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Trabalhadores de Rua em São Paulo Anne Galvão Leonardo Freitas

Trabalhadores de Rua em São Paulo

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Trabalhadores de Rua em São Paulo

Anne Galvão Leonardo Freitas

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Trabalhadores de Ruaem São Paulo

Anne Galvão Leonardo Freitas

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Dedicamos este livro aos nossos pais, orientadores, entrevistados, amigos e a todos aqueles que colaboraram para sua

concretização.

2008

Projeto Gráfi co-Editorial

Catia Borges

Textos

Anne Galvão e Leonardo Freitas

Imagens

Anne Galvão (15, 16, 20-23, 27-29, 31-34, 37, 38, 43-47, 51-59, 62-64, 66-74, 76)

Leonardo Freitas (capa, 13, 14, 17-19, 25, 26, 35, 39-41, 48, 49, 61, 78)

Reprodução do Termo de Permissão de Uso - TPU (4ª capa)

Tratamento de imagens

Anne Galvão

Ficha catalográfi ca

FREITAS, Leonardo; GALVÃO, Anne

Trabalhadores de Rua em São Paulo

São Paulo, 2008

78 p., 59 ilustrações

Trabalhador ; Informal ; São Paulo

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Este projeto nasceu de uma preocupação de ordem política que se baseia na idéia de que o regime em que vivemos deve

efetivar a busca pela igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais para consolidar-se democrático.

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SumárioIntrodução .................................................................................................................................................................................................... 11

Diretor do Sindicato dos Permissionários Ambulantes e Trabalhadores na Economia Informal .......................................... 13

Simone, feirante .......................................................................................................................................................................................... 15

Lucina, fl orista ............................................................................................................................................................................................. 25

Presidente do Sindicato dos Camelôs Independentes da Cidade de São Paulo .......................................................................... 37

M, camelô ..................................................................................................................................................................................................... 39

Fabiano, artesão ........................................................................................................................................................................................... 51

Representante dos catadores de materiais recicláveis da Baixada do Glicério ............................................................................. 61

T e J, catadores ............................................................................................................................................................................................. 63

Conclusão (com considerações do especialista sindical Kjeld Jakobsen)...................................................................................... 75

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Ao longo do século 20, a forte migração de trabalhadores de outras regiões em busca de melhores condições de vida

na cidade de São Paulo, o pólo de desenvolvimento econômico mais importante do país desde a industrialização, resultou

em um notório excedente de mão-de-obra disponível. Dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego1 apontam que a

taxa de desemprego total na Região Metropolitana de São Paulo era de 14% em agosto de 2008, sendo 3,3% a parcela de

desemprego oculto pelo trabalho precário2. Este contingente corresponde a 351 mil trabalhadores, cujas atividades estão

à margem de regulamentação e controle por parte do poder público.

Recorrer à informalidade implica na perda de direitos previstos pela Consolidação das Leis Trabalhistas3, conquista

da força sindical que garante, essencialmente, a carteira de trabalho assinada, salário mensal, 13º salário, repouso semanal

remunerado, férias de 30 dias a cada ano, vale-transporte, licença-maternidade, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

(FGTS), horas-extras e seguro-desemprego. De acordo com o Portal Exame4, 45,4% da população ocupada no Brasil não

usufrui de tais benefícios.

Especifi camente, o trabalhador de rua - categoria composta por camelôs e ambulantes - é vulnerável a uma série de

difi culdades para conseguir o sustento próprio e de sua família. Geralmente instalados em pontos de grande trânsito

de pessoas, estes autônomos costumam trabalhar de 12 a 14 horas diárias, sem margem de lucratividade estável, sujeitos

à variação climática e violência urbana. Mesmo sem licença para trabalhar como vendedores permissionários, muitos

1. Realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

Socioeconômicos (Dieese)

2. Pessoas que, para sobreviver, exerceram algum trabalho, de auto-ocupação, de forma descontínua e irregular, ainda que não remunerado em

negócios de parentes e, além disso, tomaram providências concretas, nos 30 dias anteriores ao da entrevista ou até 12 meses atrás, para conseguir

um trabalho diferente deste (Seade)

3. Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas

4. Nota publicada em 27/03/2008 no Portal Exame, por Jacqueline Farid

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O Sindicato dos Permissionários Ambulantes e Trabalhadores na Economia Informal (Sipatei) foi criado em 2007 e

localiza-se à rua Leite de Morais, nº 29, no bairro de Santana. Protege, hoje, 480 ambulantes e camelôs da zona norte da

cidade de São Paulo. Para fi liar-se ao sindicato, o trabalhador deve pagar uma mensalidade de R$30 e possuir o Termo

de Permissão de Uso1 (TPU). Este documento surgiu em 1989, durante o governo da prefeita Luiza Erundina, mas foi

revogado por Celso Pitta dez anos depois. Ou seja, quem não encontrou uma fonte de renda fora da informalidade depois

de 1999, está em situação ilegal.

O atual diretor do Sipatei, José Tadeu Natal (47), corre atrás de providências para que todos os trabalhadores de rua

da região consigam o TPU e, para os que têm, não a percam. O documento, por ser precário e oneroso, não garante

estabilidade ao trabalhador, pois este corre o risco de ser cassado de repente. “Qualquer prefeito pode chegar e revogar”,

afi rma Tadeu, assistindo a situação desfavorável de 1999 se repetir na atual prefeitura de São Paulo de Gilberto Kassab,

reeleito em 2008.

O diretor acredita que, para melhorar a realidade dessas pessoas, algumas restrições da Lei do Ambulante2 devem

ser alteradas, como distância de 15 metros de uma banca fi xa da outra, e poderiam ser tomadas medidas estruturais que

atendam a categoria. “É um trabalho muito pesado, cansativo. Precisar ir ao banheiro e não ter ninguém para tomar conta

da barraca... Se o fi scal passa e vê a barraca sozinha, ela é apreendida”, ressalta o representante da categoria. Aqueles que

não podem pagar estacionamento para suas bancas e mercadorias precisam levá-las e trazê-las de suas casas diariamente,

“Quem gosta de trabalhar com sol e chuva na cabeça nessa vida de 10 a 12 horas diárias de trabalho?”

1. O Termo de Permissão de Uso é dividido nas categorias: Defi ciente Físico de Natureza Grave; Defi ciente Físico de Capacidade Reduzida; Sexagenário; e

Fisicamente Capaz

2. Lei 11.039/91, regulamentada pelo decreto 42.600/02

arriscam investimentos em mercadorias para revenda ao público, que podem ser apreendidas a qualquer momento pela

constante ameaça da fi scalização.

Considerando as reduzidas chances de colocação ou recolocação dessas pessoas em empregos formais, em função da baixa

qualifi cação profi ssional, agravada muitas vezes pela idade, a ampla maioria dos trabalhadores de rua têm como necessidade

comum a regulamentação de sua atividade. Existe, ainda, uma relevante preocupação no que diz respeito a resoluções do poder

público diante da crise da Previdência Social.

Grande parte da pobreza da nação se concentra em famílias com pelo menos um membro trabalhando no setor

informal5. Negligenciar tais evidências resulta na falta de estratégias de políticas públicas que dinamizem a economia

informal de maneira favorável ao crescimento econômico, combatendo a miséria e evitando a exclusão social.

...

De tão presente, o trabalhador de rua já é parte intrínseca do cotidiano da cidade de São Paulo. Retratamos, aqui,

algumas histórias de pessoas inseridas nesta realidade.

5. JAKOBSEN, Kjeld. Mapa do Trabalho Informal - São Paulo: Fundação Perseu Abramo (Tabela 42 Medida da Distribuição de Renda Familiar per capita)

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Simone, feirante

enfrentando as ruas da cidade em horário de pico e correndo o risco de acidentes, além de atrapalhar o trânsito. Tadeu

acredita que um projeto urbanístico aperfeiçoado evitaria que o ambulante precisasse desmontar a barraca. “Afi nal, a

banca atrapalha durante o dia, não durante a noite”, conclui.

Apesar das difi culdades, Tadeu lembra que “antigamente, o ambulante fazia uma briga sozinho ou com dois ou três

mais. Hoje a maioria se organiza, tanto que conseguimos colocar 800 ambulantes dentro da prefeitura de São Paulo para

exigir mudanças em 1999.” Os ambulantes fi liados ao Sipatei têm direito a advogados que defendem seus interesses

perante a prefeitura. Além disso, existe a freqüente preocupação por parte do sindicato em manter os TPUs e pontos

fi xos dos camelôs. “Já vimos muitos casos de lojistas que não foram assaltados porque o ambulante estava na porta. E vice-

versa”, conta o sindicalista.

“A maior conquista do Sipatei foi acabar com a propina em 2002. Na época, um fi scal ameaçava um ambulante irregular, pedindo 30, 50, até 100 reais por semana para não delatá-lo. Um dia, o ambulante nos disse que não agüentava

mais e queria denunciar o que estava acontecendo. Chamamos o pessoal do Ministério Público, que veio com a Rede Globo e um policial disfarçado de

ambulante. Tiramos cópia das notas que seriam entregues. O fi scal chegou para pegar o dinheiro e foi dada voz de prisão no momento em que ele atravessava a

rua. Ele dizia que o dinheiro era dele, mas mostramos que as notas deles eram as mesmas que estavam xerocadas. Funcionário de carreira, o fi scal fi cou seis meses no Distrito da Casa Verde, teve o cargo exonerado a bem do serviço público e, no

futuro, não terá direito à aposentadoria.”

José Tadeu Natal

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Debaixo do viaduto da estação Santana do metrô, zona norte da cidade, a maioria dos feirantes não precisa desmontar

suas barracas, pois a feira ali funciona 24 horas por dia. Há quatro anos, Simone (35) trabalha em uma delas, que prioriza

o fornecimento de verduras e legumes.

Nascida em São Paulo, Simone trabalhou em diversas atividades caseiras desde os 12 anos. Ela se casou aos 20 com

Nilson (37) e passou a ter intimidade com o ritmo da feira. Nilson tinha, com o irmão, uma banca móvel e percorria os

bairros vizinhos. Em 2003, Simone adquiriu com a irmã uma loja de roupas com parte do seguro de vida do falecido pai.

Ela conciliava a loja com a feira para ajudar o marido até que, três anos depois, seu pequeno empreendimento faliu e ela

passou a se dedicar integralmente à banca. “Eu trabalho aqui na feira de terça a domingo. Me acostumei fácil, mas é muito

cansativo”, diz.

O casal mora com a fi lha de 14 anos em uma casa alugada no Jardim Brasil. Nilson acorda às quatro horas da madrugada

para buscar mercadorias no depósito Santa Rosa e no Ceagesp1. Às dez horas ele está na banca com os produtos, que são

descarregados e separados para entregas a clientes e restaurantes. “Chego oito horas e fi co até a hora que precisa pra deixar

tudo arrumado, o que acontece lá pelas 22hrs”, diz Simone. Ela, o marido e o cunhado, contam com um funcionário,

que tem direito a férias, 13º salário e uma ajuda de custo informal em caso de demissão. Simone argumenta que a maior

desvantagem de trabalhar por conta própria são as altas despesas. “Gastamos com funcionário, embalagens, produtos, o

TPU, que é 78 reais por mês, o INSS2, mas mal vai dar retorno, então contribuímos com a Previdência Privada. E mais 30

reais mensais do sindicato2”, analisa Simone.

1. Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo

2. Instituto Nacional do Seguro Social

3. Sipatei – Sindicato dos Permissionários Ambulantes e Trabalhadores na Economia Informal

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Simone é católica, mas também acredita na Doutrina Espírita. Lê Drummond e Shakespeare, vai ao teatro, gosta de

fi lmes de ação, ouve Chitãozinho e Xororó e seus motivos de viver são as coisas simples do dia-a-dia. “Aprendi que eu tenho

que me amar e respeitar primeiro. Depois vem minha fi lha, meu marido, meus pais... minhas pessoas”, refl ete, enquanto faz

seletas de cenoura, mandioquinha e chuchu, cortadinhos na bandeja de isopor.

Na infância, Simone teve duas hérnias, arritmia cardíaca, bronquite, rinite, sinusite e operou carne esponjosa e amídalas.

Com isso, criou o sonho de ser médica. Por infl uência da educação do pai, que era militar, Simone tem uma postura

centrada. “Enfr entei cinco mil candidatos e fi quei em 35º lugar para curso técnico em enfermagem no Centro Paula Sousa4,

depois de oito anos sem estudar”, se orgulha. Ela se formou em agosto de 2008 e aguarda a emissão da licença do Coren5

para buscar emprego na sua área. “Será a primeira vez que trabalharei com carteira assinada”, conta.

Por enquanto, Simone passa o dia cortando, embalando, pondo preços em produtos, atendendo clientes, tudo ao

mesmo tempo. Diferente das feiras populares, a banca não baixa o preço conforme o dia passa. “Aqui, o cliente vai do miserável

ao rico. Ele vira o produto que compra. Temos o cliente da batata, o cliente do tomate, da cenoura, e por aí vai”, diz e ri.

4. O Centro Paula Souza administra 151 Escolas Técnicas (Etecs) e 47 Faculdades de Tecnologia (Fatecs) estaduais

5. Conselho Regional de Enfermagem

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“Feirante não tem tempo pra fi car doente. Feirante se alimenta bem!”

“Sempre sobra

algo que não

dá para vender,

porque veio

amassado ou

murcho, então

não vai pro lixo,

a gente dá.“

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Lucina, f lorista

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Lucina (64) administra uma banca de fl ores ao lado da

Igreja São Judas, na zona sul. Em Taubaté, onde nasceu, ela

tinha um alto nível de vida como dona de uma confecção

de chinelos, produzindo 12 mil pares por mês. A família

recomeçou do zero quando, em 1982, vendeu a fábrica

para comprar, na capital do Estado, uma empresa de

fantoches. Sem que soubessem, esta empresa devia mais

de dez anos de direitos trabalhistas aos funcionários, e

faliu. O dono anterior nunca foi encontrado.

Mesmo com estudos completos até o segundo grau,

a idade pesou para Lucina ao procurar emprego. Sempre

com a ajuda de seu marido, Mário (76), ela trabalhou

vendendo acessórios de cozinha, teve lanchonete, teve

bar, cozinhou para uma grande empresa, vendeu produtos

mineiros, geléia de legumes, crepes suíços, salgadinhos e

comida marinha. Em 1988, Mário prestou atenção em

uma banca de fl ores que estava passando o ponto, e a

comprou.

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Desde então, a jornada de trabalho do casal é cansativa: mais

de 12 horas diárias. Atualmente, além de Mário, ajudam na banca

suas duas fi lhas e mais uma funcionária. A rotina, também aos

domingos e feriados, começa com Mário indo ao Ceasa1 às duas

horas da madrugada para adquirir as melhores fl ores; Lucina abre

a barraca às sete horas. A banca possui Termo de Permissão de Uso

e não costuma ter problemas com a prefeitura. “Somos afi liados

ao Sinpesp2, mas não precisamos usar seus serviços. Pago o sindicato

para ajudar nas despesas dos funcionários deles.”

Em feriados, o movimento na barraca é excepcionalmente

maior, principalmente no dia dos namorados, dia de mães e pais,

dia do padroeiro da igreja - que acontece no dia 28 de cada mês -

e no Natal. “Faturamos o sufi ciente para vivermos tranquilamente,

pagar nossas contas todas e o aluguel em dia”, conta Lucina. Embora

rentável dentro do universo informal, há também um prejuízo

considerável por conta de estrago das fl ores, principalmente no

verão.

1. Central de Abastecimento de São Paulo

2. Sindicato dos Permissionários em Pontos Fixos nas Vias e Logradouros do

Município de São Paulo

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Lucina é uma avó moderna de cinco crianças, adepta à fotografi a digital, computador, rock pesado e música eletrônica.

“Há sete anos, eu estava 16 quilos acima do meu peso e comecei a correr. Para quem não conseguia correr nem 100 metros, atingir

62 quilômetros em uma ultramaratona de 12 horas não é nada mal!”, analisa sorridente. Mesmo sem muito tempo para dedicar

à corrida, sua maior paixão, Lucina já coleciona títulos de destaque em maratonas brasileiras: medalhas e troféus esportivos

que incluem colocações como primeiro lugar no ranking da categoria de praia 2007, segundo lugar da categoria de montanhas

2007 e segundo lugar na categoria de lama 2008.

“Sou uma mulher de 12 ofícios e 13 necessidades”, explica Lucina, comentando que sempre há algo que queira melhorar em si

e que não existe tempo ruim, mesmo para trabalhar. Nesses anos de banca, Lucina aprendeu tudo sobre os mais diversifi cados

tipos de fl ores e, sobretudo, a potência da fé. “Quanto pior a situação econômica do Brasil, mais fl ores eu vendo. Porque os clientes

vêm pedir ajuda para São Judas e sempre levam uma fl orzinha, né?”, comenta.

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O Sindicato dos Camelôs Independentes da Cidade de São Paulo (Sindcisp) foi fundado em 1999 e tem sede na

rua Brigadeiro Machado, nº 309, no bairro do Brás. Atualmente, a entidade conta com cerca de sete mil fi liados, entre

os contemplados pelo Termo de Permissão de Uso (TPU), licença que dá ao ambulante o direito de se fi xar em um

determinado ponto, e os completamente irregulares. “Há uma parte um pouco ausente do sindicato por conta da perseguição

do atual governo [Gilberto Kassab]”, lembra Afonso José da Silva (39), presidente do sindicato que usava adesivos de

divulgação da campanha de Marta Suplicy na camisa.

Com a contribuição de dez reais mensais, os associados contam com a ajuda sindical para negociações com a prefeitura

para a obtenção do TPU, assistência jurídica para comprovar renda ao fi nanciar bens e toda a orientação necessária para

um mínimo de amparo trabalhando nas ruas de São Paulo. “Existe o perigo de violência urbana, tem que passar por todas

as difi culdades climáticas como sol, chuva, fr io, e ainda tem que enfr entar as humilhações de lojistas jogando papel higiênico

usado do segundo andar de suas lojas! Sem contar os massacres que o governo impõe” defende Afonso.

Nesse governo foi proibida a emissão de novos TPUs, e cassados os já existentes. “Só aqui no bairro do Brás foram cerca

de mil, inclusive o meu. O documento é um título precário e oneroso. Qualquer governo mal intencionado pode fazer isso”,

diz o ativista.

Afonso acredita ser uma contradição o descaso com os trabalhadores da categoria. “É uma falha política antiga. A partir

do momento em que o governo não garantiu o nosso emprego e a nossa carteira assinada, teria que dar uma assistência,

mas, infelizmente, até o presente momento não teve um governo que realmente se preocupasse com a causa. Só em combater

“A nossa categoria eu posso te afi rmar: não são camelôs por opção”

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M, camelô“Podem falar, ‘mas emprego tem’, tem sim! Mas pra quem tem uma qualifi cação profi ssional, pra quem tem um nível superior,

pra quem não tem defi ciência física, pra quem não passou da idade...”

“Já perdemos muitos companheiros que morreram de leptospirose, pessoas que já foram feridas por balas perdidas na

rua, os que são vítimas de carros desgovernados.”

o efeito. Mas pra eliminar a gente, só eliminando o problema social: a falta de infr a-estrutura e de emprego”, analisa o

presidente do sindicato. Disciplinar, organizar, distribuir documento para todos, e que o dinheiro pago em tributo ao

TPU seja revertido em benefícios para a própria categoria: essas são as soluções sugeridas pelo Sindcisp para melhorar a

situação dos camelôs.

Em 1999, Afonso denunciou aquela que fi cou notoriamente conhecida como a máfi a dos fi scais: “Por conta das

denúncias que fi z, fui vítima de um atentado, levei quatro tiros no peito, passei 13 dias em coma, sobrevivi e dedico minha vida

à causa. Economicamente eu não tenho nada, não tenho nada. E não abro mão do que faço, porque tenho amor ao que faço, e,

por isso, faço.”

Afonso José da Silva

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Na saída da estação Guaianazes da CPTM1, uma rua estreita divide seu espaço com carros e ambulantes.

Ao redor, casas de alvenaria sem reboco e música tocando em alto volume. Ali, M (44) trabalha em sua

barraca, que oferece pães, cocadas caseiras e bebidas. Ele concluiu apenas o ensino fundamental; é um

evangélico fervoroso, que a cada venda agradece com um “Deus lhe abençoe”, e carrega uma defi ciência física

resultante de Talidomida2.

M diz que desde a infância nunca foi motivo de chacota, por saber impor respeito. “Quando eu era

moleque, me diverti muito. Joguei bola, brinquei bastante. Tudo o que eu quis fazer, eu fi z”, conta. Habilidoso,

M trabalha desde os nove anos e já exerceu as mais diversas funções na região da zona leste, sem nunca ter

carteira assinada ou a licença para atuar legalmente como camelô. Ele foi ajudante em uma banca de carnes,

vendeu sorvetes, coletou papelão na rua, foi empacotador, trabalhou com frios e teve barraca de frutas em

feira. Atualmente, M trabalha numa jornada que chega a mais de 15 horas de segunda a domingo, entre a

compra de produtos para revenda e o horário alternativo em que monta a banca, para fugir da fi scalização.

“Quando os fi scais chegam, não tem jeito, levam tudo embora. Outro dia fui parar na delegacia. Eu disse pra

eles ‘mas eu tô trabalhando!’”, explica o camelô. Em épocas de eleição, M nota que a fi scalização fi ca amena:

“Tendo menos fi scais nas ruas nesses períodos, a imagem do político [que quer se reeleger] é valorizada, né?”

1. Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

2. Medicamento prescrito a mulheres grávidas para amenizar enjôos que, em 1962, apenas cinco anos após o seu surgimento, foi

diagnosticado como causa de mais de dez mil casos de defeitos congênitos em todo o mundo.

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M conta uma renda mensal de R$ 900 para arcar com todas as despesas da família, e não contribui com a previdência.

Ele mora com a esposa e seis de seus sete fi lhos em uma casa localizada em um terreno da prefeitura que não possui

escritura, apenas um contrato de compra e venda. “Quando quiserem, podem me obrigar a desocupar. Já me ofereceram

5 mil [reais] para que eu saísse, mas quem compra uma casa em São Paulo com esse valor?”, indaga. Ele diz que gostaria

de não trabalhar tanto para dar mais atenção aos fi lhos. Um deles, com 16 anos, o ajuda na banca. M procura meios para

aumentar os ganhos trabalhando em eventos pela cidade, como na Parada LGBT3, festas de rodeio e quermesses. “Você

acha que eu vou só pra trabalhar? Eu vou me divertir também!”, diz sorrindo.

Consciente de sua situação, M entende a fúria dos lojistas contra os informais. “Eu não pago água, não pago luz,

não pago aluguel, não pago nada, e ainda to atrapalhando quem paga. Eu tô errado, eu sei que eu tô errado, mas eu tô

sobrevivendo”, desabafa. Pensando nisso ele se instalou longe de mercados e padarias, e considera ajudar quem passa por

ali com sede ou com fome: “O mercado vende na média de dois e cinqüenta o pão que compro a noventa centavos e vendo

por um e trinta [reais]”, revela M. Apesar de sua difi culdade fi nanceira, M é caridoso, mas, muitas vezes, o pedinte vende

o que ele dá para comprar drogas. A região é dominada pela poderosa facção criminosa PCC4, que M conhece assistindo

noticiários, uma de suas atividades favoritas. Mas nada impede que o batalhador siga seu ofício: “Quando saio de casa, eu

digo: ‘ó Senhor, estou saindo pra trabalhar, me livra da doença, me livra da polícia, me livra do ladrão, e me dá saúde pra

cuidar da minha família’. E, graças a Deus, Ele tem me dado até hoje.”

3. Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros4. Primeiro Comando da Capital

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Fabiano, artesão

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Há nove anos, Fabiano (25) adotou um estilo de vida peculiar: é artesão de rua e viajante.

Ele, nascido em Garça, no interior de São Paulo e criado na capital, começou seu trabalho

por brincadeira, fazendo esculturas de durepox, um material químico e nocivo, até que,

com o incentivo dos amigos, passou a levar a atividade a sério e chegou à argila. “Eu fi z um

artesanato bem bonito, pus uma banca e pensei ‘agora é expor pra ver o que acontece’”, lembra

Fabiano.

A aceitação foi boa e o iniciante logo desenvolveu também a criação de bijuterias; largou

o colegial, botou o pé na estrada e percorreu o litoral e o interior de São Paulo vendendo seu

trabalho. Naturalmente, a partir daí, Fabiano atravessou o estado, foi para o Rio de Janeiro,

Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais, e se apaixonou pela aventura de viver conhecendo

lugares e fazendo amigos. Por meio da interação com outros hippies e viajantes, Fabiano se

interessou pelo malabarismo pirofágico, com intervenções urbanas como palhaço, e agregou

tudo aos seus conhecimentos.

O artista gosta da liberdade de trabalhar na hora e no dia em que quiser. Quanto à

lucratividade do ofício, Fabiano revela: “Dá pra viver. De fi m de semana você costuma tirar

mais, mas a rua é incerta, pode acontecer o contrário. Depende da sua energia e vontade.”

Quando passa necessidades, por azar ou doença – até sarna já pegou -, estando em São

Paulo ele conta com o pai. Fora, ou na estrada, os companheiros de viagem e até mesmo

desconhecidos ajudam. “Bato na casa das pessoas e com humildade explico minha situação,

digo que sou artista de rua, que tô de passagem”, lembra.

“Estou buscando um sonho de vida, que é viver de arte.”

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Preparação antes de performance

As relações que se criam no caminho são de amizades e amores vividos intensamente,

embora desapegados. Chegada a hora da despedida, resta o contato por e-mail. “É

sempre a sensação de que o mundo é pequenininho, que a gente tá sempre viajando

e sabe que mais cedo ou mais tarde vai se reencontrar”, afi rma Duende, como foi

apelidado.

Sua mãe faleceu há dois anos e, desde então, estava sem contato com o meio-irmão

(10), que fi cou com o pai, do outro casamento dela. Duende planejava procurá-lo após

sua segunda viagem à Itália, que aconteceu entre julho e agosto de 20081, quando teve

a surpresa de ser encontrado pelo meio-irmão via Orkut2, e marcaram um encontro.

“Foi muito especial”, diz emocionado.

Além da Itália, Duende já foi pra Argentina. Ele já não sabe mais o que é prioridade:

“Trabalhar e viajar, viajar e trabalhar. Eu preciso fazer os dois com fr eqüência”, refl ete.

“É muito bom saber que meu artesanato tá em vários cantos do mundo, já atravessou

oceanos e foi parar lá num canto, assim, pra decorar a casa de uma pessoa e essa pessoa

quando olha tem sempre essa boa energia do Brasil e do artesão que fez”, ele imagina e

conta sorrindo.

Não foi possível fotografar o chamado “pano”, painel que exibe as bijuterias

confeccionadas por Fabiano, por conta da insegurança do artesão em expor seu trabalho

nas avenidas Paulista e Nove de Julho, regiões por onde costuma fazer apresentações de

malabarismo. Fabiano poderia, em um dia de azar, perder seu trabalho para o famoso

“rapa”3.

1. Durante a produção deste livro

2. Rede de relacionamento via internet

3. Fiscalização da Guarda Civil Metropolitana

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“Você faz o

bem e o bem

retorna pra

você, sempre.

Eu vivo

energia”

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Dados do Limpurb1 revelam que São Paulo gera cerca de 15 mil toneladas de lixo diariamente – nove mil em resíduos

domiciliares e seis mil em resíduos sólidos, lixo hospitalar, lixo de varrição e material para reciclagem. A reciclagem é feita por

diversas fontes, inclusive por iniciativas individuais de pessoas que encontraram na coleta seletiva uma solução para o desemprego.

O MNCMR2 estima que haja na cidade de São Paulo 20 mil trabalhadores sustentando a si e suas famílias por meio da coleta e

venda de materiais recicláveis, sendo apenas três mil os que atuam de forma organizada.

No centro da cidade, sob o viaduto da Baixada do Glicério, se dividem os catadores associados à Cooperglicerio3 e os que

trabalham independentemente. “Nem todos os catadores se fi liam pela liberdade de poder vender o material pelo valor que querem,

geralmente mais barato, e ter dinheiro sempre na mão”, explica Rogério Guimarães, representante dos catadores autônomos dali.

1. Departamento de Limpeza Urbana da Secretaria Municipal de Serviços

2. Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis

3. Cooperativa de Catadores da Baixada do Glicério

“Estamos fazendo o bem primeiramente à natureza, não deixando que esse lixo seja enterrado”

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T e J, catadores

Rogério trabalhava como camelô quando presenciou a opressão da prefeitura aos catadores. Ele se sensibilizou com a causa,

correu atrás de informações para realizar seminários para os catadores e passou a liderar o grupo, de cerca de 150 pessoas. “Como

é que a gente tá há três anos aqui tirando o material reciclável do centro, ponto de cartão postal da capital de São Paulo e não

tem uma única gestão de políticas públicas que se preocupe com os catadores da Baixada do Glicério?”, indaga. Em operações

de higienização da Subprefeitura da Sé, como aconteceu em fevereiro de 2008, tudo é confi scado: carroças, material que já estava

separado para a reciclagem - e vai para o aterro sanitário -, e até pertences e documentos pessoais dos catadores que dormem por

ali mesmo.

“A solução seria ter oportunidade de forma de se organizar e sair do viaduto. Construir galpões, o que tá faltando é espaço

pra trabalhar”, explica Rogério. Há quatro anos é reivindicado pelos catadores um terreno próximo à baixada, pertencente

à CET3. O espaço foi prometido com uma infra-estrutura destinada à reciclagem pelo então coordenador da Ação Social da

Subprefeitura da Sé, Renato Barreiro, para maio de 2008 e ainda não foi liberado4.

3. Companhia de Engenharia de Tráfego

4. Até o término da produção deste livro, em novembro de 2008

Rogério Guimarães

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T (18) está entre os catadores independentes que se instalaram embaixo do viaduto da Baixada do Glicério, um

verdadeiro depósito de lixo em meio ao trânsito do centro da cidade. Ela começou ajudando a mãe e parou de estudar aos

15, na sexta série, por ter engravidado de J (30). “Eu trabalhei minha gravidez todinha, nunca gostei de fi car parada”, diz

T. Durante a semana, o casal se acomoda num arranjo formado por dois sofás aos pés de um dos pilares do viaduto. “Eu

arrumo ali aquele cantinho, arrumo tudinho, boto um cercado assim de madeira e durmo ali... Ah, e forro a lona, pra rato

não entrar!”, conta T rindo. Na maior parte do tempo, o fi lho do casal fi ca com uma mulher que é paga para tomar conta

dele. “Melhor pagar pra ele fi car lá, papel não vai curar a doença que ele tiver não”, diz T. Sexta-feira à noite eles buscam o

fi lho e passam o fi m de semana juntos em casa, no Ipiranga.

Natural de Ilhéus, onde trabalhava como engraxate de sapatos, J veio para São Paulo tentar a vida aos 22 anos, trazido

por um colega. “Eu gostei daqui. Aqui a gente arruma dinheiro direto, lá é mais difícil”, diz. Ele conta que está com planos

de ir visitar a mãe no Natal, pela primeira vez desde que saiu da cidade. Estudou somente a primeira série: “Aprendi a fazer

o nome.” Não acha cansativo carregar a carroça, mesmo cheia. “Sou mais buscar. Só vai, coloca a mulher pra limpar e sobe

de novo”, conta.

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“Olha que bonito que fi ca o nosso sofá na foto. Nem parece!”

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J faz diversas viagens por dia buscando sacos pretos de lixo na porta de prédios do

centro com a carroça que ele mesmo montou e T passa o dia limpando o conteúdo,

processo que consiste em separar e organizar o que é ou não aproveitável. Volta e

meia, o casal encontra algo de valor no lixo. “Ali, naqueles sacos ali vai tudo: latinha,

cobre, fi o, vai até dinheiro! Esses dias eu achei cem [reais]! Acha celular, acha tudo. Daí

vende”, conta J. T prefere trabalhar sem luva. “Limpar de luva empata muito. A mão

fi ca toda suada. De luva a mão fede mais do que ta pegando direto no lixo!”

Com oito anos de experiência, ela considera que “antes era melhor trabalhar com

isso, hoje em dia os fi scais fi cam embaçando muito. O rapa entrou aqui esses tempo pra

trás, pegou esse material tudinho aqui. Pegou carroça de material limpo e tudo, pegou

as carroça na rua! Parou esses tempo aí”, conta T indignada. “Quando a rapa chega leva

tudo. Nós trabalha de graça pro rapa. Fazer o quê? Se não deixar, apanha mais ou vai

preso”, diz J.

O casal tira em média 200 reais por semana. “Esse trabalho é bom, não é difícil não.

Dá pra ganhar um qualquer, já acostumei. Mas, se eu arrumar outro trabalho, eu

entro”, conta. T considera trabalhar com carteira assinada, apesar de nunca ter procurado

um emprego formal. Quando questionada sobre perspectivas para o futuro ela, diferente

de sua postura introspectiva constante, teve uma resposta imediata: “pro meu fi lho eu

não quero uma vida igual a minha não. Largar de estudar pra ir trabalhar”.

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“A pessoa quer

trabalhar eles

tira da rua,

roubar vai preso.

Vai fazer o que

da vida?”

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Em 2005, na primeira vez que dados do mercado de trabalho foram apresentados nas contas do IBGE1, 8,4% do PIB2

brasileiro foi gerado pela economia informal, o que corresponde a R$ 180 bilhões. Naquele ano, era 58,8 a porcentagem

dos trabalhadores ocupados no país que não tinham carteira assinada. Na Região Metropolitana de São Paulo, 491 mil

habitantes que estavam na condição de desempregado oculto pelo trabalho precário favoreceram esses índices. Porém, vê-

se que crescimento econômico não equivale à diminuição de desigualdades no Brasil.

Kjeld Jakobsen (53), consultor do Observatório Social3 e militante na área sindical desde 1983, observa que “mesmo

atuando em áreas de pouca tecnologia, sem crédito, sem contrato de trabalho, o informal acaba contribuindo com o

crescimento econômico.” Ele é o organizador do livro Mapa do Trabalho Informal em São Paulo, publicado em 2001, feito

com o interesse de estudar e entender melhor esse perfi l de trabalhadores em evidência, que não é um fenômeno recente,

para buscar uma mudança efi ciente nos fóruns de negociação sindical para a categoria. “Há uma diferença de demanda de

reivindicações, que passam a ser muito mais direcionadas ao poder público, de modo a assegurar os direitos sociais básicos”,

explica o especialista.

O Observatório de Mídia4, presidido por Kjeld, realizou um monitoramento dos cinco jornais e quatro revistas de

maior alcance nacional5 ao longo de 2007, concluindo que os temas com pauta que expõem a luta dos trabalhadores

com o capital foram cobertos pelos veículos acompanhados com um viés desfavorável aos interesses sindicais. Faltam

jornalistas especializados no mundo do trabalho e, mais especifi camente, falta preocupação por parte da imprensa relativa

1. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística, 09/11/07

2. Produto Interno Bruto - R$ 180 bilhões de R$ 2,147 trilhões em 2005

3. Observatório Social - organização que analisa e pesquisa o comportamento de empresas multinacionais, nacionais e estatais em relação aos direitos

fundamentais dos trabalhadores (liberdade sindical, negociação coletiva, trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação de gênero e raça, meio ambiente,

saúde e segurança ocupacional).

4. Observatório de Mídia (www.observatoriodemidia.org.br)

5. Jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Brasiliense; revistas Carta Capital, Isto É, Veja e Época.

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8. SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita, Políticas Públicas de Trabalho e Renda no Brasil

Contemporâneo

ao questionamento da incoerência política vigente quanto à falta de suporte ao trabalhador que vive do subemprego, uma

vez que não há políticas públicas capazes de absorver a todos dentro da economia formal.

Os trabalhadores de rua sem licença para sua atividade em espaços públicos estão vulneráveis ao oportunismo político,

à repressão reivindicatória e à corrupção. Mantendo-os clandestinos, o Estado abandona esses cidadãos sob a constante

ameaça de ter sua mercadoria apreendida pela fi scalização, correndo o risco de violência física e prisão em caso de resistência,

além dos casos de trabalhadores que, mesmo com o Termo de Permissão de Uso, estão à mercê de extorsões por parte de

fi scais corrompidos.

Kjeld defende que, como já é realidade internacional, existem instrumentos para a regulamentação do setor informal

para, minimamente, garantir a proteção social, qualifi cação e renda do trabalhador de rua junto à Constituição brasileira.

“A pessoa não é excluída porque não pode contribuir, e sim porque o sistema não as agrega. Por exemplo: se quando fosse

comprado um produto para revenda tivesse um mecanismo pra registrar que ele vendeu, pagando um imposto e contribuindo,

ainda que em pequeno valor, para a previdência social e ter uma futura aposentadoria.”

Verifi camos que, mesmo para os trabalhadores organizados em sindicatos em defesa da categoria, não há espaços de

negociação com a prefeitura de São Paulo. Ao contrário, se investe fortemente no controle e repressão, em oposição a

políticas de inclusão necessárias. Para que o desenvolvimento econômico crie condições para o

pleno emprego que gere renda para a efetivação dos direitos sociais, deve haver uma intervenção

do Estado que priorize os interesses do público sobre o privado8. A atual situação intensifi ca a

insegurança do cidadão, paralelamente à fragilidade de sua organização e, conseqüentemente,

na sua impotência diante da perpetuação da desigualdade social no Brasil.

Kjeld Jakobsen

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Calcule só

O que é viver o tempo todo

Perseguido pelo rapa

Porque na hora da corrida

Quem não sabe usar as pernas

Vai fi car sem ter comida

Tom Zé