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resumo sobre o inicio de nova veneza e treviso-sc
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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATU SENSU – ESPECIALIZAÇÃO EM
HISTÓRIA SOCIAL E HISTÓRIA CULTURAL
LENIR MATEUS CESCONETTO
SANTO ALEXANDRIM – O SAGRADO E O PROFANO NO IMAGINÁRIO
ITALIANO DE NOVA TREVISO NO INÍCIO DO SÉCULO XX.
CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2005.
LENIR MATEUS CESCONETTO
SANTO ALEXANDRIM – O SAGRADO E O PROFANO NO IMAGINÁRIO
ITALIANO DE NOVA TREVISO NO INÍCIO DO SÉCULO XX.
Monografia apresentada à Diretoria de Pós-graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC, para a obtenção do título de especialista em História Social e História Cultural. Orientador: Prof.(MSc). Lucy Cristina Ostetto
CRICIÚMA, OUTUBRO DE 2005.
Aos meus queridos pais, Ignácio e Adelina,
ao nonno Fenili, aos meus tios Salute e
Fidélis, que de outra esfera acompanham
meus passos e crescimento, minha imensa
gratidão.
AGRADECIMENTO
À minha orientadora, professora Lucy Cristina Ostetto, pela sua
compreensão, competência e harmoniosa dedicação e amizade; ao Carola, Nivaldo,
João Bittencourt, Miranda, João Zanelatto, Ancelmo, Paulo Pinheiro, Dorval, Carlos,
Falcão a seu Alexandrino, Garzoni, Bruno, padre Silvestre, Ignes, Norma e Maria
Avelina, pela paciente demonstração de amizade e carinho; à minha filha
Emmanuelle, pelas xícaras de café e inúmeras vezes que teve de salvar a mim e
aos textos, desastrada que sou na lida com o computador; ao meu filho Lorenzo,
abandonado diante da TV, com dezenas de filmes infantis; ao Marcos que,
entendendo a busca pelo objetivo a alcançar, garantiu o ânimo para a construção
deste; aos meus alunos e alunas da Escola de Educação Básica José do Patrocínio,
pela ruidosa companhia e pelas inúmeras fotografias de família que trouxeram para
mostrar como forma de contribuição; aos colegas da pós, especialmente à Nadja,
Pedro Paulo, Marlene e Jajá, pelo privilégio de tão grandiosas companhias; aos
amigos que, de forma insuportável, de uma forma ou de outra, foram relegados a
segundo plano;
A todos, enfim, meus mais sinceros agradecimentos.
POÉTICA
De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo. A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo O este é meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem.
Nasço amanhã Ando onde há espaço - meu tempo é quando.
Vinícius de Moraes.
RESUMO
O presente trabalho versa sobre a formação de Nova Treviso, hoje município que Treviso, surgido do plano de colonização da Colônia Nova Veneza que, ao trazer imigrantes italianos para povoar suas terras. No cotidiano desta colônia, entre o final do século XIX e a quarta década do século XX, surge uma festa anual de aspecto profano caracterizada pela alegria. No espaço social da festa circulam homens e mulheres para quem a sociedade construiu identidades e atribuições que tomou como mais adequadas ou mais apropriadas a cada gênero, a partir da criação de uma relação cultural – e não biológica. Os relatos apresentados são de moradores de Treviso, que viveram tais acontecimentos e o apoio teórico foi possível graças aos estudos de autores brasileiros e estrangeiros que versaram sobre imigração, memória, religião e gênero. Trata-se, pois, no momento deste trabalho, de questionar “verdades” difundidas e, por outro lado, fazer emergir a memória desta festa, um aspecto cultural da cidade que se julgava perdido. Palavras-chave: Festa. Cotidiano. Memória.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Foto do imigrante Giovanni Fenili....................................................... 17
Ilustração 2 – Imigrantes de Nova Belluno................................................................ 34
Ilustração 3 – Santo Alexandre de Bérgamo............................................................. 49
Ilustração 4 – Coroação de Nossa Senhora das Graças.......................................... 52
Ilustração 5 – Interior da igreja velha........................................................................ 59
Ilustração 6 – Padre Pedro Pellanda ....................................................................... 60
Ilustração 7 – Procissão 1........................................................................................ 63
Ilustração 8 – Procissão 2......................................................................................... 64
Ilustração 9 – Santas missões de 1955..................................................................... 64
Ilustração 10 – Festa na Praça de Treviso.............................................................. 66
Ilustração 11 – Prédio de Pedro Doneda.................................................................. 66
Ilustração 12 – Crianças............................................................................................ 66
Ilustração 13 – Ponte Nicolau Pederneiras 1............................................................ 71
Ilustração 14 – Ponte Nicolau Pederneiras 2............................................................ 71
Ilustração 15 – Moças............................................................................................... 73
Ilustração 16 – Rapazes............................................................................................ 73
Ilustração 17 – Namoro............................................................................................. 78
Ilustração 18 – Casamentos 1................................................................................... 83
Ilustração 19 – Casamentos 2................................................................................... 83
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Imigração no Brasil de 1820 a 1908............................................... 30
Tabela 2 - Lotes e seções da Colônia Nova Veneza........................................ 31
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................11
2 UM TOQUE DE ILUSÃO........................................................................................14
2.1 “Mas estes esfomeados, que coisa não comem?” ..............................................19
2.2 Viagem penosa.................................................................................................... 22
2.3 O mito encaixotado e vendido..............................................................................25
2.4 Mão-de-obra no Brasil: da escravidão à imigração..............................................26
2.5 "Brasil da Cocanha": o mito que se dsvenda.......................................................29
2.6 A Colõnia Nova Veneza ......................................................................................31
3 A MEMÓRIA RECONSTRUINDO O PASSADO......................... .......................... 35
3.1 Cadeia de pertencimento.................................................................................... 36
3.2 Verdades transitórias........................................................................................... 41
3.3 Uma festa extra .................................................................................................. 44
3.4 Um soldado romano da Colônia Nova Veneza................................................... 49
4 PÚBLICO E PRIVADO ...........................................................................................55
4.1 Elaboração e reelaboração de imagens..............................................................56
4.2 Festa sagrada .....................................................................................................59
4.3 Festa Profana......................................................................................................66
4.4 Jogo de múltiplos interesses............................................................................... 70
4.5 Um acidente e o desaparecimento da festa profana........................................... 85
5 CONCLUSÃO.........................................................................................................89
REFERÊNCIAS.........................................................................................................93
Referências Orais ..................................................................................................... 93
Referências Iconográficas......................................................................................... 94
Referência Manuscrita.............................................................................................. 97
Referências Bibliográficas......................................................................................... 98
APÊNDICE.............................................................................................................. 104
ANEXOS.................................................................................................................. 105
11
1 INTRODUÇÃO
Faltava menos de uma década para o século XX quando grandes grupos
de italianos saíram de sua pátria em direção à América, especialmente o Brasil, para
o trabalho na indústria cafeeira do Sudeste ou para povoar a Região Sul do país,
num movimento que seria responsável pela origem de diversas cidades e
municípios, entre eles Treviso, no ano de 1891. A maioria fugia das precárias
condições de vida existentes em seu país, que levava a graves quadros de fome em
toda a Itália, obrigando-os às migrações no entorno ou à emigração. A caminhada
até o porto, a trajetória do Atlântico, a viagem de trem até próximo de Urussanga e o
final do trajeto, à pé, até seu destino final mostraram que a propaganda feita pelos
agentes recrutadores não tinha sido exatamente honesta. Milhares de quilômetros e
a falta de recursos os separavam do arrependimento e da possibilidade de retorno,
restando apenas uma alternativa: a de ficar e garantir condições de sustentabilidade
aqui, no Brasil. Com a garantia inicial dos responsáveis pela Colônia Nova Veneza,
fundaram aqui uma sociedade agrária, tendo como elemento aglutinador a
religiosidade e a vida que circulava em torno da capela, com suas missas e festas
religiosas.
Para padroeiro de Treviso foi escolhido Santo Alexandre, um soldado
romano que serviu ao exército no Egito, cristão convicto que foi supliciado e
transformado em santo e profundamente reverenciado em Bérgamo, na Itália. Sua
festa, no Brasil assim como na Itália, era celebrada anualmente em 26 de agosto,
mesmo em dias de semana e no dia subseqüente, aqui, fizeram surgir a festa
profana de Santo Alexandrim, marcada por corridas de cavalos e bailes.
12
Resgatar a memória cultural social através de uma das suas mais
expressivas formas de resistência e transgressão, tornou-se um dos objetivos do
projeto que gerou este trabalho, assim como registrar a História Cultural e Oral do
município, presente nas lembranças de seus habitantes mais antigos, analisando os
possíveis motivos que levaram a realização da festa profana e as diferentes
atividades do dia, assim como o comportamento da população durante os dias em
que esta se realizava. Era necessário também analisar a função social da festa e os
aspectos relacionados ao seu final.
Para que o trabalho começasse a ganhar estrutura, foram selecionadas as
pessoas que haviam participado da festa e assim, da memória social de dona
Norma, seu Alexandrino, seu Garzoni, dona Maria Avelina, seu Bruno e dona Ignes
surgem as vozes necessárias ao retorno da história desta festa singular. Para dar
uma estrutura acadêmica, autores brasileiros e estrangeiros relacionados às
questões de imigração, memória, História Cultural, gênero e estudos femininos
foram lidos, catalogados e citados.
As questões que levaram à emigração foram amplamente estudadas no
Primeiro Capítulo, denominado “Um toque de ilusão”, iniciando pelo contato da
autora com o avô imigrante – que aqui chegou com tenra idade, contato este
acontecido entre o final da década de 60 e início da década de 80, quando este veio
a falecer – tendo como apoio de estudos autores brasileiros e italianos. O trabalho
privilegia características macro-estruturais como a economia italiana e brasileira no
século XIX, assim como as condições de clima e relevo do norte da Itália e as
dificuldades relativas à viagem, até sua chegada ao novo destino, sua instalação na
terra e o processo de desenvolvimento econômico. Destaca-se nesta parte da
pesquisa o trabalho dos brasileiros Roselys Isabel Correa dos Santos e Zulmar
Bortolotto e do italiano Renzo Grosselli, entre outros.
13
O contato, no passado, com Salute, uma especialíssima contadora de
histórias, levou ao início do Segundo Capítulo, “A memória reconstruindo o
passado”, onde se discutem as questões de memória, o que ela guarda e o que
esquece e a forma com que a História Cultural se apropria dela para existir. Entre
outros autores, Ecléa Bosi, Maurice Halbwachs e Célia de Toledo Lucena dão o
suporte teórico necessário para a escrita da História-memória. Também aqui se
encontra a apresentação da festa profana de Santo Alexandrim.
Ao reconstruir e tornar visíveis os papéis de homens e mulheres de Nova
Treviso, este trabalho ganha estrutura e se ergue, permitindo que no Terceiro
Capítulo, intitulado “Público e privado” – iniciado pela lembrança da festa sagrada,
décadas depois do desaparecimento da festa profana – sejam estudadas, com o
auxílio da memória de quem dela participou, a Festa Sagrada, a Festa Profana, o
cotidiano permeando as relações de gênero, este trabalho se apresenta,
humildemente, como uma tentativa de confronto entre temporalidades, conteúdos e
sujeitos diferenciados, fugindo da “história dominante”, repensando os parâmetros
que formam a interpretação que se faz da História. O texto baseia-se nas entrevistas
com homens e mulheres que, jovens ainda, participaram desta festa e contribuíram
com seu relato do cotidiano de uma época e também nos textos teóricos de autores
relacionados aos estudos de gênero e estudos femininos.
14
2 UM TOQUE DE ILUSÃO
Os olhos eram de um azul profundo, coroados por espessas sobrancelhas
brancas. Com cerca de um metro e noventa de altura, ele possuía o encantamento
próprio das pessoas mais velhas que sabem o que querem e o que fazem e que já
viveu o suficiente para tomar decisões sábias. No início da década de 70, assim era
meu avô, o “Nonno Fenili” para a família e o “Seu João” para a comunidade de
Treviso. Quando alguém perguntava sobre sua juventude, ele quase não falava.
Baixava a cabeça em silêncio, seu rosto expressava dor e saudade e então se
retirava para seu quarto. Ali, havia apenas uma cama de cedro, semelhante a uma
moderna cama tubular (e sob ela, um penico), uma cômoda, também de cedro –
com três gavetas grandes em baixo, duas menores em seguida e por cima três
gavetas, sendo a do meio com chave, bem pequena, onde se guardava documentos
– uma mesa pequena com gaveta, toda ela curiosamente pintada de laranja e uma
cadeira com assento de palha. Sobre a cômoda, havia uma bacia de alumínio, um
copo com ramos bentos, uma garrafa com água benta, um rosário preto, uma toalha
de crochê feita pela primeira esposa, Amábile – minha avó – e um quadro de Santo
Antônio de Pádova. Tudo espartanamente asseado.
Ao elaborar esse trabalho, me perseguia uma preocupação: como eu poderia
interpretar e transcrever a história, nuançar diferenças, circular por seus meandros e
veredas, submergir em suas subjetividades, suas múltiplas visões do real? Como
encontrar um caminho que me levasse a uma história diferente da chamada
“história-batalha”, aquela dos heróis, da elite, da classe dominante, encontrando o
caminho para uma história transversal, que tivesse como base a cultura enquanto
um conjunto de significados construídos e partilhados pelo homem para explicar o
15
mundo? A obra de Sandra Jatahy Pesavento1, acerca da História Cultural ofereceu-
me um dos suportes necessários à obra, como também o trabalho de Roger
Chartier2 sobre o mesmo tema, que afirma ser esta uma história em que delimitava-
se um novo campo, distinto tanto da antiga história intelectual literária como da
hegemônica história econômica e social.3
Agora relembro minha infância, um avô não dado a carinhos, na realidade
meio duro e quase sempre sério, mas cujos olhos relampejavam de azul profundo,
um carinho que eu sabia real. Nos dias frios de inverno ou no tórrido calor de
dezembro, ele sempre achava um tempinho para uma conversa com as netas. O
semblante, sério, afastava muitas pessoas, que se referiam a ele como mal-
humorado. Bem, acho até que era mesmo. Mas como esquecer as tardes no banco
da praça em que ele resolvia fazer suas rendas maravilhosas? Logo aparecia uma
folha de papel de embrulhar pão, bem branquinha, e uma tesoura, que ele mesmo
cuidava de manter o gume impecável. Com cuidadoso capricho a folha começava
então a ser dobrada.
- “Nina, tem que ser assim. Se dobrar de outro jeito, na hora de cortar,
estraga tudo. Tem que jogar o papel fora e papel é caro!”, ele dizia. Depois, fazia
recortes. Um maior no centro. Depois, com esmero, toda a folha ia recebendo
pequenos cortes e o desenho de um pássaro, de uma flor, de uma casa, ia surgindo
no papel dobrado. E quando era aberta – Oh! Maravilha! –, surgia na folha, diante de
olhos extasiados, a mais bela renda que meus olhos de menina já tinham
contemplado. Nem mesmo os lençóis brancos novos, com “gregas” e bordado
inglês, que tinham sido feitos para aquele Natal, tinham desenhos mais belos. Nem
1 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2.ª ed Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 132 p 2 CHARTIER, Roger . A história cultural – entre práticas e representações. Lisboa: Difel / Bertrand Brasil. S.d. p. 13 a 28. 3 Idem. p. 15
16
eram, tão delicados, carinhosos e frágeis como aquele papel branco. Nem como
minha memória.
Lembrar, mais do que deslocar para hoje as imagens do passado, é
interpretar os fatos já vividos a partir das experiências do presente4. Logo, a
memória se instala entre o espaço e o tempo sendo relativa ao que acontece em
torno. Por espaço entendemos o situar-se em um contexto, quando a memória
delimita um local onde um fato se desenrolou, enquanto o tempo é formado por
momentos particulares da vida de cada um. Então, ao lembrar de algo, nos
remetemos a um determinado local do passado em determinado momento. A
memória, porém, é seletiva: certos elementos do passado deixam em nós vestígios
menos duradouros que outros, retendo apenas o que é excepcional e os fatos que
nos fazem sofrer por vezes são expurgados ou pelo menos tornados menos
amargos.
Quem de nós não sofreu com a perda de um ente querido e temos a
sensação de que a dor não vai passar nunca, até que um belo dia, os fatos se
tornam menos fortes e as feridas já não estão abertas? Ou após uma decepção em
relação a alguém importante, vemos o tempo desbotando os motivos que levaram à
dor? Ou até os momentos alegres em que temos a sensação que já não causam
tanto prazer? Então o cotidiano é eliminado através do implacável esquecimento.
Conversando com meus alunos e alunas, perguntei a eles se sabiam
quem eram seus bisavós ou se sabiam quem havia estudado naquela sala há quinze
anos atrás. Eles não sabiam – e nem eu tampouco – e, no entanto, meninos e
meninas tinham estado naquele ambiente, ocupando aquelas carteiras e assim
como eles, se achado imortais. No entanto a memória individual, da família, da
escola, da sociedade é seletiva e descarta irremediavelmente aquilo que
17
consideramos “normal”, o que é considerado cotidiano, o fato vulgar. Segundo
Michel de Certeau, “longe de ser o relicário ou a lata de lixo do passado, a memória
vive de crer nos possíveis e de esperá-los, vigilante, à espreita.” 5 Célia Toledo
Lucena, ao analisar a memória de migrantes afirma que os
Símbolos e os emblemas dos migrantes [...] podem ser reconhecidos nos ritos, manifestações, festejos, valores, costumes, religiosidade. Através desses símbolos, é possível reconhecer o processo de construção de uma comunidade [...] este imaginário coletivo é condição de sobrevivência [..] no lugar de destino e de definição de identidade social.6
A memória seria, portanto, uma forma de manter a própria identidade
enquanto grupo, no caso, aquele de imigrantes italianos, ao qual pertencia meu avô.
Ao ensinar seus trabalhos artísticos, aprendidos na infância, possivelmente com seu
pai ou sua mãe, ele demonstrava esse sentimento de pertença a um grupo e sua
necessidade de continuidade do que houvera aprendido.
Ilustração 1 - Imigrante Giovanni Fenili, década de 70.
4 LUCENA, Célia Toledo. Arte de lembrar e de inventar – (re) lembranças de migrantes. São Paulo: Arte e Ciência, 1999. P. 81 5 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. P. 163 6 LUCENA, Op. Cit. p. 80
18
O emigrante Giovanni Fenili nasceu em Levati, na província de Bérgamo,
Itália, em 26 de maio de 1880 – dia de Nossa Senhora do Caravaggio – filho de Luigi
e Francesca Fenili. No final do ano seguinte, quando a situação os levou à fome em
seu país, seus pais emigraram para o Brasil e com eles vieram Francesco, Battista e
Federico, irmãos de Luigi, dando entrada na Colônia Nova Veneza, em 24 de
fevereiro de 1882. 7.
Quando as primeiras famílias de imigrantes chegaram era Natal e as
crianças sabiam que naquele ano não haveria presentes debaixo da árvore
enfeitada. Bem, na verdade também não haveria uma árvore enfeitada. Para o grupo
que se amontoava diante da casa de troncos roliços, com cheiro de madeira cortada
a pouco, parecendo náufragos, aquele seria um final de ano incomum. O ano era
1891. O local era Nova Treviso, um dos núcleos da Colônia Nova Veneza, no sul do
estado de Santa Catarina. O grupo, estupefato, era formado por imigrantes italianos
que deveriam estar chegando ao paraíso, ao “paese di Cuccagna”.
O responsável direto por tal estado de coisas era um siciliano de nome
Miguel Napoli8, diretor da Companhia Metropolitana de Imigração, empresa
proprietária daquelas terras. Mas ali eles estavam fugindo da fome que assolava os
campos agrícolas do norte da Itália. E porque o Brasil precisava deles aqui.
Haveria alguém a se perguntar o porquê ? A produção historiográfica
relacionada à imigração italiana é alvo de muitos estudos na Itália9 e no Brasil10, no
sentido de explicar as razões sociais, políticas e econômicas que levaram um grande
contingente de italianos a emigrarem para o Brasil
7 BORTOLOTTO, Zulmar H. História de Nova Veneza. Nova Veneza, Prefeitura Municipal, 1992. p. 313 8 Idem. p. 69. 9 Com destaque nesta obra para o trabalho do italiano GROSSELI, Renzo Maria. Vincere o morire. Contadini trentini (veneti e lombardini) nelle foreste brasiliane. Trento: Edizione a cura della Província Autonoma di Trento, 1986.
19
2.1 “Mas estes esfomeados, que coisa não comem?”
Do norte da Itália afluíram os maiores contingentes de imigrantes para o
Brasil. A área compreendia cidades das regiões do Vêneto, formado por sete
Províncias: Veneza, Vicenza, Pádua, Rovigo, Belluno, Treviso, Rovigo e Údine (hoje,
Údine pertence ao Friul, mas à época, pertencia ao Vêneto); Lombardia, formada por
nove Províncias: Milão, Bréscia, Bérgamo, Varese, Como, Pavia, Cremona, Sôndrio
e Mântua); e o Trentino Alto-Adige, formado por duas áreas distintas: a parte
meridional, que tem em Trento sua capital e a parte setentrional, conhecido como
Alto-Adige, com capital em Bolzano. A área também é conhecida como Tirol Italiano
ou Tirol do Sul, que pertencia à Áustria, sendo, porém, etnicamente italiano11.
Segundo Grosseli, o decorrer da “[...] vida política trentina por todo o curso do século
XIX, girou inteiramente em torno do problema de identidade nacional dos trentinos e
tais problemas se prolongaram até 1918, data em que a região passou a fazer parte
do Reino da Itália”. (tradução livre)12
Segundo Luís A. de Boni e Rovílio Costa, o problema da emigração
passa pela Unificação dos Reinos da Itália, efetivado em 1870, que,
economicamente significou a vitória definitiva do Capitalismo sob as antigas
instituições. Assim, o norte, onde se desenvolveu a produção industrial, tornara-se
economicamente mais forte, que o sul agrário. Porém, não houve muito além de uma
remanejo de forças, quando
o clero perdeu sua autoridade decisória, e a burguesia industrial assumiu o papel de componente principal do novo sistema, no qual, contudo, a oligarquia rural continuou sendo representada e vendo respeitados seus interesses. Sintomático o fato de que se tenha substituído o papa por um rei. A unificação, pois, ao abrir as portas para o capitalismo, aconteceu sem uma revolução. Por isso, os custos foram pagos por aqueles que dela deveriam esperar proveito. 13
Na Itália, um dos motivos apontados para a forte corrente emigratória foi a
introdução do modo capitalista de produção na agricultura14, que levou à falência
10 Com destaque para SANTOS, Roselys Izabel Correa dos. A terra prometida: emigração italiana: mito e realidade. 2. ª ed. Itajaí: ed. da Univali, 1999, e BORTOLOTTO, op. Cit., entre outros. 11 SANTOS. Op. Cit. p. 66 – 79. 12 “La vita politica trentina per tutto il corso del secolo XIXº girò interamente attorno al problema dell’identità nazionale dei trentini e tale problema prolungò la sua portata fino al 1918, data in cui la regione entrò a far parte del Regno d”Italia”. GROSSELI. p. 22. 13 BONI, Luís A. de. COSTA. Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. 3.ª ed. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia. Correio Riograndense. Universidade de Caxias do Sul. p. 50. 14 BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 8
20
dos pequenos proprietários que não conseguiram concorrer com a concentração
fundiária, provocando o endividamento dos camponeses, que acabavam alienando
seus bens em pagamento da dívida ou asfixiados pelos pesados impostos cobrados
pelo recém-unificado Estado italiano.
A região onde se revelaram os maiores índices de emigração foi o
Trentino, que segundo Grosseli, apresentava uma superfície de 6.212,66 km2, sendo
apta à agricultura apenas 15%. Cerca de 70% deste território está situado a altitudes
superiores a 1.000 metros, com temperaturas que, no inverno, são inferiores a -15º
C. Associados a um pequeno índice de ocupação territorial - 60 habitantes por
quilômetro quadrado e, portanto inferior a outras áreas do país, os índices acima
citados favorecem o aparecimento de uma agricultura de subsistência, dificultando a
criação de uma forte estrutura agrícola. 15 Pela ausência de modernas técnicas, os
solos, já raros, se esgotavam, produzindo apenas o estritamente necessário.
Nestas condições de difícil sobrevivência, o Estado unificado italiano
deixa de receber em espécie os seus impostos, passando a realizar a cobrança em
valores monetários. Inadimplentes no pagamento dos impostos e taxas, camponeses
são obrigados a entregar suas terras, levando o leilão milhares de pequenas
propriedades e à miséria ao norte da Itália. 16 Os meeiros, lavradores que alugam
um terreno dando em forma de pagamento uma parte de sua produção, deixam de
ter condições de pagar sua dívida, uma vez que a produção mal é suficiente para
cobrir as necessidades do seu núcleo familiar. Na incipiente indústria italiana, a
maioria daqueles que procuravam emprego esbarrava na ausência de mão-de-obra
especializada para oferecer e o desemprego torna a situação ainda mais difícil.
No século XIX, nas Províncias italianas de Treviso e Belluno, episódios
bizarros, marcados pela fome, foram publicados em artigos na Europa:
Cada vez que morre em um estábulo do Polesine (região do baixo Pó, atual Província de Rovigo, na região do Vêneto), de qualquer doença, um boi ou uma vaca, o veterinário do lugar ordena o sepultamento. E isto é executado por três ou quatro camponeses, na presença do oficial de Justiça do Município. Mas apenas estes se afastam poucos passos, sucede uma cena macabra.Vinte ou trinta camponeses armados de pás, machados, foices e de facas se aproximam rapidamente, desenterram o animal e o fazem em pedaços, procurando cada um as partes melhores.Para disputar uma meia coxa, as tripas e o fígado, estes improvisados carniceiros, todos
15 GROSSELI. Op. Cit. p. 46 – 48. 16 BONI e COSTA. Op. Cit. p. 60. “Entre 1873 e 1881, nada menos de 61.831 pequenas propriedades foram tomadas pelo fisco por falta de pagamento de impostos, que muitas vezes não iam além de umas poucas liras; entre 1884 e 1901, o número de propriedades perdidas pelos contadini por impossibilidade de pagar impostos se elevou para 215.759; as vendidas judicialmente por dívidas a particulares somaram 70.774 entre 1886 e 1900”
21
ensangüentados, com os olhos alucinados pela avidez e fome, ameaçam-se gritando sempre e agredindo-se.[...] Apenas os camponeses apanham a sua parte do butim, correm para casa e colocam a carne para ferver na panela onde fazem a polenta. Geralmente é carne insípida, nauseabunda, de animais que sofreram uma longa doença e tomaram toda a sorte de medicamentos, mas estes esfomeados que coisa não comem? Estes fazem empanturramentos solenes nestas ocasiões; faz algum tempo, um habitante de Villanova morreu de indigestão depois de uma dessas comilanças. Quando morre um animal de carbúnculo ou de uma doença contagiosa, o veterinário, conhecendo os usos do lugar, ordena que nas carnes do cadáver se façam grandes cortes e se coloque petróleo. E muitas vezes, nem estas preocupações servem para que o lugar do enterramento se mantenha inviolado: há quem tenha estômago para comer também carnes infectadas. 17
A carne desapareceu completamente da mesa da população pobre,
exceto por alguns passarinhos que capturavam – polenta e osei – era um dos pratos
preferidos da região, levando à escassez de aves silvestres – e a base de
alimentação passou a ser o milho. Segundo Santos18, quando o milho apareceu no
meio rural do norte da Itália, tornou-se o alimento das classes menos favorecidas e a
polenta passou a ser consumida em todas as refeições do dia, sendo, por vezes, o
único alimento da família. Como conseqüência dessa alimentação deficiente, surgiu
doenças como a malária e a pelagra, terrível doença causada pela avitaminose, que
leva à loucura e consequentemente à morte. Esta população, em termos gerais,
muito já havia perdido em qualidade de vida, no decorrer do século XIX. Segundo
Boni e Costa,
Comparados com a população rural de outros países da Europa Ocidental, os colonos italianos apresentavam um quadro lúgubre: eram dos mais atrasados, com índices de analfabetismo elevados, enquanto outros países há séculos, por vezes, já haviam erradicado este mal. 19
Na Província de Belluno, na Região de Trento e na Lombardia, segundo
Grosseli20, os fenômenos migratórios não eram incomuns. A ausência de uma
indústria que garantisse um salário obrigava camponeses à migração sazonal,
geralmente em época de colheitas, trabalhando no sul da Itália ou em países
vizinhos, na tentativa de fugir do fantasma da fome. A emigração permanente,
17 SANTOS. Op. Cit. p. 115 – 117. 18 Idem. ibidem. p. 130. 19 BONI e COSTA. Op. Cit. p. 52. “Em 1871 o Vêneto contava 65% de analfabetos na população acima de 6 anos de idade, o Piemonte 42% e a Lombardia 45%, taxas que em 1911 haviam baixado respectivamente a 26%, 11% e 13%, enquanto para o país era de 37 %. A instrução era muito prejudicada pela falta de professores e pela participação das crianças nos trabalhos agrícolas e nas manufaturas, apesar da proibição legal da ocupação de menores de 12 anos nas indústrias”. p. 61. 20 GROSSELI, apud SANTOS. Op. Cit. p. 93
22
porém, ainda não era comum, apesar de já haverem alguns registros anteriores a
1870.21 A fuga do quadro de miséria que assolava os italianos aparece na forma de
emigração para a América, naquele momento a única saída para não morrer de
fome.
2.2 Viagem penosa
A emigração italiana para a América, segundo Santos, ocorre em três
momentos distintos:
a) Na metade do século XIX, quando grandes contingentes populacionais saíram
principalmente do norte da Itália, atormentados pela miséria;
b) Do final do século XIX até 1914, fugindo dos problemas que originariam a
Primeira Guerra Mundial, que ocorreria entre 1914 e 1918;
c) No período entre guerras, fugindo dos horrores do conflito. 22
Quando as empresas colonizadoras enviavam os propagandistas para o
recrutamento de famílias que poderiam emigrar para países americanos, entre eles o
Brasil, normalmente eram escolhidas famílias com cinco ou seis membros, entre 16
e 50 anos, que apresentassem boas condições de trabalho e alguma profissão.
Segundo Grosseli, os passaportes dos imigrantes não indicavam “uma América”,
mas apenas “para América”, 23 ou seja, não indicava a qual país americano estavam
destinados, mas somente à “América”, um outro mundo, em que seus sonhos
recheavam de inúmeras oportunidades. Um grande passo a ser dado. Grandioso,
porém, sem retorno.
O Ministero degli Interni, em 1876, se referindo à “febre americana” de
imigração afirmava que o fenômeno apresentava os “sintomas característicos de
uma epidemia, com a força irresistível da superstição e com um entusiasmo quase
religioso, se expandindo pelos nossos vales o espírito da emigração para terras
21 BONI e COSTA. Op. Cit. p. 53 22 SANTOS. Op. Cit. p. 42-43. 23 GROSSELI. Op. Cit. p. 79
23
distantes e desconhecidas.” 24 Ao alimentarem o mito do “País da Cocanha”, os
agenciadores levavam a ilusão para quem não tinha mais sonhos e a fome era uma
realidade que grassava entre a população. Assistir a morte de um filho ou de mais
membros da família não era um quadro incomum. Edmondo De Amicis 25, citado por
Roselys Santos, registra, no embarque de emigrante, alguns desses casos de
morte:
Da entrada maior escancarada vi uma mulher que soluçava alto, com o olhar no beliche: entendi dizer que poucas horas antes de embarcar morreu, repentinamente, uma menina sua, e que seu marido teve que deixar o cadáver no escritório da Segurança Pública do porto para que a levassem ao hospital. 26
Ao se decidirem pela emigração, eles vendem tudo o que não pode ser
carregado, levantando uma pequena quantia em dinheiro. Até que em um dia
qualquer, reúnem a família, se despedem daqueles que não quiseram ou não
puderam partir e seguem pelas estradas, levando seus poucos pertences em malas,
mochilas, baús, caixas ou ainda em trouxas que carregam sobre as cabeças,
dormindo ao relento quando a estação ferroviária era distante da sua cidade ou vila.
Ali, nas estradas do norte da Itália, estão pais, mães, cunhados e cunhadas,
crianças, bebês de colo, além de avós ou tias que não tinham com quem ficar, que
carregam nas mãos, além das malas, a esperança de fugir da miséria. Então, um
espetáculo desolador poderia ser presenciado nas estações ferroviárias cheias de
pessoas que não sabiam se retornariam num assustador fenômeno migratório. O
periódico italiano L’Eco di Bérgamo, de 24/05/1888 publicava na primeira página:
No ano passado anunciamos que a crescente emigração despovoou uma localidade na Província de Treviso e que o reverendo pároco, já velho, com os últimos paroquianos que partiam para a América, partiu também ele, não tendo coração para abandonar seus diletos filhos sem os socorros do ministro de Deus. 27
A religião para o imigrante parece transformar-se em um fator de
integração cultural, de identificação cultural em um momento em que o abalo sofrido
tende a fazer desmoronar a vontade e, por conseguinte, a perda da identidade e o
possível “acaboclamento”. 28 Provenientes de um mundo agrário, a religião toma a
24 Idem. ibidem. p. 96 25 DE AMICIS, Edmondo. Sull’Oceano. Milano: Treves, 1889. Apud. SANTOS. Op. Cit. Ver referência 26 SANTOS. Op. Cit. p. 55 27 Idem. p. 94. 28 BONI e COSTA. Op. Cit. p. 110.
24
forma de elemento aglutinador e que possibilitou a manutenção de seu mundo
cultural. A preocupação com o apoio religioso aparece no texto de Abati29:
O alvoroço, então, aumentava todos os dias e muitas famílias resolveram aproveitar a emigração decretada pelo rei e vir morar no Brasil. [...] No entanto eu completava 3 anos de idade, e meus pais que já tinham resolvido também de emigrar, me levaram a cidade de Bérgamo e procuraram o Bispo da catedral de Santo Alexandre, Dom Caetano Camilo Ghindani que administrou-me o Sacramento do Crisma...30
Os trens os levarão ao porto italiano de Gênova ou ao porto francês de La
Havre31, onde tomarão os navios que os conduzirão à América, com destaque para
o navio italiano “Andrea Doria” e os franceses “Bretagne” 32 e “Cashemere”33.
Mas para alguns, o sonho terminava no porto, quando o médico da
agência de imigração, após minucioso exame, impedia a muitos de entrar no navio,
principalmente aqueles fracos ou doentes, por isso:
Num determinado momento, ouviram-se gritos furiosos no escritório dos passaportes e se viu acorrer gente. Soube-se depois que era um camponês, com a mulher e quatro filhinhos, que o médico reconheceu efeitos da pelagra. Às primeiras interrogações, o pai revelou-se louco, e sendo-lhe negado o embarque, havia tido uma crise. 34
Ali, viajarão entre 16 a 40 dias, dependendo das condições do tempo, em
compartimentos que separavam homens em um andar e mulheres e crianças no
outro. Ali, seus sonhos encontrarão muitas provações. Mas o firme propósito destes
homens, mulheres e crianças venceram adversidades, para testar outras...
29 ABATI, José. Manuscrito da fundação de Treviso. 1963. Giuseppe Abati, filho de Camilo e Maria Abati, entrou, com seu irmão Luigi, como imigrante no Brasil em 18 de dezembro de 1891, com 3 anos de idade e registrado no livro de Zulmar Bortolotto, História de Nova Veneza (ver Referências). Em 1908, trabalhou por dois meses, na construção da rede que abasteceria de água a cidade de Florianópolis. Em novembro do mesmo ano, caminhou por 12 dias até chegar ao Rio do Peixe, onde trabalhou na construção da estrada. Depois de trabalhar em Itajaí, São Francisco do Sul, Paranaguá, Lages, Curitibanos, Campos Novos e mais tarde em Curitiba, volta a Treviso, onde se casa com Maria Casaletti, segundo ele “esposa exemplar e mãe dedicada” (p. 46). Em 1918 assumiu o cargo de primeiro professor de Treviso, lecionando em italiano. Em 1920, por ordem do governo, foi afastado por não falar português, mas após 4 anos trabalhando em outras atividades e estudando a língua, foi admitido pelo governo de SC como professor efetivo. Ainda em Treviso, depois de se aposentar, foi carpinteiro, capelão e coveiro, vindo a falecer em 27 de maio de 1979. Este manuscrito hoje é propriedade de sua filha Avelina Abati, residente em Treviso. 30 ABATI. p. 46 31 BORTOLOTTO. p. 11 32 Idem. p. 12 33 ABATI. p. 2. No texto original, grafado “Caquemir” 34 SANTOS. Op. Cit. p. 55
25
2.3 O mito encaixotado e vendido
Uma vez definida qual a população alvo para a emigração, as empresas
de emigração passaram a contratar pessoas que pudessem arregimentar para seu
intento. Torna-se evidente que os propagandistas atingiram o imaginário da
população italiana miserável, cuja luta pela sobrevivência que já haviam levado à
movimentações de populações inteiras.
No universo judaico-cristão, aparece na Bíblia Sagrada a saga de Moisés,
que faz com que seu povo fuja da opressão egípcia, seguindo pelo deserto, em
busca da “terra onde corre leite e mel”. 35 Era, portanto uma emigração em direção
ao paraíso, acessível ao homem ainda em vida, onde poderia viver sem percalços,
feliz, o seu dia a dia. Um desejo de mudar o status quo.
Carlo Ginsburg, em seu livro O queijo e os vermes, ao examinar os autos
do processo do moleiro Menocchio, penetra nas concepções e crenças de um
indivíduo que viveu na Idade Média, que idealizava um “mundo novo”, que ele
acreditava ser real a partir de suas leituras da literatura medieval e que o remetia a
esse mundo utópico. Talvez alheio à miséria que o circulava, talvez querendo fugir
dela, Menocchio vive uma realidade forjada em suas próprias crenças, abundante e
de muitas oportunidades:
Uma montanha de queijo ralado / se vê sozinha no meio da planície, / e um caldeirão puseram-lhe no cimo... / Um rio de leite nasce de uma gruta / E corre pelo meio do país, / Suas margens são de ricota... / [...] Todos têm o que querem facilmente / e quem pensasse em trabalhar / pra forca iria e o céu não salva... / Lá não há camponês nem citadino, / Todos são ricos, têm o que desejam...” 36
O país da Cocanha! Este local, na concepção do imaginário europeu, era
um local ao revés do cotidiano, livre das alternâncias e oscilações da realidade,
distante da miséria, da fome, das regras sociais e principalmente do trabalho.
Conforme coloca Ginsburg, o país da Cocanha é múltiplo, “provavelmente exagero
da imagem já mítica, que os primeiros viajantes forneceram das terras descobertas
além do Oceano e de seus habitantes.” 37 Documentos de Pero Magalhães
Gandavo, de 1576, intitulados Tratado da Terra do Brasil e Histórias da Província de
35 ÊXODO. Bíblia Sagrada. Cap. 33. Ver. 3 36 GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 165 e 166.
26
Santa Cruz, registrados na obra de Flávio de Campos também relata este “mundo
melhor”, associando-o ao Brasil:
Esta província é à vista mui deliciosa e fresca em grande maneira: toda está vestida de mui alto e espesso arvoredo, regada com águas de muitas e mui preciosas ribeiras de que abundantemente participa toda a terra, onde permanece sempre a verdura com aquela temperança da primavera que cá nos oferece abril e maio. E isto causa não haver lá frios, nem ruínas de inverno que ofendiam as plantas, com cá ofendem as nossas. 38
Tanto no Brasil quanto na Itália, o ano de 1875 pode ser considerado
como um marco para a emigração em massa. No Brasil, havia pequenas entradas
de imigrantes em vários pontos isolados do território nacional, enquanto na Itália, era
comum um pequeno índice de movimentação de população entre os países
vizinhos. Porém, a partir desta data, imensos contingentes populacionais passaram
a sair do continente europeu em direção ao Brasil.
2.4 Mão de obra no Brasil: da escravidão à imigração
Após a chegada de Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, os
portugueses passaram os primeiros anos efetivando a simples posse e ocupação
jurídica do território, com sucessivas viagens de reconhecimento e expedições
guarda-costas. Isso porque, segundo Bóris Fausto, se comparado à descoberta das
Índias, comemorado com grande entusiasmo pela elite burguesa e nobreza da
época, a descoberta do Brasil não representava um grande lucro, não merecendo,
portanto um investimento de grande monta que justificasse a travessia do Atlântico.
Somente em 1534, com a criação das Capitanias Hereditárias, inicia-se o
processo de povoamento da terra, quando nobres portugueses ou militares notáveis
foram nomeados para governar o Brasil. Este povoamento se fará de forma intensiva
com a chegada de “exploradores de madeira, aventureiros, estrangeiros de diversas
37 Idem. p. 166
27
categorias e diversos países, o que não deu a Portugal a tranqüilidade sobre os
bens que possuía.” 39
O país será construído a partir da exploração de mão-de-obra escrava,
trazida da África negra, encarregada da manutenção do trabalho nas fazendas de
cana-de-açúcar, primeiro e posteriormente, em fazendas de café.
No Brasil, em 1888, a Lei Áurea40 encerrava a escravidão que vitimava
negros desde o início do século XVI, provocando na elite brasileira – latifundiária,
monocultora e escravocrata41 – uma reação conservadora e repleta de ameaças42.
O medo diante da possibilidade do colapso na economia refletia a dependência em
relação ao trabalho escravo. Acostumados a mandar e a ser obedecidos, os
senhores de engenho tinham atitudes arbitrárias diante das condições de existência
de seus cativos, o que pode ser demonstrado do romance de Machado de Assis,
Memórias Póstumas de Brás Cubas:
Por exemplo, um dia, quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher de doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza no tacho, e, não satisfeito da travessura fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’ [...] Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um lado e outro lado, e ele obedecia [...] sem dizer uma palavra, ou quando muito, um “ai, nhonhô!”, ao que eu retorquia: _ Cala a boca besta!43
O ato de torturar física e psicologicamente o escravo era uma forma de
garantir a destruição dos valores do homem negro, obrigando-o a aceitar a
superioridade do europeu e ao ser adjetivado de vadio, preguiçoso, traiçoeiro,
38 CAMPOS, Flávio de. Oficina de História: História do Brasil. São Paulo: Moderna, 1999. p. 50. 39 FAUSTO, Bóris. História do Brasil. 4.ª ed. São Paulo: Editora da USP; FDE, 1996. p. 37. 40 Idem Ibidem p. 220. 41. O modelo produtor brasileiro era baseado na grande propriedade, que produzia apenas um único gênero – primeiro a cana-de-açúcar e depois o café – usando como mão-de-obra o trabalho escravo, importado da África. FAUSTO, Op. Cit. p. 80 – 81 42 Idem ibidem. p. 220 43 ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas; Dom Casmurro. São Paulo: Abril Cultural, 1982. P. 31
28
malicioso e outros, o negro perdia partes importantes de sua identidade e era
submetido à estrutura racista.
Logo, o homem que a Lei Áurea supostamente libertou, não era um
homem com condições de auto-sustento, com possibilidade de se instruir
profissional e intelectualmente, uma vez que ainda não tinha condições de concorrer
com o branco no mercado de trabalho, e que, vítima da competição desigual,
submerge no universo da mão-de-obra não-qualificada, marginalizado por forças
verticais. 44 Perpetua-se o status quo.
Na década de 1880 o alto preço dos escravos levou à importação de
mão-de-obra da Europa, principalmente do norte da Itália, onde a introdução do
Capitalismo industrial criara enormes excedentes de trabalhadores. 45 Os primeiros
imigrantes teriam chegado ainda no Primeiro Reinado:
Em 1819, cerca de 1 500 famílias suíças fundaram Nova Friburgo, no Rio de Janeiro; e, em 1824, colonos alemães receberam glebas em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Antes disso, em 1808, o Governo colonial fizera vir para o Brasil 1 500 famílias açorianas. [...] a partir da extinção do tráfico de escravos que grandes correntes migratórias desaguarão no Brasil. 46
O novo sistema econômico que se instalava em todo o mundo, inclusive
no Brasil, não permitia a escravidão devido à necessidade de um mercado
consumidor, em que o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um
salário e com ele sustenta a si e sua família. A preocupação em transformar o país,
agora uma República, em um país desenvolvido, partia da idéia de que era
necessário substituir a mão-de-obra africana por mão-de-obra branca e européia.
Por fim, para garantir a manutenção do sistema latifundiário, monocultor e
escravocrata dos grandes proprietários que formavam a elite burocrática, era
perigosa a formação de pequenas propriedades produtoras que poderiam entrar em
conflito com seus interesses.
44 FAUSTO. p. 221. 45 BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 7 46 Idem. Ibidem. p. 105
29
2.5 “Brasil da Cocanha”: o mito que se desvenda
A vinda de italianos, alemães e russos para o sul do Brasil causa algum
estranhamento, uma vez que em tempos anteriores foram imigrantes açorianos que
aqui vieram se instalar, quando Domingos Peixoto de Brito funda o povoado de
Santo Antônio dos Anjos da Laguna, em 1654. A cidade de Tubarão foi fundada em
1836 e Campinas do Sul, hoje Araranguá, em 1848. 47
Em 17 de junho de 1874, o governo Imperial Brasileiro firmava um
contrato com o senhor Joaquim Caetano Pinto Júnior, o Decreto n. 5.663,
objetivando a entrada de imigrantes europeus, para a substituição do trabalho
escravo, nas fazendas de café. As cláusulas do contrato determinam que estes
imigrantes deveriam ser
Alemães, Austríacos, Suíços, Italianos do Norte, Bascos, Belgas, Suecos, Dinamarqueses e Franceses, agricultores, sadios, laboriosos e moralizados, nunca menores de dois anos, nem maiores de 45, salvo se forem chefes de família. Desses imigrantes 20 por centro poderão pertencer a outras profissões. 48
Segundo Piazza, o movimento de colonização do sul do Estado inicia-se
em 1876, quando pela “[...] portaria de 21 de novembro de 1876, o Ministro da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império Brasileiro, Conselheiro Tomás
José Coelho de Almeida, designou uma comissão para discriminação e medição das
terras públicas existentes no Sul de Santa Catarina, [...]” 49 . Nos anos seguintes,
segundo Bortolotto, surge Azambuja (1877); em 28 de maio de 1878 funda-se
Urussanga; a vila de São José de Cresciúma (hoje Criciúma) foi fundada em 1880 e
em 1885 foi fundado Acioli de Vasconcelos – hoje Cocal do Sul. 50 A colonização
desses municípios se efetiva ainda sob o decreto Caetano Pinto.
A tabela apresentada por Santos51, demonstra a entrada de imigrantes
nos portos do Rio de Janeiro e Santos, entre 1820 e 1908:
47 BOITEUX, José Artur. Dicionário histórico e geográfico do Estado de Santa Catarina. Vol. 2. Florianópolis: Imprensa Oficial do Estado, 1940. p. 126. 48 PIAZZA, Walter Fernando. A colonização de Santa Catarina. Florianópolis: BNDE, 1982. p. 159. 49 PIAZZA, Op. Cit. p. 176 50 BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 51 SANTOS. Op. Cit. p. 64
30
IMIGRAÇÃO NO BRASIL DE 1820 A 1908. Italianos 1.277.040
Portugueses 672.213
Espanhóis 303.508
Alemães 96.006
Austríacos 62.209
Russos 60.374.
Franceses 20.261
Turcos e Árabes 14.961
Ingleses 12.177
Suíços 9.528
Belgas 3.803
Suecos 3.799
Outras nacionalidades 170.298
Total 2.656.177
Tabela 01
Com o fim do governo Imperial no Brasil, a recém empossada República
determina que a posse das terras devolutas passe a ser propriedades dos estados,
inclusive terras de Santa Catarina. O decreto n. 528, de 28 de junho de 1890, do
Ministro da República, Francisco Glicério, possibilitava que empresas particulares
introduzissem estrangeiros no país. Garantia também o financiamento para a sua
entrada, permitindo que uma empresa italiana com sede no Rio de Janeiro, a Ângelo
Fiorita & Companhia firmasse um acordo com o governo brasileiro, em 22 de outubro
de 1890, se responsabilizando em instalar um milhão de imigrantes em vários
estados, onde fosse necessária mão-de-obra. Entre estes estados estava o de
Santa Catarina e as terras devolutas encontradas entre Tubarão e Araranguá
serviam a estes propósitos. Em dezembro do mesmo ano, Miguel Napoli52,
52 Miguel Napoli nasceu na cidade italiana de Palermo (Sicília), em 13 de abril de 1854, filho de Filipo Napoli e Luigia Pirandello. Serviu ao Exército italiano e foi arquiteto e agrimensor. Em 1890, estava no Brasil trabalhando pela imigração, primeiro pela Angelo Fiorita & Cia. e depois pela Companhia Metropolitana, onde trabalhou na fundação e administração da Colônia Nova Veneza. Casou-se em Nova Veneza com a descendente de alemães, Ottília Sauer, com quem teve cinco filhos e uma filha. Foi figura fundamental para a criação da Colônia de Nova Veneza e profundamente admirado pelos imigrantes. Como jornalista e escritor, deixou inúmeros artigos publicados em diversos jornais do país. Foi amigo dos governadores Hercílio Luz (que chegou a visitar os núcleos da Colônia por duas vezes) e Lauro Müller. Em 1899, foi substituído no cargo de representante da Cia. pelo senhor Nicolau Paranhos Pederneiras, assumindo o cargo de diretor da mesma, sendo dispensado da empresa alguns meses depois. Sua candidatura à Assembléia Legislativa não deu certo e ele passa
31
funcionário da empresa vem fazer uma avaliação e a compra de um terreno de 30
mil hectares onde seria instalada a Colônia Nova Veneza.
2. 6 – A Colônia Nova Veneza
A Colônia Nova Veneza começa a existir de fato em janeiro de 1891,
quando se iniciam os trabalhos de medição dos lotes e mapeamento das terras, que
correspondem, hoje, a totalidade do município de Siderópolis e Treviso, e partes dos
municípios de Nova Veneza, Urussanga (a área do Belvedere) e Criciúma (onde
hoje está o distrito de Rio Maina). Após a morte de Miguel Napoli, foi anexada às
propriedades da Companhia Metropolitana53 *, mais quinze hectares de terras
pertencentes à Colônia Trinácria54, com o nome de núcleo de Rio Bonito, que tinha
como sede o núcleo de Palermo. Estas terras hoje pertencem ao município de Lauro
Muller.
Sobre a estrutura e formação da Colônia Nova Veneza, Bortolotto, nos dá
algumas informações: era formada a princípio pelos núcleos de Nova Veneza, Nova
Treviso e Nova Belluno, Rio Jordão e Belvedere. Todos os nomes foram escolhidos
pelos funcionários da Companhia Metropolitana55. Os três primeiros, em alusão às
mais importantes cidades do norte da Itália e também pólos de emigração. O nome
“Rio Jordão” era em homenagem a Carlos Augusto de Miranda Jordão, presidente
da Companhia e “Belvedere” ou seja, “Boa Vista”, era e ainda o é, o nome dado a
a conclamar os italianos do sul a se unirem para eleger um representante no governo, demonstrando o seu interesse em ser tal líder. Desiludido após a perda da Colônia Trinácria, ele retorna ao Rio de Janeiro, onde falece em setembro de 1926. BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 68 – 81. * Em 16 de junho de 1891, a empresa de Ângelo Fiorita cede os direitos sobre a Colônia Nova Veneza à Companhia Metropolitana de Imigração, também do Rio de Janeiro, que passa a administrar seus interesses. PIAZZA. Op. Cit. p. 209. O diretor da Companhia era o senhor Carlos Augusto de Miranda Jordão. A Companhia Metropolitana de Imigração, hoje Companhia Carbonífera Metropolitana, faz parte das empresas Guglielmi, com sede em Criciúma. 53 BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 1 - 25. 54 A Colônia Trinácria se localizava ao norte da Colônia Nova Veneza. Miguel Napoli comprou as terras do governo do estado, porém uma rixa com o governador Felippe Schmidt fez com que a mesma não fosse efetivada e Napoli não foi indenizado, conseguindo apenas o dinheiro equivalente à venda de 200 dos 700 lotes. Quando da rescisão do contrato entre a Cia. Metropolitana e o Governo, a Cia recebeu além de uma indenização em dinheiro, 105.000 hectares de terra, incluindo aquelas que Napoli havia comprado do governo. O governador e a Companhia acreditavam que as terras eram adicionais da Colônia Nova Veneza e, portanto, pertenciam à Companhia Metropolitana. Miguel Napoli lutou durante anos pelo ressarcimento dos danos, sem consegui-los, até se mudar para o Rio de Janeiro. Após sua morte, em 1908, os herdeiros abandonaram a causa. BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 81 –87. 55 O livro dos Irmãos Orionitas, Siderópolis (Nova Belluno) – uma grande aventura, publicado em 1963, por Edições Paulinas, afirma que o nome do núcleo de Nova Belluno foi dado pela imigrante Marta Rossa Savaris, logo que o grupo de imigrantes chegou, sendo história corrente no atual município de Siderópolis. Porém, os relatos de BORTOLUZZI (Op. Cit.) são categóricos em afirmar que todos os nomes foram dados pelos
32
todo lugar alto que permite, à longa distância, a visão de um belo panorama. Após o
mapeamento, a colônia também foi subdividida em lotes, que juntos formavam
seções, a saber:
Seção Nome N.º de lotes
01 Pio (Rio Pio) 105
02 Rio Manin 82
03 Jordão (Rio Jordão) 208
04 Estrada Lages 26
05 Rio Selva 45
06 Rio Mãe Luzia (Margem Direita) 105
07 Rio Mãe Luzia (Margem Esquerda) 77
08 Rio Serraria 25
09 Rio Maina 36
10 Rio São Bento 54
11 Rio Bortoluzzi 31
12 Ex Patrimônio 73
13 Estrada Urussanga 70
14 Rio Fiorita 131
15 Rio Morosini 35
16 Rio Ferrero (Belvedere) 111
Total 1. 214 lotes
Tabela 02
A Colônia Nova Veneza já tinha condições de receber os primeiros
imigrantes, em junho de 1891, o que se oficializa em julho do mesmo ano. Bortolotto
faz citação do JORNAL DO COMMERCIO, do dia 5 de julho de 1891:
IMIGRANTES – Chegou ontem ao ancoradouro de Santa Cruz, procedente de Gênova, o paquete italiano “Áquila”, conduzindo imigrantes para o Colônia de Nova Veneza recentemente fundada ao sul deste Estado pela empresa de colonização dos srs. Ângelo Fiorita & Cia. 56
Os imigrantes do núcleo de Nova Treviso chegaram no dia 24 de
dezembro de 1891, portanto, na véspera do Natal.
funcionários da Companhia Metropolitana de Imigração, ainda no processo de medição dos lotes da colônia e, portanto, quase seis meses antes da chegada dos primeiros imigrantes. 56 JORNAL DO COMMERCIO. Desterro, 22/05/1891. In BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 20.
33
O imigrante Giuseppe Foresti Abati, o “seu” José Abati, em manuscrito
relatando sua vida e consequentemente a daqueles que aqui com ele chegaram, a
partir dos relatos de seus pais, explica todos os dissabores enfrentados pelos
compatriotas, relativos principalmente aos problemas de desemprego que o rei
Umberto I não conseguiu solucionar, até a saída, à contragosto, das famílias que
emigraram para o Brasil, convencidos pelos propagandistas:
[...] eu completara três anos de idade, e meus pais que já tinham resolvido também de emigrar, me levaram a cidade de Bérgamo e procuraram o Bispo da Catedral de Santo Alexandre, Dom Caitano Camilo Guindani, que administrou-me o Sacramento do Crisma e, em seguida, o dia 28 de outubro de 1891, despedimo-nos dos parentes e amigos que choravam, levantamos a mocilha e seguimos em direção ao porto de Gênova onde nos esperava o vapor ou navio francês “Cashemere” no qual embarcamos, deixando atrás de nós a Pátria querida na qual deixei uma vaga recordação da terra natal que sempre me lembrarei. 57
Sobre a travessia, Abati narra ainda que a viagem “durou 15 ou 16 dias,
que felizmente, graças a Deus, tivemos que lamentar uma noite de forte tempestade,
mas no dia seguinte a bonança voltou.”. A viagem de transatlântico poderia durar de
15 a 30 dias, dependendo das condições do mar e do próprio navio. A penosa
viagem na terceira classe dos grandes navios, porém, teve muitas vítimas, que
tiveram o mar por sepultura. Segundo José Abati, ao todo, a viagem tinha uma
duração de quase um mês: a pé, das suas vilas e cidades italianas, até as estações;
de trem até os portos; de vapor até o Rio de Janeiro; com um navio menor até
Desterro; de trem até Pedras Grandes; de carro de bois até Urussanga; a pé até
Nova Treviso, núcleo da Colônia Nova Veneza. O imigrante chegava a sua “terra
prometida”.
No sul do Brasil a necessidade de povoamento fez com que os colonos
fossem enviados a áreas de mata virgem e instalados em grandes lotes rurais, com
cerca de dez hectares cada, que formavam as seções da colônia. Cada lote era
distante um do outro e, portanto não era fácil a convivência diária e o contato social.
Segundo Boni e Costa,
Na Itália setentrional, o sistema de habitação e ocupação do solo era bem diferente daquele a que os colonos foram submetidos, quando de sua chegada ao Brasil. Lá a grande maioria habitava no paese (vilarejo), indo ao trabalho pela
57 ABATI, José Foresti. Op. Cit. p. 2
34
manhã e voltando à noitinha. E mesmo os que residiam no “campo”, estavam tão próximos entre si e tão vizinhos de um paese que dificilmente poderiam ter tidos como isolados da vida comunitária local. A região toda era dividida e subdividida dos modos mais diversos, com terrenos de poucos hectares, quando não com área inferior a 1 hectare. Havia proximidade física entre as diversas famílias.
Uma vez instalados em seus lotes, os emigrados iniciaram o processo de
povoamento de seus núcleos, desenvolvendo formas de contato social, de
religiosidade, de afetividade, de lazer especialmente adaptadas a realidade em que
foram inseridos.
Ilustração 2 – Imigrantes do núcleo de Nova Belluno, hoje Siderópolis. Data indefinida.
Vê-se ao fundo a primeira igreja.
As festas religiosas sintetizavam os momentos de lazer da comunidade,
permeada de momentos sagrados, representados pelas missas e procissões, e de
momentos profanos, representados principalmente às bebidas alcoólicas e aos
bailes. A festa de maior expressão no núcleo de Nova Treviso era a festa que
comemorava o dia do santo padroeiro, Santo Alexandre, dia 26 de agosto. No dia 27
de agosto, ocorria a festa de Santo Alexandrim, dia em a população ia até a praça
da matriz para assistir às corridas de cavalos, ver os animais – principal divertimento
das crianças – beber cerveja e vinho, enfim, era um dia em que abandonavam seus
serviços diários para dedicarem-se ao divertimento.
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3 A MEMÓRIA RECONSTRUINDO O PASSADO
Uma lembrança gerou esse trabalho. Não uma lembrança minha. Mas a
lembrança de uma lembrança, ou seja, uma lembrança minha de histórias contadas
por tia Salute. Pequena e macia como uma fada ela tinha um dom especial para
contar histórias. No final da década de oitenta ela veio com a família do Paraná para
morar em Siderópolis, numa casa de madeira perto da escola José do Patrocínio.
“Esta tua tia é o máximo!”, disse encantada Sandra Mara Batista Silveira,
minha amiga do colégio, logo que saímos da casa de Salute Trento Fenili, naquela
tarde. Uma pontada de ciúme me atingiu, afinal a tia era minha, mas não teve jeito e
a partir daquela data “dona Salute” tinha mais uma devotada sobrinha. Assim, toda a
tarde, lá pelas cinco horas, nos esperava um café com leite em grandes xícaras
amarelas e pães fresquinhos, trazidos pelo tio Fidélis, que devorávamos avidamente.
Mas o que esperávamos eram as histórias. E ela falava da infância no campo, da
juventude, das missas e festas na igreja, das domingueiras, do namorado que a
levava até em casa, mas ia um de cada lado da estrada, conversando, para a moça
“não ficar falada”, do enxoval bordado à luz de velas, do casamento, do trabalho na
padaria do “nonno Fenili” e depois, da ida para o Paraná, dos filhos, do retorno... E
ali sentadas, bebíamos fartos goles de vida, café e histórias.
Marcel Proust, em seu livro Caminhos de Swann, já nos explica que não
há ruptura entre o passado e presente porque a memória só retém o passado e se
nos apresenta como uma fonte inesgotável de possibilidades de lembranças.
Devido à solidariedade que guardam entre si as diferentes partes de uma recordação e que a nossa memória mantém um equilíbrio num conjunto a que não é permitido tirar nem recusar coisa alguma, eu desejaria ir terminar o dia em casa de uma daquelas mulheres, diante de uma taça de chá, num apartamento de paredes de cor sombria, como ainda era o da sra. Swann [...] , e onde brilharia o fogo alaranjado, a rubra combustão, a flama rósea e branca dos crisântemos no crepúsculo de novembro, um instante iguais àqueles em que eu não soubera descobrir os prazeres que desejava. [...] A realidade que eu conhecera não mais existia. Bastava que a sra. Swann não chegasse exatamente igual e no mesmo momento que antes, para que a Avenida fosse outra. Os lugares que conhecemos não pertencem ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não aram mais que uma delgada fatia no meio de impressões contíguas que formavam a nossa vida de então; a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante; e as casas, os
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caminhos, as avenidas são fugitivos, infelizmente, como os anos.58
Hoje, sou fã de café. E diante da bebida quente ainda é possível sentir o perfume
que minha tia sempre usava, os aromas daquela casa, ouvir suas palavras e até o repicar dos
sinos ao longe, avisando que eram seis horas, hora de retornar.
3.1 Cadeia de pertencimento
Salute Fenili era uma exímia contadora de histórias. Mais que isso, era
uma narradora de fatos que já haviam passado há muito tempo e através de suas
palavras gente que há muito havia partido retomava voz. Essas vozes que
sussurravam através de suas palavras contavam de um tempo difícil, de lutas por
vezes inglórias, da lida com os trabalhos no campo, com o gado, as aves, os dias
em que matavam o porco e se fazia o torresmo, o salame, a “murcilha” 59; os dias
em que faziam o vinho ou o queijo. Essas vozes surgem porque alguém lhes dá
espaço em meio aos dias atribulados em que vivemos e nos falam de seus
trabalhos, de seu cotidiano e de suas festas.
Ecléa Bosi60 se utiliza dos estudos de alguns autores, como Henri
Bergson. Questionando-se acerca do que acontece quando vemos algo ou nos
lembramos de algo do passado, afirma que o conhecimento passa pelas percepções
do nosso corpo para os níveis da consciência, pela forma como transformamos
imagens em representações. Não precisamos, portanto, do objeto diante dos olhos
para identificá-lo, uma vez que o cérebro já se apropriou dele na forma de
lembrança.
Chartier afirma, nesse sentido, que “[...] a representação é instrumento de
um conhecimento mediato que faz ver um objecto ausente [...].” 61 Por exemplo, se
alguém nos fala de um cão, não precisamos ter um cão diante de nós para
sabermos como ele é. Podemos sim, perguntar qual a raça, a cor do pêlo, o
58 PROUST, Marcel. Os caminhos de Swann. São Paulo: Abril Cultural, 1982. p. 247. 59 A murcilha ou morcela é um tipo de salame feito com sangue suíno, gordura, temperos verdes, cebola e alho, cozido em água e sal e embutido com a própria tripa do animal. É um prato feito ainda hoje no município de Treviso quando do abatimento do porco, assim como o torresmo. O dia de “matar o porco” é data de confraternização, uma vez que não é incomum que os vizinhos auxiliem na tarefa. 60 BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 5.ª ed. São Paulo: Companhia das Letras. p.43–53. 61 CHARTIER, Roger. A história cultural – entre práticas e representações. São Paulo: Bertrand Brasil. P. 19-20.
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tamanho, a idade, o sexo do animal. Se alguém fala de um determinado cão que
conhecemos em determinada situação, nosso cérebro refaz o momento citado no
que chamamos de “memória”, no esquema estímulo-cérebro-representação-
lembrança. Segundo Bergson, é por isso que as
[...] situações vividas só se transformam em memória se aquele que se lembra sentir-se efetivamente ligado ao grupo ao qual pertenceu. Aliás, ao que pertence, pois só se fez parte de um grupo no passado se continua afetivamente a fazer parte dele no presente. Se, no presente, alguém não se recorda de uma vivência coletiva do passado é porque não pertencia àquele grupo – ainda que pertencesse fisicamente -, já que é o afetivo que indica o pertencimento. A partir daí, é possível supor que é tecida uma espécie de cadeia de pertencimento afetivo que mantém a vida e/ou o vivido na memória. 62
Entre nossos mais preciosos bens estão nossas lembranças, guardadas
carinhosamente como se fossem velhas cartas, embrulhadas em fitas de cetim azul,
cuidadosamente ajeitadas em gavetas de uma cômoda imaginária. Para a emoção
do reencontro com um parente, com amigos, um amor do passado, basta abrirmos
cuidadosamente as gavetas dessa cômoda imaginária e vasculhar entre tantas
lembranças, aquela que buscamos. Por vezes temos a sensação de que todas as
gavetas se abrem ao mesmo tempo e nossas lembranças saltam como pássaros
engaiolados, numa revoada de imagens.
Ali está o pai, a mãe, a tia que um dia amamos e julgávamos imortal, os
irmãos, os vizinhos, as pessoas que povoavam nosso cotidiano e, principalmente, ali
se encontra a nossa juventude; ali está a casa paterna, os seus segredos, os
recantos secretos, o quintal, o pé de laranjeira, o balanço, os pés de mamão e de
chuchu, as flores do jardim, principalmente o jasmim que ao entardecer exalava seu
cheiro doce pelas redondezas; por este jardim e quintal que povoam nossa cabeça,
voltam a circular os amigos, o gato ou cachorro de estimação, as brincadeiras de
meninice, os irmãos voltam a reunir-se em torno da mesa da cozinha para o café da
tarde, os trabalhos junto aos pais voltam a ser feitos, assim como as bonecas de
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pano e carrinhos de madeira, as latas amarradas sendo puxadas na calçada e os
gritos da mãe dizendo: “Pare com esse barulho!”. Neste sentido,
As lembranças pessoais são dotadas de preceitos de comportamento, de apresentação de imagens que não podem ser tratadas como o “verdadeiro” testemunho do privado. “O ato de rememorar encontra um conjunto de intenções conscientes e inconscientes que selecionam e elegem – escolha que é derivada de incontáveis experiências objetivas e subjetivas do sujeito que lembra”. Assim, o tempo e o espaço estão na memória e apresentam-se sob a forma de imagens. 63
Todas as nossas lembranças fazem com que o passado sobreviva,
aflorando na nossa mente consciente como imagens-lembranças e segundo o
sociólogo francês Maurice Halbwachs a memória não pertence apenas ao sujeito,
ela é coletiva uma vez que pertencemos a um grupo social e somos o resultado do
relacionamento resultante desde o núcleo familiar até a escola, a igreja, o grupo de
trabalho, de lazer, a classe social a que nos inserimos. Para ilustrar a forma como o
olhar do outro modifica nosso próprio olhar sobre os acontecimentos e lugares,
compara:
Chego pela primeira vez a Londres, e passeio com várias pessoas, ora com um ora com outro companheiro. Tanto pode ser um arquiteto que atrai minha atenção para os edifícios, suas proporções, sua disposição, como pode ser um historiador: aprendo que tal rua foi traçada em tal época, que aquela casa viu nascer um homem conhecido, que ocorreram, aqui ou lá, incidentes notáveis. Com um pintor, sou sensível à tonalidade dos parques, à linha dos palácios, das igrejas, aos jogos de luz e sombras nas paredes e fachadas de Westminster, do templo, sobre o Tâmisa. Um comerciante, um homem de negócios, me arrasta pelos caminhos populosos da cidade; detenho-me diante das lojas, das livrarias, dos grandes estabelecimentos comerciais. Mas mesmo que eu não estivesse caminhando ao lado de alguém, bastaria que tivesse lido descrições da cidade, composta de todos esses diversos pontos de vista; que me tivessem aconselhado a examinar tais e tais aspectos ou, simplesmente, que dela tenha estudado a planta. Suponhamos que eu passeie só. Diremos que desse passeio eu não possa guardar senão lembranças individuais, que não sejam senão minhas? Não obstante passeei só somente na aparência. Outros homens tiveram essas lembranças em comum comigo. Muito mais: eles me ajudaram a lembrá-lo. 64
62 D’ALÉSSIO, Márcia Mansur. Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/ Marco Zero. N. 25/26. Setembro 92/agosto 93. p. 98-99. 63 LUCENA, Célia Toledo. Artes de lembrar e de inventar: (re)lembranças de migrantes. São Paulo: Arte & Ciência, 1999. p. 82. 64 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos Tribunais, 1990. p. 26
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Percebemos então que nossas lembranças são permeadas pela presença
do grupo social a que estamos inseridas, pelas leituras feitas, pelo convívio com o
grupo através de formas de linguagem, que nos permitem receber, reter e transmitir
o conhecimento. Ao construir e tornar visíveis os papéis desempenhados por
homens e mulheres de Nova Treviso, imigrantes italianos ligados à economia
agrícola, no início do século XX, no que se refere a sua vida social, mais
especificamente em uma festa não convencional, voltada para o lazer, a diversão, o
jogo, o baile, as corridas de cavalo, em uma comunidade predominantemente
católica, a História se utiliza da memória para existir.
Ao perguntar a Norma Dal Bó Perucchi se ela sabia por que havia duas
festas, ela responde que não sabe e que até acredita “que alguém tenha falado,
mas a gente as vezes não dava muita importância para o que a mãe falava. Hoje é
que as pessoas se ligam mais com as coisas que aconteciam”65. Dona Norma então
percebe que essa construção é importante para que cada cidadão se perceba na
fisionomia da cidade, e que sua história de vida, suas lutas e experiências cotidianas
são imprescindíveis para esclarecer a sucessão de gerações e o tempo histórico que
as acompanha.
A perda dessas balizas faz com que percamos nossas referências em
relação à cidade, porque o dinheiro faz surgir novas obras e a memória é sacrificada
em razão do progresso. Pior ainda é quando na luta dialética entre a memória e o
esquecimento, o esquecimento acaba ganhando. Perdidos os referenciais, a
memória se torna um agente de manipulação dos setores dominantes, elitista e
excludente e a história segue pelo viés da História oficial que reverencia a memória
do poder. Diante dessa situação, as palavras de Ecléa Bosi, são muito elucidativas:
65 PERUCCHI, Norma Dal Bó. 70 anos. Professora aposentada. Moradora de Treviso e neta de imigrantes. Entrevistada de 03/09/2005.
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Podem arrasar as casas, mudar o curso das ruas; as pedras mudam de lugar, mas como destruir os vínculos com que os homens se ligavam a elas? /.../ À resistência muda das coisas, à teimosia das pedras, une-se a rebeldia da memória que as repõe em seu lugar antigo. 66
O espaço trevisano do final do século XIX e início do século XX era,
portanto, caracterizado pelo campo como o centro da vida e o tempo era marcado de
uma forma muito particular. Se na grande cidade o tempo é disciplinado e o sujeito é
um anônimo, no campo o tempo é formado por instantes, por uma pluralidade do
tempo marcada pelo momento da missa, pelas conversas, pelos momentos de
trabalho, pelas festas, pela família. As reminiscências fazem brotar o passado e os
locais de memória.
A cultura social é repleta de micro histórias, individualizadas em seus
sujeitos, sua memória, seus dias “comuns” e dias especiais, uma vez que
normalmente não nos apercebemos daquilo que nos cerca, que somos parte das
esferas que formam o cotidiano. Neste girar, a memória nos remete ao passado e ao
presente, numa viagem sem fios e quase que sem roteiros. Sem fios porque não
estamos presos a uma realidade, não temos envolvimento direto com as
lembranças, elas vão e vêm despertadas por um gesto, por um objeto qualquer, por
um odor; sem roteiros, porque não é linear, não é pré-definida e nos remete, por
vezes, a um redemoinho de emoções e lembranças.
Ao entrevistar seu Alexandrino, ele deixava sua memória aflorar sem um
comprometimento de responder apenas o que lhe perguntava e, ao invés disso, as
lembranças pareciam jorrar numa imensa fonte transbordante. Sentado na varanda,
em sua confortável cadeira de vime e analisando o bem cuidado jardim ele fechava
ligeiramente os olhos, como se o passado, com seus dissabores e delícias estivesse
66 BOSI. Op. Cit. P. 452.
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presente, mas não o pudesse ferir nem alegrar. Suas pálpebras semicerradas
celebravam a memória.
3.2 Verdades transitórias
Ao optarmos por escrever História sob as lentes da História Cultural ou
Nova História Cultural, optamos por fazê-lo através de um processo de construção
do conhecimento e, portanto, livres de paradigmas preditos pela História Tradicional,
sempre linear e factual.
Enveredamos-nos, portanto, por um caminho de estudos em que se deve
“pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos
homens para explicar o mundo.” 67
A cultura se apresenta como uma manifestação simbólica da expressão e
tradução da realidade, se admitirmos que a palavra é uma expressão dos sentidos
(não o sentido), e essa expressão é estendida às coisas, ações e aos atores sociais
que, de forma cifrada, se apresentam. Esbarramos então, numa teatralidade, numa
construção de imagens em que, segundo Michel Maffesoli
[...] é preciso ser bastante ingênuo para crer que a vida social funciona apoiada na autenticidade, ela é, de fato, uma perpétua encenação que os pensadores mais lúcidos não deixaram de sublinhar. 68
Esse mecanismo de aparências cristaliza o fato de que a vida social é uma
cerimônia imensa, por vezes faustosa, em que a sua complexidade determinará o
grau de “civilização” de uma sociedade e o tempo agirá sobre ela no sentido de
garantir a sua condição de continuidade, mutação e transformação. Se a vida social
67 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. P. 15. 68 MAFFESOLI, Michel. A Conquista do Presente: por uma sociologia da vida cotidiana. São Paulo: Argos. P. 166.
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se baseia na teatralidade, ao escrever a história se interfere na “realidade”, criando
uma nova dimensão do real que, por si só, se fixa na encenação.
Logo, a intervenção do historiador, com sua própria teatralidade, sua
forma de escrever, o tema-objeto escolhido para estudo, seu público leitor, sua
manifestação acerca do real, recria uma realidade que também é reconstrução. O
campo de pesquisa do Historiador não é um lugar seguro, de verdades perfeitas,
uma vez que ele se fundamentará nessa sociedade teatralizada, cuja realidade é
extremamente complexa e mutante.
Ao trabalhar com a cultura e com as mudanças operadas pelo tempo, há
a confrontação com a transformação em sua forma mais pura e com a estrutura
social estanque em que a mesma se firma. 69 Esta realidade de verdades múltiplas e
transitórias será o campo de pesquisa da História Cultural.
O sucesso atingido pela História Cultural na mídia e na academia não
significará a ausência da crítica, da análise dos problemas e nem tampouco dos
desafios por ela enfrentados por aqueles que tomam seus caminhos. A dúvida surge
então, tanto para o historiador quanto para seu leitor, como um princípio de
conhecimento em que as verdades podem ser admitidas como provisórias e o
resultado da pesquisa é sempre uma versão possível, plausível. 70 A postura pós
moderna critica a História Cultural como uma História literária, sem
comprometimento com questões sociais ou políticas – para eles dignas de maior
respeito por sua “sinceridade” e verdade absoluta – que teria como objetivo principal
agradar e divertir o público.
O que o historiador da cultura deve ter em mente hoje é que o
conhecimento e as respostas por ele apresentadas são transitórias e, mesmo na
69 BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo il espacio y la historia. México: Fondo de Cultura Económica. 1992. P. 142 – 171. 70 Idem p. 115.
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academia, há resistência à mudança e ao novo, mas que a mudança que se
apresenta é pertinente à própria sociedade e à cultura enquanto organismos. O
tempo, que é a matéria de que se faz a História, só poderá ser observado com um
olhar oblíquo71 , indireto. As representações sociais de cada época, cifradas pelo
tempo e pelo espaço, tornam-se redes de intrigas onde o pesquisador deverá
penetrar e refletir, estabelecendo sua rede de correspondências através de uma
bagagem de conhecimento elaborada com suas leituras.
Estabelece-se e delimita-se desta forma um objeto de estudos e isso só é
possível através da consciência e subjetividade do historiador, sua sensibilidade e
inserção, e também pela forma como o mesmo quer ser visto pelos seus iguais.
Quando ele faz emergir do passado o indivíduo (normalmente pertencente às
camadas populares) recompõe partes de uma história de vida e toda a sensibilidade
de que se utiliza traduzem emoções, sensações e experiências próprias que recria
nesse indivíduo, recriando-o e recriando-se.
Essa História, por vezes mesquinha, exige leituras excepcionalmente
cuidadosas, finas, de diários, cartas e depoimentos de forma que seu olhar se torne
aguçado para perceber nas entrelinhas as emoções, sensações e experiências do
objeto, desvendando suas representações sociais, encontrando por fim o homem,
teatralizado pela cultura, por detrás do documento. E ao captar e capturar tais
sensibilidades e subjetividades estará captando e capturando a essência da História
Cultural e encarando o seu olhar desafiador.
Mas a História Cultural apresenta riscos e exigências, exige método e
trabalho meticuloso, leituras e bagagem capazes de permitir o maior número
possível de relações que oportunizem as verdades provisórias e suas versões. E
essa é a grande aventura de ser historiadora da Nova História Cultural.
71 Idem 117.
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3. 3 – Uma festa extra
O manuscrito de José Abati explica que nos primeiros anos a praça de
Nova Treviso era formada por uma abertura de mato, de cento e cinqüenta metros
de largura por trezentos de comprimento, cortada pelo Rio Mãe Luzia e pelo Rio
Ferreira, seu afluente. Aqui instalados, os colonos tiveram por seis meses o sustento
garantido pela Companhia Colonizadora, na forma de um armazém, comandado por
Isaque Freitas, que cedia os mantimentos, ferramentas e sementes necessárias,
tendo como forma de pagamento a colheita que se daria no ano seguinte. Havia
também uma serraria, para ajudar na fabricação das casas.
Giácomo Piatti era o “capo núcleo”, ou seja, o responsável pelo lugar.
Passados esses meses iniciais, porém, cada imigrante deveria sobreviver às
próprias custas. Por necessitar de estradas, a companhia garantirá emprego na
abertura de estradas, quando os imigrantes recebiam por semana trabalhada e
assim, muitos conseguiram garantir seu sustento.
Nos anos seguintes algumas casas de comércio foram surgindo no
núcleo, destacando-se “duas bodegas respectivamente propriedade de Ângelo Dal
Bó [...] e de Antônio Bresciani, [...], (havendo também) um ferreiro, Ângelo Beccari,
ferrarese e o senhor Ângelo Dal Bó mantinha também uma pequena padaria”.72
Ainda segundo Abati, nas semanas seguintes muitos outros italianos
continuaram chegando. Logo iniciaram os trabalhos de plantio de milho, arroz, feijão,
batata-doce, fumo e frutas, além da criação de galinhas, porcos, cabras, cavalos e
bois. O trabalho era extenuante e muitos dos imigrantes desistiram, migrando alguns
para São Paulo e outros retornaram à Europa. 73 No ano seguinte, 1892, já havia
uma serraria funcionando no núcleo, assim como uma atafona.
A pequena igreja erigida em um canto mais alto da clareira que servia de
praça abrigou a imagem de Santo Alexandre, padroeiro de Bérgamo (Itália), de onde
veio a maioria dos imigrantes. O padroeiro era – e ainda o é – celebrado no dia 26
de agosto e sua festa realizada na data, mesmo que ocorresse em dias de semana.
No dia da festa, de manhã, era celebrada a “Santa Missa” e procissão (o aspecto
sagrado do evento) e a tarde havia bailes, bebedeiras e jogos (o seu aspecto
profano), que, não de forma incomum, terminava em pancadaria.
72 ABATI. Op. Cit. p. 5 73 Idem. p. 8
45
Para além do contexto religioso, o povo faz surgir, no dia 27, o dia
seguinte ao padroeiro, uma festa profana denominada “Santo Alexandrim”, assim
descrita por Ignês Carminatti de Lorenzi:
Eram duas festas diferentes. Santo Alexandre era o padroeiro e tinha missa. [...] no dia seguinte, dia 27, eles inventaram de fazer Santo Alexandrim. Meu pai dizia (que era) uma homenagem, que era um louvor a Santo Alexandre. Naquela época tinha a cavalaria na guerra. Tinha os soldado que ia a cavalo e os soldado que ia no chão, a pé. Então a cavalaria que chegava era uma homenagem pro santo. 74
Santo Alexandrim era marcado pela chegada dos cavalos de corrida, nas
primeiras horas do dia, instalados onde hoje é o jardim, mais ou menos na frente da
atual igreja. Logo se formava no local um aglomerado de crianças para ver os
cavalos correndo em círculo na ponta da corda do treinador. Durante o dia, o
movimento de pessoas ia aumentando, quando chegava gente do centro, das
comunidades e até mesmo de outras cidades, como Nova Veneza e Siderópolis (na
época, Nova Belluno). A praça ficava cheia.
Bruno Scussel75 conta que não ia à festa quando era menino. Sua
primeira lembrança da festa era de quando passava pela praça, na ida para a
escola:
A festa de Santo Alexandre era feita no dia 26 de agosto, mesmo que fosse dia de semana e no dia seguinte, até dois dias depois, o pessoal ia para a praça, se juntavam, soltavam fogos, tomavam vinho, enfim, comemoravam. Faziam uma festa extra, diferente daquela do dia do padroeiro. [...] normalmente iam os chefes de família. Praticamente não lembro de ter havido, das mulheres, participação. Era mais masculina.
Para o menino Bruno, o dia da festa era diferente não porque ele
participasse, mas porque era uma “festa extra, diferente daquela do dia do
padroeiro”, ou seja, era diferente da festa religiosa marcada pela missa. Ela contava
com a presença de pessoas que se divertiam, soltavam fogos e bebiam nos bares.
74 Ignes Carminatti de Lorenzi, 83 anos, é moradora de Treviso e filha de imigrantes italianos. Entrevistada dia 22/06/2005.
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Para ele, era uma festa em que iam apenas os homens mais velhos, os “chefes de
família”, que ele caracteriza como uma festa masculina.
Era uma festa esperada, em que as moças ostentavam suas melhores
roupas, os moços iam ver as meninas e a praça se enchia de gente, que vinha de
fora, inclusive, para ver as corridas de cavalo, principalmente.
Gotardino Conti, Ângelo Dal Moro e João Madalena traziam os cavalos de
corrida, que aconteciam em horários diferentes durante o dia. Haviam algumas de
manhã e outras à tarde, não sendo portanto, reunidas num momento único. E os
donos vinham ver se seus cavalos eram vencedores. Ele nos conta que:
Vinha muita gente. Vinha gente da (Nova) Veneza e do Jordão. [...] (vinha) o Gotardino Conti, Ângelo Dal Moro e o João Madalena. O Gotardino era do Jordão e o Dal Moro da Veneza. O Madalena eu não sei de onde era, mas ele era casado com a Dona Cecília que era professora. [...] e tinha mais gente que na festa de Santo Alexandre. Tinha povo dos dois lados da rua, da praça até no prédio do Pedro Doneda, que era onde se faziam as corridas. [...] e o povo gritava [...] e quando terminavam as corridas, começavam os bailes. Sempre tinha baile. Acho que só a Dona Maria Pessi (vendia comida), que tinha pensão. Não tenho certeza. Acho que ela vendia sim. [...] Muitos traziam comida de casa. Tinha a padaria do seu João Fenili também. 76
Nestas ocasiões, a praça central era palco de uma festa popular marcada
pela alegria. As pessoas faziam lanches pelas ruas. Muitos traziam comida de casa,
outros encomendavam um almoço na “venda” ou ali comiam um pão com sardinha.
Os homens bebiam vinho ou cerveja e as mulheres, “gasosa” de groselha,
precursora do refrigerante. Havia também a pensão de Maria Pessi, onde eram
servidos almoços a quem tivesse condições de pagar. Eram também dias de
confraternização, em que as famílias recebiam os parentes que moravam longe,
75 Bruno Scussel, 66 anos, agricultor aposentado, é morador de Treviso e filho de imigrantes italianos. Sua entrevista foi realizada em 16/08/2005. 76 Ignes Carminatti de Lorenzi. Entrevista citada.
47
tanto na festa de Santo Alexandre como nas comemorações de Santo Alexandrim.
Ao ser indagada sobre isso, dona Norma Dal Bó Perucchi77 responde:
Aqui na casa da minha mãe sempre (vinham). Lauro Muller descia em peso. Os Righetto, que eram casados com os Dal Bó, as irmãs do meu pai, vinham de caminhão. Eles enchiam o caminhão e vinham todos. Uma semana antes, a minha mãe coitada, ficava matando galinhas. Ela ocupava as camas, cobertas com lençóis brancos, para botar o macarrão pronto. E ela ficava o tempo todo em cima do bendito fogão. Todo mundo que chegava comia. Vinha muita gente. Matar três galinhas, nem pensar. Tinha que ter mais. Eram quatro ou cinco. Depois, com o tempo foram perdendo a mania.
Não foi possível determinar exatamente quando os fogos de artifício
chegaram a Treviso, mas nos primeiros anos, as explosões dos morteiros causavam
um interessante quadro de euforia, lembradas por todos os entrevistados. Em uma
peça cilíndrica de ferro, com um pequeno furo no fundo, colocava-se um estopim.
Em seguida, pólvora, pedaços de metal – que poderiam ser pregos – e, em seguida,
com um pedaço de madeira, socavam terra, pedras e cacos de tijolos até encher
todo o compartimento. Ao atear fogo na engenhoca, um disparo fortíssimo ecoava
em toda a praça. Alexandrino Possoli78 assim descreve a peça:
Esses tiros eram a alegria da festa. [...] era alto assim (faz um gesto representando aproximadamente 40 centímetros), com um furo em cima e tinha do lado, em baixo, um furinho onde botava o estopim, onde acendia o fogo. Colocava pólvora e depois socava pedra e tijolo. O tiro era forte, mais forte que foguetão.
No cruzamento de múltiplas memórias emerge essa festa única no agora
município de Treviso e cujo desaparecimento foi lamentado pelos entrevistados,
porque era um momento de ligação entre o sobrenatural e o natural. A prática
devocional de homens e mulheres ao santo padroeiro, as procissões e festas
caracterizam a interpenetração entre o sagrado e o profano em cerimônias tão
distintas quanto a missa e as corridas de cavalo. Para Dona Ignes, era uma
77 Norma Dal Bó Perucchi. Entrevista citada. 78 Alexandrino Possoli, de 87 anos, é filho de imigrantes. Recebeu este nome em homenagem ao padroeiro, por ter nascido dia 23/08/1918. Foi entrevistado em 07/09/2005.
48
“homenagem ao santo”, que se realizava no dia 27, uma homenagem marcada pela
alegria de ver os cavalos desfilando pela cidade, o grande número de participantes e
os bailes que aconteciam à tarde.
3.4 – Um soldado romano na Colônia Nova Veneza
Nascido possivelmente no século III da era Cristã, em Tebas, Alexandre,
quando ingressou no exército romano como integrante da Terceira Legião Tebana,
já era um Cristão convicto, vivendo um período de tréguas às perseguições aos
cristãos, por volta de 275 e reiniciando sob o governo de Diocleciano, que, a partir
de 298.
Entre estes perseguidos estavam Alexandre e alguns companheiros que,
presos e levados aos tribunais, recusaram-se a renegar a própria fé e a adorar
deuses romanos e ao imperador. Ao fugir, Alexandre teria ressuscitado um morto,
sendo novamente preso. Reconduzido ao imperador, Alexandre reafirma sua fé
cristã e por isso foi condenado a morte, porém, no momento da execução da pena, o
carrasco teria ficado imobilizado. Alexandre, 79 mais uma vez, conseguiu fugir, desta
vez para a cidade de Bérgamo, na Itália, uma cidade pagã que tinha na arena uma
das suas principais atrações. Preso por soldados da cidade, Alexandre foi preso e
decapitado, em 26 de agosto de 303 e, mais tarde, no local de sua morte foi erigida
uma igreja, em sua homenagem.
Quando a cidade foi invadida, em 1514, por alemães, franceses e
espanhóis, o povo teria sido salvo do ataque, graças às orações realizadas durante
a noite e o próprio general inimigo teria ido prestar homenagens ao santo.
79 DE LORENZI. Zeide. Op. Cit. p.45
49
Ilustração 3 - Santo Alexandre de Bérgamo.
Era, portanto, natural que os bergamascos que emigraram para o Brasil
trouxessem sua devoção. Segundo Ignes Carminatti de Lorenzi, Pedro Pagani,
chefe do núcleo o escolheu para padroeiro e todos aceitaram. Dotados de profundo
sentimento religioso, logo tomaram a decisão de construiu a primeira igreja. A
primeira providência foi a de montar uma olaria rudimentar, próximo à gruta Nossa
Senhora de Lourdes, distante cerca de um quilômetro da praça e uma vez
determinado o local da construção do templo, a preocupação seguinte era a forma
como os tijolos chegassem ao pátio de obras. O problema foi resolvido quando
alguém deu a idéia de formarem uma fila, com todos que pudessem ajudar, homens,
mulheres e crianças, da olaria até a praça e assim, de mão em mão, os tijolos foram
sendo passados até estarem todos empilhados no local da construção.
Pio Carizzi, engenheiro da Companhia Metropolitana, fez a planta,
enquanto a Companhia forneceu todo o material restante, como armações, cimento,
50
cal, janelas, portas, bancos e altares. 80 Pedro Pagani chefiava a construção. Os
trabalhos de carpintaria foram realizados por João Pagani, Rômulo Daminelli e
Camilo Abati, enquanto as pedras cortadas por Ângelo Périco, João Tasca e
Baldessar Bada iam sendo assentadas por Pedro Fusini, João Ghisloni, José Viscovi
e João Macarini. 81 A igreja começava a tomar forma. Segundo Zeide Carminatti de
Lorenzi, “os nomes dos construtores foram guardados em duas garrafas e colocados
no interior das colunas frontais”. 82
Quando chegaram as telhas, que haviam haviam sido encomendadas em
Rio Carvão (Urussanga), o trabalho foi retomado, uma vez que a igreja passara
algum tempo coberta com palhas. Porém, por motivo desconhecido, antes de estar
totalmente coberta, as paredes laterais cedera, e todo o telhado veio ao chão. Um
operário, Baldessar Bada, feriu-se gravemente, mas sobreviveu. 83
A obra de Zeide Carminatti de Lorenzi descreve a igreja:
Na memória dos mais idosos e observadores há fortes lembranças da primeira igreja, de reboco exagerado e grosseiras telhas crespas, pedras enormes, muito cerne e argila. No interior, as colunas com arabescos dourados, linhas curvas e desenhos de frutas, ramos e flores coloridas. Na entrada, à direita, uma escada com corrimão avermelhado terminava em coro, onde havia um órgão tocado a pedais. Do alto a visão era bonita: os bancos brilhantes, os quadros da via-sacra, a pia batismal, altares laterais, confessionário, imagens de Santos. No altar-mor Santo Alexandre, o sacrário com entalhes verdes e dourados e uma delicada cortina branca, protegendo o cálice e o ostensório. Tons claros nas paredes se confundiam com o azul e o dourado dos desenhos. [...] ao lado, num campanário de madeira, o velho sininho recolhido na estrada de ferro.”84
De Boni afirma que os imigrantes foram atingidos por um forte abalo
sofrido pela mudança ocorrida na sua passagem do mundo europeu, onde viviam
em pequenos povoados para o ambiente criado pelo governo brasileiro, onde viviam
80 ABATI, José. Op. Cit. p. 9 81 Idem. p. 10 82 DE LORENZI, Zeide. Op. Cit. p. 54. 83 ABATI. Op. Cit. p. 10. 84 DE LORENZI, Zeide. Op. Cit. p. 54-55
51
em lotes rurais, distantes uns dos outros e que cada uma das colônias contava com
um ou mais vilarejos, que deveriam ser transformados em centro sócio-econômico.
Na Colônia Nova Veneza, esses centros eram Nova Veneza, Nova Treviso, Nova
Belluno, Rio Jordão e Belvedere. Os centros se desenvolveriam e a vida giraria em
torno de uma capela. 85
O amparo religioso era dado por padres vindos de Tubarão, Nova
Veneza, Urussanga ou Siderópolis 86 e que, de forma esporádica, visitavam o
pequeno núcleo de Nova Treviso, onde além das missas, realizavam uma série de
outras cerimônias religiosas:
A festa de Santo Alexandre, para muitos casais mais velhos, é a data do casamento deles. Eles aproveitavam a presença do padre na festa e casavam. E havia batizados também. 87
O dia da visita do padre era também o dia das confissões, missas e
procissões e, dependendo da época do ano – normalmente maio ou novembro – era
realizada a Coroação de Nossa Senhora.
Esta homenagem consistia em uma cerimônia normalmente realizada aos
domingos à noite em que crianças menores de 13 anos, vestidas de anjos, com
túnicas de cetim rosa e lilás para as meninas e branco e amarelo bem claro para os
meninos, ostentando uma coroa de papel prateado na testa, levando pétalas de
rosas e entoando cânticos religiosos específicos, fazem a entrega do rosário, da flor
e da coroa à homenageada.
85 DE BONI. Op. Cit. P. 110-111. 86 BORTOLOTTO. Op. Cit. p. 89. 87 SCUSSEL, Bruno.
52
Ilustração 4 - Coroação de Nossa Senhora das Graças, década de 60.
Um número aproximado de trinta a quarenta e cinco crianças participavam
da festa, incentivados pelos pais, para quem era uma honra o/a filho/a participar.
Para o sucesso desta homenagem bastante freqüentada pela comunidade era
montada uma espécie de palco, bastante alto em frente ao altar principal da igreja e
no meio dele ela instalada a imagem da santa homenageada, tendo aos pés nuvens
feitas de cetim azul claro e tule branco. Toda a estrutura então era coberta com
53
tecidos de cetim de cores suaves e enfeitada com flores de papel ou flores naturais
da época.
As crianças entravam em fila e ocupavam lugares pré-determinados, nos
longos ensaios promovidos por Zulma Freccia e mais tarde, por Salete de Lorenzi
Bernardini. Um terço permeava os cantos em homenagem à Maria. Por toda a igreja,
densas nuvens de incenso subiam, espalhando seu odor “quente”, misturados ao
fresco odor das pétalas lançadas para o alto pelas crianças a intervalos mais ou
menos regulares.
Eis aí um exemplo de representação e de teatralidade que as sociedades
constroem que dão a ver e pensar o real, um “processo por intermédio do qual é
historicamente produzido um sentido e diferenciadamente construída uma
significação” 88 Difícil seria para um não-católico, não se emocionar com tal
representação. Ela então, cumpriu seu papel.
54
4. PÚBLICO E PRIVADO
A festa de Santo Alexandre, na minha infância, era um dia aguardado
com uma ansiedade semelhante à dos dias que antecedem o Natal. Lembro que
durante a semana o tema de discussão das meninas no intervalo do recreio, na
escola, era qual a roupa que seria estreada, o sapato, como se arrumaria o cabelo, o
que seria comprado nas barracas repletas de bugigangas do Paraguai, que
começaram a aparecer naquela época.
Mais ou menos às seis e meia da manhã do dia da festa, já então no
Domingo próximo ao dia 26 de agosto, os fabriqueiros da igreja atiravam os
primeiros foguetes, dos muitos que seriam detonados naquele dia. Cerca de sete e
meia chegava a banda de música de Lauro Muller, os integrantes uniformizados de
azul e branco, com dragonas douradas, chapéus enfeitados e reluzentes
instrumentos. Na frente, ia a baliza, a moça que fazia demonstrações de destreza
com o bastão ou contorcionismos no chão. Todas nós sonhávamos em ser balizas e
realizávamos tal desejo nos desfiles de sete de setembro, quando íamos à frente do
pelotão, de preferência o dos meninos, para que pudéssemos mostrar aos nossos
preferidos que éramos especiais.
Bonito era às nove horas quando os sinos começavam a tocar. Era uma
soberba sinfonia, regida pelo Vilson Cimolim e pelo Emerson Pagani, que se repetia
as oito e meia e depois as nove. Na última chamada do sino, eles tocavam o sino
pequeno, junto com os grandes. Na verdade, os sinos tocavam todos os dias, na
missa matinal e nas missas dominicais, mas não tinham a solenidade, nem o
encantamento dos sinos da manhã da festa de Santo Alexandre. Esses sons
88 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. São Paulo: Bertrand Brasil, s/d.
55
especiais só se repetiam no Natal. Depois da missa, íamos para casa, com os
parentes vindos de Lauro Muller, Urussanga, Orleans e Siderópolis, os municípios
vizinhos. Naquele dia o almoço seria servido para muitos convidados.
De tarde, íamos para o salão da igreja, ouvir a banda e dançar. No final
do dia, até mesmo quando já éramos mocinhos e mocinhas, fazíamos brincadeiras
de criança na praça: de passar o anel, de bom barqueiro, de prender, apostávamos
corridas, amarelinha, elásticos para, enfim exaustos, irmos para casa.
4.1 – ELABORAÇÃO E REELABORAÇÃO DE IMAGENS
A partir da Revolução Industrial surge uma “nova” cultura – que se forma
com a (re) estruturação da economia, das cidades e o declínio da vida rural – passa
a ser espartilhada pela aristocracia e pela burguesia. O tempo – que já não passa,
mas é gasto89 – é um exemplo do rigor com que a sociedade é controlada e dos
“costumes” de criação recente. Se Fernand Braudel 90 defende a estrutura e a longa
duração como elementos de formação da cultura, Thompson afirma que a cultura é o
resultado da polarização de interesses antagônicos numa sociedade e da dialética
que essa polarização produz. Ao esmiuçar certas características da cultura e
costumes do século XVIII, afirma:
Longe de exibir a permanência sugerida pela palavra “tradição”, o costume era um campo para a mudança e a disputa, uma arena na qual interesses opostos apresentavam reivindicações conflitantes. Essa é uma razão pela qual precisamos ter cuidado quanto a generalizações como “cultura popular”. Esta pode sugerir, numa inflexão antropológica influente no âmbito dos historiadores sociais, uma perspectiva ultra consensual dessa cultura, entendida como “sistema de atitudes, valores e significados compartilhados, e as formas simbólicas (desempenhos e artefatos) em que se acham incorporados”. Mas uma cultura é também um conjunto de
p.24 89 THOMPSON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 271-273. 90 BRAUDEL, Fernand. El Mediterráneo. El espacio y la história. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. P. 144-146.
56
diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o ora, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos, que somente sob uma pressão imperiosa – por exemplo, o nacionalismo, a consciência de classe ou a ortodoxia religiosa predominante – assume a forma de um “sistema”. E na verdade pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto. 91
As relações históricas são formadas por homens e mulheres em um
movimento constante de lutas, resistências, acomodações, solidariedades, seu
modo de ver, pensar e agir, sendo essas práticas cotidianas os elementos capazes
de caracterizar toda a sociedade em suas diversas esferas. Cada geração vai
elaborando e reelaborando as imagens vistas que guarda como memória, vai
formando grupos com o mesmo sentimento de pertencimento a uma sociedade, uma
sociedade afetiva. 92
Ignes, Norma, Avelina, Bruno, Garzoni e Alexandrino são partes da
comunidade e têm lembranças em comum, a memória de cada um deles se auxilia
com a dos outros, se constituem em um fundamento comum que não seria possível
se cada um deles vivesse um ambiente não mais comum. Mas, segundo Ecléa Bosi,
“[...] a memória rema contra a maré; o meio urbano afasta as pessoas que já não se
visitam [...] e daí a importância da coletividade no suporte da memória.” 93 E que
por isso:
Segurar traços e vestígios é a forma de contrapor-se ao efeito desintegrador da rapidez contemporânea. As palavras memória e história evocam o mesmo tempo: o passado. Daí a identificação entre os dois termos. Mas, apesar da matéria-prima comum, é a compreensão oposta a mais difundida entre especialistas, ou seja, memória e história não se confundem. 94
91 THOMPSON. Op. Cit. p. 16-17. 92 HALBWACHS . Op. Cit. P. 30-33. 93 BOSI, Ecléa. O direito à memória: patrimônio histórico e cidadania. São Paulo: DPH, 1992. p. 145. 94 D’ALÉSSIO, Márcia Mansur. Memória: leituras de M. Halbwachs e P. Nora. In. Memória, história, historiografia – dossiê ensino de História. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/ Marco Zero, Vol. 13, n. 25/26, setembro 92/ Agosto/93. p.98-99.
57
No espaço social da festa desfilava uma sociedade que havia se tornado
híbrida: descendentes de italianos procurando adequar-se a uma nova realidade
aprendiam uma nova língua e nova cultura, numa situação ímpar:
Nos Estados sulinos (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), [...] seus habitantes buscam na atualidade estabelecer laços com hábitos e tradições atribuídos aos seus antepassados. Além disso, em toda essa região existe um esforço recorrente para estabelecer um perfil identitário para cada cidade (onde instituições públicas e privadas investem fortemente na indústria do turismo promovendo festas, apresentações musicais, comidas ou indumentárias típicas ou folclóricas), ou para cada grupo social que nelas reside (cujos componentes procuram se definir como “açorianos”, “alemães”, “italianos”, ainda que “nascidos no Brasil”). Claro está que seria um despropósito colocar em dúvida a autenticidade dos sentimentos de pertença a uma determinada filiação cultural que estas manifestações exibem, tanto quanto consistiria uma extrema arrogância despreza-las enquanto meros particularismos exóticos postos em circulação como regressismos ou reações às pressões uniformizadoras exercidas pelos centros mais dinâmicos como Rio de Janeiro ou São Paulo. Ao inverso, seja pelo vulto que tais manifestações assumem ao mobilizarem um grande número de indivíduos , seja pela complexidade das tensões que articulam ao esboçarem preconceitos e sentimentos de superioridade, isto constitui um tema instigante de pesquisa e de reflexão.95
Crianças, curiosas por verem os cavalos e possivelmente haviam mães
aflitas com medo que seus rebentos levassem um coice de um animal mais afoito.
Ali se reuniam os jovens e as jovens, que longe do rigoroso controle paterno e
materno, mantinham uma rede de olhares que poderiam ser transformados em
namoros. Estavam também as mulheres, que não falavam sobre sua vida particular,
usavam véus para assistirem à missa e mantinham um discreto controle sobre os
maridos. Ali estavam os homens, maridos e pais, com seus chapéus, ternos e
gravatas, acompanhando a festa.
95 FALCÃO, Luís Felipe. Encontros Transversos: a questão de identidade cultural italiana em Santa Catarina no final do século XX. In. Fronteiras: Revista Catarinense de História: Universidade Federal de Santa
58
4.2 – Festa Sagrada
Não é difícil imaginar Dona Ignes e sua amiga na igreja, separando as
vassouras e panos, enchendo um balde com água e iniciando a limpeza: primeiro
varrem as teias de aranhas presas nas paredes, limpam os belos altares,
cuidadosamente, cada canto dos entalhes, suas jovens mãos percorrendo com o
paninho a face do santo, ajeitarem a bandeira, colocarem os panos de cetim,
provavelmente vermelhos, em torno do andor de madeira que seria transportado na
procissão, as flores de copos-de-leite sendo depositadas nos vasos, toda a igreja
sendo varrida, suas vozes ecoando pelas paredes decoradas, seus planos para o
dia seguinte.
Os paroquianos chegavam de madrugada para se confessar. É o relato
de seu Alexandrino que exemplifica o início do dia, quando iam à igreja,
[...] aproveitando o padre que vinha de propósito para fazer a festa ou na véspera da Páscoa. A gente vinha para se confessar e naquela época era rigoroso, não podia botar nem água na boca para pegar a comunhão. Nós saia (sic) lá do costão de lanterninha, às três horas da madrugada, para se confessar que o padre estava na igreja comungando logo cedo. Comungando e confessando. [...] Quando era para se confessar, ele (padre Luigi) sentava assim como eu (se ajeita, com as costas eretas, sentado na cadeira) e o “cliente” ficava ajoelhado na frente, atrás dessa coisa ali (representa com as mão o confessionário). Tem pecado? Tem. Não tem. Umas bestema sempre tem. Trabalha em dia de domingo? - Em italiano – às vezes trabalha. Aí ele dizia: “só trabalha se for fazer comida para uma vaca de leite ou uma criação que está passando fome. Mas não deve (ir) para a roça trabalha, domingo é sagrado”, ele dizia.
Às dez horas da manhã iniciava-se a missa, pois o dia do Santo Padroeiro
era guardado para as orações. O padre, extremamente paramentado, rezava a
missa, de costas, em latim. Padre Silvestre Koepp96, pároco de Treviso, conta que
quando se ordenou padre ainda usavam as roupas anteriores ao Concílio Vaticano
Catarina. Departamento de História. Programa de Pós Graduação em História da UFSC e ANPUH- SC. N. 12. p. 76. Jul. 2004.
59
II, quando, entre outras determinações, as vestes sacerdotais foram simplificadas e
as missas passaram a ser celebradas na língua de cada país.
Ilustração 5 – Interior da igreja velha. Inauguração da Escola Estadual Udo Deeke. 1955. À esquerda, o então governador de SC, Irineu Bornhausen (X).
Diferentes tipos de missas eram celebradas ao longo do ano: a missa
serial, rezada diariamente, normalmente entre seis e trinta e sete horas da manhã,
era acompanhada por um pequeno número de fiéis, que entoavam uns poucos
cantos e ouviam um pequeno sermão, só ocorrendo onde houvesse uma matriz,
com seu pároco. Um segundo tipo era a missa solene, realizada aos domingos,
depois da oito horas da manhã, com um número maior de fiéis, apresentando o
coral local ou um puxador de cânticos, dois Evangelhos, sendo o segundo, no final
da missa, invariavelmente, o mesmo texto de João. A missa de gala ocorria em
ocasiões extremamente solenes, como a Missa do Galo, realizada a meia-noite do
dia de Natal, nas festas do padroeiro, em ordenações sacerdotais e outras ocasiões,
poderia ter a participação de outros sacerdotes, que ostentavam túnicas douradas e
extremamente bordadas e pesadas.
Invariavelmente, o sacerdote fazia uma oração antes de colocar cada uma
das peças que formavam sua indumentária da missa: o “amito”, uma peça de tecido
96 Padre Silvestre Koepp. Entrevista realizada em 06/09/2005.
60
triangular branca que protegia a cabeça, o pescoço e escondia a gola da camisa. A
“alva”, a veste talar, uma túnica branca com larga barra de bordado ou crochê, do
joelho aos pés. Um cordão cingia os rins, em sinal de pureza, remetendo às
Escrituras; o “maniplo”, duas proteções de tecido também branco, presos aos
punhos e que poderiam servir, por exemplo, para secar a testa, durante a missa. A
“estola”, cuja cor seria determinada segundo a época do ano ou ocasião da
celebração, que poderia ser de cor branca no Natal, amarela nas festas e no dia de
Páscoa, preto nos velórios e na Sexta-feira Santa, verde no “tempo comum” e
vermelho no dia da festa do Sagrado Coração de Jesus e missas dos santos
mártires97.
Ilustração 6 - Padre Pedro Pellanda. Nas mãos, o missal e a água benta. Data indeterminada.
97 Ainda segundo padre Silvestre atualmente, a cor preta dos velórios foi substituída pelo roxo e o roxo, antes usado na quaresma, foi substituído por um tom rosa ou róseo.
61
Até o Vaticano II, as celebrações sempre eram feitas em latim, porém o
“Orates Frates” (Orai, irmãos) e o sermão, sempre eram feitos de frente para a
Assembléia.
Para a imaginação criativa da menina Norma, o padre virado de costas
escondia importantes segredos: “/.../ a gente querendo espiar o que tinha lá. Era um
mistério para quem era novo. Depois, quando os padres viraram é que a gente viu
que só havia um livro. O livro que liam a missa. Mas era um livro em latim”. A
Ladainha de São José era uma das orações que poderiam ser feitas durante a
missa:
Kyrie, eleison. / Chistie, eleison. / Kyrie, eleison. / Chistie, audi nos. / Chistie, exaudi nos./ Pater de caelis Deus, miserere nobis. / Fili, Redemptor mundi, / Deus. / Spiritus Sancte, Deus, / Sancta Trinitas, unus Deus./ Sancta Maria, ora pro nobis. / Sancte Joseph, / Proles David inclyta, / Lumen Patriarcharum, / Dei Genitricis sponse, / Custus pudice Virginis, / Fili dei nutritie, / Chistie defensor sedule, / Almae Familae praeses, /.../.* 98.
A importância do dia fazia com que a maioria ostentasse roupas novas: os
homens vestiam seus melhores ternos, enquanto as mulheres tinham que ir a missa
de vestidos sem decotes, com mangas longas. Eram comuns as roupas de duas
peças, um vestido comum com um casaco curto por cima, o bolero, que velava
qualquer transparência ou decote. Algumas mulheres usavam véus. Dona Norma
afirma que o “vestido da missa tinha que ter bolero. Eu nunca usei véu, mas a minha
mãe sim, ela não ia a missa sem o véu. /.../ Mas o bolero até que ficava bonitinho e a
gente fazia tentando ficar na moda.” Também Dona Ignês se orgulhava das belas
roupas: “Eu tinha ganhado uns vestidos novos da mulher do Bortoluzzi, lá onde eu
98 SINZIG, Frei Pedro. ROEWER, Frei Basílio. Texto do manual de cânticos sacros “Cecília”. 16.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1946. p. 100. * Senhor, tende piedade de nós. / Jesus Cristo, tende piedade de nós. / Senhor, tende piedade de nós. / Senhor, tende piedade de nós. / Jesus Cristo, ouvi-nos. / Jesus Cristo, atendei-nos. / Deus Pai dos céus, tende piedade de nós. / Deus Filho, Redentos do Mundo, / Deus Espírito Santo, / Santíssima Trindade, que sois um só Deus, / Santa Maria, rogai por nós. / São José, / de Davi, ilustre descendente, / Lume dos patriarcas. / Esposo da Mãe de Deus, / Casto, defensor da Virgem. / Nutrício do Filho de Deus, / Desvelado defensor de Cristo, / Chefe da Sagrada Família, /.../.
62
trabalhava na (Nova) Veneza e tinha um com a barra branca que aparecia por baixo
da saia. Eu me achava a mais bonita da festa”.
Ao perguntar se haviam reclamações das mulheres acerca do
comportamento dos padres, Dona Norma foi categórica, falando do padre Pedro:
Eu estava no colégio e as irmãs ensinaram a bordar no tule, que o tule é bem transparente e eu fiz o bordado de lã. Enchi tudo. E fiz uma blusa muito bonita para a Lurdes, minha irmã /.../ e ela ficou tão linda com a blusa. Lá na igreja, o padre viu a Lurdes com a blusa e falou, logo par a minha mãe que era puxa-saco do padre. Era só ela e igreja e nada mais: o queijo mais bonito ela mandava para o padre, a manteiga mais bonita ela levava, para depois ela falar da filha. Ele só disse que era da praça. Era e não era transparente. Quem sabe a manga, porque senão nem a mãe deixaria ela ir. /.../ quando ela chegou em casa e a Lurdes entrou, a minha mãe arrancou a blusa dela e colocou no fogão a lenha. Queimou na hora. E o que falou. /.../ Era só ele que fazia isso. Nem Urussanga, nem Criciúma. Nada. Ele veio para cá e queria que todo mundo virasse santo. Mas acho que o maior pecador era ele. (risos)
Antes de terminar a missa, o padre determinava o momento da procissão.
Uma vez na rua, organizava-se uma fila que tinha as crianças na frente, meninos de
um lado, meninas de outro, seguida dos homens. No meio ia o andor do santo,
carregado nos ombros por quatro homens, que se revezavam no caminho,
acompanhado de perto pelo padre, que ia debaixo de um toldo, carregado por outros
quatro homens e seguido pelo coral local. No final da procissão iam as mulheres,
casadas, viúvas ou solteiras.
Terminada a procissão, todos retornavam à igreja para o final da missa.
Na varanda da casa de seu Alexandrino Possoli, ecoam suas memórias:
/.../ no dia da festa vinha muita gente. Na procissão tinha gente da igreja até lá em cima. Sempre todo ano tinha procissão. E tinham palmeiras e palmitos fincados dos dois lados da rua, da igreja até onde mora o Sônego, lá em cima.
63
Ilustração 7 – procissão 1. Chegada da imagem de Nossa Senhora de Fátima. Segurando o andor, à esquerda, Adelina Fenili e ao lado
Ignácio Fenili, pais da autora. À frente, padre Pedro Pellanda.
As lembranças de Maria Avelina99 trazem imagens de padre Antônio
Kondlick, um homem um tanto intolerante com as roupas femininas e o
comportamento durante as procissões e confissões se comparados ao padre Luigi
Gilli, que esteve em Treviso anteriormente:
/.../ naquele tempo (do padre. Luigi Gilli) ninguém usava manga curta. Depois quando veio o outro padre, o padre Pedro, que começou a (rezar) missa em português, ele exigia (roupas fechadas). Padre Antônio Kondlick também. Esse sim era exigente, não só na roupa. Ele dava até o livro na cabeça da gente, na procissão ou se ia confessar. Tinha que ser direitinho, senão ele resmungava alto. Tinha que chegar lá (no confessionário) e contar tudo direitinho, todos os pecados, contar tudo e se a gente se atrapalhava e parava um pouquinho, ele resmungava. E quantas vezes ele dava com o livro na cabeça da gente.
Existiam regras rígidas também para poder comungar, sendo a principal
que não se poderia comer nada antes da missa, nem mesmo tomar o café da manhã
e as lembranças de seu Alexandrino demonstram isso:
A gente vinha para se confessar e naquela época era rigoroso, não podia botar nem água na boca par apegar a comunhão. Nós saía lá do costão de lanterninha, as três horas da madrugada, para se confessar que o padre estava na igreja, confessando logo cedo e comungando. Mas não podia botar nem uma gota de água na boca, era um jejum, uma coisa sagrada mesmo, naquela época. /.../ e hoje em dia se comunga
99 Maria Avelina Abati. 76 anos. Aposentada. Entrevistada em 09-09-2005. Maria Avelina é filha de José Foresti Abati e de Maria Casaletti Abati, sendo seu pai o autor do Manuscrito sobre a fundação de Treviso.
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de qualquer jeito (risos): se comunga bêbado, de barriga cheia, de qualquer jeito.
Ilustração 8 – Procissão 2. Década de 50. Ao fundo, o que será, depois, a Praça Benjamin Scussel.
Ilustração 9 - Santas Missões de 1955. Da esquerda para a direita Josefina Ubialli, Cláudia Ubialli, Lorenzo, Ildefonso, Eugênio,
Alzira Messagi, Clotilde Doneda e Hugo Pagani.
Durante toda a manhã, os morteiros eram disparados, exceto na hora da
missa. Isso acontecia devido ao forte respeito à Igreja, à fé, ao divino que se
manifestava no templo. A missa e a procissão da festa de Santo Alexandre
representam os elementos fortes do catolicismo popular, um momento sagrado que
65
sempre acontecia no dia do padroeiro, ainda que em dias de semana, indicando a
profunda religiosidade dos agricultores que abandonavam seus afazeres para o
momento de oração e encontro com sua fé.
4.3 - Festa Profana
Quem assistiu às corridas de cavalo de Santo Alexandrim nunca
esqueceu. Eles chegavam durante a manhã, com seus donos, vindos de Nova
Veneza, Rio Jordão e Siderópolis e encantavam a todos, porque eram diferentes dos
cavalos habituados ao trabalho diário. A praça fervilhava de gente. Todos os
entrevistados concordaram que enquanto a festa existiu, ela foi mais freqüentada do
que aquela que ocorria no dia anterior, nos festejos do padroeiro. Dona Ignes explica
que havia mais gente na festa de Santo Alexandrim do que na de Santo Alexandre,
porque as pessoas ocupavam os dois lados da praça, em todo o percurso que os
cavalos correriam. Seu Alexandrino se empolgou, sorriu, fez gestos:
A saída deles era ali no jardim e ia até lá em cima. O camarada deitava em cima do cavalo e faz com o chicotinho (cavalga, reproduz o som do galope e chicoteia um animal imaginário – risos). Todo mundo gritava: Eia! Era bonito de se ver. Era bonito. /.../ Esse negócio de cavalgada, então – Deus me livre – todo mundo era animado para ver!
As corridas aconteciam no centro, indo do lado da igreja até o prédio de
Pedro Doneda, próximo ao ginásio de esportes, onde hoje é a Avenida José Abati e
principal rua da cidade. Nesta reta as pessoas procuravam a melhor maneira de ver
tudo, amontoando-se. As crianças ficavam na frente, porém nunca houve nenhum
acidente na pista, com a platéia.
66
Ilustração 10 - Festa na Praça de Treviso. Data indeterminada. Na foto à direita, o campanário da igreja velha (canto esquerdo).
Ilustração 11 - Prédio de Pedro Doneda, que passou à família Stopazzolli e hoje é patrimônio da Prefeitura Municipal.
Ilustração 12 – Crianças. Entusiasmadas, os pequenos acompanhavam a festa.
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Antes de iniciar a gravação, em conversa informal, seu Alexandrino
contava que, menino ainda, sonhava com o momento de ver os cavalos, queria
chegar bem perto dos grandes animais e dar cubos de açúcar grosso (mascavo) e
bolachas, estendendo suas pequeninas mãos para que, nelas, os animais
comessem. Chegavam a comer, eles mesmos, os pequenos pedaços de guloseimas
e nenhuma atração se comparava àquela. Gotardino Conti, Ângelo Dal Moro e João
Madalena eram, segundo Ignes de Lorenzi, os proprietários dos animais mais
bonitos. “O Gotardino era do Jordão e o Dal Moro da (Nova ) Veneza. O João
Madalena eu não sei de onde era, mas ele era casado com a Dona Cecília, que era
professora. Esses três eram os principais, que traziam os cavalos bonitos”. Seu
Alexandrino conta que os melhores cavalos eram dos Bortoluzzi, confirmado pelas
informações de Maria Avelina, que afirma ainda ter sido Dona Cecília a primeira
professora de Treviso.
As pessoas se apertavam ao longo do percurso para garantir a visão do
espetáculo, deixando sempre as crianças na frente. Apesar de nenhum esquema de
segurança ser montado, nunca ocorreu nenhum acidente com o público. O único
relato é o de que Julinho Eleutério se feriu no rosto quando caiu do cavalo, durante a
corrida, sendo pelo animal pisoteado, porém, sem gravidade.
O horário em que as corridas aconteciam ficou um tanto confuso, uma vez
que Maria Avelina afirma que eles aconteciam de tarde, a partir de uma hora; Seu
Alexandrino e Dona Norma afirmam que aconteciam de manhã, enquanto Dona
Ignes afirma que aconteciam em intervalos irregulares ao longo do dia; Seu Bruno, o
mais jovem dos entrevistados, não lembra das corridas, mas narra que os homens
se reuniam na praça para beber e detonar os morteiros.
É possível que ao longo dos anos as corridas acontecessem em
momentos diferentes do dia, conforme as atrações da tarde, principalmente as
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domingueiras, os bailes vespertinos. Mas Maria Avelina conta que com o tempo as
corridas deixaram de acontecer, ficando restrita apenas a um grupo que costumava
ficar na praça, detonando os morteiros, na tentativa de não deixar a festa morrer,
assunto que será abordado no próximo capítulo.
O ritual de carregamento dos morteiros também era uma atração, assim
como sua detonação. As peças pertenciam à igreja e consistiam de um cilindro oco,
com um orifício na parte inferior, por onde se introduzia o estopim. Depois a
cavidade era preenchida com pólvora, terra, areia, pedras e cacos de tijolos e
compactados com um pedaço de madeira. Ao atear fogo no pavio do artefato, este
produzia uma forte explosão, com barulho superior aos dos atuais foguetes. Durante
todo o dia das duas festas, os morteiros eram preenchidos e detonados inúmeras
vezes, para deleite dos presentes.
Na parte da tarde o momento mais esperado era aquele do baile, que
poderia ocorrer em diferentes locais da cidade. Segundo Maria Avelina, os primeiros
que ela lembra ocorriam na pensão dos Messaggi, quando o senhor João Périco fez
uma casa de bailes nas proximidades da pensão e depois os bailes passaram a
serem feitos próximo à igreja, no centro, construída pelo pai do senhor Hilária
Gamba, onde hoje é o mercado Cooperca. Ali, segundo ela, “se arranjava um
namoradinho e também se brigava”.
A preparação para o baile iniciava durante as semanas anteriores.
Primeiro, lembrando que a festa era ocasião de roupas novas, as moças que tinham
melhores condições econômicas tratavam de comprar tecidos para a confecção de
vestidos. A vaidosa Norma conta
Quem costurava para mim era a Clotilde (Doneda) e eu comprava o tecido em Urussanga. Eu dava aula em Urussanga, separava o dinheiro da viagem e o resto eu torrava tudo. Mas aqui também tinha. No Ubialli tinha muito tecido. Mas a gente queria trazer de outro lugar. Não tinha roupas prontas, só blusas de lã e casacos. Os modelos eram copiados das revistas que eu comprava em Urussanga. A gente andava
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sempre na moda. As revistas vinham de fora. /.../ e aquelas que não quiseram ou não puderam (fazer as roupas) iam a mesma coisa. O baile era assim.
As paredes enfeitadas do salão de baile mostravam um trabalho
organizado pelas meninas da praça, que não hesitavam, inclusive, em pegar peças
inteiras de tecido emprestadas nas lojas. Os comerciantes, por sua vez, ajudavam
porque era a garantia de negócios para as famílias das moças que logo iriam lá
comprar peças para o enxoval em andamento, como pelo próprio brilho da festa.
4. 4 – Jogo de mútuos interesses
A festa representava o momento de reunião dos fiéis da paróquia, mas
representava também uma oportunidade para que rapazes e moças iniciassem um
relacionamento que poderia se transformar em namoro e talvez um casamento. Era
um dia em que as roupas grosseiras de trabalho, normalmente feitas com tecido de
riscado, tiradas de uma única peça, eram trocadas pelas roupas feitas por uma
costureira local. Em Treviso destaca-se o nome de Clotilde Doneda, que costurou os
vestidos de Norma Dal Bó Perucchi e de outras mulheres. Marina Maluf afirma que a
memória feminina é trajada e
Num esforço para expressar sua individualidade, as mulheres [...] encontram nas vestimentas um meio permitido de refazer e expor não só seu corpo, mas também inscrever “as circunstâncias de sua vida nos vestidos que ela usa, seus amores nas cores de uma echarpe ou na forma de um chapéu. Uma luva, um lenço são para ela relíquias das quais só ela sabe o preço”. 100
Na igreja, as mulheres ocupavam o lado esquerdo de quem entra e os
homens o lado direito. Contritos, rezavam as orações em latim, mas não sem perder
de vista o/a namorado/a, o/a esposo/a ou as crianças que sentavam nos bancos da
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frente. Terminada a missa, os casais iam para suas residências, enquanto os jovens
iam para a praça esperar a hora do baile. Aqueles que moravam por perto
almoçavam em casa, enquanto quem morava nas comunidades fazia um lanche em
qualquer lugar:
Tinha pão, tinha bolacha, qualquer coisa. Tinha gente que vinha até de Rio América vender bolacha, o tal de Chico, que vinha com aquela cesta comprida, cheia de bolacha e rosca de polvilho. Se não, passava fome, que também não tinha problema. (risos) [...] às vezes, não tinha nem dinheiro para comprar. Para ter 100 réis no bolso, naquela época, 100 réis, 200 réis, 500 réis. Mil réis era um real agora, vamos supor. Na pensão era só gente de gravata. E tu ia (sic) pagar com dinheiro um prato de comida? Não tinha! (risos).
Era também o momento de conferir se os pertences deixados na casa de
um conhecido ou parente, como sapatos e guarda-chuvas, estavam em ordem. Isso
acontecia porque as péssimas condições das estradas faziam com que os sapatos
chegassem à praça extremamente enlameados. Então, vinham com o velho sapato
de trabalho ou descalços, até uma residência próxima, onde realizavam a troca, não
sem antes lavarem os pés.
Ilustração 13 – Ponte Nicolau Pederneiras 1. O local era ponto de encontro dos jovens. Ao centro, de chapéu, Luís Fenili (esquerda). À direita, seu “Manequinha”, policial que trabalhou por muitos anos em
Treviso.
100 MALUF. Op. Cit. P. 81.
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À tarde, a ponte coberta Nicolau Pederneiras era ponto de encontro de
jovens e local preferido pelos namorados.
Ilustração 14 – Ponte Nicolau Pederneiras 2. Quando a enchente de 73 carregou as cabeceiras da ponte, o único meio de transporte era um pequeno barco que ligava as duas margens. Anos depois, uma nova
enchente carregaria a própria ponte.
Mas havia certa dificuldade em iniciar um namoro, porque era costume um
rapaz andar com outros rapazes e uma moça, com outras moças, separadamente.
Um rapaz que falasse com uma moça era por amor ou por estar mandando um
recado de um amigo. O mesmo ocorria com as moças. Porém, não havia a procura
desenfreada por um namoro sério, mas a necessidade de conhecer vários possíveis
pretendentes para que a escolha fosse “acertada”:
Nós pegávamos (os moços) só para dar uma volta e eles ficavam bobos achando que a gente ia namorar. A gente combinava para fazer isso. E tinha aquela bendita ponte abençoada que o rio carregou. Lá era o “point” como dizem agora e era lá que a gente marcava os encontros. Ela era linda
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e não era tão pequena, era grande, era a atração de Treviso. Foi uma pena, mas a enchente carregou.
Hoje, basta olhar a água de tom ferrugem do rio mãe Luzia para saber que
a poluição foi instalada após o início da atividade de mineração, porém, antes disso,
eram suas águas um convite para banhos, diversões infantis e brincadeiras. Alguns
até se aventuravam em passeios de barco. Sobre a ponte, conversavam com os
amigos/as, com primos/as, com um conhecido do ou da pretendente, buscando
informações sobre aquele/a a quem dedicavam afeição, formando-se uma rede de
informações. Ali poderia nascer um namoro ou encerrarem-se as esperanças de um
romance.
As roupas novas eram objetos de desejo das meninas, para que
pudessem exibir sua melhor forma e assim entrar no competitivo ambiente do salão
de danças.
Ali podiam se conhecer, trocar olhares, não sem enrubescerem diante de
um sorriso do preferido, para então se aproximarem e se tocarem no momento da
dança. Neste ambiente, moças e rapazes discutiriam entre si quem dançava melhor,
a/o mais bonita/o ou simpática/o ou quem despertasse maior interesse.
Tímidos, os rapazes escolhiam uma moça já conhecida para começar a
dançar:
Nos bailes, a gente ia chegando devagarzinho, se ambientando. No começo pegava como par uma moça que já conhecia e que tivesse um pouco mais de liberdade para tirar para dançar. Para fazer um aquecimento se tomava uma cachacinha, para tomar coragem. 101
101 Bruno Scussel. Entrevista citada.
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Ilustração 15 – Moças. Ao fundo, à esquerda a antiga casa paroquial e em segundo plano a residência do senhor José Abati. Ao centro, a igreja velha e o campanário.
Ilustração 16 – Rapazes
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Ao exercitarem seus talentos no salão, dançando, eles expunham o que
tinham de melhor, mostrando-se solidários com quem por acaso não soubesse
dançar ou não dominasse bem essa “arte”. Para seu Alexandrino, o baile não era
importante, porque ele era – e ainda o é – avesso ao barulho: “Eu nunca dancei na
minha vida. Quando eu comecei a namorar com a minha velha ela dançava. Aí eu
disse para ela que não tinha mais essa coisa. Eu disse: ‘Se tu quer (sic) me
acompanhar e não dançar, ta bom, senão pode procurar outro.’” Dona Norma,
porém, adorava o ambiente do salão e a excitação que ele produzia e lembra que o
marido a conquistou com um artifício:
E eu fui casar com um que nem sabia dançar, do jeito que eu gostava tanto. Eu sempre digo: na próxima encarnação, homem que não dança eu não namoro. Nem caso. Eu conheci ele num baile em Siderópolis. Ele disse que sabia dançar e era mentira, foi só para me convencer. 102
Entre uma dança e outra, casais iam se formando ou um namorico
incipiente se encerrava. Uma das mulheres afirmou que durante algum tempo teve
um amor inconquistável, “mas chegou a outra, que é a mulher dele agora e casou.
Eu tinha saído do colégio, era jovem e as freiras diziam “não faça isso, não faça
aquilo” e ela carreou o L. Mas era divertido!” Os olhares e pequenos gestos eram os
únicos indícios de que um agradasse o outro.
Os olhares e sorrisos faziam parte de um jogo de sedução, de
encantamento para conquistar o/a parceiro/a e se houvesse entendimento entre um
casal, depois do baile o rapaz levaria a moça para casa, indo normalmente, um de
cada lado da estrada, “com muito respeito”. Esses bailes poderiam ocorrem à noite
ou aos domingos à tarde, e por isso mesmo denominados domingueiras, animados
por um gaiteiro que morava na região:
102 Norma Dal Bó Perucchi. Entrevista citada.
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Era uso, entre os adultos, entreter a bebida com o barulhento jogo de “mora”103 ou com o baralho, enquanto os mais moços intercalavam aos copos a dança. O baile em Treviso rodopiava, naqueles tempos ao som de Ângelo Brina, e se a música era sempre a mesma, o entusiasmo porém, era sempre novo; era nesse momento que se cerravam os punhos, erguiam-se os cacetes, detonavam armas e os homens voltavam depois às suas casas empoeirados, com arranhões ou com a orelha decepada, ora pelo facão, ora pelos dentes do “compadre”.
O ambiente onde ocorria os bailes também era local para brigas mais ou
menos constantes. Um dos motivos poderia ser o excessivo consumo de álcool ou
as moças que resolvessem negar a dança a um rapaz. Isso poderia acontecer
porque, de forma diferente dos rapazes, as moças não pagavam entrada no salão,
ficando, portanto, obrigadas a dançar com todos os rapazes que as escolhessem
numa forma de poder simbólico que sempre funcionava, como explica seu Bruno:
/.../ as moças eram proibidas de negar o par, porque daí elas teriam que ficar de fora (do baile). Era uma espécie de punição. Essa história era porque os rapazes pagavam a entrada – mas o (baile de) casamento era uma festa diferente. Mas no caso de um baile em que só os homens pagavam, eles se sentiam no direito de não serem humilhados. Era uma forma de as moças não negarem par, de não deixar a (elas) liberdade de escolha.
Segundo Marina Maluf, as experiências sociais produzem as pessoas,
construindo seus atributos específicos e nesta esfera, as fronteiras destas
representações são extremamente movediças104. No salão de baile, a teatralidade
produzida por essas relações tomava porte e podiam ser observadas as diferenças
sexuais, um local onde tais diferenças são interpretadas e ganham significado,
principalmente no que tange às relações entre homens e mulheres. A relação de
dominação aparece no fato de não se cobrar o ingresso para a entrada das
mulheres e a recusa em dançar com este ou aquele moço poderia gerar brigas entre
os rapazes, quando o preterido tentava retirar a moça do salão:
103 Este jogo consiste na disputa por acertar o número de dedos que dois oponentes batem sobre uma mesa de madeira. O barulho dos números sendo “cantados” pelos oponentes e seus dedos batendo contra a madeira, são a característica mais marcante deste curioso jogo.
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Aconteceu com a minha irmã, a Lurdes, na Santa Cruz /.../ e (ela) dançava muito bem. O cara quis tirar ela para dançar e ela não quis /.../ Ele chamou palavrão para ela /.../ e quis tirar ela do salão para ela não dançar com ninguém. Quando o meu irmão viu aquilo, avançou nele com um canivete e chegou a machucar o rapaz. Foram parar na delegacia. Ele quis defender a honra da irmã. Mas na praça não acontecia isso. 105
Se esse costume pudesse constranger algumas moças, elas teriam vez na
chamada “marca das damas”, momento em que elas escolheriam o moço com quem
dançariam. Seu Bruno fala que eram poucas as vezes que isso acontecia, mas para
Dona Norma Perucchi, era um momento especial de relativa liberdade e
encantamento em que a moça “tirava quem gostava, quem queria. Mas tinha que ser
rápida. Todas tínhamos o preferido e ai de quem atravessasse o caminho.”
A sociedade gravita então sobre a oposição binária macho x fêmea, em
que o primeiro tenta e consegue induzir a segunda a submissão. Não há, porém por
que considerar essa oposição como algo inato ou necessário e os estudos das
relações de gênero caminham no sentido de nuançar tais diferenças, descobrindo as
diferenças delicadas entre pessoas ou coisas do mesmo gênero, percebendo as
diferenças dentro das diferenças e não apenas as diferenças entre os sexos, ou
seja, buscam refletir que se existem as diferenças entre homens e mulheres,
também existem entre o mesmo gênero:
Na epistemologia feminista sujeito e objeto estão diluídos um no outro. [...] Os estudos feministas propõem uma redefinição dos processos de subjetividade, uma crítica ao conceito de identidade, assim como ao conceito da própria racionalidade no mundo contemporâneo, que se volta par ao passado a fim de se reencontrar, devidamente relativizado, no presente. 106
Joan Scott nos ajuda a compreender o processo por que passou a análise
histórica que vai ter nas mulheres o seu objeto de estudo, destacando que:
104 MALUF, Marina. Ruídos da memória. São Paulo: Siciliano, 1995. p. 198. 105 Norma Dal Bó Perucchi. Entrevista citada.
77
A emergência da história das mulheres como um campo de estudo envolve, nesta interpretação, uma evolução do feminismo para as mulheres e daí para o gênero; ou seja, da política para a história especializada e daí para a análise. [...] A palavra política é usada atualmente em vários sentidos. Primeiro, em sua definição mais típica, ela pode significar a atividade dirigida para /ou em governos ou outras autoridades poderosas, atividade essa que envolve um apelo à identidade coletiva, à mobilização de recursos, à avaliação estratégica e à manobra tática. Segundo, a palavra política é também utilizada para se referir às relações de poder mais gerais e às estratégias visadas para mantê-las ou contesta-las. Terceiro, a palavra política é aplicada ainda mais amplamente a prática de reproduzem ou desafiam o que é as vezes rotulado de “ideologia”, aqueles sistemas de convicção e prática que estabelecem as identidades individuais e coletivas que formam as relações entre indivíduos e coletividades e seu mundo, e que são encaradas como naturais, normativas e auto-evidentes. Essas definições correspondem a diferentes tipos de ação e diferentes esferas de atividade, mas a minha utilização da palavra “política” para caracterizar tudo isso sugere que os limites de definição e espaço são indistintos, e que, inevitavelmente, qualquer utilização tem múltiplas ressonâncias. A narrativa da história das mulheres que eu desejo fazer depende dessas múltiplas ressonâncias; é sempre uma narrativa política. 107
Os estudos feministas então criticam abordagens que universalizam e
generalizam a história das mulheres enquanto categorias fixas e permanentes,
propondo enfoques que retiram o feminino do plano abstrato, através de planos
concretos acerca de suas especificidades históricas, cristalizadas em ações de um
sistema ideológico de dominação. 108 A partir de 1950 homens e mulheres
passaram a escavar o universo feminino com o intuito de trazer à luz o ponto de
vista das mulheres, porque sua história não é exclusiva, isolada: é a história da
família em que está inserida, de sua família, dos trabalhos que realiza. Ali,
imbricados, estão seu corpo e sexualidade, a violência onde é vítima e algoz e
também todo o conjunto dos seus sentimentos
106 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Novas subjetividades na pesquisa histórica feminista: uma hermenêutica das diferenças. Estudos Feministas. N.º2 / 94. P. 373-374. 107 SCOTT, Joan. História das mulheres. In. A escrita da história: novas perspectivas. Peter Burke. (org.) São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992. p. 65-66 108 FOULCAULT, Michel. Sexo, poder e indivíduo. Desterro: Edições Nefelibata, 2003. p. 35
78
Ilustração 17 - Namoro. Ao centro, Irene de Lorenzi, filha de dona Ignes.
“Me gá per moroso?”, ou seja, “me aceita para namorado?”.
Possivelmente assim começava um namoro. Depois de uma missa ou terço, ou
ainda depois de uma domingueira, o rapaz poderia levar uma moça até em casa. Se
o repetisse por três vezes seguidas era um sinal de que havia interesse de ambas as
partes. Dona Ignes conta que gostava de um rapaz e ele até a levou para casa uma
vez.
Mas então ele conheceu a Salute e levou ela para casa. Aí eu fiquei com o Bruno. Coitadinho. Ele bebia, mas eu gostava dele. Me levou até em casa três domingos seguidos e eu sabia que tava namorando. [...] depois vieram os filhos e ele continuou bebendo. Quando morreu, eu fiquei triste, mas tinha que criar os filhos.
A vida afetiva dos jovens estava sob rigorosa censura familiar e religiosa,
razão pela qual qualquer manifestação de carinho, como beijos e abraços, só
fossem permitidos após o noivado. Para namorar, o jovem tinha que pedir permissão
à família da moça, especialmente ao pai dela, quando acertavam os horários de
namoro e se comprometiam em aceitar as exigência e imposições para o
relacionamento. Se o pai da moça fosse falecido, deveria conversar com a mãe da
79
moça ou com um tio. “O moço tinha que ter um comportamento que justificasse
confiança. [...] Ninguém freqüentava uma casa sem o consentimento dos pais da
moça. Esse era o ponto crucial da história.” Assim seu Bruno define sua própria
experiência, sua vivência numa sociedade que ele mesmo perpetuará ao formar as
novas condições familiares que ele constituirá ao lado de Norma Zanelatto.
Tão logo as moças iniciassem um namoro havia a preocupação da mãe
de adiantar a preparação do enxoval, por vezes iniciando quando a filha tinha sete
ou oito anos:
Para entrar na casa tinha que falar com os pais, noivar direitinho. Era namoro sério. A mãe já começava o enxoval da filha, porque de repente pode casar. Tinha mães que desde que tinham uma filha começavam o enxoval, toalhinhas para guardar. Eu fiz muitos bordados à mão porque eu fiquei três anos no Colégio. Então tudo o que eu fazia a mãe guardava, não usava nada. E eu gostava muito de bordar. A (minha irmã) Lurdes, que não gostava de bordar, disse: ‘-Tu é quem levasse um enxoval bonito. Mas é claro, porque eu bordei e tu?’ Uma vez, para não bordar ela escondeu um lençol embaixo do colchão. A mãe tinha obrigado ela a bordar e ela não gostava. 109
Havia, portanto sessões de trocas e sugestões entre a filha e a mãe, não
havendo regras, nem rigores, iam simplesmente selecionando e organizando as
peças do enxoval, normalmente guardadas dentro de um baú que também fazia
parte do dote. A qualidade da peças dependia do capricho e do gosto pelo bordado
que a futura noiva possuía, a destreza com suas tesouras, agulhas e linhas, o tempo
disponível para fazer as peças, bordá-las carinhosamente, prendendo nas tramas
dos tecidos sua ansiedade em relação ao futuro. Não era incomum também que
famílias com melhores condições econômicas comprassem um guarda-roupa, ou
uma cômoda, o “comó” ou ainda uma máquina de costura, que seria providencial na
fabricação e manutenção de roupas para a família. As modernas são elétricas,
porém aquelas usadas na adolescência de dona Norma e em sua vida adulta eram
109 Norma Perucchi. Entrevista citada.
80
mecânicas, acionadas pelo movimento dos pés, enquanto aquelas mais antigas, da
época de sua avó, eram movimentadas por uma pequena manivela.
Desde pequenas as meninas iam sendo preparadas para o serviço
doméstico, para ser boa esposa e mãe, sendo transmitida sua educação de mãe
para filha, em um modelo que elas mesmas repetiriam com suas próprias filhas. “As
meninas aprendiam mais pela prática e pelo costume, de modo que pode-se dizer
que as tarefas domésticas se confundiam com a aprendizagem.”110 A educação das
moças então, voltavam-se no sentido de atender à elaboração de um papel que a
sociedade construira para ela e esperava que ela desempenhasse. A imagem
idealizada desta mulher-esposa-mãe, divulgada na Europa a partir do século XVII111,
repercute na sociedade ítalo-brasileira que se forma na colônia Nova Veneza. A
mesma autora exemplifica essa imagem a ser idealizada nos “Dez mandamentos da
mulher”, publicado no Jornal do Commercio, de 1888:
1. Amai a vosso marido sobre todas as coisas. 2. Não lhe jureis falso. 3. Preparai-lhe dias de festa. 4. Amai-o mais do que a vosso pai e a vossa mãe. 5. Não o atormenteis com exigências, caprichos e amuos. 6. Não o enganeis. 7. Não lhe subtraiais dinheiro, nem gasteis este com
futilidades. 8. Não resmungueis, nem finjais ataques nervosos. 9. Não desejeis mais do que um próximo e que este seja o
teu marido. 10. Não exijais luxo e não vos detenhais diante das vitrines.
Estes dez mandamentos devem ser lidos pelas mulheres doze vezes por dia, e depois ser bem guardados na caixinha da toillete.112
Ainda segundo Joana Maria Pedro, esta imagem idealizada de mulher
será publicada em vários jornais nos anos e décadas seguintes, identificando-a
como a responsável pela felicidade no lar, “homenageadas como as responsáveis
110 MALUF. Op. Cit. P. 227 111 PEDRO, Joana Maria. História das mulheres no Brasil. 2. ed. São Paulo: ed. Contexto, 1997. p. 284 112 Idem . P. 285
81
pela civilização, pelo heroísmo, pela piedade cristã dos homens [...]”. 113 Esta família
“civilizada” deveria constar de pai, mãe e filhos, excluindo os demais parentes. Por
isso, se as moças levavam o enxoval, representado pelas roupas de cama, mesa e
banho da nova casa, o noivo era responsabilizado pelo terreno, pela casa e pela
provisão do novo lar. Seu Bruno expõe essa necessidade:
Tinha alguns (moços) que se desligavam da família e iam trabalhar fora, como quem ia para o Rio grande do Sul, antes da mineração e tinham dinheiro próprio, que adquiriam bens: uma casa, um terreno. Normalmente, primeiro era o terreno, construía uma casa simples e ganhava uma vaca, uma porca e umas galinhas, para começar (a nova família).
Os rapazes que moravam com a família recebiam um lote vizinho ao do
pai e alguns animais, normalmente fêmeas, que ao procriarem garantiriam o
crescimento do patrimônio. Muriel Nazzari, em O desaparecimento do dote, afirma
que no período colonial brasileiro era comum que famílias abastadas dessem ricos
dotes às suas filhas, porém, o costume tornou-se cada vez mais escasso, à medida
em que a distribuição desse patrimônio, por vezes, levava ao comprometimento dos
bens da família. Em uma sociedade em que ninguém levava dotes vultosos, era
imprescindível que o homem tivesse condições de casar-se e manter,
economicamente, a família:
O surgimento do amor como razão principal par ao casamento passou a ocorrer na medida em que a família mudava de unidade primordial de produção para unidade de consumo, o que foi facilitado pela existência de profissões liberais ou outras carreiras que permitiam que os homens sustentassem as esposas sem herdar bens ou receber grandes dotes. [...] Essas transformações proporcionaram ao marido maior peso dentro do casamento diante da esposa e de sua família de origem, o que demonstra claramente pelo número cada vez maior de esposas que adotaram o sobrenome do marido e de filhos com o sobrenome do pai.114
113 Idem ibidem p. 287. 114 NAZZARI, Muriel. O desapareciemtno do dote – mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 240.
82
Uma vez determinada uma data para a realização do casamento,
começavam os preparativos para a festa. Enquanto a preparação do enxoval era
acelerada, as famílias procuravam ajeitar as roupas que usariam na festa,
principalmente o vestido da noiva. “O tecido do meu vestido de noiva custou um mês
inteiro do meu salário de professora e foi feito em Urussanga. O diadema e o véu, foi
alugado em Criciúma. (mostra a foto) Este buquê de noiva, foi o primeiro usado em
Treviso e era lindo” fala emocionada dona Norma.
A festa de casamento iniciava pela manhã quando o casal de padrinhos e
o noivo passavam pela casa da noiva para levá-la à igreja, porém, antes, algumas
famílias serviam um café da manhã com pão feito em casa. Entre onze horas e
meio-dia, tinham que estar em Urussanga ou Siderópolis para que o padre os
casasse. Não havia decoração de flores no corredor na igreja, nem tapete vermelho
esperando pela passagem triunfal da noiva. Quando muito, os vasos de vidro eram
preenchidos com copos-de-leite, abundantes na região e o deslocamento até a
igreja poderiam ser feito a cavalo ou com um caminhão ou caminhonete
especialmente pago para o evento, quando a família tinha condições de fazê-lo.
Seu Bruno conta como foi seu casamento:
Eu casei em Siderópolis porque aqui ainda não tinha paróquia. [...] o almoço – porque era mais almoço do que janta e se ia para a casa do noivo, mais ou menos às duas horas da tarde, essa despesa ficava com a família do noivo. [...] Muitas vezes (havia baile) até o amanhecer. As pessoas iam ficando, jantavam o que havia sobrado do almoço e depois tinha o baile. Enchia a casa.
83
Ilustração 18 – Casamentos 1. Norma Dal Bó e Reny José Perucchi. Data - 18- 07-1953.
Ilustração 19 – Casamentos 2. Célia Angulski e
Luís Fenili. Data: 26-07-1952.
84
“Cada meio social atribui às experiências passadas um significado
particula.” 115 e, por conseguinte, os enquadramentos de memória, de formas
diferenciadas, acabam por tingir a própria reconstituição do passado feita por
homens e mulheres, uma vez que foram criados, para ambos, lugares e identidades
distintas e desiguais. Quando a sociedade produz lugares e identidades distintas e
desiguais para homens e mulheres, eles viverão de formas diferenciadas as
experiências do cotidiano. O exercício de determinadas práticas sociais e a forma
que a sociedade elabora conceitos acerca destas práticas, produzem o testemunho
de mulheres e de homens sobre o passado. O sentido que essas práticas assumem
no discurso feminino, imbricadas em relações sociais e de poder historicamente
determinadas, elaboram um discurso que favorece a elaboração de representações
masculinas que dominam as femininas, tornando-as desiguais.
4.5 – Um acidente e o desaparecimento da festa profana
Não foi possível determinar com clareza a época em que a festa iniciou. O
pai de dona Ignez dizia que a festa era “uma homenagem ao santo” padroeiro. Se
ela própria tem oitenta e três anos e conheceu a festa na sua infância, que já era
freqüentada pelo pai e pelo avô, Vitale Carminatti, chegado ao Brasil em janeiro de
1892, 116 pode-se supor que a festa iniciou-se no final do século XIX. O fim da festa
teria sido há cerca de 60 anos, uma vez que seu Bruno, o mais jovem dos
entrevistados, nascido em 1939, disse não ter conhecimento das corridas de cavalo
realizadas na praça, mas lembra que quando vinha para a escola, no centro, havia
movimento nos bares, principalmente o ajuntamento de homens em torno de
bebidas e morteiros.
115 MALUF. Op. Cit. P. 83.
85
Ao realizar as entrevistas, este foi um fato curioso que despertou minha
curiosidade, uma vez que para todos eles, a lembrança mais forte eram justamente
as corridas. A resposta começou a ser delimitada quando seu Alexandrino explicou
que as festas foram escasseando, que as corridas foram deixando de acontecer,
sem que nem ele nem os demais justificassem o motivo. Para Avelina,
Quando teve o acidente, já não faziam mais as corridas de cavalos. Tinham diminuído. Eles festejavam só com os morteiros, porque era costume, mas já não vinha muita gente, nem tinham mais as orações que faziam antes (das corridas). Era só uma turma daqueles (homens) que estavam acostumados a festejar. Naquele dia eles vinham só para soltar os morteiros. Depois do acidente, então, não soltaram mais, parou tudo. Santo Alexandrim terminou.
Esta festa não desapareceu de súbito. “Praticamente não lembro de ter
havido, (por parte) das mulheres, participação. Era mais masculina.” A festa foi se
tornando um encontro de homens, normalmente nos bares, dispostos a conversar,
detonar tiros de morteiros e divertir-se. Ela foi se transformando de um grande
evento em algo menor, até se resumir à festa predominantemente masculina que
seu Bruno cita, excluindo as mulheres, para quem não era de bom tom participar de
eventos nos bares da praça, ou melhor, não freqüentarem nenhum bar, considerado
um templo masculino.
É importante ressaltar que os sinalizadores da festa de Santo Alexandrim
eram os tiros de morteiro e as corridas de cavalo. Porém, na década de 60, quando
os cavalos deixaram de ser atração, a data passou a ser festejada apenas pelos
homens, permanecendo os morteiros e diminuindo a participação de crianças e
mulheres, além das pessoas que vinham de outros municípios. Nenhum dos
entrevistados levantou um motivo concreto para explicar tal fenômeno. Mas todos
citaram o acidente ocorrido com o senhor Higino (Gino) Tasca, sem que nenhum
deles tivesse apontado uma data exata, mas afirmaram que ele e sua família fixaram
116 BORTOLOTTO. Op. Cit. P. 309.
86
residência em Chapecó, poucos anos após o ocorrido, aqui relatado pelo senhor
Garzoni Losso117:
Foi um tiro de morteiro. Esses tiros eram a alegria da festa. Mas esse dia foi um dia depois da festa. Ali no jardim. Abriu no meio o morteiro. Uma parte foi para lá (aponta para o leste) e a outra metade acertou ele. Não sei quem trouxe os morteiros. O Tasca machucou a perna, o quarto. Ficou cinco ou seis meses em Florianópolis. Não sei bem. Ficou bastante tempo. Ele vinha para a praça meio manco [...] Depois foi morar com a família em Chapecó.
Dona Norma e seu Bruno também comentam o acidente: “eu lembro que o
meu pai chegou aqui (em casa) bem apavorado. Tinha acontecido um acidente ali
perto [...]” diz a primeira enquanto seu Bruno lembra que “foi a detonação de um
morteiro [...]. Uma parte atravessou a praça e o Gino estava sentado na calçada ou
no degrau e foi atingido pela peça de ferro. Houve fratura na perna”.
Maria Avelina também comenta o fato, dizendo que o
Higino Tasca sofreu o acidente. Eles foram soltar os morteiros. [...] Os que soltavam os morteiros eram o Eugênio (“Gênio”), o Giocondo (falecidos) e o Garzoni Losso, o Higino Tasca e o João Tasca. Eram eles que vinham e faziam barulho na praça, talvez ainda vinham alguns (outros).
Surgem então nomes de pessoas da comunidade que tentavam não
deixar desaparecer a festa de Santo Alexandrim. Segundo Maria Avelina, “depois do
acidente não soltaram mais (os morteiros), parou tudo. Santo Alexandrim terminou.”
O acidente com o morteiro parece então ter sido decisivo para que apenas a festa
sagrada de Santo Alexandre permanecesse.
Segundo Natalie Zamon Davis as festas populares têm como função
social perpetuar certos valores da comunidade e por outro lado, fazer uma rigorosa
análise do Estado e dos seus órgãos de governo e da própria sociedade e o
“desgoverno” seria a cristalização desse protesto:
Às vezes pode ser útil dar permissão ao povo para fazer palhaçadas e alegrar-se”, dizia o advogado francês Claude de Rubys, no final do século XVI, “para impedir que, ao controlá-lo muito rigorosamente, ele caia no desespero. Abolidos esses
117 Garzoni Losso. 97 anos. Aposentado. Entrevistado em 10/09/2005.
87
jogos alegres, em vez de tomar parte neles as pessoas vão pra as tavernas, põem-se a beber, a tagarelar, com os pés inquietos sob a mesa, e a analisar o Rei e as princesas [...] o Estado e a Justiça e ficam imaginando panfletos difamatórios e escandalosos”. [...] (tais festividades) ocorriam a intervalos regulares, sempre que a ocasião o permitisse, e eram acertados pelo calendário religioso e sazonal (os doze dias do Natal, os dias antes da Quaresma, o início de maio, Pentecostes, a festa de São João Batista, em junho, a festa da Assunção, em meados de agosto e Todos os Santos) também pelos eventos domésticos, casamentos e outros assuntos familiares. 118
Esta manifestação popular tão singular em toda a região apresenta e
representa as formas de transgressão e resistência oferecidas ao poder secular da
Igreja e da elite que procuravam garantir que o modelo de sociedade que surgia no
Brasil da época, branqueado pela introdução do europeu imigrante, principalmente
no sul, reformulasse a conduta e a sociabilidade da população. 119 Deveriam
dedicar-se às orações, às relações sociais dentro de uma conduta “cristã”
inteiramente romanizada, onde Deus e o Diabo, o pecado e o perdão parecem andar
juntos frente à dicotomia do novo homem que surge dali em diante. Por sua vez, a
festa de Santo Alexandrim vem representar a quebra desses preceitos e a
resistência à ordem estabelecida, porém, o acidente com o morteiro faz com que os
festejos sejam exterminados por uma decisão coletiva irrevogável pela população
temerosa da ira divina, cristalizada no “acidente”.
Nesse contexto, a Festa de Santo Alexandrim se encaixa como uma
manifestação popular, de caráter transgressivo e de resistência ao espartilhamento a
que é submetida a sociedade. O espartilhamento, segundo Bortolotto, se faz pelas
dificuldades naturais que encontram os imigrantes, pelo trabalho árduo no campo, os
ataques indígenas, a falta de boas estradas, pelo abandono – por parte do governo
118 DAVIS, Natalie Zamon. Culturas do Povo – sociedade e cultura no início da França Moderna. São Paulo: Paz e Terra, 1990. p. 87-88.. 119 SERPA, Élio Cantalício. Igreja e Poder em Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1997. P. 15-16.
88
italiano – a que foram submetidos. 120
Quando a comercialização de bebidas e os bailes são proibidos, a
celebração no dia seguinte ao dia do santo padroeiro é a saída encontrada para a
diversão, tão esperada após cansativos dias de trabalho e fome. A resistência é a
própria festa. Ao procurarmos informações sobre nossos antepassados, desejamos
buscar um pouco de nós mesmos, de nossa História impregnada da vida social que
nos cerca, da cultura que nos é familiar. Mas ao mergulharmos na história de uma
sociedade, em um determinado momento, nos deparamos com um valor intrínseco
difícil de ser analisado e principalmente avaliado.
120 BORTOLOTTO, Zulmar. “Estradas precárias”. In História de Nova Veneza. P. 51 – 56.
89
5 CONCLUSÃO
Anos atrás, ao pesquisar a história de Treviso para o Trabalho de
Conclusão de Curso, as pessoas citavam uma festa estranha e meio esquecida,
marcada por corridas de cavalos e estouro de morteiros. Içando-a do risco do
esquecimento surgiu este trabalho, agora pronto, sobre a Festa de Santo
Alexandrim.
Extravasar era a palavra de ordem para os colonos de Treviso ao criar
uma festa profana dedicada a “santo Alexandrim”, nos dias seguintes à do padroeiro,
Santo Alexandre, nos dias 26 de agosto de cada ano. O cotidiano dos colonos urgia
a sobrevivência, transcendia o alimento à religiosidade com a devoção ao protetor
dos céus que os haveria de acudir. As festas e bailes facilitavam a solidão das
famílias que viviam bem distantes, nas suas glebas de grande monta e superfície –
enquanto na mãe-pátria ficavam nas aldeias perto uns dos outros – porque assim se
apresentava sua forma de contrabalançar ao trabalho duro alguns momentos de
demonstração de alegria de viver, para depois reiniciar a estafante tarefa de
produzir. Afinal, a Companhia Metropolitana estava sempre à espreita, dono dos
prazos e da exigência dos pagamentos acordados na vinda para a Colônia.
E Santo Alexandre recebeu um santo apócrifo, Santo Alexandrim, fruto da
criatividade daqueles homens para colocar o profano, fonte de festas acima dos
limites. Após a contrição da missa e das demonstrações de uma profunda devoção,
lançavam-se às bebidas, lidas de cavalos, estampidos dos mosquetes e o cheiro da
pólvora.
Durante todo o processo de assentamento e da ratificação de suas vidas
como membros daquela comunidade, sem o retorno à mãe-pátria, com a definição
90
de que suas terras passariam finalmente aos filhos por haverem cumprido os
compromissos financeiros e as colheitas eram a recompensa final de seu esforço,
eles festejavam: Santo Alexandre, com tez séria, assistindo as práticas religiosas da
Igreja, com a contrição dos convictos; Santo Alexandrim, como a válvula de escape
enquanto lutavam pela prole e pela superação na nova terra.
E a lei da vida suplanta, pelos próprios homens, a criação de mitos e
convenções.
Tal se processou, em Treviso, enquanto houve dificuldades no trato da
terra e na auto-afirmação das famílias como detentores de uma vida real e objetiva
somente em Treviso, sem mais laços com a terra-mãe a não ser a preservação do
idioma e dos sobrenomes. Quando se tornaram senhores de si, não precisavam
extravasar mais em uma festa de Santo Alexandrim, já que estavam eles estáveis na
vida e no cuidado de filhos e netos. Não. Eles teriam a festa sagrada de Santo
Alexandre para agradecer, com tranqüilidade, sem arroubos e sem excessos, no
agradecimento eterno à sua condição de protetor. Com o lançamento de fogos de
artifício conclamavam as pessoas, assistiam à Missa e depois tomavam vinho,
jogavam conversa fora, dançavam um pouco nas matinés, necessária ao convívio e
chance maior da aproximação dos gêneros e, finalmente, iam embora, alguns com
seus sapatos nas mãos (somente era necessários nas festas, já que a maioria, na
faina diária andavam descalços), outros com charretes, mostrando belos cavalos, a
maioria ainda um português arrevesado, cheio de sotaque, que ainda permanece
nos mais velhos.
E assim Santo Alexandrim foi relegado ao esquecimento, porque já não
era necessário, não havia mais agonia nos gestos e nas preocupações, não eram
mais necessários os excessos. O profano acabou engolido pelos costumes mais
estratificados na terra, na certeza de que eram agora de Treviso, sem a ânsia de
91
voltarem vitoriosos à Itália. Seriam vitoriosos em Treviso do Novo Mundo, da “Terra
da Cocagna”, sem mais precisarem dos folguedos profanos do santo apócrifo, mais
Baco que membro da Igreja. A evolução dos costumes matou Santo Alexandrim, é
esta a maior demonstração da evolução e do progresso da gente da comunidade de
Treviso.
A que se lamentar quando um aspecto folclórico, quando um ritual secular
ou de muitas décadas decai e depois desaparece. Não foi por simples “perseguição
de padre” nem por motivos de “deculturação”. Apenas tinha que acontecer quando o
colono italiano sorrisse de satisfação na nova terra, após até mais de 50 anos de
luta para a produção ficar sólida e efetiva e não precisasse mais que uma oração
tranqüila para agradecer ao santo padroeiro.
Dona Ignes, dona Norma, Maria Avelina, seu Alexandrino, seu Garzoni e
seu Bruno são guardiões do passado e como diria Ecléa Bosi eles têm a função de
“lembrar e aconselhar – memini, moneo – unir o começo e o fim, ligando o que foi e
o porvir.” 121 Os entrevistados vestem-se com suas memórias, são capazes de
lembrar com que camisa, vestido ou chapéu foram às festas, quatro, cinco ou seis
décadas atrás. Dona Norma, por exemplo, pormenorizou o quanto pode suas
lembranças, expondo-as como se fossem fotografias, retratando-as e mostrando-as
em seus melhores ângulos. Lembrando dos bailes os olhos sábios de todos
brilhavam. Falando das bolachas que seu Chico vendia ou dos torrões de açúcar
grosso dado aos cavalos, seu Alexandrino disse ainda sentir o sabor delicioso que
hoje já não existe mais. Lembrando da caminhada de sua casa “embaixo do costão”,
de madrugada, vindo para a Igreja cumprir seu papel de devoto, foi possível sentir o
ar frio da aurora e acompanhar as formas bruxuleantes que o mato formava quando
ele passava com a lamparina nas mãos.
121 BOSI. Op. Cit. p. 18
92
As festas grandiosas de Santo Alexandre e Santo Alexandrim são
lembradas de forma saborosa, com intenso prazer, pois fizeram parte das
experiências lúdicas de cada um, havendo um impressionante quadro de minúcias
em suas lembranças e em um momento qualquer, entre os anos 40 e 50 do século
XX, a necessidade de um Santo Alexandrim foi sepultada.
Ficou apenas uma saudade dos participantes da típica “bagunça” em que
a maioria das vezes ela se constituía.
93
REFERÊNCIAS ORAIS
ABATI, Maria Avelina. 76 anos. Entrevista concedida a Lenir Mateus Cesconetto em
09/09/2005. Treviso, SC.
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Cesconetto em 22/06/2005. Treviso, SC.
KOEPP, Pe. Silvestre. Entrevista cedida a Lenir Mateus Cesconetto em 06/09/2005.
Treviso, SC.
LOSSO, Garzoni. 87 anos. Entrevista concedida a Lenir Mateus Cesconetto em
10/09/2005.Treviso, SC.
PERUCCHI, Norma Dal Bó. 70 anos. Entrevista concedida a Lenir Mateus
Cesconetto em 03/09/2005. Treviso, SC.
POSSOLI, Alexandrino. 87 anos. Entrevista concedida a Lenir Mateus Cesconetto
em 07/09/2005. Treviso, SC.
SCUSSEL, Bruno. 66 anos. Entrevista concedida a Lenir Mateus Cesconetto em
16/08/2005. Treviso, SC.
94
REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS
Ilustração 1 – p. 17. Imigrante Giovanni Fenili. Foto de Ary Medeiros (Lauro
Muller). Arquivo da autora.
Ilustração 2 – p. 34. Imigrantes de Nova Belluno. Esta foto é uma cópia ampliada
da fotografia original, de propriedade da família de Ana Vilma Cambruzzi, de
Siderópolis, aluna do Ensino Médio, 1.º ano, turma 01 do ano de 2005.
Ilustração 3 – p. 49. Santo Alexandre de Bérgamo. Internet. Acessado em
23/11/2005. 23:27h. www.catholic-forum.com/saints
Ilustração 4 – p. 52. Coroação de Nossa Senhora das Graças. Foto de Ary
Medeiros. Arquivo da autora.
Ilustração 5 – p. 59. Interior da igreja velha. Autor desconhecido. Arquivo da
autora.
Ilustração 6 – p. 60. Padre Pedro Pellanda. Autor desconhecido. Arquivo da autora.
Ilustração 7 – p. 64. Procissão 1. Foto de Ary Medeiros. Arquivo da autora.
Ilustração 8 – p. 64. Procissão 2. Autor desconhecido. Arquivo de Dionysia Abati
Cesconetto.
95
Ilustração 9 – p. 64. Santas missões de 1955. Autor desconhecido. Arquivo da
autora.
Ilustração 10 – p. 66. Festa na Praça de Treviso. Autor desconhecido. Arquivo da
autora.
Ilustração 11 – p. 66. Prédio de Pedro Doneda. Autor desconhecido. Arquivo da
autora.
Ilustração 12 – p. 66. Crianças. Foto de Ary Medeiros. Arquivo da autora
Ilustração 13 – p. 71. Ponte Nicolau Pederneiras 1. Foto de Ary Medeiros. Arquivo
da autora.
Ilustração 14 – p. 71. Ponte Nicolau Pederneiras 2. Foto de Ary Medeiros. Arquivo
da autora.
Ilustração 15 – p. 73. Moças. Foto de Ary Medeiros. Arquivo da autora.
Ilustração 16 – p. 73. Rapazes. Autor desconhecido. Arquivo da autora.
Ilustração 17 – p. 78. Namoro. Autor desconhecido. Arquivo da autora.
Ilustração 18 – p. 83. Casamentos 1. Photo Comim. Siderópolis. Arquivo de Norma
Dal Bó Perucchi.
96
Ilustração 19 – p. 83. Casamentos 2. Santos Felipi. Urussanga. Arquivo da autora.
97
REFERÊNCIA MANUSCRITA
ABATTI, José Foresti. Manuscrito da fundação de Treviso. 1963.
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103
APÊNDICE
104
ROTEIRO PARA ENTREVISTA:
Todas as entrevistas constaram de uma fase inicial, com conversa informal sobre os temas abordados e conseqüente gravação das falas.
TEMAS
• Festa profana
• Festa sagrada
• Alimentação
• Bailes
• Namoros
• Casamentos
• Cotidiano
105
ANEXO