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Carlos Eduardo Gomes 4º Semestre Turma B Teoria da comunicação e percepcão Reflexão: LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. São paulo: Autêntica, 2004. Dar a ler...talvez Tudo que lemos, escutamos, vemos, faz com que de certa forma, mudemos os nossos discursos. No texto de Jorge Larrosa, ele faz uma abordagem do “dar a ler”, dar aquilo que não nos pertence, aquilo que recebemos e que terá de ser passado a diante. As palavras funcio- nam desta maneira, lemos, possuímos, e a partir disso formamos nossos “textos”, que doamos, para serem lidos e interpretados. “Há que se dar as palavras que recebemos(...) talvez dar a ler?” diz Lorrosa. A expressão “dar a ler”, explica-se por si só, nos doarmos a ler, entender, interpretar. Mas se ficarmos nessa linha de pensamento “confortável” de interpretação, não estamos nos dando a ler. Dar a ler é sair desta zona de conforto, é fazer com que a leitura vá mais a além da com- preensão tranquila, onde só lemos o que já sabemos ler. O autor fala de interrompermos o que já sabemos ler, ou seja, dar a ler, como se ainda não soubéssemos lê-la, a própria expressão. Dar a ler exige que dar outro sentido, outra possível interpretação a palavra que está comoda- mente em seu sentido comum. Para dar a ler é preciso esse gesto de problematizar o sentido evidente, desconhecer o conhecido, olhar com uma certa ilegibilidade, como se abríssemos uma questão, pensar sobre aquilo que já sabemos. Segundo o autor, “Dar a ler o que ainda não sabemos ler; Dar a pensar o que ainda não pensamos”. No texto, o autor cita como exemplo o poeta e o filósofo. O poeta em busca de um texto casto, ausente de clichês, que possamos saborear sem tédio, já o filósofo, de um discurso ilegí- vel, que provoque novas indagações. Em todos os casos, sair da barreira do comum, romper com o sentido comum. Precisamos sair desta situação confortável de interpretação da palavra ‘ler’, todos sabemos ler, discutimos leituras, mais talvez, ainda não sabemos o que é ler e como tem lugar a leitura. E a palavra ‘dar’? todos nós trocamos, damos e recebemos informações todos os dias, mas essa interpretação, não nos tira da nossa situação confortável de interpretação, mas levar a palavra dar a ilegível, e dar a ler a palavra ‘dar’. Na troca de informações, na própria comuni- cação, nossos discursos se modificam de acordo com as nossas experiências, novas leituras, a partir dos discursos que nos é dado e assim, ‘damos’ nossas palavras. Mas como dar aquilo que não possuímos? Não seria impossível? E é isso que o autor faz no texto, leva o termo ‘dar a ler’ ao ilegível, para que possamos dar a ler o próprio termo. Diante da dificuldade que nos encontramos ao tentarmos entender a expressão ‘dar a ler’, já estamos iniciando a lê-la, já estamos nos dando a ler a obscuridade do ‘ler’, e o impos- sível de ‘dar’, segundo o autor. O texto explica que só se pode dar aquilo que não se tem, que aquele que dá aquilo que possui, no caso as palavras, as dá com o controle, com o sentido das mesmas, e portanto, não as dá. Dar a ler é dar as palavras, sem dar o sentido, sem dizer o que as mesmas significam. As palavras são as mesmas, mas o que se diz nunca é o mesmo, por- tando, se dá a possibilidade de dizer sempre o novo, mais além do que já dizem. Dar a ler é abrir mão sem perceber, quando não se raciocina sobre o ato, sem apego,

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Carlos Eduardo Gomes4º SemestreTurma BTeoria da comunicação e percepcão

Reflexão:LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. São paulo: Autêntica, 2004.

Dar a ler...talvez

Tudo que lemos, escutamos, vemos, faz com que de certa forma, mudemos os nossos discursos. No texto de Jorge Larrosa, ele faz uma abordagem do “dar a ler”, dar aquilo que não nos pertence, aquilo que recebemos e que terá de ser passado a diante. As palavras funcio-nam desta maneira, lemos, possuímos, e a partir disso formamos nossos “textos”, que doamos, para serem lidos e interpretados. “Há que se dar as palavras que recebemos(...) talvez dar a ler?” diz Lorrosa.

A expressão “dar a ler”, explica-se por si só, nos doarmos a ler, entender, interpretar. Mas se ficarmos nessa linha de pensamento “confortável” de interpretação, não estamos nos dando a ler. Dar a ler é sair desta zona de conforto, é fazer com que a leitura vá mais a além da com-preensão tranquila, onde só lemos o que já sabemos ler. O autor fala de interrompermos o que já sabemos ler, ou seja, dar a ler, como se ainda não soubéssemos lê-la, a própria expressão. Dar a ler exige que dar outro sentido, outra possível interpretação a palavra que está comoda-mente em seu sentido comum. Para dar a ler é preciso esse gesto de problematizar o sentido evidente, desconhecer o conhecido, olhar com uma certa ilegibilidade, como se abríssemos uma questão, pensar sobre aquilo que já sabemos. Segundo o autor, “Dar a ler o que ainda não sabemos ler; Dar a pensar o que ainda não pensamos”.

No texto, o autor cita como exemplo o poeta e o filósofo. O poeta em busca de um texto casto, ausente de clichês, que possamos saborear sem tédio, já o filósofo, de um discurso ilegí-vel, que provoque novas indagações. Em todos os casos, sair da barreira do comum, romper com o sentido comum. Precisamos sair desta situação confortável de interpretação da palavra ‘ler’, todos sabemos ler, discutimos leituras, mais talvez, ainda não sabemos o que é ler e como tem lugar a leitura.

E a palavra ‘dar’? todos nós trocamos, damos e recebemos informações todos os dias, mas essa interpretação, não nos tira da nossa situação confortável de interpretação, mas levar a palavra dar a ilegível, e dar a ler a palavra ‘dar’. Na troca de informações, na própria comuni-cação, nossos discursos se modificam de acordo com as nossas experiências, novas leituras, a partir dos discursos que nos é dado e assim, ‘damos’ nossas palavras. Mas como dar aquilo que não possuímos? Não seria impossível? E é isso que o autor faz no texto, leva o termo ‘dar a ler’ ao ilegível, para que possamos dar a ler o próprio termo.

Diante da dificuldade que nos encontramos ao tentarmos entender a expressão ‘dar a ler’, já estamos iniciando a lê-la, já estamos nos dando a ler a obscuridade do ‘ler’, e o impos-sível de ‘dar’, segundo o autor. O texto explica que só se pode dar aquilo que não se tem, que aquele que dá aquilo que possui, no caso as palavras, as dá com o controle, com o sentido das mesmas, e portanto, não as dá. Dar a ler é dar as palavras, sem dar o sentido, sem dizer o que as mesmas significam. As palavras são as mesmas, mas o que se diz nunca é o mesmo, por-tando, se dá a possibilidade de dizer sempre o novo, mais além do que já dizem.

Dar a ler é abrir mão sem perceber, quando não se raciocina sobre o ato, sem apego,

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como um abandono, um ato de ignorante, não de sábio. É a não apropriação das palavras, a abrir mão delas para seus próprios fins, é desapropria-las de nós mesmos e dá-las a ler, por isso o autor cita no texto que o escritor dar a ler quando se abandona a escritura e se inicia a comunicação. Mas se entendermos a palavra comunicação, apenas no sentido de transporte de informações entre duas ou mais pessoas, não nos demos a lê-la, precisamos entender que a comunicação através do escritor pode se dar por diversos motivos, que ele utilizou um meio de escritura para ali demonstrar um sentimento, uma mensagem um pensamentos. O escritor não escreve senão o que escutou primeiro, ou seja, apenas dá o que recebeu. Portanto, não é o escritor que se dá a ler, e sim a própria escritura, é o momento que o escritor dá a palavra, perdendo todo o poder sobre o que dizem as mesmas, e, jamais o escritor poderá possuir o momento da leitura. Lorrosa diz no texto “dá o que não tem, o que não sabe, o que não quer, o que não pode(...) nada que lhe seja próprio.

E o leitor? Qual o papel dessa troca de dar, ler, se comunicar? No texto, o autor cita os mestres de leituras, que seriam os professores, os críticos, os estudiosos, os comentaristas e etc. Eles possuem como característica comum o dar a ler, não aquilo que ele escreveu, e sim o que ele aprendeu através da leitura, a transmissão. Quando existe transmissão a comunicação transforma-se.

Transmissão não é comunicar-se de algo banal, mas algo que possibilite a transformação do outro, assim modifica-lo, renova-lo e vice e versa. É com essa análise que o autor justifica a paixão do mestre de leitura por aprender e ensinar, é a paixão pelo novo, a leitura que está por vir, e que essa paixão seja sem nenhuma apropriação. O mestre não é dono nem daquilo que lê e não é dono da leitura dos outros. O mestre comunica por sua humildade, se coloca a servi-ço das palavras, sua paixão está na generosidade de desprendimento, completa o autor. Esse mestre se torna responsável pelos novos leitores que irão produzir novas leituras.

Essa possíveis interpretações, essa saída do sentido comum, pode levar tempo, uma de-mora, levam a uma pausa, uma maior atenção. O autor caracteriza esse tempo como o talvez do dar a ler, algo que está porvir, um talvez de acontecimento. O pensamento do talvez, talvez seja o único pensamento possível de acontecimento.

Dar a ler é ser capaz de ser desprendido de algo que produz, dar um destino que não o seu, levar uma leitura a um tempo que não o seu tempo. Dar a ler é uma ação fecunda, a fecundidade é dar vida uma vida que não é nossa, nem a continuação da nossa porque será do outro. Dar uma palavra que não é nossa palavra nem a continuação da nossa, porque será a palavra do outro. Dar a ler, receber as palavras e dá-las, para que estas durem dizendo coisas diferentes, para que sejam eternas, para que venha o que nunca foi escrito antes. É entender que o importante não é o que o texto diz, mas sim a maneira com que ele irá transformar suas próprias palavras, as que nunca serão suas.

Ler é traduzir

Partindo do princípio que todo signo é passível de tradução, deveremos entender que traduzir se amplia a qualquer processo de transmissão ou de transporte de sentido. A comuni-cação carece de tradução, na emição e recepção de qualquer modo, precisa-se de um signifi-cado. Compreender é decifrar, e ouvir esse significado é traduzir.

No ato de se traduzir um texto, por exemplo, não se dá para traduzir as palavras propria-mente ditas, pois cada língua possui as suas influências culturais, históricas, éticas, políticas ou estéticas. A terefa de tradutor é superar esse obstáculo, todo tradutor também tem que ser interprete, o autor Heidegger citado no texto diz “tudo que está a seu serviço é um traduzir. Quando se traduz um texto em outra língua, é necessário primeiro aprender essa língua, mas se estamos em um diálogo com uma língua comum é necessário que se haja também uma tradução, dar um significado a tudo. A tradução entre duas línguas não é distinta, quando se

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traduz algo dentro da mesma língua, a própria linguagem já é tradução.Traduzir algo é compreender o seu sentido e sua importância dentro das práticas da es-

crita e da leitura. O autor no texto usa outra expressão para nos dar a pensar a leitura: “Ler é como traduzir”. Ele cita a condição babélica da língua, que é a pluralidade, a contaminação, instabilidade, a confusão que uma língua pode ter. No mundo há muitos homens, muitas histó-rias, muitos modos de nacionalidade e, a linguagem se explica no mesmo raciocínio, não pode-mos ter a pretensão que exista apenas uma língua, e mesmo dentro da mesma língua, existem enormes diferenças, sejam elas entre grupos sociais, ideologias, profissão, idade e etc, ou seja, podemos concluir que cada um possui seu jeito particular de língua. O que mostra a enorme variação que cada língua possui é a possibilidade de tradução da mesma língua.

A história bíblica, segundo o autor, apresenta está condição babélica de linguagem como uma característica a ser superada. A hermanêutica é um trabalho de mediação, da difícil possi-bilidade de mediação entre passado, presente, a cultura, no caso da leitura e também da tradu-ção das línguas. Analisando o sujeito que quer compreender, podemos dizer que é aquele que pretende apropriar-se da totalidade do tempo e do espaço. Sujeito tradutor, é um sujeito que compreende as diferenças de tempo, a distancia, a identidade. Transforma aquilo que não é seu em seu, converte em identidade aquilo que é estranho, se apropria da diferença e transfor-ma em linguagem.

O autor descreve também descreve que a tradução poderá ser um transporte de sentido, que se passa a entender em outro contexto. Na tradução literal, traduzir seria o transporte, transferência, transposição de palavras sem alterar o sentido, e não a mera informação.

O falante acostumado, que vivência a língua, se encontra em uma situação pré-babélica, segundo o autor, vive essa pluralidade, e encontra algumas dificuldades na compreensão total, já o tradutor vive uma situação árdua por estar entre duas línguas, ainda mais o tradutor de textos, que torna possível a leitura, ou seja, dar-se a ler.

Ao discorrer sobre babel, o texto fala por uma busca de uma língua única, entendemos uns aos outros, em um mundo com plural interpretações. Escutar o próximo, na condição babilonica, entende-se como hospitalidade, que seria perder o seu nome, perder a sua língua própria, a cidade própria, dar-se a entender o outro.

Um pensamento diferente do qual discorri até o momento, é um pensamento que se ba-seia na não esperança de compreensão, é entender essa situação babélica em que vivemos, e aprender a estar nessa situação, não negar a condição de todo humano, e que mesmo existen-te, essa pluralidade, e a não existência dessa língua universal, os homens se façam entender.

Enquanto o pensamento antibabélico tenta compreender essa pluralidade, o pensamento babélico insiste que os textos são ilegíveis, intraduzíveis, e para que haja essa leitura, façamos conscientes dessa impossibilidade.

Como o autor relatou, também posso relatar neste texto, afirmando que o que estou fazen-do ao escrever esse texto , sobre o capítulo de Larrosa é o dando a ler. Tentando explica o que extraí do texto, traduzindo-, assim como Larrosa fez em seu texto, elaborando a partir de outros textos. As palavras não foram dele, e também não serão minhas, e nenhum de nós poderemos possuir a leitura dos mesmos. De moda que alguns não precisaram ler Larrosa para ler o meu texto, como não precisei ler os texto no qual ele se baseou para formular o seu, apenas demos aquilo que não nos pertencia.

Entender essa pluralidade, se fazer entender, viver as experiências múltiplas da língua, que nunca será idêntica, mesmo que se trate da mesma língua. Habitar nessa inapropriável, seria habitar babelicamente.

Em suma, poderíamos entender o “Ler é traduzir” como quem assimila e interpreta, não com a apropriação da leitura, e sim como um transporte, uma transmissão, com a que contri-buiu para a elaboração deste texto.