18
08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoriadaregulacaoeagenciareguladora?print=true 1/18 Teoria da Regulação e Agência Reguladora Publicado por Rafael Lucchesi 1 ano atrás 1. Teoria da Regulação A regulação econômica por parte do Estado é vista basicamente como forma de estabelecer regras, ou até mesmo de direcionar o campo de desenvolvimento da atividade econômica. Para uma maior e mais preciosa compreensão do tema é interessante realizar uma descrição das duas principais escolas regulatórias: a americana e a francesa. A escola de regulação econômica americana atualmente analisada pelo Direito, como instrumento de controle da economia, não guarda qualquer relação com a Escola de Regulação Francesa. O contexto histórico em que as duas teorias se desenvolvem é situado entre as décadas de 70 e 80 do século passado, entre o fim da Guerra Fria e o inicio da Globalização. Como sabemos desde o Ensino Médio, os Estados Unidos da América surgiram como a grande potência mundial e o capitalismo como o grande vencedor frente ao socialismo estatal difundido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo econômico mais amplamente adotado pelos Estados em geral era baseado no fordismo. Por mais que as inovações de Henry Ford nos campos da produção industrial, planejamento econômico, marketing e administração de empresas, todas, datassem dos idos de 1900, quando lançou seu primeiro automóvel, o Ford Modelo T, que marcou uma imensa transformação no modo de produção capitalista, principalmente em relação aos bens de consumo duráveis, que estavam longe do alcance da população em geral. Henry Ford mudou essa história, trazendo o automóvel para as massas e fazendo com que o empregado pudesse comprar aquilo que ajudou a produzir. O termo “fordismo” foi cunhado por Antonio Gramsci (GRAMSCI, 1980, p. 285322), em 1922, cerca de 10 anos após a implementação de todas as referidas inovações no sistema de produção e distribuição de riquezas capitalista, perpetradas por Henry Ford. Gramsci define o termo por ele mesmo criado ao descrever um sistema de acumulação de riqueza surgido nos Estado Unidos, caracterizado por um modelo de massificação da produção, que demandava um consumo também em massa, combinado com um método taylorista de organização da atividade laborativa, descrito como uma forma de qualificação do trabalho estritamente técnico, onde o empregado realizava tarefas repetitivas e simples, sem desperdício de energia ou tempo, alienandose cada vez mais do processo produtivo e desenvolvendo uma certa cultura industrial. JusBrasil Artigos 08 de dezembro de 2015

Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Teoria da Regulação

Citation preview

Page 1: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 1/18

Teoria da Regulação e Agência ReguladoraPublicado por Rafael Lucchesi ­ 1 ano atrás

1. Teoria da Regulação

A regulação econômica por parte do Estado é vista basicamente como forma de estabelecer regras, ouaté mesmo de direcionar o campo de desenvolvimento da atividade econômica. Para uma maior e maispreciosa compreensão do tema é interessante realizar uma descrição das duas principais escolasregulatórias: a americana e a francesa.

A escola de regulação econômica americana atualmente analisada pelo Direito, como instrumento decontrole da economia, não guarda qualquer relação com a Escola de Regulação Francesa.

O contexto histórico em que as duas teorias se desenvolvem é situado entre as décadas de 70 e 80 doséculo passado, entre o fim da Guerra Fria e o inicio da Globalização. Como sabemos desde o EnsinoMédio, os Estados Unidos da América surgiram como a grande potência mundial e o capitalismo como ogrande vencedor frente ao socialismo estatal difundido pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o modelo econômico mais amplamente adotado pelos Estadosem geral era baseado no fordismo. Por mais que as inovações de Henry Ford nos campos da produçãoindustrial, planejamento econômico, marketing e administração de empresas, todas, datassem dos idos de1900, quando lançou seu primeiro automóvel, o Ford Modelo T, que marcou uma imensa transformação nomodo de produção capitalista, principalmente em relação aos bens de consumo duráveis, que estavamlonge do alcance da população em geral. Henry Ford mudou essa história, trazendo o automóvel para asmassas e fazendo com que o empregado pudesse comprar aquilo que ajudou a produzir.

O termo “fordismo” foi cunhado por Antonio Gramsci (GRAMSCI, 1980, p. 285­322), em 1922, cerca de 10anos após a implementação de todas as referidas inovações no sistema de produção e distribuição deriquezas capitalista, perpetradas por Henry Ford. Gramsci define o termo por ele mesmo criado aodescrever um sistema de acumulação de riqueza surgido nos Estado Unidos, caracterizado por ummodelo de massificação da produção, que demandava um consumo também em massa, combinado comum método taylorista de organização da atividade laborativa, descrito como uma forma de qualificação dotrabalho estritamente técnico, onde o empregado realizava tarefas repetitivas e simples, sem desperdíciode energia ou tempo, alienando­se cada vez mais do processo produtivo e desenvolvendo uma certacultura industrial.

JusBrasil ­ Artigos08 de dezembro de 2015

Page 2: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 2/18

O sistema de produção e distribuição de bens de consumo e valores descrito por Gramsci se caracterizoupor um modo de acumulação intenso, apoiado no consumo de massa, que estaria sincronizado com osganhos de produtividade, que por sua vez influenciariam a fixação dos salários e a obtenção dos lucrosnominais. De uma forma mais simples, o empregador pagaria bem os seus funcionários para que estespudessem comprar os produtos de sua fábrica e aquecer o mercado, o que levaria a um aumento naprodução e no emprego. Ocorre que todo esse ciclo de vantagens enfrentava a barreira do lucro; a partirdo momento em que o salário pago aos funcionários diminuísse excessivamente os lucros do dono dafábrica, algo teria de ser feito rapidamente. Para o empregador restavam duas opções: demissões emmassa ou drásticas reduções nos salários. Qualquer uma das duas opções geraria grandes conflitos,greves, diminuição da produção, paralisações, arrefecimento do mercado, aumento do desemprego. E foiexatamente isso o que ocorreu. Próximo do fim da década de 60, e consequentemente do fim dos “anosdourados” pós guerra, esse regime, ao lado do modelo taylorista de trabalho entrou em uma grave crise,como aponta Lipietz. (LIPIETZ, 1989, p. 307­308).

Com a grave crise do modelo fordista, os ideais liberais ganharam fôlego (o que em regra ocorre sempreque a economia de um país vai mal), colocando o Estado norte­americano, macrocefálico e extremamentearrecadador, que buscava entregar a todos os cidadãos tudo o que prometia, e o seu modelo de bemestar social como verdadeiros freios ao desenvolvimento da economia, ou óleo na pista do “possante”americano. Foi nesse contexto que surgiram 2 teorias de regulação antagônicas, com suas diferentesvisões sobre intervenção e regulação.

1.1 A Teoria da Regulação Americana

Para Martins é possível expor o conceito de regulação típico da escola americana, comparando­o aoconceito de regulação de um eletrodoméstico, em que a regulação atuaria como o termostato de umageladeira, administrando o funcionamento do mecanismo de refrigeração, evitando uma produção de frioexcessivo e, ainda, desligando o motor da geladeira no momento em que atingir certo grau de temperaturaideal, promovendo um funcionamento equilibrado e eficiente do sistema (MARTINS, 2011, p. 86).

O equilíbrio do sistema é atingido quando o Estado, por meio de seu poder regulador, como uma mão notermostato do eletrodoméstico, consegue equalizar as variáveis eficiência e equidade no âmbito daeconomia. A eficiência é descrita por um máximo de valor dentro de um mínimo de custo, contendotambém o conceito de bem­estar, sendo que a eficiência existe quando há o maior bem estar possível.(op. Cit. P. 88­89).

De outra banda, cumpre destacar que a regulação apresentada pela Escola Americana também se ocupade um tipo de atuação mais voltado ao social. Tal regulação não se preocupa com os aspectosestruturais da economia, sendo mais direcionada à certos pontos específicos, relacionadas ao zelo com omeio­ambiente, proteção para os trabalhadores no ambiente de trabalho e proteção dos consumidores.

É útil salientar que no âmbito da teoria da regulação americana, nos deparamos com a diferenciação entreas teorias regulatórias positivas e normativas. As primeiras buscam explicar a regulação e apresentaruma análise crítica de cada situação. As normativas, por outro lado, dão muita importância à eficiência

Page 3: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 3/18

das atitudes regulatórias do Estado, tendo como seu principal objetivo a tarefa de descobrir qual forma deregulação geraria os melhores resultados, mormente relacionados ao bem estar social, ao mesmo tempoem que importasse no mínimo de despesas para o Estado.

Pode­se dividir a análise da Teoria da Regulação americana em duas categorias: as de interesse públicoe as de interesse privado.

1.1.1 Teorias de Regulação de Interesse Público

Essas teorias destacam que a regulação dos agentes econômicos é um meio para se alcançar apromoção do interesse público, colocando­o em evidência e como objetivo principal. Cumpre salientar queinteresse público aqui deverá ser entendido como a melhor maneira de se distribuir os recursos escassosentre os integrantes da sociedade, coordenando os mecanismos do mercado, de maneira a corrigir falhasde mercado e principalmente, equalizando os preços e os custos marginais, com o intuito de dar equilíbrioao mercado. O que bastaria para dar o desejado equilíbrio ao mercado seria uma regulação provenientedo Estado, já que quanto maior o nível de intervenção, menor a perda no âmbito do setor privado(HERTOG, 2010, p. 6­7).

Em conclusão, as teorias de regulação mais direcionadas ao interesse público partem de três premissas,sendo estas, a existência de falhas constantes no mercado, a presença de um processo político eficientee, juntamente à isso, a escolha de instituições regulatórias também eficientes (HERTOG, 2010, p. 8).

A mão invisível do mercado de Adam Smith não foi (e nunca seria) suficiente para equilibrar eficiênciaeconômica e equidade econômica, isso em razão das falhas às quais todos os mercados estão sujeitos.A regulação efetivada pelo Estatado, busca corrigir as falhas constantes do mercado e criar condiçõesque incentivem a concorrência, sendo esta o valor mais importante a ser atingido, com o objetivo de seefetivar a redistribuição de renda e a eliminação da pobreza, e ainda resguardar os interesses dosagentes econômicos sujeitos à intervenção (MARTINS, 2011, p. 95­97).

A regulação econômica como matéria de interesse público seria caracterizada pela utilização deinstrumentos legais para a efetivação de política de objetivos socioeconômicos estipulados por cadaEstado soberano, na qual indivíduos ou organizações podem ser forçadas a adotar determinadascondutas, sob pena de sofrerem sanções ou restrições, como por exemplo, congelar preços, abster­se departicipar de certos mercados, utilizar técnicas específicas ou até mesmo pagar multas (HERTOG, 2010,p. 3)

Em contrapartida, existe a possibilidade de ocorrer o que chamamos de “captura”, onde o Estado aoefetivar sua função reguladora passa a beneficiar indevidamente e de forma desigual os destinatários daregulação, ou seja, as grandes empresas e multinacionais, por meio dos famosos lobbys. Essaproblemática é colocada no âmbito do direito econômico como um dos grades desafios da regulação peloEstado. (HERTOG, 2010, p. 22­29).

Page 4: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 4/18

Esse é um dos motivos para que as agências reguladoras brasileiras tenham uma característica tãodestacada: independência em relação ao governo.

Trata­se de uma contundente crítica efetuada pelos teóricos da regulação no âmbito do interesse privado.A Teoria de Regulação de interesse privado determina que os governos, a bem da verdade, não deveriamintervir na economia de maneira direta, mas de maneira indireta, limitando­se a regular as atividadeseconômicas, gerando assim um maior bem estar geral da população.

1.1.2 A Teoria do Interesse Privado da Regulação

A teoria do interesse privado de regulação, com relação à regulação social no âmbito da teoria daregulação americana, não vai atrás de explicações para os fenômenos sociais, deixando­os em segundoplano. Temas como a imposição de regras e normas legais à empresas, são vistas como errôneas,defeituosas, um verdadeiro “tiro no pé”, já que o modelo que prevalece na regulação social é aquelerelativo ao interesse das empresas que já estão atuando no mercado, sendo que e as regras existentes jáencontram­se ajustadas a estes grandes agentes econômicos. Outrossim, as grandes empresas acabamse beneficiando das aplicações de medidas onerosas por parte do Estado, já que quando isso ocorre, asprimeiras a serem conduzidas para fora do mercado são as pequenas empresas, visto que não possuemcondições de suportar os imensos custos de adequação. A conclusão lógica de tudo isso é que aimposição de regras e normas legais, principalmente quando estas geram grandes gastos para asempresas acaba sendo prejudicial à um dos objetivos principais da escola americana, qual seja, a livreconcorrência. (HERTOG, 2010, p. 28).

De acordo com Martins, a regulação americana de interesse privado é basicamente liberal, defendendo aintervenção mínima do Estado na economia, sendo que, quando esta ocorrer, deverá ser direcionada aosinteresses dos grandes grupos econômicos, com grande influência política. Por fim, entende a teoriaamericana que, na busca da eficiência econômica e do melhor funcionamento dos mercados, aintervenção do Estado deve ser evitada sempre que possível, e quando necessária, deve ocorrer apenaspara defender os interesses dos agentes econômicos privados. (MARTINS, 2011, p. 100).

O que fica claro na análise da Teoria da Regulação americana é que existe um real confronto entre asteorias de interesse público e de interesse privado, na medida em que essas duas buscam uma forma deguiar, controlar, direcionar a mão invisível descrita por Adam Smith, só que cada uma delas faz isso demaneira distinta, com diferentes abordagens. As de interesse público tentam controlar as tendências domercado com o escopo de distribuir as riquezas de forma igualitária entre os indivíduos. Por outro lado,as teorias de interesse privado buscam apenas direcionar o mercado, regulando­o apenas com o objetivode proporcionar uma maior eficiência na produção, o que consequentemente (na visão dessa teoria),geraria uma melhor distribuição das riquezas; o que, em tese, acabaria equilibrando o sistema financeiro.Em poucas palavras, a teoria do interesse privado confia quase que plenamente no mercado em si,adotando uma visão liberal, apostando suas fichas nos grandes agentes econômicos, entendidos aquicomo os grandes grupos de empresas com grande influência política.

Page 5: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 5/18

Essa abordagem da regulação econômica pela Escola americana vai influenciar e inspirar o surgimento deuma doutrina que terá como escopo relacionar questões jurídicas ao rumo da economia de um Estado.Nesse contexto surge a obra denominada Análise Econômica do Direito, escrita por Richard Posner,jurista e economista norte­americano de posições liberais e conservadoras, que foi responsável pordifundir esse tipo de abordagem em relação à regulação, que analisa o poder de transformação do Direitoem relação à Economia. O centro dessa teoria é utilizar o Direito para abordar a problemática daeficiência econômica estatal, melhor dizendo, é questionar a própria eficácia do direito quanto ao seupapel diante do sistema econômico, de maneira que as normas, atos normativos e instrumentos legaissejam analisados do ponto de vista dos seus efeitos práticos na economia e não só do ponto de vista doDireito e seus princípios, isoladamente, como em uma gaveta.

Posner busca explicar quais os efeitos produzidos pelas normas existentes e se elas estão sincronizadascom algum princípio ou critério econômico. O grande questionamento apresentado é se a eficiênciaeconômica pode fundamentar, influenciar e justificar as decisões tomadas no âmbito jurídico. A eficiênciaeconômica aqui citada deve ser entendida como o aumento das riquezas de um país, numa referênciaclara às teorias de regulação americana.

Podemos, humildemente dizer que esse visão de eficiência econômica pode ser comparada com aquelacolocada pelo Economista brasileiro Delfim Netto, quando este era Ministro de Economia durante o regimemilitar, tendo resumido seu entendimento de “desenvolvimento economico e social” com a frase “Épreciso esperar o bolo crescer, para depois didivi­lo”, ou seja, quando questionado sobre a situaçãoeconômica de prosperidade experimentada pelo Brasil da década de 70, figurando como 7º potênciamundial, em contraste com suas duras realidades sociais, de mazelas, pobreza e miséria extrema emmuitas regiões afastadas dos grandes centros, o então Ministro expôs seu posicionamento, muito similarao entendimento de “eficiência econômica” de Escola americana, qual seja, o de que um paisprimeiramente deve ser rico e poderoso, para depois resolver seus problemas sociais com os recursosque conquistou.

Voltado à Posner, em sua análise e posicionamento o Direito é entendido como uma variável que podeinfluenciar a economia do Estado, de forma a privilegiar os destinatários diretos de suas normas, ou seja,as grandes empresas em geral; ou para buscar a equidade e harmonia no funcionamento da economia,tendo o cidadão como o principal beneficiário desta regulação. Posner, sendo um dos difusores da análiseeconômica do Direito, insere a economia como um mecanismo para a resolução de questões jurídicas,adotando uma posição claramente pragmática. (PACHECO, 1994, p. 25­65).

1.2 A Teoria da Regulação Francesa

Navegando em direção oposta, aparece a Escola da Regulação Francesa, nas cadeiras das universidadesde Paris, seus pesquisadores analisavam constantemente os efeitos da teoria da regulação americana,até então dominante, porém já em decadência; tendo como contexto histórico a crise econômica dosanos 70 e a falência do “Welfare State”.

Page 6: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 6/18

Para os defensores da teoria de regulação francesa, a teoria econômica americana, até então dominante,era antiquada pois suas abordagens e soluções eram viciadas, na medida em que não se preocupavamcom a complexidade das relações sociais e rejeitavam os dados históricos e modificações estruturais,dando uma feição estritamente normativa e alienada em relação à realidade econômica da época,servindo como argumento à disposição de quem estava no poder no momento e precisava manter ostatus quo da conjuntura econômica mundial. (THERET, 1998, p. 10).

A Escola Francesa critica a metodologia adotada pelos economistas após os anos 50, quedesconsiderava a relação entre economia e historia e possibilitava a criação de teorias e modeloscômodos às elitas, sem se preocupar com a complexidade das relações sociais envolvidas. A escolaamericana, em resumo, baseava­se em proposições normativas e adotava um posicionamento maispositivista, dando menos importância às questões sociais relacionadas à economia e ao Direito. (BOYER,1998, p. 51­68).

De forma antagônica em relação à Escola Americana, a Escola de Regulação Francesa entende que aeconomia é dependente de outras disciplinas, mormente a sociologia, a historia, e as ciências políticas,sendo que um de seus objetivos primordiais e inerente às suas análises é traçar um mapa histórico dasteorias econômicas. A história ocupa um papel de destaque nesta escola, já que para ela muitos dosproblemas econômicos podem ser resolvidos se estudarmos o que deu certo e o que deu errado nopassado. (BOYER, 1998, p. 61­62).

Sucintamente, se por um lado a Teoria da Regulação americana tem por escopo a perseguição deinstrumentos e formas de se acabar com o “Welfare State” do período pós­guerras, a Teoria da Regulaçãofrancesa, por outro lado, tenta compreender de que maneira os meios de regulação estatal aparecem emrazão das crises enfrentadas pelo sistema econômico, ou de maneira mais estrita, da crise do modelofordista e taylorista norte­americano.

Na teoria de regulação francesa, o objetivo principal é buscar definir quais são ou deveriam ser asferramentas aptas a garantir a coerência e viabilidade de um Estado Regulador de características“francesas” frente às diversas instituições inerentes ao sistema capitalista.

As relações entre Estado e economia são questões primordiais para a escola francesa, que aborda taisrelações partindo de fórmulas como, e. G, a utilização da política para definição do regime monetário deum determinado Estado, tomando por base o fato de que até os bancos centrais atuais, que mesmo sedizendo independentes dos governos dos Estados, permanecem demonstrando que suas ações sãofortemente influenciadas pela política.

Temos ainda como exemplo de aspectos que explicitam a relação entre Estado e economia, anecessidade de intervenção pública na concorrência, já que, de acordo com esta escola, caso aconcorrência seja entregue apenas aos cuidados do mercado, de seus agentes econômicos,invariavelmente teríamos um movimento no sentido de se criarem alianças, oligopólios, enfim, ummovimento de concentração benéfico aos grandes agentes econômicos, porém prejudicial aos integrantes

Page 7: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 7/18

da sociedade em geral, fazendo com que os consumidores se tornem vítimas desse processo, levando­osa tomar atitudes políticas, de protesto, de indignação; com relação a seus salários e direitos comocidadãos. Situação na qual o Estado se encontra obrigado a interferir de forma direta em relação aofomento da cobertura social ou ainda conciliando as relações entre sindicatos e empregadores (BOYER,2009, p. 48­53)

A escola francesa enxerga o Direito como sendo um importantíssimo dispositivo regulatório, deconciliação, que realizaria a conexão indissociável entre economia e política. Em outras palavras, aocontrário do que pensam os americanos, a economia não deve ser destacada dos interesses dacoletividade.

Cumpre salientar que os teóricos da referida escola, ao se referirem ao Direito tratam­no de forma umtanto quanto reduzida, fazendo menção tão somente ao Estado como produtor de normas ou ações epolíticas estatais. É evidente que o Direito positivo que tem sua existência nos dias de hoje ébasicamente resultado da competência legislativa do Estado, que é exercida em regra pelo poderlegislativo e extraordinariamente pelos poderes executivo e judiciário, por uma questão Constitucional.Mas o fato de não existir ainda uma teoria jurídica elaborada sob as bases da Teoria da Regulaçãofrancesa está diretamente relacionado ao caráter aberto em que ela se desenvolve. Os estudos realizadospela Teoria da Regulação francesa são estruturais, diferentemente daqueles realizados pela escolaamericana, mais pontuais. Observe­se que pensar Direito de forma estrutural ainda é uma das limitaçõesencontradas pelo jurista até o presente momento.

Concluindo, não­obstante o fato de que ambas as escolas fazem o uso do termo “regulação”, faz­semister delimitar os significados das palavras utilizadas por cada uma das teorias apresentadas até omomento. O substantivo “regulação”, quando traduzido do Francês para o Inglês, levou os leitores areduzirem o conceito de regulação, para algo parecido com o termo “regulamentação”. Essa redução levouos estudiosos de língua inglesa que liam a teoria francesa traduzida a crerem que muitas vezes a teoriada regulação estava relacionada apenas a um controle administrativo e legal da economia, algo muitoparecido com o conceito exposto pela Teoria da Regulação americana. Entretanto, A Teoria da Regulaçãofrancesa aparenta ser mais complexa e aprofundada em suas análises, buscando explicações para asirregularidades do comportamento econômico com a realização de uma pesquisa histórica, política esocial. (JESSOP, 1997, p. 228)

2. O Estado Regulador

O termo “Estado Regulador” parece até pleonástico, visto que todo estado dotado de ordenamento jurídicotem ao menos a possibilidade de impor regulamentos e realizar atos normativos para garantir a efetividadede suas políticas públicas, bem como a busca pelo bem estar social.

Os elementos que integram a análise do tema “regulação” localizam­se nas discussões travadas sobre osconceitos de “justo preço” e “interesse público”. O interesse público, de acordo com SOUZA,

é identificado como outro motivo de regulação (que nesse contexto não se confunde com a regulação

Page 8: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 8/18

analisada no presente estudo) da ‘ação’ no sistema dos grêmios medievais. Essas corporaçõesobedeciam a regulamentos rígidos e eram obrigadas a cobrar preços razoáveis pelos seus serviços,recebendo, em compensação, o direito ao monopólio de sua atividade. Wilcox e Sheperd vêem neste‘aparente’ intercâmbio de regulação por monopólio a forma desnuda de regulação de serviços públicosnas épocas recentes, lembrando o contrato social básico. (SOUZA, 1999, p. 335)

De acordo com CAMARGO, a regulação é “um processo consistente na restrição da eleição da atividadede um sujeito, restrição esta que é mais o produto da interação e dos processo de ajuste dos interessesem conflito, decorrente preferencialmente, de uma mediação do que de uma aplicação coercitiva de umcomando” (CAMARGO, 2000, p. 24). Este conceito parece mais voltado à uma intervenção mínima doEstado, principalmente quando afirma não ser a regulação decorrente de uma aplicação coercitiva de umcomando, que é o inverso do que ocorre no atual sistema brasileiro de regulação econômica, realizada pormeio de suas diversas Agências Reguladoras, ja que estas possuem alto poder normativo, acompanhadode poder de polícia.

Vicente Bagnioli nos apresenta um conceito mais amplo e voltado a uma maior participação do Estado, oque torna­o mais adequado ao sistema brasileiro de regulação por órgãos da Administração Indireta, asaber as Agências:

As acepções do termo regulação referem­se às formas de organização da atividade econômica peloEstado, tanto pela concessão de serviços públicos quanto pelo poder de polícia. Especificamente nocampo econômico, diz respeito à redução da intervenção direta do Estado e à concentração econômica.

Contudo, em que pese normalmente utilizar­se a expressão regulação econômica, cumpre observar quea regulação econômica é concomitantemente uma regulação social, ou seja, regulação econômico­social.

(...)

A importância da regulação como forma do Estado intervir no âmbito econômico para promover osvalores sociais, estaria relacionada com a evolução e transformação do Estado de Bem Estar Socialpara um Estado Regulador. (BAGNOLI, Vicente. Direito Econômico. 5º Ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.53)

Outro conceito de regulação pelo Estado, vem brilhantemente exposto pelo catedrático da Faculdade deDireito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Fabiano Del Masso (2003, p.82), que para tanto citaoutro grande jurista, Calixto Salomão Filho (2001), em sua obra intitulada Direito Econômico:

Qualquer atuação do Estado frente à atividade econômica é uma forma de promover a sua organizaçãopor intermédio da regulação. Assim, qualquer modalidade de participação do Estado, em sentido amplo,seria uma forma de regulação. Entretanto, nas lições de Calixto Salomão Filho encontramos os limitesexatos do termo regulação em seu significado jurídico, no qual explica que a regulação: ‘Engloba toda

Page 9: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 9/18

forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através daconcessão de serviço público ou de exercício de poder de polícia. (...) Na verdade, o Estado estáordenando ou regulando a atividade econômica tanto quando concede ao perticular a prestação deserviços públicos e regula sua utilização ­ impondo preços, quantidade produzida etc. ­ como quandoedita regras no exercício do poder de polícia administrativo.’ (DEL MASSO, Fabiano. Direito Econômico­ Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. Pgs. 82 e 83)

Continua o professor Del Masso, afirmando que no Brasil a regulação pelo Estado se traduz em atosadministrativos de autorização, concessão e permissão de serviços públicos pela iniciativa privada, bemcomo a normatização e fiscalização de determinados setores do mercado, cuja regulação Estatal se julgaimportante.

Para o professor Ricardo Antônio Lucas Camargo, a atividade regulatória é verdadeira materialização depolíticas públicas por parte do Estado. Através dessa atuação, a administração busca obter um equilíbrioentre situações conflitantes, decorrentes de interesses distintos, que possam prejudicar o desejadoequilíbrio entre agentes econômicos, seus usuários e consumidores. Tal situação pode ocorres quando,os agentes econômicos buscam lucro exacerbado em suas atividades, restringindo o acesso dapopulação ao serviço público e, consequentemente, comprometendo seu caráter universal. O inversotambém pode acontecer, de forma que o agente econômico que se dispôs a realizar um serviço públiconão está obrigado à receber por isso preço injusto ou vil, devendo ser remunerado corretamente.(CAMARGO, 2000, p. 38)

O que se tem, basicamente, em ambas as situaões brilhantemente expostas pelo professor Camargo é oexercício de uma das funções do Estado, qual seja, a correção de distorções do mercado, atuando dessaforma como agente regulador, como previsto no artigo 174 da Constituição Federal. Dessa forma, asentidade encarregadas do exercício dessa atividade não apenas fiscalizam, como tambem tem poderregulamentar, editando atos normativos que conferem maior exequibilidade à outras leis de nossoordenamento, que podem preceder até mesmo a criação de referida entidade.

Novamente recorre­se às lições do professor Vicente Bagnoli, que citando o nobre doutrinador FábioNusdeo, explicita o posicionamento deste último no sentido de que o operador público, ao exercer aatividade regulatória, pode vir a ser compelido a tomar decisões favoráveis à uma minoria detentora dopoder econômico, em detrimento de uma maioria não tão privilegiada pelo sistema. Exemplificando talpossibilidade, Nusdeo, citado na obra de Bagnoli, apresenta uma hipótese em que duas proposiçõesdiametralmente opostas são apoiadas com grande empenho por grupos minoritários que encontramoposição pouco coesa por parte de uma maioria menos combativa. À esta hipótese Nusdeo dá o nome deteoria da cooptação ou da captura, na qual a Agência Reguladora competente ou seus funcionários podemser “capturados” pelos agentes privados e cooptados por interesses individuais de uma minoria, emprejuízo do interesse da coletividade.

Podemos observar um exemplo claro do problema exposto por Nusdeo, ocorrido em solo brasileiro e emrelação ao setor dos transportes aéreos, diretamente relacionado ao tema deste estudo. É o polêmicocaso dos subsídios governamentais sobre o combustível de aviação ou QAV (querosene de aviação),

Page 10: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 10/18

derivado do petróleo.

O governo brasileiro começou a subsidiar o querosene de aviação em fevereiro de 1999, em decorrênciada desvalorização do real, ocorrida em janeiro. Com o aumento do dólar, as passagens aéreas subiriammuito, pressionando a inflação. O subsídio diminuiu o efeito do aumento do dólar nas passagens, mascustava ao Tesouro aproximadamente R$ 30 milhões por mês. O subsídio para o querosene de aviaçãousado em vôos domésticos era de cerca de 24% do preço, o que caracterizava uma bela ajuda dogoverno às companhias aéreas que operavam na época. Como a concessão de tal subsídio gerava umalto impacto aos cofres públicos, especialmente em um momento de crise e recuperação lenta domercado após o plano real, o subsídio acabou sendo retirado em 2001.

Desde então, a concessão de tal subsídio vem sendo suplicada pelas companhias aéreas, de maneiramais evidente em 2006, 2008 e mais recentemente, em 2013, em decorrência da alta do dólar, que jáatingiu o patamar R$ 2,30. Basta observar os anos em que essa reivindidação tornou­se mais evidente,2006 e 2008 eram anos de crise econômica e 2013 é um ano de recuperação leve da assombrosa crisede 2007, porém com o real à época da confecção do presente estudo sofrendo grave desvalorização.

Por esses motivos o setor aeroviário brasileiro voltou a pressionar a ANAC, para que realize estudos deredução de custos operacionais, mais especificamente sobre o combustível, e tome atitudes em sincroniacom a Petrobrás, que é responsável por estabelecer o preço do QAV em território nacional. Ascompanhias alegam que a fórmula de fixação dos preços do combustível é prejudicial ao setor, pois variamuito conforme o Dollar. A ANAC não possuí competência para alterar o preço, que como já foi dito, éestipulado pela estatal Petrobrás (produtora de 85% do QAV utilizado em todo setor), que por sua vez éregulada e fiscalizada pela ANP (Agência Nacional de Petróleo); mas nada impede que as duas últimas,principalmente a Petrobrás, tomem atitudes em decorrência de estudos e pareceres apresentados pelaANAC, que comprovem a necessidade de se alterar a fórmula do custo do combustível de aviação, comofoi o caso da NOTA TÉCNICA PL3/SPL emitida pela de abril de 2003, logo após o corte do subsídio em2001.

Ante toda a problemática em relação ao preço do QAV, faz­se o seguinte questionamento:

De acordo com a hipótese levantada por Nusdeo, qual seja, a utilização dos poderes de regulação daANAC pelos grandes agentes econômicos, entendidos nesse contexto como as companhias aéreas, paraobter benefício próprio em detrimento de uma maioria; não estariam as grandes companhias buscandotais incentivos, como o subsídio dos combustíveis, com o único propósito de reduzir custos, sem queisso seja necessariamente repassado ao consumidor, destinatário final do serviço público? Seriam taisreivindicações do setor apenas uma tentativa de aumentar os lucros, onerando ainda mais o Estado, quedeixará de arrecadar e perderá capacidade de investimento em serviços públicos considerados próprios ede suma importância como saúde, educação e segurança pública? Fica aqui o questionamento.

Cumpre destacar a questão da delimitação do espaço em que o Estado pode exercer sua atividaderegulatória. Sobre o tema, como bem ressaltou Marçal Justen Filho, é preciso delimitar o espaço onde oEstado atuará como regulador e o espaço onde não poderá haver regulação, e neste último o Estado

Page 11: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 11/18

prestará o serviço, chamado de serviço público próprio. Nas palavras do autor supracitado:

Somente incumbe ao Estado desempenhar atividades diretas nos setores em que a atuação dainiciativa privada, orientada à acumulação egoística da riqueza, colocar em risco valores coletivos oufor insuficiente para propiciar sua plena realização. Já em setores nos quais os serviços podem serprestados pela iniciativa privada, faz­se necessária a difusão do conhecimento econômico, que assimestá sistematizada: (i) due process clause ­ regulação/não intervenção; desenvolvimento das atividadeseconômicas em condição de igualdade material entre os agentes econômicos; (ii) regulaçãoinstitucional: intervenção ativa, com a criação da utilidade pública (concorrência); (iii) regulaçãoneoclássica: possibilidade de escolha; a concorrência é o valor institucional a ser protegido, e não omercado. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 450)

A regulação por meio do Estado não versa apenas sobre a concorrência no mercado, mas também, comojá dito anteriormente, busca atendar ao interesse público, garantindo que determinados setores domercado ofereçam um serviço ou produto ao cidadão com qualidade, segurança e por preço justo.Ademais, proteger apenas a concorrência e acreditar que esta é o único remédio para a melhoria dossetores regulados é um grande erro.

Exemplificativamente, no caso das companhias aéreas, caso a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil)buscasse apenas a proteção da concorrência entre as operadoras de linhas exploradas sob o regime deconcessão, o que teríamos seriam apenas passagens mais baratas ou com melhor custo­benefício, pois ocidadão comum, o homem médio, não conseguiria avaliar a segurança da aeronave em que embarcaria,pois trata­se de atividade que exige grande conhecimento técnico.

Ademais, “a companhia mais segura” nem sempre será a mais bem sucedida no mercado. Infelizmente oconsumidor e o mercado normalmente não premiam as empresas que colocam a segurança em primeirolugar. O consumidor, homem médio e sem conhecimento técnico algum sobre aviação, normalmente sóenxerga como fatores de compra o preço e o benefício, este entendido no exemplo em tela comoconforto, serviços adicionais, horários flexíveis, bom atendimento, etc. Sendo assim, caso não fossemobrigadas pelo poder de polícia da ANAC, as companhias aéreas investiriam muito pouco em segurança,provavelmente o mínimo para reduzir a perda de aeronaves em acidentes gravíssimos. Para elas (ascompanhias) o risco de não se investir em segurança é coberto pelo lucro das passagens.

Podemos citar como exemplo de companhia aérea que operava irregularmente a argentina LAPA (LíneasAéreas Privadas Argentinas), dona da Aeronave Boeing 737 (vôo 3142) que explodiu depois de umadecolagem mal sucedida. Após a investigação pela JIACC (Junta de Investigaciones de Accidentes deAviación Civil) restou comprovado que o acidente foi causado por total negligência dos pilotos, queignoraram diversos avisos de problemas graves nos flaps, também por culpa da companhia, que além deoperar uma aeronave que já contava 29 anos de uso no dia do acidente, não realizava a devidamanutenção preventiva nesta, sendo que era prática comum dentre os pilotos da companhia decolarignorando avisos de grave perigo, além de ser comprovado após o acidente que a companhia em questãonão treinava seus pilotos para situações de risco.

Page 12: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 12/18

O acidente sucintamente descrito no parágrafo acima mostra claramente que, ausente a fiscalização doestado, não só no setor aeroviário, como também em outros setores como transportes terrestres, ascompanhias operam “em risco” até o ponto em que lhes for conveniente, não levando em consideração aintegridade física de seus usuários. Em casos como este, a regulação do setor, com amplo uso do poderde polícia por parte das Agências Reguladoras competentes se faz imperiosa e é medida de justiça.

No que tange à transição ocorrida anteriormente, tanto no Brasil quanto a nível global, nas décadas de 80e 90, esta não ocorreu simplesmente para se obter uma economia mais eficaz, mais competitiva. É claroque essa foi uma dentre as várias consequências obtidas com a transição de um estado que participavae/ou controlava determinados setores da economia para um modelo de regulação, onde o estado observao que ocorre no mercado, como se estivesse em “stand by”, em um “repouso alerta”, prevenindoeventuais riscos, projetando futuros investimentos e ocasionalmente remediando situações que possamvir a tirar determinado setor da economia de seu estado de funcionamento ideal.

Como bem salienta Marcelo Figueiredo (p. 201), em sua obra “As Agências Reguladoras ­ O EstadoDemocrático de Direito no Brasil e sua Atividade Normativa”; nesse novo sistema de participação doestado, onde esta é mínima, a competência regulatória é privilegiada. O Estado continua presente nodomínio econômico, mas desta vez não aparece em primeiro plano. Pelo contrário, ele se utiliza depermissivos legais do direito público para intervir de forma leve, regulando o mercado, indicando asmelhores condutas para os particulares, para que o bem comum seja atingido. Esse papel vem sendodesempenhado, desde os Estados Unidos do século XIX, de forma satisfatória, pelas agênciasreguladoras.

Quando analisamos a atuação do estado na forma de seus entes da administração pública indireta, quaissejam, as agências, vemos que até intervenções mais drásticas podem ser realizadas com o fim de seatingir o interesse público, atendendo­se até mesmo ao princípio homônimo. Por óbvio, tais condutas porparte dos agentes da administração pública evitam que alguns setores da economia continuem a exploraros cidadãos de forma escancarada, buscando apenas o lucro puro e simples, sem qualquer preocupaçãocom a coletividade. É essa lógica perversa do capitalismo que o Estado, na sua face reguladora, tentacoibir, almejando sempre a supremacia do interesse público e a efetivação da justiça social.

Não precisamos voltar muito no tempo, ou pesquisar muito a fundo para observarmos casos em que oEstado brasileiro, por meio de suas agências reguladoras, resolveu atuar de forma mais incisiva paracoibir alguma prática igualmente agressiva de algum particular, entendido nesse caso como pessoajurídica de direito privado que presta serviço público ou de caráter importante e/ou estratégico para anação e que, por se enquadrar nessas características, está submetido à fiscalização e bem como aosmandamentos das agências relacionadas à sua atividade econômica principal.

Como um exemplo concreto do que foi descrito no parágrafo anterior, podemos citar o ocorrido com aoperadora TIM­Brasil, que foi multada pela Agência Nacional de Telecomunicações em R$ 9,6 milhões porter, de acordo com as investigações da agência, derrubado milhões de ligações propositadamente, paraque os consumidores realizassem novas chamadas e, com isso, a operadora pudesse cobrar um novominuto iniciado, já que o contrato previa que “apenas o primeiro minuto seria cobrado”. O que se viu

Page 13: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 13/18

nesse caso foi uma elogiável atuação por parte da ANATEL, em autuar uma empresa transnacional devultuoso capital, impondo a autoridade estatal reguladora em defesa de seus cidadãos consumidores,claramente ludibriados pelas práticas vergonhosas da gigante das telecomunicações. Observou­se ainda aefetivação do poder de polícia das agências, tanto na investigação quanto na autuação da empresa.

3. Agências Reguladoras

Basicamente, as agências reguladoras cumprem um papel que o Estado decidiu não realizar sozinho,delegando parte das suas prerrogativas, como por exemplo o poder de polícia, à tais órgãos daadministração indireta.

Sobre o surgimento das Agências Reguladoras tal qual conhecemos hoje, Vicente Bagnoli (BAGNOLI,2011) relembra que na Inglaterra o Parlamento já criava seus entes autônomos para aplicar oordenamento vigente e resolver conflitos, em todas as situações em que um assunto de granderelevância era estudado. Lembra também o referido autor que 2 características dos órgãos daAdministração pública inglesa, os chamados Quasi Autonomous non Governamental Organizations(QUANGOS), a saber, o grande policentrismo aliado à autonomia destes, até os dias atuais impedem queas agências reguladoras sejam dotadas de características que possam distingui­las de outros órgãos daadministração.

Continua Bagnoli a dizer que desta forma, quando alguma lei que versasse sobre questão de interessepúblico era editada, acompanharia a edição do ato normativo a criação de um órgão para efetivar tal lei.Nesse contexto surgem os entes autônomos, como por exemplo o Monopolies and Merger Comission,atualmente denominado Competition Comission, ao qual incumbe a defesa da concorrência, bem como oBritish Council, encarregado de promover a cultura britânica no exterior.

Ainda nas palavras do autor supracitado, o estudo das Agências também incluí o surgimento dessas nosEstados Unidos, que apesar de influenciados pelo sistema Commom Law britânico, possuem umaConstituição rígida e escrita, quase intocável, que consagra a separação dos poderes e define o paíscomo presidencialista.

As primeiras agências de que se tem notícia nos Estados Unidos datam do ano de 1887, quando ogoverno decidiu criar a Interstate Commerce Commission, com o objetivo de regular os serviçosinterestaduais de transporte ferroviário. Tal atitude do governo ocorreu em meio à marcha para o oeste,quando produtores rurais entraram em conflito com as prestadoras de serviços ferroviários por causa dosaltos preços cobrados. Tal reação da população fez com que a Administração pública daquela épocaadotasse algumas medidas, no sentido de regular a atividade econômica exercida em aparentedesencontro com o interesse da população em geral. Como bem observou Bagnoli, as Agências nosEstados Unidos já surgiram com a pretensão de regular, organizar e racionalizar o mercado emdeterminado setor, de modo a evitar a concorrência desleal ou predatória e contribuir para um melhoraproveitamento dos recursos. Esse modelo inovador de regulação e organização setorial da economiaviria a influenciar, após muitos anos, o Direito Administrativo francês.

Page 14: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 14/18

O surgimento das Agências Reguladoras nos Estados Unidos como uma nova forma de intervençãoestatal na economia é explicado pela saída do forte liberalismo do Século XIX e a intensa regulaçãoestatal em consonância com a política econômica do New Deal, atenuada após a Segunda GuerraMundial.

Em relação às agências reguladoras independentes dos Estados Unidos, cumpre ressaltar o emblemáticoAdministrative Procedure Act (APA), datado de 1946, que buscava regulamentar as próprias agênciasreguladoras, pois fixava para estas um padrão para que a uniformidade da máquina administrativa norte­americana fosse garantida, e além disso almejava garantir a participação dos indivídous sujeitos àsdecisões das agências em todos os procedimentos decisórios por estas adotados.

O Administrative Procedure Act (APA) é aplicado às agency e authority norte­americanas. Nessecontexto, o vocábulo agency significa qualquer autoridade do Governo dos Estados Unidos da América,que esteja ou não sujeita ao controle de uma outra agência, com exclusão do Congresso, dos Tribunais,Governos das Posses, Territórios ou Distrito de Columbia.

Tal legislação submeteu as agências reguladoras aos comandos diretivos lá assinalados e a análisedessa Lei é de fundamental importância à compreensão do que são esses organismos e como elesfuncionam na prática, no país que as criou

Em relação aos países com tradição francesa em seu Direito Administrativo, o contexto político social eeconômico predominante no século XX, principalmente a intensa estatização no pós Segunda Guerra,dificultou sobremaneira a implantação das agências reguladoras, e tal situação só cambiou por volta dadécada de 1980, com os intensos movimentos de desestatização e privatização dos setores daeconomia, ideia que veio a refletir em nossa própria economia, no governo do sociólogo FernandoHenrique Cardoso, do qual trataremos mais adiante.

Tratando­se diretamente de países do continente europeu e suas experiências regulatórias, podemosdestacar que na França as agências reguladoras possuíam a denominação de “autoridades administrativasindependentes”, e eram caracterizadas por exercerem atividades decisórias e regulatórias, tendo amplacompetência para tanto e por outro lado, carecendo de personalidade jurídica, pois era ligadas àsestruturas orçamentárias de seus respectivos ministérios, o que não impedia a sua total autonomia emrelação à estes últimos.

Sobre o modelo de agências reguladoras francês, Bagnoli cita as lições no renomado Alexandre Santosde Aragão:

uma característica peculiar das autoridades administrativas independentes francesas é que, ao contráriode muitos países, tais como o próprio Brasil, não se limitam à regulação de setores econômicos ouserviços públicos delegados à particulares, abrangendo também funções de proteção de direitosfundamentais e de proteção dos cidadãos frente à Administração Pública, não sendo, portanto, no seuconjunto, vinculadas exclusivamente ao Direito Econômico. (BAGNOLI, 2011, citando ARAGÃO,

Page 15: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 15/18

Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2 ed.Rio de Janeiro: Forense, 2004, pg. 240)

Complementando a observação do nobre autor, vê­se que no Brasil as agências são quase longa manusdo Estado, agindo na maioria das vezes de acordo com o interesse deste, e não necessariamente com ointeresse do público, haja vista as taxas fiscalizatórias, autos de infração, imposições de multa eprocessos administrativos decorrentes de sua atividade fiscalizatória, todos estes atos geram receita parao Estado, que tem grande interesse em continuar arrecadando indiretamente por meio de suas agências.

Para citar outro país europeu que adota a figura das agências, a Espanha vem a calhar com este estudo,pois de acordo com o seu modelo, as agências são autoridades administrativas independentes criadas apartir da década de 1980, no contexto supracitado de desestatização, possuindo, diferentemente dosistema francês, personalidade jurídica de Direito Público e, agora alinhadas ao sistema francês,ocupando­se não só da regulação econômica, como também da proteção dos direitos fundamentais dosadministrados.

A Itália, fonte de grande inspiração para o Direito em todo sistema Continental, ao seguir a tendência dedesestatização e privatização que se espalhava pela europa e pelo mundo em meados de 1980, criousuas próprias agências reguladoras, as quais eram denominadas de autoritá, possuindo o status deautoridades administrativas independentes, que atuariam em setores até então pertencentesexclusivamente ao Estado, que na conjuntura econômica daquele momento passaram a ser exploradospela iniciativa privada. É importante ressaltar que, assim como na Espanha e na França, tais agênciastambém buscavam a tutela dos Direitos Fundamentais dos administrados.

Alaxandre Santos de Aragão, brilhantemente observa características em comum entre as agências dos 3países europeus acima citados, que claramente inspiraram a criação das agências reguladoras brasileiras:

a independência de que são dotados consiste na realidade em uma autonomia reforçada em relação aoaparato tradicional da Administração Direta e Indireta; a restrição ao poder de exoneração dos dirigentesdos órgãos ou entidades independentes de regulação não compromete o poder de direção do Governo,sendo este compreendido nos termos das respectivas leis criadoras; todas elas concentram poderesfiscalizatórios, sancionatórios, compõem conflitos e editam regulamentos; e os amplos poderesregulamentares que geralmente possuem são admitidos desde que a lei fixe os standards em quedeverão se desenvolver. (BAGNOLI, 2011, citando ARAGÃO, Alexandre Santos de. AgênciasReguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pg.261)

Sobre o surgimento das agências reguladoras em território brasileiro, pode­se começar pela análise dastransformações ocorridas na década de 1990, que ocorrem nos ditames do que vem descrito nos artigos173 e 174 da então recém editada Constituição Federal de 1988. Observa­se que em meio a essastransformações o Estado que até então era caracterizado como interventor, fixador de preços eparticipante direto da economia, passa a operar como Estado regulador de determinados setores daeconomia, exercendo seu poder normativo, fiscalizando, incentivando e até planejando determinadas rotas

Page 16: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 16/18

na economia.

Como já observado acima, sobre o surgimento das agências no continente europeu, a década de 1980trouxe consigo uma onda de desestatização, e nesse contexto o Brasil, mesmo que tardiamente, aderiu àtendência mundial, mormente no governo de Fernando Collor de Mello, com seu agressivo ProgramaNacional de Desestatizacao (PND), que foi continuado de forma mais sutil por Itamar Franco, atingindoseu ápice no governo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, lembrado principalmente por essa política,muito aclamada por uns e da mesma forma atacada por outros. O projeto de diminuição da máquinaestatal brasileira, que alguns, críticos do modelo até então adotado, definiam como estado macrocefálico,estado gigantesco ou até mesmo “cabide de empregos”; envolvia reformas no direito tributário,administrativo e previdenciário, bem como uma ampla reforma econômica acompanhada obviamente dasfamosas privatizações, todas essas medidas sincronizadas com a ideia de diminuição do aparato estatale confiança na iniciativa privada.

Começando pelas reformas na ordem econômica, estas acabaram com o monopólio estatal nos setoresde prospecção, exploração e refino de petróleo, telecomunicações, geração e distribuição de energiaelétrica.

A política de privatizações no governo de Fernando Henrique Cardoso foi justificada de várias formas porseus defensores, e pode­se dizer que até mesmo ratificada por seus próprios resultados, na maioria dasvezes satisfatórios. Justificavam­se tais processos primeiramente pela defesa da livre iniciativa, tidanaquele momento econômico como um dos pilares da salvação econômica dos países em crise, emsegundo plano, alegava­se com certa razão que as empresas estatais existentes não tinham eficiênciapara atuar no mercado, em decorrência de sua gestão politizada e burocrática, que dificilmente seguiriaas leis do mercado. Em terceiro lugar destacava­se a incapacidade de o Estado investir em determinadossetores que demandavam imenso planejamento, pesquisa e investimentos em novas tecnologias, comoas telecomunicações. Por outro lado, haviam setores que não se justificavam mais como “estratégicos”,primeiramente porque já não se falava em um governo de militares, demasiadamente preocupados com asegurança nacional e em segunda análise porque haviam setores muito mais importantes e carentes daatuação do Estado, como saúde e educação, que não poderiam ficar a míngua enquanto a Administraçãorealizava gigantescos investimentos com veículos bélicos (a exemplo da extinta Engesa), aviões(observe­se a imensa transformação da Embraer após a privatização), e minérios.

Tratando­se do mercado, a iniciativa privada no Brasil já se encontrava madura para adentrar nessessetores até então de atuação exclusiva estatal, e para isso só precisavam de um incentivo do governo,qual seja, eliminar o concorrente desigual, em outras palavras, eliminar o próprio Estado da disputa, queatuava por meio de suas Estatais, privilegiadas pelos investimentos constantes e benefícios tributários.Tais atitudes do governo da época certamente atraíram os investidores para a nossa economia, o quefortaleceria o mercado de capitais, abasteceria os cofres do Estado, que consequentemente abateria suasdívidas com esse dinheiro e acabaria com a necessidade de constantes investimentos da Administraçãoem suas Estatais, librando­a para investir nas áreas sociais, extremamente carentes naquele período.

Nesse sentido, fez­se imperiosa a atuação do Estado nos setores recentemente desestatizados ou

Page 17: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 17/18

privatizados, fiscalizando, incentivando e planejando. Entretanto, mesmo com a pretensão inicial de secriar tais agências para regular os setores recém privatizados, observa­se que cada vez mais taisagências surgiram para atuar em setores sensíveis à opinião pública.

A privatização das telecomunicações e de outros setores merece elogios aos seus idealizadores, apesardas suspeitas de favorecimentos quando da distribuição das concessões à determinadas empresasprivadas. Tal iniciativa popularizou o acesso à vários bens e serviços antes inimagináveis à grandeparcela da população, como transporte aéreo de qualidade e tecnologia internacionais e serviços detelecomunicações como os de voz e de internet 3g. Esta estratégia econômica, apesar de sofrer durascríticas de simpatizantes mais alinhados à esquerda brasileira, se mostrou útil e eficaz em relação aomomento vivido por nossa nação quando da implementação de tais políticas de “desestatização”. Esseprocesso também deixava claro a tendência de abertura econômica no Brasil dos anos 90.

Ocorre que tais setores, por serem considerados estratégicos para o governo, a segurança nacional ebem como para o crescimento da economia; não poderiam ser deixados “largados”, ao sabor e humor domercado, sob o controle de empresas multinacionais controladas por investidores de países “rivais” ouque possuem grande interesse nas riquezas e no potencial econômico brasileiro. Vale ressaltar, que aatividade passada as mãos da iniciativa privada, continua sendo dever do Estado, que apenas transfere asua execução para estas empresas. Portanto, em última instância, o serviço prestado continua sendopúblico, pois a iniciativa privada atua como uma "longa manus" do poder estatal. Havia a necessidade dese criar uma forma de controle desses setores, sem que isso afugentasse os investimentos ou levasseao fracasso do processo de privatização. Eis que surge a grande ideia de copiar um órgão americano jáexistente desde o século XIX e que funcionava muito bem por lá: As agências reguladoras, objetoprincipal do nosso estudo, uma para cada setor estratégico que seria privatizado.

Sobre tais mudanças na atuação do Estado brasileiro em meados dos anos 90, Vinícius Marques deCarvalho faz ótimos comentários:

O que se pôde observar no Brasil, a partir do início da década de 90, foi o deslocamento da relevânciaatribuída às modalidades de intervenção estatal. Enquanto, por um lado, se iniciou um esvaziamentodas funções do Estado empresário por intermédio do processo de privatização das empresas estatais,por outro constituiu­se um novo aparato regulatório formado pelas agências de regulação. Tais agênciasteriam como função garantir, lançando mão de um aparato decisório fundado no seu caráter técnico elegitimado pela sua independência em relação às injunções políticas, a satisfação do interesse públicoregulando setores até então afeitos à prestação direta do estado. (CARVALHO, 2002, p. 13­14 )

Quanto aos desafios enfrentados naquele momento de transição, a nosso ver, um dos mais difíceis de seenfrentar seria a harmonização, a conciliação entre a lógica da atividade econômica privada e ascaracterísticas inerentes ao que conhecemos por “serviços públicos”, quais sejam: universalidade,igualdade e continuidade na prestação. Abordaremos uma por uma dessas características para que avisualização do problema fique mais clara:

Quanto à universalidade: Ora, aí está uma das características mais cruéis do capitalismo, com a qual

Page 18: Teoria Da Regulação e Agência Reguladora _ Artigos JusBrasil

08/12/2015 Teoria da Regulação e Agência Reguladora | Artigos JusBrasil

http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora?print=true 18/18

nos deparamos constantemente em nossas vidas, muitas vezes sem nem mesmo perceber. Tomemospor exemplo uma loja de roupas. Tal empresa obviamente aluga ou é proprietária do espaço em quefunciona, e pela lógica privada dos negócios pode vender seus produtos a quem quiser e pelo preço quequiser, desnecessário salientar que tais práticas devem se sujeitar à regras mínimas de concorrência e debom funcionamento do mercado. Notem que existem pouquíssimas regras de cunho social no âmbito dosnegócios. Pois bem, da porta do estabelecimento para dentro, via de regra, é a empresa quem decidequem pode entrar, sem necessidade de justificativa, nesse caso o direito constitucional à propriedade falamais alto. Mas imaginemos o caso de uma companhia de celular da década 1990 que acabara de obterdo governo, dentro dos processos de privatização, a concessão para operar em território brasileiro. Talsociedade, em seu estabelecimento, poderia restringir a entrada de determinadas pessoas? Com base emque critério? Traje? Poder econômico? Nacionalidad? Como ficaria a universalidade do atendimento?Resta claro que tal atitude seria incompatível com a prestação de um serviço de caráter público.

Quanto à igualdade: tal conceito se insere praticamente na mesma situação apontada logo acima. Aempresa que recebeu a concessão para operar em território brasileiro, exercendo atividade consideradaserviço público deverá tratar todos (universalidade) os cidadãos da mesma forma. No caso da empresa detelefonia móvel (inserida em telecomunicações, que é considerado um serviço público), o atendente doestabelecimento não poderia tratar o cidadão de parcos recursos de forma diferente da que tratou oempresário rico que havia atendido há poucos minutos. Tal característica do serviço público é muito difícilde se fiscalizar e até mesmo de se efetivar, por questões inerentes ao ser humano em essência. O serhumano é falível, ele enxerga os outros de forma diferente, trata de forma diferente, julga pela aparência.Enfim, não se pode exigir que o homem médio seja extremamente imparcial no seu tratamento comtodos, basta atentar para que não ocorram injustiças quando da prestação de um serviço público.

Quanto à continuidade na prestação: nada mais comum de se encontrar, nas mais diversas atividadesempresariais, do que uma empresa que fecha por algum tempo para experimentar novos negócios, quemuda de área para tentar lucrar mais ou até mesmo que resolve paralisar ou diminuir suas atividades parasubir os preços de suas mercadorias; sejam elas produtos, serviços ou uma mistura dos dois. Taisatitudes não poderiam ser aceitas quando da prestação de serviço público pela iniciativa privada. Oserviço público deve ser contínuo e a sua interrupção, caso ocorra, deve ser breve, programada ejustificada. Nada mais justo.

Disponível em: http://rafaelucchesi.jusbrasil.com.br/artigos/152015530/teoria­da­regulacao­e­agencia­reguladora