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Thomas Kuhn e a Revolução Científica
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Ao contrário da religião, que repete as mesmas verdades há séculos, sem
cogitar um único corte epistemológico, a ciência não é dogmática. Ao avançar
revendo os seus conceitos e paradigmas, este tipo de “conhecimento” refere-se a
uma prática sistemática baseada num método científico. Segundo Thomas Kuhn o
desenvolvimento típico de uma disciplina científica dá-se ao longo da seguinte
estrutura aberta: fase pré-paradigmática, ciência normal, crise, revolução, nova
ciência normal, nova crise e nova revolução.
Para este autor, a palavra revolução tem sentido através de um evento
cíclico que se completa. Deste modo, Kuhn defende que a ciência passa por
alguns “períodos” bem definidos. Nomeadamente os períodos de “ciência normal”
e os períodos de “ciência extraordinária”. Esses períodos estão directamente
relacionados com a mudança de paradigmas.
A fase de ciência normal é caracterizada pela aceitação praticamente axiomática
de um paradigma qualquer, enquanto a fase de ciência extraordinária é
caracterizada pela substituição do paradigma vigente por outro. Durante a fase de
ciência normal, as pesquisas são feitas sob os moldes do paradigma vigente.
Eventualmente existe um ou dois problemas que não podem ser resolvidos pelo
paradigma os quais recebem o nome de “anomalias”. As anomalias podem-se
acumular até ao ponto em que a credibilidade do paradigma é afectada. No
processo, um novo paradigma pode substituir o antigo, resultando no período de
“ciência extraordinária”. Uma vez que o paradigma antigo é substituído pelo
novo, a “revolução” completa-se, voltando para o período de ciência normal.
Embora uma revolução científica kuhniana provoque mudanças na ciência,
essas mudanças não são necessariamente “bruscas” ou profundas. Em geral,
afectam apenas a parte da comunidade científica envolvida com o paradigma que
foi substituído.
Para exemplificar este fenómeno preconizado por Kuhn, podemos recorrer
a uma recente “revolução” ocorrida no campo da medicina.
Até aos anos 80, a úlcera gástrica era atribuída a factores de personalidade,
desequilíbrio da secreção de suco gástrico, entre outros factores, sendo que o seu
tratamento incluía até cirurgia. Contudo, em 1983 descobriu-se que a úlcera é uma
doença infecciosa, causada pelo “Helycobacter pilori” passando a doença a ser
tratada com antibióticos.
Este é apenas um pequeno exemplo, através do qual é possível comprovar que o
funcionamento defeituoso, que pode levar à crise é, de facto, um pré-requisito
para a revolução. Para Thomas Kuhn a ciência é formada por paradigmas que
dirigem as experimentações efectuadas ao longo de um desenvolvimento
científico e, com isto, a actividade flui normalmente, até que o paradigma não
consegue explicar dados contraditórios sendo necessária uma revolução científica
para estabelecer um paradigma alternativo. Do mesmo modo, Imre Lakatos
chamou a atenção para o facto de hipóteses múltiplas protegerem o corpo central
de uma dada teoria, sendo imprescindível uma revolução kuhniana para a
modificar.
Um dos pontos importantes destacados por Kuhn é que, enquanto o “mapa”
paradigmático se apresentar frutífero, e não surgirem embaraços sérios no ajuste
empírico da teoria, o cientista deve persistir tenazmente no seu compromisso com
o paradigma. Embora a ciência normal seja uma actividade direccionada, e em um
certo sentido selectiva, essa restrição é essencial ao desenvolvimento da ciência.
Desta forma, o cientista só conseguirá ir fundo no estudo da Natureza se centrar a
sua atenção numa gama seleccionada de fenómenos e princípios teóricos
explicativos.
Kuhn entende a ciência normal como uma actividade de resolução de “quebra-
cabeças”, já que, como eles, ela é desenvolvida segundo regras relativamente bem
definidas. Apesar de ao longo da exploração de um paradigma, alguns desses
quebra-cabeças se mostrem de difícil solução, o dever do cientista é insistir no
emprego das regras e princípios paradigmáticos fundamentais enquanto puder.
Utilizando a analogia anterior, está fora de questão, por exemplo, cortar o canto de
uma peça do quebra-cabeças para que se encaixe numa determinada posição. No
caso da ciência, esse apego ao paradigma, não pode ser levado ao extremo.
Quando o quebra-cabeças sem solução a que Kuhn denomina de “anomalias” se
multiplica, resiste por longos períodos aos melhores esforços dos melhores
cientistas, e incide sobre áreas vitais da teoria paradigmática, é tempo de
considerar a substituição do próprio paradigma. Nestas situações de crise,
membros mais ousados e criativos da comunidade científica propõem alternativas
de paradigmas. Perdida a confiança no paradigma vigente, tais alternativas
começam a ser levadas a sério por um número crescente de cientistas, instalando-
se um período de discussões e divergências sobre os fundamentos da ciência,
assemelhando-se ao que ocorreu na fase pré-paradigmática. A diferença básica
reside no facto de, mesmo durante a crise, o paradigma até então adoptado não ser
abandonado, enquanto não surgir um outro que se revele superior a ele em
praticamente todos os aspectos, culminando numa revolução.
De acordo com Kuhn, “consideraremos revoluções científicas aqueles episódios de
desenvolvimento não cumulativo nos quais um paradigma mais antigo é total ou
parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior”.
Kuhn faz um paralelo entre revoluções políticas e revoluções científicas, afirmando que
aparece um sentimento crescente, restrito a um grupo da comunidade, de que as
instituições, no caso das revoluções políticas, ou os paradigmas, no caso das revoluções
científicas, deixaram de funcionar adequadamente. Ainda comparando revoluções
políticas e científicas, Kuhn afirma que elas podem ser localizadas, como no caso das
Revoluções Balcânicas do séc. XX, e políticas, como no caso da descoberta do raio X
ou até mesmo no caso das revoluções científicas.
As revoluções políticas e científicas, em um caso e em outro, visam realizar mudanças,
que são proibidas pelas instituições, no caso político, ou pelos paradigmas, no caso das
ciências. A importância da crise deve-se ao facto de os membros da comunidade serem
levados a escolher novas instituições ou paradigmas, usando como meio de acção a
força ou a persuasão, no caso das revoluções políticas ou científicas, respectivamente.
Atentemos então a uma medida recentemente implementada no Brasil, quanto à
adopção de penas alternativas:
A ideia de que determinadas penas privativas de liberdade venham a ser substituídas por
penas alternativas tem vindo a ser discutida e colocada como uma alternativa eficaz à
crise do sistema penitenciário. Embora existam factores e argumentos favoráveis no que
se refere á substituição ao encarceramento, existem também críticas no que se refere à
adopção de tais medidas. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro considera a
adopção de tais medidas um factor decisivo para a reforma do seu sistema penitenciário
dadas as inúmeras vantagens dessas medidas serem concretizadas desde logo,
oferecendo o que o sistema prisional brasileiro mais necessita: soluções eficazes, que
ofereçam resultados a curto prazo e que façam com que a pena cumpra a sua função
ressocializadora.
As penas alternativas surgem nesse contexto como uma medida de política criminal, que
visa não apenas diminuir o contingente carcerário das prisões, mas também possibilitar
uma maior efectivação do carácter educativo da pena, proporcionando uma maior
oportunidade de “socialização” do criminoso, tendo em vista o facto de ele não ser
retirado do seu convívio social e de não sofrer a influência do ambiente “depressivo” da
prisão.
Esta situação clarifica de forma breve a mensagem que Kuhn pretende transmitir ao
defender que “uma nova teoria apenas surge após o fracasso caracterizado na
actividade normal da resolução de problemas”. Enquanto os instrumentos
proporcionados por um paradigma continuam capazes de resolver os problemas que este
define, a ciência move-se com maior rapidez e aprofunda-se ainda mais através da
utilização confiante desses mesmos instrumentos.
O significado das crises consiste exactamente no facto de indicarem que é chegada a
ocasião para renovar os “instrumentos”.
Apesar de, a priori, parecer que Kuhn se limita a dar uma explicação puramente
descritiva da natureza das ciências, ele apenas estabelece as funções da ciência normal e
da revolução. Se a ciência normal tem como função fornecer aos cientistas a
oportunidade de desenvolverem detalhadamente uma teoria, aplicando toda a sua
energia e todo o seu esforço, Kuhn adianta que se permanecesse neste período normal, a
ciência não progrediria. Se a ciência progride é porque contém em si os meios mediante
os quais o paradigma "falha", permitindo o salto para um outro, sendo esta, justamente,
a função da revolução. O que Kuhn propõe é um progresso que se faz mediante a
revolução.
Deste modo, quais então as consequências de Kuhn para uma nova ideia de
ciência?
Em primeiro lugar, é possível afirmar que a perspectiva desenvolvida ao longo deste
texto, oferece um novo questionamento de toda a ciência experimental. Se toda a
investigação é feita com base num paradigma e se esse paradigma contém elementos de
variada natureza, não há experiência nem ciência, sem teoria.
Em segundo lugar, para além de sublinhada a importância concedida à teoria, é também
questionada uma concepção de história “secular” da ciência, como a entende Popper,
por exemplo. Segundo a perspectiva popperiana, a história da ciência consiste numa
série de conjecturas; tratando-se não só de formular hipóteses mas também de as refutar.
A ciência, para Popper, começa com problemas referentes à explicação do mundo ou do
universo, mas para resolver estes problemas são formuladas hipóteses que
posteriormente são postas de parte. Há, portanto, um crescimento contínuo e constante
das ciências que contraria a teoria de Thomas Kuhn na qual a ciência avança por
rupturas.
A ciência tem então como horizonte a produção de verdades e a apresentação de teorias
explicativas da realidade. No entanto, se há história, como aliar a historicidade da
ciência a esse seu objectivo, que é a formulação de proposições científicas verdadeiras?
Nesta perspectiva a ciência constrói-se por acumulação, visto que cada teoria aperfeiçoa
a anterior e é, justamente, este conceito cumulativo que Kuhn questiona.
“O sentimento de funcionamento defeituoso, que pode levar à crise, é um pré- requisito
para a revolução” uma vez que, sem ele as descobertas são “novidades relativas a
factos”, enquanto as invenções são “novidades concernentes à teoria”. Tal como refere
Kuhn: “é preciso que a pesquisa orientada por um paradigma seja um meio
particularmente eficaz de induzir mudanças nesses mesmos paradigmas que as
orientam” pois “quanto maiores forem a precisão e o alcance de um paradigma, tanto
mais sensível este será como indicador de anomalias e, consequentemente, de uma
ocasião para a mudança de paradigma”.