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MICROBIOLOGIA VIROLOGIA TOGAVÍRUS E FLAVIVÍRUS

TOGAVÍRUS E FLAVIVÍRUS · 3 Dengue O vírus da Dengue é um flavivírus associado à hemorragia. Estima-se que 2,5 milhões de pessoas vivem em áreas onde circula o vírus. Estima-se

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MICROBIOLOGIA

VIROLOGIA

TOGAVÍRUS E FLAVIVÍRUS

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FLAVIVÍRUS

Os flavivírus pertencem à família Flaviviridae, possuem envelope, são

pleomórficos e contém um nucleocapsídeo com simetria icosaédrica. Os flavivírus tem

genoma RNA de fita simples linear de polaridade positiva. É composto por proteínas

estruturais que o envolvem, uma proteína do cápsideo e duas glicoproteínas do

envelope. Eles são classificados como arbovírus, que é um termo epidemiológico usado

para o grupo de vírus que são zoonóticos, possuem genoma RNA e que são

transmitidos por artrópodes (mosquito ou carrapato). As principais doenças clínicas

causadas são a dengue e a febre amarela, que são doenças transmitidas pela picada do

mosquito Aedes aegypti, principalmente.

Transmissão

É dada basicamente pela picada do vetor, sendo o seu principal representante o

mosquito Aedes aegypti. O vírus é transmitido ao homem através da saliva da fêmea do

mosquito, pois apenas a fêmea do mosquito faz hematofagia. O homem não é um

hospedeiro definitivo, mas sim acidental, ao adentrar no habitat desses mosquitos,

sendo picado. Porém, nos casos dos vírus da febre amarela e dengue, o ser humano é o

hospedeiro vertebrado usual. Portanto, indivíduos que migram para áreas endêmicas e

com a presença do vetor, possuem um risco maior de adquirirem doença.

Patogenia

O vírus ao entrar nas células, migra para os órgãos-alvo, infectando

principalmente as células brancas do sangue e tecidos linfóides, sendo liberado na

corrente sanguínea, causando uma viremia importante no paciente. Uma vez

estabelecidos, eles são capazes de causar infecções latentes ou persistentes em seus

hospedeiros. Uma vez latentes no organismo, podem reativar tempos depois e causar

as manifestações clínicas.

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Dengue

O vírus da Dengue é um flavivírus associado à hemorragia. Estima-se que 2,5

milhões de pessoas vivem em áreas onde circula o vírus. Estima-se também 22 mil

óbitos pela doença, sendo considerada hoje a doença transmitida por artrópode mais

importante do mundo.

A fêmea do mosquito Aedes aegypti é o principal transmissor, sendo um vetor

endofílico (muito bem adaptado ao domicílio) e antropofílico (alta afinidade por

sangue humano). A fêmea é a que transmite, pois é a que realiza hematofagia,

essencial para amadurecimento dos ovos, de modo que o macho não participa do ciclo.

Além disso, uma vez infectado, o mosquito transmite o vírus por toda a vida (cerca de

30 dias). Possui hábitos preferencialmente diurnos (início da manhã e final da tarde),

tendo uma infestação mais intensa no verão, por conta das altas temperaturas e

grande quantidade de chuvas, favorecendo o surgimento de criadouros do mosquito

pelo acúmulo de água limpa em grandes e pequenos reservatórios. A fêmea infectada

transmite o vírus para sua prole (transmissão transovariana) e a cada 3 dias colocam

cerca de 40 ovos de uma só vez, aumentando muito o número de mosquitos

transmissores. Além disso, faz ovoposição aos saltos, ou seja, a fêmea não coloca todos

os seus ovos em um único criadouro. O mosquito macho infectado (filho de uma fêmea

infectada) transmite o vírus para a fêmea pela cópula. O mosquito Aedes albopictus,

também chamado de Tigre asiático, também é transmissor do vírus da dengue, porém

possui um hábito exofílico-suburbano (ambiente silvestre e urbano), sendo menos

presente em grandes cidades, comparado com A. aegypti.

O vírus da denque possui 4 sorotipos relevantes: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e

DENV-4, eles possuem imunidade específica, ou seja, a partir do momento em que

ocorre infecção pelo sorotipo 1, o indivíduo fica imune a esse sorotipo, mas continua

susceptível aos restantes. Em outubro de 2013, foi anunciado o quinto sorotipo do vírus

da dengue, onde aparentemente não tem uma importância epidemiológica importante,

mas é um potencial causador de epidemia no futuro, pois a partir do momento em que

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as pessoas já tiverem imunidade contra os 4 tipos, o 5 aumenta sua incidência, já que a

imunidade é tipo-específica.

Na dengue, a febre é popularmente chamada de “quebra-ossos”, e, dentre os

indivíduos que apresentam sintomas, os mais comuns são febre alta, cefaléia,

exantema, dor lombar e nos ossos. A febre na dengue costuma aparecer junto com a

viremia, como um reflexo. As manifestações gerais são decorrentes das citocinas que

levam a febre. O vírus também agride o músculo, causando um grau de miosite leve. A

infecção na medula produz artralgias e juntamente com as citocinas que são

produzidas nos processos inflamatórios, podem produzir diminuição da produção de

leucócitos no sangue. O rash da dengue, que pode aparecer em 1/3 dos casos, é

consequência da reação antígeno-anticorpo, quando o indivíduo produz anticorpos, ele

faz um imunocomplexo que gera o rash. O vírus também pode agredir os hepatócitos,

tendo aumento de transaminases (4 vezes maior que o valor normal). Os sintomas

duram, em média, 1 semana.

Patogenia

Após a inoculação do vírus pela picada do mosquito, ele se replica nas células

dendríticas locais com subseqüente infecção sistêmica dos macrófagos e linfócitos,

levando a entrada do vírus na corrente sanguínea (viremia ocorre durante o período

febril), atinge o fígado, baço, nódulos linfáticos, medula óssea, podendo atingir o

pulmão, coração e trato gastrointestinal. Em alguns casos pode haver exantema, por

conta de uma hipersensibilidade do sistema imune.

A classificação de risco é dada em 3 tipos: Febre do Dengue, Febre hemorrágica

e Síndrome do Choque do Dengue. Porém, há outra classificação com base nos sinais

de risco: Dengue sem sinais de alarme, Dengue com sinais de alarme e Dengue grave,

utilizando sinais e sintomatologia clínica de acordo com a gravidade da doença.

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Dengue sem sinais de alarme

Apresenta-se com febre (entre 2 a 7 dias), pode ter outras manifestações como

náuseas, vômitos, exantema (em 30% dos casos) dor muscular, dor articular, dor de

cabeça (em geral retro-orbitária), petéquias (10 a 20% dos casos) e leucopenia. Essa

forma clássica é autolimitante e o desaparecimento da doença coincide com o aumento

da resposta imune.

Dengue com sinais de alarme

É a evolução da dengue sem sinais de alarme. O paciente passa a apresentar

sintomas alarmantes, como dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes,

sinais de líquido em cavidades naturais, sangramento de mucosa, letargia, sonolência

ou irritabilidade, hipotensão postural, hepatomegalia maior que 2cm e aumento

progressivo do hematócrito.

A febre hemorrágica costuma ocorre na segunda infecção pelo vírus da dengue,

por um sorotipo diferente da primeira infecção. Começa com os sintomas iniciais iguais

ao da dengue clássica, mas depois do terceiro dia de infecção ocorre vazamento difuso

de plasma capilar, hemorragias e trombocitopenia, levando a hipóxia tecidual podendo

evoluir para a forma mais grave da doença, que é a Síndrome do Choque do Dengue,

caracterizada por hipotensão e choque.

A dengue é a virose de maior morbidade no mundo. É uma doença infecciosa

aguda febril, de evolução majoritariamente benigna, causada por um dos 4 sorotipos

do vírus da dengue (o quinto ainda não tem dados suficientes).

A resposta imune da dengue confere proteção e é o principal fator de

desenvolvimento da febre hemorrágica e síndrome do choque do dengue.

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Teoria da Infecção seqüencial

Na segunda vez em que o indivíduo se infecta pelo vírus da dengue, ocorre uma

resposta imune inicial para o vírus correspondente da primeira infecção, de modo que

há uma produção de anticorpos heterogênea, já que a primeira infecção foi feita por

um sorotipo diferente do vírus da segunda infecção. Deste modo, os anticorpos

produzidos não são efetivos para o vírus da segunda infecção, fazendo com que ocorra

a entrada do vírus nas células de defesa (célula-alvo), mas este não é destruído. Por

conta do grande estímulo do sistema imune, há uma tempestade de citocinas, que

aumentam a permeabilidade vascular, estimulando o aumento do consumo de

plaquetas para equilibrar a permeabilidade, levando a uma trombocitopenia. Além

disso, o excesso de produção de interferon refuz a maturação das plaquetas,

agravando o estado de trombocitopenia do paciente. Logo, essa patogênese da

síndrome mais grave envolve anticorpos preexistentes contra o vírus. Os complexos

vírus-anticorpo são formados nos primeiros dias da segunda infecção, e a formação dos

anticorpos não neutralizantes promovem a infecção de números maiores de células

mononucleares, seguidas pela liberação de mediadores vasoativos e procoagulantes,

levando à coagulação intravascular disseminada observada na síndrome hemorrágica.

Esse processo ocorre nos primeiros 10 dias da infecção. Se o indivíduo sobreviver, por

volta do 14° dia já começa a produção de anticorpos corretos, voltados especificamente

para o sorotipo da segunda infecção.

Diagnóstico

Os métodos laboratoriais mais utilizados para o diagnóstico da dengue são o

PCR (em uma fase aguda da doença, no 4º ou 5º dia de infecção) e anticorpos

monoclonais. ELISA IgG e IgM também podem ser utilizados, possuindo uma eficácia

maior quando realizados após o 5º dia de infecção. Mas, a curto prazo, o PCR, quando

disponível, é o método de eleição. Na rotina, o diagnóstico é clínico.

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Tratamento

Para o tratamento dessa infecção viral, é recomendado medidas de suporte,

como repouso, aumentar a ingesta hídrica (seja pela via oral ou intravenosa,

dependendo do estado de hidratação do paciente) e é imprescindível a procura de um

departamento médico para o diagnóstico correto da doença e tratamento adequado.

Cabe lembrar, que não existem antivirais capazes de eliminar completamente o vírus

do organismo humano. Nos pacientes com dengue grave, é recomendado que ele seja

encaminhado à uma unidade de terapia intensiva. Na internação, ele deverá receber

hidratação venosa com cristalóides e avaliar a todo tempo a sua resposta, através da

dosagem de hematócrito de 2 em 2 horas, avaliação da função cardíaca e função

respiratória, assim como a função renal. Além disso, recomenda-se avaliar a

necessidade de fazer albumina, colóide ou transfusão sanguínea. Caso o paciente com

dengue grave evolua para choque, deve ser realizado medicamentos vasopressores.

Prevenção

A prevenção da dengue está intimamente ligada ao combate do mosquito

transmissor. Porém, há estudos voltados para a criação de uma vacina. Recentemente

surgiu uma vacina recombinante utilizando o vírus da febre amarela junto com o vírus

da dengue, formando uma quimera. A partícula viral quimérica é dada pela estrutura

viral do vírus da febre amarela, mas as proteínas de superfície (responsáveis pela

formação da imunidade) são dos 4 sorotipos do vírus da dengue. A vacina para dengue

não deve ser apenas para um sorotipo do vírus, por conta do risco de desenvolvimento

da dengue hemorrágica. Logo, a vacina para o vírus da dengue deve proteger contra os

4 sorotipos patogênicos ao mesmo tempo e de uma vez só. Esta nova vacina quimérica

não obteve um resultado desejado, pois a resposta para sorotipo 2 não foi satisfatória,

de modo que, se um indivíduo vacinado, se infectar pelo sorotipo 2 do vírus da dengue,

todos os anticorpos vacinais (dos três sorotipos restantes) vão atuar erroneamente,

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causando um quadro grave de dengue hemorrágica. Logo, a prevenção deve ser

baseada na redução e erradicação do vetor Aedes aegypti e detecção de casos

positivos.

Zika

A Zika foi primariamente descrita em 1947 na África. Teve sua primeira epidemia

em 2007 na Oceania, já no Brasil, o primeiro caso documentado de infecção pelo vírus

foi em 2015, durante a copa do mundo. Diferentemente da dengue, os casos

assintomáticos chegam a quase 80% e só foi descrito um tipo sorológico. Ou seja, se o

indivíduo adquire a Zika uma vez, ele permanece com uma imunidade duradoura, não

se contaminando novamente, na maioria dos casos.

Transmissão

A doença é transmitida aos seres humanos através de um ciclo onde o homem é

inserido acidentalmente. O ciclo seria entre os macacos e o mosquito Aedes aegypti,

sendo os macacos os principais reservatórios do vírus. O homem então vai funcionar

como fonte de infecção para o Aedes e vai ser responsável por levar a doença para as

cidades. Além da forma vetorial de transmissão (picada do mosquito), já foram

documentados outros meios de transmiti-la, como por exemplo a forma

transplacentária, que é uma das formas que mais preocupa as gestantes, pois o vírus é

capaz de atravessar a barreira placentária e chegar ao feto, causando sequelas

importantes para o seu desenvolvimento, como por exemplo a microcefalia. Outras

formas de transmissão como a perinatal, sexual e sanguínea (através do

compartilhamento de seringas contaminadas e transfusões de sangue) também já

foram descritas.

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Quadro clínico

O quadro clínico da doença em geral é benigno, os sintomas iniciais são

semelhantes a um quadro de dengue branda. O vírus possui um período de incubação

que varia de 3 a 12 dias, tendo como média 1 semana. Os indivíduos apresentam febre,

que normalmente é moderada, muita das vezes mais baixa que a da dengue. Na febre

amarela a febre dura em média poucos dias (2 dias), enquanto na dengue pode durar

até 7 dias. Outras queixas como artralgias (que não se compara à artralgia da

Chikungunya), mialgias, dores abdominais, diarréia e exantema também podem ser

comuns nos pacientes acometidos com o vírus da Zika. Esse exantema costuma estar

presente em 20% dos casos e é um exantema maculopapular, generalizado, podendo

estar associado a um leve prurido, possuindo uma distribuição cefalocaudal (da cabeça

para os pés). Um quadro importante é a conjuntivite, que é muito comum de encontrar

casos quando associados a infecção pelo vírus. As adenomegalias também são

bastante exuberantes, lembrando um pouco a mononucleose.

Complicações

Pode haver complicações neurológicas, como encefalite, síndrome de Guillain-

Barré, mielite, meningoencefalite, entre outras. Sabe-se que a principal causa de

síndrome de Guillain-Barré atualmente é o Zika. Porém, a complicação mais importante

e mais temida é quando ocorre na gestação, que é a microcefalia. Essas crianças

acometidas seguem com sequelas graves e necessitam de um longo período de

tratamento. O vírus ao chegar na placenta, vai se instalar no tecido cerebral, alterando

a taxa de crescimento do osso. A OMS define a microcefalia como recém-nascidos com

um perímetro cefálico inferior a 2 desvios-padrão, ou seja, mais de 2 desvios-padrão

abaixo da média para a idade gestacional e sexo do bebê. Alguns sintomas podem

acompanhar a doença, como por exemplo crises epilépticas, paralisia cerebral e

retardo no desenvolvimento cognitivo e motor.

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Diagnóstico

Para fechar o diagnóstico da infecção pelo Zika, os métodos mais utilizados são

os métodos sorológicos, sendo o PCR o exame de escolha quando fechado o

diagnóstico a partir do quinto dia de evolução. Após esse período, o ELISA IgG e IgM

também mostra resultados satisfatórios. O hemograma também pode ser feito, onde

iremos encontrar alterações tipo leucopenia e neutropenia.

Tratamento e prevenção

Não existe um tratamento específico para o Zika, deve-se então adotar e

fortalecer as medidas preventivas para reduzir a prevalência da doença. A prevenção se

baseia no combate ao vetor. Deve-se sempre orientar as gestantes de evitar viajar para

lugares de epidemia do mosquito.

Febre amarela

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a febre amarela é uma

doença endêmica em 47 países do mundo, sendo 34 localizados na África e 13

distribuídos entre América Central e América do Sul. Estudos mostraram que o vírus

surgiu na África, há mais de três mil anos atrás, e migrou para o Brasil junto com os

navios negreiros, que traziam escravos para trabalharem nas lavouras. E nessa época, o

saneamento básico das cidades era precário e havia uma infestação muito grande de

mosquitos.

A febra amarela é uma zoonose endêmica/enzoótica nas florestas tropicais das

Américas. No Brasil, é mantido em dois ciclos, o ciclo urbano e o ciclo silvestre. No ciclo

urbano, ocorre a participação do mosquito Aedes aegypti, que faz hematofagia no

hospedeiro em estado de viremia, permanecendo infectado e transmitindo o vírus,

através de sua picada, por toda a vida. Geralmente é decorrente do desmatamento das

florestas e avanço da urbanização para as áreas aonde se concentra o mosquito. No

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ciclo silvestre, há a participação também do mosquito do gênero Haemagogus spp e é

endêmica em primatas, variando de casos assintomáticos a graves. Nesses casos, a

transmissão para o ser humano é de característica ocupacional e recreacional. O vírus

da febre amarela se manteve no ciclo silvestre por muitos anos, mas com a urbanização

do mosquito Aedes aegypti, a reurbanização da febre amarela não seria surpresa.

Tanto que a partir de 2001, iniciou-se os casos urbanos de febre amarela silvestre em

grandes cidades do Brasil, como São Paulo e Belo Horizonte. A região amazônica é uma

área endêmica de febre amarela silvestre faz muitos anos, por conta da grande área de

floresta.

Até 1999, ocorria vigilância exclusiva de casos humanos, com posterior

observação de mortes de macacos seguida do aparecimento da doença na população,

sendo a morte dos primatas um fator de sinalização de risco de casos humanos de

febre amarela silvestre. Com a observação de epizootia (epidemia de uma doença em

animais não humanos) começou uma investigação de surtos de febre amarela em

hospedeiros não naturais, como macacos bugios e micos, bem como o início da ação de

diagnósticos laboratoriais (confirmatórios) e vacinação da população em torno da

região.

No ciclo silvestre o principal reservatório é o macaco. Estudos já demonstraram

que a morte dos macacos não garante nenhum benefício para o controle da doença,

visto que eles não são responsáveis por transmitir a doença, atuando apenas como um

reservatório intermediário e atuando como sentinelas, já que sinalizam a presença do

vírus em determinadas áreas, facilitando a prevenção de surtos.

Os locais de risco de febre amarela estão relacionados com a presença de matas

e rios próximos, que incluem todos os estados da região Norte e Centro-oeste do país,

na região Nordeste os estados: Maranhão, Piauí e Pará, no Sudeste: Minas Gerais, São

Paulo (50% dos casos, até 2017), Rio de Janeiro e Espírito Santo e na região Sul: Paraná,

Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

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Todos os casos de febre amarela no país são considerados como resultado de

febre amarela silvestre, mesmo aqueles que envolveram moradores de centros

urbanos.

Nos quadros de febre amarela, quando sintomática, costuma ter um quadro

mais grave. A maioria dos indivíduos que se contamina com esse flavivírus apresenta-se

de maneira assintomática, sendo a forma mais preocupante a febre amarela grave.

Nessa fase os doentes apresentam febre alta, de início súbito, associado a icterícia,

bradicardia relativa (sinal de faget), entre outras queixas gerais, como por exemplo

dores musculares, prostração, tonteira, náuseas e vômitos, além de perda do apetite,

também ocorre degeneração do fígado, rins, coração e hemorragias. A degeneração do

fígado promove icterícia no paciente. Além disso, episódios de hemorragias digestivas

maciças são bem comuns.

Diagnóstico

Para diagnosticar a febre amarela, basicamente é o isolamento viral, quando a

doença estiver em sua fase aguda (3 a 6 dias de evolução). Utilizamos o PCR como

método de escolha. A partir dessa fase aguda, passa a ser pelo ELISA, principalmente.

Outros métodos sorológicos podem ser feitos, como inibição da hemaglutinação,

fixação do complemento, neutralização, imunofluorescência indireta e

radioimunoensaio. Para diagnóstico de infecção presente, se deve fazer sorologia

pareada da fase aguda com a convalescente e observar um aumento de anticorpos. Se

deve atentar que pode haver reação cruzada com infecções anteriores por outros

flavivírus. O método de ELISA também pode ser utilizado para detecção do antígeno,

tendo sensibilidade de 70%. Cabe lembrar que o diagnóstico laboratorial deve-se somar

aos achados no exame clínico do paciente.

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Tratamento e prevenção

Não há medidas de tratamento uma vez que os indivíduos já estejam infectados,

porém há como prevenir e controlar essa doença. Pacientes com muitos sintomas

podem lançar mão de medidas sintomáticas, como analgésicos e anti-inflamatórios. No

início do século passado, Oswaldo Cruz conseguiu o avanço de eliminar a febre amarela

urbana, através de medidas sanitárias no Rio de Janeiro. Atualmente, o combate aos

vetores da febre amarela urbana é uma medida essencial, sendo feita através da

eliminação de criadouros e uso de inseticidas. Há também medidas individuais como

usar roupas compridas e passar repelente, mas a medida base é combater o mosquito.

Além disso, há a vacina atenuada que confere imunidade duradoura para o paciente,

sendo de extrema importância para o controle da febre amarela.

Atualmente no Brasil se utilizam as vacinas fracionadas para o controle da febre

amarela na população. Estudos mostraram que o uso da dose fracionada mostrou

resultados semelhantes quando comparado ao uso da dose padrão. O governo

brasileiro optou por empregar essa estratégia visto que em uma cidade na República

democrática do congo já havia sido empregada a dose fracionada como profilaxia da

febre amarela e obtiveram sucesso. Com isso, foram capazes de conter a expansão do

vírus da área rural para áreas urbanas. A vacina é recomendada para toda a população

que se encontre acima dos dois anos de idade (para regiões endêmicas de alto risco, é a

partir dos 9 meses de idade), gestantes e imunodeprimidos, que devem receber ainda a

dose plena em conformação com a falta de estudos relacionados a esse uso. Para

indivíduos que irão viajar para áreas endêmicas, se preconiza a vacinação 10 dias antes

da viagem.

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TOGAVÍRUS

Os togavírus são uma família que compreendem dois gêneros: os Alphavirus e

os Rubivirus, onde o vírus da Rubéola é a única espécie capaz de causar doenças nos

seres humanos. Sua simetria é icosaédrica e, além disso, possuem seu material genético

composto de um RNA de fita simples, com polaridade positiva e envelopados.

Rubéola

O vírus da rubéola, também conhecida como sarampo alemão, possui estrutura

semelhante à dos flavivírus,ou seja são vírus envelopados, icosaédricos e contém

genoma RNA de fita simples polaridade positiva, diferindo apenas por ser um vírus

denominado como respiratório e por não causar efeitos citopatológicos de imediato no

organismo. Quando ocorrida na gestação, a rubéola pode causar alterações

significativas, como catarata congênita e várias outras manifestações.

Transmissão

A transmissão se dá pela via respiratória. Quando em crianças, o vírus poderá

causar apenas uma leve doença exantematosa. Em adultos a doença já ocorre com

mais gravidade, gerando quadros de artrite e artralgia. Já em neonatos, os efeitos

congênitos são comuns.

Patogenia

O ser humano é o único reservatório do vírus. A rubéola chega nas células dos

indivíduos os quais vão infectar pelo trato respiratório superior, se disseminando para

os linfonodos regionais, provocando uma linfadenopatia nos hospedeiros,

acompanhada de viremia. Outras manifestações também podem ocorrer nesse

período, como o exantema característico da doença.

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Clínica

Após um período de incubação de 2 semanas a 21 dias, mais ou menos, o

exantema maculopapular começa a aparecer e dura, em média, 3 dias. Isso quando

ocorre em crianças. A infecção em adultos, como tende a ser mais grave, pode cursar

com dor nos ossos e nas articulações.

Infecção congênita

Quando grávidas são infectadas pelo vírus da rubéola, o feto também pode ser

acometido. A isso damos o nome de infecção congênita da rubéola. É a forma mais

grave de apresentação da rubéola. Ele vai alterar o crescimento, as mitoses e a

estrutura cromossômica das células fetais, levando a uma deficiência no seu

crescimento, assim como efeitos teratogênicos associados a infecção viral. Além da

catarata, outras infecções comuns que podemos encontrar são: retardo mental,

surdez, defeitos cardíacos e microcefalia.

Diagnóstico

O PCR e a dosagem de anticorpos IgM são os métodos mais utilizados para

confirmação laboratorial do diagnóstico, somado a clínica do paciente e ao exantema

característico. Cabe lembrar que deve haver aumento de 4 vezes nos títulos de IgM

para se caracterizar um resultado positivo para a presença do vírus da rubéola.

Tratamento e controle

Atualmente não há um tratamento específico para a doença, porém podemos

evitar o seu aparecimento por métodos de controle, como as vacinas, que são de vírus

vivo ou atenuado. Essa vacina é administrada aos 24 meses e parece ter imunidade

duradoura. Atualmente, o principal objetivo da administração da vacina e da

recomendação de seu uso em todas as crianças com 24 meses no Brasil é evitar a

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ocorrência das infecções congênitas (que são as mais graves) e reduzir o número de

indivíduos susceptíveis dentro de uma determinada população. No pré-natal de todas

as gestantes é feito o rastreamento para rubéola através da sorologia IgG e IgM para o

vírus. Caso o IgG tenha dado positivo e o IgM negativo, significa que a paciente ou já

teve a doença, ou já está vacinada, devendo seguir um pré-natal normal. Caso o

resultado dê positivo para rubéola em atividade (IgM – doença aguda), deve-se

orientar a gestante para as possíveis complicações para o bebê, porém seguir o pré-

natal normal, assim como as outras pacientes.

Chikungunya

A chikungunya é um togavírus. Possui somente um tipo sorológico e possui

alguns genótipos. Seu mecanismo básico de transmissão também é a picada do

mosquito Aedes aegypti. Como só possui um tipo sorológico, se um individuo se infecta

uma vez, se adquiri uma imunidade duradoura, e não é capaz de se infectar novamente.

O período de incubação da doença é de 1 a 14 dias, sendo a média de 2 a 4 dias. Existem

as formas assintomáticas da doença, aonde o individuo não apresenta qualquer

sintoma, ocorrendo em 15 a 30% dos pacientes. Nos pacientes que manifestam

sintomas, os principais são febre, que se assemelha muito com a da dengue, durando

em média de 7 a 10 dias. É uma febre alta, de início súbito e frequentemente associada

a calafrios. Além disso, pode haver também queixas gerais como perda do apetite,

dores de cabeça, mialgias, sendo a principal característica da doença as dores

articulares. Essa artralgia pode acometer tanto grandes quanto pequenas articulações,

e a intensidade dela é marcante. Essa dor pode persistir por bastante tempo, mesmo

depois que os outros sintomas forem diminuindo.Ainda não se sabe quais os

mecanismos que levam à essa cronificação da dor, mas estudos relatam associação da

persistência do quadro com reservatórios virais nas articulações levando uma

inflamação a longo prazo, além de um desbalanço nas respostas pró-inflamatórias,

culminando com a liberação em excesso de citocinas.

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Diagnostico

Para o diagnóstico da chikungunya pode-se realizar exames laboratoriais, como

o PCR nas primeiras semanas de infecção (fase aguda), o isolamento viral ou a

sorologia (ELISA) em fases um pouco mais avançadas (a partir do 5º dia de evolução da

doença).

Tratamento

Não há um tratamento específico para a chikungunya. O tratamento vai ser

baseado na administração de analgésicos, como paracetamol e dipirona até os 14 dias

de evolução da doença, e depois deve-se avaliar a necessidade de entrar com anti-

inflamatórios e corticoides.

IMPORTÂNCIA DO COMBATE AOS MOSQUITOS

As doenças causadas por vetores e por ele transmitidas são fáceis de serem

prevenidas. Porém, a população passou a deixar esse combate um pouco de lado,

tendo em vista a diminuição dos casos dessas doenças. Cabe lembrar que é muito

importante que as medidas de controle continuem sendo empregadas para que a

incidência das viroses na população continue em decadência.

TIPOS DE CONTROLE: Atualmente há 3 tipos principais para controle dos vetores, o

método mecânico, o método biológico e o método químico. Cabe lembrar que a

população consegue combater esses mosquitos com mais eficiência quando eles se

encontram na fase aquática, que é aquela na qual as larvas do mosquito ficam restritas

a alguns recipientes. Em relação ao controle químico, o mais utilizado na comunidade

humana é através do fumacê. Só que esse método, por outro lado, é eficaz para

combater os mosquitos em sua fase adulta. Os inseticidas, como o fumacê, são agentes

químicos chamados de neurotóxicos, pois eles são capazes de atuar no sistema

nervoso dos insetos. Além desse modelo químico de controle (fumacê), há outros

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métodos, como por exemplo o controle por irradiação, controle por manipulação

genética e controle por Wolbachia sp.

FUMACÊ: É uma medida de controle utilizada e implementada pelo governo. Ela é feita

através da passagem de um carro ou de algum veículo que emitirá quantidades

significativas de fumaça, daí o nome fumacê. Essa fumaça contém pequenas doses de

agrotóxicos, que irão eliminar a maioria dos mosquitos adultos presentes naquela

região, reduzindo a incidência de pessoas contaminadas. É muito utilizada em períodos

de epidemia da doença, afim de reduzir o número de casos de doenças transmitidas

por artrópodes. Está longe de ser a medida mais segura no combate aos mosquitos,

porém é uma medida rápida, fácil e eficaz para tal. Esses agrotóxicos expelidos na

fumaça não apresentam riscos a saúde humana, desde que sejam liberados em baixas

quantidades e com uma frequência diminuída. Estudos mostraram que a liberação do

fumacê com uma frequência elevada pode fazer com que os agrotóxicos se depositem

no corpo dos seres humanos expostos, chegando até o sistema nervoso e provocando

danos.

CONTROLE POR IRRADIAÇÃO: É uma medida de controle ainda em fase de testes e,

portanto, não muito utilizada no meio da população para o combate dos mosquitos. A

técnica é baseada na irradiação de raios ionizantes (principalmente os raios gama). Essa

radiação vai provocar danos no material genético do sêmen do mosquito macho,

tornando esses mosquitos estéreis. Impedindo o aumento populacional de mosquitos

transmissores

CONTROLE POR MANIPULAÇÃO GENÉTICA: Essa medida se baseia na implementação

de mosquitos machos modificados geneticamente na natureza. A manipulação

genética tem como objetivo incorporar genes letais no mosquito macho, de modo que

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estes genes sejam passados para a sua prole. Os ovos fertilizados por esses machos

modificados geneticamente serão chocados normalmente, mas logo depois, e bem

antes que os novos mosquitos possam voar, os genes fatais irão atuar e toda a prole

morre, diminuindo a incidência das doenças provocadas por eles.

CONTROLE POR WOLBACHIA: O controle pelo uso da bactéria Wolbachia sp se dá por

sua inoculação nos mosquitos transmissores da dengue. Mosquitos infectados por esta

bactéria não são capazes de transmitir o vírus da dengue. Por ser uma bactéria

intracelular, não ocorre transmissão pela saliva dos mosquitos para o ser humano

(sendo um método de controle seguro) e ela é transmitida verticalmente entre os

mosquitos, da mãe para o filho, de modo que seu sucesso como controle

epidemiológico depende da capacidade reprodutiva dos mosquitos. Além disso, essa

bactéria confere uma vantagem reprodutiva devido à chamada ‘incompatibilidade

citoplasmática’: fêmeas com Wolbachia sempre geram filhotes com Wolbachia, mesmo

se acasalarem com machos não infectados. Já as fêmeas sem Wolbachia, quando se

acasalam com machos com a Wolbachia, os óvulos fertilizados morrem. Com a

introdução de sucessivas gerações de mosquitos com Wolbachia na população, a

tendência é que a maioria dos mosquitos dessa região tenham Wolbachia e que ela se

mantenha disseminando naturalmente, sem novas intervenções.