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OLAVO JOSÉ JUSTO PEZZOTTI
AÇÕES DÚPLICES
MESTRADO EM DIREITO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO −−−− 2007
OLAVO JOSÉ JUSTO PEZZOTTI
AÇÕES DÚPLICES
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito das Relações Sociais (Subárea de Direito Processual Civil), sob orientação do Professor Doutor João Batista Lopes.
SÃO PAULO −−−− 2007
BANCA EXAMINADORA
________________________________
________________________________
________________________________
Aos meus pais, que procuraram me ensinar o
sentido de tantas palavras, que sintetizo em uma
única: amor. Ao meu pai, que soube com gestos
mostrar que é possível viver e morrer dignamente.
À minha mulher Adriana e aos meus filhos André,
Luiza e Juliana, razões dos meus sonhos, os meus
próprios sonhos que Deus decidiu dar forma e
rosto.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas, amigos, assistidos e procuradores da
inesquecível Procuradoria de Assistência Judiciária,
a nossa já saudosa PAJ.
Ao Professor Doutor João Batista Lopes, pelas
lições de direito e humildade.
RESUMO
O tema relacionado com as atitudes ou posicionamentos que o réu pode adotar no
processo civil, especialmente no que tange ao procedimento ordinário, se mostra bastante
vasto e complexo.
Múltiplas são as possibilidades que se apresentam ao réu, quer para atacar a
relação processual, quer para impugnar o mérito, direta ou indiretamente.
As hipóteses que permitem ao réu excepcionalmente apresentar contra-ataque à
pretensão do autor, ou obter para si uma tutela jurisdicional de mérito, exigem requisitos e
apresentam características convergentes e outras que as diferenciam.
Entre os casos antes referidos, este trabalho aborda as denominadas ações dúplices
e o pedido contraposto.
Em um exame perfunctório da assertiva supra, poder-se-ia considerar redundante
tratar de ações dúplices e do pedido contraposto, já que seriam institutos sinônimos ou
correlatos.
A fim de permitir alcançar o desiderato de distinguir as várias espécies de contra-
ataque do réu e suas implicações quanto ao objeto litigioso do processo, a dissertação foi
dividida em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, aborda o contraditório e a ampla defesa, a legitimidade do
réu e a eventual interferência dos posicionamentos por ele adotados sobre o objeto
litigioso.
No segundo capítulo, discorre sobre as várias atitudes que o réu pode vir a adotar
no processo civil.
No terceiro capítulo, examina as ações dúplices, seja no Código de Processo Civil,
seja na legislação processual extravagante.
No quarto capítulo, aborda o pedido contraposto, cotejando os pontos de
convergência e divergência entre as espécies de contra-ataque previstas para utilização
pelo réu.
Nas conclusões, destaca os pontos comuns e divergentes entre as ações dúplices e
as demais hipóteses nas quais se permite ao réu formular pedido para obtenção de um bem
da vida para si, confrontando-as com o pedido contraposto, bem como a implicação,
aplicação e sua relação com institutos como da tutela antecipada, revelia, reconvenção e
outros.
ABSTRACT
The theme related with the attitudes or positionings that the defendant can adopt
in the civil process, especially in the ordinary procedure, is quite vast and complex.
Multiples are the possibilities introduced to the defendant, both to attack the
procedural relationship or to refute the merit, direct or indirectly.
The hypotheses that allow to the defendant exceptionally to present counterattack
to the author’s pretension, or to obtain for himself court protection of merit, demand
requirements and present convergent characteristics and others that differentiate them.
Among the cases before referred, this work approaches the denominated action
duplex and counterclaim.
In an perfunctory exam of these afirmations, it could be considered redundant to
treat the action duplex and the counterclaim, since they would be synonymous or related
institutes.
In order to reach the desideratum of distinguishing the several species of
defendant’s counterattack and their implications related to the litigious object of the
process, the dissertation was divided in four chapters.
In the first chapter, it approaches the contradictory and the wide defense, the
defendant’s legitimacy and the eventual interference of the positionings by him adopted on
the litigious object.
In the second, it discourses on the several attitudes that the defendant can adopt in
the civil process.
In the third chapter, it examines the action duplex, both in the Civil Process Code
and in the extravagant procedural legislation.
In the fourth chapter, it approaches the counterclaim, comparing the convergence
points and divergencies among the counterclaim species foreseen for using by the
defendant.
In the conclusions, it detaches the common points and divergencies between the
action duplex and the other hypotheses that permit the defendant to formulate a request to
obtain for him a life good, confronting them with the counterclaim, as well as the
implication, application and its relationship with institutes like provisional remedy, default,
reconvention and others.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................11
1 DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ASPECTOS ATUAIS..................17
1.1 Da legitimidade do réu e do autor − estreita relação .....................................................26
1.2 Dos posicionamentos do réu e sua eventual interferência sobre o objeto
litigioso do processo ......................................................................................................31
2 DAS ATITUDES DO RÉU ..............................................................................................37
2.1 Do ônus da defesa ..........................................................................................................37
2.2 Das defesas processuais e de mérito ..............................................................................41
2.3 Das exceções e objeções ................................................................................................43
2.4 Das atitudes do réu.........................................................................................................46
2.4.1 Da contestação ............................................................................................................47
2.4.1.1 Aspectos gerais e objeto ..........................................................................................47
2.4.1.2 Do princípio da eventualidade .................................................................................51
2.4.1.3 Do princípio do ônus da impugnação especificada dos fatos ..................................54
2.4.2 Das exceções rituais....................................................................................................55
2.4.2.1 Aspectos gerais e procedimento ..............................................................................55
2.4.2.2 Da exceção de incompetência..................................................................................58
2.4.2.3 Das exceções de impedimento e de suspeição.........................................................60
2.4.3 Da reconvenção...........................................................................................................63
2.4.3.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica .............................................................63
2.4.3.2 Requisitos gerais e específicos para o oferecimento da reconvenção .....................66
2.4.3.3 Procedimento da reconvenção – Revelia e reconvenção sucessiva.........................78
2.4.3.4 Autonomia da reconvenção e recurso cabível quanto ao indeferimento da
inicial do réu reconvinte ..........................................................................................84
2.4.4 Ação declaratória incidental .......................................................................................88
2.4.4.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica .............................................................88
2.4.4.2 Requisitos para a propositura da ação declaratória incidental .................................90
2.4.4.3 Reconvenção e ação declaratória incidental − Distinções .......................................94
2.4.5 Outras atitudes do réu .................................................................................................97
2.4.5.1 Impugnação ao valor da causa .................................................................................98
2.4.5.2 Impugnação aos benefícos da assistência judiciária gratuita...................................99
2.4.5.3 Incidente de falsidade ............................................................................................100
2.4.5.4 Intervenção de terceiros .........................................................................................104
2.4.5.5 Da revelia...............................................................................................................105
2.4.5.5.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica ........................................................106
2.4.5.5.2 Da revelia − Espécies e efeitos ...........................................................................109
2.4.5.6 Do reconhecimento jurídico do pedido..................................................................114
3 DAS AÇÕES DÚPLICES ..............................................................................................118
3.1 Introdução ....................................................................................................................118
3.2 Dos procedimentos especiais .......................................................................................119
3.3 Ações dúplices – Breve evolução histórica .................................................................123
3.4 Ações consideradas dúplices no Código de Processo Civil.........................................128
3.4.1 Ação de consignação em pagamento – Aspectos gerais e breve evolução histórica 129
3.4.1.1 Da legitimidade......................................................................................................132
3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de consignação em pagamento –
artigos 896 e artigo 899, parágrafo 1º do Código de Processo Civil .....................133
3.4.1.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de consignação
em pagamento ........................................................................................................138
3.4.2 Ação de prestação de contas − Aspectos gerais e breve evolução histórica.............141
3.4.2.1 Da legitimidade – ação de prestação e de dar contas.............................................144
3.4.2.2 Da denominada duplicidade intrínseca da ação de prestação de contas ................145
3.4.2.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações de prestação de contas......150
3.4.3 Ações possessórias – Aspectos gerais e breve evolução histórica............................153
3.4.3.1 Da legitimidade ativa e passiva .............................................................................157
3.4.3.2 Da fungibilidade entre as ações possessórias ........................................................159
3.4.3.3 Da cumulação de pedidos ......................................................................................161
3.4.3.4 Da liminar possessória ...........................................................................................162
3.4.3.5 Do caráter dúplices das ações possessórias e algumas de suas implicações .........165
3.4.3.6 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações possessorias......................169
3.4.4 Das ações de divisão e demarcação de terras particulares – Aspectos gerais e
breve evolução histórica ...........................................................................................170
3.4.4.1 Da legitimidade ativa e passiva para as ações de demarcação e divisão de
terras particulares...................................................................................................173
3.4.4.2 Cumulação de pedidos e a sentença.......................................................................176
3.4.4.3 Do caráter dúplice das ações de demarcação e divisão e suas implicações...........178
3.4.4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações demarcatórias e divisórias 180
3.5 Outras ações consideradas dúplices fora do Código de Processo Civil.......................183
3.5.1 Ação renovatória de locação empresarial – Aspectos gerais e breve
evolução histórica .....................................................................................................183
3.5.1.1 Do caráter dúplice da ação renovatoria e suas implicações...................................187
3.5.1.2 Da inadmissibilidade da reconvenção em ações renovatórias ...............................198
3.5.2 Ações de alimentos – Aspectos gerais e breve evolução histórica ...........................199
3.5.2.1 Do caráter dúplice das ações de alimentos e suas implicações..............................202
3.5.2.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas açoes de alimentos .....................211
3.5.3 Da desapropriação – Aspectos gerais e breve evolução histórica ............................213
3.5.3.1 Do caráter dúplice das ações de desapropriação....................................................215
3.5.3.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de desapropriação .............219
4 DO PEDIDO CONTRAPOSTO.....................................................................................221
4.1 Procedimento sumário e o Juizado Especial Cível − Lei n. 9.099/95 –
Aspectos gerais e breve evolução histórica .................................................................221
4.2 O pedido contraposto – Procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95 −
Requisitos para a sua admissibilidade .........................................................................226
4.3 Revelia – Reconhecimento jurídico do pedido e pedido contraposto..........................232
4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações que admitem
pedido contraposto.......................................................................................................236
4.5 Pedido contraposto formulado em face de quem possua dezoito anos de
idade ou por pessoa jurídica no âmbito da Lei n. 9.099/95 .........................................238
5 CONCLUSÕES ..............................................................................................................241
BIBLIOGRAFIA ...............................................................................................................246
INTRODUÇÃO
O tema da resposta do réu no processo civil ou, em sentido lato, os
posicionamentos e as atitudes que o sujeito passivo da relação processual pode adotar, é
extremamente amplo e complexo.
Mostra-se forçoso reconhecer que o réu é não raro identificado como aquele que
resiste à pretensão do autor, que a ela se contrapõe visando a obtenção de uma sentença
declaratória negativa quanto à existência do direito material afirmado na peça inaugural.
O Código de Processo Civil, nesse aspecto, notadamente no âmbito do
procedimento ordinário, é pródigo em permitir ao réu que, utilizando-se de defesas de
mérito (diretas ou indiretas), obtenha a extinção do processo com ou sem resolução do
mérito (defesas processuais peremptórias), enseje a dilação da marcha processual (defesas
processuais dilatórias) ou ainda obtenha a declaração de inexistência do direito material
postulado pelo promovente da demanda.
De outro lado, se revela igualmente auspiciosa a seara relativa à postulação do réu
visando uma sentença de mérito em seu favor, que reconheça o bem da vida por ele
pleiteado.
Não que possa causar qualquer estupefação o só fato do réu figurar como
demandante, desde que se empregue o sentido exato do termo “demanda”.
Sobre o tema, pertinente o magistério de Cândido Rangel Dinamarco, que assim
se pronuncia:
“Demanda, por antonomásia, é o ato de iniciativa do processo, realizado por aquele que, a partir de sua realização, será o demandante (...). Mas o vocábulo tem maior amplitude. O verbo demandar significa pedir, postular. O procedimento todo é um suceder de postulações de ambas as partes (demandas) (...) às quais o juiz vai dando solução nos momentos adequados. Por isso, rigorosamente demanda não é sinônimo de demanda inicial. Há demandas incidentes ao processo – e são tantas! – de iniciativa do próprio autor, do réu, do terceiro que interveio e dos próprios auxiliares da Justiça (demanda de arbitramento ou levantamento de honorários periciais, ou de prorrogação de prazo para cumprir mandados
12
etc.). Vigorosa doutrina demonstrou que nas hastas públicas cada licitante, ao oferecer seu lance, está dirigindo uma demanda ao juiz – para que ele acolha a melhor delas e adjudique o bem ao vencedor, rejeitando as demais(Zanzucchi). É bastante amplo o conceito de demanda.”1
As espécies previstas para permitir o contra-ataque pelo réu, ensejando a
ampliação do objeto litigioso e a resolução de mérito para si possuem alguns pontos de
convergência quanto aos seus requisitos e outros que as distinguem, como se procurará
enfatizar.
Não obstante, há uma zona que poderia se dizer cinzenta ou pelos menos
suscetível de provocar divergências entre elas, como na hipótese da reconvenção e da ação
declaratória incidental, especialmente quando essa última tiver natureza negativa, visando,
destarte, o reconhecimento da inexistência de relação jurídica de direito material entre as
partes.
Se tais dissensos se manifestam entre algumas das referidas espécies de contra-
ataques, no que tange às denominadas ações dúplices, o alcance exato de tal termo é
igualmente capaz de fomentar dúvidas e lançar divergências quanto ao seu elastério, o que,
por si, se revelaria auspicioso enquanto tema a ser objeto de exame e aprofundamento.
O exame da doutrina, via de regra, revela que na expressão “ações dúplices” se
inseriram hipóteses diversas.
Conforme se tentará abordar nesta dissertação, via de regra, quando se alude ao
fato de ser uma ação dúplice, se está com isso enfatizando a circunstância de que nela o réu
poderia formular pedido em seu favor, independentemente do oferecimento de
reconvenção.
Em que pesem as ações dúplices, ao menos dentro do sentido que se procurará
aqui empregar, permitirem a obtenção do bem da vida pelo réu, sem que para tanto haja a
necessidade do oferecimento da reconvenção, o mesmo se dá em relação ao pedido
1 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 2. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, v.
2, p. 132-133.
13
contraposto, sem que se possa concluir, salvo melhor juízo, que se trata de institutos
idênticos.
Dentro do gênero dos posicionamentos do réu ou das atitudes passíveis de adoção
pelo mesmo, e mais especificamente dos tipos de contra-ataques admitidos pelo sujeito
passivo da relação processual, a reconvenção, a ação declaratória incidental, as ações
dúplices e o pedido contraposto estariam inseridos.
As distinções, como se procurará demonstrar, não são apenas um preciosismo
teórico, mas apresentam implicações práticas que merecem abordagem, decorrendo de tais
circunstâncias a preocupação em afastar eventuais incertezas terminológicas.
A respeito da precisão terminológica, vale relembrar o magistério de Sálvio de
Figueiredo Teixeira:
“A exemplo de Ascarelli, que verberara as incertezas terminológicas, acentuou Pietro Cogliolo, em sua admirável Filosofia do direito privado, que não se pode negar que uma parte, não pequena, da grande dos juristas romanos foi a sua feliz intuição das palavras jurídicas, como também que uma parte não pequena do hodierno envilecimento da linguagem forense é o pouco caso pela frase, a falta de correção e de precisão nas expressões do direito. Os verba iuris, prossegue o mestre italiano, têm a sua história e a sua tradição. Conhecê-los bem e deles usar é ‘condição necessária para um bom raciocínio jurídico’. E arremata: ‘De um outro modo, continuaremos a ver freqüentemente o que Bacon chamava de idola fori, vale dizer, sofismas de linguagem, nos quais tropeça a prática forense, ou porque use de palavras ambíguas e mal definidas ou porque atribua a uma idéia palavra diversa, sem perceber que muitas vezes, cai numa tautologia de conceito, por não distinguir do significado comum o sentido técnico ou, ainda, por, de qualquer outra forma, não aprender a relação entre a palavra e a idéia. As verdades, as apreciações científicas que não se designam por uma expressão técnica, assinalou Von Ihering, são como as moedas que não recebem cunho: tanto umas como as outras não entram em circulação. Daí a primorosa síntese de Carnelutti, segundo a qual a primeira exigência do processo e da ciência processual é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos (...).”2
Não há dúvida que na presente dissertação as aspirações são mais limitadas,
pretendendo-se, como antes aventado, realçar as distinções entre as espécies de contra-
2 Sálvio de Figueiredo Teixeira, O agravo de instrumento é recurso próprio contra as decisões que apreciam
cálculos no curso das execuções. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 9, n. 36, p. 181, out./dez. 1984.
14
ataques do réu, afastando-se a idéia de que toda ação em que o réu possa vir a formular
pedido na contestação seja necessariamente dúplice, ao menos dentro da amplitude e
conseqüências existentes quando tal caráter deriva da própria relação de direito material.
Para que se possa eventualmente chegar ao ponto fundamental das ditas
distinções, é imprescindível examinar alguns aspectos que permitirão uma visão mais
ampla da legitimidade do réu e dos seus posicionamentos.
No primeiro capítulo da dissertação se fará, ainda que de forma breve, uma
abordagem do contraditório e da ampla defesa, destacando o que o fenômeno da
constitucionalização do processo teria repercutido ao erigir tais subprincípios do devido
processo legal em garantias asseguradas pela Magna Carta.
Referido tema igualmente pressupõe uma análise da legitimidade ad causam do
réu e sua estreita relação com a exigida para o autor.
Sem procurar englobar as múltiplas divergências sobre o que constituiria o objeto
do processo ou o objeto litigioso, o que certamente extrapolaria o tema desta dissertação,
se tentará destacar como o posicionamento do réu poderá afetar o mérito e a coisa julgada
que se formará.
No segundo capítulo, se enfocarão os diversos posicionamentos ou atitudes do
réu, destacando seus pressupostos, finalidades e algumas das questões, dentre várias que
poderiam ser indicadas no plano jurisprudencial e doutrinário, que apresentam
divergências.
Essas questões serão deliberadamente realçadas, com o objetivo de examinar, no
terceiro e quarto capítulos da dissertação, reservados ao exame das ações dúplices e o
pedido contraposto, sua aplicabilidade ou não aos aludidos institutos.
De igual modo, a análise da revelia, suas espécies e efeitos são de grande relevo
para que possa refletir sobre o impacto de sua existência, ou não, no que se refere às ações
dúplices e no que diz respeito ao pedido contraposto.
15
No terceiro capítulo se procurará enfrentar o tema relativo às ações dúplices.
A inserção do tema dos procedimentos especiais se justifica porque é sob esse rito
que se processam as ações consideradas dúplices no âmbito do Código de Processo Civil,
vale dizer, as ações de consignação em pagamento, de prestação de contas, possessórias,
demarcatórias e de divisão de terras particulares.
Faz-se mister deixar consignado que se optou por uma breve incursão histórica
quanto à origem das citadas ações, o que permitirá trazer subsídios relevantes para
justificar o seu caráter dúplice.
A abordagem das mencionadas ações terá por objeto específico seu caráter
dúplice, já que caso se optasse pelo exame de seus vários aspectos materiais e processuais,
haveria afastamento do tema da dissertação.
Assim, apenas os aspectos que se mostrem de alguma forma relevantes para o
entendimento do seu caráter dúplice é que serão abordados.
A análise das ações consideradas dúplices e previstas em leis extravagantes
igualmente seguirá tal linha teórica, dando-se, destarte, enfoque àquilo que poderá servir
de base ou parâmetro para a compreensão ou delimitação do tema da dissertação.
Por derradeiro, no quarto capítulo, se fará a abordagem do pedido contraposto,
seus pressupostos, requisitos e processamento no âmbito do procedimento sumário e do
Juizado Especial Cível que possuem, indubitavelmente, diversos pontos comuns, e outros
diferenciadores que se procurará enfatizar, na medida que se mostrem relevantes para o
tema proposto.
A tarefa a que nos propomos é ao mesmo tempo desafiadora e preocupante, diante
da complexidade do tema e da reconhecida dificuldade referente à legislação e doutrina
estrangeiras sobre o pedido contraposto e as ações dúplices.
16
Vale, nesse aspecto, relembrar um antigo pensamento que certamente não atenua
os equívocos que serão cometidos, mas que pode servir de estímulo a quem se dedica a
semelhante mister, que proclama não haver comparação entre o que se perde por fracassar
e o que perde por não tentar!
1 DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ASPECTOS
ATUAIS
O denominado fenômeno da constitucionalização do processo teria se iniciado na
Europa, na primeira metade do século XX3, sobretudo nos regimes políticos totalitários.
Dentro da aludido fenômeno de constitucionalização dos direitos fundamentais da
pessoa, inseriu-se a tutela das garantias mínimas do processo judicial, com o que se
objetivou evitar que o legislador os ignorasse ou violasse, protegendo-os através de um
sistema “reforçado de reforma constitucional”.
A Constituição Federal estabelece no artigo 5º, inciso LV, que ninguém será
privado da liberdade e da propriedade sem o devido processo legal.
É cediço que o devido processo legal possui manifestações tanto em sentido
material como processual.
Consoante o magistério de Nelson Nery Junior, é no sentido unicamente
processual que a doutrina brasileira tem empregado, ao longo dos anos, a locução “devido
processo legal”, sendo, em síntese, a cláusula procedural due process of law nada mais do
que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e
defendendo-se de modo mais amplo possível.
Para o aludido autor, bastaria a Constituição Federal de 1988 ter enunciado o
princípio do devido processo legal e o caput e os incisos do artigo 5º, em sua grande
maioria, seriam absolutamente despiciendos. A explicitação feita pela Magna Carta dos
subprincípios que integram o devido processo legal, como o contraditório e a ampla defesa,
teria visado realçar a importância das garantias, “norteando a Administração pública, o
Legislativo e o Judiciário, para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações”.4
3 Joan Pico y Junoy, Las garantias constitucionales del proceso, 3 reimpr. Barcelona: Bosch, 2002, p. 17. 4 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, 8. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 69 e ss.
18
A garantia do contraditório e da ampla defesa em processo judicial ou
administrativo e aos acusados em geral está prevista no artigo 5º, inciso LV da
Constituição Federal.
Na Magna Carta de 1969, o artigo 153, parágrafo 16 fazia apenas previsão da
garantia do contraditório para o processo penal, embora, como leciona Nelson Nery
Junior5, a doutrina se pronunciava no sentido de sua aplicabilidade também aos processos
civil e administrativo.
Não resta dúvida de que, a partir do advento da Magna Carta de 1988, operou-se o
fenômeno da “constitucionalização do processo civil”, realçando sua função social,
deixando, destarte, de ser apenas um instrumento puramente técnico para a solução de
conflitos.
Trata-se de tarefa árdua definir de forma objetiva o que teria implicado tal
fenômeno, sob o prisma processual, e em que consistiria a sua denominada função social.
Ensina José Roberto dos Santos Bedaque6 que as regras destinadas a assegurar
garantias para o processo não estão restritas aos vários incisos do artigo 5º, mas se
encontram em vários outros dispositivos, como os artigos 93, inciso IX (motivação das
decisões judiciais), 95 e 96 (garantias dos juízes e dos tribunais), destacando que a
Constituição procura estabelecer o processo justo, entendido como o instrumento que a
sociedade politicamente organizada entende necessário para assegurar adequada via de
acesso à solução jurisdicional dos litígios.
Destaca o citado autor a mudança impulsionada pela Constituição Federal no
processo civil, assinalando:
“Foi-se o tempo em que o processo era concebido como fenômeno puramente técnico, caracterizado pelo formalismo estéril. Os institutos processuais são construídos sob a profunda determinante de valores éticos, exatamente aqueles que norteiam a Constituição. Cada país tem seu modelo processual-constitucional idealizado em conformidade com as opções ideológicas dominantes.”
5 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 168. 6 José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, São
Paulo, Malheiros, 1995, p. 18.
19
A respeito da função social do processo, José Carlos Barbosa Moreira7 destaca os
seus dois aspectos principais:
“Marcha em direção a uma igualdade maior, no sentido da eliminação – ou quando menos, da atenuação – das diferenças de tratamento dos membros da comunidade em razão das diversidades de riquezas de posição social, de cultura, de pertinência a esta ou àquela classe, raça, credo religioso ou corrente política. De outro lado, reclama atenção a questão da capacidade do sistema jurídico para assegurar, na medida necessária, a primazia dos interesses da coletividade sobre os estritamente individuais.”
Como nota João Batista Lopes 8 , havia anteriormente a identificação do
contraditório com a defesa, sendo tal concepção tradicional substituída por fórmula mais
ampla, trocando-se o antigo binômio direito à informação e à reação pelo trinômio
informação-reação-diálogo. A propósito, assinala o autor:
“Mais explicitamente, o contraditório exige informação dos atos processuais: os termos da petição inicial devem ser comunicados ao réu mediante citação; a contestação do réu deve chegar ao conhecimento do autor; as partes devem ser intimadas regularmente dos atos subseqüentes etc. Ao tomar conhecimento de ato praticado pelo adversário, a parte pode reagir, expondo sua posição (o réu, contestando; o autor replicando etc). A seu turno, o juiz, como diretor do processo, deve promover o diálogo com as partes, de que constitui exemplo a audiência preliminar do artigo 331do CPC.”
A possibilidade de diálogo entre o juiz e as partes antes de qualquer
pronunciamento jurisdicional é enfatizada por Guiseppe Tarzia9, como ainda o direito às
provas e o uso de instrumentos idôneos para conhecimento das ocorrências anormais ou
crises do procedimento, e a garantia da motivação das alegações das partes.
Por seu turno, Comoglio, Ferri e Tarrufo 10 indicam o conteúdo mínimo do
contraditório, a saber: (a) igualdade das partes, não apenas em sentido formal, mas
substancial; (b) possibilidade de defesa técnica, mediante assistência de defensor
profissionalmente qualificado; (c) adequação qualitativa das possibilidades de alegação e
7 José Carlos Barbosa Moreira, A função social do processo civil moderno e o papel do juiz e das partes na
direção e na instrução do processo, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 10, n. 37, p. 140, 1985.
8 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: parte geral, São Paulo: Atlas, 2005, v. 1, p. 232. 9 Giuseppe Tarzia, Il contradditorio nel processo esecutivo, Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, v.
2, n. 72, p. 195-196, 1978. 10 Luigi Paolo Comoglio; Corrado Ferri; Michele Taruffo, Lezione sul processo civile, Bologna: Il Mulino,
1995, p. 70.
20
produção de provas capaz de influenciar a formação do convencimento do juiz; (d) direito
à adequada informação dos atos processuais; (e) direito à motivação das decisões etc.
Não se pode igualmente olvidar que ao assegurar a Magna Carta, no artigo 5º,
inciso XXXV, o acesso ao Judiciário, que tal garantia constitucional abarca o direito ao
contraditório e à ampla defesa.
Nesse sentido, calham à fiveleta as lições de José Roberto dos Santos Bedaque, ao
assinalar que a garantia constitucional de ação compreende o direito ao contraditório e
distinguir os pontos essenciais entre esse princípio e a ampla defesa:
“Contraditório e ampla defesa, aliás, constituem aspectos do mesmo fenômeno. Examinado pelo prisma estrutural do procedimento, o primeiro representa pressuposto do direito de defesa. A inviolabilidade deste último, por sua vez, considerado pelo ângulo das partes, é condição mínima de realização plena daquele. Talvez se possa afirmar que a ampla defesa é garantia de participação conferida exclusivamente às partes da relação processual. Já contraditório é fenômeno mais amplo, pois se refere também ao juiz, que deve, juntamente com os sujeitos parciais do processo, assumir postura ativa no desenvolvimento do processo, preocupando-se com seu resultado. Assegurar o direito de ação no plano constitucional é garantir o acesso ao devido processo legal, ou seja, ao instrumento tal como concebido pela própria Constituição Federal. Entre os princípios inerentes ao processo, destacam-se o contraditório e a ampla defesa, cujo conteúdo é substancialmente idêntico: a necessidade de o sistema processual infraconstitucional assegurar às partes a possibilidade da mais ampla participação na formação do convencimento do juiz.” 11
A participação ativa do juiz, no que tange ao contraditório, segundo concepção
moderna predominante, para assegurar a igualdade substancial e a busca da verdade real, é
destacada por vários autores, entre os quais podem ser citados Luigi Comoglio12 e Mauro
Cappelletti.13
Conforme consignado por Maria Elizabeth de Castro Lopes14, Mauro Cappelletti
efetuou uma revisão do princípio dispositivo, já que concluiu ser o juiz diretor material do
11 José Rogério Cruz e Tucci; José Roberto dos Santos Bedaque (Coords.), Causa de pedir e pedido no
processo civil: questões polêmicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 19. 12 Luigi Comoglio, Giurisdizione e processo nel quadro delle garanzie costituzionali, Rivista Trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, Milano, Giuffrè, n. 4, p. 1.086, dic. 1994. 13 Mauro Cappelletti, La testimonianza della parte nel sistema dell’orallità: contributo alla teoria della
utilizzazione probatoria del sapere delle parti ne processo civile, Milano: Giuffrè, 1974, Parte 1, p. 303-375. 14 Maria Elizabeth de Castro Lopes, O juiz e o princípio dispositivo, cit., p. 89-90.
21
processo e não diretor formal, conferindo ao magistrado uma função assistencial, atuando
na proteção da parte mais fraca ou mal defendida por profissional negligente ou
inexperiente.
De acordo com essa autora, o instrumento que o juiz se vale para assegurar a
igualdade substancial da partes é o interrogatório livre, que não constitui meio de prova,
mas providência utilizada por ele para permitir supressão de omissões das partes,
complementação de alegações e esclarecimentos.
Critica a referida autora que se reconheça ao magistrado tal elastério no seu poder
instrutório, o que seria suscetível de converter o juiz em “investigador ou pesquisador,
funções estranhas ao ato de julgar”.
Sem que se pretenda efetuar maior aprofundamento do tema, valeria apenas
relembrar que o Código de Processo Civil, não obstante preveja no artigo 130 que o juiz
possa de ofício determinar a produção de provas necessárias à instrução do feito, que tal
atividade, ao menos na jurisdição contenciosa, teria como base os fatos alegados pelas
partes.
Com efeito, no âmbito da jurisdição voluntária, o Código de Processo Civil, no
artigo 1.107, conferiu ao juiz a faculdade de investigar livremente os fatos, uma vez que
vige o princípio inquisitivo, e não o dispositivo.
Nesse sentido, os comentários de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery ao referido dispositivo: “1. Instrução probatória. Na jurisdição voluntária não existem
prazos peremptórios nem revelia, devendo o juiz proceder à instrução probatória de ofício,
mesmo contra a vontade dos interessados, já que incide em plenitude o princípio da
investigação de ofício, em contraposição ao princípio dispositivo (...).”15
Não obstante a Constituição Federal erija o contraditório e a ampla defesa em
garantias constitucionais, não se pode perder de vista que essa última pode eventualmente
15 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, 7. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 1.218.
22
se sujeitar a determinados limites, sem que se possa, em princípio, falar em afronta ao
referidos princípios.
Nesse sentido, João Batista Lopes faz pertinentes observações sobre o assunto ora
em exame, questionando:
“Que se deve entender por ampla defesa? Há ações em que a defesa do réu é limitada pela lei, como a desapropriação, a monitória, as possessórias, etc. Ampla defesa não significa, pois, defesa ilimitada, mas defesa adequada à natureza do processo em que é exercida. Nas ações cautelares, por exemplo, a ampla defesa não pode ir além do questionamento do fumus boni iuris e do periculum in mora, além das questões de conteúdo meramente processual, como é curial. Põe-se a questão, porém, de saber se a simples inobservância desses limites é suficiente para caracterizar abuso no direito de defesa. A resposta é negativa, cabendo ao juiz examinar cada caso e ver se o excesso não resultou de erro escusável ou inexperiência do advogado (...).”16
Na mesma esteira, Vicente Greco Filho assim se pronuncia: “Consiste a ampla
defesa na oportunidade do réu contraditar a acusação, através da previsão legal de termos
processuais que possibilitem a eficiência da defesa, como já se disse. Ampla defesa,
porém, não significa oportunidades ou prazos ilimitados.”17
Cabe destacar que em algumas das ações consideradas dúplices, como a
possessória, há limitação quanto à matéria que pode ser deduzida pelo réu em sua
contestação, ou quanto ao exercício do direito à ação autônoma.
Nesse aspecto, relembre-se o artigo 923 do Código de Processo Civil, que veda às
partes, no curso do processo possessório, a propositura de ação de reconhecimento do
domínio, o que restou ratificado pelo novel Código Civil, em seu artigo 1.210, parágrafo
2º.
16 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 74. 17 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justiça, 17.
ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v. 1, p. 56.
23
Há limitação quanto à matéria fática que pode ser suscitada pelo réu na
contestação das ações expropriatórias, conforme previsto no artigo 20 do Decreto-Lei n.
3.365/41.18
No que tange à ação renovatória, igualmente considerada dúplice, também existe
restrição à defesa do réu, prevista no artigo 72 da Lei n. 8.245/91.19
As razões para tal limitação serão examinadas no terceiro capítulo da dissertação,
podendo-se entretanto, desde já, consignar que o contraditório certamente não pode ser
idêntico para todas as ações, porquanto deve-se levar em conta a peculiaridade e a natureza
do procedimento ou da demanda.
Poder-se-ia ainda aduzir que, diante de um vasto rol de garantias constitucionais,
seria extremamente difícil alcançar a conjugação de princípios assegurados na mesma
Constituição, tarefa que se reconhece não raro se mostrar árdua.
Apenas a título de exemplo, poder-se-ia objetar que, diante do que anteriormente
foi esposado, como se alcançaria a razoável duração do processo, se em especial no campo
do processo civil, notadamente no procedimento ordinário, o contraditório e a ampla defesa
seriam assegurados ao extremo?
Comoglio, ao proclamar a necessidade de um processo équo e justo, de meios e
resultados, justamente atenta para a necessidade de garantir “da un lato, la correttezza e
l’effetività degli strumenti processuali disponibili nel corso del giudizio e dall’altro,
l’effettività e l’adeguatezza della tutela ottenible al termine di quel giudizio.”20
18 Decreto-Lei n. 3.365/41: “Artigo 20 - A contestação só pode versar sobre vício do processo judicial ou
impugnação do preço: qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.” 19 Lei n. 8.245/91: “Artigo 72 - A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará
adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte: I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta lei; II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar; III - ter proposta de terceiro para locação, em condições melhores; IV - não estar obrigado a renovar a locação (incs. I e II do art. 52).”
20 Luigi Paolo Comoglio, Riforme processuali e poteri del giudice, Torino: Giappichelli, 1996, p. 89.
24
A eventual tensão entre os referidos princípios poderá ser solucionada pela
aplicação do princípio da proporcionalidade, não perdendo de vista a busca da efetividade
do processo.
Partindo-se da premissa de que a efetividade se trata de um princípio, e abstraindo
discussões cabíveis sobre o tema, segundo Nelson Nery Junior, “na interpretação de
determinada norma jurídica constitucional ou infraconstitucional, devem ser sopesados os
interesses e direitos em jogo, de modo a dar-se a solução concreta mais justa”, assentando-
se seu fundamento no conteúdo do princípio do Estado de Direito, havendo, contudo, que o
situe no princípio do devido processo legal.21
Na esfera específica do processo civil, os efeitos do princípio da
proporcionalidade são de extrema relevância, como destaca Marcelo José Magalhães
Bonício:
“No direito processual civil, este princípio projeta riquíssimos efeitos, destinados a evitar excessos, a procurar a justa adequação de meios e, ainda, a estabelecer uma proporção razoável entre os interesses em conflito, inserindo-se portanto entre os princípios informativos do sistema processual, com a missão especial e um tanto diferente da missão reservada aos demais princípios: lidar quase exclusivamente com situações excepcionais, reveladoras de flagrantes injustiças, onde deve funcionar como um fator de proteção aos direitos fundamentais envolvidos.”22
E arremata o autor, indicando os aspectos endoprocessuais do princípio da
proporcionalidade no processo civil, com o fito de alcançar um processo justo e équo:
“Basta, pensar, por exemplo, no excessivo tempo de duração dos processos, no acesso à Justiça, no excesso de poderes que o sistema confere ao juiz na análise das condições da ação, na questão da admissibilidade e valoração das provas, nas tutelas de urgência, na necessidade de uma postura ativa do juiz, na proporcionalização da coisa julgada, no sistema de nulidades processuais, nos limites dos processos de execução e nos excessos que ocorrerem no sistema recursal, para percebermos que o processo civil brasileiro, em muitos pontos, não observa a exigência da proporcionalidade (...).”23
21 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 197. 22 Marcelo José Magalhães Bonício, Proporcionalidade e processo: a garantia constitucional da
proporcionalidade, a legitimação do processo civil e o controle das decisões judiciais, São Paulo: Atlas, 2006, p. 212-214.
23 Ibidem, p. 213.
25
Quanto à efetividade, se cuida de um conceito extremamente elástico e vago,
servindo porém o entendimento de Barbosa Moreira para realçar seus principais aspectos:
“(...) o processo deve dispor de instrumentos de tutela adequada, na medida do possível, a todos os direitos (e outras disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento que resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir no sistema; (b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos (e das outras posições jurídicas de vantagem) de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo de eventuais sujeitos; (c) impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade; (d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento; (e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e energias.”24
É, portanto, claramente estreita a relação que existe entre a efetividade e a
proporcionalidade, e o quanto foi exposto sobre o assunto no presente item certamente
servirá de balizamento para a interpretação de eventuais questões que deverão ser
enfrentadas, quer no que se refere às diversas atitudes do réu, quer quando se coloque na
posição de demandante, no sentido antes empregado, que resiste à pretensão do adversário,
quer como aquele que oferece um contra-ataque, por meio das formas que serão
examinadas.
Cumpre assinalar que por óbvio a invocação do princípio da proporcionalidade ou
a busca da efetividade é incompatível com o exagero na forma, mas certamente não pode
servir de pressuposto para simplesmente negá-la.
Deve-se, contudo, não olvidar que o tema da efetividade jurisdicional não se
circunscreve à seara do autor, e o entendimento do alcance da proporcionalidade é de suma
relevância para compreender a extensão do primeiro princípio.
De todo pertinente, para realçar as idéias desenvolvidas e sintetizá-las, a
ponderação de João Batista Lopes acerca da relação existente entre os princípios da
proporcionalidade e da efetividade:
24 José Carlos Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da “efetividade” do processo, in Temas de direito
processual civil: terceira série, São Paulo: Saraiva, 1984, p. 27.
26
“A perfeita compreensão do princípio da proporcionalidade torna patente sua importância para a efetividade do processo. Com efeito, na medida em que o juiz, ante tensão conflitiva de princípios, procede à avaliação dos interesses em jogo e adota a solução mais adequada à fattispecie, estará, certamente, contribuindo para a efetividade da tutela jurisdicional. É que a efetividade da tutela jurisdicional não deve ser vista exclusivamente da perspectiva do autor, mas também da do réu, uma vez que a ação, garantia constitucional, tem caráter bilateral. Assim, a efetividade é via de mão dupla: é valor a ser alcançado por quem tiver razão segundo os princípios, valores e regras da ordem jurídica.”25
1.1 Da legitimidade do réu e do autor −−−− estreita relação
Cumpre inicialmente ressaltar que não se pretende no presente tópico trazer à
colação as diversas teorias acerca das condições da ação, senão introduzir o tema relativo à
estreita relação existente entre as legitimidades dos sujeitos que integram a relação
processual.
As condições da ação são definidas por Arruda Alvim como as “categorias lógico-
jurídicas existentes na doutrina e, muitas vezes, na lei como em nosso direito positivo, que,
se preenchidas, possibilitam que alguém chegue à sentença de mérito”.26
Ovídio Baptista da Silva27 tece críticas a tal conceituação, observando que a
doutrina brasileira teria sido influenciada pela concepção de Liebman.
Sustenta que a sentença que extingue o processo por ausência de qualquer das
condições da ação seria de improcedência do mérito, já que o juiz estaria declarando a
inexistência de uma pretensão acionável do autor contra o réu, estando, pois, a decidir
sobre a pretensão posta em causa pelo primeiro, para declarar que o agir desse contra o
segundo é improcedente.
25 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: parte geral,, cit., v. 1, p. 235. 26 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: parte geral, 6. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, v. 1, p. 368. 27 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997, p. 116 e ss.
27
Por seu turno, Marcelo Abelha28 assevera que as condições da ação, em respeito à
técnica, seriam melhor denominadas como condições da demanda, já que corresponderiam
aos requisitos necessários para verificar se a reclamação (demanda) é merecedora
(meritória) de um julgamento de mérito.
Funcionariam as condições da ação, segundo o autor supra, como um filtro, uma
peneira das demandas que serão ou não julgadas.
Humberto Theodoro Júnior29, reportando-se a ensinamento de Liebman, realça
que embora abstrata, a ação não é genérica, de sorte que a obtenção da tutela jurídica
pressupõe que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da atividade
jurisdicional do Estado.
Mencionados requisitos constitutivos seriam justamente as condições da ação.
Vale ainda relembrar que há dissenso na doutrina quanto ao exame em abstrato ou
não das condições da ação, se seriam elas analisadas in statu assertionis.
José Roberto Bedaque sustenta posição no sentido de que as condições devem ser
analisadas em tese, manifestando-se assim:
“Devem as condições da ação ser analisadas em tese, isto é, sem adentrar ao exame do mérito, sem que a cognição do juiz se aprofunde na situação de direito substancial. Esse exame, feito no condicional, ocorre normalmente em face da petição inicial, in statu assertionis. Apenas por exceção se concebe a análise das condições da ação após esse momento: é que alguma vezes não há elementos para que tal ocorra naquele instante. Desde que a cognição permaneça nos limites formulados (análise em tese, no condicional), permanecerá no âmbito das condições da ação.”30
Sobre o tema, observa Dinamarco, ao tecer críticas à teoria da asserção,
sustentando que não basta ao demandante descrever formalmente uma situação em que
estejam presentes as condições da ação, sendo indispensável que elas existam:
28 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual, 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, v.1, p. 234 e ss. 29 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, 39. ed., 4. tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 1, p. 49. 30 José Roberto dos Santos Bedaque, Pressupostos processuais e condições da ação, cit., p. 192.
28
“Goza no entanto de crescente prestígio a teoria da asserção, que afirma o contrário. Segundo seus seguidores, as condições da ação deveriam ser aferidas in statu assertionis, ou seja, a partir do modo como a demanda é construída – de modo que se estaria diante de questões de mérito sempre que, por estarem as condições correntes expostas na petição inicial, só depois se verificasse a falta de sua concreta implementação. Ao propor arbitrariamente essa estranha modificação da natureza de um pronunciamento conforme o momento em que é produzido (de uma sentença terminativa a uma de mérito), a teoria della prospettazione incorre em uma séria de erros e abre caminho para incoerências que desmerecem desnecessária e inutilmente o sistema.”31
Não obstante os argumentos respeitáveis que embasam os que defendem a posição
no sentido, parece que pelo artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil, a extinção
do processo ante a ausência de qualquer das condições da ação é sempre ensejadora de
uma sentença terminativa, independentemente do reconhecimento da carência ter se dado
na fase postulatória ou depois de realizada a instrução probatória.
Dentre as condições da ação pretende-se abordar, ainda que de forma sintética, a
legitimidade do réu e sua relação com a ao autor, especialmente sopesando a defesa que
venha a argüir.
Conforme ensina Teresa Arruda Alvim Wambier, a legitimidade “é um liame que
se estabelece entre o sujeito, um objeto e outro sujeito. De fato, a relação jurídica abrange,
pelos menos, dois sujeitos e um objeto. Logo, se diz que a legitimidade é um liame que
envolve um sujeito e uma relação jurídica, nesta relação haverá sempre o outro sujeito.”32
Donaldo Armelin33, ao abordar as distinções entre a legimatio ad causam e ad
processum, observa que a primeira diz respeito ao exercício do direito de ação, direito que
pode perfeitamente concernir ao sujeito carente de capacidade de exercício. Por sua vez, a
legitimatio ad processum atine à estrutura do processo precipuamente.
Ao tratar especificamente da legitimidade do réu, reportando-se aos
posicionamentos de Celso Agrícola Barbi e Liebman, ensina Donaldo Armelin que a mera
31 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 317 e ss. 32 Tereza Arruda Alvim Wambier, Nulidades da sentença, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 19-20. 33 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1979, p. 111.
29
inclusão do réu no pólo passivo, mercê de sua citação, não lhe confere legitimidade para
figurar validamente como parte legítima.
A respeito do tema, assim se posiciona o referido autor:
“Assim, enquanto a situação legitimante para o exercício do direito de defesa é que resulta da citação para responder aos termos de uma ação que lhe foi proposta pelo autor, o réu só estará legitimado passivamente ad causam quando inserido no pólo passivo da relação controvertida no processo, ou quando titular de uma situação a ela reportada por disposição expressa de lei, no caso de legitimidade passiva extraordinária.”34
Ressalta que o direito de defesa, que é abstrato, se exerce mesmo quando
inexistente pronunciamento sobre o mérito.
Se o direito de ação está vocacionado à obtenção de uma solução favorável ou
desfavorável, tendo como base uma lide, o direito de defesa volta-se a afastar da esfera
patrimonial ou moral do réu “as conseqüências de uma decisão desfavorável, o que é
perfeitamente atingível através da demonstração de imperfeições da relação jurídico
processual e de outros obstáculos processuais inibidores da apreciação do mérito e
extintores do processo.”35
Destaca que a legitimidade no processo é “eminentemente bilateral”, já que o
autor está legitimado em regra a propor ação contra aquele réu específico e não contra
outro.
Ganha relevo, considerando o tema da presente dissertação, o fato de que, na
esteira dos argumentos desenvolvidos por Donaldo Armelin, a legitimidade do réu não
estaria desvinculada da do autor, podendo se considerar a recíproca verdadeira.
Vale, pela importância, transcrever o pensamento do citado autor, no que tange ao
reflexo possível de se reconhecer no processo pela eventual falta de legitimidade de
qualquer dos sujeitos da relação processual:
34 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 101-104 35 Ibidem, p. 103-104.
30
“Ambos são legitimados quando inseridos na mesma relação processual emergente da pretensão. Da mesma forma serão ambos carentes de legitimidade quando um deles estiver alheio a tal relação (...). (...) Concluindo a legitimidade do réu muitas vezes decorre daquela do autor, da qual passa a ser mero reflexo e complemento, quando a defesa limita-se a negar o fundamento da pretensão do autor. Todavia, sempre que o réu argúi objeções processuais extrínsecas ao processo no qual ele se insere, ou exceções substanciais, é de exigir uma legitimidade específica para tanto. Somente aqueles réus que se encontram inseridos naquelas situações ensejadoras das exceções substanciais ou de objeções processuais extrínsecas estão legitimados a arguí-las. Sem embargo de tal exigência, o exercício ou não do direito de argüir exceções substanciais ou objeções processuais dessa natureza não retira do réu a sua legitimidade básica que é dada pela inserção do réu na relação jurídica emergente ou reafirmada na pretensão do autor (...).”36
Elio Fazzalari37destaca a necessária coordenação entre processo e direito material,
ao aludir à situação legitimante, como a que deve encontrar-se o sujeito para ser titular de
um poder (legitimidade ativa) ou destinatário dos efeitos (legitimidade passiva).
A legitimidade, portanto, não é própria de todos que possuem capacidade, mas só
aos que se inserem na situação substancial afirmada pelo autor, vale dizer, a relação
jurídica material em que as partes se inserem.
Na visão de Fazzalari, a legitimidade ativa constituiria na titularidade de poderes,
faculdades e deveres processuais, concluindo, desse modo, que também o réu ostentaria
legitimidade ativa.
Entende que a legitimidade não teria o poder de provocar a decisão de mérito,
quer porque a ação não se limita a um único poder e ainda porque constitui resultante não
uma componente da situação substancial, pelo que não integraria as condições da ação.
Segundo sua posição, que não é acolhida pelo Código de Processo Civil, somente
existiria legitimidade ativa, já que a passiva existe para aquele que deve suportar os efeitos
do provimento judicial. A situação legitimante não é a alegada pelo autor, mas sim a
reconhecida pelo juiz, razão pela qual a legitimidade ativa seria pressuposto de
36 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 104-105 37 Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, Padova, CEDAM, 1975; e Note in tema di diritto e
processo, Milano: Giuffrè, 1957.
31
desenvolvimento do processo e a passiva estaria relacionada com a sentença de
procedência.
Apresentados alguns dos entendimentos sobre o assunto em exame, poder-se-ia,
destarte, deixar assentado, com base no quanto foi antes abordado, que, como regra, não há
como examinar a legitimidade do autor ou do réu de forma isolada, nem tampouco
imaginar que a ação e a defesa, ambas garantidas constitucionalmente, como
compartimentos estanques, ou meros direitos subjetivos.
Na esteira do que foi exposto, pode-se afirmar ser possível reconhecer-se sempre
uma bilateralidade de ações ou de demandas, que adviria do fato das partes formularem
pretensões antagônicas que formam o objeto da lide.
Nesse sentido, vale consignar a visão de Cândido Rangel Dinamarco sobre o
conteúdo dos institutos da ação e da defesa, o que se tem como extremamente pertinente,
levando em conta que se discorrerá na dissertação sobre uma e outra, no prisma do réu:
“Eis porque, numa visão moderna e realista, ação e defesa não são direitos subjetivos, mas autênticos poderes. Essa é a visão sintética de cada uma delas, que permite simplificar a linguagem e indicar sua natureza jurídica – porque na realidade, tanto ação como defesa são conjuntos de situações jurídicas. As situações jurídicas englobadas no conceito de defesa são aquelas que no curso do processo se desenvolvem (oportunidades de participação com a expectativa de resultados). A ação inclui tudo isso e também o poder de iniciativa processual. Tal é o conteúdo analítico dos institutos da ação e da defesa.”38
1.2 Dos posicionamentos do réu e sua eventual interferência
sobre o objeto litigioso do processo
A matéria relativa à identificação do que consiste o objeto litigioso do processo é
das mais polêmicas, tanto na doutrina nacional, como na estrangeira.
38 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 325.
32
A abordagem do tema será circunscrita fundamentalmente àquilo que guarde
pertinência com as atitudes que o réu possa vir a adotar no processo e sua interferência
sobre o objeto litigioso.
As indicações doutrinárias que serão feitas, portanto, terão como base firmar as
premissas necessárias para a compreensão mais ampla das conseqüências advindas dos
posicionamentos do réu, sem esgotar, por certo, a matéria cujo universo é, como afirmado,
extremamente complexo.
Milton Paulo Carvalho 39 define o pedido como o conteúdo da demanda, a
pretensão processual, o objeto litigioso do processo, o mérito da causa. Ressalta em seu
entendimento que a delimitação do objeto litigioso do processo não prescinde da
fundamentação da demanda.
Sydney Sanches, fazendo alusão a entendimento de Arruda Alvim, posiciona-se
da seguinte forma:
“O objeto do processo é toda matéria de fato ou de direito relacionada aos pressupostos processuais (inclusive, portanto o próprio procedimento), às condições da ação (possibilidade jurídica, interesse de agir e legitimidade das partes) e ao próprio mérito (inclusive questões prévias), que deva ser examinada pelo juiz, provocado pelas partes ou ex officio, seja como simples operação de conhecimento(cognitio), seja como julgamento propriamente dito (judicium), seja em caráter incidental, seja em caráter principal. Enfim, o objeto do processo é o gênero, a que se filia a espécie ‘objeto litigioso do processo’.”40
Define Sydney Sanches o objeto litigioso do processo como aquele sobre o qual
versará o judicium (não apenas a cognitio), sendo limitado sempre por um desses pedidos
do autor, do réu ou do terceiro.
Ao se reportar à limitação feita pelo autor, réu ou terceiro, no que pertine ao
objeto litigioso, menciona as hipóteses de cumulação objetiva de demandas, quais sejam:
reconvenção, chamamento ao processo, denunciação da lide, pedido do réu nas ações
dúplices, pedidos nas ações declaratórias incidentais, e oposição, esclarecendo que em
39 Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1992, p. 97. 40 Sydney Sanches, Objeto do processo e objeto litigioso do processo, Revista de Jurisprudência do Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 12, n. 55, p. 22-23, nov./dez. 1978.
33
torno do objeto litigioso se formará a litispendência e se estabelecerão os limites objetivos
da coisa julgada.
Cândido Rangel Dinamarco distingue entre o objeto do processo e o objeto do
conhecimento do juiz, fazendo-o do seguinte modo:
“Objeto do processo é o conjunto de todo o material lógico que o espírito do juiz capta e elabora de modo a saber se julgará o mérito e como o julgará. Não-obstante a proximidade que existe entre os dois conceitos, são coisas bem diferentes o objeto do conhecimento do juiz e o objeto do processo. Lá, um conjunto de questões a serem decididas; cá, a pretensão. Lá material puramente lógico-jurídico; cá a realidade prática do conflito existente entre os litigantes. O objeto do conhecimento do juiz é também designado por objeto formal do processo, em oposição ao seu objeto material, que é o mérito.”41
Refere que todos os casos de cúmulo ulterior de demandas têm o efeito de ampliar
o objeto do processo, indicando os mesmos casos relacionados por Sydney Sanches e antes
transcritos, acrescendo apenas a hipótese do terceiro comparecer no processo com pedido
de condenação do réu a seu favor, a que denomina de intervenção litisconsorcial
voluntária.
Karl Heinz Schwab42 observa que a pretensão processual é o objeto do litígio,
advertindo que não se pode atribuir importância exagerada aos preceitos legais na
investigação de sua essência.
Ao examinar e oferecer críticas às várias teorias a respeito do tema, Schwab
revela seu empenho em encontrar um conceito unitário válido para todas as classes de
ações e para todas as instituições nas quais o objeto litigioso tenha relevância, indicando
como caminho as chamadas pedras de toque, quais sejam: a cumulação de ações, a
alteração da demanda, a litispendência e a coisa julgada.
O citado autor procura ainda enfatizar o motivo porque se permitira a acumulação
de ações, que teria por finalidade impedir que o autor que tenha sucumbido intente nova
41 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 186-187. 42 Karl Heinz Schwab, El objeto litigioso en proceso civil, traducción de Tomas A. Banzhaf, Buenos Aires:
EJEA, 1968, p. 5 ss.
34
demanda, distinta mas vinculada jurídica ou economicamente à primeira, afirmando que
“su finalidad no es nunca liberar al actor del riesgo de una pretensión infundada”.43
Schwab sustenta que os fatos não constituem parte do objeto litigioso, já que a
unidade ou a pluralidade de pretensões processuais é determinada pela unidade ou
pluralidade de pedidos da demanda, devendo-se, segundo ele, recorrer aos fatos, para
interpretar ações de pagamento de quantias em dinheiro ou de gênero.
Dentro da linha de argumentação desse autor, a introdução de fato novo,
mantendo-se inalterado o pedido, não implica em mudança do objeto litigioso.
Ao definir o objeto litigioso, Schwab afirma ser ele o pedido, que porém precisa
em todos os casos ser fundamentado por fatos.
Walter Habscheid 44 aponta para o caminho no sentido de se reconhecer a
existência de duas partes no objeto litigioso, que seriam: a pretensão do autor,
compreendendo tanto o direito substancial como o processual, e o estado de fato, a causa
petendi, sobre a qual se baseia a pretensão identificando a demanda.
Pertinentes a respeito do assunto as observações de Liebman, realçando que a
defesa do réu não aumenta o campo do objeto litigioso e do que o juiz julgará e será
acobertado pela coisa julgada.
Assinala sobre o tema Liebman:
“Eccezione è l’affermazione da parte del convenuto di um fatto estintivo od impeditivo, diretta ad ottenere il rigetto dell’ azione. La proposizione di um’accezione allarga la materia dalla causa, perchè introduce nella discussione fatti diversi da quelli che erano stati affermati dall’attore, pur lasciando immutati i limiti della decisone, che sono determinati soltanto dalle domande delle parti.”45
Ricardo de Barros Leonel, examinando o tema, sustenta que pedido pode ser
compreendido como a pretensão definidora do objeto litigioso do processo, que deve ser
43 Karl Heinz Schwab, El objeto litigioso en proceso civil, cit., p. 112. 44 Walter J. Habscheid, L’oggetto del processo nel diritto processuale civile tedesco, Rivista di Diritto
Processuale, Padova, v. 35, p. 457, giul,/set. 1980.
35
informado necessariamente pelos fundamentos de fato e de direito que a instruem, vale
dizer, pela causa de pedir, fazendo, em síntese conclusiva, as principais distinções entre o
objeto litigioso e do processo:
“Não se pode confundir o objeto litigioso do processo com o objeto do processo, não se tratando aqui de mera troca de palavras, mas sim de conceitos diversos, com conseqüências diferenciadas: enquanto o objeto litigioso do processo refere-se exclusivamente à pretensão processual, materializada através do pedido e individualizada por meio da causa de pedir, o objeto do processo deve ser compreendido de forma mais ampla , como sendo tudo aquilo no processo, que é alvo da cognição judicial, esteja ou não dentro dos limites do objeto litigioso. Verifica-se pois maior amplitude no objeto do processo que no objeto litigioso; ademais aquele pode ser modificado constantemente, inclusive em grau de recurso, quando são deduzidas questões de qualquer natureza muitas vezes sequer suscitadas anteriormente, ou mesmo conhecidas de ofício, enquanto os limites à possibilidade de alteração do objeto litigioso são rígidos, sujeitando-se, neste particular a regras relacionadas ao princípio da eventualidade e a sistema de preclusões que geram a denominada estabilização da instância (...).”46
Em que pese se tratar, como se procurou demonstrar, de tema extremamente
divergente, pode-se concluir que o objeto do processo é mais amplo que o objeto litigioso,
sendo esse último delimitado pelo pedido formulado pelo autor, réu ou terceiros, que terá
como base a causa petendi.
Cumpre notar, como ensina Jaime Guasp47 , que quando o réu apresenta sua
resistência à pretensão do autor não estaria senão pleiteando a rejeição da demanda
proposta. Nesse aspecto, eventual pedido formulado de condenação em honorários
advocatícios e custas pela parte adversa não indica a formulação de uma pretensão advindo
do princípio da causalidade.
Sobre o tema ora examinado, não se pode, ademais, olvidar as regras relativas à
estabilidade do libelo, compreendo o pedido e a causa de pedir, previstas nos artigos 264 e
294 do Código de Processo Civil, e que os posicionamentos que o réu pode vir a adotar no
processo civil são suscetíveis de alterar o objeto litigioso apenas quando deixa
45 Enrico Túllio Liebman, Manuale di diritto processuale civile, 3. ed., Giuffrè, 1973, v. 1, p. 134, § 79. 46 Ricardo de Barros Leonel, Objeto litigioso do processo e o princípio do duplo grau de jurisdição, in José
Rogério Cruz e Tucci; José Roberto dos Santos Bedaque (Coords.), Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 405 e ss.
47 Jaime Guasp, Derecho procesal civil, 2. ed., Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1962, p. 242.
36
simplesmente de resistir à pretensão, oferecendo defesa de natureza processual ou de
mérito, passa a formular pedido em seu favor, ocupando a posição de autor.
A forma e requisitos da aludida ampliação do objeto litigioso são variáveis,
dependendo do direito material postulado, de motivos de política legislativa, entre outros,
que serão examinados no segundo capítulo da dissertação.
2 DAS ATITUDES DO RÉU
No âmbito do procedimento ordinário, especialmente abrem-se várias
oportunidades ao réu, quer ele pretenda apresentar defesa, tanto processual, como de
mérito, quer pretenda exercer seu direito ao contra-ataque, ampliar a incidência da coisa
julgada material, silenciar, aderir ao direito material do autor ou provocar a intervenção de
terceiros.
Para que se possa ter todavia um panorama mais amplo de tais atitudes, parece-
nos imprescindível que preliminarmente se efetue uma breve incursão no ônus da defesa,
nas matérias processuais e de mérito suscetíveis de argüição, bem como nas exceções e
objeções argüíveis.
2.1 Do ônus da defesa
Conforme já aludido, o direito de ação e de defesa são garantidos
constitucionalmente (art. 5º, incs. XXXV e LV da CF), de tal sorte que não devem ser
vistos como meros direitos subjetivos, mas como autênticos poderes conferidos aos seus
titulares.
Se de um lado a Magna Carta e o Código de Processo Civil asseguram ao réu a
possibilidade de se defender diante da pretensão formulada pelo autor, certo é que essa
prerrogativa não pode lhe ser em regra imposta.
Tem-se portanto para o réu um típico ônus, no que tange ao exercício de sua
defesa.
Como é cediço, não se trata de mera faculdade, nem tampouco de obrigação.
38
Couture48 afirma ser o processo um instrumento da liberdade civil e enfatiza que
ele se constitui em um jogo de garantias processuais de caráter fundamental ou cívico,
porque elas incumbem a qualquer sujeito de direito em razão de sua qualidade.
Carnelutti49 assinala que na obrigação tutela-se um interesse de outrem (sujeito
ativo), no ônus resguarda-se um interesse próprio.
José Frederico Marques ensina que existe para o réu o ônus de responder, que será
perfeito ou imperfeito, conforme as circunstâncias do processo e o conteúdo do pedido.
Afirma ainda sobre o assunto:
“Quando o litígio se configura como conflito de interesses disponíveis à subordinação das partes a imperativos de ordem pública que promanam da relação processual somente se opera por ônus, porquanto estes não impõem aos contendores o sacrifício daqueles interesses suprimindo a liberdade de escolha, como ocorre em se tratando de obrigação ou dever. Autor e réu autodeterminam-se quanto aos comportamentos que devem ter no processo, embora possam sofrer gravames ao descumprirem ônus que a lei lhes impõe. O ônus, portanto, não passa de um aspecto ou modo de ser dos poderes ou direitos conferidos às partes sempre que o exercício desses poderes ou direitos é deixado à livre disposição dos respectivos titulares, na relação processual.”50
Conforme Frederico Marques, o direito de defesa vem tutelado de entremeio com
ônus que não o enfraquecem, mas que compelem o réu a atuar segundo imperativos
resultantes do processo.
O enquadramento da defesa como um ônus, consoante o citado autor, deu maior
relevo ao princípio dispositivo e à economia processual, para apenas se admitir
controvérsia relevante na esfera dos direitos disponíveis quando o réu vier a provocá-la.
Cândido Dinamarco indica existência de ônus absolutos e relativos.
“São absolutos aqueles cujo não-cumprimento conduz inevitavelmente ao resultado desfavorável. Sem o preparo o processo não será realizado e os recursos não serão processados em hipótese alguma, não havendo a menor esperança de que algum fato interfira para neutralizar os efeitos do descumprimento. O autor que não cumpre o ônus de alegar na petição
48 Eduardo J. Couture, Fundamentos del derecho procesal civil, 3. ed., reimpresíon inalterada, Buenos Aires:
Depalma, 1976, p. 98-99. 49 Francesco Carnelutti, Sistema di diritto processuale civile, Milano: CEDAM, 1936, v. 1, p. 55, n. 21. 50 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, Campinas: Bookseller, 1997, v. 2, p. 94-95.
39
inicial todos os fatos de seu interesse jamais poderá ser beneficiado em julgamento fundado nos fatos omitidos. O réu que não alega as exceções em sentido estrito, como é o caso da prescrição ou da incompetência relativa, idem (...). Os ônus relativos não trazem conseqüências inexoráveis. Descumpridos, seu titular corre o risco de ser prejudicado, mas ainda é possível que o risco não se consume – o que se dará se interferir algum acontecimento favorável. Caso típico é o de alegar a incompetência absoluta: é dever do juiz declará-la de ofício(supra, n. 317), mas a parte que a alega evita o risco de que o juiz se omita (...).”51
Do quanto exposto, pode-se inferir que não se cuida a defesa de uma obrigação
como já dito, nem de mera faculdade, cuja inobservância se revelaria indiferente ao
sistema processual.
Vê-se, pois, que a defesa constitui ônus cuja inobservância pode trazer vantagens
ao réu e cujo descumprimento, via de regra, o coloca numa situação de prejuízo,
representada pela preclusão, vale dizer, pela perda de uma faculdade processual, como
ensinam, entre outros, Chiovenda.52
Trata-se, na esteira do magistério trazido à colação, de ônus relativo, uma vez que
nada impede que, não obstante deixando de apresentar defesa, venha a obter sentença em
seu favor, já que a presunção de veracidade que decorre da inércia do réu é relativa (arts.
319, 320 e 324 do CPC).
Para concluir o tópico ora em exame, faz-se mister consignar que a regra é tratar a
defesa como um ônus processual, convindo, porém, não perder de vista as hipóteses de
nomeação do curador especial.
Com efeito, no caso do curador especial (art. 9º, inc. II do CPC), o contraditório
deve ser efetivo e não simplesmente possível, o que constitui regra no processo civil, tendo
ele, enquanto exercente de um múnus, a obrigação de contestar, sendo os prazos para ele
impróprios.
51 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 205-206 52 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, tradução da 3. ed. italiana por J. Guimarães
Menegale, São Paulo: Saraiva, 1969, v. 3, p. 372, n. 116.
40
Nesse aspecto, o escólio de Nelson Nery Junior:
“Esta é a razão porque a contestação do curador especial em favor do réu revel citado por editais ou com hora certa é necessária, devendo ser obedecido no particular o contraditório efetivo e real. A missão específica do curador especial é contestar a ação, que, na verdade, se revela em função coativa, dado que sua atribuição decorre de múnus público, que é o de assegurar a efetiva defesa do réu revel citado fictamente, em benefício da paz social que o processo visa a proteger.(...).”53
Não se pode, ademais, perder de vista que o direito de ação e de defesa
apresentam o mesmo objeto imediato, convergindo no que diz respeito ao pedido
instrumental (imediato), já que ambos visam a obtenção de uma tutela jurisdicional, que
poderá divergir quanto à sua natureza.
Com efeito, o autor poderá pleitear uma tutela jurisdicional de natureza
condenatória, constitutiva, executiva lato sensu ou mandamental, enquanto o réu, no
processo de conhecimento, caso opte por resistir, através da contestação, exceto nas ações
dúplices ou quando admitido pedido contraposto pedirá uma sentença de cunho
declaratório, que reconheça a inexistência do direito material afirmado na inicial, ou a
extinção sem resolução do mérito, caso argua matéria processual.
A divergência opera-se, destarte, no plano do pedido mediato, do bem jurídico
pleiteado pelos sujeitos da relação processual.
Arruda Alvim destaca mencionado aspecto, mostrando que tanto a ação como a
contestação objetivam a prestação da tutela jurisdicional:
“Quer a ação, quer a defesa ligam-se a situações materiais nelas retratadas. Têm em comum, a ação e a contestação, o fim de objetivarem a prestação da tutela jurisdicional, constituindo-se, ambas em direitos processuais subjetivos. Entretanto, embora apresentem o mesmo objetivo imediato (tutela jurisdicional), diferem no seu pedido mediato, uma vez que enquanto a finalidade da contestação praticamente é sempre única – obtenção de uma sentença declaratória negativa – a da ação varia. Só raramente, e por disposição de lei, podem-se formular autênticos pedidos na contestação, que, então, opera como reconvenção (v. art. 922 – caráter dúplice da ação possessória; artigo 899, § 2º, com a redação que lhe deu a Lei 8.591/94 – caráter dúplice da ação consignatória, em geral, Lei 8.245/91, artigo 72, caput c/c artigo 52, inc. II(correspondentes ao art. 8º,
53 Nelson Nery Junior, Princípios do processo civil na Constituição Federal, cit., p. 189.
41
e, da revogada Lei de Luvas) – pedido de uso próprio do prédio pelo locador(réu); Lei 8.245/91, artigo 72, § 4º − pedido de fixação de aluguel provisório pelo réu durante a tramitação da ação renovatória etc.).”54
2.2 Das defesas processuais e de mérito
Tendo sido proposta a ação em juízo, é possível identificar uma relação de
natureza processual e outra de direto material, podendo o réu atacar uma ou outra, ou
ambas.
Ensina Humberto Theodoro Júnior:
“(...) a relação processual, que é de ordem pública e nasce da propositura da ação e se aperfeiçoa com a citação do demandado, vinculando, assim, autor, juiz e réu (iudicium est actus trium personarum); a relação de direito material, que é o objeto da controvérsia existente entre as partes (lide ou litígio) e que configura o mérito da causa, comumente de natureza privada. Identifica-se pela causa petendi e pelo pedido que o autor formula na petição inicial. Assim quando o réu responde ao autor, tanto pode defender-se no plano da relação processual (preliminares), como no direito material (questão de mérito). Daí a classificação das defesas em processual e defesa de mérito.”55
Pode-se afirmar, como o faz José Joaquim Calmon de Passos, que a defesa
processual, também denominada de rito, é sempre indireta, pois “visa a obstar a outorga da
tutela jurisdicional pretendida pelo autor mediante inutilização do processo, ou seja, do
meio, do instrumento de que ele se valeu, sem que se ofereça oportunidade para
composição da lide, isto é, sem apreciação do mérito pelo juiz.”56
Distinguem-se entre dilatórias ou peremptórias, conforme ensejem, quando
acolhidas, a ampliação da marcha do processo sem operar sua extinção ou quando, ao
contrário, puserem fim ao feito.
54 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, 7. ed., São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 2, p. 296-297. 55 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 341. 56 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, 8. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2001, v. 3, p. 244, n. 173.1.
42
Vale ressalvar, todavia, que uma defesa originariamente dilatória pode vir a se
convolar em peremptória.
Apenas à guisa de exemplo, pode-se ilustrar com a eventual argüição pelo réu, em
sua contestação, da falta de capacidade processual plena do autor, que relativamente
incapaz tenha intentado a ação sem estar devidamente assistido.
Fixado prazo razoável para sanar o defeito, nos termos do artigo 13 do Código de
Processo Civil e quedando-se inerte o autor, caberia eventual extinção do processo, nos
termos do artigo 267, inciso IV, por ausência do referido pressuposto de validade da
relação processual.
As defesas de mérito subdividem-se em diretas ou indiretas.
Nas defesas de mérito ditas diretas, o réu nega o fato constitutivo do direito
afirmado pelo autor.
Nas defesas de mérito indiretas, o réu, sem negar os fatos constitutivos do direito
do autor, lhes opõem outros, novos, impeditivos, modificativos ou extintivos.
Conforme alude Barbosa Moreira57, o fato novo argüido pelo réu é supostamente
impeditivo, modificativo ou extintivo do direito deduzido, ou ao menos suscetível de tolher
eficácia, em caráter temporário ou definitivo, à pretensão do autor.
Como assinala o autor citado, esse último tipo de defesa indireta corresponde às
chamadas exceções materiais ou substanciais, que não se confundem com as processuais,
conforme adiante se exporá.
Humberto Theodoro Júnior 58 distingue igualmente as defesas de mérito entre
dilatórias e peremptórias, conforme visem a total exclusão do direito material do autor ou
apenas a procrastinação do seu exercício, citando como exemplos da última espécie o
57 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, 21.
ed., 2. tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 38-39. 58 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 342.
43
direito de retenção por benfeitorias (art. 1.219 do CC) e a exceção de contrato não
cumprido(art. 476 do CC).
2.3 Das exceções e objeções
Ensinam José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo59, ao tratarem do
período formular, que, do ponto de vista estrutural, a exceptio consistia em uma cláusula
condicional negativa, que era aditada, a pedido do réu, entre a intentio e a condemnatio,
alterando de forma substancial o sentido da fórmula.
Era mais eficaz sob o aspecto prático do que a antiga praescriptio pro reo, já que
colocada no corpo da fórmula, imediatamente em seguida à pretensão do autor.
Observam os citados autores que, ao tempo das ações da lei, o único modo pelo
qual o réu poderia se defender era a simples negativa, enquanto, sob a vigência do processo
formular, abria-se ensejo para que, por meio da exceptio, alegasse qualquer circunstância
que pretendesse fazer valer em favor de seu direito (causa exceptione), defendendo-se
positivamente diante da causa petendi deduzida pelo autor.
A exceptio tinha a natureza de defesa material do réu, cuja fonte imediata,
segundo os autores supra referidos, era o ius honorarium, instrumento introduzido pelo
pretor para abrandar, em determinados casos, os rigores da aplicação estrita do ius civile.
Nos termos da classificação sugerida por Gaio, as exceptiones eram peremptoriae
ou dilatoriae.
As peremptoriae podiam ser opostas a qualquer tempo (perpétuas) e as dilatoriae,
também chamadas de temporais, eram oponíveis por um certo prazo.
59 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, 2.
tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 96-98.
44
Caso, todavia, fosse oposta a exceção dilatória e o autor insistisse na continuidade
do processo, considerada procedente a exceptio, o réu era absolvido e o demandante
derrotado não poderia mais propor nova ação, por força do efeito extintivo da litis
contestatio.
Por ocasião do período da extraordinária cognitio, houve o abandono de inúmeras
regras do processo formular, no que tange à defesa do réu.
O réu não tinha o ônus de provas os fatos alegados senão depois que o autor
demonstrasse a veracidade dos que fundamentavam a sua pretensão.
Assim, a exceptio passou a se identificar com a própria defesa do réu, sendo
indicada pelas fontes com o termo praescriptio, como autêntica preliminar da contestação,
abarcando tanto matéria processual, como material, mantida a distinção entre as dilatórias
(que deveriam ser provadas na fase inicial do debate) e as peremptórias (provadas até antes
da sentença).60
A palavra exceção em sentido amplo significa direito de defesa e em sentido
estrito, a matéria de defesa que o juiz não pode conhecer de ofício, dependendo, portanto,
de iniciativa da parte.
As exceções em sentido estrito podem ser divididas em substanciais e processuais.
Exceções substanciais, em sentido estrito, ou de mérito, são aquelas de direito
material que demandam iniciativa da parte para serem suscitadas, entre as quais podem ser
citadas a decadência convencional (art. 210 do CC) e compensação.
Nesse aspecto, cabe relembrar que por força da Lei 11.280, de 16 de fevereiro de
2006, operou-se a revogação do artigo 194 do Código Civil, que previa ser a prescrição
uma exceção substancial, já que o juiz apenas poderia conhecê-la de ofício, quando viesse
a beneficiar pessoa absolutamente incapaz.
60 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.
146.
45
Face à referida revogação, o juiz passou a poder conhecer de ofício a prescrição,
deixando de distinguir a natureza do interesse tutelado. Referida modificação, aqui
ventilada apenas pela relação que tem com o assunto relativo às exceções e objeções, tem
suscitado alguma perplexidade, já que o magistrado passaria a ser exator do interesse
privado, não provocando a alteração do artigo 191 do Código Civil, que prevê a
possibilidade de renúncia da prescrição.
Pertinente relembrar que o ônus da prova quanto às exceções substanciais, ou as
defesas de mérito indiretas, competem ao réu, nos termos do artigo 333, inciso II do
Código de Processo Civil, e que o artigo 22 do aludido diploma legal prevê a condenação
em custas, a partir do saneamento do processo, e a perda do direito ao recebimento de
honorários, caso não argüido o fato impeditivo, modificativo ou extintivo, por ocasião da
resposta.
Convém todavia consignar, conforme ensina Celso Barbi 61 , que as sanções
constantes do artigo 22 se aplicam não só quando o réu deixa de apresentar exceções
substanciais no momento oportuno (resposta), mas também quando deixa de apresentar
defesa de natureza processual.
O Código de Processo Civil limitou-se a utilizar o termo “exceções” apenas para
as hipóteses de argüição de incompetência relativa, impedimento e suspeição, não o
fazendo em relação à defesa de mérito indireta, seguindo, nesse aspecto, a tradição que
vem do direito francês, diferentemente do que foi adotado no ZPO (§§ 146, 278, I e 597, I),
utilizando o direito alemão a palavra “exceção” para a espécie de defesa de mérito antes
indicada.
Ovídio Baptista realça tal aspecto e a importância da mencionada distinção de
conceitos:
“Essa distinção conceitual é relevante por dois motivos: sem argüição expressa do réu, o juiz não poderá julgar improcedente a ação, com fundamento em alguma exceção substancial, o que significa que as exceções não podem ser conhecidas de ofício pelo juiz; sob o ponto de vista probatório também se destaca a diferença entre a contestação
61 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973
(arts.1º a 153), 11. ed. rev. e atual por Eliana Barbi Botelho, Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1, p. 149-152.
46
simples e a oposição por parte do réu, de alguma exceção sustancial; se ele argüir exceção, cabe-lhe naturalmente, o ônus de prová-la, ao passo que simplesmente contestando a ação pela simples negativa dos fatos ou do fundamento jurídico da ação, nenhum ônus probatório lhe cabe.”62
As exceções processuais em sentido estrito são as matérias de natureza processual,
que o juiz não pode conhecer de ofício, incluindo-se nessa espécie o artigo 301, inciso IX
do Código de Processo Civil, face ao que prevê o parágrafo 4º do citado dispositivo e o
artigo 526, que estabelece, no que tange ao agravo de instrumento, seu não conhecimento
pela ausência da comunicação estabelecida no seu caput, se o agravado vier e alegar e
comprovar a inércia do agravante.
As objeções, por seu turno, são as defesas que o juiz pode e deve conhecer de
ofício, embora possam as partes igualmente fazê-lo.
Podem ser divididas igualmente em substanciais e processuais.
São exemplos de objeções substanciais a decadência legal (art. 210 do CC) e a
prescrição (face à alteração legislativa antes referida).
Quanto às objeções processuais, podem ser relacionadas todas as hipóteses do
artigo 301, excetuando-se a hipótese do inciso IX (convenção de arbitragem).
Além das mencionadas defesas, é possível ainda suscitar as chamadas exceções
rituais, que possuem processamento próprio e ensejam com seu oferecimento a suspensão
do processo, voltadas à alegação da incompetência relativa, impedimento e suspeição do
juiz, e que serão tratadas em tópico específico.
2.4 Das atitudes do réu
Consoante destacado alhures, especialmente no âmbito do procedimento
ordinário, há várias atitudes que o réu poderá adotar, conforme pretenda afastar a pretensão
62 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, cit., p. 272.
47
do autor, resistindo a ela ou voltar-se contra a relação processual, seja, ainda, para ampliar
o objeto litigioso.
Passaremos ao exame dos diversos posicionamentos do réu para que, como dito,
se possa estabelecer um panorama geral das atitudes que o sujeito passivo pode adotar,
como também para fixar pontos relevantes que certamente se mostrarão úteis no exame dos
pontos de convergência e de distinção entre os citados institutos, as ações dúplices e o
pedido contraposto, bem como a eventual possibilidade de convivência entre eles.
2.4.1 Da contestação
2.4.1.1 Aspectos gerais e objeto
A contestação é conceituada por Pontes de Miranda como “a contrapetição do réu:
por ela, se defende, objetando”.63
Pode-se dizer que a contestação possuiria um caráter residual, uma vez que nela se
concentrariam as razões de fato e de direito para resistência do réu que não demandem o
uso de via específica para argüição.
Através da contestação opera-se, salvo nas ações consideradas dúplices e quando
admitido o pedido contraposto, a ampliação da cognição do juízo, sem que ocorra, todavia,
aumento do objeto litigioso.
Cândido Dinamarco destaca o caráter residual da contestação, ao afirmar que “o
caráter bastante amplo que lhe dão os artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil
conduz a excluir de seu âmbito somente as defesas que não sejam reservadas aos incidentes
da exceção, da nomeação à autoria, da impugnação ao valor da causa ou da argüição de
falsidade”.64
63 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., Rio de Janeiro:
Forense, 2001, v. 4, p. 117. 64 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, v.
3, p. 461.
48
Alude ainda o autor ao fato de existirem algumas áreas de superposição, sendo
admissível a argüição em contestação de matérias alegáveis em outra espécie de resposta,
sempre que a lei não venha a impor a exclusividade de vias especiais, dando, entre outros,
como exemplo, a hipótese do impedimento do juiz e a falsidade documental.
Note-se que no caso das ações dúplices e do pedido contraposto, pela natureza do
direito material ou por opção de política legislativa, conforme se verá, a par de outros
motivos, a contestação pode excepcionalmente permitir ao réu formular pedido, o que seria
típico da reconvenção, dedutível em peça autônoma, à luz do artigo 299 do Código de
Processo Civil.
Como leciona Frederico Marques, o réu, como regra, pleiteia na contestação uma
sentença de natureza declaratória negativa, no que tange à pretensão de direito material
afirmada pelo autor, enfatizando:
“Sob o aspecto processual, a contestação é pedido de tutela jurisdicional de conteúdo declaratório-negativo, ou pedido de desvinculação do processo, ou de ambos simultaneamente. Na contestação o réu se defende: a) pedindo que se declare inadmissível a tutela jurisdicional impetrada pelo autor; b) pedindo que se declare improcedente a pretensão do autor. No primeiro caso, pleiteia o réu que se finde o processo sem sentença de mérito; e, no segundo caso, pede sentença declaratória negativa em seu favor. O réu pede ao juiz que mantenha o status quo anterior à propositura da ação, ou levantando preliminares para pôr termo ao processo ou impugnando a res in iudicium deducta, para que seu interesse continue intangível e superando o do autor. Com a contestação, não se amplia a res iudicanda, mas tão-só o campo da atividade lógica do juiz. Ainda mesmo quando exceções de mérito, não apreciáveis pelo juiz, são argüidas não se dilata o litígio, uma vez que tudo continua gravitando em torno da matéria do libelo. Por outro, a sentença declaratória negativa que o réu procura obter incide igualmente sobre o pedido do autor e é conseqüência natural de sua improcedência (...).”65
Ressalve-se que tendo sido ajuizada ação declaratória da natureza negativa pelo
autor, visando a declaração de inexistência da relação jurídica de direito material, o réu
poderá pleitear na contestação, caso não opte por ajuizar ação declaratória incidental, pelo
reconhecimento do elo que o promovente da demanda visa refutar, mantendo-se a situação
jurídica anterior.
65 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, cit., 1997, v. 2, p. 104.
49
Os artigos 36, 300 e 396 mostram que a contestação deverá estar instruída com a
procuração outorgada ao patrono do réu, salvo nas hipóteses excepcionais que se
reconheça capacidade postulatória à própria parte (Lei n. 9099/95) ou quando atue o
advogado em causa própria (art. 39), devendo ser escrita, salvo quando a lei preveja a
forma oral (arts. 278, caput e 30 da Lei n. 9.099/95), contendo a especificação das provas,
devendo estar instruída com os documentos indispensáveis.66
Uma vez apresentada a contestação, há vários efeitos relevantes que eclodem
conforme adiante indicado67: 1) no plano material, a preclusão de alegação do benefício de
ordem; 2) no plano processual: 2.1) preclusão relativa às matéria de defesa não argüidas na
contestação, salvo as exceções do artigo 303, incisos I a III do Código de Processo Civil);
2.2) presunção de veracidade dos fatos narrados pelo autor na inicial e não impugnados
pelo réu, salvo as hipóteses do artigo 302, incisos I a III do Código de Processo Civil; 2.3)
responsabilidade do réu pelas custas de retardamento, caso não alegue na contestação
qualquer das matérias do artigo 267, incisos IV e a VI, nos termos do artigo 267, parágrafo
3º ou, ainda, a responsabilidade integral pelas custas da parte que não argüir a
incompetência absoluta (art. 113, § 1º); 2.4) aplicação das sanções previstas no artigo 22,
caso não suscite na contestação eventuais exceções substanciais cabíveis; 2.5) surgimento
das questões, entendidas consoante Carnelutti, dúvidas ou pontos controversos sobre os
fatos (quaestiones facti) ou sobre as normas jurídicas (quaestiontes uris), não obstante
apenas as primeiras devam ser necessariamente suscitadas para que o juiz possa conhecê-
las.
O artigo 301 do Código de Processo Civil arrola as preliminares que o réu deve
argüir antes de discutir o mérito.
66 Cândido Rangel Dinamarco critica o rigor de decisões exigindo que o requerimento de provas pelo réu já
seja feito na contestação. Entende que tal posição restritiva fere o direito à prova, que considera um dos pilares do processo civil moderno, de tal sorte que tenha ou não o réu feito o protesto por provas ao contestar, deve ter a faculdade de requerê-las. Assim, conclui que a falta de requerimento de provas ou protesto por elas na contestação, não prejudica o réu (Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 473).
67 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit., p. 40.
50
Pode-se afirmar que questão é o ponto duvidoso ou controverso68, denominando-
se de prévias as que devem ser lógica e cronologicamente examinadas antes do mérito.
As questões prévias podem ser preliminares ou prejudiciais.
As preliminares são as de natureza processual que indicam para o juiz se será ou
não possível a apreciação do mérito, de tal sorte que sua existência impede ou retarda o
julgamento da lide.
Conforme Tereza Alvim 69 , o ponto central da distinção entre prejudicial e
preliminar não é a natureza da questão vinculada, mas o teor de influência que a questão
vinculante terá sobre a vinculada.
Barbosa Moreira70 mostra que a solução de uma questão pode influenciar a de
outra, dos seguintes modos: a) tornando dispensável ou impossível a solução dessa outra
(caso em que tratar-se-á de preliminar); ou, b) predeterminando o sentido em que há de ser
resolvida, isto é, influenciando o teor da decisão condicionada (caso em que se cuida de
questão prejudicial).
Em que pese a presente matéria venha ser novamente examinada por ocasião da
fixação dos pontos principais da ação declaratória incidental, poder-se-ia, em síntese,
observar que a preliminar é questão de natureza processual que se existente impede ou
retarda o julgamento do mérito, enquanto a prejudicial é sempre de mérito, antecedendo de
forma lógica a solução do litígio e nela necessariamente interferindo, constituindo
verdadeira premissa para a solução da lide.
Cabe notar que não obstante o longo rol de matérias indicadas como preliminares
para argüição na contestação, pode ainda o réu deduzir eventual existência do
68 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de
processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, coordenação de Luiz Rodrigues Wambier, 3. ed., 3. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 420-421.
69 Teresa Arruda Alvim Wambier, Questões prévias e os limites objetivos da coisa julgada, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 15.
70 José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, Rio de Janeiro, Borsoi, 1967, p. 22 e ss. (Tese de Livre Docência − Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1967).
51
impedimento, conquanto ele preveja sua alegação por exceção ritual, que constituiria
verdadeira objeção, face ao disposto no artigo 485, inciso II, além da eventual ausência do
pagamento de custas, bem como as previstas no artigo 267, incisos IX e X 71 e o
descumprimento do artigo 268.
2.4.1.2 Do princípio da eventualidade
Pelo princípio da eventualidade previsto no artigo 300 do Código de Processo
Civil, o réu deve deduzir na contestação toda a matéria de defesa, ainda que se trate de
alegações incompatíveis, já que caso não acolhida a matéria deduzida anteriormente, o juiz
passará à apreciação da subseqüente.
Em monografia sobre o tema da eventualidade, Guilherme Freire de Barros
Teixeira72 assinala que o princípio retro referido é também conhecido como “princípio do
ataque e defesa global”, “princípio da acumulação eventual” ou da concentração,
admitindo uma conceituação ampliativa ou restritiva do princípio.
Em conceito amplo, se aplica tanto ao autor como ao réu, sendo definido como o
princípio pelo qual as partes têm o ônus de apresentar de forma concentrada e simultânea,
em um único ato, todas as alegações e meios de prova pertinentes, ainda que de natureza
diversa ou incompatíveis entre si, para a eventualidade de não ser acolhido algum dos
argumentos utilizados, sob pena de preclusão.
Já em sentido estrito, é princípio aplicado somente ao réu, que deve alegar na
contestação toda a matéria de defesa contra o pedido do autor, ainda que sejam tais
alegações incompatíveis entre si, pois não acolhendo uma delas, o juiz passará a examinar
as outras de forma sucessiva.
71 O artigo 267, inciso IX prevê a extinção do processo sem resolução do mérito quando o direito for
intransmissível por disposição legal, e o inciso X trata da hipótese de confusão entre autor e réu. 72 Guilherme Freire de Barros Teixeira, O princípio da eventualidade no processo civil, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2005, p. 335 e ss.
52
Indica o autor como origem do princípio a estrutura do processo comum
germânico, baseada em fases distintas, preclusivas, determinando o surgimento do
princípio da concentração e da defesa, também chamado de princípio da eventualidade ou
eventualmaxime.
No Brasil, a fonte inicial da adoção do princípio teria sido o artigo 14 da
Disposição Provisória sobre a administração da justiça cível, promulgada junto com o
Código do Processo Criminal de Primeira Instância, de 29 de novembro de 1832.
Não obstante o princípio da eventualidade fosse instrumento que privilegiasse
outros princípios, como a lealdade, economia, igualdade, contraditório e ampla defesa, sua
aplicação rigorosa nos moldes em que foi concebido acabaria por negá-los, restando
preservados apenas se houver mitigação da concentração almejada.
Na Alemanha, a ZPO afastava a adoção do princípio da eventualidade, adotando
procedimento mais elástico que, contudo, após a alteração legislativa feita em 1976, tende
à reaproximação com a eventualmaxime.
O direito italiano73, após ter sofrido várias mudanças, que foram desde a adoção
de um sistema rígido para outro mais flexível, passou, com as regras do atual Código de
Processo Civil, advindas da Lei n. 5.341/95, a utilizar um critério misto, permitindo certa
liberdade às partes, dentro de certos limites.
No direito português74, o processo possui uma fase postulatória mais flexível,
franqueando a possibilidade de complementação das alegações, pedidos e exceções pelas
partes, em seu diálogo com o juiz, permitindo a alteração do thema disputandum.
73 O artigo 185, 5º comma do Código de Processo Civil italiano, com a alteração introduzida pela Lei n.
534/1995, prevê que a requerimento de uma ou de ambas as partes, o juiz fixe prazo peremptório não superior a 30 dias para a apresentação por escrito de esclarecimentos e modificações dos pedidos, das exceções e conclusões.
74 O artigo 264º do Código de Processo Civil português faz distinção entre fatos essenciais, instrumentais e complementares, cabendo às partes apenas alegar imediatamente os primeiros. Conforme os artigos 508º, 1, “b”, 3, 508º-A, 1, “c” e 787º, o órgão judicial, na audiência preliminar, pode instar qualquer das partes a suprir insuficiências na exposição da matéria fática constante de seus articulados.
53
Na Espanha75, onde o processo civil é regulado pela Ley de Enjuiciamiento Civil,
cuja última alteração se deu pela Lei n. 1/2000, de 7 de janeiro de 2000, em vigor desde 8
de janeiro de 2001, permite-se que haja o esclarecimento, retificação e complementação
das alegações e pedidos formulados, não sendo admitida a alteração substancial da causa
de pedir e do pedido.
Preconiza o autor uma revisão do princípio da eventualidade, podendo servir
como parâmetros as alterações feitas na legislação estrangeira, já que sua aplicação
rigorosa teria o inconveniente de poder acarretar a exclusão de questões processuais, que
poderão originar novas demandas entre as partes.
Nota-se que efetivamente o sistema processual brasileiro, marcado por rígida
preclusão(arts. 282, incs. III e IV, 264, 294, 300, 321, entre outros), exige que tanto o
autor, em sua petição inicial, indique os fundamentos jurídicos de sua pretensão e o pedido
com suas especificações, e que o réu sustente toda a matéria de defesa em sua contestação,
salvo as que demandem vias especiais para argüição.
Diante da possibilidade de afirmações incompatíveis, tanto na inicial, como na
contestação, em homenagem ao princípio da eventualidade e ao rígido sistema de
preclusão adotado, admite-se uma ilogicidade tanto numa como noutra, havendo entre elas
uma correspondência, como bem examinado por Vicente Greco:
“Nesse aspecto há uma correspondência entre o ônus de contestar e o ônus de demandar. Da mesma forma que a inicial deve conter toda a matéria relativa ao pedido, assim, também, na contestação deve estar contida toda a matéria de defesa. Esse ônus está submetido à preclusão; se o réu deixar de apresentar fundamentos de defesa na contestação, não mais poderá fazê-lo. Todas as defesas devem ser apresentadas de uma só vez, em caráter alternativo ou subsidiário, de modo que, não acolhida uma, possa ser apreciada outra (...).”76
Vale, por derradeiro, neste tópico, assinalar que o autor pode se valer de eventual
cumulação objetiva, própria ou imprópria, a fim de que eventuais pretensões possam ser
75 O artigo 426, 1 da Lei de Enjuiciamiento Civil (LEC) permite que na audiência prévia possam os litigantes,
desde que não alterem substancialmente suas pretensões e seus fundamentos, efetuar alegações complementares, face ao que tenha sido alegado pelo adversário.
76 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais, 16. ed. atual., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 117.
54
apreciadas pelo juiz, se rejeitadas as anteriores, e o réu, valendo-se igualmente da
eventualidade, suscitar defesas incompatíveis.
Lembre-se ainda que, em relação ao réu, o artigo 303 antes citado permite que se
flexibilize o rigor da preclusão decorrente da apresentação da contestação.
Parece-nos que o princípio da eventualidade pode ser aplicado nas hipóteses das
ações dúplices ou do pedido contraposto, quer porque formalmente a pretensão do réu é
veiculada na contestação, que ainda se tomarmos em conta o conceito amplo do referido
princípio, que abarcaria não só quem resiste, como quem aciona ou contra-ataca.
2.4.1.3 Do princípio do ônus da impugnação especificada dos
fatos
Pelo referido princípio, previsto no artigo 302 do Código de Processo Civil, o réu
não pode de forma genérica contrapor-se aos fatos alegados pelo autor na petição inicial
devendo manifestar de forma precisa sobre eles.
Ao reverso, caso não existente qualquer das hipóteses excepcionais dos incisos I a
III e parágrafo único do apontado dispositivo, os fatos alegados pelo autor poderão ser
tidos como verdadeiros, dispensando sobre eles a produção de prova (art. 334, inc. III) e
permitindo o julgamento antecipado da lide(art. 330, inc. I, 2ª parte).
Consoante ensina Lucon77 não basta que de forma genérica o réu afirme que os
fatos ocorreram de maneira diversa da alegada e provada pelo autor, para elidir a aplicação
do artigo 302.
Calmon de Passos esclarece o que se deve entender por manifestar-se
especificadamente: “Manifestar-se especificadamente é manifestar-se de modo específico,
o que pode significar tanto indicando a espécie como descrevendo pormenorizadamente,
ou apontando individualmente, ou determinando de como preciso e explícito etc.
77 Paulo Henrique dos Santos Lucon, Eficácia das decisões e execução provisória, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 247.
55
Manifestar-se precisamente é manifestar-se indicando com exatidão, particularizando,
mencionando especialmente etc.”78
Arruda Alvim sustenta que deixando de observar a regra do artigo 302, “à qual a
lei chama de presunção de veracidade dos fatos não impugnados, já se decidiu, cede ante a
existência de prova em contrário, e isto porque ao decidir a causa, nos termos do artigo 131
do Código de Processo Civil, o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e
circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes”.79
Na Itália, segundo Proto Pisani80, a mera defesa, que ocorre quando o réu limita-se
a contestar a existência dos fatos constitutivos alegados pelo autor tendo o condão de
torná-los controversos, ensejando a produção de provas sobre eles.
Frise-se, por fim, que o artigo 490º, 1 e 2 do Código de Processo Civil de Portugal
prevê que incumbe ao réu “tomar posição definida perante os factos articulados na petição,
acarretando a falta de observância de tal ônus a admissão, por acordo, dos fatos não
impugnados”. Ressalve-se, porém, a hipótese de estarem em oposição com a defesa
considerada em seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre eles ou se só
puderem ser provados por documento escrito.
Nota-se, assim, que a redação do citado dispositivo tem praticamente o mesmo
teor dos incisos I a III, do artigo 302 do Código de Processo Civil brasileiro.
2.4.2 Das exceções rituais
2.4.2.1 Aspectos gerais e procedimento
As exceções rituais ou instrumentais estão previstas nos artigos 304 a 314 do
Código do Processo Civil, sendo utilizáveis para argüição da incompetência relativa,
impedimento e suspeição do juiz.
78 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 280. 79 José Manoel Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.
298-299. 80 Proto Pisani, Lezioni di diritto processual civile, 3. ed., Napoli: Jovene 1999, p. 60.
56
Conforme ressalta Barbosa Moreira81, em que pese o Código as preveja na Seção
III do Capítulo intitulado “Da resposta do réu”, nem sempre se trata de tal modalidade, já
que o artigo 304 faculta o seu oferecimento a qualquer das partes, exceto no que se refere à
incompetência relativa, não oponível pelo autor.
A doutrina as denomina como rituais ou instrumentais, porque dão ensejo à
suspensão imprópria do processo, processando-se, nos termos do artigo 299, em apenso
aos autos principais.
Quanto ao procedimento das exceções, duas dúvidas poderiam eventualmente
surgir, face à redação dos artigos 265, inciso III e 306 do Código Processual, bem como
sobre até que momento subsistiria a suspensão do processo principal.
Além disso, há aparente conflito entre as normas do artigo 297, que prevê o
oferecimento de exceções rituais no prazo de resposta, e o artigo 305, que estabelece tal
possibilidade no prazo de quinze dias, contado do fato que tenha ocasionado a
incompetência, impedimento ou suspeição.
Quanto à suspensão, deve prevalecer o entendimento de que ela se opera com a só
oposição da exceção, já que, ao reverso, a parte diligente ficaria na dependência de seu
recebimento pelo juiz para efetivá-la.
A respeito do tema, vale mencionar os comentários de Marcus Vinicius Rios
Gonçalves sobre a redação do artigo 306 do Código de Processo Civil, que prevê a
suspensão do processo com o recebimento da exceção:
“A redação desse dispositivo não é feliz, porque a suspensão se dará desde o momento em que a exceção for protocolada em cartório, mesmo que ela nem venha a ser recebida e seja indeferida de plano. Tanto que o CPC, artigo 265, III, é expresso ao estabelecer que a suspensão tem início quando oposta a exceção. A má redação do dispositivo também traz dúvida sobre o termo final da suspensão. Uma interpretação literal poderia sugerir que o processo continuaria suspenso mesmo depois de decidida a exceção, enquanto ainda houvesse recurso pendente. No entanto, não é esse o entendimento que tem sido dado à norma: o processo ficará suspenso até o julgamento definitivo em primeiro grau de
81 José Carlos Barbosa Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, cit., p. 41.
57
jurisdição, uma vez que o recurso apropriado, o agravo não tem efeito suspensivo.”82
Caso se trate de exceção de impedimento ou de suspeição que será decidida pelo
Tribunal a que está vinculado o juiz excepto, do acórdão prolatado caberá eventual recurso
especial ou extraordinário, que igualmente não possuem efeito suspensivo (art. 497 do
CPC).
Quantos aos artigos 297 e 305, tratariam de momentos processuais diversos.
O artigo 297 se aplicaria quando o motivo que enseja o oferecimento da exceção
exista no momento da apresentação da resposta, quando então a parte a apresentaria, no
prazo de quinze dias do procedimento ordinário, contado na forma do artigo 241.
Tendo ocorrido o fato ensejador do oferecimento posteriormente à apresentação
da resposta, poderia então a parte oferecer a exceção no prazo de quinze dias previsto no
artigo 305.
Cândido Dinamarco 83 sustenta a aplicação do artigo 305 em relação à
incompetência relativa, quando o foro é desmembrado ou quando nova lei de organização
judiciária inclui em outra comarca o lugar ao qual a causa esteja ligada.
Nesse aspecto, grassa dissenso sobre o destino dos processos, quando efetuado o
desmembramento de comarcas.
Com efeito, há decisões no âmbito do Superior Tribunal de Justiça determinando
a remessa dos autos à comarca resultante do desmembramento.84
Athos Gusmão Carneiro 85 reporta-se à posição da doutrina majoritária, que
considera tratar-se na hipótese de mudança do “estado de direito”, das regras jurídicas de
82 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 2004, v. 1, p.
375. 83 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 484. 84 STJ − RESP n. 150.902/PR, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro. 85 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 73.
58
determinação da competência, sendo portanto irrelevante a modificação de tais regras no
que tange às causas já anteriormente propostas.
2.4.2.2 Da exceção de incompetência
No dizer de Liebman, ”a competência é a quantidade de jurisdição cujo exercício
é atribuído a cada órgão, ou seja a ‘medida da jurisdição’.86
Cumpre notar que com tal concepção não se está a afirmar que existiriam órgãos
jurisdicionais dotados de mais ou menos jurisdição, mas, que a competência corresponde a
um critério, um sistema, para estabelecer de forma prévia e abstrata quem terá o poder de
fazê-la atuar no caso concreto.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery distinguem a competência
absoluta e a relativa:
“Competência absoluta e relativa. A competência absoluta é ditada no interesse público, ao passo que a relativa é atribuída tendo em vista o interesse privado das partes. A absoluta é pressuposto processual de validade, não pode ser modificada por vontade das partes (CPC 102); contrario sensu, deve ser examinada ex officio pelo juiz (CPC 113); pode ser argüida por qualquer das partes, independentemente de exceção, a qualquer tempo e grau de jurisdição, pois não está sujeita à preclusão; enseja o juízo rescisório (CPC 485 II). A relativa pode ser modificada por convenção das partes (eleição de foro) ou por inércia do réu que não argüiu exceção de incompetência no prazo da lei; não pode ser declarada de ofício pelo juiz (STJ 33); não enseja nulidade do atos processuais e nem juízo rescisório. São de competência absoluta: a material e a funcional. São de competência relativa: a territorial e a valor da causa.”87
Athos Gusmão Carneiro 88 indica como espécies de competência absoluta: a
competência em razão da matéria; em razão da pessoa; em razão do valor, quando do
“menos para o mais”, ou seja, a competência do juiz de menos “alçada” não pode ser
prorrogada para abranger causa de maior valor; a competência pela situação do imóvel (art.
95, 2ª parte); e a competência funcional.
86 Enrico Tullio Liebman, Manual de direito processual civil, tradução e notas de Cândido Rangel
Dinamarco, Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. 1, p. 55, n. 24. 87 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 476.
59
Considera como espécies de competência relativa: a competência territorial ou de
foro; a competência em razão do valor; do “mais para o menos”, pois a competência do
juiz de maior alçada pode ser prorrogada para abranger causa de menor valor; e a
competência em razão da situação do imóvel (art. 95, 1ª parte), no caso em que permite a
opção pelo foro de eleição ou do domicílio do réu.
Cabe relembrar que face à alteração introduzida pela Lei n. 11.280, de 16 de
fevereiro de 2006, o juiz poderá, nos casos de contratos de adesão, reconhecer a nulidade
de cláusula de eleição de foro, determinando a remessa dos autos à comarca onde tem
domicílio o réu.
Criou-se com a alteração um sistema que se poderia dizer híbrido, porquanto em
hipótese de incompetência relativa, permite que o juiz aja de ofício, mas em contrapartida,
determina o artigo 114, com a redação que lhe foi dada pela lei supra indicada, que caso o
juiz não o faça, nem tampouco o réu ofereça a exceção ritual, que haverá a prorrogação da
competência.
Da redação dos aludidos dispositivos, pode-se extrair a conclusão de que se
acolheu a posição então adotada na Súmula n. 28 do antigo Primeiro Tribunal de Alçada
Civil de São Paulo, revogada pela Súmula n. 33 do Superior Tribunal de Justiça. A referida
Súmula n. 28 previa: “Pode o juiz declarar de ofício a incompetência relativa, desde que o
faça em sua primeira intervenção no processo.”
Louvável a alteração prevista no parágrafo único do artigo 305, permitindo que na
exceção de incompetência, a petição possa ser protocolizada no juízo de domicílio do réu,
com requerimento de sua imediata remessa ao juízo que determinou a citação.
De toda forma, para tentar impedir que a petição, em função da demora na
chegada da petição ao juízo onde tem curso a ação, venha a ser tardia, quando já
eventualmente proferida sentença, é de todo recomendável que o excipiente se valha da Lei
88 Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, cit., p. 76-77.
60
n. 9800, de 29 de maio de 1999, que permite a utilização de sistema de transmissão de
dados para a prática de atos processuais, ou outro meio eletrônico eficiente.
Cumpre ainda assinalar que o artigo 87 prevê o princípio da perpetuatio
iurisdictionis, que determina que a competência se fixa no momento da propositura da ação
(art. 263 ) e que são irrelevantes as modificações posteriores, salvo se culminarem com a
supressão do órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.
Face às alterações efetuadas pela Emenda Constitucional n. 45/2004 na redação
do artigo 114, inciso VI da Constituição Federal, os feitos relativos à indenização por
danos morais e/ou patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho passaram à
competência da Justiça Trabalhista.
O Superior Tribunal de Justiça, com fulcro em precedentes do Supremo Tribunal
Federal, acabou por decidir que a alteração superveniente da competência, mesmo que
determinada por regra constitucional, não atinge a validade da sentença anteriormente
proferida.89
Os artigos 307 a 311 estabelecem o procedimento e requisitos para argüição da
incompetência relativa, valendo destacar que no procedimento ordinário, a petição deverá
ser escrita, é obrigatória a indicação do órgão jurisdicional para o qual o excipiente declina,
cabendo da decisão sobre o incidente a interposição de agravo de instrumento, e as
alterações introduzidas pela Lei n. 11.187, de 20 de outubro de 2005, não teriam ensejado
modificações no que tange a tal aspecto.
2.4.2.3 Das exceções de impedimento e de suspeição
Os artigos 312 a 314 do Código de Processo Civil estabelecem o procedimento
relativo às exceções voltadas à alegação do impedimento e da suspeição do juiz.
89 STJ: CC n. 7.204/MG, DJU, de 03.8.2005; CC n. 6.967/RJ, DJU, de 26.9.1997; CC n. 51.712, j.
10.08.2005.
61
Calmon de Passos90 distingue o impedimento e a suspeição, cujas hipóteses estão
previstas, respectivamente, nos artigos 134 e 135 do Código de Processo Civil.
Afirma o autor que “a suspeição é obstáculo de ordem subjetiva, posto à
imparcialidade do juiz, sem caráter absoluto, visto como não conduzirá, necessariamente, a
uma decisão parcial do magistrado que poderá superá-lo. Daí dizer-se que a suspeição é
uma incompatibilidade relativa, pelo que se não argüida tempestivamente, ficará preclusa
sua alegação e tornado compatível o juiz.”
Quanto ao impedimento, consigna que “é obstáculo de natureza objetiva posto à
imparcialidade do juiz, revestido de caráter absoluto, por criar incompatibilidade lógica
entre o impedido e a função de julgar. Por força disso, o impedimento pode ser argüido em
qualquer tempo, inclusive é causa de rescisão de sentença (art. 485, II).”
Do exame dos aludidos dispositivos que tratam da exceção de impedimento e de
suspeição, verifica-se que qualquer das partes pode figurar como excipiente e o juiz será o
excepto.
Ao magistrado, diante da exceção oferecida, restariam duas alternativas: abster-se
de julgar a causa, reconhecendo o impedimento ou suspeição, determinando a remessa dos
autos ao seu substituto legal; não reconhecer os motivos constantes da exceção oferecida,
manifestando-se no prazo de dez dias, com a remessa dos autos ao Tribunal competente
para julgá-la, que concluirá pela sua rejeição ou acolhimento.
Não cabe, por óbvio, o indeferimento da exceção pelo magistrado, já que é parte
no incidente, sendo discutível se uma vez afastado do processo poderá o juiz interpor
recurso.
Em havendo a abstenção espontânea por parte do magistrado de forma
superveniente, seria de se cogitar como ficariam os atos anteriormente praticados por ele.
90 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 292.
62
Há precedente no sentido de que, reconhecendo o impedimento ou a suspeição
supervenientes, o juiz não pode tornar sem efeito os atos anteriormente praticados de forma
válida.91
À falta de regra específica no Código de Processo Civil, entendemos que seria
aplicável o artigo 113, parágrafo 2º, decretando-se a nulidade de eventuais atos decisórios
que tenham sido praticados pelo juiz.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery92 sustentam a legitimidade e
interesse de recurso do magistrado, porque o juiz é parte no incidente e o artigo 499 do
Código de Processo Civil, quando fala em legitimidade recursal da parte, deve se estender
também aos litigantes nos incidentes processuais, e, ainda, com fulcro no respeito ao
múnus público, relativo ao respeito ao princípio constitucional do juiz natural (art. 5º, inc.
LIII da CF) e na defesa de seu direito subjetivo (o art. 314 prevê a condenação do juiz
afastado ao pagamento das custas do incidente).
Em síntese conclusiva sobre as chamadas exceções rituais, pertinente mencionar o
magistério de Clito Fornaciari93, ao mencionar seus principais pontos: a) possuírem caráter
de disponibilidade; b) faltar poder oficioso ao juiz para conhecer das mesmas; c) serem,
por natureza preclusivas.
Aponta que das três defesas alegáveis por exceção ritual, apenas a de
incompetência relativa guardaria tais características.
As de suspeição e impedimento não se submetem às regras antes referidas, porque
o juiz não só tem poderes para de ofício declará-las, mas tem a obrigação de o fazer, face
ao que preceitua o artigo 137.
91 TFR − MS n. 11.673, 1ª Seção, Min. Flaquer Scartezzini, j. 10.12.1986, segurança concedida, DJU, de
23.4.1987, p. 7.023. 92 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 699. 93 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, 2. ed., São Paulo: Saraiva,
1983, p. 17.
63
Não resta dúvida que o impedimento, em razão do que dispõe o artigo 485, inciso
II do Código de Processo Civil constitui verdadeira objeção, de forma que caso não
argüido pela via da exceção, será possível deduzi-lo até por simples petição.
2.4.3 Da reconvenção
2.4.3.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica
Conforme indica Rita Gianesini 94 , citando ensinamento de Jaeger, a palavra
reconvenção provém do latim – reconventio, formada pela união de conventio (ação) com
o prefixo re (contra) ou com a raiz de réus (réu).
De acordo com lição de Gabriel de Rezende Filho95, sequer era concebida nos
termos primitivos, dado o formalismo do processo em Roma, tendo surgido no período da
cognitio extraordinaria quando, com as actiones bonae fidei, as partes podiam formular
mútuas pretensões.
Teriam surgido daí as expressões mutua petitio (Dig., livro 24, título 38) ou mutua
actio (Dig. Livro 2, título 1, frag. 11, § 1).
O direito canônico teria colaborado para a formação da doutrina da reconvenção,
elaborando a denominação que se tornou universal, a reconventio; a partir de uma decretal
de Inocêncio IV, surgiram duas espécies de reconvenção, a própria (proposta antes da
litiscontestatio) e a imprópria (proposta depois da litiscontestatio, não gozando do
benefício do simultaneus processus).
Como assinala todavia Eduardo Spínola 96 , no direito romano, no período
formulário, a reconvenção estava intimamente ligada à compensação, que a teria originado.
94 Rita Gianesini, Alguns aspectos da reconvenção, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais,
ano 2, n. 7/8, p.79-97, jul./dez. 1977. 95 Gabriel de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1953, v. 2, p. 148. 96 Eduardo Spínola, Código de Processo do Estado da Bahia anotado, Salvador: Tipographia Bahiana, 1916,
p. 494, apud Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 34.
64
Não obstante, conforme apontado por Rita Gianesini, ainda sob a vigência do
Código Civil de 1916, os institutos da reconvenção e da compensação não se confundem:
“a) reconvenção é a ação proposta pelo réu contra o autor no mesmo feito e juízo em que é demandado; compensação é a defesa oposta pelo réu à ação proposta pelo autor em virtude deste ser, também, devedor daquele; b) reconvenção é uma ação; compensação é meio de defesa do réu; c) reconvenção é instituto de direito processual; compensação é instituto de direito material (arts. 1.009, do CC e 439, do CCom); d) reconvenção amplia o tema decidendo originário, podendo ocorrer a condenação do autor da ação principal, no saldo apurado a favor do réu; compensação, sendo mera defesa, está adstrita aos limites da ação, só podendo o devedor compensar com o credor o que este lhe dever(art. 1.013 do CC); e) reconvenção só pode ser oposta, simultaneamente com a contestação (art. 299 do CPC); compensação pode ser alegada, segundo o Prof. Moacyr A. Santos a qualquer momento processual; f) reconvenção pode prorrogar a competência; compensação é tão-somente meio de extinção de obrigações; g) reconvenção é admissível, preenchidos os requisitos legais, em todos os procedimentos, salvo o procedimento comum sumaríssimo; compensação só é admitida no tocante à extinção de obrigações; h) na reconvenção o réu pode ou não reconhecer o direito do autor da ação principal; na compensação o réu sempre reconhece o direito do autor; i) na reconvenção o autor da ação originária poderá ser condenado ao pagamento do saldo devedor; na compensação não poderá haver tal condenação; j)a reconvenção pode ser fundamentada em título de dívida ilíquido ou incerto, desde que possa a sua certeza e liquidez ser apurada, por meio dos modos permitidos em direito; a compensação só pode ter por objeto dívidas líquidas, certas e exigíveis – artigo 1.010 do Código Civil. l) na reconvenção o réu-reconvinte poderá ser condenado ao pagamento de custas e honorários; na compensação só poderá ser condenado ao pagamento de custas e honorários da ação principal.”97
Conforme Moacyr Amaral Santos 98 , nas Ordenações Filipinas, que tiveram
vigência até a edição do Regulamento n. 737, de 25.11.1850, e do Decreto n. 763, de
19.9.1890 (que determinou a aplicação do Regulamento n. 737/1850 também às causas
cíveis), a reconvenção tinha as seguintes características:
A reconvenção era uma ação do réu contra o autor, mas seu traço diferenciador
era a condição de ser deduzida no mesmo juízo em que o autor era demandado.
97 Rita Gianesini, Alguns aspectos da reconvenção, cit., p. 85-86. 98 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 3. ed., São Paulo: Max Limonad, 1966.
65
Em função disso, ao autor não era possível excepcionar o juízo, mas se admitia a
prorrogação da competência em relação à ação do réu, caso se cuidasse de ação
independente.
A ação e a reconvenção deveriam ser julgadas simultaneamente numa só sentença,
de tal sorte que essa última deveria ser da natureza a tomar o rito da ação.
Quanto ao momento do oferecimento da reconvenção, deveria ser ajuizada no
princípio da causa, antes da litiscontestação, no momento processual anterior à realização
de prova pelo autor.
Não se admitia reconvenção em apelação ou agravo, mas era concebida em todas
as ações, conexas ou não, com exceção de algumas demandas, como depósito, guarda,
esbulho e executivas.
Ao autor era reconhecido o privilégio de não ser no curso da ação demandado em
outro juízo senão naquele em que fora acionado, e através da via reconvencional.
Quanto à legitimidade, poderiam ser reconvintes todos os que pudessem ser
autores e reconvindos todos os autores, salvo se estivessem agindo em nome alheio.
Não se admitia a reconvenção sucessiva (reconventio reconventionis) porque
daria ensejo a um processo infinito.
Por sua vez, o artigo 103 do Regulamento n. 737/1850 previa a possibilidade do
réu reconvir, desde que o fizesse simultaneamente com a contestação, mas admitia a
reconvenção imprópria, ajuizada posteriormente à resposta, que se processaria em autos
apartados.
Os Códigos Estaduais que se seguiram por força da dualidade processual prevista
na Constituição Federal de 1891 seguiram em linhas gerais o quanto era estabelecido no
Regulamento n. 737/1850, dispensando-se a citação do reconvindo, formando-se um único
processo e proferindo-se uma única sentença.
66
Alguns Códigos não exigiam a conexão entre a ação principal e a reconvenção.
O Código do Estado de São Paulo exigia a conexão e não admitia a reconvenção
em ações especiais, nas sumárias e sumaríssimas.
O Código de Processo Civil de 1939 manteve no seu artigo 190 a necessidade de
formulação da reconvenção com a contestação; devia preencher os requisitos da petição
inicial; era julgada na mesma sentença da ação principal (art. 195); o reconvindo era
intimado pessoalmente ou na pessoa de seu advogado (art. 193), vedando-se o seu
oferecimento nas ações indicadas no artigo 192, entre elas as reais e as executivas.
Essa breve retrospectiva histórica tem por fito destacar que vários dos requisitos e
procedimentos previstos para a reconvenção nas Ordenações Filipinas, no Regulamento n.
737/1850, nos Códigos Estaduais, especialmente o de São Paulo, e no Código de Processo
Civil de 1939, subsistiram no codex vigente, como se procurará enfatizar.
Além disso, a vedação ao oferecimento da reconvenção em ação de procedimento
especial, e principalmente nas de procedimento mais célere, são suscetíveis de justificar
quer a admissibilidade do caráter dúplice de algumas demandas, quer o cabimento do
pedido contraposto.
2.4.3.2 Requisitos gerais e específicos para o oferecimento da
reconvenção
Pode-se conceituar a reconvenção como ação do réu em face do autor, dentro do
mesmo processo em que as partes litigam, ensejando uma ampliação do objeto litigioso e
uma cumulação própria, superveniente e heterogênea de demandas.
Consoante destaca Clito Fornaciari99, através da reconvenção desencadeia-se uma
nova relação processual, trazendo à baila nova pretensão, levando ao processo um novo
99 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 67.
67
objeto litigioso, fazendo com que sobre ele, e tendo em vista os contornos dados à decisão,
passe a recair a autoridade da coisa julgada.
Menciona Humberto Theodoro 100 , aludindo a lição de João Monteiro, que
conforme tradição do direito romano, através da reconvenção se formam duas ações
mútuas num só processo, “a ação originária, que os jurisconsultos romanos chamavam
conventio e a segunda, oposta àquela pelo réu reconventio”, resultando um cúmulo de
lides, representado pelo acréscimo do pedido do réu ao que inicialmente havia sido
formulado pelo autor.
Pertinente observar que se trata no caso de cumulação própria, porquanto há a
formulação de mais de um pedido e se pode pretender o acolhimento de todos eles, tanto
mais que, como se assinalará oportunamente, a autonomia entre a ação e a reconvenção
(art. 317 do CPC) pode inclusive levar à obtenção de resultados não excludentes entre elas.
Fala-se em cumulação superveniente porque se opera no curso do processo, e
heterogênea, considerando o fato de que quem as realiza são partes diferentes.
Vale ainda lembrar que o oferecimento da reconvenção constitui uma faculdade,
cujo exercício atende fundamentalmente ao princípio da economia processual, não
impedindo, portanto, a sua não propositura pelo réu o ajuizamento de ação autônoma.
Tal possibilidade existirá por vezes em função de mero exame pelo réu da
conveniência ou não do seu oferecimento de reconvenção, quer em função de óbices
legais, como nas hipóteses dos artigos 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil e 31
da Lei n. 9099/95, quando há vedação à reconvenção.
Tratando-se a reconvenção de uma ação intentada pelo réu em face do autor,
dentro do mesmo processo em que as partes litigam, ensejando, destarte, a existência de
simultaneus processus, deve observar pressupostos gerais e outros específicos.
100 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 355.
68
Os gerais ligados à teoria geral da ação (condições da ação) e os pressupostos
processuais de existência, validade e negativos ou extrínsecos.
Em relação às condições da ação, ao réu falecerá interesse processual no
oferecimento da reconvenção se a improcedência do pedido formulado pelo autor for
suficiente para satisfazer a sua pretensão, ou se houver matéria para apresentação de defesa
processual dilatória ou peremptória, já que para tanto bastaria apresentar contestação.
Assim, como se assentou em julgado, a “reconvenção deve proporcionar ao
reconvinte um plus além do que lhe daria uma contestação, se acolhida”.101
Quanto à legitimidade, ganha relevo a regra do artigo 315, parágrafo único do
Código de Processo Civil.102
Resulta do aludido artigo que as partes devem ostentar na reconvenção a mesma
qualidade que possuem na ação originária.
Donaldo Armelin, fazendo menção à posição de Waldemar Mariz de Oliveira,
anota que não deverá estar o substituto legitimado para contestar a reconvenção ajuizada
no bojo do processo por ele iniciado através do exercício do direito de ação, observando
que “contestar a reconvenção é ato para o qual se exige legitimidade extraordinária
específica, não compreendida na legitimidade para ajuizar ação, razão pela qual, à míngua
daquele tipo de legitimidade, defesa será ao autor extraordinariamente legitimado
responder à reconvenção, mister se fazendo a citação do substituído para tanto”.103
No presente tópico, é bastante divergente a admissibilidade da ampliação
subjetiva do litígio por meio da reconvenção.
101 TJSP − Apelação Cível n. 226.149-2/São José dos Campos, 6ª Câmara Cível, v. u., rel. Pires de Araújo, j.
03.05.1984. 102 “Artigo 315 - (...) Parágrafo único - Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este
demandar em nome de outrem.” 103 Donaldo Armelin, Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, cit., p. 135.
69
Clito Fornaciari104 nega a possibilidade de ampliação subjetiva da demanda a
eventual terceiro e considera que a legitimidade ativa para a reconvenção caberia apenas ao
réu.
Considera que a inclusão na demanda reconvencional de terceiros, como
reconvindo ou reconvinte, seria inviável por infringir o princípio constante do caput do
artigo 315, segundo o qual, a reconvenção deve ser movida pelo réu do processo principal
contra o autor.
Além disso, para ele, tendo a reconvenção caráter incidental, já que uma ação
encartada no bojo de um processo em curso, se fosse admitido seu oferecimento em face de
terceiros prejudicaria o curso normal da ação, afetando a economia processual.
Haveria a necessidade de citação do terceiro, enquanto o autor reconvindo seria
intimado (art. 316), de tal sorte que os prazos para resposta seriam diversos, vez que para o
que não integrava a relação processual se aplicariam as disposições do artigo 241.
Miguel Ángel Michinel Álvarez 105 consigna que os sistemas que sofreram
influência do direito francês (belga, italiano e austríaco) somente admitem reconvenção
entre demandante e demandado e assinala que nem mesmo os que a aceitam permitem que
ela seja ofertada apenas contra um terceiro sem atingir a parte principal integrante da
relação processual.
Perfilham posição diversa, entre outros, Calmon de Passos 106 , Cândido
Dinamarco107 e Hélio Tornaghi.108
Calmon de Passos entende que é indiferente a circunstância de implicar a
reconvenção ou mesmo a ação originária litisconsórcio, tanto que, em outra hipótese em
104 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 93-94. 105 Miguel Ángel Michinel Álvarez, Sobre la interpretación del artículo 6.3º del convenio de Bruselas de 27
de septiembre de 1968, Revista Española de Derecho Internacional, Madrid, v. 49, n. 2, p. 52-53, jul./dic. 1997.
106 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 237. 107 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 506. 108 Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, v. 1,
p. 212.
70
que vários são os autores ou réus da ação original, um só réu pode reconvir a um só autor,
sem qualquer empecilho.
A admissibilidade da reconvenção subjetivamente ampliativa, conforme
Dinamarco, é “expressão da legítima tendência a universalizar a tutela jurisdicional,
procurando extrair do processo o máximo de proveito útil que ele seja capaz de oferecer
(...). É ditame do princípio da economia processual a busca do máximo de resultado na
atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais (...).”
Em que pese a questão se mostre conflitante, havendo argumentos sólidos em
ambas as correntes, quer a que considera inviável a ampliação subjetiva, quer a que a
admite, consideramos que desde que a reconvenção também seja necessariamente ofertada
em face do autor reconvindo, não haveria empecilho ao seu cabimento.
Com efeito, visto sob o prisma exclusivamente de uma das partes da relação
processual, poder-se-ia ter tal possibilidade como capaz de afrontar o princípio da
economia processual.
Partindo do pressuposto que a efetividade buscada no processo será melhor
atingida com a ampla pacificação social, chegaríamos à conclusão de sua admissibilidade.
Caso se admita a reconvenção dita ampliativa, a parte que já se encontrava
integrante da relação processual será intimada na pessoa de seu advogado e o terceiro
citado.
Relativamente à possibilidade jurídica do pedido, não será admitida a
reconvenção nas ações que tenham curso no procedimento sumário (art. 278, § 1º), nas que
tramitem perante o Juizado Especial Cível (art. 31 da Lei n. 9.099/95) e nas ações
consideradas dúplices, matéria que será abordada no terceiro capítulo desta dissertação,
exceto no que extrapole ao âmbito da duplicidade, como se examinará adiante.
Como pressupostos de existência da relação processual, embora a classificação
não seja uniforme na doutrina, poderíamos ter: a) petição inicial; b) citação; c) jurisdição;
d) capacidade postulatória, especialmente para o autor, exceto nos casos em que ela é
71
reconhecida à própria parte, como no caso do habeas corpus, as ações que têm curso na
Justiça Trabalhista e na Lei n. 9.099/95, se o valor da causa não ultrapassar 20 salários
mínimos.
Os pressupostos processuais de validade seriam: a) petição inicial apta; b) citação
válida; c) competência; d) capacidade processual; e) imparcialidade do juiz.
Por seu turno, os pressupostos processuais negativos ou extrínsecos são os que
situam fora da relação processual objeto de exame e levam à extinção do processo sem
resolução do mérito, impedindo que seja reproposta a ação (arts. 267, inc. V e 268), quais
sejam: litispendência, coisa julgada e a perempção.
Quanto aos pressupostos específicos da reconvenção, podem ser arrolados: a)
conexão; b) litispendência; c) competência; d) uniformidade procedimental.
A conexão está estabelecida no artigo 315, caput, que prevê a possibilidade do
oferecimento da reconvenção pelo réu toda vez que ela seja conexa com a ação principal
ou com o fundamento da defesa.
Do referido requisito, dois aspectos, entre outros, merecem algumas observações.
O Código de Processo Civil, no artigo 103, define a conexão, para efeito de
eventual reunião de ações.
Considera haver conexão entre duas ou mais ações quando lhes for comum o
objeto ou a causa de pedir.
Não obstante se possa do próprio Código de Processo Civil extrair uma
interpretação mais elástica para efeito de conexão, como nos casos de intervenção de
terceiros, se mostra incontroverso que a exigida para a reconvenção foi substancialmente
mais extensa do que a abarcada no conceito do artigo 103.
72
Barbosa Moreira109, tomando como base o chamado ângulo da valoração dos
interesses em jogo, destaca que, para efeito de reconvenção, bastaria para admiti-la a
existência de uma linha tênue entre duas demandas, aceitando, portanto, seu oferecimento,
desde que: a) haja identidade parcial entre os fundamentos da ação e da reconvenção; b)
quando os elementos probatórios sejam comuns; c) quando haja uma inter-relação lógica
de julgados.
Cruz e Tucci110, reportando-se ao magistério de Moacyr Amaral dos Santos, nota
que diante do acanhamento da admissibilidade da pretensão reconvencional, por força do
artigo 103, seria necessário atribuir-se à reclamada no artigo 315 o critério da
compatibilidade.
Assim, a reconvenção seria possível toda vez que não fosse incompatível com a
ação originária ou com o fundamento da defesa, no caso de cumulação de ações ou de
pedidos (art. 292, § 1º), reconhecendo que jurisprudência, extravasando o conceito
emoldurado pelo Código, vem dando ao enunciado da norma interpretação mais flexível.
Clito Fornaciari111 menciona que no sistema espanhol não se requer nexo algum
entre a ação e a reconvenção ou entre essa e as defesas ou exceções do réu.
Sustenta que quanto à causa de pedir, a vinculação poderá estar na identidade de
causa de pedir próxima, como também na remota, o que enseja uma ligação menos rígida
entre a ação e a reconvenção, sem contudo romper o sistema vigente.
Dentro desse aspecto, apenas para situar o tema no âmbito da reconvenção, vale
relembrar que a causa de pedir, não obstante as divergências que possam existir quanto à
sua classificação, pode ser distinguida entre remota e próxima.
109 José Carlos Barbosa Moreira, A conexão de causas como pressuposto da reconvenção, São Paulo:
Saraiva, 1979, p. 90 e ss. 110 José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.
174-175. 111 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 116 e ss.
73
Para Cruz e Tucci112, a causa de pedir seria composta do fato (causa remota) e o
fundamento jurídico (causa próxima).
A causa petendi remota (particular) engloba normalmente o fato constitutivo do
direito do autor, associado ao fato violador desse direito, do qual se origina o interesse
processual para o demandante. O fato constitutivo do direito do autor seria a causa ativa, e
o fato do réu contrário ao direito, a causa passiva.
A causa de pedir próxima “se consubstanciaria no enquadramento da situação
concreta, narrada in status assertionis à previsão abstrata, contida no ordenamento jurídico
positivo, e do qual decorre a juridicidade daquela, e em imediata seqüência, a
materialização do pedido, da conseqüência jurídica alvitrada pelo autor”.
Cândido Rangel Dinamarco113 nota ser a causa petendi de grande importância na
propositura da demanda, sendo constituída da narrativa dos fatos que, segundo o autor,
geram as conseqüências jurídicas pleiteadas, e da proposta de enquadramento em uma
categoria jurídico-material, ressaltando, contudo, que a qualificação jurídica dos fatos ou
atos não é vinculativa para o juiz.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery114 consignam que a causa de
pedir é composta dos fundamentos de fato (causa de pedir próxima), que consistem no
inadimplemento, a ameaça ou violação do direito (fatos) que caracterizam o interesse
processual imediato, que autoriza o autor a deduzir pedido em juízo.
Para esses autores, os fundamentos jurídicos comporiam a causa de pedir remota,
que consistiria no direito, o título, a autorização e a base que o ordenamento jurídico dá ao
autor para que possa deduzir pretensão em juízo.
De todo modo, deve-se deixar assentado que os fatos simples não integram a
causa de pedir, valendo aqui a lição de Milton Paulo de Carvalho, no sentido de que o fato
112 José Rogério Cruz e Tucci, A causa petendi no processo civil, cit., p. 126-127. 113 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 71. 114 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 282.
74
reputado como causa eficiente de uma pretensão processual é apenas o que se mostra
“carregado de efeito pelo ordenamento jurídico e não o fato simples ou secundário”.115
Frise-se ainda que o artigo 264º do Código de Processo Civil de Portugal
distingue entre fatos essenciais, instrumentais e complementares, sendo certo que apenas
os primeiros integrariam a causa de pedir ou o fundamento da exceção, e cuja falta levaria
à inviabilidade da ação ou da exceção.
Relativamente à conexão com fulcro no pedido, Clito Fornaciari, citando lição de
Wach, aduz que a identidade deve se dar em relação aos pedidos mediatos, vale dizer, o
bem da vida pretendido pelas partes.
Com efeito, conforme destaca, caso se tomasse como base apenas o pedido
imediato, ou seja, a espécie de tutela jurisdicional pleiteada, se chegaria ao absurdo de
reunir todas as ações declaratórias, constitutivas e condenatórias por terem pedidos
imediatos comuns.
Quanto à conexão com o fundamento da defesa, divergindo da tese sustentada por
Calmon de Passos, que só a tem como possível em relação às indiretas, considera que não
tendo o Código feito distinção nesse sentido, não caberia fazê-la.
Parece-nos que a posição mais ampla é coerente com a conexão exigida pelo
Código de Processo Civil, de tal sorte que seja a defesa de mérito, direta ou indireta, deve-
se admitir a reconvenção.
Sobre a conexão exigida, para efeito de reconvenção, J. J. Calmon de Passos116
vislumbra quatro hipóteses: a da existência de conexão entre a causa principal e a
reconvencional; ação e reconvenção conexas pela identidade do título; diversidade dos
direitos e variedade de relações jurídicas; decorrente da existência entre a ação do autor e a
do réu, de uma relação de exclusão, mas não de pura relação de afirmação e negação, o que
se situa o campo da chamada declaração incidente, que o réu pode colocar como conteúdo
de sua reconvenção.
115 Milton Paulo de Carvalho, Do pedido no processo civil, cit., p. 81. 116 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 308-312.
75
Cândido Dinamarco117 adverte que para a reconvenção com fulcro no pedido, é
imprescindível que a improcedência do pedido do autor não seja suficiente para obtenção
do bem jurídico pretendido pelo réu.
Para a reconvenção com base na causa de pedir, seria suficiente a parcial
identidade de títulos e que a conexidade com os fundamentos na defesa é a mais intensa
porque de uma só alegação, o réu extrai duas conseqüências, uma defensiva e outra
reconvencional.
Vê-se do quanto exposto que a conexão prevista no artigo 315 para ensejar a
reconvenção é substancialmente mais ampla do que a admitida no artigo 103, no que tange
à eventual reunião de demandas.
Outro aspecto que merece maior atenção é o fato de se ter pela reconvenção uma
cumulação de demandas, mas com peculiaridade que a distingue da hipótese contemplada
no artigo 292 do Código de Processo Civil.
Nesse dispositivo, o Código prevê a cumulação de pedidos, independentemente de
existir entre eles conexão.
Para a reconvenção, em que pese prevaleça o entendimento de que a conexão seja
mais ampla do que a constante do artigo 103, ela foi efetivamente exigida.
Tem-se, destarte, uma hipótese de cumulação onde foi exigida a conexão.
A razão de tal exigência estaria na preocupação de se evitar o tumulto processual,
caso se admitisse a cumulação, mercê do oferecimento da reconvenção sem que fosse
necessário observar a conexão entre a ação proposta pelo autor e pelo réu.
A propósito, são pertinentes as palavras de Aderbal Torres de Amorim:
“Se se pensar no oposto, ou seja, em que se haverá de admitir cumulação de pedidos na ação reconvencional ainda que entre eles inexista conexão e, por decorrência, que inexista conexão entre algum deles, ou alguns
117 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 499 e ss.
76
deles, e a ação ou os fundamentos da defesa, concluir-se-á de forma a negar um dos fundamentos teleológicos inspiradores da admissibilidade da reconvenção, qual seja, o da economia processual. De efeito, pudesse o reconvinte deduzir pretensão -ou pretensões – que porventura tivesse contra o autor reconvindo, sem qualquer liame com a ação dita principal, então a atividade cognitiva tumultuar-se-ia de tal forma que o remédio criado (a reconvenção) travestir-se-ia em verdadeiro veneno a contaminar a atividade judicante.”118
Quanto ao requisito da litispendência, significa dizer que para o oferecimento da
reconvenção, é necessário que o processo da ação originariamente proposta esteja em
primeiro grau no momento em que for proposta, sendo irrelevante a extinção superveniente
do processo quanto à demanda intentada pelo autor (art. 317).119
A litispendência deve ser entendida, para permitir o oferecimento da reconvenção,
como um efeito da citação, já que o Código de Processo Civil se vale do termo em diversos
significados.
Lembre-se que a litispendência rigorosamente significaria a existência de uma
ação em curso.
O Código de Processo Civil, no artigo 301, parágrafo 3º, dispõe haver
litispendência quando se repete ação em curso, e o artigo 219 a arrola como um dos efeitos
processuais da citação válida.
Pode-se dizer que a litispendência se dá quando há ação em curso, mas que para
efeito de eventual extinção de ações idênticas, deve-se levar em conta onde se efetivou
primeiro a citação, que deverá subsistir.
Para efeito de prevenção, havendo lides conexas que possam vir a ser reunidas, o
Código utiliza como critério fixador da competência o do despacho, quando se trate de
órgãos de igual competência territorial (art. 106) ou da citação, quando forem de comarcas
diferentes (art. 219).
118 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção, cumulação de ações e ação rescisória, Revista dos Tribunais,
ano 73, v. 581, p. 269, mar. 1984. 119 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,
p. 45.
77
Quanto à competência, o artigo 109 do Código de Processo Civil determina que a
reconvenção seja ajuizada perante o órgão jurisdicional em que tem curso a ação
originariamente intentada.
Extrai-se do referido dispositivo que o órgão jurisdicional da ação principal deve
ser competente de forma absoluta para a apreciação da reconvenção.
Caso não o seja, restará ao réu intentar ação autônoma, uma vez que, como é
cediço e já assinalado, as regras relativas à competência absoluta tutelam o interesse
público e são de natureza cogente, inafastáveis pela vontade das partes.
Na hipótese do órgão vir a ser incompetente de forma relativa à apreciação da
reconvenção, não haverá óbice ao seu oferecimento, desde que observada a conexão
exigida, admitindo-se a prorrogação da competência, nos termos do artigo 114 do Código
de Processo Civil.120
O último requisito específico a ser observado é o da uniformidade procedimental,
face à regra do artigo 319 do Código de Processo Civil, que prevê o julgamento simultâneo
da ação e da reconvenção.
Caso os procedimentos da ação e da reconvenção sejam incompatíveis, resultaria
inviável o cumprimento do mencionado dispositivo, exigindo-se tal compatibilidade por
força do artigo 319 e pela aplicação analógica do artigo 292, parágrafo 1º, inciso III.
Com efeito, conforme já sublinhado, a reconvenção dá ensejo a uma cumulação
de ações, aplicando-se por analogia à espécie o quanto consta do artigo 292, parágrafo 1º,
inciso III.
A citada exigência comportaria, todavia, exceções, como pondera Barbosa
Moreira:
120 A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que: “O juiz da causa principal é competente para
conhecer da reconvenção, desde que seja competente em razão da matéria. Entendimento conjunto do CPC 109 e demais artigos sobre competência. Assim, não é possível opor reconvenção da Justiça Federal, em ação que tramita em vara cível da Justiça comum estadual, segundo dedução do CPC 102.” ( STF − RE n. 93843/BA, 1ª T., rel. Min. Soares Muñoz, j. 17.03.1981).
78
“a) se a ação originária obedece o rito ordinário, admite-se a reconvenção não só quando a esta seja igualmente adequado o procedimento ordinário, mas também quando, ainda que a lei lhe indique rito especial ou o rito sumaríssimo, o réu reconvinte aceite o seu processamento segundo o ordinário, e seja ele compatível com o pedido reconvencional (art. 292, § 2º analogicamente aplicável); b) se a ação originária segue rito especial, admite-se a reconvenção caso o procedimento a esta adequado seja o mesmo, ou caso se torne igual nas fases subseqüentes à postulatória − v.g., quando a ação originária é daquelas que, com a contestação, passam a seguir o rito ordinário, e a este obedece também a reconvenção (que todavia, em semelhante hipótese, só será admissível se o réu contestar!).”121
A posição antes indicada é também sustentada por Adroaldo Furtado Fabrício122 e
Ovídio Baptista da Silva.123
2.4.3.3 Procedimento da reconvenção – Revelia e reconvenção
sucessiva
Tratando-se a reconvenção de uma ação, deverá ser elaborada petição inicial, em
peça própria autônoma (art. 299), com os requisitos do artigo 282, atentando-se ainda para
aqueles específicos,antes objeto de comento.
Ressalve-se que o valor da causa na reconvenção deverá ter como base o proveito
econômico buscado pelo réu reconvinte, não coincidindo necessariamente com o constante
da peça vestibular.124
Assinale-se ainda que não obstante o artigo 299 ser claro no sentido de que a
contestação e a reconvenção devam ser apresentadas em peças autônomas, admite-se
121 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática o procedimento, cit.,
p. 46. 122 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil: Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de
197 (arts. 890 a 945), Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 8, t. 3, p. 139, 244, 343 e 412. 123 Ovídio Araujo Baptista da Silva; Fábio Luiz Gomes, Teoria geral do processo civil, cit., p. 275. 124 “VALOR DA CAUSA – Impugnação – Estabelecimento do mesmo valor para a ação e para a
reconvenção – Hipótese em que o benefício econômico de cada pedido é diferente – Reconvenção, ademais, que é verdadeira ação, distinta da originária – Decisão reformada – Recurso provido.” (TJSP − Agravo de Instrumento n. 78.477/São Bernardo do Campo, 16ª Câmara Civil, rel. Bueno Magno, v.u., RJTJESP 90/387).
79
excepcionalmente o abrandamento de tal regra, com fulcro no princípio da
instrumentalidade das formas.125
Entre as várias questões que poderiam ser suscitadas quanto ao procedimento, há
duas que merecem destaque: a natureza da intimação prevista no artigo 316; as espécies de
defesa que o autor reconvindo poderá ou não utilizar e os efeitos de sua eventual inércia.
No que pertine à intimação constante do artigo 316, na pessoa do advogado do
autor reconvindo, Pontes de Miranda tece criticas à redação do dispositivo, afirmando: “A
ciência de que houve reconvenção tem-na o autor por ‘intimação’, e não ‘citação’. O
Código, com isso, excetuou o seu próprio sistema, chamando de intimação o que, ainda
com forma diferente, citação é. Bastaria conservar o nome à coisa evitando que lhe dessem
outras roupas.”126
Clito Fornaciari127 assevera que a mesma razão de economia processual que se
tem na citação dos opostos, igualmente feita na pessoa do seu advogado (art. 57), se
encontra na intimação constante do artigo 316.
Sustenta que seria melhor o termo citação, pois tanto na reconvenção, como na
oposição, existe uma nova demanda, chamando para a defesa do réu e a forma prevista no
Código para chamar alguém, ainda que por intermédio de seu advogado, a se defender em
juízo, como consta do artigo 213.
Cândido Dinamarco128 preconiza que o ato, no caso da reconvenção, tem o efeito
de transmitir ao demandado (autor-reconvindo) a informação da propositura da ação pelo
réu, mas não tem o condão de trazê-lo ao processo e fazê-lo parte, uma vez que já o é.
Considera que essa distinção terminológica não teria importância prática, porque toda
citação traz consigo uma intimação.
125 Sobre o artigo 299, anotam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Peças autônomas.
Embora a norma sob comentário exija sejam oferecidas contestação e reconvenção em peças autônomas, caso a contestação contenha inequivocamente uma reconvenção, pode esta ser conhecida como tal (RTJ 996/671; RP 24/315), desde que preenchidos os requisitos legais para tanto (...).” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 684). Cite-se, ainda: RT 464/167 e RTJ 55/735.
126 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., 2001,cit., v. 4, p. 171.
127 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 173-174. 128 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 509.
80
De toda forma, quer se trate de uma ou outra espécie, a intimação prevista no
artigo 316 produzirá todos os efeitos da citação válida especificados no artigo 219 do
Código de Processo Civil.
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho129 reporta-se ao fato de que, já na época das
Ordenações Filipinas (Livro III, Título II, princípio), vigorava a excepcionalidade da
citação na pessoa do procurador da parte, mencionando entendimento de J. J. Calmon de
Passos sobre o tema e destacando a reconhecida dificuldade existente para contato, muitas
vezes, entre o defensor e o hipossuficiente, inviabilizando a apresentação de resposta à
reconvenção.
Não resta dúvida que a advertência é fundada porque são reconhecidamente
freqüentes as dificuldades de localização do hipossuficiente, e mesmo considerando a regra
do artigo 5º, parágrafo 5º da Lei n. 1.060/50 em relação aos prazos, se mostra inviável que
seu defensor logre apresentar resposta à reconvenção, o que poderá lhe trazer efeitos
processuais nocivos.
O segundo tema relevante diz respeito à interpretação do artigo 316 do Código de
Processo Civil.
Com efeito, interpretando de forma literal do disposto acima citado, se chegaria à
conclusão de que ao autor reconvindo restaria apenas a apresentação da contestação.
Ocorre, entretanto, que se efetuada uma interpretação sistemática do Código,
pode-se notar que por mais de uma vez a palavra contestar é utilizada não como espécie de
um gênero, mas no sentido de resposta.
Nesse aspecto, apenas à guisa de exemplos, citem-se os artigos 57, caput, 188 e
191, que seriam suscetíveis de ratificar que o termo contestação é por vezes utilizado com
o sentido de responder.
129 Luiz Paulo da Silva Araújo Filho, A “intimação” do reconvindo na pessoa do seu procurador (art. 316 do
CPC) e o defensor público, Revista de Direito da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, CEJUR, 2. ed., 1996.
81
A matéria ora enfocada remete à questão da admissibilidade da chamada
reconvenção sucessiva, ou a reconvenção da reconvenção.
Os que se colocam contrariamente à possibilidade do oferecimento de
reconvenção sucessiva o fazem, via de regra, tendo como base o fato de que admitida tal
faculdade, haveria verdadeiro tumulto processual.
Se admitida a possibilidade antes aventada, ter-se-ia dentro dessa ordem de
raciocínio afronta à economia processual, que é um dos fundamentos para a
admissibilidade da reconvenção.
Restariam, assim, como possíveis defesas pelo réu, a contestação e a apresentação
de exceções.
Os partidários da tese favorável ao oferecimento da reconvenção sucessiva
argumentam que o interesse do autor em fazê-lo pode ter surgido justamente em razão da
reconvenção do réu.
Além disso, não haveria o risco de tumulto processual, quer porque a reconvenção
sucessiva deve observar requisitos genéricos e específicos, quer ainda porque somente
seria admissível seu oferecimento quando se tratasse de pedido que o autor não poderia ter
formulado com a inicial, com o que se impediria afronta ao princípio da estabilidade da
demanda (arts. 264 e 294 do CPC).130
Posicionam-se contrariamente à possibilidade do oferecimento de reconvenção
sucessiva pelo autor reconvindo, entre outros, Wellington Moreira Pimentel131, Frederico
Marques132, Clito Fornaciari133, Luiz Rodrigues Wambier134¸ Adroaldo Fabrício135 e Jaime
Guasp.136
130 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 504. 131 Wellington Moreira Pimentel, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975, p. 321. 132 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1974, v. 2. p. 95. 133 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 176. 134 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de
processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, cit., p. 411. 135 Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 173. 136 Jaime Guasp, Derecho procesal civil, cit., p. 260.
82
Manifestam-se favoravelmente à possibilidade do autor oferecer reconvenção
sucessiva, entre outros, Moacyr Amaral Santos 137 , Calmon de Passos 138 , Pontes de
Miranda139, Cândido Dinamarco140 e Mario Dini.141
Considerando que o Código de Processo Civil não vedou expressamente a
admissibilidade da reconvenção sucessiva, seu oferecimento acaba por gerar controvérsias.
Entendemos, todavia, respeitando as posições em contrário, que a reconvenção
sucessiva atende ao princípio da economia processual, à medida que enseja uma
pacificação mais completa de conflitos, evitando a propositura de ações autônomas.
O temor da eternização dos conflitos pode ser atenuado, desde que se observem
rigorosamente os requisitos genéricos e específicos para a propositura da ação por meio da
reconvenção e se examine se a hipótese comportava ou não a formulação de pretensão pelo
autor na inicial, a fim de que não se burle a regra da estabilização da demanda, conforme
antes assinalado.
Questão ainda de suma relevância é o efeito da revelia, no que se refere ao autor
reconvindo e ao réu reconvinte.
Aderbal Torres de Amorim142, após tecer críticas à intimação prevista no artigo
316, na pessoa do advogado do autor reconvindo, acentua que, no caso da extinção do
processo sem resolução do mérito (art. 267, inc. III), exige-se sua realização pessoal, e não
se poderia conceber para um ato de “muito maior relevância processual” que se admitisse
os efeitos da revelia, diante do silêncio do autor reconvindo.
137 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 4. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973, p.
258. n. 96. 138 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 315-316, n. 216. 139 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1973, Rio de
Janeiro: Forense, 1975, v. 3, p. 181-182. 140 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 504. 141 Mario Dini, La demanda riconvenzionale nel diritto processuale civile, 3 ed., Milano: Giuffrè, 1978, p.
172. 142 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e revelia, Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 284, p. 66 e ss,
out./dez. 1983.
83
Diferencia os efeitos da revelia conforme a demanda reconvencional seja proposta
em conexão com a ação principal ou com a resposta a ela, afirmando:
“Não seria crível que esgotada (quando esgotada) a matéria na petição inicial da ação primitiva, viesse o demandante a ser alvejado com os efeitos da contumácia porque o réu, além da contestação, intentou também ação reconvencional com o nexo causal fundado na ação e não na defesa. Ora, se na inicial já se esgotou o pensamento e já se esgotaram as razões do demandante, seria verdadeira iniqüidade que da ação proposta (e no mesmo processo, segundo alguns), lhe nascessem os efeitos de revel! Por tudo isso é que se repete: sempre que a reconvenção for proposta em conexão com a própria demanda primitiva, de nenhum modo se poderá alvitrar a aplicação ao autor reconvindo dos efeitos da revelia e, nesse caso, ainda quando regularmente citado!”143
Eduardo Arruda Alvim144 sustenta que a não apresentação do contestação pelo
autor reconvindo conduz à presunção relativa de veracidade dos fatos nela alegados (art.
319), assim como a não observância do princípio do ônus da impugnação especificada dos
fatos levará à presunção de serem verdadeiros os não refutados (art. 302).
Pondera que para a presunção antes indicada, não há necessidade de que conste da
intimação a advertência do artigo 285 do Código de Processo Civil.
Reportando-se ao magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery, observa que a ratio essendi do artigo 285 reside no fato de ser o réu leigo, mas que
considerando ser o autor reconvindo intimado na pessoa de seu advogado, este tem
conhecimentos técnicos suficientes para saber os efeitos decorrentes de sua inércia.
Para o réu reconvinte, a apresentação da contestação não constitui pressuposto
para o oferecimento da reconvenção.
Sobre a desnecessidade da apresentação da contestação para o oferecimento da
reconvenção, pertinente o quanto consignado por Clito Fornaciari:
143 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e revelia, cit., p. 68. 144 Eduardo Arruda Alvim, Curso de direito processual civil, 2. tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, v. 1, p. 456-457.
84
“Não existe óbice algum à dedução da reconvenção sem contestação. O fato de a lei exigir simultaneidade de ambas deve ser interpretado com vistas a se vedar, onde seja intento do réu opor as duas modalidades de resposta, que seja cada qual oferecida em momento diverso da outra. O artigo 299 não cria a necessidade de que a reconvenção venha sempre ladeada à contestação, mas sempre que existirem ambas, elas devem fazer-se presentes acompanhadas.”145
A respeito do tema em exame, vale ainda mencionar o entendimento de Coqueijo
Costa, que afirma: “Sendo o reconvinte revel, inadmissível se torna o julgamento
antecipado da lide numa das hipóteses previstas no artigo 330: a de n. II, isto é, quando
ocorre a revelia. A reconvenção deduzida pelo réu a impedirá, uma vez que terão de ser
julgados pela mesma sentença a ação e a reconvenção.”146
Parece-nos que, nas duas hipóteses, a inércia do autor reconvindo e do réu
reconvinte na apresentação da contestação, eventual presunção de veracidade dos fatos
alegados pelo adversário poderá ser afastada se a inicial da ação originária ou da
reconvenção vierem a torná-los controversos ou seus fundamentos forem incompatíveis
com da demanda da parte contrária.
Aplicar-se-ia em tais casos o artigo 302, inciso III do Código de Processo Civil, já
que os fatos estariam em contradição face ao quanto alegado na inicial da ação originária
ou da reconvenção, exigindo que sobre eles haja produção probatória, nos exatos termos do
artigo 334, inciso III, conforme interpretação a contrário senso.147
2.4.3.4 Autonomia da reconvenção e recurso cabível quanto ao
indeferimento da inicial do réu reconvinte
Dois temas que ainda merecem algumas observações em relação à reconvenção,
especialmente considerando o cotejo que se pretende realizar com a ação declaratória
incidental, as ações dúplices e o pedido contraposto, são a característica da autonomia da
reconvenção prevista no artigo 317 do Código e o recurso apropriado quanto ao
145 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 156. 146 Coqueijo Costa, Reconvenção, Revista Brasileira de Direito Processual Civil, n. 2, p. 35-36, jun. 1974. 147 Nesse sentido: TJSP − Agravo de Instrumento n. 41.414-2, 7ª Câmara Civil, v. u., rel. Tomaz Rodrigues, j.
06.05.1982.
85
indeferimento da inicial do réu reconvinte, face à alteração da redação do artigo 162,
parágrafo 1º do Código de Processo Civil, empreendida pela Lei n. 11.232, de 22.12.2005.
O artigo 317 do Código de Processo Civil enfatiza a autonomia da reconvenção,
que não se trata, destarte, de ação acessória da originariamente proposta.
Como sublinha Humberto Theodoro Júnior148, a nulidade do pedido do autor não
prejudica o pedido reconvencional, já que a ação e reconvenção são independentes,
devendo ser consideradas per se, sendo a recíproca verdadeira, ou seja, a desistência da
reconvenção ou sua extinção, sem resolução do mérito, igualmente não atinge a demanda
proposta pelo autor reconvindo.
Reportando-se a julgamento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, Nelson
Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery observam que a autonomia antes citada não é
absoluta, porque caso a sentença extinga a ação e reconvenção, e somente o autor
reconvindo apele, o provimento do seu recurso não enseja a reabertura do procedimento da
reconvenção, mas somente da ação principal.149
Ressalta-se que embora autônomas, ação e reconvenção não necessariamente
terão julgamentos opostos.
Com efeito, é possível que em ambas os seus autores (autor reconvindo e réu
reconvinte) não logrem êxito ou obtenham procedência parcial.
Basta, nesse aspecto, exemplificar com a hipótese de um cônjuge que tenha
intentado separação judicial litigiosa em face do outro, e haja reconvenção oferecida, tendo
como conexão o pedido, mas com causas de pedir diversas, e ambos não obtenham sucesso
quanto à prova de suas alegações, de tal sorte que o julgamento, na mesma sentença, das
demandas ajuizadas pelo autor reconvindo e o réu reconvinte, poderá obter igual resultado.
148 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 359. 149 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 707. O julgado foi publicado no Boletim AASP 1.699/184.
86
Por derradeiro, o recurso cabível em função do indeferimento da petição inicial da
reconvenção. No Código de 1939, o recurso previsto era o agravo de petição, nos termos
do artigo 846, segundo o qual “salvo os casos expressos de agravo de instrumento, admitir-
se-á agravo de petição, que se processará nos próprios autos, das decisões que impliquem a
terminação do processo principal, sem lhe resolverem o mérito”.
Não obstante sustentassem o mencionado posicionamento Moacyr Amaral
Santos150 e Pontes de Miranda151, outros, como José Frederico Marques152, entendiam que
o recurso cabível seria o agravo no auto do processo, que era julgado por ocasião da
apelação como preliminar (art. 852 do CPC de 1939), enquanto o agravo de petição subia
nos autos principais (arts. 847 e 848 do CPC de 1939).
A dúvida então existente, no que se refere ao manejo do agravo de petição ou no
auto do processo passou, com a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a envolver
o agravo de instrumento ou a apelação.
Sérgio Bermudes153 e Arruda Alvim154 preconizam o cabimento da interposição
da apelação. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery155 , Vicente Grecco
Filho156, Calmon de Passos157 e João Batista Lopes158 sustentam ser o caso de interposição
de agravo de instrumento.
150 Moacyr Amaral Santos, Da reconvenção no direito brasileiro, 2. tiragem, São Paulo: Max Limonad,
1958, n. 102. 151 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio e Janeiro:
Forense, 1959, v. 11, p. 488. 152 José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. 4, p.
232-233. 153 Sérgio Bermudes, Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 496-565, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975, v. 7, p. 120, n. 101. 154 José Manoel de Arruda Alvim et al., Indeferimento liminar de ação declaratória incidental, reconvenção,
oposição; embargos do devedor e pedido de assistência: recurso cabível, Revista de Processo, São Paulo, ano 1, n. 2, p. 237-240, abr./jun. 1976.
155 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery observam que o processo é o conjunto da ação principal e da reconvenção, de tal sorte que se apenas uma delas for extinta, ainda que com julgamento do mérito, o ato judicial que a extingue é decisão interlocutória, pois o processo não se extinguiu. (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 562).
156 Vicente Greco Filho sustenta que a reconvenção aproveita a base procedimental da ação principal porque é ação, mas simultaneus processus, e o ato do juiz que a rejeita liminarmente não põe fim a todo o processo (Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais, 16. ed., cit., v. 2, cit., p. 138).
157 José Joaquim Calmon de Passos realça que o indeferimento da petição da reconvenção põe fim à ação reconvencional, mas não extingue o processo, que se mantém com a ação principal (Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 322, n. 224).
158 João Batista Lopes igualmente acentua que a reconvenção é nova ação, mas não enseja novo processo (Curso de Direito Processual Civil: processo de conhecimento, São Paulo: Atlas, 2006, v. 2, p. 49).
87
O dissenso que se encontrava bastante mitigado, predominado o entendimento
pela interposição do agravo de instrumento, em que pese a admissibilidade de eventual
invocação do princípio da fungibilidade, poderá se reacender em função da atual redação
do artigo 162, parágrafo 1º.
Referido dispositivo conceitua sentença como o ato do juiz que implica alguma
das situações previstas nos artigos 267 e 269 do Código de Processo Civil.
A redação anterior definia a sentença como o ato do juiz que punha fim ao
processo, decidindo ou não o mérito da causa.
A modificação da redação do dispositivo se explicaria em função do fato de ter se
passado a adotar o processo sincrético, também no que concerne à obrigação por quantia
certa, sem que haja a necessidade de um novo processo de execução autônomo.
O ato do juiz, portanto, que efetue o julgamento da pretensão não poria mais fim
ao processo de conhecimento, mas apenas à sua primeira fase, que prosseguiria para a
realização do direito constante do título, através de seu cumprimento.
Caso se acolha o entendimento no sentido de que a redação atual do dispositivo
teria consagrado a posição que considera ser a sentença definida pelo conteúdo, e não pela
finalidade, relevantes implicações poderiam advir no processo, abarcando, entre outras, a
hipótese ora abordada.
Se tomada rigorosamente a conceituação da sentença a partir do conteúdo do ato
do juiz, ter-se-ia que analisar a sua subsunção a alguma das hipóteses do artigo 267 e 269.
Assim, o ato do juiz que indeferisse a petição inicial da reconvenção, porque
suscetível de enquadramento no artigo 267, inciso I, ou caso tenha sido feito com base na
decadência ou na prescrição (arts. 269, inc. IV e 295, inc. IV) se trataria de sentença, da
qual seria interponível o recurso de apelação.
88
Considerando a redação do artigo 520, caput do Código de Processo Civil, o
referido recurso seria recebido no duplo efeito, devolutivo e suspensivo, com evidente
prejuízo à efetividade e à marcha processual.
Parece-nos assim, como já alvitrado por parte da doutrina, que seria preferível o
entendimento de que se teria passado a adotar, após o advento da Lei n. 11.232/2005, um
conceito misto de sentença.
A sentença seria o ato do juiz com o conteúdo dos artigos 267 e 269 do Código de
Processo Civil e que tenha posto fim ao processo, ou a uma das fases do processo.
Vale para ratificar o posicionamento ora externado relembrar que o próprio
Código de Processo Civil, mesmo após a edição da Lei n. 11.232/2005 não teria se
distanciado de tal caminho, tanto assim que, para efeito de embargos, distingue conforme a
decisão que os resolve importe extinção da execução, quando prevê a interposição de
apelação, daquela que não tenha o citado efeito (art. 475-M, § 3º).
As questões examinadas relativas à autonomia da reconvenção, e no que tange ao
recurso interposto, se mostram igualmente relevantes, no que se refere às distinções entre a
aludida forma de contra-ataque do réu e outros posicionamentos que ele poderá adotar,
entre os quais a propositura de ação declaratória incidental, e a formulação de pretensão a
um bem da vida por ele, nas ações dúplices e nas que admitem o pedido contraposto.
2.4.4 Ação declaratória incidental
2.4.4.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica
A respeito da origem da ação declaratória incidental, Humberto Theodoro
Júnior159 afirma que até o Código de 1939, o instituto não merecia referência expressa na
legislação formal, encontrando-se regulamentado nos artigos 5º, 325 e 470 do codex de
1973.
159 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, Revista Brasileira de Direito Processual, Rio de
Janeiro, Forense, v. 49, p. 84, jan./mar. 1986.
89
Consigna que o direito romano conhecia os praeiudicia e as actiones
praeiudiciales. Alude a ensinamento de Adroaldo Fabrício, indicando que os conceitos de
prejudicialidade e coisa julgada atualmente dominantes estão muito próximos aos que
vigiam no direito romano.
Na legislação estrangeira, conforme magistério de João Batista Lopes 160 , o
instituto da ação declaratória incidental deve seus contornos iniciais à doutrina francesa,
transmitindo-se posteriormente aos direitos italiano e alemão.
Na Itália, conforme o autor supra indicado, a elaboração dos autores franceses foi
admitida pela doutrina, embora a legislação não a disciplinasse expressamente.
O Código italiano de 1940, no artigo 34, veio a dispor sobre o instituto, havendo
casos particulares de declaração incidente previstos nos artigos 35 e 318, e no artigo 124
do Código Civil.
Na Alemanha, o § 280 da ZPO prevê a declaratória incidental, que sendo
formulada pelo autor constitui verdadeira ação, e a apresentada pelo réu, uma demanda
reconvencional.
O § 236 da ZPO austríaca regula a ação declaratória, que em Portugal é
disciplinada no Livro I, Título I, Capítulo I, artigo 4º, dispondo entre as espécies de
declarativas as de simples apreciação, visando obter unicamente a declaração da existência
ou inexistência de um direito ou de um fato.
Não resta dúvida que para o exame da ação declaratória incidental, ainda que de
forma sintética, é imprescindível relembrar os limites objetivos da coisa julgada constantes
dos artigos 469 e 470 do Código de Processo Civil e estabelecer um conceito de questão
prejudicial, diferenciando-a da preliminar.
Como é cediço, os artigos 469 e 470 do Código determinam como regra geral que
a coisa julgada material atingirá apenas a parte dispositiva da sentença, vale dizer, aquela
160 João Batista Lopes, Ação declaratória, 5. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002,
p. 128-130.
90
em que o juiz entrega a tutela jurisdicional que lhe foi requerida, decidindo sobre o bem da
vida em disputa, julgando, enfim, a pretensão formulada.
Caso qualquer dos sujeitos da relação processual pretenda expandir o campo da
coisa julgada material, para que passe ela a alcançar também a questão prejudicial que
seria decidida incidenter tantum, na parte da fundamentação da sentença, poderá, então,
intentar a ação declaratória incidental.
Como explica Humberto Theodoro Júnior161, é de suma relevância extremar o
iudicium da cognitio, porque apenas sobre o primeiro é que irá repousar a eficácia da coisa
julgada.
Por iudicium pode-se entender, segundo ele, a conclusão da sentença que
soluciona a lide, a declaração a respeito da relação jurídica principal invocada pelo autor
que proclama a vontade da lei a respeito da pretensão ao bem da vida objeto do petittum.
Já cognitio pode ser entendida como atividade lógica, com que o julgador toma
conhecimento e faz a devida valoração dos fatos e fundamentos de tudo que vai influir no
conteúdo do julgamento.
Celso Agrícola Barbi162 realça que a ação declaratória incidental evita a renovação
de discussão sobre a mesma prejudicial em outras demandas futura entre as mesmas partes
e o risco de decisões conflitantes, em processos diversos, sobre uma mesma questão.
2.4.4.2 Requisitos para a propositura da ação declaratória
incidental
João Batista Lopes163 define a ação declaratória incidental como a ação (e não
mero incidente processual) proposta pelo autor ou pelo réu, em processo pendente, visando
a ampliação do âmbito da coisa julgada material.
161 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, cit., p. 95. 162 Celso Agrícola Barbi, Ação declaratória principal e incidente, 4. ed., 2. tir., Rio de Janeiro: Forense,
1977, p. 207. 163 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 127.
91
O autor ainda aponta as principais distinções entre as questões prévias prejudiciais
e as preliminares, com escólio no entendimento de Barbosa Moreira, Thereza Alvim e
Antônio Scarance Fernandes, valendo, pela sua pertinência, transcrever as diferenças
indicadas, já que a ação declaratória incidental apenas pode incidir sobre as primeiras: “a)
a denominação questões prévias refere-se ao gênero de que as preliminares e as
prejudiciais constituem espécies; b) preliminares são as questões cuja solução pode tornar
dispensável ou inadmissível o ajuizamento das questões dela dependentes; c) prejudiciais
são as questões cuja decisão influenciará ou determinará o conteúdo da questão
vinculada.”164
O autor menciona posição de Arruda Alvim que, com fulcro nas lições de Salomi,
Chiovenda e Menestrina, distingue entre ponto prejudicial, questão prejudicial e causa
prejudicial, a saber:
“1º) ponto prejudicial é o antecedente lógico incontroverso; 2º) questão prejudicial é o antecedente lógico controvertido, o qual deve ser resolvido pelo juiz no mesmo processo, e diríamos nos lógico-jurídicos controvertidos; 3º) a causa prejudicial é aquela que surgindo antes ou depois da litispendência da causa prejudicada terá que ser resolvida antes desta, em processo autônomo ou mediante declaratória incidental ou reconvenção se surgida após a litispendência prejudicada, acrescentamos.”165
Athos Gusmão Carneiro, citando Hugo Alsina, alude à dificuldade em precisar o
conceito de prejudicialidade, parecendo-lhe razoável definir como prejudicial toda questão
que constitua um antecedente lógico da sentença, e que se baseie em “una relacíon
sustancial independiente de la que motiva a litis”.166
Arruda Alvim arrola os seguintes requisitos para o pedido de julgamento da ação
declaratória incidental, assinalando que quanto ao mais se aplicariam as regras gerais, quer
as relativas às condições da ação, quer as de índole estritamente processual:
“1º) que o julgamento a respeito da questão prejudicial pudesse ser objeto de demanda autônoma, o que significa que, em última análise, a pretensão à declaratória incidental expressa um bem da vida;
164 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 134. 165 Ibidem, mesma página. 166 Hugo Alsina, Las cuestiones prejudiciales en el processo civil, EJEA, 1959, apud Athos Gusmão
Carneiro, Ação declaratória incidental no novo Código de Processo Civil, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 93, v. 822, p. 755-758, abr. 2004.
92
2º) ademais, que exista entre a demanda incidental e a principal uma relação de prejudicialidade; ou seja, que a causa que vai ser julgada, através da declaração incidental, constitua-se num aspecto prejudicial da outra questão e, que, mediante a declaração incidental passe a ser verdadeiramente uma causa prejudicial; 3º) que a questão prejudicial seja controvertida.”167
Considerando os requisitos antes indicados, resulta, em princípio, indispensável a
apresentação da contestação pelo réu para que surja a litigiosidade exigida para efeito de
propositura da ação declaratória incidental.
O exame do artigo 321 do Código de Processo Civil seria, contudo, suscetível de
causar dúvidas, já que no referido dispositivo está previsto que caso o réu seja revel e o
autor pretenda demandar declaração incidente, será necessário promover nova citação.
Como menciona Adroaldo Fabrício 168 , pode-se, com fulcro na doutrina,
vislumbrar ao menos três hipóteses em que a revelia não impediria a declaratória
incidental, que seriam as seguintes: a) quando o revel foi citado por edital ou com hora
certa e o curador especial provocou a litigiosidade superveniente; b) quando, além do réu
revel, existem litisconsortes passivos que contestaram a ação; c) quando dois processos
conexos são reunidos para instrução e julgamento conjunto, sendo que o réu é revel num e
não é no outro, e a questão prejudicial é suscitada naquele em que não há revelia, deverá
também produzir efeito sobre o sujeito à revelia.
Outra questão que é de grande relevância, especialmente sopesando as atitudes
que réu pode vir a adotar, reside na legitimidade para o ajuizamento da ação declaratória
incidental.
Cabe quanto à legitimidade observar que o artigo 5º do Código de Processo Civil
prevê a possibilidade de qualquer das partes intentar a ação declaratória incidental.
167 José Manoel de Arruda Alvim, Ação declaratória incidental, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos
Tribunais, ano 5, n. 20, p. 13, out./dez. 1980. 168 Adroaldo Furtado Fabrício, A ação declaratória incidental, cit., p 136-137, n. 60.
93
No conceito de parte devem ser incluídos os opoentes e opostos, bem como os
litisconsortes, e sendo este não unitário, um deles ou alguns poderão figurar como partes da
ação declaratória incidental, tanto no pólo ativo, como passivo.169
Sobre a eventual extensão subjetiva da coisa julgada material em relação aos
demais litisconsortes, Arruda Alvim170 adverte que cada um propondo a ação declaratória
incidental a confinará com referibilidade a si. Ressalva que embora já se encontram
litisconsorciados, aqueles que seriam atingidos pela res judicata no litisconsórcio unitário
formado pela propositura da ação, não se justifica, todavia, que com a declaratória
incidental ficassem os mesmos litisconsortes submetidos à autoridade da coisa julgada, que
agora viria pesar sobre a relação prejudicial, pois se estaria, também, diante de uma única
lide, com pluralidade de sujeitos.
O assistente não sendo parte não poderá ajuizar a ação declaratória incidental,
facultado-lhe, entretanto, manter tal qualidade na declaração incidente.
Além dos requisitos retro indicados, podem ser citados: a competência absoluta do
órgão jurisdicional para apreciação da ação declaratória incidental (arts. 109, 111 e 470 do
CPC) e que a “relação jurídica litigiosa se situe fora do pedido, que se cuide de
pronunciamento meramente declaratório e que haja identidade do tipo de procedimento
adotado para a ação subordinada e subordinante e que o processo seja de cognição
ampla”.171
Assim, não admitiriam a propositura de ação declaratória incidental as ações de
consignação em pagamento, possessórias (art. 923, que veda discussão sobre o domínio),
inventário (art. 984), mandado de segurança (art. 15 da Lei n. 1.533/51), busca e apreensão
de coisa gravada com alienação fiduciária (art. 3º e § 2º do Dec.-Lei n. 911/69), alimentos
(art. 2º da Lei n. 5.478/68) e desapropriações (Dec.-Lei n. 3.365/41).
169 Humberto Theodoro Júnior, Ação declaratória incidental, cit., p. 107, com escólio em Adroaldo Fabrício e
Pontes de Miranda. 170 José Manoel de Arruda Alvim, Ação declaratória incidental, cit., p. 12. 171 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 136-137.
94
2.4.4.3 Reconvenção e ação declaratória incidental −−−− Distinções
Como o artigo 5º antes citado menciona a legitimidade de qualquer das partes para
intentar declaração incidente, não pairaria dúvida sobre a possibilidade do réu fazê-lo.
Ocorre todavia que grassa considerável dissenso na doutrina sobre se estaria o réu,
ao intentar a ação declaratória incidental, na realidade oferecendo reconvenção.
Barbosa Moreira172 entende que a ação declaratória incidental ajuizada pelo réu
equipara-se substancialmente a uma reconvenção.
Destaca que a reconvenção pode ser utilizada com a finalidade típica da ação
declaratória incidental, para ensejar o pronunciamento, com força de coisa julgada, sobre
questão prejudicial da suscitada principaliter na ação do autor-reconvindo.
Reconhece a existência de pontos de contato e até de certa fungibilidade entre a
reconvenção e a ação declaratória incidental, mas consigna que os dois institutos são
diversos, nos seus requisitos de admissibilidade e disciplina formal. Sustenta ser aplicável,
por analogia, à ação declaratória incidental, o disposto, quanto à reconvenção, no artigo
253, parágrafo único do Código de Processo Civil.
Humberto Theodoro Júnior 173 entende que para o réu, a ação declaratória
incidental pode normalmente ser manejada através da reconvenção, concordando, em tal
ponto, com a posição de José Frederico Marques.174
Athos Gusmão, reportando-se ao entendimento de Chiovenda, sustenta que a
declaratória incidental por parte do réu é uma espécie de reconvenção, mas costuma-se
reservar o nome de “reconvenção” para o caso em que o réu intenta uma ação condenatória
ou constitutiva. Quando o réu se limita a requerer uma declaração positiva ou negativa,
utiliza-se da declaratória incidental.
172 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,
p. 92-93. 173 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 366. 174 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, v. 2, p. 105, n. 397.
95
Refere-se ainda à posição de Galeno de Lacerda, para quem a declaração
incidente, quando formulada pelo réu, é uma demanda reconvencional com pedido sempre
declaratório negativo (exceto se a ação principal for declaratória negativa, caso em que a
declaração incidente do réu terá caráter declaratório positivo); se apresentada pelo autor, é
sempre positiva (salvo quando a ação principal for declaratória positiva, caso em que terá
caráter negativo).
Ernani Fidélis admite a declaratória incidental pelo autor ou pelo réu, mas ressalta
que apesar da lei não dizer, pelo princípio da eventualidade, deverá ela ser requerida com a
contestação, e observa: “O autor terá o prazo de dez dias para promover a ação declaratória
incidente, prazo que abre forçosamente, por despacho judicial, quando o juiz verificar, na
contestação, questão prejudicial (323). Se não o fizer, porém, o prazo do autor terá início a
partir do conhecimento da contestação do réu, ou seja, pela primeira vez que tiver de falar
nos autos.”175
Não obstante seja forçoso reconhecer a existência de pontos de convergência entre
a reconvenção e a ação declaratória incidental, e admitida excepcionalmente sua
fungibilidade, como defende Barbosa Moreira, não há dúvida que existem diferenças claras
entre os dois institutos.
Arruda Alvim adverte que vários autores têm sustentado que a declaratória
incidental proposta pelo réu sê-lo-ia sempre por via reconvencional, mas considera não ser
correta tal posição, arrolando as razões que o levaram a tal conclusão, a saber:
“1ª) se a lei distingue, nitidamente, entre reconvenção e declaratória incidental, não é lícito ao intérprete deixar de acatar a distinção; 2ª) na reconvenção, propriamente dita, existe causa petendi e pedidos, que são encartados no processo, via de regra, contrapostamente à ação nela contida; 3ª) na ação declaratória incidental, o que ocorre é, exclusivamente, solicitação de que, também sobre a relação prejudicial, que seria necessariamente examinada, tendo havido ou não, ação declaratória incidental, sobre essa matéria se opere a autoridade da coisa julgada; 4ª) na reconvenção, o reconvinte traz a sua causa petendi e o seu pedido, ao passo que, na ação declaratória incidental, diversamente, a matéria já consta do processo, ou seja, o ponto (relação subordinante ou prejudicial) é trazido ao processo pelo autor, e o réu, contestando-o (contestando a
175 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p.
398.
96
relação prejudicial) transmuda-o em questão, e a respeito solicita (= formula pedido, propondo ação) autoridade de coisa julgada; 5ª) a ação declaratória incidental apóia-se sempre sobre questão prejudicial, ao passo que isto não ocorre, necessariamente, com a reconvenção; 6ª) pode haver reconvenção, sem que tenha havido contestação, o que inocorre com a ação declaratória incidental – praticamente sempre (v. art. 321) – porquanto o tornar litigiosa a relação subordinante é um dos pressupostos da proponibilidade de ação declaratória incidental; 7ª) à reconvenção não-impugnada aplicar-se-á o artigo 319, quanto àqueles fatos que, no processo, não resulta a evidência contrária; diversamente, o artigo 319 é inaplicável à ação declaratória incidental, porque: a) se proposta a ação declaratória incidental, necessariamente já se terá criado controvérsia a respeito da relação prejudicial, e, portanto, deverá, ipso facto, haver atividade probatória; b) outrossim, e, da mesma forma, se vier a ser proposta pelo autor, também por causa da contestação à relação prejudicial, que é um dos pressupostos do cabimento da ação declaratória incidental, terá de haver, igualmente atividade probatória.”176
Enfatiza o aspecto divergente quanto ao regime jurídico da ação declaratória
incidental e da reconvenção.
Uma vez que a declaratória é incidente, ocorrendo a extinção do processo sem
resolução do mérito, e já tendo sido ela proposta e admitida, todo o feito se extinguirá,
inclusive o pedido de declaração incidental formulado por qualquer das partes.
O regime jurídico será outro em se tratando de reconvenção, já que o artigo 317
prevê a sua autonomia.
Em que pese a relevância das distinções antes indicadas, parece-nos conveniente
não olvidar, como anteriormente exposto, que a revelia do autor reconvindo ou do réu
reconvinte não necessariamente conduzirá à presunção de veracidade dos fatos alegados
pelo adversário, e que o objeto da declaratória incidental é mais restrito.
Com efeito, se através da reconvenção pode ser ajuizada ação de qualquer
natureza jurídica, na declaratória incidental seu fito será sempre uma declaração positiva
ou negativa, quando à existência ou inexistência de relação jurídica de direito material que
poderia ser objeto de demanda autônoma.
176 José Manoel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.
325-326.
97
Vale ainda notar que a legitimidade para a propositura da ação declaratória
incidental é cabível para qualquer das partes, enquanto a reconvenção, exceto se admitida a
sucessiva, apenas se restringe ao réu.
Além disso, à falta de qualquer previsão no Código de Processo Civil quanto ao
procedimento a ser observado após a propositura da ação declaratória incidental, deverá se
seguir o quanto estabelecido para a reconvenção.
Destarte, ajuizada a declaratória incidental, deverá se promover a intimação do
adversário, na pessoa do advogado, nos termos do artigo 316 do Código de Processo Civil,
solucionando-se numa sentença única a ação principal e a incidente.
Pode-se, contudo, dizer, não obstante as distinções feitas, como o faz João Batista
Lopes177, que as conseqüências práticas das diferenças apontadas são pequenas, uma vez
que nada impede que o réu, deixando de pedir a declaração incidente, formule idêntica
pretensão em sede reconvencional.
Tanto a declaratória incidental como a reconvenção são ações, não se confundindo
com a simples contestação do réu, devendo ambas ser oferecidas pelo réu no prazo para a
resposta.
2.4.5 Outras atitudes do réu
Além dos posicionamentos antes indicados, há ainda outros que podem ser
adotados pelo réu, valendo ressalvar que, no caso do procedimento sumário, pela ampla
concentração de atos processuais prevista e a maior proximidade temporal entre eles, na
audiência de conciliação e resposta, poderá se efetuar a argüição de matérias, como a
impugnação ao valor da causa, oralmente.
177 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 132-133.
98
2.4.5.1 Impugnação ao valor da causa
O artigo 261 do Código de Processo Civil deixa claro que eventual impugnação
ao valor da causa, no procedimento ordinário, deverá ser deduzida em petição própria,
autuando-se em apenso, sem suspensão do processo, pelo que constitui uma forma
específica de resposta do réu.
Nos artigos 259 e 260, o Código de Processo Civil estabelece os critérios ditos
legais ou objetivos para atribuição de valor à causa.
Considerando a complexidade das relações jurídicas e as várias espécies de ações
que podem ser intentadas, se mostraria inviável que o legislador lograsse estabelecer num
rol taxativo todos os valores a serem observados nas diversas causas.
Assim, em não havendo critério objetivo, legal, deve se utilizar o subjetivo, ou
estimativo, tomando-se como parâmetro o proveito econômico buscado com a ação e a
razoabilidade.
É controversa a possibilidade do juiz determinar de ofício sempre a correção do
valor da causa.
Cândido Dinamarco178, não obstante ressalte que há vacilações sobre o tema no
âmbito dos tribunais, entende que sendo o critério do valor da causa legal, o juiz deverá
fiscalizar a sua correção ex officio.
No caso de ser o critério estimativo, o juiz aguardaria eventual impugnação pelo
réu, mas quando o valor atribuído for além do limite de razoabilidade tolerável, o
magistrado agiria de ofício.
Ele o faria porque a matéria relativa ao valor da causa poderia ser objeto de
controle judicial em qualquer momento ou fase do procedimento, já que é de ordem
pública.
178 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 376-377.
99
O parágrafo único do artigo 261 seria indicativo da preclusão para o réu e não se
aplicaria ao juiz.
Entendemos, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que, em
sendo o critério estimativo ou subjetivo, o controle judicial do valor atribuído à causa seria
excepcional, apenas se justificando quando se ferisse a razoabilidade ou fosse utilizado
para alterar regras de competência ou quanto ao procedimento aplicável, bem como se
distanciasse do proveito econômico buscado.179
2.4.5.2 Impugnação aos benefícos da assistência judiciária
gratuita
O artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal assegura assistência jurídica
integral e gratuita pelo Estado aos necessitados que comprovarem sua situação.
Como a Magna Carta garante igualmente o acesso ao Judiciário (art. 5º, inc.
XXXV), o dispositivo antes referido não revogou o artigo 4º da Lei n. 1.060/50, bastando,
destarte, a simples alegação do interessado para concessão do benefício da assistência
judiciária, militando presunção juris tantum de hipossuficiência em seu favor.180
Caso, portanto, tenha sido deferido o benefício da assistência judiciária gratuita
em favor do autor, poderá o réu não na própria contestação, mas observando os requisitos
formais previstos no parágrafo 2º da Lei n. 1.060/50, apresentar impugnação em peça
própria, sendo ônus dele apresentar prova capaz de afastar a presunção referida.
Relembre-se, por derradeiro, dentro do presente tópico, que como dispõe o artigo
4º, parágrafo 2º da Lei n. 1.060/50, a aludida impugnação não levará à suspensão do
processo e será feita em autos apartados.
179 “A modificação do valor da causa, por iniciativa do magistrado, à falta de impugnação da parte, somente
se justifica quando o critério estiver fixado na lei ou quando a atribuição constante na inicial constituir expediente do autor para desviar a competência, o rito procedimental adequado ou alterar a regra recursal.” (STJ − RESP n. 120.363/GO, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado).
180 Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 1.459.
100
2.4.5.3 Incidente de falsidade
O Código de Processo Civil disciplina nos artigos 390 a 395 o incidente de
falsidade.
No caso do réu, poderá provocar o incidente no prazo da contestação, quando o
documento tenha instruído a petição inicial, ou em dez dias, contados da intimação de sua
juntada aos autos.
Em função da complexidade da matéria ora em foco, certamente sua abordagem
poderia envolver vários aspectos relevantes e divergentes, o que, contudo, extrapolaria o
tema desta dissertação.
Assim, se procurará apenas discorrer sobre alguns pontos que possam dizer
respeito mais diretamente à resposta do réu.
Pode-se distinguir entre falsidade de assinatura e falsidade do documento,
material e ideológica.
Consoante mostra Humberto Theodoro Júnior 181 , a primeira não reclama o
incidente de falsidade, já que a fé do documento particular cessa a partir do momento em
que lhe for contestada a assinatura, de tal sorte que a sua eficácia probatória não se
manifestará, nos termos do artigo 338, inciso I, enquanto não se lhe comprovar a
veracidade.
Conforme o autor, a falsidade material se dá nas hipóteses em que o vício se
manifestou na elaboração física do documento, e não na vontade declarada.
A falsidade ideológica seria aquela que se caracteriza quando a declaração,
consciente ou inconscientemente, revela um fato inverídico, que adviria de simulação ou
dos vícios de consentimento.
181 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 410-411.
101
Em outras palavras, a falsidade material se refere ao suporte do documento,
entendido este como o material sobre o qual a expressão do fato se manifesta, enquanto a
ideológica teria como objeto o seu conteúdo.182
Não obstante eventuais divergências sobre a questão filiamo-nos à corrente que
considera cabível o incidente de falsidade apenas no que re refere à falsidade material.
Arruda Alvim183, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery184 e José
Frederico Marques185 posicionam-se contrariamente à admissibilidade do incidente em
relação à falsidade ideológica.
Com efeito, o próprio Código de Processo Civil, no artigo 392, caput, alude à
necessidade de prova pericial, que seria inócua, em tese, para demonstração da falsidade
ideológica, conquanto já tenha se decidido ser possível sua demonstração por outros
meios.186
Ao provocar o incidente antes referido, à semelhança do que ocorre com a ação
declaratória incidental a parte objetiva obter uma decisão com força de coisa julgada
material sobre a autenticidade ou falsidade do documento.
Em que pese tal ponto comum, cabe ressalvar que o incidente de falsidade tem
sempre objeto um fato, vale dizer, a autenticidade ou falsidade de um documento, enquanto
a ação declaratória incidental, como antes destacado, visa declarar a existência ou
inexistência de uma relação jurídica entre as partes.
Além disso, quando caracterizado eventual vício social ou de vontade, a parte não
visa, em regra, apenas obter uma sentença que declare a sua ocorrência, mas uma decisão
182 Luiz Rodrigues Wambier; Flávio Renato Correia de Almeida; Eduardo Talamini, Curso avançado de
processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, cit., p. 506. 183 José Manuel de Arruda Alvim reporta-se aos seguintes julgados: RT 539/85; RJTJSP 64/145 e 88/285;
JUTACivSP 60/252 (Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p. 507). 184 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 748-749. 185 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, Atualizado por Vilson Rodrigues Alves,
Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 100. 186 RP 6/285 (Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e
legislação extravagante, cit., p. 749).
102
que possa desconstituir o ato viciado, para o que seria indispensável o ajuizamento de ação
constitutiva negativa.
Desse modo, se o documento contiver algum vício social ou de vontade, poderá a
parte demonstrar que ele não é merecedor de fé, nos termos do artigo 372, parágrafo único.
Como enfatiza João Batista Lopes187, a discussão sobre o conteúdo ideológico do
documento envolve perquirição de vícios que conduzem à anulação do ato, somente
alcançável pela ação constitutiva, enquanto a sentença proferida na ação incidental de
falsidade não cria, modifica, nem extingue direito, limitando-se à afirmação da qualidade
jurídica do documento.
Por derradeiro, pode-se mencionar que o Código de Processo Civil estabelece
procedimentos diversos, conforme o documento tenha sido oferecido antes da audiência
(art. 391) ou depois de encerrada a instrução (art. 393).
No primeiro caso, haveria duas ações que tramitariam em simultaneus processus,
correndo ambas nos mesmos autos do processo da ação originária. Na segunda hipótese, o
incidente correrá em apenso aos autos principais.
O artigo 395 do Código de Processo Civil define como sentença o ato do juiz que
resolve o incidente, declarando sua falsidade ou autenticidade.
Tomando-se literalmente o disposto no artigo 395, do ato praticado pelo juiz
resolvendo o incidente caberia a interposição de recurso de apelação.
Poder-se-ia ainda considerar que na primeira hipótese (art. 391), o ato praticado
pelo juiz seria uma decisão interlocutória e, no caso do artigo 393, uma sentença.
Por fim, em ambas as hipóteses se teria uma decisão interlocutória, considerando
a finalidade do ato, uma vez que não poria fim ao processo, que prosseguiria para
julgamento da pretensão formulada pelo autor em face do réu.
187 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 110.
103
A redação atual do artigo 162, parágrafo 1º, advinda da Lei n. 11.232/2005 antes
referida, teria o condão de encerrar eventual celeuma, se aceita a concepção de que desde a
edição do aludido diploma legal, passou-se a adotar uma conceituação de sentença
levando-se em conta exclusivamente o conteúdo do ato.
Reportamo-nos ao quanto consignado ao abordar o recurso cabível do
indeferimento da reconvenção, para referendar o entendimento de que a sentença seria
definível por um critério híbrido, levando em conta o conteúdo e a finalidade do ato.
Tais argumentos nos levariam, respeitando as posições contrárias, à conclusão de
que o ato praticado pelo juiz ao decidir sobre o incidente de falsidade continuaria a ser uma
decisão interlocutória atacável por agravo, seja na hipótese do artigo 391, seja na do artigo
393.
Ressalvaríamos apenas o caso de existir como único ponto controverso a questão
relativa à autenticidade ou falsidade do documento, que uma vez dirimida, viesse a ensejar
a prolação de uma sentença o resolvendo e decidindo sobre a pretensão, da qual caberia,
por óbvio, o recurso de apelação.188
De todo, entendemos que mesmo depois da edição da Lei n. 11.232/2005, subsiste
a possibilidade de invocação do princípio da fungibilidade recursal, já que presentes os
pressupostos da dúvida objetiva e da inexistência de erro grosseiro.
Convém, por fim, notar que não provocado o incidente de falsidade no prazo,
inexiste impedimento para que se ajuíze demanda autônoma, nos termos do artigo 4º do
Código de Processo Civil (ação declaratória de falsidade), ou mesmo para que se intente
ação rescisória, após o trânsito em julgado, com fulcro no artigo 484, inciso VI do estatuto
processual civil.
188 Posição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 449.
104
2.4.5.4 Intervenção de terceiros
Das formas de intervenção de terceiros previstas nos artigos 56 a 80 do Código de
Processo Civil, poderá o réu, no prazo de resposta, promover a nomeação à autoria (arts.
62 a 69), oferecer denunciação da lide (arts. 70 a 76) ou provocar o chamamento ao
processo(arts. 77 a 80).
Limitamo-nos, a fim de não transbordar o tema próprio da dissertação, a relembrar
alguns pontos das formas de intervenção de terceiros que o réu pode ensejar.
No caso da nomeação à autoria, tem-se um dever (art. 69 do CPC), através do qual
aquele que foi equivocadamente inserido no pólo passivo da relação processual (detentor,
art. 62 ou preposto, art. 63), indica ao autor quem ostenta legitimidade ad causam, para
ocupar o seu lugar, livrando-se assim dos eventuais efeitos processuais e materiais da
sentença a ser prolatada.
Trata-se, nos termos dos artigos 64 a 68, de um ato complexo que demanda a
concordância, expressa ou tácita, do autor e do nomeado.
A denunciação da lide é uma ação condenatória, secundária ou eventual, intentada
por quem figure como parte em ação que se encontra em curso (litisdenunciante) em face
de terceiro (litisdenunciado), obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar o denunciante,
caso sucumba na ação principal.
Através dela se pretende a formação de um título executivo em favor do
denunciante, em face do denunciado.
Diz-se secundária ou eventual porque pressupõe uma ação principal em curso, e
ainda porque apenas haverá interesse processual na sua apreciação se o denunciante vier a
sucumbir na ação originariamente proposta.
105
No chamamento ao processo, instituto exclusivamente exercitável pelo réu, esse,
uma vez demandado, traz aos autos o devedor principal, o co-devedor ou co-obrigados,
ensejando, conforme posição predominante na doutrina, a formação de um litisconsórcio
passivo, ulterior, facultativo, simples, a fim de que cada um deles passe a responder por
suas respectivas cotas na dívida comum.
Cumpre notar que o Código de Processo Civil, no artigo 75, disciplina a
denunciação da lide feita pelo réu, e o artigo 79 manda que se observe, quanto ao
chamamento ao processo, em relação à citação e prazos, o disposto nos artigos 72 e 75,
aplicáveis à denunciação da lide.
Carece o Código de Processo Civil de uma disciplina mais pormenorizada quanto
à forma da denunciação da lide, quando feita pelo réu ou no que se refere ao chamamento
ao processo.
Diante de tal omissão, tem-se admitido que a denunciação da lide e o chamamento
ao processo se efetuem na própria contestação ou em peça própria, mas necessariamente
dentro do prazo de resposta, devendo resultar inequívoca a intenção de provocar a
intervenção do terceiro.
Relembre-se ainda que no procedimento sumário, o artigo 280 do Código de
Processo Civil veda a intervenção de terceiros, salvo fundada em contrato de seguro, e que
a Lei n. 9.099/95 é ainda mais restritiva, não contemplando em seu artigo 10 qualquer
exceção.
Mencionadas restrições se justificam porque as formas de intervenção de terceiros
provocam a suspensão do feito, o que se mostra incompatível com a celeridade e a ampla
concentração buscada tanto no procedimento sumário, como no que tange ao Juizado
Especial.
2.4.5.5 Da revelia
106
2.4.5.5.1 Aspectos gerais e breve evolução histórica
No período da legis actionis, o réu era convidado a comparecer a juízo e, caso se
recusasse, a lei permitia ao autor compeli-lo, através da força (manus injectio), o mesmo
ocorrendo diante da reação do réu ou da tentativa de sua fuga, razão pela qual se poderia
afirmar que ser inadmissível, nessa fase do direito romano, a contumácia.
Na litiscontestatio, o autor poderia exigir a presença do réu em juízo, salvo se esse
apresentasse uma garantia (vindex).
Conforme Zanzucchi189, face à inviabilidade de se trazer o réu a juízo, autoriza-se
o autor entrar desde logo na posse dos bens do devedor ou do escravo.
Em comparecendo o réu, e mantendo-se todavia inerte, era tido como confesso.
J. J. Calmon de Passos 190 observa que no período formular, caso o réu não
atendesse à convocação para comparecimento a juízo, além de uma multa pecuniária
chamada de missio in bona, o magistrado autorizava o autor a apossar-se dos bens de
demandado como garantia, facultando-se, por vezes, a venda deles.
De outro lado, como assinalado por Luiz Justo Severo Tordino191, reportando-se a
magistério de Affonso Braga, nessa fase já existiam a reiteração da citação com tríplice
denuntiatio ou o edictum peremptorium, de tal sorte se o autor, depois da citação, deixasse
de comparecer, o réu poderia exigir que a causa fosse julgada imediatamente e o juiz
pronunciasse a sua absolvição.
No período da extraordinaria cognitio, o réu era chamado a juízo através da
denuntiatio (forma oral), edictum (édito) ou da litterae (forma escrita).
189 Marco Túlio Zanzucchi, Diritto processuale civile, Milano: Giuffrè, 1947, p. 115. 190 José Joaquim Calmon de Passos, Da revelia do demandado, Salvador: Progresso, 1960, p. 22. 191 Luiz Justo Severo Tordino, A revelia e o julgamento antecipado da lide no novíssimo Código de Processo
Civil, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. 4, p. 147-175, 1973.
107
Não atendida a citação pelo réu, era julgado contumaz (contumax), mas o autor
devia provar sua pretensão, e caso não o fizesse, seu pedido seria recusado. Ambas as
partes, no direito justiniano, estavam obrigados a prestar caução, assegurando seu
comparecimento a juízo.
Menciona o autor, com base em ensinamento de Leo Rosemberg, que, em
havendo recusa por parte do réu em receber o libellus conventionis, o juiz fazia o exame
sumário do mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido do autor. No caso de ausência, após a
litiscontestatio, efetuava-se a inquirição unilateral dos direitos e prolatava-se a sentença,
dando ganho de causa ao autor ou ao réu.
Ao abordar o processo no período da extraordinaria cognitio, José Rogério Cruz e
Tucci e Luiz Carlos de Azevedo192 aludem ao fato de que, na famosa lex properandum (C.
3.1.13 a. 530), ficou estabelecido o procedimento em caso de ausência (eremodicium) de
uma das partes após a litis contestatio.
Notificava-se o faltoso por três vezes, antes que se completasse o prazo de
prescrição intercorrente (3 anos); não comparecendo, a sentença era prolatada. O
contumaz, autor ou réu, independentemente do resultado da causa, era sempre condenado
nas despesas processuais e, admitido a purgar a contumácia, só podia retomar a iniciativa
do feito depois de pagos os prejuízos acarretados ao outro litigante.
No direito canônico, o não comparecimento, tido como desprezo à autoridade pela
parte, era punido com excomunhão, distinguindo-se a ausência do réu na primeira
audiência, quando o juiz imitia o autor provisoriamente na posse de seus bens, ou posterior
à litiscontestatio, quando se procedia à setentia in eremodicio, ou seja, com exposição
unilateral, com decisão favorável ao autor, exceto quando seu direito não estivesse bem
definido.
Nas Decretais de Gregório IX (1234), institui-se relevante princípio sobre a
contumácia, chamado de accusatio contumaciae, pelo qual a contumácia não poderia mais
ser decretada de ofício, dependendo de pedido da parte contrária.
192 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.
161.
108
Conforme Marcelo Abelha193, nas Ordenações Afonsinas, embora já prevista a
contumácia, não se aplicava a confissão ficta.194
Nas Ordenações Afonsinas, caso o autor fosse revel, somente poderia intentar
nova ação comprovando o pagamento das custas do processo anterior, extinto sem
resolução do mérito, diante de sua ausência. Para o réu, em se tratando de ação real, a
revelia autorizava a imissão na posse definitiva pelo autor, e sendo a ação pessoal, o
demandante, provadas as suas alegações e obtida a condenação do demandado, poderia
promover a execução dos bens do patrimônio do devedor.
Nas Ordenações Manoelinas, segundo o referido autor, o aspecto peculiar se
assentava no fato de que se o réu já tivesse recebido o libelo, o processo prosseguiria
mesmo à revelia do autor, julgando o magistrado em favor de quem tinha razão.
Além disso, a revelia do réu não mais importava em imissão na posse dos seus
bens pelo autor, podendo o demandado comparecer até antes da sentença, recebendo o
processo no estado em que se encontrava.
Nas Ordenações Filipinas, não houve grandes alterações, destacando-se apenas a
contumácia do autor, bem como o recurso de agravo de petição ou de instrumento contra a
sentença que decretasse a absolvição da instância.
Os Regulamentos ns. 737/1850 e 763/1890 teriam, conforme o autor supra
indicado, mantido o regime das Ordenações Manoelinas.
As alterações mais relevantes operaram-se com o Código de 1939, que nos seus
artigos 34, 38, 80, parágrafo 1º, alínea “b” e 90, passou a distinguir contumácia e revelia,
prevendo ainda os principais efeitos processuais dessa última, como a aplicabilidade da
193 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, 2. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, v. 2, p. 337 e ss. 194 Livro III, Título XVII das Ordenações Manuelinas : “1. Se o citado parecer perante o juiz, e o que o citou
não parecer ao termo, se o outra vez citar, esse Reo nom lhe respondera até que lhe pague as custas; e se na segunda citação o autor não parecer per sy, nem por outrem, e o citar a terceira vez, nunqua já mais será theudo o Reo de lhe responder sobre aquello, porque jaa foi citado duas vezes, e o autor sempre foi revel, como dito he.”
109
admissão de veracidade dos fatos alegados pelo autor e não impugnados pelo réu (art. 290)
e o transcurso dos prazos, independentemente de intimação ou notificação.
Não obstante houvesse divergência quanto à aplicação da sanção de presunção de
veracidade, o que fora afastado nas Ordenações Manoelinas, acabou-se por adotá-la
expressamente no artigo 319 do Código de Processo Civil de 1973.
2.4.5.5.2 Da revelia −−−− Espécies e efeitos
Não obstante existam autores como Calmon de Passos 195 e Gabriel José de
Rezende Filho196 que considerem sinônimos os termos contumácia e revelia, podemos
dizer que a contumácia é o gênero.
A contumácia é a ausência de qualquer das partes, enquanto a revelia pode ser
tomada em várias concepções.
José Frederico Marques197distingue entre revelia em sentido estrito ou lato.
Revelia em sentido estrito ou revelia específica é a que se caracteriza quando o
réu, citado pessoalmente (ou por seu representante legal), pelo correio ou oficial de justiça,
não contesta a ação, descumprindo o ônus de defender-se (arts. 319 a 322, 285, 324, 330, II
e 803).
A revelia em sentido lato “traduz uma situação processual decorrente da ausência
do réu no processo (revelia por omissão e revelia por não comparecimento) ou, às vezes do
descumprimento de algum ônus especial, como se dá nos casos dos artigos 13, II e 265,
parágrafo 2º”.198
Assinala ainda que a revelia pode ser intencional ou involuntária, ocorrendo a
última quando a ausência do réu se dá por desconhecer a publicação dos editais. Na revelia
195 José Joaquim Calmon de Passos, Da revelia do demandado, cit., p. 14. 196 Gabriel José de Rezende Filho, Curso de direito processual civil, São Paulo: Saraiva, 1950, v. 2, p. 124. 197 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1997, cit., v. 2, p. 96.
110
apenas por ausência, seja ela intencional ou involuntária, não há descumprimento pelo réu
do ônus de defender-se, pelo que não se verificam os efeitos previstos nos artigos 319 a
321.
Não há que se confundir entre a revelia, que decorreria em sentido amplo da
ausência de comparecimento do réu, e em sentido escrito da inexistência da contestação,
com os seus efeitos, que consistem nas conseqüências jurídicas advindas de tal estado.
Sobre os efeitos da revelia, adverte que constituem efeito ou corolário do
princípio dispositivo, ao mesmo tempo que traduzem regra de economia processual.
Para Rita Ginanesini199, a revelia e espécie do gênero contumácia, consistindo na
não apresentação da contestação na forma e prazo legais, não importando se o réu tenha
oferecido exceção ou reconvenção.
Segundo a autora, a lei “é clara e precisa em delimitar o seu efeito à não
apresentação da contestação, sem se referir à existência ou à falta de outras peças”.
Umberto Bara Bresolin200 sustenta, ao reverso, que não é revel o réu que responde
no prazo, por qualquer modalidade distinta da contestação, já que seria de uma
“artificialidade incompatível com o moderno processo civil admitir a verdade de um fato
alegado pelo autor e impugnado pelo réu apenas porque tal impugnação não foi veiculada
em contestação”, preconizando que, em homenagem à verdade real e para evitar situações
paradoxais, há de se reconhecer a eficácia da impugnação veiculada em qualquer das
modalidades de resposta do réu, ainda que diferentes da eleita pelo Código.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery indicam que a revelia pode ser
total ou parcial, formal ou substancial:
“Há revelia parcial quando o réu deixa de impugnar algum ou alguns dos fatos articulados pelo autor na vestibular. Há revelia formal quando não há formalmente a peça de contestação ou quando é apresentada intempestivamente. Há revelia substancial quando, apesar de o réu ter
198 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1997, cit., v. 2, p. 96. 199 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 9, 66 e
79. 200 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, São Paulo: Atlas, 2006, p. 88-89, Coleção Atlas de
Processo Civil, coordenação Carlos Alberto Carmona.
111
apresentado a peça, não há conteúdo de contestação, como, por exemplo, quando o réu contesta genericamente, infringindo o CPC 302 caput.”201
Quanto às hipóteses em que não haverá presunção de veracidade dos fatos
alegados pelo autor, em função da revelia, indicam que o rol previsto no artigo 320 não é
taxativo, havendo outras nele não contempladas, como a dos artigos 9º, inciso II, 303,
parágrafo único e 52, parágrafo único.
Como observa Arruda Alvim, a presunção de veracidade dos fatos não leva
necessariamente à procedência do pedido do autor, “pois daqueles fatos, ainda que devam
ser considerados verídicos, segundo a lei, poderão não decorrer as conseqüências tiradas
pelo autor, como poderão eles não encontrar apoio em lei, o que, então, levará, apesar da
revelia, a um julgamento de improcedência”.202
Chiovenda203 entende que a revelia por si só não dispensa da prova do adversário,
devendo o juiz examinar se realmente os fatos estão provados pelo autor.
A eventual presunção decorrente da revelia, se relativa ou absoluta, comporta
divergências, embora a doutrina caminhe no sentido de acolher o primeiro entendimento.
Entendem tratar-se de presunção absoluta, entre outros, Calmon de Passos204 e
Rita Gianesini, posicionando-se essa última da seguinte forma sobre o tema ora em exame:
“O artigo 319 do Código de Processo Civil estabelece uma presunção. Não se há de considerar de nenhuma valia ou efeito a expressão ‘presumirão’, usada pelo legislador no artigo 285. (...) Trata-se de presunção absoluta ou iures et iure. Com efeito, a presunção legal absoluta decorre da própria lei, e, em ocorrendo deverá ser aplicada pelo magistrado, não admitindo prova contra ela. É justamente o que ocorre na hipótese de o réu citado não apresentar contestação, e o caso concreto não se enquadrar nas exceções estabelecidas àquela regra. Isto é, serão ‘reputados verdadeiros os fatos alegados pelo autor’. O réu, em comparecendo, não poderá, ou não surtirá efeito, a produção de prova contra o fato principal ou fato presumido – reputarem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor. Deverá, sim, procurar provar os motivos que o
201 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 708. 202 José Manuel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.
336). 203 Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, § 65. 204 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 348.
112
levaram a não apresentar contestação, tentando, assim, elidir o fato auxiliar, o qual, quando provado, faz decorrer a presunção absoluta.”205
De acordo com Calmon de Passos:
“O artigo 319 não presume nenhuma declaração ou manifestação de vontade do réu, nem presume qualquer declaração ou manifestação de conhecimento de sua parte, nem busca retirar ou inferir intenções de seu comportamento omissivo. Apenas autoriza o juiz a decidir como se os fatos afirmados pelo autor estivessem verificados no processo. Dispensa-se o juiz da tarefa de verificá-los como se libera o autor do ônus de prová-los.”206
Seguem a corrente amplamente majoritária no sentido de haver presunção
relativa, entre outros, Cândido Dinamarco207 e Ada Pellegrini Grinover, que assim se
posiciona:
“É evidente que se trata de presunção iuris tantum, como se verifica pelos próprios incisos do artigo 302, pelo artigo 131, que consagra o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz e pelo critério do ônus da prova, hoje dominante na doutrina: o juiz apreciará toda a prova aferida nos autos, não importando qual das partes a tenha produzido no processo. Além disso, o próprio artigo 320 abre exceção ao artigo 319, indicando casos taxativos em que, muito embora ocorra a revelia, não se consideram verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, ainda que não contestados.”208
Umberto Bara Bresolin209 acolhe a posição no sentido de se tratar de presunção
relativa, conforme doutrina e jurisprudência amplamente dominantes, posição que se
revelaria coerente com a perspectiva de instrumentalidade do processo, cujo principal
efeito é atuar sobre as regras de distribuição do ônus da prova, invertendo-o.
Assim, caso o réu impugne os fatos alegados pelo autor, o ônus da prova de tais
alegações seria do autor e, na hipótese de se omitir, o sistema imporia ao revel o ônus de
provar o contrário, invertendo o ônus da prova.
Não resta dúvida, como já destacado, que quando se trata de revelia total,
decorrente da ausência de contestação, os efeitos processuais previstos se mostram não
205 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 74-75 206 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 348. 207 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 534-535. 208 Ada Pellegrini Grinover, Direito processual civil, 2. ed., São Paulo: José Bushatsky, 1975, p. 25. 209 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 138 e 199.
113
raro mais graves (v.g. arts. 319, 322, 330, inc. I), havendo seu eventual abrandamento
quando se cuidar de revelia em sentido lato (consoante classificação retro), oriunda do
descumprimento de algum ônus processual. Na referida hipótese, fundamentalmente se
teria a aplicação do artigo 322.
Cabe realçar que relativamente à hipótese prevista no artigo 320, inciso I, somente
se tem como aplicável, para elidir os efeitos da revelia, o litisconsórcio unitário, ou quando
os interesses dos litisconsortes forem convergentes ou comuns aos fatos a eles imputados.
Convém lembrar ainda que a Lei n. 11.280/2006 alterou a redação do artigo 322,
para deixar assentado, como já se sustentava na doutrina, que o réu revel que tenha
advogado deverá ser intimado dos atos processuais.
Frise-se que, no caso de citação ficta (com hora certa ou por edital), exige-se o
contraditório efetivo, efetuando-se a nomeação de curador especial, a quem caberá a
intimação dos atos processuais.
Conforme ensinam Rita Gianesini 210 , Calmon de Passos 211 e Umberto Bara
Bresolin212, há atos que deverão ser objeto de comunicação, que são aqueles destinados a
fazer com que a parte faça ou deixe de fazer alguma coisa, destacando-se entre eles: falar
sobre o pedido de desistência formulado pelo autor (art. 267, § 4º); prestar depoimento
pessoal (art. 343, § 1º); exibir documento ou coisa (art. 357).
Quanto à sentença, nada dispõe o Código sobre a necessidade de intimação do
revel sobre sua prolação, havendo porém quem sustente tal direito, em nome do
contraditório efetivo, como Marinoni e Arenhart213, Ada Pellegrini Grinover214 e Calmon
de Passos.215
210 Rita Gianesini, Da revelia no processo civil brasileiro, cit., p. 110. 211 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 385. 212 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 163. 213 Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart, Manual do processo de conhecimento: a tutela
jurisdicional através do processo de conhecimento, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 129. 214 Ada Pellegrini Grinover, Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil, São Paulo: José
Bushatsky, 1973, p. 105. 215 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 386-387.
114
No que tange ao termo inicial dos prazos para o revel, face à alteração introduzida
pela Lei n. 11.280/2006 ao artigo 322, no que concerne aos prazos decorrentes de atos
decisórios, seria o da intimação do autor, o que se dá, via de regra, por meio de publicação
na imprensa oficial216, diferentemente da posição anterior, no sentido de que seria o da
publicação em sentido estrito, ou seja, quando se tornou público em cartório, ou no dia da
audiência, se nela o ato foi praticado.
Cite-se, ademais, a Súmula n. 231 do STF, que faculta ao revel que compareça em
tempo oportuno à produção de provas.
Ao revel que venha a comparecer em juízo quando já ultrapassado o prazo de
resposta, tratando-se de ação que verse sobre direitos disponíveis, restaria a possibilidade
de alegação de matérias de ordem pública não sujeitas à preclusão e a produção probatória
compatível com o estágio em que o processo se encontre.
As distinções ora efetuadas se mostram relevantes para que se possa, no terceiro
capítulo da dissertação, examinar os eventuais efeitos da revelia, considerando a natureza
dúplice da ação ou o pedido contraposto do réu.
2.4.5.6 Do reconhecimento jurídico do pedido
Entre os possíveis posicionamentos do réu, admite-se ainda o reconhecimento
jurídico do pedido, constante do artigo 269, inciso II do Código de Processo Civil.
Pode ser definido como a adesão por parte do réu ao direito material afirmado
pelo autor e de suas respectivas conseqüências jurídicas.
Não se confunde com a confissão. Primeiro, porque apenas o réu pode praticar o
ato e incide sobre o próprio direito material alegado pelo autor.
216 Posição de Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 201.
115
A confissão, como é cediço, pode advir do autor ou do réu e tem como objeto os
fatos.
Ponto relevante e ao mesmo tempo divergente sobre o tema em apreço é, se
realizado o reconhecimento jurídico do pedido, o juiz estaria vinculado a homologá-lo,
prolatando sentença de mérito, ou se o ato não subtrairia do magistrado o poder de julgar,
mesmo para desacolher a pretensão do autor.
Sustentam que em função do reconhecimento jurídico do pedido, face ao
desaparecimento da lide, deixaria de haver interesse na continuidade do feito, restando ao
juiz homologar o ato praticado pelo réu, entre outros: Cândido Dinamarco217, Moacyr
Amaral218, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery219, Moniz de Aragão220,
Tornaghi221, Barbosa Moreira222 e Humberto Theodoro.223
Posicionam-se no sentido de que o reconhecimento jurídico do pedido não
asseguraria ao autor o direito à obtenção de uma sentença favorável, já que ao reverso se
estaria atribuindo ao ato do réu função jurisdicional de fazer atuar a lei no caso concreto,
que é prerrogativa do Poder Judiciário, entre outros: Moacyr Lobo da Costa224, Celso
Barbi225 e Luiz Eulálio Bueno Vidigal.226
Partidário da última corrente, Marcelo Abelha resume seu entendimento do
seguinte modo:
217 Cândido Rangel Dinamarco, Direito processual civil, São Paulo: Bushatsky, 1975, p. 74. 218 Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil, 15. ed., São Paulo, 1992, v. 2, p. 89. 219 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 639. 220 Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1995, v. 2, p. 547. 221 Hélio Tornaghi, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 2, p. 347. 222 José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento,
cit., p. 97. 223 Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e
processo de conhecimento, cit., v. 1, p. 288-289. 224 Moacyr Lobo da Costa, Confissão e reconhecimento jurídico do pedido, São Paulo: Saraiva, 1983, p. 88. 225 Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, v.
1, p. 212. 226 Luiz Eulálio Bueno Vidigal, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1974, v. 6, p. 46.
116
“Destarte, pensamos que a renúncia à pretensão e o reconhecimento jurídico do pedido exigem a extinção do processo com julgamento do mérito, mas não necessariamente ‘chancelando’ o que foi determinado unilateralmente na disposição de direitos pelas partes (incs. II e V do art. 269 do CPC). Assim, tanto no inc. II quanto no inc. V do artigo 269 temos verdadeiro julgamento de mérito, podendo o magistrado decidir de modo distinto do que disse a renúncia e do reconhecimento jurídico do pedido. O fato de quase sempre seguir-se uma sentença de mérito cujo teor seja o mesmo da disposição de direito feita unilateralmente pela parte não tem por condão modificar a natureza da sentença, ou seja não passa ela a ser homologatória por isso. Vem confirmar o exposto o próprio artigo 584, III do CPC, que apenas elenca em tal dispositivo a sentença homologatória de transação, não fazendo menção às demais hipóteses dos incs. V e II do artigo 269 do CPC. Isso porque, quando formadores de título executivo judicial, já estariam encartados no artigo 584, I do CPC.”227
Cabe ressaltar que o artigo 475-N, inciso III do Código de Processo Civil, com a
redação dada pela Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, manteve a redação anterior
do artigo 584, inciso III, no que tange à referência apenas à sentença homologatória da
conciliação ou da transação.
Não obstante o respeito que mereça a corrente que preconiza não ensejar o
reconhecimento jurídico do pedido a necessária resolução do mérito em favor do autor,
pensamos que a melhor posição é a defendida pelos partidários da tese oposta.
Não se trata de mera inércia do réu. Não se cuida de mera admissão de fatos.
Somente se admite o reconhecimento sobre direitos disponíveis, pelo que, estando a
matéria dentro da disponibilidade das partes, não seria aceitável, salvo melhor juízo, que o
juiz, se sobrepondo à vontade livre e espontânea das partes, viesse a julgar diferentemente
do quanto restou da manifestação inequívoca de qualquer delas.
Acreditamos que nem a eventual alegação da busca da verdade real, que seria um
dos aspectos da efetividade do processo, seria hábil a justificar o prosseguimento do feito,
em função de um ato unilateral, inequívoco de qualquer das partes, limitando-se, destarte,
o juiz a examinar os seus aspectos formais e de regularidade.
227 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, cit., v. 2, p. 173.
117
Como o reconhecimento pode ser parcial ou total, pode-se cogitar de eventual
incompatibilidade ou não de sua prática com o oferecimento da reconvenção, o que seria
aplicável às ações dúplices e ao pedido contraposto.
Tratando-se especificamente da reconvenção e do reconhecimento jurídico do
pedido, vale relembrar a posição externada por Clito Fornaciari, no mesmo sentido da
sustentada por Zanzucchi e Chiovenda, com a qual aquiescemos: “Havendo
reconhecimento, inexiste contestação. No entanto, afigura-se-nos possível, ainda assim, a
reconvenção, em virtude de ser esta autônoma, em relação ao pedido do autor e, por outro
lado, esse posicionamento atende o princípio da economia processual.”228
Desde que possa existir uma relação de independência entre o que tenha se
sustentado na reconvenção, no pedido formulado na hipótese de ações dúplices ou do
pedido contraposto, entendemos ser plenamente possível, em homenagem ao princípio
antes referido, e desde que, por óbvio, o reconhecimento seja parcial, que o ataque
veiculado pelo réu subsista.
228 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 46.
3 DAS AÇÕES DÚPLICES
3.1 Introdução
Examinadas as diversas possibilidades que se apresentam ao réu, especialmente
no procedimento ordinário, quer para resistir, quer para contra-atacar a pretensão do autor,
passamos à análise das hipóteses em que se reconheça a ele o direito de obtenção do bem
da vida em disputa, sem que para tanto se faça necessário intentar ação, através de peça
vestibular regularmente elaborada.
Nas hipóteses nas quais se reconhece o referido direito ao réu, costuma-se
denominar a ação como dúplice.
Se todavia comparamos as situações previstas pelo legislador, dentro do Código
de Processo Civil ou em legislação processual extravagante onde tal possibilidade foi
deferida ao réu, verificamos que elas possuem pontos de convergência, mas outros que
claramente as diferenciam.
Parece-nos, portanto, primordial que de início se fixe uma linha de distinção.
Os pressupostos e hipóteses albergadas no Código e fora dele, nas quais se defere
ao réu o direito à obtenção do bem da vida disputado, por vezes prescindem de
reconvenção e, em outros, sequer de pedido para alcançá-lo por parte do demandado.
A relação de direito material acaba por ensejar que os litigantes possam ocupar
qualquer dos pólos da relação processual, diferentemente do que de ordinário ocorre
quando há uma predeterminação de legitimações.
Em casos como os ora mencionados, a rejeição do pleito de quem figurou como
demandante conduz, em regra, à satisfação da pretensão do adversário.
119
Há situações outras, nas quais a possibilidade assegurada ao réu de formular
pretensão à obtenção do bem da vida em litígio não se estriba na relação de direito
material, mas têm por fundamento pressupostos outros.
As distinções feitas, por ora de maneira embrionária, já seriam, salvo melhor
juízo, indicativas de que não poderiam todas as hipóteses, diante das nuances e distinções
que ostentam, estar incluídas num mesmo gênero: ações dúplices.
Para que possamos identificar os aludidos pontos de congruência e de
distanciamento entre as chamadas ações dúplices e o pedido contraposto, se mostra
indispensável examinar alguns aspectos de suma relevância.
Primeiramente, uma prospecção sobre eventuais justificativas teóricas dos
procedimentos especiais, cenário por excelência das ações dúplices.
Posteriormente, passaremos ao exame das denominadas ações dúplices, dentro e
fora do Código de Processo Civil, podendo-se reconhecer que mesmo entre elas há, sem
dúvida, aspectos coincidentes, mas outros que as distinguem.
Feito o referido exame, então examinaremos o procedimento sumário e o pedido
contraposto nela admitido e nas ações que têm curso no Juizado Especial, procurando
enfatizar que o modelo adotado não teria observado as mesmas premissas, nem tampouco
possui as mesmas características das ações dúplices.
3.2 Dos procedimentos especiais
Considerando que justamente é nas ações que seguem procedimento especial,
quer no âmbito do Código de Processo Civil, quer fora dele, que se reconhece o caráter
dúplice, julgamos apropriado, ainda que brevemente, examinar as eventuais justificativas
teóricas para a adoção de rito especial em relação a determinadas demandas.
Se de um lado é possível reconhecer que a existência de procedimentos especiais
teria por fulcro a tutela adequada de determinados direitos materiais (sem que isso
120
implique em qualquer subordinação do direito processual civil a eles), é forçoso
reconhecer que inexistiria diretriz única nesse sentido.
Sobre o tema, vale mencionar o entendimento de Adroaldo Fabrício:
“O peso da tradição histórica, com as complicações e incongruências decorrentes das múltiplas fontes de influência, nem sempre coesas e entre si coerentes; a eventual interpenetração, em um mesmo processo, de elementos de diversas modalidades de tutela jurisdicional (de cognição, de execução e de cautela); razões de conveniência momentânea e local, com caráter meramente emergencial; até mesmo a simples impaciência do legislador frente à morosidade do aparelhamento judiciário em contratante com a pressão da demanda social − tudo influi no sentido de retirar da vala comum do rito ordinário um número crescente de ‘ações’, em antagonismo com a recomendação da doutrina, esta cada vez mais inclinada à redução numérica dos tipos procedimentais como imperativo da simplificação e da racionalização. Não há negar, por certo, a possibilidade de uma correta sistematização, seja a partir da intrínseca irredutibilidade de certos procedimentos ao ordinário, seja com base na idéia de ‘exceções reservadas’, embora esta acabe por conduzir à suposta sumariedade de todo procedimento especial. O que não se pode aceitar é a proliferação caótica e indiscriminada, submissa a razões sem qualquer compromisso científico.”229
Conforme aponta Antonio Carlos Marcato230, a pretensa celeridade aplicável aos
procedimentos especiais nem sempre prepondera, já que em havendo contestação, alguns
deles passam a adotar o rito ordinário.
Convém relembrar que se há prazos de resposta inferior ao previsto para o
procedimento ordinário (arts. 902, inc. II – ações de depósito, e 915 − prestação de contas),
existem outros que lhe são superiores, como é o caso das ações de divisão e demarcação de
terras (arts. 954 e 968 – vinte dias).
Nesse sentido, o referido autor ainda pondera que o legislador, em relação aos
procedimentos especiais, aludiu apenas à contestação, deixando portanto de considerar as
outras formas de resposta do réu.
229 Adroaldo Furtado Fabrício, Justificação teórica dos procedimentos especiais, Conferência proferida no
Congresso Nacional de Processo Civil – 20 anos de vigência do CPC, Rio de Janeiro, dezembro de 1994, Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 91, n. 330, p. 6, abr./jun. 1995.
230 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, 12. ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 59.
121
Deve-se porém interpretar a palavra “contestar” no sentido de “resposta”,
observando-se para tanto o prazo fixado para a contestação nos artigos 188 e 191 do
Código de Processo Civil.
Assinala que se a celeridade fosse o escopo precípuo dos procedimentos especiais,
não obstaria que, ao invés deles, se adotasse o rito sumário.
Conclui que a especialidade resultaria das próprias características do litígio
submetido à apreciação judicial e das exigências das pretensões que neles se contêm, o que
tornaria mais aparente a relação entre direito e processo.
Além de tal aspecto, explicaria a adoção dos procedimentos especiais a situação
peculiar da relação material objeto de litígio no processo, mencionando entendimento de
Alberto dos Reis231, no sentido de que a “fisionomia especial do direito” impõe forma
especial de procedimento.
Resta, destarte, evidenciado que múltiplas são as razões para justificar a adoção
dos procedimentos especiais, inexistindo, consoante nota Pontes de Miranda232, uma razão
unitária para fundamentar tal opção do legislador.
Vicente Greco Filho igualmente correlaciona a adoção do procedimento especial à
correção de possível lesão específica de direito material, o que levaria o legislador a por
vezes dar força à posição processual do autor, ora à do réu, ou, ainda, mais poderes ao juiz,
podendo também enriquecer o processo em atos e termos especiais.
Não obstante seja difícil indicar todas as peculiaridades dos procedimentos
especiais, o citado autor enumera algumas das medidas adotadas pelo legislador em relação
a eles, tomando como paradigma o procedimento ordinário que, segundo ele, são técnicas
ou métodos de adequação da tutela jurisdicional à correção da pretensa lesão de direito, a
saber:
“1) altera prazos e seqüência de atos e suprime atos ou termos (v. arts. 938 e 939);
231 Alberto dos Reis, Processos especiais, Coimbra: Coimbra Editora, 1955, v. 1, p. 1-2, n. 1. 232 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro:
Forense, 1977, v. 13, p. 3-4.
122
2) insere providências cautelares ou executivas (v. possessórias ou ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária); 3) altera a força e efeitos das sentenças (v. despejo, possessórias); 4) funde conhecimento e execução (própria e imprópria), podendo colocar o primeiro como eventual (v. ação de prestação de contas, ação de consignação em pagamento); 5) estabelece regras recursais próprias (v. despejo por falta de pagamento e Lei n. 6.830/80); 6) atribui à ação a natureza de dúplice ou excepciona o princípio da iniciativa de parte (v. possessórias, inventário, prestação de contas); 7) altera a regra geral sobre legitimação ativa ou passiva e intervenção de terceiros (v. casos de substituição processual, citação de ‘terceiros interessados’); 8) antecipa a ocorrência do interesse processual para o momento da ameaça de lesão (v. nunciação de obra nova); 9) condiciona o exercício do direito de ação a pré-requisitos especiais, processuais e extraprocessuais (v. notificação prévia, justificação prévia); 10) atribui ao juiz poderes para atuar, independentemente de outra ação, diretamente no plano do direito material, eliminando ações futuras (v. a instituição de servidão pelo juiz da divisória); 11) excepciona o princípio da atuação por legalidade estrita e autoriza o julgamento por eqüidade; 12) estabelece regras especiais de competência.”233
Ressalte-se que a cognição no plano vertical, nas ações que seguem o
procedimento especial, é plena.
Além disso, o Código de Processo Civil estabelece no artigo 272, parágrafo único,
a aplicação subsidiária das disposições gerais do procedimento ordinário quando houver
omissão no que se refere ao procedimento especial.
Adroaldo Fabrício 234 sustenta que, em regra, deverá haver aplicação do
procedimento ordinário, admitindo contudo que para situações excepcionais, possa incidir
o procedimento sumário.
Dentre as medidas supra relacionadas, iremos nos concentrar no enfoque do
caráter dúplice de algumas ações que seguem o procedimento especial.
Acreditamos que para melhor examiná-las e distingui-las, é fundamental não
olvidar o quanto antes mencionado.
233 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,
16. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3, p. 203-204. 234 Adroaldo Furtado Fabrício, Justificação teórica dos procedimentos especiais, cit., p. 10.
123
Em que pese, como já frisado, ser impossível estabelecer uma razão exclusiva
para a sua adoção, a relação de direito material posta em juízo constitui fator primordial,
que serviria não só para justificar tal opção, mas para realçar o caráter dúplice da ação.
Passaremos, primeiramente, a uma breve retrospectiva histórica das ações
dúplices, para, em seguida, abordar as de procedimento especial previstas no Código de
Processo Civil e na legislação extravagante, que ostentariam ou não tal qualidade.
3.3 Ações dúplices – Breve evolução histórica
Nas Institutas de Gaio, 4, 156-160, constava:
“156. Tertia diviso interdictorum in hoc est, quod aut simplicia sunt aut duplicia (‘Uma terceira divisão é a dos interditos em simples e dúplices’). 157. Simplicia sunt veluti in quid bus alter actor, alter reus est, qualia sunt omnia restitutoria aut exhbitoria: namque actor est, qui desiderat aut exhiberi aut restitui, reus is est, a quo desideratur, ut exhibeat aut restituat .(‘Nos simples, um é autor e outro o réu; tais são todos os interditos restituitórios ou exibitórios; pois o autor é quem deseja a exibição ou restituição da coisa; réu, quem a deve exibir ou restituir’). 158. Prohibitoriorum autem interdictorum (interditum) alia duplicia, alia simplcia sunt. (‘Dos proibitórios, uns são simples, outros dúplices’). 159. Simplicia sunt velutti quibus prohibet praetor in loco sacro aut in flumine publico ripave eius aliquid facere conatur. (‘Nos simples o pretor proíbe ao réu fazer alguma coisa em lugar sagrado, em rio público ou suas margens; pois o autor é quem deseja que não se faça a coisa e o réu, quem a atenta fazer’). 160. Duplicia sunt velui UTI POSSIDETIS interdictum et UTRUBI. Ideo autem duplicia vocantur, quod par utriusque litigatoris in his condicio est, nec quisquam praecipue reuns vel actor intellegitur, sed unusquisque tam rei quam actoris partes sustinet; quippe praetor pari sermone cum utroque loquitur. Nam summa conceptio eorum interdictorum haec est: UTI NUNC POSSIDETIS, QUO MINUS ITA POSSIDEATIS, VIM FIERI VETO: item alterius: UTRUBI HIC HOMO, DE QUO AGITUR (APUD QUEM) MAIORE PARTE HUIUS ANNI FUIT, QUO MINUS IS EGUM DUCAT, VIM FIERI VETO (‘Dúplices são, por exemplo, os interditos uti possidetis e utrubi. Por isso chamam-se dúplices porque neles a condição dos litigantes é idêntica, nenhum se encontra na situação determinada de réu ou autor, mas cada um representa ambos os papéis; por isso o pretor emprega as mesmas palavras, dirigindo-se aos dois. Assim, a forma geral desses institutos é a seguinte: EU PROÍBO SE FAÇA VIOLÊNCIA, DE MODO DEIXARDES DE POSSUIR COMO AGORA POSSUÍS. E a do outro: EU PROÍBO SE FAÇA VIOLÊNCIA, VISANDO IMPEDIR AQUELA DAS PARTES, QUE POSSUI O ESCRAVO EM QUESTÃO
124
DURANTE A MAIOR PARTE DESTE ANO, DE O LEVAR CONSIGO’).”235
Relembram José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo 236 que no
período formular, nas ações bona fidei, ou seja, nas controvérsias pro socio, mandati e
negotiorum gestio, poderia o réu apresentar pedido autônomo, decorrente do negócio
jurídico, dando origem a um iudicium contrarium, no qual as partes assumiam idênticas
posições processuais, cada um representando ambos os papéis, de autor e réu.
Afirmam que a locução mutua petitio que aparece nas fontes jurídicas clássicas
para indicar um iudicium contrarium constituiria um remédio de natureza reconvencional.
Parece-nos que das Institutas poderíamos extrair a exata concepção do que seria a
ação dúplice.
Por força da própria relação de direito material, inexistira previamente, como não
raro ocorre, uma legitimação predeterminada, de sorte que a um dos litigantes
corresponderia a legitimidade para ser autor e ao outro restaria, na hipótese de eventual
ação em juízo, a de réu, resistindo simplesmente à pretensão alheia.
Nesse diapasão, calham à fiveleta as palavras de Adroaldo Fabrício:
“Em regra, a relação jurídico-processual, estabelecida entre o autor e o Estado-juiz e entre este e o réu, mantém uma polaridade bem definida, no sentido de que uma das partes é a que pede para si um bem da vida e a outra e aquela em face da qual, ou mesmo contra a qual, é pedida a prestação jurisdicional. Quem formula o petitum, em rigor de técnica, é o autor e só ele; o réu, se é que ‘pede’, nada mais pede do que a improcedência da demanda. Certo, o oferecimento eventual de reconvenção inverte, quanto ao objeto desta, aquela polaridade, mas isso em nada afeta a estrutura lógica da relação processual, porque o reconvinte, em verdade propõe uma outra ação, que só acidentalmente se processa nos mesmos autos.
235 Alexandre Correia; Gaetano Sciacia; Alexandre Augusto de Castro Correia, Manual de direito romano, 2.
ed., São Paulo: Saraiva, 1955, v. 2, p. 278-281. Para José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo, a descoberta dos denominados Gai institutionum commentarii quattour na Biblioteca Capitular de Verona, em 1816, pelo historiador alemão Barthold Georg Niebuhr, a partir de uma genial intuição de Savigny, revolucionou a história do direito privado em todo o mundo (Lições de história do processo civil romano, cit., p. 31).
236 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p. 85.
125
Também, em regra, pode-se dizer que o direito material predetermina a priori a polarização, pois é dele que emergem a legitimação ativa e passiva para a causa. Considerados uma certa relação jurídico-material a um dado remédio jurídico-processual, identificadas estão a pessoa que pode ser autor e a que pode ser réu. Muito excepcionalmente, inexiste essa predeterminação das legitimações: a situação jurídica é tal que qualquer dos sujeitos pode ajuizar a ação em face dos demais. Tal ocorre nos juízos demarcatórios e divisórios: não há rigorosamente autores e réus; qualquer dos confinantes ou comunheiros poderia ter tomado a iniciativa. Se há dois sujeitos da relação jurídico-material e qualquer deles pode propor a mesma ação contra o outro, essa ação é dúplice. Geralmente se reconhece essa condição de actio duplex, por exemplo, a de prestação de contas, não tanto pelo fato de as poder oferecer quem as deve, assim como pode exigi-las aquele a quem são devidas (na verdade, são diferentes, em um e em outro caso, as pretensões e os remédios), mas antes pelo efeito secundário de condenação pelo saldo, que faz título executivo contra qualquer das partes, independentemente de quem seja autor ou réu (...).”237
Posição idêntica manifesta Gabriel Rezende Filho:
“Nas ações dúplices, igual e recíproco é o direito que às partes compete promover, podendo, assim, figurar, indiferentemente, como autores os réus. Estas ações assim se denominam porque nelas as partes como que reúnem as qualidades de autor e de réu, podendo, em conseqüência, ser o autor condenado sem necessidade de reconvenção do réu. Nas ações simples, ao contrário, o pedido do autor deve ser julgado procedente ou improcedente, e a única condenação que lhe pode ser imposta pelo juiz é o pagar as custas. Foram os romanos que estabeleceram a classe da judicia duplicia como excepcional, porque em tais ações o réu pleiteia a mesma coisa que o autor: o autor pode tornar-se réu e o réu autor em relação ao mesmo objeto do litígio. A sentença é que definirá, afinal, a posição das partes, colocando uma como autor, outra como réu. Nas ações dúplices, portanto, o réu assume papel ativo, sem perder, contudo, a sua posição de réu, fazendo pedido que não constitui ação nova. São exemplos de ações dúplices a de divisão, a de demarcação, a de partilha, a possessória.”238
Da relação de direito material decorreria, assim, a possibilidade de qualquer dos
sujeitos que a integram figurar como autor ou réu.
Além disso, ao se negar o direito material afirmado pela parte que se apresenta em
juízo como autor, se estaria reconhecendo a pretensão do adversário.
237 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 494. 238 Gabriel Rezende Filho, Curso de direito processual civil, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 1957, v. 1, p. 234, §
237.
126
Araken de Assis 239 consigna que “do prisma material, é dúplice a ação,
provocando o iudicium duplex, na qual a contestação do réu basta à obtenção do bem da
vida. Em regra geral, o autor pede e o réu somente impede: na actio duplex, o ato de
impedir (contestação) já expressa um sentido contrário. Tal característica deriva do direito
material posto em causa(rectius: mérito, pretensão processual ou objeto ltigioso)”.
Não se desconhece a posição de autores como Câmara Leal240 no sentido de que
só a praxe e a lei poderiam conferir caráter dúplice a qualquer ação.
Rigorosamente do ponto de vista técnico, parece-nos que a lei por razões variadas,
como a busca de maior celeridade e concentração de atos processuais, pode, eventualmente
facultar ao réu formular pedido, para obtenção de um bem da vida na própria contestação,
sem que à luz dos magistérios antes expostos, se pudesse falar estritamente em ter se criado
uma ação dúplice, a não ser que tal termo seja usado em sentido lato.
Ter-se-ia que examinar a relação de direito material se haveria ou não uma
polarização previamente definida, se qualquer das partes poderia ocupar o pólo ativo ou
passivo da relação processual, se a rejeição do pedido do autor de per si seria suscetível de
conferir o bem da vida em disputa ao réu.
Acolhida a mencionada posição mesmo algumas ações como as possessórias,
consideradas dúplices, deixariam de se enquadrar em tal moldura.
A não ser que se parta da premissa de que as ações seriam dúplices em sentido
lato ou estrito.
Em sentido lato, seria dúplice a ação, sempre que se permita ao réu a formulação
de pedido que não o de mera improcedência do requerido pelo autor, independentemente
de reconvenção.
239 Araken de Assis, Procedimento sumário, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 93. 240 Antônio Luiz da Câmara Leal, Código de Processo Civil e Comercial do Estado de São Paulo comentado,
São Paulo: Acadêmica 1930, v. 3, p. 488-489.
127
Em sentido estrito, seria dúplice a ação em que, pela relação de direito material,
qualquer das partes pode figurar em juízo como autor ou réu, e a improcedência do pedido
efetuado pelo promovente implicaria no reconhecimento do direito do adversário.
Dentro dessa esteira, a duplicidade seria natural a algumas ações ou derivaria de
opção legislativa.
A duplicidade poderia se assentar na ausência de “predeterminação das
legitimações”, no dizer de Adroaldo Fabrício, em função da peculiaridade da relação de
direito material ou pelo efeito da sentença, ou ainda pela possibilidade do réu formular
pretensão de direito material na contestação, sem que haja necessidade do oferecimento de
reconvenção, ampliando o objeto litigioso.
Ao abordar as ações consideradas dúplices, afigura-nos possível enfatizar em
quais dos aspectos antes referidos teria se estribado o legislador para fazê-lo.
Cumpre, afinal, dentro do presente tópico, afastar qualquer confusão entre
bilateralidade das ações com o seu caráter dúplice.
A respeito do tema, precisas as ponderações de Kazuo Watanabe241, reportando-se
a entendimento de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Dinamarco, no
sentido de que todo ação é bilateral, “em virtude da direção contrária dos interesses dos
litigantes”, há na ação e no processo “contradição recíproca”, tendo também o réu uma
pretensão em face do órgão jurisdicional.
A pretensão do réu consiste em ver o pedido do autor rejeitado, assumindo uma
forma antitética à do autor.
Assevera, como aliás já se consignou na presente dissertação, que embora a defesa
do réu possa dilatar a área de cognição do juiz, o objeto do processo, não aumenta o objeto
litigioso, representado por aquilo que ele julgará e será acobertado pela coisa julgada
material.
241 Kazuo Watanabe, Ação dúplice, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 8, n. 31, p.
139-140, jul./set. 1983.
128
Assinala que a ampliação do objeto litigioso apenas se dá com instrumentos
processuais destinados a tal fim, entre os quais a ação declaratória incidental e a
reconvenção, e por opção legislativa, em casos excepcionais, através da própria
contestação, e observa que quando isso se permite, diz-se que a ação tem caráter dúplice.
Faz ressalva que se mostra relevante, valendo-se de lição de Pontes de Miranda,
que não “se dispensa de modo nenhum a alegação e a prova, como se a duplicidade fosse
de iure, o que não está nos princípios”.242
Permitimo-nos apenas acrescer que nas ações de prestação de contas, conforme
adiante se pormenorizará, afastou-se o Código de tal posição, uma vez que poderá haver
julgamento em favor do réu, ainda que ele nada tenha alegado ou provado, mantendo-se
revel.
Doravante passaremos ao exame das ações consideradas dúplices no Código de
Processo Civil e fora dele, valendo sublinhar que procuraremos apenas enfatizar esse
aspecto e suas implicações, já que certamente, se nos lançássemos à tarefa de abordar cada
uma destas demandas, em suas múltiplas variantes, se extrapolaria o âmbito da dissertação.
3.4 Ações consideradas dúplices no Código de Processo Civil
No âmbito do Código de Processo Civil e por razões não plenamente
coincidentes, são consideradas dúplices as seguintes ações: consignação em pagamento,
prestação de contas, possessórias, demarcatórias e divisórias.
Passaremos à análise do caráter dúplice de cada uma das citadas ações,
procurando abordar os principais pontos que adviriam do reconhecimento de tal natureza.
242 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971,
v. 10, p. 417-418 § 1.137.
129
3.4.1 Ação de consignação em pagamento – Aspectos gerais e
breve evolução histórica
Constitui uma obrigação do devedor solver o débito, mas trata-se também de um
direito fazê-lo, a fim de ser ver liberado do vínculo que o une ao credor.
Ao longo da história, pretendendo o devedor livrar-se do débito e diante de
eventuais obstáculos colocados a ele para efetuar o pagamento, criaram-se os chamados
sucedâneos liberatórios243, que abarcavam três hipóteses: a consignação ou depósito, a
venda de mão própria e o abandono da coisa devida, que foram desaparecendo ou se
judicializaram.
No direito romano, realizada a oblatio e caracterizada a mora in accipiendo,
poderia o devedor se valer de quaisquer das formas de liberação antes referidas, passando
do abandono à consignação e a venda mediante iniciativa do credor, consideradas essas
duas últimas menos gravosas a ele.
Conforme Moreira Alves244, no direito romano, quando o credor se recusava a
receber a prestação, ou a praticar ato indispensável para que ela pudesse ser executada, o
devedor poderia fazer a ele uma oferta real da prestação, e persistindo a recusa, depositá-la
in publico (num templo, num armazém, a um banqueiro ou em outro local designado pela
autoridade competente).
O mencionado depósito não tinha, contudo, eficácia liberatória, dele resultando
alguns efeitos relevantes, como o fato de não mais correrem juros contra o devedor.
Teria sido, segundo o referido autor, no direito justinianeu, que o depósito passou
a possuir eficácia liberatória para o devedor, tornando-se assim modo de extinção da
obrigação.
243 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 43-44. 244 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 2, p. 98.
130
De acordo com Antonio Carlos Marcato245 , essa modalidade de extinção das
obrigações era desconhecida pelas Ordenações do Reino, tendo o Regulamento n.
737/1850 a previsto pela primeira vez.
Alguns Códigos estaduais, como do Espírito Santo (art. 329 e ss.), Bahia (art. 790
e ss.), São Paulo (art. 417 e ss.) fizeram previsão da ação de consignação em pagamento,
que no Código de 1939 foi regulada nos artigos 314 a 318.
O Código Civil, no artigo 335, prevê hipóteses de consignação, havendo ainda
outros casos constantes de legislação especial, como são exemplos: artigo 17, parágrafo
único do Decreto-Lei n. 58/37; artigos 19 e 21 da Lei n. 492/37; e artigos 33 e 34 do
Decreto-Lei n. 3365/41.
Quanto à natureza da ação de consignação em pagamento, Celso Agrícola Barbi246
afirma prevalecer o entendimento de que se trata de demanda de conhecimento, da espécie
declaratória, porque o que nela se pretende é uma sentença que declare extinto o débito
pelo depósito judicialmente feito, divergindo, a nosso ver acertadamente, da posição de
Pontes de Miranda e Humberto Theodoro Júnior, que ao lado desse caráter, vislumbram
uma “certa dose de executividade”.
João Batista Lopes247 entende que a ação de consignação em pagamento tem
conteúdo preponderantemente declaratório (em verdade quase que exclusivamente
declaratório), o que o artigo 897 do Código de Processo Civil deixaria assentado.248
Em relação ao âmbito cognitivo da ação de consignação em pagamento, vale
lembrar que grassa considerável dissenso doutrinário.
Abordando referido tema, Manoel Fernando Thompson Motta Filho assinala que
Carvalho Santos, Caio Mário da Silva Pereira e outros entendem que a consignação não
245 Antonio Carlos Marcato, Ação de consignação em pagamento, 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 29 e
ss., ns. 3.3 e 3.4. 246 Celso Agrícola Barbi, Ação de consignação em pagamento e renovatória na nova lei do inquilinato,
Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 81, v. 676, p. 7, fev. 1992. 247 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 95.
131
tem suficiente superfície para suportar discussões que sejam de alta indagação, e que só
dívida líquida e certa pode ser objeto da ação.
Reportando-se a entendimento de Barbosa Moreira, o qual acolhe, pondera que
“na velha ação executiva – e, ainda atualmente, na execução fundada em título
extrajudicial – não só se mostra possível, mas de fato acontece vezes sem conta, que se
impugne o valor do débito, que o devedor pleiteie a exclusão de parcelas a seu ver não
devidas, e assim por diante. Ora, jamais ocorreu a quem quer que seja a suposição de que,
em casos tais, a ação executiva se tornasse ipso facto incabível, e para o credor surgisse o
ônus de recorrer à propositura de uma declaratória, a fim de obter o acertamento judicial
em torno do quantum debeatur”.249
A respeito do tema, João Batista Lopes, após fazer referência ao dissenso
existente na doutrina sobre a admissibilidade ou não da discussão sobre o quantum
debeatur na ação de consignação em pagamento, assevera:
“A discussão entre as partes, relativamente ao quantum debeatur, não constitui objeto de sentença de conteúdo condenatório ou constitutivo, mas simplesmente declaratório. Desse modo, se as partes contendem, no pleito consignatório, a respeito desse ponto, por que obrigar o autor a propor nova ação (declaratória) se a ação de consignação em pagamento já tem essa natureza? Concluímos, pois, pela admissibilidade da ação quando a discussão tiver por objeto a fixação do quantum debeatur, não se admitindo, porém, o pleito declaratório quando se questionar sobre o inadimplemento ou a rescisão do contrato, caso em que estaremos diante de ação de natureza condenatória ou constitutiva.”250
Entendemos que efetivamente matérias que não digam respeito à liberação do
devedor seriam estranhas à lide, mas tudo aquilo que concerne à dívida deve ser apreciado
pelo juiz, valendo deixar assentado, como o faz Manoel Fernando Thompson Motta Filho,
que “a necessidade de julgar procedente ou improcedente o pedido, e com isso declarar ou
não extinta a dívida, leva forçosamente o órgão judicial a examinar o contrato, para apurar
248 Código de Processo Civil: “Artigo 897 - Não sendo oferecida contestação dentro do prazo, o juiz julgará
procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento das custas e honorários advocatícios.”
249 Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Aspectos controvertidos da ação de consignação em pagamento, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 10, n. 40, p. 257, out./dez. 1985.
250 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 97-98.
132
qual das partes o está interpretando de modo correto, e, por conseguinte, se o autor devia
só o que depositou, ou também devia plus pretendido pelo réu”.251
3.4.1.1 Da legitimidade
A legitimidade ativa é do devedor, mas também de todos aqueles a que lei permite
que paguem a dívida em seu próprio nome.
Podem ter legitimidade ativa ainda o terceiro juridicamente interessado em solver
o débito, o espólio, até que seja ultimada a partilha e o incapaz, desde que representado ou
assistido.
Admite-se ainda que o terceiro desinteressado possa promover a consignação,
estando abarcados no referido conceito o procurador, o preposto e o gestor de negócios.
Em que pese a legitimidade do terceiro não interessado não seja pacífica, havendo
quem não a admita, como Adroaldo Fabrício252, parece-nos mais acertado o entendimento
de quem a considera possível, como Clóvis do Couto e Silva253 e Alexandre de Paula.254
Ernane Fidélis observa que o terceiro interessado é “o que também está obrigado à
dívida, como o fiador, o avalista, o que deu bens em garantia. Terceiro não interessado é o
que não está obrigado à dívida. Quando pagam, ambos têm o direito ao reeembolso, com a
diferença de que o terceiro interessado se sub-roga nos direitos do credor, isto é, assume
posição como se fosse titular primitivo do crédito, inclusive com as garantias que houver,
enquanto o terceiro não interessado pode apenas se fazer pagar”.255
Ostenta legitimidade passiva o credor, que é aquele que pode exigir o pagamento
e dar quitação, podendo ser certo ou desconhecido, capaz ou incapaz.
251 Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Aspectos controvertidos da ação de consignação em
pagamento, cit., p. 253-261. 252 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 83-87. 253 Clóvis do Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1997, v. 11, t. 1, p. 26, n. 9. 254 Alexandre de Paula, Código de Processo Civil anotado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, v. 4, p. 1. 255 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1996, v. 3, p. 6.
133
Em sendo desconhecido ou incerto, far-se-á a sua citação por edital, e quando
incapaz, deverá estar assistido ou representado, intervindo o Ministério Público (arts. 82,
inc. I e 84 do CPC).
Na hipótese de existir dúvida quanto à titulariedade do crédito (arts. 985 e 898),
haverá a formação de litisconsórcio passivo necessário entre os pretensos credores.
3.4.1.2 Da resposta do réu e o caráter dúplice da ação de
consignação em pagamento – artigos 896 e artigo 899, parágrafo
1º do Código de Processo Civil
O Código de Processo Civil arrola no artigo 896 as matérias que o réu poderá
argüir na contestação, seguindo, nesse aspecto, o que constava do artigo 316 do Estatuto de
1939.
O fato do legislador ter indicado uma relação de matérias alegáveis pelo réu
poderia dar a falsa idéia de que se trata de um rol taxativo e o fato de haver aludido apenas
à contestação poderia ensejar que restringiu a sua resposta a tal espécie.
Não é a interpretação, contudo, que deve prevalecer.
Como ressalta Antônio Carlos Marcato256, quanto às matérias capazes de argüição
pelo réu, na contestação poderá ainda alegar as preliminares indicadas no artigo 301, e
outras de mérito, diretas e indiretas.
Quanto ao uso da expressão “contestação”, vale igualmente uma ressalva.
O Código de Processo Civil, como anteriormente destacado em vários
dispositivos, utiliza a palavra contestar, mas no sentido de responder, como nos casos dos
artigos 57, 188 e 191.
256 Antonio Carlos Marcato, Ação de consignação de pagamento, cit., p. 87.
134
Não resta dúvida que as exceções rituais podem ser oferecidas, já que mesmo em
procedimentos que têm em vista uma maior celeridade, como nas hipóteses do
procedimento sumário e do Juizado Especial, são admitidas, embora possa variar seu
procedimento em relação ao rito ordinário.
A questão que seria passível de trazer maiores discussões seria a admissibilidade
da reconvenção.
Aludida dúvida poderia advir em função do disposto no artigo 899 do Código de
Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.591/94, que teria lhe erigido à
condição de ação dúplice.
Com efeito, dispõe o artigo 899 sobre a possibilidade do réu, na contestação,
argüir a insuficiência do depósito, admitindo-se então como regra que o autor possa
complementá-lo em dez dias.
Faculta-se ao réu levantar desde logo a quantia ou coisa depositada, prosseguindo
o feito quanto à parte controversa, promovendo-se a liberação parcial do devedor (autor da
demanda).
Estabelece então o parágrafo 2º que a sentença, tendo concluído pela insuficiência
do depósito, determinará, sempre que possível, o montante devido, valendo como título
executivo, em tal hipótese, a favor do credor, que poderá promover a execução.
Importante relembrar que não bastará, por óbvio, que o réu, em sua contestação,
alegue a insuficiência do depósito, devendo discriminar o montante do débito.
A ação consignatória, especificamente no que tange à hipótese antes aventada,
teria passado a ter caráter dúplice, já que se reconhecida a insuficiência do depósito, será
desacolhido o pedido do autor, arcando ele com a sucumbência, bem como havendo a
formação do título em favor do credor, réu da demanda, sem que para tanto tenha ele que
oferecer reconvenção.
135
No sistema anterior à Lei n. 8.591/94, reconhecida insuficiência do depósito, o
pedido do autor era julgado improcedente, facultando-se a ele o levantamento da quantia
ou coisa consignada.
No sistema atual, não se trata apenas de reconhecer a improcedência do pedido,
mas de levar à formação de um título judicial para o réu, sem que para tanto haja
necessidade quer da propositura de ação autônoma, quer do oferecimento de reconvenção.
É todavia necessário não olvidar, como relembra Antonio Carlos Marcato257, que
somente em se tratando de prestação líquida é que existirá titulo executivo judicial hábil à
execução.
Situação que se reputa sui generis, ainda dentro do mencionado dispositivo, é a
decorrente da alegação de insuficiência do depósito pelo réu na contestação, com a
aquiescência do autor, no prazo de dez dias, vindo a complementá-lo.
Trata-se no caso de exceção ao princípio da estabilidade da lide (art. 264,
parágrafo único), já que se confere ao autor, depois da resposta do réu, e
independentemente de sua concordância, a modificação da pretensão por ele formulada.
Cuida-se ademais, conforme o citado autor, amparado em posição também
sustentada por Adroaldo Fabrício, de uma espécie de sentença que não se enquadraria em
qualquer das hipóteses do artigo 269.
Não é de fato reconhecimento jurídico do pedido, porque é ato praticado pelo
autor, nem tampouco renúncia ao direito em que se funda a ação, já que o demandante de
qualquer modo logrará obter a liberação da obrigação.
O caso seria de reconhecimento da procedência da defesa pelo autor.
257 Antonio Carlos Marcato, Consignação em pagamento, Revista do Advogado, São Paulo, Associação dos
Advogados de São Paulo, n. 46, p. 71-73, ago. 1995.
136
Responderá todavia pela sucumbência, em homenagem ao princípio da
causalidade, porque se complementou o depósito, isso seria suscetível de indicar que a
recusa do réu em receber a prestação longe estaria de ser injusta.
A sentença, como já decidido258, seria de parcial procedência, distribuindo-se o
ônus da sucumbência na forma do artigo 21 do Código de Processo Civil, embora existam
decisões no sentido de que, em havendo a complementação por força da contestação,
caberia apenas ao autor suportar a sucumbência259, posição com a qual concordamos.
Frise-se que se o autor não complementar o depósito, subsistirá o dissenso sobre a
diferença, que será objeto de resolução na sentença.
Se o autor não vier a complementar o depósito, insistindo que a prestação é aquela
que consignou, e tendo o juiz, ao final, acolhido seu pleito, suportará o réu o ônus da
sucumbência.
Caso o juiz conclua pela insuficiência do depósito, duas seriam as possibilidades
aventadas, conforme o autor supra citado:
Se não foi efetuado o levantamento do depósito pelo réu, será rejeitado o pedido
do autor, arcando esse com a sucumbência.
Face ao caráter dúplice da ação, o autor consignante será condenado ao
pagamento ou à entrega da diferença da quantia ou coisa devida.
A sentença valerá como titulo executivo judicial, facultando-se o cumprimento
nos termos dos artigos 475-I e seguintes do Código de Processo Civil, com as alterações
empreendidas pela Lei n. 11.232/2005.
Não obstante a apelação seja recebida no duplo efeito (devolutivo e suspensivo), à
luz do disposto no artigo520, caput do Código de Processo Civil, a quantia ou coisa já
258 STJ – RESP n. 94.425/SP, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado. 259 2º TACivSP – Apel. n. 325633, 1ª Câmara, rel. Juiz Claret de Almeida, j. 14.12.1992, JTACivSP 106/473
(Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 1.121).
137
depositada poderá ser objeto de levantamento pelo réu, como lhe é facultado pelo artigo
899, parágrafo 1º.
Em tendo havido o levantamento do depósito pelo réu, que atingirá apenas a parte
incontroversa do débito, igualmente se formará o título executivo em seu favor, arcando o
autor com o ônus da sucumbência.
Quando não se mostra possível apurar o saldo em aberto, o réu levantará a parte
incontroversa, podendo o credor cobrá-lo em ação autônoma.
O caráter dúplice da ação, em sentido lato do termo, se manifestaria, como visto,
pela admissibilidade do réu argüir na própria contestação a insuficiência do depósito,
pleiteando seja o autor instado a complementá-lo e, não o fazendo, ensejando eventual
formação do título em favor do credor.
Cabe entretanto frisar que se o réu não vier a alegar e indicar de forma precisa na
sua contestação o montante da prestação ou deixar de discriminar a coisa, a mera
improcedência do pedido do autor será insuscetível de gerar a formação do título em favor
do credor.
Em outras palavras, a rejeição do pedido do autor não traz por si a obtenção do
bem da vida pelo réu, como seria curial nas ações estritamente dúplices ou na origem do
instituto.
Tal peculiaridade é por si indicativa de que o caráter dúplice da ação de
consignação em pagamento se confinou à hipótese da insuficiência do depósito, e não
prescinde de alegação do réu.
É de se observar ainda que, na hipótese de dúvida por parte do devedor quanto à
titulariedade do crédito, o Código de Processo Civil, no artigo 898, prevê o procedimento a
ser seguido.
Quando o juiz, tendo comparecido mais de um pretendente ao crédito, declara
efetuado o depósito e extinta a obrigação, há a exclusão do devedor, autor da
138
consignatória, da relação processual, que prosseguirá apenas entre os pretensos credores,
passando-se a adotar, no caso, o procedimento ordinário.
Na hipótese vertente, os pretendentes ao crédito passam a ser simultaneamente
autores e réus, podendo formular sua pretensões, independentemente do oferecimento de
reconvenção, pelo que a demanda passaria a ter caráter dúplice, já que o direito ao
levantamento da quantia depositada pelo autor poderá ser reconhecido em favor de
qualquer dos sujeitos que integram a relação processual.
3.4.1.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de
consignação em pagamento
A questão antes aventada pode trazer à baila a discussão sobre o cabimento ou não
de reconvenção no caso da consignatória, como de resto para as demais ações de
procedimento especial e, especialmente, as consideradas dúplices.
Calmon de Passos260 adverte que a especialidade do procedimento por si não
afasta a reconvenção.
Ao tratar especificamente do tema em exame, Aderbal Torres de Amorim261
ressalta a dificuldade em se situar, com precisão científica, o campo de atuação da
pretensão reconvencional, que não pode ser tão restrito (para que não se confunda com a
própria contestação), nem tão largo (que venha a se tornar, em verdade, cumulação de
pedidos, ou cumulação de ações, sem qualquer liame com a ação dita principal).
Afirma que a “principalidade” da consignatória pertinente à reconvenção
restringe-se a um único aspecto, entre uma e outra, a única “dependência” a se vislumbrar
é a que aponta o completamento da relação processual principal, sem o qual de todo
afastada a possibilidade de reconvir.
260 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 214. 261 Aderbal Torres de Amorim, Reconvenção e ação consignatória, Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 71,
v. 565, p. 260, nov. 1982.
139
Cita Pontes de Miranda no sentido de que o único óbice ao oferecimento da
reconvenção é a necessidade de que se estabeleça a angularidade processual através da
citação, sendo esse o único entrave ao seu ajuizamento, desde que atendidos os demais
pressupostos de índole processual – a conexidade – e material – os fundamentos jurídicos
da defesa.
Pertinente, todavia, não olvidar que, a partir das alterações introduzidas pela Lei
n. 8.591/94, a ação de consignação em pagamento, especificamente para o que se refere à
hipótese de alegação de insuficiência do depósito pelo réu, passou, segundo a doutrina
predominante, a ter caráter dúplice.
Nesse sentido, por vezes existe alusão à impossibilidade de oferecimento de
reconvenção em ações dúplices, porquanto haveria falta de interesse processual para tanto
por parte do réu.
Adroaldo Fabrício262, embora relacione a ação de consignação em pagamento
entre as de procedimentos irredutivelmente especiais, admite referida possibilidade,
assinalando que o Código vigente teria sido mais liberal que o anterior, vedando sua
restrição apenas no procedimento sumário.
A reconvenção todavia terá, como é óbvio, que observar os seus requisitos gerais
e específicos examinados anteriormente.
Consideramos que a reconvenção seria admissível para o que extrapole o caráter
dúplice da ação.
Se o réu, na hipótese de alegação de insuficiência do depósito efetuado pelo autor,
vier a oferecer reconvenção, certamente lhe faltará interesse processual, já que o Código
permite que o faça na própria contestação, sem necessidade de formulação do referido
pedido na petição inicial.
262 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 39 e 139.
140
Assim, caso o réu pretenda formular qualquer outro pedido, que não o relativo à
condenação do autor ao pagamento da diferença entre o valor depositado e aquele reputado
correto pelo autor, poderá fazê-lo pela via reconvencional.
Resulta claro que para efeito de complementação do depósito, eventual
reconvenção oferecida seria indeferida por falta de interesse processual.263
Poderá, destarte, por exemplo, pleitear eventual rescisão contratual em face do
autor.
O fato da ação de consignação em pagamento observar o procedimento especial
não se mostra empecilho a tanto, já que diante da omissão do Código quanto ao prazo para
resposta, deverá ser observar, nos termos do artigo 272, parágrafo único, o previsto para o
procedimento ordinário.264
Vale lembrar que as ações de consignação em pagamento de alugueres possuem
procedimento próprio previsto no artigo 67 da Lei n. 8.245/91, admitindo-se
expressamente a reconvenção, advindo de tal circunstância a conclusão de que tais
demandas não ostentam o caráter dúplice previsto no artigo 899, parágrafo 2º do Código de
Processo Civil.
Sobre o tema, manifesta-se Ernane Fidélis, em relação ao artigo 67, da Lei n.
8245/91, especificamente sobre a reconvenção:
“A reconvenção pode ter por objeto apenas a cobrança de valores, e tal se dará nas hipóteses de controvérsia sobre a mora, mas o despejo só poderá ser proposto, em reconvenção, com fundamento em falta de pagamento de aluguéis e acessórios, ou seja, na mora debitoris. Pela disposição da lei, parece que se permitiu ao locatário a complementação do depósito, quando não integral, apenas na hipótese de
263 Nesse sentido: “AÇAO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – Reconvenção – Propositura –
Desnecessidade – Ação consignatória que assumiu caráter dúplice – Artigo 899, parágrafo 2º do CPC. Decisão que indeferiu a petição inicial da ação reconvencional mantida – Recurso não provido.” (TJSP – Agravo n. 430.557-4/8-00/Ribeirão Preto, rel. Ary Bauer).
264 “RECONVENÇÃO – Cabimento em ação de consignação em pagamento – Caso em que o pedido formulado pelo reconvinte implica em pretensão indenizatória, não se tratando de hipótese que pudesse ser abrangida pelo caráter dúplice da ação – Decisão extintiva da reconvenção afastada – Recurso provido para esse fim.” (1º TACivSP – AG n. 7.062.151-5/Sertãozinho, 15ª Câmara de Direito Privado, rel. Cyro Bonilha, j. 09.05.2006, v.u.).
141
ter havido reconvenção para cobrança de valores. Assim, porém, não se deve entender, em razão do próprio espírito da lei. Em primeiro lugar, a complementação é decorrente do princípio do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, pois, onde há diferenças possíveis de serem corrigidas sem prejuízo das partes interessadas, a correção deverá ser feita; em segundo lugar há interesse público na manutenção da locação, mormente a residencial; em terceiro lugar, e, no próprio pedido de despejo, a complementação pode ser feita, por que não antecipá-la na consignação incompleta?”265
No caso da consignação em pagamento do Código de Processo Civil, verifica-se
que a duplicidade da ação restringiu-se à hipótese de pleito do réu de complementação do
depósito feito pelo autor. Não cuida de hipótese na qual a improcedência do pedido do
autor poderia levar o réu à obtenção do bem da vida disputado.
Ao permitir que o réu veicule mencionado pedido na petição inicial, o legislador
teria objetivado atender ao princípio da economia processual, evitando que, reconhecida a
insuficiência de depósito, como no sistema anterior à Lei n. 8.591/94, se visse o credor
cingido a intentar ação autônoma para recebimento de seu crédito.
Assim, caso o réu não venha, na contestação, pedir a condenação do autor ao
complemento do depósito, como lhe faculta o artigo 891, parágrafo 1º, não poderá o juiz,
por força do princípio dispositivo da ação, fazê-lo, caracterizando-se a preclusão, caso não
argüida a matéria na contestação.
Há decisões judiciais que efetivamente reconhecem o caráter dúplice da ação
consignatória prevista no Código de Processo Civil, especificamente no caso do artigo 899,
parágrafo 2º, mas considerando inaplicável o citado dispositivo se atingida a matéria pela
preclusão, e se algum direito assistir ao credor, deverá ser buscado pelas vias ordinárias.266
3.4.2 Ação de prestação de contas −−−− Aspectos gerais e breve
evolução histórica
265 Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, cit., p. 17-18. 266 A respeito do tema, o Superior Tribunal de Justiça ratificou o entendimento do Tribunal a quo quanto à
impossibilidade de se fixar o quantum devido pelos mutuários, autores da ação, em virtude da falta de requerimento do agente financeiro nesse sentido, e ainda que não aplica a regra do parágrafo 2º do artigo 899 do Código de Processo Civil, se atingida a matéria pela preclusão (STJ – RESP n. 832.824/PR, 1ª T., rel. Min José Delgado, v.u., DJU, de 11.09.2006, p. 232). No mesmo sentido: STJ – RESP n. 535100/SC, 1ª T., rel. Min. Denise Arruda, v.u., DJU, de 05.12.2005, p. 221.
142
Conforme leciona Adroaldo Fabrício, prestar contas significa “fazer alguém a
outrem, pormenorizadamente, parcela por parcela, a exposição dos componentes de débito
e crédito resultantes de determinada relação jurídica, concluindo pela apuração aritmética
do saldo credor ou devedor, ou de sua inexistência”.267
De acordo com Moacyr Amaral268, a ação de prestação de contas surgiu na Idade
Média com procedimento peculiar, adotando no direito romano o processo comum.
Passou a ter procedimento específico após a Idade Média, consoante alguns
estatutos legais, como o de Castiglione di Lago, de 1571.
Assinala Edson Cosac Bortolai269 que no direito francês, a Ordenação de 1667
disciplinava em título especial o processo de prestação de contas, que em linhas gerais foi
trasladado para o Código de Processo Civil de Napoleão.
Segundo o autor supra citado, nas Ordenações Filipinas não havia prescrição do
procedimento a ser observado na ação de prestação de contas, estabelecendo-se de forma
aleatória princípios, especialmente no que diz respeito às contas de tutores e curadores.
Adotava-se o processo cominatório, considerando-se a prestação de contas como obrigação
de fazer.
Na Consolidação de Ribas, estava incluída entre as ações de preceito cominatório,
ou embargos à primeira, conforme previsão do artigo 774.
No Regulamento n. 737, de 1850 (art. 247, §7º), as ações de preceito cominatório
não se incluem entre as de procedimento especial, mas como de procedimentos ordinário,
já que não estavam incluídas entre as de procedimento sumário.
Consoante Edson Cosac Bortolai270, a ação de prestação de contas surgiu como
procedimento especial no período de vigência do Regulamento n. 737, de 1850 e 1877.
(Comentários de Teixeira de Freitas).
267 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 387. 268 Moacyr Amaral Santos, Ações cominatórias no direito brasileiro, 5. ed., São Paulo: Max Limonad, 1973,
v. 2, p. 374 e ss. 269 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 8 e ss. 270 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, cit., p. 11.
143
Os Códigos de São Paulo (art. 800) e do Espírito Santo (art. 604) a incluíram entre
as cominatórias, o que teria inspirado o Código de Processo Civil de 1939, que assim
também procedeu (arts. 801 e 802).
O Código de Processo Civil de 1973 não tratou em separado das ações
cominatórias, incluindo a ação de prestação de contas entre as de procedimento especial,
da jurisdição contenciosa.
Não obstante resulta claro a sua natureza cominatória, quando se recorda que o
artigo 915, parágrafo 2º do Código de Processo Civil determina que a sentença que julgar
procedente a ação condenará o réu a uma obrigação de fazer, consistente em prestar as
contas no prazo de quarenta e oito horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o
autor apresentar.
Há divergência se no caso da ação de prestação de contas espontânea haveria ou
não caráter cominatório.
Pontes de Miranda271 considera, com fulcro na tradição luso-brasileira, que a
pretensão à ação de prestação de contas, ativa ou passiva, é sempre objeto de preceito
cominatório, com o que concorda Ovídio Baptista.272
Diverge Adroaldo Fabrício 273 , com quem concordamos, pois o caráter
cominatório somente estaria presente quando se tratar de ação de exigir contas.
Frise-se ainda que o Código Civil, nos artigos 33, caput, 668, 1.756, 1.774, 1.980
e 2.020, estabelece hipóteses em que há o dever de prestar contas, e o Código de Processo
Civil, nos casos do administrador da massa na insolvência, ou do imóvel ou empresa no
usufruto executivo, entre outros.
271 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1977, v. 13, p. 128. 272 Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais: exegese do Código de Processo Civil (arts. 890 a 981),
Rio de Janeiro: AIDE, 1989, p. 179.
144
3.4.2.1 Da legitimidade – ação de prestação e de dar contas
São legitimados à ação os que têm o direito de exigir a prestação de contas, como
aqueles que são obrigados a prestá-las, em razão do caráter dúplice da ação.
A inclusão dos litigantes em qualquer dos pólos da relação processual evidencia o
aspecto dúplice da ação de prestação de contas, já que pode ela ser objeto de ajuizamento
tanto pelo titular de um direito em face do administrador ou do gestor, como vice-versa.
Como menciona Antonio Carlos Marcato, ”a inserção dos litigantes em um ou
outro dos pólos da relação jurídica processual é determinada, mercê do caráter dúplice da
ação, pela iniciativa do autor: ocupará a posição de parte ativa aquele que por primeiro
tome a iniciativa de ingressar em juízo, cabendo ao outro a posição de demandado”.274
A questão ganha interessante aspecto quando se tratar de sucessão.
Pontes de Miranda sustenta que não se cuida de questão que possa ser resolvida a
priori e ressalta que as relações jurídicas resultantes das obrigações de prestar contas são
de diferente natureza e categoria, sujeitas a variação, assinalando:
“O fato de se transmitir aos herdeiros a obrigação de prestar contas não basta para que se afirme transmitir-se aos herdeiros a legitimação passiva na ação cominatória. Seria confundir a pretensão de direito processual e a de direito material. Os herdeiros do advogado, por exemplo, que não o tenham substituído no escritório de advocacia, não podem ser preceituados segundo o artigo 302, V; têm de ser chamados em processo de rito ordinário. O herdeiro que ficou à testa do estabelecimento comercial responde segundo o artigo 302, V.”275
Ainda sobre o tema da legitimidade, vale lembrar que se firmou a legitimidade
passiva para as ações de prestação de contas por parte das instituições bancárias 276 ,
havendo precedentes admitindo o ajuizamento da demanda por consorciado277 e, quanto ao
273 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 392. 274 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 136-137. 275 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil de 1939, 2. ed., Rio
de Janeiro: Forense, 1959, v. 5, p. 25-26. 276 Súmula n. 259 do STJ: “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular de conta bancária.” 277 JTACSP - Lex 133/149.
145
condomínio em edifícios, apenas seria cabível seu ajuizamento pelo condômino, se o
síndico não as tiver prestado à assembléia geral e ao conselho consultivo.278
Conforme assinala João Batista Lopes279, o condômino não pode individualmente
exigir prestação de contas pela via judicial, porque a lei considera a assembléia geral como
foro adequado para tal discussão, e caso fosse admissível tal possibilidade, se instalaria o
tumulto na vida condominial.
Caso o síndico se negue a prestar contas à assembléia ou se recuse a convocá-la,
restaria aos condôminos fazê-lo, ou havendo violação à convenção de condomínio ou à lei,
teriam legitimidade para exigir dele a prestação de contas judicialmente.
Além disso, como realça Adroaldo Fabrício, o manejo da ação de prestação de
contas “pressupõe divergência entre as partes, seja quanto à existência mesma da obrigação
de dar contas, seja sobre o estado delas, vale dizer, sobre a existência, o sentido ou o
montante do saldo”.280
3.4.2.2 Da denominada duplicidade intrínseca da ação de
prestação de contas
O procedimento da ação de prestação de contas é variável, conforme se trate de
ação proposta por quem tem o direito de exigi-las (art. 915) ou a obrigação de prestá-las
(art. 916).
Na primeira hipótese, o procedimento será, em regra, bifásico, voltando-se a
primeira etapa à discussão sobre a obrigação ou não do réu prestar contas, e a segunda à
sua apresentação, com a apuração de eventual saldo, com a formação do título executivo.
278 JTJ 180/41. 279 João Batista Lopes, Condomínio, 9. ed. rev., atual e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 183. 280 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 397.
146
Como anteriormente consignado, iremos nos restringir ao exame do caráter
dúplice da ação e o que ele teria de peculiar, em confronto com outras demandas assim
consideradas.
No caso da ação intentada por quem tem o direito de exigir a prestação de contas,
ao réu seria possível adotar as seguintes atitudes:
a) Apresenta a contas e não contesta, o que caracteriza a hipótese do artigo 269,
inciso II (reconhecimento jurídico do pedido) e o procedimento será abreviado, passando-
se ao julgamento: em tal hipótese, as contas serão julgadas por sentença que condenará
qualquer das partes ao pagamento do saldo apurado, sendo irrelevante o exame de quem
tomou a iniciativa de ajuizar a ação, enfatizando o caráter dúplice da ação.
b) Contesta e nega a obrigação de prestar contas ou aduz que as contas já foram
apresentadas: em o réu apresentando contestação negando a obrigação de prestar contas,
far-se-á eventual dilação probatória, prolatando-se sentença, acolhendo ou não a pretensão
do autor.
c) Apresenta contas e contesta: embora à primeira vista pareça haver clara
incompatibilidade lógica entre tais atitudes, Adroaldo Fabrício281 a tem como possível,
quando a divergência se assentar não quanto às próprias contas, mas no que tange ao seu
conteúdo, vale dizer, sobre as parcelas de “dever” e “haver”, enfim, sobre o saldo.
d) Mantém-se revel: havendo revelia, será cabível o julgamento antecipado da lide
(art. 330, inc. II), e a sentença prolatada cominará ao réu a obrigação de prestar as contas,
no prazo de quarenta e oito horas, aplicando-se, em caso negativo, o disposto no artigo
915, parágrafo 2º.
Frise-se que caso o juiz entenda não ser caso de aplicação dos efeitos da revelia e
de proceder o julgamento antecipado da lide, determinará que o autor especifique as provas
que pretende produzir, nos termos do artigo 324.
281 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 407.
147
Como assinala Adroaldo Fabrício282, não será necessariamente aplicável o artigo
330, inciso II, ainda porque pode o juiz entender que há carência de ação.
O Código de Processo Civil denomina de sentença, nos termos do artigo 915,
parágrafo 2º, o ato do juiz que encerra a primeira fase do processo, conquanto ao rigor da
anterior definição do artigo 162, parágrafo 1º, o ato não tivesse o condão de extinguir o
feito.
A segunda fase se iniciará após o trânsito em julgado da sentença prolatada na
primeira fase, com a intimação do réu, que deverá ser pessoal, para apresentar as contas em
quarenta e oito horas.
Prestadas as contas sobre elas o autor terá cinco dias para sobre elas se manifestar,
admitindo-se eventual dilação do prazo.283
O Código não dispõe sobre qual providência adotar, na hipótese do réu não
apresentar as contas e o autor igualmente quedar-se inerte, sendo, porém, aplicável o artigo
267, inciso III, vale dizer, proceder-se-á a sua intimação pessoal e, persistindo sua
contumácia, caberá a extinção do processo.
Embora o artigo 918 do Código diga que o saldo credor será declarado na
sentença, trata-se de sentença dotada de carga predominantemente condenatória, já que
formará o título em favor de qualquer das partes.
Relativamente à ação de dar contas (art. 916), pode-se, em síntese, assinalar que
não se trata de procedimento que observa duas fases284, podendo ocorrer as seguintes
hipóteses:
282 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 409. 283 STJ – RESP n. 67671/RS, 3ª T., rel. Min. Ari Pargendler, j. 22.6.99, DJU, de 13.9.99, p. 62 (Antonio
Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit.,, p. 142). 284 “Ação de prestação de contas. Tratando-se de ação intentada por quem pretende prestar contas, não se
divide o processo em duas fases como se sucede quando proposta por quem está a exigi-las.” (STJ –RESP n. 2.779, 3ª T., rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU, de 25.6.1990, p. 6.039).
148
a) O réu aceita as contas apresentadas pelo autor: face ao reconhecimento jurídico
do pedido por parte do autor, as contas serão julgadas, conforme prevê o artigo 916,
parágrafo 2º, em dez dias, observando-se o quanto consta do artigo 918. Pontes de
Miranda285 indica que a concordância deve ser sobre todos os pontos das contas oferecidas,
que a falta de aquiescência sobre qualquer um deles, ainda que não essencial, destruiria a
aceitação como plus suficiente para a conclusão dos autos.
b) Revelia: cabe o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, inciso
II, com as ressalvas antes feitas, no sentido de que pode o juiz entender não serem
aplicáveis os efeitos da revelia, determinando a especificação e produção de provas pelo
autor.
c) Contestação: poderá o réu deduzir qualquer matéria, tanto processual como
material, podendo atacar no que se refere à sua forma e conteúdo.
d) Impugnação das contas: como assinala Antonio Carlos Marcato286, além da
contestação, pode o réu apresentar a impugnação quanto ao conteúdo e a forma das contas
apresentadas pelo autor.
Sobre essa hipótese, Eduardo Furian Pontes287 a define como a manifestação do
demandado sobre o conteúdo das contas ou de algumas das parcelas que compõem o saldo
das contas, e adverte que diante da redação do parágrafo 2º do artigo 916, a conjunção
alternativa “ou” utilizada daria a falsa impressão de pensamentos que se excluem ou se
alternam.
Observa porém que é perfeitamente possível que o réu conteste a ação por inépcia
da petição inicial (art. 301 inc. III, do CPC) e, ao mesmo tempo, impugne o conteúdo das
contas oferecidas, fazendo-o com fulcro no princípio da eventualidade.
285 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, 1977, cit., v. 13, p.
132. 286 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 144. 287 Eduardo Furian Pontes, Ação de prestação de contas espontânea, Direito & Justiça, Porto Alegre,
Faculdade de Direito da PUC/RS, ano 21, n. 20, p. 137-138, 1999.
149
No aspecto substancial, o réu poderá apresentar suas próprias contas e no formal
apontar defeitos, como v.g., a falta de observância do quanto exigido pelo artigo 917, o que
poderá ensejar ao juiz que determine a correção de eventuais defeitos ou omissões.
Poderá o juiz, em conformidade com o artigo 916, parágrafo 2º, determinar a
realização de audiência de instrução e julgamento, condenando qualquer das partes no
saldo apurado (art. 918).
Convém frisar ainda, como pondera Moacyr Amaral, que as contas devem
transcrever o “desenvolvimento cronológico das operações a que se relacionam, com a
demonstração gráfica das quantias recebidas e despendidas e respectivo saldo” 288 ,
acompanhada dos respectivos documentos.
Feita uma breve exposição da estrutura do procedimento, tanto no que refere à
ação proposta por quem tem o direito de exigir contas, como por aquele que tem a
obrigação de prestá-las, seria agora o momento de procurar examinar o que ressaltaria o
caráter dúplice das referidas demandas.
Primeiramente, a existência das duas modalidades de ação de prestação de contas,
uma para pedir e outra de dá-la, enseja uma dupla legitimação, tanto no pólo ativo, como
passivo.
Consoante o que havia se consignado, não há uma legitimação predeterminada,
porque qualquer dos sujeitos que mantêm a relação material pode figurar como autor ou
réu da ação.
Segundo aspecto de suma importância é a condenação ao pagamento do saldo
devedor, que pode voltar-se contra qualquer das partes, independentemente inclusive de
qualquer requerimento nesse sentido pelo réu, de contestação e mesmo se ele for revel.
Referida circunstância leva a que se reconheça a existência de ações que seriam
intrinsicamente dúplices, em oposição a outras que permitem que o réu amplie o objeto
288 Moacyr Amaral Santos, Ações cominatórias no direito brasileiro, cit., v.2, p. 400.
150
litigioso, formulando pedido em seu favor, na própria contestação, sem que haja
necessidade do oferecimento de reconvenção.289
Mencionada disposição constitui ainda exceção ao princípio dispositivo, como
sustenta Adroaldo Fabrício:
“Mas há outra hipótese absolutamente impassível de enquadramento teórico nas coordenadas antes definidas. O autor oferece contas (art. 916) com saldo favorável a ele; o réu, citado, mantém-se em silêncio; o juiz, confrontando as contas com os documentos e verificando os cálculos conclui e julga que há saldo favorável ao réu. Este nada objetou e a nada anuiu, e contudo se vê beneficiado pelo título executivo sentencial. O caso traduz uma clara quebra do princípio dispositivo e só se aplica por razões de ordem pragmática, a que o legislador deu prevalência sobre os princípios gerais e bases teóricas do processo civil.”290
Ovídio Baptista291 comenta que não havendo contestação ou impugnação, seria
aplicável o artigo 319, promovendo-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do
artigo 330, inciso II, mas que isso não significa que o juiz tenha que julgar as contas
favoráveis ao autor.
Observa que ele examinará os elementos processuais da relação jurídica, sem
nenhuma vinculação com os elementos fáticos, porque esses são intocáveis.
Vê-se, pois, que a duplicidade das ações de prestações de contas possui
peculiaridade, explicável à luz do quanto exposto, por razões de ordem mais pragmática do
que propriamente assentadas na relação de direito material.
3.4.2.3 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações de
prestação de contas
Considerando que haveria uma reconvenção implícita admitida na ação de
prestação de contas e que o título poderia ser formado em favor de qualquer dos litigantes,
parte da doutrina não entende possível o seu oferecimento.
289 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 243-244. 290 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 443-444. 291 Ovídio Baptista da Silva, Procedimentos especiais: exegese do Código de Processo Civil (arts. 890 a 981),
cit., p. 180.
151
Clito Fornaciari considera inadmissível o oferecimento de reconvenção, dada a
natureza dúplice da ação de prestação de contas. Acresce que sendo o fundamento da
contestação a impugnação das contas apresentadas, ela produz os mesmos efeitos da
reconvenção, pois se “a sentença julgar que exista um saldo, aquela das partes em favor de
quem esse saldo for julgado como existente terá título executivo que a habilitará, quer seja
autor ou réu, à execução (art. 918).”292
Edson Cosac, além de assinalar a existência de uma reconvenção implícita
admitida nas ações de prestação de contas, distingue a primeira e a segunda fase do
procedimento e aponta qual alternativa seria aplicável, caso o réu pretenda ampliar o
pedido do autor:
“A rigor, não haveria impedimento a que o réu, na primeira fase da ação intentada para exigir-lhe contas, reconviesse, já que não há nessa fase, como referimos, reconvenção implícita, o que tão-só ocorre na segunda fase, ou na ação ajuizada para prestar contas. Como ação e a reconvenção são autônomas, a decisão de uma não tem vinculação com a da outra, podendo ambas ser julgadas procedentes ou improcedentes, ou uma procedente e outra improcedente. Daí porque a eficácia da reconvenção estaria condicionada à improcedência da ação ajuizada para exigir contas, podendo tão-só nesse caso ser admitida. Entretanto, sendo a ação julgada procedente em parte, e a reconvenção, também, procedente em parte, por exemplo, dada a diversidade dos procedimentos, não poderia ser admitida, sob pena de tumultuar-se a ação de prestação de contas em sua segunda fase, com graves riscos de, complicando-se de tal forma os procedimentos, cometerem-se injustiças. Já na segunda fase da ação, ou naquela ajuizada para apresentar contas (art. 916), não pode sequer cogitar-se de reconvenção.”293
Para o referido autor, caso o réu pretenda ampliar o objeto litigioso, a solução
seria a propositura de ação autônoma, no prazo da contestação, requerendo julgamento
conjunto dela com a ação, na hipótese de prestação de contas, face ao disposto no artigo
105 do Código de Processo Civil.
292 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 137. 293 Edson Cosac Bortolai, Da ação de prestação de contas, cit., p. 97-100.
152
Por seu turno, Ernane Fidelis294 e Adroaldo Fabrício295 admitem reconvenção nas
ações de prestação de contas, considerando especialmente o fato de que o rito se
converteria em ordinário após a contestação.
O último autor citado, mesmo sopesando a natureza dúplice da ação de prestação
de contas, não rechaça o oferecimento da reconvenção.
Sustenta que o réu pode veicular pretensão que não a de prestar contas ou pedir
contas, mas que atenda ao requisito genérico da conexão do artigo 315.
Mesmo no caso da ação de oferecer contas, o aludido autor não vê óbice no
oferecimento da reconvenção, quando o réu contestando, sem negar a obrigação de prestá-
las, se valha da via reconvencional para oferecê-las, segundo o artigo 914, inciso II.
Em sede jurisprudencial, igualmente grassa considerável dissenso e, embora se
reconheça o caráter dúplice da ação de prestação de contas e a existência de uma
reconvenção implícita, há precedentes autorizando seu manejo pelo réu.296
Entendemos, não obstante os sólidos argumentos existentes em ambas as
correntes, que seria admissível a reconvenção, desde que ela não tenha por fito o pedido de
condenação do adversário ao pagamento do saldo, já que para esse fim, a ação é dúplice.
294 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1978, v. 6,
p. 100, n. 103. 295 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 412-413. 296 “Prestação de contas. Reconvenção. É possível a reconvenção em ação de prestação de contas, mas o seu
indeferimento não é causa de nulidade se a mesma matéria foi apresentada na contestação, considerando-se que nesse tipo de ação a ‘reconvenção é implícita na defesa’. Recurso conhecido, mas improvido.” (STJ – RESP n. 239311/CE, 4ª T., rel. Min. Ruy Rosado, v.u., DJU, de 08.05.2000, p. 101). Ainda pela admissibilidade da reconvenção: RTJ 91/365; RT 614/83. Contra: “Prestação de contas. Direito da sociedade formalizada de requerer contas de período anterior, quando atuava apenas de fato. Conjunto probatório revela que os réus se retiraram da sociedade antes de sua constituição jurídica e que administravam conta bancária da entidade, devendo assim responder por tal movimentação financeira. Sentença de Procedência. Ação de caráter dúplice, todavia o pedido do réu em face do autor deve ser manejado na contestação (art. 300 do CPC) sob pena de ofensa ao devido processo legal, possibilidade, no entanto, de discutir a questão em procedimento específico, sentença de procedência. Recurso improvido.” (TJSP – Apelação Cível com Revisão n. 159.384-4/1-00/Laranjal Paulista, 5ª Câmara de Direito Privado, v.u., rel. Oscarlino Moeller, j. 21.06.2006).
153
A reconvenção seria admissível, quando se tratar de ação proposta para exigir
contas, na primeira fase do processo, já que na segunda etapa a cognição está voltada ao
exame das contas e à apuração de eventual saldo.
A solução aventada anteriormente, vale dizer, a propositura de demanda que
poderá ser reunida com a ação de prestação de contas, quando houver interesse do réu na
ampliação do objeto litigioso, feriria, salvo melhor juízo, o princípio da economia
processual, que deve ser visto não sob o prisma exclusivo do autor, mas do processo.
Ao eventual tumulto processual que poderia ser temido parece-nos que seria
suscetível de se impor o risco da multiplicação de ações que poderiam ser objeto de
solução num único processo, através de uma única instrução e sentença.
Assim, concluímos, com o devido acatamento às posições contrárias, assinalando
que o caráter dúplice da ação de prestação de contas não impediria o oferecimento da
reconvenção, desde que, como já destacado, o pleito reconvencional não esteja englobado
no âmbito da dúplice, e, destarte, não se trate de pedido de condenação da parte adversa ao
pagamento do saldo que venha a ser apurado na sentença.
3.4.3 Ações possessórias – Aspectos gerais e breve evolução
histórica
Deixamos, desde já, assentado que não faremos referência às discussões,
conquanto extremamente relevantes, como as relativas à natureza da posse e sua proteção,
a fim de que possamos nos concentrar no tema da dissertação.
Assim, a breve evolução histórica aqui efetuada se justifica para o exame,
posteriormente, dos interditos possessórios, da fungibilidade entre eles, da cumulação de
pedidos, da concessão de liminar e da possibilidade de sua aplicação em relação ao réu,
dado o caráter dúplice das ações possessórias.
154
Consoante mostra Moreira Alves297, quanto à origem da proteção possessória,
duas teorias se formaram, concordando ambas que foi criada pelo pretor.
A primeira teoria considera que a proteção possessória surgiu para tutelar os que
ocupam o ager publicus.
A segunda entende que a tutela possessória teria advindo da faculdade que tinha o
pretor até a sentença, nos juízos reivindicatórios, de atribuir provisoriamente a posse da
coisa a uma das partes para mantê-la (retinandae possessionis) ou para recuperá-la
(recuperandae possessionis). Ensina o autor que no direito clássico duas eram as espécies
de interditos que protegiam a posse: a) interdcita retinendae possessionis causa (interditos
para a manutenção da posse); b) interdicta recuperandae possessionis causa (interditos
para a recuperação da posse).
Os interdicta possessionis causa eram dois: interdito uti possidetis e interdito
utrubi, que se destinavam, respectivamente, à proteção de coisas imóveis e móveis.
Ambos tinham caráter proibitório e dúplice.
O interdito uti possidetis somente protegia o possuidor cuja posse não fosse
violenta, clandestina ou precária.
O interdito utrubi se destinava à conservação da posse do escravo, tendo se
estendido, no período clássico, às coisas móveis em geral, e exigia igualmente posse não
violenta, clandestina ou precária, protegendo apenas o possuidor que, no ano em curso,
tivesse estado mais tempo na posse coisa, o que não era considerado para efeito do
interdito uti possidetis.
Como antes assinalado nas Institutas de Gaio (IV 160), enfatizava-se o caráter
dúplice dos referidos interditos, que eram assim chamados porque “neles a posição dos
dois litigantes é igual, e nenhum mais do que o outro é considerado réu ou autor, mas cada
297 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 1, p. 332 e ss.
155
um assume as partes, tanto do réu quanto do autor, dado que o pretor se dirige a ambos
com a mesma peroração”.298
Quanto aos interditos reciperandae possessionis, eram três: a) interdito unde vii;
b) interdito de precario; c) interdito de clandestina possesione.
O interdito unde vi era destinado a reintegrar na posse os que foram despojados
com violência, sendo utilizável apenas em relação aos imóveis. Ela se desdobrava em dois
interditos, de acordo com a violência empregada no esbulho. Caso a violência fosse
comum, era cabível o interdito de vi cottidiana e, se incomum, o interdito de vi armata.
O interdito de precario foi criado pelo pretor para que o proprietário pudesse
obter de imediato a restituição da coisa recusada pelo precarista.
O interdito clandestina precaria era voltado à recuperação da posse do imóvel
ocupado de forma clandestina por alguém.
No direito justinianeu, foram efetuadas várias alterações no que concerne à
proteção possessória.
O interdito utrubi, face à sua proximidade com o uti possidetis, passou a proteger
o possuidor que estava na posse da coisa móvel no momento da turbação, e não como
ocorria no direito clássico, protegendo o que havia possuído por mais tempo no período em
que houve a turbação.
Operou-se a fusão entre os interditos de vi cotidiana e de vi armata, passando o
interdito único unde vi a ser requerido até um ano depois do desapossamento, não se
admitindo a exceção vitiosae possessionis, de tal sorte que mesmo tendo havido a
aquisição da posse por violência, clandestinidade ou precariedade, não havia impedimento
à sua utilização.
Ao abordarem o procedimento da tutela interdital, José Rogério Cruz e Tucci e
Luiz Carlos de Azevedo assinalam que se caracterizava essencialmente pela rapidez e
298 José Carlos Moreira Alves, Direito romano, cit., v. 1, p. 332.
156
sumariedade e que em se tratando de interdito de natureza dúplice, o rito se tornava muito
mais complexo.
Pela pertinência do tema, vale transcrever a exposição feita pelos aludidos autores
sobre o interdito de natureza dúplice:
“Nesses interditos (retinendae possessionis) a situação jurídica das partes era idêntica, havendo, por esse motivo, no processo per sponsionem, duas sponsiones e duas restipulationes; e, ademais, se a coisa objeto da controvérsia, produzisse frutos, exigia-se uma caução, denominada fructuaria stipulatio, que consistia na oferta (fructus licitatio) de uma soma; e quem oferecesse a maior quantia, ficava, interinamente na posse da coisa (Gaio, I., 4. 166). O sucumbente, nessa hipótese, perdia a título de pena, as somas de sponsio e da restipulatio; e, mais, também pela mesma razão, a soma da fructuaria stiupulatio, quando a condenação recaísse sobre aquele que estivesse na posse da coisa. E, a final, para que nesse caso, fosse essa efetivamente restituída, o vencedor dispunha da actio Cascelliana ou secutoria (Gaio, I., 4. 166ª), e, ainda, de um meio processual (iudicium secutorium), pelo qual recebia uma caução para assegurar o cumprimento do julgado.(I., 4. 169). Aduz-se que em qualquer desses procedimentos – no da sponsio ex interdito ou no do per arbiter – admitia-se a inserção na respectiva fórmula, a pedido do réu, e uma exceptio.”299
Ney da Fontoura Boccanera300 aduz que na evolução histórica do direito romano,
buscou-se assegurar a proteção possessória estritamente àqueles que exerciam os poderes
inerentes ao direito real de propriedade, ou a outros direitos reais (aos que possuíam como
se proprietários ou titulares fossem de outros direitos reais: precaristas, credor
pignoratícios, sequestratários etc.).
Assinala que no direito medieval e canônico ampliou-se a faixa de aplicação da
proteção possessória aos direitos pessoais.
Reporta-se a ensinamento de Arnaldo Wald301, que considera que o problema da
fundamentação dos interditos possessórios se situa mais no campo filosófico que
dogmático.
299 José Rogério Cruz e Tucci; Luiz Carlos de Azevedo, Lições de história do processo civil romano, cit., p.
l16. 300 Ney de Fontana Boccanera, A defesa possessória nos direitos pessoais, Revista dos Tribunais, ano 69, v.
540, p. 20-21, out. 1980.
157
Menciona Arnoldo Wald as posições de Kant, Savigny e Ihering sobre o tema
para reforçar seu entendimento. Kant afirma que a proteção possessória é um corolário da
autonomia da vontade que viria ser violada pela turbação ou o esbulho. Savigny via na
proteção possessória a defesa da ordem e da segurança pública e a garantia da paz social,
pois impedia que se fizesse justiça pelas próprias mãos. Ihering imaginava a proteção
possessória como a primeira linha de defesa da propriedade.
No Brasil, os procedimentos possessórios estavam previstos nas Ordenações do
Reino e foram adotados pela legislação brasileira.302
Os Códigos estaduais passaram a distinguir entre o interdito proibitório, de
natureza possessória, e o preceito cominatório, sendo as ações possessórias incluídas no
Código de 1939 no Título XIII, do Livro IV, que disciplina as ações de manutenção,
reintegração, interdito proibitório e de imissão na posse.
No Código atual, a ação de imissão de posse deixou de observar o procedimento
especial e as demandas possessórias típicas estão previstas no Livro IV, Título I, Capítulo
V, Seção I a III, artigos 920 a 933.
3.4.3.1 Da legitimidade ativa e passiva
Podem ser legitimados ativamente aqueles que tiveram posse e a perderam (no
caso de esbulho), os que ainda a exercem, mas não em sua plenitude (na hipótese de
turbação), os possuidores diretos e indiretos, quer se trate de posse natural ou civil,
podendo intentar a ação e ser demandado o sucessor universal (arts. 1.207 e 1.784 do CC)
e singular (art. 1207, 2ª parte do CC).
Em se tratando de posse derivada, escalonada, deve se indagar qual das posses foi
ofendida, sendo legitimado o seu titular mas, alcançando a todos o ataque, cuida-se de
hipótese de litisconsórcio facultativo.303
301 Arnoldo Wald, Curso de direito civil: direito das coisas, 2. ed., São Paulo: Sugestões Literárias, 1970, v.
3, p. 64. 302 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 149.
158
No caso de composse, aplica-se por analogia o artigo 1.234 do Código Civil,
tratando-se de litisconsórcio facultativo unitário.
Os compossuidores que vierem a intentar a ação agirão como legitimados
extraordinários concorrentes, facultando-se aos demais eventual intervenção na qualidade
de assistentes litisconsorciais (art. 54 do CPC), já que o direito material discutido em juízo
igualmente lhes pertence e serão atingidos diretamente pela sentença a ser prolatada.
É possível também a propositura da ação por parte do possuidor de boa ou má-fé,
o que possui posse justa ou injusta, face ao caráter relativo de tais vícios.
No pólo passivo, deverá figurar quem praticou o esbulho, turbação ou ameaça.
Como esclarece Marcos Vinicius Rios Gonçalves304, se aquele que praticou o
esbulho tiver falecido, legitimado será o espólio, dada a natureza e conteúdo patrimonial da
posse ou os herdeiros. Em havendo transferência da coisa a terceiros, será indispensável
analisar a existência de boa ou má-fé do adquirente. Se de boa-fé, a ação não pode ser
intentada em face dele, considerando o que dispõe o artigo 1.212 do Código Civil; se de
má-fé, pode ser ré da demanda.
No caso do incapaz ter praticado a ofensa à posse, a ação deverá ser ajuizada em
face dos pais, já que o Código Civil atual não fez distinção entre eles para fins de
responsabilidade civil por ato ilícito.
Podem ser rés, ainda, as pessoas jurídicas e os entes públicos, observando-se,
contudo, na última hipótese, o artigo 928, parágrafo único do Código de Processo Civil, a
necessidade de prévia audiência dos seus representantes judiciais, para efeito de eventual
concessão de liminar.
Assinala, ainda o autor supra referido que, em havendo vários invasores, não
haverá litisconsórcio necessário, mas a sentença somente poderá ser cumprida em face de
quem integrou regularmente a relação processual.
303 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 473. 304 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de direito processual civil, cit., v. 1, p. 285-286.
159
Não há no caso legitimação extraordinária, de tal sorte que pretendendo a vítima
que a sentença produza efeitos em face de todos aqueles que ofenderam sua posse, deverá
incluí-los no pólo passivo.
Relembre-se ainda que o detentor pode se valer apenas da legítima defesa da
posse e do desforço imediato (art. 1.210, § 1º do CC), não ostentando legitimidade para
propositura da ação possessória.
Na hipótese de vir o detentor a ser incluído no pólo passivo da relação processual,
deverá promover a nomeação à autoria, nos termos dos artigos 62 a 69 do Código de
Processo Civil.
Por derradeiro, dentro do presente tópico, vale consignar que o artigo 10,
parágrafo 2º do Código de Processo Civil dispõe ser indispensável a participação do
cônjuge, seja do autor ou do réu, quando se tratar de composse ou de ato por ambos
praticado.
3.4.3.2 Da fungibilidade entre as ações possessórias
O artigo 920 do Código de Processo Civil prevê a fungibilidade entre as ações
possessórias, o que já houvera sido adotado por alguns Códigos estaduais, como os de São
Paulo (art. 610), de Minas Gerais (art. 659) e do Espírito Santo (art. 431), bem como pelo
Estatuto de 1939 (art. 375).
Não obstante a aplicação do princípio da fungibilidade tenha requisitos
específicos na seara recursal, onde não foi expressamente previsto, pode-se afirmar que o
pressuposto da dúvida objetiva, vale dizer a divergência sobre a espécie de agressão à
posse e a respectiva ação a ser intentada, serve de base à sua invocação.
A dúvida pode surgir porque o direito material não extremou, mercê de critérios
totalmente objetivos, uma hipótese da outra de ofensa à posse. Pode advir porque as
diferenças entre as situações de ataque à posse são por vezes sutis. Além disso, as diversas
hipóteses são suscetíveis de mutação em breve espaço de tempo.
160
Com efeito, o que em dado momento é uma ameaça, pode se transformar em
turbação, e essa convolar-se, de forma célere, em esbulho. Sobre o tema, pertinente o
magistério de Vicente Greco:
“Justifica a regra a sutil diferença que pode existir entre uma situação de esbulho e uma situação de turbação ou entre esta e a simples ameaça, devendo o juiz dar o provimento correto, ainda que a descrição inicial não corresponda exatamente à realidade colhida pelas provas. Essa regra, porém, com exceção aos princípios consagrados nos artigos 459 e 460 (proibição de julgamento extra petita), deve ser interpretada estritamente não admitindo extensão analógica para outros casos. Ela se refere exclusivamente à fungibilidade entre as possessórias; não é aplicável, por exemplo, entre o pedido possessório e o petitório. A propositura de possessória quando caberia reivindicatória ou vice-versa, leva à carência da ação por falta de interesse processual adequado. Não há possibilidade do juiz aceitar uma pela outra.”305
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, além de igualmente
ressaltarem a aplicação restritiva do princípio apenas em relação aos interditos
possessórios, fazem importante advertência: “É preciso mencionar, entretanto, que o juiz
deverá conhecer do pedido na medida exata em que se encontra deduzido pelo autor ou réu
(já que a ação é dúplice), não podendo ser alterada a causa de pedir. Essa fungibilidade é
válida para qualquer um dos três interditos (...).”306
Cabe assinalar que o interdito proibitório está disciplinado na Seção III do
Capítulo V do Livro IV do Código de Processo Civil, que trata das ações possessórias,
enquanto a fungibilidade consta do artigo 920, que integra a Seção I.
O artigo 933 prevê a aplicação ao interdito proibitório do disposto na Seção
anterior (Seção II), que trata do procedimento das ações de reintegração e manutenção de
posse.
305 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,
cit., v. 3, p. 224. 306 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.137.
161
Considerando todavia que os motivos que levam à aplicação da fungibilidade são
plenamente pertinentes em relação ao interdito proibitório, resulta possível que se sujeite a
mencionada ação ao princípio antes examinado.
3.4.3.3 Da cumulação de pedidos
A cumulação de pedidos nas ações possessórias está prevista no artigo 921 do
Código de Processo Civil.
Faz-se mister observar que o artigo 292 do Código prevê os requisitos para a
cumulação de pedidos, entre os quais estabelece o seu inciso III a adequação para todos
eles do tipo de procedimento.
No mesmo artigo, o parágrafo 2º fixa a possibilidade de opção pelo procedimento
ordinário, quando para cada pedido corresponder tipo diverso de rito.
Conforme é cediço, o artigo 921 não se cuida de mera repetição do artigo 292,
mas de regra especial, que afasta, destarte, a geral.
Significa assim que para a cumulação dos pedidos arrolados nos incisos I a III do
artigo 921, quais sejam condenação em perdas e danos, cominação de pena, desfazimento
de construção ou plantação feita em detrimento da posse do autor, não há necessidade que
o promovente da demanda abdique do procedimento especial.
Pode-se dizer com fulcro em lição de Adroaldo Fabrício307 que as perdas e danos
indenizáveis são aquelas diretamente relacionadas com a ofensa à posse.
No caso da cominação de pena, o interdito proibitório é da essência da própria
ação e, em se tratando de turbação ou esbulho acidental e facultativo, tem como base a
suposição de se alguém ofende a posse uma vez, poderá reiterar a conduta no futuro.
307 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 486-491.
162
Na hipótese de construções ou plantações, há que se distinguir duas situações.
Se a realização de construções ou plantações constituir por si mesma o ato
turbativo ou esbulhatório, a manutenção ou reintegração envolve obrigatoriamente o
desfazimento, sendo a cumulação, portanto, desnecessária.
Assim, o pedido cumulado de desfazimento de construção ou plantação deve se
referir às obras realizadas pelo ofensor no interregno em que deteve ilicitamente a coisa,
não podendo se referir a construções ou plantações cuja execução não guarde vínculo
lógico com a questão possessória.
3.4.3.4 Da liminar possessória
Dispõem os artigos 924, 927 e 928 sobre a adoção do procedimento especial para
as ações possessórias, quanto intentadas dentro de ano e dia da ofensa à posse, devendo a
prova e os requisitos para a concessão de liminar serem produzidos pelo autor.
Conforme se pode extrair do artigo 1.208 do Código Civil, apenas quando houver
a cessação da violência ou da clandestinidade é que se iniciará a contagem do prazo de ano
e dia para que a ação tramite no procedimento especial.
No caso em que a vítima da ofensa à posse não teve efetiva ciência de sua
ocorrência, tem aplicação o artigo 1.224 do Código Civil, que determina só se considerar
perdida a posse para quem não presenciou o esbulho quando, tendo notícia dele, se abstém
de retomar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
Tratando-se de precariedade, o esbulho se tem como caracterizado a partir da
inversão do ânimo da posse, quando se inicia a contagem do prazo de ano e dia retro
citado.
A liminar possessória tem natureza satisfativa e não cautelar, já que a medida
antecipa os efeitos da sentença a ser prolatada.
163
Não obstante sua natureza satisfativa, bem como seu caráter revogável e
provisório, que a aproximaria da tutela antecipada, os dois institutos não se confudem.
A respeito do tema, vale referir ao magistério de João Batista Lopes:
“Cotejemos, agora, a tutela antecipada com a liminar possessória. Ambas têm em comum, também, a provisoriedade (qualidade própria de qualquer liminar) e a satisfatividade. O grau de satisfatividade difere, porém, numa e outra. Na tutela antecipada, adiantam-se os efeitos práticos do mérito, que em regra, não tem o mesmo elastério da sentença final (v.g., antecipação de parte da indenização pleiteada para atender a situação de emergência hospitalar). Na liminar possessória adianta-se, ainda que provisoriamente, o próprio resultado pretendido pelo autor (v.g.,reintegração de posse). Nesta última, a tutela final da sentença nada acrescentará à liminar possessória, salvo se houver cumulação de pedidos (v.g., indenização por perdas e danos). Também são diferentes os requisitos de uma e outra. Para a liminar possessória, não se exige prova inequívoca, nem o periculum in mora, sendo suficiente a prova dos requisitos do artigo 927 do CPC (posse, reintegração ou turbação, prazo de menos de ano e dia). É claro, porém, que a liminar possessória só será concedida se o juiz entender suficientemente provados os fatos. Outra diferença está na revogabilidade da tutela antecipada prevista expressamente no texto legal. Já em relação à liminar possessória, a ausência de recurso do réu opera preclusão, vale dizer, o juiz não pode, de ofício, revogar a liminar.308 Por último, a liminar possessória não se sujeita ao requisito da reversibilidade, conquanto se considere não absoluta tal exigência em relação à tutela antecipada.”309
Questão que nos parece relevante é a admissibilidade ou não da concessão de
tutela antecipada genérica, prevista no artigo 273, caso a parte não preencha os requisitos
para a liminar possessória, se, por exemplo, tiver intentado a ação quando superado o prazo
de ano e dia da ofensa à posse.
Luiz Guilherme Marinoni 310 , Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade
Nery311 e João Batista Lopes312 admitem a concessão de tutela antecipada, tramitando a
308 O tema relativo à possibilidade de revogação da liminar de ofício pelo juiz não se mostra totalmente
pacificado, tendo o Superior Tribunal de Justiça, em relação à tutela antecipada, decidido: “O juiz pode revogar a antecipação de tutela, até de ofício, sempre que, ampliada a cognição, se convencer da inverossimilhança do pedido” (STJ –RESP n. 192.298/MS, 3ª T., rel. Min. Ari Pargendler). Como para concessão da tutela antecipada também se exige pedido e tanto como na liminar possessória a cognição, no plano vertical, não é exauriente, poderia se cogitar da invocação do referido precedente, quando a instrução probatória realizada vier a levar o magistrado à conclusão de que não seria cabível a manutenção da decisão interlocutória concessiva da liminar. A Conclusão n. 46, majoritária, do VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada foi, porém, no seguinte sentido: “Concedida a liminar em ação possessória, não pode o juiz revogá-la, salvo através do juiz de retratação do agravo.” (Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 160).
309 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 149. 310 Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 125.
164
ação possessória sob o rito comum, cujos requisitos, porém, serão os previstos no artigo
273, caput e incisos I e II.
Não se admitirá, conforme João Batista Lopes, que se formule pedido bifronte, ou
seja, liminar possessória e tutela antecipada.
Diverge de tal posicionamento, Clito Fornaciari313, sustentando que o prazo de
ano e dia não é somente uma questão processual, mas um elemento que separa a posse
nova da velha, sujeitas a regimes jurídicos de direito material diferenciados.
Afirma que o legislador proíbe o rito especial para as ofensas à posse praticadas
há mais de ano e dia, porque está preocupado com o próprio direito, e não com o
procedimento para sua discussão, e consigna: “O que a norma prevê, quando decodificada,
é que o esbulhador há mais de um ano e dia tem direito material que lhe enseja proteção
jurídica a seu favor, ainda que originariamente a sua posse fosse viciada.”
Reporta-se o autor a vários julgados que afastaram a aplicação do artigo 273 aos
procedimentos possessórios promovidos depois de ano e dia do ato que ofende a posse.
Conclui assim que o sistema jurídico já teria definido a situação possessória que
ele entende verossímil e passível de importar em dano irreparável para fins de concessão
de liminar, colocando entre seus requisitos o aspecto temporal.
Temos que o melhor entendimento seria aquele que admite a concessão de tutela
antecipada genérica nas ações possessórias, ajuizadas depois de ano e dia do ato de ofensa
à posse.
Os argumentos utilizados para a defesa da aludida posição se mostram sólidos.
311 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.144. 312 João Batista Lopes, Tutela antecipada no processo civil brasileiro, cit., p. 104. 313 Clito Fornaciari Júnior, Da tutela antecipada nas possessórias fundadas na posse velha, Revista do
Instituto dos Advogados de São Paulo, ano 7, n. 14, p. 171-179, jul./dez. 2004.
165
A ação terá curso no procedimento comum e aquele que pretenda a concessão da
tutela antecipada deverá observar os requisitos próprios do artigo 273, que se diferenciam
dos exigidos para a liminar possessória.
Ora, tendo a parte prova inequívoca e sendo verossímeis suas alegações,
caracterizando-se quaisquer das hipóteses dos incisos I e II do artigo 273, que tratam,
respectivamente, da tutela de urgência e da evidência, a admissibilidade da antecipação
preconizada vem de encontro à própria idéia de efetividade do processo, tão cara nos dias
atuais.
Postergar eventual realização do direito, ainda que provisória e revogável, seria
dar ensejo a uma procrastinação ou morosidade que se choca com os escopos maiores do
processo civil moderno.
3.4.3.5 Do caráter dúplices das ações possessórias e algumas de
suas implicações
Examinadas a legitimidade, a fungibilidade, a cumulação de pedidos e a
concessão de liminar, procuraremos cotejar o quanto exposto com o chamado caráter
dúplice das ações possessórias.
Inicialmente, dentro do presente tópico, cabe realçar que não obstante
historicamente, como alhures demonstrado, se reconhecesse o caráter dúplice das ações
possessórias, elas não ostentariam tal qualidade por natureza.
Adroaldo Fabrício, debruçando-se sobre o tema, assim se pronuncia, ao questionar
se qualquer dos interditos possessórios se enquadraria na categoria dos juízos dúplices por
natureza:
“Parece-nos que não. Em matéria de proteção possessória supõe-se a existência de um possuidor e de um ofensor da posse; as correspondentes legitimação ativa e passiva são definidas por essas mesmas posições e não são intercambiáveis. O que antes denominamos polaridade da relação processual acha-se predeterminada antes mesmo da instauração
166
do processo. Basta que se confronte a situação com os exemplos anteriores de divisão e demarcação para fazer saltar à vista a diferença. E no entanto a lei tornou dúplice a ação possessória ao permitir que o juiz, no mesmo processo e independentemente de reconvenção dispensasse a proteção possessória ao réu, se ele a requerer para si e prova os requisitos que normalmente se exigiriam ao autor. Cumpre destacar, ainda a esse propósito, que a simples improcedência da ação, por si só, não representa tutela judicial dispensada à posse do demandado, o que, ocorrendo poderia fornecer argumento favorável à duplicidade ‘natural da ação possessória’. Mesmo quando o juiz afirma ser possuidor o réu, e ser justa e de boa-fé a sua posse em face do autor, não lhe está dispensando tutela possessória: está, simplesmente, fundamentando a improcedência da demanda. A revogação da liminar que eventualmente haja sido deferida ao autor é simples restituição das partes ao statu quo ante.”314
Para o autor, com o qual concordamos, diante dos argumentos expostos, a
duplicidade das ações possessórias corresponderia a uma opção do legislador, tanto assim,
diz ele, que a maioria dos sistemas legislativos a desconhece e o próprio direito material
brasileiro só a admitia parcialmente, no artigo 374 do Código de 1939, para perdas e danos,
mesmo existindo precedentes legislativos como nos Códigos de São Paulo (art. 612) e do
Espírito Santo(art. 432).
Referida questão remete a matéria já anteriormente observada, no sentido de que
se extrai da doutrina majoritária a concepção de que seria dúplice a ação nas quais as
posições de autor e réu se confundem, podendo esse último formular o pedido de um bem
da vida para si, independentemente de reconvenção.
O caráter dúplice das ações acaba por assumir um espectro extremamente elástico,
daí a distinções entre aquelas que seriam naturalmente dúplices e outras em que tal
qualidade decorreria de opção do legislador, ou ainda, as que o seriam intrinsicamente em
oposição às que não ostentariam tal caráter.
A distinção não se restringiria apenas ao aspecto teórico, mas teria efeitos
práticos, já que a eventual improcedência do pedido, nas ações dúplices em sentido estrito,
ou dúplices por natureza, levaria a que o réu obtivesse o próprio bem da vida disputado,
independentemente inclusive de pleito por ele formulado.
314 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 495-496.
167
Tereza Arruda Alvim Wambier315 igualmente se filia à corrente que classifica as
ações possessórias como dúplices por força de lei.
Antonio Carlos Marcato316 define como dúplices as ações nas quais o autor e réu
ocupam simultaneamente ambas as posições subjetivas na base da relação jurídica
processual, podendo o último obter, independentemente de pedido (mas sem prejuízo dele),
o bem da vida disputado, como conseqüência direta da rejeição do pedido do primeiro,
como sucede, v.g., nas ações de prestação de contas e de divisão e demarcação de terras.
Partindo, destarte, da premissa de serem as ações possessórias dúplices por força
de lei, cabe cogitar se a fungibilidade se aplicaria ao réu e se ele poderia, como o autor,
cumular pedidos e pleitear liminar ou tutela antecipada na contestação.
Tereza Arruda Alvim Wambier 317 responde afirmativamente às três hipóteses
aventadas, observando que o réu pode fazer outras cumulações que não as do artigo 921,
aplicando-se, nesse caso, a regra geral do artigo 292, parágrafo 2º.
Quanto à fungibilidade pondera que se aplica à duplicidade, porque o autor pode
pleitear reintegração e o réu, manutenção.
Entendemos que efetivamente se as razões que alicerçam a fungibilidade antes
mencionadas estiverem presentes, não obsta a que o réu possa dela se aproveitar.
Quanto à cumulação de pedidos, parece-nos que pode se dar em ambos os pólos,
observando-se o procedimento especial, caso se restrinja ao quanto consta no artigo 921,
incisos I a III, e em caso contrário se aplicaria o artigo 292, parágrafo 2º.
Tratar-se-á, ademais, de cumulação superveniente e heterogênea, porque realizada
no curso do processo e feita por partes diferentes, razão pela qual não se aplicaria o
requisito do artigo 292, inciso I do Código de Processo Civil, qual seja, a compatibilidade
de pedidos, que poderiam, à evidência, conflitar.
315 Tereza Arruda Alvim Wambier, Ações possessórias, Revista de Processo, São Paulo, Revista dos
Tribunais, ano 11, n. 43, p. 187, jul./set. 1986. 316 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 62 e 154. 317 Tereza Arruda Alvim Wambier, Ações possessórias, cit., p. 187-188.
168
A questão relativa à possibilidade de liminar a ser pleiteada pelo réu na
contestação, em função do caráter dúplice da demanda possessória, não é contudo pacífica.
Joel Dias Figueira Júnior nega tal possibilidade, advertindo que a natureza dúplice
das ações possessórias encontraria uma limitação intransponível de ordem fática e
instrumental, afirmando sobre o aludido obstáculo:
“Esse obstáculo exsurge fundamentalmente por duas razões: ou a contracautela é desnecessária, porque a liminar foi negada ao autor no caso de reintegração de posse, permanecendo o bem em poder do réu, resultando, via de conseqüência, na falta de interesse processual, ou nos demais casos, por impossibilidade procedimental, senão vejamos. Se o autor obteve a tutela antecipatória, não poderá o réu, na mesma relação processual e em momento procedimento sucessivo, que é a contestação, pleitear e conseguir providência inversa, a qual em outras palavras, significa revogação da medida anteriormente deferida por intermédio de mecanismo não habilitado à impugnação das decisões judiciais. Assim como não se admite a utilização dos remédios cautelares para a obtenção da cassação e providência emergencial anteriormente concedida, por intermédio de outra liminar, pelos mesmos motivos não se pode permitir contracautela antecipatória interdital, sob pena de resultar em inconciliáveis conflitos de decisões judiciais, que dariam azo à insegurança dos litigantes, diante das traumáticas modificações da situação fática, com reflexos de ordem sócio-econômica e política, pelo descrédito dos jurisdicionados nas providências tomadas pelo Estado-juiz.”318
Parece-nos que a razão se encontra com Joel Dias Figueira Júnior, e seus
argumentos seriam aplicáveis à hipótese em que o autor tenha pedido tutela antecipada e
não tenha logrado alcançá-la por ausência de interesse processual ou quando a obteve, e
caberia ao réu interpor eventual agravo de instrumento.
Entendemos ainda que sendo a ação dúplice, por força de lei ou pela própria
natureza, ao réu será possível pleitear a tutela antecipada, ressalvada a hipótese supra
referida, se presentes os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, já que
contra-atacando assumiria a posição de autor podendo pedir a antecipação da tutela de
mérito da ação intentada por ele.319
318 Joel Dias Figueira Júnior, Liminares nas ações possessórias, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p.
262. 319 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 647.
169
3.4.3.6 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações
possessorias
Face ao que dispõe o artigo 922 do Código de Processo Civil, que atribuiria às
ações possessórias caráter dúplice, pode-se discutir sobre a possibilidade ou não de
reconvenção nas ditas demandas.
Jacy de Assis320, José Frederico Marques321 e Clito Fornaciari322 entendem não ser
admissível a reconvenção, em função da natureza dúplice das ações possessórias, faltando
ao réu interesse de agir para o seu oferecimento, dado que a sua contestação equivaleria a
um contra-ataque.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery323, Adroaldo Fabrício324 e
Antonio Carlos Marcato325 admitem o oferecimento da reconvenção, desde que se tratando
de pedidos de natureza diversa, não incluídos no caráter dúplice da ação constante do
artigo 922, quais sejam, proteção possessória e indenização por perdas e danos.
Temos para nós que a última posição é que deve prevalecer, tanto mais que a
especialização do procedimento nas ações possessórias se dá pela eventual concessão de
liminar e a realização de audiência de justificação, passando a se adotar, a partir da
resposta, nos termos do artigo 931, o rito ordinário.
320 Jacy de Assis, Procedimento ordinário, São Paulo: Lael, 1975, p. 107. 321 José Frederico Marques, Manual de direito processual civil, 1974, cit., v. 2, p. 389. 322 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 137. 323 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.139. 324 Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 499. 325 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 179. O autor inclusive cita precedente do
Superior Tribunal de Justiça: “A natureza dúplice da ação possessória, no rastro do artigo 922 do Código de Processo Civil, não tem o condão de afastar, em tese, a possibilidade de reconvenção.” (STJ – RESP n. 119775/SP, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 12.05.1998, v.u., DJU, de 02.06.1998, p. 73, RSTJ 112/169).
170
3.4.4 Das ações de divisão e demarcação de terras particulares –
Aspectos gerais e breve evolução histórica
Conforme ensinam Hamilton de Moraes e Barros326 e Clóvis de Couto e Silva327,
no direito romano havia três espécies de ações divisórias: a ação finium regundorum, a
familiae erciscundae e a communi dividundo, que nos dias atuais teriam a denominação de
ação de demarcação, ação de partilha e ação de divisão. Todas elas possuíam como ponto
comum a pretensão de tornar certas, fixas, delimitadas e definidas as propriedades,
diferenciando-se, contudo, nos seus fundamentos e requisitos.
A finium regundorum teria lugar quando a comunhão viesse a resultar da confusão
entre os exatos limites de dois prédios. Seu objeto era fixar os limites entre os prédios,
rurais ou urbanos, estabelecendo e marcando no solo as linhas que os separam, levando ao
desaparecimento da confusão dos limites entre os prédios.
A ação familiae erciscundae se aplicaria quando a comunhão se filiasse à
sucessão ou tenha sido havida a coisa por título universal.
No caso da communi dividundo, se aplicaria às coisas oriundas a título singular.
As duas últimas ações referidas teriam entre si como comum o fato de fazer
terminar a comunhão, individuando a parte que cabe a cada comunheiro.
Além da distinção antes feita, vale dizer, conforme a divisão se faça tendo como
base se a coisa foi havida a titulo singular ou universal, a familiae erciscundae
compreenderia todo o patrimônio disponível do de cujus.
No caso da ação de divisão, embora possam ser propostas várias demandas, a
regra é que ela seja limitada à coisa objeto do litígio.
326 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1977, v. 9, p. 16-17. 327 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 188-189.
171
As Ordenações Filipinas tratavam do direito à divisão no Primeiro Livro, Título
LVIII, 37 e da demarcação no mesmo Livro, Título XVI, parágrafo 9º e no Título L,
parágrafo 2º.
O Código de Processo Civil de 1939 disciplinava a ação de divisão e demarcação
de terras no Título XIX do Livro IV, destinado aos processos especiais, não fazendo
alusão, como o Código, atual à expressão “terras particulares”.
Haveria duas razões, uma de ordem histórica e outra sistemática.
O Decreto n. 720, de 05.09.1890, que substituiu, em parte, a Consolidação de
Ribas, já preconizava que o regulamento se observaria na divisão e demarcação de terras
particulares.
A razão de ordem sistemática se assenta no fato de que as terras devolutas se
submetem à disciplina da Lei n. 6.383/76, instituidora da ação discriminatória, não
estando, portanto, mais sob a regência do Código de Processo Civil.
É preciso observar que a divisão e a demarcação podem ser feitas
extrajudicialmente, em havendo consenso, no referido sentido, pelos condôminos ou
vizinhos.
Como realça Vicente Greco328, o Código atual, diferentemente do que fazia o de
1939 (art. 440), não prevê a ação de divisão em que as partes são concordes, e havendo
incapaz, se aplicaria o procedimento geral da jurisdição voluntária (art. 1.103).
Se todos forem maiores, capazes e sendo o imóvel divisível, quanto à
possibilidade física, natural, econômica e de utilidade, bem como perante o direito, faltará
interesse processual para ajuizamento da ação, uma vez que para viabilizar a divisão,
havendo concordância plena, ela poderá se perfazer por escritura pública, exigindo-se
outorga uxória, exceto quando se cuide de bem que pertença exclusivamente a um dos
cônjuges, tendo o matrimônio se realizado no regime da separação absoluta de bens.
328 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: processo de execução a procedimentos especiais,
cit., v. 3, p. 238.
172
Não obstante os pontos comuns antes expostos, pode-se distinguir a pretensão
divisória da demarcatória.
Consoante explicita Antonio Carlos Marcato329, o Código Civil (art. 1.320) e o
Código de Processo Civil (art. 946) permitem a divisão da coisa comum, para extinguir o
estado de comunhão entre os condôminos, quando não mais houver interesse em mantê-lo
e se revele inviável fazê-lo amigavelmente, ressalvando as hipóteses em que a demanda se
mostra incabível.
Com efeito, se a coisa for indivisível ou se torne por ela imprópria ao seu destino,
deverá se adotar o quanto previsto nos artigos 504 a 1.322 do Código Civil.
No caso de imóvel rural, a divisão deverá observar os quinhões de dimensão
superior à constitutiva do módulo de propriedade rural (art. 65 da Lei n. 4.504/64).
Tratando-se da demarcatória, nos termos dos artigos 1.297 do Código Civil e 946,
inciso I do Código de Processo Civil, a pretensão estará voltada à fixação de rumos novos
entre os prédios confinantes ou aviventar os existentes.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 330 arrolam os seguintes
requisitos para o exercício da ação demarcatória: a) a existência tanto do autor, como do
réu, de direito real sobre a coisa demarcanda, prédio rural ou urbano; b) haver contigüidade
de prédios; c) existir confusão entre os limites, ou risco de haver confusão entre os limites
dos prédios confinantes.
Denomina-se simples a ação quando se pleiteie apenas a demarcação de áreas, e
qualificada na hipótese de se formular ainda pedido de reintegração na posse ou
reivindicação da propriedade.
329 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 188. 330 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.155.
173
Sobre a natureza da ação demarcatória e da divisória, ensina João Batista Lopes331
que a primeira é preponderantemente declaratória, uma vez que não cria, modifica ou
extingue situação jurídica anterior, mas apenas desfaz a insegurança existente sobre os
limites entre prédios.
No que toca à ação de divisão, em que se desfaz a comunhão, surgindo
propriedades distintas, observa o autor, na demarcatória não existe alteração do estado
jurídico preexistente, mas apenas a “clarificação dos direitos das partes”.
3.4.4.1 Da legitimidade ativa e passiva para as ações de
demarcação e divisão de terras particulares
No caso da demarcatória, a interpretação literal do artigo 946, inciso I levaria à
conclusão de que apenas o proprietário pode intentar a ação, posição que é acolhida por
Antonio Carlos Marcato.332
Sílvio Venosa333 admite seja a ação proposta pelo possuidor, quando a declaração
da sentença se restringirá à delimitação do fato da posse. Assim, poderiam dois
possuidores limítrofes se deparar com a necessidade de definir os marcos ou divisas de
suas posses.
Hamilton de Moraes e Barros entende igualmente ser a legitimidade ativa e
passiva exclusiva do proprietário, embora também entenda ser legitimado ativo o
promitente-comprador, desde que o compromisso esteja registrado perante o registro
imobiliário, o que lhe confere direito real de aquisição (arts. 5º e 22 do Dec.-Lei n. 58/37 e
25 da Lei n. 6.766/79).
Menciona contudo argumentos relevantes, considerando especialmente a natureza
dúplice da ação, para concluir que a legitimação seria do proprietário.
331 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 101. 332 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 191. 333 Sílvio de Salvo Venosa, Diretos reais, São Paulo: Atlas, 1995, p. 242.
174
Reporta-se ao fato de que, no Código de 1939 (art. 415), se atribuía legitimidade
passiva aos possuidores do prédio confinante, provocando o entendimento inacolhível de
ter curso o processo contra o mero possuidor desprovido de propriedade.
Tratando-se especificamente da natureza dúplice da ação e como tal circunstância
poderia influenciar a legitimidade, assinala:
“Sendo a demarcatória ação dúplice, em que o autor pode virar réu e o réu tornar-se autor, independentemente de reconvenção, a legitimação passiva irá, por certo, repercutir na legitimação ativa, igualando as duas. E o raciocínio é simples e lógico: Se o proprietário, em defesa do seu pedido, pode promover demarcação contra o simples possuidor do prédio limítrofe, não se compreenderia que esse réu igual direito tivesse, também, de defender o seu prédio, contra o confinante que teve a iniciativa.”334
Para o autor, com quem entendemos subsiste razão sobre o tema, a mesma
legitimidade do promovente devem ter os promovidos, que já vão disputar sobre prédios,
sobre direitos reais, em ação dúplice, isto é, em ação onde possuem as mesmas
possibilidades, faculdades e perspectivas.
Caso o processo venha a ser intentado em face do possuidor, a sentença prolatada
seria res inter allios para o proprietário, como prevê o artigo 472 do Código de Processo
Civil, ao estabelecer a regra sobre os limites subjetivos da coisa julgada.
Em havendo divisão do direito de propriedade entre vários titulares diferentes,
todos deverão estar no processo, na qualidade de litisconsortes.
Reporta-se ao magistério e Pontes de Miranda, no sentido de eventual lide entre
possuidores sobre as áreas em que exercem posse e disputa possessória, e não demarcação
da propriedade.
Quanto à divisória, afirma ser a legitimidade privativa do condômino, ou seja, do
titular do ius in re, não se exigindo, todavia, que seja proprietário pleno.
334 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 70-74.
175
Assim, aplicar-se-ia a ação de divisão aos outros direitos que se exercitam pela
posse, como o uso, o usufruto, o aforamento, desde que os desmembrados estejam em
estado de comunhão.
Se a posse do imóvel for total, tendo completado os requisitos para declaração do
domínio pela usucapião, não precisará pedir a divisão, já que a ocupação de toda a área que
intenciona usucapir vai culminar com a propriedade exclusiva.
Caso seja parcial, estará localizada dentro de certos limites, presumidamente
certos, de tal sorte que adquirida por usucapião a área possuída se desmembrará do imóvel
comum, cabendo apenas, se necessário, a demarcatória e não a divisória, que teria perdido
seu objeto.
Ressalve-se a posição de Ernane Fidélis335, que reconhece legitimidade para o
pedido de divisão ao compromissário comprador, desde que tenha contrato sem cláusula de
arrependimento, devidamente registrado na serventia imobiliária, já que o “direito real lhe
dá titulação de efeito definitivo”, devendo porém, pela comunhão de interesses, pedir a
citação do promitente-vendedor.
No caso da demarcatória, havendo mais de um vizinho, deverá se formar um
litisconsórcio passivo necessário, e na divisória, sendo ela intentada por um dos
condôminos, os demais integrarão o pólo.
Vale assinalar que poderá haver, conforme dispõe o artigo 947, cumulação das
ações de divisão e demarcação. Em tal hipótese, prevê o Código de Processo Civil que
primeiramente se processará a demarcação da coisa comum, citando-se os confinantes e
condôminos.
Como os réus das ações são distintos (na demarcatória os vizinhos e na divisória
os condôminos), deverá ser citado o proprietário do imóvel contíguo para integrar o pólo
passivo e os demais condôminos, que ocuparão o pólo ativo na qualidade de litisconsortes
necessários.
335 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 81.
176
Conforme estabelecido no artigo 948, primeira parte, prolatada a sentença na ação
demarcatória, fixando-se os limites entre os imóveis, terá processamento da divisória
apenas entre os condôminos, ressalvando a última parte do dispositivo a possibilidade do
proprietário do imóvel confinante propor reivindicatória, possessória ou indenizatória, caso
feitas as demarcações, sobrevier a invasão de sua área.
3.4.4.2 Cumulação de pedidos e a sentença
O artigo 951 consigna a possibilidade de cumulação da demarcatória com queixa
de esbulho ou turbação.
Cumpre, ainda que de forma sintética, relembrar a divergência doutrinária a
respeito de se tratar de ação demarcatória com pedido de restituição da coisa fundada em
domínio ou se a hipótese é de cumulação de pedido demarcatório e possessório.
Alinham-se à primeira corrente, Antonio Carlos Marcato336 e Ernane Fidelis, que
ressalta:
“O confinante (autor) não está pedindo manutenção ou reintegração, mas apenas denunciando um fato, com a conseqüência de que, se provado o que alega, vai ficar o confinante (réu) caracterizado como turbador ou esbulhador, com a obrigações decorrentes de tal situação. Não há propriamente, porém, procedimento de ação possessória. Inclusive não se pode nem pensar em deferimento de mandado liminar. A sentença que dá pela procedência do pedido demarcatório, no caso, se reconhecer o esbulho ou a turbação denunciados, apenas os declara, fixando, conforme o pedido, rendimentos a se restituírem ou indenização pelos danos, esbulho ou turbação que o juiz está apto a declarar, pois nesta fase, já se fixa o traçado da linha demarcanda.”337
Por sua vez, Clóvis do Couto338 e Hamilton de Moraes e Barros sustentam a
segunda posição, afirmando este último:
“Pode, conforme o Código de 1973, estar a demarcatória cumulada com queixa de esbulho ou de turbação, pedindo-se a restituição do terreno invadido, a dos rendimentos que produziu, ou a indenização. Trata-se de
336 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 193-194. 337 Ernane Fidelis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6, p. 257-259. 338 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 206.
177
cumulação inicial, possibilidade tranqüila, de permissão em texto expresso. São, entretanto, requisitos deste cúmulo que o promovente tenha tido a posse do terreno cuja restituição reclama e que o esbulhador ou turbador seja o confrontante diante do qual se põe a demarcatória.”339
Não obstante os argumentos utilizados, a ação demarcatória tem natureza
petitória, de tal forma que a restituição da área ocupada pelo vizinho teria como fulcro o
jus possidendi.
Referida questão tem importância, e por isso foi aqui ventilada, porque dado
caráter dúplice da ação demarcatória, poderá o réu, na contestação, igualmente apresentar
queixa de esbulho ou de turbação, com a restituição do terreno invadido e ainda eventuais
rendimentos obtidos pelo autor ou indenização por danos sofridos.
Quanto à sentença prolatada nas ações demarcatórias e divisórias, poderá se ter
uma de natureza declaratória e outra constitutiva.
Na divisória, em sendo procedente o pedido, o juiz reconhecerá o direito à
divisão, que somente será extinta com a segunda sentença que porá fim ao condomínio,
tendo ainda natureza executiva.
Conforme ensina Antonio Carlos Marcato340, na demarcatória, se proposta com
fundamento no artigo 1.297 do Código Civil, a sentença de procedência será declaratória,
pois reconhecerá, com fulcro nos títulos de domínio, que estão aviventados os rumos
apagados ou renovados os marcos destruídos ou arruinados.
Se a hipótese tiver como fulcro o artigo 1.298 do Código Civil, vale dizer, seu
objeto for o desfazimento de confusão de limites entre prédios, a sentença terá natureza
constitutiva e determinará a divisão entre os confiantes da área ou, sendo ela impossível,
determinará a adjudicação a um deles, mediante indenização à parte prejudicada.
339 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 82. 340 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 189.
178
A sentença homologatória do artigo 966 do Código de Processo tem natureza
meramente declaratória, uma vez que se restringe a declarar cumpridos os trabalhos de
campo, na forma prevista na lei.
3.4.4.3 Do caráter dúplice das ações de demarcação e divisão e
suas implicações
As ações demarcatórias e divisórias são dúplices e deriva tal qualidade da própria
natureza do direito material, confundindo-se as posições de autor e réu, diferenciando-se
um do outro, pode-se dizer, apenas pela iniciativa de promover a ação.
Referida qualidade gera importantes conseqüências, como as que Hamiton de
Moraes e Barros enfatiza:
“A demarcatória e a divisão são ações dúplices. Não existem nestas duas ações, a rigor, nem autores, nem réus. É por isso que as partes são chamadas de promoventes e promovidos. Pode qualquer dos promovidos realizar a atividade processual própria do promovente, o qual é tido como autor pelo simples fato e exclusivo motivo de ter iniciado o procedimento. Seu pedido é o mesmo que normalmente fazem os promovidos, ou seja, a divisão ou a demarcação. Tanto o promovente como o promovido – qualquer deles –tem o impulso processual e o dever de impulso, ou seja, qualquer das partes pode fazer andar o processo, se ocorrer a inércia da outra. A inércia processual do promovente não vai produzir os mesmos efeitos da inércia do autor. Não vai dar lugar à extinção do processo sem o julgamento do mérito, não sendo de aplicar-se aqui o disposto nos incisos II, III e VIII do artigo 267 do Código de Processo Civil. Sendo todos – o promovente e os promovidos – titulares do impulso processual, a inércia processual seria de todos e nenhum poderia invocá-la no que seria um seu proveito. Além disso, é do interesse de todos que se faça a divisão que se proceda à demarcação. Tendo qualquer das partes o impulso processual, ou melhor dito, sendo de cada uma delas, por igual, o ônus de tal movimentação, nenhuma poderia argüir a inércia alheia, pois que uma tal falta seria também, por igual, da parte que a invocasse.”341
341 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 30-31 e 53-55.
179
O mesmo autor ainda destaca que para efeito de solução da lide, deverá prevalecer
o resultado conjunto dos títulos e da combinação e sucessão dos critérios estabelecidos no
Código Civil.
Assim, se os promovidos vierem a silenciar sobre o traçado da linha sugerida pelo
promovente, ela se fará não em decorrência do pedido formulado pelo demandante, mas
pelo que resultar dos títulos, da posse ou dos critérios estabelecidos no direito material e
ficar consubstanciado no laudo dos arbitradores e da planta, bem como do memorial das
operações em campo.
Ressalta, de outra banda, que se um dos promovidos oferecer outro traçado para a
linha, diverso do sugerido pelo promovente, se não prosperar a pretensão desse último, por
não haver demonstrado que os legítimos limites são os que propõem, nem por isso
automaticamente será vitoriosa a linha que o promovido dissidente haja sugerido.
Tanto na divisória, como na demarcatória, a duplicidade não se trata de mera
opção do legislador, mas decorre, como dito, da própria relação de direito material.
Em tal hipótese, a pretensão do réu já estaria inserida no objeto do processo, a
partir da propositura da ação pelo autor.
Face à referida circunstância, em sobrevindo o decreto de carência do autor, o
direito material por ele postulado não será apreciado pelo Poder Judiciário, impedindo
qualquer provimento sobre a pretensão do réu.
Sobre o caráter dúplice da ação demarcatória, pertinente ainda o magistério de
João Batista Lopes:
“Ao revés do que ocorre nas ações simples, na demarcatória a sucumbência do autor não implica somente o ônus de pagar as custas e honorários, mas pode traduzir o acolhimento da pretensão deduzida pelo réu. Desse modo, na ação demarcatória, sem a necessidade de reconvenção, o réu pode oferecer ao juiz, relativamente à linha lindeira, plano diferente do apresentado pelo autor e ver acolhida sua pretensão.”342
342 João Batista Lopes, Ação declaratória, cit., p. 101-102.
180
3.4.4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas ações
demarcatórias e divisórias
Antes do exame do cabimento ou não da reconvenção nas ações demarcatórias e
divisórias, pode-se observar que a leitura do artigo 954 do Código Civil é suscetível de
fomentar ao menos duas dúvidas.
O citado dispositivo estabelece que feitas as citações, os réus terão o prazo
comum de vinte dias para contestar.
Cabe assim primeiro indagar se o referido prazo apenas será aplicável quando
houver litisconsórcio passivo ou se deverá ser observado apenas que não haja pluralidade
subjetiva da lide.
Hamilton de Moraes e Barros343 e Clóvis do Couto e Silva344 sustentam que o
prazo de vinte dias apenas será aplicável se existente litisconsórcio.
Divergem de tal posição Antonio Carlos Marcato 345 e Ernane Fidélis 346 ,
assentando que o prazo, mesmo em não havendo litisconsórcio, será de vinte dias.
Assinala o último autor referido com argumentos que, ao nosso alvitre, devem ser
acolhidos, que a matéria relativa a prazos deve submeter-se a uma interpretação ampla,
favorecendo o seu destinatário.
Quanto à segunda questão, diz respeito ao uso do verbo “contestar” no artigo 954.
Se entendido que o legislador teria utilizado a palavra em seu sentido estrito, vale dizer,
como espécie do gênero resposta do réu, não se poderia cogitar de qualquer outro
posicionamento por parte dele.
343 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 89. 344 Clóvis de Couto e Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 11, t. 1, p. 210. 345 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 196. 346 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6, p. 262.
181
Ao reverso, se uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil vier a
considerar que a palavra “contestar” foi usada em sentido amplo, abarcando a resposta do
réu, outras atitudes poderiam ser admitidas.
Parece-nos, conforme interpretação anteriormente referida, que se deve considerar
que a palavra foi utilizada em sentido amplo, de tal sorte que a resposta não se restringiria
à contestação.
Basta, para tanto, lembrar que em vários dispositivos, o Código teria utilizado a
palavra contestar não em sentido estrito, como v.g., nos casos dos artigos 188, 191, 902,
inciso II, 930, 954 e 1.057, entre outros.
Assim, efetuando-se uma interpretação sistemática do Código de Processo Civil,
chegaríamos à conclusão de que serão admitidas outras formas de resposta pelo réu, a
serem ofertadas no prazo especial de vinte dias, contado na forma do artigo 241.
Quanto à admissibilidade da reconvenção, trata-se de assunto que enseja
controvérsias.
Face ao caráter dúplice da ação, Antonio Carlos Marcato347 e Clito Fornaciari348
posicionam-se contrariamente à admissibilidade da reconveção.
Clito Fornaciari sustenta a inadmissibilidade da reconvenção, mesmo
reconhecendo que, após contestadas, a divisória e a demarcatória passam a observar o
procedimento ordinário, assinalando:
“Por intermédio da ação de divisão realiza-se uma atividade aproximada à de jurisdição voluntária, apesar de seu procedimento estar encartado entre os de jurisdição contenciosa, o que representa um óbice à possibilidade de reconvenção. Em segundo lugar, seria um contra-senso, quanto à demarcação, principalmente, opor-se o confrontante à realização da mesma, pois há um interesse comum. Evidentemente podem surgir dúvidas quanto à área a ser demarcada, o que transforma a questão em demanda possessória, para a qual a reconvenção é desnecessária, devido ao seu caráter dúplice.”349
347 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 196. 348 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 139. 349 Ibidem, p. 139.
182
Ernane Fidélis350 admite a reconvenção para reivindicação do imóvel e Hamilton
de Moraes e Barros para usucapião351, aduzindo que seria ela conexa com a demarcatória e
que os óbices antes existentes no Código de 1939 para a sua admissão nas ações que
versarem sobre bens imóveis não subsistem no Estatuto vigente.
Para o autor, a reconvenção poderia inclusive evitar o surgimento de decisões
contraditórias.
Entendemos, por óbvio, que para formular pretensão à demarcação ou divisão,
faltaria interesse processual ao réu para o oferecimento de reconvenção, tratando-se de
ações dúplices por natureza.
Nas hipóteses de oferecimento da reconvenção para reivindicação do imóvel ou
para usucapir, conquanto o requisito da conexidade possa ser preenchido, não seria
suficiente para admitir tal contra-ataque do réu.
Com efeito, pode-se discutir se após as modificações introduzidas pela Lei n.
8.591/94, a ação de usucapião continuaria efetivamente a ter procedimento especial, já que
não há mais a audiência de justificação que especializaria o rito.
De qualquer forma, na usucapião há previsão de formação de litisconsórcio
necessário simples (art. 942), intimação das pessoas jurídicas de direito público (art. 943) e
citação editalícia de eventuais interessados.
Haveria, destarte, salvo melhor juízo, uma clara distinção, seja sob o ângulo
procedimental, seja no que tange aos pólos da relação processual, entre a demanda
demarcatória ou divisória e a ação de usucapião, o que nos levaria à conclusão de
inadmissibilidade da reconvenção.
350 Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 6., p. 235. 351 Hamilton de Moraes e Barros, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 9, p. 66-67.
183
3.5 Outras ações consideradas dúplices fora do Código de
Processo Civil
Além das ações antes abordadas, consideradas dúplices dentro do Código de
Processo Civil, há outras previstas em legislação extravagante que igualmente ostentariam
tal caráter.
Quanto ao pedido contraposto, previsto no artigo 278 do Código de Processo Civil
e no artigo 31 da Lei n. 9.099/95, faremos sua análise separadamente, porquanto
entendemos, com fulcro em posições doutrinárias às quais nos reportaremos, que seus
pressupostos seriam diversos dos relativos às chamadas ações dúplices.
Ressaltamos ainda que, no concernente às ações chamadas de dúplices fora do
Código de Processo Civil, procuraremos efetuar essencialmente o aludido caráter, para que
se possa confrontar com as demais demandas que teriam essa natureza.
3.5.1 Ação renovatória de locação empresarial – Aspectos gerais
e breve evolução histórica
Os requisitos e procedimento para renovação dos contratos de locação destinados
a fins comerciais e industriais eram previstos no Decreto n. 24.150, de 20.04.1934
(chamada “Lei de Luvas”).
O referido Decreto foi revogado pelo artigo 90, inciso I da Lei n. 8.245, de
18.10.1991, passando a Lei do Inquilinato a reger a matéria relativa à renovação da locação
comercial, nos artigos 51, 52 e 71 a 75.
Ressalte-se ainda que a ação renovatória pode ser aplicada aos imóveis destinados
ao comércio, bem como às locações celebradas por indústrias e sociedades com fins
lucrativos.
184
O artigo 51 da Lei n. 8.245/91 estabelece os requisitos para a propositura da ação
renovatória e o artigo 52 as hipóteses nas quais o locador não está obrigado a renovar o
contrato.
Quanto à legitimidade, o artigo 51 da Lei n. 8.245/91 estabelece quem pode
intentá-la.352
O procedimento a ser observado na ação renovatória de locação comercial é
matéria divergente entre os doutrinadores.
Posicionam-se favoravelmente à tese de que o procedimento é ordinário, entre
outros: Maria Helena Diniz353 e João Nascimento Franco e Nisske Gondo.354
Celso Barbi 355 e Theotônio Negrão 356 manifestam-se no sentido de ser o
procedimento especial.
A questão suscita dúvidas porque a Lei n. 6.014, de 27.12.1973, que efetuou a
adaptação de várias leis ao então Código de Processo Civil editado e ora em vigor, dispôs
em seu artigo 12 que o procedimento nas ações fundadas no Decreto n. 24.150/34 seria
ordinário.
A Lei n. 8.245/91, contudo, não mencionou expressamente o procedimento a ser
observado nas ações renovatórias.
352 O artigo 51 da Lei n. 8.245/91 define quem possui legitimidade para a propositura da ação renovatória: a)
cessionários ou sucessores da locação (§ 1º); b) sublocatário, nos casos em que houver sublocação total do imóvel (§ 1º); c) locatário ou sociedade, quando firmado contrato pelo inquilino, houver nele autorização para que o imóvel venha a ser utilizado pela sociedade de que faça parte, tendo o fundo de comércio passado a pertencer à última (§ 2º); d) sócio sobrevivente, que fica sub-rogado no direito à renovação, desde que prossiga no mesmo ramo, nos casos de dissolução da sociedade comercial por morte de um dos sócios (§ 3º).
353 Maria Helena Diniz, Lei de locações e imóveis urbanos comentada, São Paulo: Saraiva, 1992, p. 287. 354 João Nascimento Franco; Nisske Gondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, 7. ed., 2.
tiragem, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 151. 355 Celso Agrícola Barbi, Ação de consignação em pagamento e renovatória na nova lei do inquilinato, cit., p.
11. 356 Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 22. ed., São Paulo:
Saraiva, 1992, p. 1.505.
185
A dúvida persistiria porque poderia se sustentar que o artigo 12 da Lei n. 6.014/73
teria sido revogado, ainda que de forma implícita, pela Lei n. 8.245/91, que passou a tratar
da matéria nos artigos 71 a 75.
Posição diversa é adotada Fábio Ulhoa Coelho357, para quem se deve considerar
vigente o artigo 12 da Lei n. 6.014/73, pois apesar de revogado o Decreto n. 24.150/34,
permaneceria sua sistemática nas disposições da Lei n. 8.245/91, devendo-se aproveitar a
legislação esparsa, que se reporta à antiga “Lei de Luvas”.
Assim, para o autor, o procedimento a ser aplicado em relação à ação renovatória
seria o ordinário.
Sobre o tema, José Carlos de Moraes Salles358 sustenta que não importaria que o
artigo 12 da Lei n. 6.014/73 houvesse estabelecido como sendo ordinário o procedimento
das ações renovatórias, então fundadas no Decreto n. 24.150/34, porque, na realidade,
sempre observaram o rito especial, contendo o mencionado diploma normas semelhantes
às dos artigos 71 e 75 da atual Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/91).
Sugere que o artigo 12 da Lei n. 6.014/73 fosse interpretado no sentido de que ao
procedimento especial da então “Lei de Luvas” seriam aplicáveis subsidiariamente as
regras do procedimento ordinário, conforme previsto no artigo 272, parágrafo único do
Código de Processo Civil.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery indicam as seguintes regras
aplicáveis ao procedimento das ações renovatórias:
“a) Ações tramitam durante as férias; é competente o lugar da situação do imóvel; o valor da causa corresponde a doze meses de aluguel; as apelações terão apenas efeito devolutivo e as citações, intimações e notificações, além das formas previstas no CPC, podem ser feitas mediante carta com AR, ou se se tratar de pessoa jurídica, mediante telex ou fax (LI 58 I a V); b) segue procedimento especial (LI 71 a 75); c) a petição inicial deve ser instruída com documentos específicos (LI 71 I a
357 Fábio Ulhoa Coelho, Comentários à Lei de Locação de imóveis urbanos, São Paulo: Saraiva, 1992, p.
422. 358 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 175.
186
VII); d) se a ação for movida pelo sublocatário, ocorrerá hipótese de litisconsórcio necessário (LI 71 par.ún); e) a contestação quanto à matéria de fato é limitada (LI 72 incisos e parágrafos); f) a diferença de aluguéis vencidos serão executadas nos autos da ação, se renovada a locação (LI 73); g) o juiz ordenará a desocupação do imóvel em 6 meses, se a renovatória for improcedente e se houver pedido neste sentido na contestação (LI 74); h) o juiz fixará na sentença a indenização a que alude a LI 52 parágrafo 3º (LI 75).”359
Cabe lembrar ainda que o parágrafo 5º do artigo 51 da Lei n. 8.245/91 prevê um
prazo decadencial para a propositura da ação renovatória, que deve ser intentada no prazo
de um ano, no máximo, até seis meses, no mínimo, anteriores à data de término do
interregno do contrato em vigor.
O artigo 72 da Lei 8.245/91 arrola as matérias que podem ser suscitadas pelo réu
na contestação da ação renovatória.
Não obstante o referido dispositivo arrole o que pode ser suscitado pelo réu, na
realidade, não se trata de rol taxativo, podendo ser alegadas quaisquer matérias de natureza
processual, bem como oferecer exceções rituais para argüição da incompetência relativa,
impedimento e suspeição do juiz.
No que tange ao mérito, importante destacar que o caput do artigo 72 da Lei n.
8.245/91 restringe a argüição da matéria fática ao quanto está indicado nos seus incisos I a
IV.360
Deve-se espancar qualquer dúvida quanto à constitucionalidade do citado
dispositivo, já que como anteriormente assinalado, a ampla defesa assegurada no artigo 5º,
inciso LV, da Magna Carta não pode ser entendida como defesa ilimitada, mas como
aquela compatível com o procedimento em que é exercida.
359 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 2.363. 360 Lei n. 8.245/91: “Artigo 72 - A contestação do locador, além da defesa de direito que possa caber, ficará
adstrita, quanto à matéria de fato, ao seguinte: I - não preencher o autor os requisitos estabelecidos nesta Lei; II - não atender, a proposta do locatário, o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar; III - ter proposta de terceiro para a locação, em condições melhores; IV - não estar obrigada a renovar a locação (incs. I e II do art. 52).”
187
3.5.1.1 Do caráter dúplice da ação renovatoria e suas implicações
A ação renovatória é considerada dúplice, porque caso o réu pretenda formular
contraproposta, deverá fazê-lo na própria contestação, sendo desnecessário para tanto o
oferecimento de reconvenção, assim como se intencionar retomar o prédio.
Conforme ensina Buzaid361 a contestação insere um pedido reconvencional.
Na contestação deverá se concentrar toda a matéria de defesa, que seria deduzível
em reconvenção.
Na esteira de tal entendimento, Moraes Salles362 afirma vigor na ação renovatória
o princípio da defesa concentrada, com efeito preclusivo em tudo quanto diz respeito à
matéria de fato, cabendo ao réu-locador apresentar na contestação tudo aquilo que poderia
ser objeto de reconvenção, que seria, portanto, desnecessária.
Cabe lembrar que o artigo 72, inciso II, da Lei n. 8245/91 indica entre as matérias
de fato que podem ser alegadas pelo réu na própria contestação a de que a proposta do
locatário não atende o valor locativo real do imóvel na época da renovação, excluída a
valorização trazida por aquele ao ponto ou lugar.
Dado o caráter dúplice da ação e a redação do dispositivo em apreço, duas
importantes conseqüências podem ser extraídas.
Se o valor do aluguel vier a ser fixado em quantidade superior à proposta pelo
autor, mas nos limites do pedido do réu na contestação, não há que se falar em julgamento
extra petita.363
361 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis
destinados a fins comerciais, 2. ed. rev. e aum., São Paulo: Saraiva, 1981, v. 2, p. 536-537. 362 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 199. 363 “A ação renovatória tem natureza dúplice, pelo que configura-se julgamento ultra petita, não
configurando julgamento fora do pedido se o valor do aluguel for fixado em quantidade superior ao demandado pelo autor, mas nos limites do pedido do réu na contestação. Balizando-se a sentença dentro destes limites, não há falar em violação ao artigo 460.” (STJ – ED no AGR no AG n. 277472/MG (1999/0113743-8), 5ª T., rel. Min. Edson Vidigal, v.u., negaram provimento, DJU, de 01.08.2000, p. 331).
188
De outro lado, se o réu apenas vier a informar o valor do aluguel de mercado, sem
pleitear a fixação de novo quantum, o julgamento seria ultra petita caso fixasse o locativo
dentro de tal patamar.364
Quando a contestação tiver como base o fato de que, por determinação do Poder
Público, haja o réu que realizar no imóvel obras que importem na sua radical
transformação, ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio
ou da propriedade, a contestação deverá trazer prova do quanto alegado.
Moraes Salles adverte nesse aspecto que “assim como a petição inicial será
instruída com os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283 do CPC) a
contestação deverá sê-lo (art. 396 do CPC), também, até porque nas ações de caráter
dúplice, além do instrumento de defesa, a contrariedade, com pedido de retomada do
imóvel, funciona como verdadeira ação”.365
É pertinente perquirir, caso o réu não apresente toda a documentação com a
contestação ou se ela eventualmente apresentar defeitos passíveis de correção, se seria
hipótese, considerando-se o seu caráter dúplice, de aplicar o artigo 284 do Código de
Processo Civil.
Sobre o tema, o autor citado sustenta posicionamento com o qual concordamos, e
que pode, aliás, ser extensível a todas as ações dúplices.
Segundo ele, sendo a renovatória ação de caráter dúplice, deve incidir
relativamente ao réu-locador o disposto no artigo 284 do Código de Processo Civil, por
simetria com a petição inicial, podendo o juiz determinar, no caso da contestação em que
se pleiteia a retomada com arrimo no inciso I do artigo 52 da Lei n. 8.245/91, que o réu a
364 “Malgrado possua a ação renovatória caráter dúplice, possibilitando ao réu, na contestação, formular
pedidos em seu favor, não exigindo reconvenção, caracteriza julgamento ultra petita decisão fixando novo quantum de aluguel, sem que haja requerimento nesse sentido, mas, tão-somente, informação no tocante ao seu valor de mercado. (...) O pedido deve ser interpretado restritivamente (art. 293, CPC), ou seja, há necessidade de invocação expressa da pretensão do autor e, na espécie também pelo réu.” (STJ – RESP n. 285472/SP, 6ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, v.u., deram provimento, DJU, de 05.11.2001, p. 147, RSTJ v. 152, p. 662).
365 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 228-229.
189
complete, no prazo de dez dias, juntando aos autos documento indispensável à prova do
seu alegado direito, que tenha deixado de acostar à peça contestatória.
Outra questão relevante que pode ser aventada, relacionada ainda ao caráter
dúplice da ação renovatória, é a necessidade ou não de formulação de pedido pelo réu, na
contestação, para que seja decretada a retomada do imóvel e ele possa ter direito ao aluguel
atualizado, no período entre o vencimento do contrato e a data da efetiva de desocupação
do imóvel.
O extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo tinha orientação no
sentido de exigir para fixação do aluguel atualizado, no interregno referido, pedido do réu,
face ao que dispõem os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil.366
O artigo 72, inciso III da Lei n. 8.245/91 permite que o réu alegue na contestação
a existência de proposta de terceiro para efeito de impedir a renovação compulsória da
locação objetivada pela propositura da ação renovatória pelo locatário.
A disposição é semelhante à que constava dos artigos 8º e 20 do Decreto n.
24.150/34, que entretanto eram mais pormenorizados, especialmente no que tocava à
indenização devida ao locatário.
Alfredo Buzaid 367 define como terceiro aquele que não haja participado do
contrato renovando, seja como parte, seja como fiador, não reconhecendo ao sublocatário
tal qualidade, por fazer parte do arrendamento na qualidade de locatário em relação ao
locador, e de locador em relação ao sublocatário.
366 “Não pleiteando o locador, ao contestar a ação renovatória e deduzir a intenção de retomar o imóvel, o
pagamento de aluguel atualizado pelo inquilino no período de desocupação, não pode o juiz concedê-lo, sob pena de estar julgamento extra petita partium. (RT 577/166-167).” (José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 280). Conforme o autor, acabou por prevalecer o entendimento do Supremo Tribunal Federal no âmbito do 2º Tribunal de Alçada Civil, no sentido de dispensar-se pedido do autor, não tendo a Lei. n. 8.245/91 tratado expressamente da matéria.
367 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 366-368.
190
Moreira Salles368 dissente da posição de Buzaid, quando se tratar de sublocação
total, já que o artigo 51, parágrafo 1º da Lei n. 8.245/91 estabelece em tal hipótese que o
direito à renovação somente pode ser exercido pelo sublocatário.
Pode-se afirmar que não obstante a lei se restrinja a prever que a proposta do
terceiro deverá constar de prova documental, subscrita por ele e duas testemunhas, com
indicação do ramo a ser explorado, que não pode ser o mesmo do locatário, deve ela ser
suficientemente detalhada, para evitar fraudes ou simulações.
Relevante observar que, em havendo impugnação à proposta de terceiro por parte
do locatário, deverá ser ele citado, formando-se um litisconsórcio necessário unitário com
o locador, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Civil.
Com efeito, a formação do litisconsórcio decorre do quanto previsto nos artigos
75 e 52, parágrafo 3º da Lei n. 8.245/91, porquanto acolhida a proposta de terceiro, o
locatário fará jus a uma indenização a ser paga solidariamente pelo proponente e pelo
locador.
Dispõe ainda o artigo 72, inciso IV que o réu poderá na contestação alegar que
não está obrigado a renovar a locação, fazendo uma remissão legal aos incisos I e II do
artigo 52.369
No caso da primeira parte do artigo 52, inciso I, deverá ser acostada aos autos
prova das exigências efetuadas pelo Poder Público, já que sendo a ação dúplice, o pedido
de retomada é realizado na própria contestação.
Não obstante dúvidas surgidas logo após o advento da Lei n. 8.245/91 quanto à
interpretação do inciso I do artigo 52, acabou-se por admitir que o réu possa exercer o
368 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 208. 369 Lei n. 8.245/91: “Artigo 52 - O locador não está obrigado a renovar o contrato se: I - por determinação do
Poder Público, tiver que realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transformação; ou para fazer modificação de tal natureza que aumente o valor do negócio ou da propriedade; II - o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maior do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente. § 1º - Na hipótese do inciso II, o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mesmo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo de comércio com as instalações e pertences.”
191
direito de retomada para demolição e construção, ensejando a radical transformação do
imóvel, mesmo sem que ela se deva à determinação do Poder Público.
Mostra-se porém indispensável que, fundando-se o pedido de retomada em
realização de obras que importem em sua radical transformação ou modificação que
aumente o valor do negócio ou da propriedade, que se demonstre sua efetivação a
estimativa de valorização alegada.
Quanto à legitimidade para pleitear a retomada, entre as várias hipóteses
aventadas, quatro podem ser mencionadas: do usufrutuário, do compromissário comprador,
do condomínio e do espólio(ou herdeiros).
Alfredo Buzaid370 , Moraes Salles371 e Nascimento Franco e Nisske Kondo372
opinam pelo reconhecimento da legitimidade do usufrutuário, desde que haja concordância
do proprietário da nua-propriedade.
Quanto ao compromissário comprador, se contiver o contrato de compromisso de
compra e venda cláusulas de irretatabilidade e irrevogabilidade e estiver devidamente
registrado na serventia imobiliária, passará a ter eficácia real, admitindo-se, portanto, que
possa ajuizar a ação renovatória.
Relativamente ao condomínio, em havendo concordância dos demais condôminos,
poderá promover a retomada, com fulcro nos artigos 628 do Código Civil, sendo
representado nos autos pelo síndico ou administrador (arts. 12, inc. IX do CPC e 22, § 1º
da Lei n. 4.591/64).
Quanto ao espólio, admite-se a sua legitimidade, já que a ação tem natureza
patrimonial, mas se considera que se o fulcro do pedido de retomada for a transformação
radical ou modificação que aumente o valor do negócio ou da propriedade, mas que tenha
sido oriunda não de determinação do Poder Público, será necessária a concordância
370 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis
destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 378. 371 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 235. 372 João Nascimento Franco e Nisske Kondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, cit., p. 197.
192
expressa de todos os herdeiros e autorização judicial, mercê da expedição de alvará nos
autos do inventário.373
No que concerne ao caso do inciso II do artigo 52 que, como dito, poderá ser
aduzido visando a retomada para uso do próprio do imóvel pelo locador, haveria presunção
relativa de sinceridade do pedido que, contudo, deverá indicar com precisão o fim que lhe
dará.
Vale lembrar que referido posicionamento era acolhido já à época da vigência do
Decreto n. 24.150/34, constando da Súmula n. 485 do STF.374
Em se tratando de pedido de retomada pelo locador, mas tendo outrem como
beneficiário (cônjuge, ascendente ou descendente, nos termos do art. 52, inc. II da Lei n.
8.245/91), Alfredo Buzaid375 entende que tendo a lei conferindo legitimidade exclusiva ao
locador para figurar no pólo passivo da ação renovatória, ele assumiria a posição de
substituto processual, porque agiria em nome próprio, mas na defesa do interesse ou do
direito de seu cônjuge, ascendente ou descendente.
Moraes Salles 376 , acolhendo o entendimento de Buzaid, sustenta que há na
hipótese litisconsórcio necessário e unitário, ressaltando, ademais, o caráter dúplice da
contestação que pede a retomada.
Relativamente à possibilidade de execução de julgado que tenha acolhido o
pedido de retomada para uso próprio do locador que falecer antes de obter a devolução do
imóvel, Moraes Salles distingue duas hipóteses:
“Assim, se a retomada foi decretada pela sentença de primeiro grau, porém, posteriormente, se verificou o falecimento do locador retomante, a morte, como fato superveniente à sentença, poderá ser levada pelo apelante ao conhecimento do tribunal ad quem, que a reexaminará à luz dos demais fatos e circunstâncias referidos nos autos, mantendo a
373 Nesse sentido: José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações
comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 244. 374 Súmula n. 485 do STF: “Nas locações regidas pelo Decreto n. 24.150, de 20.04.1934, a presunção de
sinceridade do retomante é relativa, podendo ser ilidida pelo locatário.” 375 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis
destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 397. 376 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 259.
193
sentença, se entender que os herdeiros ou legatários têm condições de dar ao imóvel destino que havia sido indicado pelo retomante falecido, ou reformando o julgado, se considerar inexistentes aquelas condições, concedendo, nesse caso, a renovação do contrato de locação.”377
É de todo modo relevante sublinhar que embora seja a ação renovatória
considerada dúplice, por permitir, como destacado, que o réu formule na própria
contestação sua pretensão de retomada do imóvel locado, o que seria argüível
ordinariamente em reconvenção, não se dispensa a formulação de pedido por ele, conforme
já decidido.378
O caráter dúplice da renovatória significa fundamentalmente que o réu pode
deduzir pretensão à retomada ou pleitos, como fixação de aluguel provisório ou de aluguel
atualizado, sem necessidade de oferecer reconvenção.
A aludida assertiva reforça a idéia de que a mera improcedência do pedido do
autor não seria suficiente, em regra, para atribuir ao réu o bem da vida por ele pretendido.
Em relação ao aluguel provisório e ao aluguel definitivo, igualmente é necessário
efetuar algumas observações e distinções.
O aluguel provisório está previsto no artigo 72, parágrafo 4º, quando for decretada
a renovação.
Em função do caráter dúplice da renovatória, o réu poderá pedir sua fixação na
contestação, sendo ele devido desde o vencimento do contrato até o trânsito em julgado da
sentença que estabelecer o aluguel definitivo (art. 73 da Lei n. 8.245/91).
377 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 263. 378 “Incabível o decreto de despejo nos autos de ação renovatória se não oferecida exceção de retomada. (2º
TACivSP – Agr. n. 341735, rel. Juiz Batista Lopes, j. 24..02.1992, Boletim AASP 1.767/2, supl.)” (Nelson Nery Junior; Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante, cit., p. 2.384).
194
A necessidade de pedido para fixação do aluguel provisório está prevista no
próprio dispositivo antes mencionado (art. 72, § 4º da Lei n. 8.245/91), ressaltando o seu
caráter dúplice.379
Vale lembrar, conforme exposto no segundo capítulo desta dissertação, que o
princípio da eventualidade, vinculado apenas à contestação, também é cabível em relação à
petição inicial, sendo sua aplicação clara no que tange às ações dúplices.
Assim, em homenagem ao princípio da eventualidade, nada obsta que o réu, na
contestação, pleiteie a retomada do imóvel e requeira a fixação de aluguel provisório.380
Por seu turno, o aluguel atualizado é cabível quando o pedido de retomada
constante da contestação for acolhido e tenha o locador ou sublocador pleiteado a sua
fixação, e será devido entre o vencimento do contrato e a data da desocupação do imóvel
pelo locatário, autor da renovatória.
Não obstante não se trate a ação renovatória de uma ação cuja duplicidade seria
natural, mas decorrente da lei, firmou-se entendimento no âmbito do então Segundo
Tribunal de Alçada Civil e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que julgado
improcedente o pedido do locatário, é devido o aluguel atualizado até a entrega das chaves
do imóvel, ainda que não haja sido formulado pleito nesse sentido.381
Reconhece-se que tal entendimento deve ter por base o princípio que veda o
enriquecimento sem causa, mas, salvo melhor juízo, colide com os princípios dispositivo e
da correspondência (arts. 128 e 460 do CPC), deixando de considerar que a duplicidade, no
caso da ação renovatória, não dispensa o réu de formular pedido para obtenção do bem
jurídico por ele pretendido.
379 Lei n. 8245/91: “Artigo 72 - (...) § 4º - Na contestação, locador ou sublocador poderá pedir, ainda, a
fixação do aluguel provisório, para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado, não excedente a oitenta por cento do pedido, desde que apresentados elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel.”
380 “Não há contradição quando o senhorio formula exceção de retomada e, simultaneamente, pede a fixação de aluguel provisório para vigorar após o vencimento do contrato renovando. A Lei n. 8.245, de 1991, obriga o locador a formular contraproposta à oferta do inquilino (art. 72, § 4º) e, querendo, a fixação de aluguel provisório para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a ser renovado (art. 72, § 4º). JTACSP – Lex 151/532.” (José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 288).
195
Seria destarte preferível que mantendo a coerência do sistema, se exigisse a
formulação de pedido na própria contestação, dado o caráter dúplice da renovatória, tanto
para fixação do aluguel provisório, previsto expressamente no artigo 72, parágrafo 4º,
como relativamente ao atualizado, quando deferida a retomada.
Quanto à revelia, não conduzirá por si à veracidade dos fatos alegados pelo autor,
não só porque a presunção prevista no artigo 319 do Código de Processo Civil é relativa,
mas ainda, sopesando uma das finalidades principais da renovatória, que se assenta na
fixação do aluguel justo, para o que a prova pericial se mostra, não raro, indispensável, em
que pese a inércia do réu.
Cumpre anotar a posição de Alfredo Buzaid382, para quem, ocorrendo a revelia,
caberia ao juiz proferir julgamento conforme o estado do processo, nos termos do artigo
330 do Código de Processo Civil, julgando procedente a ação, se presentes todas as
condições exigidas pela lei.
Falamos por ora sobre o caráter dúplice da renovatória, se intentada a ação em
face do locador ou do sublocador, podendo-se aventar se manteria tal natureza, se proposta
demanda por esses, visando a renovação compulsória da locação.
O tema é divergente, já que a Lei n. 8.245/91 não reproduziu o artigo 26 do
Decreto n. 24.150/34, que permitia ao locador, nas mesmas condições do inquilino, propor
ação para regular o seu dever de prorrogar ou não a locação, aplicando-se em relação ao
senhorio todas as disposições legais pertinentes ao seu procedimento.
Na vigência do referido diploma legal, já se manifestava divergência doutrinária a
respeito do tema, havendo autores como João Nascimento Franco e Nisske Gondo383, que
sustentavam ter o locador apenas legitimidade para a ação negatória de renovação do
381 RT 606/169; RTJ 75/547. 382 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis
destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 543. 383 João Nascimento Franco; Nisske Gondo, Ação renovatória e ação revisional de aluguel, cit., p. 54.
196
contrato de locação, e outros, como Alfredo Buzaid384, que reconheciam seu direito de
ajuizamento da renovatória para compelir o locatário a prorrogar compulsoriamente o
vínculo locatício.
Moraes Salles admite a propositura da ação pelo locador para renovação
compulsória da locação, no mesmo prazo decadencial ajuizável pelo locatário (art. 51, § 5º
da Lei n. 8.245/91), que teria igualmente caráter dúplice:
“Nesse caso, entretanto, estará concordando expressamente com a renovação e reconhecendo o direito do inquilino à mesma, restando-lhe, pois, discutir apenas as condições da renovação (aluguel, prazo, etc.). Entendemos, ainda que a renovatória proposta pelo locador tem caráter dúplice(cf. a opinião do Min. Rodrigues de Alckmin, no acórdão inserto na RT 507/250-251, 2ª col. in fine), de modo que o locatário, na contestação, poderá tanto insurgir-se contra a renovação, como, se assim o entender, concordar com esta, ainda que divergindo das condições propostas pelo senhorio, prosseguindo o processo com sua normal tramitação.” 385
Admite ainda esse autor, com quem concordamos, o ajuizamento de ação
negatória da renovação pelo locador, sendo desnecessária a propositura de demanda
autônoma de despejo para desocupação do imóvel pelo locatário.
Salienta inexistir vedação legal a tanto, e destaca o caráter dúplice da renovatória,
que permite o acolhimento da contestação para julgar improcedente o pedido.
Não sendo renovada a locação, prevê o artigo 74 que o juiz fixe o prazo de até seis
meses, após o trânsito em julgado da sentença para desocupação, se houver pedido na
contestação, ensejando a expedição de mandado de despejo, se desatendida a ordem.
O caráter dúplice da ação renovatória produz ainda outros efeitos que merecem
destaque.
384 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contrato de locação de imóveis
destinados a fins comerciais, cit., v. 2, p. 466. 385 José Carlos de Moraes Salles, Ação renovatória de locação empresarial: locações comerciais, industriais
e para sociedades civis com fins lucrativos, cit., p. 392.
197
Permite-se a cobrança das diferenças de alugueres, em favor de qualquer das
partes, nos próprios autos, sem necessidade da propositura de ação para tal fito, face à
natureza dúplice da ação e do princípio de igualdade de tratamento das partes.386
O abandono do imóvel pelo locatário caracteriza a carência de ação e faculta a
imissão na posse do imóvel pelo locador.387
Tratando-se de prazo decadencial para propositura da ação renovatória, e não
adotadas as providências previstas no artigo 219 do Código de Processo Civil, entende-se
ser cabível o decreto de despejo, em função do caráter dúplice da renovatória.388
Relembre-se, por derradeiro, dentro do presente tópico, que ordinariamente, nas
ações que apresentam caráter dúplice em função da relação de direito material discutida,
decretada a carência de ação por parte do autor, haverá a extinção do processo sem
resolução do mérito, de tal sorte que a pretensão do réu não chegará a ser apreciada.
No caso específico da renovatória, o artigo 74 da Lei n. 8.245/91, retro citado,
prevê que não renovada a locação, haverá a fixação do prazo de até seis meses, após o
trânsito em julgado, para a desocupação do imóvel por parte do locatário.
Assim, diferentemente do que ocorre nas ações que tenham caráter dúplice em
função da especificidade da relação de direito material existente entre as partes, na
renovatória, a negativa de renovação, seja por carência, seja por improcedência do pedido,
enseja a obtenção do bem jurídico pretendido pelo réu.389
386 TJSP – Apelação Cível n. 830.841-0/3/São Paulo, 35ª Câmara de Direito Privado, rel. Melo Bueno, J.
22.05.2006. v.u. 387 RT 735/325. 388 RT 641/200. 389 “Locação comercial. Renovatória, Decretação de carência da ação. Caráter dúplice do processo
renovatório. Reconvenção implícita na contestação. Desocupação . Prazo de seis meses. Vigência do artigo 360 do CPC anterior. O processo renovatório tem caráter dúplice, de forma que a contestação contém implícito um pedido reconvencional . Na hipótese de negação da renovatória, tanto por decretação de carência de ação, quanto por improcedência desta, o prazo para desocupação do imóvel é de seis meses. Aplicável o artigo 360 do Código Processual anterior, por força do artigo 1.218, III do CPC atual.” (STJ – RESP n. 29830/SP, 6ª T., rel. Min. José Cândido de Carvalho Filho, DJU, de 05.04.1993, p. 5.864, v.u., deram provimento).
198
3.5.1.2 Da inadmissibilidade da reconvenção em ações
renovatórias
Há entendimento predominante, conforme antes exposto, no sentido da
inadmissibilidade da reconvenção em ações dúplices, dado que inexistiria interesse
processual no seu ajuizamento, para pleitear o que se obteria com a contestação.
Partilhamos, contudo, a posição dos autores que consideram cabível a
reconvenção, caso se refira a pretensão que extrapole os limites da duplicidade, quando o
procedimento se converta em ordinário, após a resposta.
No caso da renovatória, contudo, que é ação de procedimento especial, o espectro
de matérias passíveis de serem suscitadas na própria contestação pelo réu, que
demandariam de ordinário reconvenção, é significativamente amplo.
Basta, para tanto, lembrar que o réu pode, na própria contestação, pleitear a
retomada do imóvel, suscitando as matérias dos artigos 52, parágrafos 1º e 2º, 72, incisos I
a IV, pedir a fixação de aluguel provisório (art. 72, § 4º), do aluguel atualizado, além da
alteração da periodicidade de reajustamento do locativo (art. 72, § 5º).
A duplicidade tem, destarte, um elastério significativamente mais amplo do que
aquele, por exemplo, previsto para as ações possessórias, que se restringe à proteção
possessória e indenização por perdas e danos (art. 922 do CPC).
Por isso, entendemos, com fulcro no magistério doutrinário retro exposto, que se
adotou na ação renovatória o princípio da defesa concentrada, cabendo alegar na
contestação toda matéria de fato que seria suscitável na reconvenção, faltando ao réu
interesse processual no seu oferecimento, já que se torna desnecessária.390
390 Nesse sentido: RT 579/159, 587/166, 519/250.
199
3.5.2 Ações de alimentos – Aspectos gerais e breve evolução
histórica
Cabe, preliminarmente, assinalar que se procurará enfatizar apenas alguns dos
aspectos processuais das ações de alimentos, privilegiando aqueles que guardem correlação
com o seu caráter dúplice.
Conforme ensina Yussef Cahali391, a doutrina ressalta que a obrigação alimentar
tendo como base as relações de família não era mencionada nos primeiros momentos da
legislação romana. O fato se explica pela estrutura familiar então vigente, na qual o
paterfamilias concentrava em suas mãos todos os direitos.
Teria sido a partir do principado, quando o conceito de família passou a se alargar,
adquirindo o vínculo de sangue uma importância mais acentuada, e quando se assistiu a
uma paulatina transformação do dever moral em socorro, que a controvérsia se deslocou
para a extensão das pessoas vinculadas à obrigação alimentar.
No direito justinianeu, houve o reconhecimento da obrigação alimentar recíproca
entre ascendentes e descendentes, distinguindo-se sua amplitude conforme se tratasse de
família legítima ou ilegítima, pertencendo provavelmente ao referido período sua extensão
à linha colateral.
Nas Ordenações Filipinas, no Livro 1, Título LXXXVIII, 15, se fazia indicação
dos elementos que compunham a obrigação alimentar e, ainda, da assistência devida aos
filhos ilegítimos (Livro 1, Título LXXXVIII, 11, Livro 4, Título XCIX, 1º).
O Assento de 09.04.1772, que recebeu força de lei, através do Alvará de
29.8.1776, estabeleceu ser dever de cada um alimentar a si mesmo, estabelecendo algumas
exceções, nas hipóteses de descendentes legítimos e ilegítimos, ascendentes, transversais,
irmãos legítimos e ilegítimos, primos e outros consangüíneos legítimos, primos e outros
consangüíneos ilegítimos.
391 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 38 e ss.
200
Conforme o autor supra citado, Teixeira de Freitas, na Consolidação das Leis
Civis, estabeleceu em vários dispositivos o dever de sustento dos filhos, os direitos
recíprocos de alimentos entre pais e filhos e entre parentes.
O Código Civil de 1916, em vários dispositivos, disciplinou a obrigação
alimentar, como nos artigos 231, incisos II a IV e 309 a 405, ora como efeito do casamento
ou em função das relações de parentesco(arts. 396 a 405).
Houve ainda a edição de diversas leis extravagantes, entre elas a Lei n. 5.478, de
25.07.1968, sobre a ação de alimentos, além do Código de Processo Civil, que disciplinou
o foro competente para ajuizamento das demandas nas quais se pedem alimentos (art. 100,
inc. II) e a execução da prestação alimentícia (arts. 732 a 735).392
O Código Civil de 2002 tratou da matéria de alimentos em vários dispositivos
(arts. 373, inc. II, 1.694 a 1.710, 1.740, inc. I, 1.920 e 1.928, entre outros)
Como o Código Civil se reporta no artigo 1.706 à fixação dos alimentos
provisionais, nos termos da lei processual, poderia suscitar-se dúvida sobre a vigência da
Lei n. 5.478/68, especialmente sopesando o disposto no artigo 2.043 da lei substantiva
civil.393
Acerca do tema, acreditamos plenamente acertada a posição de Cahali394 , no
sentido de que deverá continuar vigendo a Lei n. 5.478/68 e as demais disposições
pertinentes à ação alimentar contidas no Código de Processo Civil e na legislação
extravagante, constantes na Lei do Divórcio, em matéria processual, por não estarem
compreendidas na revogação expressa do artigo 2.043, ressalvando-se aquelas em
392 Várias leis foram editadas no que tange a alimentos, valendo citar, entre outras: Decreto-Lei n. 3.200, de
19.04.1941 (Lei de Proteção à Família); Lei n. 883, de 21.10.1949, tratando de alimentos provisionais em favor do filho ilegítimo; Lei n. 6.515/77 que, destinada a regular os casos de dissolução da sociedade conjugal, trazia disposição acerca de alimentos; Lei n. 8.560, de 29.12.1992, regulando a investigação de paternidade; Lei n. 8.971, de 29.12.1994, regulando o direito dos companheiros a alimentos e sucessão; Lei n. 9.278, de 10.05.1996 regulando o artigo 226, parágrafo 3º da Constituição Federal.
393 Código Civil: “Artigo 2.043 - Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código.”
394 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 542.
201
contrário, sujeitas a interpretação na forma do artigo 2º, parágrafos 1º e 2º da Lei de
Introdução.
Nota-se, portanto, uma profusão de leis, quer materiais, quer processuais, sobre o
tema de alimentos.
Humberto Theodoro Júnior395, citando Leonardo José Carneiro da Cunha, observa
que o direito processual sofre ingentes influxos do direito material, com a estruturação de
procedimentos adequados ao tipo de direito material, adaptando a correlata tutela
jurisdicional. Não é estranho, inclusive, haver normas processuais em diplomas de direito
material e, de outro lado, normas materiais em diplomas processuais (chamadas pela
doutrina de normas heterotópicas).
Reporta-se, para ilustrar o entendimento exposto, à regra do artigo 1.698 do
Código Civil, que tem provocado divergências na doutrina, quanto à sua natureza
jurídica.396
Consigna que já se tentou ver na hipótese a existência de denunciação da lide, o
que não se trataria, porque o réu da ação de alimentos não invoca relação de garantia, nem
tampouco exerce o direito de regresso.
Rejeita a posição de Fredie Didier Júnior e Yussef Said Cahali, no sentido de se
cuidar o caso de litisconsórcio superveniente, cuja formação seria, no entanto, de iniciativa
do autor.
Acolhe a tese de Cássio Scarpinella Bueno, para quem se teria na hipótese
chamamento ao processo, embora o caso não seja de solidariedade, mas de
395 Humberto Theodoro Júnior, O novo Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual, Revista
Síntese de Direito Processual Civil, ano 6, n. 32, p. 16-17, nov./dez 2004,. 396 Código Civil: “Artigo 1.698 - Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em
condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e intentada a ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.”
202
responsabilidade subsidiária a ser exercida consoante as forças de cada um dos
responsáveis pelo pagamento dos alimentos.
Parece-nos que a posição que deva prevalecer é a que considera a existência de
um litisconsórcio ulterior, de iniciativa do autor, já que o chamamento ao processo estaria
restrito pelo previsto nos artigos 77 a 80 do Código de Processo Civil aos casos de
solidariedade e fiança, aos quais não se insere a previsão do artigo 1.698 do Código Civil.
Feitas as ponderações introdutórias, passaremos a abordar o caráter dúplice das
ações de alimentos.
3.5.2.1 Do caráter dúplice das ações de alimentos e suas
implicações
Ação de alimentos, conforme define Sérgio Carlos Covello, “é o mecanismo
processual colocado à disposição de quem, em virtude do parentesco, casamento ou união
estável, postula de outrem os recursos necessários à sua subsistência. Seu suporte jurídico é
uma relação familiar”.397
Pode a ação de alimentos ter curso nos seguintes procedimentos:
1) Especial, previsto na Lei n. 5.478/68 que, segundo observa Carlos Alberto
Alvaro de Oliveira 398 , compreende espécie de tutela jurisdicional diferenciada, com
mandado liminar, embora em processo de conhecimento, a que proveu o legislador
brasileiro, face ao peculiar interesse de ordem pública que a informa, que é inconfundível
estruturalmente com a tutela cautelar de alimentos prevista nos artigos 852 e seguintes do
Código.
397 Sérgio Carlos Covello, Ação de alimentos, São Paulo: LEUD, 1992, p. 27. 398 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, Ajuris:
Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 14, n. 41, p. 240, nov. 1987.
203
O autor enumera a lide alimentar que deve ser resolvida pelo procedimento
especial regulado na Lei n. 5.478/68, a saber: a) haver evidência de vínculo parental,
mediante prova escrita e imediata; b) configurar-se obrigação de alimentar do devedor, nos
termos do artigo 2º da Lei n. 5.478/68, atinente às relações entre cônjuges, as quais não
consubstanciam parentesco.
Assim, a lei especial apenas autoriza sua utilização quando houver prova pré-
constituída da relação de parentesco ou da obrigação alimentar, devendo, em caso
negativo, a ação de alimentos ter curso no rito ordinário.
2) Cautelar, dos artigos 852 a 854, que se destina, conforme anota Marco Antonio
Botto Muscari399, à manutenção do requerente e sua prole, enquanto tramitam as ações de
separação, divórcio, anulação e nulidade de casamento, dissolução de união estável ou a
própria ação de alimentos, incluindo verba suplementar para que o alimentando possa fazer
frente às despesas processuais.
3) Ordinário, quando inexistir parentesco ou união estável suficientemente
provados.
Cumpre notar que no Código de Processo Civil de 1939, a ação de alimentos era
regulada nos artigos 291 a 297 observando o procedimento ordinário, permitindo-se,
contudo, ajuizamento de cautelar antecedente ou incidental de prestação de alimentos
provisionais (art. 676, inc. VIII), no curso de ação de desquite, nulidade ou anulação de
casamento.
Sem que se pretenda esgotar o tema, faz-se mister realçar os principais pontos de
convergência e divergência entre os alimentos provisórios, previstos na Lei n. 5.478/69, e
os provisionais, disciplinados no Código de Processo Civil (arts. 852 a 854), porquanto se
trata de ponto relevante para as hipóteses nas quais se revela o caráter dúplice das ações
ora examinadas.
399 Marco Antonio Botto Muscari, Aspectos controvertidos da ação de alimentos, Revista de Processo, São
Paulo, Revista dos Tribunais, ano 26, n. 103, p. 125, jul./set. 2001.
204
Sobre o tema, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira400, mencionando lição de Galeno
de Lacerda, aponta as principais diferenças entre os dois institutos.
O ponto comum entre os alimentos provisórios e os provisionais se assentaria na
possibilidade de expedição de mandado liminar, em favor da tutela requerida, com a
mesma função de prover o litigante necessitado de meios de subsistência durante a
litispendência.
Menciona que os aludidos procedimentos se originaram remotamente da forma
interdita romana e, mais proximamente, das inhibitiones do processo germânico medieval,
justificando tratamento igual às partes a justificar a tutela liminar em benefício do autor,
embora condicional e provisória.
Os alimentos provisórios serão devidos nos casos em que ao momento da
demanda se achem provadas a relação parental ou a obrigação alimentar, impondo sua
concessão.
Por seu turno, os alimentos provisionais dependem da presença do fumus boni
iuris e do periculum in mora, sustentando o autor retro citado que enquanto cautelar, “a
concessão de alimentos provisionais não está facultada à parte que dispuser do meio
específico assegurado pela Lei n. 5.478/68”, já que faltaria legítimo interesse para
admissão de cautela com idêntico objetivo.
Vale ainda observar que grassava considerável dissenso jurisprudencial sobre a
natureza da ação de alimentos, se eram pessoais ou de estado, e se seria possível no curso
da lide o ajuizamento de eventual ação declaratória incidental, tendo por objeto questão
prejudicial ligada ao reconhecimento da existência ou não de vínculo de parentesco ou
matrimonial.
A divergência teria restado pacificada com a inserção da obrigação alimentícia no
âmbito do direito patrimonial do Livro de Família.
400 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, cit., p. 240-
242.
205
Quanto à legitimidade, em função do caráter personalíssimo do direito de
alimentos, pode-se dizer que só a ostenta a própria pessoa que os receberá, ou quem a
represente de fato ou de direito, e em havendo eventual litisconsórcio ativo entre a genitora
e filhos, o interesse de cada um deles permaneceria distinto, inclusive para efeitos
recursais.401
No que concerne ao pedido poderia se perquirir se seria indispensável a fixação
do quantum pleiteado ou se haveria eventual vício na sentença,, caso não observados os
limites estabelecidos na peça vestibular.402
Sérgio Covello403 afirma que como exceção à regra geral, e por força de sua
natureza dispositiva, a sentença de alimentos pode ser ultra petita.
Não obstante inexista regra expressa na Lei de Alimentos excepcionando a
aplicação do princípio da adstrição, nem tampouco facultando ao autor a formulação de
pedido genérico, prevalece, contudo, o entendimento no sentido da não exigência de
correspondência entre a pretensão do autor e a sentença e a permissão para que o pleito
possa ser indeterminado.
Desse modo, já se decidiu não constituir requisito do pedido de alimentos a
especificação do quantum pretendido pelo autor da ação, não se considerando, diante da
omissão nesse sentido, que a petição inicial seria inepta.
Com efeito, decidiu-se que “o pedido de alimentos poderá ser formulado sem a
especificação do quantum desejado pelo autor, o que poderá ser apurado durante a fase de
conhecimento ou mesmo em juízo sucessivo da execução; tal permissão não caracteriza
infringência ao disposto no artigo 286 do Código de Processo Civil”. É que “nas ações de
alimentos, as sentenças são de índole dispositiva ou determinativa, podendo o juiz decidir
401 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 557-558. 402 Os parágrafos 1º e 2º do artigo 3º da Lei n. 5.478/68 permitem o comparecimento do interessado
desacompanhado de advogado, que passará a intervir no curso do processo. Em São Paulo, o Provimento n. 261, de 08.11.1995, do Conselho Superior da Magistratura, com a redação dada pelo Provimento n. 717, de 04.11.1999, permite que o pedido seja feito verbalmente e reduzido a termo, submetendo-o à apreciação do juiz, para fixação dos alimentos provisórios, designação de audiência e nomeação de profissional para assistir o requerente, caso não o tenha feito, recaindo essa em defensor público ou procurador da Assistência Judiciária.
403 Sérgio Carlos Covello, Ação de alimentos, cit., p. 38.
206
segundo as circunstâncias ou seguindo a eqüidade, por estar revestido em certa medida de
um poder discricionário, o que ocorre porque as prestações de alimentos são dívidas de
valor e não de quantia certa, onde o adimplemento da obrigação não se resolve com a
entrega de um mero quantum, mas, sim, de um quid”.404
A respeito da sentença ser dispositiva nas ações de alimentos, o que justificaria a
flexibilidade ao princípio da congruência, vale lembrar o magistério de Araken de Assis,
reportando-se entendimento de Wilhelm Kisch e Chiovenda:
“Liga-se o entendimento ao isolamento, por Wilhelm Kisch, de uma nova categoria de sentenças, rotuladas ‘determinativas’ (festsetzend Urteil), em que a atividade do juiz se limitaria a alterar o conteúdo de uma relação jurídica preexistente. Segundo Chiovenda, a característica dessas sentenças, comparativamente às constitutivas, onde a coisa julgada possui caráter ‘absoluto’, radica na possibilidade de as partes obterem outra ‘disposição’, porque na origem, o órgão jurisdicional atuara segundo critérios de justiça e oportunidade.”405
Admite-se, ademais, como dito, que a quantia total arbitrada supere o valor do
pedido original, já que a sentença de alimentos não estaria subordinada ao princípio da
adstrição, podendo o juiz, tanto na oferta do devedor, como na iniciativa do credor, fixar a
prestação acima dos limites do pedido ou até fora dele, sem importar a provisão diversa em
decisão ultra ou extra petita.406
Quanto à resposta a ser eventualmente apresentada pelo réu nas ações de
alimentos, cumpre inicialmente notar as dúvidas surgidas quanto ao momento de seu
oferecimento, face à redação do artigo 5º, parágrafo 1º da Lei n. 5.478/68407, que não o
precisou.
Nelson Carneiro408 manifestou-se no sentido de que teria se deixado ao critério
judicial a fixação do dia e horário da audiência, devendo o juiz levar em conta o prazo
necessário não só para a contestação, mas para a eventual citação por edital. Propunha
404 TJSP – Apelação n. 1.262-1, 4ª Câmara Cível, j. 15.05.1980 (Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p.
571). 405 Araken de Assis, Breve continuação ao estudo da coisa julgada nas ações de alimentos, Ajuris, Revista da
Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 16, n. 46, p. 88-89, jul. 1989. 406 TJSP – Apelação Cível n. 229.624-4/2/São Paulo, 2ª Câmara de Direito Privado, rel. César Peluso, j.
04.02.2203, v.u. 407 Lei 5.478/68: “Artigo 5º - (...) § 1º - Na designação da audiência, o juiz fixará o prazo razoável que
possibilite ao réu a contestação da ação proposta e a eventualidade de citação por edital.”
207
aplicar-se o artigo 27 da Lei n. 5.478/68, que se reporta à aplicação supletiva do Código de
Processo Civil, apresentado-se a resposta no prazo de quinze dias, no sistema do Estatuto
vigente (art. 297).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery409, aludindo a julgado (RF
290/258), apontam que na ação especial de alimentos sujeito ao rito da Lei n. 5.478/68, a
contestação deve ser apresentada na audiência.
Yussef Cahali, fazendo alusão a vários julgados, sintetiza da seguinte forma as
possibilidades que se apresentam quanto à apresentação da defesa, ressaltando que a Lei n.
5.478/68 teria se inspirado no processo trabalhista, em matéria de celeridade da ação:
“a) o termo limite para apresentação da defesa do réu é a audiência de conciliação e julgamento, descartado, assim, o entendimento de que ‘a citação é para o réu comparecer à audiência de conciliação, podendo contestar a ação, no prazo de 15 dias a partir dessa audiência’; b) não prevalece para a defesa do réu o prazo comum previsto no artigo 297 do CPC (15 dias), nem é dado ao juiz reduzi-lo ou dilatá-lo arbitrariamente; c) o arbítrio que a lei irroga ao juiz é para a designação de audiência quando do despacho inicial, antevendo tempo bastante para a citação do réu ainda que por edita, como prazo razoável para a preparação de sua defesa até a data designada para a audiência, pois ‘a falta de prazo razoável entre a citação e a audiência de conciliação e julgamento, na ação de alimentos, anula o processo por cerceamento do direito de defesa do réu’.”410
Pertinente acrescer, conforme alude esse autor, que se a contestação for oferecida
antes da audiência, não há impedimento à sua realização, cabendo ao réu eventual
demonstração de ausência de fixação de prazo razoável, que se acolhida levará o
magistrado a estabelecê-lo, não podendo, contudo, ultrapassar quinze dias.
O entendimento antes exposto se mostra adequado, especialmente considerando a
regra do artigo 100, inciso II do Código de Processo Civil, que atribui foro privilegiado ao
credor de alimentos, de tal sorte que tramitando a ação em comarca diversa daquela onde o
alimentante tem seu domicílio, exigir-se a sua presença em audiência, para efeito de
apresentação de sua resposta, equivaleria, em algumas hipóteses, notadamente nas lides
408 Nelson Carneiro, A nova ação de alimentos, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1968, p. 75-77. 409 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.711.
208
envolvendo hipossuficientes, a inviabilizar o exercício da defesa, violando o artigo 5º,
inciso LV da Constituição Federal.
No que toca à amplitude da defesa, vale lembrar que o réu poderá apresentar
defesas processuais e de mérito, diretas ou indiretas.
Relativamente ao caráter dúplice das ações de alimentos, tem-se reconhecido sua
presença, afastando-se a necessidade da propositura de demanda autônoma, quando
existirem nos autos elementos fáticos e jurídicos que autorizem a apreciação do pedido
formulado pelo réu na própria contestação.
Poderíamos afirmar que a duplicidade se justificaria pela celeridade almejada pelo
procedimento previsto na Lei n. 5.478/68 e própria natureza da sentença, como dito,
dispositiva, a ser prolatada, suscetível de modificação no tempo.
No caso das ações de oferta de alimentos, previstas no artigo 24 da Lei n.
5.478/68411, intentada, portanto, pelo próprio devedor, enfatiza-se o seu caráter dúplice, já
que poderão ser fixados alimentos em valor superior ao proposto pelo autor, na petição
inicial, resolvendo-se em típico juízo de acertamento, não se cuidando, ademais, de simples
pedido de homologação de oferta legal, mas de pedido de arbitramento judicial.412
Não há portanto, em função do caráter dúplice da ação, que se falar em
julgamento ultra petita, pelo fato de ser arbitrada pensão em quantum que supere o valor
proposto.413
410 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 576-577. 411 Lei n. 5.478/68: “Artigo 24 - A parte responsável, e que deixa a residência comum por motivo, que não
necessitará declarar, poderá tomar a iniciativa de comunicar ao juízo os rendimentos de que dispõe e de pedir a citação do credor, para comparecer à audiência de conciliação e julgamento destinada à fixação dos alimentos a que está obrigado.”
412 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 606-607. 413 “Alimentos provisórios. Ação de oferta do devedor. Fixação em quantia superior à oferecida –
Admissibilidade – Ação dúplice, em que o arbitramento nunca é ultra petita – Recurso provido – Inteligência do artigo 24 da Lei n. 5.478/68. Na ação de alimentos proposta pelo devedor, podem os alimentos, assim os provisórios, como definitivos, ser fixados em quantia superior à oferecida, sem que isso implique sentença ultra petita.” (TJSP – Agravo de Instrumento n. 084.366-4/Avaré, 2ª Câmara de Direito Privado, v. u., rel. Cezar Peluzo, j. 13.10.1998).
209
Face ao caráter e finalidade da ação, pode-se igualmente cogitar dos efeitos que
adviriam da ausência do autor ou do réu à audiência designada.
Brandão Lima414 entende que o não comparecimento do autor não impede o juiz
de fixar os alimentos, já que ele próprio tomou a iniciativa de intentar a ação.415
A ausência do réu, para o autor antes mencionado, acarretaria o arquivamento dos
autos, pelo seu patente desinteresse, importando em desistência temporária do recebimento
de alimentos, não porém em renúncia do direito.
Quanto à inércia do réu, seus efeitos não são pacíficos, valendo consignar o que
restou decidido em julgado sobre o tema:
“A ausência do réu, diversamente do disposto no artigo 7º dessa lei especial, não implica em arquivamento por desinteresse (ainda que momentâneo), certo que a causa de pedir e o petitum possuem desígnios diversos dos artigos 7º e 24 da Lei n. 5.478/68, ainda que o objeto ‘alimentos’ seja idêntico. No primeiro (art. 7º) é o credor quem reclama a pensão e a ausência sem justificativa em audiência resulta no arquivamento pela desistência temporária, e a ausência do devedor importa em revelia e confissão quanto à matéria de fato. No caso do artigo 24, o devedor de plano, confessa a matéria de fato, restando, tão-só, a discussão quanto ao acertamento do valor da pensão; a ausência do réu, para a qual não há nenhuma sanção expressa na lei, e nem importará em confissão ficta, não pode pôr fim ao processo sem julgamento do mérito. A ausência do credor-alimentando não obsta a fixação do valor da pensão com base nos elementos existentes nos autos ou em prova a ser produzida, a requerimento da parte ou por determinação judicial, e que a qualquer tempo poderá ser revista em face da situação financeira dos interessados.”416
Acreditamos, em que pesem as opiniões em contrário, que efetivamente a melhor
solução, na hipótese de revelia do réu na ação de oferta de alimentos, seria sua fixação e
não a presunção de desinteresse no seu recebimento.
Basta que se avente a hipótese de incapazes, cujo representante legal deixe de
comparecer à audiência, que poderiam ficar à míngua de recursos para sua subsistência, em
função de inércia que sequer lhes poderia ser imputada.
414 Domingos Sávio Brandão Lima, A nova lei do divórcio comentada, São Joaquim da Barra, SP: O . Dip,
1978, p. 389. 415 No mesmo sentido: RJTJSP 98/29. 416 RJTJSP 98/26 (Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 607-608).
210
Quanto às ações voltadas à revisão, modificação ou exoneração da pensão
alimentícia, igualmente se reconhece o seu caráter dúplice.
Cabe, antes de ressaltar tal aspecto, relembrar que o artigo 13 da Lei n. 5.478/68
prevê que o disposto nesse diploma legal se aplica, no que couber, às ações ordinárias de
separação, nulidade e anulação de casamento, revisão de sentenças proferidas em pedidos
de alimentos e respectivas execuções.
Ressalve-se posição contrária, como a de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira417, no
sentido de que na revisão não se perfazem as condições de emergencialidade que tornam
recomendável a celeridade da ação de alimentos, embora considere cabível para a hipótese
o emprego de ação cautelar do artigo 852, inciso II, inclusive para a concessão de
alimentos initio litis.
Feita essa ressalva, vale observar que não se tem como descartada a possibilidade
de reconvenção em ações de revisão de pensão ou de exoneração, mas se considera
passível de formulação de pedido pelo réu nesse sentido, na própria peça contestatória,
afastando-se, como anteriormente consignado, a necessidade da propositura de ação
autônoma.
Calha à fiveleta a respeito do tema ora em exame o quanto restou decidido em
julgado cuja tese da desnecessidade da ajuizamento de ação autônoma para obter-se a
exoneração de alimentos em ação reclamando alimentos restou sufragada:
“RECONVENÇAO – Pedido de exoneração em ação reclamando alimentos – Admissibilidade – Caráter dúplice da demanda. Exigência de lide autônoma que caracteriza excesso de formalismo. Defesa indireta permitida pelo ordenamento atual – Restrição somente no âmbito das ações de procedimento sumaríssimo – Recurso provido. O pedido de exoneração de alimentos pode ser formulado tanto por via de exceção, em face do caráter dúplice do juízo, como de reconvenção, porque a única restrição processual é para o procedimento sumaríssimo.”418
417 Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, A tutela cautelar antecipatória e os alimentos “initio litis”, cit., p. 243. 418 TJSP – Apelação Cível n. 228.885-1/Campinas, 3ª Câmara Cível, v. u., rel. Mattos Faria, j. 08.11.1994.
211
A admissibilidade de dedução de pedido na própria contestação teria contudo
como pressuposto que as questões fáticas e jurídicas estejam suficientemente aclaradas e
demonstradas nos autos.
Na esteira do quanto alegado, decidiu-se em sede de ação revisional de alimentos
pelo descabimento de pedido contraposto para redução da pensão alimentícia justamente
porque o pleito formulado pelo réu não incidia sobre os mesmos fatos contidos na
inicial.419
Destarte, admite-se que o pedido de exoneração possa ser formulado, por via de
exceção, na própria contestação, em eventual ação revisional intentada, em função do
caráter dúplice da ação, afastando-se eventuais formalismos, como constante do julgado
citado, mas, para tanto, parece evidenciar-se como exigência que todas as questões fáticas
e jurídicas estejam “alinhavadas nos autos”.
3.5.2.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção nas açoes de
alimentos
Face à admissibilidade do caráter dúplice das ações de alimentos, especialmente
no que se refere à demanda voltada à oferta de alimentos, revisionais ou exonerativas,
pode-se questionar sobre a admissibilidade ou não da reconvenção.
Cumpre assinalar que o caráter dúplice antes referido não está expressamente
previsto na Lei n. 5.478/68, ao contrário do que ocorre em algumas ações que ostentam tal
natureza, quer dentro do Código de Processo Civil, como a consignatória, prestação de
contas, possessórias, divisórias e demarcatórias, quer fora dele, como na hipótese da ação
renovatória de locação empresarial.
No caso das ações de alimentos previstas na Lei n. 5.478/68, poderia se objetar
como fator impeditivo da reconvenção a sumariedade e celeridade buscadas no
419 TJSP – Apelação Cível com Revisão n. 406.854-4/1-00/São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, v. u.,
rel. Sebastião Carlos Garcia, j. 23.02.2006.
212
procedimento, embora seja ele especial. Sendo o rito da Lei n. 5.478/68 sumaríssimo, não
haveria campo para admissibilidade da reconvenção.
Posiciona-se contrariamente à admissibilidade da reconvenção Pontes de
Miranda420, entendendo que se na ação de alimentos sobrevier alteração das circunstâncias,
ensejando a alteração do pedido ou seu alcance, a sentença teria que atender a tal mudança.
Sérgio Gilberto Porto421 entende cabível a reconvenção porque o rito da Lei n.
5.478/68 é próprio, não sumário, em que ela foi vedada, admitindo-a no mínimo na ação de
revisão, exoneração e na própria ação onde é deduzida pretensão alimentar, pela via
ordinária.
Yussef Cahali422 considera inútil reconvir para alegar compensação, uma vez que
a prestação de alimentos é insuscetível de admiti-la.
Conclui que não há impedimento à reconvenção em ações de alimentos,
considerando que a compensação não é o único direito a constituir objeto da ação
reconvencional, e em função do artigo 315 do Código de Processo Civil exigir para que
seja admissível seu oferecimento pelo réu a conexão com a demanda principal e o
fundamento da defesa, daí admitir, em ação ajuizada pela mulher, reconvenção do marido
para anular o matrimônio.
Clito Fornaciari423 sustenta ser cabível a reconvenção na ação de exoneração de
prestação de alimentos, podendo o réu pedir sua majoração, e igualmente naquela em que
se pleiteia redução para aumentar o valor, mas faz importante ressalva. Com efeito, adverte
que a ação que o reconvinte agora vai propor deve estar submetida originariamente a
procedimento comum, ordinário, ou então, na ocasião de deduzir seu pleito
reconvencional, deverá adotar esse rito, sendo do contrário causa de indeferimento da
reconvenção.
420 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 4. ed., São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1974, § 1.009, v. 9, p. 247. 421 Sérgio Gilberto Porto, Doutrina e prática dos alimentos, 2. ed., Rio de Janeiro, AIDE, 1991, p. 88. 422 Yussef Said Cahali, Dos alimentos, cit., p. 578. 423 Clito Fornaciari Júnior, Da reconvenção no direito processual civil brasileiro, cit., p. 141-142.
213
Cabe porém ressaltar que há precedentes jurisprudenciais admitindo que eventual
pedido de exoneração de alimentos possa ser formulado por via de exceção na ação
revisional ajuizada pelo alimentando, reconhecendo-se o caráter dúplice da ação.
Para tanto, como igualmente consignado, se sopesa o afastamento do excesso de
formalismos, especialmente se tratando de ação que tem como objeto alimentos, bem como
se teria como pressuposto que as questões fáticas e jurídicas estejam suficientemente
demonstradas nos autos.
A reconvenção, portanto, não seria vedada, mas seu oferecimento, como ainda a
dedução da pretensão em lide autônoma, tem sido dispensada, com fulcro nos pressupostos
antes referidos.
3.5.3 Da desapropriação – Aspectos gerais e breve evolução
histórica
Cabe inicialmente consignar que a desapropriação é forma originária de aquisição
da propriedade, já que não há transmissão do bem expropriado pelo particular ao
expropriante, inexistindo qualquer vinculação entre aquele que o adquire e quem o perde.
A respeito da origem da desapropriação, Pontes de Miranda424 sustenta que a
tomada de bens dos súditos realizada pelos dirigentes romanos não correspondiam ao
referido instituto, que não era até então sistematizado.
Eurico Sodré 425 observa que na Renascença e nos tempos modernos não se
verificou modificação no sistema existente, referido no Digesto e no Código Teodosiano,
que era de autêntica espoliação, reconhecendo-se ao imperador e ao Poder Público o direito
de dispor dos bens particulares ao seu inteiro talante.
424 Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda 1/69, 2. ed.,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, v. 5, p. 419. 425 Eurico Sodré, A desapropriação, 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1955, p. 12.
214
Moraes Salles426 identifica na Revolução Francesa a substancial modificação na
desapropriação, face à consagração da propriedade como inviolável e a permissão para que
alguém dela fosse privado dada apenas nos casos de manifesta necessidade pública e
mediante indenização justa e prévia.
No Brasil, o autor faz a indicação dos vários decretos editados e a previsão, desde
a Constituição do Império de 25.03.1824, do instituto da desapropriação, evoluindo das
hipóteses inicialmente de necessidade e utilidade pública, cujos casos eram definidos no
artigo 590 do Código Civil de 1916, até abarcar o interesse social, cuja previsão foi feita
pela Magna Carta de 18.09.1946.
Cumpre notar que o Decreto n. 4.956, de 09.09.1903, regulou a matéria relativa à
desapropriação por necessidade ou utilidade pública para obras da União e do Distrito
Federal até o advento do Decreto-Lei n. 3.365, de 21.06.1941, que até o presente regula a
matéria.
Por derradeiro, nesta breve retrospectiva histórica, cumpre lembrar que a
Constituição Federal de 05.10.1988 trouxe várias inovações na esfera da desapropriação,
regulando a matéria nos artigos 5º, inciso XXIV e XXIV, 22, inciso II, 182, parágrafo 3º e
inciso III, parágrafo 4º, 184, 185 e 243, prevendo que lei estabelecerá o procedimento para
expropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos nela previstos.
Após a Constituição Federal, sobrevieram vários outros diplomas legais sobre
desapropriação, valendo lembrar, entre tantos, a Lei n. 10.257, de 10.07.2001 (Estatuto da
Cidade) que, no artigo 8º, prevê a possibilidade do Município promover desapropriação,
em caso de não cumprimento pelo proprietário da obrigação de parcelamento, edificação
ou utilização do imóvel, e o Código Civil de 10.01.2002, nos seus artigos 519, 959, 1.387,
1.409, 1.425, V e parágrafo 2º, e 1.509, parágrafo 2º.
426 José Carlos de Moraes Salles, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 5. ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 69.
215
3.5.3.1 Do caráter dúplice das ações de desapropriação
O artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41 estabelece as matérias que o réu pode
suscitar na contestação, restringindo-as à alegação sobre vício do processo judicial ou
impugnação do preço, prevendo que qualquer outra questão deverá ser decidida por ação
direta.427
O dispositivo apontado tem direta correlação com o artigo 9º do Decreto-Lei n.
3.365/41, que estabelece ser vedado ao Poder Judiciário, no processo de desapropriação,
decidir se ocorreram ou não os casos de utilidade pública.
Não obstante as discussões que os artigos possam comportar e que extrapolariam
o âmbito da dissertação, os dispositivos não colidiram com os incisos XXXV e LV do
artigo 5º da Constituição Federal, quer porque o exame da utilidade pública ou do interesse
social pode ser feito em ação direta, quer ainda, como já mencionado, o legislador pode
limitar o âmbito da defesa para atender à natureza da causa ou a peculiaridades do
procedimento.
O artigo 20 alude à possibilidade do réu argüir na contestação vícios processuais.
Fazendo ressalva quanto à complexidade e extensão do tema das nulidades no
processo civil, mas apenas na tentativa de tornar menos vago o que se poderia entender por
“vício processual”, para os fins do artigo 20 citado, discutamos brevemente a questão.
Vicente Greco 428 , antes de efetuar a classificação das violações das normas
relativas à forma, faz três relevantes advertências: a) o sistema de nulidades do processo
civil não decorre de mera aplicação do existente na lei civil; b) o Capítulo V do Livro I,
que trata das nulidades, nos artigos 245 a 250 do Código de Processo Civil, não conseguiu
boa sistematização, a ponto de se afirmar que a lei se preocupou mais em dizer o que não
acarreta nulidade do que em explicar e sistematizar o instituto; c) salvo a nulidade de
427 Decreto-Lei n. 3.365/41: “Artigo 20 - A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou
impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta.” 428 Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos
tribunais, 16. ed., 2003, cit., v. 2, p. 41-43.
216
citação, que equivale a inexistência, as nulidades processuais só se decretam no momento e
pelo instrumento processual adequado, produzindo efeitos, em caso negativo, até que se
declare sua invalidade.
Moniz de Aragão429, com base em entendimento de Galeno de Lacerda, assinala
que o que caracteriza o sistema de nulidades é que elas se distinguem em razão da norma
violada, em seu aspecto teleológico.
Se na norma prevalecem fins ditados pelo interesse público, a violação enseja
nulidade absoluta, insanável do ato, e se tutela interesse particular, o vício é sanável.
Sendo a norma cogente, a violação produzirá nulidade relativa, havendo a
faculdade do juiz de proceder de ofício, ordenando o saneamento pela repetição ou
ratificação do ato ou pelo suprimento da omissão.
Para o autor citado, a anulabilidade é vício resultante de norma dispositiva, razão
pela qual sua anulação só pode ocorrer mediante reação do interessado, vedado ao juiz agir
de ofício.
As irregularidades seriam vícios de menor calibre, que não comprometem o
ordenamento jurídico, nem o interesse da parte, não afetando a estrutura do ato a ponto de
torná-lo inábil à produção de efeitos a que é destinado.
Inexistente seria o ato, embora discutível o seu reconhecimento, quando constitui
mera aparência, incapaz de adentrar no mundo jurídico e de produzir efeitos.
Queremos crer, destarte, que ao mencionar a possibilidade de alegação pelo réu,
na contestação de vícios processuais, estaria o artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41 se
referindo, fundamentalmente, à argüição de quaisquer das violações ao modelo
estabelecido no Código de Processo Civil antes indicadas, abarcando ainda as defesas de
natureza processual, sejam dilatórias ou peremptórias.
429 Egas Dirceu Moniz de Aragão, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1974,
v. 2, p. 276-277.
217
Ao estabelecer o dispositivo ora em exame como outra matéria que pode ser
tratada na contestação à impugnação do preço, teria restringido a tal questão o quanto pode
ser alegado, no mérito, pelo réu.
Não obstante seja tarefa árdua a definição do que vem a ser o mérito no processo
civil, o que efetivamente não pretendemos enfrentar com a profundidade que o tema
recomenda, no âmbito da presente dissertação valeria lembrar, com base no entendimento
de Liebman 430 , que constitui o fulcro da ação, em saber quem tem razão, quanto à
substância do litígio, envolvendo a causa de pedir e o pedido.431
Liebman entende que julgar a lide é julgar mérito, conceituando aquela como o
conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a
decidir. Assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na teoria do
processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito da causa. Julgar a
lide e julgar o mérito são expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do
autor para julgá-lo procedente ou improcedente e, por conseguinte, para conceder ou negar
a providência requerida.432
A impugnação ao preço certamente não é matéria de natureza processual e, a se
pensar diversamente, se correria o risco de afirmar se estar, no caso da desapropriação,
diante de hipótese de processo em que não há mérito, ou ele não pode ser objeto de
discussão pelo réu.
Considera-se dúplice a ação de desapropriação porque o réu pode, na própria
contestação, independentemente de reconvenção e até mesmo sendo revel, obter um
provimento jurisdicional em seu favor, ultrapassando o limite de preço oferecido pelo réu,
sem que se possa falar em sentença ultra petita.
Faz-se mister não olvidar que o artigo 23 do Decreto-Lei n. 3.365/41 estabelece
que após o prazo para a contestação, não havendo concordância expressa quanto ao preço,
430 Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, São Paulo: Betsbook, 2001, p. 103. 431 João Batista Lopes, Curso de direito processual civil: processo de conhecimento, v. 2, cit., p. 41. 432 Enrico Tullio Liebman, Estudos sobre o processo civil brasileiro, cit., p. 103.
218
o perito apresentará o laudo em cartório, em até cinco dias, pelo menos, antes da audiência
de instrução e julgamento.
Não obstante, após o transcurso do prazo de resposta, o procedimento passe a ser
ordinário, extrai-se do dispositivo referido que a revelia não leva por si à presunção de
veracidade dos fatos alegados pelo expropriante, nem tampouco a se ter como aceita a
proposta oferecida.
Comentando tal dispositivo, assim se manifesta Moraes Salles:
“O dispositivo em apreço se refere ao fim do prazo de contestação, sem exigir, entretanto, que a contrariedade seja apresentada, o que leva o intérprete à pressuposição de que mesmo não sendo contestado o pedido do expropriante, o perito designado pelo juiz, nos termos do artigo 14 do Decreto-Lei n. 3365/41, deverá apresentar seu laudo em cartório até cinco dias antes da audiência de instrução e julgamento. Vale dizer: apesar da revelia do réu, o feito deve prosseguir com produção de prova pericial e realização de audiência de instrução e julgamento, porque, na ação de desapropriação, a anuência do expropriado quanto ao preço oferecido pelo expropriante deve ser expressa, para ensejar seu encerramento na decisão saneadora do processo. Aliás, a norma contida no artigo 23 do Decreto-Lei n. 3.365/41 se amolda, perfeitamente, à exigência constitucional da justa indenização (art. 5º, XXIV, da CF de 1988), pois, em tese, possibilita a apuração do justo valor do bem expropriado por meio de perícia, o que não ocorreria com o julgamento antecipado da lide, em que seria levado em consideração pelo juiz, por falta de contestação, o preço oferecido pelo expropriante, na maioria das vezes, muito aquém do real valor da coisa expropriada.”433
Se, como assentado antes, o mérito do processo de desapropriação consiste,
fundamentalmente, na discussão quanto ao preço a ser pago em prol do expropriado,
chega-se à conclusão de que se trataria de ação dúplice, porque o réu pode obter uma
sentença de mérito em seu favor, formulando pedido na própria contestação, sem
necessidade de reconvir e até independentemente de a ter apresentado.
Por força de tal caráter considerado dúplice da expropriatória, já se decidiu que
não é “ultra petita a decisão que, em ação de desapropriação, em que o réu é revel, fixa a
433 José Carlos de Moraes Salles, A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, cit., p. 439.
219
condenação, não na importância oferecida, mas naquela estabelecida em avaliação, uma
vez que preceito constitucional condiciona a expropriação à prévia e justa indenização”.434
De igual modo, sopesando o caráter dúplice da ação de desapropriação, se entende
que a inércia do expropriado quanto à execução para recebimento da indenização a que faz
jus não deve levar à extinção do feito, mas ao arquivamento dos autos.435
3.5.3.2 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações de
desapropriação
Face ao que dispõe o artigo 20 do Decreto-Lei n. 3.365/41, se mostra inadmissível
a reconvenção nas ações de desapropriação.
A cognição no plano horizontal se restringe, como anteriormente ressaltado, à
alegação de eventuais vícios processuais e à impugnação quanto ao preço.
Para impugnar o preço e eventualmente lograr obter uma sentença de mérito que o
estabeleça, inclusive em valor superior ao proposto pelo autor, não há interesse processual
no oferecimento da reconvenção, devendo o réu fazê-lo na própria contestação.
Poderia eventualmente se cogitar da hipótese do réu pretender formular pretensão
que se afaste das matérias indicadas no artigo 20, se não seria, em relação a elas, o
oferecimento de reconvenção.
Entendemos que fulminaria tal possibilidade a própria vedação prevista no
dispositivo, que remete aquele que pretende fazê-lo à propositura de ação direta, autônoma.
434 RT 420/218. 435 “DESAPROPRIAÇÃO – Execução – Inércia dos expropriados – Indenização ainda não satisfeita –
Inadmissibilidade – Arquivamento como melhor solução – Recurso provido. Levando em conta a natureza dúplice da ação expropriatória e o dever constitucional de pagamento integral do justo preço, em existindo crédito ainda não satisfeito, a inércia dos credor leva ao arquivamento e não à extinção da execução.” (TJSP – Apelação Cível n. 262.154-2/São Paulo, 14ª Câmara, v. u., rel. Franciulli Neto, j. 12.09.1995).
220
Conforme se tem reiterado na presente dissertação, o só fato de ter a ação natureza
dúplice não deve ser obstáculo para o oferecimento de reconvenção.
O afastamento de tal possibilidade se deu quando o legislador propiciou ao réu
ampla possibilidade de formular pedidos na contestação, como na renovatória de locação
empresarial, hipótese em que haveria interesse processual na reconvenção, ou quando
expressamente previu restrições ao seu oferecimento, como no caso da desapropriação,
bem como em existindo óbices procedimentais, v.g., em se tratando de pedidos que sigam
procedimentos absolutamente incompatíveis ou inconciliáveis.
Reforce-se que na desapropriação, o óbice ao oferecimento da reconvenção não
está no procedimento especial previsto no Decreto-Lei n. 3.365/41, que se converte em
ordinário após a contestação, mas nos limites da cognição judicial e das matérias que
podem ser deduzidas pelo réu.
4 DO PEDIDO CONTRAPOSTO
O pedido contraposto é previsto nos artigos 278, parágrafo 1º do Código de
Processo Civil e 31 da Lei n. 9.099/55, encontrando o oferecimento desse último no âmbito
do Juizado Especial Cível maiores limitações, se comparado à hipótese constante do
procedimento sumário.
Far-se-á, introduzindo o tema, breve exame dos aspectos principais que nortearam
a previsão do trâmite de algumas demandas no rito sumário e que influenciaram a criação
dos Juizados Especiais.
Entendemos que tais premissas são indispensáveis para a compreensão do
instituto do pedido contraposto e dos motivos que levaram o legislador a admiti-lo no
procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95.
4.1 Procedimento sumário e o Juizado Especial Cível −−−− Lei n.
9.099/95 – Aspectos gerais e breve evolução histórica
A simplificação e racionalização de procedimentos, o estímulo à conciliação e a
busca de uma justiça mais acessível e participativa são aspectos que integram as chamadas
“ondas renovatórias” da fase instrumentalista do direito processual civil.436
O procedimento sumário, previsto nos artigos 275 a 280 do Código de Processo
Civil e o rito sumaríssimo da Lei n. 9.099, de 26.09.1995, se inserem, efetivamente, na
busca dos escopos supra referidos, o que se torna de suma importância, não só para
compreensão de seus múltiplos aspectos, mas, em especial, para o exame do instituto do
pedido contraposto que se passará a fazer.
A Lei n. 9.245/95 efetuou substanciais alterações no então procedimento
sumaríssimo, que a partir de sua edição passou a ser denominado de sumário.
436 Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do
processo, 10. ed., São Paulo: Malheiros, 1994, p. 44.
222
João Batista Lopes assinala que o procedimento sumário que constituíra a grande
inovação do Código de 1973, já que o julgamento antecipado era admitido desde o
Decreto-Lei n. 890/69, “não foi adequadamente assimilado pela comunidade jurídica,
pouco afeiçoada à oralidade e à informalidade”.437
Segundo o autor, foram apresentadas diversas propostas de alteração no então
procedimento sumaríssimo que, em princípio, resultaram infrutíferas, até que superados os
obstáculos existentes, se logrou modificar o rito, que passou a ser sumário, alterando-se
vários pontos.
Entre os pontos modificados, destacam-se a exclusão de várias causas que eram
de procedimento sumaríssimo, a exigência de que as partes, caso pretendam perícia,
formulem quesitos e indiquem assistentes técnicos na inicial e na contestação, e a previsão
no artigo 278, parágrafo 1º, do pedido contraposto.
Vale ainda lembrar que a Lei n. 10.444/2002 elevou para o patamar de sessenta
salários mínimos o critério valorativo para efeito de adoção do procedimento sumário (art.
275, inc. I) e modificou o artigo 280, para constar a admissibilidade da intervenção de
terceiros, fundada em contrato de seguro.
Quanto ao Juizado Especial, cabe recordar que antes mesmo da promulgação da
Constituição Federal de 1988, editou-se a Lei n. 7.244/84, que dispunha ser faculdade dos
Estados a criação dos Juizados de Pequenas Causas.
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 98, inciso I, fez a previsão de
criação dos Juizados Especiais, que foram instituídos com o objetivo precípuo de arrefecer
a denominada “litigiosidade contida”, ensejando a redução de conflitos que outrora não
chegavam a ser objeto de postulação judicial.
A Lei n. 9.099/95 apresenta 97 artigos, distribuídos em quatro capítulos
(Disposições gerais, Dos Juizados Especiais Cíveis, Dos Juizados Especiais Criminais e
Disposições finais comuns).
437 João Batista Lopes, Procedimento sumaríssimo passa a ser sumário, Repertório IOB de Jurisprudência:
civil processual penal e comercial, n. 6, p. 110, 2. quinz., mar. 1996.
223
O projeto elaborado pelo então Deputado Nelson Jobim implementou o capítulo
segundo e o projeto de lavra do Deputado Michel Temer deu origem ao capítulo terceiro da
Lei n. 9.099/95, seguindo, em regra, o que estava previsto na Lei n. 7.244/84, bem como a
Lei estadual n. 9.446/91 do Estado do Rio Grande do Sul.438
Frise-se ainda que, diferentemente do sistema da Lei n. 7.244/84, que estabelecia
ser facultativa a criação dos Juizados de Pequenas Causas, a Lei n. 9.099/95 determinou a
criação dos Juizados Especiais no prazo de seis meses a partir de sua vigência, ou seja, em
27.11.1995, nos termos do seu artigo 96.
Em 16.07.2001, houve a edição da Lei n. 10.259, dispondo sobre a instituição dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, com competência para
julgar causas, no âmbito cível, até o valor de sessenta salários mínimos, excetuadas as
relacionadas no seu artigo 3º.
Convém lembrar que tão logo houve a edição da Lei n. 9.099/95, especialmente
considerando a previsão do artigo 3º, inciso III, que incluiu na competência do Juizado
Especial as causas enumeradas no artigo 275, inciso II do Código de Processo Civil (ações
que tramitam no procedimento sumário pelo critério material), se discutiu sobre a
possibilidade ou não do autor optar pela adoção de um outro rito, ou se deveria fazê-lo
doravante perante aquele órgão especial do Poder Judiciário.
Prevaleceu a tese pela possibilidade de opção pelo autor, embora a Lei n. 9.099/95
não tenha reproduzido a regra do artigo 1º da Lei n. 7.244/85 que expressamente continha
tal faculdade.
A respeito, pertinente o magistério de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery:
“O autor pode, no regime jurídico da vigente LJE optar pelo ajuizamento da ação pelo regime do CPC ou pelo regime da LJE. A previsão constitucional do procedimento sumaríssimo perante os juizados especiais cíveis tem a finalidade de oferecer aos jurisdicionados mais
438 João Protásio Farias Domingues de Vargas, As inovações dos Juizados Especiais Cíveis na nova Lei
federal n. 9.099/95, em contraste com a Lei n. 9.446/91 do Rio Grande do Sul, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ano 3, n. 14, p. 28-30, 1995.
224
uma opção alternativa de acesso à ordem jurídica justa. Não teria sentido dizer-se que há facilitação de acesso à justiça, com a criação dos juizados, mas de utilização obrigatória, apenando-se, na verdade, a parte com o procedimento estreito previsto na LJE, quando isto não for de seu interesse. A possibilidade de o autor optar pelo procedimento comum, quando deveria utilizar-se de outro procedimento existe no direito processual civil brasileiro (v.g., CPC 292 § 2º). A LJE 3º § 3º também a possibilidade de opção, de modo que fica afastado o argumento de que seria vedado ao autor optar pelo procedimento do CPC, porque matéria de ordem pública. Interpretando-se sistematicamente a norma, não se pode dar à mesma situação jurídica material, prevista em dispositivos legais diferentes, interpretação diferente (...).”439
Não se pode perder de vista que, no âmbito do Juizado Especial, terá o autor de
um lado a adoção de um procedimento sumaríssimo, com a observação dos critérios da
oralidade, simplicidade, gratuidade, informalidade, simplicidade, economia processual e
busca da conciliação ou da transação, além do reconhecimento de sua capacidade
postulatória nas causas que não excedam vinte salários mínimos.
De outro, todavia, há limitações no plano recursal, que se restringirá à
interposição do recurso ordinário, embargos declaratórios e recurso extraordinário, não se
admitirá intervenção de terceiros, nem assistência, o juiz não estará obrigado a julgar com
base em princípio de legalidade estrita, e não se admitirá ação rescisória.
Assim, caberá ao autor, cotejando os vários aspectos, dentre outros, antes
arrolados, optar perante qual juízo pretende exercer o seu direito de ação.
Considerando que tanto no âmbito do procedimento sumário, por força do artigo
278, como na esfera do Juizado Especial Cível, face ao que prevêem os artigos 30 e 31, a
resposta do réu deverá ser apresentada em audiência, podendo ser escrita ou oral,
facultando-se a apresentação do pedido contraposto, far-se-á o exame da defesa passível de
argüição distinguindo seus principais pontos de divergência para, posteriormente, abordar a
formulação de pedido pelo réu, na própria contestação, em ambos os ritos.
439 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.520.
225
No caso do procedimento sumário, conforme leciona Barbosa Moreira440, a defesa
não sofre qualquer restrição quanto ao conteúdo, podendo o réu fazer quaisquer alegações
que entenda cabíveis, de natureza processual ou material, variando apenas a forma.
Com efeito, as possíveis alegações deverão ser formuladas por escrito ou
oralmente, na audiência de tentativa de conciliação, e a apresentação da resposta, instruída
com rol de testemunhas e documentos, bem como em se requerendo perícia, observará o
disposto no artigo 278, caput, aplicando-se a mesma sistemática em relação à impugnação
ao valor da causa, que não seguirá o procedimento do artigo 261.
Quanto às exceções rituais, não há previsão de como se dará o seu oferecimento,
observando o autor supra citado que não se exigirá, contudo, petição escrita, mas que
inexistindo disciplina própria, ter-se-ia a aplicação do quanto previsto no procedimento
ordinário, face ao que dispõe o artigo 272, parágrafo único.
Critica de toda forma a solução em se aplicar o rito previsto nos artigos 304 a 306,
não apenas pelas dificuldades práticas que poderão advir, mas porque se teria um fator de
retardamento inconciliável com o espírito que anima o Capítulo III do Título VIII do Livro
I, sendo preferível que o legislador houvesse regulado a matéria de forma expressa e com
mais simplicidade.
Relativamente ao Juizado Especial Cível, o artigo 30 prevê que a contestação
conterá toda a matéria de defesa, ressalvando-se as exceções rituais para alegação de
impedimento e suspeição, já que o próprio dispositivo remete ao processamento “na forma
da legislação em vigor”, pelo que se aplicam os artigos 304 a 306 e 312 a 314.
Pertinente realçar ainda que, diferentemente do sistema do Código de Processo
Civil, quando do acolhimento da alegação de incompetência, seja absoluta, em preliminar
de contestação (art. 300, inc. II) ou relativa (arts. 303 a 311), haverá a remessa dos autos ao
órgão competente e a decretação da nulidade dos atos decisórios (art. 113, § 2º), no âmbito
do Juizado Especial, culminando com a extinção do processo, conforme previsão do artigo
51, inciso III da Lei n. 9.099/95.
440 José Carlos Barbosa Moreira, Novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento, cit.,
p. 107-108.
226
4.2 O pedido contraposto – Procedimento sumário e na Lei n.
9.099/95 −−−− Requisitos para a sua admissibilidade
O artigo 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil estabelece a possibilidade
do réu formular pedido contraposto na contestação, desde que fundado nos mesmos fatos
referidos na inicial, o que é igualmente previsto no artigo 31 da Lei n. 9.099/95,
ressalvando-se que na segunda hipótese, a pretensão deve se conter nos limites do artigo 3º
dessa Lei.
Na doutrina, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery441, Athos Gusmão
Carneiro 442 , Gilson Delgado Miranda 443 , Arruda Alvim 444 e Cândido Dinamarco 445
consideram que, em função de ter sido permitido que nos referidos casos o réu possa
pleitear a obtenção de um bem da vida em seu favor na própria contestação, as ações no
procedimento sumário e perante o Juizado Especial passaram a ostentar natureza dúplice.
Parece-nos todavia que, exceto se tomado o conceito de ação dúplice no sentido
amplo, as referidas demandas não possuiriam tal natureza.
Nesse diapasão, nos reportamos à lições de Adroaldo Fabrício, Gabriel Rezende
Filho e Araken de Assis, antes examinadas, para realçar os principais aspectos das ações
dúplices.
Nelas inexistiria predeterminação de legitimações, sendo certo que qualquer dos
sujeitos da relação jurídico-material pode propor a mesma ação em face do outro.
É, nas ações dúplices, igual e recíproco o direito que às partes cabe promover,
definindo ao final a sentença a sua posição.
441 Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 665 e 1.536. 442 Athos Gusmão Carneiro, Do rito sumário na reforma do CPC: Lei n. 9.245, de 26-12-1995, 2. ed., São
Paulo: Saraiva,, 1997, p. 60. 443 Gilson Delgado Miranda, Procedimento sumário, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 176. 444 José Manoel de Arruda Alvim, Manual de direito processual civil: processo do conhecimento, cit., v. 2, p.
321. 445 Cândido Rangel Dianamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 721-772.
227
Ao se negar o direito material do autor pleiteado em juízo, se estaria
imediatamente reconhecendo a pretensão do adversário.
Qualquer das partes poderia promover o andamento do processo, já que poderiam
indistintamente ocupar a posição de autor ou de réu.
Ora, no caso do pedido contraposto, verifica-se que a sua admissibilidade não
decorreria propriamente da relação de direito material, nem tampouco se aplicaria a ele o
quanto foi supra mencionado, já que as posições de cada legitimado seriam previamente
definidas
Na realidade, considerando a celeridade e ampla concentração de atos processuais
almejadas no procedimento sumário e na Lei n. 9.099/95, permitiu-se que o réu deduza sua
pretensão à obtenção de um bem da vida, seu pedido mediato, na própria contestação, com
limites mais estreitos dos que os previstos para a reconvenção e sem a observância de seu
rito, que seria suscetível de causar embaraços aos fitos buscados.
Antonio Carlos Marcato, ao abordar as hipóteses que a lei abre para que o réu
possa vir a obter tutela jurisdicional ativa favorável, sem necessidade de valer-se da
reconvenção, distingue entre o pedido contraposto e as ações dúplices:
“É o que ocorre quando ele formula, na própria contestação, pedido contraposto ao do autor (demanda contrária ou demanda inversa), fundando-o nos mesmos fatos por este deduzidos à guisa de causa de pedir (CPC, art. 278, § 1º e Lei n. 9.099/95, art. 31) e, também, nas chamadas ações dúplices (v., supra, n. 167 16.6), nas quais autor e réu ocupam simultaneamente ambas as posições subjetivas na base da relação jurídica processual, podendo o último obter, independentemente de pedido expresso (mas sem prejuízo dele), o bem da vida disputado como conseqüência direta da rejeição do pedido do primeiro, como sucede, v.g. nas ações de prestação de contas (supra, n. 51) e de divisão e demarcação de terras(infra, n. 98).”446
Joel Dias Figueira Júnior447 igualmente diferencia as ações dúplices do pedido
contraposto.
446 Antonio Carlos Marcato, Procedimentos especiais, cit., p. 154. 447 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2006, p. 224-225.
228
Remonta à origem das ações dúplices nas actiones duplicia ou iudicia duplicia,
nas quais as partes apareciam, em certas demandas, simultaneamente como autoras e rés.
Assinala que a ação é dúplice, por natureza ou por força de lei, e “designa a
ampliação do objeto litigioso por intermédio de pretensão inversa em forma de contra-
ataque do réu, articulado na própria contestação”.
Quanto ao pedido contraposto, realça ser ainda mais limitado, se comparado com
a ação dúplice, tratando-se de pedido formulado pelo réu na própria peça contestatória,
restrito aos mesmos fatos em que se funda a pretensão do autor.
O pedido contraposto não teria, segundo o autor, a mesma autonomia da
reconvenção e seria duplamente limitado: “primeiro, deve estar adequado à competência
desses Juizados – por valor e matéria – nos termos do artigo 3º da Lei 9.099/95 (art. 3º da
Lei n. 10.259/2001); segundo, limita-se aos contornos delineados pelos fatos que
constituem o objeto da controvérsia (lide).”
Resulta assim que o pedido contraposto seria uma reconvenção limitada,
ressaltando o autor que a distinção entre uma e outra está no grau em que as matérias
podem ou não ser objeto de ampliação do espectro da lide.
Através da reconvenção, há a introdução no mesmo processo de uma nova lide,
que pode ter inclusive amplitude superior à proposta pelo autor, enquanto o pedido
contraposto possui seus limites estabelecidos pelo conflito de interesses deduzido pelo
adversário.
Cândido Dinamarco, após enfatizar que a opção legislativa pela possibilidade de
oferecimento do pedido contraposto é compatível com a índole do procedimento sumário e
que seus limites são mais estreitos que os da reconvenção, apresenta os pontos de
convergência entre os dois institutos:
“a) o pedido inicial e o contraposto são julgados em sentença única, repartindo-se esta em capítulos distintos (art. 318); b) a inadmissibilidade do julgamento do mérito em relação a um desses pedidos não implica a do outro nem extinção do processo, prosseguindo este pelo pedido remanescente (art. 317);
229
c) é interlocutória a decisão que exclui um dos pedidos e mantém o outro, com a conseqüência de comportar recurso de agravo e não de apelação (arts. 162, § 2º e 522); d) admite-se o pedido contraposto formulado por algum dos réus, não necessariamente todos, ou que não envolva todos os autores (analogia com a reconvenção restritiva); e) a admissibilidade do pedido contraposto é condicionada pela competência absoluta do juízo, mas pela territorial, não; f) admite-se o pedido contraposto ainda quando o réu não ofereça defesa em relação ao pedido do autor (...).”448
Lembre-se, ainda, que há duas espécies de pedidos contrapostos na Lei n.
9.099/95, a chamada contraposição originária e a ulterior.
A primeira espécie, prevista no artigo 17 da Lei n. 9.099/95, cuida da
admissibilidade de demandas simultâneas e contrapostas, formuladas reciprocamente pelos
litigantes, tratando-se de instituto que teve como base as lesões patrimoniais em acidentes
automobilísticos.449
As partes comparecem, formulando cada qual sua respectiva pretensão,
instaurando-se, desde logo, a sessão de conciliação, dispensando-se o registro prévio dos
pedidos e a citação.
Exige-se, para tanto, que exista conexão objetiva entre os pedidos, a fim de que se
permita a existência da conciliação e de instrução única, além da legitimidade e capacidade
processual para figurar como autores perante o Juizado Especial, nos termos dos artigos 8º,
parágrafo 1º da Lei n. 9.099/95 e 6º, inciso I da Lei n. 10.259/2001.
A hipótese da contraposição ulterior está prevista, como dito, nos artigos 31 da
Lei n. 9099/95 e 278, parágrafo 1º do Código de Processo Civil, que ocorre quando o réu,
já integrado à relação processual, após sua citação, pode, com fulcro nos mesmos fatos
aduzidos na inicial pelo autor, formular pedido em face desse.
Para Calmon de Passos, a distinção entre ação dúplice, pedido contraposto e
reconvenção seria o que chama de “verbalismo” jurídico. Ele manifesta sua falta de
448 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 722-723. 449 Conforme Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 792.
230
simpatia pela “ginástica” feita para distinguir tais institutos, posicionando-se da seguinte
forma sobre o tema:
“No nosso modo primário de entender as coisas, quando o autor pede a procedência, o réu deve pedir a improcedência. Pouco importa os fundamentos que invoque para obter essa improcedência. Sua defesa pode ser direta ou indireta de mérito, mas o objeto que ele persegue é pura e simplesmente descartar-se da pretensão do autor. Outra coisa é o réu, valendo-se do processo do autor, e por um princípio de economia processual, estando autorizado por lei, além da improcedência, também formalizar uma demanda contra o autor, mas demanda que tem uma tramitação e um procedimento peculiares, dada essa conjuminação à pretensão do autor. Poderia ser uma demanda conjuminada procedimentalmente ao autor. (...) Tirou-se o nome reconvenção mas reconvenção será, entendido o termo reconvenção para além do estritamente formal. Ou se o nome ofende, é contra-ataque do réu ao autor, formalizando demanda conexa à do autor e com repercussão qualitativa ou quantitativa no tocante a ela.”450
Questão igualmente relevante é o cabimento ou não da aplicação do artigo 317 do
Código de Processo Civil, que trata da autonomia da reconvenção em relação ao pedido
contraposto.
Cabe consignar que dois argumentos poderiam objetar a aplicação do artigo 317
do Código de Processo Civil ao pedido contraposto. Primeiro, que o pedido contraposto,
diferentemente da reconvenção, não é oferecido em peça autônoma, diversa da
contestação. Além disso, o fato de não existir previsão de autonomia do pedido
contraposto.
Não obstante tais circunstâncias entendemos que caso a eventual desistência da
ação pudesse levar ao mesmo efeito em relação ao pedido contraposto, seria facilmente
possível ao autor burlar a regra do artigo 267, inciso VIII e parágrafo 4º do Código de
Processo Civil, especialmente quando o demandante, em função do risco iminente de perda
da demanda, tomasse a iniciativa de com um ato seu fulminar a pretensão do réu.
450 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 140-141.
231
Entendemos ser mais coerente com a instrumentalidade do processo e a economia
processual considerar que a inviabilidade do julgamento de mérito em relação ao pedido do
autor ou o feito pelo réu na contestação não deve conduzir à extinção do outro.451
Pertinente, ademais, observar que das três possibilidades que se apresentam, para
efeito de conexão para o oferecimento da reconvenção (conexão com o pedido, a causa de
pedir e o fundamento da defesa), apenas uma delas autoriza o pedido contraposto.
Se para a reconvenção com fulcro na causa de pedir admite-se o seu oferecimento
mesmo que exista apenas parcial identidade de títulos, para o pedido contraposto teria o
legislador restringido a sua admissibilidade a um dos elementos da causa petendi, ou seja,
aos fatos.
O artigo 282, inciso III do Código de Processo Civil, que serve de base para a
conclusão de que se teria no Brasil adotado a chamada teoria da substanciação quanto à
causa de pedir, exige que sejam indicados os fundamentos fáticos e jurídicos que embasem
a pretensão do autor.
No Código de Processo Civil português, pode-se distinguir, com fulcro no artigo
264º, entre os fatos essenciais ou principais, instrumentais e os complementares ou
concretizadores.
Conforme leciona Miguel Teixeira de Souza452, eles poderiam se distinguir da
seguinte forma:
Essenciais ou principais são os que integram a causa de pedir ou o fundamento da
exceção e que se ausentes levam à inviabilidade da ação ou da exceção.
Instrumentais são os que indicam os fatos essenciais e que podem ser utilizados
para prova indiciária deles.
451 Nesse sentido: “PROCEDIMENTO SUMÁRIO – Ação principal – Extinção do processo sem apreciação
do mérito – Fato que não implica na extinção do pedido contraposto feito pelo réu, diante do caráter dúplice das demandas.” (RT 786/317:)
452 Miguel Teixeira de Sousa, Aspectos do novo processo civil português. Revista de Processo, São Paulo, v. 22, n. 86, p. 178, abr./jun. 1997.
232
Concretizadores ou complementares são os que participam de uma causa de pedir
ou de uma exceção e que são indispensáveis à procedência do pedido, embora sua ausência
não leve à inviabilidade da ação ou da exceção.
Não obstante no Brasil não se façam as distinções supra aventadas, consideramos
que para efeito de pedido contraposto, a conexão exigida deve se referir aos fatos
essenciais, entendidos como aqueles que individuam a demanda e a distinguem, constituem
o direito afirmado na inicial, ensejando o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Cabe ressaltar a crítica que Calmon de Passos faz à redação do parágrafo 1º do
artigo 278, porquanto, segundo seu entendimento, não se propõe demanda com fulcro em
fatos, mas sim com fundamento em fato ou fatos que comportam tipificação como causa de
pedir, distinguindo-se entre fato-título (fundamento) e fato simples. Ele aborda ainda as
conseqüências que poderiam advir se aplicado o dispositivo em sua literalidade:
“O art. 315 diz que o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa (ver item 210). Será que o § 1º do art. 278 pretendeu dizer coisa diversa? Se nos submetemos à sua literalidade chegamos a um absurdo. Se o fato (título) que serviu de fundamento à pretensão do autor é verdadeiro, de duas uma: ou ele comporta a tipificação que lhe foi dada e a conseqüência formalizada no pedido, hipótese em que a ação será procedente, não se sabendo o que seria a reconvenção, salvo que o mesmo fato também fundamente pretensão em favor do réu, o que é, se possível, de ocorrência dificílima, o que torna o dispositivo matéria de museu, ou se o fato-título que serviu de fundamento à pretensão do autor não for verdadeiro, ele será não verdadeiro para o autor e réu, sendo impensável invoque o réu este fato para postular algo em seu favor, salvo a improcedência do pedido.”453
4.3 Revelia – Reconhecimento jurídico do pedido e pedido
contraposto
No segundo capítulo desta dissertação abordou-se a revelia e suas espécies, bem
como alguns dos seus efeitos.
453 José Joaquim Calmon de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 140.
233
Tanto no procedimento sumário, como na Lei n. 9.099/95, a contestação que
poderá conter o pedido contraposto deverá ser apresentada em forma escrita ou oral, na
própria audiência.
No procedimento sumário, por força do artigo 278, em se inviabilizando a
conciliação, deverá ser apresentada a resposta na primeira audiência.
Assim, a revelia decorrerá da ausência do réu ou de se representante com poderes
para transigir, mas também de seu comparecimento desacompanhado de advogado, já que
evidentemente não se lhe reconhece capacidade postulatória.
Trata-se, contudo, de presunção relativa, como se extrai do próprio artigo 277,
parágrafo 2º.454
Analisando a questão da revelia no procedimento sumário, Umberto Bara
Bresolin455 aponta que se o advogado comparecer à audiência desacompanhado do réu ou
de seu preposto e não ostentar poderes para transigir, não seria o caso de decretar a revelia.
Conforme o autor, com quem concordamos, o réu não permaneceu inerte, e se
constituiu advogado e compareceu à audiência, reagiu ao estímulo provocado pela citação.
A ausência de poderes da cláusula ad judicia et extra para transigir apenas
tornaria impossível a conciliação.
Considerando ademais que a revelia seria incompatível com um comportamento
ativo do réu, ainda que não exteriorizado através da apresentação da contestação, conforme
o autor citado, não seria o caso de decretá-la, se o réu assim ofereceu resposta escrita antes
da audiência, protocolando-a em cartório, mesmo que ele e o patrono não comparecem a
454 Cândido Rangel Dinamarco, não obstante a redação do artigo 277, parágrafo 2º, entende que sua redação
peca por vincular a revelia à ausência do réu, quando é a do advogado que acarreta a falta de resposta, entendendo, assim, que como a parte só tem o ônus de comparecer quando intimada para prestar depoimento pessoal, a conseqüência da falta será a confissão (Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 724).
455 Umberto Bara Bresolin, Revelia e seus efeitos, cit., p. 91-92.
234
ela; nem se o réu comparecer para oferecer resposta escrita assinada por seu advogado,
ainda que esse não vá à audiência.
No âmbito do Juizado Especial Cível, o artigo 20 da Lei n. 9.099/95 pode levar à
conclusão de que a ausência do réu à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e
julgamento levaria à revelia, ainda que esteja representado no ato processual por
procurador habilitado, a quem se tenha outorgado mandato, inclusive para transigir e
praticar outros que exijam a cláusula ad judicia et extra (art. 38 do CPC).
Com efeito, o artigo 20 estabelece que não comparecendo o demandado à sessão
de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, serão reputados como verdadeiros
os fatos alegados na petição inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do juiz,
enquanto o artigo 9º da Lei n. 9.099/95 prevê que as partes serão assistidas e não
representadas por advogados.
Preferimos, no caso em tela, como Joel Dias Figueira Júnior456 e Nelson Nery
Junior e Rosa Maria de Andrade Nery 457 entender que o móvel da Lei n. 9.099/95 ao aludir
à presença do demandado no artigo 20 foi incentivar a aproximação entre os litigantes e a
eventual obtenção da conciliação, que constitui um dos princípios do Juizado Especial
Cível (art. 2º).
O reconhecimento de tal finalidade não poderia, contudo, ir a ponto de justificar a
decretação da revelia quando presente patrono à audiência com poderes inclusive para
transigir, já que se assim fosse, haveria afronta a outros princípios albergados na Lei n.
9.099/95, como a informalidade, simplicidade, celeridade e economia processual.
Caso o réu não apresente na contestação defesas processuais ou de mérito, mas
formule pedido contraposto, não será revel, já que não se manteve inerte.
Vale para a hipótese o quanto foi mencionado para a reconvenção, ou seja, não
caberá eventual presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial se o pedido
456 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, cit., p. 232-233. 457 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1533.
235
contraposto tornar controversos aqueles indicados pelo autor ou for com eles
incompatíveis.
Em sendo ré a Fazenda Pública, hipótese possível, em se tratando da Lei n.
10.259/2001, seria aplicável o artigo 320, inciso II, que afasta a possibilidade de presunção
de veracidade dos fatos alegados pelo autor, quando a lide verse sobre direitos
indisponíveis.
Faz-se mister ainda assinalar que formulado o pedido contraposto, o Código de
Processo Civil nada dispõe sobre eventual prazo para manifestação do autor, parecendo-
nos, todavia, que pela similitude entre os institutos, deve ser aplicado o previsto no artigo
31 da Lei n. 9.099/95.
Assim, poderá o autor responder ao pedido na própria audiência, requerer a
designação de nova data, que será fixada desde logo pelo juiz, para se manifestar acerca da
pretensão do réu.
O prazo estabelecido pelo juiz não poderá ser, contudo, superior ao previsto nos
artigos 326 e 327 do Código de Processo Civil, ou seja, dez dias.
Poderá ainda o autor reportar-se aos termos de sua petição inicial, se o cotejo
entre os fatos nela alegados e os versados na contestação do réu mostrarem que há
controvérsia ou incompatibilidade entre eles.
Entendemos, tal como mencionado em relação à reconvenção, que o silêncio do
autor sobre o pedido contraposto formulado pelo réu não levará à presunção de veracidade,
se de qualquer modo existir incompatibilidade ou controvérsia entre os fatos alegados pelo
demandante na inicial e os que constem da pretensão do réu.
O reconhecimento jurídico, na esteira do que foi afirmado em relação à
reconvenção, podendo ser parcial, não inibiria a formulação de pedido contraposto, caso se
possa reconhecer eventual independência e autonomia entre o que foi objeto de adesão
pelo réu e o que serviu de fundamento para a apresentação demanda contrária ou inversa.
236
4.4 Da admissibilidade ou não da reconvenção em ações que
admitem pedido contraposto
Como exposto, houve a previsão da formulação de pedido contraposto pelo réu
em ações que têm curso no procedimento sumário e no rito da Lei n. 9.099/95, com limites
mais estreitos dos que os estabelecidos para a reconvenção e mediante procedimento mais
simplificado.
A conexão admitida somente pode ter como base os fatos referidos na peça inicial,
inexistindo previsão de intimação do autor, na pessoa de seu advogado, para contestação
em quinze dias, como determinado no artigo 316 do Código de Processo Civil.
Em função das referidas limitações, se mostra coerente com a própria finalidade
que inspirou a admissibilidade do pedido contraposto que nas demandas no procedimento
sumário e no rito da Lei n. 9.099/95 se negue a possibilidade de ampliações subjetivas do
litígio, ou se tolere a formulação de pedidos contrapostos sucessivos.
Embora tenhamos nos manifestado favoravelmente à reconvenção ampliativa do
ponto de vista subjetivo e à sucessiva, fizemos referência às posições contrárias a tais
faculdades.
Temos para nós que com relação ao pedido contraposto, elas são válidas, já que o
legislador estabeleceu, como dito, seus contornos, limitando-os comparativamente com a
reconvenção, em função dos procedimentos (sumário e sumaríssimo, da Lei n. 9.099/95)
onde os concebeu.
A previsão do pedido contraposto afasta, destarte, a admissibilidade da
reconvenção.
Poderia, de toda forma, se questionar, caso o réu venha, no procedimento sumário
ou na ação que tenha curso na Lei n. 9.099/95, a oferecer reconvenção, qual seria a atitude
a ser adotada pelo juiz, se ele simplesmente a indeferiria, ou se admitiria sua substituição
pelo pedido contraposto, se presentes seus requisitos.
237
Consideramos que subsiste razão a Cândido Dinamarco, que preconiza o não
indeferimento puro e simples da reconvenção, com fulcro no princípio da
instrumentalidade. Afirma o autor sobre o tema ora versado:
“Mas, como é regra a ser observada em todas as ações dúplices, a reconvenção ofertada no procedimento sumário não deve ser pura e simplesmente indeferida. Seu formalismo é muito maior que o do simples pedido contraposto e dessa mera irregularidade formal não decorre prejuízo para o adversário (arts. 244, 294, § 1º e 250); basta que o juiz trate a reconvenção, quando eventualmente deduzida no procedimento sumário, como mero pedido contraposto.”458
Há inclusive precedente, no âmbito das decisões judiciais, permitindo que assim
se proceda, com fulcro no princípio da instrumentalidade das formas.459
Ressalvamos que a possibilidade supra aventada apenas poderia estar presente se
a reconvenção não tiver sido oferecida com fulcro na conexão com o pedido ou com o
fundamento da defesa, porque, se assim for, não seria possível o aproveitamento do ato
processual praticado, uma vez que o pressuposto da vinculação com os fatos exigidos para
o pedido contraposto estaria ausente.
Não havendo conexão com os fatos, vale dizer, o próprio pedido contraposto deve
ser indeferido.460
Se, todavia, houver ocorrido a eventual conversão do procedimento sumário para
o ordinário (art. 277, §§ 4º e 5º do CPC), o pedido contraposto que tenha sido apresentado
deve ser admitido como reconvenção.461
458 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 722. 459 “Reconvenção – Ajuizamento no âmbito do rito sumário – Mero equívoco – Recebimento como pedido
contraposto – Admissibilidade – Princípio da instrumentalidade das formas – Artigo 244 do Código de Processso Civil – Aplicação – Recurso não provido.” (TJSP – Apelação Cível n. 714.020-0/0/São Paulo, 26ª Câmara de Direito Privado, rel. Andreatta Rizzo, j. 26.09.2005, v.u.).
460 “Condomínio – Despesas condominiais – Pedido contraposto – Pretensão que deve derivar dos mesmos fatos da petição inicial – Inocorrência, pois o que busca é a redução de sua participação em rateio – Alegação que não ilide o fato constitutivo do autor e a legitimidade da cobrança, fundada no inadimplemento da apelante – Cobrança procedente – Recurso desprovido.” (TJSP – Apelação n. 909771-0/5/São Paulo, 35ª Câmara de Direito Privado, rel. Artur Marques, j. 12.12.2005, v.u.)
461 “Procedimento Sumário – Alteração para ordinário, depois de oferecida a contestação e pedido contraposto – Admissibilidade, feita a conversão, de o pedido contraposto vir entendido como reconvenção – Apresentação em seguida à contestação – Mera irregularidade – Inteligência do artigo 299 do Código de Processo Civil – Recurso provido.” (TJSP – Agravo de instrumento n. 57.782-4/São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, rel. Octávio Helene, j. 13.11.1997, v.u.).
238
4.5 Pedido contraposto formulado em face de quem possua
dezoito anos de idade ou por pessoa jurídica no âmbito da Lei n.
9.099/95
Em função do artigo 8º, parágrafos 1º e 2º da Lei n. 9.099/95, podem-se discutir
duas questões que envolvem a possibilidade de pedido contraposto em face de quem
possua dezoito anos de idade ou por pessoa jurídica.462
A respeito do tema, Juliana Demarchi sustenta que as expressões constantes dos
parágrafos do artigo 8º da Lei n. 9.099/95 devem ser entendidas como restritivas da
propositura de demanda inicial, razão pela qual “apenas as pessoas físicas podem tomar a
iniciativa de movimentar o aparato judiciário, assim como o maior de dezoito anos será
admitido como parte nos juizados apenas se foi ele o primeiro a suscitar a prestação
jurisdicional.”463
Referida limitação não se aplicaria à propositura de demanda incidental,
asseverando a autora que a não admissibilidade da formulação de pedido contraposto
acarretaria maiores ônus àqueles a quem a lei quis acesso rápido e fácil ao Judiciário.
Além disso, reportando-se a magistério de Jorge Alberto Quadros de Carvalho
Silva, consigna que o fato de ser autor no Juizado Especial implica na submissão a todas as
conseqüências derivadas de tal opção, sejam elas positivas ou negativas, incluindo nelas o
ônus de responder a eventual pedido contraposto.
Na mesma esteira, Joel Dias Figueira Júnior464 observa que não se admitindo o
pedido contraposto por pessoa jurídica, significaria remetê-la às vias ordinárias.
462 Lei n. 9.099/95: “Artigo 8º - (...) § 1º - Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação
perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas. § 2º - O maior de dezoito anos poderá ser autor, independentemente de assistência, inclusive para fins de conciliação.”
463 Juliana Demarchi, Ações dúplices, pedido contraposto e reconvenção, Revista Gênesis de Direito Processual Civil, Curitiba, Gênesis, v. 5, n. 17, p. 531-541, jul./set. 2000. Disponível em: <www.jupodium.com.br./novo/arquivos/artigos/processo civil/acao duplice.pdf>. Acesso em: 24 fev. 2007.
464 Joel Dias Figueira Júnior, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, cit., p. 119-120.
239
Não obstante a conexão ou a continência entre as causas, uma em curso no
Juizado Especial Cível e a outra perante a Justiça Comum, não seria possível sua reunião,
face à diversidade de ritos e de competência, o que ensejaria o sobrestamento de um dos
processos.
Pondera, ademais, que se o juiz a quem fosse formulado pedido contraposto por
pessoa jurídica viesse remeter os autos à Justiça Comum, o autor estaria encontrando
limitação de acesso à jurisdição especializada, já que ficaria à mercê da iniciativa da ré o
deslocamento da competência.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery465 igualmente admitem a
formulação de pedido contraposto por pessoa jurídica, entendendo que a norma do artigo
9º, parágrafo 1º da Lei n. 9.099/95, que estabelece a possibilidade de assistência ao autor
desacompanhado de advogado se o réu for pessoa jurídica se compatibiliza com o artigo 31
da lei, e que onde essa não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo.
Os autores, após fazerem referência a vários enunciados e diversas decisões sobre
o tema, reportam-se ao quanto restou assentado no Fórum Permanente de Juízes
Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, no seu XII Encontro
Nacional, em novembro de 2002, quando se firmou a tese da admissibilidade do pedido
contraposto por ré pessoa jurídica (Enunciado n. 31).
Ressalve-se, todavia, a posição de Cândido Dinamarco, para quem só se admite o
pedido contraposto ulterior, quando deduzido por pessoa física, microempresa ou empresa
de pequeno porte, porque “deduzir pedido contraposto é pôr-se como autor e só essas
pessoas podem figurar como autoras nos processos dos juizados. Logo, nos juizados
federais os pedidos contrapostos não são admissíveis.”466
Entendemos que efetivamente subsiste razão àqueles que proclamam ser possível
a formulação de pedido contraposto por pessoa jurídica, no âmbito do Juizado Especial, o
que decorreria de uma interpretação sistemática da Lei n. 9.099/95.
465 Nelson Nery Junior; Rosa Maria de Andrade Nery, Código de Processo Civil comentado e legislação
extravagante, cit., p. 1.536-1.537. 466 Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil, cit., v. 3, p. 802-803.
240
Atentaria efetivamente contra os princípios e as finalidades da Lei n. 9.099/95
sujeitar a pessoa jurídica que pretenda formular pedido contraposto à propositura de ação
autônoma, correndo-se o risco de decisões contraditórias, ou, ainda que não fosse assim,
diante dos óbices à reunião das demandas, constituiria fator a ensejar demora no deslinde
do litígio, o que não coaduna com o espírito dessa lei.
Quanto à regra do artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n. 9.099/95, que permite apenas
ao maior de dezoito anos ser autor, teria perdido relevância a discussão quanto à sua
extensão, diante da disposição do artigo 5º do Código Civil atual, que reduziu a maioridade
civil.
Com efeito, as pessoas com dezoito anos passaram a ser maiores, se encontrando,
assim, habilitadas à prática de todos os atos da vida civil, de tal sorte que poderão figurar
quer no pólo ativo, quer no pólo passivo da relação processual.
5 CONCLUSÕES
Não obstante tenhamos ao longo da dissertação procurado externar nossa posição
sobre os principais aspectos que envolvem as ações dúplices e o pedido contraposto,
apresentamos nossas conclusões, com o fito de deixar assentado os pontos que julgamos de
maior relevo em relação aos referidos institutos, a saber:
1. No gênero das ações dúplices, verifica-se a inserção, pela doutrina, de hipóteses
que embora guardem pontos de convergência, apresentam outros que claramente se
diferenciam, de tal sorte que se mostra imprescindível distingui-los, evitando-se que no
citado conceito sejam abarcadas posições do réu que não guardem perfeita identidade
quanto aos seus pressupostos, poderes, finalidades e efeitos.
2. Em sentido estrito, seriam dúplices apenas as ações nas quais, por força da
relação de direito material estabelecida, inexista uma pré-legitimação, podendo qualquer
das partes figurar no processo como autor ou réu. A negativa do direito material postulado
por aquele que tomou a iniciativa de intentar a ação corresponderá à satisfação da
pretensão de direito material do adversário. Em havendo o reconhecimento da carência da
ação em relação ao autor, tal circunstância se estenderia ao réu. Se a legitimidade do réu
guarda direta relação com a do autor, nas ações dúplices, em sentido estrito, aludido nexo
se mostra ainda mais estreito. Qualquer das partes poderia praticar atos de movimentação
do processo, não cabendo, destarte, diante da inércia do autor, a mera aplicação do artigo
267, inciso III do Código de Processo Civil. Não obstante esse Estatuto Processual preveja,
em regra, para tais hipóteses, a formulação de pedido pelo réu, pode todavia dispensá-lo,
como no caso da ação de prestação de contas, considerada, em função disso,
intrinsicamente dúplice.
3. As ações dúplices em sentido lato seriam aquelas que, não em decorrência da
relação de direito material, mas por opção legislativa, se faculta ao réu, independentemente
de reconvenção, obter o bem da vida por ele pretendido através de formulação nesse
sentido na própria contestação, que deixa, portanto, de ser peça de mera resistência. Em
tais hipóteses, a mera negativa do direito material do autor não leva ao reconhecimento
daquele pleiteado pelo réu, nem a carência do promovente repercute diretamente na esfera
do réu. As ações de consignação em pagamento, possessórias, renovatórias de locação
242
empresarial e de desapropriação se inserem entre aquelas que apresentam tais
características. Por força de lei, algumas ações são dúplices em sentido lato, porque o
legislador permitiu que o réu formule pedido na própria contestação, ou atenuou o
princípio dispositivo e da congruência. Fê-lo assim para admitir que o juiz possa prolatar
sentença sem a necessidade de exata correspondência com o pedido formulado pelo autor,
como na desapropriação, ensejando a fixação de indenização acima do patamar proposto
pelo expropriante, sem que se possa falar em sentença ultra ou extra petita. Referida
possibilidade se justificaria a partir dos contornos constitucionais do instituto da
desapropriação albergados pela Magna Carta de 1988, que estabeleceu, como regra, a
obrigatoriedade da indenização prévia, justa e em dinheiro. No caso das ações de
alimentos, a admissibilidade de fixação de montante superior ao patamar pleiteado pelo
autor e a possibilidade de formulação de pedido à obtenção de bem da vida pelo réu na
própria contestação teriam seu fulcro na própria peculiaridade da prestação objeto da lide,
na informalidade e celeridade buscadas no procedimento sumário adotado.
4. O fato de ser a ação dúplice, em sentido estrito ou lato, por natureza ou por
força da lei, não descarta por si a possibilidade do oferecimento da reconvenção. Há
hipóteses nas quais o legislador estabelece previamente as matérias que podem ser
deduzidas pelo réu, valendo-se do seu caráter dúplice, que portanto possuem um alcance
limitado, como nos casos das ações de consignação em pagamento e as possessórias.
Entendemos que não havendo incompatibilidade procedimental entre a ação em curso e a
demanda a ser intentada pela via reconvencional, nada impede que o réu a ofereça, desde
que se cuide de matéria que não se insira no objeto da duplicidade. Quando, todavia, o
caráter dúplice da demanda possuir um elastério ou amplitude maior, não seria admissível
a reconvenção, como no caso da ação renovatória de locação empresarial, hipótese na qual
o legislador previu um amplo campo de pleitos que podem ser formulados pelo réu na
contestação. Se a cognição judicial é adrede estabelecida de forma restrita pela lei, que
limitou, no plano vertical, o quanto pode ser deduzido e apreciado pelo órgão judicial,
como na hipótese da desapropriação, se revelaria inadmissível a reconvenção, porquanto,
ao permitir seu oferecimento, se contrariaria a finalidade e a natureza do processo
concebidas pelo legislador. Nas ações de alimentos, abdicando-se do excesso de
formalismo, com fulcro na instrumentalidade e sopesando os bens jurídicos em disputa,
permite-se que eventual pedido de exoneração possa ser formulado tanto por via de
exceção como através de reconvenção, tendo como pressuposto, todavia, que as questões
243
fáticas e jurídicas estejam suficientemente demonstradas nos autos. Nas ações de prestação
de contas, consideramos possível a reconvenção, desde que ela não tenha por fito o pedido
de condenação do adversário ao pagamento do saldo, já que para esse fim, a ação é
dúplice. A reconvenção seria admissível quando se tratar de ação proposta para exigir
contas na primeira fase do processo, já que na segunda etapa, a cognição está voltada ao
exame das contas e à apuração de eventual saldo.
5. Nos casos das ações dúplices que não prescindam da formulação de pedido pelo
réu para a obtenção do bem jurídico por ele almejado, seria aplicável o artigo 284 do
Código de Processo Civil, no que se refere à parte da contestação onde se deduza
pretensão, autorizando-se, assim, eventuais emendas ou correções, não se observando os
rigores do artigo 303 desse diploma legal.
6. Em relação a essas ações, tem plena aplicação o princípio da eventualidade, já
que em sentido amplo, se aplica não apenas à contestação, enquanto forma de resistência
do réu, mas também à petição inicial e às demandas dúplices, o que se mostra justificável
em função do sistema preclusivo adotado pelo Código de Processo Civil, no que tange às
alegações que as partes podem deduzir nos autos. Destarte, nada obsta que o réu apresente
alegações na contestação (abarcando a sua eventual resistência e o pedido nela deduzido,
por força do caráter dúplice da ação) que se mostrem incompatíveis.
7. A revelia não constitui óbice à formulação de pedido por parte do réu nas ações
dúplices. Essa assertiva se funda no fato da revelia comportar diversas espécies, podendo
ser parcial, de tal sorte que deixando o réu de resistir ao pedido na contestação, não
haveria, em tese, impedimento a que formule pretensão a determinado bem da vida,
valendo-se do caráter dúplice da demanda. A revelia parcial não levaria à necessária
presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na peça vestibular, se os
fundamentos do pedido deduzido na ação dúplice forem incompatíveis com eles ou os
tornarem controversos.
8. O pedido contraposto não se confunde com as ações dúplices, já que seus
pressupostos são diversos. Na hipótese do pedido contraposto, a admissibilidade da
formulação de pedido à obtenção de determinado bem da vida na própria contestação não
se assenta na relação de direito material estabelecida entre as partes, mas tem como
244
fundamento a celeridade e ampla concentração buscadas nos procedimento sumário e no
Juizado Especial. Comparando a reconvenção e o pedido contraposto, nota-se que as
hipóteses de admissibilidade desse último são mais reduzidas, autorizando sua formulação
apenas quando houver conexão com os fatos que devem ser entendidos como principais ou
constitutivos do direito do autor. A reconvenção é mais ampla, já que a conexão pode ter
por base um vínculo mais tênue entre ela e a demanda originariamente intentada. No
âmbito da Lei n. 9.099/95, a limitação é ainda mais significativa, já que o artigo 31 apenas
o admite se o pedido formulado pelo réu se adequar aos limites das causas que possuem
curso nesse órgão do Poder Judiciário.
9. Em que pese não se possa invocar a fungibilidade entre o pedido contraposto e
a reconvenção, já que seus pressupostos não se confundem, deve-se, com supedâneo no
princípio da instrumentalidade, admitir como contra-ação eventual pleito reconvencional
formulado pelo réu, o que coadunaria com a visão moderna do processo civil, voltada à
efetividade e sem rigoroso apego ao formalismo. Considerando, todavia, que o pedido
contraposto é mais restrito, que seu procedimento é substancialmente simplificado, se
comparado com o da reconvenção, não se deve admitir que através dele se amplie
subjetivamente a lide, nem tampouco que o autor igualmente se contraponha ao réu, senão
simultaneamente, hipótese estabelecida no artigo 17 da Lei n. 9.099/95.
10. No que toca à eventual repercussão advinda ao pedido contraposto pela
desistência ou extinção da ação proposta pelo autor, não obstante se pudesse objetar que
ele é formulado na própria contestação e que não há previsão de sua autonomia, como o
legislador fez em relação à reconvenção, entendemos que deve haver seu prosseguimento,
ainda que o feito não tenha curso no que se refere à demanda principal. Consideramos que
tal posição é mais coerente com a visão instrumental do processo, tanto mais que, diante do
pedido contraposto que trouxesse virtual possibilidade de êxito por parte do réu, se
facilitaria, caso o entendimento oposto fosse acolhido, que o autor burlasse a regra do
artigo 267, incisos III e III do Código de Processo Civil.
11. Nas ações dúplices, no que se refere à iniciativa para a prática de atos
processuais, entendemos que cada autor e réu deve arcar com parte que lhe caiba, de
acordo com o interesse na sua realização, antecipando as despesas. Relativamente às regras
245
quanto ao ônus da prova, caberia sua atribuição a quem alegar o fato, já que as posições de
autor e réu se confundem.
12. É admissível que o réu pleiteie a tutela antecipada, quer nas ações dúplices,
quer no pedido contraposto, mas referida possibilidade está diretamente relacionada à
presença do interesse processual. Se a antecipação pleiteada pelo autor houver sido negada,
não seria admissível pedido em igual sentido pelo réu, porque lhe faltaria interesse
processual para tanto. Caso concedida a tutela antecipada ao autor, a via adequada para que
o réu impugne a decisão judicial desfavorável seria o manejo do agravo de instrumento.
Nada obsta, porém, que feitas as referidas ressalvas, o réu possa pleitear, na contestação
das ações dúplices e no pedido contraposto, a tutela antecipada, já que sua situação jurídica
se assemelharia à do autor que, formulando pedido de obtenção de determinado bem
jurídico, pode, preenchidos os requisitos legais, veicular pretensão à realização da tutela
pretendida ou de alguns de seus efeitos antes da prolação da sentença.
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