8
4 1.INTRODUÇÃO O presente trabalho teve por objetivo o estudo do artigo 136 do Código Penal referente aos maus-tratos, trazendo assim os elementos do tipo, consumação e tentativa, objeto jurídico entre outras características do delito, além de expor algumas questões onde é necessário o princípio da especialidade na aplicação da norma penal.

Trabalho Penal Maus-tratos

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Trabalho Penal Maus-tratos

4

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve por objetivo o estudo do artigo 136 do Código Penal referente aos maus-tratos, trazendo assim os elementos do tipo, consumação e tentativa, objeto jurídico entre outras características do delito, além de expor algumas questões onde é necessário o princípio da especialidade na aplicação da norma penal.

Page 2: Trabalho Penal Maus-tratos

5

2. MAUS-TRATOS

O crime de maus-tratos está previsto no artigo 136 do Código Penal e seu conceito encontra-se no caput deste mesmo artigo, onde ler-se:

“Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:Pena - reclusão, de um a quatro anos.§ 2º - Se resulta a morte:Pena - reclusão, de quatro a doze anos.§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.”

3. OBJETO JURÍDICO

No caso do crime de maus-tratos o objetivo é proteger a vida e a saúde da pessoa que está sob autoridade, guarda ou vigilância do sujeito ativo para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.

4. ELEMENTOS DO TIPO

4.1- Ação nuclearO tipo possui como ação nuclear o verbo expor, já que no referido artigo diz

“Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância...”. Os meios executivos são:

a) Privando a vítima de alimentos ou de cuidados necessários: Nesse caso está presente a modalidade omissiva, pois o agente deixou de alimentar a vítima ou de prestar-lhe os cuidados necessários (ex: ausência de condições para higiene pessoal, vestimentas, etc.). A privação de alimentos pode ser relativa ou absoluta, bastando, no crime de maus-tratos, que seja relativa. Em alguns casos, a privação absoluta pode até ser considerada crime de homicídio, mas se esta durar curto período será caracterizada como maus-tratos.

b) Sujeitando a vítima a trabalho excessivo ou inadequado: No primeiro caso, é quando o trabalho supera os limites da pessoa, provocando-lhe grande fadiga. É necessário levar em conta a idade da vítima. Na segunda hipótese, é quando a vítima, por causa de determinadas características (ex: idade, sexo, físico) não é compatível com o trabalho que lhe foi imposto.

c) Abusando de meios de correção ou disciplina: Nessa figura há uma diferenciação das demais, pois possui um elemento objetivo diferente. Nas outras figuras, o agente age de forma grosseira, malvada, com intolerância; porém no caso em tela, o objetivo do agente é unicamente educar, de corrigir. Mas, esse fato não lhe dá o direito de cometer abusos e é justamente esse excesso que a lei visa punir. Nesse, contexto vale fazer uma diferenciação

Page 3: Trabalho Penal Maus-tratos

6

entre crime de maus-tratos e crime de tortura: de acordo com o artigo 1º, II, da Lei de Tortura (Lei 9.455/97), configura crime de tortura “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos”. No caso do delito de tortura é necessário o emprego de violência ou grave ameaça e que se submeta a vítima a intenso sofrimento físico ou mental, portanto, nessa hipótese existem situações extremadas e o objetivo do agente é provocar o sofrimento da vítima. Já no caso de maus-tratos, o elemento subjetivo que o informa é o animus corrigendi, ou seja, a vontade de corrigir. Para que se possa fazer uma clara distinção entre ambos, também é necessária a análise do elemento volitivo, pois se embora houver sofrimento físico ou mental, a intenção do agente for de disciplinar, estaremos diante de um crime de maus-tratos, sendo que se de forma culposa, sobrevier lesão corporal grave ou morte, haverá o crime de maus-tratos na forma qualificada.

4.2 - Sujeito ativo Só poderá ser autor do crime de maus-tratos a pessoa que tem alguém sob sua guarda, autoridade ou vigilância para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Importante se faz observar que, se não houver essa vinculação jurídica entre agente e vítima, estaremos diante de outro crime (ex: crime de exposição a perigo da vida ou da saúde de outrem, previsto no artigo 132, CP).

4.3 - Sujeito passivo O sujeito passivo será a pessoa que se encontra sob autoridade, guarda ou vigilância de outra para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. É necessário que haja vínculo de subordinação entre sujeitos ativo e passivo, sendo assim, a esposa maltratada pelo marido e o filho maior de idade maltratado pelo pai, não podem, nesse caso, ser vítimas de maus-tratos, pois não há subordinação entre eles.

5. ELEMENTO SUBJETIVO

É o dolo de maltratar a vítima, expondo-a de forma física e/ou psíquica a perigo. São admitidos dolo direto e eventual.

6. MOMENTO CONSUMATIVO

O delito se consuma quando o sujeito passivo é exposto ao perigo de dano através de uma conduta ativa ou omissiva.

Algumas modalidades do crime exigem a habitualidade para a sua configuração, como na privação de cuidados ou de alimentos. Para configurar o crime, não basta uma única conduta de deixar a vítima sem uma das refeições, já que na hipótese não se caracterizou a situação de perigo.

A habitualidade não é requisito em todas as modalidades como no abuso de meios de disciplina, em que basta uma única ação abusiva para configurar o crime.

O crime em algumas modalidades se constitui instantâneo e em outras permanentes. A privação de cuidados ou alimentos é um exemplo de crime permanente, o bem jurídico é continuadamente agredido e a cessação da situação

Page 4: Trabalho Penal Maus-tratos

7

ilícita depende apenas da vontade do agente. Na modalidade abuso de meios de correção ou disciplina o crime é instantâneo, não têm continuidade no tempo.

7. TENTATIVA

É admissível somente na modalidade comissiva, em que há um iter criminis a ser fracionado. Assim, por exemplo, pode um pai ser impedido de espancar seu filho com um instrumento que, com certeza, causaria danos de grande proporção, abusando desta forma, dos meios de correção. É considerada tentativa, por exemplo, um pai que ao posicionar uma barra de ferro para agredir seu filho é impedido por terceiro. Podemos concluir que o agente deu inicio aos atos de execução de um delito de maus tratos, cuja consumação não sobreveio por circunstancias alheias a sua vontade.

8. FORMAS

a) Simples- É a que esta prevista no artigo 136 cáput do código penal, que traz a pena de detenção de dois meses a um ano, ou multa.

b) Qualificada- Trata-se de crime preterdoloso. Há dolo no crime antecedente e culpa no consequente. O agente ao maltratar a pessoa que se encontra sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, não intenciona produzir o resultado mais grave, ou nem mesmo assume esse risco, contudo, tal resultado, que era previsível , não foi previsto pelo agente e por isso respondera por ele a titulo de culpa.

c) Causa de aumento de pena- Prevê o aumento de pena de um terço se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos.

d) Culposa- Não há previsão da modalidade culposa do crime em tela.

9. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES

a) Incidência de agravantes: O abuso de autoridade é uma circunstância que integra o tipo, sendo que este não poderá ser usado também como agravante do tipo ( art.61, II, f) pois incorrerá em bis in idem. O mesmo ocorre se a vítima é descendente do agente (art.61,II,e)

b) Estatuto da Criança e do adolescente ( art.232 da Lei 8069/1990): Aplica-se o princípio da especialidade, no qual a norma que rege a conduta de forma mais específica é aplicada ao invés da norma de caráter geral, nos casos em que o agente submete a criança ou adolescente que esteja sob sua responsabilidade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento.

c) Injúria: Caso as ações de maus-tratos constituam meio vexatório, ou seja, venha a envergonhar ou constranger a vítima, poderá o agente incidir em outro crime como a injúria, presente no art. 140 do Código Penal. Exemplo: Castigar o filho em público.

d) Distinção entre maus-tratos (art. 136, CP) e lesões corporais (art. 129, CP): O Delito de Lesão corporal constitui-se como crime de dano, tendo o

Page 5: Trabalho Penal Maus-tratos

8

agente a vontade de causar à integridade física ou psíquica do agente um dano. Já o delito de maus-tratos constitui crime de perigo, tendo por elemento subjetivo o animo de maltratar o sujeito passivo que encontra-se sob sua responsabilidade, guarda ou vigilância.

10. AÇÃO PENAL

O tipo traz a pena de detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano fazendo da parte do rol das consideradas de menos potencial ofensivo, cabendo a mesma a aplicação da Lei do Juizado especial ( Lei 9099/95), pelo menos inicialmente. É cabível, portanto, a aplicação dos institutos do JEC (transação penal e também a suspensão condicional do processo), mesmo que incida o aumento de pena constante no parágrafo 3º do artigo 136 em razão de crime praticado contra menor de 14 (catorze) anos, pois a pena máxima em abstrato não irá superar os dois anos, e a pena mínima não será superior a 1 (um) ano, continuando sendo competência do Juizado Especial Criminal.

Em qualquer modalidade do crime de maus-tratos (simples ou qualificado) a ação penal é de iniciativa pública incondicionada.

11. ESTATUTO DO IDOSO (LEI 10.741/03)

O Estatuto do idoso traz uma modalidade especial de maus-tratos praticado contra vítima que tenha idade superior a 60 anos.

Art. 99. expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado: pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.§ 1º se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: pena – reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.§ 2º se resulta a morte: pena – reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

Se compararmos este artigo com o art. 136 do Código penal, iremos de maneira clara perceber a identidade entre as penas cominadas em ambos os tipos, existindo um claro conflito aparente de normas que deverá ser solucionado através de princípio da especialidade.

O Estatuto do Idoso diz que a idade da vítima deve ser igual ou superior a 60 anos, sendo a idade essencial à aplicação do tipo. Já o art. 136 do CP não restringe a idade da vítima podendo ser aplicada ao invés do art. 99 da Lei 10. 741/03, desde que o agente pratique o delito contra idoso maior de 60 anos e se estiver fazendo para o fim de educação, ensino, tratamento ou custódia.

Por fim, tendo o agente exposto um idoso a perigo para sua integridade e saúde, sem que haja as motivações do art. 136 do Código Penal, irá se aplicada a o tipo do Estatuto do idoso (art. 99 da Lei 10.741/03). Entretanto se o agente agir com o especial fim de educar, ensinar, tratar, ou custódia, mesmo sendo vítima maior de 60 anos, aplica-se o art. 136 do Código Penal.

Page 6: Trabalho Penal Maus-tratos

9

12. CONCLUSÃO

Através do estudo desse tipo penal pudemos perceber a preocupação do legislador em proteger as pessoas que são expostas a perigo por aqueles de deveriam protegê-las. Percebemos também a presença de conflitos aparentes de normas, que geralmente são solucionados através do princípio da especialidade. O Crime descrito nesse tipo penal, portanto, é competência do Juizado especial Criminal, pois o mesmo apresenta uma pena de 2 meses a 1 ano.