Thompson Teoria e Crítica

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Artigo que relaciona a teoria Thompsoniana, Teoria e Crítica.

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EDWARD PALMER THOMPSON: CULTURA E PODER NA MODERNIDADE.

Impossvel biografar qualquer autor em um trabalho com limites de pginas como esse. Mais difcil ainda quando esse autor se trata de E. P. Thompson, o mais citado historiador no sculo XX em todo planeta e um dos cem mais citados em toda histria. Contudo, penso que no situar um pouco esse historiador no seu contexto histrico compromete uma investigao sobre seus trabalhos historiogrficos e como ele desenvolve os conceitos de poder e cultura.

Quando Thompson nasceu, em 1924, por coincidncia, morria o lder bolchevique Vladimir Ulianov (Lnin). Na URSS, do embate poltico entre Trotsky e Stlin, vencia esse ltimo, dando inicio a uma longa ditadura que se encerraria com o prprio Stlin indo sepultura, em 1953. Do lado ocidental, o perodo entreguerras foi marcado pela crise econmica de 1929 e a ascenso de regimes nazi-fascistas em pases como Alemanha, Itlia, Espanha e Portugal. At que o mundo se arma outra vez, e desta feita, com maior carnificina humana e o conhecimento cientfico-tecnolgico trabalhando, sobremaneira, nos fornos quentes da indstria da morte. Explodia a II Guerra, o conflito que demoraria seis anos e que chegara ao final ainda lanando a rosa clida sobre Hiroxima e Nagasaki.

Thompson vivera esses tempos. Ele e o irmo Frank lutaram nesse conflito mundial combatendo o nazi-fascismo, ficando seu irmo morto naqueles campos de batalhas europeus. Terminada a guerra, voltou universidade, no auge da expanso do regime socialista, se graduando em 1946.

Sua biografia no permite separar o historiador do poltico militante. Intelectual engajado, ingressou na universidade tardiamente em relao a outros historiadores, tendo dedicado grande parte de sua vida educao de jovens e adultos das classes populares. Tambm militou como anti-pacifista em meio s ameaas de conflitos nucleares entre as duas potncias da ordem mundial bipolar.

No interior do marxismo enfrentou duplamente seus cnones. Primeiro no plano poltico-ideolgico, se ops a estatolatria stalinista, como fizera Gramsci, antes dele. Rompeu com o Partido Comunista ingls e fundou a Nova Esquerda, primando por um socialismo democrtico. No plano terico, combateu os estruturalismos, inclusive, e, sobretudo, de seus camaradas althusserianos, implodindo o planetrio do filsofo francs. EmA Formao da Classe Operria(1963);A Misria da Teoria(1978) eCostumes em Comum(1991), o historiador ingls redimensiona o conceito de classe, desmontando o marxismo mecanicista e recuperando os sujeitos ativos da histria. A leitura dessas trs obras nos dar suporte para pensar como Thompson elabora a conexo poder-cultura.

Muito bem equipado, com uma retrica suficientemente demolidora, Thompson pe no cho o edifcio aparentemente inabalvel dos andares: base (trreo)- superestrutura (andares superiores). L de cima, ele retira o nvel cultural da qualidade de mero reflexo da instncia econmica, e o ressignifica, atribuindo-o um carter de dinamicidade e de inter-relaes com o poltico, o social e o prprio econmico. Arremata: O marxismo vem sofrendo uma doena do economicismo vulgar. O impulso fugir em prol da nossa sanidade mental.(THOMPSON, 1981, p. 186). Alm de acusar o estruturalismo althusseriano de causar distrbios mentais, denuncia as pretenses nada modestas daquele paradigma:Quando pensvamos prontos para novos avanos, fomos atacados pela retaguarda, no burguesa, mas uma que queria ser mais marxista do que Marx.(THOMPSON, 1981, p. 10) nesse tom que ele inicia o livroA Misria da Teoria. Do primeiro ao ltimo captulo, no poupa nas ironias ortodoxia marxista. No poupa, inclusive, os silncios de Marx. A economia poltica, para Thompson, tinha termos para valor de uso, valor de troca, mais valia, porm, no dava conta de valores normativos, no se preocupava em fazer perguntas do tipo:Como ver em termos de valor, preo e lucro os rituais simblicos de Tyburn ou do mausolu de Lenin (ou, agora, de Mao)?(THOMPSON, 1978, p. 181).

Em sntese, a queda do edifcio sustentado na prtica terica causada por inquilino incomodado com a ditadura do sndico e o respaldo dos diversos moradores do prdio. A reclamao thompsoniana contra um conjunto de idias que, na sua viso, alm de improcedentes, legitima o autoritarismo. Ele sai do edifcio, passa a residir em outra morada, mas no sem antes zombar e criticar o idealismo revestido de ideologia de seus colegas de partido.

EmA Misria da Teoria(1981, p. 49) Thompson defende a existncia da lgica histrica, uma lgica no no sentido cartesiano de uma cincia absoluta, tampouco deve sersubmetida aos critrios da lgica analtica, o discurso da demonstrao do filsofo.A Histria no pode se confundida com a Fsica, pois no oferece um laboratrio de verificao experimental. Porm, na perspectiva thompsoniana, tambm no pode se submeter ao reinado de uma certa filosofia, como se esta fosse a grande Sede da teoria marxista. Mais uma vez recorrendo ao prprio historiador ingls,

"No considero a historiografia marxista como dependente de um corpo geral de marxismo-como-teoria, localizado em alguma outra parte (talvez na filososfia?). Pelo contrrio, se h um terreno comum para todas as prticas marxistas, ento ele deve estar onde o prprio Marx o situou, no materialismo histrico". (THOMPSON, 1981, p. 54)

Ao criticar o abstracionismo estruturalista marxista, ele defende o materialismo histrico e recoloca a Histria no trono de rainha das humanidades. Nesse sentido, o que o autor em anlise denomina de lgica histrica corresponde a uma srie de fatores que devem ser levado em considerao no oficio de um historiador marxista. Entre esses: a) o mtodo de investigao pautar-se- na relao das hipteses conceituais com a investigao emprica; b) os conceitos precisam ser historicizados e testados; c) os modelos prvios aprisionam as evidncias do real, por isso devem ser evitados; d) so falsas as teorias que no estiverem em conformidade com as evidncias; e) o objeto do conhecimento histrico o real, embora esse esteja repleto de evidncias imperfeitas e incompletas.

Thompson aponta um termo ausente no planetrio de Althusser: o conceito de experincia. Para ele

"A prtica da teoria marxista continua onde sempre esteve, no objeto humano real, em todas as suas manifestaes (passadas e presentes); objeto que, no entanto, no pode ser conhecido num golpe de vista terico (como se a Teoria pudesse engolir a realidade de uma s bocada), mas apenas atravs de disciplinas separadas, informadas por conceitos unitrios. (...) A filosofia pode (e deve) monitorar, aperfeioar e assistir a essas conversas. Mas se deixamos que a filosofia procure abstrair os conceitos das prticas, e construir a partir deles uma Sede para a Teoria, independentemente daquelas, e muito distante de qualquer dilogo como objeto da teoria, ento teremos- o teatro de Althusser". (THOMPSON, 1981, p.55)

Mais adiante ele usa uma metfora em linguagem econmica, para se colocar contra a prtica terica

"A histria no uma fbrica para a manufatura da Grande Teoria, com um concorde de ar global; tambm no uma linha de montagem com a produo em srie de pequenas teorias. Tampouco uma gigantesca estao experimental na qual as teorias de manufatura estrangeira possam ser aplicadas, testadas e confirmadas. Esta no absolutamente a sua funo. Seu objetivo reconstituir, explicar, e compreender seu objeto: a histria real". (THOMPSON, 1981, p. 57).

As duas citaes, embora longas, refletem a crtica que Thompson faz aos modelos tericos que abstraem sem descer a nenhuma experincia histrica concreta. Para o citado historiador, preciso levar em considerao o agenciar humano e trazer, narrativa, os sujeitos da histria. Esses sujeitos so homens e mulheres, indivduos que, nas experincias do cotidiano, constroem identidades sociais, a exemplo da classe. No so sujeitos abstratos e homogneos, sem rosto e com vontades determinadas por estruturas, como queriam os estruturalismos.

Para Thompson, Marx ficou, durante algum tempo, preso economia poltica e foi desse momento que Althusser retirou o embasamento para a construo da sua teoria. Entretanto, Marx das suas ltimas obras havia retornado a sua juventude, dialogando, inclusive, com a antropologia.

Falando em antropologia, o historiador ingls, aps algumas relutncias, se aproxima dessa cincia e passa a trabalhar com o conceito de cultura no seio do materialismo histrico. Ressalta que

"Com experincia e cultura estamos num ponto de juno de outro tipo. As pessoas no experimentam suas experincias apenas como idias ou como instinto proletrio. Elas tambm experimentam suas experincias com sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigaes familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (atravs de formas mais elaboradas) na arte ou nas convices religiosas. Essa metade da cultura (e uma metade completa) pode ser descrita como conscincia afetiva e moral". (THOMPSON, 1981, p. 189)

Thompson no pensa cultura como um componente da superestrutura e mero reflexo do nvel econmico. Muito menos numa perspectiva de passividade das classes populares, supostamente, presas as armadilhas da ideologia dos dominantes. Cultura, em Thompson, algo dinmico. Cultura como resistncia. Sendo assim, ele analisa o conceito de cultura popular no contexto da Europa do sculo XVIII, fazendo algumas crticas, sobretudo, ao tratamento universal e ultraconsensual dado a essa temtica. No livroCostumes em Comum, ele tece algumas consideraes que, me parecem, pertinente para que faamos algumas pontuaes.

Em primeiro lugar, Thompson define cultura prximo do sentido atribudo ao costume, no sculo XVIII. Em uma conjuntura de Revoluo Industrial, de reformas culturais e alfabetizao em massa, as classes populares utilizavam os costumes como instrumentos de lutas polticas e sociais contra as classes dominantes. A apropriao de costumes de tempos imemoriveis apresentava afinidades com o direito consuetudinrio, cujos usos tm fora de lei.

Ocorre, por essa tica, um desmonte da idia de que os populares no tenham viso de mundo prpria. Para Thompson, como esses no tinham acesso educao escolarizada formal, restavam-lhes usar da tradio oral para a transmisso das experincias e sabedorias comuns. Essa cultura popular paradoxal, caracterstica daquele sculo XVII europeu, uma vez que tradicional e rebelde. tradicional porque vai buscar os costumes dos tempos do paternalismo. Porm, rebelde na forma como vai ser utilizada, naquilo que Thompson chama deeconomia moralem oposio economia de mercado.

Uma segunda pontuao se refere a noo universal de cultura, criticada pelo historiador ingls. Geralmente, cultura popular tem sido definida como umsistema de atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas simblicas (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados.(BURKEapudTHOMPSON, 1991, p. 17). Thompson, porm, afirma queuma cultura tambm um conjunto de diferentes recursos, em que h sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrpole; uma arena de elementos conflitivos...(THOMPSON, 1991, p. 17). Dessa forma, pensar cultura de forma consensual algo inconcebvel em um historiador marxista. O conflito de classe no plano cultural uma grande contribuio thompsoniana aos historiadores.

Outra pontuao necessria a ser feita com relao ao contexto especfico para operacionalizarmos o conceito de cultura popular. Mais uma vez, contrariando a universalizao do conceito, Thompson nos adverte da necessidade de contextualizar. Ele, ao analisar a cultura plebia, no livroCostumes em Comum, delimitar um recorte espacial e temporal especfico: a Inglaterra do sculo XVIII. Com isso, evitam-se os to famosos modelos tericos abstrados de nenhuma experincia histrica e que funcionam como uma espcie de luva para ser utilizada por qualquer tamanho de mo. Ele, inclusive, prefere o termo cultura plebia a cultura popular, tendo em vista que o primeiro mais concreto e utilizvel para o contexto estudado. Assim, cultura em Thompson, no se descola das relaes de poder entre as classes sociais. Por meio dela a classe operria constri sua conscincia e sua identidade em relao aos dominantes, resistindo ou negociando, mas sempre procurando tirar proveito do jogo do poder. Dessa forma, ocorre que os de baixo tm viso prpria de mundo, sohomens e mulheres discutem sobre valores, escolhem entre valores, e em sua escolha alegam evidncias racionais e interrogam seus prprios valores por meios racionais.(THOMPSON, 1981, p.194).

As maiores crticas aos trabalhos de Thompson advm do seio do prprio marxismo. O grande debate dos anos 1960/70 com os defensores do estruturalismo, de onde parte as acusaes de culturalismo aos textos thopsonianos. Autores como Richard Johnson e Perry Anderson se destacaram nesse particular.

Do lado de fora do marxismo, recentemente, o historiador brasileiro Durval Muniz escreveu um artigo fazendo algumas crticas obra de Thompson. Fundamentado em uma leitura foucaultina o historiador brasileiro acusa o historiador marxista ingls de essencialista, ainda tributrio da matriz platnica, umdiscurso-arma que funcionou,mas quehoje, j um discurso suficientemente safado` pelo tempo.(ALBUQUERQUE JR, 2007, p. 236).

O curioso que Thompson foi criticado pelos marxistas clssicos e agora interpretado por um historiador ps-estruturalista comomuito prximo ainda do marxismo clssico.(ALBUQUERQUE JR, 2007, p. 237). Ou seja, suas obras abalaram os alicerces do dogmatismo marxista, por isso ele foi criticado pela renovao da escrita da histria social marxista, ao dialogar com a antropologia, ressignificar o conceito de cultura, buscar compreender o simblico em relao com as estruturas sociais e polticas. Porm, ele tambm atacado de fora da rbita do materialismo histrico, sobretudo pelos historiadores ps-estruturalistas que rompem com qualquer pretenso de aproximao entre a narrativa histrica e seu objeto estudado. Para essa corrente terica, a linguagem institui o real, no existe nada no seu exterior, pois ela que constri e atribui significado ao mundo real.

Nesse sentido, Durval Muniz reclama que a obra de Thompson ainda permeada pela dicotomia representao- real, pois

"(...) hora nenhuma Thompson duvida da existncia de um real do passado, que passvel de ser apreendido pelo historiador, chegando, em algumas formulaes, a tocar piscadelas com o positivismo, na sua pretenso de conhecer o passado tal como ele foi". (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p. 236).

A crtica do historiador brasileiro aos trabalhos do marxista ingls tem mais alguns ingredientes. Albuquerque Junior afirma que Thompson alm de ter uma viso ingnua das fontes no consegue abandonar uma leitura teleolgica da histria nem derrubar, inteiramente, o esquema base-superestrutura. Nesse ltimo caso, ele alega que, ao valorizar a experincia sobre a conscincia, Thompson insiste na tese de que o mundo material interfere na produo das subjetividades, se aproximando do velho esquema base-superestrutura.

bvio que Thompson acredita na possibilidade cognitiva do passado. Mas seria o caso de classific-lo prximo dos historiadores metdicos? Ser que o historiador ingls fala de determinismo da infra-estrutura?