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Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
TÍTULO DO TRABALHO:
OURO COMO METAL ESTRATÉGICO
Projeto FEUP 2014/2015 -- Mestrado Integrado em Engenharia Química
Armando Silva & Manuel Firmino João Bastos
Equipa Q1FQI05_1:
Supervisor: Dr. José Inácio Martins Monitor: Diana Pereira
Estudantes & Autores:
Ana Marques [email protected] Joana Santos [email protected]
Carina Reis [email protected] Renato Cerqueira [email protected]
Eduardo Carneiro [email protected] Ricardo Ribeiro [email protected]
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 2/33
RESUMO
O ouro sempre teve um papel fundamental na sociedade, quer em termos culturais,
religiosos ou económicos. Já na Antiguidade, a conquista e expansão do Império Romano
esteve ligada a este metal, visto que as regiões mais exploradas eram aquelas que
possuíam substanciais reservas de ouro. Por este motivo, o declínio das reservas de ouro
ditou o declínio do Império Romano.
As concentrações anormais de ouro podem ser classificadas enquanto jazigos ou
jazidas. Em termos de trabalhos de mineração (do ouro) pode falar-se de dois grandes
contextos, um à superfície (céu aberto) e outro subterrâneo.
Inerente à exploração do ouro está o impacto ambiental negativo, traduzido
principalmente na elevada quantidade de desperdícios provenientes da mineração e na
contaminação das águas, solo e ar.
No entanto, as minas de ouro são consideradas património histórico – cultural com
potencial turístico, o que justifica as recentes intervenções com vista a explorar estas
características.
Conclui-se que o ouro, enquanto metal estratégico, surge muito para além das
aplicações mais óbvias, nomeadamente na medicina, na indústria espacial e no ambiente.
Com a introdução das nanopartículas de ouro na área da medicina, o diagnóstico e o
tratamento de doenças passou a ser mais rápido e eficaz. Já na indústria espacial é o
grande potencial refletor que é aproveitado e, no ambiente, os compostos de ouro são
aproveitados enquanto catalisadores na eliminação de contaminantes.
Palavras – chave: ouro, Império Romano, jazigos, jazidas, impacto ambiental,
património histórico – cultural, minas de ouro, metal estratégico, medicina, indústria
espacial, ambiente, nanopartículas de ouro.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 3/33
AGRADECIMENTOS
Para a elaboração do presente relatório foram essenciais os contributos da monitora
Diana Pereira, sempre disponível para responder a todas as questões e dúvidas e nos
apoiar ao longo do relatório, e do supervisor, Dr. José Inácio Martins, que nos aconselhou
quanto à abordagem a tomar acerca do nosso trabalho e a selecionar a informação mais
relevante.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 4/33
ÍNDICE
Lista de figuras 6
Introdução 7
1. Ouro como metal estratégico ao longo dos tempos 8
1.1. Antigo Egipto 8
1.2. Império romano 9
1.3. Idade média 9
1.4. Século XIX até aos nossos dias 10
2. O império romano e o ouro 11
2.1. O crescimento do império 11
2.2. O declíneo do império 14
2.3. Panorama das minas de ouro 14
3. Matérias primas - minérios 15
4. Caracterização de jazigos auríferos 16
4.1. Jazigos e jazidas 16
4.1.1. Jazigos 16
4.1.1.1. Jazigos primários 16
4.1.1.2. Jazigos secundários 17
4.2. Extração do ouro 18
5. Enquadramento da metalurgia do ouro no impacto ambiental 19
5.1. Resíduos gerados pela atividade mineira 20
5.1.1. Rocha 20
5.1.2. Minério utilizado nos tanques de lixiviação 20
5.1.3. Minério utilizado na separação do ouro através de reações químicas 21
5.2. Consequências ambientias 22
5.2.1. Contaminação das águas subterrâneas/ superficiais 22
5.2.2. Contaminação do solo 22
5.2.3. Contaminação do ar 22
6. Aplicações do ouro 24
6.1. Aplicações do ouro na medicina 24
6.1.1. Nanopartículas de ouro 24
6.1.2. Malária e VIH 25
6.1.3. Cancro 26
6.1.4. Artrite reumatóide 28
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 5/33
6.2. Aplicações do ouro na indústria espacial 28
6.3. Aplicações do ouro no ambiente 28
Conclusões 30
Referências bibliográficas 31
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 6/33
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 : Máscara do Faraó Tutankhamon 8
Figura 2 : Papiro de Turim 9
Figura 3 : Robert Koch 10
Figura 4 : Territórios do Império Romano 11
Figura 5 : Procedimento extrativo do ouro - “Ruina montium” 12
Figura 6 : Procedimento extrativo do ouro (“Ruina montium”) em Las Médulas 13
Figura 7 : Exemplo de um aluvião 15
Figura 8 : Mineralizações (hidrotermais) em forma de bolsa 17
Figura 9 : Mineralização do tipo plácer em depósitos aluvionares 17
Figura 10 : Depósito de “Tailings” 21
Figura 11 : Esquema de lixiviação do ouro através de uma solução de cianeto 21
Figura 12 : Diferentes componentes de um TDR para a malária 25
Figura 13 : Aplicação do ouro na deteção do cancro 27
Figura 14 : Ouro nos conversores catalíticos 29
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 7/33
INTRODUÇÃO
O presente relatório foi realizado no âmbito da unidade curricular “Projeto FEUP” e nele
pretendemos desenvolver o tema “O ouro como metal estratégico”.
Inicialmente abordar-se-ão os factos reais relacionados com o ouro, e de seguida a
evolução dos seus meios de exploração e modos de utilização ao longo da história da
Humanidade por diferentes povos. Importa também saber se os nossos antepassados
somente o usaram como símbolo de ostentação e poder, ou se desde cedo se aperceberam
de outras potencialidades.
Neste contexto, dar-se-á um relevo particular ao Império Romano para o qual este metal
foi essencial na sua sociedade em termos culturais, económicos e religiosos. Ver-se-á como
o crescimento deste Império está associado à obtenção deste metal, e como a conquista de
certas zonas ricas em ouro potenciou ainda mais o seu desenvolvimento. Neste desiderato
dissecar-se-á uma técnica de extração do ouro muito própria dos Romanos, designada de
“Riuna montium”.
Atendendo ao enquadramento do trabalho, não será esquecida a geologia dos minerais
com os quais habitualmente o ouro vem associado na crusta terrestre. Deste modo, será
dado ênfase aos diferentes tipos de jazigos, já que a exploração depende da geomorfologia
do local.
O ouro tem muitas mais aplicações do que aquelas que o senso comum pode imaginar.
Da medicina até ao ambiente, passando pela indústria espacial, este metal tem, sem dúvida,
um papel central no progresso da sociedade.
Com este trabalho desejamos que, mais do que informar acerca do ouro, possamos
reflectir sobre a possibilidade de desenvolver novos campos da aplicação deste metal.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 8/33
1. O OURO COMO METAL ESTRATÉGICO AO LONGO DOS
TEMPOS
Após o primeiro contacto com o ouro, os antepassados julgaram que, por ser luzidio e
brilhante como o sol, traria superpoderes. Os antepassados usavam-no para confecionar
artefactos, sendo que as peças de ouro mais antigas de que há memória, datam por volta
de 3500 a.C., e foram encontradas na costa do mar Negro, em Varna, na Bulgária. (Ciência
Hoje 2012)
Segundo dados históricos, as moedas de ouro (que continham também cerca de 27%
de prata) foram inventadas no Reino da Lídia (atual Ásia Menor), por volta do século VII a.C.
A introdução da moeda foi muito importante para facilitar as trocas comerciais, que até aí se
faziam normalmente por troca direta de bens. (CMI Gold & Silver Inc.)
As potencialidades do ouro foram sendo descobertas ao longo dos tempos e, por isso,
deixou de ser usado como mera matéria-prima para a confeção de artefactos ou para
ostentação. Como veremos ao longo desta breve viagem pela História do ouro, este viria a
ser igualmente usado com diversas finalidades, entre as quais, a medicinal.
1.1. Antigo Egipto
Relativamente ao antigo Egipto, há relatos históricos que confirmam a extração de ouro
em grandes proporções antes de 2000 a.C.(McCracken e Neesse 2014)
Após a conquista de Núbia, os egípcios ficaram ainda mais providos deste precioso
minério. Este povo tal, como é do conhecimento geral, valorizava bastante o ouro e
aproveitavam-no para elaborar artefactos. Como exemplo disso temos a conhecida máscara
de ouro do Faraó Tutankhamon.
A grande abundância de ouro neste local, o conhecimento e curiosidade deste povo
levaram ao desenvolvimento de “panaceias” (remédios) à base de ouro. Segundo o que é
Figura 1: Márcia Jamille, 2013. “Máscara do faraó Tutankhamon”.
Arqueologia Egípcia. Acedido a 01 de Outubro de 2014.
http://arqueologiaegipcia.com.br/2013/02/19/imagem-mascara-
mortuaria-de-tutankhamon/.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 9/33
relatado, os egípcios chegavam mesmo a ingeri-lo com a finalidade de purificar mente e
corpo. (LQES Cultural 2014)
Mas para utilizarem o ouro, primeiro tinham de extrai-lo e, para esse efeito, tiveram de
fazer um levantamento das minas e geologia do local. O mapa do papiro de Turim foi muito
importante para fazer esse contexto geológico. (Marsh 2013)
Figura 2: Wikipédia, 2013. “Papiro de Turim”. Papiro de Turim. Acedido a 01 de Outubro de
2014. http://pt.wikipedia.org/wiki/Papiro_de_Turim.
Para extrair ouro, os egípcios usavam um processo de concentração natural chamado
“bateia”, que se baseia na diferença de densidades entre os minérios metálicos e os
restantes sedimentos. Quando conseguiam obter o concentrado, que poderia ainda conter
outros componentes que não ouro, faziam a extração através da adição de mercúrio.
Seguidamente faziam a destilação e conseguiam, finalmente, extrair o ouro.
1.2. Império Romano
Também o Império Romano, o qual iremos aprofundar mais a frente, baseou muita da
sua importância no ouro. Quanto a aplicações medicinais, os romanos usavam-no, por
exemplo, em pomadas para o tratamento das úlceras na pele. O processo de extração do
ouro que os egípcios utilizavam, e que foi referido anteriormente, foi adotado pelos
Romanos, embora este povo tenha desenvolvido outros. (LQES Cultural 2014)
1.3. Idade Média
A época medieval é importante referenciar quando se fala de ouro. Os alquimistas
usavam este minério em pó que, diluído nas bebidas, servia para curar dores de ossos.
Este uso serviu de inspiração ao longo dos tempos, sendo ainda hoje usado no tratamento
da artrite reumatóide. (LQES Cultural 2014)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 10/33
1.4. Seculo XIX até aos nossos dias
No século XIX, o ouro coloidal (finas partículas de ouro suspensas na agua que, devido
à extensa área superficial, se acreditava quem tinha propriedades terapêuticas) era usado
nos Estados Unidos da América para combater o alcoolismo. Ainda hoje ele é utilizado para
esse efeito, mas também para reduzir outras dependências, como a da cafeína e nicotina.
Em 1890, Robert Koch (bacteriologista alemão, 1843-1910) recebeu o Prémio Nobel da
Medicina por ter descoberto quais os compostos químicos que continham ouro e eram
capazes de inibir a proliferação de bactérias causadoras de tuberculose.
Ainda no início do século passado, pequenas peças de ouro eram introduzidas sob a
pele junto a uma zona inflamada, de modo a diminuir a dor. (LQES Cultural 2014)
Nos locais mais recônditos da China é, ainda hoje em dia, colocada uma moeda de ouro
na comida com a finalidade de restabelecer as quantidades deste minério no corpo, que
para estes povos parece ser essencial. (LQES Cultural 2014)
Atualmente são vários os métodos de extração e aplicações dadas ao ouro. No entanto,
isso não significa uma rutura com o passado. Aquilo que os nossos antepassados
conseguiram percecionar e desenvolver reflete-se em muito do conhecimento que temos
hoje sobre este minério. Mais à frente iremos detalhar as aplicações e importância do ouro
na atualidade.
Decerto que ainda muito está por fazer em relação ao ouro, neste mundo
permanentemente mutável, em que a historia do ouro se faz cada dia e para a qual
contribuem desde cientistas, economistas até artistas.
Figura 3: German Centre for Infection
Research, 2009. “Robert koch”.
Infection Research. Acedido a 06 de
Outubro de 2014. http://www.infection-
research.de/perspectives/view/detail/23/
.a_long_story_with_an_open_ending/)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 11/33
2. O IMPÉRIO ROMANO E O OURO
2.1. O crescimento do Império
O crescimento do Império Romano começou na altura em que a divulgação da presença
de ouro em outros quadrantes movimentou a sua veia expansionária nessas direções. À
semelhança dos Gregos, os Romanos começaram a sua ascendência ao poder com pouco
ouro ao seu dispor. (Hiller 2013)
A primeira notícia da obtenção de ouro pelos Romanos situa a sua origem no rio Po nos
Alpes ocidentais e no sul de Piedmont. Roma foi continuamente aumentando as suas
reservas de ouro através da tomada de sucessivos territórios. A conquista de Espanha
rendeu-lhe enormes quantidades de ouro, situando-se as principais minas em depósitos
aluviais em Aduar Basin no distrito de Málaga, nas planícies de Granada e nas encostas da
montanha de Sierra Nevada, sendo “Las Médulas” a mais importante mina aurífera de todas
elas. Atualmente ainda é possível encontrar ouro nesses mesmos lugares. (Hiller 2013)
Entre as muitas e diversas minas de ouro do Império Romano destacam-se, além das já
referidas minas espanholas, os chamados “tesouros” de Siracusa em Itália, as minas do
“quadrilátero de ouro” na Dácia, as minas em Portugal (a Lusitânia ao tempo) de Santa
Justa em Valongo, de Jales e Três Minas em Vila Pouca de Aguiar, na serra da Lousã, e de
São Domingos no Alentejo.(Pitta 2010a)
Figura 4: “Territórios do Império Romano”. Império Romano. Acedido a 06 de
Outubro de 2014.
http://www.bussolaescolar.com.br/historia_geral/imperio_romano.htm.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 12/33
Figura 5: Valter Pitta, 2010. “Procedimento extrativo do
ouro - Ruina montium”. O Fascinante Universo da História.
Acedido a 06 de Outubro de 2014.
http://imperioroma.blogspot.pt/2010/03/las-medulas-
minas-de-ouro-romanas.html.
Como se observa na figura 4, o Império Romano estendeu-se por 3 continentes -
Europa, África e Ásia. Em face das localidades mais exploradas pelos romanos nesses
novos territórios terem substanciais reservas de ouro, ter-se-á de concluir que o seu
expansionismo esteve sempre ligado ao tão desejado metal – o ouro, símbolo de ostentação
e poder económico. Este metal foi durante séculos a base do sistema monetário romano.
Las Médulas, próxima da cidade de Pontevedra, na Província de León, foi a mais
importante mina de ouro durante o Império Romano. Las Médulas apresentam-se hoje sob a
forma de uma paisagem grandiosa e espetacular de formações avermelhadas e de bosques
de castanheiros e carvalhos, no local anteriormente ocupado pelo monte Medilianum. (Pitta
2010b)
Um facto marcante na história da exploração do ouro pelo Império Romano foi a criação
de uma técnica inovadora e muito eficaz na exploração de jazigos de ouro - a técnica de
Ruina montium. A mesma foi descrita em 74 d.C por Caio Plínio, ”o Velho”, o mais
importante naturalista da Antiguidade, do seguinte modo:
O que acontece é muito além do trabalho de gigantes. As montanhas estão rasgadas
com corredores e galerias feitas pelas luzes de lamparinas que duram até a troca de turnos.
Por meses, os mineradores não podem ver a luz do sol e muitos deles morreram dentro dos
túneis. A esse tipo de mina tem sido dado o nome de Ruina Montium. As fendas feitas nas
entranhas das pedras são tão perigosas que seria mais fácil achar purpurina e pérolas no
fundo do mar que fazer cicatrizes na rocha. Como fizemos perigosa a terra!
Ruina montium, figura 5, era uma
técnica que ajudava a recuperar o
ouro do seguinte modo: 1) realização e
uma cisterna natural para
armazenamento de água a uma cota
superior à do local onde se pretendia
proceder ao desmonte de rocha,
munida de comporta; 2) abertura de
uma rede de poços e galerias na
montanha a sucessivas cotas
descendentes em direção ao sopé,
sem saída; 3) realização de aqueduto
que transportasse a água da cisterna
ao local; 3) abertura da comporta e
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 13/33
Figura 6: Hugo Prades. Procedimento extrativo do ouro Ruina montium”
em Las Médulas. Hugo Prade Ilustracions. Acedido a 05 de Novembro
de 2014. http://hugopradesilustrador.blogspot.pt/p/illustracio-
historica.html
introdução da água no aqueduto, que por sua vez iria preencher a rede de poços e galerias;
4) o desnível da cota superior do monte para a primeira rede de galerias e assim
sucessivamente impunha uma força hidráulica no topo das galerias que levava ao
desmoronar de toda a estrutura. Atente-se que uma diferença de 1 m2 (de superfície de
acção da água) impõe uma força de 500 toneladas.
No final de todo este processo a enxurrada de água e detritos era obrigada a passar
num canal a céu aberto, cheio com elementos de natureza vegetal para fixar as pepitas de
ouro.
Os aquedutos ainda eram utilizados mais tarde para “lavar” os gigantescos depósitos de
ouro. De uma forma resumida, pode-se dizer que este procedimento “arruinava as
montanhas” (figura 6), numa tradução direta do termo Ruina Montium.
A exploração do ouro em Las Médulas, durante dois séculos de trabalho, rendeu aos
romanos cerca de 1,65 milhões de quilos do metal. Durante o século III d.C o ouro acabou,
e os romanos deixaram a região completamente devastada e sob um quadro paisagístico
desolador. Atendendo à não existência de trabalhos mineiros contemporâneos, é possível
ainda hoje em dia, apesar de toda a evolução paisagística, observar os espetaculares traços
desta marcante tecnologia antiga. (Pitta 2010b)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 14/33
2.2. Declínio do Império
Com o declínio das reservas de minérios preciosos, tornou-se cada vez mais difícil para
os imperadores conseguirem recrutar tropas: os Romanos moviam-se pela “sede do ouro”.
A perda de minérios preciosos leva a uma perda da capacidade financeira Romana com
nefasta incidência no controlo das tropas, isto é, não havia dinheiro para pagar aos
soldados. (SRSrocco 2014)
Mas o Império Romano desfez-se não só por causa do colapso no seu sistema
económico, social e político, mas também pela legitimidade da retoma da autonomia dos
povos nativos sob o seu domínio. Como é frequente, nestas situações, o desmembramento
do Império inicia-se nas áreas mais afastadas, quebrando-se a “romanização” que permitiu
mantê-lo durante vários séculos.(SRSrocco 2014)
2.3. Panorama das minas de ouro
Das principais minas exploradas no tempo romano pode dizer-se que “Las Médulas” e
Rosia Montana foram objeto de intervenções com o apoio internacional no sentido de
preservar o seu património histórico-cultural.
Em “Las Médulas”, criou-se um centro interpretativo, onde se desenvolveram percursos
pedestres, onde em cada passada o turista tem a oportunidade de ver a dimensão colossal
do processo de exploração aurífera romano. A mina constitui um ponto de referência em
Espanha e um lugar impossível de não visitar dada a sua beleza e historicidade.(Pitta
2010a)
Em Rosia Montana, com o apoio da Unesco, Beatriz Cauet coordenou um trabalho de
levantamento de todas as estruturas, onde não foi esquecido a metodologia de exploração
mineira. Atualmente, nessa zona há um latente conflito de interesses entre a preservação do
património tal como se encontra, e a exploração usando o princípio de bacias naturais
utilizando lixívias de cianeto.
Em Portugal, alguns concelhos começaram já a dar passos no sentido de reabilitar as
áreas mineiras, integrando-as em centros interpretativos com itinerários elucidativos, isto é,
harmonizando o seu património arqueológico com as vantagens económicas num contexto
turístico. Está neste caso o concelho de Vila Pouca de Aguiar na área de Três Minas e
Jalles.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 15/33
3. MATÉRIAS PRIMAS - MINÉRIOS
Normalmente o ouro encontra-se interligado a formações geotectónicas como aluviões
fluviais e depósitos em praias antigas, ocorrendo principalmente no seu estado nativo. No
entanto também aparece ligado ao telúrio, sob a forma de teluretos, tais como: calaverite
(AuTe2), silvanite (AgAuTe4), kostovite [(Cu,Ag)AuTe4], nagiagite [AuPb(Sb,Bi)Te2-3S6],
petzite(Ag3AuTe2). (Martins 2008)
O ouro, seja qual for a sua forma, encontra-se em filões associado com o quartzo
[SiO2], calcite [CaCO3], alunite [KAl3(SO4)2(OH)6], outros minerais secundários, e ainda com
vários sulfuretos como a pirite [FeS2], galena [PbS], calcopirite [CuFeS2], esfarelite [ZnS],
arsenopirite [FeAsS], tetraedrite [(CuFe)12Sb4S13 Cu12Sb4S13] e pirrotite [Fe7S8]. (Martins
2008)
O ouro metálico encontra-se em pequenas quantidades disseminadas no interior da
estrutura dos já citados sulfuretos. Assim, existe uma tendência para formar ligas
(“electrum”) com outros metais como a prata o cobre, o ferro, o bismuto e metais do grupo
platina.
Figura 7: Wikipédia, 2014. “Aluvião”. Aluvião. Acedido a 24 de Setembro
de 2014. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aluvi%C3%A3o.
Em rochas estéreis as galerias apresentam-se regulares e retilíneas, enquanto que no
filão são irregulares devido a seguirem o ouro.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 16/33
4. CARATERIZAÇÃO DE JAZIGOS AURÍFEROS
4.1. Jazigos e Jazidas
As concentrações anormais de ouro classificam-se de jazigos, quando
economicamente exploráveis, ou no caso contrário como jazidas. (Martins 2008) É óbvio
que fatores temporais podem alterar o conceito de jazida para jazigo, o que é precisamente
o que se está a passar face à cotação que o ouro atingiu no mercado internacional.
4.1.1. Jazigos
Os jazigos onde o ouro está contido tanto podem ser primários como
secundários/aluvionares. (Martins 2008)
4.1.1.1. Jazigos primários
Existem vários tipos de jazigos primários, tendo todos eles em comum a sua origem, a
qual se deve à cristalização magmática. Os mais frequentes são os pirometassomáticos e
os hidrotermais.
Os primeiros formam-se devido ao contacto entre calcários e granodioritos intrusivos
(rochas ígneas plutónicas de grão grosseiro, constituídas principalmente por quartzo,
plagioclases e feldspato potássico). O processo a eles inerente é o metassomatismo, que
reside na substituição de um mineral por outro. Os fluídos magmáticos dos granodioritos,
constituídos por elementos químicos importantes para a formação de minérios, passam para
as rochas calcárias e promovem a referida troca de minerais. A reorganização mineralógica
dá então origem a minérios neste tipo de jazigo, como o ouro.
Por outro lado, o ouro é também encontrado em jazigos hidrotermais, subdivididos
relativamente à sua temperatura de formação em hipotermais (alta temperatura),
mesotermais (média temperatura) e epitermais (baixa temperatura). Os fluídos hidrotermais
a altas temperaturas no seu percurso ascendente na crusta terrestre reagem quimicamente
com as rochas encaixantes e, atendendo à diminuição de temperatura, vão promovendo a
formação de depósitos de minerais sob a forma de filões e veios ou impregnações.
(Domingos n.d.)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 17/33
4.1.1.2. Jazigos Secundários
Os jazigos secundários ou aluvionares encontram-se em terrenos aluvionares, estando
estes associados a bacias hidrográficas, formadas por sedimentos que vão aumentando de
tamanho com a profundidade até se chegar à rocha e que muitas das vezes não tem uma
proximidade direta com cursos de água. (Martins 2008)
Os minerais, como o ouro, que se podem encontrar neste tipo de depósitos devem-se à
resistência que estes apresentam em relação à erosão e meteorização dos jazigos
primários, estando assim estes dois interligados.
Neste terreno, o ouro costuma encontrar-se puro, associado por vezes a alguma ganga
quartzosa, tendo uma deposição regular e apreciável normalmente. (Martins 2008)
Figura 9: Instituto Superior Técnico, 2006. “Mineralização do tipo plácer em depósitos aluvionares
(terraços de rio) ”. Local privilegiado para a prospecção de minerais resistentes à meteorização –
ouro, cassiterinite, ilmenite, diamantes, outras gemas. Jazigos Minerais. Acedido a 01 de Outubro de
2014.
https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/3779571271361/Conceitos%20base%20e%20Classifica
Figura 8: Instituto Superior Técnico, 2006. “Mineralizações (hidrotermais) em forma de bolsa. Note-
se que existe um controlo estrutural (falhas) e litológico (contacto calcário – xisto) no posicionamento
das bolsadas.” Jazigos Minerais. Acedido a 01 de Outubro de
2014.https://fenix.tecnico.ulisboa.pt/downloadFile/3779571271361/Conceitos%20base%20e%20Clas
sifica.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 18/33
4.2. Extração do ouro
A extração do ouro é feita tanto usando técnicas de exploração à superfície como
técnicas de exploração subterrânea. A prospeção mineira e os métodos usados nela são
baseados em variados fatores como seja, as características do minério, a eficiência e a
rentabilidade (U.S. Environmental Protection Agency 1994)
Nos Jazigos Primários são usadas técnicas a céu aberto, que consistem nas cortas e
nas trincheiras, e subterrâneas, os poços e as galerias, onde em ambas se persegue o filão
aurífero.
Nos Jazigos Secundários usa-se a garimpagem e também por vezes técnicas
subterrâneas (poços e galerias).
Nos trabalhos subterrâneos prossegue-se o seguimento do filão até ao esgotamento do
minério, ou até quando deixar de ser economicamente rentável, procedendo-se da mesma
forma nos trabalhos a céu aberto (trincheiras e cortas).
Devido à dureza da constituição das rochas, o trabalho nos jazigos primários é muito
dificultado, pelo que são necessárias estratégias para enfraquecer as rochas e assim “abrir”
caminho mais facilmente para se perseguir o filão. O ácido acético e o fogo debilitam a
coesão interna das rochas, pelo que uma das estratégias poderá ser a de aquecê-las e
submete-las de seguida a um jato de água, isto é, a sua fractura abre o caminho na fenda
do filão.
A garimpagem é feita normalmente nos leitos dos cursos de água e consiste na
lavagem de areias, para que haja deposição de minérios mais pesados no fundo da bateia
(circular e concava normalmente), sendo esta fundamental para este processo, que decorre
da seguinte forma:
- Com as mãos ou com pás coloca-se uma certa quantidade de areia na bateia e
excluem-se logo as mais grossas;
- De seguida através de um movimento rotativo e com a ajuda da água lava-se as
areias, depositando-se as mais pesadas no fundo;
- Como o ouro tem uma densidade elevada deposita-se também no fundo, e por isso
deve-se limpar o fundo da bateia para o remover. (Martins 2008)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 19/33
5. O ENQUADRAMENTO DA METALURGIA DO OURO NO
IMPACTO AMBIENTAL
Como qualquer indústria, a metalurgia do ouro tem um impacto ambiental diretamente
ligado a todas as atividades que lhe estão subjacentes.
Alguns dos desperdícios provenientes da mineração, detritos ou estéril, são
considerados lixo e geridos como tal, normalmente em unidades de processamento de
resíduos dentro das instalações da própria exploração. Porém, mesmo esses materiais
podem ser reutilizados para outros fins (quer seja na própria mina ou fora dela) ao invés de
os descartar. Assim, pode ser reciclado na construção de alicerces de estruturas da própria
mina, ou na pavimentação de vias de comunicação.
Uma outra fonte de poluição está ligada à água utilizada nos vários processos de
separação baseados na diferença de propriedades físico-químicas dos diferentes minerais
que constituem o minério – componente útil (ouro) e ganga (restantes minerais). Essa água
é normalmente tratada em bacias de drenagem ou decantação, podendo retornar à lavaria
ou ser encaminhadas par os cursos de água vizinhos. (U.S. Environmental Protection
Agency 1994)
As empresas que processem em lavaria tratamentos químicos na sequência dos de
natureza física (separação por mesas, jigas e meios densos) ou físico-química (flutuação),
tendo em vista a obtenção de um “cemento” de ouro têm problemas acrescidos de poluição
das suas águas residuais. Efectivamente, as lixiviações do ouro são habitualmente
realizadas com meios aquosos cianetados, e como tal, ainda que sejam recicladas as
lixivias após remoção do cemento para novos ataques dos concentrados obtidos por via
gravítica, há sempre águas de lavagem que transportam cianeto, ainda eu sob muito menor
concentração. (U.S. Environmental Protection Agency 1994)
A natureza, neste último aspecto, ajuda o Homem, pois algum deste cianeto é oxidado
a cianato por ação do oxigénio dissolvido ou por outros oxidantes, o qual precipita na
presença de iões de ferro provenientes do sulfuretos ferrosos. É conveniente referir que
“faro” romano para o ouro consistia em seguir os “chapéus de ferro”.
Aquando do fecho das minas o material das escombreiras e o existente no interior das
galerias tornam-se “resíduos” indesejáveis de um ponto de vista ambiental. Na verdade, a
ação dos meios naturais provoca a lixiviação dos seus minerais, e daí as contaminações
ácidas e de metais dos cursos de água natural, solos e plantas.
Os resíduos sólidos gerados numa mina são variados, e por tal motivo terão de ser
geridos de maneira diferente, consoante o seu potencial perigo para a saúde humana e o
meio ambiente. Salientar-se-ão três seguintes tipos de resíduos gerados pela atividade
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 20/33
mineira: estéril da fase aplicação de processos do tipo gravítico para obtenção de
concentrados, estéril proveniente da aplicação de tratamentos químicos aos concentrados, e
estéreis resultantes da aplicação de processos pirometalúrgicos para a obtenção do metal
ouro.
5.1. Resíduos gerados pela atividade mineira
5.1.1. Rocha
A maior quantidade de resíduos gerados numa mina de ouro é sob a forma de rocha, o
que é fácil de entender, pois o minério encontra-se no subsolo e no processo de abertura da
mina e ao longo do tempo em que o ouro é extraído surgem grandes quantidades de rocha
consideradas como resíduos. Esta rocha é, normalmente, libertada em depósitos
concebidos para o efeito.
As minas a céu aberto geram mais resíduos por unidade de minério extraído do que as
minas subterrâneas. Numa mina a céu aberto, cerca de 71% de todo o material trabalhado é
considerado resíduo. Por outro lado, numa mina subterrânea, apenas cerca de 20% dos
materiais são descartados. (U.S. Environmental Protection Agency 1994)
A quantidade e composição dos resíduos rochosos variam bastante consoante o sítio
onde está localizada a mina. Podem conter óxidos ou sulfuretos, dependendo da
composição do material envolvente.
5.1.2. Minério utilizado nos tanques de lixiviação (“Tailings”)
Os tanques de lixiviação geram desperdício na separação do ouro da ganga que se
encontra junto com o minério finamente moído. O minério gasto sai do circuito sob a forma
de uma pasta composta por ganga e a água utilizada no processo é retirada contendo
cianeto e compostos metálicos com cianeto. As características deste resíduo variam
bastante dependendo do minério, da concentração de cianeto e da fonte de água (fresca ou
reciclada). As características da ganga dependem apenas da fonte do minério. Os resíduos
podem ser tratados de forma a neutralizar o cianeto antes de serem eliminados. A ganga é
depositada, normalmente, numa bacia de sedimentação em que algum componente do
líquido é redirecionado para o tanque de lixiviação. Em alguns casos, os resíduos são
utilizados no apoio às construções dentro ou fora da mina. (U.S. Environmental Protection
Agency 1994)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 21/33
5.1.3. Minério utilizado na separação do ouro através de reações químicas
(“Heap leaching”)
Este tipo de resíduo só aparece quando as operações de lixiviação acabam,
normalmente quando todo o ouro já foi extraído do solo. Usualmente contém cianeto antes
do início dos processos de desintoxicação, no entanto, mesmo depois destes processos
algum cianeto pode permanecer no minério sob a forma de compostos mais complexos
contendo cianeto. Contém ainda os metais característicos da geologia da zona de onde foi
extraído. O minério gasto nas reações químicas é deixado para ser posteriormente
desintoxicado e eliminado. (U.S. Environmental Protection Agency 1994)
Figura 11: J.D. Myers, 2010. “Esquema de lixiviação do ouro através de uma solução de
cianeto”. Acedido a 01 de Outubro de 2014.
http://www.gg.uwyo.edu/content/laboratory/gold/economics/production/processing_extraction/h
eap_leaching/intro.asp?callNumber=34981&SubcallNumber=0&color=&unit=goldII
Figura 10: Industrial Fabrics Association International, 2014. “Depósito
de Tailings”. Geosynthetics. Acedido a 6 de Outubro de 2014.
http://geosyntheticsmagazine.com/articles/0410_f1_backfill.html.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 22/33
5.2. Consequências Ambientais
Poços e galerias subterrâneas, pilhas de rocha, depósitos de rocha residual e resíduos
de lixiviação são potenciais fontes de contaminação do meio ambiente associadas à
exploração do ouro. Embora nem todas estas áreas sejam unidades de gestão de resíduos,
são áreas em que mais facilmente se encontram os contaminantes e é onde estes produtos
tóxicos têm maior probabilidade de se infiltrarem no meio ambiente circundante. Como
exemplo de contaminantes associados a estas áreas temos o cianeto e os metais pesados.
Estes produtos tóxicos podem contaminar as águas subterrâneas e superficiais, o solo e a
própria qualidade do ar, quer durante a atividade mineira quer depois de esta cessar.
5.2.1. Contaminação das águas subterrâneas/superficiais
A maior preocupação relacionada com a água em complexos mineiros é a
contaminação física e química associada à atividade mineira. O ácido formado pela
oxidação de minerais contendo sulfuretos pode ser uma fonte de problemas a longo termo
em instalações que realizam a extracção de minérios que contêm este contaminante. (U.S.
Environmental Protection Agency 1994)
Além dos resíduos, os reagentes, como o cianeto de sódio, usados durante a
separação do ouro da ganga, podem também ser libertados nas águas.
Os depósitos de rocha desaproveitada e as estradas improvisadas contribuem para a
acumulação de sedimentos e o sucessivo aumento de sólidos em suspensão nas massas
de água.
5.2.2. Contaminação do solo
Três tipos de consequências ambientais estão normalmente associadas ao solo:
erosão, sedimentação e contaminação. Erosão e sedimentação podem simplesmente ser
causadas por perturbação dos solos e remoção de vegetação (situações que não estão
unicamente associadas à atividade mineira). Dentro destas condições, a precipitação e a
queda de neve levam à erosão do solo. No entanto, a contaminação do solo já resulta de
atividades relacionadas com a mina, como o despejo de soluções de lixiviação e o
escoamento de contaminantes presentes nas acumulações de resíduos rochosos. (U.S.
Environmental Protection Agency 1994)
5.2.3. Contaminação do ar
A maior fonte de contaminação do ar em explorações mineiras são as poeiras que
escapam dos poços e dos depósitos de “tailings”.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 23/33
Durante a “vida ativa” da mina, nos depóstios de “tailings”, são utilizados químicos e
água para controlar a poeira e prevenir potenciais fugas e mesmo depois de a mina fechar,
são utilizados métodos como a plantação de vegetação, de modo a controlar a poeira. O ar
é a principal via de dispersão destas poeiras, em que os principais contaminantes presentes
são os metais pesados. (U.S. Environmental Protection Agency 1994)
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6. APLICAÇÕES DO OURO
Segundo estatísticas, 75% do ouro é aplicado na joalharia. As propriedades únicas
deste metal – brilho, elevada maleabilidade, ductilidade e resistência à corrosão – tornam-no
num dos metais mais usados nesta indústria. (Worl Gold Council 2014)
Também no sector dos componentes electrónicos há aproveitamento da elevada
condutibilidade e resistência do ouro para aplicações seguras e eficientes.
O ouro, porém, é um metal bastante versátil, tendo por isso outras aplicações para além
das mais óbvias, que são a joalharia e componentes electrónicos.
6.1. Aplicações do ouro na medicina
O uso medicinal do ouro remonta à Antiguidade, quando médicos árabes e chineses
começaram a usá-lo para o tratamento de várias doenças. Porém, na medicina moderna, o
primeiro uso do ouro foi em 1890 por Robert Koch, bacteriologista alemão, que descobriu
que baixas concentrações de determinados compostos derivados do ouro, nomeadamente
o dicianoaurato de potássio (K[Au(CN)2]), inibiam o crescimento das bactérias responsáveis
pela tuberculose. (Arvizo et al. 2012)
Em 1935, Jacques Forestier foi responsável pela introdução do ouro no tratamento da
artrite reumatóide. (Arvizo et al. 2012) Esta tornou-se a doença mais conhecida pelo
tratamento com ouro e seus derivados. Contudo, o diagnóstico e tratamento do VIH (Vírus
da Imunodeficiência Humana) e do cancro também têm sido alvo de estudo e
investigação.(Lima and Rodriguez 2011)
6.1.1. Nanopartículas de ouro
Durante as últimas décadas tem-se notado um crescente interesse e investimento na
nanotecnologia. As nanopartículas de ouro (AuNP’s) destacam-se pelas suas
extraordinárias propriedades físicas e químicas, entre as quais a sua não toxicidade,
biocompatibilidade e excelente capacidade de se conjugar com fármacos. (Boisselier and
Astruc 2009)
De entre os vários métodos de obtenção de AuNP’s destaca-se o método de Turkevitch.
Neste método, o ácido tetracloroáurico é reduzido pelo citrato de sódio num meio aquoso.
(Arvizo et al. 2012).
As nanopartículas podem ser produzidas numa vasta gama, desde 9 nm a 120 nm, e a
sua forma varia consoante a técnica utilizada. (Kimling et al. 2006)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 25/33
6.1.2. Malária e VIH
As AuNP’s são a base de grande parte dos Testes de Diagnóstico Rápido (TDR). Por
exemplo, os TDRs da malária podem ser feitos com uma pequena gota de sangue,
efectuados em qualquer lugar sem um equipamento complexo e sem grandes custos. Deste
modo, é possível efectuar diagnósticos precoces, o que, por sua vez, assegura um
tratamento mais eficaz. (World Gold Council 2014b)
Figura 12: Malaria Journal, 2011. “Diferentes componentes de um TDR para a malária”. (O sangue é
aplicado na amostra. Em caso de um resultado positivo, os anticorpos conjugados com o ouro serão
reconhecidos. O complexo partículas de ouro – antigénio – anticorpo - alcança a região do teste,
onde os anticorpos contra antigénios específicos serão imobilizados. Ao acumular as partículas de
ouro coloidal sobre a linha T (test line), surge uma linha vermelha. Devido às propriedades do ouro,
forma-se uma linha “claramente” vermelha, aumentando a fiabilidade da leitura do teste.) Diferent
componentes in a two-band RDT. Acedido a 16 de Outubro de 2014.
http://www.malariajournal.com/content/figures/1475-2875-10-67-1-l.jpg.
No VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana), as experiências com AuNP’s são no
sentido de poder detetar a presença de “moléculas alvo” mesmo a baixas concentrações,
com o objectivo de um diagnóstico precoce.
As AuNP’s também têm sido estudadas como “agentes anti-VIH” (em alternativa aos
convencionais antiretrovíricos), pelo seu papel na inibição da transcriptase reversa e pelo
seu papel direto na protecção de células contra a infecção VIH. (Berners-Price and
Filipovska 2011)
Outras experiências também mostraram que em pacientes que não aceitavam os
antiretrovíricos, quando tratados com auranofina (derivado do ouro) para a artrite psoriática,
verificou-se um aumento de tipo de células T (importantes na defesa imunológica), que em
indivíduos com VIH se encontra em níveis muito baixos. (Lima and Rodriguez 2011)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 26/33
6.1.3. Cancro
No tratamento do cancro, o principal problema dos tratamentos convencionais,
nomeadamente a quimioterapia e a radioterapia, resume-se aos efeitos secundários. Os
fármacos (ou radiação, no caso da radioterapia) afetam não só as células cancerígenas,
mas também o tecido saudável envolvente. (American Association of Pharmaceutical
Scientists 2014)
Assim, a nanotecnologia tem sido aplicada no cancro em, fundamentalmente, duas
áreas: o desenvolvimento de nanosensores (que permitem a detecção do cancro) e o
desenvolvimento de nanovectores (usados para “entrega” selectiva de fármacos). (Gasull
2012)
O objectivo da vectorização das drogas é então diminuir ou suprimir os efeitos
secundários devido a toxicidade, melhorar a eficácia terapêutica e a biodistribuição e
ultrapassar os problemas de solubilidade, estabilidade, toxicidade e resistência dos
fármacos. (Boisselier and Astruc 2009).
No que diz respeito ao diagnóstico do cancro, existem cancros, como por exemplo, o
cancro da próstata, cujo diagnóstico é difícil, já que os sintomas nos primeiros estágios do
cancro são poucos. Para além disso, os testes de diagnóstico existentes são caros. Daí,
surge uma técnica promissora que usa as AuNP’s como forma de ligação às proteínas
“características” do cancro, tornando mais fácil a sua detecção. (Figura 11)
AuNP’s também são criadas para terem tecidos de interesse como alvo, assim como
para produzir os efeitos pretendidos. (Arvizo et al. 2012) Como por exemplo, para levar os
fármacos que combatem o cancro, até às células cancerígenas, exclusivamente. As drogas
terapêuticas, combinadas com as partículas de ouro, são injectadas na corrente sanguínea
e “viajam” até ao local do tumor, atuando apenas nesse local, tornando mais eficiente o
efeito de retenção e permeação de drogas nos tecido atingidos. (FEUP 2013)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 27/33
Figura 13: World Gold Council, 2014. “Aplicação do ouro na detecção do cancro.” (Uma amostra de
sangue é adicionada a uma solução que contém partículas coloidais de ouro. Na presença de
proteínas “características” do cancro, forma-se um aglomerado de células que pode ser facilmente
identificado.) Gold in medicine. Acedido a 16 de Outubro de 2014. https://69a9d0fd0c0402f3735a-
7d3215fafbc9ecb79f44259eba19dc14.ssl.cf3.rackcdn.com/sites/default/files/images/WGC_Cancer_D
etection_Final_Asset_120314.png.
No tratamento do cancro, as AuNP’s podem ainda ser usadas na terapia fotodinâmica,
devido à sua elevada capacidade de absorção. Por exemplo, experiências em que se
usaram “nanoshells” constituídas por um núcleo de sílica revestido por ouro, quando
injectadas dentro do tumor e posteriormente iluminadas com radiação próximo do infra-
vermelho (650 – 900 nm), aqueceram e foram capazes de destruir as células cancerígenas
(sem destruir as células “saudáveis”). Mais, devido à elevada capacidade de dispersão, a
presença de ouro permitiu imagens muito mais claras, com maior contraste nas técnicas
imagiológicas de diagnóstico. Assim, desenvolveu-se um tratamento mais eficaz e,
simultaneamente, mais selectivo. (Huang et al. 2006); (Gobin et al. 2007)
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 28/33
6.1.4. Artrite Reumatóide
Artrite reumatóide é uma doença reumática sistémica, caracterizada pela inflamação de
diversas articulações.
Uma articulação normal contém um líquido (sinovial), produzido pela membrana sinovial.
Na artrite reumatóide ocorre a inflamação desta membrana, o que resulta na formação do
pannus, que é responsável por produzir factores angiogénicos, profinflamatórios e enzimas
que perpetuam a destruição da cartilagem e do osso.
No tratamento da artrite reumatóide, as AuNP são usadas para inibir a proliferação e a
migração da proteína responsável pela formação de novos vasos sanguíneos
(angiogénese). (Boisselier and Astruc 2009). Desta forma, há redução do fornecimento de
nutrientes para o local da inflamação, o pode levar à regressão dos vasos sanguíneos e,
eventualmente, à reversão da doença. (Paleolog 2002).
6.2. Aplicações do ouro na indústria espacial
Muitas partes do equipamento espacial são revestidas com uma película de ouro. Esta
película reflete a radiação infravermelha, o que permite estabilizar a temperatura das naves
espaciais. Sem esta película, nas zonas mais escuras da nave, a radiação seria totalmente
absorvida, alcançando temperaturas extremamente elevadas.
O ouro, enquanto finas películas, também é usado como lubrificante entre as peças dos
equipamentos das naves espaciais. No Espaço, os lubrificantes orgânicos iriam volatilizar e
as peças do equipamento iriam quebrar devido à radiação intensa. (King 2014)
6.3. Aplicações do ouro no ambiente
A contaminação das águas subterrâneas é um problema geral, principalmente nas áreas
industriais. O (di)cloro (Cl2) é um composto muito utilizado na indústria e, por ser muito
reativo, é capaz de formar compostos bastante perigosos para o ambiente. Em laboratório,
já foram desenvolvidos agentes de ouro e paládio que removem os compostos de cloro da
água (figura 14). A eliminação dos gases contaminantes no catalisador dos carros baseia-se
no mesmo princípio. (World Gold Council 2014a)
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Figura 14: World Gold Council, 2014. “Ouro nos conversores catalíticos.” (A mistura de ouro com
paládio e platina mostrou ser uma mistura bastante eficiente num catalisador. As moléculas de
poluente (CO, HC, NOx) quando entram no reator catalítico, contactam com os metais a altas
temperaturas e ocorre uma reacção que leva à formação de dióxido de carbono e água. No final,
essas moléculas saem do conversor catalítico para a atmosfera.) Gold and environment. Acedido a
16 de Outubro de 2014.
http://www.gold.org/sites/default/files/images/wgc_catalytic_converter_final_desktop_180214.pdf.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 30/33
CONCLUSÕES
Como vimos ao longo deste trabalho, o ouro sempre teve um papel central na nossa
sociedade, como se pode confirmar pelas aplicações diversas do ouro, desde os tempos
mais remotos até hoje. Ainda assim, com o desenvolvimento económico, social e científico,
foi possível estabelecer novos métodos de exploração, extração e aplicações que são uteis
nos mais diversos ramos da sociedade.
Porém, olhando de uma forma mais global, temos ainda de inserir mais um fator nesta
equação: o impacto ambiental. A contaminação de águas, ar e solo advém de métodos de
exploração ainda pouco eficientes que não permitem uma perfeita harmonia com o meio
ambiente. Por isso cabe a nós, cidadãos e futuros engenheiros, debruçarmo-nos sobre esta
questão. A procura de soluções ambientalmente menos invasivas é essencial para
preservar o futuro das gerações futuras sem comprometermos a nossa.
Ouro como metal estratégico – Projeto FEUP 2014/2015 31/33
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