TCC Versao Final

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Universidade Anhanguera - UniderpRede de Ensino Luiz Flvio Gomes

A POLTICA CRIMINAL ADOTADA NO BRASIL EM TORNO DAS DROGAS

RAFAEL MATEUS

CHAPEC,

2010 RAFAEL MATEUS

A POLTICA CRIMINAL ADOTADA NO BRASIL EM TORNO DAS DROGAS

Monografia apresentada ao Curso de PsGraduao em Cincias Penais na modalidade Formao para Mercado de Trabalho, como requisito parcial obteno do grau de especialista em Cincias Penais. Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flvio Gomes

Orientador: Prof Adriano Mendes Barbosa

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CHAPEC, 2010 TERMO DE ISENO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessrios, que isento completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flvio Gomes, e os professores indicados para compor o ato de defesa presencial de toda e qualquer responsabilidade pelo contedo e idias expressas na presente monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plgio comprovado. Chapec, 10 de novembro de 2010.

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DEDICATRIA

Dedico o trabalho a minha esposa Gabriela e ao meu filho Guilherme que sempre estiveram ao meu lado e nessa conquista que agora se realiza.

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AGRADECIMENTOS

Agradeo a Deus e a todas as pessoas que sempre estiveram ao meu lado, em especial a minha famlia, meu maior alicerce.

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S o tempo dir se os caminhos tomados so os melhores.

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RESUMO

O presente trabalho tem como tema a poltica criminal adotada no Brasil em torno das drogas, sendo que para tanto se deu uma ateno inicialmente histria que cerca o uso das drogas, bem como sobre a evoluo da legislao que com o passar do tempo procura cuidar das questes a ela atinentes, sem, contudo, deixar de dar uma ateno a definio que atualmente envolve as drogas. Nessa parte do estudo se viu que as drogas esto presentes no meio social desde longa data, no havendo momento da histria em que se no exista resqucios de seu uso. Alm disso, na primeira parte do trabalho, foi possvel verificar que a legislao brasileira, que procura criminalizar o uso e o comrcio de drogas, deu seus primeiros passos atravs das Ordenaes Filipinas, que traziam em seu bojo regras que determinavam a criminalizao de tais condutas. Depois disso, vrias foram as normas que cuidaram das questes atinentes as drogas, contudo, sempre com uma viso focada na represso e no na preveno e recuperao do usurio, que s aconteceu, a princpio, no inicio de sculo XXI. Superada essa parte do trabalho passou-se a analisar a Lei 11.343/06, que a atual norma legal que cuida das questes referentes s drogas, Com base no estudo se verificou que a lei trouxe avanos e tratou de cuidar no s da represso, mas tambm da preveno e ateno ao usurio e dependentes. Por fim, na ltima parte do trabalho se concluiu que a Lei 11.343/06 trouxe significativos avanos em relao ao trato do combate ao uso e trfico de drogas, contudo, ainda carece de eficcia social, ou seja, falta-lhe a capacidade de efetivamente atingir com os seus objetivos sociedade. Palavras-chave: Drogas; Lei 11.343/06; Ineficcia social.

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ABSTRACT

This work is subject to criminal policy adopted in Brazil around drugs, and for much of the attention initially gave a story about drug use, as well as on the development of legislation that seeks to spend time caring for issues relating to it, without, however, fail to give attention to a definition that currently involves drugs. At this time we have seen that drugs are present in the social long-standing, with no time in history that there is no traces of its use. Moreover, in the first part could be verified that the Brazilian legislation that seeks to criminalize the use and the drug trade took its first steps through the Filipinas, who brought in their wake rules that determine the criminalization of such conduct. After that, there were several rules that took care of issues surrounding drugs, however, always as a vision focused on repression rather than on prevention and recovery of the user, which only happened at first, in early twenty-first century. Overcome this part of the job we started to analyze Law 11.343/06, which is the current legal standard of care issues regarding drugs, Based on the study it was found that the law has surged ahead and took care not only of repression, but also prevention and attention to patient and dependents. Finally, the last part of the work is concluded that Law 11.343/06 brought significant advances in relation to dealings in the fight against drug trafficking and use, however, still lacks social efficiency, ie, it lacks the ability to effectively achieve their goals with the company. Keywords: Drugs, Law 11.343/06, social inefficiency.

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SUMRIO

INTRODUO............................................................................................................10 1 DROGAS: EVOLUO HISTRICA E LEGAL................................................11 1.1 O USO DAS DROGAS AO LONGO DO TEMPO..........................................11 1.2 A CRIMINALIZAO DAS DROGAS NO BRASIL: CONTEXTO HISTRICO E LEGISLAO...................................................................................................13 2 A LEI 11.343/06 E A POLTICA DE REPRESSO AS DROGAS....................19 2.1 A LEI 11.343/06: ORIGEM E OBJETIVOS....................................................19 2.2 A LEI 11.343/06: NORMAS GERAIS.............................................................20 2.3 A LEI 11.343/06/06: DOS CRIMES E PENAS...............................................24 3 A POLTICA CRIMINAL ADOTADA NO BRASIL EM TORNO DAS DROGAS ..............................................................................................................................30 3.1 DROGAS: UM DESAFIO PARA O ESTADO E SOCIEDADE...................30 3.2 O ESTADO E AS POLTICAS DE COMBATE AO USO E TRFICO DE DROGAS..............................................................................................................33 CONCLUSO..............................................................................................................36 REFERNCIAS...........................................................................................................39 LOURIDO JUNIOR, Joo Evaldo dos Santos. Drogas: A Classe Mdia Frente Lei 11.343/2006. Set. 2007. Disponvel em: . Acesso em: 10.01.2011..........................................................................................40

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INTRODUO

As drogas talvez sejam um dos maiores desafios para o Estado e para a sociedade, o que demonstra a necessidade de atitudes firmes e inteligentes, bem como de polticas pblicas eficientes no sentido de combater esse mal que se alastra. Elas so responsveis pela desestruturao da famlia e prtica de muitos ilcitos penais que ocorrem diariamente junto ao meio social e que muitas vezes afetam bens jurdicos relevantes das vtimas. Outro lado negativo relacionado s drogas o fato de que grande parcela da populao carcerria do pas composta por pessoas que se envolveram com drogas e dificilmente abandonam a atividade. Em virtude dessa realidade, como apontado, preciso se criar as condies necessrias para se enfrentar o problema que parece no ceder, mas, ao contrrio, mostra uma fora enorme no sentido de elevar os atuais ndices que j se mostram preocupantes. Como a Lei 11.343/06 o atual diploma legal que procura indicar os caminhos que se devem seguir para se atacar o uso e o trfico de drogas, procurase atravs do estudo, verificar, com base nela, e na realidade brasileira, at que ponto as atuais polticas dirigidas queles fins so eficazes e o que se pode delas esperar. Para tanto, no primeiro captulo do trabalho, se fez uma abordagem em torno da histria que cerca o uso das drogas, bem como sobre a evoluo da legislao que ao passar do tempo procura cuidar das questes a ela atinentes. Alm disso, na primeira parte deu-se tambm uma ateno legislao brasileira que procura criminalizar o uso e o comrcio de drogas. J no segundo captulo a ateno se inclina Lei 11.343/06, que a atual norma legal que cuida das questes referentes s drogas, de forma a analisar a sua origem e objetivos, as suas normas gerais e as que cuidam dos crimes e respectivas penas, para s depois, no terceiro e ltimo captulo, verificar-se com base nela e na realidade brasileira, at que ponto as atuais polticas dirigidas ao combate do uso e trfico de drogas so eficazes e o que se pode esperar delas.

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1 DROGAS: EVOLUO HISTRICA E LEGAL Nesta primeira parte do trabalho faz-se uma abordagem em torno da histria que cerca o uso das drogas, bem como sobre a evoluo da legislao que com passar do tempo procura cuidar das questes a ela atinentes. Contudo, como no poderia deixar de ser, d-se, tambm, uma ateno a definio que atualmente envolve as drogas, sem se esquecer de citar as que mais comumente esto presentes no meio social. E ao dar incio ao captulo faz-se uma incurso na histria que cerca o uso das drogas que, como vai se ver, remonta as pocas mais pretritas.

1.1 O USO DAS DROGAS AO LONGO DO TEMPO

O uso de drogas, embora parea ser algo recente, faz parte da realidade humana desde as pocas mais remotas, sendo essa tese amplamente defendida pelos autores que cuidam do tema.1 Avelino (2010, p. 01) um dos que possui essa posio visto que anota que:O consumo de substncias no produzidas pelo organismo humano, capazes de atuar sobre um ou mais de seus sistemas e de produzir alteraes em seu funcionamento, algumas delas classificadas atualmente como drogas, acompanha a humanidade desde seus primrdios.

Carvalho e Moreira (2009, p. 1), por seu lado, quando escrevem sobre a histria que cerca o uso de drogas, lembram que [...] sabido que o consumo de drogas remonta os primrdios da humanidade, havendo registros do consumo de pio e Cannabis em 3.000 A.C. Num primeiro momento, a princpio, as drogas eram usadas em rituais, cerimnias e para aliviar a dor como lembra Figueiredo (2003, p. 205-206), ao expor que:

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Moraes (2008, p. 1) quando enfrenta o tema aponta que A utilizao de drogas pelo ser humano j ocorria desde as civilizaes antigas, como os egpcios e os maias, inclusive os ndios brasileiros, que j possuam tcnicas para fabricao rudimentar de substncias calmantes, alucingenas ou curativas, retiradas, basicamente, de frutos, cascas de rvores e fluidos de animais.

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Embora seja um assunto da atualidade, estampado diariamente nos noticirios de TV, jornais e revistas, o uso das drogas no recente. Relatos de sua utilizao, por civilizaes anteriores, so encontrados em diversas literaturas. De acordo com a United Nations International Drug Control Programme (UNDCP) (2003), a humanidade tem usado drogas desde os tempos mais remotos, principalmente para aliviar a dor ou durante rituais, cerimnias ou festividades. Assim, desde pocas passadas, o homem conhece substncias que alteram seu estado psquico.

Apesar das drogas acompanharem a humanidade desde longa data, certo que as primeiras referncias escritas acerca de plantas e substncias psicoativas extradas das mesmas surgem somente a partir de 4000 a. c. Nesse sentido Avelino (2010, p. 01) assinala:Com o advento da escrita, em 4.000 a.C, tem incio, utilizando-se o recurso didtico da periodizao da histria, a Idade Antiga, em que se destaca o surgimento de duas principais formas de organizao socioeconmica: as sociedades baseadas no regime de servido coletiva (sociedades asiticas) e as sociedades escravistas (em especial, as sociedades grega e romana). So desse perodo as primeiras referncias escritas acerca de plantas e substncias psicoativas extradas das mesmas.

Especificamente sobre o uso de drogas na Grcia e em Roma, cabe anotar que, geralmente, eram usadas como mecanismo de cura ou de recreao, sendo que em momento algum revelaram nesse perodo serem objeto de perturbao social. (AVELINO, 2010, p. 01). Contudo, apesar dessa realidade, na Idade Mdia, com a ascenso da Igreja, o uso das drogas passa a ser considerado como uma heresia, o que determina a perseguio daqueles que as utilizam. Mas, com a expanso martima determinadas drogas passaram a ser fonte de lucro de alguns pases, a exemplo, da Inglaterra que adquiria o pio na ndia e repassava principalmente para o territrio Chins, o que com o passar dos anos levou a Guerra do pio protagonizada entre Inglaterra e China. (AVELINO, 2010, p. 01). Alm disso, o tabaco, na Amrica espanhola, junto com a coca, representavam tambm fonte de lucro, tendo, inclusive, a Igreja se beneficiado da venda dessa ltima, atravs da cobrana de impostos. (AVELINO, 2010, p. 01). Superada a Guerra do pio e passados alguns anos, a China abandona as restries em torno da produo de pio em seu territrio e passa a permiti-la, o que logo a elava grande produtora da droga.

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Avelino (2010, p. 02) lembra que o declnio no rendimento da explorao do pio desencadeou o surgimento de polticas contrrias ao trfico de respectiva droga em toda a Europa e tambm nos Estados Unidos da Amrica. Nos Estados Unidos, proximamente dos anos de 1860 e 1880, apesar de muitas drogas terem sido alvo de estudo e servirem para o tratamento de problemas relacionados sade, nasce um movimento no sentido do proibicionismo, como ensina Avelino (2010, p. 02) ao revelar que:Apesar de no constituir-se, nesse perodo, como problema de ordem jurdica ou poltica, inicia-se toda uma movimentao contrria s drogas, em especial por parte da sociedade norte-americana que, baseada em princpios morais, atribui a tais substncias, capazes de alterar comportamentos, a causa da degradao social no mundo ps-revoluo industrial. Um dos fatores primordiais que conduziram a essa ainda impbere mudana de perspectiva foi a associao do consumo de drogas violncia e a classes sociais menos abastadas

O movimento do proibicionismo foi to intenso que redundou com o passar do tempo, atravs de presso poltica, na Conferncia de Xangai de 1909, que envolve 13 pases, e que segundo Avelino (2010, p. 02):Apesar de no ter produzido os resultados prticos almejados pela delegao norte-americana, como a elaborao de determinaes impositivas acerca das drogas, a Conferncia de Xangai representou o marco inicial da preocupao internacional sobre entorpecentes, estabelecendo as bases para a realizao de outras Conferncias.

Depois disso vrias outras conferncias foram realizadas com o objetivo de atacar a expanso do comrcio e uso de drogas, as quais muitas foram patrocinadas pelos Estados Unidos. Feito isso, passa-se a analisar, a seguir, a criminalizao das drogas no Brasil.

1.2 A CRIMINALIZAO DAS DROGAS NO BRASIL: CONTEXTO HISTRICO E LEGISLAO

A legislao brasileira, que procura criminalizar o uso e o comrcio de drogas, deu seus primeiros passos atravs das Ordenaes Filipinas, que traziam em seu bojo regras que determinavam a criminalizao de tais condutas. Carvalho (2006, p. 05) lembra disso ao escrever que:

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A criminalizao do uso, porte e comrcio de entorpecentes no Brasil aparece quando da instituio das Ordenaes Filipinas (Livro V, Ttulo LXXXIX que ningum tenha em caza rosalgar, nem o venda, nem outro material venenoso). E se o Cdigo Penal Brasileiro do Imprio (1830) nada mencionava sobre a proibio do consumo ou comrcio de entorpecentes, a criminalizao ser retomada com a Codificao da Repblica.

Mas, como alertado pelo prprio autor, o Cdigo Penal do Imprio silenciou a respeito do tema, de forma que a matria que s foi objeto de interveno estatal novamente, atravs do Cdigo de 1890, como anota Carvalho (2006, p. 06), ao acentuar que:Com a edio do Cdigo de 1890, passou-se a regulamentar os crimes contra a sade pblica, previso que encontrou guarida no Ttulo III da parte especial (Dos crimes contra a tranqilidade pblica). Juntamente com a incriminao do exerccio irregular da medicina (art. 156); da prtica de magia e espiritismo (art. 157), do curandeirismo (art. 158); do emprego de medicamentos alterados (art. 160) [...].

No mesmo sentido Olinger (2010, p. 03) comenta que j na Repblica Velha, mencionava o trfico de entorpecentes como crime no artigo 159 do captulo III dos crimes contra a sade pblica, inserido no ttulo III dos crimes contra a tranqilidade pblica Mais a frente, no incio do sculo XX, com o aumento do uso do pio e haxixe, sobretudo nos crculos intelectuais e na aristocracia urbana, ocorre edio de novos regulamentos sobre o uso e venda de substncias psicotrpicas (CARVALHO, 2006, p. 06). Olinger (2010, p. 03) em explanao sobre o assunto esclarece que:J em 1921, na esteira da participao diplomtica brasileira nos encontros diplomticos da dcada de 1910, editado o decreto 4294, que estabelece penalidades para os contraventores na venda de cocana, pio, morfina e seus derivados; cria um estabelecimento especial para a internao dos intoxicados pelo lcool ou substncias venenosas, estabelece as formas de processo e julgamento e manda abrir os crditos necessrios

Contudo, apesar disso ter ocorrido, Carvalho (2006, p.06), lembra que foi somente com os decretos 780/36 e 2953/38, que ganha impulso a luta contra as drogas no Brasil, sendo afirmada a poltica proibicionista que tem no Cdigo Penal um de seus alicerces. Carvalho (2006, p. 07) sobre a questo ensina que:O cdigo Penal cuidava da matria no artigo 281 que rezava que: importar ou exportar, vender ou expor venda, fornecer, ainda que a ttulo gratuito, transportar, trazer consigo, ter em depsito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira entregar ao consumo substancia entorpecente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar.

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Seguindo-se com a histria, cabe anotar que Carvalho (2006, p. 08), esclarece que [...] o ingresso definitivo do Brasil no cenrio internacional de combate s drogas ocorrer somente aps a instaurao da Ditadura Militar, com a aprovao e promulgao da Conveno nica sobre Entorpecentes pelo Decreto 54.216/64, subscrito por Castelo Branco. Agora importante frisar que com o Decreto-Lei 385/68, o usurio passa a receber o mesmo tratamento que aquele que comercializa a droga, contudo, como alerta Olinger (2010, p. 03), embora a norma tenha assim tratado o tema:Este ltimo no foi aceito pelo poder judicirio devido ao tratamento igual dado a crimes desiguais, pois gerava confronto com a jurisprudncia da poca, que absolvia usurios de drogas e afirmava ser o dependente uma pessoa doente, gerando, assim, completa inimputabilidade, assim ento revogado em 1971 pela Lei 5726.

Passados mais alguns anos, entra em vigor a Lei 6368/762, que segundo Moraes e Smanio (2006, p.130) [...] tem como finalidade o combate toxicomania: o trfico de entorpecentes (importar, exportar, vender), sua entrega ou exposio ao consumo e sua utilizao (art. 16). Em torno da Lei 6368/76, por seu lado, Carvalho (2006, p. 15), adverte que:Assim, no que concerne ao plano poltico-criminal, a Lei 6368/76 manter o histrico discurso mdico-jurdico, com a diferenciao tradicional entre consumidor (dependente e/ou usurio) e traficante, na concretizao dos esteretipos consumidor-doente e traficante-delinqente. Outrossim, com a implementao gradual do discurso jurdico-poltico no plano da segurana pblica, figura do traficante ser agregado o papel (poltico) do inimigo interno, justificando as constantes exacerbaes de pena, notadamente na quantidade e na forma de execuo, que ocorrero a partir do final da dcada de setenta.

A Lei citada foi parcialmente alterada pela Lei 10.409/02, que trouxe algumas mudanas para o cenrio que envolve as drogas, como bem indicam Moraes e Smanio (2006, p. 131), quando anotam que:Em relao aos tipos penais, nada foi alterado, uma vez que os dispositivos da nova lei que descreviam os crimes foram inteiramente vetados. Assim, permanecem os tipos penais previstos na Lei 6368/76. No que se refere ao procedimento e instruo penal, as normas da Lei n. 10.409/02 revogaram as normas sobre os institutos no regulados pela lei nova.

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Rodrigues (2001, p. 33) sobre a Lei 6368/76 escreve que A Lei 6368/76 representa um sistema bem montado de represso ao txico, entrelaando-se com outras leis (a exemplo da Lei de Crimes Hediondos) e formando um mosaico altamente repressor. A prova que, adverte Genival Veloso de Frana, antes de se organizar um sistema de carter profiltico ou teraputico, municiou-se o aparelho policial e judicirio de uma mentalidade repressora, por interesses exclusivamente de poder, esquecendo-se dos rgos pedaggicos e sanitrios, certamente pelo interesse secundrio na recuperao do adicto.

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Ainda sobre a matria analisada, cumpre assinalar que a Constituio de 1988 em alguns momentos trata da questo das drogas em seu texto, o que j denotava a preocupao do Constituinte com um problema que j ganhava espao poca. O artigo 5, XLIII3 e LI4, por exemplo, assinalam que a lei considerar crime inafianvel e insuscetvel de graa ou anistia o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem e que nenhum brasileiro ser extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalizao, ou quando houver comprovao do envolvimento em trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins. Alm disso, a Constituio Federal de 1988 estabelece no artigo 243 5 que as reas de terras de qualquer regio do Pas onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrpicas sero imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de alimentos e plantas medicamentosas, sem qualquer indenizao ao proprietrio e sem prejuzo de outras sanes que a legislao preveja. No pargrafo nico do mesmo artigo a Carta Maior aponta, ainda, que todos os bens e valores apreendidos em decorrncia do trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins sero confiscados e revertidos em benefcio de instituies e outras pessoas especializadas no tratamento e recuperao de dependentes e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalizao, controle, preveno e represso ao trfico substncias entorpecentes3

Art. 5. XLIII - a lei considerar crimes inafianveis e insuscetveis de graa ou anistia a prtica da tortura, o trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evit-los, se omitirem. 4 Art. 5. LI - nenhum brasileiro ser extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalizao, ou de comprovado envolvimento em trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei. 5 Art. 243. As glebas de qualquer regio do Pas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrpicas sero imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentcios e medicamentosos, sem qualquer indenizao ao proprietrio e sem prejuzo de outras sanes previstas em lei. Pargrafo nico. Todo e qualquer bem de valor econmico apreendido em decorrncia do trfico ilcito de entorpecentes e drogas afins ser confiscado e reverter em benefcio de instituies e pessoal especializados no tratamento e recuperao de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalizao, controle, preveno e represso do crime de trfico dessas substncias.

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Todas

essas

questes

abordadas

pela

Constituio

refletem

a

preocupao que j havia em torno das drogas no momento em que se discutia a criao da nova ordem constitucional, conforme j destacado, o que at parecia uma premonio de que o problema se acentuaria a nveis alarmantes como hoje ocorre. J ao se voltar para o tema abordado, cabe anotar, ainda, sobre a legislao nacional que cuida da represso das drogas que com a Lei 9614/98 6, regulamentada pelo Decreto 5144/047, criou-se a possibilidade de abate de aeronaves hostis e suspeitas de trfico de entorpecentes e drogas afins. Para parte da doutrina, tais regras so inconstitucionais, pois abrem um grave precedente de imposio da pena de morte. Nessa linha Correia (2000, p. 01) acentua que:O legislador acaba por tentar instituir a pena de morte, sem que haja o estado declarado de guerra, sem o devido processo legal e, pior, retira do Poder Judicirio a exclusividade do julgamento ao permitir a derrubada ("abater") de aeronave civil, em deciso sumria de autoridade administrativa.

Contudo, embora existam os que assim se posicionam, cabe anotar que tambm h os que entendem o contrrio, ou seja, de que as normas, a princpio, se prestam sim a defesa de interesses maiores, como o caso de Beck (2009, p. 01) que aponta:No pertinente ao Decreto n. 5.144/04, contudo, a reclamada "segurana pblica" no estaria ameaada pela iminncia de um ataque terrorista, mas pela concretizao do trfico ilcito de drogas. A narcotraficncia,vista isoladamente, num primeiro momento pode parecer insuficiente para justificar a derrubada de uma aeronave e a morte de seus ocupantes. Visto o trfico ilcito de entorpecentes sob prismas mais amplos h que se considerar, todavia, que o resultado morte no lhe nem um pouco estranho.

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A lei 9614/98 acrescentou um pargrafo a Lei 7565//86, no caso o 2 que ganhou a seguinte redao: esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave ser classificada como hostil, ficando sujeito medida de destruio, nos casos dos incisos do caput deste artigo e aps autorizao do Presidente da Repblica ou autoridade por ele delegada. 7 Beck (2009, p. 01) sobre o Decreto-lei 5144/04 escreve que; O Decreto n. 5.144/04 tratou de estabelecer "os procedimentos a serem seguidos com relao a aeronaves hostis ou suspeitas de trfico de substncias entorpecentes e drogas afins, levando em conta que estas podem apresentar ameaa segurana pblica", cuidando o prprio legislador de arrolar as situaes nas quais a aeronave poder ser enquadrada como suspeita de estar a servir narcotraficncia: a) adentrar o territrio nacional, sem Plano de Vo aprovado, oriunda de regies reconhecidamente fontes de produo ou distribuio de drogas ilcitas; b) omitir aos rgos de controle de trfego areo informaes necessrias sua identificao, ou no cumprir determinaes destes mesmos rgos, se estiver cumprindo rota presumivelmente utilizada para distribuio de drogas ilcitas. O artigo 4, por sua vez, sentencia: "a aeronave suspeita de trfico de substncias entorpecentes e drogas afins que no atenda aos procedimentos coercitivos descritos no art. 3 ser classificada como aeronave hostil e estar sujeita medida de destruio."

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Realmente se forem consideradas as inmeras vtimas que restam do uso das drogas at que se pode chegar a uma concluso diversa da que admite a inconstitucionalidade de tais regras, devido instituir de modo indireto a pena de morte. Afora essas questes, por ltimo, cabe lembrar que, na atualidade, est em vigor a Lei 11.343/06, que foi publicada em 24 de agosto de 2006 e entrou em vigor 45 dias aps a sua publicao. Essa Lei, de uma forma geral trata, das questes afetas as drogas, como bem anota Gomes (2010, p. 01), ao escrever que:Irretorquvel se mostra a preocupao do legislador no apenas com a preveno do uso de substncias alucingenas, mas, sobretudo, no que se relaciona reinsero social do usurio de tais substncias. Tal constatao se faz patente ao analisarmos as sanes cominadas ao delito insculpido no artigo 28 da Lei de Drogas.

De fato com a Lei 11.343/06 se procura dar uma nova realidade poltica criminal que envolve o uso e o trfico de drogas no pas, que um dos grandes desafios do Estado e da sociedade. Como essa Lei vai ser objeto de anlise, no prximo captulo, no avana-se nesse momento sobre a discusso em torno dela. Por outro lado, ao finalizar este captulo, verifica-se que as drogas so uma realidade presente junto a humanidade desde os seus primrdios, onde serviam para amenizar a dor, bem como eram usadas em cerimnias e festas. Junto a isso, se pode concluir, tambm, que as drogas avanam nos seguidos perodos da histria, sendo, inclusive, responsvel por Guerra protagonizada por duas potncias do passado, que ainda se mantm. Por fim, resta falar, ainda, que no Brasil, a histria no diferente, posto que as drogas parecem tambm estar presentes em seu territrio desde os primeiros momentos, o que exigiu ao logo do tempo, a criao de regras que fizessem frente ao problema, que parece no ceder a fora das leis. Feito isso, como j alertado, passa-se a analisar, de forma especfica, a Lei 11.343/06, que criou o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas (SISNAD), bem como prescreve medidas para preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas e regras para represso produo e ao trfico ilcito de drogas.

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2 A LEI 11.343/06 E A POLTICA DE REPRESSO AS DROGAS

A Lei 11.343/06 de uma forma geral visa dar um novo formato a poltica estatal que envolve as drogas, que desde longa data j exigia uma posio diferente das anteriormente adotadas em relao ao problema. sobre essa Lei que se ocupa o captulo que agora se inicia, lembrando que com ele se procura apresentar os avanos e as crticas a referida norma, que procura dar uma nova dinmica ao enfrentamento dos problemas relacionados s drogas.

2.1 A LEI 11.343/06: ORIGEM E OBJETIVOS

Inicialmente cabe anotar que no final dos anos 90 o pas ainda no tinha uma poltica especfica para tratar a questo das drogas, mas somente o sempre criticado modelo repressivo. Olinger (2010, p. 04) lembra disso ao expor que at o Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil no tinha uma poltica especfica para tratar a questo das drogas, ou melhor, tinha, mas somente pela via da represso, e isso era feito de forma pouco coordenada ou planejada. Ainda sobre o tema, Olinger (2010, p. 04), assinala que:Com o crescimento do comrcio de drogas ilcitas nos anos 90 surgiram iniciativas estatais mais especficas para combater o problema, e a passase tambm a desenvolver projetos voltados a preveno. O primeiro passo foi a elaborao do SIVAM (que apesar no ter sido idealizado exclusivamente para o enfrentamento do problema, tinha dentre seus objetivos coibir o trfico na regio amaznica).

Mas, o passo definitivo para se abandonar o modelo repressivo foi dado atravs de um Decreto presidencial no ano de 2000, que criou o Sistema Nacional Antidrogas (SISNAD). Essa norma legal foi substituda pela Lei 11.343/06 que foi a responsvel pelo Sistema Nacional de Polticas Pblicas Sobre Drogas (SISNAD). Olinger (2010, p. 04-05) lembra que:

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O principal objetivo do sistema integrar as atividades de represso ao uso indevido, do trfico ilcito, e da produo no autorizada de substncias entorpecentes e drogas que causem dependncia fsica ou psquica; e preveno do uso indevido de substncias entorpecentes e drogas que causem dependncia fsica ou psquica, bem como aquelas relacionadas com o tratamento, recuperao e reinsero social de dependentes, tendo como integrantes todos os rgos e entidades da Administrao Pblica que exeram as atividades relacionadas.

Embora tenha esses objetivos, a Lei 11.343/06 no ficou alheia a crticas, uma vez que para alguns ela poderia ter avanado muito mais em relao a questo. Nesse sentido Pinheiro Jnior (2010, p. 01) expe que:Neste contexto, o legislador brasileiro deveria ter explorado com muito mais acuidade a fonte inspiradora da Lei n. 11.343/06 - a Conveno das Naes Unidas Contra o Trfico Ilcito de Entorpecentes e Substncias Psicotrpicas, a chamada Conveno de Viena - de forma a buscar uma resposta penal muito mais eficaz a to grave forma de delinqncia. Confrontando nossa nova Lei de Drogas com a legislao de outros pases, inspiradas ou no pela Conveno de Viena, chegaremos a triste concluso que a nossa nova Lei j no era to nova assim ao tempo de sua promulgao.

Distante das crticas, certo que a Lei 11.343/06, trouxe sim alguns avanos no que toca a poltica de enfrentamento das drogas, que no mais se projeta somente sob o antigo prisma da represso. Mas, embora tenha avanado na poltica de combate ao uso de trfico de drogas, certo que a norma, como visto, no est isenta de crticas de toda ordem. Como essas questes sero retomadas no terceiro captulo, quando se faz uma anlise crtica da atual realidade das polticas pblicas contra as drogas, no se avana nesse momento com a discusso sobre o tema. Por fim, uma vez superado o assunto agora estudado, passa-se, a seguir, a analisar a Lei 11.343/06, que, como visto, procura trazer uma nova realidade para as polticas de combate as drogas no Brasil.

2.2 A LEI 11.343/06: NORMAS GERAIS A Lei 11.343/06, conforme estabelece o seu artigo 18, institui o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas (SISNAD), indica medidas para8

Art. 1. Esta Lei institui o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas - SISNAD; prescreve medidas para preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas; estabelece normas para represso produo no autorizada e ao trfico ilcito de drogas e define crimes.

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preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas. Alm disso, ela tambm fixa regras para a represso e a produo no autorizada e o trfico ilcito de drogas, sendo que para isso, a partir do artigo 28, estabelece alguns tipos penais, os quais so objeto de estudo mais a frente. Agora algo que no se poderia deixar de anotar tambm, que para a Lei em estudo (pargrafo nico, do artigo 1), deve-se entender por drogas9 todas as substncias e produtos que so capazes de causar dependncia, conforme definido em lei ou em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da Unio. Assim, no por acaso que a maconha, a cocana, o crack e a herona dentre outras so consideradas como tais, visto que elas so substncias que causam dependncia s pessoas que as utilizam. Por outro lado, o artigo 310, da referida Lei, aponta que o Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas (SISNAD) tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a preveno do uso indevido, a ateno e a reinsero social de usurios e dependentes de drogas e a represso da produo no autorizada e do trfico ilcito de drogas. Assim, abandona-se a tradicional poltica de simples represso ao uso de drogas e passa-se tambm a se preocupar com a reinsero social dos usurios e dependentes de drogas, conforme defende Lourido Junior (2007, p.1), quando fala sobre o tema. Em virtude disso, que o artigo 5, da Lei 11.343/06, estabelece que so objetivos do Sistema Nacional de Polticas Pblicas sobre Drogas a contribuio para a incluso social das pessoas com vistas a afast-las das drogas, a promoo e construo e a socializao do conhecimento sobre drogas no pas, bem como a promoo e integrao entre as polticas de preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas e de represso sua produo e trfico ilcito.9

Para a doutrina, a exemplo de Lourido Junior (2007, p. 1), droga qualquer substncia capaz de produzir uma alterao em determinada funo biolgica atravs de suas aes qumicas. Na grande maioria dos casos, a molcula da droga interage com uma molcula especifica no sistema biolgico, que desempenha um papel regulador. 10 Art. 3 O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com: I - a preveno do uso indevido, a ateno e a reinsero social de usurios e dependentes de drogas; II - a represso da produo no autorizada e do trfico ilcito de drogas.

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Importante lembrar que alguns artigos da Lei 11.343/06 foram vetados, especificamente do artigo 9 ao 15, que, por serem considerados sem valia ou contrrios aos interesses do Poder Pblico, receberam a restrio do Poder Executivo. Avanando-se com a anlise da Lei, chega-se ao artigo 1811 que fixa devem ser entendidas como atividades de preveno do uso de drogas, todas aquelas dirigidas para a reduo dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoo e o fortalecimento dos fatores de proteo. Por outro lado, o artigo 1912 traz um rol extenso de princpios e diretrizes que devem ser observados quando da implementao das medidas e polticas de combate ao uso e trfico de drogas. Nele, est previsto, por exemplo, que preciso se reconhecer que o uso indevido de drogas um fator que interfere negativamente na qualidade de vidas pessoas e que quando da adoo de estratgias preventivas em relao ao uso e trfico de drogas, necessrio se levar em considerao s

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Art. 18. Constituem atividades de preveno do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a reduo dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoo e o fortalecimento dos fatores de proteo. 12 Art. 19. As atividades de preveno do uso indevido de drogas devem observar os seguintes princpios e diretrizes: I - o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferncia na qualidade de vida do indivduo e na sua relao com a comunidade qual pertence; II - a adoo de conceitos objetivos e de fundamentao cientfica como forma de orientar as aes dos servios pblicos comunitrios e privados e de evitar preconceitos e estigmatizao das pessoas e dos servios que as atendam; III - o fortalecimento da autonomia e da responsabilidade individual em relao ao uso indevido de drogas; IV - o compartilhamento de responsabilidades e a colaborao mtua com as instituies do setor privado e com os diversos segmentos sociais, incluindo usurios e dependentes de drogas e respectivos familiares, por meio do estabelecimento de parcerias; V - a adoo de estratgias preventivas diferenciadas e adequadas s especificidades socioculturais das diversas populaes, bem como das diferentes drogas utilizadas; VI - o reconhecimento do no-uso, do retardamento do uso e da reduo de riscos como resultados desejveis das atividades de natureza preventiva, quando da definio dos objetivos a serem alcanados; VII - o tratamento especial dirigido s parcelas mais vulnerveis da populao, levando em considerao as suas necessidades especficas; VIII - a articulao entre os servios e organizaes que atuam em atividades de preveno do uso indevido de drogas e a rede de ateno a usurios e dependentes de drogas e respectivos familiares; IX - o investimento em alternativas esportivas, culturais, artsticas, profissionais, entre outras, como forma de incluso social e de melhoria da qualidade de vida; X - o estabelecimento de polticas de formao continuada na rea da preveno do uso indevido de drogas para profissionais de educao nos 3 (trs) nveis de ensino; XI - a implantao de projetos pedaggicos de preveno do uso indevido de drogas, nas instituies de ensino pblico e privado, alinhados s Diretrizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas;XII - a observncia das orientaes e normas emanadas do Conad; XIII - o alinhamento s diretrizes dos rgos de controle social de polticas setoriais especficas.Pargrafo nico. As atividades de preveno do uso indevido de drogas dirigidas criana e ao adolescente devero estar em consonncia com as diretrizes emanadas pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criana e do Adolescente - Conanda.

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especificidades socioculturais das diversas populaes, bem como das diferentes drogas que so usadas. Agora importantes questes so trazidas pela Lei 11.343/06 a partir do artigo 2013, onde esto definidas as atividades de ateno e de reinsero social de usurios ou dependentes de drogas. Tais regras so pouco comentadas dentro da realidade jurdica, parecendo at que nem existem, uma vez que praticamente no h trabalhos ou abordagens em torno delas. Mas, embora isso ocorra certo que a Lei fixa como atividades de ateno ao usurio e dependente de drogas e respectivos familiares aquelas que busquem melhoria da qualidade de vida e reduo dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. J o artigo 2114 fixa que constituem atividades de reinsero social do usurio ou do dependente de drogas e respectivos familiares as que so direcionadas para sua integrao ou reintegrao em redes sociais. Todas essas aes devem obedecer as diretrizes e princpios apontados pelo artigo 2215 da Lei 11.343/06, que aponta como tais o respeito ao usurio e ao dependente de drogas, a adoo de estratgias diferenciadas de ateno e reinsero social do usurio e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais, a definio de projeto teraputico individualizado, orientado para a incluso social e para a reduo de riscos e de danos sociais e sade, a ateno ao usurio ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possvel, de forma multidisciplinar e por equipes13

Art. 20. Constituem atividades de ateno ao usurio e dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas que visem melhoria da qualidade de vida e reduo dos riscos e dos danos associados ao uso de drogas. 14 Art. 21. Constituem atividades de reinsero social do usurio ou do dependente de drogas e respectivos familiares, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para sua integrao ou reintegrao em redes sociais. 15 Art. 22. As atividades de ateno e as de reinsero social do usurio e do dependente de drogas e respectivos familiares devem observar os seguintes princpios e diretrizes: I - respeito ao usurio e ao dependente de drogas, independentemente de quaisquer condies, observados os direitos fundamentais da pessoa humana, os princpios e diretrizes do Sistema nico de Sade e da Poltica Nacional de Assistncia Social; II - a adoo de estratgias diferenciadas de ateno e reinsero social do usurio e do dependente de drogas e respectivos familiares que considerem as suas peculiaridades socioculturais; III - definio de projeto teraputico individualizado, orientado para a incluso social e para a reduo de riscos e de danos sociais e sade; IV - ateno ao usurio ou dependente de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possvel, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais; V - observncia das orientaes e normas emanadas do Conad; VI - o alinhamento s diretrizes dos rgos de controle social de polticas setoriais especficas.

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multiprofissionais, a observncia das orientaes e normas emanadas do Conad, e o alinhamento s diretrizes dos rgos de controle social de polticas setoriais especficas. Mais uma regra importante da Lei analisada, a que est disposta no artigo 26 que aponta que o usurio e o dependente de drogas que, em razo da prtica de infrao penal, estiverem cumprindo pena privativa de liberdade ou submetidos a medida de segurana, tm garantidos os servios de ateno sua sade, definidos pelo respectivo sistema penitencirio. Essas so as principais regras de cunho geral que revela a Lei 11.343/06, que, como visto, visam primordialmente a promoo do combate ao uso e trfico de drogas, com uma ateno voltada ao dependente e ao usurio. Mas, em que pese a norma assim se posicione certo que a eficcia das diretivas da Lei 11.343/06 esto distantes da realidade que deveriam ter, uma vez que no se percebe junto a comunidade a eficcia social do contedo das regras antes estudadas. No querendo antecipar concluses, mas ao que parece as regras da Lei em comento sofrem do mesmo mal das demais leis no pas, ou seja, so amplamente favorveis populao abstratamente, contudo, concretamente deixam muito a desejar. A falta de eficcia social da Lei 11.343/06, um dos temas que ser retomado mais a frente, razo pela qual, no aprofunda-se a discusso em torno dele nesse momento, lembrando que, a seguir, trata-se dos crimes e penas definidos pela Lei 11.343/06.

2.3 A LEI 11.343/06/06: DOS CRIMES E PENAS A Lei 11.343/06 a partir do artigo 2816 estabelece alguns tipos penais a comear pelo tipo legal do uso e posse de txico para uso prprio.16

Quem adquirir, guardar, tiver em depsito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar ser submetido s seguintes penas: I - advertncia sobre os efeitos das drogas; II - prestao de servios comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

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Em tal artigo est previsto que ilcito penal adquirir, guardar, tiver em depsito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, estando o autor da conduta sujeito as penas de advertncia sobre os efeitos das drogas, prestao de servios comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Assim, na atualidade, o usurio de drogas no mais alcanado por pena restritiva de liberdade, como ocorria quando ainda estava e vigor a Lei 6368/76, que previa, no artigo 1217, a pena de recluso para aqueles que tivessem consigo ou fizessem uso de drogas. Para a doutrina, o fato do artigo 28 da Lei 11.343/06, ter suprimido a privativa de liberdade ao usurio, fez com que a conduta do usurio fosse descriminalizada. Andreucci (2009, p. 29), nesse sentido lembra que para mnima parcela da doutrina ptria, a nova redao descriminaliza o porte de droga para uso prprio, uma vez que no prev mais a pena privativa de liberdade ao usurio de drogas [...]. Mas, apesar de fazer esse alerta, Andreucci (2009, p. 29) adverte que:No houve, entretanto, a descriminalizao da posse de droga para consumo prprio, mas apenas diminuio da carga punitiva, pois a nova lei, mesmo tratando mais brandamente o usurio, manteve a conduta como crime, fixando-lhe, dentre outras medidas, a pena de medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, obrigando-o a se tratar, coisa que no acontecia na legislao anterior, ante a permissividade da Lei n. 9099/95, poderia ele transacionar com o Ministrio Pblico, recebendo apenas pena de multa ou pena restritiva de direitos.

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Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depsito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substncia entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar: Pena - recluso, de 3 (trs) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. 1 Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente: I importa ou exporta, remete, produz, fbrica, adquire, vende, expe venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depsito, transporta, traz consigo ou guarda matria-prima destinada a preparao de substncia entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica; II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas preparao de entorpecente ou de substncia que determine dependncia fsica ou psquica. 2 Nas mesmas penas incorre, ainda, quem: I - induz, instiga ou auxilia algum a usar entorpecente ou substncia que determine dependncia fsica ou psquica; II - utiliza local de que tem a propriedade, posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, para uso indevido ou trfico ilcito de entorpecente ou de substncia que determine dependncia fsica ou psquica; III - contribui de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o trfico ilcito de substncia entorpecente ou que determine dependncia fsica ou psquica.

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Na mesma linha, Gomes (2010, p. 01), ao comentar posio de Luiz Flvio Gomes sobre a descriminalizao da posse de droga para consumo prprio, assinala que:Com a devida vnia, apesar do brilhantismo da obra do renomado autor e dos vastos argumentos por ele ofertados, entendemos que o fato continua a ter a natureza de crime. Por primeiro, levando-se em considerao que a Nova Lei inseriu o artigo 28 em seu Captulo III, relativo aos crimes e s penas. Por segundo, as sanes s podem ser aplicadas por juiz criminal e no por autoridade administrativa, sem olvidar da necessidade da observncia do devido processo legal. Por terceiro, o artigo 1 da Lei de Introduo ao Cdigo Penal traa to-somente as diretrizes para diferenciar crime de contraveno penal, de tal sorte que as penas ali sugeridas no devem ser entendidas como estabelecidas em numerus clausus.

Rogrio Greco (apud Gomes, 2010, p. 01), por seu lado, anota sobre o artigo 28 da Lei 11.3243/06 que:[...] houve, na verdade, foi uma despenalizao, melhor dizendo, uma medida to-somente descarcerizadora, haja vista que o novo tipo penal no prev qualquer pena que importe em privao de liberdade do usurio, sendo, inclusive, proibida sua priso em flagrante, conforme se desume da redao constante do pargrafo 2 do art. 48 da Lei Antidrogas.

Ao resumir as suas concluses sobre a regra escrita no artigo 28 da Lei 11.343/06 Gomes (2010, p. 01) aponta que:A conduta tipificada no artigo 28 da Lei de Drogas, apesar da aparente incoerncia, isto , mesmo no trazendo uma pena privativa de liberdade em sua arquitetura normativa, quer de recluso, quer de deteno, no constitui uma infrao sui generis como suscitado por alguns doutrinadores. H, sim, uma norma penal incriminadora que elege uma sano alternativa como forma de reprimenda.

Ao que parece realmente o artigo agora discutido no descriminalizou a posse de droga para consumo prprio, mas simplesmente optou por penalizar ela com uma pena mais leve, como se pode ver da prpria redao da lei. Superada essa questo, cabe anotar que no artigo 33 18 est prevista a figura penal do trfico de drogas que para Andreucci (2009, p. 49):Ocorre com a prtica de qualquer das aes constantes da figura tpica, independentemente de qualquer outro resultado. H modalidades de condutas que constituem crimes instantneos (adquirir, fornecer, vender, etc.) e outras que constituem crimes permanentes (ter em depsito, guardar, expor venda, etc.).

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Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar: Pena - recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

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No artigo 33, da lei 11.343/06, consta uma das mais elevadas penas da Lei estudada, e nem poderia ser diferente, uma vez que aquele que trafica deve ter sim uma pena exemplar, para que de fato coloque fim a esse tipo de conduta to deplorvel, que incentiva o uso indiscriminado de drogas. Importante lembrar, ainda, que o pargrafo 1, do artigo 33, assinala que nas mesmas penas incorre quem importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expe venda, oferece, fornece, tem em depsito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, matria-prima, insumo ou produto qumico destinado preparao de drogas, semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matria-prima para a preparao de drogas, e utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administrao, guarda ou vigilncia, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, para o trfico ilcito de drogas. Na verdade, o que faz o pargrafo 1, atacar situaes que contribuem para que o trfico possa ocorrer, posto que nele se inserem aes que visam dar sustentao preparao e distribuio das drogas. J o artigo 3419, do mesmo diploma legal, expe que se trata de crime o fato de se fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer ttulo, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinrio, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado fabricao, preparao, produo ou transformao de drogas, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamenta. Aqui, a Lei tambm procurar fazer frente as situaes que servem de alicerce para que o trfico ganhe espao, ou seja, procura atacar o problema na raiz, fazer com que o trfico seja atacado em seu ponto inicial. Depois disso, a Lei 11.343/06, prev no artigo 35, o tipo penal de associao para o trfico, no artigo 36 o financiamento ou custeio da prtica de19

Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer Ttulo, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinrio, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado fabricao, preparao, produo ou transformao de drogas, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar:

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qualquer dos crimes previstos no artigo 33 e 34, no artigo 37 a colaborao como informante, com grupo, organizao ou associao destinados prtica de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33 e 34, no artigo 38 a prescrio ou fornecimento culposo de drogas, sem que delas necessite o paciente, ou faz-lo em doses excessivas ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar, e no artigo 39 a conduo de embarcao ou aeronave aps o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Nos artigos agora citados a norma criminaliza outras aes, que de alguma forma contribuem para que o trfico de drogas ocorra, a exemplo do financiamento ou custeio dele, bem como a associao para o comrcio de drogas. Depois disso, a Lei 11.343/06, no artigo 39, traz a figura penal que envolve a conduta de conduzir embarcao ou aeronave aps o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, a qual deve ser penalizada com reprimenda de deteno, de 6 meses a 3 anos, alm da apreenso do veculo, cassao da habilitao respectiva ou proibio de obt-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 a 400 diasmulta. Esses seriam, ento, os crimes que define a Lei 11.343/06, com o objetivo de reprimir as condutas que envolvem o trfico de entorpecentes, que como se viu, abarcam uma srie de aes que so dirigidas para a facilitao do comrcio de drogas. Sobre a Lei 11.343/06, compete anotar, ainda, que ela a partir do artigo 40, estabelece algumas circunstncias de aumento de pena, indica situaes de diminuio da pena, aponta para o procedimento penal a ser adotado no caso dos crimes que cuida (investigao, instruo criminal, apreenso, arrecadao, e destinao de bens do acusado etc.). Alm dessas questes a referida norma fixa tambm em seu texto regras de cooperao internacional e outras disposies a respeito da matria que cuida. Por fim, ao se concluir este captulo, cabe assinalar que a Lei 11.343/06 trouxe avanos significativos no que toca a poltica nacional sobre drogas, conforme se pde ver nesse momento do trabalho, a exemplo da ateno dada ao usurio e ao dependente que ganham maior espao nessa nova realidade. 28

Contudo, como j antecipado, apesar da norma apresentar tais mudanas e evolues certo que nem sempre ela tem mostrado a eficcia das regras que contm. E exatamente sobre essas questes que vai se falar, a seguir, ou seja, sobre a realidade da poltica nacional sobre drogas.

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3 A POLTICA CRIMINAL ADOTADA NO BRASIL EM TORNO DAS DROGAS

Nesta ltima parte do trabalho, como j havia sido alertado, fazem-se alguns apontamentos em torno da poltica criminal adotada no Brasil sobre as drogas. No pretende-se discutir as razes que levam ao aumento do consumo das drogas, mas sim somente a eficcia das regras que atualmente servem de sustentao para as polticas pblicas que visam o enfrentamento do problema relacionado s drogas.

3.1 DROGAS: UM DESAFIO PARA O ESTADO E SOCIEDADE

Nos dias atuais, as drogas tm se mostrado como um grande desafio tanto para o Estado como sociedade, que no tm conseguido alcanar resultados satisfatrios quando enfrentam a questo. Em funo dessa realidade, o problema relacionado s drogas algo que vem atormentando a coletividade, uma vez que tem aumentado significativamente o nmero de pessoas que se tornam usurias e dependentes de entorpecentes. E os resultados negativos que decorrem do uso das drogas so os mais amplos possveis, posto que como bem alerta Ibiapina (2008, p. 1):[...] a paz social sofre grave abalo pelo desequilbrio que a conduta do usurio provoca no grupo social de sua convivncia (lar, trabalho ou escola). [...] estabelecido o vcio, a chaga de incio aberta passa a atormentar a sociedade, quer pela diminuio da fora produtiva de seus componentes, pois a vtima da droga nada produz; quer pela sobrecarga de trabalho que impe ao corpo social, compelido a custear despesas havidas pelo sistema pblico de sade com o tratamento de toxicmanos; quer pelo aumento de criminalidade; quer pelos inegveis reflexos negativos projetados no campo da seguridade social.

Assim, a dependncia das drogas, de forma direta ou indireta, afeta as famlias, bem como os interesses do Estado, que o responsvel pela busca do bem comum. Ressalte-se que a desestruturao de muitas famlias fruto do uso de drogas por um ou mais de seus membros, que depois de se tornarem dependentes trazem a violncia e outros problemas conexos para o seio familiar.

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Alm disso, muitos dos crimes praticados atualmente so perpetrados por pessoas que tm nos ilcitos a fonte pecuniria para manter a dependncia das drogas, quando no se socorrem ao prprio patrimnio da famlia para fazer frente aos gastos com os entorpecentes. Especificamente sobre essa questo, cumpre lembrar que a Lei 11.343/06, d tratamento benevolente para o usurio e o dependente de drogas, que no mais esto sujeitos a pena restritiva de liberdade, mas somente a outras de cunho pedaggico e restritivas de direito (advertncia sobre os efeitos das drogas; prestao de servios comunidade; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo). Embora parte da doutrina aplauda a iniciativa, certo tambm que parte dela no a apia, uma vez que entende que, como o trfico alimentado financeiramente pelos usurios e dependentes, no seria correto deixar de punir severamente, justamente, aqueles que do sustentao financeira ao comrcio de drogas. Nessa linha Fidelis (2007, p. 1) expe que:A lei se apresenta contraditria, a meu ver, quando aplica penas alternativas ao usurio/dependente, quando as penas restritivas de direitos sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro e, aqui, contudo, adquiriram natureza autnoma, e tem como penalidade mxima a auferida aos financiadores e custeadores do trfico. A todos sabido que o aumento da violncia est diretamente ligada ao trfico ilcito de entorpecentes. O "crime organizado", assim denominado para se contrapor ao "Estado desorganizado", movimenta cifras vultuosas, todos os anos, e em sua maioria geradas pela venda de drogas. Isso pblico e notrio. Desta forma, como pode o legislador deixar de incluir o comprador na lista dos custeadores do trfico? Pior: como pode o legislador ser to condescendente com aqueles que alimentam o trfico e, conseqentemente, a violncia.

Para piorar a situao, muitas das famlias que possuem dependentes, se veem presas a um problema que parece no ter soluo e que muitas vezes reflete na desintegrao do grupo familiar, como j apontado. A problemtica se acentua ainda mais, quando se percebe que nem ao menos existem entidades pblicas que se propem a cuidar e recuperar os usurios e dependentes, que jogados a prpria sorte buscam socorro nas poucas casas de recuperao, que so mantidas com dificuldades pela vontade de poucas pessoas que lutam diariamente para buscar uma realidade diferente para aqueles sujeitos.

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Em virtude do que se escreveu at o momento, se percebe o quanto ineficaz a atual poltica de enfrentamento de combate ao uso e trfico de drogas, que ganham espao a cada dia que passa, embora exista legislao que procure orientar a atuao do Poder Pblico frente ao problema. No Brasil muito comum as leis serem criadas, mas ao final no serem eficazes, a exemplo de muitas regras da Constituio, que revelam direitos e garantias, mas que ao final no chegam s pessoas. Com a atual poltica que procura enfrentar as drogas a realidade tambm no diferente. Na verdade, o que ocorre no pas que as leis, em alguns casos, so eficazes juridicamente, mas no socialmente, posto que capacidade de gerar de efeitos elas possuem, contudo, as suas premissas no se tornam realidade junto a populao. Sarlet (2009, p. 237), quando fala sobre a eficcia das normas, muito bem esclarece que:[...] de acordo com a concepo j clssica de Jos Afonso da Silva, nada obstante a ntima conexo entre ambos os conceitos, h que distinguir entre eficcia social da norma (sua rela obedincia e aplicao no plano dos fatos) e a eficcia jurdica, que segundo sustenta o ilustre publicista ptrio, designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurdicos, ao regular, desde logo, as situaes, relaes e comportamentos nela indicados; nesse sentido, a eficcia diz respeito aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicao jurdica. Possibilidade e no efetividade.

Assim, quando uma norma aplicada a um caso concreto e gera efeitos fala-se em eficcia social da norma, ao passo que diferentemente disso, s se poder falar em eficcia jurdica quando referir-se ao plano abstrato, ou seja, a sua simples capacidade de produzir efeitos jurdicos. Essa a realidade que cercava e ainda envolve as regras que procuram enfrentar o comrcio e o uso de drogas, uma vez que a Lei 11.343/06, embora fixe e aponte vrias iniciativas e instrumentos de combate a tais condutas, poucos resultados tm mostrado. Em parte, a falta de eficcia social das normas em geral, a exemplo, da Lei 11.343/06, pode ser creditada ao Estado que no tem demonstrado capacidade para enfrentar as mazelas sociais que lhe desafiam, dentre as quais se insere o problema relacionado s drogas.

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Muitas so as leis, os programas e ferramentas que poderiam dar uma nova realidade para os problemas que o pas enfrenta, contudo, poucas so as iniciativas que efetivamente conseguem se sobressair. Em virtude dessa situao, se percebe que no atravs de novas leis que vai se conseguir enfrentar ou melhorar os desafios sociais que se impem ao Estado e a sociedade, mas sim com atitudes firmes e capazes de fazer valer o que as atuais regras legais determinam. Essa concluso muito bem serve, tambm, para a problemtica que envolve o uso e o trfico de drogas, uma vez que acima de tudo necessrio se procurar fazer com as atuais normas realmente consigam atingir os seus objetivos, ou seja, alcancem a sua eficcia social e no fiquem somente num plano abstrato, como de costume. Assim, parece que o que se deve fazer inicialmente para buscar uma nova realidade para as polticas contra as drogas a eficcia das leis existentes e no, como sempre se faz de costume, buscar novas alternativas legais para o enfrentamento dos problemas sociais, a exemplo, do uso e comrcio de drogas que desafiam o Estado e a sociedade.

3.2 O ESTADO E AS POLTICAS DE COMBATE AO USO E TRFICO DE DROGAS

Neste ltimo tpico do trabalho fazem-se alguns apontamentos sobre a necessidade do Poder Pblico efetivamente assumir o seu papel na poltica de combate ao uso e trfico de drogas. Tal abordagem feita, pois durante a realizao da pesquisa foi visto que, o que muitas vezes falta para uma poltica ser eficaz uma atuao mais forte, mais presente do Estado, que normalmente no atua como deveria. Para se chegar a essas concluses nem mesmo se precisa socorrer a doutrina, posto que a prpria realidade mostra isso, no sendo poucos os casos em que a omisso do Estado revela a ineficcia de muitos programas do Poder Pblico. Assim, para que efetivamente se possa buscar uma nova realidade para a poltica de enfrentamento do uso das drogas necessrio que o Estado assuma a 33

sua posio e crie as condies para que os rgos pblicos possam de fato trabalhar no sentido de buscar uma nova realidade que cerca esse grave problema que atinge grande parcela da populao brasileira. Para isso, como se viu, no item anterior, preciso fazer com que as normas legais efetivamente sejam observadas e colocadas em prtica, sem o que, dificilmente se conseguir atingir os objetivos perseguidos por qualquer poltica ou programa estatal, bem como qualquer norma legal. Mas, para que consiga alcanar a eficcia social das normas, independentemente da ordem que ocupem, preciso que o Estado saia de sua letargia e atue de forma positiva, tal qual deve ocorrer para que os direitos sociais prestacionais tenham eficcia, como bem lembra Sarlet (2009, p. 282), quando ensina que [...] os direitos sociais prestacionais [...] tm por objeto precpuo conduta positiva do Estado, consistente numa prestao de natureza ftica. Os apontamentos feitos pelo autor, muito bem servem para o caso das drogas, em que preciso que o Estado atue de forma positiva e firme, sem o que no conseguir enfrentar o problema, que no pode ser vinculado a legislao vigente, que embora tenha avanado, carece dos problemas das anteriores, que a falta de eficcia social. O artigo 5, da Lei 11.343/06, por exemplo, estabelece que o SISNAD tem como um de seus objetivos a contribuio para a incluso social do cidado, visando a torn-lo menos vulnervel a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de drogas, seu trfico ilcito e outros comportamentos correlacionados, e a promoo e a integrao entre as polticas de preveno do uso indevido, ateno e reinsero social de usurios e dependentes de drogas e de represso sua produo no autorizada e ao trfico ilcito e as polticas pblicas setoriais dos rgos do Poder Executivo da Unio, Distrito Federal, Estados e Municpios. Contudo, embora a Lei fixe tais metas, muito pouco ou quase se v em relao a tais medidas que, apesar de serem importantes instrumentos de combate ao uso e trfico de drogas, no so colocadas em prtica, sendo prova disso a praticamente inexistncia de programas pblicos que visem reinsero social de usurios e dependentes de drogas.

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Esse um pequeno exemplo de situao que caso ganhasse espao, muito contribuiria para o enfrentamento do problema relacionado s drogas, uma vez que, na atualidade, uma das maiores dificuldades dos dependentes a recuperao, no s pela dificuldade de deixar s drogas, nas tambm pela falta de ambientes pblicos que lhes de a assistncia que precisam para se recuperar. Assim, com base no que se escreveu no trabalho e, principalmente, neste item, no h dvida de que o Estado precisa, acima de tudo, buscar a efetividade das polticas de combate s drogas, bem como procurar garantir a eficcia social das normas que tenham o mesmo objetivo, sem o que dificilmente conseguir ter xito em sua tarefa de combate ao uso de trfico de drogas.

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CONCLUSO

A pesquisa feita teve como objeto principal o estudo da atual poltica criminal adotada pelo Brasil em torno das drogas, com uma ateno especial destinada Lei 11.343/06, que indica os nortes a serem seguidos quando do enfrentamento dos problemas relacionados aos entorpecentes. Para se buscar os resultados pretendidos deu-se uma ateno a histria que cerca o uso das drogas e a evoluo da legislao, que como passar do tempo busca cuidar das questes a ela atinentes, para s depois cuidar da anlise da poltica atual em torno das drogas. Na primeira parte do trabalho em que se trabalhou a histria em torno das drogas e a legislao pretrita e atual que procura fazer frente ao problema, viuse que os entorpecentes esto presentes no meio social desde longa data e que no h como se afastar, tambm, da concluso de que no Brasil isso no diferente. Sobre essas questes, importante destacar que a histria revela que o consumo de drogas remonta os primrdios da humanidade, havendo registros do consumo de pio e Cannabis j em 3.000 A.C. Outras concluses da primeira parte do trabalho foram no sentido de que a legislao brasileira que procura criminalizar o uso e o comrcio de drogas deu seus primeiros passos atravs das Ordenaes Filipinas, que traziam em seu mago normas que determinavam a criminalizao de tais condutas. Alm disso, conclui-se, ainda, que at a entrada em vigor da Lei 11.343/06, as polticas pblicas de enfrentamento das questes relacionadas s drogas tinham como norte maior a represso, realidade esta que foi alterada pela Lei citada, que mostra uma preocupao maior com a preveno do uso de substncias alucingenas e a reinsero social do usurio. Mais a frente, j na segunda parte do trabalho, onde fez-se um estudo da Lei 11.343/06, verificou-se que ela trouxe avanos em relao ao trato das questes atinentes s drogas, embora venha sendo alvo constante de crticas, principalmente, pelo fato de no mais sujeitar o usurio e o dependente a pena restritiva de liberdade, conforme estabelece seu artigo 28. 36

Nessa parte do trabalho viu-se, tambm, que a Lei 11.343/06, traz em seu texto inmeras premissas e diretrizes que procuram orientar as polticas pblicas relacionadas ao combate ao uso e trfico de drogas. Ainda na segunda parte do trabalho, foi possvel observar que a atual de txicos estabelece uma srie de condutas que so consideradas como crime, as quais sujeitam os autores a penas, normalmente, restritivas de liberdade. Seguindo-se com o estudo, na terceira parte do trabalho, quando da inclinao do estudo para a anlise da poltica criminal adotada no pas, em torno das drogas, verificou-se que embora tenham se observados alguns avanos em relao ao combate do uso e trfico de drogas, ainda h muito que se fazer para que se alcance uma realidade, que de fato seja capaz de enfrentar o problema. Essas concluses emergem a partir do momento em que se constata que a Lei 11.343/06, sofre do mesmo mal que inmeras outras leis que se inserem no ordenamento jurdico nacional, ou seja, a falta de eficcia social, que reflete a ausncia da capacidade concreta da norma atingir os seus objetivos. Especificamente sobre a Lei 11.343/06, facilmente se percebeu que ela juridicamente uma norma eficaz, posto que trata praticamente de todas as questes relacionadas s drogas, dispondo sobre programas, diretrizes, instruo criminal, investigao dos delitos, dentre outras situaes, contudo, concretamente poucos so os resultados positivos que dela resultam, nas aes que visam reduzir o consumo e o trfico de drogas. Em funo dessa realidade parece que necessria uma postura mais forte do Estado nas aes que visam enfrentar o problema do uso e trfico de drogas, pois sem isso dificilmente se impor uma nova realidade nesse meio. Para tanto preciso antes de qualquer coisa maiores investimentos e maior capacitao dos agentes pblicos, alm da concretizao das diretrizes e princpios que constam da Lei 11.343/06, que estabelece uma srie de aes no sentido de equacionar o problema das drogas. Todas essas questes postas no trabalho conduzem a concluso de que no basta se criar novas leis para se enfrentar velhos problemas, como de costume no Brasil, uma vez que se deve em primeiro lugar fazer com que as j existentes consigam atingir os seus objetivos, que sejam eficazes socialmente, pois 37

se caso isso ocorrer, desnecessrio ser a criao de novas regras, visto que as vigentes, a partir da efetiva busca de eficcia social, podero dar a resposta esperada.

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REFERNCIAS

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