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Tradu91io, introdu91io e notas de Marcia Suzuki

Tradu91io, introdu91io e notas de Marcia Suzuki · cia da arte, nao como se a filosofia pudesse conceder 0 sentido que so urn Deus pode conceder, nao como se ela pudesse emprestar

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Tradu91io, introdu91io e notas deMarcia Suzuki

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THulo do original em alem50:

Philosophie del' Kunst

Dados Internacionais de Cataloga9ao ha Publica9aO (CIP)

(Camara Brasileira do Livro, Sp' Brasil)

Schelling, F. W .J.

Filosofia da Arte I F. W Schelling; tradu9aO, introdu9ao e notas Marcio Suzuki. - Sao

Paulo: Editora da Universidade de Sao Paulo, 2001. - (Classicos; 23)

Titulo original: Philosophie del' Kunst.

ISBN 85-314-0604-8

Eclusp - Eclitora cia Universiclacle cle S'"0 Paulo

Av. Prof. Luciano Gualberto, Travessa J, 374

6" andar - Eel. da Antiga Reitoria - Cidade Universitaria

05508-900 - Sao Paulo - SP - Brasil Fax (Oxx11) 3818-4151

Tel. (Oxxll)3818-4008/3818-4150

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Durante as presentes prele<;oes pe<;o-lhes para ter sempre em vista 0 pro-posito purarnente cientifico delas. Tal como a ciencia em geral, a ciencia daarte e interessante em si, mesmo sem fim externo. Sao tantos os objetos, emparte sem irnportancia, que atraem sobre si 0 desejo universal de saber, emesmo 0 espirito cientifico, que seria estranho se isso nao pudesse ser conse-guido justarnente pel a arte, esse objeto ~lnico, que contem quase sozinho osobjetos supremos de nossa admira<;ao.

Ainda esta muito longe da arte aquele para quem ela nao apareceu comourn todo fechado, organico, e tao necessario em todas as suas partes quanta 0 ea natureza. Se nos sentimos incessantemente impelidos a olhar a essencia inti-ma da natureza, e a perscrutar essa fonte fecunda que faz jorrar de si tantosgrandes fen6menos em eterna uniformidade e legalidade, quanto mais tern denos interessar penetrar no organismo da arte, na qual se produz, por liberdadeabsoluta, a suprema unidade e legalidade, que nos deixa conhecer, muito rnaisimediatamente que a natureza, os milagres de nosso proprio <358> espirito. Senos interessa seguir, tanto quanta possivel, a estrutura, a disposi<;ao interna, as

I. K. F.A. Schelling, filho do autor e editor de suas obras, deixou fora de sua edi9ao uma parte inicial dessaIntrodu9ao, porque, segundo ele, corresponde exatamente it prele9ao sobre a arte do curso sobre 0Metodo do Estudo Acadbnico, publicado pel a primeira vez em 1803 pelo proprio Schelling. POI' suaimportancia, essa prele930 foi traduzida no final deste volume (Apendice II). (N.T.).

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liga<;oes e reentrfll1cias de uma planta ou de urn ser organico em geral, tantomais teria de nos estimular conhecer as mesmas reentrancias e liga<;oes naque-les produtos ainda muito mais altamente organizados e entrela<;ados em si mes-mos que sao chamados de obras de arte.

Com a maioria das pessoas ocorre em rela<;ao a arte 0 mesmo que com 0

mestre Jourdain de Moliere2 em rela<;ao a prosa: ele se admirava de ter faladoem prosa durante toda a sua vida sem que soubesse disso. Sao bem poucos osque consideram que a linguagem na qual se exprimemja e a mais perfeita obrade arte. Quantos nao estiveram diante de urn palco sem se perguntar, uma vezsequer, quantas condi<;oes sao requeridas mesmo para uma apresenta<;ao teatralapenas moderadamente bem feita! Quantos nao senti ram a nobre impressao deuma bela arquitetura, sem serem tentados a indagar acerca dos fundamentos daharmonia que tao de perto lhes falava! Quantos nao se deixaram levar pelo efei-to de urn unico poema ou de uma obra dramatica elevada, e ficaram tocados,encantados, comovidos, semjamais investigar por que meios 0 artista conseguedominar-Ihes 0 estado de espirito, purificar-Ihes a alma, excita-Ios no mais inti-mo - sem pensar em transformar essa frui<;ao totalmente passiva e, por isso,sem valor, na frui<;ao muito mais elevada da inspe<;ao ativa e da reconstru<;aoda obra de arte pelo entendimento!

E tido como grosseiro e inculto aquele que em parte alguma se deixainfluenciar pela arte e nao quer experimentar seus efeitos. Mas e igualmentegrosseiro, senao no mesmo grau ao menos segundo 0 espirito, tomar por efei-tos da arte como tal as emo<;oes meramente sensiveis, os afetos e a satisfa<;aosensivel que as obras de arte suscitam.

Para aquele que nao chega na arte ate a inspe<;ao livre, ao mesmo tempopassiva <359> e ativa, arrebatada e refletida, todos os efeitos del a sao merosefeitos naturais; nesse caso, ele mesmo se comporta como ser natural, e jamaisexperimentou e conheceu verdadeiramente a arte como arte. 0 que 0 comovesao talvez as belezas isoladas, mas na verdadeira obra de arte nao ha beleza iso-lada, somente 0 todo e belo. Quem, portanto, nao se eleva a Ideia do todo, etotalmente incapaz de julgar uma obra. E, apesar de tal indiferen<;a, vemos noentanto que, em sua maioria, os homens que se chamam a si mesmos de cultosanada sao tao inclinados quanta a ter urn juizo em questoes de arte ease darares de entendidos, e dificilmente urn juizo depreciativo suscetibilizara maisprofundamente do que aquele que afirma que alguem nao tern gosto. Por mais

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decisivo que seja 0 efeito de uma obra de arte sobre eles, e nao obstante a ori-ginalidade da visao que talvez possam tel' a respeito dela, aqueles que sentemas pr6prias fraquezas no julgamento preferem reter 0 juizo a se expor. Outros,menos modestos, tornam-se ridiculos pOl' seu juizo ou com ele molestam osque entendem de arte. Faz parte, portanto, ate mesmo da formayao social uni-versal- ja que em geral nao ha estudo mais social que 0 da arte - tel' cienciada arte, tel' cultivado em si a capacidade de apreender a Jdeia ou 0 todo, assimcomo as referencias reciprocas das partes umas as outras e ao todo e, inversa-mente, do todo as partes. Mas isso, justamente, nao e possivel senao medianteciencia e, em particular, mediante filosofia. Quanto mais rigorosamente a Ideiada arte e da obra de arte e construida, tanto mais impede nao apenas a lassidaono julgamento, como tambem aquela experimentayao apressada que se fazhabitualmente, na arte ou na poesia, sem que delas se tenha qualquer Ideia.

Quao necessaria e precisamente uma visao cientifica rigorosa da arte para 0

aprimoramento da intuiyao intelectual das obras de arte, assim como, principal-mente, para a formayao do juizo sobre elas, a esse respeito ainda quero notal' ape-nas 0 seguinte.

Com bastante freqiiencia, especialmente agora, pode-se fazer a experien-cia <360> de quanta os pr6prios artistas nao apenas divergem entre si, mas tam-bem se opoem em seus juizos. Esse fenomeno e muito facil de explicar. Nasepocas de florescimento da arte e a necessidade do espirito universal dominan-te, e a prosperidade e, pOl'assim dizer, a primavera daquele periodo que produz,em maior ou menor medida, a concordancia universal entre os grandes mestres,de modo que, como tambem mostra a hist6ria da arte, as grandes obras surgeme amadurecem muito pr6ximas umas das outras, quase simultaneamente, comoque pOl'urn mesmo alento e sob urn mesmo sol: Albrecht Durer surge ao mesmotempo que Rafael; Cervantes e Calder6n, ao mesmo tempo que Shakespeare.Quando tal epoca de prosperidade e de pura produyao pass a, entra a reflexao e,com ela, a disc6rdia universal; 0 que la era espirito vivo, aqui se torna tradiyao.

o caminho dos artistas antigos foi do centro para a periferia. Os que vemdepois tomam a forma em seu residuo exterior e procuram imita-la imediatamen-te; conservam a sombra sem 0 corpo. Cada qual forma entao seus pr6prios pontosde vista particulares sobre a arte e, de acordo com eles, julga por si mesmo aquiloque existe. Alguns, que observam 0 vazio da forma sem 0 conteudo, pregam a voltaa materialidade mediante imitayao da natureza; outros, que nao se arrojam alemdaquele residuo vazio, oco e exterior da forma, pregam 0 ideal, a imitayao daquiloque ja foi formado; mas ninguem retorna as verdadeiras fontes primordiais da arte,de onde forma e materia brotam juntas. Este e, em maior ou menor medida, 0 esta-

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do presente da arte e do juizo sobre a arte. A arte e em si mesma tao diversificada,quanto diversificados e nuanc;ados SaGos diferentes pontos de vista do julgamen-to. Nenhum dos contendores entende 0 outro. Eles julgam, urn segundo 0 padraoda verdade, 0 outro, segundo 0 da beleza, sem que nenhum deles saiba 0 que e ver-dade ou beleza. Salvo poucas excec;oes, com os artistas propriamente pritticos3 detal epoca nada se experimenta acerca da essencia da arte, <361> porque em regralhes falta a Ideia da arte e da beleza. E precisamente esse desacordo, reinantemesmo entre aqueles que exercem a arte, e urn fundamento urgente de determina-C;aopara que se busque na ciencia a verdadeira Ideia e os principios da arte.

Uma instruC;ao seria sobre a arte, extraida de Ideias, e ainda mais necessa-ria nessa epoca em que se faz na literatura uma guerra camponesa contra tudo 0

que ha de elevado, grande e fundado em Ideias, contra a beleza na propria poe-sia e arte; guerra na qual aquilo que e frivolo, atraente aos sentidos ou valioso deuma maneira torpe SaGos idolos aos quais se tributa a maior veneraC;ao.

Somente a filosofia pode abrir de novo, para a reflexao, as fontes primor-diais da arte, que em grande parte estancaram para a produC;ao. Somentemediante a filosofia podemos ter esperanc;a de alcanc;ar uma verdadeira cien-cia da arte, nao como se a filosofia pudesse conceder 0 sentido que so urn Deuspode conceder, nao como se ela pudesse emprestar juizo aquele a quem a natu-reza 0 recusou, mas porque exprime, de uma maneira imutavel, em Ideias,aquilo que 0 verdadeiro senso artistico intui no concreto, e por meio do qual 0

juizo genuino e determinado.Nao considero desnecessario indicar ainda as razoes que em particular

me determinaram, tanto a elaborar essa ciencia, quanta a ministrar estas prele-c;oes sobre ela.

PeC;o-lhes sobretudo para nao confundir essa ciencia da arte com nadadaquilo que ate agora se apresentou sob esse nome, ou sob urn outro nomequalquer, tal como estetica ou teoria das belas-artes e belas ciencias4. Ainda

3. 0 adjetivo praktisch em alemao se retere, natural mente, it pratica, mas serve tamb6m para qualificaralguem habilidoso e experiente ("com pn\tica"), sentido tambem presente no portugues. Como se pocleler no dicionario Michaelis da lingua portuguesa, "pratico" pode ser sin6nimo de "exercitado, experien-te, versado". (NT).

4. Cf. V, 351 (trecho traduzido no Apendice II). 0 termo "estetica", como se sabe, provem de Baumgarten,autor que Schelling comentara a seguir. Teoria Cered das Be/as-Aries e Be/as Chincias 6 0 titulo de Lllll

livro de est6tica muito divulgado na Alemanha no seculo XVIII, de autoria de Johann Georg Sulzer epublicado em 1771-1774. No curso sobre Arte e Literatura, August Wilhelm Schlegel comenta que aexpressao "belas ciencias", de amplo uso entre os que escreviam sobre arte, e inadequada e contradito-ria, sendo provavelmente uma tradu~ao "desajeitada" de belles /etli'es. "Kullst/ehre". Em KrilischeSchrijiel1ul1d Briete. Stuttgart, Kohlhammer, 1963, vo!.ll, p. 9.) (NT).

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nao existe, em lugar algum, uma doutrina da arte cientifica e filos6fica; exis-tem, no maximo, fragmentos de uma tal doutrina, e mesmo estes ainda saopouco entendidos, e nao podem ser entendidos a nao ser na coesao de um todo.

Antes de Kant, toda doutrina da arte na Alemanha era uma mera descen-dente da Estetica de Baumgarten - pois foi ele quem usou essa expressao pelaprimeira vez. Parajulga-Ia, basta <362> mencionar que ela mesma era, por suavez, fruto da filosofia wolffiana. No periodo imediatamente anterior a Kant,quando popularidade superficial e empirismo eram dominantes na filosofia,foram elaboradas as conhecidas teorias das belas-artes e belas ciencias, cujosprincipios eram proposi90es psicol6gicas tiradas dos ingleses e dos franceses.Procurava-se explicar 0 belo pela psicologia empirica, e em geral os milagresda arte eram tratados mais ou menos da mesma maneira esclarecedora e dene-gadora5 com que na mesma epoca se tratavam as hist6rias de fantasmas e outrassupersti90es. Fragmentos desse empirismo ainda sao encontrados em escritosposteriores, concebidos em parte segundo uma visao mais aprimorada.

Outras esteticas sao de certo modo receitas ou livros de culinaria, onde areceita para a tragedia diz: muito terror, mas nao em demasia; tanta piedadequanta possivel, e lagrimas sem fim.

Com a Critica do Juizo ocorreu 0 mesmo que com as outras obras deKant. Dos kantianos era naturalmente de se esperar a mais extrema falta degosto, da mesma maneira que lhes faltava espirito na filosofia. Muitas pessoasaprenderam a Critica do Juizo Estetico de cor e a apresentaram na catedra e emescritos como sendo estetica6.

Depois de Kant, algumas mentes privilegiadas deram sugestoes acertadase contribui90es isoladas para a Ideia de uma verdadeira ciencia filos6fica daarte; mas ninguem estabeleceu ainda um todo cientifico ou mesmo somente -

5. Em alemao: aufkliirend und lI'egerklcirend. A critica schellingiana da Ilustra~ao se revel a aqui na esco-Iha das palavras (em outro texto, 0 autor tambem brinca, no mesmo sentido, com os term os AufklCirereie Auskliirerei). Eneontrada nos dieiomirios atllais eomo sinonimo de lI'egdiskutieren, 0 verbo lI'egerklCi-ren signifiea usar argumentos para tentar negar um1:1to indiscutivel (no casa, os "milagres" da arte).Schelling usa de novo a palavra mais adiante (V, 425) e no texto traduzido no Api'mdice II (V, 351). Na111eSll1aepoca, e conl unl sentido semelhante, Goethe lan<;a 1l1aO de "wegrasollieren": a religiosa "belaalma" dos Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister escreve em suas ConfissiJes que, conversando con-sigo mesma sobre a morte do pai, pereebia "efeitos visiveis de uma tor~a superior que ninguem poderatentar negar" (isto e, negar por raciocinio: lI'egrCisonieren). August Wilhelm Schlegel, tambemnum con-texto semelhante, usa mais simplesmente lI'egleugnen ("Kunstlehre", op. eit., pp. 302-303) (NT).

6. Schelling pode se valer aqui da propria passagem da Critiea do Juizo onde Kant afirma que ela nao euma nova Estetica "empreendida para a fonl1a~ao e cultllra do gosto" (Prefacio, B 9). Uma preocllpa~aosemelhante norteara as retlex6es de Schelling, que tera de distinguir suajilosofia da arte das teorias dearte. (NT).

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de maneira universalmente valida e em forma rigorosa - os pr6prios principiosabsolutos; tambem em muitos ainda nao ocorreu a separa<;ao rigorosa entreempirismo e filosofia, que seria requerida para a verdadeira cientificidade.

o sistema da filosofia da arte que penso apresentar se diferenciara, pois,essencialmente, e tanto pela forma quanta pelo conteudo, dos ate agora exis-tentes, ja que tambem irei mais longe nos principios do que ate hoje se foi. Essemetodo, por meio do qual, se nao me engano, se me tornou ate certo ponto pos-sivel, na filosofia da natureza, <363> desemaranhar a tram a tao entrela<;ada danatureza e afastar 0 caos de seus fen6menos, esse mesmo metodo nos conduzi-ra tambem pelas complica<;oes ainda mais labirinticas do universo artistico epermitira lan<;aruma nova luz sobre os seus objetos.

Posso estar menos certo de contentar a mim mesmo no que diz respeito aparte historica da arte, que, por razoes que indicarei na sequencia, e um ele-mento essencial de toda constru<;ao. Reconhe<;o muito bem 0 quanta e dificiladquirir mesmo os conhecimentos mais gerais sobre cada parte deste que e 0

mais infinito de todos os domini os, sem falar no quanto e dificil chegar aoconhecimento mais preciso e exato sobre todas as suas partes. A unica coisaque posso alegar a meu favor e que durante longo periodo empreendi comseriedadeo estudo de obras antigas e modernas da poesia e fiz dele minha dedi-cada ocupa<;ao; vi obras de arte plastica; de meu convivio com artistas em ati-vidade, em parte conheci, e verdade, a pr6pria discordiincia que hi entre eles ea incompreensao que tem do assunto, mas em parte, do convivio com aquelesque, alem do feliz exercicio da arte, tambem ainda pensaram filosoficamentesobre ela, adquiri uma parcela daquelas visoes hist6ricas da arte que creionecessarias para meu fim.

Para aqueles que conhecem meu sistema da filosofia, a filosofia da arte seraapenas a repeti<;ao7 dele na potencia mais alta; aqueles que ainda nao 0 conhecem,talvez 0 seu metodo se torne apenas tanto mais patente e claro nesta aplica<;ao.

A constru<;ao nao incluira apenas 0 universal, mas tambem aqueles indi-viduos que sac considerados como um genero inteiro; construirei a eles e aomundo de sua poesia. Por ora, menciono apenas Homero, Dante e Shakespeare.Na doutrina das artes phlsticas, serao caracterizadas em universal as individua-

7. Fundamentalna dinamica do sistema da identidade, a "repetiGao" deve ser entendida tambemno senti-do de "retomada" (Wiederho!lIl1g, ho!en ... ll'ieder) da meSma identidade nas diferentes unidades particu-lares da filosofia. Como observara 0 leitor, e tal11bem par ai que se exp]ora il1llmeras vezes a repeti,'oodos adverbios wieder (tambem como prefixo) e wiederum, que reiteral11 a ideia de algo que se repete,acontece de novo, novamenle, outra vez, mas, a cada vez, de uma outra [orma. (N.T.).

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lidades dos maiores mestres; na doutrina da <364> poesia e dos generos poeti-cos descerei ate a caracteriza<;ao de algumas obras individuais dos poetas maisexcelentes, pOl' exemplo, Shakespeare, Cervantes e Goethe, para desse modocompensar a intui<;ao imediata que nos falta naqueles8.

Na filosofia universal nos alegramos em vel', em si e pOl'si mesma, a facerigorosa da verdade; nesta esfera particular da filosofia delimit ada pela filoso-fia da arte, alcan<;amos a intui<;aoda beleza eterna e dos prototipos de todo belo.

A filosofia e a funda<;ao de tudo, e a tudo abrange; estende sua constru-<;aoa todas as potencias e objetos do saber; somente pOl'meio dela se alcan<;aaquilo que e 0 mais alto. Mediante a doutrina da arte se forma, no interior dapropria filosofia, um circulo mais estreito no qual intuimos mais imediatamen-te 0 eterno como que em figura visivel, e assim ela, corretamente entendida,esta no mais perfeito unissono com a propria filosofia.

No que foi apresentado ate aqui ja se encontrava em parte a indica<;ao doque e a filosofia da arte; mas e necessario me explicar mais expressamentesobre ela. Da maneira mais universal, colocarei a questao assim: como e possi-velfilosofia da arte? (Pois, no que diz respeito a ciencia, demonstra<;ao da pos-sibilidade e tambem realidade).

Qualquerum reconhece que opostos se vinculam no conceito de uma fi-losofia da arte. A arte e 0 real, objetivo; a filosofia, 0 ideal, subjetivo. De ante-mao ja se poderia, portanto, determinar a tare fa da filosofia da arte assim:expor no ideal 0 real que existe na arte. So que a questao e precisamente 0 quesignifica expor um real no ideal, e antes de sabermos isso, nao teremos aindaclareza sobre 0 conceito da filosofia da arte. Temos, pois, de iniciar toda ainvestiga<;ao num ponto ainda mais fundo. - Uma vez que exposi<;ao no idealem geral e = construir, e uma vez tambem que a filosofia da arte deve ser =

constru<;ao da arte, esta investiga<;ao tera <365> ao mesmo tempo necessaria-mente de penetrar mais fundo na essencia da constru<;ao.

o acrescimo "arte" em "filosofia da arte" apenas restringe, mas nao supri-me, 0 conceito universal da filosofia. Nossa ciencia deve ser filosofia. Isso e 0

essencial; que deva ser filosofia precisamente em referencia a arte, isso e 0 aci-dental de nosso conceito. Mas entao nem 0 acidental de um conceito pode demodo algum modificar 0 essencial dele, nem a filosofia, em particular comofilosofia da arte, pode ser algo outro que 0 que e, considerada em si e absoluta-

8. Isto e, nos mestres cia artes pl<\sticas, que serao caracterizaclos apenas "em universal" (i111 Allgemeinen).Sobre essa cliferelwa cle tratamento entre os artistas plasticos e os poetas na constrlH;ao cia arte, cf. V, 344(Apenclice II). (NT).

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mente. Filosofia e absolutamente e essencialmente uma coisa s6; nao pode serdividida; aquilo, portanto, que e filosofia, 0 e inteira e indivisivelmente. Desejoque em particular mantenham firmemente presente esse conceito da indivisibi-lidade da filosofia, a fim de apreender toda a Ideia de nossa ciencia. E bastanteconhecido 0 irremediavel abuso que se cometeu com 0 conceito de filosofia. Jativemos uma filosofia e mesmo uma doutrina-da-ciencia da agricultura, e e deesperar que tambem se elabore ainda uma filosofia do transporte, e que no fimhaja tantas filosofias quantos SaGem geral os objetos, e que, de tanta filosofia,se perca totalmente a pr6pria filosofia9. Mas, alem dessas muitas filosofias,ainda se tern ciencias filos6ficas isoladas ou teorias filos6ficas. Mas tambemcom estas nao se chega a nada. S6 ha uma unica filosofia e uma unica cienciada filosofia; aquilo que se chama diferentes ciencias filos6ficas, ou e algo total-mente equivocado, ou sao apenas exposi<;oes do todo unico e indivisivel da filo-sofia em diferentes potencias ou sob diferentes determina<;oes ideais.

Explico aqui essa expressaolO, ja que ocorre pela primeira vez em um con-texto no qual e importante <366> que seja entendida. Ela se refere a doutrinauniversal da filosofia acerca da identidade essencial e interna de todas as coisase de tudo aquilo que distinguimos em geral. Ba verdadeiramente e em si apenasuma unica essencia, urn unico absolutamente real, e, como absoluta, essa essen-cia e indivisivel, de maneira que nao pode passar para essencias diferentesmediante divisao ou separa<;ao; uma vez que a essencia e indivisivel, a diferen-<;adas coisas s6 e em geral possivel se a essencia e posta, como 0 todo e comoo indivisivel, sob determina<;oes diferentes. Chamo de potencias a tais determi-na<;oes. Nao modificam absolutamente nada na essencia, que permanece sem-pre e necessariamente a mesma; por isso se chamam determina<;oes idea is II. Porexemplo, aquilo que conhecemos na hist6ria ou na arte e essencialmente 0

mesmo que tambem existe na natureza: e que a absolutez inteira e conatural acada urn deles, mas essa absolutez se encontra em potencias diferentes na natu-

9. Mesma id6ia na Segunda PreleGao sobre 0 Metodo do Estudo Academico (V, 230-231). (N.T.).10. Potencias: Potenzen. (N.T.).II. Luigi Pareyson lembra que as potencias sao quase uma constante em todo 0 pensamento de Schelling, c

insistc prccisamcnte no car{lter ideal delas: "Para bem compreender a doutrina das potencias e precisotomar cuidado para nao apresenta-Ias como princ1pios de uma metaflsica ontica e objetiva. A teoria daspotencias deve ser considerada como a cxposiGao de uma estrutura constante, que da consistencia atodas as coisas c constitui a ossatura inteligivel de toda a realidade: nao se deve toma-Ia separadamentede seus contelldos, do contrario ela se esfuma num esquema abstrato de origem psicol6gica, mas consi-dera-Ia, ao mesmo tempo, como 0 'puro organismo' da filosofia schellingiana e como uma chave deab6bada para a interpretaGao da realidade". (Pareyson, L. Schelling. Presentazione e Ant%gia. Milao,Marietti, 1975, p. 83). (N.T.).

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reza, na hist6ria e na arte. Se se pudesse coloca-las de lado, a fim de ver a essen-cia pura como que despida, em tudo haveria verdadeiramente um.

Ora, afllosofia s6 se apresenta em sua plena manifestayao na totalidade detodas as potencias. Pois deve ser uma imagem fiel do universo - mas esta = aoAbsoluto, exposto na totalidade de todas as determinar;oes ideais. - Deus e uni-verso sao um ou apenas visoes diferentes de um unico e mesmo. Deus e 0 univer-so, considerado pel a perspectiva da identidade, ele e tudo, porque e 0 unico real,e fora dele, portanto, nada e; 0 universo e Deus, apreendido das perspectivas datotalidade. Mas na Ideia absoluta, que e principio da filosofia, identidade e tot a-lidade tambem sao novamente um. A manifestayao perfeita e acabada da filoso-fia, digo, s6 se apresenta na totalidade de todas as potencias. No Absoluto, comotal, e portanto tambem no principio da filosofia, nao ha nenhuma potencia, pre-cisamente porque compreende todas as potencias, e por sua vez todas estao nelecontidas somente se nele nao ha potencia alguma. Denomino esse principio, pre-cisamente porque nao e igual a nenhuma potencia particular e, no entanto, com-preende todas elas, 0 ponto de identidade absoluto da filosofia.

<367> Ora, esse ponto de indiferenya, precisamente porque e este e por-que e pura e simplesmente um, inseparavel, indivisivel, esta necessariamentede novo em cada unidade particular (que tambem pode ser chamada de poten-cia), e isso tambem nao e possivel sem que todas as unidades, logo todas aspotencias, retornem novamente em cada uma dessas unidades particulares.Portanto, na filosofia nao ha nada a nao ser 0 Absoluto, ou nada conhecemos anao ser 0 Absoluto - sempre apenas 0 pura e simplesmente um, e apenas essepura e simplesmente um em formas particulares. Filosofia - peyo-lhes queapreendam isso rigorosamente - nao visa de forma alguma 0 particular comotal, mas imediatamente sempre apenas 0 Absoluto, e visa 0 particular somentese este acolhe e expoe em si todo 0 Absoluto.

Dai ser manifesto que nao po de haver filosofias particulares, nem tam-pouco ciencias filos6ficas particulares e isoladas. Em todos os objetos a filo-sofia tem somente um {mico objeto, e por isso mesmo ela pr6pria e uma unica.No interior da filosofia universal, cada potencia isolada e absoluta por si e,nessa absolutez ou sem prejuizo dessa absolutez, novamente um membro dotodo. Cada uma e verdadeiro membro do todo somente se e reflexo perfeito dotodo, somente se 0 acolhe total mente em si. Este e precisamente 0 vinculo doparticular e do universal que reencontramos em todo ser orgfmico, assim comoem toda obra poetica, na qual, por exemplo, cada uma das diferentes figuras eum membro a serviyo do todo e, no entanto, novamente absoluta em si no plenoacabamento da obra.

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Ora, podemos com efeito destacar do todo a potencia isolada e trata-lapor si, mas essa exposi<;ao e ela mesma filosofla somente se nela realmenteexpusermos 0 Absoluto. Entao podemos denominar essa exposi<;ao, por exem-plo, filosofia da natureza, filosofia da hist6ria, filosofia da arte.

Com isso se demonstrou: 1) que nenhum objeto se qualifica para objetoda filosofia a nao ser que ele mesmo esteja fundado no Absoluto mediante umaIdeia eterna e necessaria, e seja capaz <368> de acolher em si toda a essenciaindivisa do Absoluto. Todos os diferentes objetos, como diferentes, san apenasformas sem essencialidade - essencialidade somente 0 um a possui e aquiloque, por meio desse um, e capaz de 0 acolher, como 0 universal, em si, em suaforma, como 0 particular. Ha, portanto, uma filosofia da natureza, pOl'que 0

Absoluto e formado no particular da natureza, pOl"queha, por conseguinte, umaIdeia absoluta e eterna da natureza. Da mesma mane ira, ha uma filosofia dahist6ria e uma filosofia da arte.

Com isso se demonstrou: 2) a realidade de uma filosofia da arte, precisa-mente porque se demonstrou sua possibilidade; precisamente com isso tam-bem foram ao mesmo tempo mostrados os seus limites e, especialmente, a suadiferen<;a em rela<;ao a mera teoria da arte. E que essa ciencia e filosofia real,filosofia da natureza,fllosofia da arte, somente se a ciencia da natureza ou daarte nela expoe 0 Absoluto. Em qualquer outro caso, onde a potencia particu-lar e tratada como particular e se estabeleceram leis particulares para ela,onde, portanto, nao se trata de modo algum da filosofia como filosofia, que epura e simplesmente universal, mas de conhecimento particular do objeto, istoe, de um fim finito - em qualquer caso como este, a ciencia nao pode se cha-mar filosofia, mas somente teoria de um objeto particular, tal como teoria danatureza, teoria da arte. Tal teoria poderia, sem dllVida, tomar de novo empres-tado seus principios da filosofia, como, por exemplo, da filosofia da naturezaa teoria da natureza, mas precisamente porque apenas toma emprestado, elanao e filosofia.

Por conseguinte, na filosofia da arte construo, antes de mais nada, nao aarte como arte, como este particular, mas construo 0 universo na figura daarte, e filosofia da arte e ciencia do todo naforma ou potencia da arte. Somen-te com esse passo nos elevamos, no que diz respeito a essa ciencia, ao dominiode uma ciencia absoluta da arte.

<369> Contudo, que a filosofia da arte seja exposi<;ao do universo naforma da arte, isso nao nos da ainda nenhuma Ideia completa dessa ciencia,antes de termos determinado mais exatamente 0 modo de constru<;ao necessa-rio a uma filosofia da arte.

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Objeto da constrw:;ao e, por isso, da filosofia, so e em geral aquilo que ecapaz de acolher em si, como particular, 0 infinito. Para ser objeto da filosofia,a arte tern portanto de expor realmente 0 infinito ou tern ao menos de poderexpo-lo em si, como 0 particular. No entanto, nao e so isso que ocorre com res-peito a arte; como exposiyao do infinito, ela tambem esta na me sma altura quea filosofia: - assim como esta expoe 0 Absoluto no prot6tipo, aquela 0 expoeno antitipol2.

Uma vez que a arte corresponde tao exatamente a filosofia, e e mesmosomente seu reflexo objetivo mais perfeito, ela tambem tem de percorrer todasas potencias que a filosofia percorre no ideal, e so isso ja basta para nos parfora de duvida sobre 0 metodo necessario de nossa ciencia.

A filosofia, mas igualmente a arte, nao expoe as coisas reais, porem seusprototipos, e esses prototipos, de que, segundo as demonstrayoes da filosofia,aquelas (as coisas reais) sao apenas copias imperfeitas, sao eles mesmos que setornam objetivos na propria arte, como prototipos - pOl·tanto em sua perfeiyao-, e expoem 0 mundo intelectual no proprio mundo refletido. Para dar algunsexemplos, a 111Llsicanada mais e que 0 ritmo prototipico da propria natureza edo proprio universo, que por intermedio dessa arte irrompe no mundo afigura-do. As formas perfeitas produzidas pel a plastica sao os prototipos da proprianatureza organica expostos objetivamente. A epopeia homerica e a identidademesma, tal como, no Absoluto, esta no fundamento da historia. Toda pintura euma abertura para 0 mundo intelectual.

Isso pressuposto, na filosofia da arte teremos de resolver, respectivamen-te a esta {lltima, todos aqueles problemas que solucionamos <370> na filosofiauniversal em relayao ao universo em geral.

1. Tambem na filosofia da arte nao poderemos partir de Olltro principio quedo infinito; teremos de apresentar 0 infinito como 0 principio incondicionadoda arte. Assim como, para a filosofia, 0 Absoluto e 0 prototipo da verdade -assim tambem, para a arte, ele e 0 prototipo da beleza. Teremos, pOl' isso, demostrar que verdade e beleza sao apenas dois modos diferentes de considera-yao do {mico Absoluto.2. A segunda questao, que diz respeito tanto a filosofia em geral, quanta afilosofia da arte, sera: como aquele em si mesmo absolutamente urn e simples

J 2. Prot6tipo traduz Urbild. Antitipo verte Gegenbild. Alem de tentar manter a correlayilo entre os terl1los,a escolha deste (Jitil1lo para verter Gegenbild se pautou pelo fato de Schelling, nos AjiJrismos sobre aFilosojia da Natureza, usaI' Anti(vpie (VII, 210) (NT).

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passa a uma pluralidade e diferencia9ao, como poderao surgir belas coisas par-ticulares do belo universal e absoluto? A filosofia responde essa questaomediante a doutrina das Ideias ou prot6tipos. 0 Absoluto e pura e simplesmen-te um, mas esse um intuido absolutamente nas formas particulares, de modo queo Absoluto nao seja suprimido por isso, e = Ideia. Da mesma maneira, a arte.Tambem a arte intui 0 belo origimirio somente nas Ideias como formas particu-lares, cada uma das quais, porem, e divina e absoluta por si, e em vez de intuir,como a filosofia, as Ideias como sao em si, a arte as intui realmente. Portanto,as Ideias, se sao intuidas realmente, sao 0 estofo e como que a materia universale absoluta da arte, da qual primeiramente surgem todas as obras de arte particu-lares como produtos perfeitos e acabados. Essas Ideias reais, vivas e existentes,sao os deuses; a simb6lica13 universal ou a exposir;Ciouniversal das Ideias, comoIdeias reais, e dada, por conseguinte, na mitologia, e a solue;:aoda segunda ques-tao reside na constru9ao da mitologia. De fato, os deuses de cad a mitologia nadamais sao que as Ideias da filosofia, mas intuidas objetivamente ou realmente.

Com isso, no entanto, ainda nao se respondeu como nasce uma obra dearte real e singular. Ora, assim como em toda parte 0 Absoluto - 0 nao-real-esta na identidade, assim tambem 0 real esta na nao- <371> identidade do uni-versal e do particular, na disjUJwao, de modo que esta, ou no particular, ou nouniversal. Assim surge tambem aqui uma oposi9ao, a oposi9ao entre arte plas-tica e arte da palavra. Arte plastica e arte da palavra = serie real e serie ideal dafilosofia. Aquela e presidida pela unidade na qual 0 infinito e acolhido no fini-to - a constru9ao dessa serie corresponde a filosofia da natureza -; esta epresidida pela outra unidade, na qual 0 finito e formado no infinito, a constru-9aOdes sa serie correspondendo ao idealismo no sistema universal da filosofia.Chamarei a primeira unidade de unidade real; a segunda, de ideal; a que com-preende ambas, de indiferen9a.

Ora, se fixamos cada uma dessas unidades por si, entao, porque cada umadelas e absoluta por si, em cada uma delas tem novamente de retornar as mes-mas unidades: na unidade real, pOl"tanto,16m de retornar novamente a unidadereal, a ideal e aquela na qual ambas sao um. Igualmente na serie ideal.

A cada uma dessas formas, se estao compreendidas na unidade real ou naideal, corresponde uma forma particular da arte; a forma real, se esta na unidade

13. Em alemao, S:vmbo/ik: como em portugues, no senti do do conjunto de simbolos de um determinadopovo ou religiao. A palavra seria consagrada pouco depois no titulo do famoso livro de Friedrich Creuzer(1771-1858), S:vmbolik lind J'vlvthologie del' Alten V(j{ker, publicado em 1810. (N.T.).

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real, corresponde a n1Llsica; a forma ideal, a pintura; aquela que expoe novamen-te ambas as unidades formadas-em-um na unidade real, corresponde a plastica.

o mesmo e 0 caso no que diz respeito a unidade ideal, que compreendede novo em si as tres formas, Erica, epica e dramatica, da poesia. Lirica = for-ma<;ao-em-um do infinito no finito = particular. Epica = exposi<;ao (subsun-<;<10)do finito no infinito = universal. Drama = sintese do universal e do parti-cular. Toda a arte, tanto na manifestayao real quanta na ideal, deve serconstruida segundo essas formas fundamentais.

Ao seguirmos a arte em todas as suas formas particulares, descendo ate 0concreto, chegaremos ainda a determina<;ao da arte mediante condiyoes tempo-rais. Como a arte e, em si, eterna e necessaria, ela nao e contingencia, mas neces-sidade absoluta tambem em sua manifesta<;ao temporal. Tambem nesse aspectoainda e <372> objeto de urn saber possivel, e os elementos dessa construyaoestao dados por oposiyoes que a arte mostra em sua manifestayao temporal. Masas oposiyoes que, respectivamente a arte, sao postas pOl' sua dependencia aotempo, sao, como 0 pr6prio tempo, oposiyoes necessariamente inessenciais emeramente formais, totalmente diferentes, portanto, das oposiyoes reais funda-das na essencia ou na Ideia da pr6pria arte. Essa oposiyao geral e formal que per-passa todos os ramos da arte e a oposiyao entre a arte antiga e a moderna.

Seria uma falta essencial da construyao se deixassemos de consideraressa oposiyao em cada uma das formas singulares da arte. Mas como essa opo-siyao e tida como meramente formal, a construyao consistira precisamente nasua negayao ou supressao. Ao considerarmos essa oposiyao, exporemos aomesmo tempo imediatamente 0 lado historico da arte, e somente pOl'esse inter-medio poderemos esperar dar 0 ultimo acabamento a nossa construyao no todo.

Segundo minha visao completa da arte, ela mesma e uma emanayao doAbsoluto. A hist6ria da arte nos mostrara, da maneira mais manifesta, suasreferencias imediatas as determinayoes do universo e, por isso, aquela identi-dade absoluta, na qual SaD predeterminadas. Somente na hist6ria da arte serevela a unidade essencial e interna de todas as obras de arte, que todas as cria-yoes poeticas provem de urn unico e mesmo geniol4, 0 qual, nas oposiyoes daarte antiga e moderna, apenas se mostra em duas figuras distintas.

14. Em alemao, Genius. Sobre esse Genius eomo "0 divino que habita 0 ser humano", ef 0 pan\grato 63.(NT).