TORNAR A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Embed Size (px)

Citation preview

  • Braslia, setembro de 2009

    EdInc_Rev2.indd 1 9/22/09 4:58:02 PM

  • Os autores so responsveis pela escolha e apresentao dos fatos contidos neste livro, bem como pelas opinies nele expressas, que no so necessariamente as da UNESCO, nem comprometem a Organizao. As indicaes de nomes e a apresentao do material ao longo deste livro no implicam a manifestao de qualquer opinio por parte da UNESCO a respeito da condio jurdica de qualquer pas, territrio, cidade, regio ou de suas autoridades, tampouco a delimitao de suas fronteiras ou limites.

    EdInc_Rev2.indd 2 9/22/09 4:58:02 PM

  • Osmar Fvero, Windyz Ferreira, Timothy Ireland e Dbora Barreiros (Orgs.)

    EdInc_Rev2.indd 3 9/22/09 4:58:02 PM

  • 2009. Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO).

    Reviso: Maria Lcia Resende Barreto VianaDiagramao: Rodrigo DominguesCapa: Edson Fogaa

    Tornar a educao inclusiva / organizado por Osmar Fvero, Windyz Ferreira, Timothy Ireland e Dbora Barreiros. Braslia : UNESCO, 2009. 220 p.

    ISBN: 978-85-7652-090-0

    1. Educao Inclusiva 2. Brasil I. Fvero, Osmar II. Ferreira, Windyz III. Ireland, Timothy IV. Barreiro, Dbora V. UNESCO

    Representao no BrasilSAS, Quadra 5, Bloco H, Lote 6,Ed. CNPq/IBICT/Unesco, 9 andar Braslia, DF, CEP: 70070-912Tel.: (55 61) 2106-3500Fax: (55 61) 3322-4261Site: www.brasilia.unesco.orgE-mail: [email protected]

    Rua Visconde de Santa Isabel, 20conj 206-208 Vila IsabelCEP: 20560-120Rio de Janeiro, RJ

    Organizaodas Naes Unidas

    para a Educao,a Cincia e a Cultura

    Organizaodas Naes Unidas

    para a Educao,a Cincia e a Cultura

    EdInc_Rev2.indd 4 9/22/09 4:58:03 PM

  • ApresentAo

    O princpio da educao inclusiva foi adotado na Conferncia Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade1, reafirmado no Frum Mundial de Educao2 e apoiado pelas Regras Bsicas das Naes Unidas em Igualdade de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficincias. Esse princpio foi debatido novamente em novembro de 2008 durante a 48 Conferncia Internacional de Educao em Genebra. A educao inclusiva de qualidade se baseia no direito de todos crianas, jovens e adultos a receberem uma educao de qualidade que satisfaa suas necessidades bsicas de aprendizagem e enriquea suas vidas.

    Apesar de ter sido bastante discutido e debatido, no h ainda unanimidade sobre a essncia do conceito de educao inclusiva. Em alguns pases, de acordo com Ainscow, o termo incluso ainda considerado como uma abordagem para atender crianas com deficincias dentro do contexto dos sistemas regulares de educao. Internacionalmente, porm, o conceito tem sido compreendido de uma forma mais ampla como uma reforma que apoia e acolhe a diversidade entre todos os sujeitos do processo educativo. Ainscow entende que o objetivo da educao inclusiva de eliminar a excluso social que resulta de atitudes e respostas diversidade com relao etnia, idade, classe social, religio, gnero e habilidades. Assim, parte do princpio que a educao constitui direito humano bsico e alicerce de uma sociedade mais justa e solidria3.

    A coletnea Tornar a educao inclusiva, resultado da parceria entre a UNESCO e a Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), procura aprofundar a discusso sobre o conceito e as prticas da educao inclusiva, agregando a contribuies de pesquisadores brasileiros s reflexes de especialistas internacionais nesse campo. Em um pas to diverso e complexo como o Brasil, a educao no pode representar mais um mecanismo para excluir as pessoas cujas necessidades de aprendizagem exigem uma ateno especial. Na educao para todos, inaceitvel que se qualifique todos.

    Vincent DefournyRepresentante da UNESCO no Brasil

    1. UNESCO. Declarao sobre Princpios, Poltica e Prticas na rea das Necessidades Educativas Es-peciais, Salamanca, 1994. Braslia: UNESCO, 1998. Disponvel em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001393/139394por.pdf>.

    2. UNESCO. Educao para Todos: o compromisso de Dacar. Braslia: UNESCO, CONSED, Ao Educativa, 2001..Disponvel em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127509porb.pdf>.

    3. AINSCOW, M. Speech. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON EDUCATION, 48TH session, Geneva, Switzerland, 25-28 November 2008. Inclusive education: the way of the future: final report Paris: UNESCO, 2009. Disponvel em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001829/182999e.pdf >.

    EdInc_Rev2.indd 5 9/22/09 4:58:03 PM

  • sumrio

    introduoMrcia ngela Aguiar 9

    1. tornar a educao inclusiva: como essa tarefa deve ser conceituada?Mel Ainscow 11

    2. entendendo a discriminao contra estudantes com deficincia na escolaWindzy B. Ferreira 25

    3. Financiamento da educao bsica: o pblico e o privado na educao especial brasileiraJlio Romero Ferreira 55

    4. Complexidade e interculturalidade: desafios emergentes para a formao de educadores em processos inclusivosReinaldo Matias Fleuri 65

    5. A educao inclusiva na espanhaPilar Arnaiz Snchez 89

    6. Currculo funcional no contexto da educao inclusivaAna Maria Bnard da Costa 105

    7. o processo de escolarizao e a produo de subjetividade na condio de aluno com deficincia mental leveTatiana Platzer do Amaral 121

    EdInc_Rev2.indd 7 9/22/09 4:58:03 PM

  • 8. Jovens e adultos com deficincia mental: seus dizeres sobre o cenrio cotidiano de suas relaes pessoais e atividadesRoberta Maffezol e Maria Ceclia de Ges 141

    9. A escola inclusiva para surdos: a situao singular do intrprete de lngua de sinaisCristina Lacerda e Juliana Poletti 159

    10. mltiplas representaes de docentes acerca da incluso de aluno cegoLuzia Guacira Silva 177

    11. mitos e fatos sobre os superdotadosDenise de Souza Fleith 199

    nota sobre os autores 213

    EdInc_Rev2.indd 8 9/22/09 4:58:03 PM

  • 9introduo

    A presente coletnea sobre educao inclusiva, congregando um conjunto de ensaios sobre a temtica, de autoria de estudiosos da rea, vem preencher uma lacuna neste campo de investigao. A ANPEd e a UNESCO tm plena convico da relevante contribuio que os trabalhos nela reunidos trazem para pesquisadores e pesquisadoras e para os movimentos sociais, que lutam para que sejam assegurados os direitos sociais e individuais e resgatada a imensa dvida social do pas para com amplos segmentos da populao.

    O conjunto de ensaios contempla as mltiplas questes que se intercruzam no campo da educao inclusiva a partir de vrias abordagens tericas. Os textos selecionados confirmam o acerto da escolha da temtica da educao especial para ampliar a compreenso das questes atinentes s polticas e s prticas pedaggicas que visam garantir a incluso educacional e social. Os dados apresentados e as anlises feitas suscitam questionamentos e posicionamentos em relao s condies de acesso e de atendimento nas redes de ensino e possibilitam o aprofundamento do debate sobre as aes do poder pblico e da sociedade com vistas em assegurar o direito de todas as pessoas educao escolar de qualidade social.

    O ensaio de Denise de Souza Fleith ressalta que no contexto de uma educao democrtica as diferenas individuais devem ser consideradas, e chama a ateno para o fenmeno das altas habilidades/superdotao e para os vrios mitos que foram criados sobre o estudante superdotado; da mesma forma, Mel Ainscow considera a incluso educacional como um dos maiores desafios que os pases enfrentam. Nessa mesma direo, Windyz Ferreira analisa a situao de crianas e jovens com deficincia nas escolas brasileiras e destaca o relevante papel do professor no combate excluso escolar.

    Preenchendo uma lacuna em relao aos estudos sobre financiamento da educao especial no Brasil, o artigo de Jlio Romero Ferreira faz a crtica aos dis-cursos sobre a escola inclusiva que parecem conjugar de forma perversa o discurso tica e politicamente correto do direito a uma educao no segregadora com o fascnio da reduo de custos.

    A questo da formao de professores para a educao inclusiva tratada de modo instigante por Reinaldo Matias Fleuri, que considera como o grande desafio para esta formao repensar e ressignificar a prpria concepo de educador.

    EdInc_Rev2.indd 9 9/22/09 4:58:03 PM

  • 10

    Uma viso das mudanas de direo nos objetivos tericos e prticos que do sustentao integrao escolar na Espanha discutida por Pilar Arnaiz Snchez. A autora apresenta um conjunto de propostas e de estratgias didticas e organizacio-nais que esto sendo aplicadas na Espanha para que a incluso seja uma realidade.

    Discutindo o fato de que as pessoas com deficincias intelectuais esto longe de ver concretizados seus direitos de acesso e participao nas estruturas educativas comuns, Ana Maria Benard da Costa aborda algumas estratgias preconizadas por Lou Brown para aplicao nos programas educativos funcionais, as quais possibili-tam alterar esta situao.

    As interpretaes biologizantes ou psicologizantes, que predominam nos enfoques tradicionais nas reas de psicologia escolar e educacional e na educao especial em relao pessoa com deficincia, so problematizadas no texto de Tatiana Platzer do Amaral. E o ensaio de Roberta Roncali Maffezol e Maria Ceclia Rafael de Ges aponta para uma perspectiva que abre possibilidades de desenvolvimento e de insero de jovens e adultos deficientes nos espaos do cotidiano.

    A situao singular do intrprete de lngua de sinais, temtica pouco explorada na literatura, especificamente no campo da educao, discutida no texto de Cristina B. F. de Lacerda e Juliana Esteves Poletti, que enfoca problemas e limitaes na atuao do intrprete educacional e a necessidade de ampliao das pesquisas na rea, em especial no que se refere ao ensino fundamental.

    O desenvolvimento de aes que visam incluso de pessoas cegas nos siste-mas regulares de ensino, notadamente no que concerne s alternativas pedaggicas para a efetivao de uma prtica docente que favorea a incluso social, discutido no artigo de Luzia Guacira dos Santos Silva.

    Os textos apresentados nesta coletnea suscitam reflexes e questionamentos sobre o ser humano, o meio social, a educao e a atuao do poder pblico no campo educacional, e certamente encontraro eco naqueles que desejam e se empenham em construir uma sociedade solidria em que os direitos humanos sejam promovidos e respeitados. Dessa forma, a ANPEd e a UNESCO manifestam sua satisfao em dar publicidade a esta produo coletiva, entendendo que a socializao de informaes e de conhecimentos relevantes sobre as polticas e os processos de incluso constitui uma das vias de materializao do compromisso com as mudanas sociais e educacionais que o Brasil almeja.

    Mrcia ngela AguiarPresidente da Associao Nacional de

    Ps-Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd)

    EdInc_Rev2.indd 10 9/22/09 4:58:03 PM

  • 1. tornAr A eduCAo inClusivA: Como estA tAreFA deve ser ConCeituAdA? Mel Ainscow

    O maior desafio do sistema escolar em todo o mundo o da incluso educacional. Em pases economicamente mais pobres trata-se princi-palmente de milhes de crianas que nunca viram o interior de uma sala de aula (BELLAMY, 1999). J em pases mais ricos, muitos jo-vens deixam a escola sem qualificaes teis, enquanto outros so colocados em vrias formas de condies especiais, longe das experincias educacionais comuns, e alguns simplesmente desistem, pois as aulas lhes parecem irrelevantes para suas vidas (AINSCOW, 2006).

    Diante desses desafios, h evidncias de crescente interesse na ideia da in-cluso educacional. No entanto, esta rea permanece confusa quanto s aes que precisam ser realizadas para que a poltica e a prtica avancem. Em alguns pases, a educao inclusiva vista como uma forma de servir crianas com deficincia no ambiente da educao geral. Internacionalmente, contudo, vista de forma cada vez mais ampla, como uma reforma que apoia e acolhe a diversidade entre todos os estudantes (UNESCO, 2001). A educao inclusiva supe que o obje-tivo da incluso educacional seja eliminar a excluso social, que consequncia de atitudes e respostas diversidade de raa, classe social, etnia, religio, gnero e habilidade (VITELLO; MITHAUG, 1998). Dessa forma, a incluso comea a

    11

    EdInc_Rev2.indd 11 9/22/09 4:58:03 PM

  • 12

    partir da crena de que a educao um direito humano bsico e o fundamento para uma sociedade mais justa.

    No presente ensaio, fao uma reviso do pensamento nesse campo de conhe-cimento para determinar uma direo apropriada a ser adotada. Apresento, ento, uma reviso sucinta de diferentes perspectivas sobre educao inclusiva e proponho um avano com base na ideia de que incluso um conjunto de princpios.

    o desenvolvimento dA eduCAo espeCiAl

    H 15 anos, a Conferncia Mundial de Salamanca sobre Educao para Necessidades Especiais endossou a ideia da educao inclusiva (UNESCO, 1994). Sem dvida, o documento internacional mais significativo que j apareceu na rea de educao especial, a Declarao de Salamanca defende que escolas regulares com orientao inclusiva constituem o meio mais eficaz de combater atitudes discrimi-natrias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo educao para todos. Alm disso, sugere que tais escolas podem proporcionar educao eficaz para a maioria das crianas, melhorar a eficincia e, consequentemente, o custo-benefcio de todo o sistema educacional (UNESCO, 1994). Durante os anos subsequentes sua publicao, tem havido esforos considerveis em muitos pases para mudar a poltica e a prtica educacional em direo incluso (MITTLER, 2000).

    O desenvolvimento da educao especial envolveu uma srie de estgios du-rante os quais os sistemas de educao exploraram diferentes formas de responder a crianas com deficincias e a outras que tm dificuldades de aprendizagem. A educao especial foi oferecida, por vezes, como complemento educao geral e em outros casos foi totalmente segregada.

    Uma anlise da histria da educao especial em muitos pases sugere certos padres (REYNOLDS; AINSCOW, 1994). No incio, frequentemente assumia a forma de escolas especiais separadas das escolas regulares, estabelecidas por orga-nizaes religiosas ou filantrpicas. Esse tipo de servio foi adotado e ampliado como parte das medidas educacionais nacionais, muitas vezes levando a um sistema escolar separado e paralelo para esses alunos, considerados como necessitados de ateno especial.

    Em anos recentes, no entanto, a convenincia de sistemas de educao sepa-rados foi questionada tanto do ponto de vista dos direitos humanos como da sua eficcia (AINSCOW et al., 2006). Defende-se que perspectivas que supem que a origem das dificuldades de aprendizagem est no aprendiz ignoram as influncias do ambiente na aprendizagem. No entanto, h fortes indcios em pesquisa que

    EdInc_Rev2.indd 12 9/22/09 4:58:03 PM

  • 13

    sugerem que a influncia do lar e da escola explica a qualidade da aprendizagem, e que as dificuldades educacionais podem ter outras origens alm das deficincias (DYSON; HOWES & ROBERTS, 2002). Cada vez mais h a defesa de que a reorganizao de escolas comuns dentro da comunidade (atravs de melhorias na escola) a forma mais eficaz de garantir que todas as crianas possam aprender efetivamente, mesmo as classificadas como aquelas que tm necessidades especiais (SEBBA; SACHDEV, 1997).

    A integrao de crianas com deficincias nas escolas regulares envolveu, em alguns casos, a transplantao de prticas especiais de educao para o ambiente escolar comum (MEIJER; PIJL; HEGARTY, 1997). Dessa maneira, programas integrados assumiram, por vezes, o carter de aulas especiais dentro de escolas regulares. Como resultado, tal tendncia insero desses alunos em escolas regulares no foi acompanhada por mudanas na organizao da escola regular, em seu currculo e em suas estratgias de ensino e aprendizagem. A falta de mudana organizacional provou ser uma das maiores barreiras para a implementao das polticas de educao inclusiva (DYSON; MILLWARD, 2000).

    Um problema apontado em vrios pases o de que, apesar das polticas nacionais enfatizando a integrao, h indcios de um aumento significativo na proporo de alunos que so categorizados1 como especiais para que suas escolas possam ganhar recursos adicionais (BOOTH; AINSCOW, 1998). Por exemplo, uma anlise das polticas na Austrlia, na Inglaterra, na Escandinvia e nos Estados Unidos realizada por Fulcher (1989) sugeriu que a burocracia maior, normalmente associada legislao da educao especial (e s inevitveis lutas por recursos adi-cionais), resulta em uma proporo maior de crianas que passam a ser rotuladas como deficientes. Para ilustrar, ela descreveu que em Victoria, Austrlia, durante os anos 1980 alguns alunos em escolas regulares passaram a ser descritos como crianas de integrao. Ela aponta que mais de 3.000 crianas foram consideradas pertencentes a esta categoria (que no existia antes de 1984), e que frequentemente as escolas argumentavam que esses alunos no poderiam ser ensinados a no ser que dispusessem de recursos extras. por causa de situaes como esta que, natural-mente, mudanas repentinas no nmero de crianas integradas com necessidades especiais devem ser tratadas com cautela.

    A insatisfao com o progresso da integrao resultou em exigncias para mais mudanas radicais em muitos pases (BOOTH; AINSCOW, 1998). Uma das preocupaes daqueles que adotam este ponto de vista a forma com que os estudantes passam a ser designados como pessoas com necessidades especiais. Estes

    1 Nota da revisora: Ex. Dificuldade de aprendizagem, deficincia intelectual (leve ou moderada), deficincia auditiva, distrbios de comportamento etc.

    EdInc_Rev2.indd 13 9/22/09 4:58:04 PM

  • 14

    autores veem o fato como um processo social que precisa ser desafiado continua-mente. Mais especificamente, argumentam que o uso contnuo do que por vezes referido como modelo mdico de avaliao pelo qual as dificuldades educacionais so explicadas somente em termos da deficincia da criana impede o progresso na rea, porque tira a ateno de certas questes, como por que as escolas falham em ensinar com xito tantas crianas (TRENT; ARTILES; ENGLERT, 1998).

    Tais argumentos levaram a propostas de reconceitualizao da tarefa das necessidades especiais. Este pensamento revisado sugere que o progresso ser mais provvel se reconhecermos que as dificuldades vividas por estudantes resultam das formas com que as escolas esto organizadas atualmente e dos mtodos de ensino que so oferecidos. Consequentemente, argumenta-se que as escolas precisam ser reformadas e a pedagogia deve ser melhorada, de maneira que possam responder positivamente diversidade dos alunos, isto , abordando as diferenas individuais no como problemas a serem consertados, mas como oportunidades para enriquecer o aprendizado (AINSCOW, 1999).

    Segundo esta conceitualizao, um exame das dificuldades vividas pelos es-tudantes capaz de fornecer uma pauta para reformas e insights sobre como tais reformas podem ser realizadas. No entanto, argumenta-se tambm que este tipo de abordagem tem mais chances de ser bem-sucedido em contextos em que h cultura de colaborao que encoraje e apie a soluo do problema ou o projeto de trabalho (SKRTIC, 1991). De acordo com este segundo ponto de vista, o desenvolvimento de prticas inclusivas pede queles envolvidos em um contexto particular que trabalhem juntos no sentido de lidar com as barreiras educao experimentadas por alguns alunos. Deve-se reconhecer, contudo, que tal abordagem traz ainda desafios maiores.

    deFinindo inCluso

    A confuso existente nesta rea pelo menos em parte devida, internacio-nalmente, ao fato de que a ideia de incluso pode ser definida de vrias maneiras (AINSCOW; FARRELL; TWEDDLE, 2000). importante lembrar tambm que no h uma perspectiva de incluso em um nico pas ou escola (BOOTH, 1995; BOOTH; AINSCOW, 1998; DYSON; MILLWARD, 2000).

    Com colegas, realizei recentemente uma anlise de tendncias internacionais quanto ao pensamento na rea (AINSCOW et al., 2006), a partir da qual sugeri-mos uma tipologia de cinco formas de conceituar incluso. So as seguintes:

    EdInc_Rev2.indd 14 9/22/09 4:58:04 PM

  • 15

    1. inCluso reFerente deFiCinCiA e neCessidAdede eduCAo espeCiAl

    H uma suposio comum de que incluso principalmente acerca de educao de estudantes com deficincia, ou os classificados como portadores de necessidades educacionais especiais, nas escolas regulares. A eficcia desta abordagem tem sido questionada, uma vez que, ao tentar aumentar a participao dos estudantes, a educao enfoca a parte da deficincia ou das necessidades especiais desses estudantes e ignora todas as outras formas em que a participao de qualquer estudante pode ser impedida ou melhorada.

    O ndice de Incluso, um instrumento bem conhecido de avaliao nas escolas, dispensou o uso da noo de necessidade educacional especial para definir dificuldades educacionais (BOOTH; AINSCOW, 2002). Especificamente, props a substituio da noo de necessidade educacional especial e de condio educacional especial pela de barreiras de aprendizado e participao e recursos de apoio ao aprendizado e participao. Nesse contexto, o apoio era visto em todas as atividades, o que aumentava a capacidade das escolas de responderem diversidade. Esta troca complementa as ideias de outros, como Susan Hart em seu pensamento inovador (HART, 1996, 2000).

    No entanto, ao rejeitar a ideia de incluso vinculada a necessidades educacionais especiais, h o perigo do desvio da ateno da contnua segregao vivida por estudantes com deficincias ou, na verdade, de estudantes classificados como portadores de necessidades educacionais especiais. A incluso pode envolver a afirmao dos direitos de jovens com deficincia educao comum local, uma ideia proposta veementemente por algumas pessoas com deficincia. Em locais em que alguns veem escolas especiais como uma resposta neutra necessidade, eles podem argumentar que certas crianas seriam melhor atendidas em ambientes especiais. No entanto, vistos a partir da perspectiva dos direitos, tais argumentos se tornam invlidos. Assim, a segregao compulsria considerada como um fator que contribui para a opresso de pessoas com deficincias, assim como outras prticas, baseadas em raa, sexo ou orientao sexual, que marginalizam grupos.

    Ao mesmo tempo, h preocupao sobre o efeito significativo da catego-rizao de estudantes dentro dos sistemas educacionais. A prtica de segregao nas escolas especiais envolve um nmero relativamente pequeno de estudantes (por exemplo, aproximadamente 1,3% na Inglaterra), mas exerce uma influncia des-proporcional no sistema educacional. Parece perpetuar a ideia de que estudantes precisam ser segregados por causa de sua deficincia ou dificuldade.

    EdInc_Rev2.indd 15 9/22/09 4:58:04 PM

  • 16

    A dificuldade educacional vista como necessidade educacional especial per-manece como a perspectiva dominante na maioria dos pases (MITTLER, 2000). Esta concepo absorve as dificuldades que surgem na educao, em funo de uma ampla variedade de razes, emolduradas pela necessidade individual.

    2. inCluso Como respostA A exCluses disCiplinAres

    Se a incluso mais comumente associada a crianas classificadas por terem necessidades educacionais especiais, ento, em muitos pases, sua conexo com mau comportamento est bem prxima. Assim, meno da palavra incluso, algumas pessoas dentro das escolas temem que isto signifique que lhes ser solicitado imediatamente que cuidem de um nmero desproporcional de estudantes de comportamento difcil.

    Afirmou-se que a excluso disciplinar no pode ser entendida sem estar ligada aos eventos e s interaes que a precedem, natureza dos relacionamentos e abor-dagem do ensino e da aprendizagem na escola (BOOTH, 1996). Mesmo como um simples clculo, os nmeros da excluso disciplinar formal significam pouco quando separados dos nmeros das excluses disciplinares informais, por exemplo, mandar crianas para casa no perodo da tarde, taxa de cabular aula e a categorizao de estudantes como pessoas com dificuldades emocionais e comportamentais. Nesse sen-tido, a excluso informal, em idade escolar, de meninas que engravidam e que podem ser desencorajadas a continuar a frequentar a escola continua a distorcer as percepes da composio de gnero nos nmeros oficiais de excluso em alguns pases.

    3. inCluso que diz respeito A todos os grupos vulnerveis exCluso

    H uma tendncia crescente de se ver a excluso na educao de forma mais ampla, em termos de superao da discriminao e da desvantagem em relao a quaisquer grupos vulnerveis a presses excludentes. Em alguns pases, esta perspec-tiva mais ampla est associada aos termos incluso social e excluso social. Quando usada em um contexto educacional, a incluso social tende a se referir a questes de grupos cujo acesso s escolas esteja sob ameaa, como o caso de meninas que engravidam ou tm bebs enquanto esto na escola, crianas sob cuidados (ou seja, aquelas sob cuidados de autoridades pblicas) e ciganos/viajantes. Embora comum, a linguagem da incluso e da excluso social passa a ser usada mais especificamente para se referir a crianas que so (ou correm o risco de ser) excludas da escola e salas de aula por causa de seu comportamento.

    EdInc_Rev2.indd 16 9/22/09 4:58:04 PM

  • 17

    Este uso mais amplo da linguagem da incluso e da excluso , portanto, um tanto fluido. Ele parece indicar que pode haver alguns processos comuns que ligam as diferentes formas de excluso experimentadas por, digamos, crianas com deficincias, crianas que foram excludas de suas escolas por razes disciplinares e pessoas que vivem em comunidades pobres. Deste modo, parece haver um convite para explorar a natureza desses processos e de suas origens em estruturas sociais.

    4. inCluso Como FormA de promover esColA pArA todos

    Uma linha de pensamento um tanto diferente sobre incluso refere-se ao de-senvolvimento da escola regular de ensino comum para todos, ou escola compreen-siva, e a construo de abordagens de ensino e aprendizado dentro dela. No Reino Unido, por exemplo, o termo escola compreensiva geralmente usado no contexto da educao secundria, e foi estabelecido como uma reao ao sistema que alocava crianas em escolas de tipos diferentes com base em sua capacidade aos 11 anos de idade, reforando as desigualdades baseadas nas classes sociais existentes.

    O movimento escolar compreensivo na Inglaterra, assim como a tradio Folkeskole na Dinamarca, a tradio da escola comum nos Estados Unidos e o sistema educacional obrigatrio unificado em Portugal, tm como premissa o desejo de criar um tipo nico de escola para todos capaz de servir uma comunidade socialmente diversificada. Entretanto, a nfase em uma escola para todos pode ser uma faca de dois gumes. Na Noruega, por exemplo, a ideia da escola para todos tinha a ver tanto com a criao de uma identidade norueguesa independente e singular, quanto com a participao de pessoas em comunidades diversificadas. Dessa forma, na Noruega, embora a forte nfase na educao para comunidades locais facilitasse o aumento de estudantes matriculados em instituies especiais segregadas, esta nfase no foi seguida de um movimento igualmente forte de reforma da escola regular para aceitar e valorizar a diferena. Em outros pases, houve destaque para a assimilao daqueles estudantes percebidos como diferentes dentro da homogeneidade da normalidade, em vez da transformao pela diversidade.

    5. inCluso Como eduCAo pArA todos

    A questo da incluso cada vez mais evidente em debates internacionais. O movimento Educao para Todos (EPT) foi criado nos anos 1990 em torno de um conjunto de polticas internacionais, coordenado principalmente pela UNESCO, e relacionado com o acesso e a participao crescentes na educao em todo o mundo. Ganhou mpeto atravs de duas grandes conferncias internacionais realizadas em

    EdInc_Rev2.indd 17 9/22/09 4:58:04 PM

  • 18

    Jomtien, em 1990, e Dacar, em 2000 (UNESCO, 2000). Enquanto muitas pessoas desse movimento parecem identificar a educao com a instruo, refletir sobre a educao em algumas das regies mais pobres do mundo oferece a oportunidade para repensar as escolas como um entre vrios outros meios de desenvolver educa-o nas comunidades.

    Em resposta ao fracasso de muitos pases em atingir os objetivos institudos uma dcada antes, os organizadores da Conferncia de Dacar procuraram enfatizar reas especficas em que possa haver progresso e focaram a ateno, em especial, nos nmeros desproporcionais de meninas a quem foram negadas oportunidades de edu-cao no mundo todo. Pessoas com deficincias e seus aliados ficaram preocupados com a forma com a qual pareciam estar sendo preteridos na ordem de prioridades de participao na Declarao da Educao para Todos (UNESCO, 2000). Apesar do aparente progresso havido visando chamar a ateno para as possibilidades de um sistema educacional inclusivo para todas as crianas, especificamente incluindo crianas com deficincias, isto s aconteceria na Declarao de Salamanca.

    6. inCluso Como umA AbordAgem de prinCpios eduCAo

    Estas cinco formas de pensar a incluso indicam significados dados incluso por pessoas diferentes em contextos diferentes. No estudo que realizei recentemente com meus colegas, adotamos o que pode ser visto como uma possibilidade adicional (ver AINSCOW et al., 2006, para relato detalhado deste estudo). A pesquisa foi feita em escolas inglesas que tentavam desenvolver prticas inclusivas em um contexto dirigido centralmente para um padro requerido pelo governo. Queramos examinar esse terreno com maior profundidade e, em particular, explorar as formas (as caras) que as prticas inclusivas tm nesse contexto e como tais prticas podem ser desenvolvidas e sustentadas.

    Embora a explorao detalhada daquilo que a incluso significasse para culturas, polticas e prticas de uma escola tivesse sido demonstrada no material ndice para Incluso (BOOTH; AINSCOW, 2002), este fato no significava que ns soubssemos com antecedncia quais aes deveriam ser adotadas. Barreiras para a aprendizagem e a participao e recursos para apoiar ambos s podem ser descobertos e priorizados dentro de uma escola em particular. Isto implica que nossa nfase deve se dar menos no modo que a incluso aparenta ser a sua cara e mais no modo como ela deve ser desenvolvida em escolas.

    EdInc_Rev2.indd 18 9/22/09 4:58:04 PM

  • 19

    Nesta pesquisa tomamos como ponto de partida comum uma ideia de inclu-so que envolvia articulao ampla de valores com os quais nos identificamos e nos comprometemos, e de prticas inclusivas que acreditvamos serem importantes de se tentar incorporar nas escolas. Os valores formam a base de todas as aes e planos de aes, de todas as prticas dentro das escolas e de todas as polticas para a formao da prtica. Aes, prticas e polticas podem ser consideradas como a incorporao de argumentos morais. No podemos fazer a coisa certa na educao sem a com-preenso, em algum ponto, dos valores a partir dos quais nossas aes se originam. O desenvolvimento da incluso, portanto, nos envolve na tarefa de tornar explcitos os valores que servem de base para nossas aes, prticas e polticas, e para a nossa aprendizagem sobre como melhor relacionar as nossas aes a valores inclusivos.

    Ns articulamos valores inclusivos que se referem igualdade, participao, comunidade, compaixo, ao respeito pela diversidade, sustentabilidade e ao direito. Esta lista est em estado permanente de desenvolvimento. E honestidade, li-berdade, realizao, espiritualidade? At que ponto estas questes adicionais podem derivar de outras que j fazem parte da lista? Por exemplo, a verdadeira participao pode significar liberdade de participar e, talvez, de no participar. Mas ao estabele-cer uma lista de questes, convidamos outros para pensar sobre a base de suas aes e sobre as direes que gostariam de ver o desenvolvimento da educao seguir.

    Ns tambm reconhecemos que a articulao de tais princpios abrange duas questes: quais so seus significados precisos e quais suas implicaes para a prti-ca? A questo do significado um reconhecimento de que declaraes de valores tais como estes requerem uma considervel elucidao: so complexas, podem ser disputadas e podem ser conflituosas. Por exemplo, em relao igualdade, deve ser esclarecido como muitas pessoas divergem sobre a aceitabilidade de diferenas em renda e condies de vida em cada pas e entre pases.

    Outros valores inclusivos, da mesma forma, requerem elucidao. Por exem-plo, a participao diz respeito a estar com outros e a colaborar com outros. Implica engajamento ativo e envolvimento na tomada de decises. Inclui reconhecimento e valorizao de uma variedade de identidades, para que as pessoas sejam aceitas como elas so. Ao valorizar a comunidade, reconhece-se a importncia do papel social da educao na criao e na manuteno de comunidades e do potencial das comunidades e das instituies educacionais de se sustentarem mutuamente. A valorizao da comunidade pode envolver o desenvolvimento do sentimento de responsabilidade por grupos maiores que a famlia e que a nao: a valorizao da comunidade sobre cidadania e cidadania global. A comunidade, como valor, con-vida ao cultivo de sentimentos de servio pblico.

    EdInc_Rev2.indd 19 9/22/09 4:58:04 PM

  • 20

    A ideia de sustentabilidade conecta incluso ao objetivo mais fundamental da educao: preparar crianas e jovens para formas sustentveis de vida dentro de comunidades e de ambientes sustentveis. Em uma poca em que o aquecimento global , sem dvida, a questo mais importante que afeta todos no planeta, a incluso deve certamente estar preocupada em incorporar no mbito da educao uma compreenso e respostas a esta questo. Direito abarca o reconhecimento e a convico de que crianas e jovens tm direito a uma educao mais ampla, ao apoio apropriado e a frequentar a escola local.

    No entanto, tal elucidao s nos leva a determinado caminho. Precisamos saber no s o que esses valores significam, mas tambm suas implicaes na pr-tica, e como eles podem ser colocados em prtica. Com isso em mente, do nosso ponto de vista, a incluso envolve:

    Osprocessosdeaumentaraparticipaodeestudanteseareduodesuaexcluso de currculos, culturas e comunidades de escolas locais.

    Reestruturao de culturas, polticas e prticas em escolas de forma querespondam diversidade de estudantes em suas localidades.

    Apresena,aparticipaoearealizaodetodososestudantesvulnerveisa presses exclusivas, no somente aqueles com deficincias ou aqueles ca-tegorizados como pessoas com necessidades educacionais especiais.

    Vrios aspectos destas caracterizaes de incluso tm importncia especial: a incluso abrange todas as crianas e jovens nas escolas; est focada na presena, na participao e na realizao; incluso e excluso esto vinculadas, de maneira que a incluso envolve o combate ativo excluso; a incluso vista como um processo sem fim. Assim, uma escola inclusiva aquela que est evoluindo, e no aquela que j atingiu um estado perfeito.

    Entre as desvantagens deste ponto de vista est a identificao da educao como escolarizao, enquanto ns vemos a escola apenas como um dos espaos da educao dentro das comunidades. Nesse sentido, consideramos que o papel das escolas dar apoio educao das comunidades e no de monopoliz-las. Gostara-mos tambm de enfatizar o significado da participao dos funcionrios das escolas, pais/responsveis e outros membros da comunidade. Parece-nos que no iremos muito longe no apoio participao e ao aprendizado dos estudantes se rejeitarmos identidades e histricos familiares, ou se decidirmos no encorajar a participao dos funcionrios da escola em decises sobre atividades de ensino e aprendizado. Gostaramos tambm de conectar incluso/excluso na educao, de forma mais abrangente, com presses inclusivas e exclusivas na sociedade.

    EdInc_Rev2.indd 20 9/22/09 4:58:04 PM

  • 21

    Neste artigo, eu resumi algumas formas em que os termos incluso e exclu-so so usados. Isto fez com que eu defendesse que grupos diferentes em contextos diferentes pensam sobre a incluso de forma diversa, e que no h uma definio nica e consensual. Eu tambm estabeleci o ponto de partida para o pensamento sobre incluso usado em nossa recente pesquisa, o que envolve comprometimento com certos valores definidos de maneira abrangente.

    Incluso em educao pode ser vista, dessa forma, como um processo de trans-formao de valores em ao, resultando em prticas e servios educacionais, em sistemas e estruturas que incorporam tais valores. Podemos especificar alguns deles, porque so parte integral de nossa concepo de incluso; outros podemos identificar com um razovel grau de certeza, com base no que aprendemos a partir de experin-cias. Isto significa que a incluso s poder ser totalmente compreendida quando seus valores fundamentais forem exaustivamente clarificados em contextos particulares.

    reFernCiAs bibliogrFiCAs

    AINSCOW, M. Understanding the Development of Inclusive Schools. Londres: Falmer, 1999.______. Developing inclusive education systems: what are the levers for change?. Journal of Educational Change, v. 6, n. 2, p. 109-124, 2005. AINSCOW, M.; BOOTH, T.; DYSON, A. et al. Improving Schools, Developing Inclusion. Londres: RoutledgeFalmer, 2006.AINSCOW, M.; FARRELL, P.; TWEDDLE, D. Developing policies for inclusive education: a study of the role of local education authorities. International Journal of Inclusive Education, v. 4, n. 3, p. 211-229, 2000.BELLAMY, C. The State of the Worlds Children: Education. Nova York: UNICEF, 1999.BOOTH T. A Perspective on inclusion from England. Cambridge Review of Education, v. 26, n. 1, p. 87-99, 1996.______; AINSCOW, M. (Eds.). From Them to Us: an international study of inclusion in education. Londres: Routledge, 1998.

    EdInc_Rev2.indd 21 9/22/09 4:58:04 PM

  • 22

    ______; ______. The Index for Inclusion. 2.ed. Bristol: Centro para Estudos de Educao Inclusiva, 2002.BRANTLINGER, E. Using ideology: cases of non recognition of the politics of research and practice in special education. Review of Educational Research, v. 67, n. 4, p. 425-459, 1997.CORBETT, J. Supporting Inclusive Education: a connective pedagogy. Londres: Routledge, 2001.DYSON, A.; HOWES, A.; ROBERTS, B. A Systematic Review of the Effectiveness of School-level Actions for Promoting Participation by All Students. Londres: Grupo de Estudo de Educao Inclusiva para o Centro EPPI, Instituto de Educao, 2002. Disponvel em: .FREIRE, S.; CSAR, M. Inclusive ideals/inclusive practices: how far is dream from reality? Five comparative case studies. European Journal of Special Needs Education, v. 18, n. 3, p. 341-354, 2003.FUCHS, D.; FUCHS, L. S. Inclusive schools movement and the radicalisation of special education reform. Exceptional children, v. 60, n. 4, p.294-309, 1994.FULCHER, G. Disabling Policies? a comparative approach to education policy and disability. Londres: Falmer, 1989. HART, S. Beyond Special Needs: enhancing childrens learning through innovative thinking. Londres: Paul Chapman Publishing, 1996.______. Thinking Through Teaching. Londres: David Fulton, 2000.MEIJER, C. J. W.; PIJL, S. J.; HEGARTY, S. (Eds.). Inclusive Education: a global agenda. Londres: Routledge, 1997.MITTLER, P. Working Towards Inclusive Education. Londres: Fulton, 2000. REYNOLDS, M. C.; AINSCOW, M. Education of children and youth with special needs: An international perspective. In: HUSEN, T.; POSTLETHWAITE, T. N. (Eds.). The International Encyclopedia of Education. 2.ed. Oxford: Pergamon, 1994.SEBBA, J.; SACHDEV, D. What Works in Inclusive Education? Ilford: Barnardos, 1997.

    EdInc_Rev2.indd 22 9/22/09 4:58:04 PM

  • 23

    SKRTIC, T. The special education paradox: equity as the way to excellence. Harvard Educational Review, n. 61, p. 148-206, 1991.TRENT, S. C.; ARTILES, A. J.; ENGLERT, C. S. From deficit thinking to social constructivism: a review of theory, research and practice in special education. Review of Research in Education, n. 23, p. 277-307, 1998.UNESCO. The Open File on Inclusive Education. Paris: UNESCO, 2001.______. World Conference on Special Needs Education: access and quality; final report. Paris: UNESCO, 1994.VITELLO, S. J.; MITHAUG, D. E. (Eds.). Inclusive Schooling: National and international perspectives. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 1998.

    EdInc_Rev2.indd 23 9/22/09 4:58:04 PM

  • 2. entendendo A disCriminAo ContrA estudAntes Com deFiCinCiA nA esColA Windyz B. Ferreira

    Este artigo tem como objetivo contribuir para a reflexo acerca do tema discriminao vivida por crianas e jovens com deficincia nas escolas brasileiras. Experincias de discriminao constituem, com frequncia, elemento comum na vida daqueles que pertencem a grupos sociais vulnerveis. No cotidiano de pessoas com deficincias, a vivncia de situaes ou comportamentos discriminatrios caracteriza-se como um evento comum. Apesar disso, persiste o vcuo das evidncias cientficas produzidas por estudos em con-traposio ao vasto conhecimento emprico sobre tais experincias em geral e, em particular, no contexto da educao brasileira. Exatamente por isso urgente dirigir nossos olhares para as experincias de discriminao vividas por crianas e jovens com deficincia no sistema educacional, visando iluminar tais prticas e, no mnimo, fomentar a reflexo sobre formas de combat-las.

    A histria atesta que os direitos so desiguais para grupos sociais e pessoas distintas. Mulheres, negros, indgenas, pessoas com deficincia, mais recentemente pessoas portadoras do vrus da aids, entre outros, lutam para conquistar direitos igualitrios na sociedade. Embora muitas barreiras para promover e ampliar tais direitos j tenham sido eliminadas em consequncia da ao dos movimentos so-ciais, ainda persiste a desigualdade social traduzida na falta de oportunidades de

    A importnCiA dA insero do temA nA FormAo de eduCAdores(As) pArA A inCluso

    25

    EdInc_Rev2.indd 25 9/22/09 4:58:04 PM

  • 26

    acesso educao de qualidade necessria para realizar o pleno desenvolvimento de cada indivduo e sua cidadania (FERREIRA, 2001, 2006a).

    Hoje, estudos (FERREIRA et al., 2002; SCS 2001, 2003) e relatrios (DAA, 2001) esclarecem que os direitos do grupo social constitudo pelas pessoas com deficincia tm sido sistematicamente violados: a essas pessoas tem sido negado o direito a uma vida digna e produtiva, na qual possam participar de atividades regu-lares do cotidiano como qualquer outro ser humano. As pessoas que nascem com deficincias ou as adquirem ao longo da vida so continuamente privadas de opor-tunidades de convivncia com a famlia e seus pares, de aprendizagem educacional formal (na escola) e informal (em casa, na rua etc.), de possibilidades de acesso ao trabalho e a atividades de lazer e cultura, entre outros.

    O argumento central deste artigo o de que existe uma lacuna de conheci-mentos sobre os direitos humanos e a sua consequente violao (por exemplo, na forma de comportamentos, procedimentos, sanes ou exigncias discriminatrias) na formao dos educadores(as), a qual constitui slida barreira para o desenvol-vimento de escolas inclusivas para todos(as) quando se trata especificamente do grupo social constitudo por crianas, jovens e adultos com deficincia. Defendo aqui que o acesso ao saber sobre os direitos humanos, em particular, os direitos das pessoas com deficincia no Brasil, conscientiza o professor e torna-se um elemento-chave no combate excluso nos sistemas educacionais.

    Neste artigo, visando contribuir para a reflexo sobre o tema discriminao no campo da educao, primeiro defino o conceito de discriminao a fim de elucid-lo no mbito das experincias vividas por pessoas com deficincia. Segundo, apresento breve perspectiva da situao do estudante com deficincia no sistema educacional brasileiro. Terceiro, trato da violao do direito educao desses indivduos para, a seguir, apresentar o estudo Crianas com Deficincia e a Conveno dos Direitos da Criana: um instrumento de defesa (FERREIRA et al., 2002; SCS, 2003) e as categorias de violao dos direitos de crianas e jovens com deficincia no contexto da educao.

    o que disCriminAo e Como se mAniFestA nA vidA de pessoAs Com deFiCinCiAs?

    Segundo o Dicionrio Aurlio (1999), discriminar significa diferenciar, distinguir, discenir; estabelecer diferena (p. 690). Quando a discriminao tem um carter proibitivo, qualquer ato ou procedimento discriminatrio implica re-duzir ou limitar as oportunidades de acesso e manuteno da atividade realizada

    EdInc_Rev2.indd 26 9/22/09 4:58:04 PM

  • 27

    (Wikipedia, 2006). A discriminao pode se manifestar, entre outras formas, com base nas diferenas entre os sexos, idade, cor, estado civil, deficincia, doena, orien-tao sexual ou ainda, por exemplo, pela exigncia de certides ou exames para determinadas pessoas (como candidatos a emprego, matrcula ou outra atividade).

    O ato discriminatrio pode ser visvel e provocar reprovao imediata por parte daqueles que o presenciam, ou pode ser invsivel, velado, camuflado, sem pro-duzir aparentemente consequncias adversas imediatas para a pessoa discriminada.

    disCriminAo visvel

    Quando a discriminao vsivel, o ato se manifesta, por exemplo, quando uma pessoa com deficincia1 impedida por um segurana de entrar em recinto pblico, conforme a experincia vivida por Charles (nome fictcio):

    Uma vez eu fui ao supermercado e fui barrado na porta pelo guarda. Ele foi logo me dizendo que ali no era lugar para eu pedir esmolas. Eu disse que tinha dinheiro e que eu fui l para comprar, mas ele disse: Eu no vou permitir a entrada de um deficiente mal vestido. Tenho certeza de que isso foi uma dis-criminao, porque eu sou deficiente e pobre (FERREIRA et al., 2002, p. 37).

    Charles, um rapaz com deficincia fsica, usa muletas e tinha 14 anos quando contou sua experincia para a pesquisadora que o entrevistou. O constrangimento social vivido por ele poderia ter provocado imediatamente reaes por parte de algumas pessoas presentes no supermercado no sentido de sua defesa. Contudo, po-demos inferir, quase sem margem de erro, que provavelmente a maioria das pessoas que presenciou o impedimento de Charles de acesso ao supermercado seria a favor do guarda por acreditar que o deficiente pobre estaria l tentando pedir esmolas. Portanto, o segurana estaria apenas fazendo seu trabalho.

    Isto quer dizer que haveria uma tendncia natural aceitao da discrimina-o visvel entendida assim como um procedimeto correto por parte do segurana em consequncia do desconhecimento dos direitos de qualquer pessoa de acesso a um recinto pblico, seja ele qual for, independente de sua aparncia ou de outra condio: religiosa, deficincia, socioeeconmica, ou segundo a sua orientao sexual, entre outras.

    1 Ou pessoa negra, portadora do vrus HIV/Aids ou outra condio qualquer que esteja na base do ato dis-criminatrio.

    EdInc_Rev2.indd 27 9/22/09 4:58:04 PM

  • 28

    disCriminAo velAdA

    No caso de discriminao velada ou invisvel, os efeitos do ato manifestam-se sobre determinados grupos, mas no so imediatamente aparentes. Em alguns casos, a discriminao pode ser entendida como um benefcio para o sujeito discriminado, isto , realizar tarefas para uma pessoa que no tem capacidade de execut-las. Por exemplo, uma criana com deficincia intelectual que tem tudo na mo (no pode se alimentar sozinha, no ensinada a se vestir, no estimulada a amarrar o prprio sapato, algum escova seus dentes ou penteia seu cabelo etc.) impedida de fazer qualquer atividade diria porque h uma crena em sua incapacidade de se incumbir dessas tarefas. Dessa forma, a pessoa que realizar a ao (tarefas, atividades) discrimi-natria acredita estar beneficiando a criana com deficincia, ajudando-a naquilo que, segundo se pensa, ela no pode fazer sozinha. Contudo, neste caso, a limitao de oportunidades para desenvolver autonomia cria gradualmente prejuzos sociais e de aprendizagem para a vida desta criana, porque a torna cada vez mais dependente.

    A experincia contada por um cego sobre seu amigo, ilustra bem a tragdia pessoal (OLIVER, 1997) do jovem Aurlio (nome fictcio):

    Meu amigo (cego) saiu de casa e foi para o instituto quando ele tinha 16 anos. Ele morava no interior. A famlia isolou tanto ele, que ele era dependente dos outros. Ele costumava dizer que a famlia no ligava para ele. E porque no teve contato com pessoas at essa idade, ele seria incapaz de ser independente. Da, ele cometeu suicdio... (FERREIRA et al., 2002, p. 28).

    A histria acima, que revela a gravidade e a fora destrutiva da discrimina-o, foi contada por um cego que tambm vivia em uma instituio para cegos. Certamente a maioria das pessoas consideraria que Aurlio foi beneficiado com sua matrcula na escola para cegos e no pensaria no abandono e na dor sentidos por ele, que acabaram por gerar seu medo de sobreviver sozinho no mundo real e a sua tragdia. Aurlio suicidou-se aos 18 anos, quando teria que deixar a escola para cegos, porque no se sentia preparado para viver autonomamente.

    A invisibilidade das pessoas com deficincia nos espaos sociais comuns e a crena em sua incapacidade (FERREIRA, 2004), associados ao desconhecimento ignorncia sobre os seus direitos e os direitos humanos em geral, esto na raiz das atitudes e dos procedimentos discriminatrios. A discriminao contra indivduos e grupos em condio social de subalternidade so to frequentes que, historica-mente, se tornou necessrio a publicao de documentos legais que tratassem do

    EdInc_Rev2.indd 28 9/22/09 4:58:04 PM

  • 29

    tema, como a Conveno Internacional Contra a Eliminao de Todas as Formas de Discriminao Racial, que conceitua discriminao como

    [...] qualquer excluso, restrio ou preferncia baseada em raa, cor, descendncia ou origem nacional ou tnica, que tenha o pro-psito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exerccio em p de igualdade de direitos humanos, e liberda-des fundamentais nos campos poltico, econmico, social, cultural ou qualquer outro domnio da vida pblica (ONU, 1968).

    No Brasil, a Constituio Federal, ao tratar de Direitos e Garantias Indivi-duais, em seu captulo referente a Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, esta-belece que Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza [...] (BRASIL, 1988, p.15).

    disCriminAo negAtivA x Aes AFirmAtivAs

    Em geral, o termo discriminao tende a ser usado com conotao negativa, todavia, isto no se traduz como um entendimento correto que dele se tenha. Segundo Vilas-Bas (2003), a discriminao negativa quando h a ocorrncia de tratamento diferenciado visando menosprezar uma pessoa ou um grupo social, impedindo sua participao em condio de igualdade ou provocando constrangimento, como foi o caso de Charles no supermercado. Entretanto, quando a discriminao ou o tratamento diferenciado objetiva equiparar as oportunidades do sujeito da discriminao negativa como uma forma de garantir sua igualdade de direitos, a discriminao torna-se ento positiva. As aes afirmativas no cenrio atual da educao brasileira por exemplo, as cotas para negros, estudantes da rede pblica e pessoas com deficincia nas instituies de ensino superior constituem aes que se propem a minimizar as desigualdades existentes entre grupos discriminados atravs de polticas pblicas compatveis. As aes afirmativas devem ser aplicadas pelo perodo de tempo necessrio para acelerar mudanas sociais e provocar rpido impacto no que diz respeito s garantias de direitos, mas no para sempre, como muitos acreditam.

    A diferena no tratamento dirigido a algum com base em qualquer condio individual relaciona-se diretamente igualdade (ou no) de oportunidades que este indivduo encontra em sua vida, pois o princpio da igualdade estabelece como objetivo colocar todos os membros daquela determinada sociedade na condio de participar da competio pela vida, ou da conquista do que vitalmente mais significativo, a partir de posies iguais (BOBBIO, 1997, p. 31).

    EdInc_Rev2.indd 29 9/22/09 4:58:04 PM

  • 30

    Assim, se a discriminao for favorvel ao acesso a oportunidades, o ato ou o procedimento discriminatrio criar ou aumentar as chances ou os pontos de partida para a autorrealizao do indivduo. Se, por outro lado, a discriminao des-favorecer, impedir, constranger ou desvalorizar o indivduo, ento ela ter efeitos sociais perversos tal como tem ocorrido historicamente com o grupo constitudo pelas pessoas com deficincia.

    Tanto a discriminao negativa quanto a positiva acontecem nas escolas, contudo, a negativa ainda prevalece e prejudica a incluso de pessoas com deficincia na rede de ensino e na vida escolar. Dessa forma, parece indiscutvel a necessidade de introduzir contedos curriculares relativos aos direitos humanos e, em particular, aos direitos das pessoas com deficincia cuja legislao no Brasil hoje vasta (BRASIL, 2001b) na formao inicial, na ps-graduao e nas aes de formao continuada de curta ou longa durao.

    breve perspeCtivA dA situAo do estudAnte Com deFiCinCiA no Contexto eduCACionAl brAsileiro

    Relatrios internacionais estimam que existam em torno de 600 milhes de pessoas com deficincia no mundo, a maioria das quais vive em pases economica-mente pobres e em condies existenciais de extrema vulnerabilidade. Segundo a Organizaao Mundial de Sade (OMS), nas economias em desenvolvimento pases do Sul em torno de 10% da populao possuem algum tipo de deficincia e, dessas, menos de 1% tem acesso a qualquer tipo de tratamento ou servio educacional.

    No Brasil, o Censo Demogrfico de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) revela que 14,5%2 da populao brasileira apresentam algum tipo de incapacidade ou deficincia. So pessoas com ao menos alguma dificuldade de enxergar, ouvir, locomover-se ou com alguma deficincia fsica ou mental.

    No mbito da educao brasileira, o Censo Escolar de 2005 revela que do total de 56.091.884 matrculas da rede de ensino brasileira (pblica e privada), 640.317 so de alunos(as) com necessidades educacionais especiais, termo definido no Censo como:

    [estudantes que] apresentam, durante o processo educacional, difi culdades acentuadas de aprendizagem que podem ser no vinculadas a uma causa orgnica especfica ou relacionadas a con-dies, disfunes, limitaes ou deficincias, abrangendo dificul-

    2 Equivalente a 24.600.256 habitantes.

    EdInc_Rev2.indd 30 9/22/09 4:58:05 PM

  • 31

    dades de comunicao e sinalizao diferenciadas dos demais alu-nos, bem como altas habilidades/superdotao (INEP, 2005).

    importante aqui destacar que o Censo Demogrfico de 2000 tambm re-vela que do total da populaco3 brasileira, 13,52%4 so de crianas e jovens com deficincia, com idade entre 0 e 19 anos, dos quais 19,2% (640.317) tm acesso a algum nvel de escolarizao, da educao infantil ao ensino profissionalizante de nvel mdio (INEP, 2005). Tais nmeros, contudo, no contemplam informaes sobre ciclo, srie, relao idade-srie e fluxo escolar do estudante com deficincia no sistema regular de ensino comum, lacuna esta que impossibilita uma viso mais realstica das caractersticas e da efetividade do processo de escolarizao desses(as) alunos(as).

    Ao mesmo tempo, tais dados indicam que, embora as matrculas estejam aumentando na rede de ensino, as condies educacionais mantm-se desiguais para os estudantes com deficincia terem sucesso escolar. Entre as razes para esta desigualdade, muitas esto diretamente relacionadas discriminao vivida por eles durante a sua escolarizao. Em outras palavras, o direito de no ser discriminado e de ter acesso aos recursos e aos apoios de que necessitam para estudar em condies de igualdade ainda permanecem a marca predominante da sua vida escolar, e por isso que se torna urgente a promoo da aquisio de conhecimentos relevantes na rea de direitos humanos por parte de educadores(as) e comunidades escolares.

    Conforme o Relatrio sobre as Vidas de Crianas com Deficincia Tambm nosso mundo! 5:

    Mudana possvel. Apesar da escala de violaes e apesar da extenso da discriminao e hostilidade dirigidas deficincia, h no mundo todo exemplos concretos de poltica e prtica que indicam o que pode ser alcanado com viso, compromisso e vontade para ouvir as crianas com deficincia e suas famlias. vital que estes exemplos positivos sejam disseminados, com-partilhados e acrescidos a fim de ampliar e fortalecer as boas prticas para promover e respeitar os direitos das crianas com deficincia no mundo (DAA, 2001, p. 41).

    3 Em torno de 170 milhes em 2000.4 Equivalente a 3.327.111 crianas e jovens.5 Em ingls, It is our world too!

    EdInc_Rev2.indd 31 9/22/09 4:58:05 PM

  • 32

    Dessa forma, a promoo e a defesa dos direitos das crianas, assim como as medidas de proteo a elas, aos jovens e adultos com deficincia, devem constituir meta governamental e estar no centro da agenda das polticas pblicas (federal, estadual e municipal), dos projetos polticos pedaggicos e das misses de organi-zaes do terceiro setor.

    violAo do direito eduCAo dAs pessoAs Com deFiCinCiAs

    Mundialmente, a violao dos direitos da criana e do jovem educao tem sido objeto de ateno e denncia da sociedade civil, de educadores(as), mdia e pesquisadores(as). Nesse contexto, a publicao da Declarao Universal dos Direi-tos Humanos6 (ONU, 1948) constituiu um marco na organizao da sociedade civil para promover e defender os direitos de indivduos e grupos que sofrem discrimi-nao de toda sorte, e nele o movimento das pessoas com deficincia tem ganhado adeptos e conquistado espaos cada vez mais significativos.

    Na mesma linha, houve a publicao da Conveno dos Direitos da Criana - CDC (ONU, 1989), ganhando impulso, na dcada de 1990, o compromisso so-cial em relao aos direitos da criana. Como consequncia, inmeros documentos internacionais foram aprovados com o objetivo de defender e promover os direitos das crianas em geral e, em particular, daquelas que vivem em situao de risco. A CDC possui 54 artigos, cujos textos garantem mecanismos legais que oferecem as bases para aes jurdicas contra rgos administrativos, entidades civis e de cunho social, escolar e outros. O contedo dos artigos 2, 3, 6, 12 da CDC, cujas snteses veremos a seguir, fornecem elementos legais para a elaborao de estratgias de incluso e formas de garantir que todas as crianas, incluindo aquelas com defici-ncia, tenham acesso escolarizao e sucesso escolar (permanncia). O artigo 23 trata especificamente dos direitos de crianas e jovens com deficincia.

    Artigo 2 - Os Estados-partes asseguraro a toda criana sob sua jurisdio os direitos previstos nesta conveno sem discriminao de qualquer tipo baseadas na condio, nas atividades opinies ou crenas, de seus pais, representantes legais ou familiares.

    Artigo 3 - Todas as medidas relativas s crianas tomadas por instituies de bem-estar social pblicas ou privadas, tribunais e autoridades administrativas deve-6 O primeiro documento sobre os direitos da criana publicado pela ONU foi a Declarao dos Direitos da

    Criana, de 1952. Em 1985, a ONU publicou Normas Mnimas das Naes Unidas para a Administrao da Justia Juvenil (As Normas de Beijing) e, em 1989, a Conveno dos Direitos da Criana, a qual final-mente ganhou poder legal e deve, portanto, nortear a legislao de todos os pases.

    EdInc_Rev2.indd 32 9/22/09 4:58:05 PM

  • 33

    ro considerar, primordialmente, o interesse maior da criana e se comprometero em assegurar a proteo e os cuidados necessrios ao seu bem-estar, particularmente no tocante segurana e sade das crianas, ao nmero e competncia de seu profissionais, e existncia de superviso adequada.

    Artigo 6 - Todos os Estados-partes reconhecem que toda criana tem direito vida e asseguraro ao mximo a sobrevivncia e o desenvolvimento da criana.

    Artigo 12 - Aos Estados-partes cabe assegurar criana o direito de exprimir suas opinies livremente, levando-se em conta sua idade e maturidade. Ser dada criana a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial e adminis-trativo que lhe diga respeito em conformidade com as regras processuais do direito nacional.

    Artigo 23 - Os Estados-partes reconhecem que toda criana com deficincia fsica ou intelectual dever desfrutar de uma vida plena e decente; reconhecem o direito da criana deficiente de receber cuidados especiais; estimularo e asseguraro a prestao de assistncia adequada ao estado da criana, que ser gratuita e visar assegurar criana deficiente o acesso educao, capacitao, aos servios de sade, aos servios de reabilitao, a preparao para emprego e s oportunidades de lazer, de forma que ela atinja uma completa integrao social. Os Estados-partes promovero ainda o intercmbio e a divulgao de informaes a respeito de mto-dos e tcnicas de tratamento, educao e reabilitao para que se possam aprimorar os conhecimentos nestas reas (grifos meus).

    No ano anterior publicao pela Organizao das Naes Unidas da Conveno dos Direitos da Criana, a Constituio Federal Brasileira de 1988 estabeleceu que:

    constitutem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (Art. 3 - inciso IV - grifo meu).todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natu-reza, garantindo-se aos brasileiros [] a inviolabilidade de seu direito vida, igualdade, segurana [] [e] punir qualquer discriminao atentatria dos direitos e liberdades fundamen-tais (Art. 5 - grifos meus).

    EdInc_Rev2.indd 33 9/22/09 4:58:05 PM

  • 34

    No Brasil, outras leis ratificam a CDC e garantem os direitos de crianas e jovens com deficincia, entre elas, a Lei no 7.853/89, o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA Lei no 8.069) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Bra-sileira (BRASIL, 1996), conforme apresento a seguir.

    lei n 7.853/89

    Esta lei foi criada para garantir s pessoas com deficincia a sua integrao social. O documento tem como normas gerais assegurar o pleno exerccio dos direi-tos bsicos deste grupo social, incluindo o direito educao, sade, ao trabalho, ao lazer e previdncia social. No mbito educacional, a lei refora os direitos da criana e do jovem com deficincia educao quando estabelece como crime

    [...] punvel com recluso de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa: I. recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrio de um aluno em estabelecimento de en-sino de qualquer curso ou grau, pblico ou privado, por motivos derivados da deficincia que porta (BRASIL, 1989, p. 274).7

    A Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Defi-cincia (Corde)8 foi reestruturada a partir da Lei no 7.853/89 e se tornou o rgo responsvel pela coordenao das aes governamentais relacionadas pessoa com deficincia, pela elaborao de programas e projetos e pela conscientizao da socie-dade quanto integrao social da pessoa com deficincia.

    estAtuto dA CriAnA e do AdolesCente (eCA) (lei n 8.060 mAs, 1990)

    O ECA foi publicado em 1990 como uma resposta s diretrizes internacio-nais estabelecidas pela Conveno dos Direitos da Criana (ONU, 1989). O Estatuto prioriza a criana e o adolescente e estabelece os direitos e os deveres do Estado para com todas as crianas e jovens brasileiros:

    nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punindo na forma da lei qualquer atentado por ao ou omisso aos seus direitos fundamentais (ECA, 1990).

    7 A mesma lei tambm vlida para o mercado de trabalho e o empregador.8 CORDE. Disponvel em:

    EdInc_Rev2.indd 34 9/22/09 4:58:05 PM

  • 35

    Especificamente em relao s pessoas com deficincia, o Estatuto ressalta que tero atendimento especializado no Sistema nico de Sade (SUS) e deve-ro ser atendidos, preferencialmente, no sistema regular de ensino, alm de terem assegurado e protegido seu trabalho. Algumas das conquistas relevantes trazidas particularmente por esta legislao so:

    a) o direito de proteo integral da criana; b) o direito de ser ouvido; c) o direito da criana e do adolescente de ter direitos, e d) a criao dos conselhos tutelares nos municpios, os quais tm como atri-

    buio proteger a criana e o adolescente sempre que os seus direitos forem violados ou ameaados por ao ou omisso da sociedade ou do Estado; por falta, omisso ou abuso dos pais ou responsveis, em razo de sua conduta (ECA, 1990, p. 23, grifos meus).

    lei de diretrizes e bAses dA eduCAo nACionAl (ldb) lei no 9394/96

    A LDB inova ao introduzir o Captulo V, que trata especificamente dos direitos dos educandos portadores de necessidades especiais9 (Art. 58) educao preferencialmente nas escolas regulares, e institui o dever do Estado de estabelecer os servios, os recursos e os apoios necessrios para garantir escolarizao de qualidade para esses estudantes, assim como determina como dever das escolas responderem a tais necessidades desde a educao infantil (Art. 3).

    Desde a publicao da LDB, o termo preferencialmente tem sido foco de debate entre especialistas da rea, estudiosos, acadmicos, organizaes do terceiro setor e simpatizantes, pois h os que defendam que esta terminologia d margem a procedimentos excludentes por parte dos sistemas educacionais (federais, esta-duais e municipais) e das escolas, ao mesmo tempo em que oferece as bases legais para tais procedimentos. Outros defendem que o termo apenas garante o direito daqueles que preferem matricular seus filhos em escolas especiais e argumentam que o sistema regular de ensino, respondendo poltica de incluso, deve absorver indiscriminadamente nas escolas regulares de ensino comum todas as crianas, os jovens e os adultos, inclusive aqueles com deficincias.

    O problema, contudo, est no fato de que o termo preferencialmente possibi-lita a perpetuao da excluso de qualquer criana, jovem e adulto com deficincia

    9 Conforme texto da lei.

    EdInc_Rev2.indd 35 9/22/09 4:58:05 PM

  • 36

    com base na lei, isto , ele pode ser usado como justificativa pelas escolas para recu-sar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer suspender (Lei no 7.853/89) a matr-cula do(a) aluno(a) com deficincia, uma vez que h falta de preparo dos docentes e inexistncia de recursos para educar esses estudantes, como ainda acontece com frequncia no pas. O termo preferencialmente permite s escolas afirmarem que prefervel que este(a) educando(a) estude em uma escola segregada apropriada para ele(a)! Tanto o termo como o procedimento ferem o princpio democrtico da incluso, porque violam o direito de as pessoas com deficincia estudarem como todos! nas mesmas escolas que seus irmos, colegas, vizinhos.

    No Brasil, reconhecendo a crise de qualidade que afeta o sistema educacional e que gera fracasso e evaso escolar, o Plano Nacional de Educao PNE (BRA-SIL, 2001d, 2004) assume o compromisso de responder educacionalmente por uma ampla gama de grupos vulnerveis e de reduzir as desigualdades no que diz respeito ao acesso, permanncia na escola e ao sucesso escolar. A Secretaria de Educao Especial10 do MEC tem o papel de elaborar, implementar, coordenar e acompanhar a poltica nacional de incluso de pessoas com deficincia nas escolas da rede de ensino e de elaborar e aperfeioar os instrumentos de coleta de dados utilizados nas pesquisas oficiais realizadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-caionais Ansio Teixeira (Inep).11

    No se pode negar o fato de que no sistema educacional brasileiro ainda h lacunas slidas de recursos materiais (ex.: salas de recursos, materiais e equipa-mentos) e recursos humanos, como profissionais especializados na rea de educao especial e professores(as) com um entendimento claro do que seja incluso na sala de aula e capazes de ensinar usando metodologias de ensino que so inclusivas.12 Todavia, tambm no se pode ignorar o fato de que nos ltimos cinco anos o n-mero de matrculas na rede de ensino de alunos com deficincia tem aumentado sistematicamente. Vale destacar que nesse mesmo contexto aumentou o acesso das famlias e das prprias pessoas com deficincia aos dispositivos legais existentes, acesso este que as torna gradualmente melhor preparadas para lutar pelos seus direi-tos educao. A histria abaixo ilustra uma das muitas manifestaes de defesa do direito de pessoas com deficincia educao; ela reflete experincias acontecidas em todas as regies brasileiras:

    10 Seesp. Disponvel em: .11 Inep. Disponvel em: .12 A Secretaria de Educao Especial lanou em 2005 o Projeto Nacional Educar na Diversidade, que tem

    como objetivo formar docentes usando metodologias de ensino inclusivas na sala de aula regular de forma a garantir a participao efetiva de todos os educandos(as), incluindo aqueles com necessidades educacionais especiais, nas atividades realizadas na classe. Para maiores informaes: . Para acessar o material de formao Educar na Diversidade: .

    EdInc_Rev2.indd 36 9/22/09 4:58:05 PM

  • 37

    Em uma cidade no sul do pas, a me de um menino cego de nove anos que nunca tinha estudado decide matricular seu filho na escola. A escola, por sua vez, no aceita a matrcula, justificando que no esto preparados para ensinar um aluno cego: nenhum professor conhece Braille e a escola no possui os recursos necessrios. Segura de seus direitos, a me procurou um Procurador da Repblica que, junto com a me, procurou a Secretaria de Educao do municpio. A Secretaria esclareceu que, infelizmente, na cidade no tinha nenhum aluno cego na rede e ningum que soubesse Braille, assim, no havia como atender quele aluno. A soluo encontrada em conjunto para garantir o direito daquele aluno foi que durante seis meses a prefeitura asseguraria o transporte do aluno a uma escola da cidade mais prxima e, durante aquele perodo, a Secretaria realizaria a formao de professores(as) em Braille para que o aluno pudesse finalmente ser matriculado em uma escola de sua cidade. O resultado da iniciativa da me foi que, no ano seguinte, havia na cidade dez professores capacitados para ensinar Braille e ensinar em Braille e outras nove crianas e jovens cegos se matricularam na rede de ensino daquela cidade.

    Experincias como esta so fundamentais para serem disseminadas, servirem de modelo e mostrarem que a discriminao contra crianas e jovens alunos com deficincia no pode mais ser aceita como uma prtica legtima nas escolas brasi-leiras. Alm disso, a experincia acima ilumina como as parcerias entre prefeituras (ou estados), escolas, famlias e os diversos setores da sociedade civil constituem elemento-chave para colaborativamente encontrar alternativas viveis que garantam os direitos desses estudantes.

    diretrizes nACionAis pArA A eduCAo espeCiAl nA eduCAo bsiCA Cne n 02/2001

    Respondendo ao Captulo V da LDB, as Diretrizes tm como objetivo orien-tar os sistemas educacionais acerca da educao de alunos(as) com necessidades educacionais especiais na sala comum das escolas da rede regular e oferecer sub-sdios para a constituio das diversas modalidades de atendimento (especializado, hospitalar e domiciliar) ao estudante com deficincia. Em seu Art. 2, as Diretrizes (BRASIL, 2001c) estabelecem que

    EdInc_Rev2.indd 37 9/22/09 4:58:05 PM

  • 38

    Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo s escolas organizarem-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condies necessrias para uma educao de qualidade para todos (grifo meu).

    Este documento define os estudantes que tm necessidades educacionais especiais13 como aqueles com dificuldades acentuadas de aprendizagem, associadas ou no deficincia; os que tm dificuldades de comunicao e expresso; e aqueles com grande facilidade de aprendizagem (altas habilidades/superdotao), garantindo a todos o direito matrcula em classes comuns da educao regular e o direito ao atendimento educacional especializado.

    lei de ACessibilidAde (lei n 10.098/2004)

    Esta lei atende a uma demanda histrica dos movimentos sociais que defen-dem os direitos das pessoas com deficincia: trata da acessibilidade ao meio fsi-co (edifcios, vias pblicas, mobilirio, equipamentos urbanos etc.), aos sistemas de transporte, de comunicao e informao e de ajudas tcnicas. Tal lei representa um passo decisivo para a incluso de crianas, jovens, adultos e idosos com deficincia ou mobilidade reduzida nas vrias esferas da vida humana, incluindo escola, servios de sade, mercado de trabalho, lazer, turismo e acesso cultura.

    O avano na legislao deveria representar um avano tambm na incluso de pessoas com deficincia nos sistemas educacionais, assim como se considerados os textos legais o acesso, a permanncia e o sucesso escolar de alunos e alunas com deficincia deveriam estar representados no panorama educacional atual. Todavia, apesar de todo o arsenal legislativo, a realidade e os dados disponveis (SCS, 2003; FERREIRA et al., 2002; BANCO MUNDIAL, 2003; BIELER, 2004) revelam que, para a grande maioria da populao, as leis e os procedimentos legais no so conhecidos e, consequentemente, os direitos das pessoas com deficincia continu-am sendo violados de inmeras formas (BANCO MUNDIAL, 2003; FERREIRA, 2003, 2006b).

    13 Na mesma linha, o Censo Escolar 2005 define alunos com necessidades educacionais especiais como aqueles que apresentam, durante o processo educacional, dificuldades acentuadas de aprendizagem, que podem no estar vinculadas a uma causa orgnica especfica ou relacionadas a condies, disfunes, li-mitaes ou deficincias, abrangendo dificuldades de comunicao e sinalizao diferenciadas dos demais alunos, bem como altas habilidades/superdotao.

    EdInc_Rev2.indd 38 9/22/09 4:58:05 PM

  • 39

    Como resultado de tal estado da arte, as crenas e os mitos sobre as incapa-cidades das pessoas com deficincia continuam a perpassar o cotidiano escolar e a se manifestar na forma de discriminaes que geram a excluso daqueles que, a muito custo, conseguiram romper as barreiras de acesso escolarizao. Assim, necessrio e urgente conhecer como a discriminao se materializa no contexto escolar.

    estudo Crianas Com DefiCinCia e a Conveno Dos Direitos Da Criana: um instrumento de deFesA

    Como vimos, aps a publicao da LDB, em 1996, o nmero de estudan-tes com deficincias aumentou no sistema de ensino brasileiro. Apesar disso, esses estudantes ainda enfrentam barreiras significativas tanto para serem matriculados nas escolas, como para serem aceitos pelas comunidades escolares e terem acesso a oportunidades para aprender contedos curriculares relevantes sua formao hu-mana e ao seu desenvolvimento escolar. Colocado de forma simples, estudantes com deficincias, mesmo que matriculados nas escolas pblicas ou privadas, continuam sofrendo discriminao e so empurrados para as margens da vida escolar (ALLAN, 1999), conforme dados do estudo14 Crianas com Deficincia e a Conveno dos Direitos da Criana: um instrumento de defesa (FERREIRA et al., 2002).

    Durante o ano de 2002, coordenei na ONG Ed-Todos15 o estudo exploratrio qualitativo de pequena escala16 sobre violao dos direitos de crianas e jovens com deficincia em duas cidades nordestinas, o qual teve como objetivo aprofundar e sistematizar o conhecimento emprico existente sobre experincias de discriminao vividas por essa populao no mbito de suas famlias, escolas e comunidades. (O estudo tambm identificou experincias positivas que refletem os direitos estabelecidos pela Conveno dos Direitos da Criana (ONU, 1989), que no sero aqui abordadas.)

    Considerando-se os objetivos do estudo, adotamos entrevista (semiestrutu-rada individual e em grupo) como o principal instrumento de coleta de dados,17 a partir da qual mapeamos relatos de experincias de discriminao. A anlise dos dados levantados permitiu-nos identificar caractersticas comuns de experincias de 14 O referido estudo reproduziu o estudo internacional (SCS, 2001) de mesmo nome, ambos realizados com

    financiamento da organizao Save the Children, da Sucia (www.scslat.org), que tem como misso pro-mover e defender os direitos de crianas e jovens.

    15 A ONG Educao para Todos Ed-Todos foi fundada em 1998 e tem como misso promover os direitos de crianas, jovens e adultos de grupos vulnerveis e combater a excluso educacio-nal atravs da promoo da educao inclusiva.

    16 Realizado no primeiro semestre de 2002.17 Realizada por uma equipe constituda por dois alunos de graduao dos cursos de Histria e Pedagogia,

    uma psicloga e uma acadmica, ambas especialistas na rea de necessidades educacionais especiais e educao da pessoa com deficincia.

    EdInc_Rev2.indd 39 9/22/09 4:58:05 PM

  • 40

    discriminao e estabelecer categorias diversas em que estas se inserem. Os relatos, por sua vez, foram organizados como pequenas histrias ilustrativas que oferecem recortes relevantes do tipo de discriminao vivida e contada por crianas e jovens com deficincia.

    A coleta de dados foi realizada em escolas regulares e em escolas especiais ou instituies especializadas de atendimento pessoa com deficincia. A populao entrevistada era constituda por um universo de 163 indivduos, abrangendo na sua maioria crianas e jovens com deficincia com idade entre 0 e 18 anos,18 conforme estabelecido no Artigo 1 da CDC, e suas mes. Secundariamente, entrevistamos pais (sexo masculino) ou parentes e vizinhos, docentes e profissionais que atuam em escolas especiais ou instituies que oferecem servios de reabilitao para essa po-pulao. No total, foram colhidos 265 histrias ou eventos isolados de violao (ou de respeito) aos artigos da Conveno de Direitos da Criana. Os dados revelam que:

    Omaiornmerodehistriasrefere-seaexperinciasvividaspormeninoserapazes, e um menor nmero, por meninas e moas: a diferena percentual entre sexos de 16,5%.

    Amaioriadashistriasdeexperinciasvividasporcrianasejovenscomdeficincia intelectual (33,74%), em seguida, por deficincia fsica (19,01%) e deficincia visual (15,3%), muitos dos quais puderam ser ouvidos durante as entrevistas.

    Osmenoresndicesdehistriasreferem-sesdificuldadesemocionaisedecomportamento (5,52%), deficincia auditiva (6,3%) e deficincia mltipla (8,58%).

    Nossa interpretao para estes ltimos dados a de que, no caso de crianas e jovens que apresentam dificuldades no mbito do comportamento (transtornos globais de desenvolvimento), o baixo percentual se deu pelo fato de elas no esta-rem nas escolas ou nas instituies que visitamos. No segundo caso, no realizamos entrevistas nas escolas de surdos e, no terceiro caso, porque as crianas e os jovens com deficincia mltipla so predominantemente atendidos por servios convenia-dos (clnicas mdicas e de reabilitao), ou pelo Sistema nico de Sade (SUS) postos e hospitais.

    Ao final da coleta e da tabulao dos dados, constatamos que o nmero de crianas e jovens entrevistados com dificuldade de aprendizagem era bastante redu-zido. Ento, decidimos visitar duas escolas pblicas que possuam classes especiais,

    18 Todos os nomes aqui usados so fictcios para proteger a identidade das crianas e de suas famlias.

    EdInc_Rev2.indd 40 9/22/09 4:58:05 PM

  • 41

    e procedemos a uma nova srie de entrevistas a fim de levantar dados mais consis-tentes sobre as experincias vividas por esses estudantes.

    Os achados do estudo mostraram que a violao ao direito educao, co-mum na rede escolar, possui inmeras facetas perversas para a criana e o jovem com deficincia e sua famlia, influenciando sobremaneira o modo como as pessoas ou as organizaes entendem e respondem a elas, conforme pode ser observado a seguir:

    as escolas e os(as) professores(as) no esto e no se sentem preparadospara receber crianas com deficincia em suas classes regulares; assim, uma das prticas mais comuns nas escolas a recusa da matrcula ou a tentativa de ver se a criana se adapta;

    ascrianaseosjovensquesoaceitosnasescolasdaredepblicadeensinotendem a abandon-las, pois elas no respondem s suas necessidades; com isso, perdem oportunidades de conviver com seus pares e de encontrar mais oportunidades para o seu desenvolvimento;

    asfamliasqueretiramseusfilhosdasescolaspblicas,masnodesistemdesua escolarizao, inclinam-se a buscar escolas especiais ou escolas particu-lares, isto quando a sua situao financeira permite;

    com frequencia, um nmero significativo de crianas que estudam emescolas especiais posteriormente integradas a escolas regulares tendem a ser reencaminhadas s escolas especiais por seus responsveis consider-las menos discriminatrias e menos arriscadas para os seus filhos;

    algumasmesconsideramqueasescolasespeciaisnosoambientessegu-ros para os seus filhos em funo de duas razes:

    - facilidade para os filhos e as filhas deixarem o prdio da escola sem nenhum tipo de controle por parte dos funcionrios;

    - possibilidade de as filhas ou os filhos serem agredidos por crianas maiores;

    nas escolas privadas h a tendncia para a no aceitao das crianas com deficincias sob a alegao de que a escola no est preparada para receb-las; entretanto, aquelas que matriculam esses(as) alunos(as) podem acrescentar uma taxa extra mensalidade, justificada pela assistncia extra que a criana deve requerer. Contudo, a referida taxa no assegura a prometida assistncia;

    EdInc_Rev2.indd 41 9/22/09 4:58:05 PM

  • 42

    aeducaooferecidaparaessesestudantes,emgeral,pobreemqualidadeeducacional e mantm-se no mbito das atividades oferecidas na educao infantil, isto , atividades ldicas, artsticas e esportivas, o que contribui para a perpetuao da crena em suas incapacidades e na falta de oportuni-dades para se desenvolverem.

    Alm dos achados acima apresentados, foram identificadas quatro categorias que abrangem as formas de violao19 dos direitos de crianas e jovens com defici-ncia no contexto educacional escolar, consideradas pela equipe de pesquisa como as mais representativas das experincias vividas, quais sejam: a) despreparo da escola e dos(as) professores(as); b) preconceito por parte de pais e educadores(as) de crianas sem deficincia; c) situaes de agresso verbal e de desrespeito; e d) submisso dos pais em situaes de discriminao.

    A) desprepAro dA esColA e dos(As) proFessores(As)

    O estudo detectou que as escolas e os professores se consideram desprepa-rados para receber alunos(as) com deficincia, para inseri-los no contexto e nas atividades escolares e para integr-los na classe e com os colegas. Os professores parecem acreditar que se dispuserem de seu tempo na classe para apoiar este(a) educando(a), envolv-lo(a) nas atividades propostas para a turma ou integr-lo(a) s atividades com os colegas, isto se dar em detrimento dos outros estudantes. Na mesma linha, os pais de alunos(as) com deficincia tambm consideram que os(as) professores(as) no esto preparados para ensinar seus filhos. As histrias a seguir ilustram algumas situaes de discriminao sofridas por esses estudantes em suas turmas, particularmente em relao no participao nas atividades pedaggicas e ao isolamento da classe como um todo.

    A gente tentou muitas vezes matricular nosso filho numa escola regular, mas no tivemos sucesso sempre ouvamos NO dos diretores e, a justificativa era de que no estavam preparados para lidar com este tipo de aluno e de que ele precisa de uma escola especializada.(Me de Paulo, que tem dez anos e deficincia intelectual) Ricardo tem trs anos e viso subnormal. Est estudando numa creche (em sala de aula comum), mas a professora o deixa isolado, de forma que seus coleguinhas no possam se aproximar dele. Ela

    19 As histrias de respeito no so abordadas neste artigo, por ser nosso foco a experincia de discriminao.

    EdInc_Rev2.indd 42 9/22/09 4:58:05 PM

  • 43

    disse que no tem condies e nem tempo para trabalhar com ele, por isso, evita que as outras crianas se aproximem dele.(Profissional)

    Eu estudei no instituto dos cegos. Pra mim foi uma vitria estudar na melhor escola do Nordeste. Com 15 anos fui para a escola regular. Os professores e meus colegas no me respeitavam. Uma vez minha professora disse: No sei pra que cego estuda nesse colgio. Eles do muito trabalho e deveriam estudar numa escola especial s para eles. Na rua, s vezes as pessoas me do esmolas, como se tivessem pena de mim(Fernando, 18 anos)

    Recusar matrcula, matricular e isolar na sala de aula, impedir o contato com os colegas configuram-se atos discriminatrios e violaes graves do direito de qualquer estudante educao e convivncia em condio de igualdade, conforme j discutido na legislao. O mesmo vale, portanto, para a pessoa com deficincia. Ento, a crena no despreparo da escola e do(a) educador(a) j cristalizada no discurso e na cultura das escolas no se justifica mais, pois se as escolas esto despreparadas, seus(suas) gestores(as) deveriam buscar efetivar a preparao docen-te necessria para tambm escolarizar esses estudantes. Se os(as) educadores(as), contudo, ainda no se sentem confiantes quanto ao seu repertrio pedaggico para ensinar estudantes com deficincia, precisam buscar apoio nos colegas docentes, nos prprios estudantes com deficincia e nas suas famlias e tambm nos outros educandos, para juntos construrem um novo fazer pedaggico que inclua todos(as) nas atividades e na vida escolar. Alm disso, os docentes devem exigir da gesto da escola o desencadeamento de aes, em parceria com as secretarias de educao e as organizaes do terceiro setor, que contemplem as necessidades docentes, assim como aconteceu com o aluno cego na cidade do sul do Brasil, citado neste artigo.

    b) preConCeito por pArte de pAis e eduCAdores(As) de CriAnAs sem deFiCinCiA

    O estudo revela que educadores(as) e pais de estudantes sem deficincia os habitualmente denominados normais expressam claramente seu preconceito quanto convivncia entre seus filhos e os colegas com deficincia e revelam igno-rncia acerca dos benefcios de tal convivncia. Preconceitos geram inevitavelmente

    EdInc_Rev2.indd 43 9/22/09 4:58:06 PM

  • 44

    a no aceitao desses(as) alunos(as) e o seu isolamento na sala de aula e na rede de relaes da escola. Ambos os atos so discriminatrios e estabelecem as razes da excluso na escola, conforme as histrias a seguir ilustram:

    Edson foi inserido com sucesso na escola particular, que se mobi-lizou para receb-lo. Entretanto, o pai de um outro aluno recusou-se a aceitar a ideia de que o seu filho estudaria com um colega com deficincia. Este pai mobilizou os outros pais e convenceu-os a retirar os seus filhos da escola caso Edson permanecesse nela. A turma de Edson foi fechada e ele foi obrigado a deixar a escola. (Profissional Edson tem sete anos e dficit auditivo e visual)Na idade escolar, Ronaldo foi estudar numa escola regular, onde s permaneceu um ano, pois a professora disse que ele no ti-nha condies de estudar e que tirava a concentrao das outras crianas. Ele tem muita vontade de estudar, mas as escolas no o aceitam. (me de Ronaldo, que tem deficincia intelectual)Sempre que tentava uma creche para Gustavo a resposta era a mesma: No aceitamos porque ele deficiente. A me dele sempre explicava que ele s tinha paralisia nas pernas e que era capaz de aprender como qualquer outra criana. Mesmo assim no conseguiu vaga em nenhuma creche. Hoje Gustavo fica em casa com as tias e a av. Ele assiste TV o dia todo. (me/tia de Gustavo, que tem trs anos)

    O preconceito visvel ou implcito nas histrias acima revela ignorncia e desconhecimento sobre as potencialidades das pessoas com deficincia e o entendi-mento da deficincia como uma entidade homognea (FERREIRA, 2004), isto , consider-la como incapacidade significa necessariamente entender que qualquer pessoa que seja caracterizado por ela incapaz de aprender. No entanto, diferentes deficincias geram diferentes nveis, ritmos e estilos de aprendizagem, exatamente como acontece com pessoas que no as tm. Um bom e claro exemplo o fsico Stephen Hawkings, mundialmente conhecido, que tem uma deficincia fsica severa e brilhante intelectualmente, com um nvel de produo e reconhecimento inter-nacional acima da mdia dos acadmicos em geral.

    A crena infundada, calcada no desconhecimento sobre as possibilidades de desenvolvimento e nas potencialidades de aprendizagens da pessoa com deficincia, gera preconceito e excluso educacional. Dessa forma, o combate ao preconceito, atravs da promoo da conscientizao das comunidades escolares em relao s

    EdInc_Rev2.indd 44 9/22/09 4:58:06 PM

  • 45

    pessoas com deficincia, constitui ao urgente nas organizaes educacionais, visan-do evitar que crianas como Edson, Ronaldo e Gustavo, este ltimo que s tinha pa-ralisia nas pernas, sejam impedidas de exercer seu direito educao. Nesse contexto, fundamental que no haja dvidas sobre a importncia do papel do(a) professor(a) no sentido de conscientizar e prevenir situaes como as que apresento a seguir.

    C) situAes de Agresso verbAl e de desrespeito

    O nvel de agresso verbal, rotulao e desrespeito criana e ao jovem com deficincia signif