhe vedada a representao judicial e a consultoria jurdica de

    entidades pblicas.

    Importante tambm, transcrever o entendimento do advogado criminalista Marcelo

    Caetano Guazzelli Peruchin, sobre o papel do Ministrio Pblico aps a Constituio de 1988:

    .. mister mais uma vez enaltecer a relevncia institucional exercida pelo Ministrio Pblico em um Estado Social Constitucional Democrtico de Direito,

    visto e concebido como um indispensvel instrumento de fiscalizao do

    cumprimento das leis, tendo como escopo primordial, na seara criminal, a efetivao

    da proteo dos direitos fundamentais e das garantias individuais, alm de todas as

    demais funes incumbidas ao parquet, nos mais variados mbitos, todas elas de

    inominvel dimenso jurdica e social.21

    Tambm, a concluso da autora Luciana Neves Muller, preocupada com o papel

    desafiador imposto pela Constituio Federal de 1988 ao Ministrio Pblico, por exemplo,

    como instrumento bsico de defesa das liberdades civis e de proteo das franquias

    democrticas, essenciais segurana jurdica, como segue: Isso porque no a letra fria do

    texto constitucional que legitima o Ministrio Pblico como instituio, mas sua atuao

    diria e constante, inflexvel e intransigente, voltada para a defesa social. Sem essa atuao,

    perde sentido o Parquet.22

    Assim, a Carta Constitucional de 1988 buscou assegurar a maior amplitude possvel ao

    Ministrio pblico, com vistas a legitimar uma atuao em prol da sociedade, defendendo as

    minorias e proporcionando a defesa de diversos direitos coletivos. Tudo isso, concedendo em

    troca garantias indispensveis (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsdios),

    para fins de exercer sua atividade com independncia e autonomia funcional, conforme

    disposto acima no art. 127 da CF/88, buscando dar efetividade ao Estado Democrtico de

    Direito.

    21

    PERUCHIN, Marcelo Caetano Guazzelli. Da ilegalidade da investigao criminal exercida,

    exclusivamente, pelo Ministrio Pblico no Brasil. Revista jurdica 315 janeiro de 2004, pg. 100. 22

    MULLER, Luciana Neves. Investigao Criminal Pelo Ministrio Pblico. Revista do Ministrio Pblico

    do RS de n 57, Porto Alegre, edio de jan/abr. de 2006, pg. 155.

  • 16

    1.2.3 - Investigao Preliminar criminal

    Conforme j explicitado no tpico anterior, resta claro que no art. 129 da Constituio

    Federal esto dispostas as funes institucionais do Ministrio Pblico, dentre elas e com

    vistas matria objeto do presente estudo, esto os incisos I, VII e VIII, que em suma

    descrevem a funo do Parquet de promover privativamente a ao penal pblica, exercer o

    controle externo da atividade policial e a possibilidade de requisitar diligncias, e a

    instaurao do inqurito policial, respectivamente.

    No entanto, na atualidade existe uma clara tendncia de outorgar ao Ministrio Pblico

    a direo da investigao preliminar criminal, passando da atuao de mero auxiliar do juzo

    para uma atuao diretiva ou de comando, objetivando buscar elementos para o ajuizamento

    da competente ao penal.

    Neste sentido, a explicao de Aury Lopes Jr.:

    No sistema de investigao preliminar a cargo do MP, o promotor o diretor da investigao, cabendo-lhe receber diretamente a notcia-crime ou indiretamente

    (atravs da Polcia) e investigar os fatos nela constantes. Para isso, poder dispor e

    dirigir a atividade da Polcia Judiciria (dependncia funcional) ou praticar por si

    mesmo os atos que julgue necessrios para formar sua convico e decidir entre

    formular a acusao ou solicitar o arquivamento (visto como no-processo em

    sentido lato).23

    Segundo entendimento dos membros do Ministrio Pblico, estes so legitimados para

    proceder diretamente s investigaes na seara criminal, muito embora podendo ser realizada

    por meio da Polcia Judiciria. Tal entendimento advm, em parte, da invocao de teoria

    adotada pela doutrina norte-americana, qual seja a teoria dos poderes implcitos, conforme

    explicao de Anderson Souza Daura, como segue:

    ...A invocao da teoria dos poderes implcitos, que trazido da doutrina norte-americana, busca aqui uma adaptao afirmando-se, sem quaisquer ressalvas, que a Constituio, ao designar determinada funo a uma rgo, sempre se deve

    entender que a este rgo, da mesma forma, so outorgados os demais meios para

    23

    LOPES JR., Aury. Sistemas de investigao preliminar no processo penal. 3 edio revista, ampliada e

    atualizada, editora lmen jris, Rio de Janeiro, 2005, pg. 86.

  • 17

    atingir sua misso. Assim, o Ministrio Pblico como titular exclusivo da ao penal

    pblica, poderia ento, obter diretamente provas e informaes necessrias

    propositura da referida demanda, sem maiores embaraos ou dependncia de outros

    organismos.24

    Explicao essa, utilizando-se de teoria norte-americana em mbito criminal, que

    poderia de plano ser considerada totalmente inadequada ao direito brasileiro, porm,

    necessrio analis-la sob outro enfoque, qual seja, a pretenso do Ministrio Pblico buscar

    legitimidade para uma atuao investigativa fora de um contexto estritamente legal.

    Contexto legal que no pode ser afastado de qualquer anlise ou interpretao que se

    faa da Constituio Federal e demais legislao sobre matria criminal, segundo

    entendimento tambm exarado na obra Crime e Constituio, como segue:

    Tambm sob o aspecto normativo, toda anlise que se faa em torno da atuao do Ministrio Pblico no pode divorciar-se dessa ratio estrutural de base

    constitucional, a qual se prolonga, nada obstante, e por determinao da prpria

    Constituio, ao Plano da Legislao Complementar. Assim o diz, expressamente,

    seu art. 128, 5, ao assentar que leis complementares da Unio e dos Estados

    estabelecero a organizao, as atribuies e o estatuto de cada Ministrio Pblico.25

    Assim, da simples anlise da teoria dos poderes implcitos necessrio observar que a

    mesma, dentre outras caractersticas, no pode ser conciliada com um sistema jurdico que j

    tenha trazido a respectiva atribuio em seu ordenamento jurdico. No caso, existe atribuio

    expressa na Constituio Federal de 1988 sobre a atribuio das Polcias para proceder s

    diversas investigaes em mbito criminal, sendo que, para a teoria dos poderes implcitos ser

    utilizada deve inexistir disposio sobre a legitimidade de outro rgo para tal finalidade. 26

    Tal regramento advm de basilar interpretao constitucional, mais conhecido como

    princpio da repartio dos poderes, ou ainda, como ensinado na academia a teoria dos freios e

    contrapesos, possibilitando que na sociedade os diversos poderes tenham determinadas

    limitaes devidamente expressas em lei.

    24

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    dio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 83/84. 25

    STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituio: a legitimidade da funo investigatria

    do Ministrio Pblico. Rio de Janeiro, editora forense 2006, pg. 13/14. 26

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    dio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 87.

  • 18

    Ainda, segundo o princpio da repartio dos poderes se impe ao intrprete o dever

    de considerar que uma Lei Maior organiza e estrutura o Estado, utilizando-se de um papel

    regulatrio e distribuindo funes entre os diversos rgos que o compem de forma

    funcional, lgica, organizada e integrada, diferente do entendimento que vem adotando o ente

    Ministerial, se sobrepondo ou ainda, desvirtuando a atividade investigativa promovida pela

    Polcia Judiciria.27

    Outro motivo, de relevante destaque, trazido pelo Ministrio Pblico para fins de

    legitimar sua atuao no mbito das investigaes criminais o fato de a Constituio Federal

    de 1988 ter lhe atribudo uma condio de destaque e, principalmente, como defensor da

    sociedade mas, tambm, figura ativa na defesa da ordem jurdica e do estado democrtico de

    direito, elevando-o a uma condio de superioridade dentro destas perspectivas.

    Entendimento esse exarado pelo Ministro Celso de Mello em voto proferido no MS

    21.239-DF.RTJ.147/161:

    Foi a Constituio Federal de 1988, inegavelmente, o instrumento de consolidao jurdico constitucional de Ministrio Pblico. Ao dispensar-lhe singular tratamento

    normativo, a Carta Poltica redesenhou-lhe o perfil constitucional, outorgou-lhe

    atribuies inderrogveis, explicitou-lhe a destinao poltico-institucional, ampliou-

    lhe as funes jurdicas e deferiu, de maneira muito expressiva, garantias inditas

    prpria Instituio e aos membros que a integram. Foram, assim, plenas de

    significao as consquistas institucionais obtidas pelo Ministrio Pblico ao longo

    do processo constituinte de que resultou a promulgao da nova Constituio do

    Brasil. Com a reconstruo da ordem constitucional, emergiu o Ministrio Pblico

    sob o signo da legitimidade democrtica. Ampliaram-se-lhe as atribuies; dilatou-

    se-lhe a competncia; reformulou-se-lhe a fisionomia institucional; conferiram-se-

    lhe os meios necessrios consecuo de sua destinao constitucional; atendeu-se,

    finalmente, a antiga reinvindicao da prpria sociedade civil.28

    No entanto, no s na viso do julgador e da doutrina favorvel se buscou tal

    legitimidade, sendo que, o amparo normativo, segundo o Ministrio Pblico, pode ser

    extrado tambm das demais legislaes federais e estaduais sobre a matria. Em mbito

    federal adveio, em 20 de maio de 1993, a Lei Complementar n 75, denominada Estatuto do

    Ministrio Pblico da Unio, que trouxe no art. 8 algumas atribuies, como segue:

    27

    DAURA, Anderson Souza. Inqurito Policial: Competncia e Nulidades dos Atos de Polcia Judiciria. 3

    dio revista e atualizada, Curitiba: Juru editora, 2009, pg. 87. 28

    STRECK, Lenio Luiz e FELDENS, Luciano. Crime e Constituio: a legitimidade da funo

    investigatria do Ministrio Pblico. Rio de Janeiro, editora forense 2006, pg. 12.

  • 19

    Art. 8 Para o exerccio de suas atribuies, o Ministrio Pblico da Unio poder, nos procedimentos de sua competncia:

    I - notificar testemunhas e requisitar sua conduo coercitiva, no caso de ausncia

    injustificada;

    II - requisitar informaes, exames, percias e documentos de autoridades da

    Administrao Pblica direta ou indireta;

    III - requisitar da Administrao Pblica servios temporrios de seus servidores e

    meios materiais necessrios para a realizao de atividades especficas;

    IV - requisitar informaes e documentos a entidades privadas;

    V - realizar inspees e diligncias investigatrias;

    VI - ter livre acesso a qualquer local pblico ou privado, respeitadas as normas

    constitucionais pertinentes inviolabilidade do domiclio;

    VII - expedir notificaes e intimaes necessrias aos procedimentos e inquritos

    que instaurar;

    VIII - ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de carter pblico ou

    relativo a servio de relevncia pblica;

    IX - requisitar o auxlio de fora policial.

    Na viso do rgo Ministerial, tais dispositivos legais possuem o condo de legitimar

    sua atuao investigativa, inclusive no mbito criminal, porm da sua simples anlise no se

    verifica qualquer brecha ou abertura para essa interpretao, uma vez que, o nico dispositivo

    que trata do assunto investigaes de forma ampla o inciso V (realizar inspees e

    diligncias investigatrias), portanto, no trazendo a legitimidade explcita quanto a seara

    criminal, ora em estudo.

    Nesse contexto, tambm se faz referncia Lei 8.625 de 12 de fevereiro de 1993, Lei

    Orgnica Nacional do Ministrio Pblico, principalmente com relao ao inciso I do art. 26,

    como segue:

    Art. 26. No exerccio de suas funes, o Ministrio Pblico poder: I - instaurar inquritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos

    pertinentes e, para instru-los:

    a) expedir notificaes para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de no

    comparecimento injustificado, requisitar conduo coercitiva, inclusive pela Polcia

    Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;

    b) requisitar informaes, exames periciais e documentos de autoridades federais,

    estaduais e municipais, bem como dos rgos e entidades da administrao direta,

    indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito

    Federal e dos Municpios;

    c) promover inspees e diligncias investigatrias junto s autoridades, rgos e

    entidades a que se refere a alnea anterior

    Tambm, da mesma forma que a lei 75/93 faz meno a poderes investigatrios, esta

    apenas se repete, sem portanto, trazer de forma explcita sua legitimidade na seara criminal.

    Ademais, a alnea c refere que os poderes de investigao do Ministrio Pblico so

  • 20

    limitados aos rgos constantes da alnea anterior, quais sejam, a administrao direta,

    indireta ou fundacional da Unio, dos Estados e dos Municpios.

    No entanto, a interpretao sobre a validade material da supra referida legislao sobre

    a legitimidade da investigao na seara criminal, para o Ministrio Pblico, advm da anlise

    de uma clusula de abertura inscrita no art. 129, inciso IX, da Constituio Federal de 1988:

    Art. 129. So funes institucionais do Ministrio Pblico:(...) IX - exercer outras funes

    que lhe forem conferidas, desde que compatveis com sua finalidade, sendo-lhe vedadas a

    representao judicial e a consultoria jurdica de entidades pblicas. Clusula esta, que de

    forma ampla teria lhe assegurado a legitimidade para atuar na investigao criminal, uma vez

    que, dentre suas finalidades est a de promoo da ao penal. 29

    Porm, a anlise de Aury Lopes Jr. vai muito alm de todas as questes acima tratadas

    e, inclusive, critica a dimenso minimalista que a discusso acerca da investigao preliminar

    tomou. Na sua viso a questo deveria ser profundamente analisada e a base da investigao

    preliminar, seja no modelo policial, do juiz instrutor ou ainda do promotor investigador,

    amplamente revista, pois, a constatao inevitvel que o modelo de investigao adotado no

    Brasil est falido. 30

    Assim, embora Aury Lopes Jr. no seja um defensor da adoo do sistema do

    promotor investigador, pois, o Ministrio Pblico no passa de um acusador oficial e cuja

    parcialidade evidente, sua atuao na investigao preliminar o modelo menos

    problemtico ou ainda, mais facilmente contornvel e passvel de superao dos

    inconvenientes, diante do fracasso dos demais sistemas. 31

    Para tanto, deve-se passar por uma profunda anlise de aspectos fundamentais, tais

    como, a definio do papel do juiz na investigao, que seja repensada a preveno do juzo

    que ir atuar na fase da investigao, definido claramente o controle externo da atividade

    policial, definir o objeto da investigao preliminar e os limites da cognio, definir o prazo

    mximo da investigao preliminar, determinar a situao jurdica do investigado, no

    29

    STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituio: a legitimidade da funo investigatria

    do Ministrio Pblico. Rio de Janeiro, editora forense 2006, pg. 16. 30

    LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10 edio, editora Saraiva, So Paulo, 2013, pg. 344. 31

    LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10 edio, editora Saraiva, So Paulo, 2013, pg. 345.

  • 21

    permitir que os autos da investigao adentrem aos autos do processo, definir o alcance sigilo

    nas investigaes e ainda, prever os requisitos e a forma como ser realizado o incidente de

    produo antecipada de provas, conforme concluso do prprio autor Aury Lopes Jr.:

    Essas so questes muito mais relevantes e que deixam em segundo plano a rasteira discusso em torno da autoridade encarregada da investigao. Diante delas, por

    exemplo, pouco importa ou nada importa o que diga o STF sobre a possibilidade de

    o MP investigar ou no. Problemas muito mais graves permanecero intocveis.32

    Assim, na viso de Aury Lopes Jr. muito mais importante decidir como ser

    realizada a investigao ou inquisio do que definir qual ser o rgo encarregado pela

    adoo do respectivo sistema, pois, o fracasso est no prprio modelo de investigao e no

    naqueles que a esto conduzindo.

    Por fim, diante do exposto, tem-se que existe no mbito do Poder Judicirio,

    Legislativo e doutrina em geral grande controvrsia acerca da real legitimidade do Ministrio

    Pblico em atuar na investigao preliminar de ilcitos criminais e tambm, com relao a

    ausncia de uma discusso sobre o cerne do problema. Disparidade de entendimentos que

    persiste e, inclusive, est sendo tratada pelo Poder Legislativo e Judicirio, como ser

    explicitado no captulo seguinte.

    32

    LOPES JR. Aury. Direito Processual Penal. 10 edio, editora Saraiva, So Paulo, 2013, pg. 347.

  • 22

    2. ANLISE DO RECURSO EXTRAORDINRIO N 593727 E DA

    PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUIO N 37 DE 2011, PONTOS

    RELEVANTES PARA DEBATE

    2.1. A fixao da controvrsia

    Da observncia de decises judicias do Supremo Tribunal Federal, na atualidade, fica

    clara por parte daquela corte uma tendncia em legitimar a atuao investigativa do Ministrio

    Pblico na seara criminal.

    No entanto, at meados do ano de 2003 no havia chegado ao Supremo Tribunal

    Federal a questo da inconstitucionalidade dos poderes de investigao do Ministrio Pblico,

    porm, o Superior Tribunal de Justia estava decidindo a questo sob a tica da legitimidade

    ou no da respectiva atuao na seara criminal, como se constata da jurisprudncia que segue:

    RECURSO ORDINRIO EM MS N 12.357 - RJ (2000/0086240-1) RELATOR :

    MINISTRO VICENTE LEAL

    EMENTA

    RECURSO ORDINRIO EM MANDADO DE SEGURANA. PROCESSUAL

    PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATRIO. MINISTRIO PBLICO.

    POSSIBILIDADE. BUSCA E APREENSO. FUNDADAS RAZES.

    LEGALIDADE. - Competindo ao Ministrio Pblico promover, privativamente, a

    ao penal pblica, servindo o inqurito policial apenas de instrumento informativo

    para formar sua opinio delicti, no h bice legal que, diretamente ou por meio da

    autoridade policial, obtenha os elementos de convico para propositura da

    demanda. - Inexiste direito lquido e certo a ser amparado na via estreita do mandado

    de segurana, na hiptese em que medida cautelar de busca e apreenso foi deferida

    com base em forte indcios de irregularidades, a fim de que no desaparecessem

    elementos de provas. - Recurso ordinrio improvido.33

    No Superior Tribunal de Justia, conforme pesquisa jurisprudencial, atravs do

    respectivo endereo eletrnico daquele rgo do Judicirio, verificou-se que, embora sendo

    uma matria bastante controvertida na doutrina, foi pacificado no mbito desse Tribunal que o

    Ministrio Pblico possui legitimidade para atuar na investigao criminal.

    33

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STJ. RMS n 12357. Disponvel em:

    Acesso

    em: 06 abr. 2013.

  • 23

    Na esteira do voto condutor da deciso proferida no Recurso Ordinrio em Mandado

    de Segurana n 12.357, conduzido pelo Relator Ministro Vicente Leal e publicado no Dirio

    de Justia na data de 05.05.2003 pg. 321, foi improvido o recurso do impetrante com base

    no art. 129, inciso VI da Constituio Federal (129, VI - expedir notificaes nos

    procedimentos administrativos de sua competncia, requisitando informaes e documentos

    para instru-los, na forma da lei complementar respectiva) e tambm a lei 75/93, que dispe

    no seu art. 8 sobre a possibilidade da instaurao de procedimentos administrativos

    investigatrios. Ainda, o Relator referiu que:

    "Ora, se compete ao Ministrio Pblico promover, privativamente, a ao penal

    pblica, servindo o inqurito policial apenas de instrumento informativo para formar

    sua opinio delicti, nada obsta que, diretamente ou por meio da autoridade policial,

    obtenha os elementos de convico para propositura da demanda...

    ...Nessa linha de raciocnio, no h qualquer ilegalidade no procedimento

    investigatrio instaurado pelo Ministrio Pblico para a apurao de ilcitos

    criminais, no estando adstrito requisio de inqurito policial...

    ...Alis, como diz expressamente a letra do artigo 39, 5, do Cdigo de Processo

    Penal, em consonncia com a atual Constituio Federal, o inqurito policial pea

    dispensvel, na hiptese em que o Ministrio Pblico tenha elementos suficientes

    para a propositura de ao penal.34

    Assim, considerando o entendimento do Superior Tribunal de Justia, ficou assentado

    que aos membros do Ministrio Pblico assegurada a possibilidade de instaurar

    procedimentos investigatrios na seara criminal, haja vista que, em resumo, o Inqurito

    Policial pea informativa e dispensvel, e tambm, devido ao fato de ser atinente sua

    funo o oferecimento da denncia seria imprescindvel que este busque por meios prprios

    sua opinio delicti (opinio delitiva), sem o auxlio da Polcia Judiciria.

    No entanto, questionada a constitucionalidade do referido procedimento, junto ao

    Supremo Tribunal Federal, houve deciso em sentido contrrio na anlise do Recurso em

    Habeas Corpus n 81.326, fixando a controvrsia no mbito dos Tribunais Superiores,

    conforme ementa a seguir transcrita:

    RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS 81.326-7 DISTRITO FEDERAL

    RELATOR: MINISTRO NELSON JOBIM

    EMENTA: RECURSO ORDINRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTRIO

    PBLICO. INQURITO ADMINISTRATIVO. NCLEO DE INVESTIGAO

    CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF.

    34

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STJ. RMS n 12357. Disponvel em:

    Acesso

    em: 06 abr. 2013.

  • 24

    PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAO. INQUIRIO.

    ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE A Portaria que criou o Ncleo

    de Investigao Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no mbito do

    Ministrio Pblico do Distrito Federal, no que tange a publicidade, no foi

    examinada no STJ. Enfrentar a matria neste Tribunal ensejaria supresso de

    instncia. Precedentes. 2. INQUIRIO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.

    ILEGITIMIDADE. A Constituio Federal dotou o Ministrio Pblico do poder de

    requisitar diligncias investigatrias e a instaurao de inqurito policial (CF, art.

    129, VIII). A norma constitucional no contemplou a possibilidade do parquet

    realizar e presidir inqurito policial. No cabe, portanto, aos seus membros inquirir

    diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligncia nesse

    sentido autoridade policial. Precedentes. O recorrente delegado de polcia e,

    portanto, autoridade administrativa. Seus atos esto sujeitos aos rgos hierrquicos

    prprios da Corporao, Chefia de Polcia, Corregedoria.

    Recurso conhecido e provido.35

    O supra referido acrdo foi publicado no Dirio de Justia na data de 01.08.2003, na

    pgina 142 e teve como Relator o Ministro Nelson Jobim, natural da Cidade de Santa Maria,

    pertencente ao Estado do Rio Grande do Sul. Tal deciso ocorreu pouco menos de 3 meses

    aps a publicao de acrdo proferido no Superior Tribunal de Justia no Recurso Ordinrio

    em Mandado de Segurana n 12.357, tambm objeto deste estudo, conforme as pginas

    22/23, e que assegurou ao Ministrio Pblico a legitimidade para atuar na investigao

    criminal.

    O Recurso Ordinrio em Habeas Corpus n 81.326-7, proveniente do Distrito Federal,

    teve como origem uma notificao para que o investigado, um Delegado de Polcia, viesse a

    comparecer ao Ncleo de Investigao Criminal e Controle Externo da Atividade Policial a

    fim de ser ouvido em Procedimento Administrativo Investigatrio Supletivo PAIS, atravs

    do ofcio 313/00 de 11 de abril de 2000 e para fins de apurao de fatos que configuram

    crime, que at aquele momento no haviam sido esclarecidos. Contra a respectiva requisio

    do Ministrio Pblico do Distrito Federal o investigado se insurgiu no mbito do Tribunal de

    Justia daquele Estado e tambm no Superior Tribunal de Justia, sendo ambos indeferidos,

    por alegada legitimidade daquele rgo em proceder s investigaes no mbito criminal, sem

    a necessidade do auxlio da Polcia Judiciria, neste caso, a Polcia Federal.36

    35

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STF. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 81.326-7. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013. 36

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STF. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 81.326-7. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013.

  • 25

    Na esteira da deciso do Tribunal de Justia do Distrito Federal e do Superior Tribunal

    de Justia, legitimando a atuao do Ministrio Pblico no caso concreto, o Relator Ministro

    Nelson Jobim se insurgiu fazendo amplo relato histrico e considerando as razes que

    levaram o constituinte originrio a no inserir os respectivos poderes investigatrios para os

    membros daquele rgo, como a seguir transcrito em trechos extrados do voto condutor:

    ...a controvrsia no nova. Fao breve exposio sobre sua evoluo histrica.

    Em 1936, o Ministro da Justia VICENTE RO, tentou introduzir, no sistema

    processual brasileiro, os juizados de instruo.

    A comisso da Segunda Seco do Congresso Nacional do Direito Judicirio,

    composta pelos Ministros BENTO DE FARIA, PLNIO CASADO e pelo Professor

    GAMA CERQUEIRA, acolheu a tese anteprojeto de reforma do Cdigo de Processo

    Penal.

    Ela, entretanto, no vingou.

    Na exposio de motivos do Cdigo de Processo Penal o Ministro FRANCISCO

    CAMPOS ponderou acerca da manuteno do inqurito policial.

    Leio, em parte, a ponderao:...O preconizado juzo de instruo, que importaria

    limitar a funo da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a

    materialidade dos crimes e indica testemunhas, s praticvel sob a condio de que

    as distncias dentro do seu territrio de jurisdio sejam fcil e rapidamente

    superveis...

    Prossigo.

    A POLCIA JUDICIRIA exercida pelas autoridades policiais, com o fim de

    apurar as infraes penais e a sua autoria (CPP, art. 4).

    O inqurito policial o instrumento de investigao penal da POLCIA

    JUDICIRIA.

    um procedimento administrativo destinado a subsidiar o MINISTRIO PBLICO

    na instaurao da ao penal.

    A legitimidade histrica para conduo do inqurito policial e realizao das

    diligncias investigatrias, de atribuio exclusiva da polcia...

    ...Na Assembleia Nacional Constituinte (1988), quando se tratou de questo do

    CONTROLE EXTERNO DA POLCIA CIVIL, o processo de instruo voltou a ser

    debatido.

    Ao final, manteve-se a tradio.

    O Constituinte rejeitou as Emendas 945, 424, 1.025, 2.905, 20.524, 24.266 e 30.513,

    que, de um modo geral, davam ao MINISTRIO PBLICO a superviso, avocao

    e o acompanhamento da investigao criminal...

    ...A norma constitucional no contemplou, porm, a possibilidade do mesmo realizar

    e presidir inqurito penal.

    Nem a Resoluo 32/97.

    No cabe, portanto, aos seus membros, inquirir diretamente pessoas suspeitas de

    autoria de crime...37

    Portanto, a problemtica com relao possibilidade de o Ministrio Pblico realizar

    diligncias investigatrias na seara criminal foi amplamente discutida antes e tambm,

    durante o ato de elaborao da Constituio de 1988, sendo todas as propostas nesse sentido

    rejeitadas. No caso concreto, em que um Delegado de Polcia recebeu notificao para

    37

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STF. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 81.326-7. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013.

  • 26

    comparecimento em procedimento investigatrio, por suposta prtica de ilcito criminal, foi

    sopesado ainda, que a competncia administrativa para investigar os atos praticados naquela

    seara, na verdade, esto sujeitos aos rgos hierrquicos prprios da corporao, por exemplo,

    a Corregedoria de Polcia, no havendo a possibilidade de uma autoridade estranha ser

    legitimada para o ato.38

    Nesse sentido, no voto proferido a ttulo de registro pelo Presidente poca da Corte

    Suprema, o Ministro Carlos Velloso, no Recurso Ordinrio em Habeas Corpus n 81.326-7,

    analisou a questo da possibilidade do Ministrio Pblico de realizar investigaes na seara

    criminal, da seguinte forma: No lhe cabe, pois, fazer s vezes da Polcia Federal ou da

    Polcia Civil. Assim, foi decidido no mbito do Supremo Tribunal Federal que a

    Constituio Federal de 1988 no permite a concluso pela legitimidade do Ministrio

    Pblico atuar diretamente na investigao de suposta prtica criminosa praticada por

    Delegado de Polcia.39

    Analisando o caso supra, em sua obra, Lenio Luiz Streck e Luciano Feldens diferem

    totalmente das concluses levadas a termo pelo ento Relator Ministro Nelson Jobim,

    partilhando do entendimento de que o apanhado histrico realizado no pode ser considerado,

    pois, a respectiva tcnica interpretativa pode levar a decises no condizentes com a realidade

    ftica, haja vista as inmeras mudanas sociais que foram implementadas naquele perodo,

    como por exemplo, a mudana do papel do Ministrio Pblico com a Constituio de 1988,

    sua desvinculao do Poder Executivo, sua institucionalizao, etc. 40

    Assim, houve a fixao da controvrsia com relao possibilidade de o Ministrio

    Pblico realizar diligncias investigatrias na seara criminal, primeiro, proveniente de

    decises do Superior Tribunal de Justia, legitimando sua atuao na respectiva seara e

    posteriormente, havendo deciso contrria no mbito do Supremo Tribunal Federal, ambos

    com fundamentaes diversas sobre a mesma temtica, ora em estudo. Controvrsia essa, que

    se alastrou pela doutrina e at o momento no foi pacificada.

    38

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STF. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 81.326-7. Disponvel em:

    Acesso em: 06 abr. 2013. 39

    Revista Eletrnica de Jurisprudncia do STF. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 81.326-7. Disponvel em:

    Acesso em: 06 abr. 2013. 40

    STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituio: a legitimidade da funo investigatria

    do Ministrio Pblico. Rio de Janeiro, editora forense 2006, pg. 71.

  • 27

    2.2. Anlise do Recurso Extraordinrio n 593727

    O Recurso Extraordinrio n 593727 discute a constitucionalidade dos poderes

    investigatrios do Ministrio Pblico, frente problemtica criada pela interpretao da

    referida instituio, no sentido de ser possvel sua atuao investigativa na seara criminal e

    tambm, do entendimento dos tribunais inferiores e do Superior Tribunal de Justia em

    contrariedade ao entendimento exarado pelo guardio da Constituio, o Supremo Tribunal

    Federal.

    Nesse contexto, foi iniciado julgamento pelo plenrio do Supremo Tribunal Federal,

    no qual se discute a irresignao do Recorrente com relao ao acrdo do Tribunal de Justia

    do Distrito Federal, que em suma, disps ser possvel a realizao de diligncias

    investigatrias por parte do titular da Ao Penal Pblica, prevalecendo a mxima do in dubio

    pro societate (em favor da sociedade). Ainda, refere que o Ministrio Pblico pode buscar

    diretamente indcios de autoria e materialidade, a fim justificar e trazer elementos para

    formao da sua opino delicti, e assim apresentar a respectiva denncia, que in casu (no caso)

    foi recebida, conforme ementa que segue41

    :

    PROCESSO CRIME DE COMPETNCIA ORIGINRIA PCO-CR N 1.0000.06.444038-1/000

    EMENTA: PROCESSO-CRIME DE COMPETNCIA ORIGINRIA -

    ACUSAO DE DELITO DE DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL -

    DENUNCIADO PREFEITO MUNICIPAL - DENNCIA - PLAUSIBILlDADE -

    PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS - RECEBIMENTO. Na fase pr-

    processual de recebimento ou no da denncia, deve prevalecer a mxima 'in dubio

    pro societate, oportunidade em que se possibilita ao titular da ao penal ampliar o

    conjunto probatrio. No sendo o caso de rejeit-la de incio (art. 43 e incisos, CPP),

    deve ser recebida a denncia que descrever corretamente os fatos, imputar prtica de

    crimes em tese, qualificar o acusado e apresentar rol de testemunhas. Denncia

    recebida. PROCESSO CRIME DE COMPETNCIA ORIGINRIA - PCO-CR N

    1.0000.06.444038-1/000 -COMARCA DE IPANEMA.42

    41

    Informativo do STF. Informativo n 671 de 18 a 22 de junho de 2012. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013. 42

    Consulta Processual do STF. Recurso Extraordinrio n 593727. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013.

  • 28

    Preliminarmente, o colegiado teve de dirimir controvrsia acerca do pedido de

    adiamento da sesso para fins de que fosse colhido o parecer formal do Procurador Geral da

    Repblica, no entanto, tal pretenso do recorrente foi inferida sob o argumento de que seria

    desnecessria uma manifestao formal, pois, seria realizada sustentao oral pelo mesmo.43

    Dando prosseguimento sesso, o Presidente Ministro Ayres Brito concedeu a palavra

    ao Relator do processo o Ministro Cezar Peluso, para leitura do relatrio, que apenas elucidou

    os pontos relevantes tratados no presente caso, seja no mbito da acusao e da defesa, e

    ainda, os motivos para concesso da repercusso geral pelo Supremo Tribunal Federal. Aps,

    de imediato, foi concedida a palavra ao advogado do Recorrente, que assinalou a relevncia

    do caso para fins de observncia dos ditames da vigente Constituio Federal e ainda, fez

    escoro histrico acerca da matria, ressaltando que antes de 1988 o Ministrio Pblico

    sequer possua a exclusividade para promover a ao penal pblica e, que embora tenha sido

    modificado o papel do Ministrio Pblico as questes atinentes ao poder investigatrio do

    Parquet foram amplamente discutidos na Constituinte e em outras propostas de Emenda

    Constitucional posteriores, sendo todas rechaadas pelo legislador.44

    Tambm, chamou ateno ao fato de que o legislador, na atualidade, para dirimir

    discusses sobre o tema, busca expressamente delimitar a funo investigatria na seara

    criminal, como competncia privativa da Polcia Judiciria, por meio da Proposta de Emenda

    Constitucional n 37 de 2011. Assinalou ainda, que o Ministrio Pblico estadual e federal

    legislou sobre a matria por meio de resolues, estabelecendo o rito do procedimento

    investigatrio na seara criminal, porm, as mesmas so objeto de diversas aes diretas de

    inconstitucionalidade ainda sem julgamento definitivo. Por fim, requereu o provimento do

    recurso.45

    Em seguida, resolvendo questo de ordem suscitada pelo Procurador Geral de Justia,

    para o fim de assentar a legitimidade de os membros do Ministrio Pblico dos Estados

    proferirem sustentao oral em processo por estes originariamente promovidos, o Relator

    43

    Informativo do STF. Informativo n 671 de 18 a 22 de junho de 2012. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013. 44

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 1/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013. 45

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 1/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013.

  • 29

    Ministro Cezar Peluso asseverou que possvel o Parquet exercer de forma simultnea o

    papel de fiscal da lei e de parte no processo, sob pena de excluir-se um dos sujeitos da relao

    processual. Assim, em meio s controvrsias foi decidido, por maioria, que possvel o

    Procurador do Ministrio Pblico dos Estados fazer sustentaes orais diretamente no

    Supremo Tribunal Federal, haja vista que so rgos independentes entre si e h precedentes

    nesse sentido.46

    Concedida a palavra aos membros do Parquet, o Procurador do Ministrio Pblico do

    Estado de Minas Gerais e o Procurador Geral da Repblica, estes fizeram amplo destaque

    modificao do papel da instituio aps a promulgao da Constituio de 1988, ampliando

    suas possibilidades de atuao na seara civil e criminal, e ainda, ressaltaram que o

    entendimento dos tribunais tm se assentado no sentido de que no h monoplio ou

    exclusividade da investigao criminal por parte da Polcia Judiciria e que deve ser

    observada a teoria dos poderes implcitos, pois, quando a norma estende ao agente um poder

    tambm implicitamente deve conceder os meios para tal. Assim, sendo a investigao direta

    faculdade exercida para fins de formao da opinio delicti e verificando-se que a atitude da

    instituio tem possibilitado um maior xito em causas de grande vulto, como por exemplo,

    de desvio de verbas pblicas, provenientes da corrupo, pugnou pelo improvimento do

    recurso.47

    Aps a manifestao das partes, o Relator Ministro Cezar Peluso iniciou a leitura do

    seu voto, ressaltando que nos diversos pases conhecidos que adotam um sistema processual

    penal ambos possuem uma forma de investigao preliminar de responsabilidades, com

    funo preservadora da prova e preparatria da ao judicial. Justificou a necessidade de uma

    ampla e correta investigao do suposto delito a fim de evitar acusaes infundadas, pois, as

    consequncias negativas do processo penal so imensurveis para o acusado, mesmo que este

    venha a ser absolvido posteriormente. Lembrou ainda, que a sociedade hodiernamente cria um

    esteretipo de culpa do acusado, porm, ressalvou que possvel ser dispensado o Inqurito

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    Informativo do STF. Informativo n 671 de 18 a 22 de junho de 2012. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013. 47

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 1/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013.

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    Policial quando por outro meio se tenha buscado elementos suficientes ao ajuizamento de uma

    ao na seara criminal.48

    Analisando, o caso em anlise concluiu que o organismo competente para a

    investigao e a preservao dos meios de prova a Polcia Judiciria, em observncia ao art.

    144 1, I, II, IV, e 4 da Constituio Federal, e do art. 4 do Cdigo de Processo Penal, que

    impem a respectiva competncia. Quanto suscitada competncia do Ministrio Pblico

    para a apurao de infraes penais destacou que para elucidao do tema deve ser analisado

    qual o conjunto de atividades que foram atribudos pela Constituio ao referido rgo,

    delimitando sua funo, para aps, verificar se o mesmo competente para o ato e, por fim,

    perquirir acerca do procedimento juridicamente regulado para que a instituio possa

    transformar em atos a funo e a competncia outorgada pela Carta Magna.49

    Nesse contexto, declarou que as funes institucionais do Ministrio Pblico esto

    taxativamente arroladas nos incisos do art. 129 da Constituio Federal de 1988, no havendo

    qualquer disposio expressa no sentido de permitir que a instituio realizasse investigao e

    instruo preliminar da ao penal. Explicou que a tese defendida pelo parquet advm de

    interpretao conjugada da Constituio, do Cdigo de Processo Penal, da Lei Orgnica

    Nacional do Ministrio Pblico e da Lei Orgnica do Ministrio Pblico da Unio, e ainda,

    asseverou quais os principais argumentos jurdicos utilizados pela instituio para justificar a

    prtica dos referidos atos.50

    Rebatendo os argumentos do Ministrio Pblico, frisou que caso a Constituio tivesse

    pretendido atribuir funo investigativa essa instituio ela o teria feito de forma expressa,

    como no caso do inciso III do art. 129 do referido texto legal, que dispe sobre a promoo do

    inqurito civil pblico e da ao civil pblica, no havendo portanto, norma implcita que

    justifique o posicionamento. H ainda, no texto constitucional norma expressa que exige a

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    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 2/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013. 49

    Informativo do STF. Informativo n 671 de 18 a 22 de junho de 2012. Disponvel em:

    Acesso em: 06 abr. 2013. 50

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 2/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013.

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    requisio das diligncias investigatrias e instaurao de inqurito Polcia Judiciria,

    distinguindo este rgo do Ministrio Pblico.51

    Expressamente a Constituio teria atribudo Polcia Judiciria a funo de

    investigar o suposto delito e ao Ministrio Pblico caberia acusao em juzo. Alm disso,

    cabe a esta instituio o controle externo da atividade policial, haja vista que devem ser

    resguardados os direitos fundamentais do prprio cidado contra eventuais abusos, sendo

    necessria a fiscalizao heternoma dessa atuao. Assim, concluiu que extrair do texto

    constitucional, a competncia para investigao e instruo preliminar da ao penal seria

    fraudar a norma imposta, sendo a teoria dos poderes implcitos inaplicvel, pois, conforme

    doutrina de Jos Afonso da Silva, esta apenas aplicada espcie no silncio da Constituio,

    ou seja, se esta outorgou a qualquer rgo o meio para consecuo do fim previsto no h que

    falar na respectiva teoria.52

    Da anlise da Lei Orgnica Nacional do Ministrio Pblico, da Lei Orgnica do

    Ministrio Pblico da Unio e das resolues regulamentando procedimentos investigatrios,

    o Relator observa que as mesmas no poderiam, sem incorrer em inconstitucionalidade,

    atribuir funes e competncias reservadas s instituies policiais, servindo apenas, como

    instrumento operacional para o exerccio das competncias atribudas pela Constituio

    Federal ao Ministrio Pblico. Explicou que a regra constitucional pela exclusividade da

    investigao na seara criminal a cargo da Polcia Judiciria, porm, a regra no absoluta e

    comporta excees como, por exemplo, as Comisses Parlamentares de Inqurito, que devem

    estar expressamente dispostas em lei, sob pena de serem estes atos praticados margem da

    legalidade, princpio fundamental das normas na seara criminal e administrativa.53

    Em resumo, o Relator votou no sentido de dar provimento ao recurso para anular ab

    initio (desde o incio) a ao penal, fazendo constar que ao Ministrio Pblico autorizada a

    atuao investigatria e instrutria da ao penal apenas em situaes excepcionais e

    taxativas, expressamente dispostas em lei. Fez meno ao fato de que a dispensabilidade do

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    Informativo do STF. Informativo n 671 de 18 a 22 de junho de 2012. Disponvel em:

    . Acesso em: 06 abr. 2013. 52

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 2/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013. 53

    Pleno do STF. Relator s admite investigaes em casos excepcionais 2/2. Youtube, publicado em 22.06.2012.

    Disponvel em: . Acesso em: 13 abr. 2013.

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    Inqurito Policial por si s no autoriza a instituio para a prtica do ato e que, em

    observncia aos ditames constitucionais no possvel estender ou interpretar a norma

    margem da legalidade. Ressaltou tambm, que no h um rgo responsvel pela fiscalizao