Upload
mjosele
View
39
Download
7
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
BENIVALDO JOS DE ARAJO JNIOR
As passivas na produo escrita de brasileiros
aprendizes de Espanhol como lngua estrangeira
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lngua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana do Departamento de Letras Modernas da
Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo
Orientadora: Profa. Dra. Neide T. Maia Gonzlez
So Paulo
2006
2
A Beni e Tet, meus pais.
3
AGRADECIMENTOS
A Neide T. Maia Gonzlez, que me guiou com sabedoria e segurana ao longo
deste trabalho.
A Maite Celada, pela inestimvel contribuio em sugestes e referncias
bibliogrficas.
A Adrin Fanjul e Claudia Jacobi, cujas sugestes foram relevantes para a
minha pesquisa.
Aos professores e alunos do Espaol en el Campus que possibilitaram a
implantao do Banco de Dados/EEC ou contriburam com esse projeto.
A Silvio Sato, amigo e companheiro, pela confiana e apoio.
4
RESUMO
As construes passivas no Portugus Brasileiro e no Espanhol apresentam
tanto tendncias comuns, quanto assimetrias. Este trabalho tem o propsito de
investigar os efeitos desse fenmeno na aquisio/aprendizagem de Espanhol
por estudantes brasileiros. Inicialmente, prope-se uma descrio das
construes passivas nas duas lnguas. Em seguida, faz-se uma anlise
contrastiva dessas construes no Portugus Brasileiro e no Espanhol.
Finalmente, investiga-se o comportamento das construes passivas
(sobretudo as perifrsticas e as lexicais) na produo escrita de brasileiros
aprendizes de Espanhol lngua estrangeira. Os resultados obtidos na anlise
dos corpora sugerem algumas hipteses sobre os fatores que possivelmente
influenciam a preferncia dos aprendizes por determinadas construes em
detrimento de outras.
Palavras-chave: construes passivas, anlise contrastiva, lingstica de
corpus, papis temticos, funes pragmticas.
5
RESUMEN
Las construcciones pasivas en Portugus Brasileo y en Espaol presentan
tanto tendencias comunes como asimetras. Este trabajo tiene el propsito de
investigar los efectos de dicho fenmeno sobre la adquisicin/aprendizaje de
Espaol por estudiantes brasileos. Inicialmente, se propone la descripcin de
las construcciones pasivas en ambas lenguas. En seguida, se hace un anlisis
contrastivo de dichas construcciones en Portugus Brasileo y en Espaol.
Finalmente, se investiga el comportamiento de las construcciones pasivas
(sobre todo las perifrsticas y lexicales) en la produccin escrita de estudiantes
brasileos de espaol lengua extranjera. Los resultados del anlisis de los
corpora sugieren algunas hiptesis sobre los factores que possiblemente
influyen en la preferencia de los aprendices por determinadas construcciones
en detrimento de otras.
Palavras clave: construcciones pasivas, anlisis contrastivo, lingstica de
corpus, papeles temticos, funciones pragmticas.
6
ABSTRACT
Passive constructions in Brazilian Portuguese and Spanish present both
common tendencies and assimetries. The aim of this project is to investigate
the effects of such phenomenon on Spanish acquisition/learning process by
brazilian students. Initially, a description of passive constructions is proposed
for both languages. After that, a contrastive analysis is made of those
constructions in Brazilian Portuguese and Spanish. Finally, the behavior of
passive constructions is analyzed in the written production of brazilian students
who learn Spanish as a foreign language. Results from corpora analysis
suggest some hypotheses on the factors which possibly influence learners
choices for certain constructions to the detriment of others.
Keywords: passive constructions, contrastive analysis, corpus linguistics,
thematic roles, pragmatic functions.
7
SUMRIO
INTRODUO ..................................................................................... 009
OBJETIVO DO TRABALHO ................................................................. 013
CAPTULO I As passivas no Espanhol e no PB ..................................................... 014 I.1. Consideraes preliminares ........................................................... 014
I.2. Acerca das passivas no Espanhol .................................................. 018
I.3. Acerca das passivas no PB ............................................................ 032
I.4. As passivas no PB e no Espanhol: anlise contrastiva .................. 042
I.4.1. Sobre a proposta de anlise ................................................ 042
I.4.2. As construes predominantes no PB e no Espanhol .......... 042
I.4.3. A presena vs. ausncia de agente na estrutura ................. 044
I.4.4. Paciente [+humano] vs. [-humano] ....................................... 049
I.4.5. Carter temtico/ remtico do paciente ................................ 050
I.4.6. Funo das construes passivas ........................................ 053
I.4.7. Consideraes finais .............................................................. 055
CAPTULO II Os corpora ............................................................................................ 057 II.1. Corpus preliminar ............................................................................ 057
II.2. Dados EEC ..................................................................................... 059
II.2.1. Os informantes ..................................................................... 059
II.2.2. As produes ....................................................................... 061
II.3. Levantamento das FVP nos corpora ................................................ 063
II.4. Os padres esperados nos corpora ................................................ 068
CAPTULO III Os resultados ...................................................................................... 071
8
III.1. Os resultados obtidos e seus padres de incidncia .................... 071
III.2. Classificao e inventrio das FVP nos corpora ........................... 073
III.3. Anlise das FVP de particpio ..................................................... 077
III.3.1. O agente ............................................................................. 077
III.3.1.1. PRESENA vs. AUSNCIA .................................... 077
III.3.1.2. AGENTE [+humano] vs. [-humano] ......................... 080
III.3.2. O paciente .......................................................................... 082
III.3.2.1. PACIENTE [+humano] vs. [-humano] ..................... 082
III.3.2.2. PACIENTE TEMA vs. REMA ................................. 084
III.3.3. A funo das FVP .............................................................. 085
CAPTULO IV Anlise dos resultados ...................................................................... 087 IV.1. Sobre o carter marcado das FVP ............................................... 087
IV.2. Sobre a preferncia dos aprendizes ............................................ 088
IV.2.1. A ordem SV na produo dos aprendizes .......................... 089
IV.2.2. A questo pronominal ......................................................... 092
IV.2.3. A nominalizao ................................................................. 098
CONCLUSES ..................................................................................... 100
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 105 Referncias bibliogrficas ...................................................................... 105
Bibliografia geral .................................................................................... 108
Livros didticos e paradidticos consultados ......................................... 110
ANEXOS ................................................................................................ 112 CORPORA ............................................................................................. 150 Corpus C1 .............................................................................................. 151
Corpus C2 .............................................................................................. 157
9
INTRODUO
A minha curiosidade acerca das estruturas passivas vem desde a poca
em que eu era aluno do (hoje) ensino mdio. Recordo que o tema aparecia nas
gramticas e nos livros didticos de lngua portuguesa dentro do item vozes
verbais, na seo dedicada morfologia do verbo. Tambm era usual que
fosse referido na sintaxe, ao tratar-se da orao e seus termos (dentre os
quais, o agente da passiva). Nos dois casos, a abordagem das passivas era
brevssima e pouco divergia da que hoje est presente em publicaes
similares disponveis no mercado brasileiro. Uma consulta a gramticas
(Bechara, 1976 e 1999, Cunha, 1990, Cunha & Cintra, 2001, Luft, 1996,
Sacconi, 1998, Andr, 1997), livros didticos para o ensino mdio (Neto &
Infante, 2004, Nicola & Infante, 2004) e para o ensino fundamental1 (Cereja &
Magalhes, 2004, Faraco & Moura, 2004) nos permite sintetizar, com
pouqussimas diferenas2, os seguintes dados sobre o assunto:
1. Em geral no se fala de estruturas passivas, e sim de voz passiva,
definindo-a como a forma verbal que indica que a pessoa/sujeito recebe a
ao verbal, sendo, portanto, seu paciente. Dessa maneira segundo esses manuais , a voz passiva surge em oposio voz ativa, na qual a pessoa/sujeito pratica a ao verbal, convertendo-se em seu agente.
2. A voz passiva classificada em dois tipos: passiva analtica (ou passiva
perifrstica, formada geralmente com verbo auxiliar ser + particpio) e
1 A referncia completa dessas publicaes est na Bibliografia (seo Livros didticos e paradidticos consultados). 2 A saber: Bechara (1976:105) diferencia a voz passiva (forma especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa recebe a ao: Ele foi visitado pelos amigos/ Alugam-se bicicletas) da passividade (fato de a pessoa receber a ao verbal, o qual tambm se pode expressar por verbos na forma ativa, porm de sentido passivo: Os criminosos recebem o merecido castigo). Luft (1996:177-8) cita construes passivas com outros auxiliares alm do verbo ser: Ele est/ anda/ vive cercado de amigos; Ele ficou rodeado de amigos; A mala ia/ vinha carregada pelo homem. Andr (1997:168) tambm d exemplos dessas construes e menciona a passiva de infinitivo: O imperador deu a mo a beijar; Que osso duro de roer!
10
passiva pronominal (com o pronome oblquo se, que no caso recebe a
denominao de pronome apassivador). Alm dessa diferena formal, os
comentrios adicionais feitos sobre tais variedades so que: a) a passiva
analtica pode apresentar o verbo em qualquer pessoa, ao passo que a
pronominal s se constri nas 3as pessoas; b) enquanto na passiva analtica
freqente a presena do agente, na passiva pronominal ele no aparece.
3. A voz passiva se constri com verbos transitivos diretos.
Nesse tipo de abordagem fica patente que a nfase que se d ao tema
recai sobre o aspecto formal, conforme bem o mostram os itens 2 e 3 acima.
De fato, os critrios sintticos presentes nesses itens so importantes para que
se reconhea uma estrutura passiva. Mas sero suficientes para a
compreenso do fenmeno? A definio dessas construes, no item 1, diz-
nos que no: nela esto os conceitos de agente e paciente, que no pertencem
sintaxe propriamente dita, mas semntica (semntica de casos, os papis
temticos, mesmo que no se chegue a falar propriamente dessa perspectiva
terico metodolgica). Tambm a referncia passividade como o receber a
ao verbal remete mais ao significado que forma. Da a necessidade de
tratar o tema a partir de ambas as perspectivas, a sinttica e a semntica, que
para vrios autores, entre eles Canado3, guardam uma relao estreita e
importante. Outra falha das abordagens da voz passiva encontradas nas
publicaes didticas o colar uma forma a um significado: pouco se levam
em conta as possibilidades de expressar contedos passivos por meio de
construes/ padres lingsticos distintos ao que se descreve no item 2. Em
suma, as abordagens da questo so bem pouco amparadas pelas pesquisas
lingsticas teoricamente fundamentadas e parecem repetir-se, em muitos
casos, sem maiores avanos na interpretao.
3 Em Canado (2000), ao discorrer sobre a teoria generalizada dos papis temticos que desenvolveu com Franchi, afirma a autora: (...) temos evidncias de que existem certas propriedades semnticas que so relevantes para a estruturao sinttica das lnguas, e insistir em um modelo onde o contedo semntico dos papis temticos levado em considerao no uma simples questo de gosto. Isso se deve existncia de alguns dados empricos que corroboram a necessidade para uma teoria gramatical de se distinguir semanticamente esses papis. Ou seja, se existem questes de natureza semntica, mais especificamente, questes envolvendo o contedo semntico dos papis temticos que restringem e/ou ordenam a estruturao sinttica das oraes, estas devem fazer parte de uma teoria gramatical.
11
Ainda sobre o enfoque formal, certo que este se reproduzia (e se
reproduz) tambm na escola: aprender as estruturas passivas transformava-se
em aprender a voz passiva tal como figurava nos livros didticos e em boa
parte das gramticas (sobretudo aquelas de cunho prescritivo). Bastava
dominar as poucas regras apresentadas e exercit-las por meio de tarefas
repetitivas, que consistiam em converter frases ativas em passivas e vice-
versa. Destacava-se, sobretudo, o processo, a transformao e os artifcios
que se usavam para passar de uma forma a outra. Na ocasio, duas questes
j me incomodavam: 1) Seriam essas formas equivalentes em sentido?; 2) Que
implicaes haveria em optar-se por uma ou outra construo?
Para concluir meu raciocnio, ressalto que essa tarefa mecnica de
transformar ativas em passivas (e o contrrio) acabava por adquirir o aspecto
de um jogo ou brincadeira, ao fim da qual muitos estudantes se perguntavam
que finalidade poderia ter. claro, tal aspecto ldico no seria problemtico
caso se passasse desse momento a uma reflexo sobre as formas da lngua,
como funcionam e que sentidos e valores cada uma delas comporta e assume
em cada circunstncia. No caso especfico das construes passivas, pensar,
por exemplo, nos efeitos obtidos ao enfatizar-se um sujeito paciente ou omitir-
se um agente.
Em 1998, durante o meu curso de graduao, estudei novamente as
passivas na lngua espanhola e de imediato as questes que mencionei
voltaram tona. Mas foi somente a partir do segundo semestre de 2002, como
monitor do Espaol en el Campus4, que comecei a observar como apareciam
as passivas nas produes escritas (em Espanhol) dos meus alunos. O que
mais me chamou a ateno nessas redaes foi a alta incidncia das passivas
perifrsticas e o baixo percentual de passivas pronominais, j apontado por
Gonzlez (1994). Os trabalhos que eu havia lido sobre as passivas no
Espanhol (em especial, Barrenechea & Manacorda de Rosetti, 1979)
apontavam exatamente o contrrio: que nessa lngua havia predileo pela
passiva com pronome. Igualmente, os estudos sobre as passivas no Portugus
4 Doravante EEC. Trata-se de um curso extracurricular de E/LE oferecido pela rea de Lngua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana DLM e mantido pelo Servio de Cultura e Extenso da USP/FFLCH.
12
Brasileiro (doravante PB) por exemplo, Duarte (1990) mostravam a preferncia dos falantes nativos pela passiva perifrstica. Portanto, pensando
na ocorrncia predominante das passivas perifrsticas na produo escrita em
Espanhol dos aprendizes brasileiros, identifiquei no fenmeno o que parecia
ser uma interferncia da lngua materna. Ento, s questes anteriores
somaram-se outras: 1) Que fatores explicariam essa possvel interferncia? 2)
As passivas no Espanhol e no PB tinham somente assimetrias5, ou tambm
apresentavam tendncias comuns? 3) A preferncia dessas lnguas por uma
forma de passiva podia ser tomada de maneira absoluta, ou havia outros
elementos a considerar (funes pragmticas, gneros textuais, etc.)?
No meu entender, as respostas a essas perguntas dependiam de um
estudo que partisse da investigao detalhada do funcionamento das passivas
no Espanhol e no PB, para, em seguida, abordar os fenmenos relacionados
s construes passivas na produo dos brasileiros em lngua espanhola. o
que busco fazer neste trabalho.
Na primeira parte do captulo I, sintetizo e comento alguns dos estudos
tericos dedicados s construes passivas, tanto no Espanhol quanto no PB.
Na segunda parte do captulo, utilizando parte desses estudos, fao uma
anlise contrastiva das passivas nas duas lnguas, na qual se discutem as
construes predominantes em cada uma delas, o estatuto terico e as
particularidades dos papis temticos envolvidos (Agente e Paciente), as
funes pragmticas (Tema e Rema) relevantes, assim como os usos das
estruturas passivas.
No captulo II, descrevo os corpora analisados na pesquisa, assim como
as ferramentas empregadas na obteno dos resultados.
No captulo III apresento esses resultados e os discuto no captulo
seguinte, lanando hipteses sobre os fenmenos que influem na produo de
construes passivas, em Espanhol, por aprendizes brasileiros de E/LE.
Finalmente, como apndice deste trabalho, incluo um CD ROM com os anexos
e os corpora utilizados.
5 A noo de assimetria foi utilizada em Gonzlez (1994), ao descrever o preenchimento vs. no preenchimento das posies argumentais de sujeito e objeto no Portugus Brasileiro e no Espanhol.
13
OBJETIVO DO TRABALHO
Mais que analisar como aparecem as estruturas passivas nas produes
em E/LE de aprendizes brasileiros, ou fazer um levantamento da freqncia de
uso de cada uma delas, meu propsito investigar que fenmenos lingsticos
levam esses aprendizes a escolher, dentre as possibilidades que a lngua
espanhola lhes oferece, determinadas construes passivas em detrimento de
outras.
Portanto, o objetivo do meu trabalho responder s seguintes questes:
Que assimetrias e tendncias comuns apresentam o PB e o Espanhol no que diz respeito s estruturas passivas?
A preferncia dessas lnguas por um tipo de construo passiva pode ser tomada de maneira absoluta, ou haveria outros elementos
a considerar (funes pragmticas, gneros textuais, etc.)?
H interferncia da lngua materna na produo em E/LE de aprendizes brasileiros?
Se houver, que fatores possivelmente explicariam essa interferncia?
14
CAPTULO I As passivas no Espanhol e no PB
I.1. Consideraes preliminares
Esta investigao tem como ponto de partida o estudo detalhado do
funcionamento do Espanhol e do PB com respeito s passivas. No meu
entender, esse aprofundamento tanto na lngua materna do aprendiz quanto na lngua estrangeira que ora ele estuda essencial para compreender o processo de aquisio/aprendizagem de uma lngua e intervir nele. preciso
reconhecer, entretanto, que apesar de a lngua materna influir de modo
inegvel nesse processo, conforme vm demonstrando diversos estudos nesse
campo, inclusive de bases epistemolgicas diferentes6, dele tambm
participam fatores de natureza social e afetiva os quais, por razes de brevidade, esto fora do escopo deste estudo.
Como fundamento do meu trabalho, tambm est a necessidade de
acrescentar novas reflexes, por mnimas que sejam, ao ensino e
aprendizagem de lnguas. Isso por reconhecer que, apesar das constantes
contribuies dos estudos lingsticos (em especial a lingstica do texto), as
aulas de lngua materna na escola ainda esto condicionadas a um enfoque
majoritariamente normativo (com poucas excees) o que inevitavelmente tem desdobramentos no ensino e aprendizagem de uma lngua estrangeira
6 O papel da lngua materna (LM) na aquisio/aprendizagem das lnguas segundas foi objeto de muita controvrsia anteriormente, porm hoje praticamente unnime o reconhecimento, por parte dos estudiosos, de que a LM desempenha um papel importante e um fator relevante embora no seja o nico nesse complexo processo; tanto os pesquisadores que trabalham numa linha gerativista que focalizam cognitivamente a aquisio da gramtica das lnguas segundas , quanto os que trabalham numa linha mais discursiva embasada na psicanlise , reconhecem, por distintas razes, que a LM crucial no processo. Entretanto, tal reconhecimento no ocorre no sentido em que a anlise contrastiva via o fenmeno: no primeiro dos modelos, a LM intermedeia o processo, quando no, para alguns, substitui a Gramtica Universal (GU); no segundo modelo, fala-se sobre o papel da LM na constituio simblica do aprendiz. Ainda no segundo modelo, fala-se da importncia da LM nos processos de inscrio do sujeito nas discursividades da lngua estrangeira que est aprendendo.
15
(L2)7. Basta citar o que pensam e fazem os professores de L2 quando a
questo que se lhes prope ter que tratar em classe um item gramatical:
mesmo que o docente demonstre considervel grau de reflexo sobre seu
objeto (a lngua) a partir de outras perspectivas que no o padro, na hora H o
que normalmente aflora na sua prtica o peso da tradio, ou seja, o
aprender/ser ensinado que converte a gramtica em algo ranoso, arbitrrio,
aborrecido, estrito e limitador. Esse modo de proceder corresponde a um
imaginrio de lngua, de gramtica, de ensino, que se reproduz na contramo
das ditas e apregoadas inovaes o que por vezes as converte em pura maquiagem nos materiais didticos e na fala do docente8. Quanto aos
aprendizes, habituados pouca reflexo sobre determinados usos lingsticos,
acabam incorporando-os indevidamente, no raro por meio do transporte de
estruturas da lngua materna para a lngua estrangeira que esto aprendendo.
voz comum a afirmao de que esse processo ser mais freqente se a L2
for o Espanhol, uma vez que a sua semelhana com o Portugus faz com que
o aprendiz alimente a iluso de uma comunicao sempre transparente e
inequvoca com os hispanofalantes. Mas preciso deixar claro que no se
trata aqui de uma hiptese contrastiva de primeira hora: estaramos
equivocados se pensssemos assim, j que a transferncia no se d de forma
simples, termo a termo. Felizmente, essa imagem do Espanhol e do PB como
lnguas simtricas ou seja, cujos elementos, estruturas e nveis tm
7 Adoto a forma abreviada L2 para designar a lngua estrangeira aprendida em situao formal, fora de um contexto natural. Por oposio, passo a designar a lngua materna atravs da forma L1. Isso no quer dizer que no estabelea uma clara diferena entre o que se pode entender por segunda lngua e lngua estrangeira, posto que as condies de aquisio/aprendizagem da primeira , em geral, muito diferente das condies em que se d o processo de aquisio/aprendizagem da segunda. Por outro lado, tambm tenho clara a diferena entre os processos de aquisio de segunda lngua, em situaes naturais e de imerso, daqueles de aprendizado formal, fora de contextos naturais em que a lngua aprendida a lngua de comunicao, situao no contemplada neste trabalho. 8 Para melhor ilustrar minha afirmao, transcrevo um fragmento da contracapa de Cereja & Magalhes (2004), obra destinada ao ensino fundamental: Rompendo com a tradicional abordagem gramatical, que se limitava ao horizonte da frase, o estudo volta-se essencialmente para o texto e o discurso. No o texto como pretexto para a mera classificao gramatical, mas como objeto e objetivo maior dos estudos lingsticos; o texto em sua dimenso discursiva, isto , inserido numa situao concreta de enunciao, servindo a determinado fim, mediando as interaes entre os interlocutores. Entretanto, o que esses autores dizem acerca das passivas nada acrescenta abordagem tradicional: no se levam em conta outros tipos de construes passivas, nem os papis temticos em jogo (Agente, Paciente) e muito menos as funes pragmticas (Tpico, Foco, Tema, Rema), to caras ao discurso.
16
correspondentes exatos de uma lngua para outra vem sendo suplantada por meio de inmeros trabalhos acadmicos, como o de Gonzlez (1994).
E agora passemos outra face da moeda: o modo como o tema em
questo as estruturas passivas aparece nos livros didticos, paradidticos e manuais de E/LE. Eu diria que, mais que aparecer, o tema
sistematicamente eludido em grande parte dessas publicaes9, algumas das quais so das mais adotadas em cursos de diversas naturezas: faz-se uma
breve descrio do fenmeno ( semelhana do Portugus, como voz passiva),
classifica-se a estrutura em passiva perifrstica (frase verbal pasiva ou pasiva con ser, formada com o auxiliar ser + particpio) e passiva pronominal (pasiva refleja ou pasiva con se, com o pronome oblquo se + verbo na 3 pessoa),
salienta-se o pouco uso da passiva perifrstica em Espanhol e o conseqente
predomnio da passiva pronominal e, finalmente, vm os exerccios
esquemticos de converso de uma forma na outra, conforme j comentei.
Existe, claro, a preocupao de diferenciar a passiva pronominal (refleja) das
estruturas impessoais, porm isso feito em geral unicamente com base na
forma10. O critrio semntico (fundamentado nos papis temticos Agente e
Paciente), de suma importncia na questo, passa nitidamente a um segundo
plano, assim como o carter passivo intrnseco s formas verbais (como em: la
sobrina padeca rema11) . No se problematiza o fato de existirem outros
possveis papis temticos alm dos de Agente e Paciente12 (na frase la polica
es temida por los manifestantes, o constituinte los manifestantes no um 9 Livros consultados: Planet@, de Cerrolaza et alii: Libro del alumno, vol. 1 (1998), 2 (1999), 3 (2000) e 4 (2000); Libro de referencia gramatical, vol. 1 (1998), 2 (1999), 3 (2000) e 4 (2000); Uso de la gramtica espaola, de Castro, vol. 1 (1996), 2 (1997) e 3 (1997); Claves del Espaol, de Domnguez e Bazo (1994) e Gramtica bsica del espaol, de Snchez e Sarmiento (2001) (para a referncia completa dessas publicaes, ver Bibliografia, seo Livros didticos e paradidticos consultados). necessrio dizer que selecionei apenas alguns manuais dentre os vrios disponveis no mercado brasileiro, e o critrio adotado foi a boa aceitao desses materiais nas nossas escolas. 10 Ressalto que o tratamento do tema varia muito entre um livro e outro. Snchez e Sarmiento (2001) dedicam dois comentrios brevssimos sobre as passivas, enquanto Domnguez e Bazo (1994) abordam a questo de forma mais distendida e com mais exemplos a nica obra, dentre as referidas neste item, que fala das passivas em termos de usos e funes. 11 Alarcos Llorach (1970: 125). 12 Essa nomenclatura acaba sendo a adotada em muitos estudos devido ao seu uso tradicional o peso da tradio, j mencionado neste item. Entretanto, h lingistas que propem classificaes mais abrangentes para os papis temticos: Canado (2003), por exemplo, define os papis temticos no como noes (Agente, Paciente, Experienciador, Instrumento, Fora, etc.) e sim como uma composio de propriedades (Desencadeador, Afetado, Estado e Controle) atribudas a um dado argumento a partir de acarretamentos estabelecidos por toda a proposio em que esse argumento se encontra.
17
Agente como seria esperado na frmula da passiva sinttica e sim um Experienciador), e tampouco a impossibilidade de se construir a passiva com verbos transitivos diretos13 em determinadas situaes (caso de: los rboles tienen hojas, *hojas son tenidas por los rboles). Em suma, nos materiais
didticos de que dispomos para ensinar/aprender Espanhol, pouco se fala dos
usos das construes passivas e dos diferentes sentidos que podem comportar
ditas formas. Levando em considerao as razes apresentadas, acredito que um
estudo acurado de como se comportam as construes passivas no PB e no
Espanhol , alm de elucidar questes referentes ao tema, poderia fornecer
subsdios para seu tratamento tanto nos materiais didticos quanto no ensino de E/LE de maneira menos simplista e mais estimuladora da reflexo. o que fao a seguir, apresentando como hipteses iniciais:
As passivas tanto no PB quanto no Espanhol so estruturas marcadas14, ou seja, os lusofalantes e os hispanofalantes preferem as
construes ativas.
As passivas no PB e no Espanhol apresentam tanto tendncias comuns, quanto assimetrias.
As passivas tanto no PB quanto no Espanhol se relacionam a determinados fenmenos sintticos (transitividade), semnticos
(papis temticos) e discursivos (funes pragmticas: Foco, Tpico,
Tema, Rema).
A incidncia/freqncia de construes passivas na produo em Espanhol dos estudantes brasileiros de E/LE reflete fenmenos
existentes na lngua materna desses aprendizes. 13 preciso esclarecer que, em Espanhol, com relao transitividade, os verbos so classificados apenas em transitivos e intransitivos, conforme a admisso ou no de um objeto direto. Nas palavras de Alarcos Llorach (1994: 280-81): La posibilidad o imposibilidad de que el verbo admita objeto directo ha sido el criterio de clasificacin de los verbos en transitivos e intransitivos. Cuando la actividad denotada por la raz verbal requiere la especificacin aportada por el sustantivo que funciona como objeto directo, se considera el verbo transitivo; en caso contrario, el verbo es intransitivo. 14 Conforme Crystal (1988: 168), de modo geral, a noo de marcado refere-se presena ou ausncia de um determinado trao lingstico. o caso, por exemplo, do trao formal marcando o plural dos substantivos e adjetivos do Portugus: o plural, portanto, marcado , enquanto que o singular no-marcado. Outras interpretaes da mesma noo so encontradas na literatura do assunto, onde o conceito de presena versus ausncia , todavia, no se aplica muito bem. Uma delas focaliza a freqncia da ocorrncia e define marcado como menos freqente; essa interpretao que adoto neste estudo.
18
I.2. Acerca das passivas no Espanhol
A ttulo introdutrio, farei aqui um breve apanhado de alguns estudos
realizados por gramticos e lingistas acerca das passivas tanto no PB como no Espanhol , com o qual pretendo representar (embora minimamente) a diversidade de perspectivas adotadas na anlise do assunto.
No Espanhol, a controvrsia comea na prpria caracterizao formal das
passivas:
1. Nebrija (apud Lenz, 1935: 112, citado por Fanjul, 1999: 148), afirma que
(...) el latn tiene tres voces: activa, verbo impersonal, pasiva; el castellano
no tiene sino solo la activa , ou seja, exclui da lngua espanhola a voz
passiva.
2. Segundo Bello (1984: 151), (...) las construcciones en que el verbo tiene un
complemento acusativo, se llaman activas. Si este complemento pasa a sujeto, y el participio que se deriva del mismo verbo invierte su significado y
concierta con el sujeto, la construccin es pasiva.
3. A partir de um enfoque lgico e psicolgico, Gili Gaya (1978: 121-22) afirma
que a relao lgica entre o sujeito e seu complemento no se modifica ao
mudar-se a forma gramatical (orao ativa ou passiva); o que se modifica
o ponto de vista do falante, ao escolher como sujeito o desencadeador ou o
afetado pela ao.
4. Para Alarcos Llorach (1970: 90), a voz passiva um accidente no sistema
verbal do Espanhol. Reconhece, porm, que o Espanhol pode expressar
contedos passivos, embora estes caream de forma lingstica
diferenciada na lngua (ibid.: 94). Mais adiante (1970: 127), afirma que o
valor ativo ou passivo que se identifica numa expresso no depende de
particulares relaes formais e gramaticais dentro da orao, e sim de
relaes lxicas. Como estructuras oracionales nos encontramos siempre
una sola: la de tipo atributivo (1970: 132).
5. Lzaro Carreter (1981: 61-72), embora elogie a anlise procedida por
Alarcos Llorach, discorda deste quanto indistino gramatical entre
19
atribuio e passividade. Segundo Lzaro Carreter, essa indistino vai de encontro conscincia idiomtica do falante-ouvinte, para o qual essas
entidades se diferenciam nitidamente. Afirma o lingista: Una gramtica
que no los trate como captulos separados, tiene que resultarle sospechosa
de error, y dudo de que le resulte convincente la explicacin de que el
anlisis tiene que prescindir del significado. En todo conflicto entre
formulacin gramatical y sentimiento espontneo de la lengua, es ste el
que, por principio, merece mayor confianza.
6. Em anlise formal detalhada, Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1969)
concluem que (...) la voz pasiva (en la construccin ser + participio) es, en
el sistema espaol, una categora gramatical por sus caractersticas
funcionales. Mais adiante, e segundo critrios semelhantes, demonstram
(ibid.: 93) a existncia da pasiva con se. No mesmo trabalho, as autoras criticam a definio da passiva por alguns gramticos (inclusive a RAE) a
partir de um (...) criterio psicolgico, atendiendo a las relaciones entre el
actor, el proceso y el objeto (ibid.: 72).
Lorenzo (1980: 17-20), por sua vez, d pouca importncia
caracterizao formal da voz passiva e prefere ressaltar o (...) rico y matizado
inventario de soluciones (ibid.: 19) de que dispe o Espanhol para construir
expresses de sentido passivo quando se quer designar uma ao sem agente explcito. A seguir transcrevemos as possibilidades que o autor cita
(ibid.: 20):
con verbo auxiliar: (1) El nio fue abandonado. (algum o abandonou)
(2) El nio qued abandonado.
(3) El nio estaba abandonado. (haba sido abandonado)
(4) El nio se vio abandonado./ El nio se sinti abandonado.
(conscincia do abandono; segundo o autor, isso excluiria uma
criana pequena)
(5) Los libros vienen/van acompaados de un apndice.; La venta
viene/ va condicionada al pago inmediato.
20
(6) Cinco hectreas fueron inundadas. (implica agente ou inteno);
Cinco hectreas resultaron/quedaron inundadas.
(7) Cinco viajeros resultaron/salieron malparados.
impersonal activa: (8) Al nio lo abandonaron./ Abandonaron al nio.
pasiva refleja: (9) Se inundaron cinco hectreas./ Se acompaan los libros de un
apndice.
pasiva inconclusa: (10) Van rescatadas cinco vctimas.
nominal: (11) La conquista de Roma. (Roma fue conquistada)
As construes com sentido passivo como (4) tambm so citadas por
Fernndez Ramrez (1986: 78). Os verbos que constituem essas perfrases
(verse, sentirse, hallarse, encontrarse, etc.) so chamados pelo lingista de
verbos de percepcin en forma reflexiva. A seguir, dou exemplos dessas
construes, recolhidos de Mendikoetxea (1999:1625):
(12) Los pisos ms bajos se vieron alcanzados por las llamas.
(13) Los vecinos se sintieron engaados por las autoridades.
(14) Toda la comarca se halla afectada por la sequa.
(15) Los edificios se encuentran daados por la sacudida.
Para Mendikoetxea (ibid.), as perfrases de particpio com
quedar/quedarse e resultar (ver (6) e (7)) enfatizam a condio ou estado de
algo como resultado de uma ao15. Ainda segundo a autora, as construes
com permanecer destacam no um resultado, porm uma condio ou estado
vigente:
(16) Permanecen cerrados los colgios16.
15 Nesse sentido, Mendikoetxea acrescenta que o uso de quedar tem um significado equivalente a estar em expresses do tipo queda cerrado, queda dicho, etc. 16 Este exemplo da autora, assim como os subseqentes (at o de nmero 28).
21
Mendikoetxea (ibid.) tambm considera com significado passivo as
construes de particpio absoluto nas quais o verbo transitivo17: (17) Leda el acta, comenz la reunin.
Concluindo seu repertrio, Mendikoetxea (ibid.) cita as construes de infinitivo com sentido passivo, subdividindo-as em trs variedades:
a) complemento de um verbo causativo com se (dejarse, hacerse), que
inclusive podem ter agente explcito:
(18) Pedro se dej engaar por su amigo.
(19) El orador se hizo entender por todo el mundo.
b) modificador de adjetivo (+ de), nas quais o agente no figura
explicitamente e interpretado de forma genrica:
(20) El problema es fcil de resolver.
(21) Su comportamiento es digno de notar.
c) modificador de nome (+ a), nas quais se permite a expresso do
agente:
(22) Una idea a considerar (por los compromisarios).
(23) Un proyecto a realizar (por un grupo de arquitectos).
Apesar das discordncias quanto existncia ou no de uma forma
prpria para as passivas em Espanhol, h convergncia no que diz respeito
freqncia de uso de tais estruturas: consenso, entre os gramticos e
lingistas que consultei, que a lngua espanhola tem uma marcada preferncia
pela passiva pronominal fato corroborado por diversos estudos quantitativos, como o realizado por Barrenechea & M. de Rosetti (1977) para a voz passiva
no Espanhol falado em Buenos Aires18 , e que o uso da passiva perifrstica 17 H casos, entretanto, nos quais seriam possveis duas interpretaes, como no exemplo da autora: Hundido el barco, el capitn abandon el lugar. Para esse enunciado, poderamos ter uma interpretao passiva (Una vez fue hundido el barco...) ou inacusativa (Una vez se hundi el barco [por s solo]...). 18 Considerando que j se passaram quase trs dcadas desde a publicao desse estudo, possvel que uma reavaliao do fenmeno aponte mudanas na freqncia de uso das passivas no Espanhol portenho. Igualmente, seria necessrio um estudo que tivesse em conta o aparecimento dessas construes em distintos gneros textuais, entre outras coisas.
22
relaciona-se a determinados efeitos de sentido e gneros especficos. Kovacci
(1977: 147), permanecendo no mbito da sintaxe, atribui passiva perifrstica
um valor expressivo que advm do interesse em destacar-se o sujeito paciente.
Domnguez & Basso (1994: 131) vo alm do afirmado por Kovacci,
especificando outros usos e funes das passivas: 1. Aunque el espaol tiene marcada preferencia por la construccin activa, se utiliza
la pasiva en los siguientes casos: a) cuando queremos destacar el sujeto paciente, b) cuando el sujeto agente es desconocido, o bien c) cuando ste ya es conocido y no hace falta identificarlo.
2. La pasiva con ser se utiliza preferentemente en el lenguaje escrito, sobre todo en el periodstico, y en relacin con tiempos verbales pasados. El sujeto agente suele mencionarse en estos casos (Ej.: Varios sospechosos han sido detenidos por la polica; La ley de presupuestos fue aprobada por el Parlamento).
Em estudos mais recentes, percebe-se a preocupao de estudar as
passivas no apenas do ponto de vista da sintaxe. Mendikoetxea (1999:1621),
por exemplo, considera que a possibilidade de formar construes passivas
perifrsticas relaciona-se mais com o lxico que com a transitividade: En realidad el hecho de que los verbos que aparecen en oraciones pasivas perifrsticas sean transitivos se sigue de su aspecto lxico: son verbos que expresan eventos o transiciones, es decir acciones que van de un sujeto nocional a un objeto externo a la accin del verbo. Por ejemplo, un verbo como construir en Los albailes construyeron esta casa expresa una accin del sujeto los albailes cuya culminacin lgica es la casa costruida. El verbo construir expresa un evento (realizacin) que es perfectivo y sintcticamente transitivo como consecuencia de su significado lxico.
Como reforo sua argumentao, Mendikoetxea (ibid.) cita exemplos de
construes transitivas cujos verbos possuem objetos cognados19 e, portanto,
no admitiriam a passiva perifrstica:
(24) Llorar el llanto de um nio. / *El llanto de un nio es llorado.
(25) Cantar canciones. / *Canciones son cantadas20.
19 Segundo a autora, esse tipo de complemento simplesmente uma continuao semntica do verbo. Campos (1999) tambm cita as denominaes objetos internos o objetos tautolgicos. A RAE (1973: 3.5.1c) d exemplos de complementos diretos extrados do prprio significado do verbo, identificando nestes um valor estilstico: Morir una muerte gloriosa; Dormir un sueo tranquilo; Vivir una vida miserable. 20 A autora faz uma ressalva com respeito a cantar: nos casos em que o objeto interno aparece determinado, no h restries passiva: Los invitados cantaron la cancin con mucha emocin. / La cancin fue cantada (por los invitados) con mucha emocin.
23
Mendikoetxea (ibid.) tambm destaca a proximidade entre as construes
passivas e as inacusativas, de um ponto de vista discursivo-funcional:
(26) Juan cerr las puertas. (transitiva)
(27) Las puertas se cerraron. (inacusativa)
(28) Las puertas han sido cerradas. (passiva)
Em (27) e (28)21, o objeto da construo transitiva o ponto de partida do resto do enunciado, a partir do qual se distribui a informao: o sujeito (funo sinttica), o paciente (funo semntica ou papel temtico) e o tema (funo pragmtica ou discursiva). O sujeito/agente/tema da construo
transitiva passa a uma posio secundria ou suprimido do enunciado22.
Fanjul (1999: 147), em seu trabalho sobre a verso PB-Espanhol, fala dos
efeitos de sentido que tem a passiva perifrstica de uma perspectiva discursiva,
vinculando-a a determinados gneros: La lengua espaola muestra una marcada preferencia por la pasiva con se. El uso de la pasiva perifrstica, que en portugus es tan habitual, en espaol se reduce a contextos muy especficos: titulares de diarios, poesa y otros, y suele tener un matiz dramtico que analizaremos ms adelante.
Mais adiante (ibid.: 150), amplia suas afirmaes e d exemplos: Violencia, tragedia, ruptura de una orden, suelen ser concomitantes con el uso de dicha estructura en espaol para referirse a seres humanos. (...) No casualmente, la pasiva perifrstica, a veces con elisin del verbo auxiliar, es una de las formas preferidas en los titulares y copetes de la prensa sensacionalista: Familia masacrada por ladrones, El cadver de la viuda fue encontrado en el incinerador y otros por el estilo, resuenan fcilmente en la memoria discursiva del hispanohablante y lo predisponen como receptor para determinados gneros.
Nos trabalhos mencionados a seguir23, a anlise das passivas est focada
em seus aspectos semnticos e pragmticos. o caso de Miones & Snchez
(1999) que, considerando a passiva perifrstica como uma estrutura com 21 Mendikoetxea (ibid.), embora enfatize a proximidade das duas construes quanto funo que desempenham, chama a ateno para as diferenas de significado entre ambas. O exemplo (27), em sua interpretao inacusativa, expressa na lngua uma ao que se produz de forma espontnea sem a interveno de um agente ou causa externa, independientemente de que en el mundo real sea posible atribuir uma causa concreta a la eventualidad que expresa la oracin. Por esse motivo, enunciados como (27) so compatveis com adjuntos do tipo [l/ella] solo/a/os/as, por s mismo/a/os/as, por s solo/a/os/as (Las puertas se cerraron por s solas) e incompatveis com adjuntos agentivos (*Las puertas se cerraron por el director). 22 Este processo denominado detematizao do agente. Ser retomado oportunamente, quando forem tratadas as funes das passivas. 23 Todos eles referentes ao Espanhol escrito. Fao um comentrio breve destes estudos na presente seo, uma vez que sero retomados mais detalhadamente em I.4.
24
significado e contextos24 de apario especficos no compartilhados com a ativa , realizam uma descrio sinttica dessa passiva que permite caracterizar seus referidos contextos. A hiptese das autoras de que a
apario das passivas perifrsticas se relaciona a determinadas caractersticas
dos sintagmas nominais (SN)25 envolvidos no processo verbal: Paciente (com
alto grau de afetao, alta referencialidade esquerda da estrutura e dotado de
trao [-humano]) e Agente (com persistncia direita, abrindo cadeia tpica e
possuidor dos traos [+humano] e [+vontade]). Miones (2000) estuda as
passivas perifrsticas sem Agente explcito, a partir dos contextos preferenciais
nos quais este elidido, e tambm com base em aspectos relacionados
tematizao do Paciente. Barbeito & Miones (2002) dedicam-se s passivas
pronominais (reflejas ou con se), interessadas sobretudo nas caractersticas do
Paciente nessas construes.
Focalizando os aspectos discursivos relacionados ao se, Serrani (1984)
estuda o funcionamento desse pronome em enunciados impessoais. Serrani,
nos quatro textos que analisa, preocupa-se com os enunciados nos quais o
agente no est exposto ao destinatrio, porm oculto ou, ao menos, parcialmente oculto pela generalizao que o se impessoal possibilita a nvel explcito. Para maior clareza, incluo os textos mencionados e um
comentrio breve das anlises da autora sobre cada um deles:
1) Texto A: fragmento de carta Buenos Aires Campinas (outubro/1982),
enviada autora por sua me. O referente geral desse fragmento a
mudana de colgio do irmo da destinatria: Termin la gran pesadilla: saqu a Marce del Liceo. Cuando me asegur del banco en el otro colegio, busqu a pap. Lo convenc. Fuimos los dos a solicitar el pase. Papi, serio durante todo el tiempo. l piensa que era bueno para el nene. No se le puede reprochar por el momento. Papi no se puede poner nervioso. [ibid.: 149-150; grifo da autora]
No fragmento em destaque, segundo Serrani (ibid.:151), o se possibilita
locutora uma generalizao apoiada no bom senso, cuja finalidade evitar qualquer reprimenda ou cobrana por parte da destinatria, sob pena de
agravar o estado de sade do seu pai. 24 Termo usado pelas autoras. 25 No original, FN: frase nominal.
25
2) Texto B: fragmento de uma cano do autor catalo Joan Manuel
Serrat, na qual se reproduzem expresses comuns do discurso cotidiano na
relao entre pais e filhos: Esos locos bajitos que se incorporan/ con los ojos abiertos de par en par, / sin respeto al horario ni a las costumbres,/ y a los que por su bien hay que domesticar, / Nio, deja ya de joder con la pelota./ (...)/ Nio, que eso no se dice, / que eso no se hace, / que eso no se toca. [ibid.: 152; grifos da autora]
Nas expresses sublinhadas, de acordo com a autora (ibid.:153), o locutor
evita coibir seu interlocutor de maneira direta, como autor explcito da
proibio: ele o faz por meio do uso de construes se-verbo, as quais
exprimem uma generalizao de costumes; e por serem esses costumes endossados pela sociedade, torna-se mais difcil para o interlocutor perguntar
o porqu, o motivo das proibies. Portanto, de uma perspectiva
argumentativa, Serrani (ibid.) considera que as construes eso no se dice, eso
no se hace e eso no se toca correspondem, em realidade, a: no digas eso, no
hagas eso e no toques eso.
3) Texto C: dilogo entre uma freguesa (F) e uma vendedora (V),
ocorrido numa loja de roupas de Buenos Aires (setembro/1982):
F: Buenos das. Busco un pantaln de pao azul, finito, de corte recto, sencillo... V: Ahora se usan stos. F: S, pero... V: Se llaman baggies. F: S, ya s, gracias. Pero yo quera de los ms angostos. V: (Sem olhar para a freguesa e fixando a vista nas calas baggies) No, no hay. Ahora se usan as. [ibid.: 153; grifos da autora]
Neste caso, o uso das construes se-verbo propiciam vendedora uma
generalizao fundamentada na moda. Para Serrani (ibid.: 154), ao argumentar explcita e categoricamente com base na uniformidade do vestir
(ahora se usan estos; ahora se usan as), a vendedora no se prope a uma
real interlocuo; ao contrrio, constitui-se como agente exclusivo, eliminando
qualquer possibilidade de resposta por parte da freguesa.
4) Texto D: fragmento de carta, cujas condies de produo coincidem
com as de A: Espero no tomes a mal lo que voy a escribir, pero que no hayas hecho (X) por no haber tenido dinero me preocup mucho. Que salgas, que disfrutes, te compres cosas y viajes est muy bien, pero que no tengas nada ahorrado est muy mal. La verdad
26
que me doli mucho. Creo que tenas otra escuela en casa. Hasta en los momentos ms crticos siempre pudimos responder porque si se gana 20, se guardan 5. [ibid.: 154; grifos meus]
Para Serrani (ibid.: 154), a indeterminao do sujeito nas expresses com
se no absoluta, e tem sua extenso semntica delimitada pelo prprio
contexto lingstico: a circunstncia de lugar en casa e a desinncia verbal em
pudimos restringem o hbito famlia da autora da carta. A construo com
se, segundo Serrani (ibid.), funciona dando um tom proverbial ao discurso, porque o costume apresentado como modelo de conduta: caso a destinatria faa uma leitura de acordo com a estratgia argumentativa
proposta pela autora da carta, esse modelo dificilmente ser questionado.
Serrani (ibid.: 155-156) classifica os discursos presentes nos textos
analisados como do tipo autoritrio26, nos quais as construes se-verbo exprimem generalizaes associadas ao bom senso (A), ao costume (B),
moda (C) e a um tom proverbial (D) apoiado na tradio. A autora (ibid.)
conclui que o funcionamento discursivo do se nesses discursos elimina a
participao do destinatrio na constituio semntica dos textos, bloqueando
uma real interao por meio da linguagem; em suma, as construes se-verbo
analisadas so, na realidade, mascaramentos de ordens que o locutor quer
impor ao seu destinatrio. Finalizando, preciso salientar que, em momento
algum do seu trabalho, Serrani faz referncia natureza passiva ou ativa dos
enunciados que analisou: preocupou-se unicamente com seu aspecto
impessoal. Apesar disso, comentei a anlise da autora porque alguns dos
enunciados que cita e examina poderiam funcionar como construes passivas
(por exemplo, Ahora se usan stos [pantalones] (ibid.: 153)) para as quais
seriam vlidas, portanto, as concluses apresentadas.
Alguns dos estudos aos quais me refiro ao longo desta seo fazem
referncia explcita ao carter marcado das passivas no Espanhol. E, em se
tratando da passiva perifrstica, pode-se dizer que uma estrutura ainda mais
marginal. Entretanto, a mera observao da lngua espanhola em
funcionamento nos revela que a passiva perifrstica parece ter encontrado um
terreno profcuo: os gneros textuais associados informao, especialmente 26 Segundo tipologia de Orlandi (1978 e 1980).
27
aqueles presentes nos meios de comunicao escrita (jornais, revistas, pginas
web, folhetos, etc.). H lingistas que enxergam no fenmeno uma influncia
negativa do Ingls no Espanhol, e por isso mesmo recomendam a restrio do
uso da passiva nessas situaes. o caso de Lorenzo (1980:19), ao afirmar:
Vistos los hechos como fenmenos supraculturales, es indudable que la preponderancia actual del ingls amenaza, como hemos sealado repetidas veces, el equilibrio funcional alcanzado por estas lenguas que en mayor o menor grado estn sometidas a su influencia. As, en lo que atae al espaol, donde la frmula ser + participio causa serias ambigedades que no hemos hecho ms que apuntar, la ignorancia o el apresuramiento de los traductores (tanto los de libros, como los de cine y televisin) condena al ostracismo o al olvido a una gran parte del rico inventario de soluciones de que dispone el espaol para reflejar la omnipresente inglesa to be + participio, hasta tal punto, que la reciente frmula to be + being + participio (the house is being built) que resuelve a menudo la ambivalencia de the house is built, se hace cada da ms frecuente en espaol, que dispona ya de la casa es construida, estn construyendo la casa y la casa la estn construyendo, se construye la casa, para adoptar el calco la casa est siendo construida, atestiguable incluso en escritores de notable correccin acadmica.
Opinio semelhante tem Romero Gualda (1996:38-39), em sua obra
sobre o Espanhol nos meios de comunicao:
La traduccin del ingls al castellano, muy frecuente y necesaria en la actividad periodstica, ha trado al espaol bastantes construcciones que, sin ser absolutamente extraas a nuestro sistema lingstico, s seran menos frecuentes sin esa influencia extranjera. Sabemos que el castellano tiene preferencia por la expresin activa y de ah todas las complejas formas presididas por el pronombre SE a las que acudimos cuando no podemos transformar un complemento agente en sujeto: Las tierras son abandonadas = Se abandonan las tierras, Los estudiantes son ayudados con becas = Se ayuda a los estudiantes con becas; no quiere decir esto que no puede usarse la voz pasiva en espaol pues es un recurso expresivo ms al que no debe renunciar el periodista sino que debe emplearlo bien. Han de evitarse traducciones del tipo: Ha sido decidida por el claustro la ampliacin del periodo de exmenes [mejor, el claustro ha decidido la ampliacin del periodo de exmenes], o alguna ms admirable e impensable como la citada por Manuel Seco: En Palestina, un anciano falleci despus de haber sido disparado.
Talvez haja exagero nas palavras de Lorenzo quanto ao ostracismo e ao
esquecimento do rico y matizado inventario de soluciones alternativas
passiva perifrstica no Espanhol, dado que o autor no apresenta dados
quantitativos que corroborem sua afirmao. Romero Gualda, por sua vez,
parece dar ao tema um tratamento exclusivamente prescritivo: aponta usos
pouco habituais da passiva que, sendo estrangeirismos, no refletem o buen
28
empleo da estrutura e por isso devem ser evitados. A autora no entra em
detalhes sobre o que considera o bom uso das passivas, porm fica claro que est mais preocupada com a observao da norma que com uma reflexo
sobre os usos, valores e freqncias dessas construes na lngua espanhola,
bem como sobre os efeitos de sentido que produzem.
Pensando sobre essas e outras questes relativas s passivas, o
caminho que considero mais recomendvel fazer uma descrio acurada
(quantitativa e qualitativa) das passivas no Espanhol a partir de amostras de
uso da lngua em textos autnticos, buscando identificar nelas padres lexicais
e sintticos referentes ao objeto de anlise. No me foi possvel faz-la neste
trabalho nem para o Espanhol, nem para o PB; apenas o corpus de aprendizes
brasileiros de E/LE foi descrito e analisado conforme esses critrios.
Entretanto, a ttulo de ilustrao, comento o estudo que fiz em Arajo Jnior
(2004:261-277)27, ao descrever e explicar, atravs da Lingstica de Corpus
(LC), os usos passivos do verbo pensar no Espanhol. A razo de escolha
desse verbo deveu-se ao fato de o mesmo admitir tanto construes transitivas
quanto intransitivas. Ademais, o verbo em questo parecia ser bastante
produtivo em construes intransitivas (El hombre es un animal que piensa; El
director nunca piensa sobre los problemas; Me ha dicho que piensa en m
todos los das) e em outras que usualmente no admitem passivizao (Pienso
que deberas volver a tu pas; Pienso marcharme ahora mismo), o que me
levava a supor, em princpio, uma baixssima incidncia de passivas. Utilizei
como corpus de referncia o CREA28 e, aps analisar as concordncias para
27 Este estudo foi realizado como trabalho de aproveitamento da disciplina do mestrado Introduo Lingstica de Corpus e posteriormente selecionado para publicao na Crop (Revista da rea de Lngua e Literatura Inglesa e Norte-Americana do DLM/ FFLCH USP). 28 Corpus de Referencia del Espaol Actual, projetado e mantido pela Real Academia Espaola (RAE), com um total de 134.571 documentos e aproximadamente 150 milhes de palavras. Est disponvel para consulta gratuita no site http://corpus.rae.es/creanet.html . Na composio desse corpus entraram textos completos tanto escritos (90%) quanto orais (10%) , coletados a partir de 1975. Tambm no intuito de garantir um quadro representativo da lngua espanhola no mundo, o CREA reserva 50% dos textos para a variante peninsular e dedica os outros 50% para as demais variantes (especialmente as americanas). No intuito de oferecer maior flexibilidade na obteno de dados, o CREA est estruturado em diferentes mdulos, o que torna possvel que as consultas se refiram totalidade dos textos ou unicamente queles que satisfaam determinados critrios selecionados pelo usurio, por exemplo: CRONOLGICOS (trabalhar com apenas uma faixa temporal, por exemplo, de 1980 a 1990); GEOGRFICOS (trabalhar com uma s variante); MEIO (optar por textos publicados em jornais); TEMTICOS (escolher entre textos de fico, cientficos, artsticos, etc.). Apesar dessas vantagens, o sistema apresenta limitaes referentes quantidade de documentos recuperveis que est limitada a 2000 , assim como
Cdigo de campo alterado
29
todas as consultas e agrupar os dados29, encontrei os seguintes padres para
os particpios de pensar:
(1) [ser + particpio (pensado/a/os/as)], incluindo a conjugao de ser com
tempos simples (Muchos de los pisos modernos fueron pensados para los
que viven solos.) e com tempos compostos (Este manual ha sido pensado para iniciantes.);
(2) [verbo + infinitivo de ser + particpio (pensado/a/os/as)] (Nada de esto pudo
ser pensado por la generacin precedente.) ;
(3) [estar + particpio (pensado/a/os/as)], incluindo a conjugao de estar com
tempos simples (Todas sus decisiones estn pensadas para favorecer a
los inversionistas.) e com tempos compostos [apenas 1 ocorrncia: (...) los
centros de reunin de estas personas han estado pensados
(arquitectnicamente) para estas actividades (...) ];
(4) [verbo + infinitivo de estar + particpio (pensado/a/os/as)] (Sus obras
parecen estar pensadas para un pblico ms exigente.);
(5) [verbo (diferente de ser e estar) + particpio (pensado/a/os/as)] (La
propuesta viene pensada desde hace mucho.);
(6) particpio (pensado/a/os/as) com sentido passivo (Es una exposicin
pensada para ser itinerante.); (7) [tener + particpio (pensado/a/os/as)] (No son exactamente las vacaciones
que tenamos pensadas.);
(8) advrbio mal + particpio (pensado/a/os/as), equivalente a um adjetivo
(Qu mal pensada! );
(9) advrbio menos + particpio (pensado/a/os/as), equivalente a um adjetivo
(El da menos pensado te van a echar del trabajo.).
quantidade de exemplos, restrita aos primeiros 1000 de cada consulta. No caso de uma consulta para a qual o nmero de documentos/exemplos exceda o limite, o sistema oferece a possibilidade de filtragem (por documentos ou por casos), de maneira que o usurio tenha uma amostra representativa. 29 Trabalhei apenas com a variante peninsular em enunciados escritos, porm sem restries cronolgicas, de meio ou de tema. Tambm restringi minha pesquisa e anlise s passivas com particpio, excluindo assim as pronominais. Optei por excluir as pronominais porque teria sido necessrio incorporar anlise as estruturas impessoais (que muitas vezes se confundem com as passivas pronominais), aumentando em muito o escopo do trabalho.
30
As ocorrncias de cada padro podem ser visualizadas na figura 1:
Os padres (7), (8) e (9) no foram considerados por mim como sendo
estruturas passivas. No caso de (7), a estrutura tener + particpio expressa uma
idia prxima aos tempos compostos (haber + particpio), porm com um matiz
de concretude que enfatiza o resultado da ao30 : Antes de esa intervencin mdica, Gallagher estaba planeando su retorno. El msico tena pensado ofrecer una gira por el Reino Unido e Irlanda antes de iniciar su visita al resto de Europa. [CREA/Espaa: La Vanguardia, 16/06/1995 (PRENSA), Tema 04: Msica]
Embora o padro (7) contenha um particpio com sentido passivo, no
considero a construo como sendo passiva: ao cotej-la com os padres
anteriores (1 a 6), em todos eles o agente ou suprimido ou aparece no final do enunciado; inclusive, pode-se apontar a ausncia de protagonismo dessa
entidade como caracterstica das passivas. No caso de (7), a presena de um
particpio com sentido passivo no faz com que o sujeito/agente seja eliminado
ou transferido para a posio final; nesse sentido, (7) est mais prximo das
construes transitivas.
30 Nesse sentido, podemos consider-la como uma perfrase de resultado, como o fazem alguns autores como Matte Bon (1995:101). Tal perfrase no exclusiva do verbo pensar, ocorrendo com a maioria dos verbos, especialmente os transitivos. Apesar de esse padro estar fora do nosso escopo, vale a pena ressaltar que o mesmo ocorre 160 vezes no corpus de estudo, em torno de 5% das incidncias; se considerssemos o uso de tener com outros particpios, esse percentual seria ainda maior. Por isso mesmo, parece-nos curioso que essa estrutura esteja ausente dos livros didticos de E/LE, uma vez que parece ser bastante utilizada na lngua espanhola, como revela o corpus.
5718
190
6 4
301
160
3282
050
100150200250300350
[ 1 ] [ 2 ] [ 3 ] [ 4 ] [ 5 ] [ 6 ] [ 7 ] [ 8 ] [ 9 ]
Figura 1: Padres observados e suas ocorrncias no corpus
31
Os padres (8) e (9) possivelmente continham traos passivos na origem,
porm atualmente so expresses adjetivas (ou atributivas) fossilizadas, que
integram o repertrio fraseolgico da lngua espanhola. No caso de (8), a
expresso mal pensado/a/os/as pode ser traduzida como desconfiado/a,
malicioso/a, maldoso, que pensa mal de algo/algum, e ocorre junto a
nomes ou como atributo: Quien sabe, a lo mejor es para tapar todo lo que salga mal, o para ocultarse de la mirada severa del seor ministro que tiene las riendas de la economa. O puede ser, y ser un simple error, que hay que ver qu mal pensada es la gente. [CREA/Espaa: ABC, 24/12/1983 (PRENSA), Tema 03: Poltica]
Em se tratando de (9), menos pensado/a/os/as aparece freqentemente
com palavras relacionadas a tempo (preferencialmente com da) para indicar
que o fato ao qual nos referimos ocorrer de maneira inesperada31 : Ya no podemos negar la existencia del SIDA, ya que no es posible seguir ocultando la cabeza como dicen que hace el avestruz, preferimos creernos que por "arte de magia", el da menos pensado, la pesadilla habr concluido. [CREA/Espaa: 1987, Lorenzo, Ricardo; Anabitarte, Hctor; Tema 06: Salud]
Nas 82 incidncias de (9), a expresso menos pensado/a/os/as apresenta
o mesmo comportamento: acompanha invariavelmente um nome. Portanto,
devido a esse notrio carter adjetival, no considero (9) uma construo
passiva.
Com a excluso dos padres (7), (8) e (9), restaram-me 576 ocorrncias
de passivas no corpus. Um resultado surpreendente, se levadas em conta
minhas hipteses iniciais, porm dentro do esperado ao pensarmos na
freqncia de ativas e passivas: uma estimativa para as formas ativas do verbo
pensar, tambm atravs de pesquisas no CREA32, fornece aproximadamente
28.346 casos; portanto, uma conta simples nos revela percentuais de 98%
31 O padro (9) ocorre 82 vezes no corpus de estudo (cerca de 2,6% das incidncias). Portanto, vale aqui o mesmo comentrio feito anteriormente para tener + particpio: apesar da freqncia considervel, esse padro no aparece nos livros didticos consultados. curioso que tampouco esteja registrado no dicionrio RAE (2001) ou em outros consultados, como o VOX (1997) e o Clave (2000); a nica exceo foi o Mara Moliner (2001). 32 Para essa pesquisa, utilizamos formas lematizadas do verbo (piens*, pensab*, pensar* e pensas*) e em alguns casos tivemos que entrar com as prprias formas do verbo (pensamos, pensis, pens, etc.). Isso se deveu ao fato de que o corpus de referncia no dispe de uma verso marcada morfologicamente, que nos permitisse selecionar apenas as formas verbais (excluindo automaticamente as no verbais, como pensamiento/s, pensador/a/es/as, pensativo/a/os/as, pensin, pensionista/s, etc).
32
para as ativas e apenas 2% para as passivas com particpio, o que vem ratificar
o carter da passiva como uma estrutura marcada. Vale recordar que nesse
estudo no foi investigada a passiva pronominal (com o pronome se, ou pasiva
refleja) com pensar. certo que, caso fossem computadas as pronominais,
aumentaria o percentual de passivas no corpus; ainda assim, tal acrscimo
pouco afetaria os resultados, j que a preferncia dos hispanofalantes parece ser mesmo pelas construes ativas33. Dessa forma, o manejo de um corpus
de referncia possibilitou-me tanto a confirmao de hipteses j lanadas
sobre o assunto, quanto a revelao de novos padres de uso das passivas.
I.3. Acerca das passivas no PB
Os estudos sobre as passivas realizados por lingistas brasileiros foram
centrados menos na forma que nos valores e usos dessas estruturas. Said Ali
(1971:176-177), ao tratar o assunto, assim escreve:
O sujeito de verbo transitivo pode ser considerado no somente como ponto donde parte a ao, mas ainda como o ponto para o qual a ao se dirige; e neste segundo caso se empregar o verbo no particpio do pretrito combinado com o auxiliar ser. Diz-se ento que o verbo denotador da ao est na voz passiva, e que o sujeito paciente, como nesta frase a ave foi ferida pelo caador; e chama-se, pelo contrario, voz ativa, com sujeito agente, conjugao simples, como em o caador feriu a ave. Por extenso, diz-se que est na voz ativa, ou que tem forma ativa, todo o verbo usado nos diversos tempos e modos de conjugao simples.
At este ponto, nada distinto do que consta nas gramticas e livros
didticos de lngua portuguesa editados no Brasil. Entretanto, logo aps essa
definio, Said Ali (ibid.:177) apressa-se em esclarecer que tal classificao,
embora facilite o estudo das formas34, nem por isso se harmoniza sempre
33 Pode-se comprov-lo pelo estudo realizado por Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1979:65) para o Espanhol falado em Buenos Aires, para o qual as ativas ocorrem em 97,81% dos casos. Como se pode ver, tais resultados esto muito prximos aos que obtivemos com a anlise dos dados do CREA, para a variante peninsular. 34 Grifo meu.
33
com a significao do verbo. Ento d exemplos de verbos intransitivos
(padecer, adoecer, morrer, envelhecer, durar) nos quais no se revela (...)
nenhuma atividade da parte do sujeito. E conclui:
So atos que nele se consumam, estados pelos quais passa, sem que para isso concorra o seu esforo. A condio do sujeito aqui a de paciente. Estoutros intransitivos, ainda que tenham forma ativa, aproximam-se pois, quanto significao, antes dos transitivos passivos que dos transitivos ativos.
Na verdade, nem precisaramos nos limitar aos verbos intransitivos: o PB
possui muitos verbos que, na forma ativa, tm um sujeito cujo papel temtico
no o de agente35 na frase Joo odeia engarrafamento, o sujeito (Joo) no desencadeia o processo (da no ser agente/desencadeador), mas sim
afetado por ele. Ao falar do carter passivo de determinados verbos usados na
forma ativa, Said Ali inclui o significado e, portanto, a semntica, no tratamento
das passivas. Apesar dessa reflexo importante, nas gramticas e livros
didticos de lngua portuguesa cuja nfase na forma, conforme j comentei ainda se busca, ao que parece, separar a sintaxe da semntica. Vejamos o que diz Bechara (1976: 105):
preciso no confundir voz passiva e passividade. Voz a forma36 especial em que se apresenta o verbo para indicar que a pessoa recebe a ao: Ele foi visitado pelos amigos. / Alugam-se bicicletas. Passividade o fato de a pessoa receber a ao verbal. A passividade pode traduzir-se, alm da voz passiva, pela ativa, se o verbo tiver sentido passivo: Os criminosos recebem o merecido castigo. Portanto nem sempre a passividade corresponde a voz passiva.
A anlise semntica o destaque no estudo que Massoni & Martim
(1985) fizeram sobre as passivas com ser no PB (a partir da Teoria de Casos
de Fillmore37), no qual afirmam que (...) a passiva um problema sinttico-
semntico, onde esto implicadas as relaes entre o predicador e os
argumentos, na frase como um todo (ibid.: 49). Segundo as autoras, a
35 o caso, por exemplo, dos verbos psicolgicos. Na definio de Canado (2002: 94), os verbos psicolgicos so aqueles que denotam um estado emocional e tm, obrigatoriamente, um argumento experienciador. Alguns dos verbos classificados pela autora como psicolgicos: admirar, adorar, desejar, respeitar, odiar, etc. 36 Grifo meu. 37 As autoras no indicam a data de publicao do trabalho de Fillmore.
34
transformao passiva s poder ser aplicada a uma orao que contenha pelo
menos dois argumentos, sendo que o argumento sujeito dever ter o trao [+atividade] (que no implica necessariamente a presena do trao [+animado]:
O vento abriu a porta transforma-se sem problemas em A porta foi aberta pelo
vento) e o argumento complemento dever ser afetado por essa ao ([+afetado]). Massoni & Martim (ibid.) tambm analisam problemas referentes
transitividade, em alguns casos apontada por elas como uma condio
insuficiente para a converso de uma ativa numa passiva. Dessa maneira,
enunciados como:
(1) Meu pai tem dois carros.
(2) O cavalo abanou o rabo.
tm verbos transitivos (ter e abanar), porm, se convertidos em passivas, resultam agramaticais:
(3) *Dois carros so tidos por meu pai.
(4) *O rabo foi abanado pelo cavalo.
Ou seja, alm da transitividade, as caractersticas semnticas do
predicador e dos seus argumentos precisam ser levadas em conta. No caso de
(2), o agente e o paciente representam uma nica entidade referencial, j que
rabo representa uma parte inalienvel de cavalo; um predicado nessas condies bloqueia a construo passiva.
Camara (1989: 187-188), ao tratar as construes passivas, parece
preocupar-se com o seu funcionamento no apenas sinttico, mas tambm
discursivo. Vejamos o seguinte fragmento:
(...) a essncia da voz passiva (sob qualquer de suas formas) o realce do processo ativo em detrimento do agente, que omitido ou esporadicamente includo no predicado. O lugar de sujeito, que ele ocupa na voz ativa, preenchido pelo paciente (quando o verbo transitivo), ou fica vago num tipo de voz impessoal de forma passiva, que justifica a velha frase do etnlogo ingls Condrington, j assinalada neste sentido por Trombetti: o que mais se aproxima de um verbo passivo um verbo ativo usado impessoalmente (Trombetti, 1923: 291).
Ou seja, Camara considera como caracterstica das passivas a tendncia
omisso do agente (figura esporadicamente, fica vago ou simplesmente
desaparece da expresso). Ora, numa passiva, a presena de um agente
35
(como foco, por exemplo) ou seu apagamento (seja intencional ou no), assim
como o alamento de um paciente, so questes que muitas vezes extrapolam
os limites da orao e devem ser pensadas a partir do discurso. Da mesma
forma, a ambigidade entre as estruturas passivas e as impessoais (tambm
mencionada por Camara) pode ser mais bem interpretada de um ponto de vista
discursivo.
Camacho (2000) adota perspectiva idntica de Camara, num estudo no
qual estabelece distines funcionais entre as passivas e as impessoais.
Nesse trabalho, reconhece a existncia de duas construes de voz em
Portugus: voz passiva e voz impessoal. Assim as define (ibid.: 217-18): (...) A passiva, tambm chamada analtica, constituda por auxiliar, em qualquer um de seus tempos verbais, e um particpio passado, seguido ou no de um SP agentivo.
A impessoal, tambm chamada passiva sinttica, constituda pela frmula verbo na 3 pessoa da forma ativa combinada com o pronome se, na chamada funo de apassivador, que como tradicionalmente se qualifica o cltico, quando se reporta a um sujeito de 3 pessoa que, na representao lingstica, no figura como Sujeito ativo.
Portanto, Camacho (ibid.) apresenta uma definio pouco distinta daquela
presente nas gramticas tradicionais. Contudo, problematiza esse conceito ao
afirmar que nem todas as construes impessoais contm o se, cuja
eliminao acompanha a perda de clticos j atestada no PB38. O autor ilustra
com exemplos do PB oral39:
(5) faz esse refogado e pe tomate, um ou dois tomates (D2-POA-
291:129)
(6) ento, naquele arroz mexe, quebra dois ovos a e, e depois ento
comprime esse arroz num pirex (D2-POA-291)
Camacho (ibid.) tambm comenta que o argumento nico do predicado na
construo impessoal nem sempre se comporta como sujeito real: alm de ocupar uma posio destinada ao objeto, nem sempre se mantm a
38 Para a perda de clticos, o autor cita os trabalhos de Kato & Tarallo (1986). 39 Os exemplos (5) e (6) foram extrados do corpus compartilhado do Projeto de Gramtica do Portugus Falado, que consiste numa amostragem do material coletado pelo Projeto da Norma Urbana Culta (Nurc)/Brasil, gravado com informantes cultos procedentes de Recife, Salvador, Rio de Janeiro, So Paulo e Porto Alegre.
36
codificao morfossinttica que regula o comportamento nominativo prprio do
sujeito40. Afirma o lingista: Cria-se, assim, uma espcie de voz ativa impessoal indeterminadora, em que o argumento Paciente no recebe funo de Sujeito, cuja posio fica marcada formalmente pela presena do cltico se.
Em seu estudo, Camacho (ibid.) proporciona uma caracterizao
semntica e pragmtica das construes passiva e impessoal, a partir dos
fatores detransitividade, impessoalidade e topicalidade41. No mbito da semntica, aponta como correlao significativa entre as construes passiva e
impessoal o fato de ambas estarem fortemente condicionadas pela presena
de um verbo de Ao, em detrimento de predicados de Processo, Posio e
Estado. Para esse autor, um aspecto semntico importante que distingue
essas duas construes est associado transitividade: a estrutura ativo-
transitiva se mantm na construo impessoal, aliviando a restrio motivada
pela necessidade de distino entre os participantes, que prpria da passiva.
Conforme exemplo fornecido pelo autor:
(7) a. Joo levantou o brao.
b. ?O brao foi levantado por Joo.
Camacho (ibid.) afirma que os argumentos (Joo e brao) representam a mesma entidade (j que brao constitui uma parte inalienvel de Joo) e, portanto, possuem grau baixo ou nulo de distintividade42. Para o lingista, a
conseqncia mais evidente dessa propriedade semntica para a organizao
sinttica o bloqueio da construo passiva (7b), o que no se aplica
construo impessoal:
(8) levantou-se muito o brao na assemblia para votar tantas
propostas.
40 Por exemplo, a concordncia. Nessas construes, muito freqente a perda da concordncia entre a forma verbal e o sujeito. 41 Nas palavras do autor, topicalidade a atribuio da funo de Tpico a um argumento no-Agente. O termo tpico, usado pelo autor, est conforme a teoria funcional de Simon Dik (1989); neste trabalho, para essa funo, uso o termo tema, de acordo com a definio de M. A.K. Halliday (1976). Igualmente, chamo de tematizao o que Camacho define por topicalidade. 42 Ver comentrio sobre exemplo (4), neste captulo.
37
Ainda no campo da semntica, Camacho (ibid.) considera a construo
passiva prototipicamente sensvel promoo de entidades afetadas
posio de Sujeito/Tpico e detransitividade do predicado verbal, e no
necessariamente impessoalidade do Agente. Segundo o autor, nesse
aspecto, as impessoais so taxativas e no permitem a manifestao formal de
um SN agentivo. Isso mostrado a partir dos exemplos:
(9) a. Joo quebrou o vidro da janela.
b. O vidro da janela foi quebrado (por Joo).
c. O vidro da janela (se) quebrou (?por Joo).
Em termos pragmtico-discursivos, Camacho (ibid.) afirma que a
preferncia pela construo passiva motivada pela determinao pragmtica
de constituir um Tpico, o que no se aplica impessoal, em que o processo
apresentado em si mesmo, independentemente de uma entidade que lhe
sirva de referncia.
Em sua anlise das construes com se, Indursky (1993) considera o
funcionamento do cltico como uma fronteira entre a sintaxe e o discurso43.
Segundo a autora, a nica marca formal que distingue o se apassivador (alugam-se casas, que fornece a parfrase passiva casas so alugadas) do
se indeterminador44 (aluga-se casas) a concordncia verbal, que se faz no primeiro caso e no no segundo45. Nas construes transitivas em que o verbo
e o SN esto no singular (vive-se uma situao de pnico na periferia carioca),
a concordncia verbal perde esta propriedade opositiva e o se passvel de
receber uma dupla interpretao: tanto pode ser apassivador como
indeterminador. A autora analisa alguns enunciados para corroborar essa
43 Indursky analisa primeiramente as construes com se , do ponto de vista da sintaxe, segundo os parmetros da Teoria de Regncia e Ligao de Chomsky. Na seqncia, coteja essa anlise formal do se com uma interpretao discursiva. 44 Aqui preciso comentar que na nomenclatura gramatical brasileira as construes com se sem sujeito explcito se classificam como indeterminadas e no impessoais, como acontece no Espanhol. 45 A autora endossa o que normalmente aparece nas gramticas normativas e em muitos estudos sobre a relao entre as construes passivas e as impessoais: a concordncia verbal usada nesse caso como critrio de distino entre uma e outra como no estudo de Barrenechea & Manacorda de Rosetti (1979) sobre as passivas no Espanhol falado em Buenos Aires. Embora facilite a classificao das estruturas com se em passivas ou impessoais, tal critrio no isento de problemas, admitindo-se que no PB muito freqente a perda de concordncia entre o verbo e o SN nas construes com o pronome se.
38
afirmao, dos quais tomamos um como exemplo, extrado de um artigo escrito
por Fernando Henrique Cardoso46:
(10) Os casos [de violncia e corrupo] so tantos e to freqentes
que se est criando um clima de susto, de descrena.
A interpretao do se como apassivador pode ser parafraseada como:
(10) a. Um clima de susto, de descrena est sendo criado.
Para Indursky (ibid.), esta leitura do se permanece nos limites da orao e
somente pe em evidncia a forma verbal cuja voz passiva. Outra anlise
pode ser feita a partir da parfrase:
(10) b. Algum est criando um clima de susto, de descrena.
De acordo com Indursky (ibid.), esta segunda leitura pe em relevo que o
agente da ao est indeterminado e (...) instiga o leitor a questionar o texto
para preencher a lacuna produzida pelo pronome indeterminador: se algum
est criando tal clima, quem esse algum?. Dessa forma, ao interpretarmos
o se como pronome apassivador, resolveramos questes prprias da sintaxe
(projeo de argumentos, atribuio de casos e papis temticos) e no
haveria espao para refletir sobre a indeterminao, pois embora o agente no
se realize lexicalmente, seu papel temtico fica preservado ao ser absorvido
por se. Por outra parte, ao interpretar o se como indeterminador,
ultrapassamos essa fronteira para refletir a partir do discurso e as questes
passam a ser outras: se o agente indeterminado est implcito no texto, se est
elidido, se o cotexto nos d pistas de como recuper-lo ou se temos que busc-
lo fora dos limites textuais. Entretanto, h lingistas que rejeitam a classificao do se como
pronome apassivador. o caso, por exemplo, de Said Ali (apud Bagno, 2000:
219), que atribui ao se a funo de sujeito nas ditas passivas pronominais:
46 O ttulo do artigo Crime e Castigo, e foi publicado na Folha de So Paulo, p. 1.2, de 01/08/91. Cf. Indursky (op. cit.), nesse artigo o autor examina os sintomas de degenerescncia da sociedade brasileira.
39
(...) se fizermos abstrao da gramtica e, procedendo unicamente anlise
psicolgica, consideramos que os termos psicolgicos s tm que ver com as
idias que as palavras atualmente simbolizam. Segundo Bagno (ibid.: 220),
hoje no lugar de gramtica, escreveramos sintaxe, e no lugar de anlise
psicolgica , escreveramos anlise semntica. Para Bagno, enquanto Said
Ali tenta reunir os critrios sinttico e o semntico no estudo do problema, os gramticos prescritivistas se equivocam exatamente por ir na direo oposta:
alm de separar esses dois critrios no momento de classificar a partcula se,
menosprezam tambm os aspectos pragmticos do fenmeno. Bagno (ibid.) ilustra sua afirmao citando o comentrio de Monteiro acerca do par Fuma-se
aqui/Fuma-se charuto aqui:
Ensinam os gramticos que, na primeira orao, o sujeito est indeterminado, ao passo que na segunda o termo charuto que desempenha esta funo. O paradoxo por demais evidente: quando afirmam que o sujeito de fuma-se aqui indeterminado, utilizam um critrio semntico, uma vez que o SE interpretado como referente a algum ( que no queremos ou no podemos nomear ); quando, por outro lado, dizem que o sujeito de fuma-se charuto aqui charuto, lanam mo de um critrio sinttico, baseado na predicao e na regra de concordncia.
Na seqncia, Bagno (ibid.) destaca a relevncia do critrio semntico
para uma anlise adequada das construes com se :
O aspecto semntico sistematicamente desprezado pelos normativistas que, em todas as oraes deste tipo, os verbos presentes so sempre verbos que s podem ser praticados por um sujeito com trao semntico [+humano]. S seres humanos podem fumar, assim como em aluga-se salas, joga-se bzios, vende-se ovos, avia-se receitas, amola-se facas etc., todos os verbos exigem (alm de um bvio objeto direto) um sujeito [+humano]. E essa poderosa evidncia semntica que leva os falantes a manter esses verbos no singular, fazendo eles concordarem com o sujeito indeterminado, indicado na superfcie do enunciado pelo cltico SE.
Portanto, nas construes com se , o autor defende a interpretao do
pronome como um recurso de que a lngua dispe para indicar a
indeterminao do sujeito; tambm rejeita categoricamente a interpretao do
cltico como ndice de passiva, e considera inadequadas as denominaes se apassivador, passiva sinttica e passiva pronominal. Mais adiante, Bagno
(ibid.: 221-222) ressalta o carter marcadamente nominativo do se no PB, ao
40
ponto de os falantes s o admitirem como acusativo em construes na voz
reflexiva e predominantemente quando o sujeito apresenta o trao [+ animado]
(A atriz olhou-se no espelho antes de subir ao palco); em razo disso, o autor
aponta o freqente apagamento do se em construes como A porta se
fechou (A porta fechou), O vaso se quebrou (O vaso quebrou), nas quais os
sujeitos so [-animados]47.
Duarte (1990), aps fazer uma anlise funcional das passivas do PB e do
Ingls, conclui que a funo bsica das passivas nessas lnguas est
diretamente ligada ao processo de destituio ou obliterao do sujeito/agente,
que passa a designar como a funo de detematizao do sujeito/agente; tal processo se d por meio da omisso do agente (O traficante foi detido) ou da
recodificao do mesmo seja realizado atravs de sintagma preposicional em posio de foco sentencial (O traficante foi detido por agentes federais),
seja realizado pelo cltico nas passivas pronominais (Prendeu-se o traficante);
outra funo apontada pela autora a tematizao, (...) ilustrada nas passivas
em que um no AGENTE promovido para a posio inicial, temtica (ibid.:
164).
Moino (1989) inova ao estudar as passivas no PB do ponto de vista da
sociolingstica. Na primeira parte de sua anlise, faz uma breve descrio dos
distintos tipos de passivas de particpio atravs do modelo de Regncia e
Vinculao de Chomsky. Na segunda parte, dedica-se a constatar a
distribuio dessas construes nos discursos oral e escrito, assim como as
estratgias formais para substituio das mesmas; para tanto, adota o modelo
sociolingstico variacionista e fundamenta-se nos trabalhos de Labov e
Tarallo.
Moino (ibid.:36) divide as passivas de particpio em dois grupos: as
passivas sintticas e as passivas lexicais. As passivas sintticas so formadas
por uma perfrase de verbo ativo em geral ser mais particpio (Os 47 Segundo Bagno, so as construes chamadas pelos normativistas de pseudo-reflexivas, nas quais um sujeito [-animado] pratica uma ao que incide sobre si mesmo (as palavras pratica e ao entre aspas so mostra da evidente ironia do autor acerca das definies da gramtica normativa, que julga muitas vezes inadequadas). Bagno tambm refora sua afirmao dando exemplos de verbos que podem suscitar construes reflexivas com se , quando o sujeito [+animado] (Lusa se desligou do partido em 199