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Thomas J. Sergiovanni
O Mundo-da-vida da Liderança
Como Criar um Sentido de Cultura, Comunidade e Significado Pessoal nas
Nossas Escolas
Conteúdos
Prefácio vii
O Autor xxi
O Mundo-da-vida no Centro 1
A Personalidade da Escola, a Eficácia da Escola 17
A Competência e o Carinho em Acção 35
A Comunidade numa Sociedade Diversificada 59
Parâmetros Estratificados e Avaliação de Responsabilidades Partilhada
75
A Criança Completa, a Escola Completa, Avaliação Holística 93
Professores: A Chave para o Desenvolvimento Escolar 123
Mudança Profunda e o Poder do Localismo 145
Liderança, Democracia e o Mundo-da-vida 165
Anexo A: Excerto de uma Avaliação Externa 183
Anexo B: Excertos de uma Avaliação Externa 189
Notas finais 199
Referências bibliográficas 201
Índice remissivo 213
Prefácio
A liderança engloba muitos e variados aspectos. No topo da lista está a
protecção do mundo-da-vida das nossas escolas. A maioria dos cidadãos
deseja que as escolas reflictam os valores e as crenças que são
verdadeiramente importantes para as suas vidas. No centro do mundo-da-vida
individual de cada escola em particular encontram-se as ideias e os
compromissos que funcionam como fonte de autoridade para as acções de
cada indivíduo. Ao contrário da autoridade hierárquica ou jurídica, a autoridade
do mundo-da-vida influencia o pensamento e o comportamento e fornece uma
base de apoio para tomar decisões e legitimar acções baseadas naquilo que as
pessoas acreditam sobre a sua escola e no que ela própria tenta realizar. Esta
autoridade existe sob a forma de valores e objectivos locais e acaba por
determinar as iniciativas locais que visam concretizar o próprio destino da
escola. Jamais será possível melhorar as escolas a longo prazo se estes
mundos-da-vida escolares forem ignorados e se a autoridade local for cerceada
por directivas pressionantes impostas do exterior.
Neste livro, exploro a razão pela qual o mundo-da-vida da escola é
importante e mostro aquilo que é necessário fazer para aproveitar a
capacidade e o espírito de uma autoridade local em proveito do progresso
escolar, sem nunca comprometer outros interesses sociais legítimos, tais como
os do estado. Por outras palavras, como é possível dar “a César o que é de
César” e, ao mesmo tempo, manter a autonomia local de que cada escola
necessita para reflectir os valores que têm um verdadeiro significado para
professores, alunos, pais e outros? Será possível responder a esta questão
quando tivermos compreendido a importância da personalidade institucional e a
sua respectiva ligação à eficácia das escolas. Proponho, por conseguinte, que
o objectivo fundamental da política educativa seja o desenvolvimento e a
valorização da personalidade institucional em cada um dos espaços escolares.
Actualmente, a educação com personalidade é um tema polémico, como
aliás deveria ser. Enquanto tema inerente ao melhoramento das escolas, a
personalidade conquistou o apoio de pais e professores, liberais e
conservadores, ricos e pobres, gente da cidade e do campo – quase todos,
sem excepção. Neste livro, desenvolvo o tema da personalidade ultrapassando
o actual enfoque no indivíduo, no seu bem-estar, nos seus direitos e deveres,
no seu compromisso para com o bem comum e na sua disponibilidade em
responder a este bem comum enquanto indivíduo. Centro-me, pelo contrário,
na personalidade ao nível institucional, ao nível da escola local. De facto,
podemos encarar também as escolas como tendo ou não personalidade. A
personalidade institucional e o progresso escolar caminham lado a lado.
A personalidade institucional reflecte-se na própria cultura da instituição.
As escolas com personalidade têm culturas únicas. Sabem exactamente quem
são e desenvolveram um entendimento comum dos seus objectivos. Celebram
a sua unicidade e carácter distintivo como um poderoso meio de atingir os seus
objectivos. As chaves para o seu sucesso incluem ter o controlo sob os seus
próprios destinos e dispor de normas e abordagens distintas para a realização
dos seus objectivos. Tanto o controlo como a distinção diferenciam estas
escolas daquelas onde a personalidade está pouco presente. Tanto o controlo
como a distinção valorizam o objectivo, a identidade, o sentido e o significado
para cada um dos membros da escola.
O desenvolvimento da personalidade da escola e os seus efeitos
subsequentes dependem imenso da autonomia local e da utilização sensata
dessa autonomia. A personalidade da escola jamais poderá desenvolver-se
suficientemente num ambiente descontextualizado, no qual todas as escolas
parecem iguais e a ideologia do “melhor caminho” acaba por fornecer os
mesmos parâmetros, currículo, ensino e avaliação para todos. Esse “melhor
caminho” pode fazer sentido numa linha de montagem, mas a verdade é que
uma boa ideia no mundo da produção em massa transforma-se numa má ideia
no variado mundo da política e das pessoas.
Sendo assim, como é que a liderança se enquadra nesta imagem? A
eficácia da escola requer uma liderança autêntica, uma liderança que seja
sensível aos valores, crenças, necessidades e desejos únicos dos profissionais
e cidadãos locais que são quem melhor sabe quais as verdadeiras condições
necessárias para um dado grupo de estudantes num contexto específico. É por
isso que nenhum modelo tipo “tamanho único” servirá. Os líderes com
personalidade baseiam a sua actuação em objectivos e ideias que definem as
escolas onde trabalham como lugares especiais e depois agem com coragem e
convicção para avançar e defender essas ideias.
Porém, criar uma escola eficaz implica mais do que uma liderança
autêntica e genuína. Envolve uma gestão logística traduzida num excelente
planeamento, práticas de gestão saudáveis, aplicação eficaz, sensibilidade
política, bem como competências de comprometimento na prática. A liderança
autêntica e a gestão logística são duas dimensões que, quando
cuidadosamente equilibradas, se apoiam uma à outra. Saber qual das
dimensões representa o ponto fulcral deste equilíbrio é, por isso, crucial, já que
determina a qualidade, a natureza e a expressão da outra dimensão. Saber
qual das dimensões está no centro e qual está na periferia parece ser uma
questão importante para a construção da personalidade de uma escola e, por
conseguinte, na previsão da sua eficácia.
O filósofo alemão Jürgen Habermas apresenta um esquema teórico e
um sistema de linguagem para a compreensão das duas dimensões e a forma
como devem ser equilibradas. Afirma que todas as organizações da sociedade,
desde as famílias até às grandes empresas possuem tanto um mundo-da-vida
como um mundo-dos-sistemas. No nosso caso, o mundo-da-vida é composto
pelos líderes e os seus objectivos, os seguidores e as suas necessidades, bem
como as tradições, rituais e normas únicos que definem a cultura de uma
escola. Por sua vez, as concepções e protocolos de gestão, as acções
estratégicas e tácticas, as políticas e os procedimentos e as garantias de
eficácia e avaliação compõem o mundo-dos-sistemas. A personalidade da
escola floresce quando o mundo-da-vida é a força geradora do mundo-dos-
sistemas. Por seu turno, a personalidade da escola degrada-se quando o
mundo-dos-sistemas é a força geradora para a determinação do mundo-da-
vida.
Habermas refere-se a esta última situação como a “colonização” do
mundo-da-vida pelo mundo-dos-sistemas e atribui muitos dos males da
sociedade a essa situação. Nas escolas, por exemplo, os objectivos, os valores
e as crenças dos administradores, professores, pais e crianças são
frequentemente decididos por avaliações parametrizadas e definidas pelo
estado, e não o contrário. O resultado é uma perda de personalidade no
espaço escolar individual, uma menor liderança autêntica e, por último, uma
escolaridade menos eficaz.
A profecia de Habermas parece ter-se tornado realidade. As iniciativas
de reforma escolar que ocorreram no início dos anos oitenta no Reino Unidos e
nos Estados Unidos e que rapidamente se propagaram para o Canadá, Nova
Zelândia e Austrália, davam ênfase aos currículos nacionais, aos parâmetros
uniformes, aos requisitos comuns para a elaboração de relatórios, aos testes
padronizados, ao ranking das escolas, aos sistemas uniformes de avaliação e
supervisão, aos modelos de ensino mais aconselhados e a tantos outros
desenvolvimentos que retiraram tanto o carácter distintivo como a discrição de
cada espaço escolar. Este desgaste do mundo-da-vida coloca a própria
personalidade institucional da escola em risco, põe em perigo as oportunidades
para o exercício de uma liderança local autêntica e aumenta a probabilidade de
as escolas serem menos eficazes a longo prazo.
Nos Estados Unidos, a perda de personalidade no sector escolar público
pode ser a força motriz subjacente à crescente popularidade das escolas
privadas independentes, das escolas católicas e de outras religiões, das
chamadas charter schools1 e outras escolas alternativas. Neste momento,
estas escolas parecem ser menos afectadas pelas iniciativas de reforma
resultantes da colonização do mundo-da-vida, permitindo-lhes não só preservar
como também desenvolver as suas culturas institucionais, muitas vezes com
aumentos acentuados ao nível da produtividade escolar.
Perguntamo-nos, no entanto, se as escolas religiosas continuarão livres
para desenvolver os seus mundos-da-vida e manter-se fiéis aos seus valores
fundamentais à medida que, lentamente, se aproximam do apoio financeiro
público. Será que os diplomas governamentais irão seguir a lei dos dólares? E
se tal acontecer, será que estes regulamentos irão comprometer os mundos-
da-vida destas escolas? Os educadores católicos, por exemplo, gostam de citar
o documento de 1973, To Teach as Jesus Did (Ensinar Como Jesus Ensinou).
Este documento propõe que a mensagem do Evangelho sobre comunidade e
serviço seja o principal objectivo da educação católica. Existirá um conflito
assim tão inerente entre ensinar como Jesus ensinou e a forma como o Estado
quer ensinar?
Muitos especialistas atribuem o sucesso das escolas com ligações
religiosas não tanto a um ensino de qualidade superior, ao currículo e às
1 Nota do tradutor: Escolas públicas alternativas geridas por professores, pais e alunos.
avaliações, nem tão pouco aos orçamentos avultados e melhores instalações,
mas sim à sua capacidade para criar um capital social e espiritual que acaba
por apoiar o desempenho académico dos alunos. As escolas com ligações
religiosas assemelham-se mais a comunidades de valores do que a
comunidades funcionais (Coleman e Hoffer, 1987; Bryk, Lee e Holland, 1993).
Será que tudo isso mudará se a discrição diminuir? Ou seja, será que a
personalidade se degradará e assistiremos à colonização dos mundos-da-vida
ímpares destas escolas? Os directores, presidentes dos conselhos executivos,
restantes representantes governamentais e administradores de empresas que
apoiam o uso de subsídios e de outras formas de financiamento para as
escolas com ligações religiosas dizem-nos para não nos preocuparmos com
estas questões. A autonomia não será comprometida. Porém, eu acredito que
o público acabará por exigir que os regulamentos sigam os dólares e que, no
final, estas escolas fiquem presas aos mesmos parâmetros, currículo, ensino,
avaliação e outros requisitos que se aplicam às escolas públicas. Esta
possibilidade levanta duas questões fundamentais. Primeiro, será que estas
escolas conseguirão manter-se únicas e ímpares? E segundo, se a unicidade
se perder, será que estas escolas continuarão a ser eficazes?
Neste livro é apresentado um conjunto maior de questões relacionadas
com este tema. Quais os efeitos da crescente colonização do mundo-da-vida
na personalidade da escola e na liderança autêntica? Até que ponto a
personalidade estará a degradar-se? Como é que os directores ou presidentes
dos conselhos executivos das escolas são afectados por estes assuntos? De
que forma a liderança da escola está ser redefinida? Há escolas mais
afectadas por estas tendências do que outras? Porque é que isso acontece?
Como é que os pais se enquadram neste panorama? Como é que o movimento
dos parâmetros, a pressão para a utilização de testes uniformes a nível
estadual e outras medidas de avaliação podem ser redefinidas para que
possam servir em vez de determinar o mundo-da-vida das escolas?
Breve panorâmica sobre o livro
Neste livro pretendo explorar estas questões tendo plena consciência de
que existem dois princípios básicos cujo enorme peso acaba por determinar se
as escolas nos Estados Unidos e noutros lugares do mundo são capazes de
construir os seus mundos-da-vida de uma forma capaz de servir a população
do modo mais conveniente. O poder do regionalismo está presente nestes dois
princípios, tal como o futuro da educação enquanto instituição democrática. O
primeiro é o princípio da subsidiariedade e, o segundo, o da mutualidade.
O princípio da subsidiariedade especifica que todos os membros de
cada sociedade e de cada instituição dessa sociedade não devem sofrer uma
intervenção, circunscrição ou regulação excessivas pelo Estado ou por
qualquer outra instituição. Este princípio coloca a fé e a responsabilidade nos
direitos e iniciativas locais como guardiães do mundo-da-vida das escolas e
das sociedades.
O princípio da mutualidade afirma que a interdependência sob a forma
de associações mutuamente benéficas caracterizadas pela dignidade e
respeito entre as pessoas, entre diferentes instituições e entre diferentes níveis
de governo, devem caracterizar as relações. De igual forma, este princípio
coloca a fé e a responsabilidade nos direitos e iniciativas locais como guardiãs
do mundo-da-vida, mas considera-as como partes integrantes de uma
comunidade maior, onde os interesses de todos os níveis são reunidos em pé
de igualdade.
A reunião dos princípios da subsidiariedade e da mutualidade é uma das
formas de construir um sistema de escolaridade enraizado nos mundos-da-vida
locais, embora ligado a interesses sociais mais abrangentes. O presente livro
tenta demonstrar de que forma é que este objectivo pode ser alcançado e
como é possível criar um sistema educativo baseado em lealdades
estratificadas e avaliação da responsabilidade partilhada, alicerçado em
preocupações e iniciativas locais, sem nunca comprometer as legítimas
preocupações e interesses do estado e de outros representantes.
O Capítulo Um examina a função que a cultura exerce no fornecimento
de uma estrutura única para cada escola que lhe permita formar e desenvolver
o seu mundo-da-vida. Através deste mundo-da-vida, os pais, alunos,
professores e restantes intervenientes da região estabelecem ligações, moldam
relações, discutem objectivos, criam compromissos e experimentam o seu
sentido e significado genuínos. Este processo constrói a personalidade no
interior da escola, aumentando a sua capacidade para servir as necessidades
intelectuais, sociais, culturais e cívicas dos seus alunos. De igual forma,
apresentam-se exemplos de como este mundo-da-vida está actualmente em
fase de deterioração nos Estados Unidos e no estrangeiro. Exploram-se ainda
as consequências da “colonização” da vida moral das várias escolas locais pelo
mundo-da-vida, bem como a sua respectiva eficácia enquanto instituições de
ensino e de aprendizagem.
O problema é-nos apresentado como uma questão de equilíbrio. Será
que os valores locais, os objectivos, as necessidades e os requisitos que
representam os “fins” da escolaridade devem determinar cada vez mais as
questões logísticas dos parâmetros, objectivos, currículo, ensino e avaliação
ou, por outro lado, será que estes meios devem “meios” colonizar o mundo-da-
vida, ao ser-lhes permitido determinar os valores, os objectivos, as
necessidades e os requisitos das escolas locais? “É necessário que os
objectivos determinem a organização,” alertam os Princípios Orientadores do
Ensino Secundário (Comissão para a Reestruturação do Ensino Secundário,
1918)2, “caso contrário a organização acabará por determinar os objectivos.”
O Capítulo Dois examina o elo entre a personalidade da escola, sob a
forma de um mundo-da-vida próspero, e a respectiva eficácia da escola. A
eficácia da escola é amplamente definida como a sua capacidade para atingir
níveis superiores de motivação e consideração entre os seus alunos, fomentar
relacionamentos caracterizados pela atenção e civilidade, e registar aumentos
significativos na qualidade do desempenho dos alunos, tanto nas avaliações
convencionais como alternativas. Vários factos sugerem que as escolas que
funcionam como comunidades com objectivos bem definidos, onde os valores
únicos são importantes, onde a atenção pelos outros é a norma, onde as
questões académicas têm uma importância vital e onde os pactos sociais
conduzem pais, professores, alunos e outros a um compromisso comum,
atingem resultados surpreendentemente bons. Torna-se igualmente claro que a
autoridade local é um ingrediente necessário nesta equação da eficácia da
escola.
2 Cardinal Principles of Secondary Education (Commission on the Reorganization of Secondary Education, 1918)
No Capítulo Três exploramos as virtudes que subjazem à profissão de
professor. Estas virtudes, tal como são combinadas com as características de
escolas eficazes definidas no Capítulo Dois, são vividas nos átrios e nos
corredores da vida do dia-a-dia da International School of the Americas (ISA). A
história da ISA é contada no Capítulo Três. A ISA é uma escola pública não
selectiva com cerca de quatrocentos alunos e um sucesso extraordinário, que
partilha o recinto escolar com uma escola secundária maior.
A comunidade é o centro do mundo-da-vida da escola. A comunidade
protege o mundo-da-vida da escola, assegurando que os meios devem servir
os fins e não o contrário. As comunidades exigem que as pessoas se reúnam
para partilhar compromissos, ideias e valores comuns e usem este núcleo de
ideias como fonte de autoridade para aquilo que fazem. Porém, vivemos numa
sociedade diversificada e, muitas vezes, é difícil chegar a um acordo. Será
possível termos comunidade e diversidade ao mesmo tempo? Etzioni (1993)
acha que sim e pede-nos que consideremos a metáfora do mosaico como
forma de reflectir sobre as escolas e outras instituições que procuram ser
comunidades numa sociedade diversificada. Um mosaico é composto por
peças de cores e formas diferentes que são mantidas unidas por uma moldura
e cola comuns. Poderemos construir escolas tendo em mente esta metáfora?
Será possível protegermos tanto a diversidade, como a união, numa escola,
inculcando lealdades estratificadas? Estes são alguns dos temas analisados e
ilustrados no Capítulo Quatro.
O Capítulo Cinco examina o impacto dos parâmetros e das avaliações
nos mundos-da-vida das escolas individuais e comunidades locais. Embora a
intenção possa ser a concepção de parâmetros e de avaliações que sirvam os
objectivos e metas das escolas, a verdade é que, normalmente, os parâmetros
e avaliações acabam por determiná-los com extrema frequência. Propomos
uma alternativa que se baseia em parâmetros estratificados, em vez de
padrões uniformes, e na responsabilidade partilhada. Esta alternativa
pressupõe que seja razoável, tanto para o Estado, como para os
representantes locais, estabelecerem os parâmetros e avaliarem as
capacidades. Por exemplo, os estados podem estabelecer parâmetros para
todas as escolas nas áreas de competências de leitura, escrita e matemática
elementar. As escolas locais e as divisões escolares administrativas podem,
assim, assumir a responsabilidade pelo estabelecimento de parâmetros nas
restantes áreas do currículo. Este capítulo mostra como é que um sistema
desses pode funcionar para benefício de todos os representantes.
No fundo, aquilo que queremos é escolas boas. No entanto, definir com
exactidão aquilo que é uma boa escola é difícil. É óbvio que pessoas diferentes
querem coisas diferentes. No entanto, quase todos são unânimes em
concordar que as boas escolas não podem ser unicamente definidas pelos
resultados registados nos testes estaduais. Confiamos nos testes padronizados
porque sabemos como os usar e porque são fáceis de usar. No Capítulo Seis
propõe-se uma visão mais abrangente da avaliação– que não se baseie
apenas em testes, mas também noutras formas de avaliação. Para além disso,
já que os mundos-da-vida das escolas diferem e as pessoas querem coisas
diferentes das escolas, é provável que num sistema estratificado as escolas
também tenham parâmetros diferentes que acabem por invalidar as avaliações
padronizadas. Para solucionar este problema, proponho que seja adoptado um
exame completo da qualidade da escola. Muitos países usaram estes exames
ou avaliações como uma componente dos seus sistemas de “avaliação”.
Refira-se, aliás, que esta ideia geral, com ligeiras modificações para o nosso
próprio sistema, tem bastante mérito.
O estado de Nova Iorque fez experiências com todo o processo de
avaliação à qualidade das escolas e o estado de Illinois está actualmente a
implementar a sua própria versão do processo. Estas inspecções, conduzidas
por uma equipa visitante composta por pais, professores, administradores e
representantes do Estado examina as várias dimensões da eficácia, durante
um período de vários dias. A base da avaliação é uma auto-avaliação feita pela
escola, na qual todos os seus objectivos são delineados, os parâmetros são
descritos e em que são fornecidas provas de que esta está a progredir em
direcção aos seus objectivos.
Num sistema de parâmetros estratificados e de responsabilidade
partilhada uma determinada equipa de avaliação basearia uma parte da sua
avaliação em parâmetros objectivamente centrados na leitura, matemática e
escrita elementares, conforme proposto pelo estado. A equipa de avaliação
basearia, então, as suas avaliações em determinados parâmetros centrais e
diversificados em áreas curriculares chave, conforme desenvolvidas pela
escola, bem como determinados parâmetros centrais e diversificados nas áreas
de aprendizagem social e emocional, conforme amplamente propostas pela
escola. Os parâmetros da escola em áreas não curriculares, tais como o uso de
recursos, cultura e comunidade escolar e parâmetros de ensino, como o
profissionalismo, a colegialidade, o crescimento profissional e a qualidade no
exercício das funções, seriam também avaliados pela referida equipa de
inspecção. São fornecidos exemplos de como um sistema desta natureza pode
funcionar.
O Capítulo Sete volta-se para a temática dos professores, do seu
trabalho e da sua aprendizagem. Este capítulo baseia-se numa premissa
simples: quanto maior o conhecimento dos professores e quanto maiores as
suas competências para o ensino, maior será o sucesso das escolas no que se
refere à evolução do ensino. O Capítulo Sete analisa a forma como a liderança
orientada para o mundo-da-vida pode fornecer o apoio de que os professores
necessitam para funcionar mais eficazmente.
No Capítulo Oito centramo-nos na questão da mudança, examinando as
estratégias que apoiam os mundos-da-vida das escolas e provocam alterações
que afectam a qualidade do ensino e da aprendizagem que têm lugar nas salas
de aula. As actuais estratégias de mudança baseiam-se em directrizes
burocráticas, competências interpessoais e estilos dos agentes de mudança,
competição de mercado, incentivos e teorias de escolha individuais. No
entanto, as forças profissionais, culturais e democráticas são os meios que
permitem construir uma comunidade profissional, contratual e democrática
numa escola. As estratégias de mudança alternativas propostas são compostas
por parâmetros de especialização profissional, colegialidade e normas
profissionais; valores culturais partilhados, objectivos, conceitos sobre
pedagogia e relacionamentos; e contratos sociais democráticos e
compromissos partilhados para o bem comum.
O Capítulo Nove dedica-se à questão da liderança e da sua relação com
a democracia e com o mundo-da-vida. As escolas precisam de uma liderança
especial precisamente porque são, elas próprias, lugares especiais. Para além
disso, a liderança orientada para o mundo-da-vida e para os ideais
democráticos baseia-se em ideias, e não na personalidade, bem como a
promoção e cultura de uma relação de seguidismo partilhada. Para que a
liderança seja eficaz é necessário analisar a sua autoridade moral. Há quem
defenda que a liderança se dirige a questões espirituais e normativas e que é
concebida para aproximar as pessoas na procura de um significado e
importância para as suas vidas.
O Capítulo Nove apresenta também uma justificação para o uso de uma
versão republicana, e não pluralista, de democracia, como estrutura-quadro
para a compreensão de como as responsabilidades devem ser atribuídas ao
longo do espectro político, desde o espaço individual da escola até ao gabinete
do presidente do conselho executivo. As concepções republicanas de
democracia, fiéis aos princípios da subsidiariedade e mutualidade, são directas
e procuram envolver as pessoas, em primeiro lugar, nos assuntos que afectam
as suas vidas pessoais. Para fazer com que a democracia directa funcione ao
nível local, terão de ser fornecidas e seguidas algumas regras contratuais. O
papel do líder nestas deliberações é o de criar informações válidas e úteis,
ajudando as pessoas a fazer escolhas livres e informadas e a construir um
compromisso interno.
E agora para onde vamos?
Respeitar as diferenças mantendo simultaneamente a unidade é um
princípio que tem raízes profundas na nossa sociedade constitucional. As
lealdades estratificadas fazem parte da nossa experiência comum. Ser membro
de comunidades que estão integradas noutras comunidades é algo que
caracteriza a nossa existência normal (Etzioni, 1996). No entanto, estes
princípios nem sempre parecem estar no centro das nossas deliberações
quando as políticas escolares são debatidas e quando são iniciadas estratégias
de melhoramento das escolas. O que se perde com esta negligência? Os
ideais democráticos essenciais para a preservação e crescimento dos mundos-
da-vida, aos quais cada um de nós necessita de pertencer para que possa
encontrar um sentido naquilo que faz, para compreender como está ligado a
um mundo maior e mais impessoal, para exprimir os seus valores e crenças e
encontre um significado para a sua vida. Independentemente de tudo aquilo
que também fazemos para melhorar as escolas, só poderemos ter um sucesso
inequívoco quando as condições do mundo-da-vida forem vividas pelos pais,
alunos, professores e outros que estejam localmente envolvidos com as nossas
escolas.
A sociedade coloca o fardo da preservação e desenvolvimento dos
mundos-da-vida nas suas organizações e instituições sociais. Disso são
exemplos as famílias, as comunidades religiosas, as organizações de
beneficência mútua e as associações cívicas. Entre as organizações sociais, as
escolas têm funções particularmente importantes a desempenhar. Larry Cuban
(1998) defende que as boas escolas têm vários estilos. Umas são tradicionais,
outras são progressivas e outras ainda estão algures entre estas duas. Mas,
independentemente dos seus estilos, as boas escolas partilham três
características: pais, professores e alunos estão satisfeitos com ela; as escolas
têm sucesso no cumprimento dos seus próprios objectivos definidos; e os
alunos que completam os seus estudos nessa escola exibem valores, atitudes
e comportamentos democráticos. Nas boas escolas o mundo-da-vida está vivo
e saudável.
A minha intenção ao escrever este livro é identificar, em termos práticos,
o que está verdadeiramente em jogo para as nossas crianças, para as nossas
escolas e para a nossa nação numa altura em que os ambientes sociais
começam a ser cada vez mais pressionados por abordagens para o
desenvolvimento escolar estilo “o melhor caminho”, muitas vezes bem
intencionadas. Estas abordagens especificam parâmetros, currículo e padrões
de organização, protocolos de ensino e avaliações, que actualmente parecem
dominar os programas de desenvolvimento escolar dos Estados Unidos, bem
como de muitos outros países. Preocupo-me com as inúmeras contradições
que acompanham esta tendência. A saber: a prática de descentralização dos
meios em escolas individuais, enquanto que, ao mesmo tempo, se usam fins
centralizados a nível estadual. Com o decorrer do tempo, a centralização dos
fins acaba por centralizar os próprios meios que deveriam ser descentralizados.
Entretanto, há cada vez mais solicitações para que haja mais escolhas que
permitam aos pais seleccionar escolas e programas escolares, ao mesmo
tempo que as escolas começam a parecer-se cada vez mais umas com outras.
Sabemos bastante sobre o que caracteriza uma escola de sucesso. Tive
oportunidade de resumir algum deste conhecimento em três outros livros: Moral
Leadership (1992), Building Community in Scools (1994) e Leadership for the
Schoolhouse (1996). A personalidade institucional é uma característica comum
das escolas de sucesso. Esta personalidade tem muito a ver tanto com o
sucesso académico, como com o sucesso social da escola. Os reformadores
das escolas e tantos outros interessados na melhoria das escolas poderão
enriquecer a personalidade da escola preservando a sua unicidade,
encorajando o desenvolvimento de um centro de valores capaz de apontar o
caminho e conduzir o comportamento e, ao mesmo tempo, fornecendo a
discrição suficiente tanto sobre os meios, como sobre os fins para que a escola
possa, de facto, funcionar com personalidade. Uma das coisas que sabemos
com toda a certeza é que a personalidade institucional, tal como a
personalidade individual, não pode desenvolver-se com sucesso num ambiente
onde a discrição tenha sido eliminada.
Para todos nós, o desafio da liderança assume-se como uma tarefa
formidável. A boa notícia é que, apesar de um clima de reforma que muitas
vezes frustra a personalidade institucional, a personalidade continua a existir,
de qualquer forma, em muitos sítios. Para além disso, a maioria das pessoas
que querem melhorar as escolas reconhecem a importância dos mundos-da-
vida individuais e colectivos e o seu impacto na personalidade da escola.
Talvez este livro possa dar um contributo valioso centrando a sua atenção
nestes assuntos e incentivando discussões que conduzam a estratégias
práticas para o respeito das diferenças, embora mantendo a unidade, honrando
e usando lealdades estratificadas e considerando as escolas como
comunidades inseridas noutras comunidades.
Em suma, o mundo-da-vida é a essência da esperança. E o mundo-dos-
sistemas é o meio para atingir essa esperança. Ambos são necessários para
que as escolas floresçam. As escolas e as comunidades locais podem ser as
linhas avançadas na defesa dessa esperança, mantendo o equilíbrio
adequado. A possibilidade de atingir este equilíbrio a todos os níveis da
governação, desde o edifício governamental até ao edifício escolar, pode ser o
objectivo mais importante da liderança.
San António, Texas, Agosto de 1999
Thomas J. SergiovanniO Autor
Thomas J. Sergiovanni é Professor da Cátedra Lillian Radford de
Educação e Administração na Trinity University, em San Antonio, no Texas.
Recebeu o diploma de Bacharel em Ciências (1958) da educação na área do
ensino básico pela Universidade Estadual de Nova Iorque, em Geneseo;
completou o Mestrado (1959) em administração educativa no Teachers
College, Columbia University; e ainda o Doutoramento em Educação (1966),
também em administração educativa, pela Universidade de Rochester.
Entre 1958 e 1964, foi professor numa escola do ensino básico,
consultor científico no Estado de Nova Iorque e deu aulas no programa de
formação para professores na Universidade Estadual de Nova Iorque, em
Buffalo. Em 1966, iniciou um período de docência de dezanove anos da
cadeira de Educação Administrativa na Universidade do Illinois, em Urbana-
Champaign, onde presidiu o departamento durante sete anos.
Na Trinity University, Thomas J. Sergiovanni é docente do programa de
liderança escolar, bem como no programa de formação de professores com a
duração de cinco anos. É membro efectivo do Centro para a Liderança
Educativa e director fundador do Centro de Reitores da Trinity University.
Antigo editor associado da revista Educational Administration Quaterly,
colabora ainda nos conselhos editoriais do Journal of Personnel Evaluation in
Education, do Teachers College Record e do Catholic Education: A Journal of
Inquiry and Pratice. Entre os seus livros mais recentes contam-se Moral
Leadership: Getting to the Heart of School Improvement (1992), Building
Community in Schools (1994), The Principalship: A Reflective Practice
Perspective (1995), Leadership for the Schoolhouse: How is it Different? Why Is
It Important? (1996) e ainda Rethinking Leadership (1999).
1
O Mundo-da-vida no Centro
Os líderes escolares com maior sucesso dir-lhe-ão que possuir uma boa
cultura e dedicar atenção à forma como pais, professores e alunos definem e
experimentam o sentido são duas regras básicas para a criação de escolas
eficazes amplamente aceites. Continuamos a ter de nos preocupar com
parâmetros, currículo, desenvolvimento dos professores, testes, recursos e a
criação de conceitos de gestão apropriados para que as mais variadas acções
possam ser concretizadas. No entanto, estas preocupações só terão
verdadeiramente importância quando a cultura adequada for implementada e
quando pais, professores e alunos puderem interagir de uma forma significativa
com a escola.
A Cultura da Escola
A cultura é geralmente encarada como a cola normativa que une uma
determinada escola. Composta por visões, valores e crenças comuns no seu
centro, a cultura serve como o norte de uma bússola, conduzindo as pessoas
numa mesma direcção. Fornece normas que regem a forma como as pessoas
interagem umas com as outras. Fornece uma estrutura para decidir aquilo que
faz ou não faz sentido. A cultura, tal como salienta Louis (1980), é “um conjunto
de interpretações comuns para a organização de acções, linguagem e outros
veículos simbólicos conducentes à expressão de interpretações comuns” (pág.
227).
Para ter sucesso na construção de uma cultura, os líderes escolares têm
de dedicar especial atenção aos aspectos informais, subtis e simbólicos da vida
escolar. Professores, pais e alunos precisam de respostas para perguntas
como estas: Para que serve e qual a especificidade desta escola? O que é
verdadeiramente importante aqui? Em que é que acreditamos? Porque
funcionamos assim? De que forma é que somos únicos? Como é que eu e os
outros nos enquadramos numa mesma estrutura? A resposta a estas
perguntas fornece-nos um quadro conceptual que nos permite compreender a
vida escolar de cada um. De facto, a partir desta compreensão origina-se um
sentido de objectivo e um significado enriquecido. O objectivo e o significado
são essenciais para ajudar a escola a tornar-se numa comunidade de ensino
eficaz – uma comunidade de espírito e de coração. Tal como afirma Thomas B.
Greenfield (1973): “Aquilo que a maioria das pessoas parece querer das
escolas é que estas reflictam os valores que são centrais e que têm
verdadeiramente sentido na sua vida. Se esta visão estiver correcta, as escolas
são artefactos culturais que as pessoas se esforçam por moldar à sua própria
imagem. Só assumindo essas formas é que as pessoas acreditam nelas; e
apenas nessas formas é que poderão participar confortavelmente nelas” (pág.
570).
Se acreditam, tal como eu, que o facto de os pais, os professores e os
alunos acreditarem na escola é essencial para o seu sucesso, então valerá a
pena inscrever esta citação no edifício de cada recinto escolar. O melhor
indicador de uma boa escola pode muito bem ser a extensão em que a sua
imagem acaba por reflectir as necessidades e desejos dos seus pais,
professores e alunos. Para ter a certeza absoluta, é necessário que outros
interesses sejam apropriadamente servidos. No entanto, estes interesses
devem ser combinados juntamente com os dos pais, professores e alunos,
cujos interesses devem permanecer importantes, se não mesmo centrais.
Greenfield (1984) sustenta que a tarefa da liderança consiste em criar
uma ordem moral capaz de interligar o líder e os outros. James Quinn (1981)
coloca a questão desta forma: “O papel do líder é, portanto, o de um
orquestrador e de um classificador: extraindo aquilo que pode ser retirado por
meio da acção e dando-lhe a forma – normalmente depois do acontecimento –
de um compromisso duradouro com uma nova direcção estratégica. Em
resumo, dá-lhe um significado” (pág. 59).
Em 1957, Philip Selznick definiu alguns pontos:
A arte do líder criativo é a arte da construção de uma instituição, o acto
de refazer os materiais humanos e tecnológicos para moldar uma organização
que encarne valores novos e duradouros [pp. 152-153]... “Institucionalizar” é
infundir com valores que ultrapassem os requisitos técnicos da tarefa em mãos
[pág. 17]... Sempre que os indivíduos se ligam emocionalmente a uma
organização ou a uma dada forma de fazer as coisas, como pessoas e não
como técnicos, o resultado é a estima e a valorização do próprio dispositivo em
si. Do ponto de vista da pessoa que assume o compromisso, a organização
passou de uma ferramenta dispensável para uma valorizada fonte de
satisfação pessoal [pág. 17].
O líder institucional é, portanto, e em primeiro lugar, um especialista na
promoção e protecção dos valores (pág. 28).
Selznick aponta para dois domínios que podem existir lado a lado numa
escola. Um, é um domínio técnico-instrumental e o outro, o domínio dos
valores. Um lida com métodos e meios. O outro lida com objectivos e metas.
Quando a escola coloca o domínio dos valores no centro como a força motriz
de toda a actividade e o domínio técnico-instrumental na periferia, passa de
uma organização absolutamente trivial e comum para uma instituição única,
vibrante e, na generalidade, com mais sucesso. As instituições, salienta
Selznick, são tão importantes para as pessoas e tão permeadas com valores
que acabam por se tornar fontes de significados e sentidos profundos e
passam a ser consideradas, elas próprias, como fins.
No entanto, as organizações são pouco mais do que estratégias
instrumentais concebidas para atingir objectivos – estratégias que estão
constantemente em risco. Selznick (1957) observa que é provável que as
organizações dêem mais relevo aos métodos do que aos objectivos, facto que
resulta na substituição dos meios pelas finalidades (pág. 12). Isso acontece nas
escolas em que as regras estabelecidas para ajudar a concretizar um dado
objectivo, os testes concebidos para fornecer informações aos professores, as
estruturas divididas em departamentos com o intuito de aproximar o corpo
docente e discente enquanto comunidades de acção, e os planos de disciplina
implementados para leccionar os alunos e aumentar a civilidade se tornam,
eles próprios, fins.
Uma das descobertas reveladas na literatura sobre escolas de sucesso
(para exemplo mais recentes, consultar Bryk e Driscoll, 1988; Meier, 1995; e
Darling-Hammond, 1997) é que as escolas que se assemelham a instituições
com zonas centrais de valores e crenças que assumem características
sagradas. Como repositórios de valores, estas zonas centrais são fontes de
identidade para pais, professores e alunos para quem a sua vida escolar
ganhou sentido. O facto de as coisas terem um significado origina um elevado
nível de compromisso para com a escola, um maior esforço, relações mais
próximas entre todos, bem como um empenhamento académico mais intenso
por parte dos alunos – tudo virtudes em si, é certo, mas com a importância
acrescida de gerarem níveis mais elevados de desenvolvimento do aluno e um
melhor desempenho académico.
O mundo-da-vida
A cultura, o significado e a importância são componentes do “mundo-da-
vida” da escola. Este mundo-da-vida pode ser comparado com o “mundo-dos-
sistemas”. O mundo-dos-sistemas é um mundo de estratégias que são
normalmente experimentadas nas escolas como sistemas de gestão. Estes
sistemas deveriam ajudar as escolas a atingir de forma eficaz e eficiente os
seus objectivos e metas. Por seu lado, esta concretização, reforça idealmente a
cultura e enriquece o seu sentido e importância. Quando as coisas funcionam
convenientemente numa escola, o mundo-da-vida e o mundo-dos-sistemas
comprometem-se um ao outro numa relação simbiótica.
As relações simbióticas aproximam dois elementos diferentes de uma
maneira em que ambos beneficiam. A chave é o princípio da mutualidade. A
mutualidade depende do nível de intimidade entre os elementos caracterizados
pela confiança e pelo respeito. A mutualidade depende também da paridade.
Quando são reunidos simbioticamente, o mundo-da-vida e o mundo-dos-
sistemas têm uma posição de igual relevância.
Um dos temas importantes na discussão que se segue é que a
mutualidade só pode ser alcançada nas escolas, nas famílias, em grupos de
amigos, em comunidades religiosas e noutras associações civis quando o
mundo-da-vida conduz o mundo-dos-sistemas. Mas quando o mundo-dos-
sistemas conduz o mundo-da-vida, a personalidade organizacional degrada-se.
Nas escolas, isso resulta em inúmeras disfunções, incluindo um elevado
descomprometimento e um fraco desempenho escolar por parte dos alunos.
Os termos mundo-da-vida e mundo-dos-sistemas, enquanto significados
gerais, são emprestados do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas1.
Habermas usa a linguagem “mundo-dos-sistemas” e “mundo-da-vida” para
descrever os dois domínios mutuamente exclusivos, embora idealmente
interdependentes de todas as organizações da sociedade, desde a família à
organização formal mais complexa. Quando comparado com o mundo-da-vida,
o mundo-dos-sistemas, segundo a estrutura de Habermas, tem pouco a ver
com a “teoria dos sistemas” e os seus postulados de interdependências,
alteração sistémica e afins.
Quando falamos sobre o material da cultura, a essência dos valores e
crenças, a expressão das necessidades, objectivos e desejos das pessoas e
ainda sobre as fontes de profunda satisfação sob a forma de sentido e
significado, estamos a falar do mundo-da-vida das escolas e dos pais,
professores e alunos. O mundo-da-vida fornece os alicerces para o
desenvolvimento de capitais sociais, intelectuais e outras formas de capital
humano que, por seu turno, contribuem para o desenvolvimento do capital
cultural, que posteriormente enriquece o próprio mundo-da-vida. Trata-se de
um ciclo de “reprodução cultural”. O mundo-dos-sistemas, pelo contrário, é um
mundo de estratégias instrumentais, de meios eficientes concebidos para a
concretização de determinados fins. O mundo-do-sistema fornece o alicerce
para o desenvolvimento da gestão e do capital financeiro e organizacional que,
por sua vez, contribui para o desenvolvimento do capital material, que vem
depois enriquecer o mundo-dos-sistemas. Trata-se de um ciclo de “reprodução
material”. O primeiro é um mundo de objectivos, normas, crescimento e
desenvolvimento, enquanto que o último é um mundo de eficiência, resultados
e produtividade.
Ambos os mundos têm valor. Ambos os mundos são importantes para a
escola. E ambos os mundos são também importantes para outro tipo de
organizações. Veja-se a família, por exemplo. As famílias estão preocupadas
com objectivos, normas e tradições; centram a sua atenção na protecção,
crescimento e desenvolvimento dos seus membros; e procuram melhorar o
sentido e o significado que os membros vivenciam, permitindo-lhes ter uma
vida mais satisfatória. As famílias também fazem orçamentos, poupam para a
educação, planeiam férias, têm horários, organizam calendários, preenchem
declarações fiscais e preocupam-se com os custos operacionais. Graças a um
equilíbrio adequado, o mundo-dos-sistemas e o mundo-da-vida da família
engrandecem-se mutuamente. No entanto, para que esta relação seja
mutuamente benéfica tanto nas organizações, como nas famílias e escolas, o
mundo-da-vida tem de ser produtivo. Tem de ser a força que conduz o mundo-
dos-sistemas.
Centro e Periferia
Nas famílias, nas escolas e nas outras organizações sociais existe um
centro e uma periferia. Quando as organizações sociais funcionam
adequadamente o mundo-da-vida ocupa a posição central. Uma maneira
excelente de visualizar esta relação é recordar a velha máxima “a forma deve
seguir a função, caso contrário a função seguirá a forma.” Quando uma escola
toma decisões sobre meios, estruturas e políticas concebidas para servir os
seus objectivos e valores, o mundo-da-vida está no centro. A forma segue a
função. Mas quando os objectivos escolares são definidos por decisões sobre
meios, objectivos e políticas da escola, o mundo-da-vida e o mundo-dos-
sistemas já não estão adequadamente alinhados. Em vez disso, o mundo do
sistema domina o mundo-da-vida. A função segue a forma.
Aprofundemos um pouco mais a teoria de Habermas. As escolas
desenvolvem e mantêm os seus mundos da vida agindo de forma “expressiva”
e “normativa”. A acção expressiva acontece quando pais, professores e alunos
expressam as suas necessidades, visões, valores e crenças individuais dentro
do contexto cultural da escola. A acção normativa ocorre quando procuram agir
com meios que encarnam os valores, visões e crenças comuns da escola.
As escolas desenvolvem e mantêm o seu mundo-dos-sistemas agindo
de forma “teleológica” e “estratégica”. A acção teleológica envolve o
estabelecimento de objectivos e a criação dos sistemas necessários à sua
prossecução. Para além disso, a acção estratégica implica que sejam feitas as
escolhas correctas entre as estratégias alternativas com a intenção de
maximizar o valor. As escolas identificam os objectivos, promovem visões e
valores, planeiam operações e dedicam-se ao ensino e à aprendizagem
incorporando as quatro formas de acção: expressiva, normativa, teleológica e
estratégica. O elemento chave para a teoria de Habermas é que todas as
organizações podem ser simultaneamente compreendidas como mundos-dos-
sistemas e mundos-da-vida. Igualmente essencial é que as acções teleológicas
e estratégicas do mundo do sistema devem servir as acções expressivas e
normativas do mundo-da-vida e ser por estas determinadas.
Porquê a necessidade de haver esta sustentação numa teoria tão longa
e elaborada como a de Habermas? Precisamente porque, considerando que as
escolas têm tanto um mundo-dos-sistemas, como um mundo-da-vida, e que
ambos devem ser equilibrados com sucesso para funcionarem, isso leva-nos a
um problema bem maior que afecta as escolas em todo o mundo. Habermas
(1987) refere-se a este problema como a “colonização do mundo-da-vida” pelo
mundo-dos-sistemas (pp. 173, 353-356). A colonização ocorre quando o
mundo-dos-sistemas começa a dominar o mundo-da-vida.
Equilibrar os dois mundos não nega o facto de que um dos dois será
sempre gerador. Ou o mundo-da-vida determina como será o mundo-dos-
sistemas, ou então o mundo-dos-sistemas determinará como será o mundo-da-
vida. Ou os sistemas de gestão são concebidos unicamente para incorporar e
atingir os objectivos, valores e crenças de pais, professores e alunos numa
determinada escola, ou os objectivos, valores e crenças de pais, professores e
alunos acabarão por ser determinados pelos sistemas de gestão escolhidos (ou
mais provavelmente determinados a nível estadual ou regional). Ou as visões e
parâmetros únicos e estabelecidos localmente determinam quais serão os
testes, conteúdos curriculares e estilos de ensino, ou então os testes,
conteúdos curriculares e estilos de ensino impostos pelo exterior acabarão por
determinar as visões e parâmetros das escolas locais.
Infelizmente, tal como a presa que não se apercebe da aproximação do
predador, a colonização acontece gradualmente e passa quase despercebida.
À medida que o mundo-dos-sistemas se desloca para o centro, o mundo-da-
vida e o mundo-dos-sistemas ficam separados. Esta separação é o primeiro
passo em direcção à colonização. Quando o mundo-dos-sistemas domina, os
objectivos, as intenções, os valores e os ideais são impostos aos pais,
professores e alunos, em vez de serem criados por eles. Para além disso, os
sistemas de gestão tornam-se, eles próprios, finalidades em si, atribuindo valor
às escolas e alunos com base na sus adesão aos requisitos do sistema.
Vejamos, como exemplo, a situação dos testes de avaliação. Quando o
mundo-da-vida domina, os testes reflectem as paixões, necessidades, valores
e crenças locais. Os parâmetros podem permanecer rigorosos e verdadeiros,
mas não é suposto serem padronizados, universais ou completamente
abrangentes. Quando os testes possuem as características psicométricas
adequadas e a integridade do seu conteúdo é mantida, as especificidades
daquilo que é testado reflectem os valores e preferências locais. Para além
disso, o valor dos indivíduos nas escolas não é determinado por uma qualquer
definição estreita de eficácia e concretização. Em vez disso, a variedade de
avaliações pode incluir não apenas testes, mas também demonstrações de
várias competências, exibições de desempenho de um tipo ou de outro, bem
como outros critérios feitos pelos alunos. No entanto, como o mundo-dos-
sistemas domina, aquilo que, de facto, conta, acaba por ser determinado mais
estreitamente por directrizes burocráticas, pela política e outras forças
exteriores.
A Colonização em Rio Vista
O recente encerramento da Rio Vista School – um nome fictício, tal
como outros nomes de pessoas e lugares nesta secção – na zona rural do
Texas, constitui um exemplo da tensão que, muitas vezes, existe entre o
mundo-da-vida e o mundo-dos-sistemas de uma escola e daquilo que acontece
quando o mundo-da-vida é colonizado pelo mundo-dos-sistemas. Rio Vista fica
situado ao pé do Rio Grande, a cerca de 80 quilómetros da cidade de Sendero,
mais ou menos a meio do caminho entre o Parque Nacional de Big Bend e El
Paso (para mais detalhes, consultar Stinson, 1995; e Mac Cormack, 1998). O
trabalho nos ranchos domina a economia. O Espanhol é a primeira língua para
a maioria das crianças na escola e muitas das quase quarenta famílias que
vivem em Rio Vista mantêm laços estreitos com a sua cidade irmã do outro
lado do rio, no México.
A Rio Vista School, parte da Divisão Escolar Administrativa de Sendero,
foi fundada há cem anos atrás. Até há bem pouco tempo servia trinta e oito
alunos num complexo escolar que incluía um edifício com duas salas e duas
caravanas. Estavam empregados três professores certificados. O orçamento da
escola era de 173.000 dólares, ou seja 4.553 por criança. Os alunos do
secundário eram transportados de autocarro para Sendero, num percurso de
50 quilómetros em cada direcção. Em 1995, a Rio Vista School foi um dos 254
centros escolares no Estado do Texas a ser classificado como “exemplar”. Esta
classificação é baseada em resultados de testes, taxas de desistência e
abandono escolar e assiduidade. O facto de ser um dos 254 centros escolares
exemplares colocou Rio Vista no primeiro grupo de 4 por cento da tabela das
melhores escolas do ensino básico, no Texas.
Durante o Verão de 1998, o Sendero School Board, entidade reguladora
do ensino em Sendero, votou 7 contra 1 para o encerramento da Rio Vista
School e para a transferência dos seus alunos para Sendero. Esta decisão foi
tomada sem consultar os pais, os professores ou os alunos. O supervisor da
divisão administrativa escolar forneceu várias razões para o encerramento.
Manter trinta e oito alunos e três professores com um orçamento de 173.000
dólares não era muito eficaz em termos de custos e as verbas eram escassas.
Para além disso, havia uma acentuada falta de professores no complexo
escolar da Escola Básica de Sendero e a transferência dos professores de Rio
Vista para Sendero iria ajudar bastante na resolução deste problema. Além do
mais, nos últimos anos, os resultados em Rio Vista tinham descido, estando
agora ligeiramente abaixo dos obtidos pelos alunos de Sendero. E, finalmente,
de um ponto de vista de gestão, era difícil acompanhar as coisas num
complexo escolar situado a 80 quilómetros de distância.
A nomeação eficaz e eficiente de pessoal, a utilização sensata dos
recursos, a avaliação da forma como os alunos atingem os parâmetros
académicos e outros, bem como o fornecimento de supervisão não são, por si
só, factores bons ou maus. À primeira vista, são preocupações legítimas do
mundo-dos-sistemas que podem aumentar o crescimento e desenvolvimento
do mundo-da-vida de uma dada escola. Por outro lado, estas mesmas
preocupações do mundo-dos-sistemas podem degradar, ou mesmo destruir o
mundo-da-vida de uma escola. Este último parece ser o caso desta história.
Em 1995, Stinson pediu a Linda Whitworth, uma professora veterana com vinte
e sete anos de ensino em Rio Vista, para explicar o sucesso da escola, por ser
classificada como exemplar. A sua resposta foi: “Acreditamos em bastante
trabalho árduo e gostamos das nossas crianças. Esperamos que elas estejam
preparadas para fazer o melhor que podem e sabem. Se não conseguirem,
então repetem outra vez.” E acrescentou: “Nada do que eu diga será suficiente
para definir os nossos pais. Eles são o nosso ás de trunfo. Apoiam-nos
completamente e realmente todos colaboram com a escola.” Stinson relata que
as expectativas elevadas, o trabalho árduo, uma disciplina carinhosa e
interessada, o afecto, bem como o envolvimento e apoio paternos era tudo
factores que contribuíam para o sucesso de Rio Vista. Obviamente que o
tamanho reduzido, o sentido de comunidade e a grande vontade e
disponibilidade do corpo docente para agir em substituição dos pais são
factores que têm de ser incluídos nesta lista. Pela sua história ímpar, pela
forma de operar, pelo seu enfoque e empenho claros e pelo elevado nível de
apoio que recebia da comunidade local, Rio Vista pode ser descrita como uma
escola com personalidade.
Mac Cormack perguntou a Lupe Hernandez, residente de longa data de
Rio Vista, qual a sua reacção perante o encerramento da escola. “O meu pai foi
lá aluno e tem agora noventa anos. Alguns dos meus irmãos e irmãs e todos os
meus oito filhos estudaram lá. Era uma escola excelente. Os meus filhos
aprenderam muito e eram muito bem tratados.” Que efeito tem o facto de as
crianças terem de fazer uma viagem de cem quilómetros na opinião dos
habitantes de Rio Vista? Filipe Hermosa confessou a Mac Cormack que “Há já
algumas crianças que não vão à escola. Ficam bastante indispostas, vomitam e
tudo. Ficam demasiado nervosas. O meu filho acorda à uma da manhã a gritar
que o autocarro já está a partir. O que vai acontecer no final do ano? Os
miúdos vão estar completamente arrasados.” Esteban Gonzalez relata que
deixa o seu filho, Roberto, dormir durante três horas depois de regressar da
escola. Depois acorda-o para fazer os trabalhos de casa e volta para a cama.
“Vai ficar cansado e acabará por odiar a escola.” Disse ainda a Mac Cormack
que o seu filho de seis anos já não ia à escola. “Vomita antes de chegar ao
autocarro e no autocarro vomita duas vezes. Por isso, fica em casa comigo.
Para nós, mães, é muito difícil. Temos de fazer os nossos filhos sofrer. Como é
que eles podem aprender se regressam desta forma?”
A professora veterana Linda Whitworth contou a Mac Cormack: “Estou
de coração partido. É uma experiência muito traumática ver a falta de respeito
que [os membros do conselho escolar] parecem ter por aqueles miúdos tão
pequenos e tão diferentes e, sobretudo, pela sua educação. É o fim de uma
tradição centenária.” Mac Cormack afirma que Whitworth acredita que a escola
foi encerrada por questões económicas e políticas e não por questões
académicas. “Queriam fechar aquela escola para sempre. Acho que nunca
tivemos uma única administração que não a tivesse querido fechar pelo menos
uma vez.” Whitworth defende também que a crítica às recentes quedas nos
resultados dos testes estaduais ignora o sucesso a longo prazo de Rio Vista.
Historicamente, defende ela, os alunos de Rio Vista ultrapassaram o
desempenho dos de Sendero.
Na perspectiva da autoridade de administração escolar, o conselho,
estão a agir no interesse de todas as crianças e não de apenas algumas.
Ironicamente, um dos membros do conselho disse a Mac Cormack: “Não se
pode falar de uma decisão errada se temos sempre o controlo local.” Para ele,
controlo local significa uma voz que fala em nome de Sendero, mas não em
nome de Rio Vista.
A história de Rio Vista não é sobre bons e maus. Infelizmente, o mundo-
dos-sistemas parece ter uma vida própria. Os meios têm uma forma de se
fortalecer e de, assim, se tornarem eles próprios fins. Esse parece ser o caso
nesta situação. Apesar daquilo que consideram como boas intenções, a política
da administração separa o mundo-da-vida e o mundo-dos-sistemas e permite
que este último colonize o primeiro. A colonização degrada a personalidade, a
cultura e a possibilidade de a Rio Vista School fazer sentido, para si própria e
para as pessoas que serve.
Outros Exemplos
A colonização não é apenas um problema americano, mas também
internacional. Consideremos vários exemplos do estrangeiro. O financiamento
nas escolas inglesas é feito segundo uma base per capita e os pais escolhem
as escolas que querem que os seus filhos frequentem. Assim, o facto de uma
escola ter um orçamento razoável ou não, depende da sua capacidade para
atrair alunos. O financiamento começa com as crianças de cinco anos de
idade. No entanto, é comum, para muitas escolas primárias em Inglaterra,
admitirem crianças com quatro anos apesar de o governo não dar nenhum
apoio financeiro a estes alunos. Os professores principais justificam que a
admissão de alunos de quatro anos proporciona um incentivo para os pais
escolherem uma escola particular. As crianças, no entanto, nem sempre
beneficiam deste acordo. A retribuição, ou retorno, para a escola só ocorre se
estes alunos nela permanecerem até se tornarem alunos completamente
financiados quando completam cinco anos. Jennifer Nias (1995) cita uma
encrespada professora principal do ensino primário como tendo dito: “Para si
está tudo bem. Quando olha para um miúdo de quatro anos, vê uma criança.
Quando eu olho para um miúdo de quatro anos, tenho de ver notas bancárias”
(pág. 2). Nias acredita que fazer algo sobre o qual se tem dúvidas e
apreensões contribui para a exaustão emocional, a despersonalização e outros
sintomas de esgotamento entre os professores ingleses. Os professores
reagem desta forma, porque sentem com extrema profundidade que a base do
seu trabalho relacionada com os seus conceitos morais, enquanto indivíduos,
está a ser destruída e substituída pela avaliação formal e que, ao mesmo
tempo, se está a dar demasiada ênfase à gestão eficiente dos custos.
Visitei recentemente uma escola secundária na Nova Zelândia. Esta
escola, construída no estilo colonial britânico, ocupa um belíssimo complexo
escolar e goza de uma excelente reputação académica. Ainda mais bonitas do
que a escola são as brochuras que criou para fazer publicidade no estrangeiro.
São caras, lustrosas e apelativas.
Tal como as escolas inglesas, as escolas na Nova Zelândia são
financiadas consoante o número de alunos e competem com as outras para
conseguir alunos. No entanto, são livres de preencher lugares vagos com
alunos do estrangeiro que pagam as propinas completas.
Os lugares vagos serão mais provavelmente preenchidos por alunos
ricos de outros países, do que pelos alunos pobres com um défice social e
económico que vivem nos bairros circundantes. Mas, mais uma vez, tendo em
conta os constrangimentos financeiros que as escolas enfrentam e os custos
de manutenção deste magnífico recinto e dos enriquecidos programas
educativos, procurar alunos que paguem as propinas parece ser uma óptima
ideia. A luta pela sobrevivência e, em boa verdade, pelo desenvolvimento,
neste contexto escolar particularmente competitivo, ultrapassa qualquer
compromisso que a escola possa ter de servir todos os neozelandeses. Os
alunos das classes sociais mais baixas, para além de menos assíduos, valem
também menos em termos de dólares, são mais difíceis de ensinar e podem
pôr em risco a reputação académica da escola. Por seu lado, isso iria dificultar
bastante qualquer tipo de recrutamento posterior. Em resumo, o ciclo de
reprodução material seria interrompido.
Nias (1995) relata consequências semelhantes da colonização do
mundo-da-vida em Inglaterra e no País de Gales. Salienta que as pressões dos
testes de avaliação competitivos baseados nos programas nacionais tornam as
escolas relutantes em aceitar pessoas sem-abrigo e outros alunos difíceis,
porque exigem demasiado tempo e recursos e é provável que façam baixar a
média dos resultados dos testes da escola. Desde que os resultados das
médias dos testes e rankings escolares são publicados e usados por muitos
pais como base para a escolha de uma escola, a parada subiu
consideravelmente. Sem os recursos adequados a escola não terá
possibilidade de sobreviver. Assim, a reprodução material torna-se mais
importante do que a reprodução cultural.
Na Escócia, tal como em muitas outras partes do mundo, as escolas
católicas e de outras religiões são financiadas total ou parcialmente pelo
governo. Com o financiamento vêm as inevitáveis intrusões do mundo-dos-
sistemas na cultura e na personalidade dos mundos-da-vida destas escolas. A
intrusão assume, normalmente, a forma de regulamentos e directivas que
afectam tudo, desde os planos de ordenamento do espaço até aos sistemas de
responsabilidade, e desde o currículo até às políticas de gestão de recursos
humanos. Consideremos, por exemplo, o caso da uma escola secundária
católica na Escócia que teve alguns problemas de pessoal únicos e não teve a
liberdade para lidar com eles de uma maneira consistente com os valores que
a escola abraçava. Eis os pormenores. Uma professora com vinte e dois anos
de carreira foi abandonada pelo seu marido, um professor de ciências de
cinquenta e um anos de idade, que foi viver com uma professora de línguas de
trinta e oito anos (Savill, 1998). Esta situação era ainda agravada pelo facto de
a filha de dezassete anos do casal separado ser aluna da escola. A mãe
queixava-se “Não facilita nada as coisas ver o par diariamente no local de
trabalho. Causa divisões entre colegas que têm de escolher entre mim e o meu
marido... Nenhum dos meus colegas pode perdoar aquilo que o meu marido
está a fazer à minha filha. Todos os alunos sabem do caso. É extremamente
doloroso para ela” (pág. 3).
A política oficial do conselho escolar é de não interferir em problemas
conjugais, a não ser que a educação dos alunos seja afectada. Porém, tendo
em conta a tradição religiosa da escola e o seu compromisso no ensino de
certos princípios morais e valores familiares, tanto por palavras como acções,
tudo indicaria que a tomada de uma atitude, eventualmente a transferência de
um dos professores envolvidos para outra escola, fosse neste caso
aconselhável. No entanto, um porta-voz da Igreja Católica Escocesa afirmou
que esta era impotente para tomar qualquer atitude. “Infelizmente, não há nada
que a Igreja possa fazer. As escolas católicas na Escócia são completamente
administradas, financiadas e geridas pelo Estado. Tudo o que a Igreja Católica
tem é o direito de aprovação de um professor sempre que ocorrem novas
nomeações ou contratações.” Nos Estados Unidos, há um interesse crescente
em fornecer apoio financeiro público às escolas católicas e de outras religiões.
Conseguirão os regulamentos que definem esse “melhor caminho” em termos
dos parâmetros, currículos e testes de avaliação exigidos acompanhar esse
apoio? E se o fizerem, passará o resultado pela destruição da personalidade da
escola?
Cultura, Comunidade e Indivíduo
Habermas distingue três dimensões no mundo-da-vida: cultura,
comunidade e indivíduo. A cultura fornece-nos o conhecimento, as crenças e
os sistemas de normas dos quais podemos extrair o significado. A comunidade
permite-nos tomar consciência de que estamos ligados a outros e que fazemos
parte de um grupo social que é importante e que, portanto, também nós somos
importantes. Este é um tipo de solidariedade capaz de assegurar que as
“nossas histórias de vida individuais estão em harmonia com formas de vida
colectivas” (Habermas, 1987, pág. 141). A comunidade recorda-nos as nossas
responsabilidades para com o bem comum. Tal como me disse um dos meus
alunos recentemente: “A cultura implica ter crenças comuns, mas a
comunidade implica trabalhar com estas crenças comuns para um bem
comum” (Jones, Maio de 1997). O indivíduo refere-se às competências
individuais por nós desenvolvidas que nos levam a atingir uma compreensão
dos nossos mundos da vida pessoais e que nos ajudam na nossa procura pela
identidade, sentido e significado individuais.
A degradação do mundo-da-vida como resultado da colonização
influencia as três dimensões acima referidas. À medida que a cultura diminui
numa escola, perde-se o significado, quebram-se as tradições e é provável que
pais, professores e alunos andem à deriva num mar de apatia e indiferença. À
medida que a comunidade diminui numa escola, os sentimentos de pertença,
de fazer parte de algo importante, de ter um objectivo comum, são
enfraquecidos e os pais, professores e alunos vivenciam uma perda de
conexão, desorientação e isolamento. Estes desenvolvimentos acabam por
influenciar inevitavelmente o indivíduo. À medida que o sentido de indivíduo
diminui numa escola, os pais, os professores e alunos alienam-se de si
próprios, uns dos outros, da escola e do seu próprio trabalho.
Como exemplo, conta-se muitas vezes a história do professor que
pergunta aos seus alunos: “Qual é o maior problema que a sociedade enfrenta
hoje em dia, a ignorância ou a apatia?” Ao que eles respondem: “Não
sabemos, nem queremos saber!” Na escola, a apatia e a ignorância estão
intimamente ligadas. Para que os alunos se transformem no tipo de estudantes
à “escala mundial” que muitos políticos e administradores de empresas querem
que sejam, os alunos têm de estar ligados à escola, sentirem-se
academicamente empenhados, fazer parte de uma comunidade de
aprendizagem única e entusiasmada, estar pessoalmente motivados e querer
fazer tudo bem feito. Estas virtudes de aprendizagem são difíceis de alcançar
com um mundo-da-vida em deterioração.
“Qual é maior problema que as escolas enfrentam hoje em dia?” Esta foi
a pergunta feita aos alunos eleitos para aparecer no livro Who’s Who Among
American High Schools, espécie de Quem é Quem Entre as Escolas
Secundárias Americanas, em 1996. E sabem qual foi a sua incómoda
resposta? A apatia! Esta é uma descoberta recentemente confirmada por
Laurence Steinberg e os seus colegas Bradford Brown e Stanford Dornsbusch
(1996) no seu estudo realizado em vinte mil escolas no norte da Califórnia e no
Wisconsin. Os autores concluíram que o currículo, a inovação pedagógica, as
alterações na organização escolar, o maior rigor dos parâmetros, a própria
reformulação da formação dos professores e outras reformas jamais terão
sucesso se os alunos não estiverem empenhados, ou seja, se não forem à
escola interessados e empenhados em aprender.
A perda da personalidade da escola que resulta de um mundo-da-vida
em degradação obriga os alunos a construírem sozinhos uma cultura, uma
comunidade e uma identidade pessoal (ver Sergiovanni 1992, 1994). Os
estudantes voltam-se para a sua própria subcultura e normas à procura de um
sentido e de um significado. Muitas vezes, com demasiada frequência, as
normas desta subcultura acabam por funcionar contra os objectivos da escola.
Recompor ou consertar as escolas e retomar as ligações com os jovens obriga
a que seja necessário reconstruir a cultura, a comunidade e as dimensões do
indivíduo no mundo-da-vida de cada escola individual. Isso é uma forma de
repor a personalidade numa escola. Se fracassarmos na reposição dessa
personalidade, então estaremos a cumprir a profecia do filósofo francês Henri
de Saint-Simm: “O governo dos homens será substituído pela administração
das coisas” (Kaplan, 1997, pág. 15).
2
A Personalidade da Escola, a Eficácia da Escola
Peça a cinco pessoas que acabou de encontrar para nomearem três
pessoas que conhecem, tanto pessoalmente como através da história, e que
considerem ser autênticos líderes. Em seguida, peça-lhes para descrever
esses líderes. É possível que os seus inquiridos mencionem a integridade, a
confiança, a integridade moral, o sentido de objectivo, a firmeza das
convicções, a perseverança e as qualidades de estilo e de conteúdo ímpares
como os factores que diferenciam esses líderes dos outros. A chave da lista de
características está na importância da substância, nas qualidades distintivas e
nas bases morais. Os líderes autênticos e genuínos baseiam a sua prática em
ideias, valores e compromissos, exibem qualidades de estilo e de conteúdo
únicas e podem ser considerados como moralmente diligentes no
desenvolvimento das tarefas que conduzem. Por outras palavras, os líderes
autênticos demonstram personalidade e esta é a característica que define a
liderança autêntica.
Conger e Kanungo (1987, 1988) propõem que os líderes terão maiores
probabilidades de ser encarados como pessoas de carácter e personalidade se
forem capazes de defender, simultaneamente, um conjunto de objectivos e
ideias suficientemente únicos para desafiar o status quo e suficientemente
próximos para serem aceites pelos seus seguidores; se demonstrarem uma
vontade para assumir riscos pessoais com vista a atingir os seus objectivos e
ideias; se agirem de forma não convencional para implementar os seus
objectivos; se forem sensíveis aos valores, crenças e necessidades únicos dos
seus seguidores; e se forem capazes de se basear em ideias, valores e teorias
bem concebidas e estruturadas para influenciar os outros. Para Abraham
Zaleznik (1989), a personalidade na liderança “baseia-se num acordo que liga
quem lidera e quem partilha o mesmo compromisso moral, intelectual e
emocional” (pág. 15). Alegadamente, os líderes com personalidade baseiam as
suas práticas em objectivos e ideias únicos e depois agem com coragem e
força moral para avançar e defender essas mesmas ideias. A sua atitude é, por
consequência, autoritária. A personalidade na liderança requer a autonomia
necessária e suficiente para que tanto os líderes, como aqueles que
representam, possam decidir verdadeiramente sobre coisas importantes.
Quando não existe autonomia não pode haver uma liderança autêntica, nem
pode surgir um seguidismo autêntico do líder. Sem autonomia, perde-se a
personalidade.
A Personalidade Organizacional
A personalidade enquanto conceito individual ligado à liderança
assemelha-se à personalidade enquanto conceito organizacional ligado à
cultura. As escolas com personalidade, por exemplo, têm culturas únicas.
Sabem quem são, desenvolveram um entendimento comum dos seus
objectivos e acreditam na sua capacidade para celebrar esta unicidade como
uma forma poderosa de atingir os seus objectivos. A chave essencial para o
seu sucesso reside no facto de pais, alunos e professores de cada escola
terem o controlo sobre os seus próprios destinos e disporem de normas e
abordagens distintas para a concretização dos seus objectivos. Tanto o
controlo como a distinção diferenciam estas escolas daquelas onde a
personalidade é deficiente. Tanto o controlo como a distinção aumentam o
objectivo, a identidade, o sentido e o significado para os participantes
organizacionais.
Uma escola tem personalidade quando existe consistência entre o
mundo-da-vida dessa escola e as suas decisões e acções. Esta consistência
tem de ser incorporada nas três dimensões do mundo-da-vida de uma escola,
discutidas no Capítulo Um e ilustradas na figura 2.1. A cultura fornece as
crenças e os sistemas de normas de que as pessoas necessitam para viver o
sentido e o significado. Uma escola demonstra personalidade quando esta
cultura é consistente com os objectivos e fornece as normas que guiam o
comportamento. A comunidade fornece as relações necessárias para que as
pessoas possam estar ligadas, dar valor aos outros e serem valorizadas pelos
outros. Uma escola demonstra personalidade quando as ligações assumem a
forma de responsabilidades recíprocas e quando as pessoas se sentem
moralmente obrigadas a encarnar essas responsabilidades nas suas
interacções com os outros e com a escola. O indivíduo fornece as
competências individuais de que as pessoas necessitam para desenvolver e
compreender os seus próprios mundos-da-vida individuais. Uma escola
demonstra personalidade quando os objectivos, as esperanças e as
necessidades dos seus membros individuais são levados a sério pela sua
cultura, ao mesmo tempo que estes membros estão comprometidos com um
bem comum.
A personalidade da escola constrói-se quando certas virtudes são
incorporadas no seu mundo-da-vida. Estas virtudes podem ser divididas em
quatro grupos (Fullinwider, 1986): “(1) as virtudes morais – honestidade,
veracidade, decência, coragem, justiça; (2) as virtudes intelectuais –
sensibilidade e consciência, força de espírito, curiosidade; (3) as virtudes
comunais – boas relações de vizinhança, caridade, auto-apoio, prestabilidade,
espírito de cooperação, respeito pelos outros; e (4) as virtudes políticas –
compromisso com o bem comum, respeito pela lei, participação responsável”
(pág. 6).
Para que seja possível alcançar uma personalidade numa escola, esta
tem de gozar de uma grande dose de liberdade. A liberdade permite que uma
escola decida quais são os seus objectivos e valores, a forma como as virtudes
serão expressas tendo em conta diferentes situações e os meios que serão
usados para a concretização de objectivos e para a expressão das virtudes.
Figura 2.1. A Personalidade da Escola e as Dimensões do Mundo-da-vida
O Mundo-da-vida (em cima)
Cultura (crenças e normas) (à esquerda)
Comunidade (ligações, afectos e obrigações) (em baixo)
Indivíduo (necessidades e competências individuais) (à direita)
Personalidade da escola (triângulo central)
Teorias da Escola
Em Leadership for the Schoolhouse (1996) descrevi três teorias que
dominaram o pensamento sobre a administração escolar – as teorias da
pirâmide, do caminho-de-ferro e do elevado desempenho. A teoria da pirâmide
sugere que a forma de atingir os objectivos escolares implica ter uma pessoa
que assuma a responsabilidade de fornecer direcção, supervisão e inspecção.
À medida que aumenta o número de pessoas a ser supervisionadas, as
responsabilidades de gestão têm de ser delegadas nos administradores oficiais
surgindo, assim, um sistema hierárquico de gestão. É com rapidez e
naturalidade que se desenvolvem regras e regulamentos para assegurar que
todos os gestores pensam e agem da mesma forma e fornecer directrizes para
professores e outros, para que também eles pensem e ajam da mesma forma.
No entanto, a maioria das escolas e sistemas escolares é demasiado
complexa e, por conseguinte, é difícil controlar as coisas directamente. Por
isso, voltamo-nos para a teoria do caminho-de-ferro à procura de ajuda. Esta
teoria assume que podemos controlar a forma como as pessoas pensam e
agem indirectamente através de uma padronização do trabalho que estas
executam. Em vez de se basear na supervisão e hierarquia directas, a ênfase
reside em antecipar todas as questões de ensino, aprendizagem, currículo,
avaliação e gestão e os problemas que possam eventualmente surgir.
Posteriormente, as respostas e soluções são desenvolvidas pelas altas
autoridades, passando assim a constituir os trilhos que devem ser seguidos por
todos os professores e por todas as escolas, para passar de um objectivo ou
resultado para outro. Logo que estes trilhos são definidos, os professores e as
escolas recebem formação para que possam seguir adequadamente esses
percursos e são estabelecidos sistemas de verificação para garantir que esses
trilhos são efectivamente seguidos.
A teoria do caminho-de-ferro incentiva o desenvolvimento de sistemas
de pedagogia educativa nos quais os resultados avaliáveis são identificados e
alinhados estritamente de acordo com um currículo definido e métodos de
ensino específicos. Logo que os sistemas educativos de pedagogia educativa
se encontram devidamente instalados, os professores são fiscalizados para
assegurar que tanto o currículo, como os métodos de ensino aprovados estão a
ser seguidos. Os alunos são testados para verificar se os resultados são
atingidos. Mas a verdade é que a teoria do caminho-de-ferro acaba por
funcionar, quando muito, de forma descoordenada. Muitos professores e as
escolas não gostam de ser colocados em coletes-de-forças. Os professores
queixam-se frequentemente de terem cada vez menos competências, os pais
sentem, por vezes, que estão a ser postos de lado, os administradores e os
políticos preocupam-se com o peso excessivo da burocracia e os alunos têm
dificuldades em estar pessoalmente empenhados nos seus estudos.
As novas reformas que varrem actualmente os Estados Unidos, o
Canadá, o Reino Unido e muitos outros países baseiam-se na teoria do
elevado desempenho. Esta teoria, popularizada em livros que são gigantescos
sucessos de vendas como In Search of Excellence: Lessons from America’s
Best Run Companies (Peter and Waterman, 1982)3, difere das teorias da
pirâmide e do caminho-de-ferro pela forma como retira a ênfase das
hierarquias descendentes e pela abolição de percursos ou trilhos que digam às
pessoas como fazer o seu trabalho. A descentralização é a chave. Os
professores e as escolas recebem poderes para tomar as suas próprias
decisões sobre a forma as coisas devem ser feitas. Também os pais acabam
por ser envolvidos. Recuperando alguns conceitos decorrentes da prática das
organizações empresariais eficientes, esta teoria defende que a forma de
assumir o controlo das coisas passa por ligar as pessoas a parâmetros ou
padrões em vez de as ligar a regras burocráticas ou a códigos de
procedimentos laborais. Apesar de os parâmetros apresentados constituírem
um exemplo “do melhor sistema” de resultados aplicados a todos os alunos,
professores e comunidades num determinado distrito, estado, província ou
país, as escolas são livres de decidir como atingir esses parâmetros. Os
directores ou presidentes dos conselhos executivos, os professores e os pais
podem organizar as escolas e tomar decisões sobre o ensino que pensam mais
adequado para atingir os parâmetros necessários da melhor forma possível.
Posteriormente recolhem-se informações para determinar o grau e a qualidade
do desempenho dos professores e das escolas, e incentivá-los a conceber
formas de melhorar continuamente essa performance. Os testes de avaliação
3 Traduzido em Portugal como Na Senda da Excelência, Publicações D. Quixote, 1987.
padronizados a nível estadual são frequentemente usados para ajudar a
concretizar este objectivo.
Meios e Finalidades
Quais os problemas levantados por estas abordagens ao nível da gestão
escolar? Tanto a teoria da pirâmide como a do caminho-de-ferro tendem a
estabelecer a separação entre o planeamento daquilo que as escolas vão fazer
e de como o irão fazer, e aquilo que, de facto, elas fazem. As divisões
administrativas escolares, o estado, o distrito ou a nação são responsáveis pelo
planeamento do quê e do como, enquanto, pelo contrário, os directores e
professores são responsáveis pela sua aplicação prática.
Quando se utiliza a teoria do elevado desempenho, fornecem-se
parâmetros às escolas, após o que estas recebem autorização para decidir
como os pretendem alcançar. Trata-se de um importante melhoramento em
relação às teorias da pirâmide e do caminho-de-ferro. Porém, como o acto de
planear o que se quer fazer está normalmente dissociado do acto de planear
como se vai fazer, resta saber quão diferente é, de facto, esta nova teoria.
Quando os meios e os fins estão separados será que a discrição
profissional fica comprometida? Será que estamos a ser fiéis aos princípios
democráticos? Estaremos a ser sensíveis aos valores, crenças e requisitos da
comunidade onde se insere a escola local? Dado que os fins a atingir
influenciam os meios a ser utilizados para os alcançar, será que a teoria do
elevado desempenho acaba, em qualquer dos casos, por decidir tanto os
meios, como os fins? Se decidimos que a resposta para estas questões é sim,
então estamos a colocar em risco a personalidade das escolas individuais. Por
outro lado, dado que a personalidade e o desempenho estão ligados, os
factores de produtividade da escola são igualmente postos em causa.
(Pergunto-me se é possível que os pais, os directores e os professores se
sintam com mais poderes só porque são envolvidos no processo de tomada de
decisões que se limita a questões centradas no como, mas não no quê – isto é,
os meios, mas não os fins.)
Os defensores da teoria do elevado desempenho nos Estados Unidos
são rápidos a salientar que, apesar de os parâmetros estaduais serem
uniformes, foram decididos democraticamente por comissões de cidadãos e de
especialistas, incluindo professores e administradores escolares. Esses
defensores reclamam que todos os intervenientes são efectivamente
representados. Pergunto-me, no entanto, se este é o tipo de democracia que
funciona melhor numa sociedade altamente diversificada e multicultural, onde
as diferenças de opiniões, vontades e desejos das pessoas podem ser maiores
dentro de estados do que entre estes. Quando este é o caso, a capacidade de
dar autonomia a cada estado sobre os parâmetros que estabelece não garante
o seu controlo local. Para além disso, apesar de 80 por cento das pessoas
gostarem de um determinado parâmetro, as opiniões dos outros 20 por cento
são demasiado importantes para serem rejeitadas – um tema que iremos
aprofundar no Capítulo Cinco.
Como as Escolas se Desenvolvem
O que sabemos sobre o desenvolvimento das escolas? Sabemos que as
boas escolas vão melhorando uma de cada vez. A teoria do elevado
desempenho recebe boas classificações nesta dimensão ao defender uma
gestão estabelecida localmente, conselhos escolares locais, bem como outras
abordagens para a tomada de decisões localizadas especificamente na escola.
Sabemos também que as boas escolas melhoram à sua própria maneira. A
teoria do elevado desempenho revela-se útil também neste caso. Mas será que
a teoria do elevado desempenho consegue ir suficientemente longe? Será que
as escolas podem realmente melhorar a longo prazo se decidirem unicamente
sobre a forma como irão fazer algo que alguém quer que elas façam? Ou
melhor dizendo, se as escolas tiverem de melhorar segundo os seus próprios
critérios, será que as famílias e as suas escolas também terão de decidir
localmente sobre questões como: O que vale a pena fazer? Que resultados são
valorizados?; Quais são os parâmetros que consideramos ser importantes?
Que parâmetros melhor se adaptam aos interesses e necessidades dos nossos
alunos?
As boas escolas são únicas. E são únicas porque reflectem os valores
das comunidades que servem. Reflectem as crenças dos professores que aí
trabalham. Reflectem as necessidades dos estudantes que servem. Então por
que é que a unicidade é assim tão importante? Porque criar uma escola única e
fazer parte de uma escola única nos ajuda a sentir especiais e melhora o nosso
nível de empenho. Os compromissos partilhados aproximam as pessoas e
criam ligações mais estreitas entre estas e entre estas e a própria escola. Estes
factores contribuem para ajudar a aprendizagem dos alunos nos níveis mais
elevados.
A Personalidade e a Comunidade
A importância da unicidade para a personalidade e eficácia da escola
revela a extraordinária imperfeição da teoria do elevado desempenho. Se
decidimos que queremos realmente escolas com um elevado desempenho,
então temos de dar mais importância à criação de laços. Os pais, professores,
alunos e as suas famílias terão necessidade de ficar ligados uns aos outros,
como pertencendo a esse “nós”. Este sentido de “nós” vai transformar esse
conjunto de indivíduos numa colectividade com interesses comuns. Mas a
criação de laços depende do facto de todos estarem ligados a um conjunto de
objectivos, ideias e ideais comuns que reflectem as suas necessidades,
interesses e crenças. Embora a possibilidade de receber o poder para tomar
decisões sobre a melhor forma de implementar as políticas e objectivos de
outra pessoa seja uma boa ajuda, não sei se será suficiente para estabelecer
as ligações necessárias para que as escolas possam trabalhar bem a longo
prazo.
Os laços que ligam e unem professores, alunos e pais uns aos outros
numa comunidade moral são importantes para o desenvolvimento de uma
teoria da comunidade escolar que transcenda a teoria do elevado desempenho.
À medida que as escolas se transformam em comunidades autênticas elas
começam a assumir características únicas. Passam a ser definidas pelos seus
centros – repositórios de valores, sentimentos e crenças que ligam os membros
de uma comunidade uns aos outros de acordo com determinados aspectos
especiais. À medida que as escolas se tornam comunidades passam a ser
menos conduzidas por características burocráticas como hierarquias,
directivas, regras e pelas personalidades e competências interpessoais dos
seus líderes. Pelo contrário, os valores e objectivos da escola tornam-se a sua
força motriz. À medida que isso acontece, surge uma nova hierarquia – que
coloca as ideias no vértice e os directores, professores, pais e alunos num
plano inferior, enquanto membros de um movimento de seguidismo partilhado
verdadeiramente empenhado em servir essas ideias.
A teoria da comunidade coloca o mundo-da-vida de uma escola no
centro e usa este mundo-da-vida para dar origem a um mundo-dos-sistemas
mais eficaz e eficiente como meio de atingir os fins definidos pelo mundo-da-
vida. Contrariamente, as teorias da pirâmide e do caminho-de-ferro colocam o
mundo-dos-sistemas no centro. Por seu lado, este centro define e determina o
mundo-da-vida das escolas. A teoria do desempenho elevado é uma inovação
já que permite que a liberdade se sobreponha aos meios. Mas, desde que
sejam mantidos os parâmetros e resultados que as escolas têm de atingir,
também ela acabará por dominar o mundo-da-vida, determinando aquilo que
vai ser importante, qual será o seu enfoque principal, o que vai ser discutido e
sendo utilizada para valorizar professores, pais e alunos em todas as escolas
sujeitas às directivas. Estes e outros temas relacionados com a comunidade
serão desenvolvidos mais profundamente no Capítulo Quatro.
Personalidade e Eficácia
A eficácia da escola pode ser definida de forma superficial como a
obtenção de elevados níveis de reflexão pedagógica, o desenvolvimento de
relações caracterizadas pelo carinho e civilidade e o aumento dos níveis de
qualidade do desempenho dos alunos. A relação entre a personalidade da
escola como conceito organizacional e a esta definição de eficácia escolar foi
bem documentada (ver Hill, Foster e Gendler, 1990; Bryk e Driscoll, 1988;
Sergiovanni, 1994; Meier, 1995; Bryk e outros, 1998). A personalidade
acrescenta valor a uma escola contribuindo para o desenvolvimento de várias
formas de capital humano. Duas que são particularmente importantes para esta
discussão são o capital social e académico.
As escolas desenvolvem um capital social transformando-se em
comunidades dos afectos (consultar Bryk e Driscoll, 1988; Battistich, Solomon,
Watson e Schaps, 1994; Sergiovanni, 1994). O capital social consiste em
normas, obrigações e confiança que são criadas através das relações entre as
pessoas numa dada comunidade, vizinhança ou sociedade (Coleman, 1988,
1990; Gamoran, 1996).
Quando os alunos têm acesso ao capital social encontram o apoio
necessário para a aprendizagem. No entanto, quando o capital social não está
disponível, os alunos criam-no eles próprios, voltando-se cada vez mais para a
sua subcultura à procura de apoio. Com bastante frequência, o resultado acaba
por ser o desenvolvimento de normas e de códigos de comportamento que
funcionam contra tudo aquilo que as escolas estão a tentar implementar. Esta
procura de apoio num outro sítio afecta tanto o desempenho académico como
o comportamento social.
A unicidade, a discricionaridade e as opiniões partilhadas que têm
origem local e que estão incorporadas nas normas que guiam o
comportamento, a consistência e outras preocupações do mundo-da-vida são a
antítese das escolas estruturadas e geridas centralmente como enormes
complexos burocráticos. As escolas burocráticas não são agentes muito
eficazes, nem eficientes, de desenvolvimento do capital social. Normalmente,
afastam os alunos impedindo a sua ligação aos objectivos de reflexão
pedagógica, desempenho académico, desenvolvimento social e emocional e
civilidade. Em vez disso, os alunos voltam-se para as suas próprias subculturas
à procura dos seus próprios objectivos e sistemas de normas. Tal como Cusick
(1992, pág. 6) explica:
A burocracia absorve o tempo dos alunos, não a sua energia, e para os
alunos, por entre essa rotina densa e diferenciada, há uma grande dose de
espera com muito pouco que fazer. As escolas reúnem as suas pessoas tal
como os exércitos, os estádios e as prisões o fazem, onde as pessoas passam
muito tempo à espera de outros para fazer alguma coisa ou a ver os outros a
fazer algo. Nas escolas, o outro é um professor que, com o objectivo de
articular a noção limitada da escola com aquilo que é apropriado, inicia a
actividade e mantém o centro da interacção. Da massa de alunos, as escolas
exigem assiduidade, concordância passiva e atenção limitada, mas não muito
mais. Somando o tempo dispendido em anúncios e a receber trabalhos,
entrando e saindo, a comer, à espera, a observar e, por outro lado, agindo de
acordo com as exigências dos procedimentos, os alunos acabam por viver um
grande período de tempo livre durante o dia.
Cusick conclui que “deixados sozinhos, os alunos voltam-se para os
seus amigos, não para os seus estudos” (pág. 32). Salienta também que a
vertente académica da escola acaba por ser muito menos sujeita a normas do
que os grupos de colegas ou a própria burocracia da escola. No entanto, e
ainda do ponto de vista de Cusick, as normas da burocracia da escola não
conseguem ser suficientemente fortes para desviar o poder das subculturas
dos alunos. Cusick salienta, porém, que “existe sempre a possibilidade de que,
entre os próprios alunos, ou entre alunos e professores, sejam criados
relacionamentos positivos em torno de conteúdos académicos” (pág. 36).
Refere-se, nomeadamente, ao trabalho de Grant, como um antídoto para estas
disfunções burocráticas. Grant (1988), no seu livro seminal The World We
Created at Hamilton High, defendia uma comunidade escolar com objectivos
como uma forma de enfrentar as normas dos grupos de colegas e de aproximar
os alunos como membros empenhados de uma mesma comunidade de
aprendizagem (ver também Lightfoot, 1983; Lipsitz, 1984).
As escolas desenvolvem o seu capital académico tornando-se
comunidades centralizadas que cultivam uma profunda cultura de ensino e de
aprendizagem. Os rituais, normas, compromissos e tradições desta cultura
transformam-se no capital que motiva e apoia a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos. O ensino e a aprendizagem fornecem a base
necessária para a tomada de decisões da escola. Os líderes das comunidades
centralizadas estão comprometidos com o princípio de que “a forma deve
seguir a função”, sendo que a função é definida pelos objectivos e metas da
escola. Esforçam-se por incorporar este princípio à medida que vão sendo
tomadas decisões sobre a organização, recursos humanos, tempo, dinheiro,
espaço e outros recursos; o enfoque no currículo e respectivos conteúdos,
implementação e avaliação; desenvolvimento, supervisão e avaliação dos
professores e ainda outros assuntos que têm impacto sobre a qualidade do
ensino e da aprendizagem (Sergiovanni, 1996).
Numa comunidade centralizada existe um empenhamento claro e forte
no sucesso académico tal como provam o rigoroso trabalho académico, a
preocupação pessoal dos professores pelo sucesso dos alunos e a expectativa
de que os alunos possam trabalhar com afinco, venham para as aulas
preparados e terminem os seus trabalhos (ver Sebring e Bryk, 1996). É bem
mais provável que este empenhamento no sucesso escolar seja atingido
quando o coração do currículo está cuidadosamente focalizado e é comum a
todos, quando a avaliação é autêntica e ligada aos objectivos, quando os
parâmetros de sucesso escolar são explícitos e públicos e quando os alunos
são incentivados a fazer o seu melhor.
O ensino e a aprendizagem em comunidades centralizadas são
caracterizados por trabalhos e estratégias de ensino que encorajam os alunos
a criar conhecimentos pelas suas próprias mãos, de forma a que possam
cimentar aquilo que aprendem em organizações, teorias e estruturas
disciplinares e ligar essa aprendizagem a problemas do mundo real (Newmann,
Secada e Wehlage, 1995). As escolas com uma cultura de ensino e
aprendizagem profunda e forte sabem o que são e comunicam isso aos seus
alunos de uma maneira que aumenta o seu empenhamento e desempenho
académico.
A Pressão Académica e a Comunidade em Conjunto
A investigação nas escolas que promovem o sucesso aponta para a
pressão académica e para a comunidade como factores importantes. A
pressão académica relaciona-se com as expectativas fortemente transmitidas
de que os alunos irão trabalhar em tarefas que os desafiam intelectualmente,
irão para as aulas preparados e conseguirão terminar os seus trabalhos
(Sebring e Bryk, 1996). Uma das medidas da comunidade é o personalismo. O
personalismo relaciona-se com o grau em que os alunos se sentem conhecidos
e acarinhados. Os dois contribuem para o desenvolvimento e fortalecimento da
personalidade organizacional da escola. Tal como Sebring e Bryk (1996)
explicam, as escolas de sucesso “são seguras, ordeiras e respeitadoras;
exigem que os alunos desenvolvam bastante trabalho académico; e os
professores e os funcionários trabalham afincadamente para dar aos alunos
apoio moral e pessoal” (pág. 5). Estes temas são acompanhados por uma
preocupação intensa e alargada pelos alunos e apoio por parte dos
professores. É fornecida ajuda suplementar sempre que necessário e os alunos
são elogiados quando tentam executar bem as coisas.
Na sua investigação realizada em Chicago, Sebring e Brik (1996)
descobriram que a capacidade de dar ênfase tanto à pressão académica, como
ao personalismo, tinha um impacto significativamente mais importante nos
alunos que estivessem academicamente empenhados, em relação aos casos
em que essa ênfase era apenas dada a um dos factores. O empenhamento
académico, um pré-requisito para o sucesso estudantil, é definido como a
extensão segundo a qual os alunos estão ligados ao trabalho académico, se
esforçam, são persistentes e parecem empenhados em aprender. Estas
relações são ilustradas na Figura 2.2.
Figura 2.2. Influência da Pressão Académica e do Personalismo no Empenhamento Escolar nas Escolas do Ensino Básico.
Empenhamento Escolar (vertical, à esquerda)
Forte
Moderado
Fraco
Pressão Académica (em baixo)
Baixo
Moderado
Elevado
Personalismo (vertical, à direita)
Nota: Cálculos baseados numa escala de 0 a 10.
Fonte: Sebring e Bryk, 1996, pág. 13.
No seu estudo seminal sobre as escolas secundárias católicas urbanas
que obtiveram sucesso junto de alunos oriundos de classes minoritárias com
baixos rendimentos, Bryk, Lee e Holand (1993) conseguiram estabelecer a
ligação entre a pressão académica (elevadas expectativas aliadas a normas
claras e fortemente vincadas), um fortíssimo sentido de comunidade e os
aumentos verificados ao nível do sucesso académico. Shouse (tal como
relatado em Sebring e Bryk, 1996) descobriu que o sucesso médio mais
elevado ocorreu em escolas que colocavam a ênfase tanto na pressão
académica, como no conceito de comunidade. Nem um elevado conceito de
comunidade e baixa pressão académica, nem uma elevada pressão académica
e um fraco conceito de comunidade foram muito eficazes. O seu estudo foi
baseado numa amostra nacional de escolas secundárias que serviam números
elevados de alunos com baixos rendimentos.
Juntos, o personalismo e a pressão académica revelam-se importantes
para ajudar as escolas a tornarem-se comunidades interdependentes,
afectuosas e centralizadas, capazes de despoletar os mais elevados níveis de
civilidade e de desempenho académico. Porém, nem sempre é possível
documentar o carinho, nem o desempenho académico. É necessário que
ambos decorram naturalmente da noção que a escola tem daquilo que é
importante, do inventário de valores e objectivos da escola, do compromisso da
escola em fazer o bem, tal como tantas outras preocupações do mundo-da-vida
que acabam por dar uma personalidade à escola.
A Personalidade em Escolas Focalizadas
O relatório RAND (Hill, Foster e Gendler, 1990) fornece outras provas da
ligação entre a personalidade da escola e a eficácia da escola. Este relatório
baseou-se numa análise realizada em treze escolas secundárias na cidade de
Nova Iorque e em Washington, D.C. Algumas destas escolas secundárias eram
católicas, outras eram escolas públicas gerais e outras ainda eram escolas
públicas com áreas vocacionais especiais ou escolas-íman4. Esta investigação
revelou que as escolas com mais sucesso nesta amostra (as escolas católicas
e as escolas públicas com áreas vocacionais específicas) tinham objectivos
claros, únicos e simples centrados na melhoria do desempenho académico e
atitudes e na transmissão do carinho, preocupação e disposições
organizacionais necessários para ajudar os alunos a atingir os seus objectivos.
As escolas católicas e públicas com essas missões claras e únicas foram
4 Nota do tradutor: Escolas com programas especiais para objectivos sociais específicos.
etiquetadas de “escolas focalizadas”, enquanto que as suas congéneres
escolas públicas menos eficazes e mais indiferenciadas foram chamadas de
“escolas localizadas”. Nas palavras de Hill, Foster e Gendler:
As escolas focalizadas [tanto católicas como públicas] assemelham-se umas às outras e diferem das escolas polivalentes localizadas em dois factores elementares. Em primeiro lugar, as escolas focalizadas têm missões claras e sem complicações, centradas nas experiências que a escola pretende fornecer aos seus alunos e nas formas como tenciona influenciar o desempenho, as atitudes e o comportamento dos seus alunos. Em segundo lugar, as escolas focalizadas são organizações fortes com capacidade para iniciar acções susceptíveis de permitir concretizar as suas missões, sustentar-se ao longo do tempo, resolver os seus problemas e gerir as suas relações externas... [O]s alunos e o pessoal em cada escola focalizada consideram a sua escola especial, uma criação única que reflecte os seus esforços e vai ao encontro das suas necessidades [pág. vii].
Hill, Foster e Gendler comparam estas diferentes escolas da seguinte
forma: “As escolas localizadas públicas, pelo contrário, têm missões difusas
definidas pelas exigências de financiadores e reguladores externos. São
também organizações profundamente comprometidas, com pouca capacidade
para iniciar a sua própria resolução dos problemas, definir a sua personalidade
interna, ou gerir as suas relações com os públicos externos. Porque as escolas
localizadas são essencialmente concessões que reflectem um modelo
padronizado estabelecido por autoridades centrais, tanto o pessoal, como os
alunos, têm menos razões para considerar as escolas unicamente suas” (pág.
vii). As escolas focalizadas não só se concentravam apenas nos resultados dos
alunos, como também estabeleciam pactos sociais para comunicar as
responsabilidades recíprocas de pais, alunos, professores e administradores.
Para além disso, tinham um forte compromisso para com as preocupações
sociais e reuniam-se em torno de um conjunto de valores e ideias que visavam
o aumento dos níveis de preocupação social e civilidade, bem como o
desempenho académico. O seu currículo era limitado, permitindo a
concentração naquilo que era considerado verdadeiramente importante. E,
talvez mais importante, é que as escolas focalizadas tinham discrição. Eram
relativamente livres do controlo das administrações centrais, do estado e de
outras directrizes burocráticas. Em resumo, as escolas focalizadas eram
capazes de desenvolver os seus mundos da vida e de os usar, ao mesmo
tempo, como força criadora e força de autoridade para aquilo que faziam. As
escolas focalizadas também tinham os seus mundos-dos-sistemas. Mas o
objectivo do mundo-dos-sistemas era servir as finalidades das escolas, não
para as modelar.
Por exemplo, Hill, Foster e Gendler salientam que as escolas focalizadas
são construídas em torno dos temas da unicidade e especialidade. Têm
princípios educativos e éticos específicos (zonas centrais) que são usados para
conduzir o comportamento. (As características das escolas focalizadas
identificadas por Hill, Foster e Gendler são resumidas na Documento 2.1.). Os
autores salientam ainda que, para preservar a unicidade e fortalecer e reforçar
o centro moral destas escolas, os membros do pessoal têm de estar
profundamente envolvidos e aplicados em construir operações e objectivos
estratégicos e tácticos. Dado que as escolas são únicas, apresentam
alternativas reais para os pais, professores e alunos – alternativas pelas quais
podem optar. Pelo contrário, as escolas localizadas são muito mais
indiferenciadas. Assume-se um conceito de tamanho único para todas e, por
isso, estas escolas não fornecem alternativas verdadeiras a partir das quais os
professores, pais e os alunos possam escolher.
Romper Fileiras
Com a publicação de Breaking Ranks: Changing an American
Institution5, em 1996, a National Association of Secondary School Principals6
(NASSP) aderiu à luta para o fortalecimento dos mundos-da-vida das escolas
norte-americanas. Neste contexto, a palavra luta é deliberada devido à forte
pressão de muitos reformadores para substituir as nossas fórmulas tradicionais
de fazer as coisas estilo “o melhor caminho” por uma nova versão de “um
caminho melhor” inteligentemente concebida, embora discreta sob a forma
como assume parâmetros uniformes para todos. Quando os mesmos
parâmetros para todas as áreas são impostos a todos num mesmo estado ou
país, transformam-se na verdadeira força motriz para todas as coisas
importantes que as escolas locais realizam. Como resultado, os mundos da
vida de pais, professores e alunos em cada sítio individual acabam por ficar
provavelmente comprometidos.
5 Romper Fileiras: Mudar uma Instituição Americana.6 Associação Nacional dos Presidentes dos Conselhos Executivos de Escolas Secundárias
Documento 2.1. Características das Escolas Focalizadas
Elementos Comuns· São organizações com determinadas missões e culturas definidas, e não apenas meros aglomerados casuais de indivíduos que, por acaso, estão destacados para o mesmo local de trabalho.
· No espírito dos seus funcionários, alunos e pais, as suas personalidades distintivas separam-nos das outras escolas. Embora nem todas as escolas focalizadas tenham um currículo único ou muito inovador, cada uma delas tem uma identidade especial que inspira um sentido de lealdade e de compromisso comum.
· Estão verdadeiramente comprometidas com a educação no seu sentido mais lato – ou seja, o desenvolvimento de todos os alunos. Induzem valores, influenciam atitudes e integram diversas fontes de conhecimentos. Também transmitem factos e introduzem novas competências mas, acima de tudo, tentam transformar adolescentes em adultos responsáveis e produtivos.
Atributos Comuns
· As suas missões claras e simples estão focalizadas nos estudantes.
· Operam em consonância com um contrato social interno que motiva a disciplina e o esforço académico.
· Estão verdadeiramente comprometidas com uma relação paternal e o ensino de uma ética no sentido prático como parte central da sua responsabilidade educativa.
· Os seus currículos são concebidos para conduzir os alunos para um núcleo comum de competências e experiências intelectuais.
· Consideram-se organizações que solucionam problemas e não organizações administradoras de programas.
· Trabalham conscientes de si mesmas para sustentar as suas próprias capacidades e personalidade organizacional através de uma selecção e socialização agressiva dos novos membros do núcleo escolar e corpo docente.
· O seu trabalho é avaliado e existe pelas, e em função, das pessoas que dependem do seu desempenho, e não das organizações que definem as regras, fazem as auditorias ou avaliam.Fonte: Adaptado de Hill, Foster e Gendler, 1990, pp. 55-56. Reimpresso sob autorização.
A obra Breaking Ranks propõe várias reformas decisivas voltadas para o
mundo-da-vida, incluindo dar maior importância à construção das
competências do professor, desenvolver pequenas comunidades de
aprendizagem baseadas em ideias (nunca superiores a seiscentos alunos),
fornecer a cada aluno um representante adulto, não permitir que cada
professor tenha mais do que noventa alunos por período e exigir que os
professores e administradores preparem planos de formação pessoais. Em
seguida, são nomeadas quatro das oito recomendações apresentadas em
Breaking Ranks especificamente relacionadas com o currículo (1996, pág. 11).
1. Cada comunidade de uma escola secundária identificará um conjunto
de aprendizagens essenciais – sobretudo nas áreas das línguas e
literaturas, matemática, estudos sociais, ciências e artes – nas quais os
alunos têm de demonstrar que obtiveram sucesso para poder receber o
diploma.
Se esta identificação das aprendizagens mais essenciais é feita ao nível
local pelos pais, professores e alunos em cada escola, então o mundo-da-vida
será preservado. Se, no entanto, todas estas aprendizagens forem definidas
por directrizes, e se todas as especificidades daquilo que os alunos devem
demonstrar para receber os seus diplomas forem também elas definidas desta
forma, então o mundo-da-vida da escola estará ameaçado.
2. Os professores conceberão trabalhos para os alunos que tenham uma
qualidade suficientemente elevada para despertar o seu
empenhamento e obrigá-los a perseverar, de forma a que, quando
estes forem terminados com sucesso, isso resulte na sua satisfação e
na aquisição de conhecimentos e competências valorizadas pela
sociedade.
Implícita nesta recomendação está a ideia de que os professores poderão
decidir sobre o que será grande parte deste trabalho. Esta discrição é
essencial, não apenas para preservar o mundo-da-vida, mas também para
fornecer o contexto situacional correcto para os professores poderem ensinar
bem e para que as necessidades individuais de aprendizagem de cada aluno
sejam correspondidas.
3. A avaliação da aprendizagem do aluno colocar-se-á ao lado do
currículo para que o progresso dos alunos seja medido por aquilo que é
ensinado.
Esta recomendação é de suma importância. A avaliação é uma ferramenta
desejável que pode fornecer, tanto à escola, como ao público em geral,
informações importantes sobre a forma como os alunos estão a aprender. Um
bom sistema de avaliação deve, no entanto, ser partilhado com os indivíduos
que, em cada sítio de uma dada escola local, ocupam funções importantes.
4. Cada aluno terá um Plano Pessoal de Progresso para assegurar que as
escolas secundárias têm as necessidades individuais em consideração
e, ao mesmo tempo, permitir que os alunos, dentro de parâmetros
razoáveis, concebam os seus próprios métodos para aprendizagem
num esforço para corresponder e satisfazer os parâmetros mais
elevados.
Também esta é uma recomendação sobre o mundo-da-vida de suma
importância, que depende de um forte compromisso com a autonomia da
escola local para o sucesso.
Tão perto, e no entanto, tão longe. O livro Breaking Ranks aponta
directamente para a personalidade organizacional como uma qualidade
importante para servir de alavanca para a mudança. Se Breaking Ranks
procura criar uma nova geração de escolas secundárias, quase todas as suas
recomendações necessitarão de um elevado nível de regionalismo para que
estas se traduzam em práticas sensatas. Os pais, os professores e os alunos,
juntamente com os directores ou presidentes dos conselhos executivos, terão
de decidir por si próprios que tipos de escolas é que querem criar para
conseguir o género de compromisso necessário para as criar. Para tal é
essencial um mundo-da-vida viável, em crescimento e eficaz. Os tipos de
mudanças a que Breaking Ranks se refere obrigarão ao abandono de uma
tradição – a tradição desse “melhor caminho”. Ao mesmo tempo, tais
mudanças obrigarão a que as escolas adoptem uma nova visão de
responsabilidade – uma visão partilhada; uma nova visão de democracia – uma
visão estratificada; e, de facto, uma nova visão de comunidade – uma visão
diversificada. Estes são os temas que serão focados nos vários capítulos que
se seguem. Mas, antes disso, voltemo-nos para o Capítulo Três para ter um
exemplo da forma como uma escola, a International School of the Americas,
está a lutar para construir uma personalidade e, assim, tornar-se mais
semelhante a uma comunidade nesta nossa sociedade tão diversificada de
hoje.
3
A Competência e o Carinho em Acção
Para muitos o ensino é uma profissão baseada em métodos de ensino e
no domínio das disciplinas a ser ensinadas. Embora ambas as componentes
sejam importantes, até mesmo necessárias, nenhuma delas é suficiente para
definir o ensino como uma profissão. Ensinar é professar algo e o acto de
professar exige a defesa de certas e determinadas virtudes que incluem a
necessidade de assumir um compromisso público para servir ideias e pessoas.
O carinho é a pedra basilar desse compromisso. Noddings (1992), por
exemplo, acredita que as escolas devem ser definidas como centros de carinho
e que a temática do carinho deve atravessar todos os aspectos da vida da
escola, desde as relações e a organização, até ao currículo e ensino. O
carinho, de acordo com Beck (1994), envolve a promoção do desenvolvimento
humano e a resposta às necessidades humanas. Esta ideia equipara o ensino
ao carinho e o carinho ao ensino como uma e a mesma actividade. Ambos
dependem da capacidade de cultivar tipos especiais de relações no meio e
entre professores e alunos, relações essas que são caracterizadas por um grau
de compromisso recíproco. Tal como James Comer afirma frequentemente,
“No ramo da imobiliária é a localização, a localização, a localização. Na
educação são as relações, as relações, as relações.”
As Virtudes
Mayeroff (1971, conforme citado em Beck, 1994, pág. 10) refere-se a
este compromisso necessário como “a devoção” demonstrada pelo simples
facto de se “estar «lá» para o outro de uma forma que se opõe à contenção e à
ambivalência. Observada durante um período longo, demonstra-se pela...
consistência, que se expressa a si própria como persistência perante condições
desfavoráveis e na... vontade para ultrapassar as dificuldades.” A devoção
pode ser uma palavra demasiado forte para as profissões impessoais que
lidam com coisas, mas não no caso das profissões ditas carinhosas. William
Arrowsmith (1985) capta a essência do ensino da seguinte forma: “Referi-me
anteriormente a este ensino como uma actividade que se assemelha ao amor.
Existe nela, ou deveria existir, um sentido de compaixão e de carinho; uma
preocupação e carinho pela espécie, seja lá o que for, pelos jovens, pela sua
realização. Assumindo que o ensino é uma profissão, é algo [que] se baseia
não num conjunto de métodos ou de disciplinas, mas no serviço, num ethos
inspirador de um amor supostamente eficiente. Em teoria, pelo menos, o
ensino é altruísta” (pág. 56).
Estes pensamentos de carinho e de serviço como pilares fundamentais
para definir a profissão de ensino lembram-nos a ênfase de van Manen na
pedagogia como possibilidade de conduzir as crianças de forma a proporcionar
um rumo para a sua vida. Nas suas palavras: “Quer se goste ou não, qualquer
acção pedagógica é normativa: mostra como estamos orientados para as
crianças e como correspondemos (ou não) às nossas responsabilidades” (pág.
35). Na esteira de Aristóteles, van Manen encara a pedagogia como um “bem”
ou uma “virtude” que todos os professores e pais têm de praticar. Define
pedagogia como um “encontro de companheirismo entre pais e filhos,
professores e pupilos, avós e netos – em resumo, uma relação de acção
prática entre um adulto e um jovem que está a tornar-se um adulto” (pág. 31).
Tal como o amor e a amizade, continua ele, “a pedagogia apoia-se fortemente
na natureza do relacionamento entre adultos e crianças” (pág. 31). Seguindo
van Manen, podemos falar de três condições para o mundo-da-vida da
pedagogia: o carinho emocional pela criança; a esperança pela criança e a
responsabilidade pela criança – todas elas fornecem a base moral para a
prática do ensino. Estas condições estão no centro, accionando e despoletando
as condições mais instrumentais e logísticas do mundo-dos-sistemas,
necessárias para que as escolas se transformem em lugares mais eficazes do
ponto de vista académico, social e do desenvolvimento para todos os alunos.
A International School of the Americas (ISA)
O serviço às pessoas, às ideias e o carinho são virtudes que contribuem
e fornecem a substância para a personalidade da escola. Neste capítulo, estas
virtudes são ilustradas pela análise da vida nos recreios e salas de aula da
International School of the Americas (ISA), uma pequena escola em San
Antonio, no Texas. Esta escola tem um mundo-da-vida vibrante cheio de
objectivos e significado que funciona como uma bússola indicando a direcção.
Ao mesmo tempo, a ISA tem um mundo-dos-sistemas eficaz e eficiente que
funciona como um roteiro bem elaborado que ajuda a escola a identificar e a
atingir os seus objectivos e metas. Como resultado, a ISA goza de um elevado
grau de sucesso académico, sendo, ao mesmo tempo, uma comunidade
modelo caracterizada pelo carinho.
Ao longo de vários meses, durante o ano lectivo de 1993-94, o meu
colega John Moore e eu convidámos sete pessoas que representavam a Valero
Energy Corporation, a Southwestern Bell Corporation e a Trinity University para
se juntarem a nós numa conversa que conduziu à fundação da escola. Chula
Boyle, que estava, na altura, destacada na Trinity University pelo seu centro
administrativo escolar e exercendo as funções de Directora do Centro de
Reitores da Trinity University, envolveu-se na nossa conversa. Mais tarde,
Boyle viria a tornar-se a directora fundadora da escola.
O que estaríamos nós os nove a preparar? Queríamos, muito
simplesmente, ajudar os professores, pais e alunos que tivessem vontade e
disponibilidade para criar uma escola com personalidade – uma escola que
alargasse a forma como a maioria de nós, em San António, pensava, nessa
altura, sobre assuntos como o tamanho da escola, o currículo, o ensino e a
aprendizagem, colegialidade dentro do corpo docente, as funções dos alunos e
dos pais e a disciplina e avaliação dos estudantes. Fomos influenciados por
aquilo que os especialistas diziam sobre a criação de escolas secundárias
conscientes e dedicámos particular atenção às ideias da Coalition of Essential
Schools (Aliança de Escolas Essenciais)7. Estávamos igualmente bastante
conscientes daquilo que estava a acontecer na escola secundária de Central
Park East, na cidade de Nova Iorque, e noutras escolas de sucesso que
ocupavam os cabeçalhos das notícias.
A nossa estratégia era propor determinados princípios estruturantes de
concepção que pudessem ser usados por um conjunto interessado de
7 O objectivo da Coalition of Essential Schools (CES) é transformar o ensino público americano de forma
a que cada criança em cada bairro, independentemente da sua raça ou classe social, possa frequentar
uma escola pequena, vibrante, intelectualmente motivante, desafiadora e personalizada.
educadores para criar a sua própria escola. A escola que esperávamos criar
tinha de ser única; os níveis da sensação de propriedade na escola entre pais,
professores e alunos tinham de ser elevados; e o mundo-da-vida da escola
tinha de ser a força central e geradora daquilo que a escola iria fazer e da
forma como iria funcionar. Não estávamos, portanto, interessados em
desenvolver um modelo de organização, de currículo, de ensino e de avaliação
que fosse apenas importado por uma escola.
Estes são os princípios que propomos para fornecer as bases para o
planeamento da escola. Eram apresentados como pontos de debate que
seriam posteriormente aperfeiçoados na prática.
· Acreditamos que um diploma deve reflectir que um aluno dominou um
determinado número de competências essenciais e é competente em
determinadas áreas do conhecimento.
· Acreditamos que o currículo deve estar organizado de forma simples, com
poucos objectivos importantes que forneçam pontos de orientação para a
aprendizagem. A ênfase deve ser dada ao domínio daquilo que é
verdadeiramente essencial.
· Acreditamos que a centralidade nos elementos fundamentais da
aprendizagem fornece o ponto de partida para uma aprendizagem que dura a
vida inteira.
· Acreditamos que os alunos aprendem melhor em cenários caracterizados
pela intimidade e carinho.
· Acreditamos que as necessidades dos jovens são a força motriz para as
escolhas que fazem. Seguem-se algumas das necessidades particularmente
importantes:
A necessidade de dominar matérias, de ser desafiado e de realizar
coisas importantes
A necessidade de pertencer, de ser aceite de forma incondicional
A necessidade de autonomia, de correr riscos num ambiente
protegido, de tentar coisas novas, de abrir as asas
A necessidade de cuidar, de colaborar com os outros e de sentir-se,
por isso, necessário
· Acreditamos que o tratamento destas necessidades deve ser uma
preocupação primordial para o desenvolvimento de políticas escolares, sempre
que relacionadas com o ensino, currículo, horários, disciplina, aconselhamento,
desporto, o ambiente social da escola e outras preocupações.
· Acreditamos que deve ser dada ênfase ao trabalho que deve ser realizado e à
aprendizagem desejada, em detrimento do relógio ou do calendário.
· Acreditamos que a escola deve ser organizada e funcionar de uma forma que
permita aos alunos aprender como se tornarem cidadãos activos e adultos com
preocupações sociais, para que conheçam e se preocupem com a nossa
comunidade e com o mundo, para que conheçam e se preocupem com eles
próprios e com os outros e demonstrem essa mesma preocupação.
· Acreditamos que essa aprendizagem deve ser organizada em torno do
domínio das apresentações e demonstrações de aprendizagem. Estas
apresentações devem ser complementadas, sempre que apropriado, através
de disciplinas tradicionais em áreas como línguas estrangeiras, educação
física, matemática avançada e outras.
· Acreditamos que os estudantes devem ser vistos como alunos activos que
aceitarão a responsabilidade pela sua própria aprendizagem, reunindo-se,
planeando o seu trabalho, organizando os seus horários, verificando o seu
progresso e sendo responsáveis por dar aos professores e aos outros provas
convincentes de que estão verdadeiramente a aprender.
· Acreditamos que a simplicidade deve ser realçada quando se tomam
decisões curriculares.
· Acreditamos que a colaboração e o trabalho de equipa devem ser realçados e
que o ensino e a aprendizagem devem ser organizados de maneira a que
encorajem ou obriguem os alunos a trabalhar em conjunto, para se ajudarem
uns aos outros, de forma a resolver problemas.
· Acreditamos que a escola deve ser pequena e deve tirar partido do seu
tamanho convidando alunos e professores a assumirem uma maior quota de
responsabilidade pela administração da escola.
· Acreditamos que os alunos devem completar um projecto de serviço orientado
para a comunidade como parte dos requisitos básicos necessários para a
conclusão dos seus estudos.
Quando Richard Middleton, supervisor da North East Independent
School District8, para a área metropolitana de San António, soube da
oportunidade de criar uma nova escola, propôs que esta ficasse na sua divisão
escolar. A Lee High School foi escolhida como o local para a escola e cinco
professores, juntamente com Boyle, avançaram para ajudar a tornar esta
escola realidade. Começaram por examinar os princípios gerais e definir uma
opinião sobre estes assuntos e outros semelhantes. Isto levou à concepção de
um conjunto de princípios de funcionamento e de valores que forneciam a base
para a definição de um currículo, um modelo de organização e uma estrutura
política para a escola.
As Opiniões dos Professores
8 Divisão Administrativa das Escolas Independentes do Nordeste.
Na secção que se segue, apresentam-se algumas vinhetas preparadas
pelas professoras da ISA, Heidi Anderson, Nikki Lopez e Liz Moore e pela
primeira directora da escola, Chula Boyle. Tratam-se de reflexões sobre os
primeiros anos da escola (Anderson, Boyle, Lopez e Moore, 1997)
A International School of the Americas abriu as suas portas a 113
caloiros, no Outono de 1994, com cinco professores, um funcionário
e um director, criando a primeira escola íman da North East
Independent School District, em San Antonio, no Texas. Criar esta
escola era arriscado até porque, nesta região do país, a maioria das
escolas íman normalmente constroem o seu sucesso através da
“selecção” dos seus alunos. A ISA permite que todas as crianças
que escolham candidatar-se tenham as mesmas oportunidades de
serem escolhidas na lotaria para o recrutamento. No final, o grupo
acaba por reflectir a demografia das escolas secundárias de San
Antonio e da North East Independent School District. Desde alunos
que nunca passaram a uma disciplina no ensino preparatório até
alunos classificados entre os melhores do oitavo ano enchem os
corredores da EIA. E todos vêm pela mesma razão. Querem algo
diferente, querem uma escola mais pequena, acreditam no poder da
sua própria escolha.
Começamos com esperança, desejo e muitas promessas de
proporcionar aos alunos da ISA uma experiência educativa capaz de
garantir a todos eles o acesso ao ensino pós-secundário. O que
prometemos? Prometemos aos alunos turmas pequenas,
professores atenciosos e comprometidos, o direito a ter uma opinião
sobre a sua aprendizagem e sobre os seus futuros, bem como a
capacidade para aprender com métodos que misturassem
abordagens tradicionais e não tradicionais. Dissemos-lhes que não
haveria perseguições. Acreditávamos que todos, sem excepção,
eram dotados. Não havia salas de aula modernas, muito poucos
computadores, bastantes materiais emprestados e um antigo
laboratório pedagógico vocacional com chão de cimento que nos
servia de casa. O desafio era conferir maior realidade à ideia de que
a escolha, independentemente do historial de aprendizagem de um
aluno, podia dar forças e estimular a aprendizagem na criança. E
isso iria acontecer num ambiente que fosse capaz de garantir apoio
e atenção durante a sua aprendizagem.
Consideremos, por exemplo, Rosa, uma aluna na ISA. A Rosa
telefonou-nos para nos contar como lhe corriam as coisas no seu
último ano. Entusiasmada, falava em tom contagiante do seu gosto
pelas aulas de Inglês, como se sentia capaz e motivada como
escritora, como compreendia e gostava de falar sobre a chamada
grande literatura. Falou-me de uma conversa que tinha tido
juntamente com seis outros finalistas. Rosa tinha conduzido a
conversa em torno de Hamlet e de Shakespeare como escritor. A
iniciativa da conversa tinha sido sua, enquanto ela e os outros
estavam sentados à parte do resto do grupo, tentando “pôr o
trabalho em dia”. Este grupo em particular continua a não lidar muito
bem com a sua condição de alunos. Os trabalhos tradicionais são
pouco apelativos para eles. No entanto, estavam a completar os tão
odiados trabalhos e conversavam sobre Hamlet.
Que tipo de liderança é esta que convida os alunos a reconhecer-
se a eles próprios como estudantes fortes e poderosos? Que tipo de
liderança é esta que os ajuda a compreender o jogo da
aprendizagem? Aprender é, pelo menos na escola, mostrar a outras
pessoas aquilo que sabemos. Que tipo de liderança é então essa
que convida os alunos a conhecer o extraordinário poder oculto que
todos eles têm? Na ISA definimos liderança como voz, atenção e
apoio aliados a que se juntam pequenas quantidades de esperança
e de expectativa. Este tipo de fórmula não se aplica apenas às
Rosas deste mundo, mas a qualquer pessoa que entre na
comunidade da ISA. Os professores, funcionários, pais, alunos,
orientadores, sócios – espera-se que todos sejam líderes e, ao
mesmo tempo, que todos tenham uma voz. Os verdadeiros líderes
agitam, guiam e alimentam as características de liderança nos
outros, independentemente de quão fracas ou fortes elas se
encontram incorporadas. Alguns dos nossos alunos vêm para a ISA
tímidos e nervosos, mas reconhecemos e alegramo-nos com os
seus dons e encorajamo-los a falar e a dizer de sua justiça.
Carlos, durante a sua última entrevista para avaliação do seu
portfólio no final do primeiro ano, lembrou-nos o quanto a nossa
escola pressiona os alunos a desenvolver o seu poder e potencial.
Afirmou: “Professora, quando pela primeira vez atravessei as portas
da ISA, caminhava com a cabeça baixada, assim.” E demonstrou um
caminhar hesitante, cabisbaixo, olhos presos para o chão, uma
réplica exacta do rapaz tímido, de poucas palavras, que conheci há
um ano atrás. “Mas agora, caminho assim!” A passada de Carlos era
confiante, com a cabeça bem levantada e um sorriso aberto e
animado enchendo a sua cara. Olhava-nos directamente nos olhos,
orgulhoso do seu crescimento. A sua transformação espantou-me.
Cá estava um jovem, ansioso por contar a sua história, por dar a sua
opinião e por questionar, ponderadamente, o status quo. Tínhamos
conseguido.
Aqui na ISA, a liderança é diferente, porque os professores e os
alunos trabalham em conjunto para tomar decisões que, em última
análise, acabam por produzir um impacto sobre os alunos e a sua
aprendizagem. Todas as nossas decisões são norteadas pelo desejo
de fazer o que é melhor para os alunos. É por isso que as crianças
da ISA participam sempre no processo de selecção de novos
professores. A ISA nunca teve um professor que não se integrasse
quando os alunos eram envolvidos nas entrevistas. Mostramos
imediatamente aos miúdos que cada um deles tem uma voz, e
desafiamo-los a usá-la! E esta voz requer que seja ouvida e
escutada e que tenha a capacidade para ouvir e escutar. A voz
necessita de paciência e compreensão. Necessita de ver tantos
lados quanto for possível e permite muitas opiniões diferentes. Faz
com que conheçamos o suficiente sobre aquilo que queremos ou
acreditamos para convencer os outros. Exige também a capacidade
para se ser convencido. Ter uma voz significa ser aberto, honesto e
extraordinariamente flexível. A voz pode ser barulhenta e caótica.
Pode parecer uma confusão. Exige a capacidade de reflectirmos
sobre nós próprios, enquanto pensamos nos outros. Claro que isto
precisa de tempo e de paciência para desenvolver vozes produtivas,
apoiantes e ponderadas. Mas dentro de um reduzido espaço de
tempo, os nossos alunos conseguem estar à altura da ocasião.
No nosso primeiro ano de existência, os alunos formaram o
Conselho de Alunos, um grupo diversificado que representa a
opinião dos alunos nos diálogos. A admissão não é selectiva, mas
sim um compromisso voluntário de estar presente em reuniões e de
participar nas actividades da Direcção. O Conselho original assumiu
a responsabilidade de articular e redigir o Código de Ética ao qual
todos os membros da comunidade da ISA concordavam em
submeter-se. No segundo ano, o Conselho reexaminou o Código
numa tentativa de definir as suas ideias de forma mais concreta.
Embora este diálogo tenha durado mais de um ano e embora
tenhamos acertado em determinados pontos que aumentavam os
nossos níveis de frustração, o Conselho descobriu a grande
variedade de experiências pessoais que regem o conceito de
respeito. No fim, os alunos decidiram que a melhor forma de explicar
o Código era utilizando a Regra Dourada: “Faz aos outros aquilo que
queres que te façam a ti.” Logo que chegaram a essa conclusão, os
membros do Conselho organizaram um workshop prático sobre o
Código, que apresentaram a toda a população escolar. A
transmissão das ideias subjacentes a este Código e que o
incorporavam tornou-se numa tradição para a Direcção do Conselho
à medida que acrescentávamos cada nova turma. Aqueles alunos
que estiveram envolvidos neste processo tornaram-se verdadeiros
líderes do diálogo dentro do Conselho, tal como noutras áreas da
escola e da comunidade geral. Carol, um dos membros originais do
Conselho, referiu: “Cabe a todos nós, sobretudo àqueles que
estiveram aqui mais tempo, transmitir as nossas experiências aos
que nos seguem... para ensinar-lhes o que descobrirmos, para que
possam transmitir a forma de fazer as coisas da ISA aos que depois
deles virão.”
Incorporar uma tão ampla variedade de capacidades e de estilos
de liderança na fundação de uma escola requer uma grande dose de
confiança. Quando pedimos aos alunos o seu feedback a um
determinado projecto ou ao programa de uma disciplina, podemos
confiar que levarão este trabalho a sério. E, em boa verdade, nunca
nos passou pela cabeça que se comportariam de maneira diferente.
Numa assembleia da escola, um pé que bate, os sons
transparentes de um saxofone – e, depois, uma pausa enchendo a
sala; um aluno de um metro e oitenta vestido de Aretha Franklin
volta a cabeça para a multidão. Os alunos sorriem e o riso troa à
medida que o espectáculo continua ao som de “Respect”. Na manhã
seguinte, os artigos da escola que tinham desaparecido...
regressaram, e não se fizeram perguntas. O sucesso da ISA sempre
dependeu dos alunos. Quando os alunos ensinam aos alunos os
valores da vida, tais como o respeito, forma-se um laço de amizade
e cria-se uma onda suave que consegue tocar o futuro.
A Vida na Sala de Aula
Kathy Bieser e Jennifer Baize (1998) estudaram as vidas dos
professores e alunos da ISA nas salas de aula, baseando-se em entrevistas,
observações nas salas e nas suas próprias experiências como professoras
efectivas na escola. Consideraram que as salas de aula na ISA podiam ser
caracterizadas como apinhadas, vivas, descontraídas, barulhentas, informais e
abertas. Os alunos sentem que são a escola e que são eles que fazem e
possuem a escola. Consideraram que as salas estavam centralizadas nos
alunos e que estes tinham uma voz forte na sua própria aprendizagem. Para
eles, “o factor mais importante na definição da cultura da sala de aula na ISA é
a relação professor-aluno. Na ISA, a relação entre o professor e o aluno é
amistosa, aberta, descontraída e afectuosa. Uma aluna da EIA explicou que
era possível perguntar a um professor da EIA qualquer coisa sobre a escola ou
sobre a sua vida pessoal e que o professor responderia abertamente. É fácil
pedir e receber ajuda dos professores durante as aulas” (pág. 2)
Ao estudar as relações entre alunos nas salas de aula, Bieser e Baize
concluíram que a colaboração e o trabalho em equipa eram componentes
altamente valorizados na sala de aula. O tipo de trabalhos que os alunos
recebiam e executavam forneceu excelentes exemplos do seu elevado nível de
colaboração. “A maioria dos trabalhos de avaliação na ISA centram-se em
torno de projectos interdisciplinares orientados para o grupo. Os projectos
motivam os alunos a passar algum tempo realizando o seu trabalho e a
valorizar a qualidade em vez da quantidade. Dá-se menos ênfase ao trabalho
diário e aos trabalhos de casa. As discussões na aula são um factor importante
na aprendizagem que ocorre na sala de aula e são muito valorizadas tanto
pelos alunos, como pelos professores... O trabalho dos estudantes enche as
salas de aula e os átrios da ISA. Todo o tipo de trabalho realizado pelos alunos
é exposto. As secretárias e as mesas estão dispostas em grupo para facilitar a
discussão” (pp. 3-4). Em suma, estas investigadoras descobriram que a cultura
essencial da sala de aula na ISA dava bastante importância às relações
professor-aluno, que eram do tipo familiar, orientadas para o grupo e que
maximizavam a opinião do aluno. Estas características baseavam-se na
pretensão de que as relações abertas entre professores e alunos resultavam
num maior crescimento académico, social e emocional; que o trabalho de
grupo não é apenas benéfico para os alunos durante os seus anos escolares,
mas é também um investimento a longo prazo no seu desenvolvimento futuro;
e que a opinião dos alunos é vital para o seu crescimento e realização.
Requisitos para Concluir a Formação
Os finalistas da ISA devem elaborar um portfólio e uma apresentação
individual final como parte dos seus requisitos para a conclusão da sua
formação. As especificações para estes requisitos são fornecidas no
Documento 3.1. O portfólio dos finalistas é concebido para que os alunos
possam responder à pergunta: “Quem sou eu como estudante?” Cada portfólio
inclui uma colecção de textos escritos em seis áreas distintas: o indivíduo, a
comunidade e a escola, a vida escolar, língua e tecnologia, estágios de
formação e planos para o futuro. Cinco minutos do tempo atribuído para que o
aluno explique e defenda a seu portfólio têm de ser conduzidos numa língua
estrangeira. O portfólio e as apresentações que o acompanham são analisadas
pelo conselheiro pedagógico, professores do último ano, um avaliador “adulto
importante” e um colega avaliador. Toda a turma dos finalistas se reúne em
assembleia para a apresentação de cada estudante.
Os alunos completam igualmente um estágio de formação que requer
120 horas de trabalho documentado, no máximo, em três locais diferentes. A
documentação escrita sob a forma de um Relatório de Estágio inclui o historial
da empresa, negócio ou ramo de actividade, organização, ou projecto para o
qual o aluno trabalhou; uma descrição da iniciativa do aluno; reflexões sobre o
que foi aprendido com a experiência de estágio; um elogio ou comentário do
orientador do estágio; diários e outros artefactos importantes. Eis algumas das
respostas dos alunos à pergunta: “O que incluiu ou incluirá o teu estágio de
formação?”
Documento 3.1. O Portfólio e a Apresentação do Finalista da ISA
Definição:O portfólio do finalista é a tua resposta à seguinte pergunta: “Quem sou eu como estudante?” Trata-se de uma colecção de documentos escritos e de outros artefactos que são apresentados perante um júri de avaliação e uma audiência composta pelos teus colegas numa apresentação formal. O portfólio representa o culminar dos teus anos na ISA e é um requisito necessário para a conclusão da tua formação.
Objectivo:O objectivo do portfólio e da apresentação é fornecer a todos os finalistas da ISA os meios para se expressarem enquanto estudantes, finalizando e sintetizando as experiências e a aprendizagem abrangidas pelos seus anos na ISA. Será uma apresentação única, individual e pública da realização do perfil de finalização de estudos de cada finalista da ISA.
Avaliação:Várias pessoas avaliarão o portfólio na sua apresentação. Entre elas inclui-se o teu orientador, um adulto importante externo à escola, outro finalista da ISA teu colega e os teus professores do último ano. A avaliação será conduzida usando a Rubrica do Portfólio e Apresentação do Finalista.
Orientação:O teu professor orientador actuará como teu orientador para o portfólio, verificando o progresso, examinando o trabalho, fornecendo feedback e determinando as tuas notas. Se quiseres, podes pedir a um especialista de uma área temática complementar à escola, ou à comunidade para te aconselhar num tema específico, à medida que desenvolves o teu portfólio e apresentação.
O Portfólio:O portfólio é algo que levas contigo quando deixas a ISA. Deve representar-te – os teus conhecimentos, os teus talentos, as tuas opiniões. Deve demonstrar quem tu és, as tuas ideias e os teus objectivos. O portfólio deve ser um objecto físico, embora possa ter várias formas como uma capa de argolas, um CD-ROM, uma obra de arte, uma cassete de áudio, ou uma cassete de vídeo, apenas para dar alguns exemplos.
A Componente Escrita:Cada portfólio deve incluir ou deve ser acompanhado por uma colecção de textos sobre o teu desenvolvimento educativo em cada uma das seguintes áreas específicas: a tua própria personalidade individual, a comunidade e a escola, a vida escolar, a língua e a tecnologia, estágios de formação e planos para o futuro. É necessária uma reflexão escrita (mínimo 450 palavras, dactilografadas) sobre cada área como parte do teu portfólio completo. A reflexão sobre o estágio de formação corresponde à necessária para o teu Relatório de Estágio, que será incluída como parte do teu Portfólio de Finalista.
A Componente da Língua EstrangeiraCinco minutos da tua apresentação têm de ser apresentados numa língua estrangeira. Esta parcela tem de ser escrita e examinada previamente por um professor de língua estrangeira. Aconselha-se vivamente que o aluno não leia a sua apresentação, embora possa ler a componente em língua estrangeira, se necessário.
A ApresentaçãoA apresentação do portfólio será marcada para a semana anterior aos exames do semestre de Outono e na semana antes das férias da Primavera. Cada apresentação demorará 15 a 20 minutos. Todas as apresentações devem estar terminadas até 12 de Março de 1999. A Equipa de Finalistas organizará as coisas de maneira a que o teu orientador e os teus professores do último ano estejam presentes à hora marcada para a apresentação. Cada aluno organizará as coisas para que o seu adulto importante e colega que farão a avaliação estejam presentes. O aluno é igualmente encorajado a convidar o seu orientador(es) de estágio e outros que o tenham orientado e apoiado. As turmas finalistas da ISA completarão a audiência para as apresentações. Todas as apresentações serão filmadas.
Fonte: International School of the Americas, 1998.
· Escrevi, dirigi e editei o filme de recrutamento para a nossa escola.
· Serei Embaixador no Estágio Internacional no México através de uma
organização dentro do governo mexicano conhecida como Community
Promotions, onde irei estudar sistemas administrativos e financeiros e participar
ainda no fornecimento de serviços básicos às populações.
· Assisti a uma cirurgia, coloquei gesso no pé de um funcionário e prestei
assistência a médicos noutros actos.
· Trabalhei na consulta de pediatria onde verifiquei os sinais vitais, observei
médicos, medi, pesei e medi o perímetro cefálico nos checkups realizados a
bebés saudáveis.
· Estou a verificar a rede de computadores da Valero [Empresa Energética] por
todo o Texas.
· [Estou] a criar uma página da Internet que destaca todo o envolvimento da
Valero em prol da comunidade.
· Observei e fiz a assistência em lipo-aspirações, cirurgias a lazer e
transplantes de capilares.
· Fiscalizei os cartões de aquisição e os adiantamentos de dinheiro da
empresa.
· Ajudei o pessoal dos San Antonio Spurs antes e durante os jogos,
organizando e colocando os painéis promocionais dentro do campo.
· Trabalho com os meus antigos professores de matemática ajudando-os nas
aulas de matemática do oitavo ano e dou ainda aulas a pequenos grupos de
alunos.
· Pesquisei informações e ajudei na preparação de espectáculos para um
programa radiofónico de entretenimento ao vivo.
· Fui autorizado a desenvolver o meu próprio projecto para ajudar no
crescimento de células para o estudo da osteoporose e do cancro.
· Calculei os valores de activos tributáveis nas dívidas a crédito para um
cliente. Também investiguei um processo jurídico encerrado para determinar a
forma como lidar com ele depois de a lei de limitações para um recurso ter
expirado.
· Irei desenvolver o Projecto Modelo para as Nações Unidas para a ISA em
conjunto com o World Affairs Council.
· Ensinei uma menina espanhola a falar inglês.
Como é que os alunos da ISA se comportam academicamente? A julgar
pelos feitos da primeira turma a finalizar os estudos, na Primavera de 1998,
muito bem. Noventa por cento dos noventa e dois alunos terminaram com um
diploma avançado. Noventa e três por cento tinham notas para entrar no ensino
superior. Dezassete por cento foram os primeiros a terminar o ensino
secundário na sua família. Houve cinco alunos que receberam o estatuto de
National Merit Commended Scholars, três, o de Hispanic Scholars e seis o de
Advanced Placement Scholars. A ISA obteve a percentagem mais alta de
alunos no North East School District a fazer os exames PSAT (Preliminary
Scholastic Assessment Test) e SAT (Scholastic Assessment Test) e os seus
resultados ultrapassaram tanto as médias estaduais, como as nacionais, nos
sub-testes orais e de matemática.
As Opiniões dos Alunos
Recentemente, Christer Blomqvist, um director sueco de uma escola
secundária, entrevistou três alunos, Marie, Carol e John, as professoras Liz e
Kelly e Shari Albright, que está no seu segundo ano como directora da ISA.
Bolmqvist estava interessado na forma como a cultura da ISA era entendida
por alunos e professores e quais os valores e crenças únicos que
influenciavam a cultura da escola. Segue-se uma versão anotada e resumida
dessa entrevista:
DIRECTOR: O que torna a escola especial?
MARIE: Os professores são espectaculares. Envolvem-se naquilo que
fazemos, na nossa vida pessoal, escolar e social. Apoiam-nos e vêem
realmente que estamos ali. Estão lá para nos ajudar vinte e quatro horas por
dia se quisermos.
CAROL: Concordo completamente. Os professores são maravilhosos. Estou na
escola desde que abriu. E a dedicação da primeira equipa de professores –
estavam lá desde as sete da manhã até às sete da noite quase todos os dias.
Tinham tanta dedicação. Um dos maiores bens da escola é o ambiente familiar.
Sobretudo na primeira turma em que estive. Todos sabiam tudo sobre todos.
Não havia segredos. Os professores, por ser uma escola tão pequena,
conheciam cada um dos alunos individualmente. Sabiam o que cada aluno
precisava para ter sucesso. Faziam os respectivos ajustamentos nas suas
aulas. Trabalhavam individualmente com os alunos. Moldavam-se aos seus
diferentes estilos de aprendizagem.
MARIE: Na maioria das escolas diz-se: “O director’, oh meu Deus, o director!”
Aqui, a directora tem uma enorme abertura de espírito e está sempre
disponível, abraça-nos e encoraja-nos. Nós, os alunos, temos programas,
como por exemplo clubes, por isso temos bastante liberdade, muitas escolhas.
DIRECTOR: Os professores trabalham horas extra na ISA e isso é motivo de
controvérsia?
KELLY: Trabalhamos num ambiente de equipa. Cada ano de escolaridade é
organizado como uma equipa. Trabalhamos numa equipa juntamente com
cinco outros professores. Dá-nos realmente a oportunidade para discutir sobre
os miúdos e sobre aquilo que eles estão a fazer nas aulas. Acho que esse é
um dos nossos maiores bens.
SHARI: Marcamos uma posição em relação ao recrutamento de professores.
Uma das posições em que mais nos destacámos foi no recrutamento e
selecção de professores. De facto, fazemos horas extraordinárias. E, na
verdade, não é o local ideal para todos. Houve pessoas que deixaram a escola
porque não se adaptavam ao trabalho em equipa. Mas, de uma maneira geral,
por haver tanto apoio por parte das outras pessoas, quer na sua equipa, quer
funcionários, isso funcionou para a grande maioria. A nossa visão é de que
hoje talvez possa ficar, mas amanhã pode surgir outro compromisso. Mas isso
não significa que não esteja a dar o meu máximo.
LIZ: Às quartas-feiras a equipa fica depois do horário normal escolar para dar
aulas extra e aulas de informática. Também dão aulas ao sábado. Estão ali,
simplesmente, a oferecer ajuda aos miúdos que precisam de tempo extra.
Alguns vêm porque realmente precisam disso. Outros vêm apenas porque
querem passear-se pela escola ao sábado de manhã.
SHARI: Quando saio da escola, às sete horas da noite, tenho mesmo de dizer
aos miúdos para irem para casa. Eles sentem que é a sua escola e que é um
bom sítio para estar. Esta é a parte formal. A parte informal é que temos
professores que levam os alunos a concertos sinfónicos quase todas as
semanas. Oferecem-nos bilhetes. Há professores que se encontram com os
alunos lá. Ou então os alunos dizem a um professor: “gostava de ir a uma
sessão de jazz” e por isso vão para... para um espectáculo que se realize mais
cedo e onde não haja muito fumo. Para nós, que levamos lá os alunos, é uma
experiência fantástica. Encontramo-nos com grupos de alunos num museu, à
terça-feira à noite, quando a entrada é livre. Estas não são coisas que, na
escola, lhes dizemos que é obrigatório fazer.
DIRECTOR: E quanto a relações entre alunos? Os alunos hispânicos mantêm-
se juntos?
TODOS OS ALUNOS: Não, não, não!
MARIE: No nosso primeiro ano aprendemos, sem sequer sabermos que
estamos a aprender... fazemos alguns projectos em que nos misturam com
pessoas diferentes. Põem-nos com alguém de outra escola, do outro lado da
cidade. No início é difícil porque não estamos habituados a essa pessoa, a sua
maneira de pensar é diferente e ela mostra-nos o que podemos fazer de
maneira diferente, academicamente. Assim, lentamente, e sobretudo no nosso
primeiro ano, aprendemos a estar com tipos diferentes de pessoas.
CAROL: A Professora Moore [Liz] está a rir porque sabe que no meu primeiro
ano eu sentia-me excessivamente frustrada. Estive presa a uma turma
talentosa e dotada durante os anos do ensino primário e preparatório.
Passávamos rapidamente por tudo e mais alguma coisa. Depois vim para a ISA
e comecei a relacionar-me com pessoas com problemas de aprendizagem, que
não percebiam as coisas rapidamente, nem evoluíam tão depressa e eu sentia-
me muito frustrada. Mas, tal como a Marie disse, eles puseram-me a trabalhar
com pessoas que eram realmente muito diferentes de mim. Para dizer a
verdade, não gostei muito disso no primeiro ano. Fiquei muito triste por terem
feito isso comigo. No início, tentei obrigá-los, dizendo: “Anda, acompanha-me.”
Depois, comecei a acalmar, a aprender com eles e a perceber que, embora
eles não progridam tão rapidamente ou não percebam as mesmas coisas e
pensem de maneira diferente, isso não faz deles pessoas inferiores. Acabei por
conhecer pessoas que, de outra forma, nunca teria conhecido. E no nosso
último ano já trabalhávamos todos juntos. Como uma turma. Foi interessante
ver coisas como os portfólios e outros projectos em que estávamos a trabalhar
no nosso último ano. Vimos finalistas a escolher pessoas da turma de quem
não eram particularmente amigos, mas que sabiam que eram o seu
complemento, que poderiam levar a cabo a outra parte do projecto que eles
próprios não teriam conseguido fazer. Conhecíamos as forças e fraquezas uns
dos outros e sabíamos como trabalhar juntos. Muito por causa das coisas que
éramos obrigados a fazer e que não gostávamos durante o nosso primeiro ano.
Foi realmente interessante ver esse desenvolvimento durante quatro anos e ver
a nossa turma a mudar e a crescer em conjunto.
DIRECTOR: E não pensas ter aprendido menos por teres trabalhado com
pessoas que o faziam mais lentamente do que tu?
CAROL: Diria que provavelmente aprendi muito mais. As pessoas que
cresceram numa zona com dificuldades sociais e económicas, pessoas da
zona sul, têm uma perspectiva completamente diferente sobre quase tudo em
relação às que cresceram num bairro rico. Ficamos expostos a essas
diferentes perspectivas, ouves os pontos de vista das pessoas e chegas à
conclusão: “Isso soa muito bem.” Mesmo nas disciplinas em que não há muitos
pontos de vista, como em matemática – fui sempre muito boa a matemática –
tornei-me uma aluna melhor a matemática porque os meus amigos, que não
são tão bons, vêm ter comigo e eu tenho de voltar a ensinar-lhes algo que eles
acabaram de aprender. E isso faz de mim uma aluna melhor. Penso que é um
bem para mim, tal como para todos, que juntem toda a gente.
DIRECTOR: Como são os vossos resultados académicos em comparação com
outras escolas secundárias do Texas?
SHARI: A nossa comparação é feita com outras escolas secundárias da nossa
divisão escolar administrativa, que é uma das que tem as mais altas
classificações dentro do estado do Texas. Somos ultrapassados apenas pela
escola secundária com mais poder socioeconómico. Acreditamos que estamos
a fazer coisas extremamente académicas com os nossos alunos que não são
tradicionais. Raramente vê os nossos alunos sentados em fila a fazer trabalhos
com papel, caneta e livros. Os nossos alunos estão muito envolvidos. São
muito activos. Estão a trabalhar uns com os outros. Estão a fazer aquilo que
esperamos que seja um tipo de trabalho mais parecido com o que se faz na
realidade. Até os exames finais das nossas aulas de matemática – há cinco
projectos em curso – tiveram lugar num parque de diversões. Os alunos
levaram as funções matemáticas de Álgebra Dois e procuraram exemplos
durante as viagens pelas atracções do parque e tiveram de calcular diferentes
funções matemáticas, que viam nas estruturas físicas. Fiquei completamente
pasmada com o trabalho feito pelos nossos alunos. A sua capacidade para
calcular a curva e o grau do aumento de uma descida... Todas estas coisas
eram notáveis para mim. E penso que estes miúdos foram embora com uma
compreensão espantosa daquilo que a Álgebra Dois realmente significa. É
esse o tipo de coisas que nos estamos a esforçar por fazer.
Será que a escola pode ser um lugar onde há afecto, um lugar onde os
alunos estão academicamente empenhados, um lugar onde os parâmetros são
elevados e onde a aprendizagem é rigorosa e um lugar onde se demonstram
elevados níveis de civilidade – tudo ao mesmo tempo?
As provas resumidas neste capítulo sugerem que a resposta a esta
pergunta é afirmativa, isto se a personalidade da escola estiver viva e bem de
saúde. As escolas com sucesso são escolas focalizadas com um forte sentido
de objectivo e uma forma única de fazer as coisas. Este breve olhar sobre a
ISA dá-nos uma ideia de como a personalidade pode reflectir-se no quotidiano
de uma escola. A personalidade tem mais valor quando é reflectida no ensino e
na aprendizagem, um tema a abordar na secção seguinte.
A Personalidade no Ensino
Reconhece-se, na generalidade, que a aprendizagem é um processo de
construção activa do significado; a aprendizagem é um fenómeno social que
ocorre preferencial e privilegiadamente dentro do contexto de uma comunidade
de aprendizagem; a aprendizagem está situada num contexto específico com
diferentes contextos que conduzem a diferentes consequências de
aprendizagem; e as diferenças na aprendizagem são um recurso (ver Wilson e
Peterson, 1997). Os alunos têm de perceber o sentido daquilo que estão a
aprender e, assim, interpretar e compreender aquilo que está a ser ensinado
em termos das suas próprias experiências pessoais, aprendizagens anteriores,
valores e crenças. Este processo de interpretação e compreensão é
influenciado pelas interacções que o aluno tem com os outros e pelas normas
que surgem dentro de um dado grupo de aprendizagem. É provável que alguns
alunos respondam à aprendizagem de algo dentro de um dado contexto,
embora não consigam aprender a mesma coisa noutro contexto.
Vejamos, por exemplo, os jovens que estão a aprender matemática na
rua gerindo um sistema de apostas de basebol que tem um significado genuíno
para eles e que envolve uma comunidade de aprendizagem ao “nível da rua”.
Se esses jovens forem postos em frente a uma secretária para trabalharem
sozinhos numa sala de aulas clássica, a mesma matemática ficará por
aprender. Estes alunos são capazes de passar ao teste de matemática da vida,
mas reprovar no teste padronizado da escola. E, por último, dado que os
alunos vêm para a sua aprendizagem com antecedentes, capacidades,
interesses e compreensões diferentes, acabam por beneficiar da interacção e
da aprendizagem com os outros alunos.
Respondendo àquilo que sabemos sobre a aprendizagem, esta requer
que as escolas sejam capazes de tomar decisões únicas que correspondam
aos seus objectivos e às necessidades e interesses dos seus alunos. Decisões
únicas requerem discrição, não apenas na escola, mas também para os
professores em cada sala de aulas da escola. Tanto a unicidade como a
discrição, tal como verificamos na ISA, constroem a personalidade da escola.
Consideremos, por exemplo, o caso de Carol, a aluna da ISA. Ela confessou
estar presa a turmas dotadas e talentosas durante os seus ensinos primário e
preparatório. Na ISA viu-se no meio de uma mistura bem real de antecedentes,
talentos, interesses e capacidades de alunos. Quando lhe perguntaram se tinha
aprendido menos por estar a trabalhar com esta mistura ampla de alunos a sua
resposta foi: “Diria que aprendi muito mais.” A ISA teve a liberdade de escolher
não cingir-se exclusivamente aos bons resultados.
Um dos princípios da Coalition of Essential Schools é que os professores
têm de conhecer os alunos bem para que os possam ensinar bem. Para que tal
aconteça é necessário que os professores se concentrem, não apenas nos
métodos de ensino e no domínio das suas disciplinas, como também no seu
compromisso em servir e cuidar. Acerca deste tema a directora Shari Albright
comenta: “Acho que nunca fiz parte de um corpo docente que estivesse tão
centrado nos alunos em toda a minha vida. A primeira coisa que estes
professores perguntam quando entram para a equipa não é “O que é bom para
a minha actividade pedagógica”, mas sim “Será que isto é o mais adequado
para este aluno em particular?” Esta é uma perspectiva muito diferente no
ensino secundário. É uma perspectiva muito individualizada e personalizada”
(Blomqvist, 1998, pág. 7).
Judith Deiro (1997; ver também Deiro, 1996) conta a história de uma
professora e dos seus alunos mais novos da escola secundária que
regressavam de uma assembleia aberta a toda a escola sobre questões de
assédio sexual e pessoal. Quatro alunos da escola apresentaram curtas
vinhetas representando o assédio que iam desde troçar da forma como alguém
estava vestido, até incomodar uma rapariga por agarrar a presilha do seu sutiã.
Quando a turma estava toda reunida a professora perguntou:
Quantos de vocês acharam que a assembleia foi realista? Fez-se um silêncio completo. Ninguém arrisca uma resposta. “O meu estômago apertou-se durante as vinhetas” - disse ela. “Trouxeram-me recordações de experiências dolorosas. E continuou: “Quantos de vocês já sofreram por perseguição ou já fizeram outros sofrer por isso?” Alguns alunos acenaram ligeiramente com a mão ou fizeram sinal com a cabeça. Pam [a professora] conta então uma história verídica sobre a forma como, quando estava no sétimo ano, tinha ridicularizado uma rapariga vizinha num esforço para conseguir a aprovação de um determinado grupo de miúdos. Revela como, ainda hoje, continua a sentir-se embaraçada e envergonhada com o incidente. É então que alguns alunos começam a falar. Partilham as suas histórias, falando das vezes em que perseguiram alguém ou quando foram perseguidos. Falaram de como poderiam fazer as coisas de outra forma. Muitos alunos juntaram-se à conversa. Falaram das possíveis razões por que os seres humanos são tão maus uns para os outros. Questionam a diferença entre seduzir e assediar. Discutem o que poderiam na realidade fazer se fossem assediados sexualmente e se fossem pressionados por colegas para assediar alguém [pág.193].
A professora, salienta Deiro, usou a revelação pessoal como estratégia
para evocar a discussão sobre o tema e manter a discussão focalizada, franca
e honesta. A revelação pessoal era uma das seis estratégias que Deiro
identificou como tendo sido utilizada pelos seis professores que ela estudara
para se ligarem aos seus alunos. Esta estratégia, juntamente com a estratégia
de dedicar algum tempo individual para os alunos, eram as duas mais
frequentemente usadas por quase todos os professores. Outras estratégias
incluíam ter expectativas elevadas sobre os alunos e, ao mesmo tempo, a
transmissão da crença nas suas capacidades; trabalhando conjuntamente com
pais, membros da família e amigos dos alunos; usando rituais e tradições
dentro da sala de aula; e construindo um sentido de comunidade entre os
alunos dentro da sala de aula.
Todas as seis estratégias eram usadas com regularidade pelos
professores da ISA. Tal acontece porque, com o mundo-da-vida intacto, a
personalidade e o profissionalismo acabam por estar interligados. Em escolas
com personalidade, os professores fazem questão de manter e de desenvolver
altos níveis de competência e fazem também questão de dedicar especial
atenção ao carinho e à construção de uma comunidade. O profissionalismo tem
a ver com ambos. A competência por si só não basta. Para que surja uma
verdadeira profissão, é necessário que competência e carinho se reúnam numa
prática de ensino inconsútil, coesa e coerente. Esta definição de
profissionalismo é essencial para ajudar as escolas a tornarem-se verdadeiras
comunidades de aprendizagem numa sociedade diversificada – o tema do
Capítulo Quatro.
4
A Comunidade numa Sociedade Diversificada
A comunidade encontra-se no coração do mundo-da-vida da escola.
Fornece a substância necessária para descobrir e criar significado, bem como
a estrutura para a construção de uma cultura. Encare a comunidade como um
poderoso antioxidante que pode proteger o mundo-da-vida da escola,
assegurando que os meios servirão os fins em vez de os determinar. As
comunidades são colecções de pessoas que se reúnem partilham
compromissos, ideias e valores comuns (Sergiovanni, 1994). As escolas
podem ser entendidas como:
· Comunidades de aprendizagem onde os alunos e outros membros da
comunidade escolar estão empenhados na reflexão, crescimento e
questionamento, e onde a aprendizagem é uma atitude ao mesmo tempo que
uma actividade, uma forma de vida e um processo
· Comunidades escolares onde os membros estão ligados uns aos outros para
benefício mútuo e para a prossecução de objectivos comuns através de um
sentido de profunda interdependência interior e de dever mútuo
· Comunidades carinhosas onde os membros se comprometem totalmente uns
com os outros e onde as características que definem as suas relações são
morais quanto à personalidade
· Comunidades inclusivas onde as diferenças económicas, religiosas, culturais,
étnicas, familiares e outras são reunidas num todo mutuamente respeitado
· Comunidades questionadoras onde os directores e professores se
comprometem num espírito de questionamento colectivo, conquanto reflictam
na sua prática e procurem soluções para o problema que enfrentam
Três características são importantes para aferir a extensão segundo a
qual uma escola forma uma dada comunidade: a extensão segundo a qual os
membros partilham laços interpessoais comuns, a extensão segundo a qual os
membros partilham uma identidade com um espaço comum (por exemplo, a
minha turma, o meu espaço, a minha escola) e a extensão segundo a qual os
membros partilham um compromisso no que respeita a valores, normas e
crenças. A comunidade reforça as relações. À medida que as relações se
fortalecem, criam-se redes de deveres e obrigações que têm tonalidades
morais. A escola começa a falar aos membros numa voz moral. Rapidamente
esta voz obriga-os a responder aos objectivos e normas da comunidade
(Etzioni, 1993).
Qual é a história da comunidade?2 Como é que esta história se
diferencia de tantas outras histórias sobre escolas? Que narrativa contém a
história da comunidade? Que histórias competem com a comunidade pela
atenção de quem define as políticas e dos administradores na educação? A
história da comunidade inclui formas de pensamento únicas sobre as relações.
Na maioria das escolas as relações são entendidas utilizando a narrativa dos
contratos sociais. Nas escolas que estão a tornar-se comunidades de
aprendizagem e de carinho, as relações são entendidas usando a narrativa dos
pactos sociais.
O principal enredo na narrativa dos contratos sociais envolve um
negócio. Cada uma das partes do contrato cede alguma coisa à outra parte
para obter algo em troca. Nesta narrativa, professores, pais e terceiros
investem os seus talentos e energia na escola e nas suas crianças em troca de
certos benefícios. De igual forma, as crianças suportam os rituais da
escolaridade para obter as estrelas douradas e os elogios que tanto desejam
dos professores, a atenção que querem dos pais e as notas de que necessitam
para entrar na universidade. Este contracto social com a escola é mantido
desde que cada uma das partes consiga obter aquilo que deseja. Quando os
professores já não recebem os benefícios acordados, estarão menos
predispostos a investir na escola. E quando os alunos já não obtêm os
benefícios que procuram, estarão menos dispostos a suportar os rituais da
escolaridade. Esta narrativa trata dos cálculos que envolvem negócios que
oferecem iniciativas em troca de concordância e anuência. O interesse pessoal
é tido como soberano e o espírito tipo “vamos fazer um negócio” é a ordem do
dia.
A narrativa dos contratos sociais guia a prática do director da Locke
Elementary School. Ele prometeu ao corpo de alunos que se fossem lidos dois
mil livros durante o mês de Outubro, na Noite das Bruxas, ele vestir-se-ia de
bruxa e beijaria um porco no telhado do edifício da escola. O objectivo foi
alcançado e, para o aparente deleite dos alunos, a promessa foi cumprido. O
director da escola Locke acredita que os contratos são instrumentos de
motivação importantes. Defende que se os professores, pais e alunos não
receberem alguma coisa pelo seu esforço, não estarão motivados. Não se
pode esperar que um gestor administre bem, que um trabalhador seja aplicado,
ou que um jogador de futebol americano jogue com dureza se não tiver alguma
coisa a ganhar. Por isso, questiona, como podemos esperar que os
professores ensinem bem, que os pais exerçam bem a sua função de pais, que
os alunos aprendam bem e que as escolas se desenvolvam sem incentivos?
Como podemos esperar, por exemplo, que os professores e os alunos
demonstrem comportamentos adequados se não fornecermos listas exaustivas
de regras e regulamentos ou requisitos de resultados que estão ligados a
consequências claras por incumprimento?
Os Pactos Sociais
O enredo principal na narrativa dos pactos sociais é muito menos
condicional. Nesta narrativa, as relações são mais morais do que calculadas.
Os casamentos, as famílias alargadas, as associações cívicas, as
comunidades religiosas, os grupos de apoio e as redes de amizade são
exemplos de afiliações caracterizadas por relações de pacto. Na narrativa dos
pactos sociais, as relações entre as pessoas são criadas quando elas estão
juntas, ligadas a ideias e valores comuns. Uma vez atingido, este laço humano
e esta ligação de ideias formam uma estrutura de regras, deveres e obrigações
recíprocos que são interiorizados pelos membros do grupo. Trata-se de uma
rede que não pode ser facilmente destruída quando um determinado individuo
já não gosta do acordo – uma estrutura que persevera mesmo quando o
divertimento desaparece, quando as necessidades não estão a ser
correspondidas e quando é preciso sacrificar o interesse pessoal.
A narrativa do pacto social guia a prática da reitora da Rousseau
Elementary School. Ela incentiva professores e alunos a trabalhar
conjuntamente para desenvolver um sistema de valores e normas que informe
sobre como é que todos na escola devem conduzir a sua vida em conjunto.
Ligado a uma visão mais abrangente dos objectivos da escola, aos valores
críticos e às crenças pedagógicas, este “pacto” fornece a base para uma
discussão continuada sobre como os professores, administradores, pais e
alunos podem cumprir os seus compromissos uns para com os outros e para
com a escola. Por exemplo, os alunos na Rousseau esperam que os
professores trabalhem com afinco, sejam carinhosos e ensinem bem. Como as
relações são recíprocas, os professores esperam que os alunos respondam de
maneira idêntica. Na Rousseau, os alunos recebem uma liberdade
considerável para decidir sobre coisas importantes. Ajudam a decidir a forma
como os objectivos de aprendizagem serão atingidos e ajudam também a
tomar decisões sobre como irão passar o seu tempo. No entanto, as decisões
têm de ser responsáveis, susceptíveis de encarnar e engrandecer o pacto
escolar. Tanto os professores como os alunos trabalham arduamente para
tornar a leitura divertida e útil ao mesmo tempo que aumentam os seus
conhecimentos. Os alunos da Rousseau são, por isso, leitores ávidos.
A directora da Rousseau acredita que quando tiverem a oportunidade de
tomar decisões importantes sobre os objectivos da escola, as metas e os
valores, os professores e os alunos responderão acabando por incorporar
moralmente estes objectivos, metas e valores nas suas acções. Para além
disso, a união entre os membros da escola e as ligações a ideias e ideais
comuns proporciona um ambiente normativo que encoraja a sensibilidade
moral. Os contratos sociais, defende, têm funções importantes a desempenhar
no mundo real. Mas também os pactos sociais. A escola é o lugar ideal,
sustenta, para aprender sobre os convénios sociais, praticar o seu
desenvolvimento e utilizá-los de uma forma prática para governar os assuntos.
Comparando as duas narrativas, Sacks (1997) argumenta que um
contrato social é mantido pela promessa de ganhos ou pela ameaça de forças
externas. Um pacto social é mantido pela lealdade, fidelidade, afinidade,
sentido de identidade, obrigação, dever, responsabilidade e reciprocidade. Um
contrato social, salienta, é instrumental, servindo importantes finalidades
políticas e colectivas que, idealmente, são do interesse nacional. Um pacto
social, pelo contrário, diz respeito a instituições bastante diferentes – famílias,
comunidades, grupos de amigos e associações voluntárias são disso exemplo.
Os pactos sociais fornecem a base para a nossa sociedade civil. Uma
sociedade civil saudável serve também o interesse nacional por ser o alicerce
moral, o leito e a fonte contínua que fornece os objectivos culturais, a unidade e
a força. Os contratos sociais estão no cerne daquilo que une as pessoas em
organizações formais e os pactos sociais estão no cerne daquilo que une as
pessoas em organizações sociais. Os primeiros baseiam-se em regras e os
últimos em normas.
Construir uma Comunidade na Escola
Na história da escola como comunidade, as ligações, os
relacionamentos e os compromissos são governados mais por pactos sociais
do que por contratos sociais. As escolas funcionam como organizações sociais
que são distintas das organizações formais.
Estive recentemente em Rochester, Nova Iorque, e tive a oportunidade
de percorrer a zona da baixa. Por ser fã da Xerox Corporation, decidi visitar a
belíssima Torre Xerox que embeleza as várias praças circundantes. A Xerox é
porventura uma das empresas mais bem geridas do mundo e muitas das suas
visões sobre liderança e outras questões de administração foram exportadas
para outras organizações com bons resultados. No interior do átrio principal da
empresa estão expostos retratos enormes de antigos Presidentes da Direcção
da Xerox, cada um com memoráveis citações criadas para informar e inspirar.
Fiquei particularmente sensibilizado com o retrato e comentários de Joseph C.
Wilson, que foi o Presidente de Direcção entre 1961 e 1967.
Isto é o que dizia a inscrição de Wilson: “A longo prazo, os nossos
clientes irão determinar se temos emprego ou não. A sua atitude para
connosco será o factor que determinará o nosso sucesso. Cada pessoa dentro
da Xerox terá de absorver que o seu dever mais importante é para com o
nosso cliente.” Este é um bom conselho, mas será um conselho universal?
Penso que não. Embora os seus pensamentos façam sentido para a Xerox e
para outras empresas, duvidamos se se adaptará às escolas. Aquilo de que
Wilson fala é de um contrato social cujos termos são pura e simplesmente:
sirva o cliente e terá um emprego. Sirva o cliente bem e terá um bom emprego.
Falhe no serviço ao cliente e não terá emprego. Mas o que acontece quando os
empregos não estão em causa? Será que isso significa que não precisamos de
nos preocupar com compromissos para servir os outros bem? Parece que
servir o cliente tem pouco a ver com demonstrar carinho por ele
incondicionalmente, ou com outros propósitos altruístas. Pelo contrário, servir o
cliente é uma forma eficaz e eficiente de servir o nosso interesse pessoal.
Quando o interesse pessoal já não está em causa, os clientes correm o risco
de ser abandonados.
Certamente que Wilson oferece óptimos conselhos para as pessoas que
trabalham na Xerox. Mas confesso que me sinto ligeiramente desconfortável se
esta for, alegadamente, a forma como conduzimos as coisas dentro da família,
na igreja, na organização de voluntariado ou na escola. Nas escolas, por
exemplo, devemos prestar mais atenção aos nossos alunos, pais e outros
porque é correcto fazer isso. É bom, justo e decente fazê-lo. Devemos prestar
atenção aos nossos alunos porque temos a responsabilidade de agir em
substituição dos pais e a obrigação moral de funcionar como agentes
controladores em nome dos seus pais e em nome das escolas que servimos.
Ganhar uma corrida pode estar perfeitamente bem para a Coca-Cola ou a
Pepsi mas, de certa forma, este tipo de pensamento parece estranho quando
aplicado aos enquadramentos familiares, a crianças, aos nossos laços
espirituais e a outros aspectos sociais das nossas vidas.
Apesar das boas intenções, aplicar uma filosofia vocacionada para o
cliente ao tipo errado de empresas acaba por ter consequências negativas e
imprevistas. Por exemplo, quando pais e alunos se habituam a ser
considerados como clientes por uma dada escola, não só é provável que as
exigências colocadas na escola aumentem, como também se focalizem nas
suas próprias necessidades privadas e interesses pessoais. Esta mentalidade
de consumidor egoísta degrada o compromisso para com o bem comum e
negligencia o cultivo de uma responsabilidade colectiva para com esse mesmo
bem. Aquilo que é melhor para todos os alunos e para a escola são as
chamadas considerações secundárias.
A alguns quarteirões de distância da Torre da Xerox, dei de caras com o
novo edifício da biblioteca Bausch & Lomb de Rochester e, inscrito no seu
edifício, estavam estes pensamentos: “O progresso do mundo depende quase
inteiramente da educação.” “Acreditamos que aquilo que deve ser feito, pode
ser feito.” “Neste momento voltamos os nossos corações e espíritos para os
nossos iluminados professores.” O edifício mais antigo da Rundell Memorial
Library, do outro lado da rua, apresenta as seguintes inscrições: “Ciências
sociais: competências forjadas no altruísmo para alcançar o melhoramento
humano; personificação da visão humana de justiça social.” “Literatura: o
depósito do conhecimento dos arquivos da civilização; o ponto de apoio da
alavanca do progresso.” “A Educação é mais do que a preparação para a vida
[;] é a própria vida” Que contraste tão grande em relação às mensagens
encontradas nas paredes do átrio da Xerox. A Xerox fala a linguagem dos
contratos sociais e a biblioteca fala a linguagem dos pactos sociais. Ambas as
linguagens são verdadeiras. Ambas as linguagens são necessárias. Mas
apenas uma das linguagens faz sentido para as escolas como comunidades.
As comunidades são organizadas em torno de relações e de ideias.
Criam estruturas sociais que ligam as pessoas a um conjunto de valores e de
ideias comuns. As comunidades são definidas por centros de valores,
sentimentos e crenças que fornecem as condições necessárias para a criação
de uma sensação de “nós” a partir do “eu” de cada indivíduo.
Nas escolas que estão a tornar-se comunidades, as relações baseiam-
se em compromissos, não em negócios. Espera-se que os professores e os
alunos façam um bom trabalho, não porque podem receber recompensas por
isso, mas porque é importante que o façam. As políticas de disciplina baseiam-
se em normas, e não apenas em regras como nas escolas comuns. Em vez de
confiar em primeiro lugar na troca de recompensas e castigos pelo
comportamento mais adequado, as comunidades de aprendizagem procuram
relacionar os seus membros com aquilo que está certo ou errado, com
obrigações e compromissos e com acordos morais. Quando estas relações
morais estão em prática, os alunos e os professores são forçados a encarnar
os compromissos e valores comuns. Nas escolas que estão a tornar-se
comunidades, os seus membros vivem a sua vida com outras pessoas que têm
intenções semelhantes. Nas escolas comuns, pelo contrário, as relações são
construídas por outros e tornam-se codificadas num sistema de hierarquias,
funções e expectativas de papéis.
Tijolos para a Comunidade de Aprendizagem
Tornar-se uma comunidade de aprendizagem implica o desenvolvimento
de determinados tijolos ou blocos de construção que fornecem uma estrutura
diferente para aquilo que fazemos, a razão por que o fazemos, e como o
fazemos (ver, por exemplo, Sergovanni, 1994). Para ser uma verdadeira
comunidade de aprendizagem uma escola tem também de ser:
· Uma comunidade de relações
· Uma comunidade de espaço
· Uma comunidade de espírito e de coração
· Uma comunidade de memória
· Uma comunidade de prática
À medida que a escola se transforma numa comunidade de
relacionamentos, as relações entre as pessoas são próximas e informais, as
circunstâncias individuais são tidas em conta, a aceitação é incondicional, as
emoções são legitimadas, o sacrifício do interesse pessoal de cada um para o
bem da comunidade é comum, os relacionamentos são intrinsecamente
valorizados, o conhecimento é valorizado e aprendido e os alunos são aceites
e os outros gostam deles. Estes tipos de relacionamentos entre as pessoas
criam uma unidade que é semelhante à encontrada nas famílias e noutros
grupos onde as pessoas têm relacionamentos muito estreitos.
À medida que a escola se torna numa comunidade de espaço, as
relações entre as pessoas são fortalecidas pela partilha de um local comum. A
partilha de um espaço com os outros durante períodos constantes apoia as
relações fornecendo a continuidade necessária para a criação de uma
identidade comum, um sentido de pertença comum e um compromisso comum
para com os afectos. Nell Noddings (1992) acredita que para que os
relacionamentos de uma comunidade se construam, deve haver continuidade
nos objectivos e que o primeiro seja o carinho de uns pelos outros. Noddings
acredita também que deve haver uma continuidade na residência escolar que
permita aos alunos estarem juntos num lugar o tempo suficiente para que
possam adquirir um sentido de pertença, e ainda que deve haver uma
continuidade de professores e de alunos que estejam juntos individualmente ou
em turmas durante três ou mais anos.
Quando os professores, alunos e pais estão ligados às mesmas ideias,
as relações com os outros tornam-se mais fortalecidas. Uma comunidade de
espírito e de coração surge desta ligação entre pessoas com objectivos
comuns, valores comuns e conceitos de ser e fazer comuns. Tornar-se uma
comunidade de relacionamentos, de espaço e de espírito implica o
desenvolvimento de redes de pensamento que unam as pessoas criando um
sentido de pertença especial e um forte sentido de identidade.
As compreensões em torno de uma comunidade têm qualidades
duradouras. São ensinadas aos novos membros, comemoradas em costumes
e rituais e são encarnadas como parâmetros que governam a vida na
comunidade. Para além disso, são suficientemente elásticas para sobreviver à
passagem dos membros através da comunidade ao longo do tempo. Tal como
sugeriu Bellah e os seus colegas (1985), as compreensões duradouras criam
uma comunidade da memória. Com o tempo, as comunidades de
relacionamentos, de espaço e de espírito tornam-se comunidades da memória
que proporcionam aos membros imagens duradouras da escola, da
aprendizagem e da vida. A comunidade da memória ampara os pais,
professores e alunos quando os tempos são difíceis, liga-os quando não estão
presentes fisicamente e fornece-lhes uma história capaz de criar um sentido e
um significado. A substância da comunidade da memória de uma escola é
frequentemente encerrada dentro dos seus símbolos, tradições, ritos e rituais.
Uma comunidade de prática é talvez o valor de referência que identifica
a profundidade com que a comunidade existe numa escola. Nas escolas
comuns, os professores são envolvidos nas suas próprias práticas privadas.
Uma escola de trinta professores é definida como um grupo de trinta práticas
individuais. Na comunidade de aprendizagem, as práticas individuais não são
abandonadas, mas estão ligadas a práticas comuns. Ao nível da escola, uma
prática de ensino única só existe verdadeiramente quando é partilhada por
todos. Dentro desta prática única surgem várias comunidades de prática mais
pequenas à medida que os grupos de professores se associam em volta de
questões comuns. À medida que um sentido de prática comum se desenvolve,
a colegialidade funciona num nível superior ao que normalmente acontece.
Problemas com a Comunidade
A teoria da comunidade não está isenta de problemas. Apesar de a
comunidade estar concebida para aproximar as pessoas por razões altruístas,
a comunidade pode criar sistemas de “sangue” que dividem as pessoas (ver
Sergiovanni, 1992). A triste realidade é que a comunidade, tal como o fogo,
pode ser útil ou nociva. Pela sua própria natureza, a comunidade é tanto
inclusiva, como exclusiva. Pode aproximar algumas pessoas, deixando outras
de fora. Para além disso, a comunidade pode exagerar as diferenças com os
outros, causar fragmentação, separação e conflito.
Estas são questões demasiado sérias porque o mundo é um lugar
diversificado. A diversidade levanta questões importantes para a forma como a
comunidade deve ser entendida, particularmente como idealização de uma
escolaridade. Por exemplo, como é que reconciliamos o problema
aparentemente paradoxal da criação de escolas distintas que se mantêm
unidas por significados comuns e um sentido de bem comum partilhado no seio
de uma sociedade que é cada vez mais multicultural e que tem um forte
historial de individualismo? Nas escolas, como é possível identificar um
objectivo comum, desenvolver uma prática coerente, reunir pais, professores,
alunos e administradores em temas comuns e construir uma estrutura de
normas comuns quando as pessoas têm expectativas diferentes, quando os
professores têm filosofias pedagógicas e estilos de trabalho diferentes e
quando o potencial de conflito é tão elevado?
Muitas opiniões sugerem que, num mundo pós-moderno, a própria
definição de comunidade tem de ser alterada. Furman (1998), por exemplo,
defende que as definições de comunidade baseadas em conceitos unificadores
e ideais estão em completo desacordo com os objectivos e a vertente prática
do multiculturalismo e, por implicação, nega a possibilidade de que uma
liderança moral produtiva possa emergir desses conceitos e ideais. Furman
propõe um conceito pós-moderno de comunidade: “A comunidade pós-
moderna é uma comunidade da diferença. Baseia-se na ética da aceitação dos
outros com respeito, justiça e apreço e numa cooperação pacífica dentro da
diferença. É inspirada pela metáfora de uma rede interligada e interdependente
de pessoas comprometidas com uma comunidade global” (pág. 312). No
entanto, diria que até mesmo esta definição acaba por ter um centro unificador.
A aceitação pelos outros e a cooperação dentro das diferenças são os valores
universais que os pós-modernistas reclamam como necessárias para garantir
os sentimentos de pertença, confiança e segurança essenciais para a
construção de uma comunidade. Estes “valores nucleares” pós-modernistas
dão elevada prioridade à construção de uma comunidade de relacionamentos
como parte central da comunidade de coração e espírito de uma escola.
Um dos problemas que contribui para as preocupações em torno da
criação de comunidades asfixiantes com centros rígidos que dividem e excluem
as pessoas é a percepção de que os centros e a uniformidade são a mesma
coisa. As comunidades de relacionamentos, de coração e de espírito não
necessitam, nem tão pouco deveriam ser construídas sobre cópias a papel
químico de normas abrangentes e minuciosamente definidas, mas sim, sobre
normas de carinho e de colaboração. As culturas de colaboração partilham
crenças comuns sobre o valor tanto do indivíduo como do grupo (Nias,
Southworth e Yeomans, 1989). Tais normas como o elogio, o apreço, a ajuda,
o apoio, o encorajamento e a consideração das diferenças como oportunidades
de aprendizagem são comuns nas culturas de colaboração.
Tal como Jennifer Nias (1995) salienta, as culturas de colaboração “não
devem ser consideradas erradamente como livres de conflitos ou confortáveis.
As culturas de colaboração são também construídas sobre uma crença nos
valores de abertura, temperadas com o respeito pela segurança individual e
colectiva” (pág. 9). Nada nas ciências sociais ou na filosofia moral proíbe uma
dada comunidade de defender a opinião de que as diferenças podem ser bens
e que, por isso, devem ser respeitadas.
Amitai Etzioni (1995), baseado na análise do trabalho de Charles Taylor
(1995), propõe uma “descentralização com princípios” como um antídoto para
as possíveis divisões entre comunidades diferentes. Dentro de uma estrutura
de descentralização com princípios, as comunidades localizadas fomentam
uma variedade de opiniões e de interesses diferentes, não como entidades
isoladas, mas dentro de uma aliança maior construída em torno de objectivos e
ideias comuns e interligadas por uma estrutura de respeito mútuo. Etzioni
(1996, 1997) propõe o mosaico como imagem de uma comunidade com uma
autonomia interligada. Um mosaico é composto por elementos de formas e
cores diferentes que são unidos por uma moldura e cola. O mosaico simboliza
a sociedade na qual várias comunidades mantêm as suas particularidades
culturais, enquanto reconhecem que são partes integrantes de um todo mais
abrangente. Dentro desta imagem, as comunidades têm compromissos firmes
tanto para com a sua unicidade, como para com a sua estrutura partilhada. E,
de igual modo, os membros de uma dada comunidade têm lealdades
estratificadas sob a forma de fidelidade a duas dimensões diferentes do todo
(Etzione, 1996, 1997). A descentralização com princípios, quando
acompanhada por lealdades estratificadas, incorpora a metáfora do mosaico na
prática.
A estas metáforas acrescentaria a metáfora dos bairros dentro de uma
cidade para nos ajudar a reflectir sobre como a construção de comunidades
dentro de uma comunidade mais ampla funcionaria nas escolas. Imaginemos,
por exemplo, uma escola básica de 750 alunos, em Toronto, do primeiro ao
sexto ano. Nesta escola há quatro turmas para cada ano. A escola está
organizada em cinco “famílias”, cada uma delas consistindo num conjunto de
classes localizadas nas suas próprias áreas e concebidas para manter os
mesmos 150 jovens e 6 professores juntos como “uma escola dentro de uma
escola” ao longo dos seis anos do seu tempo escolar. As cinco famílias
partilham o bar, a biblioteca e outras instalações da escola, obedecem a
algumas regras gerais aplicadas a toda a escola e participam em algumas
tradições comuns a toda a escola. Ao mesmo tempo, cada uma das famílias
actua como uma comunidade de aprendizagem independente ou como uma
escola dentro desta escola maior.
Apesar de partilharem elementos comuns, as famílias são únicas de
maneiras importantes. Uma das famílias é uma escola de imersão em língua e
estudos franceses. A segunda adoptou os Princípios da Escola Básica como
estrutura organizativa para o planeamento e organização do currículo. Uma
terceira família dá ênfase às temáticas das Caraíbas e do Canadá no seu
currículo de humanísticas e usa a Constituição, a carta de Liberdades e
Garantias e outros documentos como estrutura para desenvolver uma
sociedade constitucional que define a forma como irão viver a sua vida em
conjunto. Uma outra família baseia-se bastante em apresentações de
aprendizagem, aprendizagem de projectos e outras ideias progressivas. Nesta
família, os mesmos professores permanecem com os mesmos jovens durante
os primeiros três anos da sua escolaridade, um modelo que é repetido entre a
quarta e sexta classes. Uma quinta família passa as terças e quintas-feiras a
visitar museus, a fazer sondagens, a estudar os bairros vizinhos, empenhada
em investigações científicas em ribeiros da região e a usar a comunidade como
sala de aula. Esta família acredita que a escolaridade sem muros é ao mesmo
tempo motivadora para os alunos e pedagogicamente saudável. As cinco
famílias diferem na forma como lidam com as particularidades da disciplina,
quais os assuntos que têm mais relevo, como é avaliado o trabalho dos alunos
e outras questões importantes. Embora alguns resultados de aprendizagem
sejam iguais nas cinco famílias, outros diferem de família em família.
Cada uma das cinco famílias funciona, tal como um bairro de uma
cidade, celebrando os seus objectivos, hábitos, tradições, métodos de trabalho
e cultura únicos. Como peças de um mosaico, trazem diferentes cores e
tonalidades para a escola. Porém, são também partes integrais e
interdependentes de um todo que partilha valores e compromissos. Todos os
“bairros” nesta escola estão ligados por certas crenças: todos os alunos podem
aprender se tentarem e se os professores trabalharem com afinco, as virtudes
têm de ser institucionalizadas na cultura da escola, os professores são
membros de comunidades de prática, os pais devem aceitar a sua
responsabilidade de ajudar o trabalho da escola, os alunos têm direito a uma
aceitação incondicional e têm contribuições importantes a fazer, o respeito é
um parâmetro que se aplica de forma igual a todos, a forma deve seguir a
função na tomada de decisões, a educação da personalidade é importante e
por aí adiante. Embora cada uma das famílias adopte um currículo e
pedagogias diferentes, espera-se que as cinco comprometam os alunos numa
aprendizagem autêntica. O próprio currículo deve ser construtivista sem nunca
comprometer a atenção para com as competências elementares da literacia e
numeracia.
Esta lista de parâmetros comuns pode ser prefaciada por duas ou três
regras que se aplicam a toda a escola como proibido lutar, usar drogas e
armas. Estas regras comuns parecem suficientes para assegurar que, apesar
das semelhanças que possam existir no interior das famílias escolares
(comunidades) e das diferenças que possam existir entre elas, dão-se amplas
garantias de que asseguram os necessários níveis de civilidade, decência e
respeito por todos. Apesar de estratificadas, as ideias partilhadas e a
autoridade moral permanecem a razão para aquilo que acontece dentro da
grande escola. No centro desta autoridade moral estão conceitos partilhados
sobre os direitos individuais dos membros da comunidade e das suas
responsabilidades para com um bem maior.
Parecem ser necessárias oito condições para que a teoria da comunidade
evolua nessa direcção:
1. As escolas têm de ser redefinidas como grupos de pessoas e ideias em
vez de estruturas de tijolo e argamassa. Deste modo, dentro de qualquer
edifício de uma escola, muitas escolas independentes e semi-
independentes podem existir lado a lado.
2. É necessário incentivar no seio das escolas os valores partilhados que
conduzam ao desenvolvimento de comunidades de espírito e de coração
estreitamente unidas e, ao mesmo tempo, o respeito pelas diferenças
definidoras que tornam a escola única. O objectivo deve ser o de criar
comunidades protegidas dentro de outras comunidades, bairros dentro
de cidades e escolas dentro de escolas através da paisagem educativa.
3. Embora algumas escolas possam funcionar como escolas dentro de
escolas e outras como independentes ligadas a um complexo maior de
escolas, todas têm de estar unidas por valores fundamentais comuns.
4. É necessário cultivar lealdades estratificadas para com a sua própria
comunidade escolar e para com a comunidade maior de escolas.
5. Nada nos conceitos de comunidades protegidas, bairros dentro de uma
cidade, ou escolas dentro de uma escola deve comprometer os direitos
individuais dos alunos, pais, professores e restantes membros da
comunidade.
6. Esta ênfase nos direitos individuais tem de ser temperada por direitos
deliberadamente ligados a responsabilidades dentro de uma estrutura de
compromisso para com a virtude cívica, definida como o consentimento
de cada membro da comunidade, individual ou colectivamente, para
sacrificar o seu interesse pessoal em prol do bem comum.
7. Dentro de limites práticos, os alunos e as suas famílias, tal como os
professores, devem poder escolher a escola em particular, a família
escolar, ou a escola dentro da escola à qual querem aderir. Esta
“escola” de escolha deve fazer parte de uma estrutura jurídica mais
ampla composta por uma ou mais escolas e, ao mesmo tempo, possuir
um nível equitativo de recursos.
8. O compromisso tanto com os direitos individuais, como com as
responsabilidades partilhadas que estão ligadas ao bem comum, deve
fornecer a base para a liderança moral.
5
Parâmetros Estratificados e Avaliação de Responsabilidades Partilhada
Construir comunidades escolares eficazes e distintas que se concentrem
no carinho e na competência é uma excelente ideia. Mas temos um problema.
Não é possível ter este tipo de comunidade e, em simultâneo, um movimento
de parâmetros que impõe a todas as escolas as mesmas expectativas e os
mesmos resultados para a aprendizagem. É necessário que o movimento de
parâmetros actual seja realinhado. Se continuarmos com parâmetros e
avaliações padronizados, estaremos a colocar a construção da comunidade em
perigo, comprometendo os mundos-da-vida de pais, professores, alunos e
comunidades locais. Podemos evitar este problema mudando para parâmetros
estratificados e avaliação partilhada. Ambos podem acelerar a construção de
comunidades escolares eficazes. Mudando, é possível os dois proveitos
caberem no mesmo saco.
Mudar o Nosso Rumo
Mudar a nossa abordagem face aos parâmetros não é o mesmo que
abolir os parâmetros. Estabelecer parâmetros para aquilo que os alunos
necessitam de saber, os níveis de civilidade que devem caracterizar o
comportamento do aluno, o que é que as escolas têm de fazer e de que forma
é que os pais, professores e até mesmo directores e políticos definem as suas
funções no que diz respeito às questões educativas é positivo para os alunos,
para as escolas e para o país. Os parâmetros são bastante úteis sobretudo
quando acompanhados por avaliações que podem ser usadas para determinar
onde estamos relativamente aos nossos objectivos e, dessa forma, ajudar-nos
a melhorar. Pessoalmente, gosto de parâmetros e de avaliações, se forem do
tipo adequado. Ambos nos podem ajudar a definir o bem comum e a, ao
mesmo tempo, a juntarmo-nos numa mesma demanda para conquistar esse
bem. Os parâmetros e as avaliações podem ter uma função importante na
construção dos tipos de comunidades escolares focalizadas e afectuosas que a
maioria dos americanos deseja.
No entanto, tal como são agora concebidos, os parâmetros colonizam
em vez de realçar o mundo-da-vida das escolas, colocam a personalidade
organizacional das escolas em perigo, comprometem a sua sensibilidade face
às necessidades e aspirações locais, dificultam um ensino e aprendizagem
eficazes e frustram toda e qualquer tentativa para introduzir lentamente as
virtudes da aprendizagem e carinho nos alunos. Alterar esta nossa abordagem
actual não será, no entanto, fácil. Parece que estamos no meio de mais uma
moda caprichosa tão em voga e todos sabemos que as modas têm a sua
maneira especial de estragar as boas ideias.
Quando uma moda ou tendência geral atinge as nossas salas de aula,
as direcções mudam com tanta força que acabamos por ter oscilações do tipo
rebanho na política e prática educativas, desde o edifício estadual até ao
próprio edifício escolar. É isso que está a acontecer com o movimento dos
parâmetros. Ao contrário das alterações normais e sensatas que gradualmente
alteram as práticas existentes ao longo dos tempos, as modas são
acompanhadas por um rápido compromisso para com uma linha de acção que
tem o hábito de comprometer a racionalidade (Staw, 1984). Continuar a
aumentar a fasquia apertando os parâmetros e as avaliações à medida que as
taxas de insucesso dos alunos aumentam, é um exemplo disso. Outro é
assumir que os parâmetros e avaliações centralizados ao nível estadual em
Estados grandes como o Texas, a Califórnia ou Nova Iorque constituem um
controlo regional. Outro ainda é elevar os parâmetros sem fornecer os recursos
e a formação necessários para que os professores possam ensinar em níveis
académicos mais elevados.
A moda geral ou mania dos parâmetros está, por exemplo, a tornar-se
rapidamente numa prescrição do tipo “o melhor caminho” para o progresso
escolar, que procura determinar o que deve ser aprendido e qual o nível
mínimo em que esta aprendizagem deve acontecer, independentemente das
tradições, valores, necessidades e interesses locais. É quase como se aquilo
em que os alunos, pais, professores e comunidades estão interessados e
consideram importante não contasse.
Os defensores dos parâmetros são rápidos a salientar que os pais, os
professores, os especialistas em avaliações, os políticos e os líderes de
organizações estão tipicamente representados em comissões nomeadas pelo
estado encarregues de escrever ou avaliar os parâmetros. Porém, a grande
maioria das pessoas comuns não têm um papel directo ou uma opinião neste
processo. No meu ponto de vista, pode ser adequado e pertinente que um
governo representativo decida se uma nova estrada nacional deve ir de este
para oeste em vez de ir de oeste para este, mas quando a questão tem a ver
com as nossas crianças – a sua saúde mental e social, o seu desenvolvimento
cívico e intelectual e o seu crescimento espiritual e moral – então precisamos
de uma governação democrática sob a forma de participação directa daqueles
que são afectados pelas questões. Inquestionavelmente, o Estado tem um
papel importante neste processo. E, inquestionavelmente ainda, também os
pais, professores, alunos e restantes cidadãos nas comunidades escolares
locais. Isto, é claro, tendo como certo que há coisas que todos devem
aprender, mas que há também certas coisas que deveriam ser aprendidas por
algumas pessoas, mas não por outras.
Os Fins Determinam os Meios
Dado que os fins, sob a forma de parâmetros e avaliações
estandardizados, acabam por determinar os meios, quanto mais avançarmos
rumo a uma maior especificação dos parâmetros através do currículo, bem
como uma posterior avaliação para verificar se esses parâmetros foram
correspondidos, mais provável será que determinemos os pormenores do
currículo a ser ensinado e os tipos de ensino necessários para que este seja
devidamente aprendido. Isto, portanto, oferecerá a qualquer agência central o
controlo quase total do processo educativo. Quem controla o quê e como é que
isso tem consequências directas para o tipo de profissão em que o ensino se
tornará, bem como para os mundos da vida de cada professor. Se, em cada
escola individual, é necessário um mundo-da-vida vital para fornecer
personalidade, discrição, sentido de comunidade, motivação e o compromisso
de que professores e alunos tanto necessitam para reagir e ser eficazes, então
temos de nos preocupar com os parâmetros e avaliações que a todos afectam.
Grandes Riscos ou Riscos Errados?
Preocupação ainda maior é o facto de um sistema padronizado ser, pela
sua natureza, um grande risco. Este sistema determina quais os alunos que
serão vencedores e quais serão derrotados e quais serão as consequências
dessas vitórias ou derrotas, não apenas por um dia, semestre, ou ano mas, em
alguns casos, para a vida inteira. Em alguns estados, se os alunos não
conseguirem demonstrar que dominaram os parâmetros oficiais, não lhes será
atribuído um diploma e as hipóteses de escolas pós ensino secundário acabam
por ser radicalmente reduzidas.
Porque é que esta situação é tão incómoda? Porque os nossos
parâmetros e avaliações não são infalíveis. Estou a pensar em duas pessoas
de sucesso que conheço e que subiram graças ao seu próprio esforço. Um é
professor numa respeitada universidade e o outro é um filantropo
multimilionário interessado na educação. Ambos têm um registo escolar
modesto. Um pode ser considerado como um florescimento tardio e o outro
poderia ser considerado como tendo a chamada “sabedoria de rua”. Penso no
que lhes teria acontecido se tivessem tido de ser aprovados num exame
baseado em parâmetros para terminar o ensino secundário. Robert Sternberg
conta a história de Jack, o rapaz mais “esperto” da turma e de Irvin que era,
frequentemente, o alvo da troça de Jack. Jack dava regularmente duas moedas
para que Irvin escolhesse, uma moeda de cinco cêntimos e uma de dez. Para
deleite de Jack, Irvin escolhia sempre a de cinco. Quando lhe perguntaram
porquê, Irvin respondeu que se escolhesse a de dez, Jack não continuaria a
pedir-lhe para escolher. “Juntei mais de um dólar até agora [;] a única coisa que
tenho de fazer é continuar a escolher os cinco cêntimos” (Stenberg, 1996).
Jack pode muito bem estar a cumprir os parâmetros da escola, mas Irvin, tal
como o meu amigo milionário, está a cumprir os parâmetros da vida.
Parâmetros e Julgamentos
A palavra parâmetro pode ser intimidante e causar problemas quando
tentamos redirigir o movimento de parâmetros. O dicionário define parâmetro
como uma regra para medir a qualidade e a quantidade de alguma coisa. Para
a maioria dos cidadãos, um parâmetro de aprendizagem ou escolar é algo
semelhante ao parâmetro ou padrão do ouro – uma medida científica e
objectiva de algo valioso com a qual convém que o cidadão comum não se
meta. Por isso, os pais raramente perguntam o que significa uma avaliação
escolar definida a nível do estado e baseada em parâmetros descritos como
“exemplar” ou “necessita de melhorar”. Assumem apenas que o que quer que
esteja a ser medido o deve ser e quaisquer que sejam as classificações, estas
devem ser científicas. Se um parâmetro for cumprido, é bom. E se um
parâmetro não for cumprido, é mau.
Mas os parâmetros não são científicos, fixos ou precisos. São
subjectivos. Alguns parâmetros são bons e outros maus; alguns são medidos
adequadamente e outros não. Em alguns casos o esquema de classificação
que avalia a extensão e o grau em que um parâmetro é cumprido é colocado
demasiado alto. E, noutros casos, é posto demasiado baixo. Os parâmetros
não são “analisados cientificamente” para determinar se têm uma validade
universal. Nem tão pouco são medidos por algo preciso e sem incontroverso
como um termómetro, uma bomba de vácuo, ou um manómetro. Não existe
nenhuma constante k absoluta que forneça um metaparâmetro exacto e
universalmente fixado com o qual os outros parâmetros possam ser
comparados.
Em vez disso, as pessoas comuns, embora com algum conhecimento do
campo em questão, tomam decisões humanas sobre estas matérias. Quando
decidem sobre parâmetros, estas pessoas estão frequentemente em
desacordo. Um grupo de pessoas pode preferir alguns parâmetros, aceitar
outros e rejeitar ainda outros. Outro grupo pode preferir, aceitar e rejeitar
parâmetros na mesma área, embora estes parâmetros possam ser diferentes
daqueles escolhidos pelos indivíduos do primeiro grupo.
Embora aceitem que pode haver alguma controvérsia sobre os
parâmetros no âmbito dos estudos sociais e outras áreas chamadas “leves”,
muitos leitores assumem que a definição de parâmetros deve ser relativamente
incontroversa e fácil em áreas como a matemática e as ciências, ou em áreas
de competências básicas. Diane Ravitch, defendendo um conjunto único de
parâmetros nacionais que seriam aplicados a todos os alunos, salienta, por
exemplo, que “ a matemática e as ciências funcionam de acordo com os
mesmos princípios independentemente da cidade, estado ou nação. O avião
que acabou de passar sobre a minha casa não quer saber em que país está;
funciona na Áustria, na Nigéria e no Japão da mesma forma que nos Estados
Unidos” (citada em Olson, 1998, pág. 25).
No entanto, por exemplo, na Califórnia, a elaboração de parâmetros
científicos por uma comissão nomeada pelo Estado revelou-se uma tarefa
frustrante. A comissão dividiu-se em dois grupos principais. Um grupo, a
Science Coalition, dava preferência a uma abordagem inquiridora que ajudasse
os alunos a pensar como cientistas, a experimentar a ciência, a aprender
princípios científicos gerais e a ser capaz de resolver problemas científicos. O
outro grupo, os Associated Scientists, dava preferência a uma abordagem de
aquisição de conteúdos e defendia parâmetros que fossem mais classificados,
orientados para os conteúdos e submetidos a instruções directas. Um dos
membros da comissão dos Associated Scientists afirmou que “os comissários
tinham diferenças de opinião profundas em questões que diziam respeito ao
centro da educação – estilo educativo, a idade apropriada para a introdução de
materiais, a melhor forma de avaliar a aprendizagem de um aluno e a
interpretação dos dados da investigação. Os seus frequentes conflitos
baseavam-se em desacordos essenciais sobre aquilo que as crianças
deveriam aprender” (Olson, 1998, pág. 28).
No final, os comissários estabeleceram um compromisso que nenhum
dos lados celebrava particularmente, mas que ambos podiam prosseguir.
Quando o trabalho da comissão estava completo, coube ao Conselho de
Educação do Estado da Califórnia decidir se deveria aceitar o pacote de
compromissos ou uma outra combinação de parâmetros. O conselho aprovou
os parâmetros que reflectiam as opiniões dos comissários mais tradicionais. Os
novos parâmetros especificam aquilo que os alunos devem aprender em cada
ano, com o questionamento científico e a resolução de problemas a ocupar um
lugar claramente recuado em relação ao próprio conteúdo (Hoff, 1998b). Afinal
quem é que disse que os parâmetros educativos deviam ser aparentados ao
parâmetro do ouro!
E numa área de competências como a leitura? Não estará essa área
livre de controvérsias? Em 1993, o Ministério da Educação dos Estados Unidos
encarregou o Conselho Nacional de Professores de Inglês, a Associação
Internacional de Leitura9 e o Centro para o Estudo da Leitura da Universidade
do Illinois, em Urbana-Champaign de desenvolver e recomendar os parâmetros
nacionais. Quando os esboços dos parâmetros foram propostos, o Ministério
da Educação rejeitou o trabalho e subsequentemente cessou o seu
financiamento. Um dos criadores dos esboços dos parâmetros explicou a
rejeição da seguinte forma: “os parâmetros estavam excessivamente
preocupados com o “processo” e não o suficiente com “produtos” ou
“resultados” ” (Clinchy, 1995, pág. 11). Parece claro que, no que diz respeito à
leitura, as diferentes ideologias conduzem a conclusões diferentes. Estabelecer
parâmetros, nestas circunstâncias, pode assemelhar-se a um jogo de ganhar
ou perder em vez do questionamento científico de uma disciplina ou área de
competência para determinar uma qualquer espécie de verdade. Os
parâmetros são reflexões subjectivas das preferências daqueles que os
estabelecem. Pessoas diferentes estabelecem parâmetros diferentes. O
processo é tão político como qualquer outra coisa. Se deseja parâmetros dos
quais vai gostar, então entregue a tarefa do seu estabelecimento a pessoas
com as quais concorda.
Avaliar parâmetros é igualmente subjectivo. Para fins de avaliação, os
parâmetros têm de ser convertidos em indicadores de desempenho. Por vezes,
são usados testes formais que originam respostas de sim e não que podem ser
pontuadas através de respostas valorizadas numericamente. Outras vezes, são
usadas rubricas para classificar respostas de acordo com níveis de
desempenho tais como básico, proficiente ou avançado. Os peritos examinam
o trabalho que os alunos fazem usando as rubricas e fornecendo classificações
ordenadas segundo um ranking – um processo que faz bastante sentido, mas
que ainda tem muitos problemas.
Por exemplo, a NAEP, National Assesment of Educational Progress,
organismo dedicado à avaliação do progresso educativo, de 1994, aplica as
9 International Reading Association.
classificações de “básico”, “proficiente” e “avançado” ao aproveitamento dos
alunos. Muitos defensores e críticos das escolas americanas usam estas
pontuações dos testes como prova de que as escolas estão bem ou mal, e que,
por isso, devem ser renovadas e melhoradas. Muito depende de determinadas
pontuações a que os críticos prestam mais atenção e da forma como as
interpretam. Em 1994, por exemplo, a NAEP descobriu que cerca de 40 por
cento dos alunos do quarto ano avaliados não sabiam ler ao nível “básico”, tal
como definido por certas gamas de pontuação. Para o cidadão médio, isso
significa que 40 por cento dos nossos alunos do quarto ano não sabe ler! Mas
aquilo que a NAEP queria comunicar era que os alunos sabiam ler bem, mas
não até ao nível que era necessário para receber a designação de “básico”. A
designação de básico era determinada por um grupo de professores reunidos
pela NAEP para classificar a dificuldade das perguntas de exame e a qualidade
das respostas dos alunos. Se fosse um grupo diferente, provavelmente teria
sido estabelecido um nível diferente.
James Pellegrin, que preside ao National Assessment Governing Board,
o conselho que supervisiona a avaliação nacional, salienta que “os parâmetros
baseiam-se em julgamentos feitos por peritos e não reflectem algumas
verdades profundas” (Hoff, 1998, pág. 23). Muitos grupos informados, incluindo
especialistas em testes do General Accounting Office, que é a entidade
fiscalizadora superior do Congresso norte-americano, acreditam que as
amplitudes de pontuação da NAEP foram fixadas demasiado alto, dando
origem, portanto, a resultados mais baixos do que os alunos teriam obtido se
tivessem feito o Advanced Placement Exam ou outro exame semelhante para a
mesma disciplina ou área temática. A questão é que os parâmetros educativos
estão bem longe de ser parâmetros de ouro, tal como as nossas rubricas de
pontuação e os nossos níveis de classificação. E, ainda assim, será que
devemos usá-los? Claro, mas é preciso olhar para a informação como algo que
nos pode ajudar a compreender e a planear, e não como afirmações objectivas
de julgamentos sumários.
Acredito que o nosso sistema actual de parâmetros e de avaliações é
salvável. Temos os ingredientes de que necessitamos para desenvolver uma
abordagem que funcionará tanto para os legítimos interesses do Estado, como
para as necessidades das escolas locais de proteger e desenvolver o seu
próprio mundo-da-vida único e singular. Tudo o que temos de fazer é juntar as
peças de maneira diferente. Mas antes de continuarmos, vejamos de perto
alguns parâmetros e testes de um Estado, o Texas, e ver o que podemos
aprender.
Apesar das Boas Intenções
A situação dos testes de avaliação no Texas fornece-nos um exemplo de
como as aplicações do mundo-dos-sistemas concebidas para servir um
conjunto de objectivos e de ideais acabam por servir outros propósitos. Um
bom sistema de avaliação, por exemplo, deve ser concebido para nos ajudar a
descobrir a extensão segundo a qual os alunos estão a aprender aquilo que
eles, os seus pais e os seus professores pensam que deve ser aprendido. Para
além disso, as informações de testes e outros dados podem ajudar os pais, os
professores e os alunos a planear melhor e a ser mais eficazes na realização
de objectivos, esperanças e sonhos. Estas são grandes intenções mas,
infelizmente, o sistema de avaliação é insuficiente.
Embora as autoridades legisladoras do Texas tenham diferentes
intenções, o sistema de avaliação da responsabilidade do estado determina
quais os objectivos que são ou não importantes para cada escola nesse
estado. O sistema de avaliação da responsabilidade regula também a forma
como os professores e os directores actuam, para além de inúmeros aspectos
do mundo-da-vida individual dos alunos. O exemplo do Texas não é de forma
alguma excepcional. Muitos outros estados e alguns países funcionam de
maneira semelhante.
O Texas é frequentemente citado como um estado com um sistema de
avaliação de responsabilidade modelo. Os alunos são regularmente testados
pelo estado quanto à leitura, escrita e matemática, para avaliar o seu domínio
dos elementos e competências essenciais para estas áreas, conforme
incorporado no currículo do estado. Seguidamente, cada escola desse estado é
seleccionada para uma das quatro categorias (exemplar, reconhecida,
aceitável ou de fraco desempenho) consoante os resultados dos seus alunos.
Existe, portanto, uma enorme pressão para receber, pelo menos, uma
classificação de aceitável. As escolas de fraco desempenho não são apenas
referidas na imprensa, como também são sujeitas a sanções formais.
Alguns educadores relatam estar sob pressão para manter as
classificações elevadas quando estas são alcançadas. Uma classificação de
exemplar, por exemplo, pode ser um pau de dois bicos. Esta classificação
levanta expectativas ao ponto de, tanto os supervisores, como os pais, a
considerarem frequentemente como um mínimo. Algo abaixo de exemplar é,
portanto, considerado um fraco desempenho. Os directores ou presidentes dos
conselhos executivos são normalmente avaliados pelos seus supervisores
consoante a performance das suas escolas nos testes e sentem-se
pessoalmente responsáveis por evitar classificações que venham a desagradar
aos supervisores. Por exemplo, o sistema de avaliação de directores do Texas,
recomendado para utilização nos distritos escolares locais pelo Texas
Commissioner of Education, dá ênfase, em primeiro lugar, à qualidade da
prestação dos alunos nos testes estaduais obrigatórios. Esta ênfase nas
pontuações dos testes coloca uma pressão enorme sobre os reitores, que se
transforma numa pressão sobre os professores e que, por seu turno, acaba por
se transformar numa pressão sobre os alunos.
Os testes são dados nos terceiros, quartos, quintos, oitavos, nonos e
décimos anos. Todas as secções do teste do décimo ano (teste final) têm de
ter aprovação antes de o aluno poder terminar os estudos, independentemente
da qualidade da sua prestação noutros indicadores de desempenho. Por
exemplo, um aluno pode completar com sucesso uma tarefa de serviço
aliciante, tirar um 20 a várias disciplinas, ser presidente da associação de
estudantes, ganhar um concurso de ensaios, ser moderador numa sessão de
debates, salvar uma vida aplicando técnicas de primeiros socorros aprendidas
nas aulas de saúde e tocar na orquestra da escola, mas se ele ou ela não
conseguirem um 70 na parte de matemática do exame final, a conclusão dos
seus estudos com um diploma tradicional é-lhe negada.
A classificação de uma escola baseia-se na percentagem dos seus
alunos que passam os exames obrigatórios e não em resultados absolutos. Por
isso, uma escola que consegue passar 90 por cento dos seus alunos com uma
nota que mal ultrapasse os 70 pode ser classificada acima do que qualquer
outra escola que tenha menos alunos aprovados, embora com resultados mais
elevados – ou seja, resultados entre os oitenta e os noventa. Sendo assim,
algumas escolas ditas exemplares podiam ser razoavelmente medíocres tendo
em conta os critérios do estado, enquanto que algumas escolas medíocres
podiam ter um grande número de alunos exemplares. Por isso, muitas escolas
estão hoje bem mais preocupadas com o número de alunos que conseguem
colocar acima do mínimo, do que propriamente com os dividendos que
recolhem do excelente trabalho realizado pelos seus alunos. Apenas 45 por
cento dos alunos avaliados têm de passar para que a escola receba pelo
menos uma classificação de aceitável. Para crédito e reputação do estado, dá-
se mais importância às taxas de assiduidade e de abandono e ao próprio grau
e natureza do desempenho dos alunos em todas as categorias raciais e
étnicas. Para além disso, é provável que o valor superior a 45 por cento venha
a aumentar progressivamente. O comissário para a educação menciona os 70
por cento como a classificação de passagem para o ano de 2004.
Os testes são marcos demasiado elevados, não apenas porque as
escolas com um fraco desempenho estão sujeitas a sanções, mas também por
causa da política estatal de encorajar os empregadores da região a não
contratarem estudantes cujas classificações e resultados dos testes sejam
fracos. O comissário estadual para a educação, por exemplo, faz questão de
admoestar regularmente os empregadores que não considerem os resultados
dos testes e as classificações como parte das decisões que tomam. Para além
disso, dado que é obrigatório passar as três secções dos exames finais do
décimo ano para que um aluno possa concluir os seus estudos com um
diploma tradicional, os alunos temem que lhes seja negado o acesso à
universidade ou a oportunidades de emprego. Um aluno que obtenha um
máximo de 69 na vertente de matemática do teste final depois de várias
tentativas pode bem ter as classificações necessárias, a capacidade física, o
interesse e a aprovação em todos os exames de candidatura para o Corpo da
Marinha ou da universidade da região, mas nunca poderá entrar para nenhum
dos dois sem esse diploma.
A colonização do mundo-da-vida pelo mundo-dos-sistemas não degrada
apenas a personalidade da escola, mas também a personalidade individual. É
comum, por exemplo, que os administradores e os professores agrupem os
seus alunos em três categorias, dependendo da qualidade do seu desempenho
em testes anteriores. Uma categoria é composta por alunos que provavelmente
passarão no teste (pelo menos uma classificação de 70) sem ajuda
suplementar. Uma segunda categoria inclui alunos considerados como tendo
poucas probabilidades de passar no teste sem grandes doses de ajuda ou
indiferentes à ajuda que recebem. A terceira categoria é composta por “alunos
bolha”. Estes são os alunos cujos resultados dos testes anteriores variavam
entre 60 e 69 e que, com aulas suplementares intensivas, deverão obter pelo
menos 70 durante o próximo período de avaliação. Em muitas escolas, os
alunos dos dois primeiros grupos recebem muito menos atenção e são-lhes
atribuídos menos recursos do que para os alunos bolha. Como parte desta
intensificação, sobretudo no caso dos alunos bolha, o currículo tende a ser
desviado para aquelas áreas de competências que provavelmente serão mais
avaliadas.
Muitas escolas do Texas adoptaram várias abordagens ao ensino e à
aprendizagem e vários modelos de escolaridade que fornecem um sentido de
objectivo e coerência ao seu trabalho. Aprendizagem Expedicionária,
Conhecimento Nuclear, Sucesso para Todos, Aprendizagem Acelerada e a
Escola Básica são apenas alguns exemplos de alguns modelos bastante
conhecidos que são usados por estas escolas. Outras escolas inventam
modelos próprios. Adoptando ou inventando um modelo, as escolas esperam
que venha a despoletar uma opinião e um objectivo que unam os pais, os
professores e os alunos – um desenvolvimento que faça crescer a
personalidade, construa uma genuína comunidade e torne a escola mais eficaz
a longo prazo. O modelo Escola Básica, por exemplo, acredita num currículo
coerente que inclua o estudo em áreas como a língua, história, ciência,
literatura, civismo e saúde. As áreas são organizadas tematicamente e
integradas de acordo com a forma como são estudadas. Como a maior parte
dos modelos são esquemas e não textos, os professores aproximam-se em
níveis elevados de colegialidade à medida que trabalham para transformar
esses esquemas em currículos e pedagogias operacionais. Em vez de realçar
esta visão do mundo-da-vida do ensino, os requisitos de avaliação do mundo-
dos-sistemas do estado acabam por determinar a visão.
A avaliação realizada no Texas trouxe a muitas escolas um ciclo sazonal
que funciona mais ou menos da seguinte forma. Iniciamos o ano escolar sendo
fiéis àquilo que acreditamos sobre o ensino, os seus objectivos, a sua visão
comum e outros compromissos que estabelecemos com os alunos. Esta é uma
época relativamente longa que começa em Setembro e normalmente decorre
até ao fim desse ano civil. Começando no segundo semestre há um movimento
de afastamento gradual da nossa visão da escola e de outras preocupações do
mundo-da-vida correspondendo às exigências dos testes. Os testes são dados
em Abril. No final de Fevereiro ou início de Março a concentração nos testes
chega a ser um frenesim em algumas escolas. Muitas das coisas que as
escolas fazem quando preparam os alunos para os testes acabam por
contradizer os próprios valores e as crenças que estão definidas nas suas
missões. As escolas básicas, por exemplo, não podem pura e simplesmente
passar muito tempo tentando integrar tematicamente o seu currículo, quando
aquilo que verdadeiramente conta é a percentagem de alunos que obtêm
resultados iguais ou superiores a 70 nos testes de leitura, matemática e escrita.
Para além disso, se estreitarmos o principal enfoque do currículo apenas para
aquilo que será testado corremos o risco de negligenciar a essência de
disciplinas como a história, os assuntos sociais, a arte e outras disciplinas.
Em Maio começa mais uma época. Com o fim da avaliação em Abril,
nota-se um nítido deslize já que nem os professores nem os alunos parecem
sintonizados quanto aos conceitos definidores de ensino que dominaram o
primeiro semestre (o modelo de escola básica, por exemplo) ou a intensificação
da concentração e disciplina que domina o segundo semestre. Tal como
recentemente disse um director: “Assim que os exames terminam, os
professores e os miúdos encostam-se à linha de chegada independentemente
daquilo que eu diga ou faça. Na verdade, desperdiçamos literalmente as
últimas quatro ou cinco semanas de aulas”.
Os parâmetros e avaliações que abundam pelos Estados Unidos não
nos surpreendem. Afinal de contas, vivemos em plena sociedade técnico-
racional que honra a máxima “Se não pode ser avaliado, é porque não tem
valor.” Como educadores temos a responsabilidade ímpar e especial de
salientar as dificuldades desta posição e de reavaliar o nosso ímpeto actual
através do estabelecimento de parâmetros e avaliações. Tal como William
Spady salienta:
Nos Estados Unidos, os resultados dos testes somos nós. E
é melhor que sejam “bons”, mesmo se ninguém conseguir explicar
o que “significa” um resultado individual em termos de
competências dos alunos definidas com precisão, ou que resultado
diferencia claramente a competência da incompetência.
Consequentemente, os professores dos Estados Unidos
estão a fazer exactamente o que é “racional”, isto se querem
conservar os seus empregos: concentrando-se exclusiva e
obsessivamente nas coisas que provavelmente sairão no teste e
exercitando os alunos vezes sem conta naquela reduzida
variedade de coisas até que estes as memorizem [pág. 38].
Spady propõe doze questões que os professores e directores podem
usar para examinar os políticos, administradores de organizações, colegas
educadores e outros que sejam apanhados nesta nova moda (ver Spady, 1998,
pág. 38). Entre estas encontram-se as seguintes:
· O que é que este teste realmente avalia?
· O que é que este teste não avalia?
· O que é que este teste não avalia, e que deve ser considerado
importante para o sucesso dos alunos na era da informação?
· Porque é que, pelo contrário, não avaliamos e relatamos isso?
· O que significa um determinado resultado do teste de um aluno?
· Este resultado do teste único representa a totalidade da
aprendizagem e realização do aluno?
· Que resultado neste teste indica que o aluno é competente?
· Um ponto a menos indica que o aluno é incompetente?
Os parâmetros têm a capacidade de fornecer o enfoque necessário e de
reunir todos os nossos recursos numa direcção comum. Os testes são uma
ferramenta poderosa que nos pode ajudar a avaliar em que extensão os
nossos parâmetros estão a ser alcançados. Ambos podem fornecer-nos pistas
sobre como podemos melhorar. Se os parâmetros e os testes por si só não são
a questão, então qual é? A questão é, pura e simplesmente, a colonização do
mundo-da-vida pelo mundo-dos-sistemas. Em vez de os parâmetros e as
avaliações da responsabilidade derivarem das necessidades, objectivos e
interesses dos pais, professores e alunos em cada escola, os sistemas de
parâmetros e de avaliação da responsabilidade determinam quais são as
necessidades, os objectivos e os interesses e guiam o comportamento de
professores em conformidade. Quando o mundo-da-vida domina, os testes
reflectem as paixões, as necessidades, os valores e as crenças locais. Os
parâmetros permanecem rigorosos e verdadeiros, mas não são padronizados.
Enquanto que os testes possuem as propriedades psicométricas adequadas e
a integridade da sua essência é mantida, as especificidades do teste acabam
por reflectir os valores e preferências locais. Para além disso, o valor dos
indivíduos nas escolas não é determinado por qualquer definição estreita de
eficácia e de realização, mas por uma variedade de avaliações que
correspondem tanto às visões e necessidades locais, como estaduais.
A Alternativa dos Parâmetros Estratificados
A colonização do mundo-da-vida pelo mundo-dos-sistemas na área dos
parâmetros e da avaliação tem efeitos bastante negativos a longo prazo na
cultura, personalidade e desempenho de uma escola. Tanto a unicidade como
a discrição são necessárias para que a cultura e a personalidade da escola
floresçam. Ambas ficam comprometidas pelo actual sistema de avaliação “o
melhor caminho” que o Texas e muitos outros estados agora partilham. Será
esta a solução para abolir os parâmetros, a avaliação e outras aplicações do
mundo-dos-sistemas? Não, penso que não. As escolas funcionam bem quando
tanto o mundo-dos-sistemas, como o mundo-da-vida, se exprimem
conjuntamente. Com o mundo-da-vida localizado no centro, isto significa
construir sistemas de parâmetros e de avaliação que servem o mundo-da-vida
em vez de o dominarem.
E será possível criar um sistema desses? Sim, se estivermos dispostos
a adoptar uma abordagem estratificada para o estabelecimento de parâmetros
e uma abordagem partilhada face à avaliação da responsabilidade que inclua
uma forte componente local. Sim, se estivermos dispostos a abandonar o
pensamento do melhor caminho possível para fazer as coisas. Sim, se formos
capazes de nos comprometermos com o valor da mutualidade num esforço
para aproximar o estado, a divisão escolar administrativa da região e as
escolas individuais, enquanto parceiros na procura de um bem comum.
A mutualidade é um conceito importante numa sociedade democrática.
(Ver a discussão em torno da mutualidade apresentada no Capítulo Um).
Implica uma autêntica e genuína “partilha de poder com, por e entre os
membros numa sociedade, de maneira a reconhecer a dignidade fundamental
de cada um e a obrigação de alcançar e de manter para cada um aquilo que é
necessário para sustentar essa mesma dignidade” (Nothwehr, 1998b, pág.
233). Nas sociedades educativas, por exemplo, os estados são importantes
mas não mais do que os alunos, pais, professores e restantes membros locais.
De facto, a primeira função do estado quanto à mutualidade é aceitar a
obrigação de assegurar a dignidade de todos os participantes. Na tomada de
decisões de alto risco, a manutenção da dignidade de todas as partes
envolvidas requer a adopção de um parâmetro do tipo “poder com”. Nothwehr
(1998a) cita Heyward (1989) da seguinte forma: “O poder é a capacidade de
deslocar, produzir efeitos, fazer a diferença; a energia de criar ou destruir; de
erguer ou deitar abaixo... O poder pode ser usado para o bem e para o mal.
Usar o poder com os outros é bom. Usar o poder sobre os outros é o mau”
(pág. 191). Um sistema estratificado de parâmetros e a avaliação da
responsabilidade partilhada são exemplos desse poder com.
Façamos um breve resumo através de algumas suposições:
· É perfeitamente razoável que o estado participe no estabelecimento de
parâmetros para as escolas. É igualmente razoável para as direcções das
escolas, pais e professores na escola local, e até mesmo os alunos, que
participem também no estabelecimento de parâmetros. Temos apenas de
descobrir quem é responsável pelo quê.
· Quando os parâmetros e as avaliações são estabelecidos apenas pelo
estado, é provável que surja a padronização, o que faz com que as escolas se
tornem cada vez mais semelhantes entre si. Quando as direcções das escolas,
os pais, os professores e os alunos na escola a nível local participam no
estabelecimento de parâmetros e na determinação de avaliações de
responsabilidade, as escolas tornam-se padronizadas em apenas algumas
áreas, mas distintas na maioria delas.
· A vantagem de um estabelecimento de parâmetros e de um sistema de
avaliação da responsabilidade capaz de combinar alguns entendimentos
comuns com inúmeros entendimentos distintos é que é consistente com o ideal
democrático americano, honra a diversidade e fornece a base para uma
verdadeira escolha.
· A escolha, por si só, é uma ideia vazia. Só tem sentido quando são
proporcionadas aos alunos e aos pais opções diferentes pelas entre as quais
podem escolher. Fornecer verdadeiras escolhas requer a criação de novos
programas e novas imagens das escolas. Trata-se de algo difícil de fazer a não
ser que as escolas tenham a responsabilidade pelo estabelecimento da maioria
dos parâmetros que procurarão atingir, pela participação na avaliação desses
parâmetros e por tornar esta informação pública.
· O estado deve assumir a sua principal responsabilidade pelo desenvolvimento
de parâmetros e de avaliações da responsabilidade para todas as escolas nas
áreas das competências de leitura, matemática e escrita.
· A direcção da escola, os pais, os professores e os alunos ao nível de cada
escola local devem partilhar a responsabilidade pelos parâmetros de
desenvolvimento e avaliações na matemática avançada, ciências, literatura,
história, ciências sociais, arte, música, inglês e outras áreas. Dado que as
divisões escolares administrativas e as escolas dentro destas diferem, espera-
se que muitos destes parâmetros difiram quando se muda de divisão em
divisão e de escola em escola.
· Como as capacidades e disposições dos pais, professores e alunos ao nível
da escola local variam de acordo com a forma de redigir os parâmetros e de
elaborar as avaliações, o estado tem a responsabilidade de fornecer quer a
assistência técnica, quer os recursos financeiros para o desenvolvimento
profissional.
· O estado tem a responsabilidade de fornecer um banco de parâmetros
centralizados do qual as autoridades locais podem retirar exemplos ou recorrer,
se necessário. Algumas autoridades locais podem escolher usar parâmetros
deste banco “tal como está”, e outras podem escolher usar parâmetros deste
banco como esquemas para a criação dos seus próprios parâmetros. Espera-
se que venham a ser desenvolvidos diferentes parâmetros que reflictam os
valores, as necessidades e os objectivos locais únicos.
· Os alunos devem igualmente participar estabelecendo parâmetros para si
próprios e avaliando o seu próprio desempenho. Para avaliar uma dada escola,
as avaliações dos alunos também devem contar, juntamente com as avaliações
do estado, da divisão escolar administrativa e da escola local. Nenhum
conjunto de parâmetros e nenhum sistema de avaliação deve dominar o outro.
Se for decidido que as escolas têm de ser classificadas e comparadas umas
com as outras (uma ideia que eu, pessoalmente, não apoio), então, nenhuma
fonte de classificação deve determinar a pontuação de uma escola ou a sua
designação de categoria (ou seja, exemplar, reconhecida, aceitável e
necessitando de melhoramentos).
No próximo capítulo proponho que, para além dos parâmetros
estratificados e da avaliação partilhada da responsabilidade, o âmbito da
avaliação das escolas tem de ser expandido de forma a incluir uma grande
quantidade de indicadores de qualidade que vão para além da mera
especificação e medição de resultados. Exploro também a possibilidade de
introduzir uma versão de “avaliação de toda a escola” como uma forma de
tornar os parâmetros estratificados exequíveis e, assim, expandir o âmbito da
avaliação das escolas. Seja qual for a direcção que tomemos, esta deve ser
guiada pelo seguinte princípio: “A criança não é uma mera criatura do estado;
quem a sustenta e dirige o seu destino [pais e professores, por exemplo] tem o
direito, a par de um elevado dever, de a reconhecer e de a preparar para as
obrigações acrescidas” (Pierce v. Society of Sisters, 1925, pág. 268).
6
A Criança Completa, A Escola Completa, Avaliação Holística
Aquilo que queremos são boas escolas. Queremos ser capazes de
identificar as que temos, aprender com elas e aumentar o seu número.
Queremos boas escolas e que todas as outras melhorem ainda mais.
Queremos fornecer às escolas e aos seus públicos informações sobre onde
estão neste preciso momento, tendo em conta os seus próprios objectivos e
aspirações, os do estado, bem como de outros interesses legítimos. Queremos
que utilizem esta informação para planear os futuros passos, novas direcções e
outros acontecimentos rumo ao melhoramento. Porém, jamais poderemos fazer
alguma destas coisas se não estivermos devidamente envolvidos na avaliação.
E estar envolvidos na avaliação significa ter uma definição boa, prática, ampla,
realista e ao serviço do mundo-da-vida daquilo que é, em primeiro lugar, uma
boa escola.
Mais do que Eficaz
É muito mais fácil chegar a acordo sobre o que é uma escola eficaz do
que nos batermos com uma definição mais ampla de boa escola. A
investigação de Sara Lawrence Lightfoot, relatada no seu livro The Good High
School (1983), é um bom exemplo dessa procura de uma definição de eficácia
com significado e profundidade. Ela apresenta o retrato de seis escolas muito
diferentes, mas contudo boas escolas secundárias. O que emerge deste estudo
seminal é que uma lista única ou um conjunto único de indicadores para uma
boa escola não é assim tão facilmente alcançável. As boas escolas são ricas e
diversificadas. Os seus retratos revelam imagens de escolas que servem
unicamente bairros diferentes, contêm uma mistura de objectivos e de metas
únicos, usam formas de atingir esses objectivos e metas únicas e têm
directores que fornecem uma mistura única de estratégias e de estilos de
liderança. A boa qualidade está no tipo de completude dos objectivos e
sensibilidade às características e necessidades únicas que constroem a
personalidade da escola. A boa qualidade constrói-se a partir do mundo-da-
vida e desenvolve-se a partir deste.
No Texas, pelo contrário, uma definição de facto de uma escola eficaz é
uma escola que recebe a classificação correcta baseada nos testes de
avaliação da responsabilidade do estado. Paradoxalmente, o Texas tem um
amplo compromisso para com as escolas “centralizadas no aluno” e
desenvolveu mesmo proficiências para preparar professores e administradores
que, mais tarde, aplicá-las-ão em escolas centralizadas no aluno, cujas
características se assemelham a muitas das encontradas por Lightfoot na sua
procura de boas escolas. Mas, no fim de contas, todos sabem que aquilo que
verdadeiramente conta não são as proficiências centralizadas no aluno, mas
sim ter a classificação correcta e os resultados correctos – um desenvolvimento
demasiado comum entre outros estados, no Reino Unido, bem como noutros
países.
Definir uma boa escola não é fácil e talvez seja por isso que os políticos
tanto evitam tentar. No entanto, intuitivamente, a “boa qualidade” é uma
qualidade conhecida e reconhecida independentemente de quão difícil é defini-
la com precisão e de a medir adequadamente. Joan Lipsitz (1984), por
exemplo, descobriu que os directores das boas escolas que tinha estudado
tinham dificuldade em descrever aquilo que tornava as suas escolas especiais
ou quais eram as dimensões da boa qualidade. “Tem de vir ver a minha escola”
era a resposta típica e previsível destes reitores quando as questões incidiam
sobre a boa qualidade.
Conhecemos as boas escolas quando as experimentamos, apesar de
nem sempre podermos especificar com precisão os seus componentes.
Sabemos que nas boas escolas as coisas “se mantêm unidas”, um sentido de
objectivo reúne as pessoas em torno de uma causa comum, o trabalho tem
significado e a vida é importante, os professores e os alunos trabalham em
conjunto com espírito e os feitos são prontamente reconhecidos. Dizer que as
boas escolas têm uma moral alta, ou alcançam resultados nos testes mais
elevados, ou mandam mais alunos para as universidades e deixar as coisas
assim é fugir à questão. A boa qualidade é tudo isto e muito mais (ver
Sergiovanni, 1995).
Também os pais têm concepções amplas do que é uma boa escola. Em
boa verdade, a maioria das sondagens indica que a aprendizagem de
competências básicas e o desenvolvimento de aptidões académicas
fundamentais são objectivos supremos nas suas mentes. Mas quando os pais
são pressionados um pouco mais, a maioria acaba por fornecer uma visão
mais expansiva do sucesso escolar. Os objectivos de que falam incluem o
desenvolvimento de um gosto pela aprendizagem, pensamento crítico e
aptidões para a resolução de problemas, avaliação estética, curiosidade e
criatividade e competências interpessoais. Apesar de provavelmente ficarem
muito tristes por os seus filhos não terem dominado “o básico”, os pais querem
uma educação completa para os seus filhos (ver Goodlad, 1983).
Algumas Características das Boas Escolas
Ao rever a literatura sobre eficácia e boa qualidade, Duttweiler (1990)
conclui que as boas escolas podem ser descritas na generalidade como sendo
centralizadas nos alunos. Fazem um esforço para servir todos os alunos, criar
redes de apoio para assistir os alunos, envolver os alunos nos assuntos da
escola, respeitar e celebrar as diferenças étnicas e linguísticas entre os alunos
e colocar o bem-estar dos alunos em primeiro lugar. As boas escolas também
oferecem programas academicamente ricos que realçam objectivos cognitivos
tanto superiores, como inferiores, proporcionam um ambiente enriquecido, têm
um programa co-curricular activo, proporcionam uma aprofundada cobertura de
conteúdos e verificam apropriadamente o progresso do aluno fornecendo o
feedback necessário.
Duttweiler salienta também que as boas escolas fornecem uma estrutura
normativa distintiva que apoia o ensino e a aprendizagem. Acreditam que todos
os alunos podem aprender e sentem-se responsáveis por fazer com que isso
aconteça, acreditam na sua capacidade para influenciar a aprendizagem do
aluno, concebem programas para assegurar o sucesso académico, comunicam
as expectativas aos alunos, fornecem um ensino focalizado e organizado,
adaptam o ensino às necessidades do aluno, evitam problemas académicos,
antecipam e corrigem os conceitos errados dos alunos e usam várias
estratégias de ensino. Para além disso, o ensino decorre dentro de um clima
escolar positivo caracterizado por um sentido de ordem, objectivo e direcção
alimentados pela consistência entre professores, uma atmosfera de incentivo e
um ambiente centrado no trabalho, aberto, amistoso e culturalmente
convidativo.
As boas escolas alimentam também a interacção colegial criando
ambientes profissionais que facilitam o trabalho docente. Os professores
participam na tomada de decisões que afectam o seu trabalho, partilham um
sentido de propósito e de comunidade, são reconhecidos e tratados com
respeito e dignidade pelos outros no local de trabalho. As boas escolas têm um
desenvolvimento profundo do corpo docente que realça a troca de técnicas de
ensino práticas e transforma a aprendizagem numa parte integrante de um
ambiente educativo de colaboração. Praticam uma liderança partilhada,
respeitando os professores como profissionais, realçando a resolução de
problemas através da colaboração e envolvendo os funcionários nos aspectos
críticos da escola, incluindo os valores em desenvolvimento, objectivos e a sua
missão. As boas escolas alimentam uma resolução criativa dos problemas e
têm o hábito de transformar os problemas que enfrentam em desafios.
Empenham-se na resolução de problemas com dedicação, criatividade,
persistência e profissionalismo. Por último, Duttweiler descobriu que as boas
escolas envolvem os pais na vida escolar.
Numa tentativa de identificar os indicadores da boa qualidade das
escolas, MacBeath, Boyd, Rand e Bell (1995) pediram a 638 inquiridos ligados
a dez escolas em Inglaterra e no País de Gales para fornecer os seus próprios
indicadores de uma boa escola. Seis escolas primárias, três escolas
secundárias e uma escola especial estiveram envolvidas na sondagem. Os
inquiridos incluíram alunos, professores, pais, membros da equipa de
administração da escola, pessoal auxiliar e directores ou membros da conselho
pedagógico. Os inquiridos geraram 1.743 critérios diferentes e mais de
trezentas listas individuais. Cada uma das listas era única no facto de que não
havia duas com os mesmos cinco itens escritos exactamente da mesma forma.
Embora cada lista tivesse a sua própria lógica interna e expressasse o
seu próprio sistema de valores, foi possível identificar os temas comuns, bem
como os assuntos específicos a uma função particular. Tal como MacBeath e
os seus colegas explicam (1995): “Isto pode ser ilustrado pelos seis exemplos
seguintes de um professor, um aluno, um pai, um membro do pessoal auxiliar,
um director [membro do conselho executivo da escola] e um membro da equipa
de administração principal. Demonstra questões comuns e questões
específicas a um determinado ponto de vista. Estes são escolhidos como
exemplos quase típicos do que as pessoas escreveram quando lhes pediram
para apresentar os seus próprios seis indicadores de uma boa escola” (pág.
21). As respostas encontram-se resumidas no Documento 6.1.
O que é fascinante acerca das respostas é que há muitas definições de
uma boa escola. É certo que há sobreposições entre as seis perspectivas mas,
ainda assim, as pessoas em diferentes funções têm opiniões diferentes acerca
daquilo que é verdadeiramente importante – todas as opiniões que contam na
avaliação de uma boa escola.
Os resultados académicos são importantes, mas cada um dos seis
grupos de fiéis depositários acredita que uma boa escola é algo maior e bem
mais significativo do que uma escola que apenas obtém “bons resultados”. O
processo conta, tal como o clima e outras preocupações afins. As respostas
dos pais são, neste caso, particularmente interessantes. Para eles uma boa
escola é um sítio para os seus filhos estarem. É um lugar acolhedor, carinhoso,
bem disciplinado onde as pessoas investem tempo nas crianças e onde os
relacionamentos entre professores e pais são bons.
Outras descrições de boas escolas dizem-nos o seguinte:
· MacBeath e os seus colegas (1995) salientam que “Se pudéssemos falar de
uma “perspectiva paterna” estaríamos a falar de algo que colocasse o
desenvolvimento e crescimento pessoais no centro” (pág. 26).
· Barry McGaw e os seus colegas na Austrália relatam: “Acima de tudo, eles
(pais) querem escolas onde os alunos aprendam a pensar bem de si próprios,
a desenvolver um sentido de valor pessoal e confiança neles próprios para os
conduzir para uma vida adulta. Querem competição, mas querem que seja com
o desempenho de antigos alunos e não com o dos outros alunos” (citado em
MacBeath e outros, 1995, pág. 26).
· Um estudo de 1989 sobre a opinião dos pais na Escócia (MacBeath) faz
ecoar estes sentimentos com as palavras de um pai: “O que eu quero para os
meus filhos é que sejam aquilo que eles podem ser, que sintam no
Documento 6.1. Indicadores de uma Boa Escola:Seis Perspectivas Compostas.Aluno· Os alunos são bons uns para os outros.· Todos são tratados com justiça.· Existe uma atmosfera amigável.· Os professores controlam as aulas, mas não são demasiado rígidos.· Os professores ajudam-te naquilo em que não és bom.
Professor· A comunicação é boa entre todos os membros.· O desenvolvimento dos recursos humanos é bom.· É agradável trabalhar neste ambiente (edifícios, estado de conservação, apresentação).· Os alunos estão felizes e motivados.· Todos os alunos são ajudados a atingir aquilo de que são capazes.
Pais· Existe uma atmosfera acolhedora e amistosa.· Os funcionários são afectuosos e conseguem comunicar bem com os alunos.· A disciplina é boa.· O tempo extra é passado com as crianças que aprendem mais devagar.· As relações entre professores e pais são boas.
Administração· Os alunos sentem-se seguros.· Todos os membros da comunidade escolar trabalham para objectivos claros.· É dada informação de elevada qualidade aos pais e visitantes.· As regras são aplicadas de forma imparcial e justa.· Todos os alunos são ajudados a atingir aquilo de que são capazes.
Funcionários Auxiliares· Os recursos são bons e actualizados.· As salas de aula são limpas, quentes e confortáveis.· Os funcionários auxiliares são valorizados pela sua competência e contributo.· O ambiente é amistoso e acolhedor.· O desenvolvimento dos recursos humanos envolve todos os funcionários.
Director (Membro da Direcção, Administrador)· Excelente reputação entre a comunidade local.· Liderança forte pelos quadros superiores.· Um ambiente feliz e acolhedor.· Os alunos são ajudados a alcançar o seu potencial individual.· Um lugar seguro para alunos e professores.
Os inquiridos foram confrontados com uma pergunta de resposta aberta: “Quais são, na sua opinião, as características chave de uma “boa” escola?” Os adultos e os alunos da escolas secundárias receberam um formulário com cinco espaços em branco para responder. Pediu-se simplesmente aos alunos mais velhos das escolas primárias que elaborassem a sua própria lista. Aos alunos mais novos das escolas primárias foi pedido que pintassem coisas boas ou más sobre a escola. Houve 181 alunos de escolas secundárias inquiridos e 201 inquiridos de escolas primárias.Fonte: MacBeath, J., Boyd, B., Rand, J. e Bell, S. (1995). Schools Speak for Themselves: Toward a Framework for Self-evaluation. Londres: The National Union of Teachers, pág. 21.
final do seu percurso escolar: “Bom, retirei tudo o que podia da escola e agora
posso decidir para onde posso ir a partir daqui.” Quero que se sintam
suficientemente confiantes para poder escolher, porque têm de tomar decisões
e as decisões que tomam ao sair da escola terão consequências ao longo do
resto da sua vida” (citado em MacBeath e outros, 1995, pág. 26).
MacBeath e os seus colegas conseguiram sintetizar os 1.743 critérios
diferentes que receberam dos seus 638 inquiridos em dez indicadores ou
características gerais de uma boa escola. Estes encontram-se resumidos no
Documento 6.2.
MacBeath e os seus colegas (1995) salientam que quando as escolas
desenvolvem os seus próprios critérios de auto-avaliação empenham-se num
exercício que é bastante diferente de quando os critérios são fornecidos por
investigadores ou políticos. A auto-avaliação não diz apenas respeito às
necessidades dos alunos, mas também às dos professores, pais e terceiros.
Documento 6.2 Dez Indicadores Gerais: Aquilo que os Principais Interessados Consideram como as Características de uma Boa Escola.
1. O Ambiente da EscolaNo centro está o ambiente da escola porque isso foi a característica mais frequentemente mencionada por todos os grupos. As palavras atmosfera, clima ou ethos foram usadas muitas vezes, mais por professores e pais, e menos por alunos do secundário e quase nunca por alunos da primária. Referiram-se, no entanto, à escola como um lugar amistoso e fizeram alusões à forma como a escola “é” ou se “sente”. Incluímos todos estes aspectos dentro da categoria de “ambiente da escola”.
2. RelaçõesColocámos as “relações” numa categoria separada porque foram mencionadas muitas vezes e de forma específica para determinar as características de uma boa escola. A forma de relacionamento mais comum a ser mencionada foi as relações professor-aluno, embora os funcionários mencionassem igualmente as relações colegiais e as relações entre os professores e os funcionários auxiliares, ou entre docentes e quadros superiores.
3. Ambiente na Sala de AulaHouve poucas referências directas ao “clima na sala de aula” enquanto tal, mas os alunos, em particular, descreveram as formas como as salas de aula eram lugares interessantes e estimulantes. Esta categoria inclui igualmente as formas segundo as quais os professores estabelecem as condições para “tornar as lições divertidas” ou variadas.
4. Apoio à AprendizagemEm última instância, tudo e todos na escola deviam concentrar-se exclusivamente no apoio aos jovens durante a sua aprendizagem. Temos “apoio à aprendizagem” como uma categoria independente porque, muito mais do que qualquer grupo, os alunos fazem referências específicas a factores que os ajudaram a aprender – e factores que impedem a sua aprendizagem.
5. Apoio no EnsinoPara os professores, os laços casa-escola revelaram-se importantes para apoiar o ensino, mas fez-se igualmente referência a um conjunto muito mais amplo de condições que apoiavam o professor. Algumas tinham a ver com tempo e recursos, algumas com relações e outras ainda referiam-se ao tempo de desenvolvimento dos recursos humanos. Alguns pontos nesta categoria referiam-se ainda a um apoio mais eficaz à função dos professores na sala de aula. Neles se inclui o tamanho da turma, as condições de trabalho e as infra-estruturas da escola nesta categoria.
6. Tempo e RecursosA eficiência da organização e da comunicação na escola estão, de certa forma, relacionados com os recursos. O tempo é um recurso essencial que é repartido de forma certa ou errada. Fez-se referência (bastantes mais vezes pelos alunos do que por outros grupos) a “materiais”, “equipamento”, a oportunidades e ao tempo necessários para os utilizar.
7. Organização e ComunicaçãoO ambiente e as relações escolares são obviamente afectadas pela organização e comunicação na escola. Criámos esta categoria independente por causa das referências feitas (mais por funcionários do que por qualquer outro grupo) à eficiência da comunicação entre funcionários e entre funcionários e quadros superiores.
8. EquidadeUsámos o termo equidade para cobrir uma variedade de significados. A equidade referia-se à abertura da escola para indivíduos com deficiências e à oportunidade de as pessoas com necessidades especiais virem a obter sucesso. Dizia ainda respeito à capacidade de ser-se tratado de forma igual, independentemente do género, raça ou capacidades académicas. Para os alunos, isso queria muitas vezes dizer serem tratados com justiça e não serem perseguidos pelos professores.
9. Reconhecimento da RealizaçãoA realização dos alunos é, para muitas pessoas, o objectivo principal da escola, mas significa também o reconhecimento e a recompensa pelo esforço e a excelência sob múltiplas formas. Critérios sugeridos por todos os grupos realçavam o valor desta perspectiva como algo completamente inclusivo, e não específico a uma pequena minoria. Sob este título incluímos também o reconhecimento pelo bom desempenho dos funcionários, porque tal foi mencionado várias vezes, juntamente com a realização dos alunos como reflexo de um clima genuinamente positivo e compensador.
10. Os Laços Casa-EscolaA equidade e a realização foram assuntos que, talvez mais do que quaisquer outros, atravessavam essa cisão casa-escola, isto porque as escolas têm de ter cuidado para não agravar o fracasso de crianças já em desvantagem pelos seus antecedentes familiares e comunitários. Usámos esta categoria para descrever todas as referências ao envolvimento dos pais, para a troca de informações entre a casa e a escola e ainda para referências ao apoio e à associação.Fonte: MacBeath, J., Boyd, B., Rand, J., e Bell, S. (1995). Schools Speak for Themselves: Toward a Framework for Self-evaluation. Londres: The National Union of Teachers, pp. 28-29.
Diz respeito a uma variedade de coisas que afectam a realização dos
alunos, mas é mais do que isso. Diz respeito a números e resultados, mas
também a pessoas. “Preocupa-se menos com normas e médias e mais com
indivíduos e grupos. O que é importante para um indivíduo ou para um
pequeno grupo pode ser visto como uma prioridade para a escola apesar de
aquele grupo ou pessoa ser, do ponto de vista estatístico, insignificante.
Manter as necessidades dos jovens reais, das suas famílias e dos seus
professores na dianteira foi a mensagem com que nos deparámos ao longo
dessas dez escolas tão diferentes” (MacBeath e outros, 1995, pág. 28).
Levar a Democracia a Sério
A situação nos Estados Unidos e no Canadá não é muito diferente da
que podemos encontrar em Inglaterra e no País de Gales. Também aqui as
escolas têm vários públicos que têm participações importantes naquilo que
acontece. Cada um destes grupos tem um interesse legítimo nas escolas –
um interesse que não deve ser posto de parte de forma leviana pelas regras
da maioria e outros entendimentos processuais da democracia. Antes de
mais, a democracia diz respeito à substância – valores, princípios, ideias,
direitos, responsabilidades e a uma noção de bem comum. Quando o
destino das nossas próprias crianças está em jogo, cada indivíduo deve ter
direito a uma opinião. Naturalmente, essa opinião não pode ignorar os
interesses do público geral porque o bem comum é definido e utilizado nas
políticas e práticas escolares. Nalguns países, os direitos dos pais são tão
centrais ao processo educativo que são, inclusive, garantidos
constitucionalmente. O Artigo 42.1 da Constituição irlandesa, por exemplo,
reconhece os pais como os educadores “primários e naturais” das suas
crianças com o direito de participar activamente no ensino dos seus filhos e
ainda com o direito de serem consultados e informados sobre todos os
aspectos desse ensino (Departamento de Educação, Governo da Irlanda,
1996, pág. 14).
Os parâmetros estratificados e a avaliação da responsabilidade
partilhada são formas de aproximar os direitos e deveres individuais e
colectivos para benefício tanto dos indivíduos, como da sociedade. Esta
abordagem estratificada é uma forma de acomodar as diferenças legítimas
numa sociedade diversificada.
Será que as diferenças quanto àquilo que queremos para as nossas
escolas são reais? Kernan-Schloss e Plattner (1998) sublinham que,
embora os pais e os eleitores de hoje necessitem de ver sinais de sucesso
quando o objectivo é apoiar as escolas, discordam, no entanto, quanto aos
indicadores desse mesmo sucesso. As suas sondagens de opinião e as
suas discussões temáticas em grupo revelam que quando se pergunta aos
cidadãos “O que precisa de ver para ter a certeza de que uma escola está a
melhorar?” recebem-se muitas respostas diferentes. Alguns cidadãos
escolhem resultados de testes mais elevados, enquanto outros escolhem
níveis mais elevados de empenhamento paternal, reforço da segurança e
disciplina e turmas mais pequenas.
Kernan-Schloss e Plattner (1998), por exemplo, perguntaram
recentemente a uma amostra nacional de mil votantes quais seriam os
quatro indicadores que lhes diriam que as escolas estavam a melhorar: os
pais envolvidos pessoalmente na educação dos seus filhos, subidas nos
resultados dos testes e médias finais, parâmetros académicos mais
elevados e reforço da segurança e disciplina. Vinte e três por cento dos
inquiridos escolheram os resultados dos testes, 19 por cento os parâmetros
mais elevados e 9 por cento a segurança e a disciplina. Ao mesmo tempo,
os autores salientam: “Quando perguntamos que mudanças relevantes
implementariam, 25 por cento escolheu o ensino de valores como a
tolerância, o respeito e a auto-disciplina aos alunos; 23 por cento escolheu
aumentar os requisitos e parâmetros académicos para que os alunos
provem que estão preparados para concluir a escolaridade ou passar de
ano; 23 por cento escolheu ultrapassar os assuntos básicos e avançar para
a resolução de problemas e trabalho de equipa; e 22 por cento escolheu
exigir que os pais tivessem papéis mais activos na vertente académica da
educação dos seus filhos” (pág. 19).
As quatro alterações mostraram-se igualmente populares, mas para
grupos diferentes. Os licenciados, por exemplo, favoreciam a elevação dos
parâmetros ao contrário dos inquiridos com diplomas do ensino secundário
ou com valores de ensino menos favorecidos. Kernan-Schloss e Plattner
(1998) concluíram que o público não é, de forma alguma, monolítico. Por
isso, continuam a apoiar soluções do tipo “o melhor caminho” para o
complexo problema do melhoramento das escolas através de parâmetros e
de outros meios. Apelando sempre ao “processo democrático” realçam com
frequência que “o melhor caminho” é determinado pela forma como os
representantes dos vários grupos de intervenientes são chamados a votar
sobre os diferentes assuntos com a maioria governante. Porém, a
democracia, sobretudo ao nível da escola, não é a mesma que no
Campeonato da Liga de Clubes, onde ganhar e perder é uma rotina. Muitas
coisas, tal como os parâmetros, não devem ser decididas por votação. A
maioria deve impor sempre a sua vontade aos outros. As opções e as
escolhas devem ser o caminho democrático a seguir. Todas as escolas
devem ter parâmetros elevados, mas os parâmetros não têm de ser sempre
os mesmos.
Alguns Problemas Impossíveis de Antecipar
Quando os parâmetros são aplicados a todos os níveis da administração
escolar, acabam por funcionar como fins que conduzem os meios.
Corremos, portanto, o risco de reduzir indevidamente o currículo e fazer um
mero guião de ensino. Os professores concentram-se quase
exclusivamente naquilo que vai ser testado e o seu ensino é directo e
ritualista. Muitos estados notam que podem respeitar as opiniões locais se
criarem os seus parâmetros voluntariamente, mas tal como no caso da
Califórnia (Hoff, 1998b), acabam por anunciar mais tarde que os testes de
avaliação estaduais serão baseados nos conteúdos destes parâmetros
presumivelmente voluntários.
Estas disfunções são sintomas de colonização dos mundos-da-vida das
escolas locais, dos seus pais, professores, alunos e outros cidadãos locais
preocupados. A colonização do mundo-da-vida pelo mundo-dos-sistemas
coloca as pessoas erradas no lugar do condutor. Numa sondagem
telefónica realizada pela Education Commission of the States10, vinte e sete
mil pais foram questionados sobre quem tem mais credibilidade no que
10 Comissão para a Educação dos Estados.
respeita aos assuntos educativos. Oitenta e oito por cento respondeu os
professores, 82 por cento disse os próprios alunos, 82 por cento disse os
outros pais e 72 por cento disse os representantes escolares locais (citado
em Kernan-Schloss e Plattner, 1998, pág. 20).
Eis o verdadeiro paradoxo. Enquanto que os pais valorizam mais o
julgamento dos professores, dos outros pais, dos alunos e dos
representantes escolares locais, estes grupos têm cada vez menos a dizer
sobre assuntos importantes relacionados com o ensino, tais como
parâmetros, resultados, currículo, ensino e avaliação. Até mesmo a
definição do que é uma boa escola é dada pelo estado ou, em alguns
países, pelas próprias autoridades federais. O regionalismo conta, mas, em
boa verdade, não é isso que acontece. Conta sobretudo ao nível da
retórica, quando os políticos e os legisladores falam sobre os direitos
soberanos dos estados, mas, ao mesmo tempo, negam esses direitos às
comunidades locais dentro dos estados.
Aprendizagem Social e Emocional
Um dos limites para a nossa mania actual na direcção dos parâmetros é
que os objectivos e as áreas curriculares a realçar serão provavelmente
definidos e medidos com mais facilidade como padrões ou parâmetros. Isso
pode resultar numa negligência de áreas de ensino e de aprendizagem
importantes que não têm apenas um valor intrínseco, mas também um valor
instrumental. Essas áreas conduzem a uma aquisição mais eficaz e
eficiente de competências e ao domínio das disciplinas académicas e afins.
Toda a área da aprendizagem social e emocional (SEL – Social and
Emotional Learning) fornece imensos exemplos (ver Goleman, 1995;
Sternberg e Wagner, 1995; Gardner, 1983, 1993)
A competência social e emocional é a capacidade para
compreender, gerir e exprimir os aspectos sociais e emocionais
da nossa vida, segundo modelos que permitam o sucesso das
tarefas da vida como a aprendizagem, a formação de
relacionamentos, a resolução de problemas do dia-a-dia e a
adaptação às exigências complexas do crescimento e do
desenvolvimento. Inclui a auto-consciência de si, o controlo da
impulsividade, o trabalho em conjunto e o carinho por si próprio e
pelos outros. A aprendizagem social e emocional é o processo
através do qual as crianças e os adultos desenvolvem as
atitudes, valores e competências necessários para adquirir
competências sociais e emocionais [Elias e outros, 1997, pág. 2].
O alcance completo daquilo que pode ser ensinado num currículo
enriquecido com SEL (ou aquilo que é deixado de parte num currículo
privado de SEL) é ilustrado no Documento 6.3. Esta tabela representa o
Alcance do Currículo Das Competências da Vida nas escolas desde a pré-
primária até ao 12º ano em New Haven, no Connecticut (ver Weissberg,
Jackson e Shriver, 1993).
Documento 6.3. Alcance do Currículo de Desenvolvimento Social de New Haven.
Alcance do Currículo das Competências da Vida Do Ensino Pré-Escolar até ao 12º Ano
CompetênciasAuto-gestãoAuto-monitorizaçãoAuto-controloGestão da pressãoPersistênciaEstratégias de coping centradas na emoçãoAuto-compensação
Resolução de Problemas e Tomada de DecisõesReconhecimento do problemaConsciencialização dos sentimentosPerspectivaçãoEstabelecimento de objectivos realistas e adaptáveis Consciencialização das estratégias de resposta adaptativaConsideração de soluções alternativasRaciocínio consequencialTomada de decisõesPlaneamentoModelos comportamentais
ComunicaçãoCompreensão da comunicação não-verbalEnviar mensagensReceber mensagensFazer corresponder a comunicação à situação
Atitudes e ValoresSobre Si PróprioAuto-respeitoSentir-se capazHonestidadeSentido de responsabilidadeVontade de crescerAuto-aceitação
Sobre os OutrosConhecimento das normas e valores sociais – colegas, família, comunidade e sociedadeAceitar as diferenças individuaisRespeitar a dignidade humanaTer preocupação e compaixão pelos outrosValorizar a cooperação com os outrosMotivação para resolver problemas interpessoaisMotivação para contribuir
Sobre as TarefasVontade de trabalhar com afincoMotivação para resolver problemas práticosMotivação para resolver problemas académicosReconhecimento da importância da educaçãoRespeito pela propriedade
ConteúdoIndivíduo/SaúdeConsumo de álcool e outras drogasEducação e prevenção da SIDA e outras DSTCrescimento, desenvolvimento e prevenção da gravidez juvenilNutriçãoExercícioHigiene pessoalSegurança pessoal e primeiros socorrosCompreensão de perda pessoalOcupação dos tempos livres Conhecimentos espirituais
RelaçõesCompreensão de relacionamentosNoções multiculturaisFazer amigosDesenvolver relações positivas com colegas de diferentes tipos, raças ou grupos étnicosLigação com colegas pró-sociaisCompreensão da vida familiarRelação com os irmãosRelação com os paisForma de lidar com a perdaPreparação para o casamento e para a paternidade na vida futuraEducação para a prevenção de conflitos e violênciaDescobrir um orientador
Escola/ComunidadeEducação da assiduidade e prevenção da ociosidade e abandonoAceitar e gerir a responsabilidadeParticipação de grupo adaptativaEstabelecimento de objectivos académicos realistasDesenvolvimento de hábitos de trabalho eficazesFazer transiçõesResponsabilidade ambientalEnvolvimento comunitárioPlaneamento de carreira
Fonte: Elias, Zins, Weissberg, Frey, Greenberg, Haynes, Kessler, Schwab-Stone e Shriver, 1997. Copyright © 1991 por Alice Stroop Jackson e Roger P. Weissberg
Os objectivos do currículo são ajudar os alunos a adquirir conhecimentos,
competências, hábitos de trabalho e valores para uma vida inteira de trabalho
com significado; motivar os alunos a contribuir responsável e eficazmente em
prol dos seus colegas, família, escola e comunidade; desenvolver o auto-
conhecimento, a auto-valorização e a capacidade para lidar com
responsabilidades e desafios diários; ajudar os alunos a tornarem-se
socialmente capacitados e ter relacionamentos positivos com os outros e a
encorajar os alunos a empenharem-se em comportamentos que protejam a
saúde. Há pouco tempo atrás, estes objectivos teriam sido considerados
floreados, mas no mundo de hoje, são essenciais não apenas para desenvolver
e melhorar a aprendizagem escolar, mas também para ter sucesso no mundo
do trabalho e participar na vida cívica da nossa sociedade (ver Elias e outros,
1997, sobretudo pp. 1-13).
Uma Abordagem Avaliativa
Howard Gardner (1993) acredita que muitos dos nossos problemas com
os parâmetros e a avaliação poderiam ser resolvidos se optássemos por uma
abordagem de “avaliação” e não de “teste”. Este autor define avaliação como a
obtenção de informação sobre as competências e potencialidades dos alunos
com o objectivo de fornecer feedback útil tanto para eles, como para a
comunidade local. A avaliação obtém informação naturalmente num contexto
localizado e durante as acções de ensino e de aprendizagem normais. Os
testes, pelo contrário, são formais, artificiais e descontextualizados.
Para Gardner, as avaliações deveriam ser uma componente tão natural
do processo educativo que acabariam por se tornar indistinguíveis do ensino e
da aprendizagem. As avaliações têm aquilo a que Gardner chama de “validade
ecológica” no sentido de que são validadas pelo próprio conteúdo de
aprendizagem. O processo pelo qual os professores e os alunos trabalham em
proximidade e continuamente em conjunto constrói uma confiança na
capacidade do professor para tomar decisões de avaliação sólidas e
pertinentes. Para além disso, “quando os indivíduos são avaliados em
situações que se assemelham mais com as “condições de trabalho
verdadeiras”, é possível fazer previsões muito melhores sobre o seu
desempenho definitivo. É estranho que a maioria das crianças americanas em
idade escolar passe centenas de horas dedicadas a um único exercício – o
teste formal – quando poucas, se é que algumas, irão algum dia encontrar um
instrumento semelhante quando tiverem deixado a escola” (Gardner, 1993, pp.
175-176).
Gardner salienta que, ao contrário dos testes, as avaliações são
“inteligentemente justas”. A maioria dos testes concentra-se exclusivamente
nas inteligências linguísticas, lógicas e matemáticas. Se os jovens forem mais
fortes nessas “inteligências” irão resolver bem o teste. Se não forem fortes
nessas áreas não vão resolver bem o teste. As avaliações podem ser
concebidas para responder a outras inteligências, tornando as avaliações de
inteligências justas. Por exemplo, “a inteligência espacial pode ser avaliada
colocando um indivíduo a navegar à volta de um território não familiar; a
inteligência corporal pode ser avaliada pela forma como uma pessoa aprende e
memoriza uma nova dança ou exercício físico; a inteligência interpessoal
revela-se vendo um indivíduo a discutir com um vendedor ou a ultrapassar
dificuldades numa difícil reunião de comissão” (pág. 176).
Gardner argumenta que a avaliação é extremamente sensível às
diferenças individuais, aos níveis de desenvolvimento e a inúmeras formas de
conhecimentos. Permite a utilização de materiais intrinsecamente mais
interessantes e pode ser aplicada mais directamente para benefício do aluno.
Os testes são uma espécie de estatística de um jogo de futebol. Estas
estatísticas do jogo fornecem informações sobre os vários lances, passes
falhados, passes certos, golos, bolas na trave, cantos, remates à baliza, jogada
a jogada. Uma abordagem avaliativa proporciona formas mais reais de
comunicar o drama e a excitação do próprio jogo. Ambas as abordagens têm
uma função a desempenhar. Sabemos como escrever uma tabela de
resultados ou estatística, mas estamos apenas a começar a aprender como
fornecer descrições mais reais e significativas do que foi aprendido e como
comunicar essa mesma informações às várias audiências. Se quisermos
corresponder àquilo que os pais, professores e alunos querem e precisam,
então teremos de prestar mais atenção às avaliações.
A Crow Island School, em Winnetka, no Ilinois, não privilegia as tabelas
de resultados ou de estatísticas. Em vez disso, fornece um historial mais
detalhado de aprendizagem para cada criança. Há doze anos atrás, o corpo
docente de Crow Island concebeu um “Formulário de Experiências de
Aprendizagem”, que é ilustrado na Figura 6.1.
Figura 6.1. Formulário de Experiências de Aprendizagem(à esquerda)LEITURA Jean lê suavemente, com boa expressão e demonstrando boa compreensão. O trabalho escrito revela uma sólida construção frásica e um bom conteúdo. As respostas são tipicamente breves mas precisas, com pormenores acrescentados em rascunhos posteriores. Participa nas discussões.
MATEMÁTICA Jean trabalha com dedicação, progredindo firmemente através dos materiais. Portou-se bem com as fracções, divisão e multiplicação. “Fazer negócios” tem sido uma grande fonte de divertimento para ela. Resolve problemas difíceis com entusiasmo.
REFLEXÃO PESSOAL PELO ALUNO Estou bem em Ortografia. Aprendi muitas palavras, mas nem sempre me lembro delas. Ciências é giro. Apesar disso, gosto de Correio das Ciências (Science-by-mail) mais do que as nossas brochuras. Estou bastante bem a matemática. Aprendo muito em Leitura, mas gostaria que não tivessemos tantas perguntas. Só gosto da leitura. Estudos Sociais é a minha disciplina favorita.
CIÊNCIAS Jean tem estado entusiamada com as nossas actividades da Unidade de Energia. Tem ideias criativas e interessantes para experiências e explorações. É um membro útil em qualquer grupo. Jean (mais conhecida por Menina Microscópio) gostou do clube Correio das Ciências (Science-By-Mail).
LÍNGUA E ARTES Jean usa e muda bem a pontuação e as maiúsculas na sua escrita. Gosta de escrita criativa, e até começou a desenvolver algumas histórias interessantes. Tem uma ortografia ornamentada. Normalmente, aplica as suas boas competências para soletrar na escrita diária.
(ao centro)EXPERIÊNCIAS DE APRENDIZAGEM
Jean Van ZelstNOME5ºANOINVERNO DE 1992ANOMrs. BiernerPROFESSORA
Crow Island SchoolWinnetka, III.
(à esquerda)ESTUDOS SOCIAIS O nosso estudo do Japão terminou com a representação de contos tradicionais e um banquete japonês. Jean continua a trabalhar com energia e entusiasmo durante a unidade sobre África. Gostou de Estudos Sociais e terminou conscientemente todos os trabalhos e relatórios que lhe foram pedidos.
ARTE Jean tem feito um bom trabalho. Tem boas capacidades, ideias criativas e lidou facilmente com vários materiais e técnicas. Jean é respeitada pelos colegas e é um prazer ensiná-la.
CRESCIMENTO PESSOAL Jean revela um sentido de humor caloroso, bons hábitos de trabalho e tem uma inclinação pelo divertimento. Delicada e carinhosa com os colegas, trabalha bem com qualquer grupo. Gosta de conversar sobre assuntos ou acontecimentos que lhe interessam. Uma aluna agradável de ensinar e conhecer.
MÚSICA Jean está a ir bem na Música. Tem um bom sentido de tonalidade e demonstra fortes capacidades ritmícas. Revela entusiasmo com a música e contribui de uma maneira positiva para a aula.
COLOCAR FOTOGRAFIA
AQUI
EDUCAÇÃO FÍSICA Jean é uma excelente aluna. Demonstra boas competências motoras em todas as áreas com uma capacidade especial na ginástica. Os seus colegas votaram nela para ser capitã de equipa nos jogos de Voleibol Depois das Aulas, realizados em horário pós-lectivo.
Fonte: Hebert, 1992, pág. 60.
Note-se que este formulário dirige-se a cada uma das várias fontes de
inteligência propostas por Gardner e inclui a oportunidade para o aluno ou
aluna reflectir sobre o seu próprio progresso pessoal. O desenvolvimento deste
formato lançou uma discussão ao nível da escola sobre a avaliação que
continua até aos nossos dias. Apesar de o formulário propriamente dito ter sido
submetido a muitas alterações ao longo dos anos, o compromisso de ensinar
as crianças a participar na avaliação da sua própria aprendizagem permanece
inalterado. Todos os alunos mantêm portfólios que partilham anualmente com
os seus pais numa conferência conduzida pelas crianças.
Ao procurar um relatório de progresso para o seu filho ou neto, que
formato escolheria – uma lista de sete números indicando os níveis nas várias
áreas temáticas ou uma série de formulários de experiências de aprendizagem
aliados a conferências com pais, professores e alunos, nas quais o aluno
partilha os seus portfólios e descreve o que aprendeu e a que nível? Esta é
uma pergunta difícil porque ambas as formas de relato do progresso do aluno
podem ser úteis. Tal como é salientado no Capítulo Cinco, é possível elaborar
um sistema estratificado de parâmetros e de avaliação partilhada susceptível
de fornecer os dois.
Aquilo que queremos são boas escolas. Queremos poder identificá-las,
aprender com elas e aumentar o seu número. Estas são as palavras que
usámos para iniciar este capítulo. Revelam um objectivo simples com o qual
poucos, decerto, concordarão e uma tarefa difícil sobre a qual muitos meditam.
Nem sempre estamos de acordo sobre o que é uma boa escola. Na nossa
sociedade multicultural com tantos estratos de governação e de avaliação da
responsabilidade, temos interesses diferentes e riscos diferentes no nosso
sistema educativo. Estes interesses e riscos acabam por ensombrar a nossa
visão daquilo que é bom. A verdade é que as organizações, governos
estaduais, pais, professores, alunos, departamentos de polícia local,
representantes da administração da segurança social e outros nem sempre
estão totalmente de acordo sobre todas as questões escolares.
No entanto, a um nível mais alargado, acho que podemos concordar que
as boas escolas partilham algumas características comuns apesar de serem
diferentes. As boas escolas são boas por duas razões: porque mostram-se à
altura destas características comuns e porque podem responder ao seu
contexto local, eleitores, objectivos, visões e circunstâncias únicos.
Graças às contribuições de especialistas como Wiggins (1993, 1996),
Tucker e Codding (1997), Darling-Hammond e Falk (1997), Marzano e Kendall
(1996) e muitos outros, conseguimos reunir conhecimentos sólidos sobre
parâmetros e avaliações que nos podem ajudar com o nosso trabalho. Mas,
para aproveitar completamente tudo aquilo que sabemos, temos de reunir os
interesses dos pais, professores, alunos, cidadãos locais, o estado, a
comunidade empresarial e restantes intervenientes num sistema estratificado
coerente capaz de combinar parâmetros elevados com avaliações úteis e
cuidadosamente pensadas.
O Processo de Avaliação da Qualidade
Uma possibilidade que vale a pena explorar é retirar algumas
conclusões das experiências realizadas em Nova Iorque e Illinois com o
processo de avaliação da qualidade das escolas. Estes estados construíram
um sistema de parâmetros e avaliações que se baseia não apenas em testes
padronizados, mas também em várias outras avaliações. O processo de
avaliação de qualidade das escolas foi um conceito importado para os Estados
Unidos por Thomas Sobol, em 1992, quando era Comissário para a Educação
do Estado de Nova Iorque. Com a ajuda de David Green (1995; Ancess, 1996),
que foi, durante dez anos, um dos Inspectores Escolares de Sua Majestade,
em Inglaterra, viu a abordagem do Reino Unido sofrer ajustamentos tanto em
Nova Iorque como no Illinois, para que se tornasse mais democrática e
compatível com as necessidades locais.
Com a saída de Sobol de comissário, o processo de avaliação recebeu
menos atenção em Nova Iorque mas, desde então, tem sido implementado no
Illinois. O processo exige a reunião de uma equipa de representantes estaduais
e locais, pais, professores, alunos e outros que fazem visitas de três a cinco
dias a uma dada escola e se empenham numa avaliação holística e profunda
do que está a acontecer. Os membros da equipa podem visitar salas de aula,
assistir a reuniões do corpo docente, examinar trabalhos de alunos e envolver-
se noutras actividades. De particular interesse são quaisquer planos de
melhoramento escolar que a escola local tenha, bem como a extensão
segundo a qual esses planos estão a ser implementados. O processo de
avaliação exige um exame directo da prática, uma análise da informação de
auto-avaliação e a preparação de um relatório. Tanto os próprios objectivos da
escola como os parâmetros externos são usados na avaliação da escola e no
fornecimento de informações.
Ancess (1996) salienta que cinco princípios são essenciais para o
processo de avaliação: “(1) sensibilidade à cultura da escola, (2) confiança na
perspectiva colectiva da equipa para evitar a subjectividade, (3)
desenvolvimento de uma capacidade de construção de nível, (4) estimulação
do questionamento e (5) apoio ao profissionalismo” (pág. 5). São os próprios
objectivos da escola, sentido de missão, valores e crenças e não os dos
inspectores, que conduzem o processo de avaliação. Não é importado nenhum
modelo do exterior para avaliar a extensão em que a escola se mostra à altura
das necessidades. “Os inspectores tentam conhecer a escola no seu próprio
meio e num contexto de respeito e de apoio” (Ancess, 1996, pág. 5).
Para além disso, considera-se que as escolas podem fazer a diferença
assumindo a responsabilidade pela construção da sua própria capacidade para
funcionar mais eficazmente. As equipas de avaliação funcionam como amigos
críticos que levantam questões sobre contradições entre as intenções
declaradas e as práticas observadas. “Trabalhando contra a tendência da
maioria dos programas e prescrições empacotados de desenvolvimento
profissional, as questões de uma equipa podem deixar uma dada comunidade
escolar temporariamente confusa e frustrada, porque tem de desempacotar as
questões para daí retirar uma orientação. No entanto, quando uma escola
adopta as questões de uma equipa como ponto de partida para o seu
questionamento pode, então, entrar num processo de reflexão individual e
colectiva. A cultura do questionamento daí resultante pode manter a escola
concentrada na prossecução dos seus objectivos” (Ancess, 1996, pág. 7).
De acordo com as directrizes de avaliação da responsabilidade e
orientação de segurança (Illinois State Board of Education, 1997-1998),
“Qualquer processo de avaliação escolar, seja interno ou externo, tem de
assegurar que todos os intervenientes são capazes de contribuir e concorrer
para a elaboração desse mesmo processo. Deve afirmar a importância crítica
do ensino e empenhá-los numa discussão e avaliação do ensino e da
aprendizagem. As escolas devem gozar de flexibilidade suficiente para
representar o seu trabalho de uma maneira que eles consideram apropriada,
tanto para os seus colegas de profissão como para a comunidade em geral”
(pág. 2). Para além disso, o programa Quality Review and Improvement
Planning dará grande relevo ao apoio às escolas e menor assistência à
acumulação de documentação; ajudará a promover um questionamento escolar
eficaz e um planeamento útil do melhoramento da escola. Será desenvolvido
escola a escola, reconhecendo as diferentes circunstâncias de cada uma e
ligando o melhoramento escolar à avaliação da responsabilidade” (pág. 3).
O Illinois utiliza uma abordagem com três vertentes para esta avaliação:
planeamento do melhoramento da escola no seu próprio espaço, que inclui a
visão, os objectivos, os alvos e as estratégias da escola, necessários para a
sua realização; uma avaliação interna sob a forma de uma auto-análise
rigorosa, envolvendo os pais, os membros da comunidade escolar e os
educadores, que se concentre nas políticas e actuações da escola, nas metas
e objectivos e na extensão em que estes são alcançados; e uma avaliação
externa conduzida por uma equipa de educadores, pais e representantes
estaduais visitantes que não estejam ligados à escola nem à divisão escolar
administrativa.
O aspecto mais importante do planeamento reside no facto de o
pessoal escolar ter uma consideração rigorosa sobre certas
questões básicas: (1) Todos os alunos estão a aprender? (2) Como
sabemos que estão a aprender? (3) Que alterações têm de ser
feitas para que todos os alunos tenham sucesso? As seguintes
opções surgem como o corolário destas questões: (1) Onde
estamos? (2) Para onde queremos ir? e (3) Como vamos lá
chegar?
As avaliações internas e externas concentram-se em três áreas
basilares: (1) Ensino e Aprendizagem; (2) Aprendizagem,
Progresso e Realização do Aluno; e (3) Comunidade de
Aprendizagem. Em cada uma destas áreas, são inspeccionados
tópicos específicos através de observações directas nas salas de
aula; vigiar de perto os alunos; entrevistar professores, pais,
funcionários e outros intervenientes; estudar documentos como o
Plano de Melhoramento da Escola; analisar os resultados das
avaliações e examinar vários exemplares do trabalho dos alunos
como portfólios, projectos de ciências e obras de arte [Illinois State
Board of Education, 1998, pág. 3].
Aquilo que distingue o processo de avaliação escolar aqui descrito da
forma como habitualmente lidamos com a avaliação da responsabilidade nos
Estados Unidos é que os requisitos básicos para o planeamento e os
indicadores de eficácia não são fornecidos como prescrições detalhadas pelo
estado. É certo que o Illinois fornece esquemas ou estruturas para guiar o
trabalho das escolas locais, mas a verdade é que os esquemas não são o
mesmo que modelos de planificação. “Um modelo é a representação de alço
com padrões específicos e formas típicas. Em qualquer planificação do
melhoramento da escola, um modelo é um conjunto de planos pormenorizado e
concreto que é uma réplica (ou, pelo menos, uma réplica parcial) de outros
planos de melhoramento que são bastante semelhantes. Um modelo de
planeamento fornece direcções específicas para as escolhas extremamente
importantes que os planeadores escolares têm de fazer. Um esquema fornece
uma direcção; um modelo fornece direcções” (Illinois State Board of Education,
1998, pp. 6-7).
Ao ter em conta os resultados dos testes padronizados, tanto as equipas
de avaliação interna como externa dão relevo aos parâmetros e objectivos
locais, às notas que os alunos obtêm e ao trabalho real que fazem. Assim, as
apresentações dos trabalhos dos alunos nos átrios e salas de aula, os
portfólios dos trabalhos dos alunos, as apresentações orais, as amostras dos
trabalhos de casa, o trabalho diário na sala de aula, o trabalho produzido a
partir dos projectos de serviço à comunidade e a aprendizagem resultante das
actividades pós e pré escolares são examinados rigorosamente e tidos em
consideração na avaliação de uma escola. O processo de avaliação da
qualidade do Illinois “incentiva as escolas a basearem-se no seu trabalho
anterior nesta área e proporciona maior flexibilidade ao desenvolvimento
continuado dos sistemas de avaliação para assegurar que estes apoiam a
missão, o currículo e a instrução de uma escola. As equipas de avaliação, por
conseguinte, inspeccionam a forma como uma escola avalia o progresso dos
alunos e como a escola determina quais os procedimentos que contribuem
para o sistema de avaliação global” (Illinois State Board of Education, 1997-
1998, pág. 12).
Qualquer esboço de uma avaliação interna ou externa inclui a atenção
dedicada às seguintes categorias de informação:
1. Ensino e Aprendizagem
Ambiente de Aprendizagem
Estratégias Pedagógicas
Processos de Aprendizagem
Reacções dos Alunos
2. Aprendizagem, Progresso e Realização do Aluno
Concepção e alinhamento do currículo
Trabalho do Aluno
Sistemas de Avaliação
3. A Comunidade de Aprendizagem
Missão e visão partilhada
Liderança e administração
Estrutura organizacional
Desenvolvimento profissional e apoio dos funcionários
Participação da própria comunidade na comunidade de aprendizagem
baseada na escola
Os Anexos A e B incluem exemplos de textos oriundos de relatórios de
avaliação internos e externos.
Uma das vantagens importantes do processo de avaliação da qualidade
de uma escola é que permite que as equipas de inspecção ou avaliação
possam fornecer um contexto para os resultados de realização e
aproveitamento dos alunos tanto ao nível dos parâmetros definidos pelo
estado, como dos que são determinados a nível local. Um conjunto único de
padrões aplicados da mesma forma para todos os alunos cria problemas para
aqueles alunos que não estão preparados para os alcançar. Wolk (1998)
salienta, por exemplo, que muitos alunos de escolas secundárias e
preparatórias não lêem suficientemente bem para passar aos testes baseados
nestes parâmetros descontextualizados. Segundo as suas palavras:
Para dezenas de milhar de jovens urbanos, é uma espécie de
duplo risco: o sistema não conseguiu educá-los adequadamente
e agora pune-os por não estarem educados. Estes miúdos não
foram expostos aos parâmetros elevados, aos professores
altamente competentes e ao currículo rico que a reforma baseada
em parâmetros promete – e que deve cumprir se, algum dia,
quiser ter sucesso. Alguns estados demonstram uma forte
determinação em manter os alunos responsáveis e
comprometidos, embora a maioria dos professores não tenha
estado preparada para ensinar de acordo com os elevados
padrões, algo que dificilmente conseguirão, pelo menos durante
os próximos anos [pág. 48].
No âmbito do processo de avaliação de qualidade escolar, no entanto, o
contexto para o ensino e aprendizagem é discutido e avaliado. Se, por
exemplo, os professores não estiverem preparados suficientemente bem para
ensinar uma determinada disciplina de acordo com um parâmetro elevado,
então o relatório concentrar-se-á nesse problema, em vez de insistir nas taxas
de realização ou aproveitamento e nos resultados dos testes do aluno.
O Processo Também Conta
O famoso especialista mundial em gestão W. Edwards Deming ensinou
que é perfeitamente inútil separar os objectivos, os alvos e outras medidas de
resultados do processo necessário para os alcançar. Para ele, dar ênfase ao
processo é quase tão importante, e talvez seja, de facto, bastante mais
importante, do que dar ênfase aos resultados. Nas suas palavras: “É possível
vencer cavalos; isto porque eles só correm mais depressa durante algum
tempo. Os objectivos são como o feno que alguém amarra em frente do focinho
do cavalo. O cavalo é suficientemente esperto para descobrir que quer corra ou
galope, trote, caminhe, ou esteja parado, não consegue apanhar o feno. Por
isso mais vale estar quieto. Porquê, então, argumentar? Nada acontecerá a
não ser que se altere o sistema. E isso é o trabalho da administração, não das
pessoas” (citado em Walton, 1986, pág. 77).
As palavras de Deming relembram-nos que uma avaliação de boa
qualidade baseia-se tanto no processo como no conteúdo, tanto na forma como
as coisas são feitas como no que é conseguido, tanto nos factores do ambiente
escolar como nos parâmetros de aprendizagem dos alunos e nas suas
realizações. Embora, por um lado, a concentração exclusiva nos resultados
possa ser enganadora, a concentração apenas nos objectivos pode resultar
numa má avaliação. É por isso que os parâmetros para a aprendizagem,
rigorosos e definidos localmente, escritos por pais, professores e alunos, têm
de estar no coração e na alma de todo o processo de avaliação da qualidade.
Tal como é sugerido no Capítulo Cinco, se os habitantes locais ligados a
uma determinada escola não estiverem confortáveis com os parâmetros de
aprendizagem ou não forem capazes de os desenvolver, devem então receber
assistência das divisões escolares administrativas ou especialistas estaduais. A
população local deve também poder consultar os bancos de parâmetros (listas
de parâmetros disponíveis na Internet ou por qualquer outro meio). Estes
bancos de parâmetros podem ser disponibilizados pelo estado, pelos vários
grupos de especialidade em áreas temáticas ou disciplinas (por exemplo, o
Conselho Nacional de Professores de Inglês), ou por outros grupos (Conselho
para o Ensino Básico; Centro para a Aprendizagem, Avaliação e Estrutura
Escolar; Centro Nacional para a Educação e Economia). Alguns parâmetros
podem ser adoptados para uso local “tal como estão”, enquanto os outros
podem ser usados para ajudar a estruturar a elaboração de parâmetros locais.
Os estados têm uma responsabilidade extremamente importante neste
processo. O seu trabalho é desenvolver parâmetros para parâmetros e usá-los
para garantir que os parâmetros locais são legítimos. Assim, embora os
parâmetros locais difiram, haverá sempre uma certa garantia de que os
parâmetros locais são de alguma qualidade. Quando as escolas tiverem
determinado localmente os parâmetros para cada área temática leccionada,
estes parâmetros deverão ajudar a conduzir o processo de avaliação de
qualidade.
Quem Deve Ser Responsável Pelo Quê
Na Tabela 6.1. anexa, forneço uma visão global do que pode ser uma
maneira de distribuir responsabilidade entre os vários intervenientes, tanto para
o estabelecimento de parâmetros, como para a avaliação das escolas.
Proponho que deva haver parâmetros em cinco áreas:
· Parâmetros para todas as escolas em leitura, escrita e matemática básicas
· Parâmetros focalizados e variados em áreas curriculares chave como a
história, a matemática avançada, inglês, arte, música e ciências sociais
· Parâmetros focalizados e diversificados em áreas de aprendizagem sociais e
emocionais, incluindo o desenvolvimento da personalidade
· Parâmetros de desenvolvimento em áreas não curriculares como o
desenvolvimento dos professores, a utilização de recursos e o sentido de
comunidade
· Os parâmetros dos professores em áreas como o profissionalismo, a
colegialidade e o crescimento profissional
Para começar esta conversa, proponho que o estado assuma 90 por
cento da responsabilidade no estabelecimento de parâmetros nas áreas de
competências elementares e que estas áreas sejam testadas através de testes
padronizados. Para os parâmetros focalizados e diversificados nas áreas
curriculares chave, proponho que o estado assuma 15 por cento da
responsabilidade e que a escola local e a sua divisão escolar administrativa 85
por cento dessa responsabilidade. Tenho em mente qualquer coisa como 60
por cento de responsabilidade delegada à escola individual e 25 por cento da
responsabilidade delegada à divisão escolar. Quanto aos parâmetros
focalizados e diversificados na aprendizagem social e emocional, proponho
uma divisão de 40-60 entre o estado e as autoridades locais. Relativamente
aos parâmetros escolares e às áreas não curriculares, o estado poderia
assumir 40 por cento da responsabilidade pelo estabelecimento dos
parâmetros e a escola local e a divisão escolar 60 por cento. No que diz
respeito aos parâmetros dos professores, o estado poderia assumir 60 por
cento da responsabilidade e a escola local e a divisão escolar 40 por cento da
responsabilidade. Se o estado estabelece um conselho pedagógico profissional
independente para inspeccionar e avaliar os parâmetros pedagógicos, então
esse conselho deverá ter o papel mais importante. Um conselho desses estaria
provavelmente bastante sobrecarregado por professores e representantes de
organizações de professores.
Embora os testes padronizados sejam preponderantes na avaliação da
leitura, matemática e escrita básicas, passariam a ter uma função muito menos
importante para os parâmetros focalizados e diversificados nas áreas
curriculares chave, uma função insignificante nos parâmetros focalizados e
diversificados para as áreas emocionais e sociais e nenhuma função na
avaliação dos parâmetros escolares e parâmetros dos professores.
Nestas áreas o veículo de avaliação dominante seria todo o processo de
avaliação de qualidade da escola, envolvendo tanto uma avaliação auto-
analítica interna como uma equipa visitante exclusivamente responsável pelo
exame intensivo de cada escola individual.
Tabela 6.1. Parâmetros Estratificados, Avaliação da Responsabilidade Partilhada
Parâmetros
Responsabilidade pelo estabelecimento
Estratégias de avaliação primárias
Responsabilidade pela avaliação
Parâmetros padronizados para leitura, matemática e escrita básicas
Estado 90%Local 10%
Testes padronizados
O estado, sendo os resultados considerados por uma equipa WSQR
Parâmetros focalizados e diversificados em áreas curriculares chave como história, matemática avançada, literatura, arte e ciências sociais
Estado 15%Local 85%
Testes, portfólios, demonstrações de desempenho, auto-análise interna sobre a avaliação, observação, entrevista
A equipa WSQR que inclui representantes estaduais e regionais, pais, professores, alunos e cidadãos locais
Parâmetros focalizados e variados em áreas de aprendizagem sociais e emocionais, incluindo o desenvolvimento da personalidade
Estado 40%Local 60 %
Portfólios, demonstrações de desempenho, requisitos de serviço, auto-análise interna sobre a avaliação, observação, entrevista
Equipa WSQR
Parâmetros escolares em áreas não curriculares como o desenvolvimento dos professores, utilização de recursos e sentido de comunidade
Estado 40%Local 60%
Sistema de indicadores estadual, auto-análise local
Equipa WSQR
Parâmetros dos professores em áreas como o profissionalismo, colegialidade, crescimento profissional e qualidade no exercício das funções
Estado 60% *Local 40%
Sistema indicador estadual, auto-análise local
Equipa WSQR
Produto
Audiência para o relatório
Um relatório que forneça um estudo aprofundado da escola e uma classificação resumida que tenha em conta todos os estratos dos parâmetros e a sua avaliação
Por ordem de importância: a escola local, a comunidade escolar, a divisão escolar administrativa, o estado, o público em geral
Nota: WSQR = Whole School Quality Review ou AQTE = Avaliação da Qualidade de Toda a Escola* Se o estado estabelecer um conselho de professores profissionais independentes, a distribuição será diferente, passando este conselho a ocupar a função principal.
Nas áreas de aprendizagem social e emocional as demonstrações de
desempenho, os portfólios e, talvez mesmo, uma requisição de serviços fariam
todo o sentido. No que respeita aos parâmetros escolares nas áreas não
curriculares, talvez fizesse sentido para o estado desenvolver um tipo de
sistema indicador que a equipa de avaliação de qualidade da escola local
pudesse considerar juntamente com as informações decorrentes de uma auto-
análise local. É provável que uma abordagem idêntica funcione para os
parâmetros dos professores, isto assumindo, mais uma vez, que não existe um
quadro ou conselho de parâmetros para professores estaduais independentes.
Quem seria responsável pela avaliação? O estado seria responsável
pela avaliação de parâmetros em leitura, matemática e escrita básicos e os
seus resultados teriam de ser considerados por toda a equipa de avaliação da
qualidade da escola. Toda a equipa de avaliação da qualidade da escola
acabaria por ser o principal interveniente em todas as avaliações. Esta equipa
desenvolveria um relatório capaz de fornecer um estudo aprofundado da escola
e uma classificação resumida tendo em conta todos os estratos de parâmetros
e a sua respectiva avaliação. Por outras palavras, se um estado escolhe dividir
as escolas em categorias como exemplar, reconhecida, cumpre as
expectativas e necessita de melhoramentos, nenhuma fonte de informação
poderá ser usada isoladamente apenas para a obtenção desta avaliação
sumativa. Por ordem de importância, a audiência para o relatório seria a escola
local, a comunidade escolar local, o estado e o público em geral.
Será que um sistema de avaliação à qualidade de todo o trabalho da
escola pode funcionar? Não sei. Mas penso que tem potencial. Quais são
então os obstáculos para a criação de um sistema de avaliação da qualidade
da escola que incorpore parâmetros estratificados e avaliação da
responsabilidade partilhada? Certamente que não será a falta de talento. Já
sabemos como é possível avaliar com um elevado nível de sofisticação e
sabemos também que o conceito de lealdades estratificadas faz todo o sentido.
É, no final de contas, uma parte da vida diária da maioria dos americanos que
acreditam no seu país, na sua igreja, na sua ascendência étnica, na sua
política, na sua comunidade local, na sua família e até nas suas escolas locais,
tudo ao mesmo tempo. De certa forma, todos estes estratos de lealdades são
mantidos unidos por determinadas características comuns que nos definem
como americanos. De igual forma, as escolas, tais como os bairros dentro de
uma cidade, estariam ligadas por determinados parâmetros comuns, embora
celebrassem a sua diversidade e unicidade através da sua ligação a diferentes
parâmetros ao mesmo tempo.
Alfred North Whitehead afirmou no seu livro Symbolism, Its Meaning and
Effect (1927):
Trata-se do primeiro passo no caminho da sabedoria sociológica, a
capacidade de reconhecer que os principais avanços na civilização são
processos que apenas abalam as sociedades em que ocorrem: - como se
colocássemos uma seta nas mãos de uma criança. A arte da sociedade livre
consiste em primeiro lugar na manutenção do código simbólico; e, em segundo
lugar, na audácia e coragem da revisão, para assegurar que o código serve os
objectivos que satisfazem um espírito iluminado. Essas sociedades que não
conseguem combinar a reverência pelos seus símbolos com a liberdade de
revisão acabarão, em última instância, por resvalar para a anarquia ou para
uma lenta atrofia de uma vida asfixiada pelas suas sombras inúteis [pág. 88]
Se o talento não é um obstáculo e a disposição também não é um
obstáculo, então o que é constitui um obstáculo? A vontade! Será que temos a
vontade de seguir uma via que se afasta de forma tão dramática da nossa
abordagem tão confortável e rotineira do estilo “o melhor caminho” face às
coisas? Melhor dizendo, será que estamos preparados para receber essa
proverbial mudança de paradigma relativamente aos parâmetros e à avaliação?
Quando o assunto é a mudança, somos de facto e inexoravelmente, um bando
de conservadores. E esse conservadorismo pode ser uma virtude quando está
equilibrado com uma certa flexibilidade que nos permita seguir em frente à luz
das novas condições.
7Professores: A Chave para o Desenvolvimento Escolar
O tema deste capítulo é o professor, o seu trabalho e a sua
aprendizagem. Tudo isto tem por base uma premissa bastante simples. Quanto
mais conhecimentos, competências e competências de ensino o professor
tiver, mais bem sucedidas serão as escolas na apresentação da aprendizagem.
O leque de conhecimentos, competências e competências do professor
depende, em grande parte, do apoio das políticas e contextos que os rodeiam
(ver National Commission on Teaching and America’s Future11, 1996). O ensino
é subvalorizado em muitos locais, e as condições oferecidas aos professores
são, no mínimo, subdesenvolvidas. Esta situação acaba por ter repercussões
no mundo-da-vida dos professores e das escolas.
Apoiar o Ensino
O mundo-da-vida está preocupado com as questões culturais, enquanto
que o mundo-dos-sistemas dedica-se mais aos assuntos instrumentais. Os
mundos da vida são extremamente importantes para as escolas e outras
organizações sociais, tais como a família, igreja, amigos e associações de
ajuda mútua. Porém, isolados, estes mundos da vida não são suficientes. O
mundo-dos-sistemas fornece os meios para atingir e personificar objectivos
culturais. No Capítulo Dois sublinhámos que a personalidade individual e a
personalidade da escola são igualmente importantes. Provamos que a
personalidade da escola e a sua eficácia estão interligadas. Uma das regras de
ouro centra-se no facto de que a personalidade da escola normalmente cresce
quando os requisitos do mundo-da-vida determinam as decisões do mundo-
dos-sistemas. E é igualmente verdade que a personalidade da escolar sofre um
fenómeno da erosão sempre que os requisitos do mundo-dos-sistemas
determinam as decisões do mundo-da-vida. Quando este fenómeno acontece
termina a discrição local em função dos fins. Todas as escolas começam a ficar
cada vez mais semelhantes entre si. Os professores começam a ensinar aos
11 Comissão Nacional para o Ensino e Futuro da América.
alunos as mesmas coisas e da mesma forma. A função começa a seguir a
forma em vez de ser a forma a seguir a função.
E afinal, qual é o lugar dos professores neste cenário? Exactamente no
centro. São os professores que determinam se a escola será ou não eficaz nos
seus propósitos. Não há, contudo, um consenso geral quanto à importância da
existência de professores bem formados. Nos Estados Unidos, em comparação
com a maioria dos países desenvolvidos, deixou-se de investir no ensino e
começou a investir-se mais na gestão do ensino.
A National Commission on Teaching and America’s Future (1996) nota,
por exemplo, que “apesar de o número de adultos a trabalhar na escola ter
aumentado, são cada vez menos os que estão dentro da sala de aula. De
facto, a percentagem de pessoal profissionalizado, e classificado como
professor, tem vindo a diminuir de forma consistente ao longo dos anos, desde
mais de 70% em 1950, até uns escassos 52% em 1993. Destes, dez por cento
são especialistas que acabam por não estar envolvidos em actividades
docentes na sala de aula” (pp. 47-48). Segundo o Centro Nacional de
Estatística Educativa, enquanto a percentagem total de pessoal escolar por
número de alunos é de 1:9, a percentagem total de pessoal docente por
número de alunos é de 1:18 (Darling-Hammond, 1997, pág. 192). Segundo
dados da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento, a
Comissão Nacional (1996) afirma que em países como a França, Finlândia,
Austrália, Itália, Japão e Bélgica, 70% da população docente são professores,
enquanto que nos Estados Unidos estes representam apenas 43% dessa
mesma população (pág. 70).
A verdade é que a maioria dos países desenvolvidos investe bastante
mais do que os Estados Unidos em preparação pedagógica, desenvolvimento
profissional e planeamento das actividades exercidas pelos professores.
Darling-Hammond (1996) faz notar que os professores dos Estados Unidos têm
apenas três a cinco horas por semana disponíveis para o planeamento,
fazendo com que tenham muito pouco tempo para aprender ou debater novas
estratégias pedagógicas com os seus colegas. A maior parte dos colegas
europeus e asiáticos utiliza cerca de quinze a vinte horas semanais na
aprendizagem e aperfeiçoamento de técnicas de ensino e de aprendizagem em
conjunto.
Estratégias para a Gestão do Ensino e Aprendizagem
Diferentes perspectivas relativas ao ensino e aos vários graus de
importância em possuir professores altamente qualificados dentro da sala de
aula levam à escolha de estratégias diferentes, por parte de cada país e
estado, na gestão do ensino e da aprendizagem. Os diferentes países e
estados só podem confiar numa estratégia ou então num conjunto de seis
estratégias diferentes: supervisão directa dos professores, padronização do
trabalho dos professores, padronização dos resultados que devem ser
atingidos, profissionalização do ensino, ligação moral dos professores a
propósitos e ideais comuns e fornecimento de novas formas de colegialidade
que levam ao desenvolvimento de comunidades de prática entre os
professores (Mintzberg, 1979; Sergiovanni, 1992). As escolhas dos países e
estados reflectem-se directamente em duas coisas: a importância que os
políticos dão aos professores e até que ponto acreditam que os professores
são capazes de se tornarem profissionais; e as opiniões dos políticos relativas
à natureza da experiência profissional do ensino.
Quando, por exemplo, os estados se deixam levar pela supervisão
directa, os directores e outros supervisores têm por obrigação dar aos
professores instruções claras relativamente ao que devem fazer e de que forma
o fazer. Em seguida, têm igualmente a obrigação de supervisionar
pessoalmente estas acções através de um envolvimento directo. Quando os
estados confiam em demasia na via da padronização ou estandardização do
trabalho dos professores, a ênfase passa do controlo pessoal para o
impessoal, ou seja, passa pela criação de um sistema estilo “o melhor
caminho” através de um currículo detalhado. Deste currículo fazem parte o
planeamento de aulas, horários e testes que os professores têm de utilizar.
Como se tudo isto não bastasse existem ainda estratégias de gestão criadas
para assegurar que o trabalho dos professores está devidamente alinhado, os
horários são cumpridos e os modelos pedagógicos e curriculares são
utilizados.
Tanto a supervisão directa quanto a padronização do trabalho dos
professores são medidas demasiado pesadas e com um elevadíssimo grau de
exposição no que diz respeito à gestão do ensino, nem tão populares como
foram um dia. A maior parte dos reformadores está de acordo quanto ao facto
de os professores necessitarem de liberdade para tomar decisões dentro de
certos limites específicos e padronizados. Esta perspectiva reforça o valor da
terceira estratégia – fornecer padrões e resultados como forma de controlo.
Esta estratégia assegura que cada aluno inserido neste estado produzirá
produtos semelhantes, aprenderá as mesmas coisas e atingirá o mesmo nível
de rendimento. A vantagem inerente a esta estratégia relaciona-se com o
controlo que cada professor detém sobre os meios, passando a poder decidir
sobre a forma de atingir os padrões estabelecidos. Porém, tal como afirmado
anteriormente, esta estratégia acaba por estabelecer demasiadas normas e
convenções escritas paras as acções individuais. Os parâmetros exigem uma
avaliação uniforme; estas avaliações tornam-se no currículo e o currículo acaba
por ditar a forma de ensino. Como resultado a discrição do professor é diluída.
Estas três estratégias partilham de uma certa desconfiança por parte dos
professores – uma falta de crença na sua capacidade de tomar decisões
acertadas e uma falta de confiança na capacidade de trabalhar arduamente por
parte dos alunos. Podem existir razões para esta falta de crença e confiança.
Se continuarmos a confiar em estratégias de gestão que eliminam a
discricionaridade, o acto de ensinar não se desenvolverá adequadamente, nem
tão pouco se transformará numa profissão merecedora de fé e confiança.
Mudar as nossas EstratégiasMudar esta situação significa mudar de estratégia. Consideremos, por
exemplo, o mérito inerente às estratégias que promovam a construção de
capacidades e o desenvolvimento de normas profissionais. A construção de
capacidades e o desenvolvimento de normas profissionais aumentam os
conhecimentos dos professores, aquilo que são capazes de fazer e o que estão
dispostos a fazer para ajudar os alunos a aprender. Estas estratégias incluem a
sociabilização / socialização e desenvolvimento profissionais; o envolvimento
dos professores na criação de objectivos, valores e normas comuns que
poderão fornecer estruturas e padrões para o seu desempenho; e a criação de
oportunidades para uma colegialidade reforçada capaz de gerar uma maior
interdependência entre os professores e, ao mesmo tempo, conduza ao
desenvolvimento de comunidades de ensino.
Para fazer com que o ensino seja uma profissão digna de confiança e
respeito é necessário mudar a visão dos políticos. Normalmente pensa-se que
o ensino é uma coisa fácil de aprender e fazer. O ensino engloba a
identificação e utilização de certas competências que podem ser facilmente
adquiridas, monitorizadas e atingidas. Devido a esta atitude global, os políticos
continuam a achar que não é muito importante investir no profissionalismo,
colegialidade, desenvolvimento de comunidades de ensino e outras estratégias
dispendiosas alicerçadas na construção de competências para melhorar as
escolas. Afinal de contas, e como uma visita a um McDonald’s facilmente
demonstrará, um trabalho simples pode muito bem ser realizado pela maioria
das pessoas desde que estas sejam bem geridas e orientadas. Por isso
investimos na supervisão directa, padronização do trabalho dos professores e
seus resultados como forma de assegurar o resultado e a adequação do seu
trabalho.
Compreender a Experiência Profissional
Afinal, o que é a experiência profissional no ensino? Mary Kennedy
(1987) identifica várias dimensões, três das quais são agora apresentadas: (1)
experiência profissional é a acumulação e utilização de certas competências
técnicas; (2) experiência profissional é o desenvolvimento e aplicação de
conhecimento conceptual, princípios gerais e teorias; e (3) experiência
profissional é a capacidade de tomar deliberadamente determinadas medidas
(pág. 1). A acumulação de competências técnicas realça as tarefas específicas
que os professores têm de executar e as competências que devem demonstrar
para desempenhar as suas tarefas com êxito. Os professores precisam de
planear aulas, organizar estações de trabalho, redireccionar o comportamento
dos alunos, utilizar grupos pequenos, conduzir seminários Socráticos,
disciplinar alunos e por aí adiante.
Embora as competências tenham um valor precioso para a prática
profissional, a verdade é que as competências por si só fornecem uma visão
estreita e descontextualizada do ensino. É necessário que as competências
sejam acompanhadas por outras dimensões para que os professores sejam
capazes de decidir que competências usar, porquê e em que alturas. Se a
experiência profissional fosse apenas definida como a acumulação e utilização
das competências, o ensino seria cada vez menos uma profissão e, desta
forma, a gestão do ensino, através da supervisão directa e padronização do
trabalho e dos seus resultados, seria a forma mais apropriada e conveniente.
Para além disso, a decisão de conceder, ou não, o poder discricionário aos
professores deixaria de se colocar como questão a abordar. Isto porque este
ponto já não teria uma prioridade tão elevada.
A experiência profissional como aplicação dos princípios gerais dá aos
professores o conhecimento que lhes permite enfrentar situações específicas
como exemplos de categorias de algo conhecido. Este conhecimento permite-
lhes resolver problemas, encontrar soluções e tomar decisões relativas à acção
perante situações ambíguas (Kennedy, 1987).
A experiência profissional como acção deliberada reconhece que a
prática docente está situada num contexto que envolve, por exemplo,
diferentes recursos, alunos, necessidades, constrangimentos temporais e
estruturas curriculares. Os professores trazem diferentes finalidades para este
contexto, ao mesmo tempo que a interacção entre finalidades e contextos
acaba por dar forma às suas acções. Os professores analisam as diferentes
situações e monitorizam a evolução dessas situações à medida que vão
adquirindo prática, criando novas estratégias que combinam o pensamento
com o desempenho. Uma ideia leva a outra até que, de repente, surgem os
referidos parâmetros (Mintzberg, 1987, pág. 68).
Assim que um dado padrão emerge os professores conseguem utilizar e
conciliar o conhecimento dos princípios gerais com as suas experiências de
forma a tomarem as decisões acertadas. Esta análise ocorre dentro do
contexto da prática docente de cada um. A pesquisa realizada por Donald
Schöns (1983) demonstra que os profissionais especializados geram
conhecimento à medida que adquirem uma determinada prática, formando
espontaneamente intuições e revelando novos caminhos que não tinham
conseguido prever. Criam a sua nova prática através do uso. Kennedy (1987)
salienta, “As acções deliberadas dotadas de êxito devem estar radicadas em
experiências, na capacidade de executar experiências mentais, na capacidade
de avaliar criticamente os seus resultados e na capacidade de rever cada
definição pessoal da situação... Para além disso, é necessário possuir um
elevado sentido de finalidade, pois a finalidade é o critério segundo o qual são
julgadas as ideias e as acções” (pp. 29-30).
Wilson e Peterson (1997) defendem que os professores são intelectuais
que pensam nos alunos e na matéria das disciplinas, construindo pontes para
interligar essas duas vertentes. “Os bons professores devem pensar sempre
naquilo que querem que os alunos aprendam, contemplando um vasto número
de questões. Um professor deve ter em mente perguntas tipo: Que interesse
tem esta matéria para os meus alunos? Que conceitos e ideias são mais
difíceis? Porquê? Que meios posso utilizar para os ajudar com estes
conceitos? Que conhecimentos já detêm e qual a sua utilidade neste contexto?
Quais as suas ideias preconcebidas e de que forma é que podem constituir
uma interferência? Que horas são? Em que ano estamos? Que tipo de
recursos tenho à minha disposição? Como é que os alunos constroem o
conhecimento? Que tipo de técnicas pedagógicas posso utilizar para os ajudar
no processo de construção de conhecimento?” (pp. 8-9). Wilson e Peterson
reafirmam que os professores são ouvintes e indagadores que analisam a sua
prática através da investigação do pensamento dos alunos e procurando novas
formas de ensinar o essa compreensão. Finalmente, os professores são
treinadores que auxiliam os alunos à medida que estes aprendem a demonstrar
o que sabem.
As três dimensões de experiência profissional, quando devidamente
aplicadas ao ensino, são consideradas como aprendidas. A aquisição e
utilização das competências pertence e deriva do desenvolvimento e utilização
dos princípios gerais. Por sua vez, os princípios gerais pertencem e derivam da
acção deliberativa. A acção deliberativa, juntamente com o conceito de
professor como um artesão intelectual, envolve as outras duas dimensões
fornecendo, desta forma, uma visão desafiadora, embora realista, do ensino e
da aprendizagem. Este ponto cria um nítido contraste à abordagem “apenas
competências”, ou ainda à abordagem “competências mais princípios gerais”,
dentro da qual os professores dominam e aplicam uma série de generalizações
e regras sem contexto que, supostamente, poderão ser aplicadas a todos os
alunos, em qualquer ocasião e em todo o lado.
Iniciámos esta discussão sobre a experiência profissional mostrando que
se o ensino não passa da aplicação de competências do tipo “o melhor
caminho”, então a discricionaridade deixa de ser um assunto a abordar e seria
preferível, então, que o ensino e a aprendizagem fossem geridos através da
supervisão directa e padronização de todo o trabalho e respectivos resultados.
Mas, se o ensino é trabalho intelectual, como abordado anteriormente, então
estas representam estratégias erradas pois limitam a discricionaridade. As
estratégias de construção de capacidades, tais como enfatizar o
desenvolvimento profissional e a socialização, aumentar os níveis de
colegialidade e desenvolver comunidades de prática, são alternativas bem mais
eficazes. São investimentos na eficácia a longo prazo das escolas. Uma vez
estabelecidos tornam-se os substitutos de uma fortíssima ênfase nos sistemas
de gestão e nos modelos de avaliação da responsabilidade impostos
externamente.
No Capítulo Três defendemos que o ensino tem por base métodos de
ensino e o domínio de várias disciplinas. Mas uma definição completa de
profissionalismo engloba determinadas virtudes, incluindo o compromisso
público de servir ideias e pessoas. O afecto é a pedra basilar deste
compromisso e desempenha um papel importante no desenvolvimento de uma
plena compreensão da experiência profissional. Recuperando o tema abordado
no Capítulo Três, passaremos a considerar a motivação e a eficácia do
professor e a forma como ambas estão relacionadas com o êxito dos alunos.
Será igualmente abordada a ideia do professor como um artesão
interdependente e membro de uma dada comunidade de prática.
Motivação, Eficácia e Performance dos Alunos
O mundo-da-vida dos professores é um mundo repleto de fragilidades.
Quando a motivação e a discrição são baixas, a auto-estima de um professor
torna-se difusa. O resultado é que o mundo-da-vida dos professores pode
entrar em erosão. Em última instância, a eficácia acaba por ser igualmente
afectada. E quando isto acontece os professores sentem-se fora de jogo. A
eficácia dos professores está directamente relacionada com a forma como se
apresentam na sala de aula, o comportamento dos alunos na aula e a
qualidade do êxito que os professores obtêm face aos seus alunos. A eficácia
dos professores é um factor importante na construção de uma escola eficaz.
Comecemos por examinar a eficácia do professor e os seus efeitos
sobre o sucesso dos alunos, prestando particular atenção às condições do
ensino e da própria escola que podem aumentar ou diminuir a sua eficácia. Em
vez de analisar a extensa literatura acerca deste assunto (ver Bandura, 1977,
1982), iremos abordar um estudo particularmente importante levado a cabo por
Patricia Ashton e Rodmann Webb (1986).
“Todos os alunos podem aprender” tornou-se num slogan comum
repetido pelos administradores com o intuito de fazer com que os professores
trabalhem mais ou alterem as suas práticas pedagógicas. Esta frase aparece
em inúmeros livros sobre escolaridade, bem como nas declarações de intenção
de milhares de escolas por todo o mundo. Virtualmente todos os professores
jurarão fidelidade a este slogan em público, embora, em privado, nem todos
acreditem nele. Ashton e Webb (1986) descobriram que os professores com
um baixo sentido de eficácia passaram a acreditar que muitos alunos não
conseguem, nem querem aprender, pelo que não há muito que um professor
possa fazer. Trata-se apenas de uma realidade que tem de ser aceite enquanto
tal. Por outro lado, os professores com um elevado sentido de eficácia
acreditam que todos os alunos são capazes de desenvolver a sua
aprendizagem – e que, por isso, os professores podem fazer muito para
aumentar o êxito dos alunos.
Estas diferenças são importantes. Se construirmos uma escola moderna
e colocarmos manuais fantásticos e um currículo bem estruturado nas mãos do
primeiro grupo de professores, o resultado será uma fraca aprendizagem por
parte dos alunos. Pode eventualmente ser útil reestruturar as escolas criando
blocos mais alargados de tempo e dividindo a escola em pequenas academias
de aprendizagem, embora dificilmente os alunos possam aprender grande
coisa se os professores não acreditarem que os alunos são capazes de
aprender.
Ashton e Webb repararam que o próprio sentido de eficácia do professor
contém uma segunda dimensão. Não só se refere à crença de que os alunos
podem aprender se ensinados, como também à crença do professor de que
possui a capacidade de ensinar de forma correcta que, por sua vez, resultará
na aprendizagem do aluno.
Ao definir o sentido de eficácia do professor como uma crença baseada
na capacidade de aprendizagem dos alunos e na sua própria capacidade de
êxito pedagógico, Ashton e Webb descobriram que os professores com um alto
sentido de eficácia eram mais calorosos. Aceitavam mais facilmente as
respostas e iniciativas e mostravam-se mais atentos às necessidades dos
alunos. Os alunos respondiam com mais entusiasmo e com mais interacções
perante os professores. Para além disso, o sucesso escolar nos testes de
ensino secundário realizados nas áreas da matemática e línguas era bastante
maior.
Aumentar a Eficácia
A boa notícia é que o sentido de eficácia dos professores pode mudar.
Os professores podem sentir-se mais ou menos eficazes de acordo com uma
variedade de factores. Para além disso, elevados níveis de motivação e
empenho parecem estar relacionados com níveis elevados de eficácia. Quais
os factores que contribuem para estes níveis elevados? Ashton e Webb
descobriram que é importante a existência de ambientes escolares dotados de
entreajuda e apoio, ambientes de ensino e aprendizagem caracterizados por
valores colegiais e decisões partilhadas, bem como culturas escolares que
forneçam um sentido de finalidade e partilha mútuos como base para uma
cultura da responsabilidade. A conjugação destes factores contribui para uma
relação cooperante, elevados níveis de interacção, maior responsabilidade
pessoal pelos resultados, parâmetros e expectativas mais elevados, bem como
a noção da importância e do significado do processo de ensino. Estas relações
encontram-se resumidas na figura 7.1.
Figura 7.1. Factores que contribuem para o sentido de eficácia, motivação e
empenho dos professores.
Ambiente escolarde apoio: Relação1. directores apoiam cooperativa
os professores.2. professores apoiam Elevada interacçãooutros professores social
Estão presentes valores Elevada causação Sentido de eficáciacolegiais e a pessoal motivação e partilha de decisões Elevada responsabilidade empenho dos
pelos resultados professores
Cultura escolar fornece Elevados padrões esentido de finalidade expectativaspartilha e base de Orgulho e auto-estimaresponsabilidade Trabalho significativo
Fonte: Adaptado de Sergiovanni, 1990, pág. 131.
Em resumo, a eficácia é importante. A eficácia individual é uma parte
importante dos mundos-da-vida dos professores, enquanto que a eficácia
colectiva é uma parte importante dos mundos da vida das escolas. Ambos
sofrem quando as políticas burocráticas, sistemas de gestão, parâmetros
impostos estilo “tamanho único” e as avaliações determinam os mundos
culturais dos professores e da população local.
A raiz da palavra eficácia significa ter o poder de produzir um
efeito desejado. Nas escolas, e sobretudo quando ligado aos fins, valores e
crenças comuns que definem os mundos da vida, o poder consegue reforçar
tanto os objectivos, como os indivíduos. Para que este poder possa produzir os
seus efeitos a estrutura de poder e autoridade piramidal, de cima para baixo ou
imposta do exterior deve ser trocada por uma estrutura circular tal como mostra
a figura 7.2. Dentro desta imagem circular, há directores, professores, pais,
alunos e restante população local que têm o poder e a capacidade de,
efectivamente, transformar as suas vontades em ideias que valorizam,
partilham e aceitam.
Figura 7.2. A Visão Comunitária do Poder.
Escola Local
Professores
Propósitos e
Pais Crenças Alunos
Partilhados
Administradores
Comunidade Local
Fonte: Adaptado de Sergiovanni, 1990, pág. 105.
Trocar o triângulo pelo círculo fornece uma cultura democrática que
funciona como uma força poderosa para implementar mudanças a nível local.
Lavuan Dennett, ao recordar a sua experiência como directora de uma escola
primária que melhorou drasticamente ao nível do progresso dos alunos,
explica, “A nova cultura inclui um compromisso para com a excelência e a
aceitação, ou mesmo a apreciação, da mudança que nos garante que esta
escola se transformará naquilo que necessita ser. É assim que nos lideramos
uns aos outros neste processo de transformação. Às vezes sou eu que
represento este papel, outras vezes é um professor, outras um aluno ou até
mesmo um pai. Todos temos algo de importante para partilhar. Todos temos
oportunidade de crescer e aprender, bem como de aprender e partilhar.
Continuamos a completar este círculo até descobrirmos que existem
oportunidades ainda mais maravilhosas à nossa espera” (Sergiovanni, 1990,
pág. 105).
Muitos funcionários estaduais, supervisores, executivos e inclusive
directores desconfiam das sugestões que preconizam a ampla distribuição do
poder. “Olhem, há para aí tanto poder ao desbarato. É óbvio que preciso de
partilhar uma parte, mas se o partilhar em demasia, como posso eu liderar? A
escola não funcionará devidamente se eu não me agarrar à minha quota parte
do poder.” Este ponto de vista até pode fazer sentido, mas apenas se olharmos
o poder através de uma perspectiva económica. Há uma soma de poder fixa
que representa 100%. Se eu der 20%, ficarei com 80%. Se der 60%, ficarei
com apenas 40%. Mas as pesquisas conduzidas em relação ao poder dentro
das organizações sugerem que o poder aumenta proporcionalmente à sua
partilha. A partilha de poder é uma forma de investimento que, no final, acaba
por delegar mais poder para todos. O trabalho de Arnold Tannenbaum sobre
esta questão, resumido no Documento 7.1, pode ser considerado seminal. As
conclusões do seu trabalho provam que o que realmente conta é a quantidade
de liderança exercida transversalmente ao longo de toda escola, e não uma
liderança forte apenas oriunda do topo da cadeia. Ao que parece, a densidade
da liderança acaba por ser subvalorizada e subaproveitada na obtenção de
uma boa eficácia escolar.
Documento 7.1. Poder: Investir na Construção de Capacidades
A bibliografia que investiga as várias manifestações de poder nas organizações
reforça a tese do apoio à manifestação directa da liderança de forma a proceder à
delegação de poderes no próprio local da escola. O trabalho de Arnold Tannenbaum,
professor da Universidade de Michigan, é considerado um trabalho seminal. Este autor
descobriu que os professores podem, efectivamente, aumentar o seu controlo,
renunciando à sua autoridade. Para além disso, o poder e a influência não devem ser
considerados como conceitos económicos de índice zero. A partilha de poder significa
a existência de mais poder para todos – o poder tem a capacidade de se expandir.
Tannenbaum descobriu que a totalidade de poder e influência distribuídos
numa empresa ao longo dos vários níveis e escalões era um indicador que revelava
um melhor índice de satisfação e performance, em comparação com a quantidade
relativa de poder e influência detidos por um único grupo. As suas ideias aplicam-se
bastante bem às escolas. Imaginem, por exemplo, duas escolas com os seguintes
padrões de influência numa escala de um a dez:
Escola A Escola B
Pais 2 Pais 4
Professores 3 Professores 6
Director 4 Director 9
Soma 9 Soma 19
Na Escola A, o poder é distribuído de forma relativamente “justa” entre os pais,
professores e directores, com a diferença de um ponto entre os professores e
directores e entre os pais e os professores. Na Escola B, a diferença é entre dois e
três pontos, o que faz com que o poder tenha sido dividido de uma forma menos
“igualitária”. No entanto, a soma de poder da Escola A cifra-se em menos de metade
da registada pela Escola B. Tannenbaum previu que, apesar da distribuição de poder
da Escola B ser menos equilibrada, esta teria maiores níveis de satisfação e
performance. A razão apontada é que a Escola B tem mais poder do que a Escola A.
Fonte: Sergiovanni, 1990.
Motivação e Empenho do Professor
A eficácia, motivação e empenho estão intimamente relacionadas com a
eficácia escolar. Quando pais, alunos e a população local acreditam que
podem fazer a diferença, no que diz respeito à melhoria das suas escolas,
estarão provavelmente muito mais motivados e empenhados para agir. É um
facto que analisámos algumas pesquisas efectuadas em relação à eficácia,
mas que dizer da motivação e empenho?
Em escolas dotadas de êxito, os professores trabalham com mais
afinco, estão mais satisfeitos com os seus empregos e mais empenhados para
com o seu trabalho dentro da escola. Estas condições de motivação estão
presentes quando os professores e os outros
Acham que o seu emprego tem um propósito, um significado, um
objectivo e uma sensibilidade específica e olham para o trabalho como
algo com valor e importância.
Controlam razoavelmente as suas actividades profissionais e são
capazes de exercer uma certa influência no seu trabalho, eventos e
circunstâncias.
Sentem uma responsabilidade pessoal pelo trabalho que estão a
executar e são os responsáveis directos pelos seus resultados. (Ver
Capítulo 10 em Sergiovanni, 1995, para uma exploração destas ideias.)
Os professores têm mais probabilidades de sentir este tipo de
significado, controlo e responsabilidade pessoal quando lhes é permitido agir
como “Origens”, em vez de “Peões”. Segundo De Charms (1968) “Uma Origem
é uma pessoa que determina o seu comportamento através das suas próprias
escolhas. Um Peão é uma pessoa que determina o seu comportamento através
das forças exteriores que fogem ao seu controlo.” De Charms prossegue: “Uma
Origem é um forte sentimento de causa pessoal, um sentimento de que a
verdadeira causa dos efeitos sobre o seu ambiente está dentro de si próprio...
um Peão sente que o seu comportamento é determinado pelas forças que
escapam ao seu controlo, pelas forças pessoais dos outros ou até pelo
ambiente físico que o rodeia. Estes factos contribuem para uma forte sensação
de impotência e ineficácia” (pág. 274). Referindo-se aos sentimentos e
comportamentos dos Peões entre professores, Thedore Schultz (1982),
economista e laureado Nobel, afirma, “A maior parte das atitudes dos
professores deveria ter sido antecipada na forma como as escolas são
organizadas e administradas. Não lhes cabe a eles decidir o currículo; nem tão
pouco o conteúdo do curso a ser ministrado ou as planificações que devem ser
seguidas... Os professores estão simplesmente a responder às oportunidades
diminutas que lhes foram disponibilizadas. Não são robots, mas sim seres
humanos que compreendem, interpretam e agem em conformidade com as
opções válidas disponíveis” (pág. 43). Talvez o assunto possa ser abordado
desta forma. Se encararmos o ensino como o simples trabalho de seguir
regras, ensinar guiões e cumprir burocracias, então quanto maior for o
comportamento de Peão, melhor. Desta forma podemos assegurar que os
professores irão agir da forma pretendida.
Mas, no entanto, se acreditamos que o trabalho de professor é um
trabalho complexo, então uma abordagem profissional fará mais sentido. Por
exemplo, os burocratas estão subordinados à base teórica do ensino. Por outro
lado, os profissionais ultrapassam a base teórica do mero conhecimento. O
conhecimento não rege as suas acções, mas dá-lhes a intuição de tomar as
melhores decisões acerca da sua profissão. “Devido à sua capacidade de
resposta perante situações específicas, os profissionais extraem soluções dos
problemas com que se deparam e dos alunos que ensinam. Utilizam o
riquíssimo manancial de conhecimento e tecnologia disponível para criar um
conhecimento profissional para responder às necessidades dos alunos. Por
outro lado, os burocratas não são guiados pelos problemas dos alunos, mas
sim pelas tecnologias ao seu dispor. Eles são aplicadores de leis, reguladores
de formatos, seguidores de directivas e implementadores de formas de gestão.
Eles procuram “o melhor caminho” para resolver todos os problemas e,
perseguindo resultados padrão, acabam por aplicar procedimentos formais de
forma padronizada. É desta forma que o ensino legislado e as pedagogias
burocratizadas encorajam sentimentos e comportamentos de Peão entre
alunos e professores, contribuindo assim para uma aprendizagem e ensino
menos eficientes” (Sergiovanni, 1995, pág. 253).
A Metáfora do Artesão
Os professores são vulgarmente vistos como artesãos independentes
que utilizam competências extremamente bem cimentadas em teorias e
princípios. Aceitam a natureza contextualizada do ensino utilizando para isso
acções deliberativas. Tomam decisões rápidas e eficazes que permitem a
criação da sua prática através do uso (Kennedy, 1987; Wilson e Peterson,
1997). A metáfora do artesão evidencia a importância da discricionaridade.
Para que possam funcionar como artesãos independentes, os professores
necessitam de ser suficientemente autónomos para utilizar as competências
necessárias para tomar decisões imediatas no terreno, resolver problemas,
inventar soluções e perceber o que estão a fazer. Porém, tal como mencionado
por Huberman (1988), a metáfora do artesão independente tem várias
limitações graves:
As principais fontes de auto-estima, competência profissional e
experiência externa podem ser tanto privadas... como externas ao
edifício [escolar].
As interdependências entre artesãos de diferentes ofícios [professores
de disciplinas ou anos diferentes] que trabalham no mesmo local são
muito escassas e débeis e têm mais a ver com os níveis de satisfação
do cliente. Só em casos extremos é que algo que acontece numa... [sala
de aula] afecta o que um artesão está a fazer na outra sala.
Há normas poderosas a flutuar... cada artesão é autónomo e coopera
apenas quando quer.
Só os artesãos do mesmo nível [membros do mesmo departamento ou
ano de ensino] é que podem oferecer aconselhamento profissional de
qualidade.
O status ou prestígio é igual para cada artesão que trabalha no mesmo
edifício.
Os artesãos que trabalham no mesmo edifício não se inspeccionam
mutuamente.
Um [artesão] raramente interfere com o tempo e energia dos outros
artesãos do mesmo edifício, para não os afastar das funções nucleares
que ambos consideram ser primordiais, e que são levadas a cabo na
[sala de aula] [pág. 3].
A imagem do artesão independente de Huberman resume-se à imagem de
professores que se dedicam ao seu ofício de uma forma privada e que
interagem apenas com alguns artesãos da mesma estirpe. Esta é uma imagem
de privacidade e independência em vez de uma imagem de comunidade e
interdependência. A solução por ele apontada não passa pelo abandono da
metáfora do artesão, nem pelo abandono do conceito de ensino como uma arte
em detrimento da burocracia ou da técnica. Em vez disso, a imagem do artesão
deve ser redefinida tomando em consideração todas as características que
determinam um bom ensino. Analisemos o exemplo dos professores-artesãos
independentes que podem ver vistos como um grupo de artesãos
interdependentes que partilham objectivos comuns, que estão mutuamente
empenhados do ponto de vista moral e que agem como membros de uma
comunidade de prática.
Comunidades de Prática
No Capítulo Quatro a comunidade de prática foi definida como o valor de
referência pelo qual é definido o peso que a comunidade tem numa escola. A
forma como se desenvolve a comunidade de prática pode ser a forma mais
importante de melhorar uma escola. Esta é, por exemplo, uma forma
importante de fomentar o capital intelectual, capital este que está, por sua vez,
relacionado com o desenvolvimento do capital humano.
Jacob Bronowski (1978) afirma que durante a vida de Leonardo da Vinci
(1452-1519) não existia uma sociedade científica. Galileu e Descartes ainda
não eram nascidos. “E esta ausência de colegas é uma das razões pelas quais
os cérebros tão ricos, imaginativos e inventivos como o de Leonardo não
conseguiram criar qualquer impacto na comunidade científica... Nem mesmo
essa mente fantástica conseguia trabalhar isoladamente.” (pág. 123).
Bronowski afirma igualmente que “o que transformou a ciência num fermento
êxito social nos últimos trezentos anos foi essa transição entre uma prática
puramente individual, independentemente da mestria ou perícia de cada um,
para uma empresa comunitária” (pág. 123). Em contraposição, Leonardo tinha
colegas pintores – fazia parte de uma comunidade de prática e o seu trabalho
resultava muito melhor! Podemos contar com o mesmo resultado junto dos
professores de cada escola à medida que vão sendo desenvolvidas
comunidades de prática.
Dentro das comunidades de prática, as práticas individuais de cada
docente não são abandonadas, mas sim ligadas entre si de forma a fazer
emergir uma única pratica de ensino partilhada. Esta prática é caracterizada
por elevados níveis de confiança, abertura e partilha em torno de um ponto de
interesse comum, bem como por um empenho mútuo para com o ensino e a
aprendizagem. Os professores aprendem, partilham e praticam a sua profissão
em conjunto. Sentem-se obrigados a praticarem a entreajuda e a partilharem a
sua própria aprendizagem através da interligação da aprendizagem com outros
membros da comunidade. No entanto, uma comunidade de prática pode ser
definida como “um grupo de profissionais, unidos informalmente através da
exposição a um conjunto de problemas comuns, da procura de soluções
comuns e personificando um determinado conjunto de conhecimentos” (Brook
Manville citado em Stewart, 1997, pág. 96).
Construção de Capacidades
O tema deste capítulo tem sido bastante simples. Os professores
ajudam a escola a ser mais eficaz. Mas a capacidade de os professores
ajudarem ou não os alunos numa dada escola depende se estes últimos estão
devidamente investidos com a poder discricionário necessário para agir, se
obtêm o apoio necessário para ensinar, se estão devidamente envolvidos numa
aprendizagem contínua e se são liderados por professores eficazes. Estes
factores são particularmente importantes na transformação de escolas
disfuncionais em escolas funcionais. Tal como explica Ron Wolk “A única forma
segura de transformar escolas disfuncionais em escolas eficazes é dotá-las de
capacidades - fomentar uma liderança forte e inteligente, uma missão clara e
intensamente concentrada na aprendizagem das crianças, professores
altamente competentes e empenhados, linhas claras de responsabilização,
recursos financeiros adequados e um ambiente propício à colaboração,
confiança e aprendizagem contínua” (Pew Forum on Educational Reform, 1998,
pág. 46). O factor primordial neste caso é a construção dessa capacidade entre
professores e a capacidade de incutir essa competência na própria
aprendizagem dos alunos. A melhor forma de obter essa construção e enfoque
contínuos nas capacidades é através de genuínas comunidades de prática.
Construção de Capacidade na Prática
Como é que se aplica na prática essa construção de capacidades e
enfoque? O relato de Maya Suryaraman sobre os eventos ocorridos no
Evergreen Elementary School District de San Jose é disso um bom exemplo. O
seu relato, publicado no San Jose Mercury News, ilustra a forma como um
distrito ou divisão administrativa escolar pode utilizar os recursos locais para
apoiar, fomentar e implementar a personalidade e o mundo-da-vida das suas
escolas.
Tal como explica Suryaraman, o estado da Califórnia considera o
Evergreen Elementary School District de San Jose tão bem sucedido que, em
1997, catorze das suas quinze escolas foram distinguidas como as Melhores
Escolas da Califórnia. Seis escolas foram nomeadas pelo estado para receber
o National Blue Ribbon Award de 1997, patrocinado pelo Ministério de
Educação dos E.U.A., e cinco das seis escolas nomeadas receberam o tão
esperado prémio. (A nível nacional, apenas 262 escolas, públicas e privadas,
foram reconhecidas no ano de 1997).
O distrito de Evergreen acredita que é fundamental dar aos professores
o poder de tomar as suas próprias decisões. Mas é preciso mais do que poder.
É preciso delegar poderes – um esforço deliberado por parte do distrito para
direccionar, ajudar, fornecer recursos, formação e outros meios necessários
para que os professores possam usar a sua própria discricionaridade em prol
dos miúdos. A experiência de Suryaraman neste distrito de êxito é descrita no
Documento 7.2.
Documento 7.2. Distrito Escolar consegue muito com pouco.
Quando, neste Outono a Escola de Dove Hill precisou de espaço para uma
nova sala da primeira classe, os professores reuniram-se e ofereceram a sua sala de
reuniões. Agora almoçam nas traseiras da biblioteca.
“Tentámos pensar aquilo que seria melhor para os alunos”, afirma Alma
Hughes, professora da primeira classe no Evergreen Elementary School District de
San Jose.
Em Evergreen – onde as escolas acumulam prémios académicos e os alunos
ultrapassam os seus colegas a nível distrital, estadual até nacional, – é fundamental
pensar primeiro nos alunos e dar poder de decisão aos professores. Esta é a fórmula
do seu sucesso.
Os funcionários estaduais consideram as escolas do distrito de Evergreen de
tal forma exemplares que nomearam 14 das 15 escolas do distrito como Escolas
Exemplares da Califórnia. Actualmente, o estado está a nomear seis das suas escolas
– mais do que em qualquer outro distrito da Califórnia – para o prémio National Blue
Ribbon de 1997 que reconhece e premeia as escolas exemplares.
Por todo o país há pais que temem que o ensino público não esteja a educar os
seus filhos para a economia actual.
Os esforços efectuados para melhorar as escolas ficam normalmente envoltos
em controvérsias. Os debates abrangem temas desde o ensino da linguagem versus o
ensino da fonética, educação bilingue versus educação apenas virada para a língua
inglesa e até mesmo sobre os horários escolares dos liceus.
No entanto, Evergreen parece ter encontrado a fórmula mágica entre a
incorporação de novas ideias e a preservação das abordagens tradicionais. Por muito
estranho que pareça, estes métodos estão a produzir resultados – apesar de terem
poucos fundos e muitas crianças pobres e filhas de imigrantes para ensinar.
“Eles são confrontados com aquilo que, eufemisticamente, se chama,
desafios”, refere Carol Kennedy, coordenadora do programa Melhores Escolas
promovido pelo Departamento de Educação estatal. “Apesar de tudo, eles lá vão
avançando lenta e pesadamente como uma locomotiva a vapor – e, mesmo assim,
obtendo êxitos.”
Dado que o financiamento das escolas assenta em fórmulas complicadas
Evergreen recebe menos de $3,900 dólares por cada criança que educa. Eles estão
em penúltimo lugar na longa lista de financiamento do Condado de Santa Clara,
apesar de quase cinquenta por cento dos seus alunos serem provenientes de lares
que dependem da assistência social e que necessitam de uma ajudinha extra para
atingirem o êxito necessário.
Um quarto pertence à comunidade imigrante. Vêm de países como o Vietname,
México, Cambodja, Índia e Filipinas. Têm de aprender uma língua nova, novas
disciplinas e, no entanto, nos testes de 1994, as crianças de Evergreen ultrapassaram
a média do estado. Para além disso, em três de seis áreas, os alunos de Evergreen
obtiveram melhores resultados do que o resto do Condado de Santa Clara.
Após o fim do teste inserido no sistema de avaliação da aprendizagem da
Califórnia no meio de uma acesa controvérsia política no final de 1994, Evergreen
começou a dar aos seus alunos testes padrões padronizados usados a nível nacional.
Os seus alunos têm notas iguais ou acima de média nacional em todas as disciplinas.
O que se passa, então?
Por um lado, Evergreen tem alguns pontos a seu favor. É um distrito em
crescimento com cada vez mais investimento, que construiu três novas escolas na
última década. Tem um influxo constante de novos professores que trazem novas
ideias. E são bem pagos. Os salários dos professores, em média $46,000 dólares por
ano, são os segundos mais elevados do condado em escolas primárias. A estabilidade
ajuda e muito.
Uma liderança estável impede que os professores mudem constantemente de
direcção. Jim Smith, o supervisor escolar, começou a dar aulas neste distrito em 1962
e tornou-se supervisor em 1975. Cada membro do conselho pedagógico exerceu o
seu cargo, no mínimo, durante mínimo de nove anos; um dos primeiros presidentes foi
eleito em 1967.
Mas o aumento das matrículas e a liderança estável são apenas uma parte do
todo.
Evergreen enquadra-se no perfil de escolas eficazes desenvolvido pelo grupo
de estudos do centro de sondagens SRI (Stanford Research Institute), sediado em
Menlo Park, após ter enviado investigadores a 32 escolas de todo o país entre 1990-
91. Os investigadores do SRI descobriram que as escolas de êxito partilham quatro
características:
Os professores têm uma palavra a dar nas decisões que afectam a sala de
aula.
Estabelecem expectativas elevadas em relação a todos os alunos.
Fomentam a colaboração entre todos os professores.
Fornecem oportunidades específicas para o crescimento profissional.
Evergreen procura cumprir estes requisitos ao mesmo tempo que vai
mantendo uma discussão interna sobre a qualidade do seu crescimento. O distrito
estabelece objectivos e avalia até que ponto estes foram atingidos.
Todos os anos o distrito e as escolas que o compõem centram-se numa
determinada disciplina. Os membros do pessoal reúnem-se para avaliar o que os
alunos deveriam saber, como está a decorrer o seu desempenho e estudar novas
formas de o melhorar.
Na qualidade de instrutor e ex-director do programa universitário de colocação
de professores da Universidade do Estado de San José, Richard Cirigliano, visitou
várias escolas de Santa Clara Valley. Na sua opinião, uma das coisas que distingue
Evergreen de todas as outras escolas é a sua cultura de responsabilidade.
“Eles dizem o que vão fazer, fazem-no e depois têm alguém que vai verificar se
foi realmente feito,” afirma Cirigliano.
Todos os currículos são feitos por uma comissão de professores. Os
administradores direccionam a discussão, partilham a pesquisa e apontam programas
eficazes realizados noutras escolas – mas não tomam a última decisão no que se
refere aos livros a adoptar.
“Se eu quero o Livro X e a comissão quer o Livro Y, então nós vamos adoptar o
Livro Y,” afirma Maryann Cavallo, assistente do director escolar. “Mas a verdade é que
as crianças têm de atingir os objectivos. E, por isso, esse ponto não é negociável.”
Professores como Rebeca Robbins defendem que estabelecer objectivos e
parâmetros elevados – bem como as formas de os atingir – é um elemento de base da
cultura Evergreen.
Robbins, professora do ensino especial na Cadwallader School, recorda a sua
antiga directora, Susan Hanna, que no ano passado passou a ser a sua directora
curricular distrital. “Em todas as reuniões e discussões fazia sempre a mesma
pergunta “De que forma podemos atingir a excelência?”” Robbins confessa, “Era tão
consistente.”
Para ajudar alunos e professores muitas escolas de Evergreen designaram
alguns assessores pedagógicos para ajudar os professores no caso de encontrarem
entraves ou problemas com determinados alunos. Quando o assessor e o professor se
sentem impotentes, a criança é enviada para uma equipa de especialistas que expõe o
caso aos pais e tenta delinear um plano de acção.
Quando Alma Hughes de Dove Hill encontrou um aluno da primeira classe que
ainda não sabia as cores – uma competência pré-académica importante que a maior
parte dos alunos já domina – chamou o assessor e a equipa escolar. Com base nos
resultados dos testes o aluno teve direito a serviços de ensino especial para o
ajudarem a atingir o nível dos outros.
“A pergunta que apetece fazer é se esta criança esteve a viver num armário?”
pergunta Hughes. “Mas se a criança não sabe as cores temos de começar a ensiná-la
a partir desse ponto.”
Por todo o distrito, as quartas-feiras, antes ou depois das aulas, são reservadas
para os professores debaterem estratégias e para fazer reuniões. É uma altura em que
todos estão a aprender.
Os professores primários usam igualmente a quinta-feira à tarde para obter
maior colaboração e frequentar workshops coordenados pelo distrito e pelas escolas.
Os alunos têm mais aulas durante os outros quatro dias para que a escola possa estar
livre mais cedo às quintas-feiras.
Evergreen direcciona essas acções de formação para o seu objectivo actual.
Este ano é a matemática. Numa sessão de quinta-feira, os professores do quinto ano
levaram ideias e materiais para aumentar as competências dos alunos na
aprendizagem de geometria tridimensional.
Outros distritos também disponibilizam tempo para a formação de professores.
Mas neste caso o desenvolvimento dos recursos humanos de Evergreen é um esforço
coordenado, direccionado e regular.
“O distrito promove uma formação excelente para os seus professores,”
defende Barbara Wilson, consultora do Ministério da Educação. Ela visitou a Holly Oak
School em 1995 para avaliar se merecia o nome de Escola Distinguida pelo Distrito da
Califórnia. E isso fez toda a diferença.
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8.
Mudança Profunda e o Poder do Localismo
Ultimamente sofremos várias ondas de reforma escolar desde a
publicação de A Nation at Risk (National Commission on Excellence in
Education12) em 1983. Estas reformas trouxeram novas estruturas, novos
programas e novos sistemas às nossas escolas. Como resultado as escolas
parecem ligeiramente diferentes e as pessoas que as compõem falam também
elas uma língua diferente, embora as mudanças estruturais sejam muito lentas
(ver Newmann, Marks e Gamoran, 1995; Marks e Louis, 1997; e Elmore,
Peterson e McCartney, 1996). Mudanças profundas envolvem mudanças
também ao nível dos relacionamentos fundamentais, na compreensão da
matéria das disciplinas, na pedagogia, na forma como os alunos aprendem,
nas competências e comportamento dos professores e ainda na própria
performance dos alunos.
Desafiar as Leis da Físicas
Há muitas razões pelas quais as escolas são lentas a executar
mudanças de fundo. Quartz (1995) acredita que os actuais padrões /
parâmetros de ensino e aprendizagem ainda perduram porque as escolas são
caracterizadas por uma “cultura dominante de cristalização de reformas” que
aperfeiçoa as práticas pedagógicas existentes, mas não permite uma mudança
radical (pág. 240). Isto explica a razão pela qual a escolaridade se manteve
estável ao longo dos tempos, isto apesar da introdução de inúmeras
mudanças. As escolas conseguiram mudar ao mesmo tempo que se
mantinham estáveis, desafiando assim todas as leis da física.
Como é possível a coexistência entre estabilidade e mudança? Muitos
especialistas acreditam que as escolas absorvem a mudança sem alterar as
formas e pressuposições subjacentes. Isto reflecte a observação de Karl
Mannheim (1940) de que os seres humanos e as suas instituições têm 12 Comissão Nacional para a Excelência na Educação.
tendência para compreender as coisas novas em termos de categorias já
existentes. Reflecte igualmente o “princípio de absorção da incerteza” de
James March e Herbert Simon (1958) que explica a tendência das escolas para
compreenderem as coisas novas da mesma forma de antigamente. Fala-se
muito de um professor de liceu que abraçou a mudança para as aulas de
noventa minutos explicando que só assim poderia mostrar o filme todo numa
única aula. Na América rural é possível encontrar pequenos liceus a funcionar
como liceus grandes. E todos sabemos de preparatórias que se tornaram
escolas secundárias, mas que ainda funcionam como escolas preparatórias.
Os grandes liceus, um imóvel bastante comum na paisagem urbana e
suburbana dos Estados Unidos, protagonizam ainda outro exemplo da forma
como funciona a cultura da reforma estabilizadora. A verdade é que
continuamos a construir grandes liceus apesar das provas irrefutáveis do seu
mau funcionamento para à maioria dos alunos. Klonsky (1996) resume aqui
alguns factos resultantes de pesquisas e que defendem a existência de liceus
pequenos:
As escolas pequenas encorajam os professores a inovar e a “apropriar-
se” do currículo.
Uma escola pequena melhora as notas dos alunos e os resultados dos
testes.
Escolas pequenas aumentam consideravelmente os níveis de
assiduidade e diminuem a taxa de abandono escolar.
Os alunos do sexo feminino e de cor obtêm melhores resultados em
escolas mais pequenas.
Os alunos com necessidades especiais, incluindo os alunos “de risco”,
“excepcionais”, “desajustados” e “sobredotados” têm mais e melhor
assistência em unidades escolares menores.
Em ambientes escolares menores, a segurança é maior e os índices de
violência diminuem, tal como o uso de álcool e drogas [pág. 2].
A presença de factos de importância equivalente iria, por certo,
revolucionar a prática em campos tão díspares como a medicina, a
arquitectura, entre outros. No entanto, a maior parte das escolas escolheu,
tipicamente, não se submeter à mudança e não criar unidades mais pequenas
dentro de escolas grandes, nem tão pouco iniciar a construção de complexos
escolares mais pequenos. Em vez disso, preferem aumentar a segurança, criar
horários de aconselhamento, destacar mais pessoal de aconselhamento aos
primeiros anos, comprar detectores de metais, formar internamente professores
e tentar fazer com que uma escola grande possa funcionar melhor. A ênfase
reside, no fundo, em limar arestas de forma a preservar as velhas formas e as
categorias existentes que definem uma escola grande.
Reculturar as Escolas
As escolas mantêm a sua estabilidade devido ao facto de a cultura
existente conter normas que definem e fornecem significado aos pais,
professores e restante população local. Estes significados colectivos ajudam os
professores a encontrar um sentido para as suas práticas, afirmar os seus
objectivos e ajudá-los a aceitar racionalmente as situações sociais que
encontram na escola. É por este motivo que peritos como Michael Fullan
(1991) demonstram que as mudanças nas relações, práticas de ensino e
aprendizagem do aluno envolvem mudanças e alterações na cultura escolar.
No entanto, esta tarefa de reculturar as escolas é um processo complexo
e difícil. Antes da cultura escolar mudar, é necessário que mudem também, e
sobretudo, os significados individuais e colectivos de professores e alunos. Isto
é valido para os pais e para a população local inserida na comunidade local. As
coisas seriam provavelmente diferentes se fosse possível passar
instantaneamente de um conjunto de significados para outro. O período
intermédio é o que causa maiores dificuldades. Para que haja uma mudança na
cultura é necessário que as pessoas, tanto a nível individual como a nível
colectivo, passem de algo que lhes é familiar e importante para um espaço
vazio. Depois de estarem neste espaço vazio são obrigados a construir um
novo conjunto de significados e normas e uma nova ordem cultural para
preencher esse espaço. Por outras palavras, as mudanças profundas obrigam
a uma reconstrução das práticas enraizadas nas paisagens mentais individuais
e colectivas.
Como Funcionam as Paisagens Mentais
As paisagens mentais são imagens mentais implícitas através das quais
são visualizadas as realidades escolares e locais. Os temas de avaliação e
aferição discutidos nos Capítulos Cinco e Seis exemplificam o modo como as
paisagens mentais funcionam na escolha e definição das políticas a seguir e na
decisão sobre a forma como as escolas devem e podem funcionar. Por
exemplo, as várias abordagens de avaliação e aferição fazem parte da função
das várias paisagens mentais. Estas abordagens face à avaliação e aferição
podem ser agrupadas em três categorias genéricas – baseadas em
parâmetros, baseadas em critérios e baseadas em referências pessoais (ver
Eisner, 1991, pp. 101-113; Sergiovanni e Starratt, 1998, pp. 224-226):
1. A avaliação e aferição baseadas em parâmetros procura definir até
que ponto os professores e as escolas atingem determinados padrões pré-
existentes e comuns ou definições de eficácia. Estes parâmetros impostos a
partir do exterior representarão supostamente níveis de competência mínima
que funcionam como valores de referência para realizar comparações entre
professores e escolas que se regem pelos mesmos padrões.
Relativamente à avaliação dos professores utiliza-se, por exemplo, um
instrumento para registar a presença ou ausência de comportamentos
pedagógicos e outras características para verificar se os professores estão a
seguir os protocolos delineados para definir o ensino eficaz. Dado que a
confiança é um factor muito importante no que diz respeito à avaliação dos
parâmetros, cada avaliação deveria poder ser reproduzida por outro avaliador.
Para obter este nível de confiança é importante excluir o julgamento dos
avaliadores. Apesar de ser chamada de avaliação, a avaliação do ensino
baseada em parâmetros é, na realidade, uma tarefa avaliativa “à prova de
avaliador.”
2. A avaliação e aferição baseadas em critérios procura determinar a
extensão segundo a qual algumas práticas escolares e dos seus professores
respeitam certos padrões, objectivos e valores estabelecidos e considerados
importantes pela escola. Se assumirmos que as seguintes perguntas podem
reflectir os objectivos e valores partilhados por uma determinada escola, as
perguntas de avaliação poderiam ser as seguintes: O professor incute na sala
de aula um clima que incentiva o espírito de abertura e a curiosidade? Os
professores aceitam indubitavelmente os alunos como indivíduos? Os
professores ensinam a compreensão? Os alunos funcionam como
“trabalhadores” e os professores como “facilitadores” ou gestores do ambiente
de ensino e aprendizagem? Os alunos são responsabilizados para atingirem
determinados objectivos de aprendizagem e decidirem as respectivas
estratégias de aprendizagem? A cooperação tem mais valor do que a
competição? A diversidade é respeitada? Existem indicadores contabilizáveis
de aprendizagem ou outros que se adeqúem aos parâmetros, objectivos e fins
da escola? Outros objectivos e valores diferentes levariam a um tipo de
avaliação diferente.
Quando aplicada à avaliação de professores, a avaliação adquire a
forma de um inquérito sobre temas importantes para os professores e os seus
supervisores. As perguntas que podem aparecer neste tipo de inquérito são as
seguintes: A prática do docente reflecte os valores da escola? Existem
melhores formas de o fazer? Qual a verdadeira importância de um determinado
valor escolar? Dado que a avaliação dos professores baseada em critérios não
fornece uma lista de valores de ensino que possam ser verificados, as
melhores opções de supervisão resumem-se ao inquérito, pesquisa activa,
desenvolvimento de um portfólio e avaliação pelos colegas.
3. A avaliação e aferição baseadas em critérios pessoais fornecem a
transição necessária para que administradores, professores e alunos possam
estabelecer objectivos pessoais e fazer comparações entre a performance
passada e a presente. Não são utilizadas quaisquer normas ou parâmetros
externos para criar uma linha de comparação fiável. Pelo contrário, a finalidade
é ajudar os directores, professores e alunos a compreender e elogiar
criticamente a sua própria performance à luz das suas preferências, propósitos,
objectivos, crenças e padrões estabelecidos paa o seu desempenho.
No actual clima de reforma em que vivemos, a avaliação e aferição
baseadas em critérios e a avaliação e aferição baseadas em critérios pessoais
podem ser meios bastante mais eficazes de mudança e, assim, proteger
favoravelmente o mundo-da-vida dos professores, alunos e pais. Porém,
enquanto imagens mentais de políticas educativas, encontram-se subordinadas
à avaliação e aferição baseadas em parâmetros. Apesar de toda a retórica
acerca do controlo local, a maior parte dos estados utiliza abordagens de
avaliação baseadas em parâmetros quando pensa e concebe estratégias para
uma reforma escolar. Este problema da paisagem mental conduz a
determinadas contradições de base entre o que dizemos querer atingir e as
estratégias que queremos realmente utilizar para atingir os nossos objectivos.
Contradições na Mudança de Objectivos e Estratégias
As seguintes ideias são amplamente partilhadas pelos políticos,
educadores, pais e eleitores: As mudanças que realmente interessam são as
que afectam o ensino e a aprendizagem, ajudam ao desenvolvimento dos
alunos, ajuda à eficácia dos professores e melhoram a vida cívica dos alunos
na escola. Porém, a melhor forma de implementar essas mudanças está longe
de gerar consenso.
Imagine que tinha a oportunidade de consultar o seu deputado ou
representante distrital, o presidente da câmara, o governador, o supervisor
escolar, alguém do ministério da educação, alguns directores e professores e
meia dúzia de cidadãos acerca da melhor forma de melhorar as escolas. Peça
a cada pessoa para partilhar as suas ideias sobre como melhorar ou
implementar a mudança nas escolas. É muito provável que consiga ordenar as
suas ideias e inseri-las numa ou mais das categorias que apresentamos:
Exigir que as escolas tomem determinadas acções de forma a melhorar
as escolas ou fazer com que consigam obter determinados resultados
padronizados. Em seguida, fornecer um sistema de gestão completo
com supervisão, avaliação e penalizações em caso de não cumprimento
das directivas de mudança.
Utilizar imagens corporativas de visão e liderança para motivar, inspirar
e até mesmo persuadir as escolas a mudar.
Aplicar teorias e princípios de mercado às escolas. Depois, deixar que a
“mão invisível” da concorrência faça o seu trabalho de mudança, através
das inevitáveis estratégias de recompensa para os melhores.
Investir na construção de capacidades que aumentem o profissionalismo
dos professores. Deixar que este profissionalismo aumente a vontade e
a capacidade de mudança dos professores.
Trabalhar para mudar a cultura das escolas, ajudando-as a transformar-
se numa comunidade democrática e formalmente vinculativa capaz de
despertar a necessária mudança entre professores e escolas.
As respostas que cada indivíduo escolhe dependem da forma como essa
pessoa compreende a natureza da escola e a própria natureza humana.
Diferentes entendimentos diferentes por parte de políticos, funcionários
escolares e terceiros levam a políticas, estratégias e práticas bastante
diferentes. Mas nem todas estas políticas, estratégias e práticas são
igualmente eficazes. As mudanças profundas resultam de abordagens que se
adequam aos requisitos culturais particulares de uma dada escola, incluindo os
seus mundos-da-vida, e que satisfazem os requisitos operacionais ímpares
para um novo ensino e aprendizagem, incluindo os seus mundos-dos-
sistemas3.
Organizações Formais e Sociais
As escolas, por exemplo, são normalmente encaradas como
organizações formais que partilham determinadas características e aspectos
com outras organizações formais. Esta visão bastante genérica das escolas
permite que sejam facilmente transferidas para uma escola determinadas
práticas que funcionavam noutro sítio. Para além disso, as estratégias de
mudança que funcionam perfeitamente bem no mundo corporativo e noutros
sectores da nossa sociedade são, regra geral, assumidas como exequíveis e
aplicadas na escola (Sergiovanni, 1996). É por isso que as imagens
corporativas de reestruturação, downsizing, cortes orçamentais,
estabelecimento e definição de parâmetros, avaliação de responsabilidade e
aumento da competitividade acabam por desempenhar um papel
preponderante nos esforços de reforma escolar, e é também por isso que as
imagens de outros sectores da nossa sociedade são tantas vezes ignoradas
(os mundos das empresas relacionadas com o aspecto cívico e social, como
famílias, comunidades de fé, grupos de voluntários e sociedades de apoio
mútuo).
No entanto, muitos peritos em teoria organizacional não concordam com
esta perspectiva de que todas as organizações são iguais. Pelo contrário,
defendem a perspectiva de que as organizações formais representam apenas
uma das várias formas de os humanos se organizarem e relacionarem entre si.
Blau e Scott (1962) estabelecem uma distinção importante entre organizações
sociais e organizações formais. Afirmam que “não chamaríamos organização a
uma família [ou seja, organização formal], nem tão pouco classificaríamos
dessa forma uma amizade, uma comunidade, um mercado económico ou as
instituições políticas da nossa sociedade” (pág. 2). Para estes autores aquilo
que diferencia as organizações formais das empresas mais sociais é a forma
como a conduta humana é organizada socialmente. No seio das organizações
sociais, e ainda segundo Blau e Scott, é importante a estrutura das relações
sociais, bem como as crenças e as orientações partilhadas que unem os
membros e guiam a sua conduta, uma vez que, na sua contagem final, elas
representam muito mais do que a simples soma das partes. Blau e Scott
referem-se a estas dimensões como redes de relações sociais ou orientações
partilhadas. As dimensões são semelhantes a conceitos de comunidade como
estrutura social e cultura. O ADN das organizações sociais é o seu mundo-da-
vida das. As organizações sociais vibram e prosperam quando os seus
mundos-da-vida conduzem o mundo-dos-sistemas e sofrem quando o mundo-
dos-sistemas coloniza o seu mundo-da-vida.
Burocracias, Mercados e Clãs
Outro dos exemplos tem como base o trabalho de Ouchi (1980) e a sua
identificação de três tipos de organizações: burocracias, mercados e clãs. No
seu trabalho, as burocracias desenvolvem sistemas de expectativas racionais,
dando especial valor aos contributos dos seus membros direccionados para
atingir as expectativas, fornecendo supervisão, ditando regras e outros meios
para guiar e facilitar o processo, bem como distribuindo compensações justas.
Os mercados centram-se sobretudo numa excessiva confiança na
interdependência “natural” que emerge das interacções entre as pessoas e que
é caracterizada pela troca de esforços para atingir os incentivos desejados. Os
clãs ligam as pessoas aos valores e crenças partilhados, confiando sobretudo
nas normas emergentes que desencorajam qualquer comportamento
oportunista, e promovendo o empenhamento em prol do bem comum. Na
educação podemos referir-nos à definição de clãs de Ouchi como uma
comunidade.
Se Blau e Scott, Ouchi e outros peritos em teoria organizacional
estiverem certos e existirem realmente diferentes tipos de organizações, a
primeira acção eficaz para mudar as escolas poderá passar pela identificação
dos tipos organizacionais que melhor se adequam à escola. Poderíamos,
então, adoptar uma abordagem que nos permitisse compreender a mudança
que leva ao desenvolvimento de estratégias especiais para a escola –
estratégias de mudança que se adaptem aos requisitos especiais de cultura e
de liderança da escola. Melhor dizendo, desde que as práticas pedagógicas
sejam confirmadas e validadas pelas suas teorias subjacentes, uma prática
aparentemente correcta e razoável pode acabar por não ser nem correcta nem
razoável, isto se a teoria subjacente estiver errada.
Mas as coisas não são assim tão simples. Tal como revela a nossa
experiência realizada em torno de um grupo de pessoas que reunimos e
questionámos relativamente à mudança escolar, o consenso foi tudo menos
evidente. Pessoas diferentes vêem a escola de formas diferentes. Escolas
como burocracias, mercados e comunidades têm os seus defensores. Estas
diferentes formas de encarar as escolas reflectem crenças que criam diferentes
realidades de mudança. Estas realidades acabam por constituir a base do
nosso raciocínio e das políticas e práticas de mudança que criamos e usamos
para reformar as escolas. Por exemplo, diferentes pontos de vista dependem
de forças de mudança diferentes para equilibrar e estabilizar a mudança.
“Força” implica a capacidade física ou energia usadas para equilibrar, deslocar
algo ou resistir ao movimento. A força pode ser uma forma de poder em termos
físicos, uma ou várias convenções organizacionais entendidas em termos
burocráticos, uma força mental ou atracção compreendida em termos
psicológicos, determinadas obrigações compreendidas em termos morais e por
aí adiante. Fullan (1993) estabeleceu o termo forças de mudança para
comunicar significados semelhantes.
Forças de Mudança
É possível identificar seis forças de mudança: burocráticas, pessoais, de
mercado, profissionais, culturais e democráticas. Cada uma destas forças está
relacionada com as diferentes estratégias abordadas anteriormente e cada
uma prescreve práticas diferentes para implementação da mudança:
Exemplos de forças burocráticas são as regras, normas e outros
requisitos criados para conceder uma supervisão directa, processos de
trabalho padronizado ou resultados padronizados que permitem
prescrever a mudança.
Exemplos de forças pessoais são as personalidades, estilos de liderança
e competências interpessoais dos agentes de mudança utilizados para
motivar a mudança.
Exemplos de forças de mercado são a concorrência, incentivos e teorias
de escolha individual utilizadas para motivar a mudança.
Exemplos de forças profissionais são parâmetros de experiência,
códigos de conduta, colegialidade, obrigações implícitas e outras
normas profissionais utilizadas para construir uma comunidade
profissional para estimular a mudança.
Exemplos de forças culturais são as ideias, valores e objectivos
partilhados acerca da pedagogia, relações interpessoais e políticas
utilizadas para construir uma comunidade formalmente vinculativa de
forma a estimular a mudança.
Exemplos de forças democráticas são os contactos sociais democráticos
e os compromissos partilhados para o bem comum e concebidos para
construir uma comunidade democrática utilizada para estimular a
mudança.
Quem se identifica com a escola como organização formal privilegia as
forças burocráticas e pessoais. Quem se identifica com a escola como um tipo
particular de organização – uma comunidade de aprendizagem – favorece as
forças profissionais, culturais e democráticas. Por oposição, as forças de
mercado não são orientadas organizacionalmente. Pelo contrário, são
defendidas por políticos e cidadãos que acreditam que as escolas são
estruturas organizacionais complexas que necessitam de regras burocráticas e
que defendem que a liderança directa deveria ser substituída pela “mão
invisível” da concorrência sob a forma de incentivos e de escolhas individuais.
O factor decisivo para determinar se as estratégias de mudança terão
ou não êxito é sua capacidade de influenciar as variáveis de mediação chave
na equação de mudança. Estas variáveis incluem saber até que ponto os
professores estão ligados às normas partilhadas que sustentam as mudanças
propostas; até que ponto os professores compreendem de forma distinta as
diferentes disciplinas que ensinam; até que ponto os professores têm uma
compreensão alargada do modo de aprendizagem dos alunos; e até que ponto
os professores detêm as competências pedagógicas necessárias para ensinar
de formas diferentes. Se estas variáveis chave de medição não forem
influenciadas de forma positiva, então todas as mudanças escolares não
passarão de simples actos superficiais, bem longe das tão necessárias
mudanças de fundo, acabando por se tornar instáveis passado pouco tempo.
As forças burocráticas, pessoais e de mercado resultam geralmente em
mudanças na estrutura escolar. Por outro lado, as forças profissionais, culturais
e democráticas, por estarem intrinsecamente ligadas a variáveis de medição,
têm mais hipóteses de produzir mudanças mais profundas.
Teorias da Natureza Humana
Tal como a visão das escolas pode influenciar as estratégias escolhidas
pelas organizações, mercados e comunidades, o mesmo acontece com a
natureza humana. A escolha de uma determinada força de mudança mostra a
forma como governadores, legisladores e outros políticos encaram as pessoas,
suas capacidades, propensões morais e a sua natureza motivacional.
A maior parte dos agentes da mudança rege-se por simples teorias de
natureza humana. Estes têm a tendência para acreditar que as pessoas estão
basicamente inclinadas para o bem ou para o mal. Essa primeira inclinação ou
tendência representa a “visão não forçada” da natureza humana, enquanto a
segunda inclinação representa a “visão forçada” (Sowell, 1987).
Os agentes da mudança que têm uma visão forçada acreditam que os
directores, professores e a população em geral agirão moralmente e, por isso,
devem ter a liberdade necessária para optimizar a sua propensão para fazer o
que está correcto. Geralmente, a população tem a capacidade e a necessidade
de sacrificar os seus próprios interesses em prol de causas e conceitos que
privilegiam o bem-estar da comunidade. Pensa-se, por exemplo, que os
professores têm a capacidade de agir como profissionais que aceitam de bom
grade ser responsabilizados pelas suas próprias práticas e que se empenham
relativamente às necessidades de aprendizagem dos seus alunos.
Por oposição, e dentro de uma visão forçada, acredita-se que os
directores, professores e a população local irão agir de forma egoísta se
tiverem essa oportunidade. A sua principal preocupação é maximizar os seus
próprios interesses. Daí que, perante essa visão forçada, ocorram
constrangimentos sob a forma de incentivos e penalizações, implementados
para os forçar a agir no bom caminho. Por exemplo, os professores podem ter
a capacidade de fazer aquilo que consideram como correcto, embora esta
capacidade só seja motivada se ocorrerem constrangimentos.
Forças de Mudança Forçadas
As forças de mudança pessoais e burocráticas compõem a chamada
visão forçada. As forças burocráticas procuram motivar através de
penalizações impostas aos professores que não implementarem essas
mudanças. As forças pessoais procuram motivar através das recompensas
dadas aos professores que implementarem as referidas mudanças. Em cada
um dos casos a ideia é trocar algo desejado, ou até evitado, pela escola e
pelos professores, para obter a sua anuência para a implementação das
mudanças propostas.
As forças de mercado dependem igualmente deste tipo de trocas. Mas
este tipo de trocas não requer uma grande colaboração da administração
através de acordos formais do ponto de vista organizacional. Nem tão pouco
necessitam de muita intervenção de liderança. Em vez disso utiliza-se a teoria
da escolha racional. Esta teoria (que será explicada mais detalhadamente
neste capítulo) depende da propensão que as pessoas têm de funcionar como
indivíduos que procuram “maximizar os ganhos e cortar nas perdas” num
mercado aberto. Por isso, a teoria da escolha racional defende que é o
interesse próprio e individual que motiva a mudança dos professores e da
escola.
Se os directores e os professores participam neste mercado como
indivíduos, como é que a mudança sistémica pode ser implementada através
de forças de mercado? Será que o interesse próprio não iria prejudicar o bem
comum e, pelo contrário, criar um padrão de mudanças insignificantes? Quem
defende o mercado responde a este tipo de questões fazendo notar que o bem
comum desafia toda e qualquer definição através de meios burocráticos ou de
uma liderança visionária (ou, consoante o caso, através de pactos partilhados,
tal como assumido pelos defensores da comunidade). Em vez disso o bem
comum é definido por uma agregação de preferências individuais. Quando o
jogo de mercado começa uns ganham e outros perdem. Mas com a passagem
do tempo este jogo acaba por beneficiar todos e são estes benefícios que
definem o bem comum.
Teoria da Escolha Racional
A teoria da escolha racional domina a forma como a maioria das
pessoas encara a natureza. As origens desta teoria podem ser encontradas no
campo da economia, biologia evolutiva e psicologia do comportamento. Da
economia podemos retirar a imagem do “homem económico” que está sempre
à procura do seu interesse próprio e que nunca está satisfeito com aquilo que
acumulou. Estes homens e mulheres económicos agem sozinhos, ou seja o
seu esforço para maximizar os ganhos e reduzir os prejuízos é um objectivo
sempre perseguido, sem qualquer consideração pelo bem estar dos outros.
A obra de Adam Smith, Welfare of Nations (1937), é considerada como o
texto seminal da teoria da escolha racional. As especulações de Smith
sublinhavam que a procura individual dos nossos próprios interesses podia e
devia ser colhida para servir os interesses e objectivos morais. O autor
propunha que o verdadeiro significado desta colheita seria um sistema de
incentivos e penalizações de forma a conter a natureza egoísta dos seres
humanos.
As teorias de Charles Darwin (1985) relativas à selecção natural das
espécies deram mais ênfase à concorrência que desempenha um papel
preponderante nas estratégias das forças de mudança do mercado. Na sua
opinião, a concorrência exclui os fracos, fazendo com que o grupo de
sobreviventes e os novos substitutos para os mais fracos fiquem cada vez mais
fortalecidos com o passar do tempo. É o interesse próprio que vai motivando a
competição. A teoria de Darwin dá o mote para a escolha de muitas escolas
com base unicamente em princípios de mercado livre.
A psicologia comportamental contribuiu para a “lei do efeito” (Skinner,
1953) da equação de forças de mudança do mercado. Segundo a lei do efeito,
o comportamento humano é controlado por consequências passadas. Uma vez
tendo sido recompensados ou castigados no passado, temos a tendência para
repetir, vezes e vezes a fio, o mesmo comportamento até atingir a recompensa
e evitar a punição.
Uma das variações da teoria da escolha racional é a “teoria do
agenciamento” (Moe, 1984). A teoria do agenciamento assume que os
interesses dos administradores e dos trabalhadores não são os mesmos. Os
trabalhadores estão interessados no melhor negócio com o menor esforço. Os
administradores estão interessados na maior performance ao mais baixo custo.
Os administradores estão dependentes dos trabalhadores que sabem qual a
melhor forma de executar o trabalho. Se tiverem hipótese, os trabalhadores
irão tirar partido dessa situação. Para além disso, os administradores têm de
usar sistemas de recompensas e punições para motivar e controlar os
trabalhadores (Bimber, 1993). A teoria do agenciamento pode ser adaptada à
mudança escolar se substituirmos o administrador pelo agente da mudança e o
professor pelo trabalhador, ou então o administrador pelo estado e o
trabalhador pela escola. Tal como os professores não têm a confiança dos
seus supervisores, as comunidades escolares também não merecem a
confiança dos governos.
Forças de Mudança Não Forçadas
As forças de mudança profissionais, culturais e democráticas englobam
compõem a visão da natureza humana não forçada. As forças profissionais
dependem, por exemplo, da formação profissional, padrões ou parâmetros de
prática e normas de comportamento que, uma vez interiorizadas, podem
fomentar a mudança. O comportamento de mudança é motivado por virtudes
profissionais que agem como substitutos das forças de mudança burocráticas,
pessoais e do mercado (Sergiovanni, 1994). Uma virtude profissional é um
compromisso subscrito por directores e professores no sentido de manterem
uma prática exemplar a par dos novos desenvolvimentos, investigação sobre a
sua própria prática profissional, experimentação de novas abordagens e a
aceitação da responsabilidade do seu próprio desenvolvimento. Outra virtude
profissional é a aceitação não só da responsabilidade da prática escolar de
cada um, como também da própria prática de ensino existente na escola. A
incorporação desta virtude transforma o ensino numa prática única e partilhada
em vez de uma colecção de práticas pedagógicas individuais. À medida que os
professores partilham a mesma prática surge uma terceira virtude, a
colegialidade. A colegialidade não é apenas uma virtude de relacionamentos e
padrões de trabalho em conjunto, mas sim uma ligação através de redes
morais de obrigações, empenho e compromissos. Juntas as virtudes
profissionais permitem o desenvolvimento de uma determinada comunidade
profissional.
Os agentes de mudança que têm por base forças de mudança culturais
acreditam que a escola pode tornar-se numa comunidade de pleno direito. As
escolas podem tornar-se comunidades de aprendizagem formalmente
vinculativas om culturas que impelem a mudança entre professores e alunos
para uma melhor aprendizagem e ensino. As forças de mudança culturais
radicam em normas, valores e ideias comunitários que, quando interiorizados,
acabam por se dirigir a todos num tom de grande moralidade. Professores,
alunos e restantes membros desta comunidade encontram-se motivados por
obrigações sentidas oriundas dos valores e normas partilhados que definem a
escola como uma comunidade concordante e formalmente vinculativa (ver
Etzioni, 1988; Sergiovanni, 1994).
As forças de mudança democráticas têm por base o compromisso para
com os contratos sociais que orientam a escola no sentido da tomada de
decisão e fornecem padrões de obrigações e deveres que impelem a mudança.
Esta estratégia tem por finalidade transformar professores e alunos em
“cidadãos” vocacionados para o dever cívico. A virtude cívica, definida como
vontade de sacrificar os próprios interesses em prol do bem comum, é um
alicerce fundamental que liga americanos, canadianos e tantas outras
democracias através de políticas e tradições morais afins.
As forças de mudança profissionais, culturais e democráticas partilham a
finalidade de construir uma comunidade escolar como forma de implementar
mudanças profundas. Quando utilizadas em conjunto, estas três forças de
mudança procuram transformar as escolas de simples organizações ou
mercados em comunidades profissionais, de aprendizagem e democráticas.
Tal como foi sugerido no Capítulo Quatro, as escolas só serão
verdadeiras comunidades quando forem capazes de cultivar uma comunidade
mental ou de espírito, capaz de se transformar numa fonte de autoridade para
a tomada de decisões, estabelecimento de normas e condução do
comportamento humano (Sergiovanni, 1994). As forças de mudança
profissionais, culturais e democráticas ajudam a criar uma comunidade mental
ou de espírito, destacando ideias que definem as relações e responsabilidades
profissionais, questões mais amplas como finalidades, relações e
comportamentos, bem como ideais democráticos como a norma ou padrão
essenciais para a tomada de decisões. Em termos gerais, estas três
componentes contribuem para uma voz moral escolar capaz de solicitar aos
professores, pais e alunos uma resposta em prol do bem comum.
Consequências
Que forças de mudança funcionam na escola? Tudo depende da forma
como a questão é colocada. Se a questão for colocada como “O que funciona e
permite a mudança nas estruturas e disposições da escola?” então a resposta
será as forças de mudança baseadas numa visão das escolas como
organizações formais ou mercados. Mas quando a questão é posta assim “O
que funciona a longo prazo nas escolas?” ou “O que funciona e permite a
implementação de mudanças profundas nas escolas?” então a resposta será
as forças de mudança baseadas na concepção das escolas como
comunidades. Na sua essência, as mudanças profundas envolvem a mudança
da própria cultura escolar. E essa mudança da cultura escolar requer
mudanças nos significados que são detidos a nível individual ou colectivo pelos
professores – requisitos estes que mais facilmente serão encontrados em
escolas vistas como comunidades. Na Tabela 8.1 estão resumidas as
estratégias de mudança, suas características e consequências.
O Porquê das Teorias de Comunidade em vez de Teorias de Mercado
A maioria dos reformadores parece concordar que as forças de mudança
baseadas no conceito da escola como uma organização burocrática formal não
são muito eficazes. Alguns reformadores estão igualmente insatisfeitos com a
utilização das forças de mudança que emergem do conceito de escola como
organização orgânica formal. Eles acreditam que a forma de quebrar com este
pensamento organizacional é recorrer cada vez mais às forças de mercado que
encaram professores e escolas como mercadorias dentro de uma filosofia de
comércio livre (Chubb e Moe, 1990).
Muitos defensores das forças de mudança baseadas em concepções de
mercado parecem aceitar estas ideias de comunidade. Na sua óptica, enquanto
não for possível garantir a promoção de escolas orientadas para a comunidade,
como o resultado da teoria da escolha racional num enquadramento de
comércio livre, este será um resultado possível e até mesmo provável. Afirmam
igualmente que os pais, alunos e professores teriam maior liberdade de
escolha, dentro de um mercado aberto, para construir escolas orientadas para
a comunidade. A única coisa de que necessitam é de ter êxito suficiente para
vencer na competição directa com outras concepções de escolaridade. Esta
abordagem tem o seu valor. No entanto, como veremos mais adiante, as
hipóteses de sucesso a longo prazo são ténues, a menos que a escolha seja
encarada de forma diferente. Actualmente, a escolha é encarada como um
conceito económico orientado para a maximização do interesse próprio. Se a
escolha fosse encarada como um dever cívico orientado para a definição e
serviço em prol do bem comum, poderia haver uma outra forma de incorporar
as ideias de mercado numa perspectiva de comunidade.
Por exemplo, as forças de mercado podem ser bem mais eficazes do
que as forças democráticas, embora possam não ser as mais apropriadas dada
a importância especial da escola e a sua responsabilidade de promover
interesses sociais.
Tabela 8,1. Forças de Mudança, suas Características e Consequências
Forças de Mudança Práticas de Mudança Teorias da Natureza Humana Consequências da Mudança
Burocrática 1. Rege-se por regras, decretos e requisitos que permitem uma supervisão directa, processos de trabalho padronizados, e/ou resultados padronizados para prescrever a mudança.
Forçada: É necessária a ligação entre a mão visível da teoria da escolha racional e as penalizações de forma a motivar a mudança.
A escola muda apenas o suficiente para evitar as sanções. As mudanças param quando as sanções são retiradas.
Pessoal 2. Rege-se pela personalidade, estilo de liderança e competências interpessoais dos agentes da mudança de forma a motivar a mudança.
Forçada: É necessária a ligação entre a mão visível da teoria da escolha racional e as recompensas psicológicas de forma a motivar a mudança.
A escola muda apenas o suficiente para receber a gratificação das necessidades. As mudanças param quando as recompensas deixam de estar disponíveis.
Mercado 3. Rege-se pela competição, incentivos e escolha individual que motivam a mudança.
Forçada: É necessária a ligação entre a mão invisível da teoria da escolha racional e os interesses individuais de forma a motivar a mudança.
A escola muda apenas o suficiente para vencer no mercado. A vitória torna-se menos importante após várias perdas repetidas.
Profissional 4. Rege-se pelos padrões de experiência, códigos de conduta, colegialidade, obrigações sentidas e outras normas profissionais que permitem construir a comunidade profissional.
Não Forçada: A mão visível da socialização profissional fornece padrões de prática e normas que estimulam a mudança.
A escola interioriza normas de competência e virtude que estimulam a mudança.
Cultural 5. Rege-se pelos valores, objectivos e ideias partilhadas acerca da pedagogia, relações e políticas que permitem construir uma comunidade formalmente vinculativa.
Não Forçada: A mão invisível das normas, valores e ideias da comunidade assume uma voz moral para estimular a mudança.
A escola interioriza normas da comunidade que estimulam a mudança.
Democrático 6. Rege-se por contratos sociais democráticos e compromissos partilhados em prol do bem comum para construir uma comunidade democrática.
Não Forçada: A mão invisível das tradições democráticas e normas interiorizadas estimula a mudança.
A escola interioriza normas democráticas que estimulam a mudança.
Fonte: Adaptado de Sergiovanni, 1998, in Hargreaves, Lieberman, Fullan e Hopkins (eds.), International Handbook of Educational Change, Parte I, pp. 571-596. Publicado graças à autorização de Kluwer Academic Publishers.
Tabela 8.1 – no ficheiro pág162.xls
A capacidade de escolha é uma característica importante tanto na
imagem de mercado, como na imagem democrática da escola. Nos mercados,
os indivíduos, motivados pelo interesse próprio, agem sozinhos quando fazem
as suas escolhas preferenciais. Por outro lado a escolha democrática é
colectiva, complexa, problemática, lenta e até polémica. Para além disso, a
decisão democrática é aplicada a todos, ao contrário do que acontece com as
escolhas de mercado onde a vontade da maioria não deve ser imposta.
Apesar das suas deficiências, a tomada de decisão democrática deveria
ser preferencial para as coisas que a sociedade mais valoriza – como, por
exemplo, defesa, códigos legais, transportes e cuidados de saúde. “No entanto,
quando falamos de escolhas triviais – calças de marca, cds, sabonetes, vários
tipos de cereais – a tomada de decisão democrática é uma pura perda de
tempo... As políticas democráticas deveriam constituir o sistema que utilizamos
para a distribuição de tudo o que é importante, enquanto os mercados
económicos deveriam constituir o sistema que utilizamos para tudo o que é
trivial” (Schwartz, 1994, pág. 21). Desta forma as escolas pertencem à primeira
categoria.
A escolha democrática é um ingrediente essencial para a construção de
uma comunidade dentro de uma sociedade diversificada. No Capítulo Quatro,
por exemplo, as ideias de criação de comunidades dentro da comunidades e
de bairros dentro de escolas são metáforas fortes para a organização das
escolas de forma a permitir que pessoas diferentes se juntem em prol do bem
comum. Esta visão da escola jamais poderá ser posta em prática sem
incorporar a escolha. Se as escolas forem redefinidas como conjuntos de
pessoas e ideias, permitindo que cada edifício escolar possa albergar várias
escolas independentes e semi-dependentes lado a lado, os alunos, as suas
famílias, bem como os professores, deverão ser capazes de escolher uma
escola em particular, ou uma escola dentro da escola.
O Poder do Localismo
Em resumo, as estratégias de mudança que fazem sentido em
determinados sectores da nossa sociedade poderão não fazer qualquer sentido
noutros sectores. As escolas são um caso à parte. É difícil conseguir
implementar mudanças profundas nas escolas quando utilizamos forças de
mudança que emergem de imagens das escolas como sendo organizações
burocráticas formais, organizações orgânicas formais ou mercados. Esta
dificuldade é exacerbada pelos efeitos negativos que as teorias e práticas
forçadas podem ter sobre os professores. Em vez de criarem uma comunidade
profissional, as visões forçadas geram cinismo, desgastam a virtude cívica e
encorajam o desenvolvimento do lado egoísta em detrimento do lado mais
altruísta. No entanto, e apesar de tudo, a extensa literatura sobre mudança nas
escolas dá pouca importância a este problema.
As mudanças profundas podem necessitar de duas coisas: primeiro, que
a metáfora básica da escola seja alterada para uma metáfora de comunidade.
Uma vez realizada esta mudança, as estratégias de liderança e as forças de
mudança devem ser adaptadas aos requisitos culturais ímpares das escolas
compreendidas como comunidades.
Esta abordagem não só representa uma abordagem prática e eficaz
para implementar as mudanças que irão melhorar as escolas, como também é
uma política prática e eficaz. A verdade é que a maioria da população
americana quer uma comunidade nas suas escolas. A maior parte dos
americanos confia nos professores que trabalham nas suas escolas e acredita
no poder do localismo. Um estudo recente realizado com uma amostra de mil
californianos revelou que a maior parte confiava nos esforços de reforma
escolar conduzida pelos pais e professores (Johnston, 1998). Em resposta à
pergunta “Em quem deposita maior confiança para realizar à reforma escolar e
aumentar o rendimento escolar das crianças?” os pais e professores obtiveram
65% dos votos, contra os 17% do governo desse estado. O mundo-da-vida das
escolas está bem presente na mente e nos corações da maior parte dos
americanos – uma observação que, penso, deverá ser igualmente alargada às
outras culturas.
Capítulo 9
Liderança, Democracia e o nosso Mundo
“Uns são bolas, os outros são traços e eu chamo-lhes conforme os vejo,”
disse o primeiro árbitro. “Uns são bolas, os outros são traços e eu chamo-lhes
conforme aquilo que eles são,” disse o segundo árbitro. “Bem,” disse o terceiro,
“É claro que uns são bolas, e é lógico que outros são traços, mas enquanto eu
não lhes der um nome, eles não são nada’” (adoptado de Kegan e Lahey,
1984, pág. 199). Os árbitros, tal como Kegan e Lahey salientavam, debatiam
imagens diferentes da realidade e a sua relação com o exercício da autoridade.
O modo como compreendemos estes conceitos ajuda-nos a ter uma imagem
de liderança.
O que faz um bom líder? Esta é uma questão difícil. O contexto
desempenha um papel preponderante no processo de decisão que permite
aferir se determinadas abordagens de liderança serão, ou não, eficazes. Susan
Moore Johnson expõe o assunto desta forma: “A liderança parece diferente – e
é diferente – consoante é posta em prática numa legislatura, num campo de
batalha, numa manifestação, numa fábrica ou num distrito escolar” (1996, pág.
14).
As escolas necessitam de uma liderança especial porque são locais
especiais. É claro que as escolas partilham com outras empresas requisitos
comuns de gestão que asseguram o cumprimento de objectivos
organizacionais básicos, competência, confiança, estrutura e estabilidade. Mas
as escolas têm igualmente de dar resposta às realidades políticas ímpares que
enfrentam. Afinal de contas, as escolas pertencem aos pais e aos filhos,
interagem com as necessidades das empresas, igrejas e outros grupo locais e
têm uma relação única e privilegiada com os governos estaduais. Estes “fiéis
depositários” nem sempre estão de acordo e é necessário existir um elevado
nível de competência política para que os líderes escolares consigam fomentar
o consenso e empenho necessários para fazer com que a escola trabalhe bem
para todos.
As escolas necessitam de uma liderança especial. Tal como nos foi
recordado por Harry Broudy (1965), “No entanto, o pedagogo só lida com
valores – seres humanos que são núcleos e potenciais constelações de valor.
Nenhum ser humano consegue ser realmente alheio ao empreendimento
educacional, pelo que há sempre algo de incongruente acerca dos
administradores escolares que fogem aos conflitos de valores fundamentais...
O público nunca irá permitir aos administradores educacionais a latitude moral
que estes concedem a alguns dos seus empregados. Os homens colocam as
suas vidas e fortunas nas mãos de homens de estado e soldados, mas quando
se fala de escolas só entregam os seus bens precários nas mãos da própria
humanidade” (pág. 52). É por estes motivos que, na sua essência, a
administração escolar é uma ciência ética preocupada com bons e maus
procedimentos, bons ou maus meios e bons ou maus fins. Esta imersão da
escolaridade e da própria administração escolar em valores, preferências,
ideias, aspirações e esperanças acentua a importância das preocupações do
mundo-da-vida relativamente às escolas locais e seus constituintes. Para que
seja eticamente aberto, rápido e eficaz, o líder escolar deve tentar proteger o
mundo-da-vida de uma eventual colonização pelo mundo-dos-sistemas.
As escolas necessitam igualmente de uma liderança especial, pois os
profissionais escolares nem sempre reagem calorosamente ao tipo de
liderança de comando baseada em hierarquias ou liderança heróica que
caracteriza tantas das nossas organizações. Estes profissionais também
demonstram muito pouca tolerância relativamente a rituais burocráticos.
Embora a controlo esteja sempre nas mãos dos líderes escolares, os melhores
têm perfeita consciência de que os professores, que eles próprios
supervisionam, têm mais consciência do que deve ser feito e como deve ser
feito do que eles. Esta realidade cria grandes falhas de competências de
autoridade que devem ser ultrapassadas (ver Sergiovanni, 1999).
As escolas são locais onde crianças e jovens lutam por atingir o
desenvolvimento e crescimento necessários, conhecimento intelectual,
competências práticas, hábitos mentais e traços de carácter ou personalidade
que os preparem para uma vida de liderança e aprendizagem. Outras das
características únicas da escola e que nos obrigam a ver a liderança escolar de
outra forma são a presença de crianças e jovens num ambiente de
aprendizagem e desenvolvimento, bem como a responsabilidade que as
escolas têm de servir estes alunos. Habituais imagens de como organizar,
fornecer liderança e apoio, motivar e assegurar a responsabilização pura e
simplesmente não parecem adequar-se muito bem à escola.
O contexto único da escola, sobretudo numa sociedade democrática,
levanta a questão da existência de fontes de autoridade para a prática da
liderança. Independentemente da importância da personalidade e das
competências interpessoais de um líder escolar para o sucesso, e apesar de
quão útil e prático é o recurso a motivos burocráticos, nada é suficientemente
forte para dar aos líderes as fontes de autoridade necessárias para aceder aos
alunos, pais, professores e outros. São necessários novos substitutos para a
liderança burocrática e pessoal capazes de obrigar as pessoas a responder por
razões internas. Os verdadeiros substitutos da liderança são exactamente
aquilo que a ênfase moral na liderança pode fornecer.
Ao longo dos vários capítulos deste livro descrevemos um tipo de
liderança moral que acredito dever transformar-se no modelo estruturante e
configurador da forma como fazemos as coisas dentro da escola. Esta
liderança é moral pois sublinha a junção de várias pessoas em torno de uma
causa comum tornando a escola numa comunidade formalmente vinculativa.
As comunidades vinculativas possuem ideias, princípios e finalidades
partilhadas que criam uma poderosa fonte de autoridade para a prática da
liderança. Neste tipo de comunidades formalmente vinculativas a finalidade da
liderança é criar um seguidismo partilhado. Os líderes destas comunidades
funcionam como seguidores principais.
A linguagem do seguidismo principal concentra a sua atenção naquilo
que está a ser seguido. Não pode haver liderança se não houver nada
importante a seguir. Para muitos o termo seguidismo é um termo pejorativo que
engloba hierarquia e implica subordinação. Este facto só é verdadeiro se o
seguidismo estiver interpessoalmente ligado ao seguidismo de uma outra
pessoa. Mas quando o seguidismo está ligado a ideias são necessárias
qualidades intelectuais e espirituais. Os seguidores do Evangelho, da
constituição dos Estados Unidos e da Declaração de Direitos, os seguidores
das teorias de aprendizagem construtivistas não são simples seguidores
subordinados, mas sim seguidores movidos pela fé na integridade dos seus
ideais e na força do empenho demonstrado por estas ideias.
Neste sentido a liderança é mais cognitiva do que interpessoal e a fonte
de autoridade utilizada para a prática da liderança tem por base os objectivos,
propósitos, valores, empenhos e outras ideias que constituem a base do
seguidismo. Esta liderança baseada em ideias tem muito mais hipóteses de
motivar as pessoas do que a liderança interpessoal. A prova disso pode ser
encontrada nas nossas experiências pessoais.
Imagine que há um(a) líder que admira pessoalmente devido à sua
excelente capacidade de lidar com as pessoas, embora não partilhe dos
objectivos dessa mesma pessoa. Compare este líder com outro que até nem
gosta muito, mas cujas ideias fazem sentido para si. Qual dos dois líderes
seguiria? Qual deles tem mais hipóteses de o motivar para agir? Se escolheu a
segunda pessoa, significa que dá mais importância às ideias, valores e
objectivos do que à admiração, imitação, estilo e gostos pessoais (Wills, 1994).
Este cenário ilustra os quatro pilares da liderança: líderes, seguidores, ideias e
acção. Estes quatro valores são necessários para a eficácia da liderança. Por
exemplo, uma liderança que não resulte na prática, independentemente das
suas ideias eloquentes ou da paixão demonstrada pelos seus seguidores
asserimos, é como um trabalho deixado a meio. É mais provável existir acção
quando os líderes e os seus seguidores estão ligados entre si através do
empenho em torno de ideias comuns.
A Figura 9.1 compara os efeitos da atracção pessoal com o
empenho partilhado no seguidismo. Tal como sugerido na figura, a liderança
moral e a liderança baseada em ideias partilhadas são bastante mais
poderosas e duradouras do que uma liderança baseada na personalidade e
nas competências interpessoais. No quadrante superior esquerdo, o
seguidismo pode ser elevado, desde que as pessoas respondam positivamente
à personalidade e estilo de liderança do líder. No canto inferior direito, o
seguidismo mantém-se, pelo contrário, elevado, mesmo quando a atracção
pessoal é baixa. Tudo isto se deve ao facto de o seguidismo não estar ligado à
personalidade ou estilo do líder, mas sim a ideias valorizadas.
Figura 9.1. Compromissos Partilhados, Atracção Pessoal e Seguidismo.
Liderança Liderança
baseada na personalidade baseada na moral
Elevada Baixa
O seguidismo pode ser elevado
desde que P seja elevado
P + I -
O seguidismo é elevado
P + I +
O seguidismo é baixo
P - I -
O seguidismo é elevado mesmo
quando P é baixo
P - I +
Baixa Elevada
Empenho Partilhado face a Ideias e Valores (I)
Atracção Pessoal do Líder (P)
Fonte: Sergiovanni, 1998: “Moral Authority, Community and Diversity: Leadership Challenges for
the 21st Century.”
Histórias de Liderança e Vida
A capacidade de confiar nas ideias como fonte da autoridade de
liderança e apreciar a importância do desenvolvimento de um seguidismo
partilhado introduz uma alteração cognitiva na prática da liderança. Howard
Gardner (1995), por exemplo, encara a liderança “como um processo que
ocorre dentro da mente dos indivíduos que vivem numa dada cultura - um
processo que engloba a capacidade de criar histórias, compreender e avaliá-
las e apreciar a luta entre histórias. Em última análise, há certos tipos de
histórias que acabam por adquirir contornos de maior predominância –
sobretudo as histórias que fornecem um sentido de identidade oportuno e
adequado aos indivíduos que vivem dentro de uma comunidade ou instituição”
(pág. 22).
As histórias dão-nos um sentido de finalidade e direcção, âncoras que
nos ajudam com as questões de identidade e formas de encontrar sentido e
significado nas nossas vidas. As histórias ajudam a criar, alimentar e expandir
os nossos mundos da vida.
É claro que durante as nossas vidas encontramos e vivemos muitos
tipos de histórias, algumas sobre política interna e externa, outras até que nos
influenciam no nosso trabalho. Mas neste livro a pergunta mais frequente tem
sido: De onde vêm as histórias que afectam as nossas vidas pessoais, o
desenvolvimento moral das nossas crianças e os processos de escolaridade?
Será que deveriam vir exclusivamente das leis? Deveriam vir de decretos
burocráticos? Deveriam vir das elites poderosas ou das mais altas comissões
da nação? Ou será que os cidadãos locais desempenham realmente um papel
importante na criação das suas próprias histórias? A resposta óbvia é que as
histórias são oriundas de muitos sítios diferentes. Mas a história ou enredo
mais importante, aquela história que nos ajuda a definir as nossas vidas
pessoais e a definir as experiências morais e educacionais dos nossos filhos,
deve brotar das muitas comunidades locais com que nos identificamos e às
quais pertencemos.
Os mundos da vida respondem às questões normativas e espirituais que
definem as relações mais íntimas que temos com a nossa família e amigos,
relações estas que incidem sobre o lado espiritual da escola. Tal como é
explicado por Parker Palmer (1998):
Como professor vi o preço que pagamos por um sistema educativo que
tem tanto medo das coisas espirituais que até falha na tentativa de
abordar as coisas mais importantes da nossa vida - dispensando factos
à custa do significado, dispensando informação à custa da sabedoria...
As questões espirituais são as questões que colocamos a nós próprios,
alunos e professores, todos os dias da nossa vida enquanto tentamos
estar em sintonia e contacto com a imensidão da vida: “Será que a
minha vida tem um sentido e um objectivo?” “Tenho algum dom que a
vida necessita e precisa?” “Em quem e em que posso confiar?” “Como
posso ultrapassar os meus medos?” “Como posso lidar com o meu
sofrimento e com o sofrimento da minha família e amigos?” “Como
podemos manter a esperança?” “E a morte?” [pp. 7-8].
O motivo para um enfoque local pode ser explicado desta forma. É a
partir da nossa procura de respostas para as perguntas acima descritas que se
devem retirar os objectivos e fins da nossa escola, construir os seus modelos
ou padrões escolares, desenvolver o nosso currículo e adoptar os sistemas de
avaliação da responsabilidade, e não o contrário.
Linda Lambert (Lambert e outros, 1995) aprofunda ainda mais a visão do
mundo-da-vida da liderança, definindo-a como um processo recíproco que
permite que os membros de uma comunidade escolar construam um
significado capaz de contribuir para o bem comum (pág. 33). Para ela as
relações recíprocas são o meio que utilizamos para que o nosso mundo ganhe
sentido, para nos desafiar continuamente e para que cresçamos juntos. Ela
refere-se a este tipo de liderança como construtivista e encara-a menos como
uma função a ser assumida por alguém e mais como uma função a ser
assumida por todos. A chave está no potencial da liderança construtivista em
desenvolver capacidades entre as pessoas e nas escolas. As escolas que
ajudam eficazmente os seus membros a construir significados e que definem
propósitos comuns têm grandes potencialidades de ter uma excelente
capacidade construtiva e desenvolver uma participação ampla por parte dos
seus membros. Lambert salienta que esta combinação promove a
aprendizagem e encoraja a aceitação de uma responsabilidade colectiva para o
êxito da escola (Lambert, 1998). A ligação da liderança à construção de
significados, à implementação da aprendizagem e ao desenvolvimento de uma
responsabilidade colectiva acaba por ligar a liderança ao mundo-da-vida das
escolas.
Liderança e Valores Democráticos
Quando foi debatida a Constituição dos Estados Unidos de 1787, duas
concepções políticas diferentes entraram em choque. Estas concepções
representavam diferentes formas de ver o desenvolvimento político e a
distribuição da autoridade de liderança. Estas duas visões ainda subsistem nos
Estados Unidos e na maioria dos países. Cada concepção tinha por base uma
visão diferente da natureza humana, da representação pelo povo, dos valores
democráticos e da democracia processual. A primeira concepção resumia-se à
versão dos republicanos e a segunda à dos pluralistas (ver Sunstein, 1993; ver
também Capítulo Dez, “As Políticas da Virtude” em Sergiovanni, 1996). A visão
dos republicanos assemelhava-se à visão actual das escolas como
comunidades, enquanto a visão dos pluralistas assemelhava-se à visão actual
de gestores profissionais, que favorecem escolas grandes e burocráticas e
sistemas escolares geridos por organismos, desde o gabinete do director até
aos vários gabinetes administrativos da escola.
Para os republicanos o mundo da política era directo e deliberado. O
processo democrático era caracterizado por cidadãos que tratavam dos
assuntos do governo envolvendo-se através do diálogo directo e discussão. O
modelo ideal era o de uma reunião municipal onde os cidadãos se reuniam
para tomar as decisões do dia e decidir directamente os seus próprios destinos.
Esta era uma política de auto-regulação pelas pessoas governadas pelo seu
empenho para com o princípio da virtude cívica. Este princípio foi definido
conforme a disponibilidade de os cidadãos sacrificarem o seu interesse pessoal
em prol do bem comum. O princípio da virtude cívica foi criado para proteger o
corpo político das regras de uma maioria caprichosa ou dos interesses
individuais egoístas que permitiriam às pessoas impor as suas preferências
pessoais em relação aos outros.
A percepção republicana da política englobava uma visão altruísta e
racional da natureza humana, segundo a qual as pessoas razoáveis seriam
capazes de se comportar de forma virtuosa fazendo aquilo que era melhor para
a comunidade. Acreditavam igualmente que, através do diálogo virtuoso, seria
possível identificar o bem comum, revelar os valores mais superiores e permitir
a prevalência da razão.
Por outro lado, os pluralistas eram mais desconfiados. Achavam que se
as pessoas comuns vivessem isoladas e sem regras, jamais se comportariam
racionalmente, não seriam capazes de identificar o bem comum e acabariam
por colocar os seus interesses acima desse bem comum. Por este motivo, o
objectivo da política seria prevenir e, se necessário, arbitrar uma contenda
aberta e desenfreada entre grupos de interesse que competiriam pelos
mesmos recursos escassos. A democracia directa não funciona. Pelo contrário,
é necessário confiar na democracia representativa onde as elites devidamente
eleitas ou nomeadas devem governar.
Para os pluralistas a política é o processo, executado da forma mais
racionalmente correcta pelo governo representativo, de regatear e chegar a um
acordo - um governo composto por indivíduos com interesses pré-
seleccionados que resolvem as suas diferenças como adversários dentro de
um processo político estruturado. Ainda de acordo com os pluralistas, o bem
comum não é previamente definido ou através de um consenso, mas sim
instaurado pela agregação de preferências individuais. Nesta política de
divisão, a visão dos vencedores determina o bem comum para os perdedores,
os desinteressados, os anónimos e todos os outros.
Ambas as visões fazem sentido, mas em diferentes esferas das nossas
vidas. A visão dos pluralistas faz sentido quando estamos preocupados com
assuntos como a economia, a defesa, transportes, assuntos externos e política
educacional em sentido amplo. Mas quando falamos de assuntos como a
família, espiritualidade, valores essenciais, crenças pessoais e educação de
jovens, a visão dos republicanos faz todo o sentido. De acordo com os
republicanos, estas arenas das nossas vidas, orientadas para a família,
comunidade e outros centros do mundo-da-vida, deveriam ser decididas pelas
pessoas localmente.
As lealdades estratificadas e a responsabilidade partilhada são
estratégias utilizadas para juntar as visões dos pluralistas e dos republicanos.
Esta estratégia necessita que as escolas individuais façam promessas ao
público em geral sob a forma de tipos de ambiente, estrutura organizacional,
currículo, objectivos avaliações e resultados que esperam atingir. As
promessas devem diferir de escola para escola, mas, tal como noutros
aspectos da nossa vida, as promessas devem ser cumpridas. O estado teria a
principal responsabilidade pela administração de um sistema de avaliação de
responsabilidades para aferir como e de que forma cada escola consegue
cumprir essas promessas. Todo o processo de avaliação da qualidade das
escolas (descrito no Capítulo Seis) é tido como um mecanismo ideal para
conduzir este tipo de avaliação, pois tem a capacidade de avaliar as escolas de
forma diferente, individualmente e de acordo com os seus próprios termos.
Este sistema de avaliação da responsabilidade tipo “promessa feita, promessa
cumprida” funcionaria sob uma ampla estrutura comum que iria fornecer um
conjunto abreviado de padrões de competências para determinadas áreas
básicas como a literacia, o civismo e a eficácia de gestão.
O Princípio da Subsidiariedade
A arena das nossas vidas centrada no mundo-da-vida devia ser
governada pelo princípio de subsidiariedade. Este princípio, formulado pelo
Papa Pio XI, afirma que o governo “deveria, pela sua própria natureza, prestar
auxilio aos membros [subsídio] do corpo social e nunca os destruir nem
absorver” (citado em Hollenbach, 1995, pág. 148). O princípio da
subsidiariedade reforça o localismo através do estabelecimento de
comunidades auto-geridas em pequena escala.
Tal como explica Robert J. Starratt (1996), “Segundo este principio a
autoridade que toma decisões discricionárias relativamente ao trabalho, deverá
ser colocada o mais próximo possível do local de trabalho”. (pág. 121). As
decisões operacionais relativas às escolas, por exemplo, são tomadas dentro
da sala de aula e não no gabinete do director, nem pelos órgãos legislativos ou
pelo gabinete do supervisor. De acordo com Starratt (1996), a subsidiariedade
une a responsabilidade com a autoridade e, dessa forma, a subsidiariedade
une, igualmente, a tomada de decisão com a responsabilidade. Starratt
acredita que o trabalho de ensino e aprendizagem não pode ser gerido à
distância sem comprometer o significado e o sentido que definem os mundos-
da-vida das escolas.
Juntamente com o conceito de subsidiariedade surge a confiança e a
vontade de delegar poder através do sistema educativo de um dado estado ou
distrito escolar (West-Burnham, 1997). Para praticar estes princípios o estado
necessita de confiar nos professores, directores, pais, alunos e restante
população local.
De acordo com Fukuyama (1995, citado em West-Burnham, 1997):
Se as pessoas que trabalharam juntas numa empresa confiam umas
nas outras porque trabalham todas sob um conjunto comum de normas
éticas... Uma sociedade deste tipo terá uma maior capacidade de inovar
sob o ponto de vista organizacional, pois o elevado grau de confiança irá
permitir o nascimento de uma grande variedade de relações sociais...
Por outro lado, as pessoas que não confiam umas nas outras irão
cooperar apenas sob um sistema de regras e regulamentos formais que
têm de ser negociados, acordados e impostos, por vezes de forma
coerciva [pág. 242].
Ambas as visões de democracia dos republicanos e pluralistas fazem
sentido, embora em diferentes esferas das nossas vidas. As duas são
necessárias na educação. As visões dos pluralistas parecem-nos apropriadas
para decidir as políticas e os enquadramentos gerais seguidos pelas escolas. A
população local, segundo a visão republicana de democracia traduzida no
envolvimento directo num determinado sistema fornecido, é livre de decidir os
meios e a finalidade das escolas. As visões de democracia dos republicanos e
pluralistas unem-se na imagem de um mosaico ou de bairros dentro da cidade,
tal como descrito no Capítulo Quatro. Juntas, estas imagens criam as
fundações de um sistema escolar composto por lealdades estratificadas e
responsabilidade partilhada que une o estado e toda a população local
envolvida como complementos num espírito de mutualidade.
Juntas, a subsidiariedade e a mutualidade levantam uma questão
pertinente para os nossos governantes, legisladores e restantes políticos. Se
concordamos que a democracia é boa para o nosso país, porque não
aceitamos que ela também é boa para as nossas escolas? Não me refiro
apenas à democracia representativa que, em última instância, centraliza o
processo de tomada de decisões partilhadas ao nível do edifício
governamental, mas sim de democracia genuína, autêntica e directa que dá
voz aos pais, professores, alunos e outros cidadãos a nível local. Num sistema
de controlo local autêntico a voz não se deve centrar apenas nos meios, mas
também nos fins a atingir.
Regras para Envolvimento no Processo de Tomada de Decisão Local
Seria um erro admitir que, dentro de uma perspectiva republicana, a
democracia directa entre a população local numa sociedade diversificada seria
sempre um exercício racional e deliberado. Os valores e as emoções também
contam (ver Sergiovanni, 1992). Etzioni (1996) propõe certas regras de
envolvimento para abordar valores que poderão ajudar a manter o civismo
entre a população local, bem como um empenhamento para com o bem
comum enquanto exploram as suas diferenças (pp. 104-106). As regras podem
ser resumidas da seguinte forma:
As partes envolvidas na contestação não se devem atacar entre si e
devem evitar criticar negativamente o outro lado.
As partes envolvidas na contestação devem respeitar-se mutuamente
ou, pelo menos, não confrontarem os empenhamentos e compromissos
morais da outra parte.
As partes envolvidas na contestação devem evitar utilizar a linguagem
dos direitos e utilizar mais a linguagem do querer, das necessidades,
dos interesses e das responsabilidades.
As partes envolvidas na contestação devem acordar em não abordar
determinados temas para reduzir e especificar o tema da conversa,
tornando o debate mais fácil de gerir e permitindo, assim, um enfoque
mais específico no alicerces comuns.
Etzioni cita igualmente James Hunter (1994) quando identifica mais quatro
regras: “Primeiro, quem reivindica o direito de estar em desacordo deve
assumir a responsabilidade pelo debate... Segundo, quem reivindica o direito
de criticar deve assumir a responsabilidade de compreender... Terceiro, quem
reivindica o direito de influenciar deve aceitar a responsabilidade de não
exacerbar... Quarto, quem reivindica o direito de participar deve aceitar a
responsabilidade de persuadir” (citado em Etzioni, pp. 105-106).
O Líder Parteira
Qual é o papel dos directores e outros líderes designados na
implementação de regras de compromisso à medida que os problemas são
identificados, as diferenças são discutidas e as afinidades comuns são
procuradas a nível local? Sócrates decerto sugeriria que a “parteira” é aquela
que sabe dar poder e deixar que os outros possam agir juntos em prol de um
bem comum: “Sou tão diferente da parteira que não consigo trazer a minha
sabedoria à luz do dia; a acusação tem tanto de legítima, como de verdadeira.
A verdade é que, apesar de questionar os outros, não consigo dar à luz, pois
não possuo a sabedoria dentro de mim. A razão é a seguinte: o céu deu-me o
poder de servir de parteira, mas não me deu a bênção de dar à luz” (Platão,
Teeteto citado em Grob, 1984, pág. 278). O líder parteira dá poder e permite a
sua partilha gerando informação válida e útil, fazendo com que as pessoas
façam escolhas livres e informadas com base nessa informação e gerando os
compromissos internos necessários para fazer essas escolhas (ver Argyris,
1964, 1965, 1970).
Gerar Informação Válida e Útil
A informação razoavelmente precisa e não avaliativa relacionada com
aquilo que está a acontecer é considerada como informação válida. Este tipo
de informação ajuda-nos a compreender os factores subjacentes aos
problemas, os sentimentos associados aos problemas e a forma como estes
factores e sentimentos se relacionam entre si e com outros problemas que
possam ser eventualmente considerados. Os objectivos, fins e propósitos que
valorizamos são exemplos de informação válida. A comparação entre
informação “real” e “ideal” dá-nos frequentemente outro tipo de informação
válida composta por distinções entre onde estamos e onde gostaríamos de
estar.
Normalmente, a informação válida e útil consiste em factos, dados
concretos e outro tipo de informação cognitiva. No entanto, a informação mais
importante, e que necessita de ser gerada, discutida, compreendida e utilizada,
lida geralmente com sentimentos, assunções, medos, valores, defesas e
preocupações que cada um de nós tem. A informação válida necessita de
empenho por parte dos líderes para que estes possam demonstrar abertura e
franqueza acerca das suas opiniões e sentimentos de forma a ajudar os outros
a serem igualmente abertos e francos. Isto é muito diferente de ser “honesto” –
isto é, dizer exactamente o que pensamos independentemente da situação e
dos sentimentos das outras pessoas. Os líderes designados terão
provavelmente necessidade de tomar a iniciativa para gerar informação válida,
após o que a responsabilidade pela informação válida ficará mais disseminada.
A informação válida pode ser julgada pela quantidade de feedback útil que as
pessoas obtêm; pela forma como exprimem os seus próprios sentimentos e
permitem que outros possam expressar as suas ideias, sentimentos e valores;
pela forma como estão abertos a novas ideias e correm novos riscos com
essas ideias.
Escolha Livre e Informada
Uma escolha livre e informada não significa o mesmo que ter o direito de
escolher ou não sem o benefício da informação válida. Pelo contrário, trata-se
de um processo que resulta de uma observação atenta de um dado problema,
através do entendimento das suas dimensões cognitivas e afectivas para
depois poder escolher ou não, livremente, um determinado plano de acção. Tal
como sugerido por Argyris (1970), “Uma escolha só é verdadeiramente livre se
os seus membros puderem fazer as suas selecções para um determinado
plano de acção com uma atitude defensiva interna mínima; se puderem definir
um caminho (ou caminhos) necessários para atingir a consequência
pretendida; se puderem relacionar a escolha com as suas necessidades
centrais; e ainda se puderem incutir nas suas escolhas um nível de inspiração
suficientemente desafiador e realista. Por isso, uma escolha livre implica que
os membros são capazes de explorar todas as diversas alternativas que
considerem significativas e, por conseguinte, possam seleccionar as que são
centrais às suas necessidades” (pág. 19).
A escolha livre e informada não é fácil para pessoas com pouca
experiência. É provável que os líderes tenham de prestar auxílio a pais,
professores, alunos e restante população local para que todos se sintam
confortáveis e competentes no exercício dessa escolha livre e informada. Para
além disso, a escolha livre e informada não pode ser sempre praticada para
todas as decisões. Isto porque os professores, por exemplo, podem não ter as
bases e o enquadramento necessários para atingir o requisito de escolha
informada ou não estar interessados em se tornarem suficientemente
informados para tomar decisões livres e informadas. Porém, é importante que
as pessoas estejam envolvidas e tenham a oportunidade de tomar decisões
livres e informadas sobre as coisas que são verdadeiramente importantes para
elas.
Construção de Empenhamento Interno para a Mudança
O empenhamento interno constrói-se a partir de uma escolha informada
e livre e, de facto, pode ser o contributo mais importante para a eficácia
escolar. Argyris (1970) explica que, “Empenhamento interno significa uma
escolha ou plano de acção interiorizados por cada membro para que sinta um
elevado grau de propriedade e um sentimento de responsabilidade acerca da
escolha e das suas implicações. O empenhamento interno significa que o
indivíduo atingiu o ponto em que age em função de uma escolha porque esta
preenche as suas próprias necessidades e sentido de responsabilidade, bem
como as do sistema” (pág. 20).
O conceito de líder como parteira serve simultaneamente para dar poder
e permitir que os outros consigam tomar melhores decisões acerca daquilo que
é necessário fazer para tornar a escola num sítio melhor para ensinar e
aprender. Permitir que as outras pessoas possam resolver problemas e tomar
decisões torna-se numa preocupação primordial do líder parteira, tal como
ilustrado na Figura 9.2.
Figura 9.2. O Líder como Parteira
Este é o objectivo Melhorar a Escola
Isto é o que indivíduos e os grupos fazem na escola
Esta é a forma como o líder ajuda Resolver problemas
Tomar decisões
Informação válida Implementar decisões
Escolha livre e informada
Empenho interno
Estes são os princípios éticos seguidos pelo Líder
a) Utiliza um processo colaborativob) Dá atenção aos objectivos do processo educacionalc) Considera a mudança experimentald) Tem uma perspectiva orientada para as tarefas
Fonte: Sergiovanni e Elliott, 1975, pág. 131.
Refira-se que existem certos princípios éticos que o líder precisa de
seguir para se dedicar à obtenção de informação válida, escolha livre e
informada e empenho interno. Estes princípios são a colaboração, educação,
experimentação e orientação de tarefas (Benne, 1949). Se o líder ignorar estes
princípios pode optar pela manipulação em vez de permitir a liderança e
delegar poderes. O primeiro destes princípios, o da colaboração, exige que
tantos os líderes como os seus seguidores designados formem uma sociedade,
estando ambos cientes das intenções uns dos outros. Os professores têm o
direito de saber quais as intenções de um director e o porquê da proposta de
certos objectivos e acções. O mesmo se passa com os pais e os alunos. Para
dar atenção ao processo educativo é necessário que o líder liberte os outros da
sua dependência. Estamos a falar, por exemplo, de um determinado problema,
daquele assunto que tem de ser tratado, do trabalho substantivo da escola que
é o foco de interacções e decisões, daquele combustível que abastece a
conversa, daquela força de autoridade que subjaz a qualquer realização. Se
houver necessidade, o líder terá de encorajar todos para que sejam
consideradas as mudanças decididas como experimentais e potencialmente
ajustáveis. Por fim, o líder tem de estar vocacionado para a tarefa, ou seja, a
sua motivação não deve residir na possibilidade de obter ganhos em termos de
estatuto, prestígio, poder e outros, mas sim num compromisso inequívoco para
melhorar a qualidade de vida que a escola dá a todos.
Sublinhar de novo a Temática do Livro
Seria um erro crasso assumir que o mundo-dos-sistemas está em
segundo lugar quando comparado com o mundo-da-vida. Ambos são
importantes. Para que a escola possa funcionar devidamente ambos têm de
estar em equilíbrio. Este equilíbrio é obtido quando o mundo-da-vida da escola
determina o mundo-dos-sistemas, ao passo que a colonização do mundo-da-
vida ocorre quando o mundo-dos sistemas determina esse mesmo mundo-da-
vida. O mundo-do-sistema fornece os instrumentos, o know-how empresarial,
os sistemas operativos e o suporte técnico que nos permitem atingir os nossos
valores, objectivos e sonhos. Sem um mundo-dos-sistemas devidamente
alinhado os nossos sonhos jamais se tornarão realidade. Kao (1996) utiliza a
metáfora da pauta de música para descrever o mundo-dos-sistemas e o seu
funcionamento: “Uma empresa bem gerida não pode sobreviver sem algumas
pautas de música. Estas permitem a gestão da complexidade, sem a qual a
actual orquestra sinfónica moderna... acabaria por degenerar numa perfeita
cacofonia. A maior parte das interacções humanas em grande escala
necessitam de plantas, rituais, mapas, textos, etc, mas também necessita de
improvisação” (citado em West-Burnham, 1997, pág. 238).
O presidente do Bard College, Leon Botstein (1997) compara o mundo-
da-vida à incessante procura da esperança humana. Nas suas palavras:
[E]ducação é um requisito prévio da esperança. Sem o necessário domínio da linguagem e, por inferência, das ideias e do conhecimento – a esperança desaparece ou torna-se insignificante. Mas quando tudo o resto falha, somos constantemente sujeitos aos políticos, líderes religiosos e pânditas de todo o género que apelam à simples “esperança”.
A consequência desta visão da natureza e significado da esperança é que dá ainda mais prioridade à educação, colocando-a no centro como a principal prioridade do país. Não está apenas em risco o desenvolvimento económico, a coesão social e a estabilidade, nem tão pouco a saúde da nossa consciência nacional e sistema político. O nosso sentido de valor pessoal bem como o carácter sagrado da vida estão igualmente em jogo na balança. A nossa esperança pessoal, tal como a esperança pelos nossos filhos e pelo mundo em que vivemos estão intimamente ligadas à educação. A sobrevivência e a liberdade dependem da educação. Chegou a altura de colocar de lado o pessimismo e criar um sistema educativo adequado, capaz de trazer esperança aos americanos vindouros e que, através dessa esperança, todos se responsabilizem por si próprios e pelo bem-estar da nossa sociedade e cultura [pág. 39].
O mundo-da-vida é a essência da esperança. A esperança é necessária
para o florescimento das nossas escolas. A esperança vem da educação. Sem
educação não há esperança. O mundo-da-vida corrompe-se sem esperança.
As escolas e as comunidades locais podem ser a linha de frente na defesa da
esperança através da manutenção do equilíbrio entre o mundo-da-vida e o
mundo-dos-sistemas. Como sociedade só precisamos de assegurar que o
primeiro possa gerar o segundo. O propósito mais importante da liderança
pode ser o equilíbrio, a todos os níveis, entre o governo, o estado e a escola.
Mas, para atingirmos este equilíbrio, é necessário existir uma forma nova de
pensar sobre as lealdades estratificadas, responsabilidade estratificada e
atribuições estratificadas de responsabilidade democrática. Será que estamos
dispostos a embarcar numa nova forma de pensamento? Penso que sim.
“Escreve no quadro a nova visão para que todos a possamos ler claramente. Pois a visão ainda tem o seu tempo, anseia pela sua concretização
e decerto não nos irá desapontar; mas se esta demorar, espera por ela, pois ela vai chegar de certeza e não chegará atrasada” (Habakkuk 2:2-4).
Anexo A
Excerto de uma Avaliação Externa
Este é um excerto de um relatório de avaliação externa sobre uma
escola pequena de K-8 que segue o modelo de Illinois. O relatório é fictício; no
entanto, está totalmente de acordo com o material apresentado durante a
conferência de encerramento com a equipa interna aquando da conclusão do
relatório de avaliação externa. A informação foi recolhida por indivíduos, mas
representa a perspectiva da equipa externa. O processo de Planeamento e
Garantia de Qualidade13 do Illinois tem por objectivo de estudo a
aprendizagem. Por isso, evitamos fazer juízos de valor ou apresentar listas de
pontos fortes e pontos fracos. Em vez disso, procuramos dar informações que
possam ser utilizadas pela escola na futura planificação de eventuais
melhoramentos.
Este relatório não procura avaliar os membros individuais de cada
escola. Centra-se exclusivamente na aprendizagem. Oferecemos um resumo
das nossas observações e reflexões da equipa, sublinhando o ensino e a
aprendizagem; a aprendizagem, progresso e realização dos alunos; e a escola
como uma comunidade de aprendizagem [este excerto só terá como enfoque o
ensino e a aprendizagem]. Acreditamos que a escola é o melhor local para
avaliar o seu próprio planeamento, sendo que a informação patente nas
próximas páginas deve ser encarada como um valor considerável da escola à
medida que esta se envolve neste processo.
Durante a visita realizada, os membros da equipa visitaram as aulas,
realizaram entrevistas, reuniram grupos de debate e assistiram a eventos e
reuniões. A equipa reviu igualmente exemplos do trabalho dos alunos,
prestando particular atenção aos trabalhos que os alunos fizeram durante as
aulas, trabalhos mostrados durante as aulas e áreas comuns, bem como
exposições feitas para a equipa de avaliação. Este trabalho representa todas
as turmas, anos lectivos, todos os níveis de competências e todas as áreas
temáticas do currículo escolar. Estas exposições incluem ainda resultados de 13 Quality Assurance and Planning.
avaliações locais, resultados de testes padronizados, publicações escolares,
registos anedóticos e outros materiais afins.
Parte 1: Ensino e Aprendizagem
A principal missão das escolas gira em torno de temas como o ensino e
a aprendizagem. Esta ênfase, por conseguinte, sustenta todos os outros
elementos do processo de avaliação. Na categoria do ensino e aprendizagem
serão considerados os seguintes elementos: (1) o ambiente de ensino e
aprendizagem, (2) processos de aprendizagem, (3) estratégias pedagógicas e
didácticas e (4) respostas dos alunos.
A afirmação de princípios da Lexington Learning Academy refere, “A
nossa missão é oferecer um programa académico de excepção inserido nas
artes de comunicação como parte integrante de um currículo enriquecido que
desenvolve as capacidades dos alunos para comunicar de forma eficaz,
argumentar de forma crítica e analisar e resolver os problemas recorrendo à
lógica.” A Lexington assumiu o compromisso de promover um ambiente
acolhedor e afectivo capaz de estimular o amor pela aprendizagem e uma
atmosfera de confiança e respeito mútuos. A Lexington utiliza as artes da
comunicação simultaneamente como um meio e um tema para a aprendizagem
das competências básicas, explorando as disciplinas e fazendo com que os
alunos demonstrem aquilo que sabem. Os alunos elaboram diários, publicam
jornais, brochuras e outro tipo de material impresso e utilizam o cinema e
outros meios audiovisuais como formas de organizar o estudo e apresentar o
currículo. Por exemplo, os alunos do sexto ano integraram recentemente o
currículo através do estudo de temas ambientais relacionados com o rio Mason
e prepararam um documentário de uma hora intitulado “A Vida do Rio: Hoje e
Amanhã”. Lexington está empenhada em fornecer aos alunos oportunidades
criativas para aumentar e realçar as potencialidades do sistema de ensino. As
nossas observações foram resumidas da seguinte forma:
Ensino e Aprendizagem
Os alunos da Lexington Learning Academy são entusiásticos, motivados
e estão profundamente envolvidos no processo de aprendizagem.
Alunos, pais e professores têm orgulho na escola.
A vasta utilização de actividades que envolvem os alunos na
aprendizagem acompanhada por um feedback positivo, promove a auto-
estima dos alunos.
É atribuída uma variedade de trabalhos, consoante as idades de cada
um, que são exibidos nas salas de aula e nos corredores da escola.
Os professores da Lexington têm conhecimentos profundos das
disciplinas que leccionam e são sensíveis às necessidades de
desenvolvimento dos seus alunos e estão empenhados no êxito dos
seus alunos.
O ambiente de ensino na Lexington é simpático, acolhedor e
colaborante.
A diversidade cultural é uma prioridade elevada e este facto tornou-se
evidente nas actividades da sala de aula, projectos de alunos e
corroborado através de entrevistas.
Professores e alunos estão preocupados com a falta de espaço da
escola.
Algumas aulas são ministradas nos corredores e noutras áreas não
escolares.
Os alunos almoçam nas salas de aula. Muitos alunos e professores
mostraram vontade de ter um bar dentro da escola. No entanto, uma
minoria veemente sente que a situação actual ajuda a criar um sentido
mais restrito de comunidade dentro da sala de aula.
O tamanho grande das salas de aula é uma preocupação. O pessoal
docente e discente parece ter plena consciência dos resultados da
pesquisa que ligam o tamanho pequeno das salas de aula com a
performance dos alunos. Este facto aumenta a preocupação.
A gestão da sala de aula foi considerada inconsistente nalguns anos
lectivos e este facto acabou por afectar o tempo dos alunos para
realizarem tarefas.
Processos de Aprendizagem
Foram observadas muitas aulas dirigidas por professores. Foram
observadas actividades práticas e reais sobretudo nas aulas de ciências
e ciências sociais.
As frequentes visitas de estudo enriqueceram o currículo e aumentaram
as hipóteses de realizar uma aprendizagem autêntica.
Foram desenvolvidos hábitos de estudo e competências positivas
através da utilização de uma linha telefónica de auxílio aos trabalhos de
casa, bem como um centro de estudos no bairro vizinho, estabelecido
em dois apartamentos diferentes.
Foi observada a utilização de competências de pensamento mais
elevadas em certas salas de aula, mas não noutras.
Estratégias Pedagógicas
As situações reais foram enfatizadas através de actividades
interessantes e significativas.
Na maioria das salas de aula foram observadas indicações para a
construção e activação de conhecimentos prévios.
O tema das artes da comunicação não foi utilizado de forma tão
consistente como esperado pelos professores
O currículo de matemática saxónico dá oportunidades para um
raciocínio bastante prático e mais elaborado, mas há inconsistências na
sua utilização. Alguns professores afirmaram não gostar do sistema,
pois este “impõe guiões” que estipulam o que eles devem ensinar e de
que forma.
A escola combina uma abordagem à aprendizagem da leitura com base
na fonética e na literatura. Os alunos gostam de ler e foram ouvidos a
discutir as histórias que leram.
Os professores mostraram-se entusiasmados com a possibilidade de
“escrever transversalmente o currículo”. Esta abordagem apoia a
integração dos temas e promove o desenvolvimento de competências
dentro de uma variedade de contextos de aprendizagem.
Respostas dos Alunos
Os alunos parecem entusiasmados em dar respostas.
Os alunos contribuem sistematicamente para a aprendizagem mútua e
partilha do trabalho uns dos outros.
Os alunos foram frequentemente observados a ajudar e a encorajar os
colegas.
O programa de assessoria fornece um modelo positivo para a
aprendizagem do aluno.
Os alunos parecem querer aprender, cooperar com os seus professores
e demonstram vontade de assumir responsabilidades.
Questões para Reflexão
Será que o espaço existente pode ser utilizado de forma eficaz para
acomodar as exigências dos programas existentes?
Como é que a escola pode expandir a sua utilização da tecnologia como
parte integrante do currículo e realçar a tecnologia como uma ferramenta
para a aprendizagem e produtividade?
De que forma é que a ênfase na pedagogia directa pode distrair ou
complementar os métodos mais experimentais de ensino encontrados à
margem do currículo?
A gestão da sala de aula é uma preocupação suficientemente importante
para justificar uma maior preocupação e auto-aprendizagem por parte da
comunidade escolar de Lexington?
Como é que a escola pode aumentar as oportunidades de os alunos
utilizarem as suas competências de pensamento crítico a todos os
níveis, anos lectivos e curricula?
Será que o tema das artes de comunicação teria um maior destaque se
os professores trabalhassem juntos no desenvolvimento de unidades
pedagógicas e se essas unidades pedagógicas fossem catalogadas por
anos lectivos e postas ao dispor de todos os professores?
Apesar deste excerto ser fictício, tem por base relatórios escolares reais o
que nos dá uma ideia geral do que poderá estar presente num relatório de
avaliação externa. Este excerto aborda unicamente o ensino e a
aprendizagem. Os tópicos que poderiam ser discutidos num eventual
relatório completo encontram-se resumidos no Capítulo Seis.
Anexo B
Excertos de uma Avaliação Externa
Seguidamente transcrevemos alguns excertos de uma avaliação externa
realizada numa escola do estado de Nova Iorque. As secções apresentadas
subdividem-se em (1) ensino e desenvolvimento profissional e (2) currículo e
avaliação.
Reflexões sobre o Ensino e o Desenvolvimento Profissional
(Práticas observadas; Ensino) A equipa de avaliação percebeu, desde o
primeiro momento, que os professores de Highland investiam totalmente no
seu ensino. O professor preocupa-se sobre o que os seus alunos aprendem e
como o fazem. Quer que eles obtenham êxito. Todos os membros mostravam
um grande empenho pelos alunos, muito para além do horário escolar. Como
parte deste seu empenhamento, o pessoal docente desempenha uma
variedade de tarefas – professor, mentor e facilitador de aprendizagem.
Observámos os professores envolvendo-se no desempenho de muitas
actividades curriculares e extra-curriculares centralizadas nos alunos. Estas
incluíram muitas actividades onde o pessoal docente desempenhou a função
de facilitadores de aprendizagem e não apenas meros transmissores de
informação. Também observámos o trabalho do pessoal docente realizado
junto dos alunos numa variedade de actividades extra-curriculares como
angariação de fundos, aulas de aeróbica e um clube de filatelia. Actividades
como a estação de correios, a loja escolar, o acampamento do quinto ano, a
escavação arqueológica, Energia S.A. e reciclagem dão oportunidade aos
professores de fomentar e aprofundar as experiências de aprendizagem para
os alunos.
Estratégias de Aprendizagem Cooperativa
Alguns professores estão actualmente a implementar estratégias de
aprendizagem cooperativa nas salas de aula. Estas actividades estimulam e
fomentam o envolvimento activo entre os alunos e entre estas e as tarefas que
desempenham.
Durante uma actividade complementar de leitura, os alunos trabalharam
em grupos cooperativos com a finalidade de comparar a vida em
Tonawanda e em São Francisco.
Durante uma aula de língua, os alunos criaram um poster com base em
antónimos.
Numa aula de leitura, os alunos criaram um conjunto de passos
executados diariamente na execução de uma sanduíche de manteiga de
amendoim.
Na aula de ciências do sexto ano, os alunos estudavam balões de ar
quente. Desenharam as capas para os seus projectos e partilharam-nas
com os outros. Mais tarde, trabalharam em grupos cooperativos para
fazer balões de ar quente em miniatura a partir de lenços de papel. As
instruções foram colocadas no retroprojector para que todos os alunos
as pudessem ler enquanto construíam os seus balões.
Ensino Interdisciplinar
Outros professores estão a tentar implementar actividades
interdisciplinares.
Os professores do sexto ano, que está dividido em semi-departamentos,
estão a tentar começar a trabalhar juntos para criar unidades
interdisciplinares. Dois dos professores que leccionam este nível
disponibilizaram meio-dia de folga para planear uma unidade que
culminou com o lançamento de balões de ar quente. Foi igualmente
desenvolvida uma lista de palavras para soletrar incorporando
vocabulário oriundo de outras áreas de conteúdo.
Um professor de outro ano deu a ler aos seus alunos uma história sobre
uma criança que tinha mudado para um novo bairro e explicou como
esta história estava ligada à unidade de estudos sociais sobre a
imigração.
Na aula de música, os grupos escolheram um poema e determinados
instrumentos musicais para fazer os sons das palavras-chave.
Na área da educação tecnológica os alunos estão a utilizar um programa
de processamento de texto para produzir textos originais. Estão a ser
introduzidos gráficos no produto final.
Há uma abundância de práticas pedagógicas de qualidade. Os exemplos
incluem:
Estratégias de Ensino Responsivas?
As estratégias de ensino que respondem rápida e eficazmente às
necessidades, interesses e actividades dos alunos aumentam as oportunidades
para uma aprendizagem e compreensão aprofundadas.
Numa aula de actualidades do quarto ano, a atenção activa e responsiva
dispensada pelo professor às respostas dos alunos despoletou outras
questões complementares que acabaram por dar uma oportunidade aos
alunos de partilharem as suas reacções acerca de acontecimentos da
actualidade. O professor perguntou: “Porque achas que isso se passa
assim?” “O que poderíamos fazer para ajudar?”
Numa aula de matemática do quinto ano, muitos alunos tiveram
oportunidade de dar respostas. Os alunos partilharam a sua percepção
conceptual dos números decimais e responderam aos conceitos uns dos
outros.
Numa aula do quinto ano dois numa sala de recursos alunos elaboravam
diários de leitura acerca de um livro. Previam o que poderia acontecer a
seguir na história. Liam em voz alta parágrafos à vez e eram
encorajados a descodificar e pronunciar palavras desconhecidas. À
medida que os alunos eram motivados a arriscar num ambiente seguro,
iam analisando os seus erros e assumindo a responsabilidade de os
corrigir: “Eu tinha razão.” “Estou a esquecer-me que “Eu”...” eram as
respostas dos alunos. Estes alunos reconheciam e estavam orgulhosos
do seu próprio trabalho – sabiam a razão pela qual tinham feito
progressos.
Numa aula de leitura do quinto ano, o professor começou a aula com
aquilo que os alunos sabiam e prosseguiu de uma forma que fosse
suficientemente significativa para os alunos. Os alunos partilharam as
suas experiências pessoais relacionadas com o tema. Os alunos
colocaram questões para debate.
Numa aula de leitura/língua do quinto ano, um professor explicou como
se escrevia uma rima. O professor começou por ler uma rima escrita no
quadro. Os alunos entoaram a rima e estabeleceram o ritmo com
palmas.
Os alunos disseram à equipa de avaliação que aprendiam melhor quando
os professores utilizavam estratégias como modelagem, quando forneciam
múltiplos exemplos para esquematizar e esclarecer os passos necessários
para executar a tarefa, e ainda quando os alunos têm poder de escolha ou
quando os seus interesses e as suas várias capacidades são estimulados e
incorporados no ensino.
Estratégias de Ensino Centralizadas no Aluno
Tal como foi comprovado pelos exemplos anteriores, o ensino
vocacionado para o aluno encontra-se altamente desenvolvido em Highland.
Quando a instrução é vocacionada para os alunos estes assumem a
responsabilidade da sua própria aprendizagem. A aula de auxílio à leitura é um
dos muitos exemplos. Outro exemplo é a forma como um professor ajudou os
alunos a planearem e conduzirem as reuniões que o professor tem com os
pais. Outro exemplo é o projecto Hometown USA.
A equipa de avaliação gostaria de propor a expansão do reportório de
ensino aos professores de forma a desenvolver uma variedade de estratégias
de ensino centradas nos alunos, susceptíveis de lhes fornecer uma vasta
panóplia de oportunidades para projectos e actividade individuais e
cooperantes. Desta forma, os alunos poderão recorrer a projectos e actividades
que envolvam colaboração, criatividade, resolução de problemas,
competências de pensamento crítico e que possam desafiar as suas
capacidades e interesses e, em simultâneo, perdurar durante um longo período
de tempo (exemplo, uma semana, duas semanas ou um mês). Este tipo de
projectos pode fazer com que os alunos apliquem as suas competências e
conhecimentos nas áreas da leitura e matemática, bem como na resolução de
problemas.
(Desenvolvimento Profissional; Oportunidades de Desenvolvimento
Profissional) Os professores estão profundamente envolvidos no
desenvolvimento profissional, algo que definimos em termos gerais como a
participação em actividades e eventos que possam fazer avançar o trabalho da
escola. Alguns dos projectos são iniciados pelos professores, como as reuniões
de Professor Para Professor e a utilização de um consultor de apoio para que
os professores possam integrar competências de pensamento mais eficazes e
superiores no ensino dentro da sala de aula. Outros são iniciados pelo distrito
ou pela escola, como a Equipa de Construção de Liderança (Building
Leadership Team) e a Equipa de Auxílio à Educação (Education Support
Team). Uma das actividades de desenvolvimento profissional específico
apontada como importante pela equipa de avaliação é o desenvolvimento de
um espírito de colaboração entre o pessoal da escola susceptível de criar e
desenvolver um conjunto de declarações de intenção sobre a escola.
No entanto, a maior parte do desenvolvimento profissional disponível
para a classe docente é determinado pelo distrito escolar. Enquanto grande
parte do pessoal da Highland participa assiduamente neste tipo de actividades,
pode, no entanto, a maior parte pode não preencher as necessidades de
desenvolvimento profissional identificadas pelo pessoal de Highland.
Por exemplo, foi identificada a necessidade de disponibilizar tempo de
planificação para desenvolver uma unidade temática comum para o sexto ano.
Seria útil desenvolver o planeamento para as restantes iniciativas de
desenvolvimento profissional. A equipa de avaliação sugere que os oito meios-
dias utilizados para reuniões de pais na Highland sejam utilizados também para
o desenvolvimento profissional. Talvez o corpo docente deva avaliar esta
alteração no final de cada ano e avaliar regularmente a utilização destes dias e
o respectivo impacto nos resultados obtidos pelos alunos.
Complementarmente, o tempo de planeamento pode ser organizado para o
trabalho me questão.
Redefinir o Papel dos Professores
A equipa de revisão identificou a utilização dos recursos pedagógicos
como uma preocupação por parte do pessoal docente. Recomendamos uma
avaliação do papel dos professores, especialmente da forma como os
professores de ensino especial são utilizados. O BLT (Building Leadership
Team) pode querer avaliar o grau de eficácia dos talentos e competências
destes professores do seu ponto de vista, do ponto de vista dos professores
dentro das salas de aula, bem como do ponto de vista do crescimento e êxito
dos alunos. O BLT pode querer considerar igualmente os papéis alternativos
aos que são actualmente desempenhados por professores do ensino especial,
de forma a determinar quais os mais eficazes relativamente à aprendizagem
dos alunos. Um dos exemplos pode ser o do modelo consultor, em oposição ao
modelo articulado, ou ensino em equipa, ou planificação conjunta entre os
professores de ensino especial e os professores tradicionais.
Questões a Considerar
Dado o elevado grau segundo o qual a prática docente assume-se como
maioritariamente centrada no professor, a equipa de avaliação gostaria de
colocar algumas questões ao corpo docente de Highland:
De que forma irá a Highland dar os passos necessários para
desenvolver uma psicologia pedagógica explícita e consistente capaz
de continue o trabalho efectuado (exemplo, “A finalidade da Highland
School é desenvolver a capacidade de pensamento e raciocínio do
aluno?”)?
Como podem encontrar novas estratégias centradas na
aprendizagem e, ao mesmo tempo, reconhecer e utilizar a
experiência actualmente disponível do pessoal docente?
Reflexões sobre o Currículo e a Avaliação
(Práticas Observadas; Currículo):
O corpo docente da Highland School está orgulhoso da sua rica oferta
curricular. É dada aos alunos uma ampla variedade de oportunidades de
aprendizagem em aulas agrupadas de forma heterogenia durante o
habitual e extenso dia escolar. Estas oportunidades reflectem um
conjunto de projectos multi-disciplinares, como a viagem de bicicleta
pela Guerra Civil; a escavação arqueológica; os poemas, histórias e
trabalhos de arte em torno da antologia do aluno e o jantar do Dia de
Acção de Graças servido pelos alunos da quarta classe, vestidos a rigor,
aos seus pais.
O pessoal docente criou em cooperação um logótipo escolar que reflecte
o tema da aprendizagem, respeito e responsabilidade identificado no
Plano de Melhoramento da Escola.
O ambiente e currículo escolar comprovam a preocupação em promover
o respeito mútuo entre os alunos e o corpo docente. Este respeito pela
comunidade global mais ampla foi fomentado através do currículo
graças à música de várias culturas mundiais. Numa aula de leitura do
sexto ano foi discutida uma história que abordava a multiplicidade étnica
inserida no contexto de uma palestra dada no ano anterior por um Afro-
americano.
Os professores desenvolveram um currículo que estimula activamente
os alunos. Entre os exemplos inclui-se: uma turma do quinto ano que
testou e registou as propriedades dos minerais; uma turma do sexto ano
criou uma micro-empresa onde os alunos tomavam decisões sobre
economia, negócios e questões sociais, e as turmas da quarta classe
onde os alunos encarnaram personagens históricas para os projectos
intitulados Americanos Famosos.
O currículo interdisciplinar ficou bem patente nas aulas de arte, onde os
alunos utilizaram livros de ciências para desenhar a vida subaquática.
Os alunos do quinto ano ligaram o romance que estavam a ler sobre
uma família que deixa a sua terra a uma unidade de estudos sociais
sobre a imigração. Os alunos do sexto ano integraram conhecimentos e
competências de várias disciplinas no seu projecto Hometown USA.
As actividades curriculares tais como a visita de autores, dias de orgulho
nacional e feiras do livro são exemplos de como utilizar o currículo para
atingir os objectivos relacionados com a melhoria e desenvolvimento do
gosto pela leitura.
Questões a Considerar
Como é que a Highland pode expandir as oportunidades dos alunos de
desenvolverem o respeito e valorizarem os contributos das várias
culturas?
Como é que a Highland pode utilizar a diversidade como contexto para
aumentar e reforçar os conteúdos curriculares?
Como é que a Highland pode desenvolver, a longo prazo, actividades de
resolução de problemas que integrem a aprendizagem da matemática,
ciências, linguagem, estudos sociais e as artes em oposição às aulas
curtas, individuais e centradas em áreas de conteúdos isoladas?
Avaliações
(Múltiplas Formas de Avaliação dos Alunos)
A Highland School celebra o sucesso escolar de variadas formas como o
Quadro de Honra e assembleias de prémios que reconhecem os alunos
que demonstraram uma aprendizagem de qualidade.
Os professores utilizam gráficos, autocolantes e prémios como formas
de motivar o sucesso dos alunos.
A Highland School mostra interesse por uma avaliação autêntica e
genuína. As práticas incluem: a oportunidade de os alunos do sexto ano
mostrarem os seus conhecimentos servindo de guias aos alunos do
quarto ano na visita a escavações arqueológicas; a oportunidade de
ajudar a preparar as reuniões de pais e professores e criticar
construtivamente os trabalhos uns dos outros na sala de aula; a
oportunidade de avaliar e analisar a sua própria performance
relativamente a alunos inseridos em programas instrumentais e
rotineiros. Em dois dos casos os alunos geraram e exibiram critérios de
avaliação para um ensino e aprendizagem de qualidade.
Avaliação do Programa
A escola compilou os resultados dos testes padronizados para posterior
utilização na avaliação dos resultados do programa de ensino.
Questões a Considerar
De que forma é que os testes padronizados desenvolvem estratégias
curriculares e pedagógicas?
De que forma a Highland School irá utilizar as múltiplas fontes de
informação para avaliar o progresso das crianças?
Como é que a Highland School irá avaliar a eficácia das diferentes
estratégias de ensino para atingir os resultados descritos nos objectivos
do distrito e da escola?
Como irá a Highland School avaliar a eficácia e adequação do currículo
para atingir os resultados descritos nos objectivos do distrito e da
escola?