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Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Pedro de Almeida Pires Camargos (N°. 8591641) Vera Duarte Lorza (N°. 8592. Turma 24 - Noturno Título do Trabalho

Trabalho TGP - Final 1

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Trabalho de Teoria Geral do Processo

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Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo

Pedro de Almeida Pires Camargos (N. 8591641)Vera Duarte Lorza (N. 8592.Turma 24 - Noturno

Ttulo do Trabalho

So Paulo2014

Sumrio1. Introduo e Evoluo Histrica do Direito Processual......................................... 32. A Teoria da Instrumentalidade do Processo............................................................ 53. Crticas Teoria Instrumentalista........................................................................... 164. Concluso.................................................................................................................... 21Referncias Bibliogrficas........................................................................................... 23

1. IntroduoO direito processual, na atualidade, objeto de diversas teorizaes. Um dos principais pontos discutidos pela doutrina e pelos aplicadores do direito referente ao escopo, ou melhor, aos escopos de todo o sistema processual. Desde 1970, o estudo da disciplina do processo entrou em sua fase instrumentalista. Essa fase responsvel por retomar a noo crtica do direito processual, ao olhar para como o processo afeta diretamente a vida dos envolvidos. O principal expoente dessa ideia no Brasil foi o professor aposentado da Universidade de So Paulo, Cndido Rangel Dinamarco. O renomado autor, em sua obra A instrumentalidade do processo, expe a teoria, que traz, em linhas gerais, que o processo e jurisdio teriam trs escopos: um jurdico, um poltico e um social; sendo que a finalidade magna do sistema seria realizar a pacificao social, com justia, por meio da resoluo de conflitos[footnoteRef:1]. [1: A Instrumentalidade do Processo, p.177-207]

O presente trabalho, portanto, busca aprofundar o estudo sobre a teoria da instrumentalidade apresentada por Dinamarco, e, consequentemente, sobre o estudo dos escopos do processo na sociedade atual.Para tanto, necessrio fazer uma primeira introduo evoluo histrica do estudo direito processual e apresentar as fases que precederam a chamada fase instrumentalista. Por uma boa parte de sua histria, o direito processual no foi considerado uma cincia autnoma, mas era apenas um apndice do direito material. Esse carter adjetivo do processo tem sua origem no Direito Romano, como pode ser percebido pela definio das diversas actios a serem usadas para caso determinado. Essas aes eram, como enunciado por Cintra-Grinover-Dinamarco[footnoteRef:2] o prprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria fora para obter em juizo a reparao. Concebido, portanto, como um acessrio, as teorias sobre o processo e o direito processual eram restritas praxe jurdica, ou seja, relatavam quais seriam os procedimentos para a realizao das anlises judiciais dos litgios. [2: Teoria Geral do Processo, p. 48-49]

Os paradigmas dessa fase de sincretismo, como denominada pela doutrina, comearam a ser alterados apenas em meados do sculo XIX. Entre 1850 e 1870, quando obras de autores como Windschield, Thomas Murther e Von Bullon trouxeram a ideia de que o processo gerava uma nova relao jurdica, o que acarretava na necessidade do estudo do direito processual como disciplina autnoma. Essa nova fase, denominada de autonomista, foi responsvel pela produo de grande parte do conhecimento da cincia processual, em teorias que buscavam, cada vez mais, consolidar essa autonomia.No entanto, durante o referido perodo a postura crtica foi deixada de lado. Para a maioria dos autores, o processo, mesmo que autnomo, era um instrumento tcnico utilizado para a aplicao e realizao do direito material. Jos Joaquim Calmon de Passos[footnoteRef:3] cita como, por exemplo, o renomado terico Chiovenda[footnoteRef:4] defendia por todos os meios a autonomia do processo, mas dava como funo a ele a realizao da vontade da lei material. Para Zanzucchi[footnoteRef:5], outro importante doutrinador da poca, o processo teria como meta restituir o direito material objetivo. Carnelutti[footnoteRef:6], mais um notvel pensador do direito processual da fase autonomista, tambm alude ideia de realizar a vontade da lei. [3: Em palestras dadas no Seminrio Lopes da Costa, compiladas m texto sob o ttulo Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal, artigo publicado em Revista Dilogo Jurdico,n. 1, ano 1, 2001.] [4: Instituzioni di diritto processuale civile, I. p. 32] [5: Il nuovo diritto processuale civil, I. p. 11] [6: Diritto e processo. p. 66-67]

Essa breve apresentao de teorizaes deixa claro como, na fase que precedeu a atual fase instrumentalista, a finalidade do processo era vista apenas como a aplicao das leis do direito material. Em outras palavras, os estudiosos do processo conformavam-se com o sincretismo privatista, em que sistema processual aparece como meio de exerccio dos direitos e institucionalmente destinado sua satisfao. O escopo do processo era a tutela dos direitos, sendo ele um s, o jurdico, que se transformou em um escopo de aplicao.O mal maior de todos que o direito era visto de forma introspectiva, fazendo com que todas as posies fossem inteiramente desligadas de qualquer conotao instrumental. Para Dinamarco:Elas se prestam mais integral neutralidade ideolgica do direito processual e desconsideram por completo a insero do juiz na sociedade. Em nada so aptas a contribuir para o aperfeioamento do sistema, correo de rumos, opo por solues desejveis. Se a afirmao do escopo de atuar o direito recebeu a acusao de servir indiferentemente a qualquer regime poltico, essa que ainda mais vazia presta-se ainda mais a qualquer abuso poltico, sem foras para manter o imprescindvel espirito democrtico do processo.[footnoteRef:7] [7: DINAMARCO, op. cit. p.212]

Ou seja, tratar a jurisdio por meio de um nico escopo, que no tenha interligaes com o social e o politico traz uma indiferena poltico-social muito grande, que acarreta a no proteo contra abusos polticos do processo civil, servindo como instrumentos para regimes autoritrios. Seria uma concepo puramente formal do direito. Alm disso, considerar somente o escopo jurdico da jurisdio leva a uma tendncia individualista muito grande, que incompatvel com a nossa poca, em que os indivduos compartilham problemas, como o consumismo, os gravssimos problemas habitacionais e as deficincias de abastecimento. Em vista de tal compartilhamento, novamente nas palavras de Dinamarco: Tornam inadequadas as solues individualistas contidas na lei, (e) preciso ento dar formula atuao da vontade concreta a desejvel interpretao dinmica; o concreto deixa de identificar-se com o individual. [...] (Portanto), ao trato atmico das relaes jurdicas os novos estilos de vida e sociedade exigem que se suceda o seu tratamento molecular[footnoteRef:8]. [8: DINAMARCO, op. cit. p.256]

Portanto, a concentrao das atenes sobre o escopo jurdico do sistema, que deixa de lado outras preocupaes, como as sociais e polticas, so responsveis pelo imobilismo do sistema, pois as sentenas de mrito atingem somente as partes do processo, impossibilitando a mobilizao de uma ao que possa solucionar insatisfaes de diversas pessoas, como a ao civil pblica.

2. A Teoria da Instrumentalidade do ProcessoA teoria da instrumentalidade do processo vem como crtica a essa teoria autonomista e busca solues para tais problemas apontados, sendo inovadora, principalmente, quando define mais de um escopo para o processo, e com isso mostra que a definio de um nico escopo insuficiente. A unicidade de escopo insuficiente pois a jurisdio tem inegveis implicaes com a vida social, tanto que o reconhecimento de sua utilidade pelos membros da sociedade que a legitima no contexto das instituies polticas da nao. Alm disso, sendo ela uma expresso do poder estatal, tem implicaes com a estrutura poltica do Estado. A teoria autonomista que investiga os resultados que o exerccio da jurisdio produz sobre o sistema do direito, mas deixa pra traz o que realmente tem relevncia, que a funo do prprio direito perante a sociedade; isso se d pois ela defende que no fazer cumprir a lei exauria-se a necessidade de promover justia mediante o exerccio da jurisdio, o que dissociava o processo do pensamento social, tendo suas solues, portanto, curto alcance. Afirma esta nova teoria, ento, que preciso encarar, alm do objetivo puramente jurdico da jurisdio, as tarefas que lhe cabem perante a sociedade e o Estado. Ela quer que o processo se oferea a populao e se realize e se enderece a resultados jurdico-substanciais, sempre na medida e pelos modos e mediante as escolhas que melhor convenham realizao dos objetivos eleitos pela sociedade poltica[footnoteRef:9]. Sendo assim, o processualista contemporneo tem a responsabilidade de conscientizar esses trs planos, recusando-se a permanecer em um s, sob pena de esterilidade nas suas construes, timidez ou endereamento destoante das diretrizes do prprio Estado Social[footnoteRef:10]. [9: DINAMARCO, op. cit. p.186] [10: DINAMARCO, op. cit.. 182]

Falar da teoria instrumentalista, portanto, exige que sejam esclarecidos os fins a serem atingidos atravs do uso do meio, que seria o processo. Para isso, definem-se trs escopos: o escopo social, que seria o primordial, o escopo poltico e o escopo jurdico, que, ao contrrio da teoria anterior tem menor relevncia e est subordinado aos outros dois. O primeiro desses escopos o escopo social. Ele se manifesta na legislao, na funo jurisdicional e na educao, pois todas visam a pacificao social a partir da eliminao de conflitos mediante a critrios justos. por meio da legislao que o Estado define condutas como favorveis ou desfavorveis vida em grupo (licitude ou ilicitudes) atribuindo recompensam ou sanes, alm de estabelecer critrios para o acesso aos bens ou situaes; assim que ele evita condutas desagregadoras e estimula as agregadoras criando um clima favorvel paz entre os homens. Porm, esta primeira depende da deciso em situaes concretas, para que cada caso em si seja pacificado, o que feito por meio da funo jurisdicional. Com isso o Estado busca que as partes, mesmo que descontentes, aceitem sua deciso; elas o fazem pois tiveram a oportunidade de participar na preparao da deciso e ento sabem que no h nenhuma soluo melhor e que no convm a destruio dos mecanismos estatais pois elas precisam de sua proteo. A educao contribui nesse escopo pois conscientiza os cidados dos seus direitos e obrigaes o que faz com que eles tendam a ser sempre mais zelosos dos prprios direitos e mais responsveis pela observncia dos alheios. Com isso, ela chama a populao a trazer suas insatisfaes para serem resolvidas em juizo.O segundo escopo definido o escopo poltico, que tem trs aspectos. Primeiro, afirmar a capacidade estatal de decidir imperativamente (poder), sem a qual o Estado no se sustentaria e no teria como cumprir os fins que o legitimam. O processo, nesse primeiro aspecto, tem como resulta o exerccio da jurisdio na soma de todos os casos trazidos para exame, fazendo com que o Estado, atravs de suas decises e da imunizao de tais, afirme seu prprio poder. O segundo aspecto visa afirmar a liberdade, ou seja, limitar o poder do Estado perante os indivduos, garantindo a preservao do principio liberal nas relaes entre tais entes. Finalmente, o ltimo aspecto visa assegurar a participao dos cidados no destino da sociedade politica, no s por meio do voto, mas por meio de qualquer forma de influencia sobre os centros de poder; ele se manifesta, principalmente, nos processo da ao popular e nos relativos ao meio ambiente. O terceiro escopo o jurdico, que seria o escopo de atuao da vontade concreta da lei. Tal escopo, assim visto, vem da viso dualista do ordenamento jurdico, que afirma que o direito material quem estabelece as que regras que disciplinam e do soluo aos casos concretos enquanto o direito processual promove sua atuao. A ele se liga a exigncia do bem conhecer, para que o juiz possa revelar vontade concreta da lei em cada caso concreto. Porm, a verdade que o juiz busca no processo no a simples verdade histrica; ele tambm busca uma verdade axiolgica, ou seja, o valor que a sociedade d aos fatos que se encontram em tal processo. A partir da interpretao, das provas, das posies da doutrina, etc., o juiz est se instruindo para depois poder fazer sua sntese, e assim o dispositivo da sentena, que espera-se que contenha a verdade quanto vontade da lei. Esse momento de deciso um momento valorativo, que tem limite na lei, mas no cabe ao legislador impor os seus prprios critrios de justia pois sempre que o texto permitir mais de uma interpretao razovel o juiz que deve optar por qual delas melhor satisfaa ao sentimento social de justia que lhe particular. Essa busca pela verdade, tanto histrica quanto axiolgica, muito importante, porm, como a pacificao social o verdadeiro objetivo, o conhecimento finito, e o juiz obrigado a decidir que, muitas vezes, no correspondem a verdade. Isso porque o processo no pode demorar muito, e com isso perdurar as angstias que o conflito traz. Em vista disso o juiz busca sempre o maior grau possvel de probabilidade de acertamento dos fatos conforme o que realmente ocorreu[footnoteRef:11]. Teramos aqui a evidncia do conflito entre justia e celeridade; dela podemos extrair que o mais importante seria dotar o processo de meios para que ele chegue o mais rpido possvel a seu objetivo ltimo, que seria a pacificao social, sem prejuizo da qualidade da deciso. [11: SICA, Heitor Vitor Mendona. Perspectivas atuais da teoria geral do processo, pg. 7. ]

Alm da definio dos escopos a teoria instrumentalista tambm inovadora pois estabelece que a noo de instrumentalidade do processo (entendida como expresso resumida para instrumentalidade do sistema processual) deve ser considerada em seu duplo sentido: um endereamento negativo, que limita a funo do sistema processual; e um endereamento positivo, que dirige-se para a noo de efetividade do processo. Essas duas dimenses de significado sem completam e mostram-se essenciais para a compreenso da teoria instrumentalista como um todo.O aspecto negativo da instrumentalidade do processo conceituado por Dinamarco como a tomada de conscincia de que ele [o processo] no um fim em si mesmo e portanto as suas regras no tem valor absoluto que seobrepuje as do direito substancial e as exigncias sociais de pacificao de conflitos e conflitantes. Assim, essa noo aparece como uma reao doutrina processualista da segunda metade do sculo XX, que buscou uma exagerada separao entre direito processual e direito material. Desse modo, essa significao dada instrumentalidade busca corrigir exageros, mas sem renunciar autonomia do processo, pois, para Dinamarco, a autonomia no deve implicar o isolamento da cincia do processo, muito menos o culto do sistema processual como se fosse um valor em si.O exagero no culto autonomia do processo favorece o formalismo, gera a falsa impresso que os sucessos do processo cria direitos para as partes, e assim, tiram toda a ateno do valor do processo em face ao direito material existente e tambm dos escopos processuais. A ideia, portanto, no acabar com a autonomia, ou desprocessualizar a ordem jurdica, mas sim deixar claro que o processo deve limitar-se sua funo de instrumento, como Dinamarco coloca instrumento cheio de dignidade e autonomia cientfica, mas nada mais do que um instrumento.O aspecto positivo da instrumentalidade do processo, por sua vez, est relacionada com a busca pela efetividade do processo. Para compreender melhor esse endereamento, portanto, a definio do conceito de efetividade do processo mostra-se necessrio. Para tanto, podemos recorrer mais uma vez aos ensinamentos do autor de A instrumentalidade do processo:

A efetividade do processo, entendida como se prope, significa a sua almejada aptido a eliminar insatisfaes, com justia e fazendo cumprir o direito, alm de valer como meio de educao geral para o exerccio e respeito aos direitos e canal de participao dos indivduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade.[footnoteRef:12] [12: DINAMARCO, op. cit. p.320]

Essa noo positiva de instrumentalidade e da consequente busca pela efetividade do processo tem razes em pensadores como Chiovenda[footnoteRef:13], nas proposies de que o processo deveria garantir tudo aquilo e somente aquilo que algum tinha direito. Essa viso, vale ressaltar, como ja apresentado, tratava apenas do escopo jurdico e no abrange a viso teleolgica que hoje se tem do sistema processual. No entanto, a afirmao pode ser inserida no novo contexto de modo a abraanger os outros escopos. [13: Dellazione nascente dal contratto preliminare, n. 3, esp. p.110]

Esse aspecto revela a necessidade de adequar o processo em vistas ao alcance dos objetivos ressaltados no conceito de efetividade do processo. Essa adequao, como aponta Dinamarco, no depende apenas de prticas legislativas, mas sim de uma mudana da mentalidade de juizes e doutrinadores processualidas. A mudana na mentalidade para o alcance da efetividade do processo tambem defendida por Jos Carlos Barbosa Moreira, em Por um processo socialmente efetivo[footnoteRef:14]. De acordo com suas proposies, o atual estado de inefetividade social do processo no se d por falta de instrumentos legais, uma vez que os legisladores brasileiros j produziram diversos mecanismos voltados a esse fim. A maneira pelo qual o rgo judicial conduz o processo , portanto, o principal meio para alcanar o almejado objetivo, e a mudana de postura mostra-se acentuadamente necessria. [14: Artigo publicado em Revista de Processo, vol. 105, p. 181, Jan-2002]

Para resolver essa problemtica da efetividade, Dinamarco prope quatro aspectos fundamentais de desdobramento da significao positiva de instrumentalidade do processo. Esses aspectos so os principais a serem enxergados na mudana de mentalidade e de atuao dos juizes proposta por Barbosa Moreira.O primeiro aspecto a ser considerado a admisso em juizo, questo ligada universalidade da tutela jurisdicional, que coloca-se como centro dos mais modernos movimentos da doutrina de direito processual. As limitaes ao acesso Justia (ao Poder Judicirio) impede o alcance de qualquer escopo do processo. Os entraves nesse acesso so os mais diversos e se situam em vrios campos, como no socioeconmico, no cultural, no psicossocial e no prprio campo jurdico.O mais notvel entrave aquele ligado s condies socioeconmicas, dado o alto custo das diferentes etapas de um processo (custos com advogados, peritos, despesas auxiliares, entre outros), possvel perceber que muitos brasileiros ficam economicamente impossibilitados de acessar a Justia, e se conseguem, ficam em clara posio de inferioridade por no dispor, por exemplo, de recursos para arcar com despesas referentes a provas. Ao mesmo tempo, as garantias constitucionais de gratuidade e de diversos patrocnios raramente so efetivadas. Como j citado, esse no o nico entrave ao acesso universal Justia no Brasil. A desinformao de muitos cidados referente a seus direitos, ou a descrena de muitos no Poder Judicirio faz, tambm, com que muitos deixem de resolver seus conflitos por meio da jurisdio estatal. Soma-se a esses e outros fatores que afastam a populao da Justia uma crena enraizada nos sistemas jurdicos romano-germnicos de que cabe a cada um defender seus interesses, de modo extremamente individualista, ou seja, que no cabe tratamentos coletivos, ou outra pessoa (ou instituio) defender os direitos de outro. Essa noo, em tempos atuais, comea a perder fora, mas continua sendo majoritria no Brasil.Esse afastamento das pessoas ao acesso Justia, como citado anteriormente, impede a realizao de todos os escopos do processo. Em primero lugar, o escopo social no tem como ser alcanado, pois as pessoas deixam de resolver seus conflitos e litgios, o que pode gerar uma desestabilizao social e a sensao de insegurana entre as pessoas. O escopo poltico tambm no consegue ser realizado, pois o Estado no consegue reforar sua soberania, e mais ainda, as insatisfaes com o Poder Judicirio levam a um desgaste dessa instituio e do prprio ordenamento jurdico. O escopo jurdico, por bvio, no consegue ser aplicado, pois se o caso no levado ao judicirio, no h como resolver a situao pela aplicao do direito material. importante ressaltar que solues como os Meios alternativos para a soluo de conflitos (arbitragem, conciliao e mediao) so maneiras de tentar alcanar pelo menos o escopo social da pacificao das relaes, em casos levados justia ou no.Ao evidenciar como a no universalidade do acesso Justia impede a realizao de qualquer escopo da jurisdio e do processo, fica claro que a primeira questo fundamental tratada, a admisso em juizo, est totalmente ligada com os trs escopos: social, poltico e jurdico.A segunda questo fundamental o modo-de-ser do processo. Essa questo trabalha essencialmente como deve ser o devido processo, quais so os princpios fundamentais e as garantias constitucionais do processo, e qual a funo do juiz em toda a atividade processual e, principalmente, como a forma do processo est relacionada com a sua efetividade.Esse ponto, envolve, ainda, outros quatro temas de interesse vital para ser compreendido. So eles: contraditrio, a inquisitividade, a prova e o procedimento.O chamado princpio do contraditrio , em linhas gerais, a garantia de participao. Essa garantia pressuposto no apenas para o processo judicial, mas tambm para todo o regime democrtico. O contraditrio, pela doutrina clssica envolve uma srie de regras que precisam ser sempre observadas para dar s partes todas as garantias necessrias. No entanto, a doutrina moderna tende, cada vez mais a definir esse princpio como no s a ampla participao, mas tambm o direito das partes de dilogo com o juiz; nessas teorias, o conceito de dilogo aparece com muita fora para a definio do contraditrio.O direito a prova , na verdade, uma faculdade de quem busca defender um determinado ponto (ou seja, ningum obrigado a provar nada). Esse direito essencial para a efetivao da ao ou da defesa.O princpio inquisitivo estabelece a exigncia de participao ativa do juiz. A partir desse ponto possvel abordar a discusso sobre o papel do juiz no processo jurisdicional. As doutrinas mais modernas tendem a impor a ele uma funo extremamente atuante; seguindo as proposies do contraditrio como dilogo, alguns veem essa atuao como o modo de promover o dilogo entre as partes. Uma clara definio para o papel do juiz encontrada na obra analisada de Dinamarco, para quem ele uma parte que na relao se insere em prol da efetividade do processo como instrumento do direito substancial e, por essa via, da justia. de extrema importncia deixar claro que essa participao ativa do juiz objeto de algumas restries, pois sua posio deve ser sempre imparcial. Por exemplo, so rarssimos os casos nos quais o responsvel por julgar pode realizar a jurisdio ex officio.O procedimento, por fim, tem a finalidade de garantir a coeso de todo o sistema. O prprio procedimento deve ser observado como um instrumento servio dos demais valores processuais. Na regra geral, o procedimento sempre aquele estabelecido por lei e funo de todos adequarem-se a ele. No entanto, a doutrina e as legislaes mais modernas seguem a ideia de buscar uma maior adequao dos procedimentos para determinadas causas, de modo a assegurar a efetividade do processo. Um importante exemplo como a legislao brasileira trata os mandados de segurana, o procedimento diferenciado e adequado traz um meio mais rpido e efetivo do cidado garantir seu direito frente um rgo estatal.Portanto, o modo-de-ser do processo est ligado aos escopos do processo e da jurisidio. A busca por celeridade e a participao do juiz para a efetividade do processo, pela justia so meios claros de atingir os escopos social e poltico. Alm disso, a devida participao das partes e, novamente, a participao do juiz so meios de garantir a vontade do direito substancial, ou seja, de realizar o escopo jurdico do processo.A terceira questo fundamental de desdobramento da significao positiva de instrumentalidade do processo a justia nas decises. Esse aspecto coloca um forte peso no juiz, que deve ser o responsvel por analisar os valores sociais e as mutaes que ocorrem na sociedade, de modo a conseguirem aplicar o direito ao seu tempo, com a efetivao da justia. importante ressaltar que essa valorao da justia no pode abrir espao para a ideia de entregar o poder de legislar ao juiz; ele deve sempre manter-se sujeito lei. Utilizar a lei com a valorao da realidade social da atualidade algo muito diferente de tomar decises arbitrrias com base em ideologias, crenas, preconceitos etc. O duplo grau de jurisdio um meio claro de evitar essa discricionariedade. Alm disso, o ideal de justia do juiz deve permanecer pela maneira como ele analisa e interpreta os fatos provados. Para tanto, teve ser imparcial e independente, caractersticas manifestadas em sua liberdade de convenciamento.O valor do justo no direito processual deixa evidente como o aspecto agora analisado um meio de realizao preponderantemente do escopo social da pacificao das relaes na sociedade, com justia.Finalmente, o quatro aspecto a efetividade das decises. Discorrer sobre a admisso ao juizo, sobre o modo-de-ser do processo e sobre a deciso com justia no faz sentido algum caso a deciso proferida, seguindo todos os aspectos citados, no tiver efetividade. Ou seja, a efetividade das decises de um processo que seguiu todos os aspectos apresentados garantida pela efetividade da deciso.Por efetividade da deciso pode-se aceitar a definio de que delas possam advir resultados prticos capazes de alterar substancialmente a situao das pessoas envolvidas[footnoteRef:15], novamente, nas palavras de Dinamarco. Ainda, vale lembrar que a efetividade da deciso precisa ser garantida para todas as sentenas, seja ela condenatria, constitutiva ou substitutiva. [15: DINAMARCO, op. cit. p 352]

Pode-se perceber, portanto, que o porposto pela viso positiva da instrumentalidade do processo um novo mtodo de pensamento para se aplicar no processo jurisdicional, visando, exatamente a efetividade social do processo, a posio de Barbosa Moreira em seu j citado artigo, como visto, aponta para uma direo extremamente parecida. Desse modo, falar em instrumentalidade do processo falar em ter como objetivo sua efetividade, e a doutrina moderna condensa isso com o nome de garantir o acesso justia, pois a definio do processo como meio de apaziguar as relaes socias pela resoluo de conflitos de maneira justa.Definidos os escopos do processos e afirmado seu carter instrumental, precisa-se mostrar os desdobramentos prticos que dele decorrem, para que se possa, a partir do princpio da instrumentalidade do processo, estabelecer um novo mtodo de pensamento do processualista e do profissional do foro. Sendo assim, aps a teoria da instrumentalista do processo, este instrumento passa a ser empregado a servios dos trs escopos predominantes, porm com ligaes muito mais claras e estreitas com o escopo jurdico fazendo com que ficasse a impresso de que o processo era um instrumento somente tcnico. Essa supervalorizao do procedimento no compatvel com as descobertas da cincia processual das ltimas dcadas, e por isso comeou-se uma revisitao aos institutos processuais tradicionais, buscando-se novas solues para antigos problemas. Segundo Dinamarco: As ondas renovatrias caracterizadoras das novas tendncias do direito processual s se mostram concretas e teis na medida em que os ideias de ampliao da tutela jurisdicional se traduzam em tcnicas capazes de melhorar os resultados apresentados aos consumidores do servio, que so os membros da populao[footnoteRef:16]. [16: DINAMARCO, op. cit. p 267]

Com essa renovao busca-se a abertura das vias de acesso justia e a simplificao do processo, para que assim ele seja mais compatvel com a realidade social e possa conduzir para uma maior pacificao social. Para isso, todos os escopos influenciaram na evoluo e criao de institutos. No que diz respeito ao escopo social temos influencia principalmente em dois institutos: o nus e a autoridade da coisa julgada. Primeiramente deve-se ressaltar a importncia da imparcialidade do juiz, que como pacificador no deve ser mero espectador, mas no deve perder de vista tal caracterstica e a da legitimao individual, no que diz respeito a regra da iniciativa da parte, pois acredita-se que o melhor juiz da convenincia de buscar satisfao de seus prprios interesses o prprio titular deste, o que demonstra a grande importncia da educao. Temos ento, uma dicotomia: de um lado, quer-se um juiz participante e de outro, como se trata de direitos e interesses disponveis, confia-se a efetividade de sua defesa judicial operosidade dos litigantes. Por isso a importncia do nus to grande, fazendo com que a indiferena das partes possa levar a paralisao do processo ou sua extino sem julgamento de mrito. Esse efeito de revelia demonstra muito o escopo social, pois a atuao da lei passa para um plano secundrio e visa-se a pacificao, tratando o litigio segundo o grau de conflituosidade revela pelo comportamento dos sujeitos[footnoteRef:17]. A autoridade da coisa julgada tambm se liga e muito relevante no escopo social do processo, pois atravs da definitividade da deciso se aplacam as incertezas e se eliminam os estados de insatisfao. [17: DINAMARCO, op. cit. p. 197]

J ao que diz respeito ao escopo poltico, vemos que ele influenciou na estruturao da jurisdio constitucional das liberdades, que seria um complexo de meios preordenados ao exerccio da jurisdio em casos concretos, com vista a efetivar as garantias de liberdade ofertadas no plano constitucional. Nela so definidas os remdios processuais constitucionais de habeas corpus e de mandato de segurana, que vem tendo sua abrangncia expandida, o que mostra que a conscincia poltico-jurdica brasileira est evoluindo no sentido de aumento de liberdades publicas, valendo-se do processo como meio informal de mudana no contedo da Constituio. Alm disso temos tambm a instituio da ao popular e da tutela jurisdicional ao meio ambiente, instrumentos processuais estes antes mal concretizados. Outro avano foi feito no que diz respeito a publicizao do sistema processual: a ao passou a ser vista como poder e no mais como direito subjetivo, fazendo com que, mesmo a jurisdio sendo exercida de de-ofcio, ela no signifique a preponderncia do interesse individual sore o poltico do Estado. Essa publicizao tambm levou a mitigao do princpio dispositivo, o que acarreta uma maior participao do juiz, alm de conduzir a regra do impulso oficial, ou seja, consolidou que de interesse do prprio Estado o exerccio da jurisdio. Tambm temos influencia desse escopo no que diz respeito a teoria do interesse de agir, que define que no se carece de ao por falta de legitimo interesse processual quando o custo social e individual das atividades que o preparam no traz a perspectiva de retorno que, do ponto-de-vista da utilidade pblica seja compensador[footnoteRef:18], ou seja, mesmo havendo benefcios para o demandante, deve-se levar em conta a utilidade pblica de tal ao. [18: DINAMARCO, op. cit. p 207]

O ultimo escopo, que o jurdico, por ter um carter mais tcnico o que mais influencia e se projeta sobre a tcnica processual. Isso se d pois o sistema processual visa preservao dos preceitos concretos do direito objetivo e como ele est positivado, o legislador do processo e seus aplicadores tm maior facilidade em distinguir quais caminhos que levaro a resultados juridicamente mais corretos. por isso que legislador e juiz tem muito mais conscincia desse ltimo escopo do processo, tendo como consequncia disso um grande apurar tcnico que tem o direito processual. Sendo assim, dois institutos fundamentais, que pertencem ordem processual, mas que no so exclusivas ao escopo jurdico foram sempre explicados perante a tcnica processual: a jurisdio e a ao. Como afirma Dinamarco: So praticamente de hoje as preocupaes sobre a ao como garantia que constitui projeo do Estado de Direito e no mero instrumento tcnico (imanente, concreto ou abstrato) para a ativao do processo. [...] Sobre a jurisdio, tambm preponderam os exames do ponto-de-vista tcnico, seja para demonstrar a sua inrcia, seja para distingui-la das demais funes ou poderes do Estado, seja para afirmar que o seu exerccio est dividido entre os rgaos jurisdicionais do pas[footnoteRef:19]. [19: DINAMARCO, op. cit. p 259]

Sendo assim, a teoria da Instrumentalidade do Processo teve grande influncia at nos institutos que eram vistos como s jurdicos, tornando-os mais compatveis com o objetivo primordial da jurisdio que a pacificao social. 3. Crticas Atuais Teoria InstrumentalistaApesar de todos os avanos que ela traz, a noo de instrumentalidade do processo, no entanto, no unanimidade na doutrina processual brasileira. Uma srie de autores buscam apontar falhas na teoria, ou sugerem outras formas de analisar o processo e suas funes.Um notvel crtico teoria instrumentalista Jose Igncio Botelho de Mesquita, Professor Emrito da Faculdade de Direito da USP. Em linhas gerais, o autorno aceita a separao entre direito processual e direito material e, desse modo, enxerga que a nica funo do processo seria garantir a aplicao das normas do direito material; o processo teria, apenas, o escopo jurdico, dentre os trs apresentados por Dinamarco. Na compilao Teses, estudos e pareceres de processo civil, volume 1[footnoteRef:20], Botelho de Mesquita estrutura uma crtica s teorias da doutrina estrangeira sobre o direito de ao. Para isso, apresenta as vises de Liebman e de Rosenberg-Schwarz, que apesar de algumas diferenas, convergem na viso de que a ao no se vincula com a relao de direito material, mas sim um outro direito, instrumental, utilizado como meio para deduzir em juizo a afirmao de um direito que quer se ver tutelado. Essas vises, portanto, trabalham para afastar o direito processual do direito material, exaltando a autonomia do primeiro. [20: p. 55-69; 91-95]

Para o professor brasileiro, essas teorias falham exatamente ao levar ao extremo a autonomia do processo e da ao, o que acaba por aniquilar o direito material. Alm disso, Botelho de Mesquita define como defeito capital nas teorias citadas a identificao dos conceitos de jurisdio e juizo, pois o juizo, na verdade, seria um meio pelo qual se atingiria o fim que a funo jurisdicional. Juizo, na viso do autor do texto, o objeto de um direito do Estado, posto a servio de um interesse do prprio Estado e no pode ser confundido com o fim maior, que seria a funo jurisdicional, que diz respeito aos interesses das partes, pela aplicao do Direito Material.A partir dessa apresentao, possvel perceber como Botelho de Mesquita no aceita a teoria instrumentalista, que trabalha com a autonomia do processo e com escopos que vo alm da aplicao do direito material.Jos Lebre de Freitas[footnoteRef:21], professor portugus especialista em processo civil, tambm tem uma tendncia a rejeitar os escopos sociais e polticos. O autor utiliza o termo instrumentalidade do processo, mas bem claro quando adota a posio de que a finalidade mxima do processo a tutela do direito, ou de outra situao jurdica subjetiva. Lebre de Freitas aceita a existncia de uma funo autnoma do processo, que seria a composio de litgios, que percebida, para o autor, apenas no julgamento arbitral por equidade. Portanto, ao expor sua tese, o professor deixa claro como v o escopo jurdico como finalidade magna, e no d a devida relevncia para a pacificao social. [21: Introduo do processo civil: conceitos e princpios p. 39]

Jos Joaquim Calmon de Passos, Professor aposentado da Universidade Federal da Bahia, por sua vez, tece uma crtica muito mais direta e pesada teoria instrumentalista do processo. Em uma srie de conferncias realizadas no Seminrio Lopes da Costa[footnoteRef:22], o professor tenta desconstruir por diversos mbitos a teoria da instrumentalidade do processo, que para ele um modismo que camufla uma perversidade ideolgica a ser combatida ou um equvoco a ser corrigido. [22: CALMON DE PASSOS, op. cit.]

Em um primeiro momento, Calmon de Passos procura mostrar como a noo de instrumentalidade do processo no compatvel com os saberes sobre sociedade, poltica e direito da sociedade contempornea. Para o autor, a teoria citada ignora as mudanas vividas pela sociedade na segunda metade do sculo XX (como a crise da razo instrumental, a revalorizao do poltico, a derrocada do socialismo real, a crise do Estado de Bem Estar Social e as revolues tcnico-cientficas) que definiram novos paradigmas para pensar entre outros aspectos, a funo do Estado e do Direito.Esse novo paradigma deveria abrir espao para a desconsiderao de algumas certezas do passado. Para isso, cita o pensamento de Perez Luo, com a defesa de que o antiformalismo, a suplantao do direito legal, o direito alternativo e os juizes legisladores eram ideias surgidas aps a segunda guerra e relevantes poca, mas o curso da histria mostro que essas traziam grande perda quanto a questo da segurana jurdica e de que essas ideias eram um discurso no democrtico. Ainda para provar a incompatibilidade da instrumentalidade do processo com os saberes atuais, Calmon de Passos expe que com o advento da razo e da noo do direito como algo produzido pelos homens, no seria possvel falar em processo como instrumento, muito menos como algo separado do direito material, pois ambos estariam submetidos s leis da razo. Alm disso, o autor mostra como a ideia de instrumentalidade no tem base terica nos autores que buscavam ressaltar a autonomia da cincia do direito processual. Com o intuito de atingir tal fim, apresenta como diversos autores pioneiros na doutrina moderna do processo, tanto nacional, quanto internacional, no versaram sobre a instrumentalidade. Chiovenda, como j citado, por exemplo, trazia como finalidade do processo realizar a vontade da lei.Calmon de Passos, no entanto, busca criticar tambm a noo de autonomia do processo. Para tanto, remete ao pensamento de Andra Proto Pisani, que sustenta que o nico escopo do processo assegurar o prometido pelo direito material, e portanto nem o procedimento indiferente (tecnicamente neutro) em face da tutela que lhe cumpre efetivar, nem a tutela vivel de ser obtida sem estrita obedincia ao procedimento adequado.O prximo mbito pelo qual o professor brasileiro busca criticar a teoria da instrumentalidade do processo o da linguistca e comunicao.Para realizar tal crtica, ele parte dos pressupostos de que o pensamento no deve ser reduzido linguagem, mas as palavras so indispensveis para a comunicao e para o prprio pensamento e de que o direito um ramo do conhecimento humano baseado na comuniao e, logo, servo da linguagem . Com isso, Calmon de Passos defende que o direito processual seria a linguagem pela qual expressa-se o direito material, e, portanto, falar em instrumentalidade seria, em suas prprias palavras um equvoco de graves consequncias, porque indutor do falso e perigoso entendimento que possvel dissociar-se o ser do direiro do dizer sobre o direito, o ser do direito do processo de sua produo, o direito material do direito processual[footnoteRef:23]. [23: CALMON DE PASSOS, op. cit. p. 12]

A crtica ainda reforada por o autor considerar o prprio termo instrumentalidade inadequado para transmitir a mensagem desejada. O termo instrumento significa, em seu sentido amplo, um meio para se alcanar um determinado fim, e, de acordo com as proposies do professor, no nvel da comunicao os instrumentos nesse sentido definido so praticamentes irrelevantes, e portanto, seria necessrio buscar uma outra significao para a palavra instrumento. A nvel da comunicao, na maioria da vezes, o termo usado para fazer referncia uma instrumentalizao do homem que significa a desumanizao, por uma transformao das relaes sociais em algo suprfluo. Desse modo, por o autor partir do pressuposto de que o direito essencialmente comunicao, falar de instrumentalidade seria aceitar essa definio, ou por imaturidade de reflexo ou por manipulao ideolgica[footnoteRef:24], em suas palavras. [24: CALMON DE PASSOS, op. cit. p.3-4]

A dura postura de Calmon de Passos em relao ao tema tratado concluda com uma anlise de que o avano das ideias instrumentalistas estavam j trazendo consequncias negativas como um privilgio dado ao autor, o hipertrofiamento das funes do juiz, e mais grave ainda, abria espao para a arbtrios e para decises sem tica e nem tcnica. Para o autor, essa ideia vinha acompanhada de outras palavras mgicas como celeridade, efetividade e desformalizao, mas nenhuma dessas ideias conseguiam efetivar-se na prtica.Essas crticas, apesar de bem fundamentadas falham na anlise realizada sobre os escopos do processo. Botelho de Mesquita e Lebre de Freitas mostram-se presos noo j abordada de considerar apenas, ou predominantemente, o escopo jurdico do processo. Como j apresentado, essa noo peca por sustentar a imobilidade do sistema e, na moderniadade no compatvel com as resolues de problemas coletivos, nem com as finalidades do Estado atual de promoo do bem comum. Portanto, todas as crticas realizadas as teorias autonomistas que observavam apenas o escopo jurdico[footnoteRef:25] podem ser refeitas a autores da atualidade que enxergam o processo dessa maneira. [25: Item 1 do presente trabalho.]

A crtica realizada por Calmon de Passos , em algumas partes, abarcada pelo descrito no pargrafo anterior. No entanto, algumas outras consideraes precisam ser realizadas. O professor da Universidade Federal da Bahia tenta mostrar uma suposta incompatibilidade da teoria instrumentalista com os saberes e a situao da atualidade, no entanto, a atual situao evidente de afastamento da populo ao judicirio e da cada vez mais clara necessidade da resoluo de conflitos coletivos mostram como o antiformalismo, por exemplo, ainda tem uma funo extremamente crucial no processo. A teoria da instrumentalidade ressalta ainda o papel do juiz como quem promove o dilogo[footnoteRef:26], o que vai te total encontro com a funo atribuida ao Estado na atualidade, de um mediador e promotor da resoluo de conflitos por meio do dilogo dentro da sociedade. [26: DINAMARCO, op. cit. p 361]

Alm disso, Calmon de Passos parece acrescentar teoria da instrumentalidade muitas caractersticas que no so enunciadas por ela. A busca por pacificao social com justia no envolve deixar o papel de legislador ao juiz, e Dinamarco taxativo ao mostrar que esse campo no o de atuao do poder judicirio e que o juiz deve, sempre, manter-se dentro do texto legal, sendo o canal de comunicao entre a carga axiolgica social da atualidade e a letra de lei.[footnoteRef:27] Assim, decises arbitrrias e baseadas em preceitos individuais do juiz no so consideradas na teoria instrumental. [27: DINAMARCO, op. cit. p 347-348]

Outro problema que aparece na exposio de Calmon de Passos a tentativa de derrubar a teoria instrumental colocando que os autores clssicos como Chiovenda e Carnelutti falavam de autonomia do processo sem falar de instrumentalidade. Essa crtica ignora o fato de que a teoria instrumentalista , exatamente, uma quebra de paradigma com esses autores da chamada fase autonomista, portanto, uma consequncia lgica nenhum deles ter falado sobre a instrumentalidade.Por fim, a crtica relativa linguagem reduz toda a teoria a seu nome, o que peca por no entrar no mrito das propostas. Mais ainda, ao considerar somente a noo proposta por Max Weber de instrumentalizao como amesquinhamento do ser humano no leva em considerao que esse conceito proposto exatamente para falar de seres humanos, e sua transposio para a processo como crtica no parece de todo adequada. Vale ressaltar, por fim, que a noo de instrumentalidade proposta pela teoria que leva esse nome faz uma referncia clara ideia de instrumento como meio para obter-se algo, o que no considerado por Calmon de Passos. Dessa forma, o processo aparece para a teoria como um meio autnomo para obteno da pacificao social, com justia.

4. ConclusoDepois de todo o tema exposto podemos afirmar que a teoria da instrumentalidade do processo traz em suas consequncias prticas o objetivo de se criar um novo mtodo processualista, que acima de tudo coloque o processo em seu devido lugar, evitando processualismos exagerados e afirmando o processo como um instrumento que possibilita atingir uma ordem jurdica justa. Para isso, abandona-se a viso somente pelo prisma interno e passa-se a considerar tambm a infiltrao dos valores tutelados nas ordens poltico-contitucional e jurdico-material. No que diz respeito a relao com a Constituio, temos uma via de mo dupla: tanto a Constituio influencia no processo, pois dita as regras e princpios que este deve seguir, quanto o processo influncia na carta Magna, atravs da jurisdio constitucional e da aplicao da normas de direito material respeitando os preceitos constitucionais. Nesse ponto podemos notar a grande importncia que teve a chamada teoria geral do processo. Ela, segundo Dinamarco, um sistema de conceitos e princpios elevados ao grau mximo de generalizao til e condensados a partir do confronto dos diversos ramos do direito processual[footnoteRef:28] e portanto, foi muito til para a consolidao dos princpios bsicos que regem o processo e para a tomada de conscincia da natureza pblica que tal tem. [28: DINAMARCO, op. cit. p 370]

A outra influncia marcante que foi considerada foi a poltica. Por isso, deve-se buscar subsdios na cincia poltica para se determinarem quais os rumos a serem impostos ao sistema processual, pois neste ramo da cincia que est o estudo do poder, que o que constitui a essncia da jurisdio. Essa cincia, tida como auxiliar, a que confronta o sistema processual com a realidade e traz alternativas para sua melhoria. A jurisicio, que mesmo no sendo fonte do direito, pois no positiva o poder estatal em normas de valor geral e abstrato, tem seu valor pela influncia que tem no comportamento das pessoas e dos juzes, sendo esta influncia bem significativa o que nos mostra que ela um poder, ou melhor dizendo, uma das expresses do poder estatal. Ela diferenciada dos outros poderes justamente pelos objetivos que busca cumprir, que so determinados pelos escopos que ela possui. O objetivo central o de pacificao social por meio de critrios justos, que o so pois possibilitam a abertura das vias de acesso justia e a simplificao do processo, para que assim ele seja mais compatvel com a realidade social.Todo esse sistema processual tem como fator de legitimao a sua compatibilidade com os valores scio-poltico-constitucionais do pas, que se manifesta na aceitao geral do poder, e portanto da jurisdio, pela populao. Sendo assim, mesmo o Poder Judicirio brasileiro tendo sua legitimidade posta em discusso devido a demora, os custos elevados e outros problemas de difcil soluo, tem-se uma slida consistncia interna do sistema e a necessidade que a populao tem de seus servios, o que mantm a sua legitimidade. Alm disso, o legislador contemporneo brasileiro tem levado muito em conta a teoria instrumentalista, tanto no plano constitucional quanto no plano infraconstitucional, o que pode trazer uma onda de esperana para o futuro de nosso Poder Judicirio. Isso pode ser mostrado com a implantao do mandado de segurana coletivo, do processo especial para as causas de menor expresso econmica e de instrumentos para a tutela coletiva, que foram positivados na Lei da Ao Civil Pblica, no Cdigo de Defesa do Consumidos e nos Juizados Especiais. Mesmo com o desenvolvimento de tantos meios a efetividade do processo ainda se mostra pequena frente a capacidade que todo o sistema tenha, no cumprindo a instrumentalidade do processo toda a sua misso, que s termina quando ela for capaz de conduzir o aperfeioamento do sistema na vida cotidiana. Para isso precisa-se, mais do que o ciclo doutrinrio, que j parece ter sido cumprido, dotar o sistema instrumental cada vez mais aderente realidade a que se aplica e influenciar o esprito dos operadores, para que empreguem tal instrumental revolucionrio, substituindo uma cultura que vise somente uma resoluo judicial e passe a cultura que vise a pacificao social.

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