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40 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 N” 17 A idéia de investir na pesquisa sobre trajetórias de vida de professoras das séries iniciais do ensino fundamental 1 nasceu da insatisfação com um discurso sobre a desqualificação dos saberes e práticas do ma- gistério, visto como incompetente tecnicamente e descompromissado politicamente na tarefa de ensinar setores das camadas populares. Gestado a partir dos anos de 1980, especialmente no interior das burocra- cias educacionais, este discurso tem servido à definição de políticas de controle pelo Estado sobre o trabalho do professor através de mecanismos de racionalização e privatização 2 de ensino. Em que pese a necessidade de encontrarmos for- mas de regulação da profissão docente, que respeitem a experiência do professor e levem em consideração processos dinâmicos e interativos de formação conti- nuada, vivenciados em espaços locais pelo coletivo deste grupo profissional, o que se assiste hoje em vári- os países do mundo é uma lógica que, em nome da qualidade do ensino, da descentralização e da inova- ção, tem privilegiado estratégias no campo do currícu- lo e da formação de professores com sérios desdobra- mentos sobre a autonomia das instituições escolares. (Nóvoa,1998b, p. 170). Neste sentido, trabalhar com narrativas biográfi- cas significou poder problematizar essa lógica que se manifesta na representação de uma categoria profis- Profissªo docente: uma rede de histórias Isabel Lelis Departamento de Educaçªo, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 1 Este trabalho está baseado em minha tese de doutorado A polissemia do magistério: entre mitos e histórias, defendida em 1996, na PUC-Rio. A escolha das professoras entrevistadas ocor- reu em função dos seguintes critérios: estarem trabalhando no pri- meiro segmento do ensino fundamental; estarem na sala de aula há pelo menos 15 anos; terem inserção em espaços variados: escola privada leiga, escola privada confessional e escola pública munici- pal, localizadas em bairros da zona sul, norte e oeste da cidade do Rio de Janeiro. 2 Para Nóvoa (1998b), a racionalização e privatização do ensino são dois momentos de um mesmo processo de controle ex- terno da profissão docente. Fazem parte de uma agenda política que tende a definir os professores a partir de critérios de racionali- dade técnica, “colocando entre parênteses os saberes, as subjetivi- dades, as experiências, em outras palavras as histórias pes-soais e coletivas dos professores” (p. 169). Em um modelo dirigido pelo mercado, a pretensa autonomia concedida aos professores nada mais é do que uma auto-regulação, individual e coletiva, fundada em um discurso racional, objetivo e científico (p. 168).

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  • Isabel Lelis

    40 Maio/Jun/Jul/Ago 2001 N 17

    A idia de investir na pesquisa sobre trajetriasde vida de professoras das sries iniciais do ensinofundamental1 nasceu da insatisfao com um discursosobre a desqualificao dos saberes e prticas do ma-gistrio, visto como incompetente tecnicamente edescompromissado politicamente na tarefa de ensinarsetores das camadas populares. Gestado a partir dosanos de 1980, especialmente no interior das burocra-cias educacionais, este discurso tem servido definiode polticas de controle pelo Estado sobre o trabalho doprofessor atravs de mecanismos de racionalizao eprivatizao2 de ensino.

    Em que pese a necessidade de encontrarmos for-mas de regulao da profisso docente, que respeitema experincia do professor e levem em consideraoprocessos dinmicos e interativos de formao conti-nuada, vivenciados em espaos locais pelo coletivodeste grupo profissional, o que se assiste hoje em vri-os pases do mundo uma lgica que, em nome daqualidade do ensino, da descentralizao e da inova-o, tem privilegiado estratgias no campo do currcu-lo e da formao de professores com srios desdobra-mentos sobre a autonomia das instituies escolares.(Nvoa,1998b, p. 170).

    Neste sentido, trabalhar com narrativas biogrfi-cas significou poder problematizar essa lgica que semanifesta na representao de uma categoria profis-

    Profisso docente: uma rede de histrias

    Isabel LelisDepartamento de Educao, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro

    1 Este trabalho est baseado em minha tese de doutorado A

    polissemia do magistrio: entre mitos e histrias, defendida em1996, na PUC-Rio. A escolha das professoras entrevistadas ocor-reu em funo dos seguintes critrios: estarem trabalhando no pri-meiro segmento do ensino fundamental; estarem na sala de aula hpelo menos 15 anos; terem insero em espaos variados: escolaprivada leiga, escola privada confessional e escola pblica munici-pal, localizadas em bairros da zona sul, norte e oeste da cidade doRio de Janeiro.

    2 Para Nvoa (1998b), a racionalizao e privatizao do

    ensino so dois momentos de um mesmo processo de controle ex-

    terno da profisso docente. Fazem parte de uma agenda polticaque tende a definir os professores a partir de critrios de racionali-dade tcnica, colocando entre parnteses os saberes, as subjetivi-dades, as experincias, em outras palavras as histrias pes-soais ecoletivas dos professores (p. 169). Em um modelo dirigido pelomercado, a pretensa autonomia concedida aos professores nada mais do que uma auto-regulao, individual e coletiva, fundada em umdiscurso racional, objetivo e cientfico (p. 168).

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    sional marcada por classificaes apriorsticas em ter-mos dos saberes e habilidades que deve ser portadora,do grau de profissionalismo que deve alcanar. Repre-sentou, na verdade, uma possibilidade de refletir so-bre abordagens fundadas em sistemas que demarcame moldam como deve ser o mundo (Popkewitz, 1992),que a meu ver so prisioneiras tanto de uma tendnciaa um abstracionismo, ao ignorar a dinmica das pr-ticas escolares (Azanha, 1992, p. 46), como de umsubstancialismo que cancela os movimentos no tem-po e no espao dos agentes sociais.

    Na opo pela abordagem biogrfica, tinha umaconvico de que nenhuma (histria de) vida sim-plesmente uma trajetria isolada. Ao contrrio, sem-pre se acha inscrita numa matriz, mais ou menos vastae complexa de relaes sociais que em larga medida ainformam, da qual retira parte considervel da sua pr-pria lgica e que, necessariamente, acaba tambm porrefletir (Almeida, 1995, p. 133).

    Por este caminho, foi possvel identificar mapasde orientao para a vida social e profissional a partirde condies sociais de existncia reveladoras de va-lores, atitudes e comportamentos de agentes e grupossociais (Velho, 1987).

    Se verdade que a literatura internacional quenos chegou na ltima dcada sobre a profisso eprofissionalizao docente foi extremamente estimu-lante do ponto de vista dos perigos que cercam o con-trole poltico do trabalho docente, com a conseqenteseparao entre as atividades de concepo e execu-o, das ideologias que sustentam o princpio da ra-cionalidade tcnica presente na definio de profissodocente, tambm verdade que preciso investir nacompreenso dos vrios sentidos atribudos ao traba-lho docente para alm de certas formulaes que insis-tem em discutir se o magistrio profisso, ocupaosemiprofissionalizada ou em via de profissionalizao(Nvoa, 1998b; Perrenoud, 1996).

    Este debate parece estar preso a concepes queavanam pouco sobre a tenso entre a pluralidade designificados conferidos profisso pelos professorese um projeto mais orgnico que possa dar conta dosdesafios da escola de massa e da valorizao de seus

    agentes, os profissionais de ensino, especialmente emcontextos marcados pela seletividade social e escolar.

    Em recente livro sobre o ofcio do professor,Arroyo (2000) introduz uma imagem de que a culturado magistrio constituda de muitos fios e de queprivilegiar uma nica dimenso no dar conta dacomplexidade do trabalho docente. Com base nestaimagem, pretendo, neste texto, refletir sobre a identi-dade social do magistrio, forjada em processos de so-cializao familiar, escolar e profissional. Utilizo-mepara tanto de histrias de vida de professoras morado-ras na cidade do Rio de Janeiro que atuam em escolaspblicas e privadas do ensino fundamental. A inten-o a de revelar fragmentos dos processos invisveisde constituio de habitus3 profissionais e, com isto,relativizar imagens de incompetncia tcnica e passi-vidade, presentes em relatrios e documentos oficiais.Trata-se de afirmar que a histria social do magistrio uma arena feita de um conjunto de histrias que seinterpenetram: histria da construo do campo inte-lectual da educao e da profisso, histria das lutas eestratgias dos professores em relao ao Estado, his-tria da construo da escola e do conhecimento quenela circula. Mas tambm histria feita do modo comoprofessores agem, pensam, sentem, convivem... den-tro e fora do trabalho, na totalidade de seus espaos etempos, de suas relaes sociais (Arroyo, 2000,p. 199).

    3 Para Ortiz (1983), Bourdieu quem recupera a dimenso

    de aprendizado passado na idia escolstica de habitus, como modusoperandi, disposio estvel para se operar numa determinada di-reo (p. 14). Sua reinterpretao da noo de habitus ocorre noembate objetivismo/fenomenologia, passando a ser definida como:sistema de disposies durveis, estruturas estruturadas predis-postas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto , comoprincpio que gera e estrutura as prticas e representaes que po-dem ser objetivamente regulamentadas e reguladas sem que porisso sejam o produto de obedincia a regras, objetivamente adapta-das a um fim, sem que se tenha necessidade da projeo conscientedeste fim ou do domnio das operaes para atingi-lo, mas sendo,ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem serem o produtoda ao organizadora de um maestro (Bourdieu, 1972, p. 61).

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    Entre o pblico e o privado,como fica a imagem do magistrio?

    Mais do que qualquer outra categoria profissio-nal, a situao atual do magistrio das sries iniciaisno Brasil tem sido fartamente alardeada pela mdia epela produo acadmica. Seja do ponto de vista daorigem social, seja do ponto de vista do grau de instru-o obtido, ou ainda sob a tica das condies de tra-balho, o reconhecimento da diversidade social e cultu-ral entre professores amplia as dificuldades do debateem torno da sua imagem social e pblica. De um lado,a desvalorizao assinalada, tendo como matriz aescola de massa e a democratizao de ensino, com aconseqente perda de prestgio ligado posse de umsaber, no acessvel maioria da populao. De outrolado, a imagem permanece elevada, pelo menos sim-bolicamente, pois sobre os professores so colocadasa expectativa e a responsabilidade social por esperan-as de um futuro melhor (Nvoa, 1998b). Entre as duastendncias, o que est em causa o prprio projeto deuma escola de massa que no consegue dar conta doaumento dos alunos e sua heterogeneidade sociocultu-ral, do impacto de novas formas de tratar o conheci-mento e o ensino (Lelis, 1997b).

    Em que pese a complexidade que envolve o lugarsocial ocupado pelo magistrio, o que se verifica nasnarrativas das professoras um movimento ascenden-te na trajetria social e instrucional, se considerarmosas suas famlias de origem. Em boa parte provenientesde setores com baixa escolaridade, desenvolveram, aolongo de seus itinerrios, estratgias de conquista dettulos escolares custa de renncia e austeridade emtermos de estilo de vida, de uma ascese no sentido deque fala Bourdieu (Nogueira, 1991).

    o caso de Isolda, uma professora negra, morado-ra em bairro proletarizado do Rio de Janeiro, cuja his-tria de vida marcada pela tenacidade em superarobstculos de toda ordem nos planos social e econmi-co. Iniciando a sua vida como professora particular aosdoze anos, para ajudar a famlia, vai galgando os de-graus da escolarizao at obter o diploma de licencia-tura em Letras em uma universidade federal de prest-

    gio. Aps concluir o curso universitrio, Isolda subme-te-se a concursos pblicos para escolas secundrias darede federal de ensino, tendo sido aprovada em todos osexames. Entretanto, por no possuir experinciacomprobatria em instituies de ensino mdio, noconsegue ser admitida, dadas as exigncias do prpriosistema de seleo. Consumidora de livros desde a in-fncia e adolescncia, o diploma de ensino superior,conquistado duramente por iniciativa pessoal e fora dajornada de trabalho, provocou pequeno deslocamentode posio no campo profissional, uma vez que passa aatuar tambm em sries mais avanadas do ensino fun-damental. Perguntada sobre a fora da experincia uni-versitria, relativiza a funo do saber acadmico queno lhe permitiu ascenso na carreira docente do pontode vista do exerccio em grau de ensino mais elevado.Depois de muitos anos na docncia em escolas pbli-cas municipais, estimulando as crianas e jovens a se-rem leitores e escritores atravs do recurso pesquisaem jornais e encenao de peas teatrais, justifica osmovimentos efetuados na trajetria como expresso datenso entre a instabilidade profissional e a manuten-o de posio conquistada no itinerrio, tpica de ca-madas mdias de origem desfavorecida.

    Atravs do caso de Isolda e de tantas outras pro-fessoras, o que fica evidenciada a necessidade depensar o processo de profissionalizao da profissodocente para alm da lgica do espao acadmico edas polticas do Estado inscritas em um campo de po-der, como adverte Nvoa (1998b). E, mais, sugere odesafio de acolher um grau de universalismo que o ter-mo profisso comporta (Tardif, 2000) mas tambm apossibilidade de incluir formas peculiares de entrar naprofisso e viver o trabalho docente em contextos so-ciais que ainda no equacionaram o problema de desi-gualdade social e da seletividade escolar. Indo maislonge, estimula a refletir sobre o sentido da experin-cia e do conhecimento universitrio para a prtica pro-fissional (Tardif, 2000), especialmente para segmen-tos das classes trabalhadoras que investem no estudocomo projeto construdo em funo de experinciassocioculturais de um cdigo, de vivncias e interaesinterpretadas (Velho, 1987).

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    Com isto, no estou desqualificando o papel dosconhecimentos disciplinares, curriculares, da aopedaggica trabalhados pelas instituies respons-veis pela formao do magistrio, mas chamando aateno para o fato de que os saberes dos professorestrazem a marca das suas experincias pessoais, sendo,portanto, temporais, heterogneos e situados (Tardif,2000).

    Certamente, o investimento em pesquisa sobre vi-das de professores pode significar uma chave de anli-se fecunda para entender seu desenvolvimento profis-sional. Mas a identidade social das professorascomporta tambm imagens de esvaziamento de recur-sos culturais que o magistrio vem sofrendo, especial-mente nas ltimas dcadas, geradas por condies detrabalho adversas, seja por acumular a funo em umou mais estabelecimentos de ensino, seja por trabalharem educao mas no em docncia, seja ainda em ocu-pao no relacionada ao ensino (Gatti et al., 1998).Com baixo status socioeconmico, a dupla ou triplajornada de trabalho tem repercusses sobre o cotidia-no das professoras, como a diminuio de freqnciaa museus, concertos musicais, cinemas, viagens. Nosdepoimentos dados, salvo excees, o sentimento ma-nifestado o da perda gradativa do gosto pela leitura,das restries vividas em termos do acesso a bens cul-turais com desdobramentos sobre o estilo de vida e otrabalho destas profissionais (Lelis, 1997a).

    A este quadro, devem ser acrescentadas dificul-dades de atualizao em servio, enfrentadas pelosdocentes da rede pblica, o que acaba por se expressarna baixa freqncia a cursos, seminrios e oficinas.Em estudo desenvolvido com professores das oito s-ries da rede pblica de trs estados Maranho, Mi-nas Gerais e So Paulo , Gatti et al. (1998) chamama ateno para a prtica da leitura, registrada comopouco significativa nos 304 questionrios analisados,amostra estratificada por localizao, sries, discipli-nas e nvel socioeconmico da clientela:

    Embora 69% dos professores declarem que lem al-

    guma revista de educao, a atividade de leitura especializa-

    da por parte dos professores no parece ser muito intensa:

    14% deles declaram no ter lido nada nos ltimos anos e

    52% dizem que leram apenas alguns textos ou artigos. S

    18% dizem ter lido livros com regularidade. Boa parte dos

    que afirmam ter lido algum texto nos ltimos trs anos no

    foi capaz de citar nenhum autor ou ttulo e percentual signi-

    ficativo citou apenas um. (Gatti et al., 1998, p. 256)

    Ana, professora de lngua portuguesa, ensina emdois turnos em uma escola municipal, localizada embairro da zona sul do Rio de Janeiro. Concluiu os cur-sos de letras, de msica e de belas-artes em universi-dade federal, tendo obtido ttulos acadmicos de reco-nhecido valor no mercado cientfico. Esta professoravem de famlia de artistas e parece ter desenvolvidouma relao mais desenvolta com a cultura dita culti-vada. Seu pai foi professor de matemtica, teve li-vros de poesia publicados. A atmosfera da casa eramarcada pela valorizao e pelo gosto do teatro e damsica. O estilo de vida de Ana sofreu mudanas sig-nificativas nos ltimos anos, expressando-se na restri-o compra de livros e freqncia a teatros, concer-tos de msica, viagens. Em sua narrativa, a perda dopoder aquisitivo, gerada pela deteriorao dos salri-os pagos ao magistrio municipal, acabou por com-prometer sua existncia, impedindo o acesso a planosde seguridade social.

    O que sua histria revela e que se poderia esten-der para parte do magistrio um esforo de incorpo-rao de capital cultural,4 na qual o ter passou aser, uma propriedade feita corpo, tornada prtica in-

    4 Em seu texto Os trs estados do capital cultural, Bourdieu

    (1979) define: O capital cultural pode existir sob trs formas: noestado incorporado, ou seja, sob a forma de disposies durveisdo organismo; no estado objetivado, sob a forma de bens cultu-rais quadros, livros, dicionrios, instrumentos, mquinas, queconstituem indcios ou a realizao de teorias ou de crticas dessasteorias, de problemticas etc.; e, enfim, no estado institucionaliza-do, forma de objetivao que preciso colocar parte porque, comose observa em relao ao certificado escolar, ela confere ao capitalcultural de que supostamente, a garantia propriedades inteira-mente originais (p. 74). Esta noo ajuda a compreender a trans-misso domstica do capital cultural enquanto investimentoeducativo poderoso realizado pelas famlias com impacto no de-sempenho escolar das crianas de diferentes classes sociais.

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    tegrante, um habitus (Bourdieu, 1972) certamente comdesdobramentos sobre a prtica profissional. Contra-ditoriamente, o fato de ter conquistado ttulos acad-micos, capital cultural institucionalizado, no repre-sentou garantia de obteno de vantagens nos planossocial e econmico, sinalizando para certo grau deimprevisibilidade que envolve trajetrias de indivduose grupos sociais.

    Considerando que as transformaes de estilo devida acabaram por atingir a subjetividade e sociabili-dade destes agentes sociais se compararmos com d-cadas passadas, a imagem pblica dos professoras re-vela-se problemtica, pois, ao lado da representaosocial de pouco competentes ou pouco qualificadas parao exerccio da profisso, o imaginrio social est fun-dado ainda na retrica da misso, do sacerdcio e davocao, matrizes de fundo religioso que atravessamfortemente a histria deste grupo profissional.

    Sem compartilhar do iderio da vocao que su-gere chamamento, personalismo, dom, graa divina(Haguette, 1991) e escamoteia a posio ocupada pe-los professores no espao social, e refletindo sobre ascondies de vida dos alunos e as necessidades queestes impem dinmica escolar que incluem vio-lncia domstica, ausncia dos pais no processo deescolarizao dos filhos, consumo de drogas entrecrianas e jovens , os professores vm sendo levadosa desenvolver estratgias de ensino e de interao queconsiderem o trato com as novas caractersticas daclientela. Nesse sentido, no viraram as costas s con-dies de existncia de seu alunado, como to insis-tentemente a literatura dos anos de 1980 enfatizou. Naperspectiva de que o professor precisou alterar suasprticas diante da fome, da misria, das jovens mes-solteiras, das famlias desintegradas, Vorraber Costa(1995) chama a ateno para a distncia que existeentre, de um lado, o discurso objetivo e racional sobre profissionalismo, reafirmado em retricas neo-liberais, nos textos oficiais e, de outro lado, as prti-cas sensveis e solidrias desenvolvidas por professo-ras, muito distantes das lgicas definidoras do que devaser a profisso docente. Como o objeto do trabalho dodocente so seres humanos, os saberes que advm desta

    experincia precisam ser refletidos, legitimados (Tardif,2000) sob pena de se cancelar uma dimenso estrutu-rante da prtica. Esta , contudo, uma face invisvelda profisso que tem permanecido invisvel e pertence esfera privada, no sendo explorada consistentementenos programas de formao.

    Culpabilizados por no responderem s exign-cias da atividade escolar cotidiana, os docentes si-tuam-se em um fogo cruzado de poderes e contra-poderes em uma histria de isolamento no interior dasala de aula, que contribui para impedir uma mudan-a do seu status sociocultural, apesar dos movimen-tos empreendidos por associaes profissionais, uni-versidades e sindicatos, especialmente a partir do finaldos anos 70.

    Pensando alternativas para uma nova identidadedocente, Nvoa (1998b) adverte para a necessidadede se superar uma viso de miserabilidade que aca-bou por envolver os professores e que interfere sobre aao pedaggica e sobre o ethos do magistrio das s-ries iniciais. Somente uma cultura de colaborao, deparceria entre Estado, universidades, organismos dasociedade civil e escolas, respeitosa em relao s fer-ramentas didticas que os professores dispem no es-pao escolar poder contribuir para a administraodos problemas que sociedades como a nossa ainda apre-sentam e que lhes chegam atravs dos comportamen-tos e prticas dos alunos.

    Tempos e espaos de formao

    Mais do que qualquer outra profisso, o magist-rio das sries iniciais tem sido historicamente associa-do ao iderio social fundado no dom ou na aptido ques as mulheres naturalmente possuiriam, sendo a es-colha da profisso explicada pela oportunidade que amulher encontra para pr em prtica habilidades queaprendeu desde o nascimento (Bruschini, 1978), umaestratgia de sobrevivncia, um poderoso senso de rea-lidade diante dos constrangimentos impostos mulherat os dias atuais. Trabalhando sobre trajetrias, o quese verifica que o gnero uma categoria importantede compreenso da entrada na profisso, devendo, con-

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    tudo, ser articulado classe social, etnia, gerao, poisno somos vistos apenas com o nosso sexo ou o que acultura fez dele (Lopes, 1991). Diferentes construessociais do gnero feminino manifestam-se na formacomo as professoras entraram, permaneceram e tmatuado na profisso. Fatores como uma certa familia-ridade com a profisso, desenvolvida no interior dosgrupos de referncia, o peso da educao feminina,um campo de possibilidades restrito em termos socioe-conmicos, a necessidade imediata de obteno deemprego seguro em mercado de trabalho aberto, a con-ciliao entre estudo e trabalho (Lelis, 1996; Gatti etal., 1998) concorreram para a constituio de disposi-es mais ou menos favorveis ao magistrio, ou seja,em muito atuou, nos relatos das professoras, a forada socializao familiar, expressa em prticas cultu-rais, redes sociais de circulao, constrangimentos eco-nmicos.

    Outro elemento, que passa pela entrada no ofcio,ajuda a entender a imagem social da docncia. Con-trariando o debate em torno dos critrios de recruta-mento para a carreira de professor, e dos saberes e dashabilidades que devem possuir, as histrias de vida deprofessoras, originrias das camadas desfavorecidas,apontaram para um percurso que se inicia precocementeem escolas adaptadas no espao domstico e em aulasparticulares, como explicadoras para alunos que es-tavam fracassando na escola pblica. Trata-se de umarede paralela ao sistema oficial de ensino, na qual sedesenvolve um trabalho marcado pela domesticidade,porta de entrada para a profisso, percorrida por algu-mas das entrevistadas no processo informal de se torna-rem professoras. No trabalho a domiclio, as profes-soras jogam o jogo possvel de ser jogado, administrama continuidade/descontinuidade do tempo de trabalhoem funo de seu prprio cotidiano.

    Clara conta que desde criana gostava de brincardando aulas com botes, imaginariamente percebi-dos como classe de alunos. O incio de sua prticase d atravs de aulas particulares, que de to bemsucedidas transformam-se em escolinha funcionan-do em sua casa, na zona rural da cidade. Esta ativida-de se prolonga por muitos anos e torna-se estratgia

    para o pagamento de curso superior de Letras, feito noite em instituio de ensino superior prxima a suaresidncia, de baixo prestgio acadmico. Obtm tam-bm a licenciatura em Pedagogia como forma de am-pliar o campo de alternativas profissionais. Alguns anosmais tarde, inicia um curso de ps-graduao em lite-ratura infantil em universidade federal, que no podeser concludo pela tripla jornada de trabalho. Sua in-sero formal no magistrio da rede pblica se deupor concurso para sries mais elevadas do ensino fun-damental. Entretanto, por opo, trabalhou ainda poralguns anos em escola improvisada na parquia de umaigreja prxima a uma favela. Afirma que sua entradano magistrio ocorreu por caminhos tortuosos, nosquais voltou para trs, numa aluso prefernciapelo ensino primrio das camadas populares em detri-mento da escola secundria.

    Analisando o ofcio do professor, Weber (1997)nos faz ver como complexa esta problemtica e comoa domesticidade pode se constituir em srio obstculoao processo de profissionalizao docente, pois a suasuperao implica no apenas na definio de outrospadres de remunerao, mas tambm na delimitaode competncias, na institucionalizao de requisitosdo ponto de vista da formao inicial e do prprio exer-ccio da atividade. Sua existncia remete problem-tica da profisso vista como campo, no sentido atri-budo a este termo por Bourdieu,5 marcado por umalgica particular e por hierarquias e disputas. Permitea visualizao dos professores enquanto sujeitos queocupam posies distintas e contribuem com as ferra-mentas tericas e prticas que possuem e que adqui-

    5 O campo, para Bourdieu (1983), um espao social que

    possui estrutura prpria, relativamente autnoma em compara-o a outros espaos sociais, isto , a outros campos sociais. Oscampos se definem atravs de objetivos especficos, o que lhesgarante uma lgica particular de funcionamento e de estrutura-o. caracterstico do campo possuir suas hierarquias e dispu-tas internas, assim como princpios que lhe so inerentes, cujoscontedos estruturam as relaes que os atores estabelecem entresi e no seu interior.

  • Isabel Lelis

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    ram em seus percursos para a mudana ou permann-cia na e da instituio escolar.

    Pensando a trajetria de Clara, caberia refletir:sua experincia docente certamente sntese de acer-tos e equvocos. Mais do que julgar esta trajetria, aexigncia est em pensar as relaes que esta profes-sora construiu com o saber e com o saber fazer. Ditoem outras palavras, qual o peso da socializao esco-lar e profissional nas prticas que foi construindo?Como o saber acadmico alterou disposies nascidasna fase inicial da docncia, quando ainda experimen-tava domstica e intuitivamente recursos didticos, atporque os paradigmas de formao de professores ten-dem a tratar os alunos como espritos virgens e nolevam em considerao suas crenas e representaesanteriores a respeito do aluno? (Tardif, 2000 p. 19).

    Quando passamos s instituies propriamenteformadoras de professores, o desafio est na heteroge-neidade destas instituies do ponto de vista da quali-ficao acadmica oferecida. Se verdade que o pro-cesso de passagem da formao para o ensino superiorsignificou, na ltima dcada, uma luta do campo doseducadores no sentido de garantir uma fundamentaoterica mais consistente ao futuro professor, uma rela-o mais direta com a teoria que s a universidadepoderia oferecer, h outras dimenses deste fenmenoque precisam ser analisadas sob pena de estarmos pas-sando ao largo dos significados que a formao prviaocupa nos itinerrios de professores. Considerando quenas ltimas dcadas proliferaram cursos noturnos deensino superior em escolas privadas sob condies defuncionamento e de ensino muito precrias, e que se-ria ingnuo acreditar que a formao inicial pode ser onico motor de profissionalizao at porque aformao de professores s pode influenciar as suasprticas em determinadas condies e dentro de deter-minados limites (Perrenoud, 1993, p. 153), com-preensvel o fato de que a maioria das professoras terse referido a este espao e tempo como pouco estimu-lante do ponto de vista intelectual. Falas como No a faculdade que faz o aluno, o aluno que chega lcom sua bagagem..., Eu no tinha desejo nenhum defazer Pedagogia... acabei desistindo depois do primei-

    ro semestre... fazem-nos pensar na necessidade derecolocar no centro da discusso a complexidade daprofisso docente e como corolrio a formao de pro-fessores. Para Nvoa, o desafio est na anlise hist-rica do currculo dos cursos de formao de professo-res que tem oscilado entre trs plos: metodolgico,com uma ateno privilegiada s tcnicas e aos instru-mentos de ao; disciplinar, centrado sobre o domniode um saber; cientfico (pedaggico) tendo como re-ferncia as cincias da educao, enquadradas elasmesmas pelas cincias sociais e humanas,em particu-lar, a Psicologia. Com este tipo de lgica, reprodu-zem-se dicotomias (conhecimento fundamental/conhe-cimento aplicado, cincia/tcnica, saber/mtodos etc.)que no contribuem para pensar a relao dos profes-sores com o saber (Nvoa, 1998b, p. 172)

    Quanto s escolas normais, instituies tradicio-nalmente voltadas para a formao de professores,especialmente em regies menos desenvolvidas do Bra-sil, Gatti et al. (1998) chamam a ateno para proble-mas que se arrastam h dcadas, como a desarticula-o entre os diferentes tipos de conhecimentos quecompem o currculo, a reduo e o esvaziamento dasdisciplinas de carter instrumental, a ausncia de pro-jetos pedaggicos organicamente construdos pelosdocentes. Na qualidade de local por onde circulamcontingentes expressivos de jovens, os anos passadosem escolas normais bem poderiam ser consideradoscomo anos descoloridos, tal a falta de glamour dainstituio, agravados pela no-escolha e no-adesoa tornar-se professora (Weber, 1997).

    Para aquelas docentes que exaltaram este espaode formao, as memrias so a excelncia de ensino,a consistncia do trabalho realizado pelos professo-res, a boa formao cultural. Em que pesem imagensto diferentes sobre o papel da formao inicial naconstruo de um modo de ser professora, duas ordensde questes precisam ser colocadas. A primeira rela-ciona-se fora da socializao familiar e escolar naconfigurao de sistemas de pensamento comum a todauma gerao, isto , as disposies que organizam opensamento e a prtica durveis e transferveis sotributrias destas duas instituies, famlia e escola, o

  • Profisso docente

    Revista Brasileira de Educao 47

    que no significa que no comportem uma arte deinveno (Bourdieu, 1974). Pensando o trnsito en-tre a experincia escolar e o incio do exerccio profis-sional, Nvoa nos d uma pista para este processo depassagem:

    Este fato acentua um dos traos sociolgicos da pro-

    fisso docente: um professor primrio passa de um papel (ode estudante) para seu oposto (o de professor). No processode sua entrada na profisso, os docentes efetuam uma role-

    transition em vez de um role-reversal e, no incio de sua

    atividade profissional, utilizam freqentemente referncias

    adquiridas no momento em que eram alunos: num certo sen-

    tido, pode-se dizer que o crucial da profissionalizao do

    professor no ocorre no treinamento formal mas em servio.

    (Nvoa, 1991, p. 91)

    A segunda questo refere-se s exigncias quedevem pautar a formao inicial de professores, inde-pendente do nvel desta formao. Quer esta formaoacontea na universidade, quer se desenvolva em es-colas normais ou ainda em institutos superiores de edu-cao, o desafio est em reconhecer que nenhuma des-tas instncias poder isoladamente dar conta de suasnecessidades. importante introduzir a escola, enquan-to espao promotor de aprendizagem e de reflexo te-rico-metodolgica da prtica (Gmez, 1992), comoeixo estruturante da formao. Pensar a produo deuma conscincia crtica e da ao qualificada para ofuturo professor implica no abrir mo da pessoa doprofessor, da organizao escolar e da profisso emum plano coletivo (Nvoa, 1998a).

    A fora da escola na socializaoprofissional dos professores

    Assistimos na ltima dcada ao aparecimento deuma literatura voltada para pensar os professores comopesquisadores e como profissionais reflexivos. Estatendncia representa, sem dvida alguma, a busca porrequalificao dos docentes do ponto de vista social eprofissional. Metodologicamente, tem-se passado avalorizar abordagens biogrficas no horizonte de queo modo de vida pessoal acaba por interferir no pro-

    fissional. Em que pese a heterogeneidade das obrascom estes recortes e do perigo que ronda a prpria uti-lizao das narrativas autobiogrficas,6 importantereter alguns consensos. O primeiro deles diz respeito necessidade de afirmar a importncia das dimensestericas, tcnicas e pessoais do trabalho docente, ten-do em vista o resgate da autonomia profissional dosprofessores, ameaada no contexto da racionalizaoe privatizao do ensino. O segundo relaciona-se va-lorizao dos saberes de referncia da profisso a partirda reflexo dos prprios professores sobre sua prtica(Nvoa, 1998a). Ora, a escola o lugar privilegiadocapaz de redimensionar os saberes de que so porta-dores os professores, que se manifestam na ao peda-ggica, e as concepes sobre os processos de ensinare aprender que informam uma srie de comportamen-tos e atitudes.

    Katia uma professora que tem dupla insero:trabalha em escola pblica e em escola particular,ambas localizadas em bairro da zona norte da cidade.Esta professora construiu sua identidade profissionalde fato na escola privada na qual trabalha h vinteanos. Trata-se de escola de prestgio no conjunto dasinstituies particulares pelos resultados obtidos porseus alunos nos vestibulares da cidade e do estado doRio de Janeiro. Katia no conseguiu freqentar o cur-so de pedagogia, j que tem dupla jornada de trabalhoe arrimo de famlia. Mais do que socializada, estaescola foi a grande agncia formadora de idias, valo-res e prticas na vida desta professora, j que a escolapblica em que leciona encontra-se em processo dedeteriorao, sendo alta a rotatividade dos professo-res. Em seu depoimento, no h referncia a semin-

    6 Bourdieu (1996) chama a ateno para a iluso biogrfica

    e utiliza-se da metfora do nome prprio para questionar supostaspermanncias atribudas por filiao, estado civil, profisso, ex-presso de instituies juridicamente instituidoras de posies emespaos sociais. Para este autor, compreender uma vida como su-cesso de acontecimentos to absurdo como explicar um trajetode metr, sem levar em conta a estrutura da rede, a matriz dasrelaes objetivas entre diversas estaes.

  • Isabel Lelis

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    rios, oficinas, cursos nem a programas de entreteni-mento, compra e leitura de livros. Katia professoraem classes de alfabetizao e diz utilizar uma srie derecursos para ensinar a ler e escrever as crianas: m-sicas para lanar fonemas, tipos de material concretopara o ensino da matemtica.

    Diante deste fragmento de narrativa, duas ques-tes se colocam. O fato de Katia estar imersa em umainstituio privada com determinada atmosfera peda-ggica pode t-la levado a vestir o hbito de mongede que fala Bourdieu (1983), no lhe permitindo es-tranhar o familiar (Velho, 1987), tal a adeso aoprojeto pedaggico da instituio da qual foi uma dasautoras. Se parece haver espao nesta escola para aformao continuada de seu corpo docente, j que oiderio da instituio passa pelo investimento na re-flexo coletiva, o desafio est em pensar se a adesoincondicional escola lhe permitir uma reflexo so-bre a ao mais liberta dos constrangimentos impos-tos pela prpria instituio. A segunda questo rela-ciona-se hiptese de que a dimenso pedaggica dotrabalho se relaciona a outras esferas da vida social,isto , as prticas que professores realizam no soasspticas no sentido de estarem livres das posiesque ocupam no espao social. Suas disposies pro-fissionais so sntese viva de um conjunto de expe-rincias relativas s marcas da escolarizao a que fo-ram submetidos, aos processos de formao prvia, cultura da organizao escolar na qual construram umaforma de ser professor, pessoal e intransfervel.

    guisa de concluso

    Pensar a construo social do trabalho docente apartir de trajetrias de vida de professoras represen-tou um esforo de superao de perspectivas etnocn-tricas que tendem a definir a profisso a partir de umolhar para dentro, enclausurado no campo cientficoe poltico. Este olhar historicamente tem virado as cos-tas uma trama complexa de prticas, valores e sabe-res daqueles que fazem a escola quotidianamente.

    Para alm da passividade e incompetncia tcni-ca do magistrio, julgada e arbitrada pelas agncias

    governamentais e burocracias do Estado, o que impor-ta compreender que os professores ocupam posiesdiferenciadas em termos dos recursos que dispem eque construram em suas histrias. Por esta via, nohaveria um nico profissionalismo mas formas parti-culares de viver o trabalho, nem sempre visveis, nemsempre revestidas de caractersticas comuns, inclusi-ve do ponto de vista de um patamar em termos da for-mao inicial desejvel. As diferenas devem ser afir-madas, pois encerram condies objetivas de produodos sujeitos sob as quais construram formas de perce-ber e classificar o mundo. O carter polissmico dotrabalho docente no deve servir, contudo, de pretextoao imobilismo das instituies responsveis pela for-mao de professores administraes pblicas, uni-versidades, sindicatos. Deve constituir o eixo para adefinio de polticas pblicas voltadas de fato para avalorizao social do magistrio nos seus vrios sig-nificados.

    Se esta reflexo representou uma das verses dahistria social da profisso no Brasil nesta virada desculo, o futuro est em aberto e vai depender do jogode poderes e contrapoderes, das tenses e conflitos quecercam a profisso de professores.

    ISABEL ALICE LELIS, doutora em educao pela PUC-Rio, professora no Departamento de Educao dessa mesma Univer-sidade. Alm dos textos citados na bibliografia acima, publicou: Aformao da professora primria: da denncia ao anncio. SoPaulo: Cortez, 1993, j em terceira edio; Do ensino de contedosaos saberes do professor: mudana de idioma pedaggico? Educa-o e Sociedade, v. 22, n 74, abril de 2001, dossi Os saberesdocentes e sua formao. E-mail: [email protected]

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