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1 TERRITÓRIOS Aluno D IOGO D ROSCHI F ARIA DE S OUZA Orientadora F ERNANDA G OULART

TERRITÓRIOS - Diogo Droschi

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Page 1: TERRITÓRIOS  -  Diogo  Droschi

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T E R R I T Ó R I O S

A l u n o D i o g o D r o s c h i F a r i a D e s o u z a

O r i e n t a d o r a F e r n a n D a g o u l a r t

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T E R R I T Ó R I O S

B e l o h o r i z o n t e 2 0 0 8

u n i v e r s i D a D e F e D e r a l D e M i n a s g e r a i s

e s c o l a D e B e l a s a r t e s

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T E R R I T Ó R I O S

A l u n o D i o g o D r o s c h i F a r i a D e s o u z a

O r i e n t a d o r a F e r n a n D a g u i M a r ã e s g o u l a r t

B e l o h o r i z o n t e 2 0 0 8

Trabalho Acadêmico de Conclusão de Curso, requisito

parcial para a obtenção do grau de Bacharel/Licenciado

em Artes Visuais, Habilitação em Artes Gráficas

u n i v e r s i D a D e F e D e r a l D e M i n a s g e r a i s

e s c o l a D e B e l a s a r t e s

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G u I a 5

7P a S S a G E n S

1 3E I x O S

1 7H a b I T a n T E S

2 3T R a j E T Ó R I a S3 2C O n S T R u ç õ E S

4 4C R u z a m E n T O S

3 8T R a m a

4 6R E f E R ê n C I a S

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Esta monografia compõe-se de pequenas incursões por questões que tangenciaram

a elaboração dos trabalhos Território 1: Registros e Território 2: fluxos, apresentados na

exposição Trama, do atelier de artes gráficas VI, que ocorreu na galeria da Escola de Belas

Artes, em novembro de 2008.

Tendo como pontos de partida algumas reflexões sobre o gráfico e sobre a cidade,

buscou-se alcançar as interseções entre estas duas questões. Na tentativa de não restrin-

gir a multiplicidade de olhares e as possibilidades que se lançam sobre estes assuntos,

retirou-se da própria experiência urbana os cruzamentos e as fragmentações como estra-

tégia metodológica para elaboração da pesquisa.

No primeiro capítulo, Passagens, é apresentada a questão da cidade, o modo como

os seus espaços se organizam, seus fluxos e suas identidades, assim com as relações

estéticas suscitadas.

Em Eixos, busca-se alicerce na sintaxe visual, nas definições e no universo que se

relaciona à palavra gráfico, para definir os conceitos de gráfico como representação e

gráfico como apresentação.

No terceiro capítulo, Habitantes, são percorridas trilhas já abertas pelo trabalho de

outros artistas para buscar os cruzamentos possíveis entre o pensamento gráfico e a

experiência urbana.

Em Trajetórias foram refeitos os próprios percursos, para se perceber as possibilidades

que já vinham sido traçadas pelas experiências em trabalho anteriores.

No capítulo Construções se apresentam as estratégias e o processo de criação de

Território 1: Registros e Território 2: Fluxos, estabelecendo ainda algumas linhas de leitura

para estas duas obras.

Em Trama encontram-se os registros fotográficos dos trabalhos.

Em Cruzamentos é feita uma pequena conclusão e um levantamento dos vazios

deixados para trás.

G u I a

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A cidade é o espaço contínuo de experiência e apropriação pelos indivíduos que a

habitam, nela se relacionam e, a partir desta relação, constroem suas identidades e fixam

suas histórias. Espaço múltiplo onde coexistem as mais diversas realidades. Quando se

pensa na cidade como produtora de sentidos, o erudito e o popular, a tradição e a novi-

dade, a construção e a ruína, a memória e o esquecimento entrelaçam-se numa dinâmica

incessante de contradições e complementações.

É sobretudo nos espaços e nos fluxos urbanos que a cultura encontra os territórios

que formam e informam seus saberes, suas crenças, suas práticas e seus valores. A cidade

é o lugar do consumo material e simbólico, suporte fragmentado do real e do imaginário

dos sujeitos que a ocupam. Desta forma, não é simplesmente onde se vive, é acima de

tudo uma encruzilhada (Virilio, 1993) e não é somente um lugar, mas uma experiência e

uma prática social de espaço (Pallamin, 2000). Segundo Ferrara (2002), “o espaço não é

apenas o cenário das tramas sociais, mas ao contrário, sua constituição as incorpora e

ele é, ao mesmo tempo, cenário e ator da relação encenada”.

A cidade contemporânea, estruturada a partir do sistema capitalista, tende a organizar

seus espaços de forma prioritariamente racional, funcional e produtiva. Temos então uma

trama urbana configurada como local de trânsito, um entre-lugar contínuo, onde a maior

parte da comunicação, rápida, precisa e superficial, quase sempre tem como objetivo

maximizar a produção e o consumo.

Neste espaço a experiência prática, aquela do dia-a-dia, sobrepuja a experiência

estética, pelo seu pragmatismo e utilitarismo. A vivência cotidiana rapidamente ordena,

classifica e nomeia as sensações, colocando cada coisa em seu lugar.

Desta maneira proliferam-se nas cidades os não-lugares. De acordo com Augé (2003),

o lugar se define por seu caráter identitário, histórico e relacional, ou seja, lugares onde

o fluxo é interrompido e o espaço é vivenciado e construído a partir de uma memória

P a S S a G E n S

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que se torna visível. Em contrapartida, “um espaço que não pode se definir nem como

identitário, nem relacional, nem como histórico definirá um não-lugar”. Nessa lógi ca

estariam inseridos os shoppings-centers, aeroportos, as hipervias, e todos os lugares

de rápida circulação pública.

É possível perceber que nestes não-lugares os estímulos saturam a todo momento

os sentidos, e isso reverbera na maneira como os indivíduos se relacionam esteticamente

com seus territórios. A figura errante do flâneur, que transita pela cidade com um olhar

contemplativo, atento aos detalhes do cotidiano, torna-se, se não impossível, extrema-

mente rara. Segundo Furtado e Zanella (2007), com essa nova configuração, “especu-

lar, contemplar, divagar devagar não mais era possível aos transeuntes, aos cidadãos.

As imagens-produtos, os cartazes, outdoors e propagandas foram disseminando-se e

acumulando-se, óbvias, nas superfícies da cidade.”

Como uma defesa a esse movimento contínuo de trânsito, os sujeitos respondem cada

vez mais com uma certa indiferença do olhar, o que Simmel (1979) define como atitude

blasé no texto “A metrópole e a vida mental”. Sobre essa indiferença do olhar, comentam

Furtado e Zanella (2007):

“A estrutura da cidade atual viabiliza esse trânsito rápido e contínuo de pessoas

desconhecidas, permeado de imagens sobrepostas e superficiais, que se impõem

veementemente a um olhar desatento pelo espaço. A duração do olhar sobre o urba-

no é a duração do segundo que se faz necessário para ir, para passar, sendo rara a

duração que se perde na contemplação.”

A experiência estética requer uma mudança na maneira pragmática de se perceber e

vivenciar o mundo, sendo que a chave para esta experiência não está no objeto observado

e nem em quem o observa. Está na relação entre ambos. É um tipo específico de relação

que se mantém com o que está no entorno.

A experiência estética, “da nossa (humana) experiência face a determinados objetos

que percebemos e sentimos como belos” (Duarte Jr.,1991), é um diálogo que ocorre sem a

presença de um interlocutor, dando-se entre uma pessoa e os seus próprios sentimentos,

sendo portanto uma das maneiras de absorção e transformação da realidade.

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Diante de um objeto ou mesmo de uma pessoa, de uma paisagem, uma arquite-

tura, uma imagem ou uma situação, dialoga-se com os próprios sentimentos num ir e

vir de sensações, de imagens e de memórias. Esta experiência constitui-se, segundo o

termo empregado por alguns autores, em um “enclave” dentro da realidade cotidiana.

A experiência do belo é uma espécie de parêntese aberto na linearidade do dia-a-dia.

(Duarte Jr.,1991),

InterlúdIO sObre umA pOssível clAssIf IcAçãO semIótIcA dOs espAçOs urbAnOs.

Lucrécia Ferrara (2002) ajuda a compreender, através da semiótica, as reflexões re-

alizadas por Auge Ela propõe olhar semiologicamente a configuração contemporânea do

espaço urbano e com isso identifica três tipos básicos de lugares: icônicos, simbólicos e

indiciais. Os lugares icônicos são aqueles que, marcados por uma forte intencionalidade

em seu processo construtivo, intervêm de maneira marcante no espaço urbano. Não trazem

em si, porém, um uso previsível, dependendo, para tanto, da complexa relação com grupo

social ao qual foram destinados. A autora utiliza as diversas ocupações que ocorrem no

vão livre do MASP (hora habitado por feiras de antiguidades, hora por grupos de jovens)

para exemplificar o conceito de lugar icônico. Os lugares simbólicos são espaços que, além

de também carregarem uma intencionalidade, são marcados por forte caráter persuasivo.

São construções que visam representar prestígio e poder das instituições e são, por isso

mesmo, praticamente iguais em todo o mundo, sendo assim os que mais se aproximam

da idéia de não-lugar. Por último estão os lugares indiciais, defendidos pela autora como

os que melhor confirmariam o que Augé define como lugar. São os espaços criados como

solução para as necessidades coletivas da sociedade, desvinculados de grande intencio-

nalidade; são os lugares banais, as feiras, os velhos bairros, os cruzamentos.

Dentro da dinâmica urbana, esses espaços são fragmentados e permeáveis, sendo

exatamente nestes interstícios não tão classificáveis que a cidade oferece infinitas maneiras

de apropriação de seu espaço.

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É necessário refletir sobre como outras leituras dos objetos e das imagens satu-

radas do cotidiano são realizadas. A cidade nunca deixará de apresentar um potencial

estético latente que, ao olhar atento, oferece novos ângulos de leitura, pois é certo que

o espaço sempre apresenta possibilidades de novas apropriações simbólicas. Peixoto

(2003) aponta essa questão:

“O olhar hoje é o embate com uma superfície que não se deixa perpassar. Cidades

sem janelas, um horizonte cada vez mais espesso e concreto. Superfície que enruga,

fede, descasca. Sobreposição de inúmeras camadas de material, acúmulo de coisas

que se recusam a partir. Tudo é textura: o skyline confunde-se com a calçada; olhar

para cima equivale-se a voltar-se para o chão, a paisagem é um muro.”

Cidades feitas de fluxos, em trânsito permanente, sistemas de interfaces. Fraturas

que esgarçam o tecido urbano, desprovido de rosto e história. Mas esses fragmentos criam

analogias, produzem inusitados entrelaçamentos. Um campo vazado e permeável através

do qual transitam as coisas. Tudo se passa nessas franjas, nesses espaços intersticiais,

nessas pregas.”

Para diluir a cegueira que impede a admiração do entorno, Peixoto (1999) defende

o olhar estrangeiro, que procura ver o lugar como se fosse a primeira vez, superando as

imagens que se difundem pela cidade, banalizadas pela repetição incansável de si mes-

mas. Um olhar que re-introduz à paisagem a singularidade, a história e a experiência e

que, portanto, viabiliza relações estéticas e a construção de diferentes leituras. Furtado e

Zanella (2007) argumentam que “procurar o olhar que estranha o lugar familiar é dispor-se

a ver o que até então parecia invisível e propor, para esse fim, uma outra cultura visual,

uma educação do olhar que passa pela necessidade de reinventar nossa sensibilidade

visual”, assim como o Flaneur, um ser estético por excelência, reinventa a experiência

urbana através da errância:

“Uma embriaguez acomete aquele que longamente vagou sem rumo pelas ruas. A

cada passo, o andar ganha uma potência crescente; sempre menor se torna a se-

dução das lojas, dos bistrôs, das mulheres sorridentes e sempre mais irresistível o

magnetismo da próxima esquina, de uma massa de folhas distante, de um nome de

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rua. Então vem a fome. Mas ele não quer saber das mil e uma maneiras de aplacá-

la. Como um animal ascético, vagueia através de bairros desconhecidos até que, no

mais profundo esgotamento, afunda em seu quarto, que o recebe estranho e frio.”

(Benjamin, 1989)

O modo como os espaços se organizam, a aparência de uma cidade e as relações

estéticas suscitadas estão, portanto, repletos de possibilidadesde se produzir outros sen-

tidos para o que é visto, ouvido, reconhecido.Reconstruir o olhar sobre o mundo permite

transformar a maneira como se lida com a realidade e suas possíveis sensações.

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O dicionário nos diz que gráfico é: adj. (gr. Graphikos, lat. graphicu) Escrito, relativo à arte

de reproduzir pela tipografia; s. m. profissional de tipografia, de oficina de jornal; represen-

tação gráfica de fenômenos físicos ou sociológicos; coordenadas e curvas que ligam pontos

das ordenadas e abscissas para representação de um fenômeno qualquer; diagrama. Diz-se

de tudo que se refere à arte de representar os objetos por linhas ou figuras: artes gráficas.

No sentido usual da palavra, é comum se associar gráfico a tudo aquilo que pertence

ao universo da impressão e reprodução técnica de imagens e informações. Cor, píxel, re-

tícula, mancha gráfica, tipografia, tiragem, mídia, suporte, entre outras, são algumas das

palavras evocadas por essa definição.

Em um sentido mais amplo, no entanto, podemos-se ainda definir que gráfico está

relacionado ao processo de dar ordem formal e estrutural a uma mensagem, a uma infor-

mação, a uma idéia ou a um conceito, trabalhando freqüentemente a relação de escala,

material, imagem, texto e síntese, seja para fins de reprodução ou não.

Das mãos humanas impressas nas cavernas de Lascaux por volta de 14,000 a.C.,

passando pelo nascimento da linguagem escrita, os hieróglifos egípcios e a impressão

tipográfica, até chegar à era dos micro-computadores e da informação digital, o gráfico

tem sido, mais do que um procedimento técnico e formal, a principal ferramenta utilizada

pelo homem para reivindicar e recuperar sua herança e seu passado, fixar sua presença

e definir seu presente, planejar e vislumbrar seu futuro.

Seja como registro, técnica ou linguagem, seja na forma de ícone, índice ou símbolo, o

gráfico é utilizado pelo homem para se comunicar, informar, identificar, sinalizar, classificar,

organizar, diferenciar, entreter, estimular, persuadir, projetar, simplificar, entre inúmeras

outras atribuiçoesatribuições, que se reinventam a cada dia.

O gráfico faz parte da dinâmica de comunicação e conseqüuentemente de funcio-

namento da sociedade, sendo um de seus principais eixos condutores. Onipresente,

E I x O S

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podemos encontrá-lo em todas as camadas do cotidiano: em roupas, alimentos, sinalização

e organização dos espaços, arquitetura, identidades visuais, marcas, logotipos, símbolos,

embalagens, livros, jornais, revistas, outdoors, folhetos, catálogos, folders, computadores,

cinema, televisão, internet, jogos, exposições, anúncios e em quase todas as mídias utilizadas

pelo homem para transmitir e registrar sua maneira de pensar, agir e sentir o mundo.

Ao definir o que vem a ser gráfico, Newark comenta que “não é simplesmente uma frivo-

lidade extra; seus usos e objetivos são tão substanciais ao mundo moderno e à civilização que,

para qualificar o ser humano, Marshall McLuhan cunhou o termo ‘homem tipográfico’.”

InterlúdIO sObre A s IntAxe dA l InguAgem gráfIcA

Alguns poucos elementos sustentam a gramática visual que dá forma às imagens

gráficas. Segundo Dondis, em Sintaxe da linguagem visual, a matéria prima de qualquer

comunicação visual pode ser resumida a apenas 10 elementos básicos:

O ponto, que é a unidade mais simples e irredutível da comunicação visual;

A linha, entendida como a união de vários pontos em um sentido contínuo, ou como

o registro do movimento de um ponto;

A forma, articulada então pela complexidade da linha;

A direção descrita pela forma (quadrado, horizontal e vertical, no triângulo a diagonal

e no circulo a curva);

Os tons, intensidade de visualização de cada elemento com relação aos que lhe ro-

deiam e ao grafismo completo;

As cores;

As texturas, ligando sensação visual à experiência tátil;

As escalas entre os elementos, capazes de modificar e definir uns aos outros;

A dimensão, que está ligada à sensação de profundidade e à tridimensionalidade;

O movimento, podendo ser real ou sugerido.

As imagens gráficas são então formadas a partir das infinitas possibilidades de mani-

pulação e combinação destes elementos uns com os outros, através de estratégias simples

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como agrupamento, unidade, sobreposição, acumulação, posicionamento, contraste, simetria,

subtração e adição, repetição, dentre outros.

A partir desta definição corre-se o risco porém de se limitar o gráfico à representação

visual de algo (idéia, conceito, informação etc.). Isso o caracterizaria apenas como imagem,

reprodução ou informação visual.

Essa definição é possível, mas podemos pensar também queo gráfico pode estar

ligado ainda à apresentação de algo, configurando-se então como a própria coisa em si.

A primazia, neste caso, é da estratégia construtiva, do olhar que percebe tais elementos

formal e abstratamente, reconhecendo-os e apreendendo-os em sua formatação gráfica.

Como exemplo desses dois eixos de leitura do gráfico, pode-se imaginar diversos livros

organizados na estante de uma livraria. Em um primeiro momento, é possível dizer que cada

livro traz em si por excelência todas as características que ajudam a definir um objeto como

sendo gráfico. Neles são encontrados os elementos descritos anteriormente: pontos, linhas,

planos, cores, dimensões etc., utilizados para configurar grids, tipografias, diagramações,

eixos de leitura, imagens, composições etc., dando assim, forma e sentido às idéias e/ou

informações contidas ali. Já em um segundo momento observa-seos agrupamentos, alinha-

mentos e os planos de cor conformados pelas diferentes lombadas expostas, tudo isso dentro

de um grid definido pelas estantes, indicando que estes elementos visuais e estratégias

construtivas também estão presentes na organização destes objetos no espaço.

Logo pode-se dizer que tanto o que está impresso (representação) quanto a estratégia

organizacional destes objetos no espaço (apresentação) obedecem a uma lógica gráfica

de construção.

Assim, percebe-se que o gráfico não apenas está presente na forma de impressos,

marcas e sinalizações que se espalham por todo o tecido urbano, mas também na própria

maneira como se articulam os fluxos as construções e os espaços dentro da cidade.

Apresentação ou representação, as diversas maneiras de ver o gráfico estão sempre

interligadas numa troca mútua de sentidos e sensações, sendo partes da mesma maneira

de se perceber e agir sobre o mundo.

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reAgrupAmentO

Gravador, pintor e programador visual, Fábio Miguêz é um artista

plástico paulista, cujo trabalho atual se estabelece na fronteira entre

a pintura e a arquitetura.

Neste espaço híbrido, encontra-se desenhos, pinturas e insta-

lações carregados de linguagem projetiva, que fazem uso de grides,

geometrias, modulações, cortes, elevações, planificações, desenhos

técnicos e toda uma gramática visual, vinculados a um pensamento

arquitetônico. Em suas composições, o artista propõe inversões,

espelhamentos e reconfigurações por meio de jogos combinatórios

e tratamentos cromáticos.

“Do ponto de vista poético, Miguez qualifica seus quadros como territórios da dúvida. ‘É uma forma de caracterizar o trabalho, pelo tipo de composição, pelos arranjos, por se tra-tar de um trabalho disperso, que depois de pronto suscita a dúvida: por que este quadrado está posicionado desta forma e não de outra? Trata-se de uma escolha que leva em conta

uma dúvida’, explica”. 1

A pesquisa do artista opera fundamentalmente nesta tensão,

criada pelas infinitas possibilidades de sua reconfiguração visual.

Outro ponto importante de se levantar, ainda referente à impor-

tância da questão espacial no trabalho de Miguêz é a escala ampliada

que o artista propõe para suas obras, quase como se as formas criadas

por ele exigissem a magnitude de paredes e muros, e não chassis.

1 www.iberecamargo.org.br/content/upload/press_room/Fábio Miguez.doc

H a b I T a n T E S

Fabio Miguez, Sem Título, 2004.

Fabio Miguez, Sem Título, 2004.

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trAnsItórIO

O artista argentino Nicolas Robbio trabalha com experimentações

em fotografia, pintura, desenho e instalação, sendo que a principal

questão de sua poética, em sua opinião, são os deslocamentos.

“Assim eu posso retomar a informação do material e o repre-

sentar novamente, de outra forma. Isso faz com que as pessoas

vejam de novo as coisas, que revejam a concepção de algo que

já conhecem. [...] Você vê o que já conhece de outra forma.

Gosto também de trabalhar com composição de elementos

que, aparentemente, não têm ligação um com o outro, mas na

sobreposição eles ganham sentido por estarem juntos.” 2

Suas composições combinam o que é identificável a todos com

aquilo que é estrutural e abstrato, só se tornando reconhecível pela

ação do artista.

“Estruturas existentes que servem para uma coisa e a partir

delas você pode construir muitas outras. Com as mesmas

estruturas de desenho, criar sistemas diferentes. Um dese-

nho como o de um campo de futebol é criado pela união dos

pontos nas intercessões das linhas. Posso, com essa mesma

estrutura, criar um banco. Eu tenho trabalhado algum tempo

com esta idéia.” 3

Um exemplo disso é sua obra Geometrias Acidentais, vídeo em

que o artista traça linhas imaginárias entre diferentes pessoas andando

em uma rua qualquer da cidade. Baseado nessas conexões, percebe-

se formas geométricas aleatórias que aparecem, se reconfiguram e

desaparecem de acordo com o movimento dos pedestres que entram

e saem da cena.

2 http://www.28bienalsaopaulo.org.br/participante/nicolas-robbio

3 http://www.28bienalsaopaulo.org.br/participante/nicolas-robbio

Nicolas Robbio, Sem título, 2005

Nicolas Robbio, Sem título, 2007

Nicolas Robbio, Sem título, 2007

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Outro exemplo são seus diversos desenhos que, fazendo uso

da linguagem da representação técnica, criam fragmentações, arti-

culam rearranjos e abstrações, no intuito de instaurar novas leitu-

ras e apontar detalhes quase sempre imperceptíveis em objetos e

situações do cotidiano.

subtrAçãO

O comum é ressignificado de maneira inusitada no trabalho da

artista belorizontina Rivane Neuenschwander. Experimentando em

instalação, fotografia, objeto, vídeo e desenho, a artista apresenta

ao público um olhar inquiridor sobre vários elementos presentes

no universo cotidiano, mas que no dia-a-dia passam quase sempre

despercebidos.

Um pensar sobre a linguagem é central em sua poética. Alfabetos,

fotografias, mapas, calendários e outros códigos de representação visual

ganham leituras críticas nas obras da artista, que quase sempre lida

com a apropriação e a intervenção sobre objetos gráficos.

Na instalação _ _ _ _ _ _ _ (product of) [2003], o ordinário é feito

visível pelo apagamento. Valendo-se de sacos de fibras sintéticas usa-

dos, utilizados originalmente para armazenar mantimentos, ela apaga,

com uso de solvente, todas as referências textuais que indicavam a

marca ou procedência do produto, deixando à vista somente os seus

elementos gráficos de ilustração, os quais ainda enfatiza recobrindo-os

com tinta. Enfileirando algumas dezenas desses sacos sobre o chão, ela

concede, nessa instalação, teor simbólico ao que antes tinha apenas

valor comunicacional.

O mesmo acontece em Zé Carioca no. 4, A Volta de Zé Carioca

[The Return of Zé Carioca] (1960), 2004, onde a artista encobre a

imagem estereotipada do personagem da Disney deixando como Rinane Neuenschwander, Zé Carioca no 4, A volta do Zé Carioca, 2004

Page 21: TERRITÓRIOS  -  Diogo  Droschi

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registro apenas os balões de fala e os fundo coloridos. As páginas

exibidas fixadas lado a lado na parede figuram agora como uma

paisagem abstrata.

Em Cartas D’ água (2008), uma série de 40 mapas rodoviários

sofre ação corrosiva das águas das chuvas, que vão ao acaso des-

gastando a representação gráfica, promovendo o apagamento das

fronteiras e refazendo seus terrenos em diagramas cujos resultados

são imprevistos.

múltIplO

Além de trabalhar como designer gráfico e de produtos, Geraldo de

Barros, foi o fundador do grupo Ruptura e pioneiro no Brasil da fotografia

abstrata. Atuou sempre dentro da visão concretista, que propunha,

“[...] socializar a arte, obter um objeto a partir de um projeto.

Os objetos obtidos de um projeto são originais e únicos. O

fato de serem iguais entre si é uma decorrência. Se se copia o

objeto que é produto de um projeto, não se está produzindo

objetos a partir de um projeto. A diferença é qualitativa e não

quantitativa. O projeto se mantém íntegro e os objetos obtidos,

neste caso, permanecem únicos, apesar de produzidos em

enormes quantidades, ou em massa”.

Este pensamento que permite ao artista entender a reprodução

como território artístico lança Geraldo de Barros, no final dos anos 40,

às suas primeiras pesquisas no campo da fotografia.

Suas fotoformas são trabalhos que surgem diretamente de suas

influências construtiva e concreta, além do contato que teve com as

produções de Man Ray, Lazlo Moholy-Nagy e da teoria da Gestalt.

“As pesquisas de Barros buscavam justamente livrar a foto-

grafia desta representação objetiva e pouco inspirada, pro-

Rinane Neuenschwander Cartas D’água, 2008

Geraldo de Barros Fotoforma, 1950

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pondo, em seu lugar, uma abordagem da qual emergisse uma

especificidade mais clara da trama fotográfica. A ordem era

transgredir a realidade, problematizar a perspectiva e tirar do

aparelho fotográfico o poder de determinação do resultado

final da imagem.” 4

Trabalhando com múltiplas exposições, recortes, colagens, riscos

sobre o negativo, alterações de contrastes e várias outras possibili-

dades de interferência e manipulação do suporte fotográfico, Barros

recria imagens e dá a fotografias novas possibilidades, deslocando-as

do campo da representação e da mimese do real para aproximá-las

da lógica abstrata e construtiva da linguagem visual.

terrItórIO gráfIcO

É a partir de apropriação de peças gráficas em geral que o artista

argentino Jorge Macchi elabora seus trabalhos. Utilizando jornais, ma-

pas de cidades, metrôs e partituras musicais, Macchi volta seu olhar

para a cidade, seus fluxos e seus habitantes, como uma instigante

fonte de reflexões.

Trabalhos como Monoblocos, (onde Macchi remove textos de obitu-

ários impressos em algumas páginas de jornal), e Guia da Imobilidade,

(série de intervenções em mapas, onde todos os blocos que representam

os quarteirões da cidade de Buenos Aires foram retirados, deixando-se

ver uma trama de ruas) usam os recursos de subtrações e transparências,

promovendo uma inversão entre figura e fundo, estrutura e conteúdo,

suporte e significado.

A possibilidade de se construir, a partir de diferentes ações e in-

tervenções, uma cartografia subjetiva, algo que não apenas represente,

4 http://www.confoto.art.br/livros/barros.php

Geraldo de Barros Fotoforma, 1950

Jorge Macchi, Guia da Imobilidade, 2003

Page 23: TERRITÓRIOS  -  Diogo  Droschi

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mas carregue a própria experiência de deslocamento ou de permanência,

está presente na grande maioria dos trabalhos do artista.

No livro objeto Buenos Aires Tour Macchi constrói oito itinerários

onde são eleitos 46 pontos de interesse, nos quais o artista elabora e

recolhe informação escrita, fotográfica e sonora. Ele representa uma

experiência pessoal em seus percursos através de paisagens banais

do cotidiano de sua cidade natal, elementos resultantes do olhar do

próprio artista, que passariam despercebidos por um olhar desatento,

gerando um mapeamento que subverte tudo o que pode se esperar

de um guia de turismo.

Jorge Macchi, Buenos Aires Tour, 2004

Jorge Macchi, Cidade Cansada, 2004

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lAbIrIntOs

Composto por dois livros-objeto no formato 20 x 27 cm, Cartografias Incidentais

foi uma peça criada para responder à demanda do Atelier de Artes Gráficas I de se criar

um trabalho que desse conta de apresentar graficamente alguma questão relacionada à

cidade , mais do que de representá-la. Ou seja, o resultado deveria preceder a síntese e

ser capaz de carregar a própria experiência da cidade. Feito a partir da apropriação do

mapa de um guia de ruas e avenidas da cidade de Belo-Horizonte e cidades vizinhas,

os livros fazem uma espécie de inversão da tarefa inicial, propondo então que essa

apresentação da cidade ocorra diretamente a partir de um de seus códigos possíveis

de representação, os mapas.

O primeiro livro, vermelho, trabalha um jogo de sobreposições que utiliza como matéria

prima as páginas do mapa original. Nele, a partir de recortes que seguiram os próprios

trajetos de vias representados nas linhas dos mapas, partes das informações foram sub-

traídas, dando lugar a janelas e espaços que revelam parte da informação presente nas

outras páginas, compondo-se, a partir daí, novas interseções entre os espaços originados

pela representação cartográfica.

T R a j E T Ó R I a S

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A cor vermelha, que como convenção do projeto gráfico original foi utilizada para

demarcar alguns trajetos específicos na cidade, é utilizada também como uma cor chapada

no verso de cada uma das páginas do livro. Sua presença, com o passar das páginas, vai

se tornando cada vez mais marcante, como se a representação fosse dando lugar a uma

mancha de cor, que ao potencializar a pregnância das formas geradas pelos recortes e

pelos espaços vazios, acaba também apontando para o caráter eminentemente abstrato

da composição. Possuindo duas lombadas, a encadernação é feita com jogos de cadernos

costurados tanto à direita quanto à esquerda, possibilitando, desta maneira, que a cada

manipulação ocorra o embaralhamento das páginas e dos mapas e, consequentemente,

a reconfiguração visual das interseções possíveis. Desta maneira impregna-se a represen-

tação cartográfica com fluxo, vertigem, sobreposição e impossibilidade de se completar,

noções que fazem parte da própria experiência da cidade.

Já o segundo livro foi construído a partir de folhas do mapa anterior sobrepostas a

folhas em branco, onde com uma linha vermelha costurava-se um percurso qualquer. A

página contendo o mapa era então retirada, deixando apenas a referência do percurso

costurada sobre a folha branca que antes estava por baixo. Ao contrário da acumulação

do primeiro livro, desta vez uma única linha percorre então um trajeto solitário no branco

do papel, saltando de página em página através de pequenas janelas. Sem qualquer outro

elemento para representar o entorno e para identificar este percurso como pertencente a

um espaço real, a linha vermelha figura como um fio de Ariadne, cabendo ao observador/

manipulador do livro analisar ou apreender a forma descrita por seu trajeto.

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O esvaziamento da imagem neste segundo livro contrasta com o acúmulo visual e

material do primeiro. No entanto, na impossibilidade da representação funcional, evidencia-

se em ambos a potência estética do registro de um percurso. Neles constata-se que um

labirinto pode ser construído tanto do acumulo de imagens, referências e possibilidades,

quanto da anulação destas características, configurando-se, portanto, como um lugar emi-

nentemente estético, pois tem a capacidade de potencializar as experiências dos sentidos,

principalmente as do olhar.

Cada um dos cadernos tenciona à sua maneira a representação gráfica convencionada e

informacional e, a partir de leituras subjetivas, possibilitam que a relação com essa lingua-

gem ganhe novos relevos e seja reconfigurada, desviando-se para o poético e o subjetivo,

atestando assim a possibilidade do código de carregar experiência e memória.

ImperAtIvO gráfIcO

Na intervenção urbana Escape elaborada para o Atelier de Artes Gráficas II, realizada

em conjunto com o aluno Daniel Hazan, foi utilizada a técnica de stencil sobre janelas e

portas que haviam sido fechadas por tijolos em áreas abandonadas e/ou de ruína.

Em uma cidade como Belo Horizonte, que se refaz a cada instante, encontra-se por

todas as partes espaços fechados, cegos, desfuncionalizados e inacessíveis tanto ao corpo

quanto ao olhar. Tais espaços, no entanto, estão carregados de memórias guardadas pelos

resquícios materiais e formas que surgem das diferentes camadas de tijolos, concreto e

tinta. Como camadas de uma memória imprecisa, estas sobreposições nas ruínas entrevêem

as possibilidades do que foram ou podem ter sido aqueles lugares, enquanto apontam a

impossibilidade de algo já não pode mais ser. São lugares indiciais que se transformaram

em não-lugares, espaços apenas de passagem, normalmente destinados ao esquecimento,

mas de potencial simbólico latente.

A ação apropriou-se da imagem de um retângulo tracejado e uma tesoura aberta,

representação gráfica comumente utilizada em projetos editoriais para indicar a ação de

recortar ou destacar algo no papel, e os ampliou, substituindo ainda a palavra recorte

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pelos imperativos fuja, passe, escape, atravesse, inscritos agora sobre estas janelas e

portas espalhadas pela cidade.

Trazendo questões relacionadas à sinalização urbana, proporção e acessibilidade, a

intervenção ordena uma ação que fisicamente é impossível ao observador, criando um

ruído na paisagem e colocando em evidência os aspectos simbólicos e subjetivos, tanto

destes espaços quanto destes signos, na tentativa de estabelecer uma área de suspensão

e ruptura no fluxo da paisagem urbana.

Além de trazer como questão o deslocamento de elementos gráficos entre universos

diferentes (no caso do gráfico editorial para o gráfico da cidade) e indicar as possibili-

dades de se apropriar de uma linguagem e de um espaço para então ressignificá-los, a

ação busca refletir sobre percursos interrompidos, bloqueios do corpo e do olhar dentro

dos fluxos da cidade, ao mesmo tempo em que sugere a possibilidade de apreensão

subjetiva destes espaços.

AcumulAções

A série de fotografias apresentada na exposição de trabalhos da disciplina de Atelier

de Artes Gráficas III que ocorreu na galeria da Escola de Belas Artes no primeiro semestre

de 2008 utilizou como ferramenta uma máquina fotográfica analógica Lomo. A precarie-

dade e o descontrole típicos da lomografia permitiram realizar múltiplas exposições em

uma mesma janela do negativo. As imagens foram capturadas durante deslocamentos nos

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percursos habituais da casa para o trabalho, do trabalho para a universidade, da janela de

um ônibus, durante uma caminhada, buscando registrar apenas fragmentos do cotidiano,

do que é comum e trivial na paisagem da cidade. Cada imagem foi composta em média

de uma série de 5 a 8 disparos que aconteciam em intervalos irregulares de tempo entre

um e outro (às vezes 1 minuto, às vezes 2 dias).

De caráter experimental, a ação propunha inicialmente tencionar o próprio limite da

captura fotográfica e investigar como ocorreriam as contaminações entre os diversos re-

gistros. As acumulações e interseções que a cada clique saturavam o negativo fotográfico

foram absolutamente casuais, já que não era possível prever ou controlar os resultados.

Produziram-se imagens turvas, apagamentos, distorções, granulações, rastros, fusões

e configurações que determinaram de certa forma a diluição – mas de maneira nenhuma o

apagamento – do caráter indicial da fotografia. Os traços fugidios dos referentes apontavam

agora para a própria técnica empregada na construção das imagens e indicavam muito

mais a presença do próprio percurso, ou seja, de um deslocamento no espaço e tempo.

As oito imagens selecionadas para serem expostas foram ampliadas no formato 30 x

30 centímetros e receberam como suporte caixas de MDF, com iluminação back-light, que

ficavam suspensas por fios vermelhos a alguns centímetros da parede.

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Esta estrutura das caixas foi pensada inicialmente para criar uma ordenação nas ima-

gens, mas durante a montagem acabou gerando um resultado autônomo mais pregnante

do que as próprias fotografias. As caixas acabaram sendo usadas para o que se propu-

nham inicialmente, mas a potência dos desdobramentos percebidos durante a montagem

apontaram para novas discussões, entre elas o conceito de desnudamento e a força da

estrutura na paisagem urbana.

O segundo trabalho apresentado nesta exposição foi um painel, no formato 2 x 1

metro composto de seis pranchas individuais, que por sua fez eram compostas cada

uma de três camadas de papel manteiga. Entre estas camadas de papel foram traçados

desenhos com linhas de costura e fios de lã vermelhos que, seguindo uma estrutura hora

geométrica hora orgânica, construíam uma trama que conectava e delimitava os espaços.

Dialogando com os projetos anteriores, e sobretudo com os livros objeto, mais uma vez

temos a alusão à representação cartográfica e a idéia da possibilidade de se apreender

esteticamente o registro de percursos, deslocamentos e cruzamentos.

ApOntAmentOs

Os trabalhos resgatam os espaços das cidades, seus fluxos, suas representações,

suas linguagens, identidades, buscando a todo momento o diálogo entre estas interfaces

conceituais, o território gráfico e a própria experiência vivenciada pelo artista.

Seja na apropriação de materiais impressos, signos gráficos e da iconografia urbana,

seja nas capturas fotográficas e nas construções de novas imagens, busca-se a imersão nos

espaços urbanos, a ressignificação, a conversão da mensagem denotativa em conotativa,

as transgressões e tensões da imagem, a acumulação de sentidos, que podem ser vistos

como uma tentativa de questionamento tanto da própria linguagem quanto de seu uso,

sua identidade, seu significado e sua memória.

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C O n S T R u ç õ E S

As experimentações realizadas durante a disciplina de atelier IV que levaram à ela-

boração dos dois projetos apresentados na exposição Trama (que ocorreu na galeria da

Escola de Belas Artes em novembro de 2008), assim como os trabalhos realizados até então,

partiram da idéia inicial de se trazer como fonte de pesquisa o gráfico na paisagem urbana,

e mais especificamente nos seus interstícios, ou seja, os seus resquícios, suas ruínas e

obstruções, suas estruturas e tudo aquilo que dentro desta paisagem normalmente fica

relegado à categoria do transitório ou do efêmero.

Por vezes esquecidos pelo olhar cotidiano, estes espaços apontam, por sua natureza

crua, para as próprias condições técnicas de composição e organização espacial, construção

e estruturação de um pensamento projetivo, que se agrega à maneira como é vivenciada

e percebida a identidade e a dinâmica urbana.

As primeiras questões colocadas foram as de como se deveria olhar e buscar estes

avessos na paisagem e como potencializar os significados originais, articulando também

novas possibilidades de nexo.

Em um primeiro momento, a pesquisa partiu para experiências de deriva na cidade,

onde eram feitas anotações do que estava sendo visto e percebido, além da captura de

imagens fotográficas.

InterlúdIO sObre O estAr A derIvA

Os situacionistas já elaboravam no final dos anos 60 os seus mapas psicogeográficos,

uma espécie de cartografia subjetiva, construídos das experiências de deriva nos espaços

urbanos. Buscando uma experiência não-objetiva, a intenção da deriva era de desconstruir o

caráter homogêneo do espaço, conferindo-lhe uma carga vivencial pessoal de explorar o co-

tidiano da cidade e construir um conhecimento crítico sobre os usos do espaço urbanos.

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“A psicogeografia foi definida como um ‘estudo dos efeitos exatos do meio geográfico,

conscientemente planejado ou não, que agem diretamente sobre o comportamento

afetivo dos indivíduos’. E a deriva era vista como um ‘modo de comportamento ex-

perimental ligado às condições da sociedade urbana: técnica da passagem rápida por

ambiências variadas. Diz-se também, mais particularmente, para designar a duração

de um exercício contínuo dessa experiência.’(...) A deriva seria uma apropriação do

espaço urbano pelo pedestre através do andar sem rumo”.(JACQUES, 2003).

Baseando-se de certa forma na experiência situacionista, o andar sem rumo pela

cidade foi uma ferramenta que permitiu reconhecer nos edifícios, vias e objetos urbanos

funções independentes de seu uso pragmático. Estar à deriva foi deixar-se guiar pela

própria exploração, pelo tempo presente, buscando os estranhamentos que possibilitam

reler as formas e as possibilidades de apropriação de espaço que ficam invisíveis durante

os deslocamentos do cotidiano.

Fotografias de ruínas arquitetônicas e espaços ou objetos que deixavam à mostra

suas estruturas (como encanamentos, fios elétricos, cercas e empenas de outdoor) foram

matéria-prima para as primeiras elaborações.

Propôs-se a manipulação destas imagens em um jogo combinatório a partir de es-

tratégias como aproximações, repetições, espelhamentos e toda uma série de exercícios

compositivos, nos quais buscou-se criar diálogos e associações visuais que tencionassem

as possibilidades de leituras nessas imagens coletadas.

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Estas experimentações foram fundamentais para se perceber as peculiaridades de

uma espécie de estrutura modular, principalmente no que se refere a duas questões

importantes: a possibilidade de doar à obra uma carga dinâmica, por meio da reconfigu-

ração visual da composição,da mudança de posição ou deslocamento das unidades que a

constituem, e o trabalho em diferentes níveis de leitura, determinados pela distância do

observador em relação à obra, sendo que de longe é possível apreender de forma mais

clara o grid, percebendo o diálogo criado entre os módulos, e de perto pode-se observar

de forma independente as singularidades de cada uma destas unidades.

Em um segundo momento, algumas experiências realizadas no atelier demonstravam

novas possibilidades. Como exercício, foram selecionadas algumas imagens clássicas da

história da arte e sobre elas foram realizadas intervenções que utilizavam a subtração e o

apagamento como ferramentas, evidenciando, partir dos vazios ou sobreposições criadas,

as estruturas compositivas que estavam por trás da elaboração daquela imagem.

Como desdobramento desta segunda experiência, partiu-se então para a utilização

de textos xerocados, onde todos os elementos textuais eram cobertos por uma camada

de tinta vermelha, deixando visível então apenas os elementos da mancha gráfica, como

as margens, recuos e respiros, e evidenciando assim o grid construtivo. Montadas lado a

lado para formar um objeto único, as páginas se configuram como uma paisagem carto-

gráfica. Percebeu-se então que é possível, pela intervenção na imagem, trazer à superfície

os elementos abstratos e estruturais que já estavam ali presentes, porém escondidos pela

familiaridade da cena.

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terrItórIO 1: regIstrOs

Foram realizadas novamente algumas perambulações por percursos aleatórios den-

tro da cidade. Seja por meio da aproximações ou distanciamentos, seja pela busca de

diferentes ângulos, buscou-se nessa imersão para captura fotográfica exercitar o olhar

para que se pudesse reconhecer os detalhes e as abstrações no que há de mais comum

e cotidiano da paisagem.

O resultado desta experiência foi a criação de um painel de 3,60 x 1,40 metros, com-

posto de 75 módulos individuais e de dimensões variadas, colados diretamente sobre a

parede com defesas de 1,5 cm entre cada unidade.

Cada um dos módulos deste mosaico apresentava uma fotografia distinta. Impressas

em preto e branco, a cada uma das imagens foi aplicada uma cobertura transparente de

tinta off-set prata ou dourada, o que igualou o contraste original das imagens e conferiu

unidade cromática aos módulos, possibilitando também que as imagens aproximassem o

campo da fotografia ao campo da impressão.

Com o uso de máscaras de papel, feitas a partir de duplos das imagens originais,

foram selecionadas áreas nas quais eram impressas também uma segunda camada com

tinta off-set vermelha, criando uma veladura que impossibilitava definitivamente ver o

que estava por trás da cor, evidenciando assim os fragmentos geométricos presentes na

construção de cada uma das cenas fotografadas.

Temos então dois momentos de observação: o distanciamento, cuja percepção

encontra nas abstrações geométricas e no diálogo entre as cores, a base para a leitura

do todo e a aproximação, onde se pode perceber os detalhes das fotografias e sua

indicialidade relativa à cidade, sendo possível identificar e ler individualmente cada

um dos módulos.

Não apenas por sua configuração final, mas também pelo processo de criação empre-

endido, pode-se entender o trabalho como um registro de deslocamentos que não recria

apenas uma cartografia pessoal, mas também o próprio território. A partir da representação

de diversos percursos, cruzamentos e passagens, percorridas durante a captura fotográfica,

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conforma-se um panorama imediato à percepção, sem distinção de tempo, dimensão ou

distância, oferecendo ao olhar inúmeros trajetos.

terrItórIO 2: fluxOs

A poeira depositada entre os veios de metal de uma porta de correr, detalhes de

uma rachadura no piso de concreto, corrosões, fios elétricos, detalhes da tinta carcomida

no asfalto entre outras imagens, coletadas em diferentes lugares da cidade nas mesmas

andanças realizadas durante o processo de criação, foram reagrupados para serem utili-

zados neste Território 2: fluxos.

Formado por 32 imagens distintas, impressas em cor nas páginas de três livretos de

formato 20 x 26 cm, que por sua vez foram fixados lado a lado em uma bancada, este

objeto gráfico interativo é outra maneira que se encontrou de ressignificar a própria idéia

de registro de um percurso.

Por estarem colados ao suporte, os livretos nunca se fecham, deixando sempre visí-

veis 6 imagens que, entre aproximações ou distanciamentos, semelhanças ou diferenças,

acabam se contaminando mutuamente e restaurando a partir do passar de páginas e da

conseqüente reconfiguração visual do todo, parte da experiência de um olhar em deslo-

camento por entre fragmentos de uma paisagem.

Seja pelas estratégias de aproximação, fragmentação ou pelo deslocamento do objeto

de seu entorno, cada imagem de Território 2: Fluxos é também uma experiência de imersão

dentro da abstração da paisagem cotidiana, propondo uma maneira de se perceber as

cores, as texturas, e os detalhes que passam despercebidos em nosso dia-a-dia.

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T R a m a

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C R u z a m E n T O S

Dependendo do tempo e da maneira como se percorre um trajeto é necessário

fazer escolhas, e enquanto alguns elementos acabam sendo privilegiados, outros pre-

cisam ser abandonados. É evidente que nesses quatro meses de desenvolvimentos

muitas paradas, recomeços e desvios foram estabelecidos, e durante estes movimentos

deixou-se para trás questões importantes, como por exemplo, um olhar mais atento

sobre o desenvolvimento da paisagem na história da arte assim como a própria ques-

tão da deriva, um esquadrinhamento mais detalhado de movimentos artísticos, como

o próprio construtivismo, a arte concreta e neo-concreta brasileira, assim como uma

tentativa de depurar mais a questão dos próprios processos que se sedimentaram

durante a criação.

Porém, é exatamente nestes resquícios que a busca e o olhar pelo gráfico estabelecerá

terreno para criação de novas leituras.

Até este momento lançar um olhar gráfico sobre a cartografia foi entrever o uso de

uma linguagem visual para representar, fixar, prever, controlar e compreender o espaço.

Foi perceber, a partir de uma convenção, os grids, as tipografias, as linhas, os planos e as

cores, sendo utilizadas para tornar familiar o desconhecido.

Até este momento lançar um olhar gráfico sobre a cidade foi um exercício imagético

que buscou reavaliar a configuração habitual das cenas, paisagens e objetos, a partir

de uma exploração de seus fragmentos. Foi perceber, a partir de uma transposição de

linguagem, os grids, as linhas, as tipografias, os planos e as cores, sendo utilizadas para

tornar desconhecido o familiar.

Unir estes dois olhares a partir de situações de deriva foi elaborar uma cartografia

que, fugindo da imagem única e da busca por orientação, revelasse uma narrativa pes-

soal de vivência em um espaço, procurando nos elementos cotidianos possibilidades

de transformação.

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Apresentados ao olhar ou à manipulação do observador como um jogo construído

por fragmentos que não se completam, a poética buscou nos agrupamentos, nas sobre-

posições, nas simetrias, aproximações e afastamentos, instituir uma montagem baseada

no múltiplo como possibilidade de se apreender o espaço, procurando mais lançar novas

perguntas que realmente alcançar algum tipo de resposta.

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