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2122 TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS Labor on Contemporary Capitalism: Transformations and challenges Camila Lins Rodrigues 1 Diogo Albuquerque² RESUMO Direitos trabalhistas conquistados duramente no início do século XX têm sido colocados em risco nas últimas décadas em virtude de flexibilizações aprovadas por determinados normativos. Diante da importância de vislumbrar iniciativas que interrompam essa trajetória, e de reforçar o atual papel do Estado na defesa dos direitos dos trabalhadores e da justiça social, este artigo buscou analisar as principais transformações ocorridas na organização do mercado de trabalho das nações capitalistas nos últimos quarenta anos. Para tanto, foi realizada uma ampla revisão de literatura sobre mercado de trabalho com referências às terminologias de “sociedade indus- trial e pós-industrial”, além do levantamento de dados secundários que ilustram a discussão proposta. Constatou-se a necessidade de se adaptar a um novo cenário, marcado pela competi- ção acirrada e pela evolução do setor de serviços, levando os empregadores a buscar novas for- mas de organização do trabalho: contratos de trabalho atípicos com extensão da jornada e com remunerações flexíveis. Essas iniciativas têm contribuído para a precarização das atividades laborais, para a fragilização dos sindicatos e para o aumento da insegurança dos trabalhadores. Neste cenário, mostra-se relevante a implementação, por parte do Estado, de políticas de em- prego e de mercado de trabalho que consigam combinar flexibilidade com segurança social. Palavras-Chave: mercado de trabalho; direitos trabalhistas; flexibilização; sindicatos; institui- ções. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, as nações capitalistas têm passado por importantes transformações sociais, políticas e econômicas. O arranjo típico do Estado de Bem-estar Social, que prevaleceu desde o fim da Segunda Guerra, entrou em crise a partir dos anos 70, denunciando o desgaste de um modelo virtuoso que combinava ganhos de produtividade e conquistas sociais. A crise econômica e o processo de reestruturação produtiva a que foram submetidas as nações capita- listas, alinhados ao avanço da competição internacional e ao processo de desregulamentação financeira, forçaram uma desestruturação dos governos, que assumiram um caráter liberal em 1 Professora do Departamento de Economia da UNIMONTES. Doutoranda em Desenvolvimento Econô- mico (área de concentração: Economia Social e do Trabalho) – IE/UNICAMP. E-mail: [email protected] 2 Professor do Departamento de Economia da UNIMONTES. Mestre em Economia – IE/UNICAMP. E-mail: [email protected]

TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: TRANSFORMAÇÕES E

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TRABALHO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO: TRANSFORMAÇÕES E DESAFIOS

Labor on Contemporary Capitalism: Transformations and challenges

Camila Lins Rodrigues1

Diogo Albuquerque²

RESUMODireitos trabalhistas conquistados duramente no início do século XX têm sido colocados em risco nas últimas décadas em virtude de fl exibilizações aprovadas por determinados normativos. Diante da importância de vislumbrar iniciativas que interrompam essa trajetória, e de reforçar o atual papel do Estado na defesa dos direitos dos trabalhadores e da justiça social, este artigo buscou analisar as principais transformações ocorridas na organização do mercado de trabalho das nações capitalistas nos últimos quarenta anos. Para tanto, foi realizada uma ampla revisão de literatura sobre mercado de trabalho com referências às terminologias de “sociedade indus-trial e pós-industrial”, além do levantamento de dados secundários que ilustram a discussão proposta. Constatou-se a necessidade de se adaptar a um novo cenário, marcado pela competi-ção acirrada e pela evolução do setor de serviços, levando os empregadores a buscar novas for-mas de organização do trabalho: contratos de trabalho atípicos com extensão da jornada e com remunerações fl exíveis. Essas iniciativas têm contribuído para a precarização das atividades laborais, para a fragilização dos sindicatos e para o aumento da insegurança dos trabalhadores. Neste cenário, mostra-se relevante a implementação, por parte do Estado, de políticas de em-prego e de mercado de trabalho que consigam combinar fl exibilidade com segurança social.

Palavras-Chave: mercado de trabalho; direitos trabalhistas; fl exibilização; sindicatos; institui-ções.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, as nações capitalistas têm passado por importantes transformações sociais, políticas e econômicas. O arranjo típico do Estado de Bem-estar Social, que prevaleceu desde o fi m da Segunda Guerra, entrou em crise a partir dos anos 70, denunciando o desgaste de um modelo virtuoso que combinava ganhos de produtividade e conquistas sociais. A crise econômica e o processo de reestruturação produtiva a que foram submetidas as nações capita-listas, alinhados ao avanço da competição internacional e ao processo de desregulamentação fi nanceira, forçaram uma desestruturação dos governos, que assumiram um caráter liberal em

1 Professora do Departamento de Economia da UNIMONTES. Doutoranda em Desenvolvimento Econô-mico (área de concentração: Economia Social e do Trabalho) – IE/UNICAMP. E-mail: [email protected] Professor do Departamento de Economia da UNIMONTES. Mestre em Economia – IE/UNICAMP. E-mail: [email protected]

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detrimento da lógica interventora. Todas estas transformações trouxeram importantes impactos para a organização e a estruturação do mercado de trabalho na ordem capitalista, rompendo com importantes conquistas obtidas ao longo do século XX.

O objetivo deste artigo é descrever as principais mudanças ocorridas no mercado de trabalho desde as transformações que mudaram o curso do sistema capitalista a partir dos anos 70. O artigo adota as terminologias de “sociedade industrial e pós-industrial” utilizadas pela literatura para designar os dois períodos que praticamente dividem o século XX. O trabalho está dividido em três partes. Na primeira, busca-se descrever brevemente a origem da socie-dade industrial, do Estado de Bem-estar Social e das conquistas trabalhistas. Na segunda, são apresentadas as principais características da sociedade pós-industrial, que tem origem a partir das crises dos anos 70. Na terceira, são descritas as principais transformações do mercado de trabalho na era pós-industrial, suas consequências para os trabalhadores e para a estrutura so-cial, e as perspectivas que se apresentam para os próximos anos. Ao fi nal do artigo, uma breve conclusão sobre os aspectos discutidos é apresentada.

SOCIEDADE INDUSTRIAL E DIREITO DO TRABALHO

A origem da sociedade industrial capitalista é descrita por Marx, a partir do processo de acumulação primitiva que caracteriza a transição da estrutura econômica da sociedade feudal para a estrutura econômica da sociedade capitalista. O fl orescimento das manufaturas e a ocor-rência das revoluções agrícolas deram início ao processo de expropriação dos trabalhadores do campo que, separados de seus meios de produção e de subsistência, passaram a constituir uma massa de proletários livres a serem utilizados pela nascente indústria urbana. Trata-se do pro-cesso histórico de separação entre o produtor e seus meios de produção, tendo como consequên-cia a transformação do trabalhador em assalariado de um lado e, de outro, a transformação dos meios sociais de subsistência e de produção em capital. No século XIX, diante da 2a Revolução Industrial, a atividade econômica passou a estar efetivamente subordinada à lógica do lucro e o sistema capitalista se consolidou tendo como princípio fundamental a Lei Geral da Acumula-ção. Segundo esta lógica, o capital, que precisa se valorizar, o faz a partir da produção de bens, da multiplicação do proletariado e do reforço da relação de dependência deste com o capitalista. O progresso técnico e o aumento do capital constante geram, ao longo do desenvolvimento des-te sistema, aumento da produtividade e, paradoxalmente, uma população trabalhadora adicional supérfl ua (exército industrial de reserva).

Como características gerais da sociedade industrial capitalista temos, portanto, a presen-ça da indústria como forma de produção mais característica; a separação do lugar de trabalho do círculo familiar; a divisão interna do trabalho; a lógica da acumulação de capital; a realização do cálculo racional; e a concentração de trabalhadores no mesmo local de trabalho, que se torna propriedade privada (ARON, 1981).

A constituição de um mercado de trabalho mostrou-se fundamental para o funciona-mento desta sociedade. Teoricamente, trabalho, terra e dinheiro são elementos essenciais da indústria e, em um sistema auto-regulável, precisam ser comercializados como mercadorias. No entanto, em sua essência, não são mercadorias, e é com a ajuda da fi cção que passam a ser

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comercializadas como tal. Dada essa característica específi ca, estabelecer o mercado de traba-lho signifi cava destruir o tecido social existente, já que o trabalhador, além de ser explorado economicamente ao não receber em troca o valor de seu trabalho, teria seu ambiente social, sua vizinhança, sua posição na comunidade e sua profi ssão destruídos (POLANY, 1980) .

São bem conhecidas as condições deploráveis em que os trabalhadores viviam e exer-ciam suas funções. Longas jornadas de trabalho com salários irrisórios, pobreza, miséria, de-semprego e ausência de leis trabalhistas caracterizaram este período de transição para o sistema capitalista e de consolidação da sociedade industrial. Desta forma, o aumento da marginaliza-ção social e o embate entre as duas classes antagônicas (proletariado e burguesia), resultaram na eclosão de movimentos sociais e na externalização de reivindicações por parte dos traba-lhadores, levando o Estado a regulamentar as relações privadas do mercado de trabalho e a instituir leis de proteção social aos trabalhadores. A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, foi um marco importante deste processo, já que esta instituição seria o organismo internacional de referência na defesa de melhores condições humanas para a classe trabalhadora. No período seguinte à Segunda Guerra Mundial, o Estado de Bem-estar Social consolidou-se nas principais nações capitalistas, contribuindo para a expansão e a consolidação dos direitos sociais e trabalhistas. Empresários, governos e trabalhadores (através das organi-zações sindicais) fi rmaram um pacto de garantia de um círculo vicioso entre produtividade, ganhos salariais e proteção social (ALVARENGA, 2007).

É possível afi rmar que a sociedade industrial se confunde com a sociedade dos trabalha-dores. Na sociedade industrial, o trabalho se tornou fundamento da existência humana, permi-tindo aos indivíduos “existir” e adquirir identidade social. Nas sociedades anteriores, o trabalho estava restrito à esfera privada e excluía da vida pública os que com ele estavam envolvidos. No contexto do industrialismo, é o trabalho que socializa e inclui as pessoas. No entanto, os indiví-duos são desumanizados pelo trabalho (enquanto categoria econômica quantifi cável), enquanto a “produção material” passa a ser realizada sem as antigas amarras que impediam a plenitude da racionalidade econômica (GORZ, 1995).

SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

Nos últimos quarenta anos, um novo padrão de organização do sistema capitalista tem se consolidado, tendo como referencial básico os princípios liberais. A crise econômica e polí-tica e as transformações internacionais que passaram a caracterizar o cenário mundial a partir dos anos 70 (acirramento da concorrência, maior instabilidade das atividades produtivas e das fi nanças globais, inovações tecnológicas etc) abriram espaço para o questionamento do esque-ma regulatório de Bretton Woods. A lógica de coordenação estatal típica dos anos da “era de ouro” foi substituída pela implementação de medidas econômicas desregulamentadoras, com impactos em variáveis como câmbio, juros, fl uxos de capitais e comércio internacional. Por outro lado, a tendência de redução e controle dos gastos públicos e a realização de reformas na área social passaram a contribuir para o desgaste do Estado de Bem-estar Social e para a con-solidação do discurso neoliberal (SANTOS E BIAVASCHI, 20_).

Segundo Geraldo Di Giovanni (1998), o Welfare State pode ser analisado sobre três

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ordens de macrofatores, o primeiro é a estrutura de classes e a distribuição de riscos entre toda a sociedade, não importando a dinâmica ocupacional e demográfi ca. O segundo macrofator consiste em um sistema partidário no qual há um conjunto de oportunidades políticas capazes de avaliar coalizões reformistas praticáveis ou convenientes. O terceiro consiste no ambiente da política pública, no arranjo institucional e nas infl uencias externas. Segundo este autor o Welfare State pode ser classifi cado de acordo com a proposta de Titmus, que o classifi ca em Welfare Sta-te Residual – a intervenção é limitada, com políticas seletivas –, o Welfare State Meritocrático-Particularista – seria condicionado à produtividade visando reduzir as falhas de mercado – e o Welfare State Institucional-Redistributivo – no qual se garante a todos os cidadãos os patamares mínimos de renda e/ou serviços necessários ao bem-estar (GIOVANNI, 1998).

O paradigma atual é a de uma redução do Estado, com menos medidas intervencionistas e mais medidas vinculadas ao mercado. O Welfare State Institucional-Redistributivo foi sendo reduzido e substituído por um Welfare State Meritocrático-Particularista, este mesmo sendo alvo de profundas críticas dos movimentos liberalizantes pós década de 1970.

Em paralelo à crise do Welfare State, transformações importantes em cinco dimensões podem ser identifi cadas nas últimas décadas: setor econômico (transição de uma economia produtora de bens para uma economia centrada nos serviços); distribuição ocupacional (do-minância das classes profi ssional e técnica); princípio (conhecimento teórico como principal fonte de inovação e de formulações políticas para a sociedade); orientação futura (controle da tecnologia e da distribuição tecnológica); tomada de decisões (criação de uma nova “tecno-logia intelectual”). Estas mudanças indicam que a nova sociedade que foi se conformando nos últimos anos, denominada na literatura de pós-industrial, é uma “sociedade do conhecimento” (trabalho intelectual está fortemente presente e especializado) e baseada na economia de servi-ços (BELL, 1977). Além disso, o desenvolvimento da tecnologia e o controle sobre a mesma possibilitaram a esta sociedade se reproduzir com base na produtividade, efi ciência, geração de comodidades e na transformação do resíduo em necessidade (MARCUSE, 1973).

Esta nova sociedade, ao se basear em novos valores (liberalismo, conhecimento, con-sumo, etc) e ao se organizar em torno da oferta de serviços, infl uenciou também o mundo do trabalho. Isto será descrito no item a seguir.

TRABALHO NA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL

Reestruturação do mercado de trabalho e transformações da estrutura socialConforme já mencionado, uma das características principais da sociedade pós-industrial

é a ampliação da oferta de serviços, não só no campo do comércio, mas também das fi nanças e dos serviços públicos essenciais como saúde e educação. A ampliação do setor de serviços e as tendências de migração das fi rmas para produção de manufaturados no exterior a partir da utilização de mão-de-obra estrangeira e barata impactaram a estrutura do mercado de trabalho. A erosão dos empregos no setor manufatureiro, e a consequente diminuição do peso dos tra-balhadores industriais em relação ao total de ativos, ocorreram em paralelo ao crescimento da ocupação nos serviços, no emprego público e no setor terciário. Destaca-se, também, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho (BELL, 1977).

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Um novo perfi l de trabalhadores começou a ser demandado pelos empresários. Além do alto nível de instrução, passaram a ser exigidas competências relacionais, aptidão para comuni-cação e capacidades de empenho e adaptação. O perfi l rígido dos profi ssionais típicos da era in-dustrial cedia lugar para trabalhadores dinâmicos e maleáveis (BOLTANSKI E CHIAPELLO, 2009). Estas novas exigências faziam parte das novas estratégias dos grupos empresariais, que se viram diante da necessidade de redefi nir suas táticas organizacionais e competitivas. Em paralelo às novas imposições em relação às qualifi cações dos trabalhadores, os capitalistas bus-caram moldar as relações de trabalho a partir do princípio da fl exibilidade, reduzindo direitos trabalhistas (e também encargos e contribuições sociais) e introduzindo novas formas de con-tratação, uso e remuneração da força de trabalho (SANTOS E BIAVASCHI, 20_).

Freyssinet (2009), sob um ponto de vista histórico, busca compreender o fenômeno da fl exibilidade no mercado de trabalho a partir de transformações no conteúdo (relação salarial) e na forma (regulação) das normas deste mercado. O conteúdo se refl ete em três variáveis prin-cipais: tipo de emprego ou contratação; organização do tempo de trabalho; e a determinação dos salários e das rendas do trabalho. No que diz respeito à primeira variável, o autor chama a atenção para o fenômeno de proliferação das “formas particulares de emprego”, que se afastam do perfi l padrão (trabalho em tempo integral, de duração indeterminada, com um empregador único). Essas formas particulares seriam o trabalho em tempo parcial, o trabalho temporário/contratos de duração determinada e os novos tipos de contratos subsidiados (vantagens fi nan-ceiras concedidas ao empregador que contrata, por tempo parcial ou duração determinada, algu-mas categorias de trabalhadores desfavorecidos). Apesar de serem minoritárias no volume total de emprego, essas novas categorias passaram a ter papel signifi cativo nos fl uxos de mobilidade e acarretaram no aumento da instabilidade do emprego. A segunda variável trata da ampliação do recurso a horários excepcionais de trabalho, da diversifi cação dos horários de trabalho e da busca de variabilidade máxima nos horários de trabalho, visando elevar a rentabilidade do capi-tal e a efi cácia dos serviços públicos, além de lidar de maneira efi ciente com as irregularidades das atividades. Em relação à terceira variável, nota-se diminuição do peso do salário nas rendas nacionais, tal qual apresentado na fi gura 1, eliminação dos ajustes automáticos dos salários de acordo com os índices de infl ação, descentralização das esferas de negociações salariais, desen-volvimento de várias formas de remuneração sem o caráter jurídico de salário (participação nos lucros, distribuição de ações etc), desoneração dos encargos sociais e avanço da remuneração variável. O comportamento destas três variáveis é inter-relacionado e suas alterações represen-tam, na essência, transformações qualitativas na relação salarial.

O resultado desta tendência pode ser vislumbrado através de dados disponibilizados no relatório da OCDE de 2015, a fi gura 1 apresenta dados dos 20 países mais ricos do mundo, da União Europeia e da OCDE em dois gráfi cos disponíveis naquele documento. O primeiro corresponde a uma comparação entre a produtividade e os salários entre 2000 e 2013, neste gráfi co fi ca evidente o enorme crescimento do hiato entre estas duas variáveis em menos de uma década. O segundo gráfi co apresente a redução da participação dos salários na renda entre 1991 e 2011.

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Figura 1 – Relação entre produtividade e índice de salário real e participação dos salá-rios na renda

Fonte: OECD, 2015.

As questões da forma e das transformações do modo de produção das normas se refl e-tem na mudança dos sistemas normativos nacionais, que passaram a ser menos coercitivos e mais diversifi cados. Tem-se, de um lado, a separação entre a lei e a negociação coletiva e, de outro, a divisão de competências entre os diferentes níveis da negociação coletiva. No caso da França, Freyssinet (2009) menciona o afrouxamento do princípio segundo o qual a lei possuía autoridade superior e era a defi nidora da “ordem pública social”. O Estado passou a incorporar em lei o conteúdo dos acordos coletivos (“lei negociada”). Em outros momentos, a lei passou a ser vista apenas como “supletiva”, sendo suas disposições aplicadas apenas na ausência de acordos coletivos. Houve ainda a possibilidade das próprias leis permitirem aos acordos coleti-vos a derrogação de imperativos presentes nelas mesmas. Para o conjunto dos países europeus, o autor destaca as tendências de aumento do poder das negociações coletivas diante das leis e também a prevalência do princípio da subsidiariedade, segundo o qual a defi nição das normas deve ser realizada sempre nos níveis mais descentralizados. Portanto, a política de fl exibiliza-ção se traduz tanto em mudanças no conteúdo das normas quanto em transformações na natu-reza dos processos de produção destas normas.

Baglioni (1994) descreve a fl exibilização como uma exigência atual dos ambientes in-dustrializados que visa eliminar a rigidez das regras de negociação ou institucionais. Desta forma, haveria a fl exibilidade interna (mudanças na organização do trabalho, administração dos horários, modalidade das tarefas e evolução das responsabilidades) e a fl exibilidade externa (variações do número de funcionários, contratos atípicos/anormais, mobilidade), além da com-binação destes elementos com a tendência de descentralização da regulamentação das relações de trabalho2. 2 Uma questão importante que não foi desenvolvida nos textos de Freyssinet (2009) e Baglioni (1994), mas que está clara no texto de Boltanski e Chiapello (2009) é o fenômeno da terceirização. Empregos que antes estavam agrupados passaram a se situar em estruturas jurídicas distintas, modifi cando a composição dos direitos

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A prática da fl exibilização tem contribuído para a precarização de muitos postos de trabalho. O conceito de trabalho precário e suas dimensões passam, segundo Rodgers (1989), por quatro questões principais. Em primeiro lugar, o grau de certeza sobre a continuidade no trabalho. Trabalhos precários seriam, portanto, aqueles de horizonte temporal curto ou os que apresentam alto risco de perda. Em segundo lugar está a questão do controle sobre o trabalho, sendo que o trabalho será mais inseguro quanto menor for a capacidade dos trabalhadores (seja a nível individual ou coletivo) de controlar as condições de trabalho como os salários e a roti-na. Em terceiro lugar, está a proteção, que se refere às leis laborais, às organizações coletivas, à discriminação, às demissões sem justa causa, às práticas de trabalho inaceitáveis, e também aos benefícios sociais (como cobertura de saúde e de acidentes, pensão e seguro-desemprego). E, por último, a questão da renda, que por ser ambígua precisa estar associada a outros fatores. Trabalhos com remuneração baixa podem ser considerados precários se estiverem associados à pobreza e a uma inserção social insegura, por exemplo.

Nota-se, portanto, que para o autor o conceito de precariedade envolve a combinação de vários elementos como instabilidade, ausência de proteção, insegurança e vulnerabilidade social e/ou econômica. Desta forma, haveria graus diferentes de precariedade e vulnerabilidade, variando de um grupo de trabalhadores para outro. Rodgers (1989) descreve o que seria o perfi l médio dos trabalhadores inseridos nestas ocupações consideradas atípicas: mulheres; jovens; e indivíduos com nível educacional e de habilidades inferior à média de seu respectivo grupo (sexo e idade).

As consequências da fl exibilização e da precarização do trabalho para os trabalhadores e para a estrutura social podem ser vislumbradas a partir da análise das situações de dois países: França e EUA. Boltanski e Chiapello (2009) descrevem para a sociedade francesa um cenário de forte degradação da estabilidade profi ssional e da posição social dos indivíduos, principal-mente daqueles que estão chegando ao mercado de trabalho. A prática da fl exibilidade externa por parte das empresas levou ao desenvolvimento do trabalho precário e dominado pela inse-gurança para boa parte da população, ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, uma minoria privilegiada ainda usufrui de empregos fi xos que refl etem aumento das despesas com formação. Desta forma, verifi ca-se uma divisão entre os assalariados e uma fragmentação do mercado de trabalho, onde a mão-de-obra estável, qualifi cada, de altos salários e sindicalizada das grandes empresas divide espaço no mercado com uma crescente mão-de-obra instável, pouco qualifi ca-da, mal remunerada e pouco protegida presente nas pequenas empresas prestadoras de serviços subsidiários3. Dentro de uma única empresa passou a ser possível encontrar trabalhadores sob regras diferentes de jornada, salários etc, de acordo com o que é estabelecido pelo respectivo empregador e a despeito de possíveis identidades como condições de trabalho, qualifi cações profi ssionais e tarefas executadas. Passa a existir no mercado de trabalho um grupo de “inem-pregáveis”, que ao longo do tempo acumulam desvantagens em relação aos trabalhadores mais

dos trabalhadores. 3 É importante ressaltar que a dualização do mercado de trabalho não signifi ca que o grupo dos trabalhado-res “privilegiados” não sofra, também, consequências negativas. Há uma tendência de redução da proteção social que afeta todos os trabalhadores, inclusive os mais protegidos. Estes estão expostos às decisões das convenções coletivas, as quais abandonaram seu papel de busca de melhora das condições dos assalariados, passando também a degradá-las (retrocesso das regras coletivamente consentido).

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bem qualifi cados e preparados, e são obrigados a disputar as ofertas de trabalhos precários. Ressalta-se a participação do Estado sobre tal fenômeno, visto que o governo francês favoreceu a saída dos mais idosos e criou subempregos subvencionados, ao oferecer subsídios para que as empresas subcontratadas criassem empregos.

Nos EUA, especifi camente, tem ocorrido um processo sistemático de precarização com-binado ao fenômeno de polarização desde meados dos anos 70. Houve um crescimento signifi -cativo das ocupações de baixa qualifi cação que estão na base da pirâmide (comércio varejista, guardas, cozinheiros, cuidadores, atendentes, garçons, vendedores etc) e das melhores ocupa-ções do topo da pirâmide (gerentes, profi ssionais liberais, engenheiros, profi ssionais da saúde/educação, cientistas etc), ao passo que as ocupações médias (apoio administrativo, operadores de produção, secretárias, torneiros mecânicos etc) diminuíram. Isso demonstra uma tendência de diminuição da participação das ocupações da classe média no total das ocupações e de cres-cimento do índice de dispersão dos salários (KALLEBERG, 2011). Têm crescido os empregos temporários em detrimento dos empregos permanentes, e os bons empregos industriais, típicos da era fordista, têm diminuído signifi cativamente, dada a transferência de muitas indústrias americanas para outros países. Nota-se também o aumento do percentual de desempregados que passam muito tempo fora do mercado de trabalho e uma taxa de participação menor en-tre os jovens, demonstrando a fragilidade deste grupo diante das novas circunstâncias. Estas transformações estão alterando a estrutura social americana, no sentido de piorar a distribuição da renda. A renda real das classes médias e baixas estagnou a partir dos anos 2000 e chegou a apresentar queda signifi cativa a partir de 2007, quando da eclosão da crise. Por outro lado, houve grande aumento da participação na renda total do 1% mais rico da sociedade america-na, os quais, inclusive, foram benefi ciados com a diminuição da carga tributária. O percentual de pobres (que possuem renda média anual correspondente a metade do salário mínimo) e de pessoas em situação de vulnerabilidade também aumentou. E, dentro do universo dos pobres, a proporção dos considerados extremamente pobres também aumentou (de 30% para 44%) (HOWELL, 2013b).

Na fi gura 2 pode-se verifi car o aumento na concentração da renda tanto na França como nos Estados Unidos. No gráfi co com dados da França, é possível perceber que os 20% mais ricos aumentam sua participação na renda da economia francesa em quase 1%, enquanto as de-mais parcelas da população tem sua participação reduzida, cabe destacar que a maior redução se verifi ca no quarto quintil, ou seja, no grupo de pessoas de classe média. No que se refere aos Estados Unidos, o segundo gráfi co da fi gura 2 apresenta um aumento substancial na participa-ção da renda dos quintil mais rico, de quase 3,2% entre 1986 e 2013, se compararmos o perí-odo entre 2004 e 2013 esse crescimento foi de 0,43%, portanto o processo de concentração de renda nos Estados Unidos tem apresentado um comportamento mais lento do que o que ocorre na França, pelo menos nos últimos anos. O crescimento da concentração da renda nos Estados Unidos foi acompanhado pela redução da participação da renda das demais classes, em especial a das pessoas que estão no quarto, terceiro e segundo quintil, que tiveram uma redução de cerca de 1% cada na participação da renda norte-americana entre os anos de 1986 e 2013, ou seja, a classe média está cada vez mais pobre.

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Figura 2: Divisão da Renda da França e dos Estados Unidos em 5 percentis.

Elaboração Própria, dados World Bank

A fragilidade do mercado de trabalho contemporâneo é reforçada pela persistência de elevadas taxas de desemprego desde os anos 70. Buscando identifi car as causas deste fenôme-no, Eatwell (2013) trabalha com três questões fundamentais4. As transformações tecnológicas que passaram a ocorrer, com tendência poupadora de mão-de-obra; as mudanças estruturais 4 É importante mencionar que não há um consenso na literatura sobre as causas da persistência do elevado nível de desemprego nas últimas décadas. Como não está entre os objetivos deste trabalho explorar as diversas interpretações, não adentraremos nesta discussão. Para mais informações ver Howell (2013a) e Vivarelli (2007).

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nas relações comerciais em escala mundial, representadas pela crescente mobilidade de capital e pelo rápido crescimento das exportações de produtos manufaturados do Terceiro Mundo; e as alterações do ambiente fi nanceiro internacional. Nota-se que a concorrência com o mundo subdesenvolvido, ao ocasionar perda de mercados e ao abrir espaço para que a inovação avance com técnicas menos intensivas em mão-de-obra, leva a uma redução dos empregos em setores específi cos (principalmente bens comercializáveis intensivos em baixa qualifi cação). Por outro lado, as transformações das estruturas das fi nanças internacionais, caracterizadas pelo colapso de Bretton Woods, pela desregulamentação fi nanceira, pelo grande fl uxo de capitais de curto prazo em busca de lucratividade imediata, e pela exacerbação das atividades especulativas, colocaram a credibilidade como a pedra fundamental da formulação de políticas nos anos 90. A predominância deste discurso de credibilidade signifi cou a necessidade de priorizar políticas que estejam de acordo com o que os mercados acreditem ser “confi ável”. Isto implica privile-giar a estabilidade monetária e restringir o espaço para políticas macroeconômicas expansionis-tas que busquem o pleno emprego.

A combinação perversa de todos estes elementos contribuiu, de maneira signifi cativa, para a modifi cação das relações entre os empresários e a força de trabalho, e acarretou em difi -culdades e barreiras para a organização dos trabalhadores.

De acordo com o que é descrito por Bell (1977), durante mais de cem anos, o confl ito entre patrão e empregados foi a principal questão presente nas sociedades industriais, repre-sentando a principal origem das cisões sociais e obscurecendo todos os demais dilemas. No entanto, nas sociedades pós-industriais, duas mudanças impactam esse cenário. Em primeiro lugar, a força de determinados grupos sociais (raciais, étnicos, linguísticos, religiosos etc) que supera a expressão da sociedade em formato de classes. E, em segundo lugar, o encapsulamento da questão trabalhista e da tensão política entre as duas classes historicamente antagonistas do sistema capitalista, diante da institucionalização dos métodos de negociação. Esse controle das tensões passa por uma crítica ao papel dos sindicatos, que fi caram direcionados somente para a defesa dos salários, deixando os trabalhadores presos à lógica da produtividade da economia e à cultura do consumismo, e em uma excessiva preocupação com o status profi ssional. Além disso, os sindicatos se acomodaram aos discursos e conquistas do passado, chafurdaram na bu-rocracia e passaram a reproduzir infl uências partidárias de forma desmesurada. Isso acarretou em problemas com os partidos políticos, dadas as tensões entre a manutenção da representação dos partidos e as exigências dos sindicatos, e as crescentes divisões e heterogeneidades no con-junto das representações dos trabalhadores. Nota-se, portanto, que os sindicatos sofreram, de fato, um processo de recuo e perda de representatividade, abrindo espaço para a ação de tutela direta do trabalho.

Desta forma, mesmo países com tradições sindicais importantes como Suécia, Itália e Grã-Bretanha não conseguiram resistir às imposições da agenda de fl exibilização. Como conse-quência ocorreu, de um lado, o arrefecimento dos processos de contratação coletiva em âmbito nacional envolvendo sindicatos e organizações empresariais (descentralização) e, de outro, uma queda substancial dos movimentos grevistas em praticamente todos os países europeus e tam-bém nos Estados Unidos e no Japão. Mesmo quando realizadas, as manifestações confl ituosas tendem a assumir um caráter defensivo, especialmente no que diz respeito à manutenção dos

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empregos. As práticas sindicais passaram, portanto, a se caracterizar por uma evolução cíclica, e os sindicatos perderam signifi cância enquanto instituições políticas e sociais, tornando-se elementos menos determinantes na conformação e nas mudanças dos equilíbrios políticos (BA-GLIONI, 1994; ESTANQUE E COSTA, 2011).

Perspectivas futuras e o novo papel do Estado, das instituições e dos sindicatos

A questão principal que emerge neste novo cenário do mercado de trabalho internacio-nal é a identifi cação de qual deve ser o real papel do Estado, das instituições e dos sindicatos neste processo, ou seja, em que sentido devem caminhar suas iniciativas e decisões. No que diz respeito ao Estado, a compreensão de sua função a partir da teoria relacional do poder de Poulantzas (1990) é bastante esclarecedora. Biavaschi e Droppa (2014) exploram essa ideia, enfatizando que o Estado é uma relação, ou seja, uma condensação de forças entre classes e frações de classes. O poder político de cada classe depende dos lugares materiais ocupados pelos agentes e estas classes serão capazes de impor seus interesses na medida em que tenham posições estratégicas diferenciadas. O Estado, portanto, acaba sendo o espaço de organização estratégica da classe dominante em relação às classes dominadas, possibilitando o exercício do poder e referendando a exploração e a luta de classes. Por isso, torna-se fundamental fortalecer instituições públicas que sejam capazes, via mecanismos de regulação e de implementação de políticas públicas, de impor limites aos danos causados aos trabalhadores pelas iniciativas dos empregadores visando ganhos de competitividade. É preciso preservar as conquistas históricas, frutos de muitas lutas, relacionadas aos direitos da cidadania, do trabalho e da proteção social.

Neste contexto, poderiam ser desenvolvidas pelo Estado tanto políticas de emprego quanto políticas de mercado de trabalho. As primeiras são, na verdade, políticas de caráter ma-croeconômico que visam atuar sobre os níveis de investimento e de demanda agregada de modo a infl uenciar o nível de emprego, tendo como variável de ajuste o funcionamento do mercado de trabalho. Já as segundas visam infl uenciar diretamente a força e a renda do trabalho e por isso incidem sobre os agentes econômicos, a mercadoria (força de trabalho), as relações de compra e venda, os preços e as estratégias de concorrência. Estas políticas voltadas para o mercado de trabalho podem ser classifi cadas em dois tipos: ativas (quando procuram agir positivamente sobre o nível de emprego) e passivas (quando apenas gerenciam a variável “desemprego” de forma a mantê-la socialmente aceitável, assegurando a renda dos desempregados - seguro de-semprego). Além disso, podem ser construídas visando atingir grupos em situações de vulnera-bilidade específi cas como jovens, pessoas com defi ciência e mulheres. Em relação a este último grupo, nota-se que a discussão sobre gênero tem ganhado espaço na sociedade, dada a evidente desigualdade que se verifi ca na inserção de homens e mulheres no mercado de trabalho. Apesar das mulheres terem intensifi cado sua inserção na atividade econômica a partir da década de 70, ainda enfrentam grandes difi culdades de afi rmação, refl etidas em práticas discriminatórias e excludentes. Ressalta-se, por fi m, a importância de sempre buscar a efi ciência do mercado de trabalho a partir de uma combinação ótima entre incorporação social e fl exibilização (KALLA-BIS, 2009).

Quanto aos sindicatos, ressalta-se a necessidade de recuperar sua confi abilidade e sua

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infl uência efetiva sobre as relações de trabalho. Esta instituição precisa se renovar interna-mente, enfrentar os desafi os externos (desemprego elevado, multiplicação de formas atípicas de emprego, resistência dos empregadores à organização dos empregados etc) e ser capaz, novamente, de traduzir suas atividades em conquistas reais para os trabalhadores (ESTAN-QUE E COSTA, 2011). A partir de uma perspectiva mais ampla, Gorz (1995) defende uma nova postura dos sindicatos, que esteja além da simples defesa dos interesses específi cos dos trabalhadores assalariados. Para o autor, os sindicatos devem ser responsáveis pela liberação individual e social dos trabalhadores, pela defesa da mão-de-obra em seu local de trabalho, pela “humanização” e pelo enriquecimento do trabalho. A questão sindical deve se concentrar na defesa do “trabalhar menos para trabalharem todos”, que signifi ca a busca pela redução da jornada de trabalho sem redução da renda. A redução da jornada e a consequente diminuição do trabalho assalariado podem vir a contribuir, segundo Gorz (1991), para a liberação do trabalho com fi nalidade econômica, para o desenvolvimento de outros tipos de atividades (autorregula-das e autodeterminadas) e, mais importante, para desatrelar a distribuição da renda da evolução da quantidade de trabalho requerida na economia. Além disso, é importante que a atuação dos sindicatos esteja sempre alinhada com a ampliação da consciência profi ssional (crítica diante das implicações da atividade profi ssional) e com a atuação dos “novos movimentos sociais”. Não se deve esquecer também do papel dos sindicatos na defesa de interesses de grupos que sempre foram os mais frágeis do mercado de trabalho, como mulheres e negros.

É importante ressaltar que a defesa destas políticas não caminha no sentido de retorno ao passado (arranjo típico da sociedade industrial e do Welfare State). Não há como recuperar e reproduzir um novo período de crescimento e desenvolvimento econômico contínuo e sus-tentado, caracterizado pelo pleno emprego e pela consolidação de amplos direitos trabalhistas, onde os sindicatos sejam as principais instituições sociais e políticas nos processos de correção da economia capitalista e na reforma dos sistemas políticos. Mas, ao mesmo tempo, o cenário atual adverso não impede que os sindicatos se renovem, voltem a agregar trabalhadores e atuem na defesa de seus interesses, ao mesmo tempo em que o Estado implemente políticas ativas em defesa do trabalho de qualidade e seguro (BAGLIONI, 1994).

Entre as iniciativas recentes que buscam adaptar o mercado de trabalho às transforma-ções do capitalismo contemporâneo, minimizando os impactos negativos sobre os trabalhado-res, estão as políticas de “fl exisseguridade”. Estas buscam contestar as políticas de fl exibiliza-ção sistemáticas implementadas nos últimos vinte anos. A base da crítica está nas ideias de que a precarização das relações de emprego degrada as possibilidades de acumulação de capital humano e das qualifi cações específi cas, de que a instabilidade das ocupações enfraquece os vínculos de cooperação e a confi abilidade nos processos produtivos, e de que a exclusão social acarreta em custos econômicos e riscos sociais. Mas, longe de questionar os objetivos e as ne-cessidades da fl exibilização, a política de “fl exisseguridade” busca conciliar esses objetivos com a adoção de regras que garantam aos trabalhadores segurança em suas trajetórias profi ssionais. A mobilidade e a adaptabilidade da mão-de-obra podem continuar em vigência, desde que os trabalhadores também estejam a salvo da precariedade. Iniciativas como estas estão ocorrendo em diversos países como Reino Unido, Dinamarca, Espanha e França (FREYSSINET, 2009). Dentre as críticas a esta iniciativa estão suas sérias restrições e exigências, como por exemplo,

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a necessidade de uma sociedade coesa onde a taxa de desemprego não esteja em níveis muito elevados. Por isso, essa iniciativa se encaixou apenas em poucos países, com arranjos institu-cionais muito específi cos. Para a maioria que tentou implementá-la, no entanto, os resultados esperados não foram verifi cados (APPELBAUM, 2012).

De toda forma, diante dos dilemas e desafi os do mercado de trabalho contemporâneo, coloca-se a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas que sejam capazes de lidar com estas questões e de proteger o lado mais frágil do trabalho, que é formado pelos próprios trabalhadores.

CONCLUSÃO

As ideias expostas anteriormente permitem constatar que o mercado de trabalho foi extrema-mente impactado pelas transformações ocorridas no capitalismo contemporâneo. A necessidade de se adaptar a um novo cenário, marcado pela competição acirrada e pela evolução do setor de serviços, levou os empresários a buscar novas formas de organização do trabalho, pautadas com frequência, pelo discurso da fl exibilidade. Contratos de trabalho atípicos, extensão da jor-nada sem o correspondente aumento dos salários, remunerações fl exíveis e que não refl etem os ganhos de produtividade são exemplos de iniciativas que vão ao encontro da lógica da fl exibi-lidade, em detrimento do rígido padrão anterior de organização deste mercado. Essas medidas têm contribuído para o aumento da precarização e da insegurança do trabalho, confi gurando um cenário onde a grande maioria desprotegida convive com uma minoria que ainda possui traba-lhos seguros, bem remunerados e com boas perspectivas. As difi culdades para romper com essa nova confi guração do mercado de trabalho são inúmeras. Os sindicatos perderam espaço de negociação e de barganha, e os trabalhadores, em geral, pas-saram a se preocupar somente em manter seus respectivos empregos, sejam eles quais forem. Interromper essa lógica, portanto, pressupõe uma postura ativa do Estado, no sentido de im-plementar políticas de emprego e de mercado de trabalho que consigam combinar fl exibilidade com segurança. Pressupõe também um novo papel para os sindicatos na defesa dos interesses profi ssionais e pessoais dos trabalhadores. Um retorno ao modelo anterior, vigente na sociedade industrial, não se mostra viável. Mas, é possível e necessário proteger os trabalhadores do mo-vimento avassalador do capital em busca de valorização no capitalismo contemporâneo. A atual dinâmica também não se mostra nem um pouco sustentável. De acordo com Streeck (2013), o capitalismo foi apenas ganhando tempo nestes últimos quarenta anos, para em seguida eclodir na crise atual, a pior de sua história. Esta crise remete à necessidade de repensar o modelo de capitalismo vigente.

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