Tex to Benita

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  • 7/30/2019 Tex to Benita

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    Contadores de histrias - Guardies das culturas populares

    Texto de Benita Prieto - Brasil. Idealizadora e produtora do Simpsio Internacional de Contadores de Histrias.

    Contadora de histrias do Grupo Morandubet.

    Para Fernando Lbeis, meu mestre na arte de contar, que me despertou o amor pela cultura popular e ensinou-me

    a olhar com carinho as histrias que o nosso povo conta.

    Falar em literatura oral no Brasil falar de um pas que muitas pessoas supem que no mais existe. Oprocesso de desenvolvimento fez com que vrias manifestaes culturais deixassem de ser entendidascomo prprias do povo. Vejamos o caso do Carnaval, possivelmente a maior festa popular do mundo,nela os folies entregam-se aos seus desejos genunos e primitivos sem saber que refazem, talvezatavicamente, o mesmo que fizeram todas as geraes passadas.

    Especificamente com relao literatura oral, andamos nos afastando desse rico acervo por acreditar quetudo so causos, lendas, supersties. Mas se temos a oportunidade de sentar ao redor de uma fogueira,toda essa ancestralidade nos penetra e logo podemos ter vontade de contar as histrias ouvidas dos nossosavs. Para completar, o quadro atual de todas as mdias no Brasil confuso no que diz respeito a esseassunto. Muitas vezes a literatura oral usada e no referenciada como fonte. Claro que existe adinmica do folclore, mas como patrimnio que da humanidade no pode ser aprisionado e usado emfavor prprio.

    Um exemplo so os programas infantis, que tem utilizado os contos populares e muitas vezes tambm osautorais, sem dizer de onde foram retirados ou por quem eram contados. Ainda h interferncias comquestionveis conselhos em outros aspectos das culturas populares. Essa uma maneira bastante levianade tratar-se algo que no nos pertence individualmente.

    J tivemos bons exemplos de circulao da literatura oral como mostrava o programa Som Brasil deRolando Boldrim, nas dcadas 70 e 80, na TV Globo e o Canta Conto, de Bia Bedran, na TV Educativado Rio de Janeiro. Tambm existiram timos programas de rdio que faziam muito sucesso entre ascrianas como o Ta na hora de dormir, de Mrcio Trigo, recheado de histrias de Andersen, IrmosGrimm, contos populares, lendas indgenas.

    Nesse momento h uma lacuna na programao cultural das mdias a ser preenchida. E que quando bemexecutada d belos frutos. s lembrar, por exemplo, de algumas matrias feitas para o Fantstico, da TVGlobo, aonde j vimos muitas dessas manifestaes sendo exibidas, como a cidade dos Lobisomens, aassociao de criadores de Sacis, os pescadores que acreditam terem estado com entidades do mar.Quando essas matrias acontecem podem promover boas conversas nas indstrias, nos bancos, nasescolas, nas casas, nos bares.

    A literatura oral est conectada com o passado de geraes e famlias. Nosso pas tem uma miscigenaoenorme e que varia de acordo com a regio brasileira, pois somos a mistura de povos europeus, africanos,indgenas e asiticos. Esse caldeiro de culturas possibilita a existncia de muitas comunidades narrativas.Se tomarmos como exemplo uma favela do Rio de Janeiro sabemos que ali podemos ter histrias devrias partes do Brasil, devido migrao interna na busca de melhores condies de vida. Por isso, fundamental fomentar nos jovens o desejo de preservar as histrias particulares da comunidadenarrativa a que pertencem. Eles devem ser estimulados para que tragam as histrias que conhecem, paraque tenham orgulho delas e passem a cont-las em todos os espaos possveis. E a podemos incluir a tv,o rdio, a internet, o cinema. Os jovens so sem dvida o nosso maior investimento para a continuidadedesse elo, neles devemos apostar.

  • 7/30/2019 Tex to Benita

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    Mas preciso uma certa tcnica para fazer a recolha dos contos. importante no interferir na hora danarrao, coletar o conto no local onde normalmente contato e no acreditar na memria ou na prpriaescrita, gravando tudo para a futura transcrio. Existem muitos livros que mostram textos recolhidosonde em primeiro lugar est o texto tal qual foi dito pelo contador, e a seguir vm uma traduo ou versofeita pelo pesquisador. Essa uma boa maneira de registro. Claro que o contador popular pode sofrer

    interferncia da platia, seguindo outros rumos na hora da narrao, mas sempre haver uma estruturamnima respeitada por ele. Essa estrutura, juntamente com a dico que foi preservada, ser a nossa fontede estudo e a nossa matriz.

    Pena que a escola normalmente muito preconceituosa com as manifestaes populares. Esquecendo amultiplicidade regional, os saberes do povo, o conhecimento tcito. Podemos incluir nesse pensamentodesde a escola elementar at a universidade. A literatura oral no valorizada ou ento reduzida ao maissimples registro possvel. Imaginem se podemos dizer que o lobisomem possa representar, num pascontinental como o Brasil, todos os personagens do folclore que so peludos e comem gente. umareduo apenas para dizer que o folclore est sendo ensinado na escola e ainda num determinado ms doano, o de agosto. Como se nos outros dias no pudssemos usar os ensinamentos recebidos das geraesque nos precederam. O problema um total desconhecimento da importncia do tema.

    bom lembrar que existe hoje um dilogo e um trnsito permanente entre a literatura oral e a literaturaescrita. Os grandes escritores do mundo bebem de suas fontes culturais e histricas, constroem releituras,alargam vises. E no Brasil tivemos alguns autores/pesquisadores que contriburam de forma decisivanesse dilogo. Temos vrias geraes criadas com a literatura mgica e essencialmente brasileira deMonteiro Lobato, o inventor do Stio do Picapau Amarelo. Temos tambm Mrio de Andrade e Lus daCmara Cascudo, cada qual a seu jeito, valorizando os saberes do povo para construir no nossoimaginrio a fora da narrativa. O ideal nunca fechar as portas do corao, nunca esquecer a aldeia deonde viemos.

    J que no d para fazer uma diviso entre literatura oral e literatura escrita, os contadores de histriasurbanos podem aproximar esses dois mundos, colocando a literatura escrita ao redor de uma fogueira

    mtica e valorizando a literatura oral dando-lhe status de saber.

    Tudo o que foi descrito anteriormente s vem reforar a importncia do trabalho dos contadores dehistrias para a preservao das culturas populares.

    Mas como no h no Brasil uma formao especfica na arte de contar histrias o interessado tem que serautodidata. Precisa ler muito, fazer muitas oficinas, ver muitos contadores, descobrir o seu estilo decontar, o gnero de histria que lhe d prazer. Evitar copiar o repertrio que v, buscar novas fontes,trazer outros olhares. E principalmente usar os seus prprios recursos. Cada contador tem suas sutilezasna hora de narrar. Por isso a mesma histria pode ser contada de vrias maneiras e todas sero belas desdeque haja a verdade de quem conta.

    Somos contadores na essncia, estamos durante toda a vida construindo histrias. A narrativa faz parte dodia a dia. Um olhar para dentro pode ser o estopim dessa arte em cada um de ns.

    O mais importante entender que a literatura, seja oral ou escrita, para ser brincada, dividida,compartilhada. Sejamos, portanto, solidrios na vida e nos contos. De mos dadas vamos atravessar ocaminho onde nossas histrias se cruzam, se completam, se constroem.

    inwww.rodadehistorias.com.br (acessado em 14-09- 2006)

    http://www.rodadehistorias.com.br/http://www.rodadehistorias.com.br/