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5/25/2018 Tese Erica Pecanha Nascimento
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UNIVERSIDADE DE SO PAULOFACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
RICA PEANHA DO NASCIMENTO
Litert!r "r#i$%&' () e)*rit(re) + erieri e$tr" e"*e$
SO PAULO.//0
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RICA PEANHA DO NASCIMENTO
Litert!r "r#i$%&' () e)*rit(re) +e erieri e$tr" e"
*e$
Dissertao apresentada ao Programa dePs-Graduao da Faculdade deFilosofia, Letras e Cincias Humanas da
Uniersidade de !o Paulo comore"uisito parcial para a o#teno do t$tulode %estre em &ntropologia !ocial'
(rientador) Prof' Dr' *+lio &ssis !imes'
SO PAULO.//0
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Dedico este trabalho ao professorJlio Simes e aos escritores queprotagonizam a movimentaocultural aqui registrada.
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AGRADECIMENTOS
ste tra#al.o / dedicado ao meu orientador, o Dr *+lio &ssis !imes, comoforma de retri#uio 0 seriedade e 0 ateno "ue me dispensou nesses +ltimos
anos' & ele eu agradeo todas as leituras atentas, sugestes, cr$ticas e est$mulos
"ue me a1udaram a desenoler esta pes"uisa' agradeo tam#/m por ser, desde
a graduao, o grande incentiador da min.a carreira'
&gradeo a Fundao de &mparo 0 Pes"uisa do stado de !o Paulo, "ue
me concedeu a #olsa sem a "ual esta pes"uisa no teria se ia#ili2ado'
&s professoras Lilia !c.3arc2 e %arta &moroso, pelo incentio de sempre4 e
a &ndrea !aad Hossne e ao &ntonio !ergio &lfredo Guimares, pelas aulas
estimulantes' &gradeo especialmente a professora &ngela &lonso por todos os
apoios dados, por ser e5emplo de did6tica e dedicao aos estudos, e pelas cr$ticas
essenciais feitas no meu e5ame de "ualificao' ao professor Heitor Fr+goli, pela
leitura atenta do meu relatrio de "ualificao e pelas importantes sugestes
tericas e 1ornal$sticas "ue me foram dadas'
&os 7arg8idores camaradas9, "ue leram a primeira erso desta dissertao e
fi2eram coment6rios estimulantes) Daniela &maral, :sadora Lins, &ngelita Garcia e
;le#er
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%aria, pela a1uda' ao meu padrin.o &lceu >runo e ao amigo *os/ *+lio Leite, pelo
interesse e carin.o'
& %aria *os/, "ue no contente em ser min.a tia, me deu seu fil.o para
#ati2ar e colocou a sua casa 0 disposio para "ue eu pudesse redigir os cap$tulos
da dissertao com tran"8ilidade' &gradeo o a#rigo, as risadas, os coment6rios, os
fil.os e as comidin.as feitas especialmente para dar inspirao' &o meu afil.ado
Cleiton !6, por ser a estrela "ue ilumina a min.a ida .6 tre2e anos, e ao seu irmo,
Clis !6, pela ami2ade e por todas as a1udas so#re inform6tica'
&o A/, amigo de longa data "ue se tornou parceiro, assistente de pes"uisa de
todas as .oras, fotgrafo dos eentos, traesseiro, colo e meu amor' &gradeo o
apoio financeiro, a pacincia, as massagens e todos os cuidados "ue contri#u$rampara "ue eu pudesse cumprir mais uma etapa da min.a carreira'
&os lireiros *os/ &do e %arciano Loureno, pelos pra2os generosos para
pagamento dos liros, pelas conersas e poesias'
&s profissionais com as "uais tra#al.ei nos +ltimos cinco anos, agradeo as
oportunidades "ue me permitiram continuar estudando e o tratamento fraternal "ue
me ofereceram) &na Paula Corti, >el !antos, Denise >otel.o, =egina Facc.ini e
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preciso sugar da artem novo tipo de artista! o artista cidado."quele que na sua arte no revoluciona o mundo#mas tamb$m no compactua com a mediocridadeque imbecializa um povo desprovido de oportunidades.
m artista a servio da comunidade# do pa%s.&ue armado da verdade# por si s'# e(ercita a revoluo.S$rgio )az
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RESUMO
Re)!"(' ste tra#al.o #usca analisar a apropriao recente da e5presso7literatura marginal9 por escritores oriundos da periferia, tomando como ponto departida o con1unto de autores "ue pu#licaram nas trs edies especiais *aros"migos+ ,iteratura -arginal, nos anos de E, e ' & pista dei5ada poressas pu#licaes era "ue, mais do "ue o perfil sociolgico dos participantes ou umdeterminado tipo de literatura, a 1uno das categorias literatura e marginalidade portais escritores enco#ria uma atuao cultural espec$fica, "ue est6 relacionada a umcon1unto de e5perincias e ela#oraes compartil.adas so#re marginalidade eperiferia, assim como a um $nculo esta#elecido entre criao liter6ria e realidadesocial' Por isso, al/m de apresentar empiricamente essa noa gerao deescritores marginais, esta pes"uisa isou articular a formao interna do grupo eseu significado mais geral, #uscando demonstrar como um con1unto de id/ias eincias compartil.adas possi#ilitou "ue moradores da periferia, tradicionalmentee5clu$dos como su1eitos do processo sim#lico, pudessem entrar em cena paraprodu2ir sua prpria imagem, dando origem a uma intensa moimentao culturalem #airros da periferia paulistana'P%1r)-*21e' %itert!r "r#i$%, e)*rit(re) + erieri, *!%t!r + erieri,"(1i"e$t( %iter3ri(, "(1i"e$t( *!%t!r%4
A5)tr*t) .is 3or intends to analI2e t.e recent appropriation of t.e e5pression7marginal literature9 for deriing 3riters of t.e perip.erI, #eing taen as starting pointt.e set of aut.ors 3.o .ad pu#lis.ed in t.ree special editions of *aros "migos+,iteratura -arginal, in t.e Iears of E, and ' .e .int left for t.esepu#lications 3as t.at, more t.an t.e sociological profile of t.e participants or astricted ind of literature, t.e 1unction of t.e categories literature and marginalitI forsuc. 3riters .id a cultural specific performance, 3.ic. is lined to a set ofe5periences and ela#orations s.ared on marginalitI and perip.erI, as 3ell as a linesta#lis.ed #et3een literarI creation and social realitI' .erefore, #esidesempiricallI to present t.is ne3 generation of 3riters delin"uents, t.is researc. aimedat to articulate t.e internal formation of t.e group and its meaning more general,searc.ing to demonstrate as a set of ideas and s.ared e5periences made possi#let.at liing of t.e perip.erI, traditionallI e5cluded as citi2ens of t.e sIm#olic process,t.eI could enter in scene to produce its o3n image, giing origin to an intensecultural moement in paulistana neig.#our.oods of perip.erI'
6e7-8(r+)' "r#i$% %itert!re, 8riter) ( eri2er7, *!%t!re ( eri2er7,%iterr7 "(1e"e$t, *!%t!r% "(1e"e$t4
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SUM9RIO
I$tr(+!:;( < e)=!i) >
> C("( () e)*rit(re) + erieri e$trr" e" *e$ >>E'E Pro#lemati2aes em torno da e5presso 7literatura marginal9E' &s edies especiais *aros "migos+ ,iteratura marginal! a
cultura da periferia
EE
E'J & literatura marginal dos escritores da periferia JE' &s cone5es e5traliter6rias mo#ili2adas para a ao coletia
dos escritoresE
. P(r !" i$terret:;( $tr((%?#i* +( "(1i"e$t( +e %itert!r "r#i$% +() e)*rit(re) + erieri @
'E 7Literatura marginal9 no conte5to cultural contemporKneo ' (s discursos so#re marginalidade, periferia e a relao entre
criao liter6ria e realidade socialM
'J (s desdo#ramentos pedaggico, est/tico e pol$tico da literaturamarginal dos escritores da periferia
N
B Eeri$*i )(*i% e tret?ri %iter3ri' *($)i+er:e) )(5re tr)*)()
B
J'E !/rgio
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INTRODUO PESQUISA
A associao do termo marginal literatura produziu diferentes empregos e
significados, dando origem a uma rubrica ampla e de entendimento quase sempre
problemtico. Isso porque a expresso literatura marginal seriu para classificar as
obras literrias produzidas e eiculadas margem do corredor editorial! que no
pertencem ou que se op"em aos c#nones estabelecidos! que so de autoria de
escritores originrios de grupos sociais marginalizados! ou ainda, que tematizam o
que $ peculiar aos su%eitos e espaos tidos como marginais.
&rente a este terreno bastante nebuloso das defini"es, a pista seguida poresta pesquisa foi a atribuio do ad%etio marginal, por parte de alguns escritores
oriundos da periferia, para caracterizar seus produtos literrios. Atribuio esta que
gan'ou conotao de ao coletia com o lanamento das edi"es especiais de
literatura marginal da reista Caros Amigos.
Intituladas Caros Amigos/Literatura Marginal: a cultura da periferia, as
edi"es especiais foram publicadas em ())*, ())( e ())+, e aglutinaram quarenta
e oito autores. A partir de ento, a expresso literatura marginal se disseminou, no
cenrio cultural contempor#neo, para caracterizar a produo dos autores que
ienciam situa"es de marginalidade social, editorial e %ur-dica e esto trazendo
para o campo literrio os termos, os temas e o lingua%ar igualmente marginais.
/s editoriais, os textos e os minicurr-culos dos autores eiculados pelas
Caros Amigos/ Literatura Marginal sugeriam que estas edi"es especiais
apresentaam como noidade um con%unto de escritores oriundos das periferias
urbanas brasileiras para os quais a associao do termo marginal literatura
remete, ao mesmo tempo, situao de marginalidade social, editorial ou %ur-dicaienciada pelo autor e a uma produo literria que isa expressar o que $ peculiar
aos espaos tidos como marginais, especialmente com relao periferia os
temas, os problemas, o lingua%ar, as g-rias, os alores, as prticas de certos
segmentos, etc.
/ ob%etio desta pesquisa foi, ento, compreender a que se refere a
apropriao recente da expresso literatura marginal por escritores da periferia, e
buscou inestig0la a partir de uma dupla perspectia1 * de acordo com osaspectos relacionados produo e circulao de alguns dos seus produtos
*
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literrios! e ( segundo os signos culturais e ob%etios amplos, que dizem respeito
construo e diulgao de uma cultura da periferia e formulao de identidades
coletias.
2ara entender a produo e circulao desses produtos no campo literrio *,
tratou0se de delinear as conex"es que foram mobilizadas para a construo das
carreiras dos autores e de se fazer uma descrio cr-tica das edi"es especiais
Caros Amigos/ Literatura Marginal e de tr3s obras de escritores focados pela
pesquisa, ou se%a, de analisar os seus enunciados e elementos gerais(. 4 a
proposta de compreender os signos culturais e ob%etios amplos foi orientada pelo
trabal'o de campo e por entreistas, e est relacionada ao uso que os escritores
estudados fazem das suas interen"es simb5licas e pragmticas para expressaridentidades coletias e diulgar a id$ia de uma cultura da periferia. 6sse duplo
interesse, entretanto, no acarretou dois focos de anlise as obras e os autores,
pois o que estee definido como ob%eto de pesquisa foram os escritores, isto $, suas
constru"es em torno do ad%etio marginal que se traduzem em produtos literrios e
atua"es espec-ficas.
7ma refer3ncia te5rica importante para o desenolimento da pesquisa $ o
esquema de anlise de 8a9mond :illiams *;
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2ara :illiams *;uzo! 'o Allan Eantos da 8osa, (raduado em
marginalidadeEacolin'a! #u"indo a ladeira mora a noite, ) margem do $ento, Pensamentos $adios,! rastilho da pl$ora, A poesia dos deuses inferiores & a "iografia po*tica da periferia E$rgio Jaz! eLiteratura marginal: talentos da escrita perif*rica liro que reGne dez autores, organizado por &err$z.
D
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=e um lado, buscou0se selecionar tr3s escritores que usufruem diferentes
posi"es no campo literrio para problematizar como autores com tra%et5rias
profissionais diferenciadas, e que se apropriam da expresso literatura marginal de
maneiras particulares, protagonizam o moimento aqui estudado. =e outro, trata0se
de escritores que esto conectados por pro%etos comuns de retratar o que $ peculiar
periferia em seus textos e de desenoler interen"es que estimulam a produo
e a circulao da literatura em bairros perif$ricos paulistanos.
E$rgio Jaz, +( anos, cu%a primeira obra data de *;;(, tem quatro liros
publicados em edi"es do autor e $ um dos criadores da Fooperifa Fooperatia
Fultural da 2eriferia, que promoe saraus semanais em um boteco localizado na
Kona Eul paulistana e que gerou como produtos um liro e um F= de poesias dediferentes poetas da periferia. &err$z tem D) anos, lanou seu primeiro liro em
*;;L, $ autor de outras tr3s obras, foi o organizador de todas as edi"es especiais
Caros Amigos/ Literatura Marginal, faz parte do rol de autores de uma editora de
prest-gio e $ fundador do autodenominado moimento cultural *daEul, que reGne
artistas e moradores do distrito paulistano do Fapo 8edondo e est oltado para a
atuao cultural nesta regio. 6 Eacolin'a, (( anos, %oem escritor que estreou na
literatura com a publicao de um conto na terceira edio da Caros Amigos/
Literatura Marginal, $ idealizador do pro%eto cultural Miteratura no >rasil, que tee
como ob%etios a diulgao dos textos de escritores da periferia e a promoo da
leitura.
&az0se necessrio ressaltar que assim como o con%unto das edi"es Caros
Amigos/ Literatura Marginale dos liros dos escritores enfatizados $ fundamental
para o entendimento dos aspectos pertinentes produo e circulao dos produtos
literrios a primeira perspectia da anlise, em con%unto, os pro%etos pessoais de
Jaz a Fooperifa, de &err$z o *daEul e de Eacolin'a o Miteratura no >rasil
respondem atendem ao prop5sito de analisar os signos culturais e ob%etios amplos
dos escritores da periferia. 6, assim como no se pretendeu analisar
minuciosamente as quinze obras, mas centrar0se em um liro de cada escritor
focalizado, no se ambicionou uma obserao exaustia dos pro%etos. / suposto
que sustenta esta opo $ que a etnografia de alguns dos eentos que os
enoleram, somada aos depoimentos dos escritores e ao monitoramento dos seus
+
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"logs+pessoais, que regularmente comentam sobre tais pro%etos, responderiam as
problematiza"es desta pesquisa.
Antes de iniciar a apresentao dos cap-tulos desta =issertao, no entanto,
cabe recuperar o percurso de toda o trabal'o N o que % oferece alguns ind-cios
sobre a atuao dos escritores estudados. / percurso da pesquisa tee in-cio com a
min'a participao em um ciclo de eentos sobre 'ip 'op@ocorrido em ())D, no
qual tie o primeiro contato com o tema e os escritores a serem estudados. Eob o
t-tulo 6scrito por n5s1 literatura marginal, um dos debates contaa com a
participao de tr3s colabores das duas edi"es Caros Amigos/ Literatura Marginal
editadas at$ ento, 2reto O'5ez, E$rgio Jaz e 8idson =ugueto. / assunto principal
era a relao entre rap e literatura e, em irtude disso, discutiu0se tamb$m o acessodos moradores da periferia aos bens culturais, os preos dos liros, a car3ncia de
textos que expressassem a linguagem da periferia, a produo de fanzines, a
formao de leitores, etc.
Ap5s tal debate, dediquei0me a con'ecer a produo literria dos escritores
da periferia e a leantar as reportagens sobre o tema. 6sse leantamento inicial
reelou a notoriedade de &err$z, por ter organizado as tr3s edi"es especiais Caros
Amigos/ Literatura Marginal e por ter atra-do a ateno da imprensa e do mercado
editorial para seus produtos literrios! e tamb$m de E$rgio Jaz, escritor que
despontaa como idealizador de uma iniciatia oltada para a realizao de saraus
de poesia na periferia paulistana. A min'a estrat$gia de insero no campo foi,
ento, aproximar0me de &err$z e E$rgio Jaz, at$ porque eram eles que estaam
inculados a dois pro%etos que diulgaam a cultura da periferia e formulaam
noas identidades coletias.
Has % na primeira conersa com &err$z, em abril de ())+, ap5s um encontro
literrio na PJIII >ienal do Miro de Eo 2aulo, anunciaa0se o misto de
desconfiana e resist3ncia que eu encontraria em outras fases da pesquisa, afinal,
questionou o escritor1 qual era o interesse de uma estudante da 7E2 em inestigar
a produo literria da periferiaQ, no que o meu trabal'o poderia beneficiar os
escritoresQ. &err$z % 'aia despertado o interesse de outros pesquisadores de+/ termo "log$ uma abreiao de R+e"logR e denota um dirio de anota"es ou mem5rias onlinecom blocos de textos eSou imagens, que so apresentados de maneira cronol5gica. 7macaracter-stica importante do "log $ a interatiidade, % que outras pessoas podem incluir comentrios apartir dos conteGdos descritos 'ttpSS1TTT.blog.uol.com.br.@8efiro0me a Eemana de Fultura Uip Uop, um ciclo de debates, exposi"es e s'oTs que aconteceanualmente em Eo 2aulo desde ())*, organizado pela /VO Ao 6ducatia.
@
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diferentes reas, mas resistia em colaborar porque mantin'a certa aerso pelo
mundo acad3mico. A resist3ncia min'a pesquisa somente foi quebrada depois de
uma palestra que o escritor realizou no F67 23ra0Harmelo, localizado no 4aragu
bairro da periferia da Kona /este de Eo 2aulo, onde moro. 2or causa disso,
&err$z argumentou que me concederia uma entreista N e a concedeu, quinze
meses depois do nosso primeiro encontro N e me a%udaria a contatar outros autores,
pois, assim como os escritores que pretendia estudar, eu estaa fazendo parte de
um meio N a uniersidade pGblica N do qual os moradores da periferia esto
tradicionalmente esto exclu-dos.
E$rgio Jaz, por sua ez, argumentou, durante dezessete meses, que o
impedimento em conceder uma entreista era a falta de espao em sua agenda,mas, aceitou em colaborar com este trabal'o depois de inte e dois meses do nosso
primeiro contato, sensibilizado pelas min'as freqWentes participa"es nos saraus da
Fooperifa ou que tin'am o poeta como conidado. Jaz %ustificou seu
posicionamento anterior com o argumento de que $ preciso que os intelectuais
estabeleam contato com su%eitos perif$ricos e freqWentem seus espaos sociais
para terem legitimidade de escreer sobre eles.
A entrada no unierso da pesquisa ia esses expoentes pressupun'a a
facilidade de acesso aos outros escritores, dado que estes no pertenciam ao rol de
autores de nen'uma editora e faziam circular seus textos nas Caros Amigos/
Literatura Marginal idealizada e editada por &err$z ou nos saraus da Fooperifa
criada e coordenada por Jaz. 6ntretanto, a resist3ncia de ambos em conceder
entreistas e liberar informa"es sobre outros escritores, exigiu noas estrat$gias
para iabilizar o desenolimento do trabal'o. Assim, procurei fazer contato com
outros escritores menos con'ecidos, que disponibilizaam informa"es pessoais em
reportagens %ornal-sticas ou nos eentos de que participaam N o que me a%udou a
compreender como autores de menos destaque, at$ ento, estaam sendo inseridos
no noo moimento literrio0cultural.
2ara a min'a surpresa, outros dois autores, que tamb$m so rappers,
manifestaram suas ob%e"es a uma pesquisa acad3mica tamb$m no nosso primeiro
contato, e apenas se dispuseram a conersar pelo fato de eu ser negra, em um
outro gesto de solidariedade entre iguais, desta ez relacionado pequena
presena de estudantes negros na p5s0graduao. 6ntendi, ento, que a resist3nciaaos trabal'os acad3micos no era prerrogatia de &err$z ou de E$rgio Jaz, trataa0
B
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se de uma desconfiana comum aos outros escritores, sobretudo porque eles
temem que seus produtos e a"es se%am interpretados sob o signo do ex5tico e do
inferior, ou apropriados por membros de grupos sociais priilegiados.
6sses argumentos, expressados em conersas informais durante todo o
percurso da pesquisa, se apresentaram como dados reeladores de um
posicionamento e de uma atuao dos escritores estudados muito pr5ximas a de
l-deres do 'ip 'op no in-cio do moimento, principalmente por parte dos rappers, que
resistiam em aparecer na XJ, em conceder entreistas para determinadas m-dias e
a fazer parte de grandes graadoras. Ainda que no constituam um grupo
margem das editoras ou do inestimento da imprensa, os escritores da periferia
pareciam entender a pesquisa acad3mica como expresso do interesse de outrosgrupos sociais em estabelecer relao com um moimento literrio0cultural
protagonizado por su%eitos que ienciam situa"es de marginalidade.
/utra estrat$gia bastante importante, e que no 'aia sido inclu-da no plano
inicial do trabal'o, foi o monitoramento dos sites e "logs dos escritores. 8efletir
sobre o conteGdo dessas fontes foi de grande alia, porque al$m de garantir o
acesso s agendas dos escritores e s suas biografias, era uma forma de con'ecer
os outros grupos com os quais mantin'am rela"es, suas conex"es, prefer3ncias
pol-ticas e atuao cultural. Ao mesmo tempo, a leitura direcionada dos produtos
literrios e o leantamento dos registros dispon-eis sobre a literatura marginal dos
escritores da periferia completaram a etapa de acesso ao unierso da pesquisa.
As reflex"es aqui apresentadas tamb$m foram produzidas a partir de
entreistas semi0estruturadas com doze escritoresB e das etnografias de eentos
culturais dos quais os escritores participaram no per-odo de abril de ())+ a %ul'o de
())BL. As entreistas foram realizadas indiidualmente, mas tieram a mesma
estrutura1 'aia um bloco de perguntas sobre o perfil social dados
socioecon?micos, nGcleo familiar, formao escolar, participao pol-tica, etc e
outro sobre a tra%et5ria literria influ3ncias para a carreira, regime de produo,
identificao com a expresso literatura marginal, etc. Yuanto aos trinta e dois
BAs tr3s edi"es especiais Caros Amigos/ Literatura Marginal somam quarenta e oito participa"es,dentre as quais no seria poss-el coletar informa"es de quatro autores1 2l-nio Harcos, EolanoXrindade e 4oo Antonio % falecidos e Eubcomandante Harcos l-der do 6x$rcito Kapatista deMibertao Vacional, cu%o paradeiro $ sigiloso. /s doze entreistados representam, portanto, (LZdos autores pass-eis de contato ou (@Z dos autores enolidos.LA s-ntese dos eentos obserados com o trabal'o de campo e o roteiro das entreistas esto nosap3ndices das disserta"es.
L
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eentos de que participei entre palestras, lanamentos de liros, debates e saraus,
alguns contaam com a participao de rios escritores, o que permitia tanto
perceber as rela"es de amizade entre eles e suas percep"es sobre
marginalidade, periferia, literatura e perspectias profissionais futuras.
Al$m das quest"es que perpassaram toda a inestigao, o produto final
desta pesquisa buscou responder a outra pergunta que a acompan'a desde o seu
in-cio1 o que faz desta uma pesquisa antropol5gicaQ A resposta, creio, encontra0se
no escopo do trabal'o a inestigao das elabora"es natias em torno do ad%etio
marginal, no referencial te5rico sobre marginalidade, periferia e cultura e no
m$todo selecionado que priilegiou os dados da obserao de campo, das
entreistas e do monitoramento de sites e "logs, que isam oferecer comocontribuio ao estudo do moimento de literatura marginal dos escritores da
periferia o que $ mais caro aos antrop5logos1 os pontos de ista e as i3ncias dos
pr5prios protagonistas.
6nfim, como produto da pesquisa -Literatura marginal.: os escritores da
periferia entram em cena, desenolida entre os anos de ())+ e ())B, esta
=issertao tem o prop5sito de articular as rela"es entre as especificidades das
produ"es literrias e das atua"es dos escritores estudados. Vo primeiro cap-tulo,
Como os escritores da periferia entraram em cena, pretende0se caracterizar os
diferentes usos e significados de literatura marginal, com destaque para os
contrastes entre a gerao de poetas marginais dos anos *;L) e a noa gerao de
escritores marginais, composta por escritores da periferia. Veste cap-tulo sero
apresentadas reflex"es sobre as singularidades das Caros Amigos/ Literatura
Marginal e sobre os conteGdos das entreistas com os escritores que delas
participaram, buscando traar o perfil dos autores e as especificidades dos textos
produzidos, bem como as conex"es que garantiram a entrada em cena de taisescritores.
/ ob%etio deste cap-tulo $ apresentar empiricamente o ob%eto de estudo
desta pesquisa, demonstrando quais so as caracter-sticas mais gerais referentes
literatura e aos escritores inestigados, e quais foram as redes extraliterrias nas
quais tais autores se moimentaram para organizar a sua produo e a sua
atuao.
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6m Por uma interpretao antropolgica do mo$imento de literatura marginal
dos escritores da periferia, segundo cap-tulo dissertao, tem0se por ob%etio
construir uma interpretao antropol5gica do moimento de literatura marginal dos
escritores da periferia a partir da problematizao do uso do ad%etio marginal no
cenrio cultural contempor#neo, da discusso sobre algumas elabora"es natias e
dos desdobramentos do moimento literrio0cultural inestigado pela pesquisa.
A proposta $ recuperar como no"es centrais dos textos e discursos dos
escritores N a saber1 marginalidade e periferia, bem como uma determinada relao
entre literatura e realidade social N foram constru-das por algumas lin'as de
interpretao das reas de Eociologia e Antropologia e apareceram no discurso dos
escritores estudados, no intuito de compreender quais foram os elementos queconferiram singularidade produo e atuao dos escritores da periferia e que,
portanto, nos permite distingui0los de outros grupos de artistas.
/ terceiro cap-tulo abordar os pontos de encontro e distanciamento entre as
experi3ncias sociais e as tra%et5rias literrias de tr3s escritores e suas respectias
obras enfatizadas na pesquisa1 E$rgio Jaz A poesia dos deuses inferiores, &err$z
Capo Pecado e Eacolin'a (raduado em marginalidade. Fom o t-tulo de
0peri1ncia social e tra2etria literria: considera3es so"re tr1s casos, o cap-tulo
reconstituir algumas das experi3ncias sociais dos escritores para refinar as
discuss"es sobre a atribuio do ad%etio marginal aos seus produtos literrios.
/ que se espera $ que a reconstituio das experi3ncias familiares,
educacionais, profissionais e de milit#ncia social dos tr3s escritores permita refletir
sobre as caracter-sticas biogrficas e sociol5gicas que legitimaram alguns escritores
originrios da periferia a se lanarem no campo literrio associando seus produtos e
a si pr5prios ao ad%etio marginal.
Vo quarto cap-tulo,A atuao pol4ticocultural dos escritores da periferia, os
focos sero os pro%etos *daEul de &err$z, Fooperifa de E$rgio Jaz e
Miteratura no >rasil de Eacolin'a1 tr3s pro%etos de atuao pol-tico0cultural que
reelam o enga%amento dos escritores no n-el pragmtico, al$m de apontar a
moimentao cultural em torno da literatura marginal e da cultura da periferia
que se seguiu ao lanamento das tr3s edi"es especiais Caros Amigos/ Literatura
Marginal.
;
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Fom a apresentao do 'ist5rico de criao e as din#micas da Fooperifa, do
*daEul e do Miteratura no >rasil, tem0se o prop5sito de discutir como esses pro%etos
foram importantes para a construo da imagem dos seus idealizadores e deram
continuidade ao trabal'o de diulgao da produo literria perif$rica iniciado pelas
Caros Amigos/Literatura Marginal, tendo se tornado inst#ncias de legitimao e
circulao dos produtos literrios dos escritores da periferia por meio do incentio
produo, da comercializao e da diulgao de tais produtos.
Al$m desses elementos textuais aqui apresentados, na =issertao esto
inclu-dos ap3ndices contendo a s-ntese do trabal'o de campo e o roteiro das
entreistas, e anexos com os editoriais das tr3s edi"es especiais Caros Amigos/
Literatura Marginal.
*)
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1 COMO OS ESCRITORES DA PERIFERIA ENTRARAM EM CENA
1.1 Problematiza!e" em tor#o $a e%&re""'o (literat)ra mar*i#al+8etomando a refer3ncia de Antonio Fandido sobre literatura, $ poss-el
considerar que esta pode ser definida como a produo escrita de toque po$tico,
$pico ou dramtico da qual se origina um sistema simb5lico de obras ligadas por
denominadores comuns, tais como1 caracter-sticas internas l-ngua, temas,
imagens, um con%unto de escritores mais ou menos conscientes do seu papel, um
con%unto de receptores e um mecanismo transmissor *;B;.
4 marginal ad%etia aqueles que esto em condio de marginalidade em
relao lei ou sociedade, possuindo, portanto, sentido ambialente1 assim como
se refere, %uridicamente, ao indi-duo delinqWente, indolente ou perigoso, ligado ao
mundo do crime e da iol3ncia! aplica0se, sociologicamente, aos su%eitos itimados
por processos de marginalizao social, como pobres, desempregados, migrantes
ou membros de minorias $tnicas e raciais, tendo como sin?nimo, neste Gltimo caso,
o ad%etio marginalizado 2erlman, *;LL.
Associado literatura, o termo marginal adquiriu diferentes usos e
significados, ariando de acordo com a atribuio dos escritores, ou mais
freqWentemente, com a definio conferida por estudiosos ou pela imprensa num
dado contexto. 2ara Oonzaga *;
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Eob um outro ponto de ista, literatura marginal designaria os liros que no
pertencem aos clssicos da literatura nacional ou uniersal e no esto nas listas de
leituras obrigat5rias de estibulares Faraita, s.d.. /u ainda, como nos estudos
mais recentes, o emprego da expresso denotaria as obras produzidas por autores
pertencentes a minorias sociol5gicas, como mul'eres, 'omossexuais e negros.preto? e >fa$elado? como moti$os de orgulho8epois surgiu a re$ista, por7ue eu 2 cola"ora$a com a Caros Amigos e fiz aproposta de trazer outros escritores em um nBmero especial, mas tinha 7ueser da periferia, disso eu no a"ri mo u ia para as palestras e as pessoas$inham con$ersar comigo e se identifica$am com o 7ue eu fazia e com aminha denominao marginal & desde a 8 Laura, 7ue * uma l4dercomunitria de uma col;nia de pescadores, at* os rappers 7ue eu 2conhecia8 A histria da literatura marginal comeou assim, eu nem "oleinada, s peguei a refer1ncia do Pl4nio Marcos e do oo Ant;nio&err$z emfala no dia D)S)BS())+*D.
=e acordo com &err$z, a id$ia de organizar a colet#nea de textos produzidos
por escritores da periferia surgiu no rastro da boa aceitao ao seu romance e
obra de 2aulo Mins, Cidade de eus*+, como uma possibilidade de desmistificar as
imagens de ambos como exce"es surgidas de contextos sociais ligados
iol3ncia e pobreza. 6 sua contribuio no se restringiu a trazer a pGblico, sob o
aal de uma reista de prest-gio e de circulao nacional, autores ainda in$ditos ou
com produ"es independentes, mas se estendeu isibilidade dada equipe
editorial das tr3s edi"es publicadas em ())*, ())( e ())+1 formada por rappers,
escritores amadores e grafiteiros ligados ao moimento 'ip 'op, todos moradores
do Fapo 8edondo e membros do moimento cultural *daEul*@.
*(As caracter-sticas do liro e da recepo dada a Capo Pecado, assim como da tra%et5ria literriade &err$z, sero mel'or abordadas no terceiro cap-tulo desta =issertao.*DVa Hostra Art-stica do &5rum Fultural Hundial, realizada no Eesc Fonsolao, localizado na regiocentral de Eo 2aulo, sob o t-tulo1 =a periferia ao centro1 diferentes ol'ares em torno da literaturamarginal. / eento contou com as participa"es dos escritores &err$z, &ernando >onassi, HaralAquino e 2aulo Mins, al$m do %ornalista Hanuel da Fosta 2in'o, como mediador.*+2ublicado pela editora Fompan'ia das Metras em *;;L.*@
*daEul sintetiza a expresso somos todos um pela dignidade cultural da Kona Eul e d nome aomoimento, criado em *;;;, por moradores do Fapo 8edondo N dentre eles, &err$z N oltado para aatuao cultural na regio sul paulistana. / 'ist5rico de criao e de desenolimento do *daEul
*B
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2ara a seleo dos participantes desse pro%eto, a equipe editorial se pautaa
em dois crit$rios1 um referente ao autor ienciar alguma condio de
marginalidade! e o outro, ao texto ter caracter-sticas literrias, independente da
forma e do tema apresentados. Has para al$m desses crit$rios que orientaram o
trabal'o dos editores, duas particularidades presentes na segunda e na terceira
edio publicadas insinuaam a que se referia a marginalidade anunciada no t-tulo
da publicao1 os nomes dos bairros de resid3ncia dos autores ou do pres-dio no
qual cumpriam pena apareciam ao final de cada texto, indicando que se trataam
de moradores das periferias urbanas brasileiras ou detentos! e os textos
abordaam, predominantemente, problemas como a iol3ncia e as car3ncias e
experi3ncias sociais inculadas ao espao da periferia. A pista deixada pelas tr3s edi"es especiais da reista Caros Amigos/
Literatura Marginal $ que alguns escritores, moradores das periferias urbanas
brasileiras ou ex0moradores, como $ o caso dos autores0presidirios, estaam
atribuindo o ad%etio marginal aos seus produtos literrios. / que sugeria a
exist3ncia de um noo moimento de literatura marginal em territ5rio brasileiro e
indicaa um tipo de atuao diferenciada, por parte de tais escritores, no cenrio
cultural contempor#neo.
6ssa elaborao de uma literatura marginal, que traz tona uma certa
realidade de espaos e su%eitos marginais*B, embora produzindo contro$rsias,
agregou um con%unto de escritores que passou a se identificar com a expresso e a
auto0atribuir aos seus produtos literrios esta marca. A id$ia de marca, aqui,
funciona de maneira aproximada de uma considerao de Hesseder 2ereira *;
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tamb$m se apropriam da est$tica, das peculiaridades do cotidiano e dos assuntos
pertinentes aos marginais. 6sta con%untura se refere, entre outros aspectos,
expanso da mGsica rap, atingindo, inclusie, a classe m$dia com a endagem
expressia dos discos do grupo 8acionais HF]s, ou com a presena de rappers
representantes deste grupo social, como Oabriel, / 2ensador e passa pela
produo de filmes como / inasor, Fidade de =eus e Farandiru. Hais
recentemente, tamb$m a teleiso passou a eicular programas com essa temtica,
como foi o caso de Xurma do Oueto, da XJ 8ecord ou Fidade dos Uomens e
Fentral da 2eriferia, da XJ Olobo.
2or isso busco demarcar as diferenas entre os dois con%untos de escritores
associados ao termo marginal e, simultaneamente, especificar o ob%eto de estudodesta pesquisa, com o uso das express"es literatura marginal dos escritores da
periferia e noa gerao de escritores marginais. A expresso literatura marginal
dos escritores da periferia opera tanto para distinguir os textos produzidos por
escritores da periferia dos demais textos publicados nos Gltimos quinze anos que
poderiam ser classificados como literatura marginal*L! como para diferenci0los das
obras dos ditos poetas marginais setentistas. 4 noa gerao de escritores
marginais reporta ao con%unto de escritores da periferia que, no in-cio dos anos
())), se apropriou de certos significados do termo marginal, desenoleu uma
consci3ncia comum e d respostas con%untas aos problemas espec-ficos do campo
literrio desta $poca >raga, ()))*ourdieu,
que assinala que as gera"es intelectuais e culturais podem ser definidas a partir das quest"escomuns em torno das quais os protagonistas se organizam, mesmo que 'a%a diferenas de outrostipos, como a idade ou o grau de escolaridade, por exemplo ())+ *;L+C.
*
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,ERAODEPOETASMAR,INAISDOSANOS1-/
NO0A,ERAODEESCRITORESMAR,INAIS
Peril $o"e"2ritore"
Eo representantes das camadaspriilegiadas, ligados s atiidades decinema, teatro e mGsica e s
uniersidades pGblicas.Aglutina duas gera"es de intelectuais1poetas que % publicaam nos anos*;B), mas no tin'am sintonia com osmoimentos de poesia concreta,poesia da prxis ou poesia0processo! epoetas que comearam a publicar nosanos *;L).
8epresentante das classes populares emoradores de bairros localizados nasperiferias urbanas brasileiras.
Eo, ma%oritariamente, residentes doestado de Eo 2aulo e 'omens.
>oa parte deles estreou no campo literriocom a publicao das edi"es especiaisda reista Caros Amigos/ LiteraturaMarginal8
6sto ligados ao moimento 'ip 'op eS oueolidos com pro%etos culturais ou sociais.
,r)&o" 3)ere4#em
(e"2ritore"mar*i#ai"+
&renesi, Vuem Figana, &ol'a de8osto e Jida de Artista, entre outros.
*daEul, Miteratura no >rasil e Fooperifa.
Cara2ter5"ti2a"$o" te%to"
Minguagem coloquial! pequenos textosem prosa! poesia ersada oudiscursia, apelo isual com autilizao de desen'os, fotos equadrin'os! tom ir?nico! uso dopalaro! temas relacionados idacotidiana e prtica social da classem$dia da $poca.
Minguagem coloquial! apelo isual comdesen'os, fotos nos liros e grafites nasreistas! recorr3ncia de g-rias do 'ip 'ope das periferias! uso do palaro! utilizaoda linguagem das periferias urbanas, comconstru"es escritas que destoam danorma culta.
Forma"&ri6ile*ia$a"
2oemas era, sobretudo, ummoimento de poesia marginal.
2oemas e contos.
Tema"re2orre#te"
Eexo, t5xicos, cotidiano das camadasm$dias e altas.
Jida e prtica dos membros das classespopulares! e problemas sociais, como1iol3ncia, car3ncia de bens eequipamentos culturais, precariedade dainfra0estrutura urbana, rela"es detrabal'o N predominantemente associadosao espao social da periferia.
P4bli2o2o#")mi$or
Flasses priilegiadas. Vo ' dados sistematizados a respeito dopGblico consumidor.
,r)&o aimXropicalistas, sobretudo porque estegrupo tamb$m subertia os padr"es dequalidade e bom gosto da $poca.
Uip 'oppers, por compartil'arem osmesmos repert5rios cultural e social.
Co#e%!e"e%traliter7ria"
7niersidades, artistas, circuito de
bares e cinemas freqWentados pelaclasse m$dia, patroc-nio das pr5priasfam-lias e amigos.
8eista Caros Amigos, grupos e m-dia
ligada ao moimento 'ip 'op posses, sitese reistas e terceiro setor.
Tra$i'o829#o#eliter7rio
8ompimento com as anguardas da$poca, como o concretismo, a poesia0prxis e a poesia processo.
Aproxima"es, pela cr-tica literria, aomodernismo.
/s escritores no se filiam a nen'umatradio espec-fica, mas os editoriais dasreistas Caros Amigos/ Literatura Marginalinocam como refer3ncia escritoresdotados de semel'ante perfil sociol5gicocomo Farolina de 4esus e EolanoXrindade, ou que priilegiaram em seustextos temas afins, como 4oo Ant?nio e2l-nio Harcos.
Aproximao, pela cr-tica literria, ao
naturalismo e ao realismo.
*;
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Fabe acrescentar que esses dois moimentos brasileiros de literatura
marginal se concentraram em espaos geogrficos diferentes. /s poetas marginais
dos anos *;L) proliferaram em maior nGmero no estado do 8io de 4aneiro e a noa
gerao de escritores marginais, constitu-da por escritores da periferia, $
predominantemente composta por moradores de Eo 2aulo N embora se%a preciso
considerar que os dois estados compon'am o eixo cultural dominante no pa-s.
U dois outros dados que merecem destaque. / primeiro deles diz respeito
relao que as duas gera"es de escritores marginais estabeleceram com o
mercado editorial, pois, enquanto os poetas dos anos *;L) se opun'am ao circuito
oficial de editorao, os escritores da periferia tanto aqueles que ainda no
lanaram nen'uma obra como os que % publicaram de maneira independenteanseiam fazer parte do rol de uma grande editora, at$ mesmo como uma forma de
recon'ecimento das suas express"es narratias. / outro dado releante est
relacionado classificao externa, atribu-da pelos estudiosos e imprensa da $poca
aos poetas marginais setentistas, em contraste com a auto0atribuio do termo
marginal por parte de alguns escritores oriundos da periferia.
2ara mel'or compreender essa atribuio, assim como os aspectos
relacionados literatura produzida pelos escritores da periferia, cabe0nos enfatizar
as caracter-sticas que enoleram a produo e circulao das edi"es especiais
Caros Amigos/ Literatura Marginal, primeira conexo extraliterria importante que
contribuiu para a pro%eo dos autores no cenrio cultural.
1.: A" e$i!e" e"&e2iai" Caros Amigos/ Literatura marginal: a cultura daperiferia
-! significado do 7ue colocamos em suas mos ho2e * nadamais do 7ue a realizao de um sonho 7ue infelizmente no foi$i$ido por centenas de escritores marginalizados deste pa4s8 Aocontrrio do "andeirante 7ue a$anou com as mos su2as desangue so"re nosso territrio e arrancou a f* $erdadeira,doutrinando os nossos antepassados 4ndios, e ao contrrio dossenhores das casas grandes 7ue escra$izaram nossos irmosafricanos e tentaram dominar e apagar toda a cultura de umpo$o massacrado mas no derrotado8 ma coisa * certa,7ueimaram nossos documentos, mentiram so"re nossa histria,mataram nossos antepassados8 !utra coisa tam"*m * certa:mentiro no futuro, escondero e 7ueimaro tudo o 7ue pro$e7ue um dia a periferia fez arte.8DFerr*zE
()
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A ep-grafe que d mote para as considera"es a seguir foi extra-da do
editorial N o Hanifesto de Abertura N da primeira edio de literatura marginal da
reista Caros Amigos, o Ato I, lanada em ())*. Vos anos de ())( e ())+ foram
editados outros dois atos que, em con%unto, do o tom de ao coletia dos
escritores da periferia.
As edi"es especiais de literatura marginal da reista Caros Amigos
merecem destaque por diferentes aspectos. / primeiro $ que a reunio dos autores
em edi"es especiais de literatura $ uma ao coletia sustentada por um pro%eto
intelectual comum, cu%o desdobramento $ tamb$m est$tico, pol-tico e pedag5gico.
6m segundo lugar, porque $ a partir da primeira edio da reista que se amplia o
debate e os discursos em torno da expresso literatura marginal na produocultural contempor#nea. / terceiro aspecto $ que essas reistas so os e-culos de
entrada de boa parte dos escritores no campo literrio! o quarto, $ que reista
Caros Amigos $ uma conexo importante para fazer circular nacionalmente a
produo desses escritores. 6, por fim, porque o con%unto das edi"es especiais
pode ser isto como uma das inst#ncias de apropriao e legitimao dessa
produo marginal. 2or conta destes elementos todos, a reista Caros Amigos/
Literatura Marginal $ adotada, nesta pesquisa, como marco para a compreenso da
entrada em cena dos escritores da periferia sob a rubrica literatura marginal.
A reista Caros Amigosfoi criada em *;;L pela 6ditora Fasa Amarela, com a
proposta de apresentar entreistas com personalidades de opini"es cr-ticas e
independentes sobre o meio em que se destacam. /s temas abordados so
classificados como de interesse geral, mas priilegiam as reas pol-tica, econ?mica
e art-stica. Fom circulao nacional e periodicidade mensal, a tiragem m$dia
produzida $ de cinqWenta mil exemplares*;.
/cupando o espao deixado pelos peri5dicos alternatios ou nanicos da
d$cada de *;L) como o %ornal Pas7uim e a reista ealidade, a reista Caros
Amigos se estabeleceu no mercado com diferenas editoriais em relao s demais
publica"es reportagens de f?lego, anlises formatias e emisso de opini"es
sobre outros meios de comunicao e assumiu um discurso de cr-tica e repGdio ao
neoliberalismo mundial e nacional em oposio ao goerno do ex0presidente
&ernando Uenrique Fardoso Kibordi, ())+a.
*;=ados extra-dos do siteTTT.carosamigos.terra.com.br.
(*
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A primeira edio especial publicada pela reista data de setembro de *;;< e
tee como tema o moimento 'ip 'op N que oltou a ser mat$ria de outra edio
lanada em %un'o de ())@. A Caros Amigos seguiu publicando, com interalos
ariados, outras edi"es especiais, totalizando, at$ dezembro de ())@, inte e
quatro edi"es sobre diersos assuntos1 a corrupo entre os pol-ticos brasileiros, o
Oolpe de *;B+, as elei"es presidenciais de ())(, a ida e a mGsica de 8aul
Eeixas, a 'ist5ria de F'e Oueara, entre outros. Has cabe registrar que, al$m do
moimento 'ip 'op e da literatura marginal dos escritores da periferia, apenas outros
dois temas foram explorados mais de uma ez nas edi"es especiais1 o &5rum
Eocial Hundial com tr3s edi"es dedicadas aos &5runs ocorridos em ())*, ())( e
())D! e o Hoimento dos Xrabal'adores Eem0Xerra um delas abordaaespecificamente o epis5dio que ficou con'ecido como Hassacre de 6ldorado dos
Fara%s.
2ara Harcos Kibordi, que analisou as caracter-sticas das edi"es regulares
publicadas entre *;;L e *;;;, a reista d seqW3ncia ao pro%eto das outras
publica"es da 6ditora Fasa Amarela, que, segundo o autor, procuram sintetizar e
solidificar o con'ecimento sobre determinados assuntos, fazendo dos exemplares
um documento 'ist5rico p. *(B. Isso %ustificaria o interesse da 6ditora Fasa
Amarela em publicar edi"es especiais sobre temas que reforam o carter
formatio e alternatio da reista Caros Amigos, bem como as s$ries de fasc-culos
8ebeldes brasileiros que diulgaa a 'ist5ria de figuras como Antonio
Fonsel'eiro, Olauber 8oc'a e /lga >enrio e os liros sobre o l-der negro Kumbi
dos 2almares e o guerril'eiro Farlos Harig'ella()())+a.
Ainda segundo o autor, assim como a dos outros temas eleitos, as tr3s
edi"es de literatura marginal publicadas pela reista podem ser entendidas como
um adensamento dos assuntos que recorrentemente figuram nas pautas dasedi"es regulares, fazendo parte do pro%eto alternatio da Caros Amigos de
informar e formar seus leitores. 6nto1
/s rios textos que apresentaram autores, produ"es e teoriza"esconfiguram uma prefer3ncia que tomou forma acabada nas duas edi"esespeciais c'amadas de Literatura Marginal. 6 entre os autores nacionais eestrangeiros, tanto nas edi"es mensais quanto nas especiais, pode0seapontar uma caracter-stica bsica1 a literatura presta serio causa do'omem, preferindo falar dele imerso em problemas pessoais e sociais 0geralmente os sociais incidindo nos pessoais 0 demonstrando maior
()
Kibordi se refere aos liros A incr4$el e fascinante histria do capito mouro, de Oeorges>ourdou[an, e Carlos Marighella & o inimigo nBmero um da ditadura militar, de 6miliano 4os$, ambosmembros da equipe de redatores da Caros Amigos8
((
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preocupao com os motios do mundo terreno, real e concreto, do quecom a inquietao estritamente estetizante Kibordi, ())+a, p.
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2aulo Mins re%eita a atribuio do termo marginal sua produo e a dos outros
escritores que partil'am do mesmo perfil sociol5gico, e identifica em &err$z o
precursor do noo discurso sobre literatura marginal1
Foi o Ferr*z 7uem comeou com essa onda de literatura marginal, eu nuncatinha ou$ido falar nisso, do 2eito 7ue est sendo apresentado atualmente8 !Ferr*z me ligou falando do pro2eto da re$ista e me perguntou se eu notinha algum te0to in*ditoG eu mandei o te0to para ele e de l para c no separou mais de falar so"re isso8 ! 7ue eu conhecia de escritores marginaistem a $er com a poesia marginal dos anos setenta e eu me lem"ro 7ue oLeminsHi acha$a ruim esse mo$imento8 ssa poesia foi es7uecida peloscr4ticos por um "om tempo e agora o o"erto #ch+arz e a Ielo4sa 5uar7ueesto resgatando alguns autores8 6uando fiz o li$ro, eu no pensei 7ue euera marginalG e o li$ro saiu pela Companhia das Letras, 7ue no tem nadade marginal8 ! meu li$ro no tinha nada de marginal, a no ser o tema, se"em 7ue a mis*ria e o ur"ano sempre apareceram na literatura & o os*Lins do ego e o (raciliano amos 2 fala$am so"re issoG sempre
contrastaram o campo com a cidade8 u penso 7ue 7uem * enga2ado $aidiscutir a po"reza e a criminalidade & pra mim, a temtica * 7ue * marginal8! Maral JA7uinoK, por e0emplo, fez tra"alho com matadoresG o JFernandoK5onassi com detentos8 u no $e2o nada de marginal nas nossas o"raselas rece"em o interesse da cr4tica, da uni$ersidade, da imprensa 2auloMins em fala no dia D)S)BS())+((.
&oram publicados, na primeira edio, dezesseis textos in$ditos, dentre os
quais ' noe poemas, seis contos e uma cr?nica. /s poemas so longos e
marcados pelo uso das rimas, e os ersos aludem ida das crianas que moram
nas faelas ou nas ruas, s c'acinas cometidas em bairros da periferia, ao
sofrimento dos negros, ao cotidiano de um trabal'ador com pouca especializao e
ao destino dos %oens pobres. Fomo neste exemplo1
Yueria ser 'omem de terno=eu teco a noite inteirae ainda estaa a fim.Vo seu corao ribanceira,uma pedra a rolar tim0tim por tim0tim!2artiu pro trabal'oe nem sequer dormiu,s5 se lembraa do bril'ona faela
do bril'o reluzente daquele fuzil.=esde cedo, mo0de0obra desqualificada,tudo l'e desesperaa.Aquele salrio raso,que no daa pra nada,no seu 5dio se fez engasgo.6 se lembraada educao garapaYue recebeu do 6stado.Xudo l'e ardia1l#mina e faca.Eacou da moc'ila,do trabal'o partiu.
((6ste argumento foi exposto por 2aulo Mins em eento da Hostra Art-stica do &5rum FulturalHundial, % mencionado em nota anterior.
(+
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&oi pro corao da faela2ra Eo 4orge, sua me, acendeu uma ela.Vo asfalto era o mau.Atirou, roubou, matou, traficou.Aos *@, seu conceito subiu.
Aos *L, fuzilado na faela,na mala do 8obocop saiu.=istante agorado mundo incolor,ac'ou o fundo do alo como cama,e a lama o seu cobertor.6dson Je5ca, =escaso, o cerol do gueto, p. *+.
Vos contos, que so os textos que aparecem de maneira mais elaborada na
reista, a cr-tica social continua presente, pois se tematiza principalmente o
cotidiano de moradores de faelas e das periferias, que passam por situa"es de
iol3ncia e 'umil'ao, e que no usufruem serios pGblicos de qualidade. 2or$m,$ nos contos que esses personagens sofredores aparecem como contestadores
dessa realidade social, se%a porque se tornam mais cr-ticos por conta das
informa"es obtidas em liros N que apesar dos baixos salrios conseguem
adquirir em sebos N, ou porque buscam, de alguma forma, fazer %ustia social ou
se ingar1 fazendo longo discurso ao pedir demisso do emprego no qual sofria
'umil'a"es do patro, assassinando o estuprador da irm paral-tica, denunciando
a corrupo dos pol-ticos brasileiros, ou com comportamentos que isam atingir o
grupo social que consideram antag?nico1
X o maior calor, t? at$ lembrando quando trabal'aa no padro de lanc'esamericanos que esses pla9bo9s consomem l do E'opping Ibirapuera,burguesia fil'a da puta, no podia nem encostar a mo nos pes,contaminaa, $ o que diziam, e eu cuspindo no 'ambGrguer, passando oquei%o geladin'o na testa antes de colocar na c'apa, at$ na merda do mil[s'a[e eu cuspi, era satisfao maloqueira garantida &err$z, /s inimigosno leam flores, p.((.
/s autores exploram as metforas nos contos, como acontece em =estino
de artista, de 2aulo Mins, A peregrinao da are%eira, de 6rton Horaes e A lua e
eu N este Gltimo, escrito pelo ento presidirio 4ocenir, aborda a relao de
amizade entre um detento e a Mua. 6m primeira pessoa, o narrador relata a
presso emocional que um detento sofre na cadeia a saudade da fam-lia, a
solido, a falta de contato com o mundo lire e as situa"es de risco as quais
est submetido alto consumo de drogas, coni3ncia com criminosos de grande
periculosidade, extors"es, brigas, trai"es, etc. =epois, o texto $ entremeado por
dilogos nos quais a Mua lamenta ter tido uma bandeira fincada em seu solo por
astronautas que reiindicam t30la conquistado e por ter deixado de ser a inspirao
(@
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dos poetas e apaixonados. Vo final do conto, um pacto de amizade $ estabelecido,
unindo a Mua e o detento pela solido e angGstia que ambos enfrentam.
Vos contos ' tamb$m espao para o uso do palaro e de g-rias da
periferia, tal como em Eon'os de um menino de rua, de Oarrett, ou em /s
inimigos no leam flores, de &err$z. Vo entanto, $ a cr?nica A conscientizao,
que tematiza o unierso da mGsica rap, que oferece a linguagem mais distante do
portugu3s culto. 6ste texto, marcado por um tom informatio, $ o que mais se
aproxima do que seria a linguagem falada por membros de determinados
segmentos que esto situados nas periferias urbanas brasileiras os menos
escolarizados ou ligados ao moimento 'ip 'op, sobretudo por reproduzir palaras
de maneira pr5xima expresso oral e apresentar neologismos1 mor? morou,lo[a louca, ` um mais um, oto outro, si se, di de, m5 maior, tir
tirar, truta. / autor do texto, o rapper Fasco, HF(Ddo grupo Xril'a Eonora do
Oueto, olta a empreender os mesmos recursos na letra de rap Fonsci3ncia, que
encerra a publicao1
preciso consci3nciaYue somada a coer3ncia&az oc3 3 si compensaIngressa na delinqW3ncia
=elinqW3ncia qui desandaYuem brincaa na inf#ncia2ega0pega i ciranda7s fil'o de Aruanda
=eus $ `, eu sou exemplo2ois % fui pro arrebentoVo pur fama, pu sustentoE5 qui a-, no recomendo
Jida boa di i36 oc3 pode diz32u coxin'a si fud3
I si ele quere 3Joc3 nu te =.J.F
&ica a- oc3 na luzVo sou nada, fao %uzI guerrero di erdadeEegue exemplo di 4esus.
Eempre eu...=]4al /liei 8ios simplismente.p. D*.
(DHF $ a abreiao de mestre de cerim?nia e designa os cantores de um grupo musical de rap.
(B
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A tiragem da primeira edio especial foi de trinta mil exemplares, dos quais
foram endidos quinze mil(+ao preo de 8_ +,;). / restante das reistas passou a
ser distribu-do, de acordo com &err$z, em encontros literrios, realizados em
escolas localizadas em bairros da periferia, dos quais o escritor participa, bem como
em eentos promoidos em faelas e pres-dios. 6ssa primeira edio recebeu o
2r3mio da Associao 2aulista dos Fr-ticos de Arte A2FA de Hel'or 2ro%eto de
Miteratura de ())*, fato que, para seu organizador, foi uma forma de legitimao
do moimento.
6m %un'o de ())( foi lanado o Ato II que, ao contrrio do Ato I, trouxe
propagandas de outras edi"es especiais da reista Faros Amigos sobre F'e
Oueara, 8aul Eeixas e moimento 'ip 'op. =esta ez, a tiragem foi de inte milexemplares, dos quais cerca de noe mil foram endidos ao preo de 8_ @,@).
/ Ato II contou com a participao de inte e sete escritores em trinta e oito
textos, e do cartunista Moureno Huttarelli, que contribuiu com uma ilustrao
intitulada Jiso perif$rica, publicada na Gltima pgina da reista. U, nessa
segunda edio especial, textos no in$ditos de escritores con'ecidos como 2l-nio
Harcos /s soldados da min'a rua, 4oo Ant?nio Fonite ida e Eolano
Xrindade Halungo e 2oema para Haria F$lia! de sete rappers Oato 2reto,
Fasco, Hano >roTn, =ugueto E'abazz(@, 2reto O'5ez, /ni e 8/=! de dois
ind-genas li0Aruno$ e Haria Inzine! e de dois presidirios Almir Futrim Fosta 4r.
e Oeraldo >rasileiro. Fompletam, ainda, a segunda edio, textos de dez autores
que nunca 'aiam publicado liros, al$m dos escritos da presidente da Associao
de Hes e Amigos de Frianas e Adolescentes em 8isco AHA8, Haria da
Fonceio 2aganele, e do l-der zapatista Eubcomandante Harcos.
A publicao dos textos de escritores % falecidos, mas dotados do mesmo
perfil sociol5gico, como Eolano Xrindade, ou que desenoleram em suas tra%et5riasuma sensibilidade para captar temas afins, como 4oo Ant?nio e 2l-nio Harcos,
pode ser ista como uma refer3ncia tradio literria a qual a noa gerao de
escritores marginais est se filiando, ou ainda, como um esforo de constituio de
um c#none particular de literatura marginal. =o mesmo modo pode ser
(+Xodos os dados relatios endagem das tr3s edi"es foram fornecidos por &err$z, mas a 6ditoraFasa Amarela no confirmou tais informa"es.(@
=ugueto E'abazz $ o pseud?nimo de 8idson Hariano da 2aixo, adotado ap5s sua reerso aoislamismo, ocorrida depois que seus textos foram publicados8/ptei por utilizar0me do pseud?nimo emrespeito prefer3ncia do rapper e escritor.
(L
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interpretada a publicao de cr?nicas e letras de raps elaboradas por HF]s ligados
ao 'ip 'op nacional. Fomo o rap6pidemia, de =ugueto E'abazz, do qual destaco
o seguinte trec'o1
4ornal Vacional, a c'amada anuncia a not-cia1manifestantes entram em confronto com a pol-cia.6les tin'am faixas e palaras de ordem.Fontra gs lacrimog3neo, cacetetes, tropas de c'oque.
E5 que a c#mera filmou s5 a reolta e a reao.=e quem no desespero atira pedra em o.6 no bloco seguinte o que se iu, ouiu12esquisa proa1 desemprego diminui no >rasil.
Ouetofobia1 o poder intimida.F'acinas na periferia cometidas pela pol-cia.Hanifesta"es pac-ficas reprimidas na 2aulista.
=ifama"es, mentiras pela te3 transmitidas.Xerrorismo1 crime considerado 'ediondo.Ato lido somente quando atinge o poo.2romotor burgu3s censura a erdade.2orque a funo da teleiso $ a produo de fugas da realidade.
do meu ol'ar que oc3 tem medo.>onito terno, onde ie se escondendo.6u i oc3 erguer o idro, acelerando.Yuase atropela o moleque trabal'ando.
A presso sobe, o corao acelera.Alergia a pobre, paor da faela.2esadelos, p#nicos, inquietao, ins?nia.Ouetofobia1 estes so os teus sintomasp. *@.
Al$m desses autores que gozam de algum prest-gio na 'istoriografia da
literatura brasileira ou no cenrio do rap nacional, o Ato II eicula diferentes ozes
marginais, uma ez que se amplia a participao de moradores de outros estados
brasileiros Fear e Hato Orosso do Eul, com dois representantes! e 8io Orande do
Eul, 8io de 4aneiro e >a'ia com um representante cada e de autores com outros
perfis sociol5gicos quatro mul'eres, uma delas como co0autora! dois -ndios da
etnia Xerena! e uma atiista pelos direitos dos internos da &undao 6stadual do
>em06star do Henor de Eo 2aulo N a &6>6H.
interessante notar que um dos autores in$ditos $ professor da rede
estadual de ensino de Eo 2aulo e se aleu do espao concedido na edio
especial para eicular, al$m de um poema de sua autoria, quatro poemas de alunos
seus. /utro caso peculiar $ do poeta amador e a%udante de pedreiro Keca, autor de
dois dos poemas publicados e do texto que abre a segunda edio. Xal texto,
endereado a &err$z $poca do lanamento da primeira Caros Amigos/ Literatura
(
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Marginal, recebeu o t-tulo de 7ma carta em construo e %ogou luz em algumas
indaga"es que o pro%eto coletio dos escritores da periferia estaa despertando na
imprensa, na cr-tica especializada, no pGblico leitor e nos pr5prios autores, como a
dificuldade de produo e circulao dos textos, o preo dos liros, a dificuldade de
formar leitores na periferia, etc1
U algum tempo escreo poemas com as mesmas mos com que trabal'ode a%udante de pedreiro. 2ra muita gente pode parecer ex5tico, pode parecersurreal. Has o que tem de estran'oQ 2obre no tem sensibilidadeQ Vopode escreer, desen'ar, pintar, interpretarQ ... Fon'eo muitas pessoas,muitas mesmo, que t3m um potencial extraordinrio, mas que no odesenoleram por falta de condi"es. 6 sei que produziriam muitas coisasbelas se tiessem apoio, algum incentio. 6stou tentando publicarartesanalmente uns liros de poemas, feitos em xerox, mas o din'eiro nuncasobra, alis, sempre falta. 6screi dois infantis e um com poemas abordando
uma temtica social cu%o t-tulo, Joz inc?moda, % diz tudo. 6stoupesquisando lugares com preos de c5pias mais baratos, para tentar enderdepois apenas para cobrir os custos. 2or aqui %amais conseguirei ender umlireto acima de ( reais. 2or isso, no alme%o publicar um liro por umagrande editora, pois aqui ningu$m poderia comprar. Vo caso, no se trataapenas de um escritor marginal, mas tamb$m de leitores marginalizados. 6,enquanto escreo esta carta para oc3s, me pergunto se o publicar algumpoema meu e qual a finalidade de escreer tamb$m. Yual o meu intuito, %que os leitores no podem pagar @ reais pela reistaQ Va erdade, esperotentar unir foras com outros autores enolidos no pro%eto. Yuem sabe at$tentar fazer uma publicao mais acess-el para aqueles que esto margem at$ do que produzimos to perto deles p.+.
Yuanto aos textos, o Ato II mant$m o mesmo padro da primeira edio
especial1 os poemas aparecem em maior nGmero, a cr-tica social $ o pano de fundo
predominante dos ersos e das prosas, $ explorado o uso do palaro e das g-rias
das periferias, ' palaras grafadas segundo uma oralidade pr5pria dos su%eitos
marginais e os textos so acompan'ados por ilustra"es. As diferenas em relao
primeira edio so as publica"es de um excerto de uma pea de Eolano
Xrindade, de um texto de cordel e da compilao de um mito Xerena sobre o
surgimento do namoro e do casamento no grupo N que, inclusie, aparece em duas
ers"es, uma em 2ortugu3s e outra em Xerena.Vo editorial da segunda edio, o organizador, &err$z, buscou elucidar do que
se trataa a produo literria que o Ato II procuraa afirmar1 a Miteratura Harginal,
sempre $ bom frisar, $ uma literatura feita por minorias, se%am elas raciais ou
socioecon?micas. Miteratura feita margem dos nGcleos centrais do saber e da
grande cultura nacional, ou se%a, os de grande poder aquisitio ())( sem
paginaoC. 6sta afirmao tamb$m foi conertida em conteGdo de alguns textos,
nos quais as especificidades do perfil sociol5gico dos escritores ou do locus de suas
produ"es apareceram como inspira"es para as cria"es literrias1
(;
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=ou de presente uma naal'a na carneHeu sangue de mul'er, para os famintos de culturaHe masturbo perto dos gals e cuspo nos seus c$rebros azios e is...Fambaleio diante dos tribunais, maldizendo os r$pteis que s5 enxergam bundas
=ou de presenteHul'eres negras de atitude e enalteo seus cabelos carapin'as=ou a admirao dos coardesA sintonia dos loucos6 a magnitude dos poetasOrito palaras de desassossego, ss e loucasInfiltrarei um marginal em cada uniersidade para mostrar do que somos capazes
=ou de presente7ma M-ngua 2ortuguesa diferente, aprendida no gueto2oesia marginal e o F'ico >uarque da periferia6 'aer um dia em que c'egars perto do belo,6ste mesmo que as estat-sticas quiseram apontar como feioAprenders o que $ anseio flor da pele
=ou de presenteEem teto, sem po, sem ingl3s, sem franc3s, sem computador...Fom 5dio, com sangue nos ol'os, com armas, sede de inganaHarginais permanentemente enfurecidos, dispostos a morrer para mudar/ rumo desta gotin'a que cai da sua %anela
Fludia Fanto, =ou de presente, p.**.
6m abril de ())+ c'egou s bancas do pa-s o Ato III, com inte e seis textos
de dezenoe autores, dentre os quais quatro eram rappers e seis eram escritores
amadores com textos at$ ento in$ditos. Vesta edio foram eiculadas
propagandas das obras da 2refeitura de Eo 2aulo gesto Harta Euplic9, ())*0
())+, da Foleo 8ebeldes >rasileiros, de liros da 6ditora Fasa Amarela, da
&eira de 8ua do Miro de &lorian5polis e dos produtos comercializados pelo
autodenominado moimento cultural *daEul.
=ando seqW3ncia ao seu pro%eto pessoal de permitir a pro%eo no campo
literrio de outros escritores que partil'am do mesmo perfil sociol5gico, &err$z
buscou destacar, no editorial da terceira edio, as reistas Caros Amigos/
Literatura Marginal como um espao de diulgao de um noo moimento queagrega a literatura produzida por escritores oriundos das periferias brasileiras e que
se olta para a afirmao cultural das manifesta"es art-sticas dos su%eitos
marginais1
Fomo sempre acontece a todo moimento feito por pessoas que esto margem as cr-ticas ieram aos montes tamb$m, fomos taxados debairristas, de preconceituosos, de limitados, e de rias outras coisas, mascontinuamos batendo o p$, cultura da periferia feita por gente da periferia eponto final, quem quiser que faa o seu, afinal quantas cole"es somontadas todos os meses e nen'um dos nossos $ inclu-doQ A misso que
todo moimento tem no $ de excluir, mas sim de garantir nossa cultura,
D)
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ento fica assim, aqui $ o espao dos ditos exclu-dos, que na erdadesomam quase toda a ess3ncia do gueto &err$z, ())+ sem paginaoC.
Alguns autores que participaram das edi"es especiais anteriores oltaram a
apresentar seus textos, como foi o caso dos escritores Alessandro >uzo em Xodo
'omem $ culpado pelo bem que no fez, 4onilson Hontalo 8ealismo fantstico
no submundo irreal e =ona Maura Jingana de brec'5, e dos tamb$m rappers
=ugueto E'abazz 2lano Eenzala, Oato 2reto &aelfrica e 2reto O'5ez A
soma do que somos. Fontudo, no Ato III foi priilegiada a publicao de noos
autores e de textos ainda in$ditos, no 'aendo participao de escritores
con'ecidos ou consagrados. Uoue apenas a participao de dois escritores que %
'aiam lanado liros de maneira independente1 Eantiago =ias, ator de teatro e
autor de quatro liros de poesias! e Haur-cio Harques, autor de um Gnico liro(B.
=entre os autores estreantes na terceira Caros Amigos/ Literatura Marginal
estaa o %oem Eacolin'a, que contribuiu com um conto intitulado 7m dia comum.
/ texto tematiza a rotina de X$rcio, um %oem negro, que no s5 tem o perfil como
tamb$m $ morador de periferia, um guerreiro que acorda s tr3s 'oras da matina
para trabal'ar como cobrador de lotao, e que canta rap, gosta de ler e,
principalmente, de escreer. / narrador conta, em terceira pessoa, um dia comum
na ida de X$rcio1 o trabal'o intenso das +'D) s *+', a refeio simples feita emcasa arroz, fei%o e salada de alface, a conersa sobre liros com uma criana
izin'a, o curso extra0escolar, o tra%eto de olta para casa que $ interrompido pela
'umil'ante batida policial, e a orao noturna na qual o %oem agradece o po, o
trabal'o, a fam-lia, a namorada, a saGde, a escrita e a consci3ncia. / narrador
descree tamb$m os ambientes que o personagem principal freqWenta e as
situa"es que o cercam1
=entro do ago a rotina de sempre, $ mul'er falando de noela, 'omem de
futebol, alguns %ogam baral'o, outros limpam os bancos su%os de p5, serequalquer coisa, papel 'igi3nico, guardanapo, flanela, toal'a de rosto etc., eneste ago tamb$m funciona uma A=& Academia da &ofoca, onde umgrupo de 'omens e mul'eres se reGne para falar desde assuntosmesquin'os at$ assuntos pol3micos, e para se associar nessa academia $fcil, $ s5 ter uma est5ria por semana para contar, $ rod-zio, entendeuQVeste momento X$rcio est com os ol'os fixados na asta escurido fora dotrem. 6le no ol'a pra dentro porque % est 'abituado a er rostos quetraduzem a pobreza, e cabeas pendendo de sono no ombro do passageiroao lado Eacolin'a, ())+, p.(
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Ainda com relao aos autores, noamente, predominou a participao de
residentes em Eo 2aulo e de 'omens, 'aendo apenas quatro representantes de
outras unidades federatias 8io Orande do Eul, 8ond?nia, >a'ia e =istrito &ederal
e quatro mul'eres1 Ferno, escritora e Gnica representante da regio norte do pa-s
no con%unto das tr3s edi"es especiais, contribuiu com a cr?nica V5is! =ona
Maura, uma sen'ora que se alfabetizou aos cinqWenta anos e se tornou l-der de
uma col?nia de pescadores no 8io Orande do Eul, apresentou o conto Jingana
de >rec'5! Mutigarde /lieira, moradora de Ealador, poetisa e atriz, colaborou
com o poema =escanso! e 6lizandra Eouza, paulista, responsel pelo fanzine
H4I>A oltado para a diulgao da cultura negra, tee publicados os poemas 7m
feto, Euic-dio, Mixo e Haria. Fabe comentar que, dentre as mul'eres,somente a Gltima autora citada explora experi3ncias ligadas ao unierso feminino
em dois dos seus quatro poemas publicados, como em Haria1
Frucificada est HariaFom a barriga 'abitadaHorreram os son'os e aindaXem ol'ar clementeA religio % no a consola2ois sua ida $ sacrificada7sa c'inelos 'aaianasHas na erdade est descala
Eeu fil'o no entreEe moe angustiadoFom medo de passar fomeYuando sair do placentrioHuitas so marias macab$iasYue esto desconsoladas.p. D).
Vesta terceira edio, os textos em prosa e erso aparecem de forma
equilibrada, com apenas dez poemas e tr3s letras de rap. Vo apenas a quantidade
de cr?nicas e contos aumentou, como 'oue uma maior ariedade dos temas dos
textos e de recursos literrios, ampliando0se o espao do lirismo e dos momentosem que a iol3ncia simb5lica ou no aparece de forma indireta, como pano de
fundo para 'ist5rias pessoais de superao das dificuldades ou casos de amor1
2ela %anela do corredor do 'ospital, eu obseraa os itrais das igre%as dooutro lado da rua. Fomeaa a anoitecer e, medida que a luz do acasocedia lugar ao bril'o da lua e algumas l#mpadas iam sendo acesas, eles iamgan'ando matizes diferentes, ficando mais bonitos. Veuzin'a iria gostar.Fomo gostara da luz de Eantar$m, ista do barco que se afastaa do portono final da tarde, singrando o Amazonas, enquanto eu, embalado pelo docebalano do rio e das cac'aas com mel que beb-amos, singraa seus ol'os,naquela iagem que fiz$ramos pelo Vorte. Veuzin'a de tantas iagens etantas 'ist5rias. Veuzin'a. Kizi. Veuzin'a >aque0na0ariz. Veuzin'a dosestidos curtos e coloridos! Veuzin'a psicod$lica da gargal'ada gostosa!dos perfumes ex5ticos. Veuzin'a que era alegre, amaa as cores e os
D(
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c'eiros... Veuzin'a que estaa morrendo naquele quarto triste, desbotado efedorento Xico em 7ma noite com Veuzin'a, p. @.
&oram colocados enda, pelo preo de 8_ L,)), inte mil exemplares, mas
a baixa endagem fez com que a terceira edio oltasse s bancas em setembro,
cinco meses depois do lanamento, com preo de capa de 8_ D,@), tendo sido
endidos cinco mil exemplares no total. 6, por causa deste insucesso, no '
preiso para noas edi"es especiais de literatura marginal, ainda que a terceira
edio da reista contiesse uma c'amada de textos para o Ato IJ.
Uoue, entretanto, em agosto de ())@, o lanamento, pela editora Agir, do
liro Literatura marginal: talentos da escrita perif*rica, uma colet#nea com inte e
cinco textos, dez deles originalmente publicados nas tr3s edi"es especiais Caros
Amigos/ Literatura Marginal. /rganizado por &err$z, que tamb$m se encarregou de
escreer o prefcio, o liro reuniu contos, poemas e raps de onze autores, sendo
quatro deles rappers 2reto O'5ez, 6duardo =um0=um, Oato 2reto e =ugueto
E'abazz, apenas uma mul'er =ona Maura e um Gnico autor que no 'aia
participado das reistas de literatura marginal, o escritor Muiz Alberto Hendes(L.
6 'oue, tamb$m, o lanamento de outras noe obras de autores que
participaram das tr3s edi"es especiais Caros Amigos/ Literatura Marginal. Xr3s
delas de autoria de escritores que 'aiam estreado nas reistas1 Morte
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1.; A literat)ra mar*i#al $o" e"2ritore" $a &erieria
Fom a descrio cr-tica das tr3s edi"es especiais de literatura marginal da
reista Caros Amigospretende0se ressaltar que, embora utilizando alguns recursos
que so explorados por escritores de diferentes grupos sociais na atual produo
literria brasileira N a saber1 a seleo de temas, cenrios e personagens
relacionados a contextos de marginalidade N, os autores que publicaram nas
reistas se distinguem dos demais porque so tamb$m atores dos espaos
retratados nos textos e, portanto, su%eitos marginais que esto inserindo suas
experi3ncias sociais no plano cultural. Vo se tratando, no caso dos escritores
estudados, apenas da representao de uma certa realidade de espaos e su%eitos
na literatura, mas do modo como querem se auto0representar.Fom relao s caracter-sticas da literatura produzida pelos escritores da
periferia, $ preciso considerar que, tomando como refer3ncia o con%unto das tr3s
edi"es especiais, os textos eiculados so bastante diferentes entre si em termos
qualitatios, aparecem em maior nGmero sob a forma de poemas e contos e so
marcados pelo cun'o descritio, documental ou biogrfico.
&oram apresentados, sobretudo, textos relacionados aos problemas sociais
e ida e prtica social dos membros das classes populares, ou nos termos dos
escritores estudados, ao poo da periferia. /s temas priilegiados foram1 o
cotidiano das classes populares, a iol3ncia urbana, a car3ncia de bens e
equipamentos culturais, as rela"es de trabal'o e a precariedade da infra0estrutura
urbana N sempre calcados numa id$ia comum sobre o espao social da periferia. =o
mesmo modo, a descrio f-sica dos cenrios das casas, das faelas, das ruas sem
asfalto, do esgoto a c$u aberto, etc e das caracter-sticas das personagens negros
'umil'ados pela pol-cia e pela sociedade, mes que se tornaram arrimo de fam-lia,
pais alco5latras, %oens sem oportunidades educacionais e de trabal'o,
trabal'adores explorados por maus patr"es, izin'os solidrios, etc esto
relacionados aos problemas encontrados neste espao.
primeira edio, com tiragem de D)) exemplares, patrocinada pela /VO Ao 6ducatia. 4 !rastilho da pl$orae A poesia dos deuses inferiores, um organizado e o outro de autoria de E$rgioJaz, mas ambos editados pelo poeta, foram patrocinados pela &aculdade de Xaboo da Eerra e pelo
Instituto ItaG Fultural, respectiamente.
D+
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A maior parte dos autores demonstrou pouco dom-nio dos c5digos tidos como
cultos, construindo seus textos a partir de recursos literrios simples. Vos textos
prealeceu o uso da linguagem coloquial, com espao para o emprego de g-rias
das periferias urbanas brasileiras e de palar"es. 7m diferencial importante $ que os
escritores apresentaram regras pr5prias de concord#ncia erbal e do uso plural que
destoam das normas da l-ngua portuguesa, tanto nas constru"es das frases como
nos neologismos exibidos.
Harcos Kibordi ())+b, que se dedicou a estudar as duas primeiras edi"es
de literatura marginal da Caros Amigos, sistematizou as caracter-sticas do con%unto
de textos publicados sob tr3s eixos1 a tra%et5ria de ida dos escritores, a mem5ria
ressentida da produo e o pro%eto pedag5gico de literatura. / primeiro eixo dizrespeito predomin#ncia de elementos biogrficos, descritios e realistas dos
textos. Fomo correlato, o autor erificou uma inspirao na sintaxe de textos b-blicos
e o uso recorrente de um ocabulrio de g-rias como e a- trutaQ, %o, z$
poin'o, neologismos como ota lo[o, n5is e express"es marginais em
relao ao ocabulrio formal como eis me aqui, mor? c'oqueQ.
/ segundo eixo diz respeito sustentao dos textos, direta como ob%eto
principal do produto art-stico e indiretamente quando tratam de desigualdades dopa-s, por elabora"es das mem5rias ressentidas dos seus autores. Isso significa
que as constru"es narratias se remetem s mem5rias dos escritores, retomando
aspectos indiiduais, da inf#ncia, do trabal'o, do bairro, ou nostalgias da liberdade
no caso dos autores que esto na priso, que funcionam para atualizar ou
comproar aspectos dos espaos sociais retratados. 4 o que o autor c'ama de
pro%eto pedag5gico $ o uso da literatura como um ato pol-tico que isa dialogar
com as popula"es das periferias urbanas brasileiras. 8efere0se construo de
um discurso que pretende ensinar ou ampliar a capacidade cr-tica do pGblico, por
meio de textos com fundo moral eS ou $tico.
Fom relao recepo dada noa gerao de escritores marginais, nas
resen'as dos peri5dicos impressos e eletr?nicos consultados para esta pesquisa,
constatou0se que os aspectos sociol5gicos relacionados produo dos textos e
das edi"es especiais foram mais eidenciados do que as caracter-sticas literrias
dos mesmos. Xratou0se de polemizar sobre quest"es como o acesso dos membros
das classes populares aos bens de produo cultural e ao letramento, a
D@
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aproximao com a linguagem do 'ip 'op, a legitimidade de representar uma certa
realidade social e a alorizao dos escritores da periferia como produtores da sua
pr5pria representao. Je%amos alguns exemplos1
a primeira reista de circulao nacional totalmente produzida pormoradores de faelas e periferias. feita pela esc5ria mesmo, assegura&err$z, garantindo a autenticidade do produto. / con%unto dos textos N dedez autores, ao todo N pode at$ ter sua qualidade literria questionada, mas$ um relato da l5gica de sobrei3ncia que se espal'a pelos centros depobreza urbana to certeiro quanto um rap entoado por Hano >roTn. Vofinal das contas, a reista $ lanada no rastro de um interesse crescente ecom certa dose de inclinao politicamente correta pela produo culturaldas periferias Eanta Fruz, dispon-el no site no.com.br, ((S)
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Xril'a Eonora do Oueto, Hano >roTn 8acionais HF]s, Atr3s /utraerso, 2reto
O'5ez Flnordestino, O/O, 6duardo &aco Fentral, 6duardo A Xropa, 8/=
Fonceito Horal, =ugueto E'abazz, Oato 2reto A &am-lia e /ni &aces do
EubGrbio! e os % con'ecidos 2aulo Mins, 2l-nio Harcos, 4oo Ant?nio e Eolano
Xrindade escritores, Eubcomandante Harcos e Haria da Fonceio 2aganele.
/s aspectos biogrficos, relatios s condi"es gerais de ida de cada
escritor, assim como seus ariados enolimentos profissionais e comunitrios,
foram apresentados nos minicurr-culos que acompan'aram os textos de todas as
edi"es, de modo a eidenciar as caracter-sticas marginais ou compromissos
sociais dos autores selecionados, como sugerem os trec'os abaixo1
Oarrett mora na faela da Huuca, pr5ximo ao Fapo 8edondo, tamb$modeia o presidente e no pretende lanar nen'um liro em ida Ato I, p.
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tr3s eram detentos $poca da publicao do seu texto, e sete so mul'eres. A
maior parte dos autores no tem no trabal'o literrio sua Gnica atiidade profissional
e encontrou na reista a primeira oportunidade de fazer circular para um grande
nGmero de pessoas os seus textos! e alguns deles esto ligados ao moimento 'ip
'op ou enolido em pro%etos culturais e sociais(;.
6sto ligados ao 'ip 'op os escritores &err$z, Alessandro >uzo e Allan
Eantos da 8osa, al$m dos onze rappers que participaram das edi"es especiais.
=os enolidos com pro%etos culturais e sociais esto1 &err$z do *daEul, E$rgio
Jaz fundador da Fooperifa, 6rton Horaes do moimento cultural Xro[aoslixo,
4onilson Hontalo fundador da /VO 2ensa, que desenole atiidades com
crianas pobres no Itaim 2aulista, =ona Maura l-der comunitria de uma col?nia depescadores, 6lizandra Eouza editora no fanzine H4I>A e poeta da Fooperifa,
Eacolin'a idealizador do pro%eto Miteratura no >rasil e atiista do moimento negro,
Alessandro >uzo organizador do eento &aela Xoma Fonta, Haur-cio Harques
Fooperifa, Mutigarde atiista da comunidade quilombola Fec-lia, situada na >a'ia,
que atua pelo resgate da cultura afrodescendente, =ugueto E'abazz membro da
posse Eindicato 7rbano de Atitude e filiado ao Hoimento Uip Uop /rganizado
>rasileiro, Allan Eantos da 8osa poeta da Fooperifa, membro da posse Eindicato
7rbano de Atitude, atiista do moimento negro e do Hoimento dos Xrabal'adores
Eem0Xeto, entre outros e Haria da Fonceio 2aganele fundadora da AHA8 0
Associao de Hes e Amigos de Frianas e Adolescentes em 8isco.
&oi poss-el entender, tamb$m a partir dos minicurr-culos publicados, que
escritores que usufruem posi"es distintas no campo literrio esto escamoteados
sob a rubrica literatura marginal nas edi"es especiais da reista Caros Amigos. As
tr3s edi"es aglutinam poetas e escritores que % 'aiam publicado liros como
2aulo Mins, 4ocenir e &err$z N o primeiro pela editora Fompan'ia das Metras e os
dois Gltimos pela editora Mabortexto N, e 6rton Horaes, Alessandro >uzo, E$rgio
Jaz, Eantiago =ias, 6dson Je5ca e Haur-cio Harques N com produ"es
independentes lanadas pelos pr5prios autores ou por editoras que cobram pela
tiragem dos liros e outros que comearam a publicar e tomar consci3ncia do seu
papel como produtores de cultura com o pro%eto de literatura marginal em reista.
As entreistas realizadas para esta pesquisa de mestrado, no entanto,
permitiram refletir sobre o perfil dos autores que publicaram nas Caros Amigos/(;/ atiismo social e cultural dos escritores ser tema do quarto cap-tulo desta =issertao.
D
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Literatura Marginal. &oram entreistados doze dos autores, dos quais onze residem
em Eo 2aulo, noe so 'omens, tr3s so mul'eres e um tamb$m $ rapper! sendo
eles1 Allan Eantos da 8osa, Alessandro >uzo, Fludia Fanto, Fl5is de Faral'o,
=ugueto E'abazz, 6lizandra Eouza, &err$z, 4onilson Hontalo, Mutigarde de
/lieira, Eacolin'a, Eantiago =ias e E$rgio Jaz.
Aferiu0se com as entreistas que, $poca da publicao dos seus textos nas
edi"es especiais, seis escritores tin'am entre (B e (; anos, tr3s possu-am idade
entre DL e +L anos, e outros tr3s, *; anos. Yuanto escolaridade, sete possu-am
ensino m$dio completo, dois tin'am ensino superior incompleto um com o curso
trancado e outro com o curso em andamento, um no 'aia conclu-do o ensino
m$dio, um tin'a apenas o ensino fundamental completo e um se declarouautodidata. /ito deles estudaram somente em escola pGblica, tr3s estudaram parte
em escola pGblica e parte em escola particular, e um no freqWentou instituio
escolar.
6m termos de corS raa, oito entreistados se declaram negros ou pretos, tr3s
se identificam como brancos e um como pardo. Eobre seus pais, quatro consideram
seus pais e mes negros ou pretos, sete declaram ter apenas pai ou me negro a
ou preto a, e apenas um identifica seus pais como brancos. 6m se tratando das
profiss"es dos pais, os autores so fil'os de pais metalGrgicos, motoristas, padeiro,
a%udante de produo, serente de pedreiro, carregador de frutas, larador e dono
de bar! e de mes donas de casa, diaristas, auxiliar de limpeza, auxiliar de
enfermagem, costureira, merendeira, feirante e caixa de reistaria.
=os onze escritores que residem em Eo 2auloD), tr3s moram na Kona Eul da
cidade nos bairros 4ardim Voron'a, 4ardim Feleste e Fapo 8edondo, quatro na
Kona Meste dois deles no Itaim 2aulista e os demais em Fidade Xiradentes,
6ngen'eiro Ooulart e Hooca, um na Kona /este no 4ardim 4aqueline, e dois na
Orande Eo 2aulo nos munic-pios de Xaboo da Eerra e Euzano. =os
entreistados, apenas um declarou se dedicar exclusiamente s atiidades
art-sticas como escritor e produtor cultural, os demais conciliam a prtica da escrita
com as profiss"es de endedor, auxiliar de escrit5rio, auxiliar de enfermagem,
arteso, rapper, artista plstico, lireiro de sebo, funcionrio publico, atriz, professor
e micro0empresrio.
D)A Gnica entreistada que no reside em Eo 2aulo $ Mutigarde Oama de /lieira, moradora dobairro de Eo Faetano, localizado em Ealador, >a'ia.
D;
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Vo que diz respeito tra%et5ria literria dos entreistados, oito deles
comearam a se interessar por literatura quando crianas e outros quatro no per-odo
da adolesc3ncia, sendo que oito deles atribuem aos seus familiares pai, me, a? e
tio o despertar deste interesse. Finco dos escritores conferem ao seu bom
desempen'o nas reda"es escolares o est-mulo para produzirem textos literrios,
sendo que oito deles comearam a produzir seus primeiros textos quando eram
adolescentes, enquanto os outros quatro passaram a escreer quando se tornaram
adultos. As formas literrias produzidas em maior nGmero pelos autores so os
poemas, seguidos pelas cr?nicas e contos.
=iante da sintetizao dos dados, considero interessante resumir o perfil dosautores entreistados no quadro a seguir1
Fom relao aos escritores que exerceram alguma influ3ncia ou so
refer3ncia para a atiidade literria dos entreistados, as respostas foram ariadas,
tendo sido citados pelo menos duas ezes os nomes dos escritores Uerman Uesse,
F'arles >u[oTs[i, Hac'ado de Assis, 4oo Ant?nio, Hrio Yuintana, FlariceMispector e 6smeralda 8ibeiro! e, ao menos uma ez, os nomes de Eolano
Xrindade, 4orge Amado, Ouimares 8osa, &ernando Eabino, Andr$ Xorres, Fec-lia
Heireles, &ernando 2essoa, Uenr9 Hiller, Art'ur 8imbaud! dos contempor#neos
&err$z, 2aulo Mins, Muiz Alberto Hendes e &ernando >onassi! e de dois expoentes
do rapnacional, O/O e Hano >roTn.
&oram entreistados um autor que participou apenas da primeira edio da
Caros Amigos/ Literatura Marginal, dois autores que participaram da segundaedio, tr3s autores que participaram somente da terceira e os outros seis autores
PERFI
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participaram de duas edi"es. =os autores que participaram da segunda e terceira
edi"es, todos informaram que % tin'am lido as edi"es anteriores. Yuatro dos
escritores que decidiram eniar textos para ser aaliados o fizeram a conite de
&err$z, tr3s o fizeram por indicao de outros autores, dois por sugesto de algum
outro membro da equipe editorial das edi"es especiais e apenas um autor no
soube informar como seu texto c'egou publicao.
Jale destacar que, ainda que as edi"es especiais no ten'am sido a
primeira exp