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Planejamento urbano · em debate (coletânea de textos) Por Ana Helena Pompeu de Tele- do e Marly Cavalcanti. São Paulo, Ed. Cortez & Morais, 1978. Um dos temas mais polêmicos da moderna sociologia urbana é o que trata da instauração da planifi- cação dentro de um processo de desenvolvimento de tipo capitalis- ta. Considerando-se, porém, o momento histórico extremamente particular que caracteriza a adoção de técnicas de planejamento no Brasil, parece-nos por demais ge- neralizante adotar, como regra glo- bal, o que foi feito e concluído com base na experiência estrangeira. portanto, a leitura do que foi produzido por autores n!=l- cionais na área de administração e planejamento urbano. O livro divide-se em quatro te- mas principais, iniciando-se pela discussão do processo de cresci- mento urbano no .Brasil. Dentro deste tema, o artigo de Hamilton Tolosa demonstra que o 11 PND marca uma importante reformu- lação na concepção e no· processo de planejamento urbano. Teorica- mente, ao menos, as proposições do 11 PND vêm de encontro a algu- mas das principais críticas sobre a experiência do período anterior. Sem dúvida, o ponto principal a ser destacado é a definição de política urbana a nível nacional, dando priori,dade à implantação de áreas metropolitanas e à dinami- zação dos centros médios ou núcleos de apoio à ocupa-ção terri- torial. A principa'l dificuldade da política urbana é seu caráter mul- tissetorial, implicando, portanto, todas as demais políticas, sejam elas agrícolas, industriais, · tec- nológicas, etc. Talvez a mais crucial questão envolvida seja a de que, atualmen- te, 8,5 milhões de pessoas econo- micamente ativas e residentes nas nove ·áreas metropolitanas pos- suem rendimentos inferiores ao salário mínimo local. O problema se agrava ao considerarmos que, a despeito da lenta porém progressi- va desconcentracão do sistema ur- bano, as áreas metropolitanas de- verão manter nas próximas déca- das a sua posição de núcleo polari- zador de migrantes. A comuni- cação de Celsius Lodder enfatíza o surgimento do sistema urbano bra- sileiro em escala nacional, com hierarquia definida e funcional- mente diferente de seu predeces- sor. Até o primeiro quarto deste século, num período que engloba quase 400 anos, a rede urbana, ou o sistema de cidades brasileiras, não existia senão em função de suas relações com o exterior e re- fletia nitidamente o caráter de ex- ploração colonial da economia, tendo como finalidade ocupar, do- minar e extrair o máximo da região em que se situava. A urbanização - aqui entendida como um fenômeno socioeconô- mico e cultural - foi profunda-. mente modificada por seis fatores, dentr-e os quais se destaca a indus- trializaç.ão, cuja característica básica está em sua concentração em alguns pontos do espaço geográfico brasileiro. O segundo é o próprio sistema urbano, que se caracterjza por sua hierarquização, por uma' população concentrada, e por não ter sido definido o tama- nho médio para a sua estrutUra. O terceiro fator é representado pe.las migrações, com a predominância dos fluxos de curta distância (íntra- região) sobre os de longa distância. {inter-regiões). O quarto é o mer- cado de trabalho urbano, cujas ca- racterísticas estão nos níveis de su- bemprego e desemprego elevados. Finalmente, o quà nto fa1 tor seria o grau de concentração da distri- buição de renda pessoal com ele- vado índice de marginalidade e po- breza urbana e o último elemento seria representado pela de·ficiên- cia r em todos os sentidos, ela infra- estrutura dos serviços urbanos. O tema do livro con- trasta duas análises radicalmente opostas para processo de planeja- · mento e para o papel do analista de políticas do governo. Eduardo Dutra Aydos realiza um balanço da literatura recente, abor- - dando a convergência das moder- nas teorias da administração e da análise de políticas alguns as- pectos informais do planejamento, especificamente aqueles tido·s co- mo de natureza po/ftíca ou inaptos a um tratamento racional. A com- plementaridade dos aspectos téc- nico e político do processo de plà- nejamento é sustentada numa am- pla perspectiva sistêmica, reconhecendo-se um papel emer- gente na singularidade e dinamis-· mo dos processos decisórios. Destaca-se, sobretudo, o modelo ótimo de decisões de Lindbloom, denominado incrementalismo dis- junto, o qual· propõe - em vez de simplesmente ajustar meios e fins - os mecanismos para que os fins · sejam escolhidos de forma que se- jam apr{)priados a meios dis- poníveis ou quase disponíveis. Desta concepção . teórica não partilha Luís Carlos Costa a·o afir- mar que o exame mesmo superfi- cial do planejamento urbano no Brasil revela imediatamente a si- tuação de crise que se manifesta tanto ao nível. de prática, qwmto ao da teoria; o autor procura· de- monstrar que, dentro do atual pro- cesso de urbanização brasileira, o modelo vigente de crescimento ur- bano não pode senão conduzir a impasses que resultam na precarie- dade cada vez maior das con- dições de vida urbana, no aumento dos custos de urbanização (inviabi - lizando a produção de equipamen- tos públicos}, bem como na dete- rioração continuada das condições ecológicas e ambientais. A grandE3 contradição reside E;!m se continuar falando em melhoria das cóhdições de e! no Resenha bibliográfica 87

Toledo Cavalcanti 1978 Resenha Planejamento Urbano 20072

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  • Planejamento urbano em debate (coletnea de textos) Por Ana Helena Pompeu de Tele-do e Marly Cavalcanti. So Paulo, Ed. Cortez & Morais, 1978.

    Um dos temas mais polmicos da moderna sociologia urbana o que trata da instaurao da planifi-cao dentro de um processo de desenvolvimento de tipo capitalis-ta. Considerando-se, porm, o momento histrico extremamente particular que caracteriza a adoo de tcnicas de planejamento no Brasil, parece-nos por demais ge-neralizante adotar, como regra glo-bal, o que foi feito e concludo com base na experincia estrangeira.

    lmpe~se, portanto, a leitura do que foi produzido por autores n!=l-cionais na rea de administrao e planejamento urbano.

    O livro divide-se em quatro te-mas principais, iniciando-se pela discusso do processo de cresci-mento urbano no . Brasil. Dentro deste tema, o artigo de Hamilton Tolosa demonstra que o 11 PND marca uma importante reformu-lao na concepo e no processo de planejamento urbano. Teorica-mente, ao menos, as proposies do 11 PND vm de encontro a algu-mas das principais crticas sobre a experincia do perodo anterior.

    Sem dvida, o ponto principal a ser destacado a definio de poltica urbana a nvel nacional, dando priori,dade implantao de reas metropolitanas e dinami-zao dos centros mdios ou ncleos de apoio ocupa-o terri-

    torial. A principa'l dificuldade da poltica urbana seu carter mul-tissetorial, implicando, portanto, todas as demais polticas, sejam elas agrcolas, industriais, tec-nolgicas, etc.

    Talvez a mais crucial questo envolvida seja a de que, atualmen-te, 8,5 milhes de pessoas econo-micamente ativas e residentes nas nove reas metropolitanas pos-suem rendimentos inferiores ao salrio mnimo local. O problema se agrava ao considerarmos que, a despeito da lenta porm progressi-va desconcentraco do sistema ur-bano, as reas metropolitanas de-vero manter nas prximas dca-das a sua posio de ncleo polari-zador de migrantes. A comuni-cao de Celsius Lodder enfatza o surgimento do sistema urbano bra-sileiro em escala nacional, com hierarquia definida e funcional-mente diferente de seu predeces-sor.

    At o primeiro quarto deste sculo, num perodo que engloba quase 400 anos, a rede urbana, ou o sistema de cidades brasileiras, no existia seno em funo de suas relaes com o exterior e re-fletia nitidamente o carter de ex-plorao colonial da economia, tendo como finalidade ocupar, do-minar e extrair o mximo da regio em que se situava.

    A urbanizao - aqui entendida como um fenmeno socioecon-mico e cultural - foi profunda-. mente modificada por seis fatores, dentr-e os quais se destaca a indus-trializa.o, cuja caracterstica bsica est em sua concentrao em alguns pontos do espao geogrfico brasileiro. O segundo o prprio sistema urbano, que se caracterjza por sua hierarquizao, por uma' populao concentrada, e por no ter sido definido o tama-nho mdio para a sua estrutUra. O terceiro fator representado pe.las migraes, com a predominncia dos fluxos de curta distncia (ntra-regio) sobre os de longa distncia. {inter-regies). O quarto o mer-cado de trabalho urbano, cujas ca-ractersticas esto nos nveis de su-bemprego e desemprego elevados.

    Finalmente, o qunto fa1tor seria o grau de concentrao da distri-buio de renda pessoal com ele-vado ndice de marginalidade e po-breza urbana e o ltimo elemento seria representado pela deficin-cia r em todos os sentidos, ela infra-estrutura dos servios urbanos.

    O s~gundo tema do livro con-trasta duas anlises radicalmente opostas para processo de planeja- mento e para o papel do analista de polticas do governo.

    Eduardo Dutra Aydos realiza um balano da literatura recente, abor- -dando a convergncia das moder-nas teorias da administrao e da anlise de polticas pare;~ alguns as-pectos informais do planejamento, especificamente aqueles tidos co-mo de natureza po/ftca ou inaptos a um tratamento racional. A com-plementaridade dos aspectos tc-nico e poltico do processo de pl-nejamento sustentada numa am-pla perspectiva sistmica, reconhecendo-se um papel emer-gente na singularidade e dinamis- mo dos processos decisrios. Destaca-se, sobretudo, o modelo timo de decises de Lindbloom, denominado incrementalismo dis-junto, o qual prope - em vez de simplesmente ajustar meios e fins - os mecanismos para que os fins sejam escolhidos de forma que se-jam apr{)priados a meios dis-ponveis ou quase disponveis.

    Desta concepo . terica no partilha Lus Carlos Costa ao afir-mar que o exame mesmo superfi-cial do planejamento urbano no Brasil revela imediatamente a si-tuao de crise que se manifesta tanto ao nvel. de prtica, qwmto ao da teoria; o autor procura de-monstrar que, dentro do atual pro-cesso de urbanizao brasileira, o modelo vigente de crescimento ur-bano no pode seno conduzir a impasses que resultam na precarie-dade cada vez maior das con-dies de vida urbana, no aumento dos custos de urbanizao (inviabi -lizando a produo de equipamen-tos pblicos}, bem como na dete-riorao continuada das condies ecolgicas e ambientais.

    A grandE3 contradio reside E;!m se continuar falando em melhoria das chdies de vi~aurbana e! no

    Resenha bibliogrfica

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    entanto, no se assumir pienamen-. te esmo tarefa do Estdo alterar

    completamente a escata e, 6 senti-do da ao executiva do poder pblico na cidade, passando este a funcionar como um agente imobi-lirio privi:legado, cujo lucro seja validad0 por uma aplicao no atendimento efetivo da populao de baixa renda.

    Celso Lamparelli faz uma anlise metodolgica do. planejamento ur-

    . bano, apontando uma dicotomia entre prt'icae teoria, a diviso so-

    .. cial dotrabalho, a esterilizao da cqoperao e da ao coletiva . Tal

    metodologia e sua prtica podem produzir um discurso ideolgico que tender a ocultar as intenes

    . e interesses de grupos e ~us . agentes., jor meio .de distores na

    conc~po do objeto e sua pro-: blernt1ca . lstu.conduzir, natural-

    , : .. :mente, - seteo 'dos problemas a . serem. -r.esolvidos, deixand:G ocul-tos aqu01-es que, sendo ou no pro-

    .. bfemas

  • dos, tambm, os jogos de interes-ses dos grupos nesta sociedade. Isto, obviamente, beneficia qu_em . detiver maiores interesses, legiti-mando as desigualdades sociais . A autora aplica este framework terico aos problemas da edu-cao e da propriedade da mora-dia, demonstrando que estas polticas setoriais so plos cen-trais da estratgia governamental de ampliao das igualdades, para favorecer a ampliao e o livre jogo de interesses de alguns grupos mais privilegiados na sociedade .

    Concluindo, preciso lembrar que, no obstante alguns obstculos epistemolgicos ma1s srios que se antepem ao desen-volvimento terico e crtico da pro-duo do conhecimento na rea urbana, a praxis do planejamento deve encontrar mtodos Q1ue im-peam a continua construo da cidade dos ricos s custas e em de-trimento de reas -perifricas eter-namente suburbanas. Sem dvida . este no pode ser um projeto para a convivncia das classes sociais em uma cidade da segunda meta-de do sculo XX.

    o Ana Helena Pompeu de Toledo

    e Marly Cavalcanti

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