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Uma resenha sobre o filme do cinema novo dirigido por Glauber Rocha
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA (UNILA)
INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ARTE,
CULTURA E HISTÓRIA (ILAACH)
CURSO DE CINEMA E AUDIOVISUAL
TERRA EM TRANSE (1967) Resenha crítica
LUIZ FERNANDO TODESCHINI
Foz do Iguaçu 2015
Traços de estilo
Glauber se apropria do espaço do Teatro Municipal do Rio de Janeiro em algumas cenas
desenvolvendo níveis de dramatização e jogos de força (político e social) necessários ao filme.
A luz do cenário reflete o uso de focos e pontuações de luz dura – tipicamente ‘teatral’ e
brechtiana – ressaltando a alegoria contida nos enunciados e a possibilidade de construção
permanente de significados devido ao uso dos significantes abertos:
“[...] metáforas ou alegorias capazes de desenhar o perfil de certas experiências
históricas, oferecendo a imagem-síntese da crise vivida pelas suas personagens
[...]”. (XAVIER, 2012, p.93)
A imagem-síntese que Glauber cria remete ao conceito de Deleuze a respeito dos ‘signos
analógicos’: “[...] a redução da imagem a um signo analógico que pertença a um enunciado; por
outro, a codificação desses signos para descobrir a estrutura da linguagem (não analógica) [...]”.
(DELEUZE, 2013, p.39). A partir disso, a simplificação da imagem a um signo aberto em
significantes produz inevitavelmente códigos socioculturais. O fluxo de informações
categóricos presentes em sua obra caracterizam inevitavelmente um cinema político moderno
que está contido no movimento do Novo Cinema Latino-Americano. Ao contrário do que o
manifesto de Espinosa desenvolve, consegue ao mesmo tempo desenvolver uma linguagem
própria ao viés do cinema de autor, e, ao mesmo tempo, impor à realização a fundamental
dimensão sociopolítica, expoente do NCL.
O povo em Glauber
A representação do povo revela a incapacidade de tomar frente às decisões políticas,
cabendo ao intelectual comandar os vagões e dar voz aos que não tem essa capacidade. Porém,
onde está o povo no filmes de Glauber? Na voz do poeta Paulo? Na multidão sem voz? Glauber
questionava através de Paulo o que representa o povo: “Estão vendo o que é o povo? Um
imbecil. Um analfabeto! Um despolitizado!”. Ao mesmo tempo torna-se evidente a luta de
Paulo para retirar o poder da política das mãos de empresas estrangeiras (representação da
dependência externa) e garantir os interesses nacionais. Por exemplo, na cena em que Paulo e
Vieira chegam para fazer campanha num povoado e ouvem-se os pedidos do povo, através do
som, percebemos que, quando alguém do povo se pronuncia, não ouvimos sua voz1 (salvo
exceção do líder representante do movimento). O diálogo em Terra em Transe deixa de ser uma
linguagem: “[...] se eles nos compreendem, então, não é pela lucidez de nosso diálogo [...]”.
(ROCHA, 1965, p.2) A transmissão do mito ganha potência, dessa forma, a partir da reinvenção
do diálogo e da construção da mise-en-scène a partir dos ciclos – a câmera que gira em torno
dos personagens, a história gira em torno de si mesmo.
A história para Glauber consiste numa espécie de crise da história. A movimentação das
personagens parece o tempo inteiro estar atrelado à interpretação de três aspectos formais: mito,
história e política. Portanto, a representação alegórica presente em sua obra que une esses
elementos caracteriza um binômio típico: “céu aberto e demarcação de cena”. (XAVIER, 2012,
p.101) Ou seja, estar fechado em um espaço aberto. Os signos demonstram que a voz do latino-
americano abafada pelos ecos da cultura colonial, após certo fracasso das politicas nacionalistas
(populismo) que buscavam resgatar a cultura enraizada e, de certo modo, “devolve-la ao povo’’
por intermediação de um Estado, fracassou da forma como foi pensada. Com isso, Glauber
critica o papel do estado estabelecendo a função da doutrinação da cultura por meio de uma
didática anticolonial.
“Eu quero desenvolver este paisinho, protejo as artes, faço obras de caridade, coisas
úteis”. Nesse trecho, Fuentes percebe, através de Paulo, que as tentativas nacionalistas de
integrar a cultura nacional com a dominação estrangeira foi em vão. O neocolonialismo garantiu
a dependência da própria linguagem, resultando, dessa forma, o uso da tragédia grega para
elucidar o caráter do mito na narração: a ironia de Fuentes preocupado com a sua própria morte,
na cena em que Paulo lhe conta sobre o vínculo de Fernandez com a empresa Splint, demonstra
a interdependência que a política alienada cria com a intelectualidade, a do próprio artista poeta
que, dessa forma, esvazia a palavra:
“No mundo de Glauber, as qualidades do intelectual não residem na
disciplina do organizador [...] sempre disposto a esclarecer pelo verbo.
Elas residem na coragem da agressão que gera a catarse pela violência,
trabalhando o inconsciente”. (XAVIER, X, p.100)
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!1!A!construção!sonora!do!filme!implicou!na!dublagem!proposital!das!personagens!a!fim!de!garantir!a!liberdade!de!criação!na!montagem!e!possíveis!focos!de!atenção!atenuando!signos!em!evidência.!
Referências bibliográficas:
BONGERS, Wolfgang = XAVIER, Ismail. Prismas del Cine Latinoamericano / Wolfgang
Bongers. CELICH : Editorial Cuarto Propio : Primeira edição, 2012 (p.93-107)
DELEUZE, Gilles. A Imagem-tempo / Gilles Deleuze; tradução Eloisa de Araujo Ribeiro;
revisão filosófica Renato Janine Ribeiro. – São Paulo : Brasiliense, 2013.
ROCHA, Glauber. Eztetyka da Fome / Glauber Rocha, 1965. Acesso em
http://www.tempoglauber.com.br/t_estetica.html
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