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TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS - funag.gov.brfunag.gov.br/loja/download/1152-Teoria_das_Relacoes_Internacionais... · André Luiz Ventura Ferreira ... 1.7 Fenomenologia do nome

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  • TEORIA DAS RELAES INTERNACIONAIS

  • Ministrio das relaes exteriores

    Ministro de Estado Jos Serra Secretrio-Geral Embaixador Marcos Bezerra Abbott Galvo

    Fundao alexandre de GusMo

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais

    Diretor, substituto Ministro Alessandro Warley Candeas

    Centro de Histria e Documentao Diplomtica

    Diretora, substituta Maria do Carmo Strozzi Coutinho

    Conselho Editorial da Fundao Alexandre de Gusmo

    Presidente Embaixador Srgio Eduardo Moreira Lima

    Membros Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg Embaixador Jorio Dauster Magalhes e Silva Embaixador Gonalo de Barros Carvalho e Mello Mouro Embaixador Jos Humberto de Brito Cruz Embaixador Julio Glinternick Bitelli Ministro Lus Felipe Silvrio Fortuna Professor Francisco Fernando Monteoliva Doratioto Professor Jos Flvio Sombra Saraiva Professor Eiiti Sato

    A Fundao Alexandre de Gusmo, instituda em 1971, uma fundao pblica vinculada ao Ministrio das Relaes Exteriores e tem a finalidade de levar sociedade civil informaes sobre a realidade internacional e sobre aspectos da pauta diplomtica brasileira. Sua misso promover a sensibilizao da opinio pblica nacional para os temas de relaes internacionais e para a poltica externa brasileira

  • THALES CASTRO

    TEORIA DAS RELAES INTERNACIONAIS

    2 edio revista e atualizada

    Braslia, 2016

  • Direitos de publicao reservados Fundao Alexandre de GusmoMinistrio das Relaes ExterioresEsplanada dos Ministrios, Bloco HAnexo II, Trreo70170-900 Braslia-DFTelefones: (61) 2030-6033/6034Fax: (61) 2030-9125Site: www.funag.gov.brE-mail: [email protected]

    Equipe Tcnica:Eliane Miranda PaivaAndr Luiz Ventura FerreiraFernanda Antunes SiqueiraGabriela Del Rio de RezendeLuiz Antnio Gusmo

    Programao Visual e Diagramao:Grfica e Editora Ideal

    Depsito Legal na Fundao Biblioteca Nacional conforme Lei n 10.994, de 14/12/2004.

    Impresso no Brasil 2016C355

    CASTRO, Thales. Teoria das relaes internacionais / Thales Castro. Braslia: FUNAG, 2016.

    582 p.; 15,5 x 22,5 cm.

    2 edio revista e atualizada

    ISBN: 978-85-7631-611-4

    Inclui bibliografia.

    1. Fenomenologia das Relaes Internacionais. 2. Metodologia das Relaes Internacionais. 3. Epistemologia das Relaes Internacionais. 4. Ontologia e Praxeologia das Relaes Internacionais. 5. Teoria Geral das Relaes Internacionais. I. Fundao Alexandre de Gusmo.

    CDU: 327

  • Com amor, dedico este livro a Lavnia,nestes seus primeiros meses de vida,

    trazendo-nos felicidade e luz,e a Rachel, esposa dedicada e companheira

    das muitas jornadas juntos.

  • O problema poltico essencial para o intelectual no criticar os contedos ideolgicos que estariam ligados cincia ou fazer com que sua

    prtica cientfica seja acompanhada por uma ideologia justa; mas saber se possvel constituir uma nova poltica da verdade.

    [...]No se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder o

    que seria quimrico na medida em que a prpria verdade poder mas desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia no interior das

    quais ela funciona no momento. Michel Foucault, Microfsica do poder.

    O propsito que o guiava no era impossvel, ainda que sobrenatural [...].

    Queria sonh-lo com integridade minuciosa e imp-lo realidade.Jorge Luis Borges, As runas circulares. In: Fices.

  • Apresentao 2 Edio

    com satisfao que a FUNAG lana a segunda edio, revista e atualizada, de Teoria das Relaes Internacionais, do Doutor Thales Castro, professor adjunto da Universidade Catlica de Pernambuco (UNICAP) e da Fundao Damas (FADIC), em Recife.

    Trata-se de um dos livros mais procurados do catlogo da Fundao dentro de seu universo temtico. O propsito de sua reedio, a pedido da comunidade acadmica, responder ao interesse na obra, a nica publicao da FUNAG que fornece um quadro amplo das teorias de Relaes Internacionais.

    O presente trabalho tem-se mostrado de grande utilidade para alunos de graduao e ps-graduao em Relaes Internacionais, bem como para aqueles que buscam ingressar na carreira diplomtica, por meio do exame do Instituto Rio Branco (IRBr).

    Num mundo que se globaliza e se torna cada vez mais interdependente, o estudo e o conhecimento das teorias de Relaes Internacionais fazem parte da busca por formulaes autnomas para as pesquisas sobre as relaes internacionais do Brasil. A reedio mais um passo da Fundao no sentido de fortalecimento do dilogo no meio acadmico e entre academia e diplomacia.

    Embaixador Srgio Eduardo Moreira LimaPresidente da Fundao Alexandre de Gusmo

  • Sumrio

    Lista de quadros ............................................................................................19Lista de tabelas ..............................................................................................21Lista de figuras ...............................................................................................23Lista de abreviaturas .....................................................................................25

    ApresentaoPaulo Roberto de Almeida ............................................................................29

    Prefcio Fernando Martnez Westerhausen ..............................................................33

    Introduo.......................................................................................................37

    LIVRO I ESTTICA: ANALITICIDADE PONTUAL DAS RELAES

    INTERNACIONAIS

    Primeira Parte - Fenomenologia das Relaes Internacionais

    Captulo I Fenmeno das Relaes Internacionais ....................................................53

    1.1 Configuraes preliminares: o campo de estudo e sua importncia .....................................................................................53

  • 1.2 A relao sujeito-objeto: entre o monismo e o dualismo .................581.3 A noo de pr-ordem e sua nomologia ............................................631.4 Elementos constitutivos da pr-ordem ..............................................661.5 Ferramentas conceituais do saber internacional ...............................711.6 Fenmeno e cincia: inteligibilidade das

    Relaes Internacionais ........................................................................831.7 Fenomenologia do nome objetos propeduticos do

    macroambiente: comunidade, sistema, sociedade e cenrio internacional .............................................................................87

    Captulo II Estatologia - Teoria do Estado nas Relaes Internacionais ..................101

    2.1 Origens, constitutividade e operacionalidade os debates de primeira e de segunda gerao: formalidade e substancialidade do Estado ...............................................................1012.1.1 Sobre as origens do Estado .........................................................1022.1.2 Teoria formal do Estado: Elementos constitutivos e

    reconhecimento ............................................................................1072.1.3 Teoria substancial do Estado: Estados falidos e os

    quase Estados ...............................................................................1202.2 Taxonomia dos Estados sob o ponto de vista do desenho

    institucional ..........................................................................................1252.2.1 Forma de Estado: unitrio, federal e confederado ........................1252.2.2 Forma de governo: repblica e monarquia ..................................1282.2.3 Sistema de governo: presidencialismo, parlamentarismo e os

    sistemas mistos ............................................................................1302.2.4 Regimes polticos: democracia, semidemocracia e

    autoritarismo ...............................................................................1322.3 Morfocomposio: o (des)encaixe Estado-nao ............................135

    2.3.1 Isocomposio e pluricomposio .................................................1352.3.2 Rupturas estatais: separatismo, irredentismo e

    desmembracionismo ...................................................................... 1382.4 Sobre geopoltica: a relao polis e locus nas

    Relaes Internacionais ..........................................................................1442.4.1 Princpios das escolas determinista, possibilista e da

    geopoltica integralizada ..............................................................1452.4.2 Tipologia territorial do Estado segundo Renner e o estudo

    das fronteiras em Ratzel e Vallaux ..............................................1522.4.3 Quociente de maritimidade e o coeficiente de presso de Supan:

    aplicaes e cenrios ....................................................................1532.5 Relao entre poltica interna e externa: linkages e vetores ...........158

  • Captulo III Cratologia - Teoria do poder nas Relaes Internacionais .................... 163

    3.1 Dos fundamentos do poder ...............................................................1633.1.1 Poder no sentido amplo e restrito ................................................1653.1.2 Estruturas de autoridade .............................................................1663.1.3 Semntica da contabilidade cratolgica: passivo e

    ativo de poder ...............................................................................1703.2 Condicionantes, premissas e mensurao cratolgica:

    os capitais de fora-poder-interesse (KFPI) e os padres de dissuaso-normas-valores (PDNV) .................................................1733.2.1 ndices de mensurao do poder: o poder perceptvel

    de Cline, o ndice de Organski-Kugler e o IEPG .........................1863.2.2 A frmula do poder internacional (PI) de Castro ........................190

    3.3 A gramtica do poder internacional: liderana, supremacia e hegemonia; polaridade e lateralidade; governana e ordem mundial ................................................................................................... 205

    3.4 Anlises cratolgicas futuras: da unipolaridade pura unipolaridade hbrida; da tripolaridade multipolaridade hexagonal ..............................................................................................2163.4.1 Panorama cratolgico no incio do sculo XXI: novas e velhas

    hegemonias, BRICS, G-8 e as Relaes Internacionais ...............2163.4.2 Previses e radiografias cratolgicas futuras: encaixe e

    difuso de polaridades redefinidas ...............................................2253.5 A espacialidade inter-relacional: as esferas de

    influncia e a teoria gravitacional de poder ....................................2423.6 Taxonomia cratolgica dos Estados: anlise sobre a

    distribuio dos ativos de poder mundial .......................................2443.6.1 Ciclos hegemnicos e os fatores para mudanas

    nas ordens mundiais ....................................................................... 2483.6.2 As ondas de longa durao de Kondratieff (K-cycles) e as

    alternncias de poder global ........................................................2553.7 Ato e fato internacionais: correlaes e dinmicas .........................2603.8 Isolando o objeto-ambiente de estudo: o conceito

    de sistemia (nveis de anlise) ...........................................................2623.8.1 Do foco no globo e nas regies mundiais: a macrossistemia

    e a mesossistemia .........................................................................2633.8.2 Do foco no Estado, nas suas unidades

    subnacionais e no indivduo (policymaker): a microssistemia e suas subclassificaes ....................................264

    3.8.3 A noo da antissistemia e paragovernana global .....................266

  • Segunda Parte Metodologia das Relaes Internacionais

    Captulo IVMetodologia das Relaes Internacionais .............................................273

    4.1 Metodologia das Relaes Internacionais como cincia autnoma .................................................................................2734.1.1 Do mtodo dedutivo cartesiano ...................................................2744.1.2 Do mtodo indutivo no experimentalismo de Bacon ...................2754.1.3 Do mtodo hipottico-dedutivo de Popper ...................................278

    4.2 Pesquisas em Relaes Internacionais: manuseio das variveis e propsitos .........................................................................279

    4.3 Posicionamento e relaes com o Direito Internacional ................2814.4 Sobre teoria, modelo e discursos metatericos ...............................2834.5 Notas sobre metodologia e a metarrealidade: os graus

    de aderncia realidade (GAR) .......................................................2864.6 Do racionalismo dogmtico e do empirismo ctico sntese

    do criticismo kantiano: base da cientificidade das Relaes Internacionais ......................................................................294

    4.7 As funes de descrio, explicao, previso e prescrio .........2974.8 Disciplinas das Relaes Internacionais o debate

    monodisciplinaridade versus interdisciplinaridade; quantitatividade versus qualitatividade .........................................303

    4.9 Nova proposta: internacionametria e seus desdobramentos ........306

    Terceira Parte Epistemologia das Relaes Internacionais

    Captulo VEpistemologia das Relaes Internacionais ...........................................311

    5.1 Saber e epistemologia internacional: teorias, metateorias, premissas e discursos ..........................................................................311

    5.2 Da escola realista .................................................................................3125.2.1 Do realismo clssico: categorizaes iniciais ..............................3125.2.2 Principais tericos e premissas do realismo clssico ...................3155.2.3 O realismo neoclssico de Morgenthau .......................................3255.2.4 O neorrealismo de Waltz .............................................................3285.2.5 Debates ps-bipolaridade: o realismo ofensivo (pessimista)

    de Mearsheimer e o realismo de choque civilizatrio de Huntington .............................................................................331

    5.3 Da escola do liberalismo e suas mltiplas vertentes ......................3385.3.1 O liberalismo clssico ..................................................................339

  • 5.3.2 O liberalismo de vertente sociolgica e de perspectiva democrtico-republicana (pax democratica) .............................343

    5.3.3 O liberalismo de linha jurdica (Idealismo). Da jurisdicidade do ideal. O semidireito internacional ......................................350

    5.3.4 O institucionalismo liberal-internacionalista (ILI) e o neoliberalismo institucional ........................................................357

    5.4 Da escola da economia poltica internacional (EPI) e seus campos........................................................................................... 3625.4.1 Historicidade e eixos da economia poltica internacional:

    da interdependncia complexa e do pragmatismo........................3635.4.2 Relaes Internacionais, ideologias e doutrinas econmicas:

    breve trajetria do mercantilismo, do capitalismo liberal, do marxismo e do neoliberalismo ......................................................366

    5.4.3 A economia poltica da dualidade integrao- desterritorializao: a Unio Europeia e seus desdobramentos ...373

    5.5 Da escola crtica (teoria radical) ps-positivismo, neomarxismo e Relaes Internacionais ..........................................378

    5.6 Da escola inglesa da sociedade internacional .................................3825.7 Do construtivismo e seus postulados o terceiro grande

    debate das Relaes Internacionais...................................................3875.8 Da escola ps-colonialista: anlises discursivas e

    desdobramentos .................................................................................... 3925.9 Da escola ecopoltica: o ambientalismo e as

    Relaes Internacionais ....................................................................... 3965.10 Debates paradigmticos alternativos: gnero e

    ps-modernidade feminismo, relativismo e os sujeitos fragmentados na agenda das Relaes Internacionais contemporneas ...................................................................................406

    5.11 Do sintetismo de equilbrio normativo dinmico (SEND): nova proposta ao debate terico das Relaes Internacionais ......4125.11.1 Fundamentos e propsitos ...........................................................4125.11.2 A orto-ontopraxia como conduta internacional

    (KFPI, PDNV, Sntese e Pos-sntese) ...............................................4155.11.3 Premissas maiores e menores do SEND ......................................419

  • LIVRO II DINMICA: INTERAO E PRXIS DAS RELAES

    INTERNACIONAIS

    Quarta Parte Ontologia e Praxeologia das Relaes Internacionais

    Captulo VI. Ontologia das Relaes Internacionais ...........................429

    6.1 Debates conjunturais: atores, agentes ou sujeitos internacionais? .......................................................................429

    6.2 Tipologias dos atores internacionais ................................................4336.2.1 Atores estatocntricos: o Estado e sua summa potestas como

    cerne da dinmica internacional a competncia primria ........4346.2.1.1 Estatalidade e suas dinmicas derivadas: a

    supraestatalidade e a infraestatalidade ...................4356.2.1.2 A estatalidade redefinida no contexto dos desafios

    da poltica internacional contempornea ...............4386.2.2 Atores no estatais .......................................................................440

    6.2.2.1 Do segundo setor: as GCTs (As Grandes Corporaes Transnacionais) ....................................440

    6.2.2.2 Do terceiro setor: as redes, a esfera pblica no estatal e as ONGs globais ..........................................441

    6.2.3 Atores individuais a pessoa humana como agente-paciente .....442

    Captulo VIIPraxeologia das Relaes Internacionais ................................................447

    7.1 Breve dinmica histrico-evolutiva (no paramtrica) convergncia multidisciplinar da prxis das Relaes Internacionais .......................................................................................4477.1.1 O sistema pr-westphaliano e a gnese de Westphalia: a Paz

    de Augsburgo (1555) ..................................................................4497.1.2 O marco do sistema estatocntrico westphaliano (1648) e as

    ordens mundiais subsequentes ....................................................4517.1.3 Os sculos XIX e XX: entre Viena (1815), Versalhes (1919)

    e Yalta (1945) a construo das Relaes Internacionais contemporneas ............................................................................ 452

    7.1.4 O final do sculo XX e suas relativizaes ps-westphalianas ...4547.1.5 A summa potestas partilhada macroestatal, fragmentaes

    e o comunitarismo no sculo XXI................................................459

  • 7.2 Espectro de comportamento e interao (ECI) dos Estados: alianas, coalizes, apatia, distanciamentos e rupturas .................463

    7.3 A dialtica iren-polemos: o irenismo e a polemologia nas Relaes Internacionais ......................................................................4667.3.1 Da segurana internacional: entre a guerra, a paz e o status

    mixtus ............................................................................................4747.3.2 Casus belli e o princpio de rejeio da monocausalidade dos

    conflitos armados .........................................................................4827.3.3 Da institucionalidade garantidora da ordem mundial: papel e

    atuao do Conselho de Segurana da ONU ...............................4897.4 Da prxis diplomtica e consular anlise dos rgos do

    Estado nas Relaes Internacionais ..................................................496

    Quinta Parte Para Alm de uma Teoria Geral das Relaes Internacionais

    Captulo VIIIConcluses e perspectivas: novas fronteiras, velhos desafios e alm-teorias ..................................................................505

    Apndices

    Apndice I Clculos, Evidncias e Aplicaes da Frmula do Poder Internacional (Pi) de Castro para os Pases Do G-8 .....................511

    Apndice II Pases-Membros da ONU em 2016 ...................................521

    Apndice III A Poltica Internacional ps-1945 e os Secretrios-Gerais da ONU: sntese, classificaes e anlises ...............527

    Apndice IV Dados Gerais Macrossistmicos: uma radiografia do mundo pela CIA World Factbook - 2016 ................................................531

    Apndice V Cruzamento de Dados entre os P-5, BRICS, G-8, G-20 e IBAS .............................................................................................................537

    Bibliografia ...................................................................................................539

  • Lista de quadros

    Quadro 1 A pr-ordem e seus elementos constitutivos (simetria, direcionalidade e pertinncia) ....................................................70

    Quadro 2 Principais ferramentas conceituais .........................................78

    Quadro 3 Segmentaes da ferramenta conceitual, segundo Castro, da cincia das Relaes Internacionais: descries e anlises por captulo ................................................................81

    Quadro 4 Relao de porcentagem entre fronteiras martimas e terrestres com o quociente de maritimidade .....................155

    Quadro 5 Variveis e rubricas utilizadas na composio da frmula de Castro do poder internacional (PI) ...................................192

    Quadro 6 Cinco radiografias sobre o atual estgio de distribuio de poder mundial (Tabela 6.1 a Tabela 6.5) ......................220

    Quadro 7 Mdias dos rankings para os BRICS e para o G-8 em relao s variveis populao, PIB pela PPC, efetivo de fora militar, reservas internacionais no conceito de caixa e consumo de petrleo (bpd) ...............................................................................................224

    Quadro 8 Hipteses de previso sobre o cenrio internacional e suas polaridades 2012-2040 (Tabela 8.1 e Tabela 8.2) ..........................234

    19

  • Quadro 9 As quatro funes no uso instrumental-metodolgico das Relaes Internacionais .......................................................................302

    Quadro 10 Sntese das recomendaes kantianas para a paz perptua: uma anlise do liberalismo democrtico-republicano ..........347

    Quadro 11 Quatro imagens da globalizao: ilustrao da economia poltica internacional .................................................................371

    Quadro 12 As dimenses da guerra: um retrato do estudo da polemologia .............................................................................................473

    20

  • Lista de tabelas

    Tabela 6.1 Populao dez maiores conglomerados populacionais do mundo em 2012 .............................................................220

    Tabela 6.2 PIB em trilhes de dlares norte-americanos pela paridade do poder de compra (PPC) ................................................220

    Tabela 6.3 Fora militar disponibilidade de efetivo de primeira linha ...............................................................................................221

    Tabela 6.4 Reservas internacionais em moeda estrangeira e ouro em bilhes de dlares norte-americanos (conceito de caixa) .................221

    Tabela 6.5 Consumo dirio em barris de petrleo dia (bpd) por pases .....................................................................................222

    Tabela 8.1 Cenrio unipolar puro (1991-2020) com incio de unipolaridade hbrida a partir de 2020 .....................................................234

    Tabela 8.2 Cenrios ps-unipolares: unipolaridade hbrida com coexistncia ftica de encaixe de tripolaridade, 2020-2035/2040, e multipolaridade hexagonal (hexapolo) ps-2040 ....................................236

    21

  • Tabela 9 Gastos mundiais em armamentismo: uma ilustrao da escola realista ps-bipolaridade .................................................................332

    Tabela 10 Endividamento pblico externo: anlises e desdobramentos para a escola da economia poltica internacional (EPI) .......................................................................................377

    22

  • Lista de figuras

    Figura 1 Espectro comunidade-cenrio internacional e suas gradaes .............................................................................................91

    Figura 2 Esquema sinttico sobre elementos constitutivos do Estado teoria formal do Estado .........................................................113

    Figura 3 Separatismo, irredentismo e desmembracionismo na poltica internacional ..............................................................................142

    Figura 4 Representao de linkage com vetor endgeno: o caso de combate fome e pobreza durante a gesto Lula como fatores de influncia na esfera externa ......................................................160

    Figura 5 Representao de linkage com vetor exgeno: o caso da guerra contra o terrorismo durante a gesto GW Bush ....................161

    Figura 6 Esquema geral de reviso sobre os principais temas de estatologia .....................................................................................................162

    Figura 7 Esquema sinttico sobre poder, enquanto tese, na poltica internacional: uma taxonomia ...............................................181

    23

  • Figura 8 Aplicao grfica da lei dos retornos decrescentes com o uso prolongado do poder em contextos de grande assimetria e estafa moral ...............................................................185

    Figura 9 Anlise grfica do escalonamento liderana-supremacia-hegemonia .............................................................215

    Figura 10 Taxonomia cratolgica de acordo com a Tipologia de Huntington ............................................................................246

    Figura 11 Taxonomia cratolgica de acordo com a Tipologia de Castro ......................................................................................248

    Figura 12 Sobre o posicionamento das Relaes Internacionais em comparao com o Direito Internacional ...........................................282

    Figura 13 Representao grfica entre a complexidade dos processos cognitivos e a quantidade de variveis exigidas das quatro funes essenciais da Cincia das Relaes Internacionais ......301

    Figura 14 Praxeologia e posicionamento das Relaes Internacionais com o campo da segurana internacional e suas disciplinas ..........................................................................................468

    Figura 15 Escolha racional, utilidade esperada das guerras e a dialtica iren-polemos ..............................................................477

    24

  • Lista de abreviaturas

    ADMs - Armas de Destruio em MassaAGNU Assembleia Geral das Naes UnidasANZUS Tratado de Cooperao Militar entre Estados Unidos, Austrlia e Nova Zelndia (1951)BRICS Brasil, Rssia, ndia, China e, ps-2011, frica do SulCBMs Confidence-building measuresCIJ Corte Internacional de JustiaCINC Composite Indicator of National CapabilitiesCSCE Conferncia para Segurana e Cooperao na EuropaCSNU Conselho de Segurana das Naes UnidasECI Espectro de comportamento e interao ECIJ Estatuto da Corte Internacional de JustiaEPI Economia Poltica InternacionalG-4 Coalizo dos pases candidatos vaga permanente no Conselho de Segurana da ONU em um contexto eventual de reforma (Brasil, Alemanha, Japo e ndia)G-8 Grupo das oito maiores economias do mundo (sic)G-20 Grupo das vinte maiores economias do mundo (vide apncie V)GAR Graus de aderncia realidade

    25

  • GM Governana mundialIBAS Coalizo ndia, Brasil e frica do SulIEA International Energy AgencyILI Institucionalismo liberal-internacionalistaKFPI Capital de fora-poder-interesse (tese de acordo com o SEND)Mercosul Mercado Comum do SulMRE Ministrio das Relaes Exteriores (Itamaraty)O O objeto na fenomenologia das Relaes Internacionais pelo conceito de pr-ordemOM Ordem mundialOPEP Organizao dos Pases Exportadores de PetrleoONU Organizao das Naes UnidasOTAN Organizao do Tratado do Atlntico NorteOTASE Organizao do Tratado do Sudeste AsiticoOTCA Organizao do Tratado de Cooperao AmaznicaP-3 Posio ocidental dos pases permanentes do Conselho de Segurana da ONU (Reino Unido, Frana e EUA)P-5 Permanent 5: pases permanentes com poder de veto do CSNU EUA, Reino Unido, Frana, RPC e URSS entre 1945 e 1991 Rssia como sucessora da URSS a partir de janeiro de 1992PDNV Padres de dissuaso-normas-valores (anttese de acordo com o SEND)PI Frmula do Poder Internacional (Castro)PP Frmula de Ray Cline do Poder PerceptvelPNUD Programa das Naes Unidas para o DesenvolvimentoRPC Repblica Popular da ChinaRI Relaes Internacionais S O sujeito na fenomenologia das Relaes Internacionais no mbito do conceito de pr-ordemSDN Sociedade das Naes (Liga das Naes)SEND Sintetismo de Equilbrio Normativo Dinmico (nova escola proposta no campo da Teoria das Relaes Internacionais)SIPRI Stockholm International Peace Research InstituteSG Secretrio-Geral da ONU

    26

  • TNP Tratado de No Proliferao de Armas NuclearesTPI Tribunal Penal InternacionalTRI Teoria das Relaes InternacionaisUNASUL Unio nas Naes Sul-AmericanasURSS Unio das Repblicas Socialistas SoviticasZOPACAS Zona de Paz e Cooperao do Atlntico Sul

    27

  • Apresentao

    A literatura brasileira no campo das relaes internacionais no , reconhecidamente, abundante em trabalhos tericos, sendo bem mais prolfica em estudos de casos ou em anlises e na histria da poltica externa brasileira. Os poucos livros que comportam o termo teoria em seu ttulo apresentam, na verdade, uma sntese das teorias mais correntes, e tradicionalmente consagradas, na academia americana ou europeia; eles dedicam-se, na verdade, a expor os mritos e insuficincias dessas elaboraes conceituais, sem necessariamente conter uma aplicao concreta da teoria em causa ao caso brasileiro, ou sem oferecer uma teoria prpria, adaptada ou adequada situao do Brasil ou de outros pases ocupando um locus semelhante no sistema de relaes internacionais.

    Por estes, e por muitos outros motivos, pode-se (na verdade, deve-se) saudar a publicao desta obra (Teoria das Relaes Internacionais Thales Castro), cujos mritos so ressaltados a partir de uma visualizao, mesmo perfunctria, de seu prprio ndice. Dispensemos aqui os clichs, no sentido de dizer que ela preenche uma lacuna, ou que ela inova metodologicamente no campo das relaes internacionais, j que esses lugares comuns nada dizem e podem at representar um capitis diminutio em relao a uma obra ainda precoce, no contexto de seu pblico-alvo, mas j densa em suas diversas vertentes substantivas. Ela no preenche uma lacuna, pois que, para sermos exatos, esta obra ocupa todo um espao, um campo

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  • inteiro, no domnio terico das relaes internacionais, para no dizer que ela lavora em terrenos pouco devassados pela academia brasileira, que prefere arar naqueles terrenos mais tradicionais apontados acima.

    Uma outra consulta, ainda que rpida, bibliografia confirma a amplitude do trabalho de pesquisa conduzido pelo autor, a imensa quantidade e a diversidade de leituras efetuadas, base de uma argumentao densa articulada inclusive com base em neologismos conceituais. O autor conviveu com tericos, historiadores, analistas, observadores e praticantes das relaes internacionais, ou melhor, da poltica internacional, j que no terreno da prtica que sua teoria proposta vem encontrar embasamento e sustentao na realidade. So inmeros, no apenas os autores, mas tambm os exemplos retirados da prtica dos Estados, ou melhor, dos homens de Estado, combinando tcnica e arte das negociaes, das presses, das chantagens, da persuaso, quando no fazendo apelo ultima ratio da guerra, para dirimir conflitos potenciais ou efetivos.

    Esta obra promete firmar-se como marco terico e reflexo analtica de primeira grandeza na parca literatura brasileira (e at internacional), oferecendo, em seus oito captulos distribudos em cinco partes e dois livros (e em dezenas de sees), uma viso abrangente do que vem a ser no apenas a teoria das relaes internacionais, mas tambm a prpria cincia da poltica, to rica e to volvel nas mos dos homens de Estado e nas plumas dos intelectuais que delas se ocuparam. A despeito de suas mais de 500 pginas, no se pense que o autor se declare satisfeito com uma obra que deve ser seguida por outras, j que ele declara expressamente que pretende continuar se debruando sobre esses fenmenos complexos em trabalhos setoriais ulteriores, provavelmente, uma srie de reflexes ao longo de uma rica jornada de elaboraes intelectuais que recebe aqui seu marco inicial.

    Trata-se aqui, como tambm proposto explicitamente, de um esforo de interpretao que vem acompanhado de objetivos prescritivos, como, alis, j presente nas obras de grandes socilogos e cientistas polticos, da linhagem de um Raymond Aron e muitos outros. Por exemplo: o Brasil descrito como pas semiperifrico, mas dotado de elevado quociente de poder internacional, e por isso mesmo o autor no se limita a comentar teorias e propostas de tericos dos pases centrais, mas participa da, e contribui decisivamente para a, criao de uma teoria especificamente adaptada s circunstncias e s peculiaridades de um pas como o nosso.

    Na verdade, reflexes tericas e consideraes prticas se entrelaam neste livro que pode assustar o leitor iniciante pela sua

    PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

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  • terminologia (e tambm pela densidade analtica e pela volumetria dos argumentos), mas que certamente ser capaz de satisfazer o pesquisador mais exigente nesse campo relativamente pouco explorado da academia brasileira. O autor vem a propor, criativa e provocadoramente, como ele mesmo reconhece, uma nova cincia, ou talvez um ramo da cincia das relaes internacionais: a internacionametria, uma tentativa de quantificar e formalizar, com a ajuda do ferramental especializado da matemtica e da econometria, os fenmenos mais correntes da poltica internacional.

    Poder e dominao so dois fenmenos tpicos das relaes sociais, e tambm das relaes estatais, que esto sempre presentes em qual- quer sistema poltico, nacional ou internacional, e que permeiam qualquer nvel de anlise e de reflexo sobre os mecanismos de funcionamento das sociedades e dos Estados-Membros da comunidade internacional. Numa parfrase, poder-se-ia dizer que o autor possui um imenso poder de sntese o que alis transparece na proliferao de citaes e referncias autorais e uma capacidade exemplar de dominar o campo que ele se props examinar teoricamente, atributos que vo determinar a permanncia estrutural de sua obra e sua provvel transmutao em paradigma analtico da academia brasileira nesse campo de reflexo ainda relativamente rarefeito em nosso ambiente universitrio.

    Deve-se, assim, saudar como extremamente auspicioso o fato de estarmos em presena de uma obra ao mesmo tempo slida, erudita e brasileira, no sentido mais amplo desses conceitos. Meus votos para uma longa jornada de realizaes intelectuais no domnio da poltica internacional e a expresso de meu desejo de sucesso em todos os empreendimentos intelectuais ulteriores nos quais se aventurar este jovem autor to promissor no cenrio nacional (e provavelmente internacional), no desafiador terreno da teoria das relaes internacionais. Esta obra passa a ser referncia nesse campo; que ela seja seguida de outras contribuies to ricas quanto esta.

    Paulo Roberto de Almeida1Braslia, outubro de 2011.

    1 Diplomata de carreira, professor de Economia Poltica Internacional. Autor de Relaes Internacionais e Poltica Externa do Brasil (2012).

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    APRESENTAO

  • Prefcio

    O novo livro do Professor Thales Castro intitulado Teoria das Relaes Internacionais constitui valioso aporte a esta disciplina fundamental para o conhecimento, a anlise e a interpretao da realidade poltica do mundo contemporneo.

    A cincia das Relaes Internacionais uma disciplina relativamente recente, nascida na poca de Guerra Fria e desenvolvida basicamente a partir da dcada de setenta. A matria analisada nesta obra est em constante evoluo, pois tributria de diversas cincias sociais que, por sua vez, esto sujeitas a incorporar as novidades que transcendem a sociedade mundial permanente e acelerada renovao. Alfred Zimmerman, que foi o primeiro ocupante de uma ctedra de Relaes Internacionais, afirmava que a evoluo desta disciplina deve-se ao natural desenvolvimento das ideias; ao impacto da evoluo dos acontecimentos nas prprias teorias que tentam explic-las; e influncia dos conceitos e instrumentos provenientes de outras cincias sociais. Todos esses elementos observa-se de maneira muito especfica neste livro levam em conta, no caso da Teoria das Relaes Internacionais, a mobilidade do panorama internacional hodierno e a evoluo social e cultural que registra uma sociedade aceleradamente tecnificada.

    So numerosos os pontos de vista nesta obra por meio dos quais podemos interpretar o que so as Relaes Internacionais e isso se traduz em diversos confrontos, sejam eles o debate entre realismo e liberalismo; entre aportes cientficos e tradicionalistas (orientaes

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  • sistmicas, estruturalismo); entre realismo e transnacionalismo; entre neorrealismo e neoliberalismo; ou entre racionalismo e empirismo. Tudo isso produz certa perplexidade sobre o que, na ltima instncia, sejam as Relaes Internacionais. Certamente, nossa disciplina pode ser considerada como uma cincia social, mas esse consenso no leva talvez em conta a disperso dos sujeitos do estudo (o indivduo, o Estado, a sociedade, os organismos); nem a forte influncia das cincias exatas nas cincias sociais precisamente em uma conjuntura em que as Relaes Internacionais esto experimentando seu maior desenvolvimento como disciplina autnoma. Acredito que ambos os fenmenos podem chegar a questionar a real insero dessa disciplina no universo das cincias sociais. Com efeito, o af quantificador invadiu as atividades de descrio, explicao e predio com enfoques, mtodos e objetivos mais prprios das cincias exatas.

    De outro ponto de vista, os grupos de teorias conservadoras consideram as Relaes Internacionais mais como uma arte do que como uma cincia, destacando os fatores subjetivos da fenomenologia poltica e os elementos intuitivos daqueles que operam com elas. Essa linha de interpretao favorece dimenso diplomtica da matria.

    A proliferao de pontos de vista sobre o mbito da matria, agrega a ela elementos de ambiguidade e complexidade. A multiplicidade de escolas de pensamento significa ausncia de consenso sobre o que sejam as Relaes Internacionais e poderia inclusive questionar a consistncia de sua teoria como disciplina cognitiva, com a consequncia negativa de diminuir a utilidade desta como instrumento aplicvel.

    As consideraes crticas que acabamos de fazer no nos impedem, porm, de reconhecer que o devenir internacional precisa de modelos conceituais que sirvam para analisar as Relaes Internacionais, suas implicaes e sua influncia no sistema internacional. Muito pelo contrrio, elas nos animam a tentar uma aproximao entre os diferentes pontos de vista tericos, no intuito de chegar a uma maior operatividade do pensamento poltico internacional.

    Se, no passado, a teoria das Relaes Internacionais tratava sobre tudo da poltica exterior dos Estados nacionais, as variadas interaes e a magnitude dos riscos orientaram o trabalho dos pesquisadores em direo ao marco do sistema internacional global. Assim sendo, os assuntos que mais interessam atualmente so questes como: a estrutura do sistema internacional; as condies bsicas para a paz; os fatores condicionantes da poltica exterior e as decises que a afetam; os conflitos e as crises; os processos de integrao regional e as organizaes internacionais.

    FERNANDO MARTNEZ WESTERHAUSEN

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  • O sistema internacional passou da bipolaridade multipolaridade. A simplicidade do mundo ps-guerra (Ocidente contra pases socialistas, poltica de blocos, confrontao bipolar russo-americana) contrasta com a complexidade do mundo atual. Em anlise de Daniel Colard, os fatores dessa transformao da sociedade internacional contempornea seriam os seguintes:

    a. a descolonizao, que provocou o afundamento dos grandes imprios coloniais e a apario de uma multitude de novos Estados, que mudaram as maiorias na ONU. A descolonizao foi, em primeiro lugar, poltica (acesso independncia), depois econmica (reivindicao de uma Nova Ordem Econmica Internacional NOEI) e finalmente cultural (despertar do Isl, reivindicao da negritude);

    b. a unificao do campo da atividade diplomtica. O sistema internacional inclui atualmente os cinco Continentes, planetrio e se identifica com o conjunto da Humanidade. No faz diferena o lugar em que os fatos aconteam, pois todos eles se influenciam reciprocamente. So reforadas as interdependncias polticas, econmicas ou estratgicas entre Leste e Oeste, Norte e Sul;

    c. revoluo nuclear e espacial. A poltica de confronto nuclear imps uma paz baseada no medo de ocorrer um suicdio nuclear coletivo, mas a recente proliferao dessa arma provoca riscos de instabilidade suplementares. O tomo e o espao tm importantes consequncias civis: centrais termonucleares, satlites de comunicao ou de observao, explorao do espao exterior;

    d. revoluo cientfica e tcnica, que aumenta a interdependncia mundial e tambm a desigualdade, acelerando ao mesmo tempo a corrida armamentista;

    e. emergncia dos pases em desenvolvimento, com a apario de novos protagonistas no cenrio internacional e o possvel declnio dos Estados Unidos como primeira potncia mundial.

    Nessas condies, o sistema internacional aparece instvel e frgil. Na atualidade, vivemos num mundo que se encontra desestabilizado poltica, econmica, financeira e estrategicamente; excessivamente

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    PREFCIO

  • armado devido corrida armamentista na qual os protagonistas j no so tanto os Estados Unidos e a Rssia, mas algumas das naes emergentes; khomeinizado, pois a revoluo iraniana fez acordar o mundo islmico, provocando, s vezes, reaes irracionais e passionais perigosas.

    Caberia perguntar se a transio da bipolaridade para a multipolaridade se processar de maneira pacfica ou, pelo contrrio, violenta. No h dvida de que essa mudana, talvez a mais profunda do sistema internacional atual, est trazendo tona a confrontao de interesses entre as at agora primeiras potncias mundiais e as principais naes emergentes. A OMC , por exemplo, um dos cenrios em que mais nitidamente se observam as diferenas entre uns e outros. Mas, se considerarmos que a maioria dos conflitos que atualmente se registram no mundo so mais regionais (se bem que, s vezes, com consequncias globais, como o risco de fornecimento de petrleo), podemos dizer lembrando de novo a OMC que a via principal para a soluo de controvrsias est sendo a da negociao e do dilogo: quer dizer, uma via pacfica.

    Nessas condies, acredito que a obra do professor Thales Castro aporta uma viso altamente construtiva e atualizada, que, sem dvida, haver de enriquecer o panorama terico das Relaes Internacionais.

    Embaixador Fernando Martnez Westerhausen Pesquisador do Ncleo de Estudos para a Amrica Latina

    (NEAL / UNICAP)Rosrio, Argentina, setembro de 2011

    FERNANDO MARTNEZ WESTERHAUSEN

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  • Introduo

    Argumentar s vezes de maneira original...Baltasar Gracin, A Arte da Prudncia, aforismo 245

    Em meados do sculo XVII, com a alma barroca dividida entre o racionalismo antropocntrico e a metafsica religiosa, extramos, guisa de introduo, alguns dos principais tpicos de debate da abertura do livro.2 Adepto do conceptismo e tido como um dos grandes literatos espanhis do perodo, o padre jesuta Baltasar Gracin3 nos brinda com algumas das mais importantes anlises e recomendaes sobre a natureza humana com sua inexorvel tendncia politicidade. No clara, na historiografia contempornea, a relao ou influncia direta do florentino Nicolau Maquiavel nos ensaios dArte da prudncia. Pode-se, de toda forma, correlacionar importante nexo de dilogo entre o renascentista Maquiavel e o seiscentista Gracin sobre a amplitude poltica da vida em sociedade na forma de aconselhamentos, embora por razes e tradies escolsticas bem opostas.4

    2 O absolutismo que se enraizou e se desenvolveu no contexto do estilo cultural e artstico barroco-rococ do sculo XVII esteve posicionado entre o momentum do renascimento humanista poca das grandes navegaes com os empreendimentos ultramarinos (sc. XVI) e a iluminao enciclopedista com as revolues norte-americana e francesa (sc. XVIII). O processo histrico do absolutismo representa momento mpar para as Relaes Internacionais em razo do apogeu do poder do Estado e do amadurecimento das principais instituies polticas no Ocidente. Nesse sentido, o estilo literrio barroco de Gracin com suas antteses e paradoxos , portanto, emblemtico nas palavras iniciais desta narrativa.

    3 GRACIN, Baltasar. A arte da prudncia. So Paulo, Martin Claret, 2005. pp. 118-119. 4 Na metfora clssica de Maquiavel da fora bruta versus a sagacidade poltica presente na lio de que o prncipe deve

    ter a fora do leo e a astcia da raposa, h uma clara correspondncia em Gracin no aforismo 220: No podendo vestir a pele do leo, vista a da raposa. MAQUIAVEL, Nicolau. O prncipe. So Paulo, Paz e Terra, 1996. pp. 105-107. Para maiores detalhes, vide a inteireza do captulo XVIII, de Maquiavel, intitulado: Os prncipes e a palavra dada Quomodo fides a princibus sit servanda.

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  • Ora, a poltica contempornea, bem diferente das vises platnico-aristotlicas clssicas ou tomistas, perpassa as entranhas desde a microfsica da vida humana at as mais amplas Relaes Internacionais (RI). Rompendo com a tradio religiosa medieval, sua cientificidade comea a ser construda a partir de Maquiavel e, de forma igualmente pontual, com Gracin.5 No se deve olh-lo, meramente, pela lgica dentica do dever ser. Julgo que seus escritos so o amlgama entre as duas lgicas a ntica do ser (sein) com a dentica do dever ser (sollen) trazendo, assim, significativa moldura crtica para os debates do livro.

    A caracterstica mpar do sculo XVII como marco para as Relaes Internacionais ponto de partida no locus histrico das consideraes introdutrias se deu no somente pela criao do conceito moderno de Estado com sua summa potestas (soberania) por meio do tratado assinado em Munster e Osnabruck da Paz de Westphalia (1648), mas, principalmente, pelo fato de que fora reconhecido o princpio do estatocentrismo como engrenagem mestra da poltica entre as naes. Alm disso, este momento histrico ajudou a consolidar, atrelado ao estatocentrismo, os princpios do realismo clssico das razes de Estado (raison dtat) de Richelieu e Mazarin que perduram, categoricamente, at hoje.6

    No foi no sculo XVII, porm, que a soberania estatal, representando o pilar do Tratado de Westphalia, teve sua origem. Na verdade, a summa potestas j havia iniciado sua lenta maturao, anteriormente, com o iderio do cujus regio ejus religio cada regio politicamente organizada tinha autonomia para determinar sua religiosidade da Paz de Augsburgo de 1555. Uma revoluo nada silenciosa estava ocorrendo: por um lado, a fora da ideia da soberania estatal que brotava poca, passando pelo perodo chamado de Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648) das revolues de independncia dos Pases Baixos e, por outro lado, o declnio luso-espanhol vinha consolidar a mais expressiva mudana sistmica das Relaes Internacionais, assumindo o formato da poltica internacional moderna. A partir da, foram-se consagrando os limites entre poltica interna (soberania interna) e poltica externa (soberania exterior) dos Estados nacionais com suas identidades e limites. Nesse contexto, o nascimento da concepo do Estado contemporneo alicerce estruturador como cerne da conjuntura internacional, geraria, por seu

    5 Seria injusto no citar importantes tericos ps-Maquiavel deste perodo como Jean Bodin e Thomas Hobbes, entre outros, de influncia no entendimento das engrenagens da poltica e da formao do Estado.

    6 Toda introduo vai requerer um ponto de partida com limitao do dnamo tempo-espao-temtica do objeto a ser tratado. Aqui, no se foge regra. O ponto de partida a matriz fundacional para as Relaes Internacionais no fulcro do sculo XVII, porm, o desenvolvimento da mesma introduo e de todo o bojo do livro se dar de maneira no linear sob o ponto de vista historicista. Ou seja, utilizamos a matriz do sculo XVII sem, a partir dele, gerar toda uma conduo analtica cronolgica dos atos e fatos internacionais, at chegarmos aos sculos XX e XXI.

    THALES CASTRO

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  • turno, a formatao (naturalmente delineada ou artificialmente forjada) do ideal de nao, de nacionalidade e de identidade territorial.

    Na magnum opus de Gracin, h diretrizes de conduta que, muitas vezes, se contradizem, entretanto, no mosaico de sua obra, reforam a tnica da sobrevivncia em um mundo conflituoso. Ora, quer maior prova de tal ambivalncia muito cara e prpria compreenso crtica da poltica internacional7 do que os aforismos 68 (Fazer os outros entender) e 253 (No se fazer entender facilmente)? Gracin com sua viso internacionalista chega ao pice quando assevera no aforismo de nmero 71 (No ser contraditrio, nem por temperamento, nem por afetao): O sbio coerente em tudo o que diz respeito perfeio, o que justifica sua fama. [...] No tocante prudncia, feio variar. rdua quase impossvel tarefa.

    A citao de Gracin, no incio da introduo, revela a inspirao do livro: fornecer, de maneira mais ampliada, a tessitura de correntes clssicas e contemporneas das RI, como cincia autnoma de raiz epistmica poltica, bem como trazer novos debates atrelados a uma rede de compreenso do fenmeno internacional. Na verdade, Gracin incita reflexo, de forma subliminar, sobre os muitos dilemas, as ambivalncias e os paradoxos da vida internacional e no poderia ser de melhor inspirao para introduo destes escritos.8

    Diante disso, estejamos, pois, confortveis com as muitas antinomias fticas das Relaes Internacionais com suas ordens mundiais construdas por meio de lideranas hegemnicas atreladas aos respectivos capitais de fora-poder-interesse (KFPI), sendo os mesmos contrabalanceados pelos padres de dissuaso-normas-valores (PDNV) da vida internacional.9 Estejamos confortveis, porm, no letrgicos nem tampouco acomodados com as necessidades urgentes de mudanas; estejamos confortveis ab initio no concerto das naes, contudo, jamais sejamos passivos diante das muralhas de opresso e injustias que se erguem na poltica internacional.

    7 O termo poltica internacional foi usado de maneira proposital em substituio ao termo sinnimo mais corrente nesta introduo Relaes Internacionais tanto como cincia, quanto como prxis com propsito de revelar alguns dos pontos principais dos segmentos investigados logo no primeiro captulo Fenomenologia das Relaes Internacionais.

    8 No trecho do captulo II, intitulado Da dialtica da razo pura na determinao do conceito de sumo bem, da obra Crtica da razo pura de Kant, h uma relevante passagem sobre as antinomias (contradies) da razo prtica. Parece-nos que as contradies (antinomias) representam conditio sine qua non, ou melhor, elemento inerente natureza inexata das cincias humanas e sociais. Partindo, assim, da constatao ftica dessa condicionante, as metforas do leo e da raposa, aparentemente, complementares em Maquiavel como objetivos ltimos de maximizao de poder, se repetem alegoricamente em vrias outras obras dentro e fora da seara da poltica e das Relaes Internacionais, como, por exemplo, no jusfilsofo alemo do final do sculo XIX Ihering, quando ressalta: A espada sem a balana a fora brutal; a balana sem a espada a impotncia do direito. IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. 13 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1994. p. 1.

    9 O quadro 2, contendo ferramentas conceituais, explana sobre os capitais de fora-poder-interesse, como tese, e os padres de dissuaso-normas-valores, como anttese, gerando a sntese comportamental externa.

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    INTRODUO

  • Este no um livro sobre uma teoria das relaes internacionais prima facie. Seu ttulo esconde um necessrio manuseamento didtico-pedaggico sobre a disciplina. Teoria das Relaes Internacionais representa, na verdade, a construo modesta de diversos ambientes, cenrios, correntes e paradigmas que dialogam entre si e que, ao final, ensejam formar a tessitura do saber internacionalista, trazendo, em determinados pontos, nfases para necessrias redefinies. Neologismos foram utilizados, no como manifesto refratrio aos cnones preponderantes, mas como trilha de inveno criativa e provocadora para os debates em curso com um olhar brasileiro (semiperifrico) acerca da poltica internacional.

    No foi nosso propsito esgotar os debates aqui, posicionando-os como conclusivos pelo contrrio. Muitas das temticas encontram-se abertas, guisa de amplo convite, necessitando de outras refutaes nos recortes aqui apresentados. A natureza da poltica internacional vista, no somente como cincia que manuseia a dialgica fins-meios, tendo as relaes de fora-poder-interesse10 na condio de varivel interveniente do macroambiente externo, mas, principalmente, como jogo multidimensional complexo e em muitos tabuleiros dos atores internacionais em diferentes redes, tendo como moldura o conceito de ordem mundial vigente com seus padres de comportamento e regras explcitas e implcitas.11

    Maisculos tericos como Hobbes e operadores efetivos da poltica internacional, como os cardeais Richelieu e Mazarin do mesmo sculo XVII, aprofundaram o conhecimento cientfico da poltica como relaes de fora-poder-interesse com base na percepo autojustificada dos seus fins.12 O Cardeal Richelieu, por exemplo, levou ao extremo a contradio

    10 O trinmio fora-poder-interesse vai ser introduzido no item sob cratologia e ser retomado ao longo dos demais captulos, pois refora os contedos de autojustificativa da relao fins-meios no jogo internacional. A moeda de troca do trinmio fora-poder-interesse a influncia e o favor na interao e na articulao dos atores internacionais. Cada um destes componentes possui um determinado patamar de capitalizao, isto , iremos nos referir a essa moeda de troca, em diversas passagens, como capital de fora-poder-interesse, ou KFPI. Os capitais de fora-poder-interesse so a essncia da cratologia que opera pela concepo da viso ntica (Sein), enquanto que o necessrio equilbrio atingido por meio dos padres de dissuaso-normas-valores (PDNV), materializando a viso principiolgica com sua viso dentica (Sollen) das Relaes Internacionais. A fora somente pode ser equilibrada pela dissuaso; o poder somente pode ser neutralizado pela efetividade das normas e, por fim, o interesse s pode ser disciplinado pelos valores partilhados. Da a noo a ser aprofundada adiante, de que a tese dos KFPI entra em rota de contato muitas vezes tumultuado com a anttese dos PDNV, gerando um conjunto de comportamentos internacionais sintticos tendo por eixo a lgica da dialtica hegeliana.

    11 CASTRO, Thales. Elementos de poltica internacional: redefinies e perspectivas. Curitiba, Juru Editora, 2005. pp. 39-41; 53-55.

    12 Segue exemplo ilustratativo da contradio ftica resultante das densas relaes de poder e de estratgia interessada de Richelieu e Lus XIII: a prpria Frana enfrentava, internamente, revoltas protestantes (huguenotes) em La Rochelle e, mesmo assim, apoiou os principados germnicos reformados da Unio Protestante liderada por Frederico V do Palatinado. O que estava em jogo era a emergncia da Frana como hegemnica no cenrio europeu e internacional ps-Westphalia, que j se torna bastante patente no Tratado de Paz dos Pireneus de 1659 com a Espanha. Alm disso, o agravamento da crise financeira dos Habsburgos, segundo o prprio Ingrao, do incio dos anos 1600 representara outro fator causal para o ardiloso jogo poltico-dinstico em meio s vicissitudes fiscais e econmicas do perodo. INGRAO, Charles. The Habsburg monarchy 1618-1815. 2. ed. Cambridge, Cambridge University Press, 2000. pp. 23-53.

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  • ftica da religiosidade com o jogo poltico de alta densidade quando fora conselheiro e primeiro-ministro do monarca francs Lus XIII entre 1624 e 1642.13 Richelieu desejava conter as aspiraes de dominao europeia dos Habsburgos e por isso no hesitou em usar, plenamente, as artimanhas da fora a servio do poder estatal francs, tendo como prumo seus interesses estratgicos de longo prazo. poca, a Frana catlica deveria, como se pressupunha pela aliana religiosa, apoiar a Espanha e a ustria-Hungria dos Habsburgos, porm, influenciada pela raison dtat de Richelieu, acabou entrando na guerra, a partir de 1635, ao lado dos principados sueco-germnicos de linha protestante. A lgica de fora-poder-interesse de Richelieu era a de derrotar e enfraquecer a Espanha e a prpria ustria-Hungria mesmo contradizendo sua vinculao religiosa catlica e lealdade ao papado. O jogo de poder do religioso era, essencialmente, amoral, levando s ltimas consequncias o clculo utilitarista no tabuleiro de xadrez do corao da Europa. O Cardeal Mazarin14 sucedeu Richelieu na condio de Primeiro Ministro de Lus XIII e de Lus XIV at sua morte em 1661, mantendo a mesma linha de estratgia calculista-realista do seu antecessor, cuja frieza visava ao aumento do poderio francs por meio de alianas unilateralmente interessadas, com a imposio de fora militar quando necessrio.15 Nesse tocante, Mazarin foi, igualmente, prdigo como demonstra em seus escritos clssicos no Brevirio dos polticos quando revelava na segunda parte de Os homens em sociedade seu clculo de maximizao de poder pelo jogo diplomtico:

    Se s ministro plenipotencirio e tens a misso de negociar com o chefe de uma potncia inimiga, aceita seus presentes mas previne teu prncipe disso caso contrrio ele poderia suspeitar de que o trais. Em toda circunstncia comparvel, observa a mesma regra de conduta. No envies em embaixada um homem que possa se revelar teu adversrio ou pretender usurpar teu poder: ele agiria contra teus interesses.

    Subjacente ao ponto de inflexo e de unio entre ambos Richelieu e Mazarin Gracin refora o contedo de poltica triplamente qualificado: poltica como tcnica, como arte e como instrumento.16 O uso cauteloso deste delicado artifcio de triplo desdobramento adverte-nos

    13 RICHELIEU, Cardeal. Testament Politique. Paris: Robert Laffont, 1947. pp. 20-25.14 MAZARIN, Cardeal. Brevirio dos polticos. 2. ed. So Paulo, Editora 34, 2000. p. 119. 15 Outra marca maior da contradio ftica do jogo poltico realista de Richelieu e Mazarin foi o resultado (output) final

    de suas estratgias de articulao e manipulao fetichista do poder internacional. Neste caso, embora ambos sendo de forte formao e tradio religiosa, os mesmos contriburam para o crescente processo de secularizao da poltica internacional, separando as esferas do poder temporal e do poder espiritual na configurao do Estado moderno.

    16 A mesma lgica de qualificao tripla tmabm se aplica diplomacia: diplomacia como arte, como tcnica e como poltica. Maiores detalhes sobre tais discusses encontram-se no Captulo VII do livro (Praxeologia das Relaes Internacionais).

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    INTRODUO

  • Gracin requer serenidade, sabedoria e habilidade para evitar as muitas armadilhas e encruzilhadas.17 Neste ponto, h uma consonncia entre os escritos desses tericos, desses hbeis paladinos da arte de governar e de maximizar, utilitariamente, o poder, justificando, assim, seu classicismo.

    A governana do poder, no poder e pelo poder representava e representa meio e fim da poltica internacional que, muitas vezes, no se diferencia muito do contexto futuro nas primeiras dcadas do sculo XXI.18 Para Richelieu e Mazarin, a corte foi o ambiente propcio de observaes e estudos minuciosos sobre a arte de lidar com as ambies humanas no absolutismo francs do ancien rgime, enquanto que o estamento real dos Bourbons vai ser substitudo, por Gracin, por uma unidade de anlise mais ampla: a prpria vida humana em sociedade nos mais diversos cenrios. O barroco-conceptista jesuta bem presente ao longo das pginas deste livro. Mais: a referncia sobre as Relaes Internacionais com sua malha densa de preferncias e escolhas interpessoais mltiplas, sendo hierarquizadas por meio de uma agenda de estratgias.

    Logo devemos alertar que este no um escrito de aconselhamentos maneira de aforismos nem tampouco de autoajuda prt--port sobre a arte de descrever, explicar, prever e prescrever normativamente a cincia das RI que tende a visualizar a entropia relativa como presente no comportamento externo.19 Este um livro, portanto, de convites; este um livro que sugere mergulhos provocativos e redefinies.

    O presente livro apenas um primeiro passo, um convite reflexo de longo curso e por isso mesmo muito me estimulou a mxima de Lao Tse: uma jornada de mil lguas se inicia com um simples primeiro passo. Urge, portanto, desconstruir, ressignificar e reconstruir sobre a cientificidade da interao internacional. Saliente-se, ademais, que Teoria das Relaes Internacionais investiga alguns dos temas provocativos entrelaando teoria-prxis de forma no normativa, muito embora possa transparecer em determinados trechos alguns elementos de prescrio sobre condutas de Estados com relao a temas controversos. Mas, por que ento utilizar Gracin um sacerdote com seus exmios conselhos

    17 Quase quatro sculos separam os religiosos Gracin, Richelieu e Mazarin das artimanhas da poltica internacional articulada e praticada nos primeiros momentos do sculo XXI. Os trs religiosos representam mais que importantes testemunhos histricos da dinmica das Relaes Internacionais; so estudos de caso, possuindo recortes tericos e prtico-operacionais internacionalistas, aplicados em diversas passagens do livro.

    18 No item 3.4, h um estudo sobre anlises e prognsticos futuros acerca das modificaes na transio de poder mundial em curso atualmente, tendo como infraestrutura a teoria dos longos ciclos, e tambm ao longo das prximas dcadas quando dever ocorrer uma metamorfose de um atual sistema unipolar puro para um unipolarismo hbrido, passando por uma tripolaridade para, ento, chegar a um cenrio de multipolaridade hexagonal.

    19 Discorremos, em maiores detalhes, sobre as quatro funes da prxis e da cientificidade das Relaes Internacionais (descrever, explicar, prever e prescrever) no Captulo IV, intitulado Metodologia das Relaes Internacionais. As quatro grandes funes se aplicam, de forma partilhada, tanto aos operadores internacionais (internacionalistas), quanto aos tericos (acadmicos) da rea.

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  • e diretrizes de vida como pensador desta introduo? Primeiramente, para demonstrar que prudente refletir, processar e contribuir, de forma engajada, tendo como impulso o antiqussimo mtodo socrtico (maiutica) acerca do rico e do amplo debate internacional. Em segundo lugar, Gracin inspira-nos com seu convite ao senso de servio e de dever responsvel com o leitor no contexto mais amplo da cidadania ativa.

    Em tempos de globalizao (viso e terminologia mais anglfila) ou de mundializao (expresso de cunho do pensamento francs) com suas assimetrias diversas e de crescente pulverizao das ticas de anlise dentro e fora da academia que a disciplina das RI tem tomado vulto. De forma justificada e compreensvel, tem havido, atualmente, urgente necessidade de mais pesquisas e publicaes em RI no Brasil pas semiperifrico de elevado quociente de poder internacional (PI).20 Por dcadas de protecionismo substitucionista (industrializao pela substituio das importaes) e de endogenia condicionada, o Brasil somente delegava aos diplomatas a primazia da anlise esttica e da dinmica interativa das Relaes Internacionais. A descoberta ou (re)descoberta das RI no Brasil como rea de estudos e pesquisas e tambm como rea profissional vinculada ao primeiro, ao segundo ou ao terceiro setores, um dos expressivos fenmenos explicativo-causais para seu crescimento recente. Ou seja, evidencia-se que vem ocorrendo uma necessria democratizao quanto ao acesso e participao de temas de poltica internacional, criando assim uma interface mais ampla de dilogos entre a sociedade civil, o aparelho burocrtico nacional e o mercado capilarizado por grandes corporaes transnacionais (GCTs).

    Teorizar sobre Relaes Internacionais no to somente reproduzir paradigmas, citaes e modelos vigentes da intelligentsia dos pases centrais, em particular, do mundo anglo-saxo. O processo de teorizao no entorno das principais academias serve a interesses especficos. O ato e os efeitos de teorizar seguem uma agenda pontual que nem sempre se revela neutra e imparcial. Boa parte das tradies terico-conceituais das Relaes Internacionais contemporneas amoldada por roupagens cientficas que cumprem um papel de defesa de interesses prprios de grupos e de linhas de coalizo nos pases centrais. , portanto, necessrio que a academia brasileira em especial da Cincia Poltica e das Relaes Internacionais tenha papel ativo na

    20 A frmula do poder internacional dos Estados (PI) de Castro disseca e hierarquiza o estoque disponvel de capitais de poder dos Estados no cenrio externo. Representa, juntamente com outras frmulas de mensurao de poder como a de Cline do Poder Perceptvel (PP), o ndice de Organski-Kugler e o CINC, evidncia da hierarquizao internacional e de suas assimetrias. Nossa frmula do PI utiliza variveis quantitativas e no-quantitativas para mensurao do poder dos Estados nacionais e ser explanada no ponto sobre a cratologia no Captulo III. O apndice I traz tabelas e aplicaes dos clculos do PI para os pases do G-8.

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    INTRODUO

  • anlise e na crtica do bojo terico-conceitual produzido no Norte com vistas a tambm contribuir para o processo intelectual desta rica rea.21

    No se pode negligenciar a rica contribuio de propostas originais geradas na semiperiferia sobre a rea externa. Nosso trabalho refora tal perspectiva, como o leitor logo notar. O olhar de fora do centro traz sinergia para o crescimento acadmico e intelectual de todas as partes envolvidas. Teorizar sobre RI significa ir bem alm: valorizar tais olhares, gerando a simbiose semiperiferia-centro e, para com isso contribuir com novos argumentos muitas vezes originais sobre antigos e novos problemas que esto presentes na interao entre os povos.

    Teoria das Relaes Internacionais se apresenta na forma de dois tomos (livros) amarrados ao longo de cinco partes entrelaando oito captulos. No primeiro livro que compreende os captulos I ao III, encontra-se, em linhas gerais, o elemento da esttica que se fundamenta na analiticidade de conceitos, modelos, teorias e discursos metatericos, enquanto que o segundo livro formado pelos captulos IV ao VIII traz a dinmica e a interao internacional materializando, de forma ftica, o foco na prxis e nos atores (ontologia) internacionais. So estes atores diversos que materializam e operacionalizam a prtica cotidiana do saber internacional em diversos cenrios, modelos, abordagens e conjunturas.22 Deve-se reconhecer que a diviso dos dois livros nem sempre precisa, pois para se expor um determinado componente terico, exemplos prticos e pontuais foram utilizados, como tambm elementos da esttica terica foram aplicados aos cenrios prtico-conjunturais.

    Os recortes do fenmeno das Relaes Internacionais fazem parte da primeira parte e so apresentados na forma de contedos de conscincia da coisa em si ou do objeto posto, isto , na forma como se apresentam aos diversos interlocutores. O importanto dado apresentado e discutido neste ponto o da pr-ordem e do saber internacional como fato bastante (a priori). O sujeito cognoscente se refere ao estudante, ao analista, ao poltico, ao interlocutor, ao operador efetivo de temas internacionais, enquanto que o objeto a prpria cincia das Relaes Internacionais em sua vertente esttica e dinmica. Essencial s

    21 Embora se defenda tal ponto de vista, este livro no se apresenta sob forma de um manifesto anti-teorizao acadmica dos pases centrais. O livro no tem o papel de ser panfletrio-propagandista de interesses de refutao e rejeio das importantes contribuies j consolidadas das principais academias localizadas no centro (epicentros hegemnicos) pelo contrrio. Advoga-se apenas uma reflexo mais profunda sobre um encaixe dos arcabouos tericos vigentes em vrias regies do mundo com suas especificidades, complexidades e varincias para uma dialgica mais democratizante sobre o estudo das Relaes Internacionais.

    22 O saber internacional aqui referido pode ser tambm articulado como um conjunto terico amplo que formaria o bojo da teoria internacional, ou melhor, de vrias teorias internacionais. Isto , saber internacional, teoria internacional, teorias das Relaes Internacionais e epistemologias internacionais so sinnimos do complexo pensar e agir da esfera externa.

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  • teorias das RI o estudo prvio fenomenolgico sobre a noo que ser introduzida logo nos primeiros momentos do captulo: o conceito da pr- -ordem com seus trs elementos constitutivos (simetria, direcionalidade e pertinncia). Tais consideraes, no nosso julgar, alm de trazerem inovao metodolgica e analtica, provocam , com novos debates, as correntes intra e extra-acadmicas no sentido de repensar alguns dos cnones aceitos de maneira automtica e imediata.

    Observa-se que muitos manuais negligenciam a importncia do mtodo fenomenolgico como etapa anterior s teorizaes das RI. Dessa forma, evitamos reproduzir tal vis acrtico, fazendo uma ponte de dilogo entre tais pontos. Dessa maneira, nos captulos II e III, h itens que so trabalhados de forma cadenciada e mesclada: a estatologia, a teoria do Estado elemento central do atual sistema internacional; a cratologia, a teoria do poder que, em nossa viso, corporifica a poltica como um trip indissocivel de fora-poder-interesse (KFPI) com sua moeda de troca dinmica sob forma de influncia e de favor somente controlada pelos padres de dissuaso-norma-valores (PDNV); o binmio atualidade- -factividade (ato-fato internacionais) e, por fim, o macroambiente com seus necessrios ajustes de sistemia (macro, meso e microssistemias) e antissistemias.

    O terceiro captulo foi estruturado em oito itens que se comuni-cam maneira de uma necessria formao especulativo-reflexiva do funcionamento das Relaes Internacionais. Em cada um dos pontos, h uma crtica sobre cada uma das escolas (paradigmas) e seus discursos, pois h a incompletude e inexatido das escolas de pensamento a partir de suas construes como substrato de uma cincia humana, social e poltica.

    No quarto captulo, buscou-se explanar sobre parmetros metodolgicos da cincia das Relaes Internacionais com seus debates clssicos, positivistas e ps-positivistas. Tambm foi objetivo do captulo trazer tona nossa forma de compreenso cientfica das Relaes Internacionais tendo como base o criticismo kantiano, que uma sntese do racionalismo dogmtico com Descartes, Leibniz, Spinoza entre outros e do empiricismo experimentalista ctico da escola inglesa com Hume. Trouxemos, de forma original e no menos provocativa, a necessidade de nova disciplina para a cincia em foco: a internacionametria. Ou seja, um ramo novo que utiliza a aplicao de modelos matemticos, estatsticos e economtricos (com seus variados modelos de equilbrio geral ou parcial) para a maior previsibilidade do fenmeno das Relaes Internacionais. O uso instrumental da internacionametria no retira, em hiptese nenhuma, a autonomia prpria de sua seara cientfica e de seu mtodo.

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    INTRODUO

  • O quinto captulo discute as vrias correntes de pensamento das Relaes Internacionais contemporneas desde o realismo lato sensu, passando pelo liberalismo, pelo idealismo, at a escola crtica (teoria radical) e as novas correntes ps-modernas.23 Assim, fecha-se o livro primeiro sobre a esttica das Relaes Internacionais.

    Na ouverture do segundo livro, na quarta parte, h os captulos VI e VII. O sexto captulo situa o dilogo investigativo sobre a ontologia das Relaes Internacionais. Isolou-se, nesta dinmica, o necessrio reducionismo com fins metodolgicos j respaldados do ser como os vrios atores estatais, no estatais e individuais como elementos imprescindveis da engrenagem internacional. Mister se faz salientar os muitos debates vigentes sobre a terminologia adequada para o captulo, o caso do uso de ator, agente ou sujeito, partindo do pressuposto poltico de que ator termo mais prprio e adequado como ente exercendo mltiplos papis no trinmio fora-poder-interesse com seus respectivos capitais (KFPI) de troca, de favores e de influncia nas Relaes Internacionais.

    No stimo captulo, buscou-se trazer, de forma sucinta, a praxeologia da interao dos vrios atores internacionais, tanto nas esferas histricas e sociolgicas das Relaes Internacionais, quanto no eixo motriz das preferncias (interesses e escolhas dos Estados Nacionais) no espectro de comportamento e interao (ECI). A dialtica iren- -polemos vai fechar o ltimo captulo, conduzindo o leitor a refletir sobre os rgos dos Estados na prxis efetiva das Relaes Internacionais, em particular, das relaes diplomticas e consulares. Os rgos de negociao e de interao diplomtico-consular como foco do captulo estaro sendo analisados luz, especialmente, de balizas jurdicas e de eventos dinmicos na lgica de poder e de influncias recprocas das Relaes Internacionais contemporneas. O controverso tema, ainda incluso sob o ponto de vista das discusses do sistema westphaliano, das responsabilidades internacionais dos Estados subjacentes tese de controle social internacional por intermdio da deonticidade da norma jurdica, est tambm presente.

    A quinta e ltima parte fecha o segundo livro e compreende apenas o oitavo captulo. Neste ltimo captulo, as concluses, guisa de catarse, retomam muitas das discusses e questes provocativas ao longo de todo o texto, revelando a necessidade de certa superao terica no sentido

    23 O quinto captulo contemplar as trs geraes dos grandes debates tericos em RI. A primeira gerao foi da linha clssica que se estruturava no realismo versus liberalismo (ou idealismo a depender da vertente especfica). O segundo gerao versava sobre neorrealismo de Waltz e de outros tericos versus o neoliberalismo de vrias vertentes e, por fim, o terceiro grande debate est erigido sob a gide da escola construtivista e racionalista e outras correntes.

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  • hegeliano do termo na navegao de longo curso de anlises, revises e recortes tericos e prticos do estudo da poltica internacional. Houve uma liberdade de exposio e expresso nesse processo catrtico, revelando uma face menos tcnico-cientfica e mais de busca de sntese para alm dos paradigmas e metaparadigmas do livro. Oxal tenha conseguido externar essa perspectiva com vista a ampliar o estudo internacionalista.

    Agradeo, de forma sincera, Universidade Catlica de Pernambuco (UNICAP) na pessoa do Reitor, Prof. Dr. Padre Pedro Rubens Ferreira Oliveira, SJ e ao Ncleo de Estudos para a Amrica Latina (NEAL) que tenho, presentemente, a honra de coordenar, alm da Faculdade Damas da Instruo Crist, como tambm aos meus familiares e amigos pela construo (e reconstruo, muitas vezes) do livro. O livro foi construdo, desconstrudo, reconstrudo algumas vezes em um exerccio cadenciado de reflexo argumentativa, cujo objetivo maior foi o de trazer novos olhares ao complexo arcabouo das Relaes Internacionais. Muitos diplomatas brasileiros e estrangeiros tiveram papel importante nas interlocues no processo de feitura do livro. Agradeo, de forma sincera, ao Ministrio das Relaes Exteriores (Itamaraty), em particular ao ERENE, ao IPRI, FUNAG e ao DEC (Departamento Econmico). Tambm sou grato ao Ministrio da Defesa (MD), especificamente a sua Escola Superior de Guerra (ESG) que foi de relevante apoio como locus de ricos debates com rigor e cientificidade, operando, assim, uma ponte entre a academia e o Estado brasileiro. Alis, pontes precisam, cada vez mais, ser construdas com objetivo de adensar o debate entre academia, esfera pblico-estatal e sociedade civil, gerando uma verdadeira e inclusiva democratizao do saber e do pensar crtico. Nesse sentido, tive o prazer e a honra de realizar palestra na ESG, no I Encontro Sul-Americano de Estudos Estratgicos, em novembro de 2009, onde trechos da construo deste livro foram trazidos e debatidos, enriquecendo o processo de sua feitura. Na verdade, este livro resultado de constante colaborao interinstitucional e internacional que est subjacente escrita de suas folhas.

    Agradeo, de forma sincera, as palavras elogiosas no prefcio, na apresentao, como tambm na contracapa do livro. Tais palavras servem como essencial estmulo a continuar na labuta da pesquisa crtica e reflexiva das Relaes Internacionais com um olhar brasileiro. Cada folha deste livro representa um degrau, uma etapa de questionamento sobre a estimulante e a dinmica rea internacional. Sou muito grato s muitas sugestes e crticas feitas, ao longo dos anos, em cada etapa de sua formatao. No poderia deixar de agradecer a Deus que est presente em cada linha de escrita destas folhas, fornecendo uma motivao maior, afinal, Deus caritas est.

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    INTRODUO

  • Devo salientar, por fim, que as posies aqui externadas so de cunho pessoal e so resultantes de minha formao acadmico-cientfica, no devendo ser interpretadas como a opinio oficial da Repblica de Malta, pas-membro da Unio Europeia, que represento como Cnsul Ad Honorem em Recife. Tampouco as opinies acadmicas do livro so, necessariamente, as posies assumidas pela Sociedade Consular de Pernambuco (SCP), que tenho a honra de presidir.

    Esperamos que o livro possa contribuir para novos e velhos debates, revelando os muitos horizontes do ramo que se constri e se renova com a vitalidade e o dinamismo do comportamento e do saber internacional. este saber internacional atrelado a uma prxis poltica que no possui senhorios inexoravelmente irrefutveis. Tudo pode ser questionado, refutado, desconstrudo e reconstrudo de maneira a democratizar e ampliar as contribuies acadmicas e cientficas com outros e novos olhares sobre a esfera internacional. Voltaire estava correto, portanto, quando afirmou que todo homem culpado do que no fez. Dessa forma, que minha culpa relativa (sic) seja, eventualmente, expurgada pela iniciativa de propositura e de ao reflexiva na forma das folhas desta narrativa.

    Fernando Pessoa, de forma sempre magistral, retrata bem o contedo de conhecer e de se aperceber da universalidade do real que impe sobre as folhas que aqui se apresentam e, mais ainda, sua potica serve-nos como bom convite reflexo no fecho dessas consideraes introdutrias:

    O nico mistrio do Universo o mais e no o menos.Percebemos demais as cousas eis o erro, a dvida.O que existe transcende para mim e que julgo que existe.A realidade apenas real e no pensada.24

    Thales Castro

    Recife, dezembro de 2011

    24 PESSOA, Fernando. O eu profundo e outros eus. Rio de Janeiro, PocketOuro, 2008. p. 259.

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  • LIVRO I

    ESTTICA: ANALITICIDADE PONTUALDAS RELAES INTERNACIONAIS

  • PRIMEIRA PARTE

    FENOMENOLOGIA DAS RELAES INTERNACIONAIS

  • Captulo I

    Fenmeno das Relaes Internacionais

    No mundo h muitas palavras, mas poucos ecos.Goethe

    1.1 Configuraes preliminares: o campo de estudo e sua importncia

    As Relaes Internacionais, sntese de fatos polticos e objetos culturais complexos, trazem ecos de passadas eras e reforam a necessidade de esforos contnuos para uma hermenutica atualizada e reconstruda.

    As profundas e recorrentes transformaes no cenrio internacional, consequncias inter alia de fenmenos complexos (cclicos e no cclicos) como o processo de globalizao, regionalizao e interdependncia so apenas algumas das muitas razes para investigar, de forma sistemtica, os fundamentos da cincia e da prxis das Relaes Internacionais (RI).25 Na medida em que diminuem as fronteiras deste cenrio internacional, que j fora considerado por McLuhan como aldeia global e por Friedman como um mundo plano,26 aumenta, proporcionalmente, a essencialidade do estudo da poltica internacional com seus muitos desdobramentos.

    25 Adotou-se aqui uma gama de conceitos de cincia em Goode e Hatt, utilizando tambm vrtice conceitual estruturado na viso de verificabilidade cientfica em Popper juntamente com a definio de paradigma em Kuhn, entendido como constelao de compromissos de uma comunidade cientfica. Assim, para Good e Hatt, cincia um mtodo de abordagem do mundo emprico, isto , do mundo que suscetvel de ser experimentado pelo homem. GOODE, W.; HATT, P. Mtodos de pesquisa social. 2. ed. So Paulo, Ed Nacional, 1968. p. 12. KUHN, Thomas. A estrutura das revolues cientficas. 9 ed. So Paulo, Perspectiva, 2007. p. 67.

    26 No segundo captulo de seu livro, Friedman relata as dez grandes tendncias que esto amoldando o mundo em um grande plano em razo da instantaneidade da comunicao e da nova geografia econmica mundial com suas cadeias interdependentes. FRIEDMAN, Thomas. The world is flat: a brief history of the twenty-first century. Nova Iorque, Farrar, Straus and Giroux, 2005. pp. 48-72. A contraposio ao livro de Friendman de autoria de Jamil Chade e se intitula, O mundo no plano: a tragdia silenciosa de 1 bilho de famintos. O claro choque de ideias entre ambos enriquece a ampla moldura dos debates.

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  • Embora o surgimento e a sistematizao das RI como cincia humana positiva e autnoma sejam recentes no contexto do incio do sculo XX,27 suas fundaes e seu escopo de anlise no so. Antes da publicao dos nove livros das Histrias de Herdoto narrando a origem das Guerras Mdicas (Guerras Greco-Persas), ou ainda bem anterior escrita da obra clssica Histria da Guerra de Peloponeso de Tucdides, Sun Tzu j detalhara sobre o realismo das estratgias poltico-militares em A Arte da Guerra, tornando o livro um marco na historiografia inicial das Relaes Internacionais. Herdoto, Tucdides, Sun Tzu, Lao Tse, Polbio, Pricles com os discursos durante a era de ouro de Atenas, e Tito Lvio com seus livros sobre a Histria de Roma, todos contriburam cada um ao seu modo para a formao do amplo arcabouo do saber internacional. Em suma, as Relaes Internacionais possuem origens e fontes histricas, geogrficas e socioculturais vastas e distintas.

    O saber internacional, como objeto categrico analtico, antiqussimo e remonta investigao positiva, normativa e descritiva do enigmtico fenmeno humano em suas mltiplas teias de relacionamento interativo social e em vrios compartimentos. O ser humano meio e fim das entranhas das Relaes Internacionais. Sendo o destinatrio primaz de tais estudos, o ser humano com suas encruzilhadas e seus labirintos representa, portanto, o foco da cincia poltica internacional.

    Em decorrncia da maior proximidade dos seres humanos (atores internacionais por excelncia) no interior dos pases e entre as fronteiras nacionais, atualmente, observa-se a tendncia de maior densidade de relaes, ora abertas e fechadas, ora pacficas e conflituosas28 com suas regras institucionalizadas implcita e explicitamente. Formando, assim, a ampla moldura do macroambiente nas suas diversas conceituaes como cenrio, sistema, sociedade ou comunidade internacional, o processamento dos meios e dos fins dos fenmenos complexos no mundo mundo vasto mundo (Drummond)29 ou na economia-mundo (Wallerstein)30 se torna bastante til como ponto de partida.31 Os meios e os fins, portanto, das manifestaes sensitivas postas ao sujeito cognoscente (interlocutores, analistas, tomadores de

    27 Compete ressaltar as diferenas pontuais de viso sistmica sobre o sculo XX perodo de ordenao da rea do saber internacional como ctedra nos EUA e no Reino Unido primeiros centros de ensino das RI. Para o historiador ingls de linha marxista Eric Hobsbawm , o breve sculo XX se inicia em 1914 e termina em 1991 com a extino da URSS, aps derrocada da experincia do socialismo real na Europa, resultante da Queda do Muro de Berlim (1989). Para o economista italiano Giovanni Arrighi, o sculo XX, ao contrrio de Hobsbawm, vai ser considerado como o longo sculo XX em razo da longa permanncia das foras estruturais com diretas mudanas no capitalismo, em vrios de seus longos ciclos.

    28 AQUINO, Antnio. Conflito e paz. So Paulo, Loyola, 1992. pp. 59-62. 29 ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia potica. 56. ed. Rio de Janeiro, Record, 2005. p. 21. 30 WALLERSTEIN, Immanuel. Capitalismo histrico e civilizao capitalista. Rio de Janeiro, Contraponto, 2001.pp. 35-49; 55-57.31 Vide Apndice IV ao final do livro sobre uma radiografia sistmica do mundo para maiores detalhes.

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  • decises, consultores e cidados expostos aos temas internacionais) acerca deste ramo do saber representam o incio da discusso do captulo, contradizendo, em parte, as palavras de Goethe na abertura.32

    Sim, h ecos no mundo que precisam ser escutados, muitos dos quais advindos da periferia e da semiperiferia com suas muitas denominaes33 (Sul, pases em desenvolvimento, LDCs)34 em um redesenho de foras no cenrio internacional contemporneo nfase defendida aqui permitindo, assim, uma maior sensibilidade tanto do processo de formulao, quanto de reflexo acerca das teorias e dos conceitos sobre a matria. 35

    A importncia do estudo das Relaes Internacionais autoevidente. As Relaes internacionais esto em toda parte; fazem parte do nosso cotidiano, quer queiramos ou no. O saber internacional perfura nossas vidas, amplia nossas vises, redefine quem somos como cidados e disseca a forma de analisar e tratar o outro. A sua fora questiona e transforma o Estado, seu papel e suas atribuies, (re)equacionando a lgica de poder entre cidados, empresas, unidades subnacionais, sociedade civil e organismos multilaterais. Alm disso, a interdependncia complexa (modelo de Nye-Keohane), o integracionismo comunitrio europeu (UE-28) ou o processo de integrao sub-regional no nvel de unio aduaneira incompleta, no caso do Mercosul, ou mesmo em razo das crescentes problemticas das guerras com diferentes formatos, incluindo as assimtricas, a questo do terrorismo e da segurana internacionais tendo como pano de fundo o papel da ONU com seus atuais 193 Estados-Membros so demonstrativos para a investigao sobre os fenmenos internacionais.36 A emergncia do papel das ONGs em escala global, a atuao e a agenda politicamente interessada da mdia transnacional e as questes do ativismo da cidadania em escala global reforam o processo urgente de significados, construes e reconstrues da Cincia das Relaes Internacionais. Do ponto de vista econmico-comercial, a magnitude da impressionante ampliao dos mercados traz novos desafios, reformando lealdades entre os povos. As novas jurisdies penais extraterritoriais

    32 Recomenda-se uma avaliao mais criteriosa de Anderson antes de comentar sobre Fukuyama com seu fim da histria no cenrio ps-bipolaridade. A polmica tese de Fukuyama ser tratada com mais detalhes adiante. ANDERSON, Perry. O fim da histria de Hegel Fukuyama. Rio de Janeiro, Zahar, 1992.pp. 35-39.

    33 Duas metforas imagticas cumprem papel fundamental na defesa desta argumentao: a antropofagia oswaldiana na alvorada do movimento modernista brasileiro e a pedagogia dialgico-construtivista do pernambucano Paulo Freire. A juno-sntese desses movimentos singulares e complementares exercem significativo papel na necessria redemocratizao lato sensu Sul-Norte e Norte-Sul da cincia e da prxis das Relaes Internacionais.

    34 A sigla LDCs originria da lngua inglesa e significa least developed countries pases com menor grau de desenvolviment