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OS DISCURSOS EPIDÍCTICOS DE PAULO DE TARSO NO LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS - Tradução e Comentários - LUCIENE DE LIMA OLIVEIRA Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Clássicas. Orientador: Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira Rio de Janeiro 2 de Fevereiro de 2016

Tradução e Comentários - UFRJ · 1. Retórica. 2. Atos dos Apóstolos. 3. Apóstolo Paulo. 4. Discursos Paulinos. ... Koine greek, the excerpts chosen as objects of analysis still

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OS DISCURSOS EPIDÍCTICOS DE PAULO DE TARSO

NO LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS

- Tradução e Comentários -

LUCIENE DE LIMA OLIVEIRA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Letras Clássicas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de Doutor em

Letras Clássicas.

Orientador: Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira

Rio de Janeiro

2 de Fevereiro de 2016

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Oliveira, Luciene de Lima.

Os Discursos Epidícticos de Paulo de Tarso no Livro dos Atos dos

Apóstolos – Tradução e Comentários / Luciene de Lima Oliveira. Rio de

Janeiro: UFRJ / Faculdade de Letras, 2016.

xi. 429 f; 31 cm.

Orientador: Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira

Tese (Doutorado) - UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de Pós-Graduação

em Letras Clássicas, 2016.

Referências Bibliográficas: f. 402-423

1. Retórica. 2. Atos dos Apóstolos. 3. Apóstolo Paulo. 4. Discursos Paulinos.

5. Grego Koiné. I. TEIXEIRA, Auto Lyra. II. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras

Clássicas. III. Título.

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Os Discursos Epidícticos de Paulo de Tarso

No Livro dos Atos dos Apóstolos

- Tradução e Comentários –

Luciene de Lima Oliveira

Orientador: Professor Doutor Auto Lyra Teixeira

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas

da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários

para a obtenção do título de Doutor em Letras Clássicas.

Examinada por:

_______________________________________________________

Presidente, Professor Doutor Auto Lyra Teixeira – UFRJ/PPGLC

_______________________________________________________

Professora Doutora Shirley Fátima Gomes de Almeida Peçanha - UFRJ/PPGLC

_______________________________________________________

Professora Doutora Tânia Martins Santos - UFRJ/PPGLC

_______________________________________________________

Professora Doutora Dulcileide Virginio do Nascimento Braga - UERJ

_______________________________________________________

Professor Doutor Amós Coêlho da Silva - UERJ

_______________________________________________________

Professor Doutor Ricardo de Souza Nogueira - UFRJ/PPGLC (Suplente)

_______________________________________________________

Professora Doutora Márcia Regina de Faria da Silva – UERJ (Suplente)

Rio de Janeiro

2 de Fevereiro de 2016

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OS DISCURSOS EPIDÍCTICOS DE PAULO DE TARSO

NO LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS

- Tradução e Comentários -

Luciene de Lima Oliveira

Orientador: Professor Doutor Auto Lyra Teixeira

Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Clássicas (Culturas da Antiguidade Clássica) da Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor

em Letras Clássicas.

O corpus dessa pesquisa são os quatro discursos epidícticos em Antioquia da Pisídia

(At 13. 14-41), em Listra para a multidão (At 14. 14-18), no Areópago de Atenas (At 17.

22-34) e nas escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém (At 21. 40; 22. 1-24) atribuídos

a Paulo de Tarso, mais conhecido como apóstolo Paulo, nascido, provavelmente, entre os

anos 1 e 5 d.C., na cidade de Tarso, na Cilícia (Ásia Menor). Ao anunciar a nova crença em

sua jornada missionária, Paulo, antes perseguidor implacável dos seguidores de Jesus,

pronunciou muitos e variados discursos, diante de públicos bastante heterogêneos, não só

para difundir os seus ideais, mas também para participar de debates ou mesmo se defender

de acusações religiosas e políticas que lhe iam sendo impostas. Assim é que o objetivo da

presente pesquisa é verificar, nesses discursos, como Paulo utiliza os recursos retóricos,

levando também em consideração tanto o cenário (quadro espacial) quanto o momento

(quadro temporal) onde se inserem esses quatro discursos em os Atos dos Apóstolos. Nesse

sentido, o enfoque é pragmático, pois busca considerar o uso da língua em seu contexto,

numa abordagem interacional centrada na análise do discurso, partindo do pressuposto (a

hipótese) de que é possível a aplicação de conceitos aristotélicos no estudo dos discursos

paulinos como eles aparecem no texto em questão. É importante ressaltar também que, não

obstante o livro dos Atos tenha sido escrito em um idioma não mais falado, o chamado

dialeto comum, ou seja, o grego koiné, os excertos tomados como objeto de estudo ainda

fazem ressoar a oralidade característica das práticas oratórias tão marcantes na Antiguidade.

Palavras-chave: Atos dos Apóstolos, Retórica, Apóstolo Paulo, Discursos Paulinos,

Grego Koiné.

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OS DISCURSOS EPIDÍCTICOS DE PAULO DE TARSO

NO LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS

- Tradução e Comentários -

Luciene de Lima Oliveira

Orientador: Professor Doutor Auto Lyra Teixeira

Abstract da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Letras Clássicas (Culturas da Antiguidade Clássica) da Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor

em Letras Clássicas.

The corpus of this research includes the four epideictic speeches attributed to

Paul/Saul of Tarsus: in Antioch in Pisidia (At 13. 14-41), in Lystra to the crowd (At 14.

14- 18), in the Areopagus of Athens (At 17. 22-34) and in the staircases of Antonia Fortress

in Jerusalem (At 21. 40; 22. 1-24. When announcing his new belief in his missionary

journey, the apostle Paul, who had been relentless persecuter of Jesus followers, uttered

several and varied speeches, before a very heterogeneous audience, not only to disseminate

his ideals, but also to participate in debates or even defend himself from religious and

political imposed allegations. Thus, the objective of the present research is to verify, in

these speeches, how Paul uses rethorical resources, taking into account both the scenery

(the spatial context) and the moment (temporal context) in which the speeches attributed to

him are located in the Acts of the Apostles. In this direction, the approach adopted is

pragmatic because it seeks regarding the use of the language in its context, in an

interactional approach focused on the analysis of the speech, on the assumption

(hypothesis) that the usage of aristotelic concepts in the study of Paul‘s speeches as they

appear in the text at hand. It is important to underline that, even though the Acts of the

Apostles was written in a language not spoken anymore, the so-called common dialect, in

other words, Koine greek, the excerpts chosen as objects of analysis still continue to

resonate the oral tradition.

Keywords: Acts of the Apostles, Rethoric, Apostle Paul, Paul's speeches, Koine Greek

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Dedico este trabalho ao *Agnwvstw/ Qew~/, ao ―Deus

Desconhecido‖, a quem os gregos antigos veneravam

mesmo sem conhecê-Lo (At 17. 23) e ao QeoVn

Zw~nta, ao ―Deus Vivo‖, que criou o céu, a terra, o

mar e todas as coisas existentes neles (At 14. 15).

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Ao *Agnwvstw/ Qew~/, ao ―Deus Desconhecido‖, e Zw~nta,

―Vivo‖, fonte de todo poder, de sabedoria e de inspiração,

que renovou minhas forças a cada dia.

Ao meu precioso e digníssimo orientador, Professor Doutor

Auto Lyra Teixeira, pela confiança depositada em mim de

me orientar, de modo muito atencioso, nessa ―odisseia

paulina‖, pelos conselhos sempre enriquecedores e pelo

carinho com que sempre me tratou como sua orientanda. O

senhor é o máximo!

À Profª. Titular Drª Nely Pessanha, minha orientadora no

Mestrado e um paradigma de profissional na área de Letras

Clássicas. Às Professoras Doutoras Shirley F.G. de A.

Paçanha e a Tânia Martins Santos pelos conhecimentos

transmitidos nas aulas de Pós-Graduação em Letras

Clássicas/UFRJ tanto no mestrado quanto no doutorado e

pelas palavras de incentivo para a elaboração dessa tese.

Às Professoras Doutoras e colegas de trabalho do Instituto

de Letras da UERJ: Dulci Nascimento, Elisa Brandão e

Fernanda Lima pelos conhecimentos transmitidos na

graduação em Letras (Português-Grego) na UERJ, quando

eu era ainda uma simples iniciante nas Letras Clássicas, e

pelo incentivo para eu me aprimorar nessa área tão magnífica.

Ao Professor Doutor Amós Côelho da Silva que,

gentilmente, aceitou o convite para participar de minha

banca examinadora.

Para a minha família, em especial, à minha mãe Altair, ao

meu pai, Sebastião, aos meus irmãos Luciana, Tânia e

André, aos meus cunhados Wanderson e Marina e aos meus

sobrinhos Lord, André Felipe, Lucas e Dominique pelo

incentivo, pelo apoio incondicional, pelas orações em meu

favor e pela presença constante em minha vida.

Ao meu primo Júlio Andrade que atendia aos meus

pedidos, quando eu falava: ―primo Júlio, preciso rir‖.

Aos a*gaphtoi~ fivloiaos"queridos amigos", de jornada

nas Letras Clássicas: Simone Bondarczuk e Brian Kibuuka

pelas brilhantes referências bibliográficas e pelas palavras

abençoadas de ânimo.

Aos professores e tradutores: Nathália Gouvêa (inglês),

Wallace Anderson (hebraico), Allan Phillip (latim) e

Marcos André (latim) pelos serviços prestados na língua

inglesa, hebraica e latina.

A todos vocês o meu eterno agradecimento e estima...

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SINOPSE

Tradução dos quatro discursos epidícticos paulinos

reproduzidos por Lucas, o narrador primário do Livro dos

Atos dos Apóstolos. O grego koiné. Considerações sobre a

escritura lucana. Abordagem espacial-temporal e suas

correlações com os discursos do apóstolo Paulo.

Levantamento e análise dos recursos retóricos do apóstolo

empregados em seus discursos. Mapas das viagens

missionárias onde se inserem os discursos estudados.

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253 (...) ou*deVn tw~n a!llwn zwvwn diafevromen, a*llaV pollw~n kaiV tw~/ tavcei kaiV

th~/ r&wvmh/ kaiV tai~ a!llai eu*porivai katadeevsteroi tugcavnomen o!nte: 254

e*ggenomevnou d’ u&mi~n tou~ peivqein a*llhvlou kaiV dhlou~n proV h&ma~ au*touV

periV w%n a#n boulhqw~men, ou* movnon tou~ qhriwdw~ zh~n a*phllavghmen, a*llaV

kaiV sunelqovnte povlei w*/kivsamen kaiV novmou e*qevmeqa kaiV tevcna eu@romen,

kaiV scedoVn a@panta taV di’ h&mw~n memhcanhmevna lovgo h&mi~n e*stin o&

sugkataskeuavsa. 255 ou%to gaVr periV tw~n dikaivwn kaiV tw~n a*divkwn kaiV tw~n kalw~n kaiV tw~n ai*scrw~n e*nomoqevthsen, w%n mhV diatacqevntwn ou*k a#n

oi%oiv t’ h^men oi*kei~n met’ a*llhvlwn. touvtw/ kaiV touV kakouV e*xelevgcomen kaiV

touV a*gaqouV e*gkwmiavzomen. diaV touvtou touV t’ a*nohvtou paideuvomen kaiV

touV fronivmou dokimavzomen: toV gaVr levgein w& dei~ tou~ fronei~n eu

mevgiston shmei~on poiouvmeqa, kaiV lovgo a*lhqhV kaiV novmimo kaiV divkaio

yuch~ a*gaqh~ kaiV pisth~ ei!dwlovn e*sti. 256 metaV touvtou kaiV periV tw~n a*mfisbhthsivmwn a*gwnizovmeqa kaiV periV tw~n a*gnooumevnwn skopouvmeqa:

tai~ gaVr pivstesin, ai% touV a!llou levgonte peivqomen, tai~ au*tai~

tauvtai bouleuovmenoi crwvmeqa, kaiV r&htorikouV meVn kalou~men touV e*n tw~/

plhvqei levgein dunamevnou, eu*bouvlou deV nomivzomen oi@tine a#n au*toiV proV

au&touV a!rista periV tw~n pragmavtwn dialecqw~sin. 257 ei* deV dei~ sullhvbdhn

periV th~ dunavmew tauvth ei*pei~n, ou*deVn tw~n fronivmw prattomevnwn

eu&rhvsomen a*lovgw gignovmenon, a*llaV kaiV mavlista crwmevnou au*tw~/ touV

plei~ston nou~n e!conta (ISOCRATES. Antidosis, 253-257).

253 (...) nenhuma das outras coisas nos diferenciam dos animais, mas

somos inferiores a eles em muitas coisas: quanto à rapidez, quanto ao vigor

e quanto às outras comodidades. 254 Ora, somos inatos pelo fato de nos

convencermos uns aos outros e de mostrar a nós mesmos a respeito dessas

coisas, que deliberamos. Não somente fomos libertos da vida selvagem,

mas também, quando (nos) reunimos, edificamos cidades, estabelecemos

leis, descobrimos artes e as coisas que foram imaginadas por nós; a palavra

é, para nós, aquela que (nos) auxilia, de perto, a tudo. 255 Pois essa

(palavra) deu leis tanto às coisas justas quanto às injustas; tanto às coisas

boas quanto às vergonhosas, das quais, se não tivesse sido ordenada, não

seríamos capazes de habitar em sociedade. Com (a palavra), refutamos os

maus e elogiamos os bons. Através da palavra, instruímos os incultos e

provamos os sensatos. De fato, criamos a palavra como um sinal mais

importante que é necessário para a boa reflexão. E uma palavra verdadeira

tanto conforme a lei quanto conforme a justiça é imagem de uma alma

nobre e crível. 256 Com a palavra, também discutimos a respeito dos

assuntos duvidosos e investigamos a respeito dos assuntos desconhecidos.

Quanto às crenças, as quais, quando falamos, persuadimos os outros,

necessitamos dessas mesmas (crenças), quando deliberamos e chamamos

retóricos aqueles que são capazes de falar à multidão, mas consideramos

aqueles que discutem, muito bem, com eles mesmos, a respeito das

atividades. 257 Em resumo: se é necessário (expor) sobre o poder desta

palavra, reconheceremos que nada, que foi terminado por meio da

inteligência, foi feito em silêncio, mas também (quanto mais) formos

possuidores da reflexão, temos (mais) necessidade dela (= da palavra).

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 12

2. TRADUÇÃO 32

3. ASPECTOS GERAIS DA RETÓRICA 41

4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1 A Arte Retórica Aristotélica 58

4.2 Enfoques Teóricos da Narratologia 83

5. O LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS

5.1 Breve Histórico da Língua Original 94

5.2 A Narratologia nos Atos dos Apóstolos 117

5.3 A Localização Espacial e Temporal dos Discursos Paulinos 151

6. OS DISCURSOS PAULINOS

6.1 Os Discursos Epidícticos 179

6.1.1 O Discurso na Sinagoga em Antioquia da Pisídia

- Notas Introdutórias 179

- Comentários 180

6.1.2 O Discurso em Listra para a Multidão

- Notas Introdutórias 224

- Comentários 235

6.1.3 O Discurso no Areópago de Atenas

- Notas Introdutórias 251

- Comentários 263

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6.1.4 O Discurso nas Escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém

- Notas Introdutórias 308

- Comentários 309

7. CONCLUSÃO 385

8. BIBLIOGRAFIA 402

9. ANEXO

9.1 Mapas 424

9.2 Abreviaturas 427

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1. INTRODUÇÃO

O corpus desta pesquisa são os quatro discursos de Paulo de Tarso, mais conhecido

como apóstolo Paulo, nascido, provavelmente, entre os anos 1 e 5 d.C., na cidade portuária

de Tarso na Cilícia1 (Ásia Menor), conforme mencionado em At 9.11, At 11. 25 e Gl 1. 21.

Fora educado pelo renomado mestre Gamaliel (At 22. 32; Gl 1. 14). Paulo pertencia ao

grupo judaico dos fariseus (At 23. 6)3, era judeu da tribo de Benjamim (Fl 3. 5)4 e cidadão

romano (At 22. 25-29)5.

O seu nome hebraico é לושא , Sha’ul, que teria sido empregado mais nos círculos

judaicos ou em família, mas o seu nome grego, Pau~lo, foi o mais difundido,

principalmente entre o círculo cristão. Na verdade, o grego Pau~lo é uma transcrição do

1 Localizada à costa sul, onde, atualmente, é a Turquia.

2 *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~ Kilikiva, a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei

tauvth/, paraV touV povda GamalihVl pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, zhlwthV

u&pavrcwn tou~ qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron. Eu sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia,

mas educado nesta cidade, instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da lei paterna;

dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós sois hoje (At 22. 3). 3 GnouV deV o& Pau~lo o@ti toV e@n mevro e*stiVn Saddoukaivwn toV deV e@teron Farisaivwn e!krazen e*n tw~/

sunedrivw/, !Andre a*delfoiv, e*gwV Farisai~ov ei*mi, ui&oV Farisaivwn: periV e*lpivdo kaiV a*nastavsew

nekrw~n e*gwV krivnomai. E Paulo, sabendo que uma parte é (= era) de saduceus, mas a outra de fariseus,

começou a bradar no sinédrio: Ó varões irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus!, a respeito da esperança e da

ressurreição dos mortos eu sou julgado (At 23. 6). Entrementes, os fariseus preocupavam-se com a pureza

ritual, em especial, no Templo e adjacências. Apesar de o matrimônio ser recomendado para esses homens,

não há referências concretas de que Paulo, em algum momento, tivesse sido casado e possuísse filhos. 4

5 peritomh~/ o*ktahvmero, e*k gevnou *Israhvl, fulh~ Beniamivn, &Ebrai~o e*x &Ebraivwn, kataV novmon

Farisai~o, 6 kataV zh~lo diwvkwn thVn e*kklhsivan, kataV dikaiosuvnhn thVn e*n novmw/ genovmeno

a!mempto. 5 Quanto à circuncisão, (circuncidado) ao oitavo dia, da raça de Israel, da tribo de Benjamim,

Hebreu dos Hebreus, segundo à lei, fariseu, 6 segundo o zelo, persegui a ekklesía, segundo a justiça na lei, fui

irrepreensível (Fp 3. 5-6). 5

25 w& deV proevteinan au*toVn toi~ i&ma~sin, ei^pen proV toVn e&stw~ta e&katovntarcon o& Pau~lo, Ei*

a!nqrwpon &Rwmai~on kaiV a*katavrkriton e!xestin u&mi~n mastivzein; 26

a*kouvsa deV o* e&katontavrch

proselqwVn tw~/ ciliavrcw/ a*phvggeilen levgwn, Tiv mevllei poiei~n; o& gaVr a!nqrwpo ou%to &Rwmai~ov

e*stin. 27

proselqwVn deV o& cilivarco eipen au*tw~/, Levge moi, suV &Rwmai~o ei^; o& deV e!fh, Naiv. 28

a*pekrivqh deV o& cilivarco, *EgwV pollou~ kefalaivou thVn politeivan tauvthn e*kthsavmhn. o& deV Pau~lo

e!fh, *EgwV deV kaiV gegevnnhmai. 29 eu*qevw ou^n a*pevsthsan a*p’ au*tou~ oi& mevllonte au*toVn a*netavzein,

kaiV o& cilivarco deV e*fobhvqh e*pignouV o@ti &Rwmai~ov e*stin kaiV o@ti au*toVn h^n dedekwv. 25

Quando o

prenderam com as correntes, Paulo disse ao centurião que estava presente: Por um acaso, é permitido a vós

castigar um ser humano romano que não esteja condenado? 26

Ora, o centurião, quando ouviu (isso),

aproximando-se do comandante, anunciou, dizendo: O que estás a ponto de fazer? Por que este homem é

romano. 27

O comandante, aproximando-se, lhe disse: Diga-me: Tu és romano? Ele (Paulo) disse: Sim. 28

O

comandante respondeu: Eu, através de grande soma de dinheiro, consegui esta cidadania‘. Paulo respondeu:

‗Mas eu (tenho direito) por nascimento. 29

Por conseguinte, imediatamente, aqueles que estavam prestes a

interrogá-lo, se afastaram dele e o comandante teve medo, sabendo que era romano e que o tinha prendido (At

22. 25-29).

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latino Paul(l)us6, que ratifica a sua cidadania romana, e não uma tradução do nome

hebraico: Sau~lo dev, o& kaiV Pau~lo (...), ―Ora, Saulo (que) também (é) Paulo (...)‖ (At

13. 9).

A forma latina Paul(l)us é atestada, no tempo de Paulo, como uma espécie de

praenomen, ―primeiro nome‖, como, por exemplo, em Paullus Fabius Maximus. Sublinhe-

se que há exemplos de Paullus ser empregado também como cognomen, ―sobrenome‖, tais

como L. Sergius Paullus, ―Sérgio Paulo‖ (At 13.7). Quanto ao praenomen, ―primeiro

nome‖ e ao cognomen, ―sobrenome‖, há também a seguinte informação:

O primeiro é tão raro quanto o segundo é comum e, no mundo romano, o

cognomen era o nome usado com mais frequência, porque era o mais

específico7. A função dessas observações é propor que Paul(lus) era o

cognomen de Paulo. Contudo, é impossível que um nome tão tipicamente

romano, usado pelas grandes famílias senatoriais dos Aemilii, dos Vettenii

e dos Sergii, deva ser o cognomen de um judeu, cuja família adquirira a

cidadania só uma geração antes. Sherwin-White sugere uma saída para esse

dilema: ―A explicação mais provável para o cognomen Paulus é que foi

escolhido por ser o nome latino mais parecido com o nome hebraico de

Saulo‖ (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 56).

Fabris destaca que é incontestável que Paulo nutre, com naturalidade, de seu mundo

religioso cultural hebraico, mas constata-se, facilmente, que ele escreve suas cartas em

grego e cita a Bíblia na versão grega, a Septuaginta, em uso nas sinagogas da diáspora.

Pensa-se que, nas grandes cidades onde anuncia o evangelho, ele fale o grego, que é a

língua franca de comunicação em todo o Império Oriental. Embora Paulo seja de língua

materna hebraica8, ele teria aprendido o grego como segunda língua não só na escola como

também no contexto de sua primeira formação na cidade de Tarso (FABRIS, 1996, p. 33).

6 A utilização de um nome grego ou latino adicionado em lugar de um nome judaico era comum entre os

judeus da Diáspora (MCKENZIE, 1983, p. 700). Murphy-O‘Connor dá a seguinte explanação: ―Agostinho

acreditava que Paulo, ―o menor dos apóstolos‖ (1 Co 15. 9), escolheu seu nome porque o adjetivo latino

paullus significa ―pequeno‖ (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 58). 7 Por exemplo, nos relatos bíblicos, há poucas referências ao praenomen e ao cognomen de ―Pôncio Pilatos‖:

paraggevllw [soi] e*nwvpion tou~ qeou~ tou~ zw/ogonou~nto taV pavnta kaiV Cristou~ *Ihsou~ tou~

marturhvsanto e*piV Pontivou Pilavtou thVn kalhVn o&mologivan. Ordeno a ti diante de Deus, que faz viver

a todas as coisas, e, diante de Cristo Jesus, que, diante de Pôncio Pilatos, testemunhou a bela confissão (1 Tm

6. 13). Ver também: At 4. 27. Entrementes, ele é intitulado, simplesmente, ―Pilatos‖, isto é, pelo cognomen,

em inúmeras passagens do Novo Testamento: kaiV dhvsante au*toVn a*phvgagon kaiV parevdwkan Pilavtw/

tw~/ h&gemovni. E, após terem amarrado, conduziram e entregaram-no ao governador Pilatos (Mt 27. 2). Ver

também: Mt 27.13, 17, 19, 22, 23, 24, 26, 58, 62, 65; Mc 15. 1, 2, 4, 5, 8, 9, 11, 12, 14, 15, 43, 44. 8 Presume-se que Fabris estivesse se referindo ao aramaico palestinense.

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14

Convém lembrar ainda que, na capital da Cilícia, se falava o grego como língua

corrente, tanto nas relações comerciais quanto na administração e, naturalmente, nas

escolas e nos círculos culturais (ibidem p. 32).

Ora, pode-se dizer que Paulo era, então, portador de uma tríplice cidadania: judaica,

helênica e romana, sendo um grego por formação cultural, já que há evidências de que

tenha recebido uma educação grega9. A propósito, Ferguson considera Paulo como um

―típico representante do movimento helenístico-romano‖ (FERGUSON, 1973, p. 36).

Quanto à língua latina, Ruden diz o seguinte: ―Não se sabe até que ponto ele

conhecia o latim. Os Atos o mostram lidando tranquilamente com funcionários romanos,

mas muitos romanos falavam e liam grego, a língua comercial de todo o Mediterrâneo‖

(RUDEN, 2013, p. 10).

O zelo de Paulo em proclamar a mensagem cristã foi tão intenso quanto na época

em que era um ferrenho perseguidor dos cristãos. Ao anunciar a nova crença em sua

jornada missionária, Paulo, antes perseguidor implacável dos seguidores de Jesus,

pronunciou muitos e variados discursos, diante de públicos bastante heterogêneos, não só

para difundir os seus ideais, mas também para participar de debates ou mesmo se defender

de acusações religiosas e políticas que lhe iam sendo impostas.

Têm-se, desse modo, os seguintes discursos: o discurso em Antioquia da Pisídia (At

13. 16-41); o discurso em Listra para a multidão (At 14. 15-17); o discurso no Areópago de

Atenas (At 17. 22-31); o discurso em Mileto aos presbíteros da ekklesía de Éfeso; o

discurso nas escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém (At 22. 1-21); o discurso no

Sinédrio em Jerusalém (At 23. 1-6); o 1º discurso em Cesareia diante de Marco Antônio

Félix (At 24. 10-21); o 2º Discurso em Cesareia diante de Pórcio Festo (At 25. 8-12); o 3º

discurso em Cesareia diante de Festo e do rei Agripa II (At 26. 2-29); o 1º discurso diante

dos líderes judeus em Roma (At 28. 17-20); o 2º discurso diante dos líderes judeus em Roma

(At 28. 23-28), entre outros.

É bom sublinhar que os três primeiros discursos citados e o quinto fazem parte do

corpus dessa pesquisa.

9 Há mais informações sobre a formação grega de Paulo de Tarso no decorrer da análise dos discursos

paulinos.

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15

Sabe-se que a língua é, de um modo geral, coletiva; todavia, cada indivíduo tem

suas particularidades, suas preferências linguísticas. Então, as estratégias de construção de

um discurso - citações, seleções lexicais, paralelismos, perguntas retóricas, comparações,

operadores argumentativos ... – têm, por escopo, a transmissão de opinião(s) do enunciador

a respeito de algum assunto e conseguir uma aproximação com o seu(s) destinatário(s), de

modo a criar uma cumplicidade entre ambos, para que o(s) destinatário(s) também sejam

seu ―coenunciador‖. Além do mais, por meio das escolhas lexicais, o autor pode criar

determinados efeitos de sentido de modo que reflitam a sua ideologia.

Saussure faz a seguinte observação quanto à língua: ―É, ao mesmo tempo, um

produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias,

adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos‖

(SAUSSURE, 2012, p. 41).

O objetivo da presente pesquisa é verificar, nesses discursos, como Paulo utiliza os

recursos retóricos em seus variados discursos diante de diferentes públicos e situações com

vistas à persuasão de seu auditório, levando também em consideração tanto o cenário

(quadro espacial) quanto o momento (quadro temporal) onde se inserem os discursos que

lhe são atribuídos em os Atos dos Apóstolos. Nesse sentido, o enfoque é pragmático, pois

busca considerar o uso da língua em seu contexto, numa abordagem interacional centrada

na análise do discurso, partindo do pressuposto (a hipótese) de que é possível a aplicação de

conceitos aristotélicos no estudo dos discursos paulinos como eles aparecem no texto em

questão. É importante ressaltar também que, não obstante o livro de Atos tenha sido escrito

em um idioma não mais falado, o chamado dialeto comum, ou seja, o grego koiné, os

excertos tomados como objeto de estudo ainda fazem ressoar a oralidade característica das

práticas oratórias tão marcantes na Antiguidade.

É bom lembrar que Paulo não fazia questão de ser conhecido por suas habilidades

de oratória10. Ora, o apóstolo acreditava que suas palavras emanavam da Deidade,

resultando em uma palavra eficaz, como ele mesmo ratifica em sua epístola aos Coríntios:

10

Contrapondo a Paulo, o livro dos Atos dos Apóstolos dá a seguinte informação sobre Apolo: *Ioudai~o dev

ti *Apollw~ o*novmati, *AlexandreuV tw~/ gevnei, a*nhVr lovgio, kathvnthsen ei* !Efeson, dunatoV w#n

e*n tai~ grafai~. Ora, um judeu de nome Apolo, um homem eloquente, de origem alexandrina, chegou a

Éfeso, e poderoso nas escrituras (At 18. 24).

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16

1 KagwV e*lqwVn proV u&ma~, a*delfoiv, h^lqon ou* kaq’ u&perochVn lovgou

h# sofiva kataggevllwn u&mi~n toV musthvrion tou~ qeou~. 2 ou* gaVr e!krinav ti ei*devnai e*n u&mi~n ei* mhV *Ihsou~n CristoVn kaiV tou~ton e*staurwmevnon. 3 ka*gwV e*n a*sqeneiva/ kaiV e*n fovbw/ kaiV trovmw/ pollw~/

e*genovmhn proV u&ma~, 4 kaiV o& lovgo mou kaiV toV khvrugmav mou ou*k e*n

peiqoi~ sofiva lovgoi a*ll’ e*n a*podeivxei pneuvmato kaiV dunavmew,

5 i@na h& pivsti u&mw~n mhV h/^ e*n sofiva/ a*nqrwvpwn a*ll’ e*n dunavmei

qeou~.

1 E eu, quando cheguei até vós, irmãos, cheguei não por meio de

superioridade de palavra ou de sabedoria, anunciando a vós o mistério de

Deus. 2 Pois escolhi nada saber algo entre vós, senão a Jesus Cristo e esse

crucificado. 3 E eu, em fraqueza e em temor e em muito tremor, fiquei entre

vós. 4 E a minha palavra e a minha proclamação não (consistem) em

palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração de Espírito e de

poder. 5 Para que a vossa fé não fosse (apoiada) em sabedoria de seres

humanos, mas no poder de Deus (1 Co 2. 1-5).

Deve-se destacar, no excerto supracitado, os seguintes termos que constituem

expressões retóricas, tais como: u&perochVn11 lovgou, ―superioridade de palavra‖ (vers. 1), e*n

peiqoi~12 sofiva lovgoi, “em palavras persuasivas de sabedoria‖ (vers. 4), e*n

a*podeivxei, ―em demonstração‖ (vers. 4).

O apóstolo Paulo destaca também que não utilizaria a sofiva/ lovgou, ―sabedoria de

palavra‖: ou* gaVr a*pevsteilevn me CristoV baptivzein a*llaV eu*aggelivzesqai, ou*k e*n

sofiva/ lovgou, i@na mhV kenwqh~/ o& stauroV tou~ Cristou~, ―Cristo, de fato, não me

enviou para batizar, mas evangelizar, não em sabedoria de palavra, para que a cruz de

Cristo não seja anulada‖ (1 Co 1. 17).

Convém citar, ainda, uma das referências de Paulo quanto à utilização adequada do

lovgo: o& lovgo u&mw~n pavntote e*n cavriti, a@lati h*rtumevno, ei*devnai pw~ dei~ u&ma~

e&niV e&kavstw/ a*pokrivnesqai13, ―a vossa palavra (seja) todas as vezes com graça, temperada

com sal, para saberdes como vos convém responder a cada um‖ (Cl 4. 6).

11

u&perochv, h~, ―excelência, prestígio de palavra, superioridade‖ (RUSCONI, 2011, p. 471); ―palavras

pomposas‖ (SCHOLZ, 2007, p. 964); ―proeminência, superioridade‖ (LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 837). 12

Do adjetivo triforme peiqov, hv, ovn, sinônimo de piqanov, hv, ovn, em um sentido ativo: ―capaz de

persuadir, persuasivo‖; em um sentido passivo: ―obediente, dócil‖ (BAILLY, 2000, p. 1554). 13

É bom destacar, no grego bíblico, o emprego de a*pokrivnw antepondo a levgw, ―respondendo, disse‖, uma

vez que constitui uma particularidade do estilo de narrativa hebraica (VINE, 2002, p. 574), por exemplo:

*En e*keivnw/ tw~/ kairw~/ a*pokriqeiV o& *Ihsou~ ei^pen, *Exomologou~maiv soi, pavter, kuvrie tou~ ou*ranou~

kaiV th~ gh~, o@ti e!kruya tau~ta a*poV sofw~n kaiV sunetw~n kaiV a*pekavluya au*taV nhpivoiNaquele

tempo, Jesus, respondendo, disse: ‗Te louvo ó pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas dos

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Não obstante, o estudo da retórica era também necessário ao pregador e ao

missionário; Florescu destaca que era mais para as disputas públicas com os intelectuais

não convertidos (FLORESCU, 1982, p. 77)14.

Ora, da leitura dos escritos de Paulo, tem-se a impressão de que ele se move com

desenvoltura no ambiente cultural greco-romano. Em tal contexto, explica-se também a

afinidade de alguns excertos de Paulo com os modelos expressivos do debate ou diatribe15

em uso entre mestres e propagandistas do estoicismo popular (FABRIS, 1996, p. 33). O

método da diatribe influenciou o estilo literário nos primórdios do cristianismo e é atestado

em escritores como Fílon de Alexandria, Sêneca, Musônio, Epícteto, Máximo de Tiro e,

autores cristãos, notadamente, Paulo16 (KOESTER, 2005, 159-160).

sábios e dos entendidos e revelaste estas mesmas coisas aos pequeninos‘ (Mt 11. 25). Ver também: Mt 17. 4;

28.5; Mc 11. 14; 12. 35; Lc 13. 15; 14. 3; Jo 5. 17, 19.14

Por exemplo, o debate entre Paulo e os filósofos epicureus e estoicos em Atenas (At 17. 18). 15

O filósofo cínico Bion de Boristenes, século III a.C., é considerado o criador do estilo da diatribhv,

diatribe, e foi influenciado pelas filosofias platônica e aristotélica. Tem-se a primeira manifestação desse

estilo nos fragmentos do filósofo Teles, que foram preservados por Estobeu (KOESTER, 2005, 159-160). Não

obstante, o que se considerou como ―diatribe cínica‖ não era, na verdade, puramente cínico, uma vez que se

encontram elementos de outras escolas filosóficas, sobretudo os estóicos. A diatribe possui, na literatura

filosófica, um significado originário que é o de ―conversação‖. Já que é um termo que foi utilizado pelos

estoicos, a diatribe constitui uma forma de expressão, que tem, por objetivo, a reprodução das conversações

ocorridas entre o mestre e os seus discípulos. Assim, seu propósito é, principalmente, didático. Por essa razão,

Halbauer defende a ideia que há quase uma identidade entre diatribe e ensinamento, e também entre

diatribhv e skolhv (HALBAUER apud MORA, 2004, p. 730). Assim é que, no decorrer do século III a.C., a

diatribe, enquanto método, que buscava envolver o leigo, substituiu o diálogo platônico, diálogo esse que se

dirigia para o colega ou aluno de filosofia. A diatribe também, por vezes, escarnecia da linguagem técnica e

empregava a língua usada por pessoas comuns para seus exemplos, sem ter receio de ser rude. Koester afirma

que: ―Objeções de um adversário fictício, perguntas retóricas, anedotas e citações inusitadas são típicas desse

estilo de oratória popular‖ (KOESTER, 2005, p. 159). O pesquisador Moisés lembra que, em meados do

século XVIII d.C., a diatribe passou a readquirir um significado que se conserva até hoje: entende-se por

diatribe como sendo uma espécie de crítica amarga, injuriosa e satírica contra pessoas ou instituições. Têm-

se, como exemplo, alguns excertos de As Farpas (1872-1915), de Ramalho Ortigão e Eça de Queirós, e Os

Gatos (1889-1894) de Fialho de Almeida (MOISÉS, 2004, p. 122). 16

Sublinhe-se que Paulo utiliza, constantemente, o estilo estóico-cínico da diatribe, principalmente, nas

epístolas aos Coríntios e aos Romanos. Digno de nota é o apóstolo Paulo e seus ―debates imaginários‖ com

um ―interlocutor‖ através da utilização de ―Perguntas Retóricas‖ contidas, sobretudo, em Romanos. O

apóstolo levanta questões e indagações para, depois, ele próprio responder. Aliás, uma das características

literárias da epístola aos Romanos e de 1, 2 Coríntios é, justamente, o emprego de ―Perguntas Retóricas‖ para

questionar argumentos (Rm 3. 1-10; 2. 3-4,17-23; 2 Co 11: 22-23). Segue um excerto de Romanos: 1 Tiv ou^n

toV perissoVn tou~ *Ioudaivou h# tiv h& w*fevleia th~ peritomh~; 2 poluV kataV pavnta trovpon. prw~ton

meVn [gaVr] o@ti e*pisteuvqhsan taV lovgia tou~ qeou~. 3 tiv gaVr; ei* h*pivsthsavn tine, mhV h& a*pistiva au*tw~n

thVn pivstin tou~ qeou~ katarghvsei; 4 mhV gevnoito: ginevsqw deV o& qeoV a*lhqhv, pa~ deV a!nqrwpo

yeuvsth, kaqwV gevgraptai. @Opw a#n dikaiwqh~/ e*n toi~ lovgoi sou kaiV nikhvsei e*n tw~/ krivnesqaiv

se. 5 ei* deV h& a*dikiva h&mw~n qeou~ dikaiosuvnhn sunivsthsin, tiv e*rou~men; mhV a!diko o* qeoV o&

e*pifevrwn thVn o*rghVn; kataV a!nqrwpon levgw. 6 mhV gevnoito: e*peiV pw~ krinei~ o& qeoV toVn kovsmon; 7 ei*

deV h& a*lhvqeia tou~ qeou~ e*n tw~/ e*mw~/ yeuvsmati e*perivsseusen ei* thVn dovxan au*tou~. Tiv e!ti ka*gwV w&

a&martwloV krivnomai; 8 kaiV mhV kaqwV blasfhmouvmeqa kaiV kaqwv fasivn tine h&ma~ levgein o@ti

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A propósito, os discursos paulinos se encontram registrados no livro dos Atos dos

Apóstolos (Pravxei tw~n *Apostovlwn), que abrange um período de um pouco mais de 30

anos (de 29 a 61 d.C.), das origens do estabelecimento da Igreja Cristã à prisão de Paulo em

Roma.

Sublinhe-se que o quinto livro do Novo Testamento possui um narrador primário,

Lucas, e um narratário, igualmente primário, Teófilo. Lucas, supostamente, um médico

gentio, teria testemunhado muitos dos fatos que registrou em sua obra. Ele era também

amigo de Paulo, se levarmos em consideração Filemon 24, Colossenses 4. 1417

e Segunda

Epístola a Timóteo 4. 11), e o teria acompanhado, quando o apóstolo empreendeu sua

segunda viagem missionária, conforme constatamos em Atos 16. 11-18.

Em um determinado momento de sua narrativa, Lucas reproduz alguns discursos.

Ressalte-se que os quatro discursos paulinos, que constituem o corpus da pesquisa, são

miméticos18, isto é, reproduzidos pelo narrador primário19.

Poihvswmen taV kakav, i@na e!lqh/ taV a*gaqav; w%n toV krivma e!ndikovn e*stin. 9 Tiv oun; proecovmeqa; ou*

pavntw: proh/tiasavmeqa gaVr *Ioudaivou te kaiV @Ellhna pavnta u&f’ a&martivan ei^nai, 10 kaqwV

gevgraptai o@ti Ou*k e!stin divkaio ou*deV ei%Por conseguinte, qual seria a superioridade do judeu e qual

a utilidade da circuncisão? 2 Muita, sob todos os pontos de vista. Em primeiro lugar, porque foram confiadas

(a eles) as palavras reveladas de Deus. 3 O que exatamente? Porventura, a descrença deles extinguirá a

fidelidade de Deus? 4 Jamais seja (desse modo). Ora, seja Deus verdadeiro, mas todo ser humano mentiroso,

conforme está escrito: A fim de que sejas justificado nas tuas palavras e venças naquilo que tu fores julgado. 5

Ora, se a nossa injustiça mostra a justiça de Deus, diremos o que? Porventura, Deus, que lança a ira, (é)

injusto? Falo como ser humano. 6 Jamais seja (desse modo). De outra maneira, como Deus julgará o mundo?

7

Se por causa da minha mentira, a verdade de Deus sobressai para a sua glória, por que ainda também eu sou

julgado como pecador? 8 E por que nós não falamos como somos injuriados e como alguns dizem (que

falamos): Façamos as coisas perversas, a fim de que venham as coisas boas? Dos quais o juízo é conforme a

justiça. 9 E então? Estamos em uma posição de vantagem? Não absolutamente. De fato, demonstramos com

precedência que todos, tanto judeus quanto gregos, estão sob pecado; 10 como está escrito: Não há nenhum

justo (Rm 3. 1-10). A propósito, a epístola aos romanos é considerada a mais longa e a mais profunda do

ponto de vista teológico dentre todas as epístolas paulinas (Rm 1. 1-5). Paulo expõe, nessa epístola, assuntos

tais como: a justificação de Deus que produz a santificação (Rm 6. 1-23), a lei e a graça (Rm 7. 1-25), a

segurança da salvação (Rm 8. 1-39), a eleição divina (Rm 9. 1-33), etc. A epístola aos Romanos serviu de

‗arma‘ a Santo Agostinho na luta contra Pelágio; os reformadores Lutero e Calvino fizeram dessa epístola um

―baluarte da verdade‖ (CULLMANN, 1982, p. 62). 17

a*spavzetai u&ma~ Louka~ o& i&atroV o& a*gaphtoV kaiV Dhma~. Lucas, o médico amado, vos saúda e

Demas (At Cl 4. 14). Lucas é chamado por Paulo de ―amado‖, retratando um relacionamento respeitoso e

íntimo entre o médico e o apóstolo. 18

Platão emprega os termos διηγήζεις μιμοσμένοσς (PLATÃO. A República. III 394 d) e mimhvsew th\vn

dihvghsin, para se referir aos discursos/relatos imitados/reproduzidos por Homero e outros poetas

(PLATÃO. A República. III 393 c). 19

Não obstante, atestam-se, na narrativa dos Atos, outras referências indiretas às pregações do apóstolo,

conforme os discursos narrativizados: 1 *Egevneto deV e*n *Ikonivw/ kataV toV au*toV ei*selqei~n au*touV ei*

thVn sunagwghVn tw~n *Ioudaivwn kaiV lalh~sai ou@tw w@ste pisteu~sai *Ioudaivwn te kaiV &Ellhvnwn

poluV plh~qo. 2 oi& deV a*peiqhvsante *Ioudai~oi e*phvgeiran kaiV e*kavkwsan taV yucaV tw~n e*qnw~n kataV

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O livro dos Atos foi redigido em grego koiné, provavelmente, entre os anos 60 e 63

d.C. Embora os discursos paulinos estejam registrados em um texto escrito, em uma língua

não mais falada (o grego koiné) e ―situado‖ em vários ambientes, seja judaico ou não, sob

a dominação romana, considerou-se possível uma abordagem retórica, pois a escritura

desses discursos traz, inegavelmente, a marca da oralidade.

É bom citar Saussure, o qual atesta que a língua e a escrita são dois sistemas

distintos de signos; em que o segundo representa o primeiro. O linguista francês faz a

seguinte assertiva: ―a palavra escrita se mistura, tão intimamente, com a palavra falada, da

qual é a imagem, que acaba por usurpar-lhe o papel principal‖ (SAUSSURE, 2012, p. 58)20.

tw~n a*delfw~n. 3 i&kanoVn meVn ou^n crovnon dievtriyan parrhsiazovmenoi e*piV tw~/ kurivw/ tw~/ marturou~nti

e*piV tw~/ lovgw/ th~ cavrito au*tou~, didovnti shmei~a kaiV tevrata givnesqai diaV tw~n ceirw~n au*tw~n. 4

e*scivsqh deV toV plh~qo th~ povlew, kaiV oi& meVn h^san suVn toi~ *Ioudaivoi, oi& deV suVn toi~

a*postovloi. 5 w& deV e*gevneto o&rmhV tw~n e*qnw~n te kaiV *Ioudaivwn suVn toi~ a!rcousin au*tw~n

u&brovsai kaiV liqobolh~sai au*touv, 6 sunidovnte katevfugon ei* taV povlei th~ Lukaoniva Luvstran

kaiV Devrbhn kaiV thVn perivcwron, 7 ka*kei~ eu*aggelizovmenoi h^san. 1 Ora, aconteceu que, em Icônio, eles

entraram juntos na sinagoga dos judeus e falaram de tal modo que veio a crer grande multidão, tanto de

judeus quanto de gregos. 2 Mas os judeus, que não creram, excitaram e irritaram as almas dos gentios contra

os irmãos. 3

Por conseguinte, permaneceram, por muito tempo, falando com confiança no Senhor, aquele que

testemunhava tendo em vista a sua graça; fazendo com que sinais e feitos extraordinários fossem realizados

por meio das mãos deles. 4 A multidão da cidade ficou dividida, e uns eram a favor dos judeus, mas outros,

dos apóstolos. 5

Quando houve a intenção, tanto dos gentios quanto dos judeus, com os seus chefes, para que

os maltratassem e os apedrejassem, 6

fugiram, logo após terem consciência, em direção às cidades da

Licaônia: Listra, Derbe e arredores. 7 E ali estavam evangelizando (At 14. 1-7). Ver também: Atos 13. 5; 44-

52; 14. 1-7; 17. 10-15; 18. 1-4; 18. 5, 19; 19. 8-9. 20

Havelock sublinha que os discursos redigidos por Tucídides dão material suficiente para um estudo

fascinante da ―interpenetração dos estilos oral e escrito de vocabulário e sintaxe‖ (HAVELOCK, 1996, p. 18).

Acredita-se que Tucídides e Heródoto redigiram seus escritos com estilos peculiares. Heródoto, por exemplo,

é mais próximo da forma da composição oral; Tucídides, da forma letrada (ibidem, pp. 31-32). Uma memória

extraordinária é mais compreendida na medida em que ela é exercitada a privar-se da escrita. O emprego de

fórmulas era um bom procedimento para ajudar a memória. Na obra homérica, por exemplo, há,

constantemente, versos, ou hemistíquios, ou grupos de versos, que se repetem (ROMILLY, 2001, pp. 14-15).

Sublinhe-se que a redação dos textos homéricos, como uma composição, teve seu início, provavelmente,

depois de 700 a.C.. No diálogo platônico ―Fedro‖, tem-se registrado um interessante episódio em que Platão

coloca, nas palavras de Tamuz (um personagem ao qual Sócrates fez referência no decorrer do diálogo), ao se

referir à escrita como a responsável por fazer os homens esquecidos, uma vez que não exercitam mais a

memória, em prol da escrita: 274 e o& d’ eipen: w^ tecnikwvtate Qeuvq, a!llo meVn tekei~n dunatoV taV

tevcnh, a!llo deV kri~nai tivn’ e!cei moi~ran blavbh te kaiV w*qeliva toi~ mevllousi crh~sqai: kaiV nu~n 275 a

suv, pathVr w#n grammavtwn, di’ eu!noian tou*nantivon ei^pe h# duvnatai. Tou~to gaVr tw~n maqovntwn

lhvqhn meVn e*n yucai~ parevxei mnhvmh a*melethsiva/, a@te diaV grafh~ e!xwqen u&p’ a*llotrivwn tuvpwn,

ou*k e!ndoqen au*touV u&f’ au*tw~n a*namimnh/skomevnou: ou!koun mnhvmh a*llaV u&pomnhvsew favrmakon

hu%re 274 e Ele (Tamuz) disse: ‗Ó habilidosíssimo Theuth, uma coisa é ser capaz de reproduzir a arte, outra,

de julgar alguma coisa, tanto há a parte do prejuízo quanto do proveito para aqueles que hão de possuir. 275 a

Tu, sendo o pai das escrituras, por benevolência, ordenavas o contrário do que (ela) fosse capaz (de fazer).

Isto, com efeito, introduzirá o esquecimento nas almas daqueles que aprendem pela falta de exercício, posto

que (darão) credibilidade à escrita, (produzida) por hostis caracteres externos, e não do interior; eles se

esquecem por si mesmos. Certamente, não inventaste um remédio para a memória, mas para a recordação‘

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Cristina Mohrmann destaca que ―a koiné grega foi a primeira língua ecumênica que

serviu de intérprete ao pensamento cristão através do mundo antigo‖, tornando-se a língua

do anúncio da mensagem cristã (MOHRMANN apud ELIA, 1979, p. 55).

A mensagem cristã foi levada às cidades do Império Romano por judeus comuns

tais como os primeiros discípulos de Jesus Nazareno, como também por Paulo e outros

homens e, com certeza, também por mulheres. Ora, precisamente, em sua primeira geração,

os líderes do movimento cristão eram judeus. Deve-se lembrar que o Cristianismo primitivo

foi anunciado a gregos, a judeus helenizados e a outros povos helenizados.

Quando a nova mensagem se espalhou pelo mundo, a narrativa dos Atos informa

que era anunciada, inicialmente, nas sinagogas existentes nas cidades21.

A explanação de Cavallo a respeito da mensagem cristã e da escritura é digna de

nota:

Além disso, em suas origens, o cristianismo foi uma religião baseada na

palavra, na pregação, na ―viva voz‖ que, na tradição greco-romana, estava

na base da retórica e do ensino escolar ou técnico, mesmo que o livro

pudesse exercer uma função de guia complementar. Todavia, quando o

cristianismo se confrontou com uma sociedade em que inúmeros indivíduos

tinham acesso à cultura escrita, e compreendeu que é preciso recorrer ao

livro para a difusão de sua mensagem, escolheu decisivamente o códice22

. O

cristianismo, no momento em que se propõe como revelação escrita

destinada a todos, pretendia dirigir-se a indivíduos alfabetizados de

diferentes níveis sociais e culturais: não apenas ao público tradicional

habituado ao livro-rolo, mas também a indivíduos de instrução média ou

baixa (CAVALLO, 2002 b, pp. 91-92).

(PLATO. Phaedrus 274 e, 275 a). No subcapítulo 4.1, há uma exposição sobre a importância da ―memória‖

para um orador. Essa, aliás, é considerada como sendo a quinta parte da retórica para alguns autores latinos. 21

Paulo, imediatamente após sua conversão, ministrou a sua primeira homilia em uma sinagoga de Damasco,

afirmando que Jesus era o Filho de Deus (At 9. 20). Ao chegar a Jerusalém, procurou juntar-se aos discípulos,

mas eles temiam, pois não acreditavam em sua conversão. Mas Barnabé interveio e levou consigo a Saulo e

apresenta-o aos discípulos, contando como se deu a sua conversão e que, em Damasco, já pregara

ousadamente (At 9.26-27). Martini destaca que foi Barnabé quem procurou e acolheu a Paulo, sendo

considerado o amigo, pai espiritual e mestre do apóstolo (MARTINI, 2000, p. 69). Em suas viagens

missionárias, que compreendem um período de mais de vinte anos, Paulo tinha por costume visitar as

sinagogas locais, onde havia a possibilidade de ser convidado, em algum momento, para falar aos presentes.

Convém lembrar que Paulo tinha um intenso desejo de pregar a nova crença. Desse modo, em um cenáculo,

na cidade de Trôade, ele prolongou até a meia noite a sua homilia. O relato dos Atos informa que um jovem

de nome Êutico dormiu, e caiu da janela do terceiro andar durante o longo discurso de Paulo (At 20. 6-12). 22

O códice ou codex, que significa, em latim, "bloco de madeira", "livro", possuía o formato de um livro,

substituindo, então, os rolos de papiro. Inicialmente, eram pequenas tábuas retangulares de madeira, que eram

empilhadas, pois eram mais fáceis de serem manuseadas e escondidas em uma época de perseguições aos

cristãos.

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21

A propósito, a divulgação das ideias cristãs exercia grande fascínio sobre os novos

convertidos e a sua mensagem pregava, entre outras coisas, o monoteísmo. Essa crença fez

com que os convertidos se distinguissem em relação aos seus contemporâneos politeístas e

se assemelhassem aos judeus, dos quais deriva essa crença. Os primeiros cristãos

difundiram sua mensagem através de testemunhos e exemplos pessoais, por sermões, por

epístolas23 etc.

Archibald Robertson pontua que, com exceção de Jesus, Paulo foi o principal

propagador mais hábil da fé cristã (ROBERTSON, 1982, p. 17). Opinião essa

compartilhada por Ruden, que atesta que, após uma década do nascimento de Cristo, nascia

aquele que, talvez, seria considerado ―o maior expoente do cristianismo‖ (RUDEN, 2013,

p. 9)24

.

23

O gênero textual epistolar, do grego e*pistolhv, “epístola‖, possui, de um modo geral, as seguintes

características: remetente, destinatário, local, data, saudação e vocativo, conteúdo, despedida, assinatura,

citem-se, por exemplo: 1 Pau~lo klhtoV a*povstolo Cristou~ *Ihsou~ diaV qelhvmato qeou~ kaiV

Swsqevnh o& a*delfoV 2 th~/ e*kklhsiva/ tou~ qeou~ th~/ ou!sh/ e*n Korivnqw/, h&giasmevnoi e*n Cristw~/

*Ihsou~, klhtoi~ a&givoi, suVn pa~sin toi~ e*pikaloumevnoi toV o!noma tou~ kurivou h&mw~n *Ihsou~ Cristou~

e*n pantiV tovpw/, au*tw~n kaiV h&mw~n: 3 cavri u&mi~n kaiV ei*rhvnh a*poV qeou~ patroV h&mw~n kaiV kurivou

*Ihsou~ Cristou~. 1 Paulo, chamado apóstolo de Jesus Cristo, mediante a vontade de Deus, e o irmão

Sóstenes, 2 à ekklesía de Deus que está em Corinto, santificados em Jesus Cristo, chamados santos, com todos

aqueles que invocam o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo em todo lugar deles e nosso. 3 Graça a vós e paz

da parte de Deus, Nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo (1 Co 1. 1-3). (...) 21 &O a*spasmoV th~/ e*mh~/ ceiriV

Pau~lou. 22 ei! ti ou* filei~toVn kuvrion, h!tw a*navqema. Maranaqa. 23 h& cavri tou~ kurivou *Ihsou~ meq’

u&mw~n. 24 h* a*gavph mou metaV pavntwn u&mw~n e*n Cristw~/ *Ihsou~. 21 A saudação (é minha) de Paulo, com a

própria mão. 22

Se alguém não ama o Senhor, seja maldito. Maranata! 23

A graça do Senhor Jesus (seja)

convosco. 24

O meu amor (seja) com todos vós em Cristo Jesus‖ (1 Co 16. 21-24). Ver também: 2 Co1. 1-2;

13. 11-13; Gl 1. 1-4; 18; Ef 1. 1-2; 6. 21-24), etc. 24

Apesar de ser considerado como um dos maiores pregadores da fé cristã, Paulo menciona, em uma epístola

(2 Co 12. 7-10), a respeito de um certo ―espinho na carne‖, skovloy th~/ sarkiv. Na verdade, não se sabe, ao

certo, que tipo de problema ele tinha, possivelmente, era um problema físico. Há muitas especulações sobre

esse ―espinho‖que assolava o apóstolo: talvez fosse uma tentação persistente, alguma doença crônica,

problemas nos olhos ou na fala, malária, enxaqueca e epilepsia, só para citar algumas especulações. Eis o

excerto: 7 kaiV th~/ u&perbolh~/ tw~n a*pokaluvyewn. dioV i@na mhV u&peraivrwmai, e*dovqh moi skovloy th~/

sarkiv, a!ggelo Satana~, i@na me kolafivzh/, i@na mhV u&peraivrwmai. 8 u&peVr touvtou triV toVn kuvrion

parekavlesa i@na a*posth~/ a*p’ e*mou~. 9 kaiV ei!rhkevn moi: *Arkei~ soi h& cavri mou, h& gaVr duvnami e*n

a*sqeneiva/ telei~tai. h@dista ou^n ma~llon kauchvsomai e*n tai~ a*sqeneivai mou, i@na e*piskhnwvsh/ e*p’

e*meV h& duvnami tou~ Cristou~. 10 dioV eu*dokw~ e*n a*sqeneivai, e*n u@bresin, e*n a*navgkai, e*n diwgmoi~

kaiV stenocwrivai, u&peVr Cristou~: o@tan gaVr a*sqenw~, tovte dunatov eimi. 7 E, por isso, foi me dado

um espinho na carne, para que eu não me ensoberbecesse pela grandeza das revelações. (Esse espinho era) um

mensageiro de Satanás, para me esbofetear, para que não me ensoberbecesse. 8 Por causa disso, invoquei ao

Senhor por três vezes, para que o removesse de mim. 9 E (o Senhor) me disse: A minha graça te é suficiente,

pois o meu poder é concluído na fraqueza. Portanto, com muito ânimo, mais me regozijarei nas minhas

fraquezas, para que o poder de Cristo repouse sobre mim. 10

Por isso, tenho prazer nas fraquezas, nos ultrajes,

nas necessidades, nas perseguições e angústias por Cristo; pois quando sou fraco, então, sou forte (2 Co 12.

7-10).

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22

Além do mais, o apóstolo é considerado o escritor sacro mais proficiente do Novo

Testamento. Paulo escreveu treze epístolas25, denominadas de corpus paulinum, dos vinte e

sete livros do Novo Testamento. Esse possui em torno de duzentos e oitenta e oito

capítulos, e Paulo escreveu cento e quinze, enquanto que os demais escritores, cento e

setenta e três (BRUCE, 1965, p. 102)26.

Várias cartas do Novo Testamento, vinte e uma no total, não eram apenas

missivas27, mas sim ―epístolas‖, um novo tipo de literatura bíblica em que as doutrinas

centrais da fé cristã são apresentadas de forma detalhada e bem argumentada28

. Assim,

essas cartas são de importância inestimável (LAWRENCE, 2008, p. 165)29

.

Devem-se destacar alguns vocábulos que dizem respeito tanto direta quanto

25

Supõe-se que as cartas paulinas eram lidas em uma reunião regular da e*kklhsiva, mas não, de modo

imediato, para todos os grupos de determinada cidade. 26

Rinaldo Fabris destaca que há, em Paulo, grandes evidências que ratificam a sua pessoa e o seu ministério.

O pesquisador salienta, ainda, que há a existência de certas fontes dessas evidências, citem-se, por exemplo:

a) Fontes Cristãs Canônicas – as epístolas paulinas (consideradas as autênticas) e as deuteropaulinas; b)

Fontes Apócrifas – ―Apocalipse de Paulo‖ (século III-IV), ―O Martírio de Paulo‖ (século IV-V), ―Os Atos de

Paulo e Tecla‖ (meados do século II); c) Outras Fontes Profanas – de caráter epigráficos, literários,

arqueológicos, papirológicas etc. São os escritos de Clemente de Roma, Inácio, Policarpo, Marcião, o

―herege‖, entre outros que ajudam a compreender o contexto eclesiástico dos cinco primeiros séculos do

movimento cristão (FABRIS, 1996, pp. 7-12). De acordo com Fabris, as epístolas autênticas são sete, citem-

se em ordem cronológica: 1 Tessalonicenses, 1 Coríntios, Filipenses, Filemom, 2 Coríntios, Gálatas e

Romanos. Não obstante, as deuteropaulinas são atribuídas a Paulo pela tradição: a Epístola aos Hebreus, duas

epístolas enviadas quando ele estava encarcerado, respectivamente, a epístola aos Colossenses e aos Efésios; a

segunda epístola aos Tessalonicenses e as três epístolas pastorais (duas dirigidas a Timóteo e uma a Tito)

(FABRIS, 1996, p. 7). 27

Missivas em um sentido de não serem simples cartas ou bilhetes. 28

Outros apóstolos também redigiram cartas como Pedro que escreveu duas e João que escreveu três. É bem

provável que Tiago e Judas fossem irmãos de Jesus. A autoria da carta aos Hebreus é uma incógnita, há quem

acredite que tenha sido Barnabé ou Apolo (At 4. 36; 18. 24). As cartas eram um meio de se comunicar a

grandes e a pequenas distâncias. Havia um formato padronizado para as comunicações oficiais de reis, para

memorandos, para cartas de advertência, para comunicações privadas entre amigos, parentes etc. As cartas

eram utilizadas para: dar recomendações (2 Co 3. 1-3; 3 Jo), enviar notícias (2 Co 8. 1-7), pedir favores (Rm

16. 1-2; Fl), expor agradecimentos (Fl 1. 3-7; 4. 10-14), dar encorajamento (1 Ts), dar orientações (1 Co 7; 2

Co 8). É bom lembrar que, nas epístolas do Novo Testamento, seus escritores possuíam secretários (Rm 16.

22; 1 Pd 5. 12), ainda que Paulo, geralmente, adicionasse uma informação final de seu próprio punho (1 Co

16. 21; Gl 6. 11; Cl 4. 18; 2 Ts 3. 17). Os oficiais romanos utilizavam o cursus publicus, cavaleiros que se

posicionavam ao longo das estradas, para o envio de comunicações oficiais. O livro do Apocalipse registra

cartas às sete ekklesíai da Ásia: a Éfeso (Ap 2. 1-7), a Esmirna (Ap 2. 8. 11), a Pérgamo (Ap 2. 12-17), a

Tiatira (Ap 12. 18-29), a Sardes (Ap 3. 1- 6), à Filadélfia (Ap 3. 7-13), à Laodiceia (Ap 3. 14-22): KaiV tw~/

a*ggevlw/ th~ e*n Laodikeiva/ e*kklhsiva gravyon (...). E, ao mensageiro da ekklesía em Laodiceia, escreve

(...) (Ap 3. 14). 29

Inúmeras cartas do Império Romano foram preservadas. Tais como as cartas de Cícero (106-46 a.C.) e de

Plínio (61-112 d.C.), além de outros registros escritos como, por exemplo, os papiros de Oxyrhynchus (atual

Behnesa), na localidade do Egito. Ora, as cartas encontradas no Egito foram escritas em koiné, língua

utilizada tanto por homens quanto por mulheres do povo na parte oriental do Império Romano. A propósito,

essas escrituras esclarecem vários vocábulos e expressões que foram empregados pelos autores das cartas

preservadas no Novo Testamento (LAWRENCE, 2008, p. 164).

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23

indiretamente à mensagem cristã: a*ggeliva30, ―anúncio, mensagem, notícia, proclamação‖

(1 Jo 1. 5; 3. 11)31; khvrugma32

, ―o que é proclamado por um arauto, proclamação,

pregação‖ (Tt 1. 3; Rm 16. 25)33

; khruvssw34, ―sou arauto: proclamo, anuncio, divulgo‖ (Tt

1. 3)35

; eu*aggevlion36, ―boas novas, evangelho, boa notícia‖ (Mt 4. 23; Rm 1. 16)37

;

eu*aggelivzw38, ―trago boas notícias, anuncio boas novas, prego o evangelho, evangelizo‖,

verbo denominativo de eu*avggelo39 ―o que traz boas notícias, boas novas, o evangelho‖

30

O vocábulo a*ggeliva é um substantivo formado de radical nominal a!ggel- (de a!ggelo"mensageiro") +

sufixo –iva, formador de substantivos femininos, que exprime uma qualidade, sendo esses substantivos

oriundos de adjetivos. Assim, h& a*ggeliva, ―a mensagem‖, seria a ―qualidade de quem é mensageiro‖.

Chantraine atesta que a*ggeliva funciona como um nome de ação de a*ggevllw, ―anuncio‖ (CHANTRAINE,

1968, p. 8). 31

KaiV e!stin au@th h& a*ggeliva h$n a*khkovamen a*p’ au*tou~ kaiV a*naggevllomen u&mi~n, o@ti o& qeoV fw~

e*stin kaiV skotiva e*n au*tw~/ ou*k e!stin ou*demiva. E esta é a mensagem que ouvimos da parte dele e

anunciamos a vós, que Deus é luz e não há nenhuma treva(s) nele (1 Jo 1. 5). Vine atesta que, em alguns

manuscritos, encontra-se e*paggeliva em 1 Jo 1. 5 (VINE, 2002, p. 784). Normalmente, e*paggeliva traduz-se

por ―promessa‖ (At 26. 6; Gl 3. 16; Ef 2. 12; Hb 7. 6). 32

O vocábulo khvrugma, ―proclamação‖, é um substantivo de ação de khruvssw. É formado do radical

nominal khrug- (de khrug > kh~rux, ―arauto‖, ―mensageiro oficial‖, principalmente, na guerra ou nas

relações diplomáticas e também um funcionário que convoca uma assembleia (CHANTRAINE, 1970, p.

527)) + sufixo -ma, que indica o resultado ou o produto da ação. 33

e*fanevrwsen deV kairoi~ i*divoi toVn lovgon au*tou~ e*n khruvgmati, o$ e*pisteuvqhn e*gwV kat’ e*pitaghVn

tou~ swth~ro h&mw~n qeou~. Ora, em tempos próprios, manifestou a sua palavra mediante a proclamação, que

eu fui comissionado segundo o decreto de Deus, nosso Salvador (Tt 1. 3). 34

O vocábulo khruvssw, ―sou arauto‖, é um verbo denominativo, formado de radical nominal de khrug- +

vogal temática alongada –o, que serve de desinência –w. Ressalte-se que o radical em gutural foi alterado

pelo sufixo –j, que forma verbos denominativos em –ssw. 35

a*mhVn levgw u&mi~n, o@pou e*aVn khrucqh~/ toV eu*aggevlion tou~to e*n o@lw/ tw~/ kovsmw/, lalhqhvsetai kaiV o$

e*poivhsen au@th ei* mnhmovsunon au*th~. Verdadeiramente, vos digo: ‗Por onde for proclamado este

evangelho em todo o mundo, será dito também o que esta (mulher) fez para o seu memorial (Mt 26. 13); Tw~/

deV dunamevnw/ u&ma~ sthrivxai kataV toV eu*aggevliovn mou kaiV toV khvrugma *Ihsou~ Cristou~, kataV

a*pokavluyin musthrivou crovnoi ai*wnivoi sesighmevnou. Àquele que é poderoso para vos confirmar

segundo o meu evangelho e a proclamação de Jesus Cristo, segundo a revelação do mistério envolvido em

silêncio em tempos eternos (Rm 16. 25). 36

O vocábulo eu*aggevlion, ―evangelho‖, é um substantivo formado de prefixo-adverbial, eu^, ―bem‖, ―bom‖,

+ radical nominal a!ggel- (de a!ggelo"mensageiro"). 37

Ou* gaVr e*paiscuvnomai toV eu*aggevlion, duvnami gaVr qeou~ e*stin ei* swthrivan pantiV tw~/

pisteuvonti, *Ioudaivw/ te prw~ton kaiV @Ellhni. De fato, não me envergonho do evangelho, pois é o poder

de Deus para salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e (depois) do grego (Rm 1. 16). KaiV

perih~gen e*n o@lh/ th~/ Galilaiva/ didavskwn e*n tai~ sunagwgai~ au*tw~n kaiV khruvsswn toV eu*aggevlion

th~ basileiva kaiV qerapeuvwn pa~san novson kaiV pa~san malakivan e*n tw~/ law~/. E percorria em toda a

Galileia, ensinando entre as sinagogas deles e proclamando o evangelho do reino e curando toda doença e

toda enfermidade (Mt 4. 23). 38

O vocábulo eu*aggelivzw é um verbo denominativo, formado de prefixo-adverbial eu^, ―bem‖, ―bom‖ +

radical nominal de a!ggel- (a!ggelo"mensageiro") + sufixo -ivzw, que indica uma repetição. 39

O vocábulo eu*avggelo é um substantivo, formado de prefixo-adverbial eu^, ―bem‖, ―bom‖ + radical

nominal a!ggel- (de a!ggelo"mensageiro"). Assim, o& eu*avggelo seria ―o que leva uma boa nova‖. A

propósito, a!ggeloem Homero, diz respeito aos mensageiros dos deuses, principalmente, de Íris: 785

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(Mt 26. 13; At 14. 15)40, etc.

Uma das mensagens da nova crença era a grande importância do amor divino acima

de todas as coisas (Jo 15. 9; Rm 5. 841) e o amor cristão a todos os homens, sem exceções

(Jo 15. 11-1242; Mt 22. 37-39).

Ora, a mensagem do Cristianismo está centrada na pessoa de Jesus, posteriormente,

considerado o Cristo, que seria o Salvador dos homens (Lc 2. 11)43 e que, certa vez, havia

―ressuscitado‖, vencendo, assim, a morte. A propósito, a ressurreição do Nazareno

constituía um alicerce importante para a mensagem da nova crença: ei* dev CristoV ou*k

e*ghvgertai, kenoVn a!ra [kaiV] toV khvrugma h&mw~n, kenhV kaiV h& pivsti u&mw~n, ―Ora, se

Cristo não ressuscitou, a nossa proclamação (é) inútil e inútil a vossa fé‖ (1 Co 15. 14).

Primitivamente, considerava-se o Cristianismo como uma seita judaica, que

defendia a ideia de que Jesus Nazareno era o Messias esperado pelos judeus. Então, os

apóstolos propagaram a nova crença e os seus ideais, primeiramente, aos próprios judeus. A

propósito, uma das características da religião, na época de Paulo, era, justamente, o

sincretismo religioso. O Judaísmo e o Cristianismo se distinguiam em uma época cheia de

crenças.

Para os cristãos, o domínio da fé, pivsti, não é mais daquelas coisas perceptíveis;

bem ao contrário, está dentro do invisível, considerado superior e, por consequência, fora

TrwsiVn d’ a!ggelo h^lqe podhvnemo w*keva ^Iri 786 paVr DioV ai*giovcoio suVn a*ggelivh/ a(legeinh~/.

785 Íris, anjo-de-Zeus, alados-pés-de-brisa, 786 vem aos Troianos com anúncio lutuoso (HOMERO. Ilíada II.

vv. 785-786). Tradução de Haroldo de Campos. Ver também: Ilíada III. v. 121. 40

kaiV levgonte!Andre, tiv tau~ta poiei~te; kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi

eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein e*piV qeoVn zw~nta, o$ e*poivhsen toVn

ou*ranoVn kaiV thVn gh~n kaiV thVn qavlassan kaiV pavnta taV e*n au*toi~. E dizendo: Ó varões, por que

fazeis estas coisas? Nós também somos seres humanos da mesma natureza como vós; (vos) anunciamos o

evangelho, para converterdes destas coisas inúteis ao Deus vivo, que criou o céu e a terra e o mar e todas as

coisas (existentes) neles (At 14. 15). 41 Sunivsthsin deV thVn e&autou~ a*gavphn ei* h&ma~o& qeov, o@ti e!ti a&martwlw~n o!ntwn h&mw~n CristoV

u&peVr h&mw~n a*pevqanen. Ora, Deus prova o seu próprio amor para conosco, pois sendo nós, ainda, pecadores,

Cristo morreu em nosso favor (Rm 5. 8). 42 11 Tau~ta lelavlhka u&mi~n i@na h& caraV h& e*mhV e*n u&mi~n h^/ kaiV h& caraV u&mw~n plhrwqh~/. 12 au%th e*stiVn

h& e*ntolhV h& e*mhv, i@na a*gapa~te a*llhvlou kaqwV h*gavphsa u&ma~. 11 Vos falei estas coisas, para que a

minha alegria esteja entre vós e a vossa alegria seja completa. 12

O meu mandamento é este: que vos ameis

uns aos outros do mesmo modo que vos amei (Jo 15. 11-12). 43

10

kaiV ei^pen au*toi~ o& a!ggelo, MhV fobei~sqe, i*douV gaVr eu*aggelivzomai u&mi~n caraVn megavlhn h@ti

e!stai pantiV tw~/ law~/, 11 o@ti e*tevcqh u&mi~n shvmeron swthVr o@ e*stin CristoV kuvrio e*n povlei Dauivd. 10

E o anjo lhes disse: Não temais, eis que anuncio a vós boas notícias de grande alegria, que será a todo o

povo: 11

hoje, vos nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor na cidade de Davi (Lc 2. 10-11).

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da competência da razão (FLORESCU, 1982, p. 71)44. Ruden faz uma síntese sobre a fé,

levando em consideração a visão grega, romana e cristã:

(A fé), para os gregos era uma palavra poderosa, pistis; e, para os romanos,

fides, da mesma raiz indo-europeia e com os mesmos significados básicos,

era uma das cinco mais poderosas em sua língua. Pistis/fides sempre teve a

ver com confiabilidade ou confiança, porém seu uso entre os politeístas era

quase o oposto dos usos no Novo Testamento. A pistis/fides politeísta era

uma boa garantia: um penhor ou compromisso, frequentemente baseado

num juramento assustador (quem jurava podia invocar para sua destruição,

no caso de estar mentindo, os poderes da terra, do céu e do mundo inferior);

a experiência anterior da boa-fé ou da credibilidade de um homem de

negócios; a confiabilidade de longo prazo de amigos, parentes,

companheiros ou concidadãos; ou uma prova ou argumento muito

persuasivo. Pistis/fides também podia ser o sentimento de confiança

proveniente de qualquer dessas coisas. Eu poderia citar inúmeros discursos

de Cícero para mostrar a palavra sendo usada em situação de vai ou racha,

ou de vida e morte. Escritores moralistas romanos de todos os tipos eram

apaixonados por ela: prisca fides, ou ―confiabilidade de outrora‖, resumia a

fantasia de um tempo em que todo mundo mantinha a palavra ou era

amarrado a quatro cavalos que, depois, eram chicoteados para correr em

direções divergentes.

Confiança, ou confiabilidade, como todas as demais coisas

importantes, era uma divindade; mas o Terror também era. Antes do

cristianismo, nem os gregos nem os romanos parecem ter usado o conceito

no que poderíamos chamar de sentido espiritual – isso, para eles, o teria

desintegrado e alterado para sempre, o que foi, de fato, o que o cristianismo

fez. Pistis/fides, para os antigos politeístas, vinha de tomar precauções.

Nossa ―fé‖ vem da versão ágape do amor, isto é, pôr de lado a autoproteção

consciente e confiar na providência de Deus (RUDEN, 2013, pp. 56-57).

É conveniente fazer um adendo com a pístis platônica como um meio de inspirar

confiança, de persuadir (PLATO. Phaedo 70 b) ou de crença (PLATO. Republic 6. 505 e).

44

Digno de nota é o conceito de fé atestado no escrito neotestamentário: 1 !Estin deV pivsti e*lpizomevnwn

u&povstasi, pragmavtwn e!legco ou* blepomevnwn. 2 e*n tauvth/ gaVr e*marturhvqhsan oi& presbuvteroi. 3

Pivstei noou~men kathrtivsqai touV ai*w~na r&hvmati qeou~, ei* toV mhV e*k fainomevnwn toV blepovmenon

gegonevnai. 1 Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem.

2 Nesta

(fé), os antigos foram elogiados. 3 Por meio da fé, compreendemos que os mundos foram criados pela palavra

de Deus, de modo que aquilo que pode ser visto foi criado das coisas que não estavam visíveis. (Hb 11. 1-3).

.ei! ge e*pimevnete th~/ pivstei teqemeliwmevnoi kaiV e&drai~oi kaiV mhV metakinouvmenoi a*poV th~ e*lpivdo

tou~ eu*aggelivou ou% h*kouvsate, tou~ khrucqevnto e*n pavsh/ th~/ u&poV toVn ou*ranovn, ou% e*genovmhn e*gwV

Pau~lo diavkono. Se, realmente, permaneceis alicerçados e inabaláveis na fé e não vos fazendo afastar da

esperança do evangelho que ouvistes, que foi proclamado a toda (criatura) debaixo do céu; do qual eu, Paulo,

me tornei diácono (Cl 1. 23). Ver também: Mt 17. 20; Rm 5. 2.

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Swvkrate, w& a*lhqh~ e*stin a$ suV levgei: a*llaV tou~to dhV i!sw ou*

ko*livgh paramuqiva dei~tai kaiV pivstew, w& e!sti te yuchV a*poqanovn

toutou~ a*nqrwvpou kaiv tina duvnamin e!cei kaiV frovnhsin (PLATO.

Phaedo 70 b).

Tudo isso, Sócrates, me parece muito bem dito. Mas, no que se refere à

alma, os homens têm grande dificuldade em acreditar. Quem sabe, dizem

eles, se, quando ela se separa do corpo, não ficará em parte nenhuma,

corrompendo-se e perdendo-se no próprio dia em que o homem morre45

.

505 d o@ dhV diwvkei meVn a@pasa yuchV kaiV touvtou e@neka pavnta 505 e

pravttei, a*pomanteuomevnh ti einai, a*porou~a deV kaiV ou*k e!cou

salabei~n i&kanw~ tiv pot’ e*stiVn ou*deV pivstei crhvsasqai monivmw/ oi@a/ kaiV periV ta%lla, diaV tou~to deV a*potugcavnei kaiV tw~n a!llwn ei! ti

o!felo h^n, periV dhV toV toiou~ton kaiV tosou~ton (PLATO. Republic 6.

505 e).

Ora, esse bem que toda a alma busca alcançar e por amor do qual tudo faz;

esse bem cuja existência e importância ela pressupõe, embora com incerteza

e sem alcançar definí-lo nem apoiar em bases sólidas a crença que nele tem

como o faz em relação a outras coisas, donde resulta que essas coisas, em

vez de úteis, se lhes tornam como que perdidas46

.

Após fazer essas considerações, apresentam-se, agora, as partes que compõem esta

tese. Essa é dividida em nove capítulos, dos quais três desenvolvem as questões centrais

desta pesquisa, ou seja, os capítulos quatro, cinco e seis.

O presente capítulo, que é um estudo introdutório, expõe, principalmente, o corpus

e o objetivo que norteiam a pesquisa, entre outras informações.

O segundo capítulo apresenta a tradução integral dos discursos. Inicialmente, foram

feitas as traduções dos excertos paulinos alicerçadas no texto grego The Greek New

Testament de Kurt Aland et alii, 4ª edição revisada, texto editado pela Sociedade Bíblica do

Brasil. A propósito, o aparato crítico da obra supracitada foi de grande relevância para a

elaboração desta pesquisa.

Entrementes, dentre a bibliografia empregada para as traduções, destacam-se quatro

livros, a saber: O Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo

Testamento de W.E. Vine, Dicionário do Grego do Novo Testamento de Carlo Rusconi,

45

Tradução de Fernando Melro. 46

Tradução de Eduardo Menezes.

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27

Dicionário Grego-Português do Novo Testamento Grego de Vilson Scholz e, por fim,

Dictionnaire Grec-Français de Anatole Bailly.

As três primeiras obras foram utilizadas, principalmente, para fazer um

levantamento em relação à semântica específica de determinados vocábulos dentro do

contexto do grego bíblico. Já a obra de Bailly foi de suma importância para fazer não

somente um cotejo de certos vocábulos com os dicionários específicos da koiné bíblica

como também para depreender significados especiais de algumas partículas.

Sublinhe-se que as traduções dos excertos latinos, utilizados no decorrer da tese, de

Plínio, o Velho (PLINY. The Natural History 2.5); de Cícero (CICÉRON. De Oratore II,

XV, 62-63; CICÉRON. De Oratore 1. 46, 20, 72; CICERO. Orator 3.12; 19. 61; 25. 85;

CICÉRON. Brutus, 215, 301); de Ovídio (OVIDIUS. Metamorphoses 8. 627-628); de

Horácio (HORACE. Odes 1.2, 40–50) são do professor Allan Phillip C. de Oliveira; Já o

excerto de Ovídio (OVIDIUS. Metamorphoses 1. 200-220; 8. 629-637) e de Cícero

(CICERO. De Natura Deorum 1. 77) são do professor Marcos André Menezes dos Santos.

A digitação e a revisão dos excertos em hebraico são do professor Wallace

Anderson C. Silva. A tradução do Antigo Testamento é de David Gorodovits e Jairo

Fridlin, editada pela Sêfer.

O terceiro capítulo intitulado ―Aspectos Gerais da Retórica‖ versa sobre as possíveis

origens e funções da retórica, além de outras informações.

O quarto capítulo, com dois subcapítulos, apresenta os pressupostos teóricos. O

primeiro subitem constitui um resumo dos principais pontos da Arte Retórica aristotélica.

&H &RhtorikhV Tevcnh, ―A Arte Retórica‖, de Aristóteles é digna de nota, uma vez

que é considerada de grande valor, ainda, nos dias atuais, para os estudos retóricos. A

análise dos discursos paulinos em os Atos dos Apóstolos será alicerçada nos pressupostos

teóricos da ―Arte Retórica‖.

Tivemos as traduções dos excertos da obra supracitada, utilizando o texto grego

editado pela Les Belles Lettres. Os Tomos I e II foram estabelecidos por Médéric Dufour

(edição de 1967) e o Tomo III, por Médéric Dufour e André Wartelle (edição de 1973). Já

para as traduções dos pequenos excertos da Poética, foi utilizado o texto grego editado

também pela Les Belles Lettres, estabelecido por J. Hardy (edição de 1979).

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O método utilizado é o da análise discursiva, que seguirá os moldes apresentados

por Aristóteles, a quem se atribui uma teoria mais sistemática sobre os gêneros e sobre a

natureza do discurso. Assim é que se pretenderá classificar os discursos paulinos de acordo

com os gêneros dos discursos que o Estagirita expõe em sua obra e dividí-los, levando em

conta as três principais partes do discurso retórico aristotélico: 1) o proêmio (toV

prooivmion); 2) a narração (h& dihvghsi), contendo as provas (ai& pivstei) técnicas

(e!ntecnoi) e as extratécnicas (a!tecnoi); 3) o epílogo (o& e*pivlogo) (ARISTOTE.

Rhétorique III).

É bom lembrar que, já que os discursos paulinos pertencem à narrativa dos Atos dos

Apóstolos, há um estudo sobre os ―Enfoques Teóricos da Narratologia‖, que é o segundo

subcapítulo do quarto capítulo. Nesse subcapítulo, fazem-se referências à estrutura da

narrativa e as suas três categorias fundamentadas no tempo, no modo e na voz47

. Utilizou-

se, principalmente, a teoria de Genette, cotejando, sempre que necessários, com outros

teóricos tais como Barthes e Todorov. Assim é que, levando em conta os pressupostos

teóricos, os discursos paulinos serão estudados por um viés linguístico-literário.

O quinto capítulo, com seus três subcapítulos, expõem considerações a respeito da

koiné em uma abordagem histórica, linguística e teológica, como veículo de uma

comunicação universal na época vigente. Em seguida, há informações a respeito do livro

dos Atos dos Apóstolos; por fim, encerrando o capítulo, tem-se a localização espacial e

temporal dos discursos paulinos.

O sexto capítulo apresenta os quatro discursos reproduzidos de Paulo, que serão

comentados. É bom sublinhar que esses discursos estão em uma ordem cronológica dos

fatos.

47

O tempo seria a relação temporal entre a história (isto é, os acontecimentos) e a narrativa (como esses

acontecimentos são narrados). O modo da narrativa é o tipo de discurso que o narrador utiliza para se fazer

conhecer a história (TODOROV, 2011 b, p. 241): a) O Discurso Narrativizado ou Contado em que o próprio

narrador conta; b) O Discurso Transposto que é considerado um discurso intermediário entre o discurso

narrativizado e o imitado, com uma pequena presença de um narrador; c) O Discurso Imitado que é o discurso

fictício. Na verdade, acredita-se que tenha sido pronunciado, na íntegra, pela personagem, o ―narrador finge

ceder, literalmente, à palavra à sua personagem‖ (GENETTE, 1995, pp. 169-170). Por fim, a voz é como se dá

a narração dentro da narrativa, levando em consideração dois aspectos: por quem (= narrador) e para quem (=

narratário ou destinatário real ou fictício) os acontecimentos são relatados.

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29

A análise do discurso, muitas vezes, se encontra com a pragmática, uma vez que é

preciso levar em conta os parâmetros pragmáticos48

; ora, ambas são disciplinas da

linguística.

Assim, o significado e a interpretação dos vocábulos e das frases, ou seja, do

enunciado, se ficar focado, somente, na análise semântica, na informação linguística, por

vezes, pode não ser compreensível. Para tal, é necessária uma análise pragmática, sem

desconsiderar, então, o contexto histórico, as regras sociais, os costumes, enfim, os usos

linguísticos dos interactantes: quem disse, em que circunstâncias e com que intenção. Com

isso, não se devem ignorar as informações extralinguísticas, contextuais, que interferem no

enunciado, uma vez que há toda uma gama de informações importantes.

O usuário da língua, além de empregar todo um conjunto de conhecimentos

linguísticos, utiliza também os extralinguísticos.

É por isso que, antes da análise discursiva paulina, propriamente dita, levar-se-á em

conta também o contexto histórico, com atenção especial aos aspectos sociais e religiosos

em que os discursos de Paulo se inserem49.

Maingueneau faz a seguinte observação quanto à pragmática:

De fato, se a definirmos como o ―estudo da linguagem em contexto‖, isso

em nada prejulga a disciplina que deve se encarregar desse estudo; do

sociólogo ao lógico, as preocupações pragmáticas atravessam o conjunto

das pesquisas que tratam do sentido e da comunicação. Dessa forma, muitas

vezes se vê a pragmática ultrapassar o contexto do discurso para se tornar

uma teoria geral da ação humana. Esses fatores de diversificação permitem

compreender por que a pragmática se apresenta como um conglomerado de

campos permeáveis uns aos outros, todos preocupados em estudar ―a

linguagem em contexto‖ (MAINGUENEAU, 1996, p. 3). Colocando no

centro de sua perspectiva as estratégias dos participantes da interação

verbal, que entendem agir sobre o outro permanecendo dentro do discurso,

a pragmática reativou naturalmente o interesse pela argumentação (ibidem,

p. 61).

48 Normalmente, a restrição da pragmática como sendo um campo próprio do estudo da linguagem, é

atribuída ao filósofo americano C. Morris (e não a um linguista), que dividiu a compreensão de qualquer

linguagem em três campos: 1) a sintaxe; 2) a semântica; 3) a pragmática. Maingueneau faz a seguinte

observação da relação entre a pragmática e outros campos do saber: (...) a pragmática tem como contexto

cultural privilegiado a filosofia anglo-saxônica. Originando-se das reflexões dos filósofos e lógicos, em nada

é apanágio dos linguistas e abre-se igualmente para a sociologia ou para a psicologia (MAINGUENEAU,

1996, p. X). 49

De acordo com o subcapítulo 5.3, intitulado ―A localização Espacial e Temporal dos Discursos Paulinos‖.

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30

A propósito, convém citar Michel Foucault que salienta que, em todas as

sociedades, a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e redistribuída

por determinados procedimentos externos e internos de repressão e delimitação do discurso

(FOUCAULT, 2009, pp. 8-9)50.

Ora, Michel Pêcheux destaca que a luta de classes é o encontro entre dois mundos

distintos e pré-existentes, em que cada um possui suas práticas e suas concepções do

mundo, resultando na vitória da classe ―mais forte‖. Essa, por sua vez, imporia a sua

ideologia a outra. Há uma oposição dessas duas forças em um mesmo espaço, sendo que a

ideologia ―recruta‖ sujeitos entre os indivíduos (como os militares são recrutados entre os

civis). O sentido de uma palavra, de uma expressão e de uma proposição é determinado

pelas posições ideológicas que estão em vigor no processo sócio-histórico no qual as

palavras, as expressões e as proposições são produzidas. Assim é que Pêcheux denomina de

formação discursiva aquilo que, em uma formação ideológica determinada pelo estado da

luta de classes, determina o que pode e deve ser dito. Na verdade, os indivíduos são

sujeitos-falantes através das formações discursivas que representam, na linguagem, as suas

formações ideológicas. Para Pêcheux, não há sujeitos individuais no discurso, mas sim

―formas-sujeito‖, isto é, existe um ajustamento do sujeito à ideologia (PÊCHEUX, 1997,

pp. 144-158).

50 Em relação aos procedimentos externos, cita: a Interdição que é um recurso que limita a enunciação do

discurso, isto é, há tabus, uma vez que nem tudo pode ser dito por qualquer pessoa em determinados lugares e

circunstâncias, havendo, então um certo distanciamento da transparência do discurso. Há também a Exclusão

(Separação) / Rejeição, onde o filósofo faz uma oposição entre a razão e a loucura; dá como exemplo o

discurso do louco, que a sociedade não entende, e tem o seu discurso anulado, pois não é considerado um

discurso verdadeiro, não há uma palavra de verdade e, além do mais, não há interesse em ouví-lo

(FOUCAULT, 2009, pp. 10-12). Para Foucault, os discursos são influenciados por regras sociais,

institucionais e detentoras de saber, garantindo aos discursos o poder de serem vistos como verdadeiros. Já em

relação aos procedimentos internos, o filósofo faz referência ao Comentário que ―permite-lhe dizer algo além

do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito‖ (ibidem, pp. 25-26). O Autor é um

outro elemento de controle interno do discurso, uma vez que há imposições de regras para o sujeito do

discurso. A Disciplina é um outro tipo de controle da produção do discurso, impondo limites e regras.

Foucault expõe as regras a fim de que os sujeitos possam formular seus discursos: a) o ―Ritual‖ que especifica

as qualificações que os indivíduos que falam devam possuir, definindo os gestos, as circunstâncias e a eficácia

suposta ou imposta das palavras e o efeito de um discurso sobre os ouvintes; b) As ―Sociedades de Discurso”

cuja função é ―conservar ou produzir discursos, mas para fazê-los circular em um espaço fechado, distribuí-

los somente segundo regras estritas‖ (ibidem, p. 39); c) As ―Doutrinas‖, ao contrário das ―Sociedades de

Discurso‖, têm por objetivo a difusão de seu discurso para inúmeras pessoas; todavia, ―a única condição

requerida é o reconhecimento das mesmas verdades e a aceitação de certa regra – mais ou menos flexível – de

conformidade com os discursos validados‖ (ibidem, p. 42). A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de

enunciação e lhes proíbe, consequentemente, todos os outros; d) o ―Sistema Educacional‖, onde os indivíduos

possuem acesso a variados discursos. O Sistema Educacional é ―uma maneira política de manter ou de

modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo‖ (ibidem, p. 44).

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O sétimo, o oitavo e o nono capítulo expõem, respectivamente, os resultados finais

da pesquisa, as fontes bibliográficas, tanto teóricas quanto textuais, que serviram de estudo

para a redação da tese e, por fim, um anexo com os mapas das viagens missionárias do

apóstolo Paulo.

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2. TRADUÇÃO

2.1 Os Discursos Epidícticos

2.1.1 O Discurso na Sinagoga em Antioquia da Pisídia

- Tradução Integral (Atos 13. 14-41) -

Atos 13. 14-41

14 au*toiV deV dielqovnte a*poV th~ Pevrgh paregevnonto ei* *Antiovceian thVn

Pisidivan, kaiV [ei*s]elqovnte ei* thVn sunagwghVn th~/ h&mevra/ tw~n sabbavtwn

e*kavqisan. 15 metaV deV thVn a*navgnwsin tou~ novmou kaiV tw~n profhtw~n a*pevsteilan oi&

a*rcisunavgwgoi proV au*touV levgonte, !Andre a*delfoiv, ei! tiv e*stin e*n u&mi~n

lovgo paraklhvsew proV toVn laovn, levgete.

16 a*nastaV deV Pau~lo kaiV kataseivsa th~/ ceiriV ei^pen: !Andre *Israhli~tai kaiV

oi& fobouvmenoi toVn qeovn, a*kouvsate. 17 o& qeoV tou~ laou~ touvtou *Israhvl e*xelevxato

touV patevra h&mw~n kaiV toVn laoVn u@ywsen e*n th~/ paroikiva/ e*n gh~/ Ai*guvptou kaiV

metaV bracivono u&yhlou~ e*xhvgagen au*touV e*x au*th~. 18 kaiV w& tesserakontaeth~

crovnon e*tropofovrhsen au*touV e*n th~/ e*rhvmw/ 19 kaiV kaqelwVn e!qnh e&ptaV e*n gh~/

Canavan kateklhronovmhsen thVn gh~n au*tw~n 20 w& e!tesin tetrakosivoi kaiV

penthvkonta. kaiV metaV tau~ta e!dwken kritaV e@w SamouhVl [ tou~ ] profhvtou. 21

ka*kei~qen h*/thvsanto basileva kaiV e!dwken au*toi~ o& qeoV toVn SaouVl ui&oVn Kiv,

a!ndra e*k fulh~ Beniamivn, e!th tesseravkonta, 22 kaiV metasthvsa au*toVn h!geiren

toVn DauiVd au*toi~ ei* basileva w%/ kaiV ei^pen marturhvsa, Euron DauiVd toVn tou~

*Iessaiv, a!ndra kataV thVn kardivan mou, o$ poihvsei pavnta taV qelhvmatav mou. 23

touvtou o& qeoV a*poV tou~ spevrmato kat’ e*paggelivan h!gagen tw~/ *IsrahVl swth~ra

*Ihsou~n, 24 prokhruvxanto *Iwavnnou proV proswvpou th~ ei*sovdou au*tou~ bavptisma

metanoiva pantiV tw~/ law~/ *Israhvl. 25 w& deV e*plhvrou *Iwavnnh toVn drovmon, e!legen, Tiv e*meV u&ponoei~te einai; ou*k ei*miV e*gwv: a*ll’ i*douV e!rcetai met’ e*meV ou% ou*k

ei*miV a!xio toV u&povdhma tw~n podw~n lu~sai.

26 !Andre a*delfoiv, ui&oiV gevnou *AbraaVm kaiV oi& e*n u&mi~n fobouvmenoi toVn

qeovn, h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh. 27 oi& gaVr katoikou~nte e*n

*IerousalhVm kaiV oi& a!rconte au*tw~n tou~ton a*gnohvsante kaiV taV fwnaV tw~n

profhtw~n taV kataV pa~n savbbaton a*naginwskomevna krivnante e*plhvrwsan, 28

kaiV mhdemivan ai*tivan qanavtou eu&rovnte h/*thvsanto Pila~ton a*naireqh~nai au*tovn.

29 w& deV e*tevlesan pavnta taV periV au*tou~ gegrammevna, kaqelovnte a*poV tou~ xuvlou

e!qhkan ei* mnhmei~on. 30 o& deV qeoV h!geiren au*toVn e*k nekrw~n, 31 o$ w!fqh e*piV

h&mevra pleivou toi~ sunanaba~sin au*tw~/ a*poV th~ Galilaiva ei* *Ierousalhvm

oi@tine [ nu~n ] ei*sin mavrture au*tou~ proV toVn laovn. 32 kaiV h&mei~ u&ma~

eu*aggelizovmeqa thVn proV touV patevra e*paggelivan genomevnhn, 33 o@ti tauvthn o&

qeoV e*kpeplhvrwken toi~ tevknoi [ au*tw~n ] h&mi~n a*nasthvsa *Ihsou~n w& kaiV e*n tw~/ yalmw~/ gevgraptai tw~/ deutevrw/,

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Ui&ov mou ei^ suv, e*gwV shvmeron gegevnnhkav se.

34 o@ti deV a*nevsthsen au*toVn e*k nekrw~n mhkevti mevllonta u&postrevfein ei* diafqoravn, ei!rhken o@ti Dwvsw u&mi~n taV o@sia DauiVd taV pista. 35 diovti kaiV e*n e&tevrw/ levgei,

Ou* dwvsei toVn o@siovn sou i*dei~n diafqoravn.

36 DauiVd meVn gaVr i*diva/ genea~/ u&phreyhvsa th~/ tou~ qeou~ boulh~/ e*koimhvqh kaiV

prosetevqh proV touV patevra au*tou~ kaiV ei^den diafqoravn: 37 o$n deV o& qeoV

h!geiren, ou*k ei^den diafqoravn. 38 gnwstoVn oun e!stw u&mi~n, a!ndre a*delfoiv, o@ti

diaV touvtou u&mi~n a!fesi a&martiw~n kataggevlletai, [ kaiV] a*poV pavntwn w%n ou*k

h*dunhvqhte e*n novmw/ Mwu>sevw dikaiwqh~nai, 39 e*n touvtw/ pa~ o& pisteuvwn

dikaiou~tai. 40 blevpete oun mhV e*pevlqh/ toV ei*rhmevnon e*n toi~ profhvtai, 41 !Idete, oi& katafronhtaiv, kaiV qaumavsate kaiV a*fanivsqhte,

o@ti e!rgon e*rgavzomai e*gwV e*n tai~ h&mevrai u&mw~n,

e!rgon o$ ou* mhV pisteuvshte e*aVn ti e*kdihgh~tai u&mi~n.

14 Ora, eles, atravessando (ao longo de) Perge, dirigiram-se para Antioquia da Pisídia, e

entrando na sinagoga em dia de sábado, assentaram. 15 Então, após a leitura da lei e dos

profetas51

, os chefes da sinagoga mandaram dizer-lhes: Ó varões irmãos, se há alguma

palavra de exortação entre vós para o povo, falai. 16 E ainda, Paulo, após ter se levantado e

feito sinal com a mão, disse: O varões israelitas e aqueles que reverenciam a Deus, escutai:

17 O Deus deste povo de Israel escolheu para si os nossos pais e exaltou o povo durante o

exílio na terra do Egito e, com braço poderoso, os conduziu para fora dessa (terra). 18 E,

por um espaço de tempo de quarenta (anos), suportou-os no deserto 19 e, após destruir sete

nações na terra de Canaã, deu em herança a terra deles; 20 aproximadamente, cerca de

quatrocentos e cinquenta anos (se passaram até o cumprimento dessas coisas). E, depois

dessas coisas, deu juízes até o profeta Samuel. 21 E, em seguida, pediram, insistentemente,

um rei, e Deus lhes deu a Saul, filho de Quis, homem da tribo de Benjamim, (por) quarenta

anos. 22 E, após tê-lo removido, lhes levantou a Davi para rei, de quem também, após ter

dado testemunho, disse: Encontrei a Davi, o (filho) de Jessé, homem segundo o meu

coração que fará todas as minhas vontades. 23 Da descendência deste, segundo a promessa,

Deus trouxe para Israel o Salvador Jesus, 24 após João ter proclamado primeiro diante da

vinda dele (o) batismo de arrependimento a todo o povo de Israel. 25 E ainda, quando João

completava a sua missão, dizia: Quem supondes vós que eu seja? eu não sou; mas eis que

vem depois de mim aquele de quem não sou digno de desatar a sandália dos pés.

51

A divisão da Bíblia Hebraica é tríplice: a Lei, os Profetas e os Escritos Hagiográficos. Esse último é

conhecido no meio cristão pela denominação de Livros Históricos (incluindo também o livro de Daniel que é

considerado histórico) e Poéticos. Assim, tem-se a seguinte divisão dos livros da Bíblia Hebraica: 1) a Torá:

Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio; 2) os Profetas: Josué, Juízes, Samuel, Reis, Isaías,

Jeremias, Ezequiel, os Doze (Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Mihá (Miqueias), Nahum, Habacuc,

Tsefaniá (Sofonias), Hagai (Ageu), Zacarias, Malaquias; 3) os Escritos: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos

Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Ezra-Neemias, Crônicas (A BÍBLIA HEBRAICA,

2012, p. 5). Citem-se, apenas, algumas referências neotestamentárias aos Escritos Religiosos Judaicos: Mt 5.

17; 7. 12; 11. 13; 22. 40; Lc. 16. 16; 24. 44.

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34

26 Ó varões irmãos e aqueles que reverenciam a Deus entre vós, (sois) filhos da

linhagem de Abraão, a palavra dessa salvação foi enviada a nós, 27 pois aqueles que

habitam em Jerusalém e os chefes deles - ao desconhecerem isto e as palavras dos profetas

que são lidas em público durante todo o sábado - quando (o) julgaram, cumpriram (a

profecia). 28 E, após não terem encontrado nenhuma acusação de morte, pediram,

insistentemente, a Pilatos para que ele fosse condenado à morte. 29 Então, quando

completaram todas as coisas que estavam escritas a respeito dele, tirando-(o) do madeiro,

puseram-(no) no sepulcro. 30 Ora, Deus o ressuscitou dos mortos, 31 o qual foi visto por

muitos dias por aqueles que lhe acompanharam na subida da Galileia para Jerusalém, os

quais alguns, neste momento, são testemunhas dele para o povo. 32 E nós vos anunciamos

o Evangelho da promessa feita aos pais, 33 que Deus cumpriu completamente esta

(promessa) a nós, aos filhos deles, ressuscitando a Jesus da mesma maneira que também

está escrito no salmo segundo:

Tu és meu filho,

Eu, hoje, te gerei.

34 Ora, ressuscitando-o dos mortos, jamais estando por retornar para a corrupção, disse:

Darei a vós as coisas sagradas (e) as coisas fiéis de Davi,

35 porque também em outra passagem (das Escrituras) diz:

Não darás o teu Santo para ver corrupção.

36 Por isso é que Davi, após ter servido a sua geração, adormeceu pelo desígnio de Deus e

foi posto junto de seus pais e viu corrupção; 37 mas aquele que Deus ressuscitou não viu

corrupção. 38 Por conseguinte, seja conhecido por vós, ó varões irmãos, que, por meio

deste, é proclamado perdão de pecados a vós e de todas as coisas, as quais não pudestes ser

justificado na lei de Moisés; 39 nisto, todo aquele que crê é considerado justo.

40 Portanto, vede (para) que não sobrevenha aquilo que foi dito entre os profetas:

41 Vede, ó escarnecedores,

admirai e sede consumidos,

porque eu realizo uma obra durante os vossos dias,

obra que, de maneira nenhuma, creríeis se alguém narrasse, eventualmente, em

detalhes a vós.

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2.1.2 O Discurso em Listra para a Multidão

- Tradução Integral (Atos 14. 14-18) -

14 a*kouvsante deV oi& a*povstoloi Barnaba~ kaiV Pau~lo diarrhvxante taV i&mavtia

au*tw~n e*xephvdhsan ei* toVn o!clon kravzontekaiV levgonte!Andre, tiv tau~ta

poiei~te; kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV

touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein e*piV qeoVn zw~nta, o$ e*poivhsen toVn ou*ranoVn kaiV

thVn gh~n kaiV thVn qavlassan kaiV pavnta taV e*n au*toi~: 16 o$ e*n tai~

parw/chmevnai geneai~ ei!asen pavnta taV e!qnh poreuvesqai tai~ o&doi~ au*tw~n: 17

kaivtoi ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken a*gaqourgw~n, ou*ranovqen u&mi~n u&etouV didouV

kaiV kairouV karpofovrou e*mpiplw~n trofh~kaiV eu*frosuvnh taV kardiva u&mw~n.

18 kaiV tau~ta levgonte movli katevpausan touV o!clou tou~ mhV quvein au*toi~.

14 Então, os apóstolos Barnabé e Paulo, após terem ouvido, rasgando as suas vestes

exteriores, correram para a multidão, bradando 15 e dizendo: Ó varões, por que fazeis estas

coisas? Nós também somos seres humanos de semelhante natureza como vós; (vos)

anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas inúteis ao Deus vivo, que criou o

céu e a terra e o mar e todas as coisas existentes neles. 16 Que, nas gerações antigas,

consentiu a todos os povos andar nos caminhos deles. 17 Seja como for, não se deixou ficar

sem testemunho; praticando boas ações, dando-vos chuvas do céu e tempos frutíferos,

fartando de alimento e de alegria os vossos corações. 18 E, falando essas coisas com

dificuldade, fizeram desistir as multidões para que não lhes sacrificassem matando a(s)

vítima(s).

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2.1.3 O Discurso no Areópago de Atenas

- Tradução Integral (Atos 17. 22-34) -

22 StaqeiV deV (o&) Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou Pavgou e!fh, !Andre *Aqhnai~oi,

kataV pavnta w& deisidaimonestevrouu&ma~ qewrw~23 diercovmeno gaVr kaiV

a*naqewrw~n taV sebavsmata u&mw~n eu%ron kaiV bwmoVn e*n w%/ e*pegevgrapto, *Agnwvstw/

qew~/. o$ oun a*gnoou~nte eu*sebei~te, tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n. 24 o& qeoV o&

poihvsa toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/, ou%to ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn

kuvrio ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~ katoikei~ 25 ou*deV u&poV ceirw~n a*nqrwpivnwn

qerapeuvetai prosdeovmenov tino, au*toV didouV pa~si zwhVn kaiV pnohVn kaiV taV

pavnta: 26 e*poivhsevn te e*x e&noV pa~n e!qno a*nqrwvpwn katoikei~n e*piV pantoV

proswvpou th~ gh~, o&rivsa prostetagmevnou kairouV kaiV taV o&roqesiva th~

katoikiva au*tw~n 27 zhtei~n toVn qeovn, ei* a!ra ge yhlafhvseian au*toVn kaiV eu@roien,

kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta.

28 *En au*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, w& kaiv tine tw~n kaq’ u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin,

Tou~ gaVr kaiV gevno e*smevn.

29 gevno oun u&pavrconte tou~ qeou~ ou*k o*feivlomen nomivzein crusw~/ h# a*rguvrw/ h#

livqw/, caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, toV qei~on ei^nai o@moion. 30

touV meVn oun crovnou th~ a*gnoiva u&peridwVn o& qeov, taV nu~n paraggevllei toi~

a*nqrwvpoi pavnta pantacou~ metanoei~n, 31 kaqovti e!sthsen h&mevran e*n h%/ mevllei krivnein thVn oi*koumevnhn e*n dikaiosuvnh/, e*n a*ndriV w%/ w@risen, pivstin parascwVn

pa~sin a*nasthvsa au*toVn e*k nekrw~n.

32 *Akouvsante deV a*navstasin nekrw~n oi& meVn e*cleuvazon, oi& deV ei^pan,

*Akousovmeqav sou periV touvtou kaiV pavlin. 33 ou@tw o& Pau~lo e*xh~lqen e*k mevsou

au*tw~n. 34 tineV deV a!ndre kollhqevnte au*tw~/ e*pivsteusan, e*n oi% kaiV Dionuvsio o&

*Areopagivth kaiV gunhV o*novmati Davmari kaiV e@teroi su*n au*toi~.

22 Então, Paulo, estando de pé, no meio do Areópago, dizia: Ó varões Atenienses, de

acordo com todas as coisas, vejo-vos como extremamente religiosos. 23 Pois, passando e

observando atentamente os vossos objetos de culto, encontrei também um altar, no qual

estava escrito: ―Ao Deus Desconhecido‖. Por conseguinte, aquilo que, não conhecendo,

adorais, isto eu anuncio a vós. 24 O Deus que criou o Universo e todas as coisas

(existentes) nele, esse, sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos feitos por

mãos humanas, 25 nem mesmo é servido por mãos típicas de homens, (como que)

necessitando de alguma coisa. Dando ele a todos vida terrena e fôlego e todas as coisas. 26

E fez de um toda a raça de seres humanos para habitar sobre toda a face da terra;

determinando tempos oportunos estabelecidos e os limites assinalados da habitação deles,

27 para buscarem a Deus, se porventura, pudessem tocá-lo e encontrassem, se bem que não

esteja distante de cada um de nós.

28 De fato, nele, vivemos e nos movemos e existimos, como também alguns dentre os

vossos poetas falaram:

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Também, com efeito, somos descendência dele.

29 Por conseguinte, sendo descendência de Deus, não devemos pensar que a divindade seja

semelhante à imagem de ouro ou a objeto de prata ou de pedra trabalhada, imagem de arte

gravada e imaginação de ser humano. 30 Sem dúvida alguma, Deus, não levando em conta

os tempos da ignorância, anuncia, agora, todas as coisas aos seres humanos em todas as

partes, para que se arrependam, 31 visto que estabeleceu um dia no qual vai julgar toda a

terra habitada com justiça por meio de um varão, o qual designou, após ter dado garantia a

todos, ressuscitou-o dos mortos.

32 Então, após terem ouvido (a respeito) da ressurreição de mortos, uns escarneciam,

outros disseram: te ouviremos a respeito disso também em uma outra ocasião. 33 Deste

modo, Paulo saiu do meio deles. 34 E, ainda, alguns homens, se associando a ele, creram,

entre os quais também Dionísio, o Areopagita, e uma mulher de nome Damaris e outros

com eles.

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2.1.4 O Discurso nas Escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém

- Tradução Integral (Atos 21. 40; 22. 1-24) -

Atos 21. 40

40 e*pitrevyanto deV au*tou~ o& Pau~lo e&stwV e*piV tw~n a*nabaqmw~n katevseisen th~/

ceiriV tw~/ law~/. pollh~ deV sigh~ genomevnh prosefwvnhsen th~/ &Ebrai?di dialevktw/

levgwn, Atos 22. 1-24

1 !Andre a*delfoiV kaiV patevre, a*kouvsatev mou th~ proV u&ma~ nuniV a*pologiva.

2 a*kouvsante deV o@ti th~/ &Ebrai?di dialevktw/ prosefwvnei au*toi~ ma~llon parevscon

h&sucivan. kaiV fhsivn: 3 *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~

Kilikiva, a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, paraV touV povda GamalihVl

pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~

kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron: 4 o$ tauvthn thVn o&doVn e*divwxa a!cri qanavtou

desmeuvwn kaiV paradidouV ei* fulakaV a!ndra te kaiV gunai~ka, 5 w& kaiV o&

a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV presbutevrion, par’ w%n kaiV e*pistolaV

dexavmeno proV touV a*delfouV ei* Damaskovn e*poreuovmhn, a!xwn kaiV touV e*kei~se

o!nta dedemevnou ei* *IerousalhVm i@na timwrhqw~sin. 6 *Egevneto dev moi

poreuomevnw/ kaiV e*ggivzonti th~/ Damaskw~/ periV meshmbrivan e*xaivfnh e*k tou~

ou*ranou~ periastravyai fw~ i&kanoVn periV e*mev, 7 e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV

h!kousa fwnh~ legouvsh moi, SaouVl Saouvl, tiv me diwvkei; 8 e*gwV deV a*pekrivqhn,

Tiv ei^, kuvrie; ei^pevn te prov me, *Egwv ei*mi *Ihsou~ o& Nazwrai~o o$n suV diwvkei. 9

oi& deV suVn e*moiV o!nte toV meVn fw~ e*qeavsanto thVn deV fwnhVn ou*k h!kousan tou~

lalou~ntov moi. 10 ei^pon dev, Tiv poihvsw, kuvrie; o& deV kuvrio ei^pen prov me,

*AnastaV poreuvou ei* DamaskoVn ka*kei~ soi lalhqhvsetai periV pavntwn w%n tevtaktaiv

soi poih~sai. 11 w& deV ou*k e*nevblepon a*poV th~ dovxh tou~ fwtoV e*keivnou,

ceiragwgouvmeno u&poV tw~n sunovntwn moi h^lqon ei* Damaskovn. 12 &Ananiva dev ti,

a*nhVr eu*labhV kataV toVn novmon, marturouvmeno u&poV pavntwn tw~n katoikouvntwn

*Ioudaivwn, 13 e*lqwVn prov me kaiV e*pistaV ei^pevn moi, SaouVl a*delfev, a*navbleyon,

ka*gwV au*th~/ th~/ w@ra/ a*nevbleya ei* au*tovn. 14 o& deV ei^pen, &O qeoV tw~n patevrwn h&mw~n proeceirivsatov se gnw~nai toV qevlhma au*tou~ kaiV i*dei~n toVn divkaion kaiV

a*kou~sai fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~, 15 o@ti e!sh/ mavrtu au*tw~/ proV pavnta

a*nqrwvpou w%n e&wvraka kaiV h!kousa. 16 kaiV nu~n tiv mevllei; a*nastaV bavptisai

kaiV a*polousai taV a&martiva sou e*pikalesavmeno toV o!noma au*tou~. 17 *Egevneto dev

moi u&postrevyanti ei* *IerousalhVm kaiV proseucomevnou mou e*n tw~/ i&erw~/ genevsqai

me e*n e*kstavsei 18 kaiV i*dei~n au*toVn levgontav moi, Speu~son kaiV e!xelqe e*n tavcei e*x

*Ierousalhvm, diovti ou* paradevxontaiv sou marturivan periV e*mou~. 19 ka*gwV ei^pon,

Kuvrie, au*toiV e*pivstantai o@ti e*gwV h!mhn fulakivzwn kaiV devrwn kataV taV sanagwgaV

touV pisteuvonta e*piV sev, 20 kaiV o@te e*xecuvnneto toV ai%ma Stefavnou tou~ mavrturov

sou, kaiV au*toV h!mhn e*festwV kaiV suneudokw~n kaiV fulavsswn taV i&mavtia tw~n

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a*nairouvntwn au*tovn. 21 kaiV eipen proV me, Poreuvou, o@ti e*gwV ei* e!qnh makraVn

e*xapostelw~ se. 22 !Hkouon deV au*tou~ a!cri touvtou tou~ lovgou kaiV e*ph~ran thVn

fwnhVn au*tw~n levgonte, Aire a*poV th~ gh~ toVn toiou~ton, ou* gaVr kaqh~ken au*toVn

zh~n. 23 kraugazovntwn te au*tw~n kaiV r&ptouvntwn taV i&mavtia kaiV koniortoVn

ballovntwn ei* toVn a*evra, 24 e*kevleusen o& cilivarco ei*savgesqai au*toVn ei* thVn

parembolhvn, ei!pa mavstixin a*netavxesqai au*toVn i@na e*pignw~/ di’ h$n ai*tivan ou@tw e*pefwvnoun au*tw~/. Atos 21. 40

40 Ora, ele após ter permitido, Paulo, estando de pé sobre os degraus, fez sinal com a mão

ao povo. Então, grande silêncio foi feito (quando) dirigiu a palavra em dialeto hebraico,

dizendo:

Atos 22. 1-24

1 Ó varões irmãos e pais, escutai a minha defesa, agora, diante de vós.

2 E ainda, quando ouviram que lhes dirigia a palavra em dialeto hebraico, demonstraram

mais tranquilidade. E dizia: 3 Eu sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas

educado nesta cidade, instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da lei

paterna; sendo dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós sois hoje. 4 Persegui este

Caminho até a morte, acorrentando e colocando homens e mulheres em direção às prisões;

5 da mesma maneira também o sumo sacerdote e todo o presbitério me são testemunhas,

deles também recebi cartas para os irmãos, e comecei a caminhar na direção de Damasco,

com a intenção de também prender e trazer, para Jerusalém, os que aí se encontravam, a

fim de que fossem castigados. 6 Ora, aconteceu-me (que), caminhando e me aproximando

de Damasco, por volta do meio dia, subitamente, uma intensa luz do céu iluminou ao meu

redor; 7 caí no chão e ouvi uma voz, dizendo-me: Saulo, Saulo, por que me persegues? 8

Então, eu respondi: Quem és, ó Senhor? E a voz me disse: Eu sou Jesus Nazareno a quem

tu persegues. 9 Ora, aqueles que estavam comigo viram a luz, mas não ouviram a voz

enquanto ela falava comigo. 10 Respondi: Que farei, ó Senhor? Então, o Senhor me disse:

Após te levantares, vai para Damasco, e ali te será dito a respeito de todas as coisas, as

quais te foram ordenadas fazer. 11 Ora, como não era capaz de ver por causa do esplendor

daquela luz, após ter sido conduzido pela mão por aqueles que estavam comigo, cheguei em

Damasco. 12 Então, um certo Ananias, um homem temente a Deus de acordo com a lei,

sendo testificado (= aprovado) por todos os moradores judeus, 13 depois de ter vindo até

mim e, se aproximando, disse a mim: Ó irmão Saulo, torne a ver. E eu, nessa mesma hora,

levantei os olhos em sua direção. 14 Ele disse: O Deus dos nossos pais, de antemão, te

designou para saberes a vontade Dele e ver o justo e ouvir uma voz da sua boca, 15 porque

lhe serás testemunha para todos os seres humanos (daquelas coisas) que viste e ouviste. 16

E, agora, por que demoras? Levantando-(se), sê batizado e sê lavado dos teus pecados,

invocando o nome Dele. 17 Aconteceu-me, então, após ter retornado para Jerusalém e

estando eu suplicando no templo, de encontrar-me em êxtase 18 e vê-lo dizendo a mim:

Apressa-te e saia, rapidamente, de Jerusalém, porque não aceitarão teu testemunho a meu

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respeito. 19 E eu respondi: Ó Senhor, eles mesmos tem conhecimento de que eu estava

aprisionando e açoitando pelas sinagogas aqueles que creem em ti.

20 E quando o sangue de Estevão, a tua testemunha, era derramado, eu mesmo estava

presente e concordando e guardando as vestes daqueles que o matavam. 21 E ele me disse:

Vai, porque eu te enviarei para nações distantes. 22 Então, ouviram até esta palavra dele e

ergueram a voz deles, dizendo: Remova o tal da terra, pois não convém que ele viva. 23

Tanto eles gritavam quanto arremessavam as vestes e ainda lançavam pó para o ar. 24 O

comandante ordenou que ele fosse conduzido para a fortaleza, dizendo que ele fosse

interrogado com açoites, para que conhecesse completamente (o) motivo pelo qual

berravam daquele modo (contra) ele.

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3. ASPECTOS GERAIS DA RETÓRICA

O vocábulo ―retórica‖ - r&htorikhv52 - provém do radical grego de r&hv-twr53, ―aquele

que fala em público‖, de onde ―orador em assembleia, homem político‖ (CHANTRAINE,

1970, p. 326) -, significando o ―que concerne aos oradores ou a arte oratória, de onde

orador‖ (BAILLY, 2000, p. 1718).

A linguagem é inerente ao homem, o que o permite pensar, agir e viver em

sociedade. Sem a posse da linguagem, o ser humano não saberia como entrar em contato

com o outro, como estabelecer vínculos psicológicos e sociais com esse outro que é,

simultaneamente, semelhante e diferente. A linguagem, talvez, seja o primeiro poder do

homem. Todavia, esse poder da linguagem é o próprio homem que constrói e que ajusta por

meio de suas trocas, seus contatos no decorrer da história dos povos. A argumentação é um

setor de atividade da linguagem que sempre exerceu fascínio. Desde a retórica dos antigos,

fizeram dela o próprio fundamento das relações pessoais (a arte de persuadir)

(CHARAUDEAU, 2010, p. 7).

Como pontua Reboul ―a melhor introdução à retórica é sua história‖ e oferece

algumas ressalvas: a retórica é anterior à sua própria história, uma vez que é inconcebível

que os homens não tenham se utilizado da linguagem a fim de obter a persuasão. O

pesquisador sublinha que se pode encontrar a retórica entre povos, tais como os hindus, os

chineses, os egípcios e os hebreus. Mesmo assim, em certo sentido, pode-se afirmar que a

retórica foi uma invenção grega, tal qual a geometria, a tragédia, a filosofia (REBOUL,

2004, p. 1).

Cícero (106-43 a.C.) dá o seguinte testemunho a respeito de a retórica provir da

eloquência:

Verum ego hanc uim intellego esse in praeceptis omnibus, non ut ea secuti

oratores eloquentiae laudem sint adepti, sed, quae sua sponte homines

eloquentes facerent, ea quosdam observasse atque id egisse; sic esse non

eloquentiam ex artificio, sed artificium ex eloquentia natum

(CICERON, De l’ Orateur, I, XXXII apud PETERLINI, 2004, p. 120).

52

Na verdade, esse vocábulo faz parte de um adjetivo triforme r&htorikovhv, ovn. Ressalte-se que o sufixo

nominal -ikovhv, ovn indica aptidão, capacitação, isto é, ―apto, capaz de falar‖. 53

r&hvtwr constitui um termo mais usual que r&hthvr (CHANTRAINE, 1970, p. 326). O vocábulo r&hvtwr:

possui como raízes verbais e*r-, r&h-, ―falar‖, seguido do sufixo - twr que indica o agente da ação.

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Mas creio que nesses preceitos (dos retores) existe uma força, não tal que

por havê-la seguido os oradores tenham alcançado a glória da eloquência,

mas acho que alguns observaram e praticaram o que homens eloquentes

faziam por instinto. Não foi assim a eloquência que nasceu da retórica, mas

a retórica, da eloquência.

Quando se fala sobre os primórdios da retórica, os primeiros nomes que se tem

referência são os de Córax e Tísias. Há uma antiga tradição de que a arte da retórica seria

uma invenção de ambos no século V a.C. em Siracusa, na Sicília54; de Siracusa ela teria

passado a Atenas através do sofista Górgias de Leontinos.

Assim é que atribuem a Córax e Tísias um tratado sobre a retórica, mas que não

chegou até a posteridade. Esse tratado era de caráter judicial, uma vez que instruía os

advogados de como obter vitória em suas causas perante os tribunais. Tem-se, então, uma

origem judiciária da retórica.

A pesquisadora María Colombani destaca que o ―o discurso se inscreve em um

terreno agonístico, porque se luta palavra com palavra, cuja preeminência é extraordinária.

O orador é um agonistés, um combatente e o discurso possui um télos, um fim: convencer o

auditório‖55 (COLOMBANI, 2002, p. 251).

A propósito, antes de Córax e Tísias, considera-se que os discursos da Ilíada e da

Odisseia tenham servido como paradigma aos jovens, enquanto, possivelmente, os textos

teóricos da retórica eram inexistentes. Acredita-se que a retórica seja uma disciplina oral

muito antiga no mundo ocidental.

Luiz Rhoden sublinha que ―a Ilíada e a Odisseia de Homero são consideradas obras

monumentais da eloquência grega. Com ele, ―mestre universal‖, os gregos aprendiam a

gramática, a história, a moral e a arte de bem falar‖ (RHODEN, 1997, pp. 20-21).

Atestam-se, na Ilíada, pequenos discursos que eram pronunciados nas assembleias

deliberativas: Nevstwr h&duephV a*novrouse liguV Pulivwn a*gorhthv, tou~ kaiV a*poV

glwvssh mevlito glukivwn r&even au*dhv, “Nestor se levantou, doce no falar, orador

eloquente de Pílio; sua voz fluía mais doce que o mel‖ (HOMÈRE. Iliade I, vv. 247-249).

54

Deve-se destacar que vários sicilianos haviam perdido suas propriedades para os tiranos; assim, sem o

poderio militar, os sicilianos tiveram que desenvolver a eloquência para reaverem seus bens confiscados pelos

tiranos. Supõe-se que, em Siracusa, ocorriam muitos debates políticos. 55

Tradução da autora.

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Com isso, pensa-se que os gregos já organizavam seus discursos em tempos bem remotos,

destacando, desse modo, a supremacia do lovgo56, da palavra.

Convém citar também o discurso de Crises diante dos guerreiros aqueus. Ora, com o

discurso do sacerdote de Apolo, se instaura o a*gwvn verbal entre ele e os heróis gregos:

*Atrei>vdai te kaiV a!lloi e*u>knhvmide *Acaioiv,

u&mi~n meVn qeoiV doi~en *Oluvmpia dwvmat’ e!conte e*kpevrsai Priavmoio povlin, eu d’ oi!kad’ i&kevsqai: pai~da d’ e*moiV luvsaite fivlhn, taV d’ a!poina devcesqai,

a*zovmenoi DioV ui&oVn e&khbovlon *Apovllwna.

Atridas e também outros Aqueus de belas grevas,

que os deuses, moradores do Olimpo, ofereçam a vós,

após terem destruído a cidade de Príamo, um bom retorno para casa.

Ora, libertai para mim a querida filha, aceitai os resgates,

temendo o filho de Zeus, Apolo certeiro no tiro.

Têm-se, ainda, como modelos de eloquência, os discursos de três guerreiros gregos:

Odisseu (HOMÈRE. Iliade IX, vv. 223-307), Fênix (HOMÈRE. Iliade IX, vv. 431-606) e

Ájax, Telamônio (HOMÈRE. Iliade IX, vv. 622-642). Esses discursos tinham por objetivo

persuadir Aquiles a retornar ao campo de batalha. Cite-se, por exemplo, o excerto do

discurso de Ájax, Telamônio:

56

É bom lembrar que lovgo é um substantivo deverbal, oriundo de levgw, ―falo‖, não obstante, esse verbo,

em seu sentido original, possuir o significado de: ―reunir, colher, selecionar‖ (HOMÈRE. Iliade XXIII, v.

239; XXI, 27); de onde se tem também o significado de ―contar, calcular, enumerar‖ (HOMÈRE. Iliade II, v.

125). A propósito, lovgo"palavra", possui, igualmente, alguns significados; citem-se, por exemplo: ―conta,

consideração, explicação, raciocínio, razão‖ etc. Sublinhe-se que, na ―teologia cristã‖, o vocábulo designa a

segunda pessoa da Trindade (CHANTRAINE, 1970, p. 625). Por outro lado, Maria Helena da R. Pereira

lembra que a forma plural, lovgoi, significa ―narrativas‖ (HOMÈRE. Iliade XV, v. 393) ou ―argumentos‖

(HOMER. Odyssey 1, 56), dependendo do contexto; ora, lovgoi foi também a terminología de que se valeu

Heródoto para fazer referência ―ao conjunto ou a partes da sua obra ou a qualquer das muitas lendas que nela

intercala‖ (PEREIRA, 1993, pp. 256-257). Eis o excerto neotestamentário sobre a analogia entre lovgoe a

"Segunda Pessoa da Trindade", no caso, Jesus Cristo: 1 *En a*rch~/ hn o& lovgo, kaiV o& lovgo hn proV toVn

qeovn, kaiV qeoV h^n o& lovgo. 2 ou%to h^n e*n a*rch~/ proV toVn qeovn. 3

pavnta di’ au*tou~~ e*gevneto, kaiV

cwriV au*tou~ e*gevneto ou*deV e@n. o$ gevgonen 4 e*n au*tw~/ zwhV h^n, kaiV h& zwhV h^n toV fw~ tw~n a*nqrwvpwn: 5

kaiV toV fw~ e*n th~/ skotiva/ faivnei, kaiV h& skotiva au*toV ou* katevlaben. 1 No princípio, era a Palavra, e a

Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. 2 No princípio, essa (Palavra) estava com Deus.

3 Todas as

coisas foram feitas por meio dela, e, sem ela, nenhuma coisa, daquilo que foi feito, se fez; 4 A vida estava

nela, e a vida era a luz dos seres humanos. 5 E a luz brilha nas trevas, e a(s) treva(s) não prevaleceram contra

ela (Jo 1. 1-5).

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44

toi~si d’ a!r’ Ai!a

622 a*ntivqeo Telamwniavdh metaV mu~qon e!eipe:

“diogeneV Laertiavdh, polumhvcan’ *Odusseu~, 625 i!omen: ou* gavr moi dokevei muvqoio teleuthV th~/ dev g’ o&dw~/ kranevesqai: a*pagei~lai deV tavcista crhV mu~qon danaoi~si kaiV ou*k a*gaqovn per e*ovnta,

oi@ pou nu~n e@atai potidevgmenoi. au*taVr *AcilleuV a!grion e*n sthvqessi qevto megalhvtora qumovn,

630 scevtlio, ou*deV metatrevpetai filovthto e&taivrwn

Th~ h% min paraV nhusiVn e*tivomen e!xocon a!llwn,

Nhlhv: kaiV mevn tiv te kasignhvtoio fonh~o

poinhVn h# ou% paidoV e*devxato teqnhw~to:

kaiV r&’ o& meVn e*n dhvmw/ mevnei au*tou~ povll’ a*poteivsa,

635 tou~ deV t’ e*rhtuvetai kradivh kaiV qumoV a*ghvnwr poinhVn dexamevnw/: soiV d’ a!llhktovn te kakovn te

qumoVn e*niV sthvqessi qeoiV qevsan ei@neka kouvrh

oi!h: nu~n dev toi e&ptaV parivscomen e!xoc’ a*rivsta, a!lla te povll’ e*piV th~/si: suV d’ i@laon e!nqeo qumovn,

640 ai!dessai deV mevlaqron: u&pwrovfioi dev toiv ei*men

plhquvo e*k Danaw~n, mevmamen dev toi e!xocon a!llwn khvdistoiv t’ e!menai kaiV fivltatoi, o@ssoi *Acaioiv.

(HOMÈRE. Iliade IX, vv. 622-642)

622 Ájax Telamônio, deiforme, palavreou e disse:

―Ó Laertíade Odisseu, herói poliardiloso,

estirpe-de-Zeus, vamo-nos. Não me parece

que o escopo do discurso se perfaça, por

esta via. E devemos anunciar aos Dânaos

a resposta, depressa, mesmo que não boa,

pois, sentados, esperam. Aquiles, no peito

asselvajou seu coração de ânimo grande;

Desacordou-se, cruel, da amizade dos seus,

630 de todos quantos, sobre os mais, na frota o honravam;

É implacável! No entanto da morte do filho

ou do irmão, o ofensor pode pagar resgate

condigno e ficar na pátria, apaziguando

o coração e o orgulho do ofendido. A ti,

porém, os deuses infundiram mal-volente

fereza de ânimo em razão de uma – uma única –

moça e nós te ofertamos sete, entre as mais belas,

e muitos outros dons. Modera o coração,

respeita esta tua casa e, sob o mesmo teto,

a nós núncios dos Dânaos e, mais do que todos

os Aqueus, tidos por amigos teus, diletos‖57.

57

Tradução de Haroldo de Campos.

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45

É bom lembrar que a eloquência também fazia parte da educação de Aquiles,

conforme se vê nas palavras de Fênix, o educador do herói, como atestam os versos que se

seguem (HOMÈRE. Iliade IX, 440-443):

440 nhvpion , ou! pw ei*dovq’ o&moiivou polevmoio,

ou*d’ a*gorevwn, i@na t’ a!ndres a*riprepeve televqousi. Tou!nekav me proevhke didaskevmenai tavde pavnta, muvqwn te r&hth~r’ e!menai prhkth~rav te e!rgwn.

(HOMÈRE. Iliade IX, 440-443)

440 eras muito

jovem, inexperiente ainda da guerra crua

e dos debates da ágora, onde os nobres formam-se.

Por isso me mandou para que te fizesse

na oratória eminente, eficiente nas obras58.

Na Odisseia, a eloquência era considerada um presente divino, conforme

mencionado no excerto a seguir (HOMER. Odyssey 8, vv. 167-172).

ou@tw ou* pavntessi qeoiV cariventa didou~sin

a*ndravsin, ou!te fuhVn ou!t’ a#r frevna ou!t’ a*gorhtuvn.

a!llo meVn gavr t’ eido a*kidnovtero pevlei a*nhvr,

170 a*llaV qeoV morfhVn e!pesi stevfei, oi& dev t’ e* au*toVn

terpovmenoi leuvssousin: o& d’ a*sfalevw a*goreuvei

ai*doi~ meilicivh/ (...) (HOMER. Odyssey 8, vv. 167-172).

Assim, os deuses não dão a todos os homens dons graciosos,

nem no crescimento do corpo nem na inteligência nem na eloquência.

De fato, um outro homem pode ser de aparência modesta,

170 mas os deus(es) coroa(m) (sobre ele) espécie(s) de palavras.

Ora, aqueles que olham para ele se alegram; ele fala em público de

modo prudente,

com doce reverência (...).

Os gregos antigos acreditavam que o discurso era provido de poder; esse poder, os

gregos pensavam que emanava de uma divindade: - a Peiqwv – ―a Persuasão‖.

O tragediógrafo grego Ésquilo, através da fala da deusa Atená, faz referências à

―Persuasão‖. A deusa acreditava que era a Peiqwv quem fazia as suas palavras parecerem

‗mágicas e doces‘: glw~ssh e*mh~ meivligma kaiV qelkthvrion, ―doçura da minha língua e

58

Tradução de Haroldo de Campos.

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encanto‖ (AESCHYLUS. Eumenides v. 886). Em outra ocasião, a filha de Zeus mostra-se

agradecida à Peiqwv por guiar a sua voz e os seus lábios: stevrgw d’ o!mmata Peiqou~,

o@ti moi glw~ssan kai V stovm’ e*pwpa~/, ―Agradeço à Peithó, cujos olhos me vigiavam a

língua e a boca‖ (AESCHYLUS. Eumenides v. 970). E, ainda, convém lembrar o que

Odisseu falou a Neoptólemo: nu~n d’ ei* e!legcon e*xiwVn o&rw~ brotoi~ thVn glw~ssan,

ou*ciV ta!rga, pavnq’ h&goumevnhn, ―Agora, segundo a experiência, vejo que, entre os

mortais, a língua, não as ações, conduz todas as coisas‖ (SOPHOCLES. Philoctetes vv. 98-

99).

A preocupação com o uso da linguagem para se expressar de maneira clara e

concisa é uma herança clássica que passou para a cultura ocidental. Assim, testemunha

Romilly:

Essa eloquência, tão importante na cultura dos antigos, está, de fato, no

tocante a Atenas e às obras conservadas, inteiramente, contida nos limites

do século IV. Fosse ela judiciária ou política, a eloquência ática fulgurou

entre o fim da guerra do Peloponeso e a morte de Alexandre. Houve,

evidentemente, grandes oradores antes do século IV; suas obras, porém, não

se conservaram, e os discursos reescritos por Tucídides59

à sua maneira mal

podem dar uma ideia delas. No terreno da eloquência política, nada temos

antes de Demostenes, cuja atividade começa em meados do século IV. As

circunstâncias são um pouco mais favoráveis na esfera judiciária;

Andocides e Lísias se situam no encontro dos séculos V e IV60

(ROMILLY,

1980, pp. 148-149).

Atribui-se a Aristóteles - filósofo do século IV a.C. - uma teoria mais sistemática

sobre os gêneros e sobre a natureza do discurso. O filósofo escreveu dois livros que versam

sobre o discurso: &H PoihtikhV Tevcnh (A Arte Poética) e &H &RhtorikhV Tevcnh (A Arte

Retórica). Alexandre Júnior pontua que:

Aristóteles escreveu dois tratados distintos sobre a elaboração do discurso.

A sua Retórica ocupa-se da arte da comunicação, do discurso feito em

público com fins persuasivos. A Poética ocupa-se da arte da evocação

imaginária, do discurso feito com fins, essencialmente, poéticos e literários.

59

Convém lembrar que Tucídides, em sua obra historiográfica, reproduziu determinados discursos, tal qual o

escritor dos Atos; citem-se, por exemplo: os discursos dos corcireus aos atenienses (THUCYDIDE. La

Guerre du Péloponnèse I, 32 a 36), os discursos dos coríntios, também aos atenienses (THUCYDIDE. La

Guerre du Péloponnèse I, 37 a 43), e o famoso discurso de Péricles, que ficou conhecido como ―O Discurso

Fúnebre de Péricles‖ (THUCYDIDE. La Guerre du Péloponnèse II, 34-46). Sublinhe-se que, de um modo

geral, os discursos reproduzidos pelo historiador são classificados em deliberativos. 60

Todas as datas deste excerto se referem a a.C..

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O que define a retórica aristotélica é, precisamente, a oposição entre estas

duas téchnai autônomas, entre estes dois sistemas tão, claramente,

demarcados, um retórico e o outro poético (ALEXANDRE JÚNIOR, 2005,

p. 33).

Monteiro também compara as duas obras supracitadas de Aristóteles:

Com efeito, na Retórica, Aristóteles firma os princípios para o uso

expressivo da linguagem, ressaltando o senso de equilíbrio na simplicidade,

a clareza, a elegância e a propriedade como atributos do discurso capaz de

envolver e persuadir. Na Poética, analisa, em essência, a questão dos

gêneros literários em três ângulos fundamentais: a) a poesia em geral; b) a

exegese da tragédia; c) as regras e os valores da epopeia. Em síntese, estuda

as estruturas poéticas de seu tempo, classificando-as com precisão e

objetividade (MONTEIRO, 2005, p. 12).

Quando Isócrates fundou sua escola de retórica, os sofistas eram os mestres da

retórica que ensinavam a eloquência, preocupando-se estritamente com a eficácia do

discurso, independentemente da causa a defender. Os sofistas61 tinham por escopo a

formação de jovens na arte de manejar argumentos e, com isso, prepará-los para a vida de

cidadãos; seus ensinamentos eram muito dispendiosos. Não obstante, Detienne salienta que

as relações sociais são dominadas pela palavra; o sofista e o retórico são ambos técnicos do

lógos (DETIENNE, 2013, p. 130).

Górgias de Leontinos (485-380 a.C.), considerado como um dos fundadores do

discurso epidíctico, cria uma prosa eloquente, com o emprego das muitas figuras. Por meio

de Górgias aparece, então, a retórica como estética e, particularmente, literária. Levando

isso em consideração, Reboul ressalta: ―Isso porque até então os gregos identificavam

―literatura‖ com poesia (épica, trágica). A prosa, puramente funcional, restringia-se a

transcrever a linguagem oral comum‖ (REBOUL, 2004, p. 4). Tem-se, então, uma origem

literária da retórica.

Considera-se que a ligação entre a sofística e a retórica aparece, de modo pleno, em

Protágoras (486-410 a.C.), que ensinava, simultaneamente, a eloquência e a filosofia.

Protágoras ensinou uma técnica denominada de erística (e*ristikhv, provém de e!ri,

61

Citem-se, por exemplo, Górgias de Leontinos, na Sicília, Hípias de Hélis, no Peloponeso, Pólos de Acragás,

na Sicília e Protágoras de Ábdera.

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―controvérsia, disputa‖), onde parte do pressuposto de que todo argumento se opõe a outro,

podendo qualquer tese ser sustentada ou refutada. Essa técnica seria uma espécie de arte de

sobrepujar uma discussão contraditória.

O discurso não pode mais pretender ser verdadeiro, nem mesmo verossímil,

só poderá ser eficaz; em outras palavras, próprio para convencer, o que, no

caso, equivale a vencer, a deixar o interlocutor sem réplica. A finalidade

dessa retórica não é encontrar o verdadeiro, mas dominar através da

palavra; ela já não está devotada ao saber, mas sim ao poder62

(REBOUL,

2004, p. 10).

Destacam-se, nesse contexto, os dissoiV lovgoi, ―discussões/argumentos duplos‖,

num tratado sofístico anônimo de técnicas argumentativas; os argumentos duplos baseiam-

se na oposição entre duas diferentes teses a respeito de um mesmo tema. Esse tratado foi

adicionado aos escritos de Sexto Empírico (séculos II-III a.C.). Não se sabe, ao certo, por

que o tratado foi atribuído a esse filósofo grego. Costuma-se fixar a data da sua composição

em torno de 404 a.C. Nove suscintos capítulos compõem o dissoiV lovgoi de temáticas

variadas, tais como, a respeito do bom e do ruim, do bonito e do feio, do justo e do injusto,

da verdade e da falsidade, da sabedoria e da excelência, se essas coisas podem ser

ensinadas etc.

Como destaca Romilly:

Com efeito, na cidade democrática, cidadãos em número cada vez maior

podiam, pela influência da palavra, participar da sua administração. A

antiga educação aristocrática já não bastava, então, nem tampouco

bastavam as virtudes tradicionais. A arte de falar na assembleia, de

argumentar sobre política, ou seja, a ―arte política‖ é o objeto do novo

ensino (ROMILLY, 1980, p. 128).

Reboul sublinha que Isócrates integra a filosofia no discurso, uma vez que: ―Ela (a

filosofia) é para a alma o que a ginástica é para o corpo, formação intelectual e moral, boa

para os jovens, mas inútil para perseguir por toda a vida (...). Em suma, para Isócrates,

62

Convém citar Eurípides: tou~t’ e!sq’ o$ qnhtw~n eu^ povlei oi*koumevna dovmou t’ a*povllus’, oi& kaloiV

livan lovgoi. ou* gavr ti toi~sin w*siV terpnaV crhV levgein, a*ll’ e*x o@tou ti eu*klehV genhvsetai. Isto que

destrói, completamente, as cidades bem habitadas e as casas dos mortais: os belos discursos; de fato, não

convém falar algo encantador aos ouvidos, mas o que traz boa fama (EURIPIDES. Hippolytus vv. 486-489).

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―filosofia‖ é cultura geral, centrada na arte oratória; numa palavra: retórica‖ (REBOUL,

2004, p. 12).

Isócrates insiste que os requisitos para ser um bom orador são, de um modo geral, a

disposição natural e a praticidade, além de um ensino sistemático:

ei* deV dei~ mhV kathgorei~n tw~n a!llwn kaiV thVn e*mautou~ dhlw~sai

diavnoian, h&gou~mai pavnta a!n moi touV eu fronou~nta suneipei~n

o@ti polloiV meVn tw~n filosofhsavntwn i*diw~tai dietevlesan o!nte,

a!lloi dev tine ou*deniV pwvpote suggenovmenoi tw~n sofistw~n kaiV

levgein kaiV politeuvesqai deinoiV gegovnasin. Ai& meVn gaVr dunavmei

kaiV tw~n lovgwn kaiV tw~n a!llwn e!rgwn a&pavntwn e*n toi~ eu*fuevsin

e*ggivgnontai kaiV toi~ periV taV e*mpeiriva gegumnasmevnoi (ISOCRATES. Against the Sophists 13. 14).

Se é preciso não só acusar os outros mas também expor o próprio

pensamento, penso que todos aqueles que são bem sensatos vão concordar

comigo: muitos dos que se dedicaram à filosofia continuaram sendo

simples, mas outros, sem jamais terem frequentado alguns dos sofistas, se

tornaram extraordinários ao falar e governar. Pois a capacidade dos

discursos e de todas as outras ações aparece entre os dotados de boas

disposições naturais e naqueles que se exercitaram com respeito à prática.

Rohden é categórico quanto à oposição entre Isócrates e os sofistas:

Diferente dos sofistas, (Isócrates) estabelece como fim último da retórica a

obtenção da eu*daimoniva. Superou os sofistas ao trabalhar a retórica como

―forma e conteúdo‖, meio e fim práticos orientados ao bem. Os discursos

isocráticos distinguiam-se dos demais por possuírem uma preocupação pelo

bem da nação grega e não por interesses particulares (ROHDEN, 1997, pp.

44-45).

A seguir, Rohden faz um cotejo entre Isócrates e Platão:

São dois pensadores com opiniões próximas e divergentes. Representam,

historicamente, a polêmica Retórica versus Filosofia. Ambos defendem

uma proposta política com referência à retórica. (...) De Isócrates podemos

afirmar que acabou constituindo uma antítese à concepção retórico-

platônica. O primeiro concebeu-a como atividade prática e o segundo como

atividade puramente intelectual, teórica (ROHDEN, 1997, p. 47).

A relação entre Isócrates e Platão é explicitada por Marrou do seguinte modo: ―Se a

educação platônica funda-se, em última análise, na noção de Verdade, a educação isocrática

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repousa na exaltação das excelências da palavra, ou melhor, do Lógos‖ (MARROU, 1969,

p. 134). Marrou prossegue o seu pensamento nos seguintes termos:

O progresso da civilização e da cultura helênicas passou a requerer melhor

educação: a revolução pedagógica iniciada pelos sofistas, na segunda

metade do século, culminou com a obra de dois grandes educadores:

Isócrates, cuja carreira no ensino se prolongou de 393 a 338 a.C., e Platão

que ensinou desde 387 até 348. A competição entre suas escolas rivais,

eventualmente, estruturou as duas formas que daí por diante viriam a tomar

a alta cultura grega – uma, a oratória; outra, a filosófica. Foi uma frutífera

rivalidade (ibidem, p. 216).

Na Paideia Helenística, o tratado retórico de Aristóteles, que servira de paradigma

para os retores, agora, seria desenvolvido minuciosamente.

Cícero é considerado como um dos oradores romanos mais profícuos de seu tempo;

foi para a Grécia dar continuidade à sua formação retórica e filosófica63

:

Cícero mostra-nos o helenismo latino chegado ao seu pleno

desenvolvimento. Cícero não somente sabe perfeitamente o grego como

também assimilou toda a cultura grega do seu tempo: em Atenas, em

Rodes, levou seus estudos de retórica e de filosofia tão longe quanto podia

fazê-lo um estudante grego (MARROU, 1969, p. 401).

Cícero defendia a ideia de que um bom orador era aquele que detinha um amplo

conhecimento em todas as ciências e de todos os grandes reveses da vida (CICÉRON. De

Oratore 1. 20, 1. 7264). E ainda: o orador deveria ter formação filosófica (CICÉRON. De

63

Mesmo que o discurso seja particular, a escolha apropriada e certa das palavras ao se elaborar um discurso,

para um determinado fim, era vista como uma técnica importante. Os gregos intitulavam isso de eu@resi,

―descoberta‖; os romanos, de inventio. A retórica latina traduziu determinados termos gregos, tais como:

metaforav é denominada de tralatio; e*pideiktikovn, demonstrativum; tevcnh r&htorikhv, ars oratória ou

rhetorica. É bom sublinhar que o vocábulo grego r&hthvr apresentará duas possibilidades de tradução: orator,

que é aquele que elabora os discursos, e rhetor, que era o docente, normalmente grego (REBOUL, 2004, pp.

71-72). 64

Ac mea quidem sententia nemo poterit esse omni laude cumulatus orator, nisi erit omnium rerum

magnarum atque artium scientiam consecutus: etenim ex rerum cognitione efflorescat et redundet

oportetoratio. Quae, nisi res est ab oratore percepta et cognita, inanem quandam habet elocutionem et paene

puerilem. E, seguramente, em minha opinião, ninguém poderá ser, com todo louvor, orador completo, se não

for obtido o conhecimento de todos os grandes assuntos e das artes. Porque, do conhecimento das coisas, é

necessário que floresça e superabunde o discurso; o qual tem elocução um pouco vaga e quase infantil, se não

for exposto um tema conhecido e estudado pelo orador (CICÉRON. De Oratore 1. 20). Sed, ut solebat C.

Lucilius saepe dicere, homo tibi subiratus, mihi propteream ipsam causam minus quam volebat familiaris,

sed tamen et doctus et perurbanus, sic sentio neminem esse in oratorum numero habendum, qui nonsit

omnibus eis artibus, quae sunt libero dignae, perpolitus (...). Mas, como Gaio Lucílio – homem quase

insatisfeito contigo e, pelo mesmo motivo, menos íntimo comigo do que ele desejava, mas ainda instruído e

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Oratore 1. 4665). Assim, com Cícero houve uma aproximação entre Filosofia e Retórica,

uma vez que se percebe a importância dada pelo orador latino ao estudo da filosofia.

Segundo ele, a eloquência não é extraída da oratória, mas da filosofia (CICERO. Orator

3.12)66.

As obras De Oratore (―Do Orador‖) (55 a.C.) e Orator (―O Orador‖) de Cícero (46

a.C.) e a Instituto Oratoria (“Instituição Oratória‖) (93 d.C.) de Quintiliano são

consideradas importantes tratados de retórica latina. Diferentemente dos gregos, os

romanos possuíam advogados, que não recebiam por seus serviços, mas apenas presentes.

De acordo com Reboul, ―Cícero e Quintiliano foram ambos grandes advogados que, em

seus livros, ―teorizaram‖ sobre sua prática‖67 (REBOUL, 2004, pp. 71-72).

Todavia, enquanto na Grécia os jovens, já no século IV a.C., frequentavam

as escolas dos sofistas, onde se adestravam em política, moral e retórica;

enquanto, aproximadamente, por 339 a.C., Aristóteles nos legava sua Arte

Retórica. Mas é claro que os romanos acabariam por adotar a retórica, a

―esse‖ poder extraordinário sobre as pessoas, essa faculdade, no dizer de

fino – costumava, frequentemente, dizer: assim considero que ninguém deve pertencer ao número de oradores

sem ser perfeito em todas aquelas artes que são dignas ao homem livre (CICÉRON. De Oratore 1. 72). 65

Multi erant praeterea clari in philosophia et nobiles, a quibus omnibusuna paene voce repelli oratorem a gub

ernaculis civitatum, excludi ab omnidoctrina rerumque maiorum scientia ac tantum in iudicia et contiunculast

amquam in aliquod pistrinum detrudi et compingi videbam. Havia, além disso, na Filosofia, muitos ilustres e

célebres; por eles todos, a quase uma única voz, eu reparava que o orador era repelido pelos governos das

cidades, que era excluído de todo aprendizado e do conhecimento das coisas maiores, e que era relegado e

impelido tanto para os tribunais e pequenas práticas forenses, como para algum outro trabalho penoso

(CICÉRON. De Oratore 1. 46). 66

Ego autem et me saepe nova videri dicere intellego, cum pervetera dicam sed inaudita plerisque, et fator me

oratorem, si modo sim aut etiam quicumque sim, non ex rhetorum officinis sede x Academiae spatiis

exstitisse; illa enim sunt curricula multiplicium variorumque sermonum, inquibus Platonis sunt impressa

vestigia. Sed et huius et aliorum philosophorum disputationibus et exagitatus máxime orator est et adiutus;

omnis enim ubertas et quase silva dicendi ducta ab illis nec satis tameninstructa ad forenses causas, quas, ut

illi ipsi dicere solebant, agrestioribus Musis reliquerunt. Confesso-me orador, seja eu agora um ou ainda o que

quer que eu seja, quando eu digo coisas que hão de mudar, mas inéditas a quase todos. Eu, porém, reconheço

que, de mim, são ouvidas dizer, frequentemente, novidades que tenham saído não dos trabalhos dos retores,

mas dos espaços da Academia; pois esses são locais de numerosos e variados modos de expressão, nos quais,

primeiramente, as lições de Platão foram empregadas. Contudo, nas disputas deste e de outros filósofos, o

orador é, excessivamente, perseguido e auxiliado; porque toda riqueza, quase toda a variedade na forma de

expressão, foi conduzida por eles, embora não esteja muito elaborada para as causas dos tribunais, que eles

deixaram para as Musas mais severas, as Musas das Ciências, como eles mesmos costumavam dizer

(CICERO. Orator 3.12). 67

Convém lembrar Demóstenes (384— 322 a.C.), que, além de orador e logógrafo, era advogado; é

considerado um dos mais combativos oradores atenienses em uma das épocas mais turbulentas da Grécia,

quando o rei macedônio, Felipe II, começou a interferir na política grega. Já a maioria dos discursos de Lísias

(445-380 a.C), que também era logógrafo, foi composta para clientes. A sua obra é muito extensa, incluindo

talvez 400 discursos, mas, somente, restam trinta e cinco (alguns incompletos e outros considerados não

autênticos).

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Aristóteles, capaz de descobrir todos os possíveis meios persuasivos sobre

qualquer assunto (Ret. I, 25-26 e 31-32) (PETERLINI, 2004, p. 121).

Reboul enfatiza que há um grande problema que surgiu no fim da antiguidade: a

relação entre a retórica e a nova religião, isto é, o cristianismo. A nova crença se caracteriza

em uma ruptura total com a cultura antiga, cujo ―cerne‖ é formado pela retórica, associada

a uma cultura pagã, idólatra e imoral. Para os cristãos, havia o perigo de essa cultura afastar

os fiéis da redenção, ―única coisa necessária‖.

Quando todas as estruturas administrativas do Império caíram, foi, justamente, a

Igreja que se tornou depositária da cultura antiga, incluindo a retórica. Não se deve

esquecer que a maioria dos pais da Igreja rejeitaram os autores pagãos, uma vez que os

consideravam como inúteis e perigosos; mas admitiam a língua e a retórica dos pagãos.

A primeira razão justifica-se pelo fato de que a Igreja, em seu papel missionário e

em suas polêmicas, não poderia prescindir da retórica, nem ao menos da língua grega ou

latina. Não era recomendável deixar os meios de persuasão e de comunicação em mãos de

adversários. É bom lembrar o que Santo Agostinho, no fim do século IV d.C., sublinhou

sobre a necessidade da prática da retórica:

É um fato, que pela arte da retórica, é possível persuadir o que é verdadeiro

como o que é falso. Quem ousará, pois, afirmar que a verdade deve

enfrentar a mentira com defensores desarmados? Seria assim? Então, esses

oradores, que se esforçam para persuadir o erro, saberiam desde o proêmio

conquistar o auditório, torná-lo benévolo e dócil, ao passo que os

defensores da verdade não o conseguiriam? (AGOSTINHO. A Doutrina

Cristã IV, 2, 3).

A segunda razão pontua que não se deve negar que a própria Bíblia é,

essencialmente, retórica, com metáforas, alegorias, jogos de palavras, antíteses,

argumentações etc.

Reboul destaca que, ao mesmo tempo que a Bíblia era um modelo, ela constituía

também um problema. De fato, não bastava que ela fosse lida, mas também compreendida.

A propósito, para interpretá-la, utilizar todos os recursos retóricos nunca era excessivo

(REBOUL, 2004, pp. 77-78). O pesquisador chama assim a atenção para o fato de que

―mais tarde, na era cristã, o gênero epidíctico será enriquecido com toda a pregação

religiosa‖ (ibidem, p. 47).

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É apropriado citar também Marrou quanto ao ―embate‖ entre a retórica e a nova

crença:

Na antiguidade, a conversão ao cristianismo exigia, da parte de um homem

culto, um esforço de renúncia, de superação: era-lhe necessário confessar a

vaidade radical, admitir os limites desta cultura de que, até então, ele havia

vivido. Os cristãos dos primeiros séculos estavam, de fato, perfeitamente

conscientes desta oposição: Quid Athenae Hierosolymis ...―Que há de

comum entre Atenas e Jerusalém, entre a Academia e a Igreja?‖ 68

(MARROU, 1969, p. 488).

É bom lembrar que os relatos bíblicos possuem referências aos homens aquinhoados

com a eloquência, tais como Arão, Davi e os da tribo de Naftali69

:

10 E Moisés disse ao Eterno: Rogo, Senhor! Eu não sou homem eloquente

nem de ontem, nem de anteontem, nem desde que falaste a teu servo, pois

tenho fala lenta e língua trêmula. 11 E o Eterno disse para ele: Quem coloca

a boca no homem? Ou quem o faz ser mudo ou surdo, ou enxergar ou ser

cego? Acaso não sou Eu, o Eterno? 12 E agora, vai-te, e Eu estarei com a

tua boca e te ensinarei o que hás de falar. 13 E disse: Rogo, Senhor! Envia

por meio de quem hás de enviar! 14 E a ira do Eterno acendeu-se com

Moisés, e disse: Certo! Aarão [Aharon], teu irmão, o levita, eu sei que ele

falará. E também, eis que ele está saindo ao teu encontro, e te verá e se

alegrará em seu coração (Ex 4. 10-14).

68

In: TERTULLIAN. Prescription Against Heretics, 7. Este livro constitui um tratado, tendo, por

destinatários, os filósofos e os hereges, sendo a filosofia considerada um canal para as heresias. O teólogo,

para fundamentar o seu pensamento, faz citações das epístolas paulinas (1 Tm 1.4; 4.1; 2 Tm 2. 17; Tt 3.9).

Cite-se, por exemplo: ToV deV pneu~ma r&htw~ levgei o@ti e*n u&stevroi kairoi~ a*posthvsontai tine th~

pivstew prosevconte pneuvmasin plavnoi kaiV didaskalivai daimonivwn. Ora, o Espírito diz,

explicitamente, que, nos últimos tempos, alguns apostatarão da fé, dedicando-se a espíritos mentirosos e a

ensinos de demônios (1 Tm 4.1). 69

É interessante destacar também os seguintes discursos atestados no Antigo Testamento: o discurso da

mulher sábia de Técoa diante do rei Davi e os quatro discursos de Moisés. Segue-se, primeiramente, o

discurso da mulher de Técoa: 12

E a mulher disse: Peço-te que a tua serva fale uma palavra ao rei, meu

Senhor – e ele disse: Fala. 13

E a mulher disse: Por que pensas tu tal coisa contra o povo de Deus? Pois ao

falar o rei esta coisa fica como culpado, visto que o rei não torna a trazer o seu desterrado (Avshalom). 14

Porque, certamente, morreremos, e seremos como águas derramadas na terra, que jamais tornarão a se ajuntar,

e Deus não favorecerá ninguém para não lhe tirar a vida, mas, sim, cogitará pensamentos, para que não se

desterre Dele o seu desterrado. 15

E se eu vim, agora, falar esta palavra ao rei, meu Senhor, é porque o povo

me atemorizou, mas a tua serva disse: Falarei ao rei; talvez o rei faça segundo a palavra da sua serva. 16

Porque o rei ouvirá, para livrar a sua serva da mão do homem que pretende destruir a mim, junto com meu

filho, da herança de Deus. 17

E tua serva disse: Seja, agora, a palavra do rei, meu senhor, para descanso,

porque como um anjo de Deus, assim é o rei, meu senhor, para ouvir o bem e o mal, e o Eterno, teu Deus, será

contigo (2 Sm 14. 12-17). Tem-se, igualmente, os quatro discursos de Moisés (Dt capts. 1 e 4.1-43; 4. 44-49;

capt. 26; capts. 27-30), eis, somente, alguns excertos: 5

Além do Jordão, na terra de Moav, Moisés começou a

explicar esta Torá, dizendo: 6 O Eterno, nosso Deus, nos falou em Horeb, dizendo (...) (Dt 1. 5-6);

1 E agora, ó

Israel, ouve os estatutos e os juízos que eu vos ensino para os cumprirdes, a fim de que vivais, entreis e

herdeis a terra que o Eterno, Deus de vossos pais, vos dá. 2 Não acrescentareis sobre a coisa que eu vos

ordeno, e não subtraireis dela, para que guardeis os preceitos do Eterno, vosso Deus, que eu vos ordeno (...)

(Dt 4. 1-2).

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Quanto a Davi e à tribo de Naftali, tem-se o seguinte testemunho: ―E respondeu um

dos moços, dizendo: ―Eis que vi um filho de Ishai, de Bet-Léhem, que sabe tocar, e é

valente e homem guerreiro e prudente em palavras e de boa aparência, e o Eterno está com

ele‖ (1 Sm 16. 18); ―Naftali é uma gazela solta, que proferirá belas palavras‖ (Gn 49. 21).

Florescu destaca que o hebraico é considerado por ter a qualidade de ser claro, como

um resultado da unidade política, cultural e religiosa dos indivíduos (FLORESCU, 1982, p.

11): ―Pois não foste enviado a um povo cujo idioma não compreendes ou cuja língua é

difícil, mas, sim, à Casa de Israel‖ (Ez 3. 5).

Os hebreus acreditavam que a palavra da Deidade era revestida de poder assim que

fosse emitida, não retornando vazia, sem efeito (Is 55. 1170). A palavra de Jeová era tal qual

uma flecha que, assim que era atirada do arco, não poderia mais voltar. Então, a palavra

divina nunca falhava, mas cumpria e completava os seus propósitos, além de ser uma

palavra ―pura‖, ―refinada‖ e ―eterna‖ (Sl 12. 771; Is 40. 872). Havia a crença também, entre

os hebreus, que as palavras retas eram persuasivas (Jó 6. 2573) e que ―meras palavras‖

levavam à penúria (Pv 14. 2374). Ressalte-se que há mandamentos para ter cuidado com

aquilo que se falava (Sl 34. 13-1475; Pv 18. 2176).

Na década de 60, estudos importantes a respeito da retórica foram atestados. De um

lado, tem-se Charles Perelman e L. Olbrechts-Tyteca,77

que viram a retórica como ―arte de

argumentar‖, isto é, a retórica visa a convencer. Geralmente, extraem, por um lado, seus

exemplos entre os oradores de diversas áreas, tais como, religiosos, jurídicos, políticos e

filosóficos. Por outro lado, Morier, G. Genette e J. Cohen, entre outros, veem a retórica

como um ―estudo do estilo‖, e, principalmente, das ―figuras‖. A retórica constituiria tudo

70

Também a palavra que de Mim emanar (pela boca dos profetas) não retornará para Mim vazia, mas

efetuará o que Me aprouve, e prosperará naquilo para que a enviei (Is 55. 11). 71

As palavras do Eterno são confiáveis e sinceras, puras como a prata, por sete vezes depurada no cadinho (Sl

12. 7). 72

Fenece a grama, murcha-se a flor, mas, perpetuamente, subsistirá a palavra do Eterno, nosso Deus (Is 40.

8). 73

Persuasivas são as palavras pronunciadas com retidão! (...) (Jó 6. 25). 74

Todo trabalho traz proveito, mas palavreado só traz atribulações (Pv 14. 23). 75

13

Quem é o homem que ama a sua vida e deseja longos dias para aproveitá-la em felicidade? 14

Aquele que

guarda do mal a sua língua e cujos lábios não pronunciam falsidades (Sl 34. 13-14). 76

A vida e a morte estão sob o poder da língua, e os que a utilizam adequadamente comerão de seu fruto (Pv

18. 21). 77

Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca – dois dos mais importantes teóricos da retórica do século XX -,

tendo por base Aristóteles, escrevem o Tratado da Argumentação. Nascia assim, o que se denomina, hoje, de

―A Nova Retórica‖.

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aquilo que tornaria literário um determinado texto. A retórica, então, inicialmente, para o

primeiro grupo, era vista como persuasão e, para o segundo, como estilo.

Reboul conceitua a retórica nos seguintes termos: ―retórica é a arte78 de persuadir

pelo discurso‖ (REBOUL, 2004, p. XIV). Eis a definição de Reboul para ―discurso‖,

subscrita do seguinte modo:

Por discurso, entendemos toda produção verbal escrita ou oral, constituída

por uma frase ou por uma sequência de frases, que tenha começo e fim e

apresente certa unidade de sentido. (...) Conforme nossa definição, a

retórica não é aplicável a todos os discursos, mas somente àqueles que

visam a persuadir, o que de qualquer modo representa um belo leque de

possibilidades! Enumeremos as principais: pleito advocatício, alocução

política, sermão, folheto, cartaz de publicidade, panfleto, fábula, petição,

ensaio, tratado de filosofia, de teologia ou de ciências humanas.

Acrescente-se a isso o drama e o romance, desde que de ―tese‖, e o poema

satírico ou laudatório (ibidem, p. XIV).

Cite-se, agora, a definição de Aristóteles para a retórica:

!Estw dhV r&htorikhV duvnami periV e@kaston tou~ qewrh~sai toV

e*ndecovmenon79 piqanovn. (ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1355 b 25-34).

Admita, precisamente, (que) a retórica é a capacidade de examinar aquilo

que seja passível de persuasão no que diz respeito a cada (situação).

Molinié, igualmente, sublinha que a retórica é uma prática definida, de um modo

geral, como a ―arte de persuadir‖. O meio da persuasão é a linguagem, incluindo a

totalidade dos seus componentes, sendo a palavra individual a mais viva e poderosa. Esta

palavra é considerada como um todo orquestral: as frases que se pronunciam com as

palavras e as expressões pelas quais se optam, a voz, o olhar e os gestos, as informações

que são dadas (...). O mundo da retórica é o da vida, do movimento, das comunicações e

78

Reboul lembra que há uma eminente discussão a respeito da retórica, se ela é uma tecnhv com ―habilidade

inata‖ ou ―adquirida‖: ―Esta, dizíamos, é uma arte. Este termo, tradução do grego tekhné, é ambíguo, e até

duplamente ambíguo. Em primeiro lugar, porque designa tanto uma habilidade espontânea quanto uma

competência adquirida através do ensino. Depois, porque designa ora uma simples técnica, ora, ao contrário, o

que na criação ultrapassa a técnica e pertence, somente, ao ―gênio‖ do criador. Em qual ou em quais desses

sentidos se está pensando quando se diz que a retórica é uma arte? Em todos.‖ (REBOUL, 2004, p. XXI). 79

O particípio neutro substantivado toV e*ndecovmenon significa, em sentido passivo, ―ser admissível, possível,

permitido‖ (BAILLY, 2000, p. 672).

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das relações sociais. A persuasão consiste do ponto de vida daquele que fala para agir sobre

os destinatários de seu discurso, para que esses tenham uma opinião, um sentimento, uma

vontade (MOLINIÉ, 1992, pp. 5-6). A persuasão, então, consistiria em levar alguém a crer

em alguma coisa.

Já Heinrich destaca que a retórica é definida como ars bene dicendi, ―arte de falar

bem‖, sendo que bene é a virtus específica do discurso partidário constituída pelo sucesso

da persuasão. Esta virtus geral do discurso realizar-se-á, especificamente, em cada fase da

elaboração e em cada parte do discurso (LAUSBERG, 1967, p. 86).

Reboul destaca, pelo menos, quatro funções da Retórica, isto é, os serviços que são

capazes de prestar: a função persuasiva, a hermenêutica, a heurística e a pedagógica

(REBOUL, 2004, p. XVII).

Depreende-se que a primeira função da retórica - a função persuasiva – é devido à

sua própria definição: a ―arte de persuadir‖. A propósito, esta função é a mais clara e a mais

antiga. Os meios para se alcançar a persuasão podem ser de nível racional ou afetivo, pois

―em retórica razão e sentimentos são inseparáveis‖, como sublinha Reboul (ibidem, p.

XVII).

Os argumentos são os meios que dizem respeito à razão, sendo de duas espécies:

aqueles que se inserem no ―raciocínio silogístico‖ (entimemas) e aqueles que se baseiam no

―exemplo‖. Não obstante, os meios que dizem respeito à afetividade são denominados de

êthos e de páthos.

Há dois aspectos em que o persuasivo do discurso se insere: o ―argumentativo‖ e o

―oratório‖, aspectos esses não tão simples de se distinguir. Os gestos, o tom e as mudanças

da voz do orador pertenceriam à parte da oratória. Reboul faz uma ressalta importante:

―Todavia, o que dizer das figuras de estilo, aquelas famosas figuras a que alguns reduzem a

retórica? A metáfora, a hipérbole, a antítese são oratórias por contribuírem para agradar ou

comover, mas são também argumentativas no sentido de exprimirem um argumento

condensando-o, tornando-o mais contundente‖ (ibidem, p. XVIII).

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A outra função da retórica é a função hermenêutica80

, pois a retórica é vista como a

―arte de interpretar textos‖. O orador, para ser persuasivo, deve antes entender a retórica

dos seus opositores e conhecer os seus pontos fracos.

Na universidade atual, essa função é fundamental, para não dizer única.

Não se ensina mais retórica como arte de produzir discursos, mas como arte

de interpretá-los. Mas aí a retórica recebe outra dimensão; não é mais uma

arte que visa a produzir, mas uma teoria que visa a compreender (ibidem, p.

XIX).

Quando se utiliza a retórica para saber, para se encontrar algo, então, denomina-se

função heurística81

, que é a terceira função da retórica, uma vez que é uma função de

―descoberta‖.

Como pois achar o verossímil? Recordaremos aqui a lei fundamental da

retórica: o orador nunca está sozinho. O advogado mais hábil tem diante de

si outros advogados que fazem o mesmo trabalho sem sentido inverso. Do

mesmo modo, o político confronta outros políticos; o pedagogo, outros

pedagogos. Cada um deles – essa é a regra do jogo – defende sua causa

sendo tão persuasivo quanto possível, e contribui assim para uma decisão

que não lhe pertence, que incumbe a um terceiro: o juiz. Num mundo sem

evidência, sem demonstração, sem previsão certa, em nosso mundo

humano, o papel da retórica, ao defender esta ou aquela causa, é esclarecer

aquele que deve dar a palavra final. Contribui – onde não há decisão,

previamente, escrita – para inventar uma solução. A retórica, realmente,

possui uma função de descoberta (REBOUL, 2004, p. XX-XXI).

E, por fim, ensinar a compor de acordo com um plano, fazer a ligação,

coerentemente, dos argumentos, cuidar do estilo, empregar as construções adequadas, a

falar de modo distinto etc., seria a competência da quarta função da retórica, a função

pedagógica (ibidem, p. XXII).

80

O vocábulo hermenêutica provém do radical nominal de e*rmhneuv"intérprete" + sufixo nominal

formador de adjetivos triforme –ikov, -ikhv, -ikovn, que indicam aptidão, a capacidade de executar uma ação,

isto é, ―apto para interpretar, para explicar‖. É bom lembrar que e*rmhneuvestá vinculado,

etimologicamente,ao deus &Ermhv, ―Hermes‖, o mensageiro dos deuses. 81

O vocábulo heurística provém do radical verbal de eu&rivskw, "encontro, descubro‖ + sufixo nominal

formador de adjetivos triforme –ikov, -ikhv, -ikovn, que indicam aptidão, a capacidade de executar uma ação,

isto é, ―apto para encontrar, para descobrir‖.

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4. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

4.1 A Arte Retórica Aristotélica

Reboul enfatiza que a obra de Aristóteles é composta por quatro partes, que

representariam as quatro fases pelas quais passa aquele que compõe um discurso ou pelas

quais acredita-se que passe (REBOUL, 2004, p. 43). São elas: 1) h& eu@resia inventio); 2)

h& tavxi (a dispositio); 3) h& levxia elocutio); 4) h& u&povkrisi (a actio). Pode-se

considerar os vocábulos heúresis, táxis, léxis e hypókrisis como processos de composição

dos discursos com vista à interação.

1) &H eu@resiA Inventio)

É a invenção, a busca, a descoberta de encontrar todos os argumentos e meios de

persuasão que dizem respeito ao ―tema‖, qevma do discurso, isto é, ―é o assunto que se vai

tratar‖ (DAYOUB, 2004, p. 12).

2) &H tavxi (A Dispositio)

É a disposição, a ordenação favorável das partes (res et verba), isto é, a organização

interna do discurso: 1) a parte inicial do discurso – exordium / prooemium; 2) a parte

central do discurso; 3) a parte final do discurso – peroratio (LAUSBERG, 1967, pp. 95-

113). É nessa etapa em que ―se organiza o modo de dizer os argumentos inventados;

equivale ao arranjo formal das partes do discurso, à organização das ideias‖ (DAYOUB,

2004, p. 12).

3) &H levxiA Elocutio)

É a ornamentação dos vocábulos e a utilização das figuras82

. Digna de nota é a

observação de Perelman e Olbrechts-Tyteca:

82

J. Dubois et alli fazem um estudo das figuras ou metáboles. Os linguistas destacam que as metáboles,

―desvios‖ se processam em dois planos: o ―Plano da Expressão‖ (Metaplasmos e Metataxes) e o ―Plano do

Conteúdo‖ (Metassememas e Metalogismos). As figuras retóricas são o resultado de aplicação de quatro

operações fundamentais, por exemplo: a) As Figuras de Dicção ou Fônicas (Os Metaplasmos – operação

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Desde a Antiguidade, provavelmente, desde que o homem meditou sobre a

linguagem, reconheceu-se a existência de certos modos de expressão que

não se enquadram no comum, cujo estudo foi, em geral, incluído nos

tratados de retórica; daí seu nome de figuras de retórica. Em consequência

da tendência da retórica a limitar-se aos problemas de estilo e de expressão,

as figuras foram cada vez mais consideradas simples ornamentos, que

contribuem para deixar o estilo artificial e floreado (PERELMAN,

OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 189).

A elocutio é considerada como a expressão linguística encontrados pela inventio,

uma vez que o discurso está dependente da gramática (que é o sistema de regras que

regulamentam a pureza linguística e idiomática) e da retórica (que é o sistema de regras que

garante a persuasão) (LAURBERG, 1967, pp. 115-269).

Para Cícero, a elocutio é a parte da retórica que é a mais própria ao orador, pois é a

parte onde o orador se expressa como tal:

Sed iam illius perfecti oratoris et summae eloquentiae speciesexprimenda

est. Quem hoc uno excellere id est oratione, cetera in eo latereindicat

nomen ipsum; non enim inventor aut compositor aut actor qui

haeccomplexus est omnia, sed et Graece ab eloquendo r&hvtwr et Latine

eloquensdictus est; ceterarum enim rerum quae sunt in oratore

partemaliquam sibi quisque vindicat, dicendi autem, id est el oquendi,

máxima vis solihuic conceditur (CICERO. Orator, 19. 61).

Mas agora o aspecto da totalidade da eloquência daquele perfeito orador

deve ser claramente expresso. Eu reúno quem exceder nisto só (isto é, pela

oratória), por esse lado o nome próprio mostra o restante. Porque não só o

inventor ou o compositor ou o ator que assenhorou-se de tudo isto, mas

também o orador eloquente tem sido mencionado pelo falante grego e

latino. Porquanto cada um reivindica para si alguma parte dentre os objetos

restantes que são do orador, contudo, no dizer, isto é, no enunciar, máxima

força somente a ele é concedida.

sobre a morfologia); b) As Figuras de Construção ou de Sintaxe (As Metataxes – operação sobre a sintaxe:

(elipse, zeugma, pleonasmo, anacoluto, anáfora, silepse ...); c) As Figuras de Palavras ou Tropos (Os

Metassememas – operação sobre a semântica: (metáfora, metonímia, antonomásia, sinestesia, comparação

...); d) As Figuras de Pensamento ou Sentimento (Os Metalogismos, operação sobre a lógica: (antítese,

eufemismo, paradoxo, hipérbole, anticlímax, clímax ...) (DUBOIS et alli, 1973, pp. 50-144). Ora, os

metaplasmos gregos (aférese, apócope, síncope, epêntese ...) não constituem, propriamente ditos, ―desvios‖

na gramática grega, e sim regras fonéticas bem definidas. Já, na língua portuguesa, os metaplasmos são

considerados figuras de dicção. Ressalte-se que foi seguida a classificação das figuras de linguagem proposta

pelo gramático e linguista Francisco Savioli e pelos linguistas J. Dubois et al., uma vez que não há

unanimidade entre os estudiosos a respeito da classificação das figuras. É bom lembrar que Cícero denomina

as figuras de estilo de lumina: etiamilla sententiarum lumina adsumet, quae non erunt vehementer inlustria.

Além disso, tomará para si aquelas luzes das sentenças, que não estarão veementemente esclarecidas

(CICERO. Orator, 25. 85), uma vez que essas figuras exteriorizam o que se quer expressar. Ver também:

CICERO. Orator, 27. 95; 39.134).

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Quintiliano conceitua a eloquência como aquela que é rem pulcherrimam

eloquentiam, “a mais bela das coisas‖ (QUINTILIEN. Institution Oratoire XII, 1, 45).

4) &H u&povkrisi (A Actio ou Pronunciatio)

É o ato de proferir o discurso, incluindo os gestos, as mímicas e a dicção do orador

como se fosse um ator.

Há suposições de como o discurso seria proferido, se era lido, se proferido a partir

de algumas notas ou se era improvisado. Acredita-se que, entre os antigos, iniciava-se

aprendendo de cor; para isso, a ―memória‖, mnhvmh, era primordial. Ora, a quinta parte da

retórica, para alguns autores latinos, era constituída pela memória83

, uma vez que ―na época

romana, à ação será acrescentada a memória‖ (REBOUL, 2004, pp. 44, 68)84.

Yates destaca que não é difícil compreender os princípios gerais da mnemônica85

.

Assim, em primeiro lugar, era preciso ter, na memória, uma série de moci, ―lugares‖

(YATES, 2007, p. 19).

83

Sublinhe-se que, para os estudos dos discursos paulinos, levou-se também em consideração essa quinta

parte da retórica. 84

É bom lembrar que as cinco fases para a elaboração de um discurso são atestadas em Quintiliano

(QUINTILIEN. Institution Oratoire VII, VIII, IX, XI). A obra Retórica a Herênio é considerada de grande

importância para a retórica romana. Acredita-se que tenha sido escrita por Cícero em 80 a.C., mas há

controvérsias quanto à sua autoria. Tem-se, assim, o seguinte excerto a respeito das fases da elaboração do

discurso: Oportet igitur esse in oratore inuentionem, dispositionem, elocutionem, memoriam,

pronuntiationem. Inuentio est excogitatio rerum uerarum aut ueri similium, quae causam probabilem reddant.

Dispositio est ordo et distributio rerum, quae demonstrat, quid quibus locis sit conlocandum. Elocutio est

idoneorum uerborum et sententiarum ad inuentionem adcommodatio. Memoria est firma animi rerum et

uerborum et dispositionis perceptio. Pronuntiatio est uocis, uultus, gestus moderatio cum uenustate. Convém

que exista no orador invenção, disposição, elocução, memória, pronunciação. Invenção é a descoberta das

ideias verdadeiras ou verossímeis que tornem comprovável uma causa. Disposição é a ordenação e

distribuição dessas ideias, que regula o que deve ser assentado em quais lugares. Elocução é a adequação de

palavras e sentenças à invenção. A memória é a firme fixação ao espírito das ideias, das palavras, da

disposição. Pronunciação é a comedida composição, com toda elegância, da voz, do semblante e dos gestos

(Retórica a Herênio 1, 3). Cícero expõe, em termos semelhantes, as cinco partes da retórica: inventio est

excogitatio rerumverarum aut veri similium, quae causam probabilem reddant; dispositivo estrerum

inventarum in ordinem distributivo; elocutio est idoneorum verburum et

setentiarum ad inventionem accommodatio; memoria est firma animirerum ac verborum ad inventionem perce

ptio; pronuntiatio est ex rerum et verborum dignitate vocis et corporis moderatio (CICERO. De Inventione 1.

9). A invenção é o exame aprofundado de coisas verdadeiras (res) ou de coisas verossímeis para tornar uma

causa plausível; a disposição é arranjar em ordem as coisas já descobertas; a elocução é adaptar as palavras

(verba) convenientes às (coisas) inventadas; a memória é a percepção firme, pela alma, das coisas e das

palavras; a pronunciação é o controle da voz e do corpo para se adequar à dignidade das coisas e das palavras

(CICERO. De Inventione 1. 9 apud YATES, 2013, p. 25). 85

Cícero conta uma possível história da invenção da ―arte da memória‖, envolvendo Simônides de Ceos (556-

468 a.C.) (CICERO. De Oratore 2. 352-354).

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61

Digno de nota é a observação de Yates:

Apenas algumas pessoas sabem que, entre as muitas artes que os gregos

inventaram, está uma arte da memória que, como as outras artes gregas, foi

transmitida a Roma, de onde passou para a tradição europeia. Essa arte

busca a memorização por meio de uma técnica de imprimir ―lugares‖ e

―imagens‖ na memória. Tem sido classificada como ―mnemotécnica‖, ramo

da atividade humana que parece ser pouco considerado nos tempos atuais.

Mas, antes da invenção da imprensa, uma memória treinada era de vital

importância (...). Mnemosyne, diziam os gregos, é a mãe das Musas86

(...)

(YATES, 2007, p. 11).

Tanto Cícero quanto Quintiliano dão o seguinte testemunho a respeito da ―arte da

memória‖87:

Gratiamque habeo Simonidi illi Cio, quem primum feruntartem memoriae

protulisse (CICÉRON. De Oratore 2. 351).

E eu agradeço àquele Simônides de Ceos, a quem, primeiramente, admitem

ter divulgado a técnica da memória.

Itaque eis, qui hanc partem ingeni exercerent, locos esse capiendos etea, qu

ae memoria tenere vellent effingenda animo atque in eis locisconlocanda; si

c fore, ut ordinem rerum locorum ordo conservaret, res autemipsas rerum ef

figies notaret atque ut locis pro cera, simulacris pro litterisuteremur

(CICERO. De Oratore 2. 354).

Ele inferiu que pessoas que desejam treinar essa faculdade (da memória)

precisam selecionar lugares e formar imagens mentais das coisas que

querem lembrar, e guardar essas imagens nesses lugares, de modo que a

ordem dos lugares preserve a ordem das coisas, e as imagens assim como

uma tábua de cera sobre a aqual são inscritas letras (CICERO. De Oratore

2. 354 apud YATES, 2007, p. 18).

E Cícero prossegue, ainda, nestes termos:

Vidit enim hoc prudenter sive Simonides sive aliusquis invenit, ea maxime

animis effingi nostris, quae essent a sensu tradita atque impressa;

acerrimum autem ex omnibus nostris sensibus esse sensum videndi; qua re

86

A propósito, convém lembrar o poeta Homero e suas famosas invocações à Mou~sa (Deusa) em seus versos

épicos: Mh~nin a!eide, qeav, Phlhi>avdew *Acilh~oou*lomevnhn, h# muriv’ *Acai~o a!lge’ e!qhke (...).

Canta, ó deusa, a ira funesta do Peleio Aquiles, // que trouxe aos Aqueus numerosas aflições (...) (HOMÈRE.

Iliade II, vv. 484-494). 87

Yates lembra que, juntamente com Cícero, há outras descrições a respeito da mnemônica clássica: no livro

IV do anônimo Ad C. Herennium e a segunda em Institutio Oratoria de Quintiliano (YATES. 2007, p. 18).

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facillime animo teneri posse ea, quae perciperentur auribusaut cogitatione,

si etiam comendatione oculorum animis traderentur; ut rescaecas et ab

aspectos iudicio remotas conformatio quaedam et imago et figuraita notaret,

ut ea, quae cogitando complecti vix possemus, intuendo quase teneremus

(CICERO. De Oratore 2. 357 apud YATES, 2007, p. 20).

Simônides (ou quem quer que tenha descoberto a arte da memória)

percebeu de modo sagaz que as imagens das coisas que melhor se fixam em

nossa mente são aquelas que foram transmitidas pelos sentidos, e que, de

todos os sentidos, o mais sutil é o da visão e, consequentemente, as

percepções recebidas pelos ouvidos ou concebidas pelo pensamento podem

ser mais bem retidas se forem também transmitidas a nossas mentes por

meio dos olhos.

Cícero destacava que a memorização de um discurso era uma aptidão natural, não

sendo uma técnica; assim, não poderia ser parte da retórica (CICÉRON. Brutus, 215, 301).

Sed tamen alius in alia excellebat magis; reperiebat quid opus esset, et

quomodo praeparari et quo loco locari, memoriaeeque ea comprendebat

Antonius; excellebat autem actione; erantque ei quaedam ex his paria cum

Crasso, quaedam etiam superiora; at Crassi magis nitebat oratio. Nec uero

Sulpicio neque Cottae dicere possumus neque cuiquam bono oratori rem

ullam ex illis quinque partibus plane atque omnino defuisse (CICÉRON.

Brutus, 215)

Mas ainda que o adversário excedesse mais em outras coisas. Ele

encontrava a obra que devia ser pronunciada, a maneira como devia ser

preparada e em que lugar ela devia estar localizada, e Antônio

compreendia-a pela memória, mas excedia pela ação; eles eram quase

iguais entre os oradores, com Crasso, entretanto, algumas coisas estavam

mais elaboradas; para este, a oratória brilhava mais. Não podemos dizer

nada ao bom orador, nem, em verdade, a Sulpício, nem a Cotta nem a

ninguém de ter faltado clara e completamente naquelas cinco partes

(CICÉRON. Brutus, 215).

Hortensius igitur cum admodum adulescens orsus esset in foro dicere,

celeriter ad maiores causas adhiberi coeptus est; et quamquam inciderat in

Cottae et Sulpici aetatem, qui annis decem maiores erant, excelente tum

Crasso et Antonio, dein Philippo, post Iulio, cum his ipsis dicendi gloria

comparabatur. Primum memoria tanta, quantam in nullo cognouisse me

arbitror, ut quae secum commentatus esset, ea sine scripto uerbis eisdem

redderet, quibus cogitauisset. Hoc adiumento ille tanto sic utebatur, ut sua

et commentata et scripta et nullo referente omnia omnium aduersariorum

dicta meminisset (CICÉRON. Brutus, 301).

Logo Hortêncio, como era o mais jovem a falar no fórum, foi rapidamente

preparado para ser chamado a maiores causas; e, posto que ele sucedesse a

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idade de Cotta e Sulpício, que eram dez anos mais velhos, era comparado

pela honra de falar em público com ambos, depois com o excelente Crasso

e Antônio, em seguida com Felipe, depois com Júlio. Primeiramente, por

ele possuir tão grande memória, julgo eu não ter conhecido ninguém com

tamanha memória assim, para que tivesse meditado aquele tema consigo e

repetisse aquilo sem o manuscrito com as mesmas palavras em que

cogitara. Ele, dessa forma, servia-se muito deste recurso para que tivesse

lembrado todos os seus temas, comentários, escritos e ditos de todos os

adversários sem ter nenhuma referência.

Por outro lado, Quintiliano acreditava que a memória era tanto um dom quanto uma

técnica que poderia ser aprendida (QUINTILIEN. Institution Oratoire XI, 2, 1)88

,

existindo, para tal, determinados ―processos mnemotécnicos‖ de como decompor o discurso

em partes. Essas seriam memorizadas sucessivamente, associando cada uma das partes a

um sinal mental para fazer referência em um momento oportuno, por exemplo: lembrar de

uma âncora para alguma parte do discurso sobre o navio, um dardo para alguma parte sobre

um combate (...) (QUINTILIEN. Institution Oratoire XI, 2, 29)89

.

Entrementes, além desses ―processos mnemotécnicos‖, Quintiliano faz outras

observações dignas de nota: a) é necessário que o orador tenha dormido bem, ter boa saúde,

uma vez que a memória, acima de tudo, dependia de uma boa saúde física por parte do

orador; b) é possível memorizar um discurso por sua estrutura devido ao bom

encadeamento de suas partes; c) o orador, ao possuir um bom domínio de seu discurso,

88

Memoriam quidam naturae modo esse múnus existimauerunt, estque in ea non dubie plurimum, sed ipsa

excolendo sicut alia omnia augetur, et totus de quo diximus adhuc inanis est labor, nisi ceterae partes hoc

uelut spiritu continentur. Nam et omnis disciplina memoria constat, frustraque docemur si quidquid audimus

praeterfluat, et exemplorum, legum, responsorum, dictorum denique factorumque uelut quasdam copias,

quibus abundare quasque in promptu semper habere debet orator, eadem illa uis praesentat: neque inmerito

thesaurus hic eloquentiae dicitur (ibidem, XI, 2, 1). Alguns julgaram recentemente que a memória é dom da

natureza e, sem dúvida, está nela, mas a própria memória, aperfeiçoando-se, é aumentada assim como outras

coisas: e tudo sobre o que dissemos até o momento é trabalho inútil a não ser que as partes restantes sejam

igualmente apreendidas pelo espírito. Pois toda instrução permanece na memória e, inutilmente, somos

ensinados se escapa tudo aquilo que ouvimos sobre os exemplos, leis, respostas, ditos e, por fim, fatos, assim

como certas faculdades em que o orador deve sempre exceder e possuir cada uma à disposição. Aquela

influência apresenta o mesmo: não em proveito próprio é dito este tesouro da eloquência. 89

Nemo enim fere tam infelix, ut, quod cuique loco signum destinauerit, nesciat. At si erit tardus ad hoc, eo

quoque adhuc remédio utatur, ut ipsae notae (hoc enim est ex illa arte non inutile) aptentur ad eos qui

excidunt sensus: ancora, ut supra proposui, si de naue dicendum est, spiculum, si de proelio (ibidem, XI, 2,

29). Pois quase ninguém é tão infeliz que desconheça o que terá determinado o signo e para que contexto.

Mas se for vagaroso até neste ponto, que faça uso daquele recurso (pois este é artifício útil) também aqui;

como os próprios escritos são preparados para os que esquecem o significado – âncora, como acima expus,

que está na nau do dizer; dardo que está na batalha. A propósito, acredita-se que Quintiliano deu, como

exemplos, a âncora e a arma como imagens, uma vez que ele tinha, em mente, algum discurso que abordava

tanto os temas navais quanto as operações militares.

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tinha mais chances de se ajustar às oposições e de improvisar (QUINTILIEN. Institution

Oratoire XI, 2, 1 passim).

Diógenes Laércio, ao mencionar as obras de Aristóteles, lista uma obra de nome

―Memorial‖ (DIÓGENES LAÉRCIO. Vidas de Filósofos Ilustres V, 11), não obstante,

Aristóteles, nos Tópicos, assim disserta a respeito da memória:

Assim como em uma pessoa de memória treinada, a memória das coisas em

si é suscitada pela mera menção de seus lugares (tovpoi), esses hábitos

também tornam um homem mais apto à argumentação, porque terá suas

premissas classificadas e visíveis em sua mente, cada qual sob seu número

(ARISTÓTELES. Tópicos 163 b, pp. 24-30 apud YATES, 2007, p. 51).

&H &RhtorikhV Tevcnh, ―A Arte Retórica‖, de Aristóteles é dividida em três Livros.

No Livro I, o filósofo conceitua a retórica e expõe a sua utilidade nos seguintes termos:

!Estw90 dhV91 r&htorikhV duvnami92 periV e@kaston tou~ qewrh~sai toV

e*ndecovmenon93 piqanovn. Tou~to gaVr ou*demia~ e&tevra e*stiV tevcnh

e!rgon: tw~n gaVr a!llwn94 e&kavsth periV toV au*th~/ u&pokeivmenovn95 e*stin didaskalikhV kaiV peistikhv, oi%on i*atrikhV periV u&gieinw~n kaiV

noserw~n kaiV gewmetriva periV taV sumbebhkovta pavqh96 toi~ megevqesi

kaiV a*riqmhtikhV periV a*riqmw~n, o&moivw deV kaiV ai& loipaiV tw~n tecnw~n

kaiV e*pisthmw~n: h& deV r&htorikhV periV tou~ doqevnto w& ei*pei~n97 dokei~

duvnasqai qewrei~n toV piqanovn, dioV kaiv famen au*thVn ou* periv98 ti

gevno i!dion a*fwrismevnon99 e!cein toV tecnikovn (ARISTOTE.

Rhétorique I, 2, 1355 b 25-34).

90

Destaca-se no início dessa sessão o presente do imperativo ativo de ei*miv na 3ª pessoa do singular: e!stw:

―admita‖, em um raciocínio (BAILLY, 2000, p. 590). 91

Partícula intensiva utilizada para a insistência, ―justamente, precisamente‖ (HORTA, 1979, p.148). 92

Uma outra tradução possível para duvnamialém de "faculdade", seria ―capacidade‖ (BAILLY, 2000, p.

542). 93

O particípio neutro substantivado toV e*ndecovmenon significa em um sentido passivo: ―ser admissível,

possível, permitido‖ (BAILLY, 2000, p. 672). 94

Apesar de tw~n a!llwn constituir um genitivo partitivo complemento nominal de e&kavsth, preferiu-se a

tradução para a língua portuguesa ―das outras (artes)‖ ao invés de ―dentre as outras (artes)‖. 95

O particípio substantivado de u&povkeimai, toV ... u&pokeivmenon, possui um sentido figurado de ―servir de

base, de fundamento‖ (BAILLY, 2000, p. 2022). 96

Pavqh, ―propriedades das linhas geométricas‖, em um sentido específico neste excerto (BAILLY, 2000, p.

1437). 97

w& ei*pei~n constitui um helenismo, ―por assim dizer‖ (HORTA, 1979, p. 179 e 154). 98

Preferiu-se a omissão da preposição periv, ―a respeito de‖ na tradução para a língua portuguesa. 99

O particípio de a*forivzw, a*fwrismevnon, em Retórica possui um dos sentidos de ―ciência delimitada

exatamente‖ (BAILLY, 2000, p. 329).

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Admita, precisamente, (que) a retórica é a capacidade de examinar aquilo

que seja passível de persuasão no que diz respeito a cada (situação100

). Não

há, na verdade, em nenhuma outra arte, este feito. Pois (em) cada (uma) das

outras (artes) sucede o que diz respeito à instrução e à persuasão acerca

daquilo que lhe serve de fundamento, assim como (a) medicina que diz

respeito à coisas relacionadas à saúde e às doenças e (a) geometria que diz

respeito às propriedades das linhas geométricas em conjunto para as

proporções de grandeza, e (a) aritmética que trata dos números; ora,

semelhantemente, ocorre também nas demais artes e ciências101

. E ainda, a

retórica, por assim dizer, parece ser capaz de examinar o persuasivo do que

é transmitido; por isso também falamos que ela não possui a técnica de

algum gênero próprio científico delimitado102

.

crhvsimo dev e*stin h& r&htorikhV diav te toV fuvsei einai kreivttw ta*lhqh~ kaiV taV divkaia tw~n e*nantivwn, w@ste e*aVn mhV kataV toV

prosh~kon ai& krivsei103 givgnwntai, a*navgkh di’ au*tw~n104 h&tta~sqai105.

Tou~to d’ e*stiVn a!xion e*pitimhvsew (ARISTOTE. Rhétorique I, 1, 1355

b 21-24).

Ora, a retórica é útil porque, por natureza, as coisas verdadeiras e as justas

são melhores que seus contrários; de tal sorte que, se as sentenças não

forem (dadas) como convém, há uma probabilidade,106

entre elas, de serem

vencidas. Então, isto é digno de reprovação107

.

Quintiliano conceitua a retórica como scientia bene dicendi, ―ciência do bem dizer‖

(QUINTILIEN. Institution Oratoire II, 15, 5; 16, 38. Reboul enfatiza que ―quando define

a retórica como scientia bene dicendi, arte de bem falar, a palavra ―bem‖, para ele, tem

sentido não só estético como também moral‖ (REBOUL, 2004, p. 73).

100

Preferiu-se a inserção do vocábulo ―situação‖ para completar o sentido de periV e@kaston na tradução para

a língua portuguesa. 101

Apesar da expressão ai& loipaiV tw~n tecnw~n kaiV e*pisthmw~n possuir a tradução literal: ―as restantes

dentre as artes e ciências‖, uma vez que tw~n tecnw~n kaiV e*pisthmw~n são genitivos partitivos complementos

nominais do adjetivo substantivado ai& loipaiV, preferiu-se a tradução para a língua portuguesa: ―as demais

artes e ciências‖. 102

As palavras entre parênteses foram inseridas na tradução para a língua portuguesa, sem, contudo, constar

no original grego. 103

Krivsi, ew, ―decisão, julgamento (sobre uma questão ou dúvida), decisão judicial, sentença‖ (BAILLY,

2000, p. 1137). 104

Possivelmente, di’ au*tw~n, ―entre/ sobre/ por causa delas‖, diz respeito a ta*lhqh~ kaiV taV divkaia, ―as

coisas verdadeiras e as justas‖. 105

O verbo h&ttavw significa ―ser vencido‖ em um sentido passivo (BAILLY, 2000, p. 910). 106

Apesar de a*navgkh significar ―necessidade‖, preferiu-se a tradução para a língua portuguesa por

―probabilidade‖. 107

As palavras entre parênteses foram inseridas na tradução para a língua portuguesa, sem, contudo, constar

no original grego.

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A retórica é ―correspondente / correlativa‖, a*ntivstrofo, à dialética108: &H

r&htorikhv e*stin a*ntivstrofo th~/ dialektikh~/, ―a retórica é correspondente à dialética‖,

pois todos os homens utilizam, até certo ponto, de uma e de outra, quando se põem a

discutir uma tese. Ambas não pertencem ao domínio de uma ―ciência‖, e*pisthvmh, uma vez

que não possuem um objeto definido, mas são aptas para oferecerem ―argumentos‖, lovgou

(ARISTOTE. Rhétorique I, 1, 1354 a 1-7; I, 2 1356 a 25-33).

O ―método‖, mevqodo hábil da retórica se fundamenta em ―provas‖, pivstei109.

Ora, a prova é uma ―demonstração‖, a*povdeixi,110

pois confia-se mais quando se

demonstra. Há dois tipos de provas: as técnicas (e!ntecnoi) e as extratécnicas (a!tecnoi).

I) As Provas Técnicas

São aquelas criadas pelo orador com o objetivo de persuadir o auditório. Ressalte-se

que as provas técnicas, empregadas através do discurso, são de três espécies,111

conforme o

excerto subscrito:

ai* meVn gavr ei*sin e*n tw~/ h!qei tou~ levgonto, ai& deV e*n tw~/ toVn

a*kroathVn diaqei~nai112 pw, ai& deV e*n au*tw~/ tw~/ lovgw/ diaV tou~

deiknuvnai h# faivnesqai deiknuvnai113 (ARISTOTE. Rhétorique I, 2,

1356 a 2-4).

Algumas (provas), na verdade, estão no êthos114

do orador, outras, em certo

modo, na disposição de espírito do ouvinte, (já) outras (provas), no

discurso, por meio do qual se demonstra ou (que) parece demonstrar115

.

108

Reboul destaca que a dialética aristotélica é, somente, a arte do diálogo ordenado (REBOUL, 2004, p. 28). 109

pivsti, ew(h&), ―meio de inspirar confiança‖, ―prova‖ por oposição à a*pistiva (BAILLY, 2000, p. 1560). 110

a*povdeixiew (h&), ―ação de mostrar exteriormente‖, ―exposição dos fatos publicamente‖;

―demonstração, prova‖ como se infere de: &Hrodovtou Qourivou i&storivh a*povdeixi h@de, ―Esta (é) uma

demonstração da investigação de Heródoto de Túrio‖ (HERÓDOTI, Histoires I, 1). 111

Sublinhe-se que Cícero distingue: 1) docere (―instruir, ensinar‖) é a parte argumentativa do discurso; 2)

delectare (―agradar‖) é a parte agradável, até certo ponto humorística do discurso; 3) movere (―comover‖) é o

que o orador faz para comover o auditório (REBOUL, 2004, pp. XVII, XVIII; CICÉRON. De Oratore II, 29,

128). 112

Verbo diativqhmi significa ―colocar o auditório em qualquer disposição de espírito, dispor bem ou mal‖

(BAILLY, 2000, p. 493). 113

Verbo deiknuvmi significa ―provar, demonstrar‖ (BAILLY, 2000, p. 437). 114

Preferiu-se não traduzir, aqui, o termo h^qo por inferir que, na língua portuguesa, não se tem um termo

próprio correspondente ao original grego. 115

As palavras entre parênteses foram inseridas na tradução para a língua portuguesa, sem, contudo, constar

no original grego.

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h^qo

Assim, tem-se: pavqo

lovgo

1) Quanto ao h^qo do orador, uma vez que se pode alcançar a persuasão pelo êthos

do orador, quando o discurso é dito de tal sorte que torne o orador digno de confiança

(ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1356 a 5-6). Mas é necessário que esta confiança seja o

efeito do discurso, e não de um juízo prévio sobre o h^qo do orador (ARISTOTE.

Rhétorique I, 2, 1356 a 5).

2) Quanto às ―disposições‖, pavqh, dos ouvintes, quando o discurso os leva a

experimentar alguns sentimentos (ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1356 a 14). A ―boa

vontade / a benevolência‖, eu!noia, diz respeito ao pavqo pois se trata de um afeto, uma

vez que mostra ao ouvinte que o orador é bem intencionado para com ele‖ (EGGS apud

AMOSSY, 2011, p. 33).

Mais adiante, Aristóteles oferece o conceito das pavqh:

!Esti deV taV pavqh di’ o@sa metabavllonte116

diafevrousi117 proV taV krivsei, oi% e@petai luvph kaiV h&donhv, oi%on

o*rghV e!leo fovbo kaiV o@sa a!lla toiau~ta kaiV taV touvtoi e*nantiva.

Ora, as disposições são os meios pelos quais (os seres

humanos), ao mudarem de opinião, oscilam em relação aos juízos, aos quais

relacionam-se (a) aflição e (o) prazer, como (também) (a) cólera, (o) temor

e também todas as outras (disposições) e (seus) contrários118

(ARISTOTE.

Rhétorique II, 1, 1378 a 19-22).

Citem-se essas ―disposições‖, pavqh que o Estagirita faz referência entre os

capítulos 2 a 11 do Livro II de &H &RhtorikhV Tevcnh: a cólera (o*rghv) (cap. 2), a calma / a

serenidade (toV prau?nesqai) (cap. 3), a amizade (filiva) e a inimizade (e*cqrov) (cap. 4), o

temor (fovbo) e a confiança (toV qarrei~n) (cap. 5), a vergonha (ai*scuvnh) (cap. 6), a

116

metabavllw, ―mudo de opinião‖ (BAILLY, 2000, p. 1259). 117

diafevrw, ―carregar, ir de um lugar a outro‖ (BAILLY, 2000, p. 496). Assim é que preferiu-se a tradução

para a língua portuguesa de diafevrw, por ―oscilo‖ (BAILLY, 2000, p. 1259). 118

As palavras entre parênteses foram inseridas na tradução para a língua portuguesa, sem, contudo, constar

no original grego.

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benevolência (cavri) (cap. 7), a piedade (e!leo) (cap. 8), a indignação (nevmesi) (cap. 9),

a inveja (fqovno) (cap. 10), a emulação (zh~lo) (cap. 11)119

.

3) Quanto ao valor demonstrativo do discurso, Aristóteles pontua que o discurso

(diaV toVn lovgon) gera a persuasão, quando o verdadeiro ou o que parece ser, isto é, o

verossímil são mostrados120

(ARISTOTE. Rhétorique, I, 2, 1356 a 19-20).

Diz-se que, em Aristóteles, o que se deve observar, primeiramente, são as bases

éticas, psicológicas e linguísticas de um discurso.

Eni Orlandi, em relação à etimologia do discurso121

, pontua que: ―(...) tem em si a

ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em

movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso, observa-se o homem falando‖

(ORLANDI, 2002, p. 15).

Já o pesquisador Heinrich Lausberg conceitua o discurso em geral como uma

espécie de articulação de instrumentos linguísticos que decorre no tempo. Essa articulação

é utilizada pelo sujeito falante com a intenção de alterar uma ―situação‖, stavsi, seja do

ponto de vista material, pessoal ou social. Sublinhe-se que a alteração dessa situação está

em poder de um árbitro que pode ser imaginado de um modo impessoal (por exemplo, o

acaso) ou de um modo pessoal (por exemplo, Deus, um indivíduo ou o juiz em um

processo).

Convém lembrar que, além do árbitro, há também outros indivíduos interessados na

situação, uns, na realidade, desejam que essa situação se altere; outros, que a situação

permaneça. Assim, esses indivíduos são divididos em discursos partidários, se dirigindo ao

árbitro da situação com o objetivo de influenciá-lo pela persuasão (LAUSBERG, 1967, p.

79).

119

!Esti deV kataV thVn diavnoian tau~ta, o@sa u&poV tou~ lovgou dei~ paraskeuasqh~nai. Mevrh deV touvtwn tov te a*podeiknuvnai kaiV toV luvein kaiV toV pavqh paraskeuavzein, oi^on e!leon h# fovbon h# o*rghVn kaiV

o@sa toiau~ta, kaiV e!ti mevgeqo kaiV mikrovthta. O pensamento inclui os efeitos que devem ser produzidos

pelo discurso; entre estes efeitos há a demonstração (prova), a refutação, o modo de mover as paix(ões), como

a piedade, o temor, a cólera e as demais (paixões); e, ainda, a amplificação e a atenuação dos fatos (ARISTOTE. Poétique 19, 1456 b 36-38). 120

o@tan a*lhqeV h# fainovmenon deivxwmen. 121

Provém do particípio passado do verbo latino discurrere (atravessar, percorrer).

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Destarte, como propõe o Estagirita, se é ―vergonhoso‖, ai*scrovn que um homem

não possa se defender com seu próprio corpo, seria muito mais vergonhoso não poder se

defender por meio da palavra (ARISTOTE. Rhétorique I, 1, 1355 a 38- 1355 b 1-4).

Ricoeur enfatiza que o discurso se refere ao seu locutor do mesmo modo que se

refere ao mundo. Essa correlação, na verdade, não é por um acaso, uma vez que o locutor,

quando fala, se refere ao mundo (RICOEUR, 2011, pp. 37-38).

Entrementes, Reboul destaca que o discurso é toda produção verbal escrita ou oral,

podendo ser constituída por uma frase ou por uma sequência de frases, possuindo início e

fim e que apresente certo sentido (REBOUL, 2004, p. XIV).

O linguista francês Émile Benveniste atesta que a narração discursiva é ―toda a

enunciação que supõe um locutor e um receptor, tendo o primeiro a intenção de influenciar

o outro seja de que modo for‖ (BENVENISTE, s/ d, p. 23). Na verdade, o enunciador (no

caso o orador), através de suas palavras, quer influenciar o seu auditório, de modo que

compartilhem das mesmas opiniões.

Perelman e Olbrechts-Tyteca acreditam que o discurso seja um ato e, como tal, pode

ser objeto de alguma reflexão por parte do ouvinte:

Enquanto o orador argumenta, o ouvinte, por sua vez, ficará inclinado a

argumentar espontaneamente acerca desse discurso, a fim de tomar uma

atitude a seu respeito, de determinar o crédito que lhe deve dar. O Ouvinte

que percebe os argumentos não só pode percebê-los à sua maneira como é o

autor de novos argumentos espontâneos, o mais das vezes não expressos,

mas que ainda assim intervirão para modificar o resultado final da

argumentação. Pode ocorrer, aliás, que essa reflexão seja orientada pelo

orador, que este mesmo forneça aos ouvintes certos argumentos referentes

às características de seu próprio enunciado, ou, então, que forneça certos

elementos de informação que favorecerão esta ou aquela argumentação

espontânea do ouvinte. Esses argumentos que tomam o discurso por objeto,

esses elementos de informação aptos a suscitá-los, também podem emanar

de terceiros: do adversário do orador, notadamente no debate judiciário, ou,

talvez, também de um simples espectador (PERELMAN, OLBRECHTS-

TYTECA, 2005, pp. 213-214).

Assim é que a interação entre orador e discurso possui um papel importante na

argumentação (PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 361).

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70

Dayoub sublinha que o h^qo122 e o pavqo123

têm feição afetiva, já o lovgo, feição

racional. Essa parte do discurso, para a pesquisadora, é a mais importante da oratória, uma

vez que expressa a argumentação propriamente dita e envolve o raciocínio lógico e

persuasivo. Dayoub enfatiza que, no decorrer da apresentação de seus argumentos, o orador

pode ter atitudes de um ator teatral, expondo um caráter diferente daquele que ele realmente

possui (DAYOUB, 2004, p. 15).

Não obstante, o h^qo é o caráter que o orador deve assumir para chamar a atenção e

obter a confiança do público, sendo ―as tendências, os desejos, as emoções do auditório das

quais o orador poderá tomar partido‖ (REBOUL, 2004, p. XVII). Reboul diz, ainda, que é,

na ―narração‖, lovgo que o h^qo e o pavqo são superados (ibidem, p. 56).

Rohden considera que o h^qo deve ser compreendido não só como ―caráter‖, mas

atitude, costume, moralidade, elementos estes que aparecem na disposição do orador. Já o

pavqo não é uma ―paixão no puro sentido de uma inflamada emoção, mas é o mundo todo

da irracionalidade emocional‖ (ROHDEN, 1997, p. 102).

Barthes menciona que o h^qosão os traços de caráter que o tribuno deve mostrar a

seus ouvintes, pouco importando a sua sinceridade, com o objetivo de causar-lhes boa

impressão (BARTHES, 1975, p. 203).

Entrementes, Perelman e Olbrechts-Tyteca destacam que os antigos denominavam

de êthos oratório à impressão que o orador, por meio de suas palavras, oferecia de si

mesmo (PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 363).

Ressalte-se que é preciso compreender a respeito do que se vai ―falar‖, levgein e

―raciocinar‖, sullogivzesqai, é bom ter à disposição todos ou, pelo menos, alguns

argumentos (ARISTOTE. Rhétorique II, 22, 1395 b 4-7).

122

h^qo, eo-ou, de acordo com Bailly, é um termo de retórica que expressa uma impressão moral produzida

por um orador, conforme o termo que aparece em Aristóteles na Retórica (BAILLY, 2000, p. 894). A questão

do hqo foi reformulada na psicologia social e em microssociologia, em termos de apresentação de si, devido

aos trabalhos de pesquisadores como Goffman, que reformularam a partir de uma noção interativa

(KERBRAT-ORECCHIONI apud MACHADO, MELLO, 2010, p. 117). 123

pavqo, eo-ou (tov) é um termo de retórica que expressa ―o patético‖ (conforme Aristóteles na Retórica)

ou ―estado de alma agitada pelas circunstâncias exteriores, disposição moral‖. Em boa parte, inclui

sentimentos generosos ou agradáveis, tais como: a piedade, o prazer, o amor ou outros sentimentos tais como

o ódio, a dor, a aflição, a tristeza, a cólera (BAILLY, 2000, p. 1437). Aristóteles também expõe a respeito de

alguns desses sentimentos em outra obra (ARISTOTE. Nicomachean Ethics II, 4, 1105 a 17-36 / 1105 b 1-

19).

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71

Convém possuir para cada proposição uma seleção sobre as coisas possíveis e mais

apropriadas à causa, isto é, é necessário fazer uma escolha preliminar dos argumentos.

Olhando fixamente não para as proposições indeterminadas / indefinidas, mas para aquelas

que possuem fundamento à matéria do discurso (ARISTOTE. Rhétorique II, 22, 1396 b 4-

9) 124

.

Em vista dessas coisas, não se deve deixar de mencionar a respeito dos ―lugares‖,

tovpoi, isto é, os tipos de argumentos verossímeis que servem de premissas ao raciocínio

retórico que Aristóteles apresenta no decorrer do capítulo 23 (ARISTOTE. Rhétorique II,

23, 1397 a – 1400 b / 24, 1401 a – 1402 a)125

.

Reboul indaga: ―Como encontrar argumentos?‖. E ele mesmo responde: ―Por

lugares‖. Sublinha, ainda, que os ―lugares‖ é um termo tanto corrente quanto obscuro;

entrementes, é melhor traduzir ―lugar‖ por ―argumento‖ (REBOUL, 2004, p. 53). E mais

―lugar é tudo o que possibilita ou facilita a invenção, mas que, por isso mesmo, a nega, pois

uma invenção deixa de sê-lo a medida que se torna fácil !‖ (ibidem, p. 54).

Alexandre Júnior pontua que a doutrina aristotélica sobre os ―lugares‖, tovpoi, não é

muito clara, uma vez que o filósofo não oferece um conceito explícito nem nos Tópicos e

nem na Retórica.

O pesquisador define os tovpoi como sendo os princípios ou fontes de argumentação

de natureza lógica ou retórica. Os tovpoi são divididos em dois grupos: os i!dioi tovpoi e

os koinoiV tovpoi. Os primeiros se apresentam como os tópicos apropriados / próprios a

cada um dos três gêneros do discurso oratório; deles se forma o maior número de

entimemas. Os segundos, como tópicos mais gerais e que são aplicáveis a todos os gêneros

do discurso (ALEXANDRE JÚNIOR, 2005, p. 102):

124

Aristóteles oferece alguns exemplos: como aconselhar aos atenienses a fazerem ou não uma guerra, se não

se tem conhecimento da força bélica que possuem. Como elogiá-los se não se tem conhecimento da batalha

naval de Salamina ou de Maratona (entre outras batalhas). Todos os oradores buscaram matéria para seus

elogios nestas ações reais ou supostamente reais. Quando se quer censurar alguém, basta examinar o que há

de repreensível no comportamento das pessoas que se tem em vista. Ao censurar os atenienses, é preciso fazer

menção, por exemplo, à escravidão dos povos que foram seus aliados. Igualmente, os oradores, quando

acusam ou defendem, baseiam ambas as coisas no material que se tem à disposição (ARISTOTE. Rhétorique

II, 22, 1396 a 7-23). 125

Acredita-se que os capítulos 23 e 24 da Retórica Aristotélica sejam um resumo dos argumentos de Tópicos

e Refutações Sofísticas (ROHDEN, 1997, p. 115).

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72

Ora, ―os lugares significam pontos de vista, lugares-comuns, princípios

argumentativos, pressupostos ou fundamentos que, à época, já consistiam em uma

interpretação de mundo com força persuasiva‖ (DAYOUB, 2004, p. 24).

Para facilitar o esforço de invenção do orador, ―os lugares designam rubricas, nas

quais se podem classificar os argumentos‖. Na verdade, os lugares serviam para agrupar o

material que era considerado necessário, para encontrá-lo com facilidade, por isso é que

costuma-se conceituar os lugares como depósitos de argumentos (PERELMAN,

OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 94).

Convém lembrar que Cícero pontua que o orador convém iniciar pelos argumentos

consistentes; depois, dar continuidade por aqueles mais fracos e finalizar por outros mais

consistentes (CICÉRON. De Oratore II, 313).

A propósito, acredita-se que os ―lugares‖ sejam os ―tópicos ou tipos de

argumentos‖.

II) As Provas Extratécnicas

São aquelas provas que não são criadas pelo orador, citem-se, por exemplo: as

―testemunhas sob tortura‖, mavrture bavsanoi e ―os escritos‖, suggrafaiv (ARISTOTE.

Rhétorique I, 2, 1355 b 37). Aristóteles enfatiza que as testemunhas são de duas espécies:

as testemunhas antigas e as recentes (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1375 b 26-34).

Denominam-se testemunhas antigas os poetas e outros personagens em evidência,

cujos testemunhos são conhecidos. O filósofo dá como exemplos pessoas que utilizaram

testemunhos de Homero, Sólon e Periandro (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1375 b 28-35).

Na verdade, as testemunhas antigas dizem respeito a fatos passados, não obstante,

para os fatos futuros, recorrem-se aos oráculos. Há, ainda, a utilização de ―provérbios‖,

paroimivai, se pretende-se aconselhar a alguém (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1376 a 35 /

1-7).

As testemunhas recentes só têm uma utilidade: determinar se um fato aconteceu ou

não, se acontece ou não. Algumas deste tipo de testemunhas recentes podem compartilhar

dos perigos do réu e as outras não (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1376 a 13-14).

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Sublinhe-se que os testemunhos de ―mais confiança‖, pistovtatoi dizem respeito aos

anciãos por serem ―incorruptíveis‖, a*diavfqoroi (ARISTOTE. Rhétorique I, 15, 1376 a

14-17).

No Livro II, Aristóteles enumera as qualificações que o orador deve possuir a fim

de que sua mensagem convença o público: ―sensatez, prudência‖, frovnhsi, ―excelência‖,

a*rethv, e ―boa vontade, benevolência‖, eu!noia.

Os oradores, ao falarem ou aconselharem, sendo desprovidos destas três qualidades

ou por apenas uma delas, enganam devido a ―imprudência‖, a*frosuvnhn, e, além do mais,

possuem opiniões desprovidas de justiça. O orador, então, que tem o h^qo formado por

aquelas três qualidades supracitadas possui a confiança do ouvinte (ARISTOTE.

Rhétorique II, 1, 1378 a 6-19).

O discurso possui três elementos, sendo que o seu fim diz respeito ao auditório

(ARISTOTE. Rhétorique I, 3, 1358 a 37-40)126

:

a) O que fala O Orador

b) Aquilo que se fala O Assunto

c) Aquele a quem se fala O Ouvinte

O contato entre o orador e o auditório não diz respeito, somente, às condições

prévias da argumentação, uma vez que é importante para todo o desenvolvimento da

argumentação. De fato, já que a argumentação tem por objetivo obter a adesão dos

ouvintes, assim, a argumentação diz respeito ao ouvinte que se quer influenciar

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 21).

Como destaca Reboul: ―para ser bom orador, não basta saber falar; é preciso saber

também a quem se está falando, compreender o discurso do outro, seja esse discurso

manifesto ou latente, detectar suas ciladas, sopesar a força de seus argumentos e,

principalmente, captar o não-dito‖ (REBOUL, 2004, p. XIX).

126

Suvgkeitai meVn gaVr e*k triw~n o& lovgo, e!k te tou~ levgonto kaiV periV ou% levgei kaiV proV o@n, kaiV

toV tevlo proV tou~tovn e*stin, levgw deV toVn a*kroathvn.

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Perelman ressaltou que se deve pensar nos tipos de argumentos que podem

influenciar o interlocutor; preocupar-se com ele e interessar-se por seu estado de espírito

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 18).

Ora, a análise da argumentação gira em torno do que seja, presumidamente,

admitido pelo auditório (ibidem, p. 73). A propósito, determinados argumentos

considerados válidos para certas pessoas podem não ser, de modo absoluto, para outras

(ibidem, p. 117).

É bom lembrar que a adaptação do auditório não diz respeito, somente, à questões

vinculadas à linguagem, uma vez que não basta que o auditório compreenda o que o orador

diz, mas, para persuadir o auditório, deve-se, em primeiro lugar, conhecê-lo, isto é,

conhecer ―as teses que ele admite de antemão e que poderão servir de gancho à

argumentação‖ (PERELMAN, 2004, pp. 145-146).

O mais importante não é conhecer aquilo que o orador considera como verdadeiro

ou probatório, mas ―qual é o parecer daquele a quem a argumentação se dirige‖

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, pp. 26-27).

O orador pensa de modo mais ou menos consciente em relação aos ouvintes que se

procura persuadir e que constituem o auditório em que seus discursos são dirigidos. Haja

vista que o conhecimento prévio daqueles a quem se quer persuadir é, na verdade, uma

condição importante de uma argumentação eficaz (ibidem, pp. 22-23).

Ruth Amossy, ao fazer uma análise do pensamento de Perelman, destaca que o

orador apoia seus argumentos levando em consideração a ―opinião‖, dovxa, que toma

emprestado de seus ouvintes. Assim, o orador constrói a sua imagem em função da imagem

que ele tem de seu auditório, ―das representações do orador confiável e competente que ele

crê ser as do público‖ (AMOSSY, 2011, p. 124).

Fiorin argumenta que o falante organiza sua estratégia discursiva em função da

imagem que ele tem do interlocutor, em função da imagem que ele pensa que o interlocutor

tem dele e, por fim, em função da imagem que ele deseja transmitir ao interlocutor. Assim,

devido a esse jogo de imagens, o falante utiliza determinados procedimentos

argumentativos e não outros (FIORIN, 2003, p. 18).

Ora, de acordo com Lausberg, a credibilidade do ponto de vista partidário, que é

defendido pelo orador, vai depender da ―opinião‖, dovxa, do juiz. O estudioso destaca duas

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fases da credibilidade (que pode ser alterável): 1) a credibilidade antes do início do discurso

(que pode ter vários graus: fraco, médio ou elevado); 2) a credibilidade obtida após o fim

do discurso, através do esforço do orador de se tornar crível suas palavras (LAUSBERG,

1967, p. 89).

Em relação aos gêneros discursivos, Aristóteles pontua: a#n ei!h triva gevnh tw~n

lovgwn tw~n r&htorikw~n, sumbouleutikovn, dikaniovn, e*pideiktikovn (...): ―Há três

gêneros de discursos retóricos: deliberativo, judiciário e epidíctico (...)‖ (ARISTOTE.

Rhétorique I, 3, 1358 b).

Molinié atesta que estes três gêneros do discurso estão, muitas vezes, embutidos em

um único discurso (MOLINIÉ, 1992, p. 7).

O Estagirita distingue três gêneros de discursos retóricos que foram divididos,

levando em conta seus ouvintes e sua temática127

.

1) Deliberativo - em uma deliberação aconselha-se ou desaconselha-se tanto a

respeito de interesses particulares quanto públicos, isto é, comuns128

.

2) Judiciário - uma ação judiciária possui ―a acusação‖, toV kathgoriva, e ―a

defesa‖, toV a*pologiva.

3) Epidíctico129

- Há duas partes: ―o elogio‖, toV e!paino e ―a censura‖, toV yovgo

(ARISTOTE. Rhétorique I, 3, 1358 b 8-12).

Cada um destes gêneros discursivos possuem um tempo que lhes são peculiares. O

discurso deliberativo diz respeito ao ―futuro‖, o& mevllwn, para aconselhar ou desaconselhar,

o judiciário, ao ―passado‖, o& genovmeno uma vez que diz respeito a fatos passados e, por

fim, o epidíctico que diz respeito ao ―presente‖, o& parwvn. Apesar deste último gênero

possuir, por referência, o momento presente para elogiar ou censurar, muitas vezes, evoca-

se ―fatos passados‖, taV genovmena, e presume-se a respeito de ―fatos futuros‖, taV

mevllonta (ARISTOTE. Rhétorique I, 3 1358 b 13-20).

Os ―exemplos‖, taV paradeivgmata, são peculiares ao gênero deliberativo (capts. 1-

2), não obstante, os ―entimemas‖, taV e*nqumhvmata, são peculiares ao gênero judiciário

(capt. 2), pois aquilo que se passou é preciso investigar a causa. Sublinhe-se que já que, na

127

Aristóteles complementa esse assunto em Rhétorique II, 18, 1391 b 7-26. 128

kaiV oi& i*diva/ sumbouleuvonte kaiV oi& koinh~/ dhmhrou~nte. 129

A sistematização do gênero demonstrativo foi estabelecido por Aristóteles, sob a denominação de

epidíctico (MOLINIÉ, 1992, p. 107).

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deliberação (capts. 3-5), conjectura-se a ―respeito ao futuro‖, periV toV mevllon, assim, há a

necessidade de extrair os exemplos de ―fatos passados‖, e*k tw~n genomevnwn (ARISTOTE.

Rhétorique, III, 17, 1418 a 1-5) 130.

A amplificação se adequa melhor ao gênero epidíctico, uma vez que o público

conhece os fatos e o orador dá a esses fatos um valor, mostrando sua ―grandeza‖, mevgeqo

e ―beleza‖, kavllo (ARISTOTE. Rhétorique, I, 9, 1368 a 26-29).

É nessa perspectiva por reforçar uma disposição para a ação ao aumentar a

adesão aos valores que exalta, que o discurso epidíctico é significativo e

importante para a argumentação. O orador procura criar uma comunhão em

torno de certos valores reconhecidos pelo auditório, valendo-se do conjunto

de meios de que a retórica dispõe para amplificar e valorizar (PERELMAN,

OLBRECHTS-TYTECA, 2005, pp. 55-57).

Não obstante, em relação à qualidade do fato, cada gênero discursivo possui, ainda,

um ―fim‖, tevlo: o do gênero deliberativo é toV sumfevron kaiV blaberovn, o ―o

conveniente / proveitoso / útil‖131

e o ―prejudicial / o funesto/ nocivo‖, o do judiciário é toV

divkaion kaiV toV a!dikon, o ―justo e o injusto‖, o do epidíctico é toV kaloVn kaiV toV

ai*scrovn, ―o belo e o feio / vergonhoso‖ (ARISTOTE. Rhétorique I, 3 1358 b 21-29). A

propósito, conclui-se que há valores que servem de norma para os três discursos.

O Estagirita enfatiza que são utilizados os ―discursos persuasivos‖, tw~n piqanw~n

lovgwn para determinar um juízo / julgamento nos seguintes casos:

a) Quando se usa o discurso destinado a um só ouvinte para aconselhar ou

desaconselhar, protrevpw / a*potrevpw ou para repreender, nouqetevw ou para persuadir,

peivqw sobre algo. Esse único ouvinte é considerado um juiz, já que o indivíduo, que se

pretende persuadir, é um verdadeiro juiz:

O orador tendo, muitas vezes, de assumir o papel de mentor daquele que

aconselha, repreende, dirige, deve zelar por não provocar em seu público

um sentimento de inferioridade e de hostilidade para consigo: é preciso que

o auditório tenha a impressão de decidir com plena liberdade

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p. 365).

130

Ver também: ARISTOTE. Rhétorique, I, 9, 1368 a 26-32. 131

Ou seja, útil à cidade, ao interesse coletivo, nacional (REBOUL, 2004, p. 45).

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b) Quando se discute com alguém, a*mfisbhtevw ou se fala, levgw contra um

determinado raciocínio / hipótese, u&povqesi. Neste último caso, usa-se o discurso para

refutar os argumentos contrários;

c) No gênero epidíctico, o discurso dirigido ao ouvinte possui a mesma importância

como se fosse dirigido ao juiz (ARISTOTE. Rhétorique II, 18, 1391 b 7-26).

O Livro III, de um modo geral, trata a respeito do estilo, periV thVn levxin(capítulos

2-12) e também a respeito das diferentes partes do discurso, periV toVn lovgon (capítulos 13-

19).

Ora, a ―excelência da elocução‖, levxew a*rethv132 reside em ser ―clara‖, safhv;

sinal disso é que, se o discurso não for claro, não alcançará o seu objetivo. Além do mais, a

elocução não pode ser nem ―modesta‖, tapeinhvn133, nem ―de muito aparato‖, toV a*xivwma,

mas ser ―conveniente / adequada‖, prevpw. É, justamente, a utilização conveniente /

adequada ―dos nomes e dos verbos‖, tw~n o*nomavtwn kaiV r&hmavtwn, que faz a clareza da

elocução. Ao serem empregados todos os nomes citados na Poética134

, tem-se um

embelezamento da elocução ao invés de uma elocução ―modesta‖, tapeinhvn (ARISTOTE.

Rhétorique III, 2, 1404 b 1-7).

Os epítetos devem ser bem empregados, pois o seu mau emprego faz com que a

expressão seja pobre, empolada ou estéril. Já, os diminutivos fazem o mal e o bom é serem

menores (ARISTOTE. Rhétorique III, 2, 1405 b 20 ss).

Não obstante, Aristóteles utiliza o vocábulo ei*kwvn para expressar a semelhança, a

imagem, a comparação135

entre os elementos. Afirma que, apesar da diferença entre uma e

132

levxi, ew (h&), ―estilo, elocução, expressão‖ (BAILLY, 2000, p. 1179). É bom fazer um cotejo com uma

outra obra aristotélica a respeito da elocução: Th~ deV levxew a&pavsh tavd’ e*stiV taV mevrh, stoicei~on,

sullabhv, suvndesmo, a!rqron, o!noma, r&h~ma, ptw~si, lovgo. As partes de toda elocução são estas: a letra,

a sílaba, a conjunção, o artigo, o nome, o verbo, o caso e a enunciação (ARISTOTE. Poétique 20, 1456 b 20-

21). 133

De acordo com Levxew deV a*rethV safh~ kaiV mhV tapeinhVn ei^nai, Ora, a excelência da elocução deve

ser clara e não modesta (ARISTOTE. Poétique 22, 1458 a 19). 134

@Apan deV o!nomav e*stin h# kuvrion h# glw~tta h# metaforaV h# kovsmo h# pepoihmevnon h#

e*pektetamevnon h# u&fh/rhmevnon h# e*xhllagmevnon. Ora, todo nome é ou próprio ou dialetal, ou uma

metáfora, ou um vocábulo adornado ou inventado ou alongado ou abreviado ou modificado (ARISTOTE.

Poétique 21, 1457 b 1-3). 135

Isto é, símile.

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outra ser muito pequena, pode-se considerar ei*kwvn como uma metaforav136. Aristóteles

ainda destaca que ei*kwvn é útil ao discurso, desde que seja empregada poucas vezes, uma

vez que é peculiar da poesia (ARISTOTE. Rhétorique III, 4, 1406 b 20-25).

O princípio de falar em grego possui cinco condições: 1) empregar as conjunções de

modo adequado nas frases, fazendo com que não fique um espaço muito grande entre duas

proposições ou nomes; 2) devem-se utilizar os nomes próprios ao invés de perífrases; 3)

não convém fazer uso dos termos ambíguos; 4) fazer a distinção dos gêneros nominais:

masculino, feminino e neutro; 5) nomear os números gramaticais de modo correto

(ARISTOTE. Rhétorique III, 5, 1407 a 20-39; 1407 b 1-10).

A ―elocução apropriada‖, h& oi*keiva levxi do assunto persuade. Destarte, o

―intelecto‖, yuchv do ouvinte pode ser levado a pensar ―como verdadeiro‖, w& a*lhqw~ o

que o orador diz, mesmo que não seja assim. Além do mais, o ouvinte é ―afetado

igualmente‖, sunomopaqei~, por meio do discurso patético do orador, mesmo que o

discurso seja vazio. Por isso, muitos oradores deixam os ouvintes impressionados

(ARISTOTE. Rhétorique III, 7, 1408 a 10-24).

A ―adaptação / o ajustamento‖, h& a&rmovttousa, da elocução deve ser de acordo

com cada ―gênero / categoria‖, gevno e ―disposição / maneira de ser‖, e@xi. A adaptação

diz respeito às diversas faixas etárias: criança, homem e ancião; ao sexo: feminino ou

masculino; à nação: lacônio ou tessálio. Já a disposição, à sua maneira de ser. Um

―inculto‖, a*groi~ko e um ―instruído‖, pepaideuvmeno não falam, igualmente, as mesmas

palavras, valendo-se de diferentes registros (ARISTOTE. Rhétorique III, 7, 1408 a 25-32).

Não obstante, Reboul salienta que:

O melhor estilo, ou seja, o mais eficaz, é aquele que se adapta ao assunto.

Isso significa que ele será diferente conforme o assunto. Os latinos

distinguiam três gêneros de estilo: o nobre (grave), o simples (tênue) e o

ameno (médium), que dá lugar à anedota e ao humor. O orador eficaz adota

o estilo que convém ao seu assunto: o nobre para comover (movere),

sobretudo na peroração; o simples para informar e explicar (docere),

sobretudo na narração e na confirmação; o ameno para agradar (delectare),

136

O filósofo emprega como exemplo de ei*kwvn, quando Homero diz que Aquiles se lança ―como um leão‖,

w& deV levwn e*povrousen (HOMÈRE. Iliade XX, 164), mas quando se diz: ―o leão atirou-se‖, levwn

e*povrouse, é uma metáfora. Notai a presença da conjunção comparativa w& no primeiro exemplo e a sua

ausência no segundo.

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sobretudo no exórdio e na digressão. A primeira regra é, portanto, o da

conveniência (prepon, decorum) (REBOUL, 2004, p. 62).

Para cada gênero oratório, é ―conveniente‖, a&rmovttei, um estilo diferente

(ARISTOTE. Rhétorique III, 12, 1413 b 1-2).

Aristóteles enfatiza que ―os assíndetos‖, taV a*suvndeta, e as ―frequentes repetições

vocabulares‖, toV pollavki toV au*toV ei*pei~n, são, com justiça, impróprios na escrita,

apesar de, nos debates, os oradores as utilizarem por serem meios peculiares da ação

(ARISTOTE. Rhétorique III, 12, 1413 b 19-21). Por conseguinte, os assíndetos possuem

algo próprio, pois parece que falamos muitas coisas ao mesmo tempo (ARISTOTE.

Rhétorique III, 12, 1413 b 31-34).

Por fim, é bom sublinhar que a elocução deve ser ―agradável e magnífica‖, h&dei~an

... kaiV megalopreph~ (ARISTOTE. Rhétorique III, 12, 1414 a 20).

Aquele que profere um discurso, com vistas a uma persuasão, é primordial que o

seu tempo seja bem organizado como também a atenção do auditório. À vista disso, é

necessário que dê a cada parte de sua exposição um espaço que seja primordial ao grau de

importância que se deseja dar na mente dos ouvintes (PERELMAN, OLBRECHTS-

TYTECA, 2005, p. 163).

Aristóteles expõe, a seguir, ―a respeito da disposição‖, periV tavxew, (ARISTOTE.

Rhétorique, III, 12, 1414 a 30) de um discurso. Eis, de um modo geral, a divisão

aristotélica das partes de um discurso:

1) O Proêmio (toV prooivmion)

No que diz respeito ao proêmio, Aristóteles o conceitua como sendo o início do

discurso: ToV meVn oun prooivmiovn e*stin a*rchV lovgou, ―por conseguinte, o proêmio é o

início do discurso‖ (ARISTOTE. Rhétorique, III, 14, 1414 b 19). Há, a seguir, a

exposição de Perelman e Olbrechts-Tyteca a respeito do proêmio:

É digno de nota que, dentre as partes do discurso, aquela que, à primeira

vista, parecerá menos útil, o exórdio,137

reteve, contudo, a atenção de todos.

137

Perelman e Olbrechts-Tyteca empregam o termo exórdio ao invés de proêmio.

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Aristóteles, Cícero, Quintiliano tratam longamente dele. Seu objetivo será

conquistar o auditório, captar a benevolência, a atenção, o interesse.

Fornecerá também certos elementos dos quais nascerão argumentos

espontâneos tendo o discurso e o orador como objeto. O orador tentará, em

seu exórdio, dar a conhecer sua competência, sua imparcialidade, sua

honestidade. O exórdio sempre será adaptado às circunstâncias do discurso,

ao orador e ao auditório, ao assunto tratado, aos eventuais adversários. O

exórdio que se refere ao auditório visará a estimular o amor-próprio deste,

falando de suas capacidades, de seu bom senso, de sua boa vontade

(PERELMAN, OLBRECHTS-TYTECA, 2005, pp. 561-562).

Nos discursos e nos poemas épicos, o proêmio é uma ―amostra‖, dei~gma, do

discurso, para que o auditório saiba sobre o que versa o discurso e também para que não

fique com o pensamento em suspenso, uma vez que o que é indefinido acaba-se por

distanciar da finalidade (ARISTOTE. Rhétorique, III, 14, 1415 a 11-13).

A ―função mais necessária do proêmio‖, toV ... a*nagkaiovtaton e!rgon, é mostrar

qual é o seu ―fim‖, tevlo. Sublinhe-se que, quando o assunto é evidente e pequeno, o

proêmio não é apropriado. Os outros tipos de proêmios são ―precauções oratórias‖,

i*atreuvmata, e ―coisas comuns‖, koinav, sendo extraídos tanto da pessoa que fala quanto do

ouvinte e, ainda, do assunto e daquilo que é contrário (ARISTOTE. Rhétorique, III, 14,

1415 a 22-27).

O proêmio, ao ser dirigido ao ouvinte, produz tanto a benevolência quanto a cólera

e, em algumas vezes, a atenção ou a distração, pois, nem sempre é conveniente fazer com

que o ouvinte preste atenção, por isso, muitos oradores tentam levá-los para o riso. Na

verdade, todos esses meios, se alguém deseja utilizá-los, conduzem os ouvintes para a

―docilidade‖, eu*mavqeian. Ora, os ouvintes permanecem atentos às grandes coisas,

sobretudo aquelas que lhes são próprias, que lhes são admiráveis e prazerosas (ARISTOTE.

Rhétorique, III, 14, 1415 a 35-39 / 1415 b 1-2).

O proêmio que diz respeito ao gênero epidíctico são extraídos ―do louvor ou da

censura‖, e*x e*paivnou h# yovgou. Por vezes, o proêmio é extraído também de um

―conselho‖, a*povsumboulh~ (ARISTOTE. Rhétorique, III, 14, 1414 b 30-35).

Pode-se também extrair os proêmios do gênero judiciário. O proêmio, então, possui,

como fundamento, as coisas que dizem respeito ao ouvinte (ARISTOTE. Rhétorique, III,

14, 1415 a 1-4).

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A propósito, é importante ter a atenção dos ouvintes em todas as partes do discurso

se, assim, for necessário (ARISTOTE. Rhétorique, III, 14, 1415 b 9-10). Toda vez que

tiver ocasião, deve-se dizer: ―Atenção! pois é de vosso interesse tanto quanto para mim‖138

(ARISTOTE. Rhétorique, III, 14, 1415 b 12-14).

2) A Narração (h& dihvghsi)

A narração no gênero epidíctico não é ―de modo sucessivo / um após o outro‖,

e*stin ouk e*fexh~, mas dividida ―em partes‖, kataV mevro. Pois é preciso expor ―os atos‖,

taV pravxei que formam o discurso. Na verdade, esse apresenta dois elementos: toV

a!tecnon (o que não depende da arte) e toV e*k th~ tevcnh, (o que depende da arte)139. Essa

última mostra se o fato existe, se é infiel ou que é de tal classe ou de certa magnitude.

Porque esse tipo de demonstração é difícil de se lembrar (ARISTOTE. Rhétorique, III, 16,

1416 b 17-23).

No gênero epidíctico, a ―amplificação‖, h& au!xhsi demonstrará que os fatos são

belos e úteis, pois é preciso provar, pisteuvesqai, as ações / os atos (ARISTOTE.

Rhétorique, III, 17, 1417 b 31-33).

É necessário levar em consideração os ouvintes diante dos quais o elogio é

pronunciado140; como Sócrates mesmo disse: ―não é difícil louvar os atenienses diante dos

atenienses141‖. Assim é que é preciso falar o que é tido, por honra, para cada auditório, por

exemplo, entre os Citas, entre os Lacedemônios e entre os filósofos. E, de um modo geral,

o que é ―honroso‖ toV tivmion, é tido por ―belo‖, toV kalovn, um vez que ambos parecem ser

vizinhos (ARISTOTE. Rhétorique, I, 9, 1367 b 7-12).

O ―elogio‖, o& e!paino e os ―conselhos‖, ai& sumboulaiv, são de uma espécie

comum, uma vez que os conselhos podem se tornar matéria de ―encômio‖, e*gkwvmia, ao ser

mudado a forma e ser adaptado ao gênero epidíctico. Para exprimir um conselho, seria:

138

kaiV moi prosevcete toVn nou~n: ou*qeVn gaVr ma~llon e*moVn h# u&mevteron. Preferiu-se a tradução do

sintagma kaiV moi prosevcete toVn nou~n:, ―dirijai o (vosso) pensamento para mim‖ por ―Atenção!‖. 139

De acordo com as provas técnicas (e!ntecnoi) (ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1356 a 2-4) e as

extratécnicas (a!tecnoi) (ARISTOTE. Rhétorique I, 2, 1355 b 37 / I, 15, 1375 b 26-34). 140

Conforme já foi visto. 141

w@sper gaVr o& Swkravth e!legen, ou* calepoVn *Aqhnaivou e*n *Aqhnaivoi e*painei~n. Esse excerto

constitui uma fala de Sócrates em um diálogo platônico (PLATON. Ménexène, 235 d – 236 a).

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―Não se deve orgulhar sobre as coisas que dizem respeito à sorte, mas só das coisas que

dizem respeito a si mesmo‖. Não obstante, em um elogio seria: ―Não se orgulhou das coisas

que dizem respeito à sorte, mas daquelas que dizem respeito a si mesmo‖ (ARISTOTE.

Rhétorique, I, 9, 1367 b 36-37 / 1368 a 1-5)142.

A narração também não pode ser longa, nem o proêmio, nem na exposição das

provas (ARISTOTE. Rhétorique, III, 16, 1416 b 33-34).

3) O Epílogo (o& e*pivlogo)

O ―epílogo‖, o& e*pivlogo possui quatro partes: 1) dispor bem o ouvinte a favor de

si mesmo e contra o adversário; 2) amplificar ou atenuar o que foi dito; 3) excitar as

―disposições / paixões‖, pavqh, no ouvinte; 4) fazer uma recapitulação (ARISTOTE.

Rhétorique, III, 19, 1419 b 10-19).

Luiz Rohden destaca que o epílogo tem, ―essencialmente, dupla finalidade:

―refrescar‖ a memória e influenciar nos afetos‖ (ROHDEN, 1997, p. 126).

142

oi%on o@ti ou* dei~ mevga fronei~n e*piV toi~ diaV tuvchn a*llaV toi~ di’ au*toVn. Ou@tw meVn ou^n lecqeVn

u&poqhvkhn duvnatai, w&diV d’ e!painon, mevga fronw~n ou* toi~ diaV tuvchn u&pavrcousin a*llaV toi~ di’

au*tovn (ARISTOTE. Rhétorique, I, 9, 1368 a 3-5).

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4.2 Enfoques Teóricos da Narratologia143

Gérard Genette conceitua a narrativa como a representação de um acontecimento ou

de vários acontecimentos, considerados reais ou fictícios, por meio da linguagem e,

principalmente, da linguagem escrita (GENETTE, 2011, p. 265).

Já, Samira Mesquita diz que a narrativa constitui o ―ato verbal de apresentar uma

situação inicial que, passando por várias transformações, chega a uma situação final‖,

sendo que essas transformações são originadas por acontecimentos, fatos, vivências,

episódios etc (MESQUITA, 1987, p. 21).

Convém destacar a existência da seguinte tríade: a narrativa (que é o significante, o

enunciado, o discurso ou o texto narrativo em si), a narração (que é o ato narrativo

produtor e, mais amplamente, o conjunto da situação real ou fictícia) e a história (que é o

significado ou o conteúdo narrativo) (GENETTE, 1995, p. 25).

A narração está vinculada às ações ou aos acontecimentos que são vistos como

processos puros, e, por essa causa, o aspecto temporal e dramático da narrativa é acentuado

(GENETTE, 2011, p. 275).

A estrutura da narrativa, em Genette, é analisada tendo por referências três

categorias, que possuem ligações entre si. Sublinhe-se que estas categorias são

fundamentadas no(a):

1) Tempo - relação temporal entre a história (isto é, os acontecimentos) e a

narrativa (como esses acontecimentos são narrados).

Entrementes, denominam-se anacronias narrativas as variadas formas de

discordância entre a ordem da história e da narrativa (GENETTE, 1995, p. 34). Na verdade,

a anacronia é considerada um dos recursos tradicionais da narração literária.

Como sublinha Brait, ―é inevitável iniciar uma reflexão teórica sem voltar o olhar

para a Grécia Antiga e para os pensadores que impulsionaram o conhecimento‖ (BRAIT,

1990, p. 28). Assim é que Genette dá, como exemplo de anacronia, os primeiros versos da

Ilíada:

Mh~nin a!eide, qeav, Phlhi>avdew *Acilh~o

143

A narratologia tem por escopo estudar o funcionamento da narrativa (REIS, LOPES, 1988, p. 285).

Acredita-se que o termo ―narratologia‖ tenha sido criado por Todorov no ano de 1969.

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ou*lomevnhn, h# muriv’ *Acai~o a!lge’ e!qhke,

pollaV d’ i*fqivmou yucaV !Ai>di proi>vayen

h&rwvwn, au*touV deV e&lwvria teu~ce kuvnessin

5 oi*wnoi~siv te pa~si, DioV d’ e*teleiveto boulhv, e*x ou% dhV taV prw~ta diasthvthn e*rivsante

*Atrei>vdh te a!nax a*ndrw~n kaiV di~o *Acilleuv.

Tiv t’ a!r sfwe qew~n e!ridi xunevhke mavcesqai;

Lhtou~ kaiV DioV ui&ov: o& gaVr basilh~i> colwqeiV 10 nou~son a*naV stratoVn wrse kakhvn, o*levkonto deV laoiv,

ou@neka toVn Cruvshn h*tivmasen a*rhth~ra

*Atrei>vdh: o& gaVr hlqe qoaV e*piV nh~a *Acaiw~n.

Canta, ó deusa, a ira funesta do Peleio Aquiles,

que trouxe aos Aqueus numerosas aflições,

e lançou muitas almas valentes de heróis em direção ao Hades;

fez-se eles mesmos presas para os cães

5 e para todas as aves de rapina; Cumpriu-se o desígnio de Zeus,

desde que, primeiramente, a discórdia separou

o Atreide, chefe de homens, e o divino Aquiles.

Qual dos deuses lançou discórdia entre ambos para combater?

O filho de Latona e de Zeus, pois ficou encolerizado com o rei,

10 a peste maligna, então, veio sobre o exército, os guerreiros foram

arruinados.

O Atrida havia desonrado ao sacerdote Crises;

que fora até às naus velozes dos Aqueus.

(HOMÈRE. Iliade I, 11-12)

O estudioso lembra que o primeiro objeto narrativo mencionado por Homero era a

―cólera de Aquiles‖; o segundo, ―as desgraças dos Aqueus‖, que são a consequência da

cólera; o terceiro é a ―querela entre Aquiles e Agamêmnon‖ que é a causa

imediata da cólera, sendo, portanto, anterior à cólera; há a ―peste‖ e, por fim,

―o ultraje ao sacerdote de Apolo‖, Crises, ultraje esse que foi a causa da

peste. Assim, os cinco elementos que formam os versos iniciais da epopeia, Genette

nomeia de ―A, B, C, D, E‖ de acordo com a ordem que aparecem no relato, mas aparecem

na história nas seguintes posições cronológicas ―4, 5, 3, 2, 1‖. Ora, constitui, então, uma

narrativa in medias res, isto é, Homero opta pela não linearidade (GENETTE, 1995, pp. 35-

36).

Genette pontua que o motivo para que haja a presença dessas anacronias, é devido

ao fato da narrativa ser uma sequência ―duas vezes temporal‖, uma vez que há o tempo da

―coisa-contada‖ e o tempo da narrativa (ibidem, p. 31).

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Ressalte-se que essas anacronias se revelam sob duas formas: pelo emprego da

analepse que é o relato dos acontecimentos anteriores em relação ao tempo presente da

história contada ou da prolepse que é toda manobra narrativa que consiste em contar,

antecipadamente, um acontecimento posterior.

Todorov destaca que o autor, na maior parte do tempo, não tenta fazer uma

―sucessão natural‖, porque ele pode utilizar a deformação temporal para fins estéticos

(TODOROV, 2011 b, p. 242).

Convém pontuar a existência da anisocronia que significa que o tempo narrativo

possui uma duração diferente do da história. Ao contrário da isocronia, cuja ordem do

discurso acompanha a ordem temporal. Assim é que a anisocronia é um processo que se vê

uma modificação no ritmo da narrativa, emprega-se para tal, os seguintes recursos: os

resumos ou os sumários, que é uma redução do tempo da história com a narração em

parágrafos menores ou páginas de, por exemplo, vários dias, meses ou anos sem haver

detalhes das ações ou das palavras; as elipses, que são as omissões de certos

acontecimentos ou de períodos da história; as pausas, que são determinadas interrupções da

história com o objetivo de dar lugar às descrições ou às divagações.

Com isso, a anisocronia pode ocorrer também com as digressões, quando o

narrador faz prolongar o tempo da história através das descrições adicionais, ocorrendo,

então, certos desvios do assunto em questão para outro diverso daquele de que se tratava.

2) Modo – Todorov diz que o modo da narrativa é o tipo de discurso que o narrador

utiliza para se fazer conhecer a história (TODOROV, 2011 b, p. 241).

A informação narrativa se caracteriza por alguns graus, uma vez que a história

contada pode oferecer ao leitor determinados detalhes em diferentes distâncias que conta.

Assim é que a ―distância‖ e a ―perspectiva‖ constituem as duas modalidades

essenciais da regulação da informação narrativa, que é o modo.

a) A Distância –

Denomina-se distância ao espaço que o narrador coloca no que diz respeito à

história narrada. Ora, esse narrador pode relatar uma história, incluindo-se nela ou se

ausentando da mesma.

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Destarte, Genette sublinha que se tem, em Platão, uma abordagem dos problemas de

distância (GENETTE, 1995, p. 160). Platão considera, por simples narrativa, tudo aquilo

que o poeta narra, sem procurar fazer crer que seja um outro que fala (PLATO. Republic

3.393 a)144

. Tem-se, então, a narrativa pura, quando o poeta fala por si (cf. o discurso

indireto) e a narrativa imitativa ou mimética, quando o poeta dá a fala a uma personagem

(cf. o discurso direto).

De acordo com Platão, Homero poderia ter dado continuidade à sua história sob

uma forma, estritamente, narrativa, narrando as palavras de Crises, ao invés de reproduzí-

las (PLATO. Republic 3. 393 b, c, d)145

(GENETTE, 2011, p. 267).

Platão dá a seguinte observação em relação à mivmhsi146:

144

393 a levgei te au*toV o& poihthV kaiV ou*deV e*piceirei~ h&mw~n thVn diavnoian a!llose trevpein w&

a!llo ti o& levgwn h# au*tov: taV deV metaV tau~ta w@sper au*toV w#n o& Cruvsh levgei kaiV peira~tai 393

b h&ma~ o@ti mavlista poih~sai mhV @Omhron dokei~n ei^nai toVn levgonta a*llaV toVn i&ereva, presbuvthn

o!nta. 393 a Diz o próprio poeta e não nos intenta a mudar de opinião para outro (lado), como algum outro

que falasse que (não fosse) ele mesmo. Ora, após essas coisas, ele mesmo fala como se fosse Crises e 393 b

nos intenta a fazer pensar que não seja mais Homero quem diz, mas (sim) o ancião sacerdote (PLATO.

Republic 3.393 a). 145

Citem-se, por exemplo: 393 c ou*kou~n tov ge o&moiou~n e&autoVn a!llw/ h# kataV fwnhVn h# kataV sch~ma

mimei~sqai e*stin e*kei~non w%/ a!n ti o&moioi~; tiv mhvn; e*n dhV tw~/ toiouvtw/, w& e!oiken, ou%to te kaiV oi&

a!lloi poihtaiV diaV mimhvsew th\vn dihvghsin poiou~ntai. ei* dev ge mhdamou~ e&autoVn a*pokruvptoito o&

poihthv, pa~sa 393 d a#n au*tw~/ a!neu mimhvsew h& poivhsiv te kaiV dihvghsi gegonui~a ei!h. (PLATO.

Republic 3. 393 c). - ―E o que diremos, por que não? - Ora tornamo-nos semelhante a outrem com respeito à

voz e ao aspecto, é imitar aquele ao qual nos tornamos semelhante? – Sem dúvida. – Mas, neste caso, parece

que Homero e os outros poetas se utilizam da imitação em seus relatos. – Perfeitamente. – Ao contrário, se o

poeta jamais se dissimulasse, a imitação estaria ausente de toda a sua poesia, de todos os seus relatos. 394 d

tou~to toivnun au*toV h^n o$ e!legon, o@ti creivh diomologhvsasqai povteron e*avsomen touV poihtaV

mimoumevnou h&mi~n taV dihghvsei poiei~sqai h# taV meVn mimoumevnou, taV dev mhv, kaiV o&poi~ e&kavtera, h#

ou*deV mimei~sqai. (PLATO. Republic 3. 393 d) - Diria eu, precisamente, que devíamos decidir se

permitiríamos aos poetas compor relatos puramente imitativos, ou imitar determinada coisa e outra não, e

quais num e noutro caso, ou se lhes interditaríamos a imitação (a tradução desses excertos pertencem a J.

Guinsburg). Homero menciona Crises nestes termos: ou@neka toVn Cruvshn h*tivmasen a*rhth~ra *Atrei>vdh:

o& gaVr h^lqe qoaV e*piV nh~a *Acaiw~n, ―o Atrida desonrou ao sacerdote Crises; pois fora até às naus velozes

dos Aqueus‖ (HOMÈRE. Iliade I, 11-12). Entrementes, a imitação se inicia a partir dos versos subsequentes,

quando Homero faz Crises falar: *Atrei>vdai te kaiV a!lloi e*u>knhvmide *Acaioiv, u&mi~n meVn qeoiV doi~en

*Oluvmpia dwvmat’ e!conte e*kpevrsai Priavmoio povlin, eu^ d’ oi!kad’ i&kevsqai. Atridas e também outros

Aqueus de belas grevas, que os deuses, moradores do Olimpo, ofereçam a vós, após terem destruído a cidade

de Príamo, um bom retorno para casa (...) (HOMÈRE. Iliade I, 17-21). 146

Normalmente, a palavra mivmhsié traduzida como ―imitação‖. Acredita-se que o substantivo mivmhsi seja

um substantivo deverbal oriundo de mimei~sqai / mimevomai, ―imito‖. Entrementes, de acordo com Göran

Sörbom, as formas verbais são originárias do substantivo mi~mo. Sörbom supõe que mi~mo seja um tipo de

apresentação (SÖRBOM, 1966, pp. 55-56). A propósito, Chantraine conceitua mi~mo como sendo um

―imitador‖, uma espécie de ator que recita, canta e dança (CHANTRAINE, 1974, p. 703).

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395 c (...) e*aVn deV mimw~ntai, mimei~sqai taV touvtoi proshvkonta eu*quV

e*kpaivdwn, a*ndreivou, swvfrona, o*sivou, e*leuqevrou, kaiV taV

toiau~ta pavnta, taV deV a*neleuvqera mhvte poiei~n mhvte deinouV einai

mimhvsasqai, mhV deV a!llo mhdeVn tw~n ai*scrw~n, i@na mhV e*k th~

mimhvsew tou~ einai 395 d a*polauvswsin. h# ou*k h!/sqhsai o@ti ai&

mimhvsei, e*aVn e*k nevwn povrrw diatelevswsin, ei* e!qh te kaiV fuvsin

kaqivstantai kaiV kataV sw~ma kaiV fwnaV kaiV kataV thVn diavnoian.

395 c Se, porventura, forem imitar, que imitem as coisas que lhes convém,

imediatamente, desde a infância: coragem, temperança, pureza, liberdade e

todas as demais coisas desta espécie; mas as coisas torpes não devem fazer,

nem ser hábeis de imitar, nem nenhuma das outras coisas vergonhosas, 395

d para que não seja o fato de aproveitarem da imitação; ou não atentaste de

que as imitações, se executadas desde a infância, se transformam, mais

tarde, tanto em costumes quanto em natureza para o corpo, para a voz e

para o entendimento (PLATO. Republic 3. 395 c-d).

É bom lembrar que a concepção platônica, na República, da mivmhsi na arte,

concebe a ideia de que tanto o poeta quanto o pintor e o escultor fazem uma imitação em

―terceiro grau‖, isto é, a verdade possui um afastamento em ―três graus da verdade‖. Ora,

isso acontece uma vez que a Divindade é o primeiro na criação de uma determinada ideia.

Tem-se, como exemplo, a criação de um objeto, a cama; depois, a ―segunda criação‖ é a do

marceneiro que fabricou a cama; a ―terceira criação‖ quem faz é o artista ao representá-la,

sendo uma imitação da cama do marceneiro, que não passa de uma transitoriedade e, além

do mais, não constitui uma realidade da ideia primeira147

(PLATO. Republic 10).

Aristóteles enfatiza que a imitação é natural à espécie humana, conforme o excerto

subscrito:

*Eoivkasi deV gennh~sai meVn o@lw thVn poihtikhVn ai*tivai duvo

tinev, kaiV autai fusikaiv. Tov te gaVr mimei~sqai suvmfuton toi~

a*nqrwvpoi e*k paivdwn e*stiv (kaiV taV maqhvsei poiei~tai diaV

mimhvsew taV prwvta), kaiV toV caivrein toi~ mimhvmasi pavnta.

A imitação, pois, é inata aos seres humanos desde a infância (e o homem

adquire os primeiros conhecimentos por meio da imitação), e todos os

147

A propósito, já que o imitador não tem um conhecimento profundo das coisas que imita, a arte mimética

não constitui algo sério, mas algo infantil (PLATO. Republic 10. 602 b), uma vez que seus feitos estão

distantes da verdade (PLATO. Republic 10. 603 a). Não obstante, a arte é posta no último degrau, uma vez

que ela é, somente, uma reprodução das aparências. Depois dessa assertiva, o filósofo parece ter a concepção

da figura do artista como alguém que produz imagens ilusórias e como alguém que não pode conduzir em

direção ao verdadeiro conhecimento. Tem-se, assim, como resultado dessas coisas, a sua expulsão da cidade

em nome da verdade (PLATO. Republic 10. 605 ss). Em uma outra obra platônica, encontra-se a mímesis

como uma representação por meio da arte, mivmhsi poivhsi (PLATO. Sophist 265 b).

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homens se alegram com as imitações (ARISTOTE. Poétique 4, 1448 b 9)

(ARISTOTE. Poétique 4, 1448 b 9).

De acordo com a concepção aristotélica, deve-se praticar a mivmhsi, desde cedo, não

obstante, é preciso praticar a mivmhsi tendo em vista as boas coisas e não as más; a prática

contínua, desde cedo, faz com que o ato de imitar se transforme em um hábito148

.

Ainda, em relação à mivmhsi, podem-se extrair informações importantes de outros

autores, tais como os historiadores Tucídides e Heródoto: a mivmhsi como a ―ação de

imitar‖ (THUCYDIDE. La Guerre du Péloponnèse 1. 95149

), a mivmhsicomo uma

―representação, uma imagem‖ (HERODOTI. Historiae III, 37, 1-3);150

o verbo mimevomai,

cognato de mivmhsi, designando uma ―réplica‖ (HERODOTUS. The Histories 2. 78.1)151

;

o verbo mimei~sqai no sentido de ―imitar o que o outro faz‖ (HÉRODOTE. Histoires IV,

170)152

.

Genette discorre o seguinte a respeito da narrativa histórica:

Caso se trate de uma narrativa histórica rigorosamente fiel, o historiador-

narrador deve ser muito sensível à mudança de regime, quando passa do

esforço narrativo na relação dos atos realizados à transcrição mecânica das

falas pronunciadas,153

mas quando se trata de uma narrativa parcial ou

completamente fictícia, o trabalho da ficção, que se exerce igualmente

sobre conteúdos verbais e não verbais, tem, sem dúvida, por efeito,

mascarar a diferença que separa os dois tipos de imitação, dos quais um

está, se posso dizê-lo, em crise direta, enquanto que o outro faz intervir um

sistema de engrenagens mais complexo (GENETTE, 2011, 270).

148

A mivmhsi é, ainda, como uma ―ação de reproduzir, de figurar‖ (ARISTOTE. Poétique 15, 1454 b, 11,

verbo mimevomai). Convém lembrar que, para o Estagirita, tanto a epopeia quanto a tragédia, a comédia, a

poesia ditirâmbica se encaixam na arte da imitação (ARISTOTE. Poétique 1, 1447 a 13-17). Castro destaca

que, em Aristóteles, a noção de mivmhsi está em um lugar central, a fim de caracterizar a natureza da poesia.

O termo mivmhsi é compreendido como a unidade estruturante da metáfora. Assim, a mivmhsi está,

estreitamente, vinculada à metáfora como o núcleo do fazer poético (CASTRO, 1986, pp. 56-58). 149

Uma referência e uma crítica ao estilo de governo de Pausânias que parecia uma imitação de despotismo

que a conduta, propriamente, de um comandante. 150

Heródoto, ao se referir à imagem dos Pataícos dos fenícios, os descreve como sendo ―uma imitação de um

homem pigmeu‖, pugmaivou a*ndroV mivmhsi e*stiv (HERÓDOTI. Historiae III, 37, 3). 151

Heródoto, ao escrever a respeito dos egípcios, retrata um homem que conduz ―uma réplica de madeira de

um cadáver no esquife, escrita e trabalhada com muito realismo‖, xuvlinon pepoihmevnon, memimhmevnon e*

taV mavlista kaiV grafh~/ kaiV e!rgw/ (HERODOTUS. The Histories 2. 78.1). 152

Heródoto escreve que os asbistas se esforçam para imitar os cirenaicos em relação às suas leis, novmou deV

touV pleu~na memevesqai e*pthdeuvousi touV Kurhnaivwn (HÉRODOTE. Histoires IV, 170). 153

No item 5.2, há uma exposição mais detalhada a respeito de algumas orientações para a reprodução dos

discursos, levando em conta a historiografia clássica.

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Assim é que não se podem separar os três pólos de referência: ―quem imita, com

que imita, o que imita. Também não podemos separar o imitador, a imitação, o imitado‖

(CASTRO, 1986, p. 58).

Genette ressalta que:

A linguagem só pode imitar, perfeitamente, a linguagem ou, mais

precisamente, o discurso só pode imitar, perfeitamente, um discurso,

perfeitamente, idêntico; em resumo, um discurso só pode imitar ele mesmo.

Enquanto lexis, a imitação direta é, exatamente, uma tautologia

(GENETTE, 2011, p. 271).

Em um discurso, alguém fala, mas, em uma narrativa, conforme Benveniste, pode-

se dizer que ninguém fala, no sentido de que, em nenhum momento, pergunta-se ―quem

fala” (onde e quando, etc.), para que receba, de modo integral, a significação do texto

(BENVENISTE apud GENETTE, 2011, p. 280).

Assim é que Genette faz uma oposição entre narrativa mimética e narrativa pura,

fazendo uma tríplice divisão dos estados do discurso: a) O Discurso Narrativizado ou

Contado em que o próprio narrador conta; b) O Discurso Transposto que é considerado um

discurso intermediário entre o discurso narrativizado e o imitado, com uma pequena

presença de um narrador; c) O Discurso Imitado que é o discurso fictício. Na verdade,

acredita-se que tenha sido pronunciado, na íntegra, pela personagem, o ―narrador finge

ceder, literalmente, à palavra à sua personagem‖ (GENETTE, 1995, pp. 169-170).

Há, normalmente, três tipos de estratégias apresentadas pelos gramáticos para fazer

citações: o Discurso Indireto, o Discurso Indireto Livre e o Discurso Direto.

No Discurso Indireto, o enunciador dá a sua versão do discurso de um locutor,

analisando o discurso ou o texto de outrem.

O Discurso Indireto Livre é uma combinação do discurso direto e do indireto. De

acordo com o linguista francês Maingueneau, há textos em discurso indireto livre mais

próximo do discurso direto e outros mais próximos do indireto (MAINGUENEAU, 1986,

p. 99).

No discurso indireto livre, o narrador assume o discurso da personagem

ou se prefere, a personagem fala pela voz do narrador; assim, as instâncias se

mesclam.

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Por outro lado, o Discurso Direto é uma enunciação construída por intermédio do

discurso do narrador. Benveniste insere, na categoria do discurso, tudo aquilo que

Aristóteles denominava imitação direta, que consistia em um discurso que o poeta ou o

narrador emprestavam a um de seus personagens (BENVENISTE apud GENETTE, 2011, p

278).

Como propõe o pesquisador Fiorin, ―apresenta duas instâncias enunciativas, dois

sistemas enunciativos autônomos, cada um conserva seu eu e seu tu (...)‖ (FIORIN, 2003,

p. 73). No discurso imediato, o narrador desaparece e a personagem o substitui.

Ora, Todorov é enfático:

O encaixe é uma explicitação da propriedade mais profunda da narrativa.

Pois a narrativa encaixante é a narrativa de uma narrativa. Contando a

história de uma outra narrativa, a primeira atinge seu tema essencial e, ao

mesmo tempo, se reflete nessa imagem de si mesma; a narrativa encaixada é,

ao mesmo tempo, a imagem dessa grande narrativa abstrata da qual todas as

outras são apenas partes ínfimas, e também da narrativa encaixante, que a

precede diretamente (TODOROV, 2011 a, p. 126).

b) A Perspectiva -

A perspectiva é o ―segundo o modo de regulação da informação, que procede da

escolha (ou não) de um ―ponto de vista‖ restritivo‖ (GENETTE, 1995, p. 183).

Todorov emprega três termos (fórmulas): a) Narrador > Personagem,

tradicionalmente conhecido como o ―narrador onisciente‖ ou ―visão por trás‖, o narrador

sabe mais que o personagem; b) Narrador = Personagem em que o narrador só diz aquilo

que o personagem sabe; c) Narrador < Personagem em que o narrador diz menos daquilo

que o personagem sabe (TODOROV, 2011 b, pp. 246-248).

Então, podem-se estabelecer três tipos de narrativa, tendo em vista a focalização: 1)

Narrativa de Focalização Onisciente – o narrador conta a história de um ponto de vista

superior, como se possuísse um conhecimento total e ilimitado. Todorov lembra que a

narrativa clássica emprega, frequentemente, esta fórmula (TODOROV, 2011 b, p. 246); 2)

Narrativa de Focalização Interna – quando a personagem é o sujeito da enunciação; 3)

Narrativa de Focalização Externa - sabem-se as ações das personagens, sem conhecer

sobre seus pensamentos.

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3) Voz – É como se dá a narração dentro da narrativa, levando em consideração dois

aspectos: por quem (= narrador) e para quem (= narratário ou destinatário real ou fictício)

os acontecimentos são relatados. Todorov destaca que o aspecto reflete uma relação entre

―um ele‖ (na história) e ―um eu‖ (no discurso), entre a personagem e o narrador

(TODOROV, 2011 b, p. 246).

Na verdade, os aspectos e os modos da narrativa constituem duas categorias que

possuem ligações estreitas em que ambos dizem respeito à imagem do narrador (ibidem,

2011 b, p. 254).

Barthes destaca que não pode haver narrativa sem narrador e sem ouvinte ou leitor

(BARTHES, 2011, p. 48).

Genette apresenta determinados tipos de narrador que se dividem em relação ao

nível narrativo (intra-/extradiegético) e quanto à sua relação na história (homo-

/heterodiegético) (GENETTE, 1995, p. 226 ss). Assim, há quatro tipos de narrador (ibidem,

p. 247):

Extradiegético-

Heterodiegético

Extradiegético-

Homodiegético154

Intradiegético-

Heterodiegético

Intradiegético-

Homodiegético

Narrador do

Primeiro Nível

(Primário) que

relata uma história

sem ter participado

da mesma, pois está

ausente.

Narrador do

Primeiro Nível

(Primário) que conta

a sua própria

história.

Narrador do Segundo

Grau (Secundário)

que relata uma história

da qual, normalmente,

não teve participação,

pois está ausente.

Narrador do Segundo

Grau (Secundário)

que conta a sua própria

história.

Beth Brait destaca que a apresentação de uma personagem, cujo narrador não se

insere dentro da história, constitui um recurso muito antigo e eficaz. A crítica literária

pontua, ainda, que é um artifício primeiro, uma tentativa de criar uma história que deve

alcançar a credibilidade do leitor e oferece, como exemplos, o Antigo Testamento, as

epopeias clássicas e os contos de fada, onde a personagem não se apresenta por si mesma,

mas por suas aventuras, através do relato das suas ações (BRAIT, 1990, p. 55).

154

No caso do narrador homodiegético é dividido em dois grupos: tanto ele pode ser um simples observador,

exercendo um papel secundário, como também a personagem principal de sua própria história (autodiegético),

contando suas próprias experiências.

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É bom lembrar que, na realidade, mesmo os corpora escritos não constituem uma

oralidade enfraquecida, mas algo dotado de uma ―voz‖, a de um sujeito situado para além

do texto. Embora o texto seja escrito, ele é sustentado por uma voz específica: ―a oralidade

não é o falado‖, como lembra Meschonnic (MESCHONNIC, 1985, pp. 121-128).

Tendo, por paradigma, os gregos, o progresso, que foi feito em direção ao domínio

da escrita, deve ser considerado, primeiramente, ―como uma penetração do saber letrado na

situação oral‖ (ibidem, pp. 53-54).

Quando, por volta do século VIII a.C., a escrita alfabética irrompe na

cultura grega, ela chega em um mundo que há muito tempo é o da tradição

oral. Mas se a palavra falada se acha assim ―no começo‖, segunda a

fórmula bem conhecida, ela está talvez, antes de tudo, no poder. Pois, na

Grécia dos primeiros tempos, a palavra falada reina de modo incontestável,

muito particularmente sob a forma de kléos, ―fama‖, transmitida aos heróis

da epopeia pelos aedos de tipo homérico. Para os gregos da época arcaica,

esse kléos é um valor primordial, uma verdadeira obsessão. Se o herói

homérico aceita morrer combatendo, é porque espera ganhar a ―fama

imperecível‖, e é significativo que a palavra que se traduz por ―fama‖ ou

―glória‖, isto é, kléos, tenha o sentido fundamental de ―som‖ (assim como

indicam os parentes etimológicos da palavra nas línguas germânicas, por

exemplo, o alemão Laut). A glória de um Aquiles é, portanto, uma glória

para o ouvido, uma glória sonora, acústica. No plural, kléos é, de fato, o

termo técnico que Homero utiliza para designar sua própria poesia épica.

Em sua sonoridade, a palavra é eficaz, é ela que faz existir o herói

(SVENBRO, 2002, p. 41).

Em relação ao narratário, Genette sublinha que, assim como o narrador, o narratário

além de ser um dos elementos da situação narrativa, está situado no mesmo nível diegético.

No quadro subscrito, têm-se os seguintes tipos de narratários (GENETTE, 1995, pp. 258-

259):

Extradiegético-

Heterodiegético

Extradiegético-

Homodiegético

Intradiegético-

Heterodiegético

Intradiegético-

Homodiegético

Narratário do

Primeiro Nível

(Primário) que ouve

uma história sem ter

participado da

mesma.

Narratário do

Primeiro Nível

(Primário) que ouve

uma história da qual

vivenciou.

Narratário do Segundo

Grau (Secundário) que

ouve uma história da

qual, normalmente,

não teve participação.

Narratário do Segundo

Grau (Secundário) que

ouve uma história que

vivenciou.

Deve-se sublinhar que, em relação à imagem do narrador e a do leitor, o narrador é

considerado o sujeito da enunciação que representa um livro. Todorov, assim, discorre

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acerca da figura do narrador: ―É ele que dispõe certas descrições antes das outras, embora

estas as precedam no tempo da história. É ele que nos faz ver a ação pelos olhos de tal ou

tal personagem. É ele, enfim, que escolhe relatar-nos tal peripécia através do diálogo de

dois personagens ou mesmo por uma descrição ―objetiva‖ (TODOROV, 2011 b, p. 255).

Para o linguista búlgaro, a imagem do narrador e a do leitor está em dependência

mútua; a partir do momento que a imagem do narrador sobressai de modo mais nítido, a

imagem do leitor ―imaginário‖ encontra desenhado, igualmente, com mais precisão

(ibidem, 2011 b, p. 257).

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5. O LIVRO DOS ATOS DOS APÓSTOLOS

5.1 Breve Histórico da Língua Original

Saussure oferece a seguinte explanação sobre a língua:

Os costumes de uma nação têm repercussão na língua e, por outro lado, é,

em grande parte, a língua que constitui a Nação. Cumpre mencionar as

relações existentes entre a língua e a história política. Grandes

acontecimentos históricos, como a conquista romana, tiveram importância

incalculável no tocante a inúmeros fatos linguísticos (SAUSSURE, 2012, p.

53).

Sublinhe-se que o termo idioma designa, precisamente, a língua como algo que

reflete os traços peculiares de uma comunidade (ibidem, p. 253). O termo provém do

grego, i*divwma, ato, ―propriedade particular, característica própria‖ (BAILLY, 2000, p.

958).

Assim é que se encontram, nos relatos bíblicos, referências a inúmeras línguas locais,

tais como o asdodita existente no tempo de Neemias (Ne 13. 24155) e o licaônico, língua

atestada por Paulo em Listra (At 14. 11156). Entrementes, há referências também a algumas

línguas internacionais de destaque como o aramaico, o grego e o latim.

É bom lembrar que, depois da vitória dos gregos nas guerras medo-pérsicas (em

torno do início do século V a.C.), Atenas já estava estabelecida, no que diz respeito ao

poderio militar e econômico em relação às outras póleis, se tornando a ―capital‖ intelectual

e política da Hélade. Com isso, seu dialeto ático157 se estabeleceu como língua literária

155

―E metade de seus filhos falavam na língua ashdodita e não sabiam falar na língua dos judeus, senão

conforme a língua de cada um daqueles povos‖ (Ne 13.24). 156

11

oi@ te o!cloi i*dovnte o$ e*poivhsen Pau~lo e*ph~ran thVn fwnhVn au*tw~n LukaonistiV levgonte, Oi&

qeoiV o&moiwqevnte a*nqrwvpoi katevbhsan proV h&ma~, 12 e*kavloun te toVn Barnaba~n Diva, toVn deV

Pau~lon &Ermh~n, e*peidhV au*toV h^n o& h&gouvmeno tou~ lovgou. 11 As multidões, quando viram o que Paulo

fizera, ergueram a voz deles, falando em licaônico: ‗Os deuses, semelhantes aos homens, desceram até nós‘; 12

chamaram a Barnabé de Zeus, mas a Paulo, Hermes, já que esse era aquele que liderava a palavra (At 14. 11-

12). 157

Considera-se a língua grega como parte integrante de uma grande família linguística do indo-europeu,

conhecido também como indo-germânico. Acredita-se que, a partir do III milênio a.C., várias tribos indo-

europeias, que invadiram o continente europeu, são consideradas os antepassados dos gregos. Essas tribos,

possivelmente, falavam uma espécie de ―língua unificada‖, que os linguistas denominaram de ―grego comum

pré-histórico‖ (não confundir com a koiné), e que, com o tempo, foi se fragmentando linguisticamente. A

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(HORTA, 1991, p. 61)158; o dialeto ático também se destacou em relação aos demais que

foram perdendo, aos poucos, sua importância.

Sublinhe-se que o dialeto ático, agora, com formas jônicas e com várias expressões

da linguagem corrente, denominou-se de h& koinhV diavlekto isto é, a ―língua comum‖

que também recebe a denominação de koiné alexandrina ou helenística159

.

Meillet conceitua esse dialeto ático modificado nos seguintes termos:

Koiné é uma língua de civilização que se constituiu por volta da época em

que começou a influência macedônica e que perdurou por todo o Império

Romano chegando até o período bizantino. Com o tempo, acabou por

constituir-se numa espécie de norma ideal que pouco terá variado desde a

época de Alexandre até o fim do Império Bizantino (MEILLET apud

HORTA, 1991, p. 69).

Graças à expansão colonizadora e imperialista do rei Alexandre Magno160

(336-323

a.C.) - que teve por preceptor o filósofo grego Aristóteles; adquirindo, portanto, uma

cultura profundamente helênica -, a cultura e o pensamento gregos foram difundidos pelo

Egito, por todo o Oriente Médio, pela Mesopotâmia, chegando até a Índia.

A koiné, então, veio a ser a língua comum de comunicação internacional no século

IV a.C. a vários povos conquistados pelos monarcas macedônios161

, conforme atesta

Ferguson:

língua grega arcaica se encontrava dividida nos seguintes grupos dialetais: ático-jônico, dórico, eólico e

árcade-cíprio com suas respectivas subdivisões. 158

Atesta-se que o desenvolvimento da prosa ática se iniciou no século V a.C. e, por causa da proeminência

de Atenas, o ático, rapidamente, dominou a literatura, o comércio e as relações diplomáticas. 159

É bem verdade que uma língua é passível de mudanças no decorrer dos tempos, sendo essas mudanças um

processo gradual e dinâmico. Não obstante, contra a evolução da língua grega, entre os séculos I a.C. – I d.C.,

surgiram os ―aticistas‖ que defendiam o ―purismo ático clássico‖. Convém citar a helenista Suzanna Mello

sobre a evolução da língua que representa o ―resultado de duas forças opostas: uma, a força conservadora, que

tende a manter seu estado atual; outra inovadora, que tende a levá-la para outras direções‖ (MELLO, 1985, p.

93). 160

Na verdade, a língua falada pelos macedônios era o antigo macedônio, também uma língua indo-europeia.

O antigo macedônio foi, gradualmente, a partir do século IV a.C., substituído pela koiné, conforme a

observação supracitada do pesquisador Ferguson. É bem provável que o antigo macedônio seja um

descendente do protogrego (um suposto ancestral comum a todas as variantes da língua grega). O protogrego,

no fim do terceiro milênio, era falado na Península Balcânica. 161

Supõe-se que o vasto império de Alexandre Magno era superior a 9.000.000 km². O estado maior era o dos

Selêucidas, correspondendo a cerca de dois terços do Império Alexandrino. Filipe da Macedônia (359-336

a.C.), após obter vitórias sobre Atenas, Tebas e seus aliados em Queroneia em 338 a.C., subjugou a Grécia.

Após o assassinato de Filipe II dois anos mais tarde, em 336 a.C., foi sucedido por seu filho, Alexandre. Esse

monarca adotou os costumes dos soberanos subjugados e almejou fazer uma fusão das raças. Acredita-se que

Alexandrre Magno tenha casado com uma princesa persa, Roxane, e, em somente um dia, dez mil soldados de

Alexandre se casaram com mulheres persas e de vários povos.

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Era natural que, no século IV, a influência do ático se espalhasse e se

sobrepusesse a outros dialetos; a adoção por Filipe da Macedônia fez com

que Alexandre e os generais, que se tornaram seus sucessores, continuassem

a empregá-lo. Estes reinos flutuantes exigiam uma linguagem comum e

encontraram-na em um ático modificado. Os outros dialetos não se perderam

por completo, foram absorvidos, e o jônio, especialmente, teve importância

na formação da koiné (FERGUSON, 1973, p. 34).

No Oriente, o grego, em pouco tempo, substituiu o aramaico, que era a língua

administrativa e comercial do Império Persa Aquemênida (KOESTER, 2005, p. 113). Na

verdade, haja vista às conquistas do filho do rei Filipe II, o grego ficou no lugar de algumas

línguas oficiais. No Egito, por exemplo, passou a ser utilizado no lugar do egípcio; convém

lembrar que o egípcio sobreviveu em uma forma modificada, denominado de copta.

O historiador Funari sublinha que a principal característica do mundo helenístico

era, justamente, a convivência de vários povos com muitas línguas, governado por uma

elite de origem macedônica, que consideravam a língua grega como um elemento de

comunicação oficial e universal. Dentre as diversas cidades fundadas, destaca-se

Alexandria, no Egito, por ter uma vida intelectual intensa. Assim é que a civilização

helenística estava alicerçada em uma convivência entre muitos povos e as trocas culturais

entre esses povos se intensificaram de forma brilhante (FUNARI, 2002, p. 76).

Ora, costuma-se datar o ―Período Helenístico‖, denominado também de ―Período

Alexandrino‖, a partir das conquistas do macedônio, Alexandre Magno (336 a.C.) até o

domínio romano da Grécia (146 a.C.). A propósito, Finley pontua que foi, no ―Período

Helenístico‖, que a civilização grega se expandiu para leste, de onde a aristocracia greco-

macedônia162

governava grandes territórios do Próximo Oriente (Síria e o Egito), sob o

domínio de monarcas absolutos (FINLEY, 1963, p. 26).

162

A Macedônia era um dos Estados localizados nos limites do mundo grego. Atualmente, aceitam-se que os

povos, que habitavam essas regiões, seriam os últimos bandos de invasores de língua grega que haviam

chegado à Península Balcânica. Assim, ao habitarem o norte da região, viviam como pastores seminômades.

Porém, somente, no século VII a.C., surgiu um poder centralizado, onde a realeza se transmitia de modo

hereditário. Os soberanos macedônios se diziam gregos em suas origens (MOSSÉ, 2004, pp. 18-19). Digno de

nota são as considerações, que foram feitas por Zarkada Branco, a respeito da Macedônia: ―Quanto à origem

grega ou bárbara dos macedônios, sempre houve a discussão entre os que os apontavam como integrantes de

um ramo dórico e, portanto, gregos, e os que os consideravam ilírios ou trácios, não-helenos. As descobertas

de Vergina vieram reforçar a primeira tese. Os nomes, que constam das estelas encontradas, têm raízes,

inequivocadamente, gregas, e fornecem novas provas de que seu idioma era um dialeto grego. Além disso, o

alto nível cultural e artístico dos objetos descobertos mostram que a Macedônia não era uma região

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Assim sendo, o helenismo se espalhou por cidades variadas que não tinham origem

grega, diziam-se helenizadas.

A propósito, Levine destaca que o ―helenismo se refere à cultura milenar (grega no

sentido mais amplo) dos períodos helenístico, romano e bizantino, enquanto helenização

descreve o processo de adoção e adaptação desta cultura no nível local‖ (LEVINE, 1999,

pp. 16-17).

J.G. Droysen fez uso do vocábulo ―helenismo‖ para fazer alusão à amalgamação das

culturas do Ocidente e do Oriente Médio ―sob os auspícios da educação grega durante os

séculos entre o reinado de Alexandre e o início do Cristianismo‖. A denominação desses

séculos como ―Período Helenístico‖ foi, de um modo geral, aceita, apesar de alguns

reveses, uma vez que os impérios helenísticos desapareceram antes da origem do

cristianismo. Além do mais, a influência cultural e religiosa do helenismo perdurou além do

período helenístico, permanecendo visível por muitos séculos tanto na helenização de

Roma e das regiões do Oriente quanto no desenvolvimento do cristianismo primitivo

(DROYSEN apud KOESTER, 2005, pp. 43-44).

Ora, podem-se colher preciosas informações a respeito do helenismo no primeiro

livro dos Macabeus, em que o helenismo é considerado como o real motivo da tradição

judaica estar enfraquecida:

10 Deles saiu aquele rebento ímpio, Antíoco Epífanes163

, filho do rei

Antíoco. Ele tinha estado em Roma como refém e se tornara rei no ano

cento e trinta e sete da dominação dos gregos. 11 Por esses dias, apareceu

em Israel uma geração de perversos, que seduziram a muitos com estas

palavras: ―Vamos, façamos aliança com as nações circunvizinhas, pois

muitos males caíram sobre nós desde que delas nos separamos‖. 12

Agradou-lhes tal modo de falar. 13 E alguns dentre o povo apressaram-se

em ir ter com o rei, o qual lhes deu autorização para observarem os

costumes pagãos (1 Mc 1. 10-13).

incivilizada, como quiseram afirmar no passado, mas, pelo contrário, possuía um desenvolvimento

semelhante ao de outras partes da Grécia‖ (BRANCO, 1985, pp. 15-16). O apóstolo Paulo foi até a

Macedônia pregar o evangelho (At 16. 9 ss; 20. 2 ss), onde fundou congregações nas cidades de Filipos e de

Tessalônica. Paulo elogiou os cristãos macedônios pela generosidade deles, apesar de serem humildes (2 Co

8. 1 ss). Ressalte-se que, nos tempos do Novo Testamento, a Macedônia era uma província romana, cuja

capital era a Tessalônica. 163

Trata-se de Antíoco IV Epífanes (175 a.C. – 167 a.C) da Dinastia dos Selêucidas.

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Sabe-se que, entre alguns judeus da Palestina havia um interesse pela cultura

helenística; alguns da alta classe de Jerusalém se viram inclinados a assimilar e a adotar

determinados modos gregos e aceitar os benefícios sociais e econômicos da sociedade

helênica. Já outros membros das antigas famílias sacerdotais, liderados pelos Oníadas,

tendo por seguidores camponeses, resistiram à sua tentativa e destacaram mais as tradições

judaicas apresentadas nos livros da Torah.164

Acredita-se que o livro dos Macabeus seja o primeiro da tradição judaica a

empregar os termos judaísmo e helenismo (2 Mc 4. 13-14; 2. 21; 8. 1; 14. 38). Digna de

nota é a observação de Stambaugh e Balch:

Era inevitável que a cultura pagã do mundo greco-romano tivesse impacto

sobre os judeus que nele viviam. A língua constituiu o impacto mais

marcante. No mundo grego, os judeus falavam o grego como todos os

demais. Pelo século II a.C., um significativo número deles deve ter falado

apenas grego, e não hebreu165

, porque a comunidade judia de Alexandria

precisou encomendar uma tradução das escrituras hebraicas tradicionais

para o grego, que conhecemos como a Septuaginta. Papiros encontrados no

Egito e inscrições judaicas achadas por todo o império esclarecem que os

judeus da diáspora usavam o grego para quase todas as comunicações

pessoais e oficiais (STAMBAUGH & BALCH, 2008, p. 43).

O helenista Pierre Lévêque atesta ainda que existe uma diferença entre os judeus

que vivem na Judeia, cuja helenização é ―superficial‖ e os judeus da diáspora,

especialmente, os do Egito, da Anatólia e da Síria, onde a assimilação da cultura grega foi

mais profunda (LÉVÊQUE, 1987, p. 51).

Convém lembrar que, antes das conquistas de Alexandre Magno, os gregos

comercializavam na Palestina, mas sabe-se que os judeus não comercializavam em

164

Entre 175 e 163 a.C., judeus helenizantes, cujos interesses eram impedidos pela Torah, romperam com o

judaísmo e fundaram, com o apoio de Antíoco IV Epifanes, uma pólis de estilo grego em Jerusalém, que

completaram com um ginásio e a formação de um conselho dominado pelos nobres não-sacerdotais da família

de Tobias. Em 167 a.C, Antíoco ordenou a demolição das muralhas da cidade de Jerusalém e a construção de

uma nova fortaleza (a Acra), que servia de guarnição síria. No próprio Templo de Jerusalém, foi estabelecido

um culto em homenagem a Zeus. Antíoco fez um decreto, onde proibiu a religião judaica de ser praticada na

Judeia. Entrementes, judeus tradicionalistas organizaram uma revolta armada, sob a liderança dos Macabeus,

uma família nobre de sacerdotes rurais. A guerra perdurou por vinte anos. Em 164 a.C., contra os Selêucidas,

Judas Macabeu põe fim ao culto a Zeus, que acabou conhecido como a ―abominação da desolação‖, e

reestabeleceu o culto tradicional dos judeus, acontecimento esse que é celebrado no feriado da Hannukah

(Dedicação). Os macabeus foram apoiados pelos romanos, pois esses estavam interessados no

enfraquecimento dos Selêucidas (STAMBAUGH, BALCH, 2008, pp. 16-17). 165

Possilvelmente, Stambaugh e Balch estivessem se referindo ao aramaico.

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território grego. É bem verdade que gregos e judeus viveram dentro dos limites do Império

Persa. Todavia, apesar de ter havido contatos entre os dois povos, parece não ter havido

―comunicação‖166

. O historiador italiano expõe duas razões: a linguística e a religiosa. Por

um lado, os gregos eram monolíngues, já, por outro lado, os judeus eram bilíngues.

Salienta-se que o aramaico fazia com que os judeus tivessem contato e acesso aos persas,

babilônios e até entre os egípcios, mas não aos gregos. Além do mais, os judeus confiavam

no seu Deus e em Sua Lei, já os gregos confiavam em suas próprias inteligências e

iniciativas (MOMIGLIANO, 1991, pp. 76-77).

Mckenzie destaca que se pode fazer uma comparação entre a consciência que os

gregos tinham de si mesmos, o povo mais civilizado, e a consciência que os judeus tinham

de si mesmos, o povo escolhido. Na verdade, o orgulho dos gregos não estava vinculado à

ideia de uma revelação ou de uma eleição divina, nem em nenhum elemento religioso, mas

em suas próprias obras culturais, principalmente, na filosofia, na literatura e na arte

(MCKENZIE, 1983, pp. 394-395).

Na Palestina, a transição do domínio persa para o macedônio não teve maiores

problemas167

. Com as conquistas de Alexandre Magno, gregos e judeus ficaram sob o

domínio macedônio168

.

Mesmo após o advento e a ampliação territorial de nações subjugadas169 por parte

do Império Romano (I a.C. – V d.C.) – que tinha o latim como língua materna – a koiné

continuou sendo a ―língua de comunicação‖ pelas terras conquistadas, agora, pelos

166

Antes do ―Período Helenístico‖, houve contatos diretos entre gregos e judeus. A propósito, o rei Davi

tivera contatos com mercenários cretenses (2 Sm 20. 23; 1 Rs 1. 38), que falavam o grego. Em 840 a.C., Joás

teve a ajuda de mercenários carianos ou cretenses para subir ao trono (2 Rs 11. 4). O profeta Jeremias, ao ir

para o Egito, foi para Táfnis (os gregos conheciam esse lugar por Dafne) (Jr 43). Pode ser que este lugar era

guarnecido por mercenários gregos. Assim, parece que o profeta Jeremias e os soldados gregos tiveram

contato em solo egípcio. Não obstante, Momigliano chama a atenção para a ausência de informações em

relação aos judeus na literatura grega, fato esse que fez com que os judeus helenizados ficassem inquietos,

conforme a Carta de Aristeas (31; 312). O historiador enfatiza ainda que Flávio Josefo também pesquisou,

cuidadosamente, as possíveis referências aos judeus na literatura grega, mas tanto a sua busca quanto a de

seus predecessores foram em vão (MOMIGLIANO, 1991, p. 73). Interessante citar Heródoto, pois, de acordo

com o historiador grego, as suas pesquisas e investigações se estenderam a regiões que nenhum outro grego

tivera acesso (HÉRODOTE. Histoires IV, 25). 167

No ano de 333 a.C., na batalha de Ipsos, o soberano Alexandre Magno derrota o inimigo persa; regiões

como Jerusalém, Síria e Fenícia não ofereceram resistência. Desde 323 a.C., a Palestina estava sob a

supervisão dos Ptolomeus do Egito, mas, em 198 a.C., a Palestina passou a ser dominada por Antíoco III

Megal (223-187 a.C.) da Síria. 168

Alexandre Magno nunca fora a Jerusalém, mas há lendas judaicas que narram um determinado encontro

entre o sumo sacerdote e o novo rei. 169

Como a Macedônia, o Egito, a Grécia, a Gália, a Germânia, a Síria, a Trácia, a Palestina etc.

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romanos. O grego era considerado a língua oficial da metade Oriental do Império Romano,

enquanto que o latim era utilizado na parte ocidental e no exército (LAWRENCE, 2008, p.

21). Assim sendo, o Império, em suas práticas de supremacia política, era bilíngue. Não

obstante, Meeks faz uma interessante ressalva:

O conservadorismo das aldeias preservou sua diversidade; as mudanças, na

cidade, ocorreram no sentido da busca de cultura greco-romana comum.

Isso era mais evidente na língua. (...) Por isso é que o grego era a língua

urbana universal das províncias romanas orientais, contudo não além dos

muros da cidade. Quando o autor do livro dos Atos quer descrever um

encontro de Paulo e Barnabé com a população de uma cidade realmente

afastada da orla marítima, fala dos habitantes locais demonstrando o seu

espanto em língua licaônica. E mais: foi com deuses gregos, Zeus (Júpiter)

e Hermes (Mercúrio), que identificaram os dois autores de milagres; Listra

era acima de tudo colônia romana (MEEKS, 2011, p. 45).

Antes dos romanos dominarem a Palestina em 63 a.C., essa região teve um breve

período de mais ou menos cem anos independente de qualquer domínio estrangeiro (167

a.C – 63 a.C.), quando os irmãos Macabeus lideraram uma revolta contra o cruel rei sírio

Antíoco IV Epífanes.

Assim como Momigliano fez um cotejo entre gregos e judeus, o historiador faz um

cotejo, igualmente, entre os judeus e os romanos. Por um lado, os judeus continuaram

convencidos de que suas crenças eram superiores; por outro lado, os romanos agiam a partir

de uma posição de força, preservando, assim, a sua identidade e superioridade. Na verdade,

pagavam aos gregos, para que esses lhes ensinassem a sua cultura; não obstante, por vezes,

nem pagavam, pois os gregos eram seus escravos. Os romanos, ao assimilarem as

convenções literárias, formas artísticas, ideias filosóficas etc., colocaram a si próprios e aos

gregos em uma situação recíproca inigualável. Os romanos fizeram da própria língua um

instrumento que podia rivalizar com o grego e transmitir as ideias helênicas com precisão

(MOMIGLIANO, 1991, pp. 16-17).

Conforme já foi dito, desde a conquista de Alexandre Magno, toda a área

palestinense fazia parte da área de influência grega. Muitos judeus que habitavam fora da

Palestina – em comunidades dispersas judaicas170

– falavam o grego171

. Debaixo do

170

A propósito, Lévequê, assim, enfatiza no que tange à diáspora: ―A emigração dos Judeus para fora da

Judeia era um fato antigo, visto que remontava pelo menos à grande catástrofe de 586: tomada de Jerusalém

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domínio romano, viviam na Palestina, além dos judeus, outros povos tais como os

samaritanos, os gregos, os romanos etc. Os judeus eram divididos em diferentes grupos

religiosos com variadas ideias sobre a própria fé professada e sobre como se relacionar com

o povo conquistador (FUNARI, 2002, pp. 127-128).

A helenista Guida Horta lembra que:

Contudo, a superioridade militar, política e econômica dos Romanos,

tornados senhores do mundo, e assim continuando por vários séculos, não foi

bastante para erradicar, ou mesmo suplantar, nem a influência cultural, nem a

língua comum difundida entre os povos helenizados, a qual permaneceu

evoluindo e afirmando-se cada vez mais, no Oriente, até tornar-se a única

modalidade do grego falado e escrito, durante o subsequente período

bizantino (que se estendeu do V ao XV séc. de nossa era) (HORTA, 1988, p.

83)172

.

Até mesmo quando a cultura grega se defrontou com Roma e esteve sob sua

dominação política, o elemento grego sobressaiu. Convém lembrar os versos do poeta

latino, Horácio: Graecia capta ferum victorem cepit – ―a Grécia capturada conquistou o

orgulhoso conquistador‖ (HORATIUS. Epistles 2. 1. 156).

Roma foi muito influenciada pela arte, arquitetura, filosofia e literatura gregas173. A

região oriental do Império Romano permaneceu essencialmente grega, não obstante, a

língua, a cultura e a religião gregas também tiveram espaço na parte ocidental latina. O

desenvolvimento do Império Romano não deve ser compreendido sem o helenismo, uma

vez que o Império Romano se helenizou. Koester chama a atenção para o fato de o

por Nabucodonosor, seguida pelo Exílio. É a diáspora (dispersão), que se acentua quando a conquista de

Alexandre anexa a Palestina ao mundo grego. A área desta dispersão é considerável. Foi possível avaliar em 8

milhões a população judaica mundial na época helenística. Ela está, principalmente, agrupada em quatro

zonas: Babilônia, Síria, Anatólia, Egito, possuindo cada uma delas mais de um milhão de judeus. Mas

encontram-se, igualmente, em grande número na Cirenaica, nas ilhas do Egeu, na Grécia e até na África, na

Itália e na Hispânia (...). É, no Egito, que os judeus da diáspora são bem mais conhecidos‖ (LÉVÊQUE,

1987, pp. 49-50). Opinião parecida possui Meeks que sublinha que a diáspora tenha iniciado, no mínimo, já

na época das deportações para o exílio babilônico, no século VI a.C., e foi aumentada, mais tarde, por

deslocações mediante a posteriores conquistas da Palestina. Não se deve esquecer que a emigração judaica

voluntária tinha, por objetivo, melhores oportunidades econômicas fora dos limites da área palestinense

(MEEKS, 2011, p. 83). 171

Ora, durante o ―Período Helenístico‖, atestam-se, na diáspora ou na Palestina, entre os judeus, vários

nomes próprios pessoais gregos, citem-se: *Andreva, ―André‖, Fivlippo, ―Filipe‖, *Alevxandro,

―Alexandre‖ entre outros. 172

Koester destaca que o grego neotestamentário parece ter, a princípio, algumas particularidades em comum

com o demótico moderno (KOESTER, 2005, p. 118). 173

Na verdade, quando os romanos conquistaram os gregos no século II a.C., estudaram a língua, a literatura,

a filosofia do povo conquistado.

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cristianismo, que teve seu início no período imperial romano, se inseriu no mundo romano

como sendo uma religião helenística, herdeira de uma religião judaica já helenizada

(KOESTER, 2005, p. 44).

Finley, tal qual Koester, destaca que a parte Oriental do Império (Romano) foi ainda

grega - grega helenística – até ao fim. O Cristianismo primitivo foi anunciado a gregos, a

judeus helenizados e a outros povos helenizados das províncias orientais (FINLEY, 1963,

p. 153).

Pode-se considerar o latim e o grego como veículos ―multisseculares da transmissão

das tradições e da doutrina religiosas, constituindo-se nas duas línguas litúrgicas do

Cristianismo‖ (HORTA, 1988, p. 82).

A helenista atesta, ainda, que a língua grega teve o privilégio de ser o meio de

expressão do Cristianismo, desde os seus primórdios (ibidem, p. 86).

Meeks enfatiza que:

O mundo paulino era um mundo em que, para os indivíduos urbanos e

móveis, o grego era a língua ―franca‖ (...). Quando Paulo escolhe uma frase

retórica para expressar a toda humanidade, fala como qualquer orador grego

falaria, referindo-se a ―gregos e bárbaros, sábios e ignorantes‖ (Rm 1.

14)174

. Evidentemente, ele inclui os romanos entre os ―gregos‖, mas um

escritor latino dificilmente dividiria o mundo dessa maneira. Além do mais,

quando Paulo passa para o tema da sua epístola nos versículos seguintes, a

divisão mais importante é a divisão entre judeus e gregos175

. O mundo

mental de Paulo é o das províncias orientais de língua grega,

especificamente o mundo judeu que fala grego. Mesmo assim, trata-se de

mundo romano – a existência dessa epístola e os planos de viagem

assinalados no seu capítulo 15 indicam como Roma é central (MEEKS,

2011, p. 119).

O livro dos Atos dos Apóstolos escrito em grego koiné, buscava alcançar, mais

diretamente, o público bastante heterogêneo do ecúmeno, ao qual se destinava, nos anos

imediatamente seguintes a que teria sido a atividade apostólica dos chamados doze

discípulos de Jesus (HORTA, 1988, p. 85). Historiadores como Políbio (203-120 a.C),

Estrabão (64 a.C.-11 d.C), Dionísio de Halicarnasso (54 a.C.-8 d.C), Filon de Alexandria

(10 a.C.-50 d.C), Flávio Josefo (37-103 d.C.), Plutarco (46-126 d.C), escreveram em koiné.

174

@Ellhsivn te kaiV barbavroi, sofoi~ te kaiV a*nohvtoi o*feilevth ei*miv. Sou devedor tanto a gregos

quanto a bárbaros, tanto a sábios quanto a ignorantes (Rm 1. 14). 175

ou* gavr e*stin diastolhV *Ioudaivou te kaiV @Ellhno, o& gaVr au*toV kuvrio pavntwn, plou~twn ei*

pavnta touV e*pikaloumevno au*tovn. Não há, pois, diferença entre judeu e grego, pois o mesmo é Senhor de

todos, sendo rico para com todos aqueles que o invocam (Rm 10. 12). Ver também: 1 Co 1. 23; Gl 3. 28).

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Assim, o grego koiné não foi um idioma exclusivo do Novo Testamento176, pois foi uma

língua popular.

O historiador Funari destaca que os povos conquistados pelos romanos poderiam

continuar utilizando a língua materna e os seus costumes. Jesus e os seus discípulos, além

de falarem o aramaico, possuíam uma religião diferente da dos romanos (FUNARI, 2002,

p. 126).

Meeks declara que:

Não foi acidental o fato de que todos os documentos do Novo Testamento

e, virtualmente, todos os outros escritos provenientes dos dois primeiros

séculos do cristianismo, tenham sido escritos em grego. No entanto, nas

aldeias da Galileia, o aramaico, presumivelmente, ainda era a língua

dominante. Quando o cristianismo, em suas novas formas urbanas,

eventualmente, penetrava nas culturas das aldeias, os documentos gregos

precisavam ser traduzidos para as línguas autóctones. Não só a língua era

compartilhada. A população da cidade usava formas comuns em muitos

setores de vida. Inscrições oriundas de toda a região do Oriente usam frases

estereotipadas: os conselhos da cidade anunciavam decretos, as associações

honravam seus patronos, os que perdiam parentes comemoravam seus

mortos da mesma maneira desde Alexandria até Tessalônica. De Atenas a

Antioquia, os estudantes aprendiam as formas de estilo com os mesmos

manuais de retórica. Os estilos de objetos de cerâmica e de vidro, da

mobília, do pavimento e da decoração das paredes, da escultura e da pintura

também passavam de uma cidade para outra (MEEKS, 2011, p. 45).

Apesar da presença do aramaico, o grego sobressaiu como língua coloquial e

comercial devido a dois fatores: o primeiro fator foi a fundação de cidades gregas nas

províncias Orientais, até na Palestina. O segundo, foi o grego como língua da nova cultura

dominante; consequentemente, o estudo do grego seria o primeiro passo na educação de

todo aquele que se interessasse em participar da nova civilização ecumênica (KOESTER,

2005, pp. 249-250)177.

176

Já que os escritores cristãos primitivos escreveram em grego koiné, a língua do seu tempo, os especialistas

denominavam essa língua de ―grego bíblico‖. 177

Na época da República Tardia, a língua grega continuou em sua difusão, todos os romanos cultos sabiam

falar e ler em grego e em latim; Cícero possuía, por língua ―materna‖, o grego, que foi aprendido com sua

ama-seca. No século II d.C., houve um interesse renovado pela língua grega. Assim, atesta-se que o

imperador Marco Aurélio, filho de uma família romana da Espanha, utilizou o grego para escrever suas

Meditações. Tanto os mercadores das províncias ocidentais quanto os orientais podiam conversar em grego.

Tratados a respeito da fabricação de máquinas bélicas e os escritos filosóficos eram lidos em grego. Seria

difícil imaginar a poesia, a historiografia, a filologia, a filosofia e a retórica romana sem seus paradigmas

gregos. A influência grega sobre a cultura romana não se limitou a um período em particular. Koester

sublinha que: ―Antes, a cultura romana manteve-se em constante justaposição com a grega, que continuou seu

próprio desenvolvimento, de modo que sua influência se renovava continuamente. Mesmo escritores e

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Koester sublinha que:

O cristianismo não se desenvolveu como representante de apenas uma

cultura e religião local antiga, a de Israel, por exemplo, mas como parte da

cultura universal do mundo helenístico-romano. O elemento dominante

dessa nova cultura era o grego. Os gregos forneceram a língua de

unificação, com relação à qual o próprio aramaico, a língua do Oriente

anteriormente persa, e o latim, o idioma dos novos senhores políticos e

militares, ficavam em segundo e terceiro lugares. A filosofía, a arte, a

arquitetura, a ciência e as estruturas econômicas gregas constituíam os laços

que mantinham os vários povos e nações do Império Romano unidos como

partes de um só todo, de um único mundo que abrangia Mesopotâmia e

Síria no leste, Espanha e Gália no oeste, Egito e África no sul e Alemanha e

Bretanha no norte. Quando os missionários cristãos levavam sua mensagem

ao mundo, chegavam como precursores de uma religião helenística

(KOESTER, 2005, p. XXIV).

Ora, o historiador Francisco José Gomes faz uma ressalva interessante a respeito do

Cristianismo: ―O cristianismo, de fato, encontrou uma multiplicidade de culturas com as

quais estabeleceu complexos processos de intercâmbio‖ (GOMES, 2000, p. 169).

A koiné enriquece o ático, com variados elementos extraídos de outras línguas,

especialmente, do jônico, conforme já foi mencionado, e simplifica o dialeto ático tanto do

ponto de vista morfológico como sintático, transformando-se em uma língua de cultura de

vasta difusão.

Assim é que a koiné assimilou vários vocábulos estrangeiros em sua difusão pelas

regiões helenizadas. Encontram-se, então, na koiné neotestamentária, certos

estrangeirismos, isto é, vocábulos que não têm sua origem no idioma helênico, mas que

entraram no léxico dialetal do Novo Testamento por empréstimos linguísticos.

Denominam-se estrangeirismos a determinados vocábulos integrados em uma

língua nacional. Esses estrangeirismos, sempre que necessários, são adaptados – diga-se

assimilados – fonológica e morfologicamente à estrutura de uma língua nativa. Como

pontua o linguista Bloomfield, o empréstimo linguístico é ―a ação de traços linguísticos

diversos dos do sistema tradicional‖ (BLOOMFIELD apud CÂMARA JÚNIOR, 1996, p.

104).

filósofos romanos mais recentes recorriam, frequentemente, a protótipos gregos antigos, por eles considerados

mais importantes do que tudo o que se desenvolvera na tradição e língua latinas‖ (KOESTER, 2005, p. 339).

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105

Então, atestam-se, nos escritos neotestamentários, palavras e expressões de origens

variadas: latinas, hebraicas, aramaicas (cf. latinismos, hebraísmos e aramaísmos),178

egípcias, indianas, macedônias, fenícias, árabes e persas; em uma espécie de ―integração

sócio-linguística-cultural‖ entre gregos, romanos, hebreus, arameus, egípcios, indianos,

macedônios, fenícios, árabes, persas etc.

Câmara sublinha que o condicionamento social para os empréstimos é o contato

entre povos de línguas diferentes, o qual pode ser por coincidência, ou contiguidade

geográfica, ou, à distância, por intercâmbio cultural em sentido lato (CÂMARA JÚNIOR,

1996, pp. 104-105).

Citem-se, apenas, alguns desses estrangeirismos:

Os Latinismos Os Hebraísmos Os Aramaísmos

a*ssavrion (do latim assarius, -

a, -um) – O assário

correspondia a 1/10 de uma

dracma, moeda grega de prata,

que correspondia a um denário

(Mt 10. 29).

a*llhlouvi>a (do hebraico

halǝlû-yāh) – ―Louvai ,הללויה

a YHWH / Yahweh‖ (Sl 111. 1;

Ap 19. 1).

a*bbav (do aramaico

.aḇ) – ―Pai‖ (Gl 4. 6)’,אב

dhnavrion (do latim denarius,

-i.) – moeda romana de prata,

que correspondia ao salário de

um dia de trabalho de um

operário (Mc 12. 15).

a*mhvn (do hebraico אמן ,’āmēn)

– É uma espécie de

concordância, significando ―é

verdade, assim seja ...‖

(Sl 106. 48; Ap 3. 14).

Golgoqav / Golgoqa~ (do

aramaico אתגלגול ,

gûlǝgûltā’) - ―Crânio‖ (Lc

23. 33).

kentourivwn (do latim

centurio, -onis.) – Oficial

Militar (Mc 15. 39).

*Ihsou~ - o nome ―Jesus‖ é uma

transliteração do nome próprio

hebraico יהושע Yǝḥôšûa &179.

Possui o significado de ―Jeová é

Salvação‖, ou seja, ―é o

Salvador‖.

&Wsannav (do aramaico

הושיעה­נא

hôšîa āh-nnā’) – Por

vezes, possui um tom

parenético de ―salve‖ (Mt

21. 9).

Kai~sar (do latim Caesar, -

aris, ―senhor‖) - corresponde a

kuvrio no grego, a Kaiser no

alemão e a Czar no russo. No

Novo Testamento, passou a ser

Ceroubivn / Ceroubivm (do

hebraico כרוב, kǝrûḇ) -

Querubim, para os religiosos

judaico-cristãos, era uma ordem

de seres angelicais; representam

maranav qav, proveniente

de dois termos aramaico

maràn, ―Senhor‖ e ,מרן

‖athá, ―vem אתא

(1 Co 16. 22).

178

É bom lembrar que, na língua portuguesa, os estrangeirismos mais comuns são os galicismos (sobretudo o

francês) e os anglicismos (inglês). 179

Da mesma raiz de Josué – Yohoshua – mudando, somente, a vocalização.

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uma espécie de título dos

imperadores romanos

(Mt 22. 21).

uma classe de adoradores e há

distinção em relação às outras

ordens angelicais. O emprego

desse vocábulo só aparece uma

vez no Novo Testamento (Hb 9.

5).

a!xiov e*stin w%/ parevxh/ (do

latim dignus est cui hoc

praestes) - “é digno de que lhe

concedas isto‖ (Lc 7. 4).

Sabawvq (do hebraico צבאות,

tsãbã’, ―hoste, tropa, exército‖ e

no plural hebraico ṣǝḇᾱ’ôṯ (Senhor dos Exércitos) - O Novo

Testamento atesta como ―hostes

ou exércitos‖ (Rm 9. 29; Tg 5.

4). A LXX traduz tsãbã’ pelo

vocábulo grego stratiav (2 Rs

22. 19; Dt 20. 9; 1 Rs 22. 19; Dn

8. 10-11). Por vezes, a expressão

Kýrios ṣǝḇᾱ’ôṯ é equivalente a

Pantokravtwr na LXX (Jó 22.

25; 29. 5; 32. 8).

&Rabbouneiv ou

&Rabbwniv180 (do aramaico

יבונר , rabbônî) - ―meu

mestre, meu Senhor‖. É

uma forma enfática de

&Rabbiv, não possuindo

muita diferença semântica

de &Rabbiv, apesar de ser

considerado um título

mais respeitoso, pois era

empregado para se referir

ao presidente do Sinédrio

(Jo 20. 16; Mc 10. 51).

sumbouvlion e!labon (do latim

consilium capere) - ―fizeram

um conselho, isto é,

―elaboraram um plano‖ (Mt 12.

14).

Mavnna (do hebraico מןהוא,

mānhû) - mavnna é denominado

também como ―trigo, pão do

céu‖ e ―pão dos fortes‖ (Sl 78.

24, 25). No Novo Testamento, mavnna é denominada de ―Manjar

Espiritual‖ (Hb 9. 4). No futuro,

mavnna será dado, como

recompensa, àqueles que

vencerem (Ap 2. 17).

taliqav kou~m(i) (do

aramaico טליתא,

talyǝṯā’) - taliqav significa ―solteira‖, o que

se explica também seu

significado como

―menina‖, ―moça‖. A

forma kou~m é um

imperativo do verbo קזמי

qûmî, ―levantar‖ (Mc 5.

41-42).

soudavrion (do latim sudarium.

Originado de sudor, -oris, isto

é, ―suor, transpiração‖) . Outros

significados: ―pano, lenço para

enxugar o rosto‖. (Lc 19. 20;

Mt 4. 23; 10. 1; Lc 4. 40; 7. 21;

Jo 11. 44; 20. 7 ; At 19. 12).

Messivado hebraico

MŠḤ) - Este vocábulo ,משח

―Messias‖ corresponde ao grego

cristov (ungido). No Novo

Testamento, mãshîªh aparece

transliterado em algumas

passagens bíblicas (Jo 1. 41; Jo

4. 25-26).

Elwi elwi lama

sabacqaniv (do aramaico אלהי אלהי למא

שבקתני

’ĕlāhî ’ĕlāhî lǝmā *

šǝḇaqtānî) - Deus meu,

Deus meu, porque me

desamparaste?

(Mc 15.

34).

180

&Rabbiv ou &Rabbeiv, este vocábulo aramaico tem sua origem na palavra Rab, que, com o emprego do

sufixo, significava ―meu mestre‖. O vocábulo era utilizado como uma forma respeitosa de se referir aos

mestres judeus ou aos senhores (Mc 14. 45).

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O teólogo Miranda é enfático ao afirmar que é preciso conhecer as particularidades

da língua hebraica, cuja influência se estendeu ao próprio texto grego, uma vez que, quando

escreviam em grego, os autores sacros hebreus conservavam o modo de pensar dos próprios

hebreus e traduziam, em grego literal, expressões hebraicas ou aramaicas. O sacerdote

católico destaca, ainda, que a própria versão de S. Jerônimo181, e, muitas vezes, as versões

em línguas modernas, por almejarem fidelidade ao texto original, não ficaram isentas da

influência dos hebraísmos inevitáveis (MIRANDA, 1985, p. 52).

Ora, Jeremias destaca que a influência helenística é vista no léxico dos escritos

rabínicos, uma vez que há a presença de uma considerável quantidade de palavras gregas

transpostas para a literatura rabínica (JEREMIAS, 1983, p. 93).

Já, em relação ao latim, é bem verdade que o latim não constitui uma língua original

bíblica, como o é o hebraico (língua original do Antigo Testamento, apesar de haver

excertos em aramaico, sobretudo, em Esdras 4. 8 a 6. 18; 7. 12-26; Daniel 2. 4 a 7. 28;

Jeremias 10. 11) e o grego (língua original do Novo Testamento, conforme já foi

mencionado), mas influenciou o léxico do grego bíblico.

Aliás, a língua grega também influenciou o vocabulário do latim dito cristão, assim,

tem-se empréstimos linguísticos do grego koiné para o latim ―cristão‖, por exemplo:

apostata, apostolus, baptizo, catechumenus, diaconus, episcopus, angelus, charisma,

evangelium, martyr, anathema entre outros.

Alguns Exemplos de Estrangeirismos Diversos

Egípcio

sivnapi - Costuma-se traduzir por ―cevada‖ ou ―grão de mostarda‖ (Mt 13. 31-

33).

Macedônio

kravbbato / kravbato - É um tipo de leito para repouso ou uma cama para

pessoas pobres (Mc 2. 1-12).

Fenício

i!aspi - O jaspe era a última pedra do peitoral do sumo sacerdote (Êx 28. 17.

20) e o sárdio era a primeira pedra que o religioso trazia no peitoral. Ambas as

pedras possuíam cores muito parecidas (Ap 4. 3).

ÁÁrraabbee

kinnavmwmon - ―Cinamomo‖ era um tipo de planta – da família das meliáceas -

de substância, mais precisamente, semelhante à da canela, tanto era utilizado em

181

Isso é, a versão latina da Bíblia, muito famosa – a Vulgata - feita por Jerônimo em 387-405 d.C. Ele

traduziu o Antigo Testamento, diretamente, do hebraico e o Novo Testamento, do grego.

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alimentos quanto em fragrâncias (Êx 30. 23; Ap 18. 13).

PPeerrssaa

paravdeiso - do persa antigo pairi-daeza, pari-daeza, para-daza. O historiador

grego Xenofonte denotava paravdeiso como os parques dos reis e dos nobres

persas (XÉNOPHON. Anabasis I, 2, 7; Cyropaedia 1.3.14), daí o vocábulo ter

um sentido de um lugar esplendoroso, magnífico, de bem-aventurança (Ne 2. 8;

Lc 23. 43).

IInnddiiaannaa

sirikov este adjetivo significa ―tecido sedoso, de seda‖, que fazia parte de

algumas mercadorias babilônicas (Ap 18. 12). Possivelmente, pode ser um

vocábulo derivado de Seres – um povo da Índia. Ao que tudo indica, esse povo

produzia a ―seda‖182

como uma mercadoria comercial (VINE, 2002, p. 975).

Estrangeirismos de Origens Obscuras e/ ou Incertas

&Romfaiva

Denota ―arma da trácia de tamanho grande‖. Não se sabe ao certo se constitui

uma espada ou uma faca ou se as duas coisas. Acredita-se que a r&omfaiva era

mais comprida do que a mavcaira, ―espada‖ de tamanho pequeno; r&omfaiva pode

significar também ―punhal‖ (Mt 26. 47, 51, 52; Lc 21. 24; 22. 38).

!Amwnon

Vocábulo de origem duvidosa, talvez semítica (VINE, 2002, p. 614). Chantraine

informa, simplesmente, que é um empréstimo oriental (CHANTRAINE, 1968, p.

81). !Amwmon, ―amomo‖ é uma planta aromática da Índia, de sementes

condimentosas. Costuma-se traduzir a!mwmon por ―cardamomo‖ (Ap 18. 13).

Buvsso

Spiegelberg acredita que esse vocábulo tenha sua origem no egípcio

w’,d-t (SPIEGELBERG apud CHANTRAINE, 1968, p. 202). Masson pontua

que é um empréstimo semítico (MASSON apud CHANTRAINE, 1968, p. 202).

Não obstante, Vine atesta que tenha sua origem em um vocábulo aramaico,

utilizada, especialmente, para aludir à palavra síria byssus (VINE, 2002, p. 755).

Tanto no Novo quanto no Antigo Testamento diz respeito às riquezas (Lc 16.

19; Ez 27. 7; Et 8. 15).

182

Ressalte-se que, na língua portuguesa, o vocábulo ―seda‖ é um ―filamento que constitui o casulo da larva

de um inseto, vulgarmente, denominado bicho-da-seda ou o fio feito com tal substância; tecido fabricado com

esse fio‖ (CUNHA, 1982, p. 710).

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Kovkkino, h, on

Magnien e Lacroix atestam que esse adjetivo kovkkinoh, on ―de cor escarlate‖

(Hb 9. 19; Mt 27. 28; Ap 18. 12) possui uma etimologia incerta e uma forma

tardia substantivada kovkko, ou (o&), que é um inseto parasita, de onde se extrai

uma bela cor escarlate (MAGNIEN, LACROIX, 1969, p. 990). Esta assertiva é

vista também em Vine, cuja cor escarlate é obtida do inseto cochonilha, que se

prende às folhas e ramos do carvalho conífero; outra espécie é produzida nas

folhas do cactus ficus. Vine informa, ainda, que o nome árabe para este inseto é

qírmiz, de onde provém a palavra árabe qarmazî, ―carmesim‖. (VINE, 2002, p.

607). Chantraine sublinha que kovkko é um empréstimo desconhecido

(CHANTRAINE, 1970, p. 553), porém, Frisk pontua que há a hipótese de ser

um empréstimo mediterrâneo (FRISK apud CHANTRAINE, 1970, p. 553).

Os ―semitismos‖ são aquelas construções em grego familiarizadas mais com as

línguas semíticas do que com a grega. Citem-se, por exemplo, o emprego de qavlassa que

significa não só ―mar‖ ou ―oceano‖ como também ―lago‖, já que o vocábulo aramaico

.denota todos esses sentidos183 ימאא

Não se pode deixar de considerar que tanto ―pagãos‖ e cristãos como também

judeus que falavam o grego, o aramaico, ou os dois, eram vizinhos em cidades sírias e

palestinas. A propósito, nesses ambientes contíguos, as influências de outra língua são mais

absorvidas nos discursos cotidiano e comercial do que nas convenções literárias de uma

língua.

Koester acredita que esses semitismos tiveram a sua origem em comunidades

cristãs, cujos membros falavam o grego e o aramaico. Não se deve deixar de mencionar que

a ekklesía cristã primitiva de Antioquia era, certamente, um tipo de comunidade bilíngue184.

A região da Galileia possuía uma boa quantidade de residentes que falava o grego; até, em

Jerusalém, fala-se tanto de uma comunidade dos discípulos e seguidores de Jesus Nazareno

183

MetaV tau~ta a*ph~lqen o& *Ihsou~ pevran th~ qalavssh th~ Galilaiva th~ Tiberiavdo. Após estas

coisas, Jesus se afastou para além do lago da Galileia, (denominado também) de Tiberíades (Jo 6. 1). O lago

da Galileia é um extenso lago de água doce, é também denominado de Genesaré (Lc 5.1; Mc 6. 53). 184

Por causa da perseguição aos cristãos em Jerusalém, muitos seguidores de Jesus Nazareno foram dispersos

para outras regiões, tais como a Fenícia, Chipre e Antioquia da Síria. Nesse lugar, a mensagem cristã foi

propagada, primeiramente, aos judeus; depois, cristãos de Chipre e de Cirene propagaram aos gregos. Muitos,

que ouviram a nova mensagem, se converteram à nova crença. A congregação de Jerusalém envia, então,

Barbabé para Antioquia; após procurar por Paulo em Tarso, Barnabé o conduz até Antioquia, e juntos se

reuniram por um ano e ensinaram grande multidão (At 8. 1-3; At 11. 19-26).

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que falava aramaico quanto de uma comunidade dos ―helenistas‖ (At 6. 1)185, que eram

judeus cristãos de língua grega (KOESTER, 2005, pp. 122-123).

Há outros semitismos que são extraídos dos escritos gregos do Novo Testamento,

tais como as expressões: provswpon qaumavzein, ―exaltar‖ (Jd 16), a*nistavnai spevrma,

“dar descendência‖ (Mt 22. 24; Mc 12. 19; Lc 20. 28), kalei~n toV o!noma / kalevsai

(e*piqei~nai) o!noma (Mt 1. 21) “colocar / pôr o nome‖ (Lc 2. 21). O vocábulo ui&ov, ―filho‖,

sob a influência semítica, possui alguns significados: a) descendência: ui&oV *Abraavm,

―filho de Abraão‖ (Lc. 19. 9); b) maneira de proceder: ui&oiV tou~ ai*w~no tou~to, ―filhos

deste século‖ (Lc. 20. 34); ui&oiV Qeou~, ―filhos de Deus‖ (Rm 8,14; Jo 9. 18-20; Gl 4. 30);

c) amigos que comparecem a uma cerimônia de casamento (Mt 9. 15); d) aqueles que

usufruem de determinados privilégios (At 3. 25).

Assim é que, após verificar as diferenças entre dois idiomas, descobrem-se

analogias entre eles. Na verdade, é uma tendência natural dos falantes fazer analogias

(SAUSSURE, 2012, p. 254).

Sublinhe-se que, devido à mensagem do cristianismo, houve a inserção de conceitos

novos em algumas palavras já existentes, isto é, atesta-se uma adaptação conforme as ideias

cristãs em voga ou a formação de neologismos. Ferguson atesta que ―o vocabulário

desenvolveu-se, em parte, devido às modificações naturais do tempo como também devido

à necessidade de novas palavras para exprimir conceitos contemporâneos‖ (FERGUSON,

1973, p. 34).

Determinadas mudanças semânticas, com significados cristãos, são dignas de nota

no grego do Novo Testamento, conforme os vocábulos subscritos:

Vocábulos Significados

a*gavph / a*gapavw

Muitas vezes, significando o amor incondicional da Deidade pelo ser

humano (Jo 3. 16; Rm 5. 8).

cavri

A graça, o favor imerecido da Deidade (At 14. 26), incluindo a

185

*En deV tai~ h&mevrai tauvtai plhqunovntwn tw~n maqhtw~n e*gevneto goggusmov tw~n &Ellhnistw~n

proV touV &Ebraivou, o@ti pareqewrou~nto e*n th~/ diakoniva/ th~/ kaqhmerinh~/ ai& ch~rai au*tw~n.

Naqueles dias, tendo o (número) de discípulos aumentado, houve queixa dos helenistas contra os hebreus,

porque as suas viúvas eram desprezadas no serviço diário (At 6. 1).

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misericórdia, o prazer e a alegria redentora que são oferecidas aos

cristãos.

eu*aggevlion

―As Boas Novas‖ do ―Reino de Deus‖ (At 15. 7; 20. 24).

parousiva

Termo principal para aludir não somente à segunda vinda de Jesus à terra

no arrebatamento dos cristãos, mas também à Sua presença com eles (1

Co 15. 23; 1 Ts 4. 15).

e*kklhsiva

Vocábulo que denota os ―redimidos‖ da Deidade ao longo de toda a Era

(Mt 16.18), a congregação religiosa que é o ―Corpo de Cristo‖ (Ef 1. 22,

23).

lovgo

O Verbo Encarnado que se fez carne, em uma alusão a Jesus Nazareno

(Jo 1. 1).

koinwniva

Vocábulo que denota as experiências e os interesses comuns dos cristãos

(Gl 2. 9).

basileiva

O substantivo basileiva é utilizado tanto nos escritos judaicos quanto nos

cristãos como sendo uma esfera do governo divino (Sl 22. 28; 145. 13; Dn

4. 25; Lc 1. 52; Rm 13. 1, 2).

oi*kodomevw

Esse verbo é utilizado, somente, no modo figurado no Novo Testamento,

possuindo o sentido de ―edificação‖, ―construção‖, ―a promoção de

crescimento espiritual‖ (At 20. 32).

savrx

Possui no Novo Testamento um sentido mais amplo do que no Antigo

Testamento: a) a matéria do corpo tanto dos seres humanos quanto dos

animais (1 Co 15. 39); b) o corpo humano (2 Co 10. 3; Gl 2. 20; Fl 1. 22);

c) o ser humano completo (Jo 6. 51-57; 2 Co 7. 5; Tg 5. 3).

swthriva ai*wvnio

salvação eterna, total e definitiva dos cristãos (Hb 5. 9)

o&dov

Em sentido metafórico: a) ―a doutrina, a fé‖ (At 24. 14); b) em ―conduta

moral, modo de viver‖ (1 Co 4. 17)

yeudavdelfo

―falso irmão‖, isto é, ―falso cristão‖ (2 Co 11. 26)

yeudovcristo

―falso Cristo‖ (Mc 13. 22)

yeudapovstolo

―falso apóstolo‖ (2 Co 11. 13)

a*llotriepivskopo

―bispo intrometido, espião, que se mete nas coisas alheias‖ (1 Pe 4. 15)

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Convém mencionar também as seguintes expressões cristãs peculiares: 1) klavsai

a!rton, ―partir o pão‖ (At 20. 7); 2) th~/ klavsei tou~ a!rtou, ―partir o pão eucarístico‖ (At 2.

42; 1 Co 10. 16; 11. 23). Ambas as expressões fazem alusão à ceia instituída por Jesus

Nazareno; 3) gennhqh~nai a!nwqen, ―nascer de novo‖ (Jo. 3. 3-7), no sentido dos cristãos

possuírem uma nova vida, isto é, ―regenerados espiritualmente‖ (1 Jo 2. 29; 3. 9; 4. 7; 5. 1,

4, 18).

É bom citar, ainda, Vanoye que diz: ―o léxico de uma língua é, teoricamente,

ilimitado‖ (VANOYE, 1986, p. 33), partindo da assertiva de que o léxico seja um conjunto

de palavras que uma determinada língua possui. Convém lembrar que o termo ―léxico‖

designa também o conjunto das palavras de uma língua peculiar de um grupo social ou de

um indivíduo.

O pesquisador Pena escreve sobre o grego koiné nestes termos:

O ensino, a aprendizagem e a difusão do grego helenístico, com a sua

riqueza dialectal e variantes lexicais fizeram recuar os índices de iliteracia

em todas as classes sociais do império, ao contrário de épocas anteriores. O

grego era falado não só pelos judeus helenizados como o Apóstolo Estêvão,

mas também nas sinagogas espalhadas por todo o Mediterrâneo (PENA,

2012, p. 35).

A koiné, em seu processo evolutivo, resultou em várias características peculiares, o

que fez com que se distanciasse cada vez mais da prosa ática clássica. As diferenças entre

o grego do Novo Testamento (e da LXX) e o grego clássico foram delineadas durante um

tempo. Na verdade, determinadas características distintivas dessas escrituras em grego são

resultados de uma estreita relação das escrituras netestamentárias com as escrituras

sagradas israelitas e também com a língua e literatura dos judeus de língua grega

(KOESTER, 2005, p. 118).

A seguir, tem-se algumas características linguísticas, que são peculiares da koiné,

extraídas dos excertos dos discursos paulinos atestados nos Atos dos Apóstolos.

Os dativos-instrumentais são regidos pela preposição e*n:186

e*n a*ndriV, “por meio de

um varão‖ (At 17. 31); e*n tavcei, ―rapidamente‖ (At 22. 18), e*n e*kstavse, “em êxtase‖ (At

22. 17), e*n gwniva/, ―em segredo‖ (At 26. 26).

186

Ver também: Mt 26. 52; Lc 22. 49; At 13. 10.

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Pode-se fazer um cotejo entre o dativo-instrumental preposicionado, muito peculiar

da koiné do Novo Testamento, e um emprego não preposicionado como, por exemplo,

mavstixin, ―com açoites, com flagelos‖ (At 22. 24), esse último emprego é atestado muito

no ático.

Algumas particularidades em grego, consideradas raras, podem ocorrer mais vezes

quando certos traços análogos tanto no aramaico quanto no hebraico favorecem esse

emprego. Esse fato se explica pelo grande número de emprego do dativo instrumental grego

com a preposição e*n, que equivale à preposição semítica כ e a preferência pelo emprego da

conjunção aditiva kaiv, que equivale a ר, nos escritos cristãos primitivos (KOESTER, 2005,

pp. 122-123).

A koiné apresenta as consoantes geminadas em –ao invés de – do ático, citem-

se, por exemplo: os numerais cardinais, tesserakontaeth~, “quarenta anos‖ (At 13. 18) ao

invés de tetterakontaeth~; tesseravkonta, “quarenta‖ (At 13. 21) ao invés de

tettaravkonta; o substantivo qavlassan, “mar‖ (At 14. 15) ao invés de qavlattan; os

particípios khruvsswn, ―proclamando‖ ao invés de khruvttwn (At 20. 25), pravssonta,

―praticando‖ (At 26. 20) ao invés de pravttonta; fulavsswn, ―guardando‖ (At 22. 20) ao

invés de fulavttwn; o advérbio perissw~, ―de modo demasiado‖ (At 26. 11) ao invés de

perittw~.

Ressalte-se que, apesar de o pronome relativo indefinido composto ser considerado

o relativo indefinido e generalizador (Mt 5. 39), por vezes, no grego bíblico, prevalece

muito mais um sentido definido do que o indefinido187

, tais como oi@tine"os quais‖ (At

13. 43), cujos antecedentes são, nitidamente, tw~/ Pau~lw/ e tw/~ Barnaba~/, conforme o

versículo subscrito:

luqeivsh deV th~ sunagwgh~ h*kolouvqhsan polloiV tw~n **Ioudaivwn

kaiV tw~n sebomevnwn proshluvtwn tw~/ Pauvlw/ kaiV tw~/ Barnaba~/ oi@tine

proslalou~nte au*toi~ e!peiqon au*touV prosmevnein th~/ cavriti tou~

qeou~.

E ainda, quando a sinagoga foi dispersa, muitos dos judeus e dos devotos

prosélitos acompanharam a Paulo e a Barnabé, os quais, conversando com

eles, os persuadiam a permanecer na graça de Deus. (At 13. 43)

187

Ver também: Lc 23. 18; Mt 25. 1; Lc 1. 20; Mc 15. 7; Gl 2. 4; Ap 20. 4.

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114

Na koiné, verifica-se a forma do aoristo e!qhkan, ―colocaram, puseram‖ (At 13. 29),

com o radical alongado –qh- e a terminação –kan para a terceira pessoa do plural do

indicativo ativo de tivqhmi ao invés da forma ática e!qesan.

O aoristo segundo de levgw tende a desaparecer, mas há a utilização das seguintes

formas segundas: eipen, ―disse‖, aoristo 2, indicativo ativo, 3ª pessoa do singular (At 20.

18, 35; 22. 8, 13, 14; 22. 21; 23. 3, 11; 25. 9, 10; 26. 15); eipon, ―disse‖, aoristo 2,

indicativo ativo, 1ª pessoa do singular (At 22. 19).

Ocorrem, ainda, as seguintes formas verbais: ei*pavtwsan, ―que digam‖ (At 24. 20)

ao invés de ei*povntwn (presente imperativo ativo, 3ª pessoa do plural de levgw);

ei!pa"dizendo‖ (At 24. 22) ao invés de ei*pwvn (particípio aoristo, masculino, singular,

nominativo de levgw); h!mhn, “estava‖ (At 22. 19, 20) ao invés de h^n (pretérito imperfeito

indicativo ativo, 1ª pessoa do singular de ei*miv).

O redobro ou a reduplicação do presente (gi-) é inexistente em verbos tais como

ginwvskw, “sei‖ e givnomai, “sou, torno”. Atesta-se a forma ginwvskete, ―sabeis‖, presente

indicativo ativo, 2ª pessoa do plural (At 20. 34) ao invés de giginwvskete.

É bom lembrar que há a presença dos particípios no dativo absoluto poreuomevnw/ e

e*ggivzonti, ―caminhando e aproximando‖ (At 22. 6).

O narrador primário dos Atos empregou, para a fala de Paulo, logo após o particípio

em dativo absoluto, u&postrevyanti, um particípio no genitivo absoluto, proseucomevnou,

isto é, preferiu substituir o particípio em dativo absoluto pelo genitivo absoluto. Observa-se

que Lucas faz a ligação dos dois particípios por meio da conjunção coordenativa kaiv,

sendo, então, orações participiais coordenadas entre si.

*Egevneto dev moi u&postrevyanti ei* *IerousalhVm kaiV proseucomevnou mou e*n tw~/ i&erw~/ genevsqai me e*n e*kstavsei.

Aconteceu-me, após ter retornado para Jerusalém e eu suplicando no

templo, encontrar-me em êxtase (At 22. 17).

Assim é que, no excerto supracitado, pode-se fazer um cotejo entre as palavras da

professora Guida Horta que diz que há uma tendência do particípio em dativo absoluto a ser

substituído pelo genitivo absoluto (HORTA, 1979, p. 208).

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115

Apesar de o optativo ser um modo de emprego raro no grego bíblico, encontram-se

os seguintes empregos do optativo potencial nos discursos paulinos: a) em frases

interrogativas indiretas: ei* a!ra ge yhlafhvseian au*toVn ..., ―se porventura, pudessem

tocá-lo‖ (At 17. 27); b) sem o emprego da partícula a!n: e!coi, ―tenha, possua‖ (At 25. 16);

c) com o emprego da partícula a!n: Eu*xaivmhn a#n, ―suplicaria, oraria‖ (At 26. 29)188.

Sublinhe-se que, normalmente, a construção da preposição ei* com o acusativo

indica o lugar ―para onde‖ (At 13. 31, 34; 22. 4, 5, 10, 13, 17). Não obstante, Rusconi

lembra que, no Novo Testamento, ei* pode ser considerada como um sinônimo da

preposição e*n, indicando o lugar ―onde‖, sem ideia de movimento (Lc 4. 23; At 7. 4.12.53;

8.23; 19.22; 22.5. Hb 11. 9) (RUSCONI, 2011, p. 151).

Na maioria das vezes, esse emprego da preposição ei* com o acusativo para indicar

o ―lugar onde‖ se encontra em certas passagens lucanas:

29 w& deV e*tevlesan pavnta taV periV au*tou~ gegrammevna, kaqelovnte

a*poV tou~ xuvlou e!qhkan ei* mnhmei~on. 29 Então, quando completaram todas as coisas que estavam escritas a

respeito dele, tirando-(o) do madeiro, puseram-(no) no sepulcro (At 13. 29).

Convém lembrar que a forma preposicional ei* é derivada de e*n > ei* (com

síncope da nasal diante do – e o consequente alongamento compensatório da vogal

precedente). Assim, a preposição ei* é associada a verbos de movimento, mas, por vezes,

possui o seu real valor etimológico de e*n com verbos sem ideia de movimento.

Por fim, atesta-se o semitismo *Egevneto dev moi, “Ora, aconteceu-me‖ (At 22. 6,

17); esse sintagma *Egevneto dev lembra a construção kaiV e*gevneto dev, reproduzindo a

seguinte construção hebraica: ויהי (wayhî).

Assim pontua Jaeger a respeito da influência helênica entre os judeus:

Com o uso do grego, penetra, no pensamento cristão, todo um mundo de

conceitos, categorias intelectuais, metáforas herdadas e sutis conotações. A

explicação óbvia da rápida assimilação de seu ambiente que efetuam as

primeiras gerações cristãs é que o cristianismo era um movimento judeu e

os judeus estavam já helenizados na época de São Paulo. Não se deve

188

Ver também: At 5. 24; 8. 31; 10. 17; 17. 18.

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esquecer que os missionários cristãos pregaram aos judeus helenizados. Foi

essa comunidade apostólica de Jerusalém chamada ―helenistas‖ (Atos dos

Apóstolos, cap. 6) que, após o martírio de Estevão, se dispersou por toda a

Palestina e iniciou as atividades missionárias da geração seguinte (At 8. 1).

Os diáconos escolhidos para ajudarem na obra foram: Estevão, Filipe,

Nicanor, Prócoro, Timão, Parmenas e Nicolau, nomes esses de origem

grega e, em sua maioria, pertenciam a famílias que haviam sido helenizadas

há uma geração ou mais. Só Nicolau não era judeu de nascimento, havia

sido prosélito em Antioquia antes de sua conversão ao cristianismo (At 6.

5) (JAEGER, 1965, pp. 13-16).

Ora, a língua é, de um modo geral, coletiva, todavia, cada escritor / leitor tem suas

particularidades, preferências linguísticas. Afinal, como pontua a helenista Suzanna Mello

―as línguas são instrumentos de comunicação que possuem vida, vida essa de ordem

puramente intelectual, mas que cria um organismo vivo tão real como o são os organismos

vegetais ou animais‖ (MELLO, 1985, p. 93).

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117

5.2 A Narratologia nos Atos dos Apóstolos

- Autoria

Acredita-se que os Atos dos Apóstolos (Pravxei tw~n *Apostovlwn), o quinto livro

do Novo Testamento, tenha sido escrito por Lucas; apesar de no livro não constar,

claramente, o nome do autor. Lucas é considerado o único escritor não judeu do Novo

Testamento; não se sabe, com certeza, onde e quando se converteu ao Cristianismo.

Fabris, por exemplo, diz que, na falta de alternativas mais fundamentais, é preferível

acolher informações da tradição de que, realmente, o autor dos Atos seja Lucas: ―homem

culto, familiarizado com os textos clássicos e helenísticos e com um bom conhecimento da

Bíblia grega conforme a tradução dos Setenta; talvez seja um cristão de Antioquia e

médico189

(Cl 4. 14)190

‖ (FABRIS, 1996, p. 33).

Nos escritos dos Pais da Igreja, tem-se, igualmente, informações a respeito da

autoria lucana dos Atos191

e alguns dados biográficos sobre Lucas: Clemente de Alexandria

(153 d.C.-217 d.C.) (CLEMENT OF ALEXANDRIA. The Stromata V, 12); Eusébio de

Cesareia (265 d.C.-339 d.C.) (EUSEBIUS OF CAESAREA. The Ecclesiastical History

1.5; 2.8; 3.4; 6.25; Orígenes de Alexandria (185 d.C.-254 d.C.) (ORÍGENES DE

ALEXANDRIA. Contra Celso, VI, 11; Tertuliano de Cártago (160 d.C.-230 d.C.)192

(TERTULLIAN. Contre Marcion IV, 2) entre outros. Citem-se, por exemplo, os registros

de Eusébio de Cesareia:

189

Estudiosos destacam que o autor se utilizou de terminologias médicas em seus escritos e, em sua narrativa,

apresentava interesse pelas doenças (Lc 4. 38; 8. 43-44; At 3. 7; 12. 23; 13. 11; 20. 7-11; 28. 3, 8). Então, os

pesquisadores concluíram que o seu autor fosse médico. Mas Fabris não concorda com a assertiva de que o

livro dos Atos e o Evangelho possuem uma terminologia médico-clínica. Fabris alega que Lucas não

apresenta uma linguagem médica mais especializada do que a de certos autores gregos, que não eram médicos

como, por exemplo, Luciano de Samosata e Fílon de Alexandria (FABRIS, 1996, p. 17). 190

a*spavzetai u&ma~ Louka~ o& i*atroV o& a*gaphtoV kaiV Dhma~, Lucas, o médico amado, e Demas vos

saúda‖ (Cl 4. 14). 191

O Cânon Muratoriano / Muratório constitui um fragmento mais antigo que se tem notícia a respeito do

cânon do Novo Testamento. O Cânon Muratoriano é uma espécie de ―lista canônica‖ que coloca Lucas como

o autor dos Atos. Esse fragmento foi escrito por volta do ano 150 d.C. e está mutilado no início e no fim; foi

descoberto por Ludovico Antônio Muratori (1672-1750) na Biblioteca Ambrosiana de Milão e publicado em

1740. 192

As datas entre parênteses são aproximativas.

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Louka~ deV toV meVn gevno w#n tw~n a*p’ *Antioceiva, thVn e*pisthvmhn deV

i*atrov, taV plei~sta suggegonwV tw~/ Pauvlw/, kaiV toi~ loipoi~ deV ou*

parevrgw tw~n a*postovlwn w&milhkwv, h% a*poV touvtwn prosekthvsato

yucw~n qerapeutikh~ e*n dusiVn h&mi~n u&podeivgmata qeopneuvstoi

katevlipen biblivoi, tw~/ te eu*aggelivw/, o# kaiV caravxai martuvretai kaq’ a$ parevdosan au*tw~/ oi& a*p’ a*rch~n au*tovptai kaiV u&phrevtai genovmenoi

tou~ lovgo, oi% kaiv fhsin e!t’ a!nwqen a@pasi parhkolouqhkevnai, kaiV

tai~ tw~n a*postovlwn Pravxesin, a$ ou*kevti di’ a*koh~, a*fqalmoi~ deV paralabwVn sunetavxato. Ora, Lucas, sendo originário de Antioquia, era médico; por muito tempo, foi

companheiro de Paulo; e associado aos demais apóstolos, mas não de modo

superficial. Deixou-nos, em legado, os preceitos das almas diligentes em dois

livros inspirados por Deus, através do qual adquiriu deles, como o

Evangelho, que testifica ter sido registrado, conforme lhe transmitiram

aqueles que foram testemunhas oculares, desde o início, e ministros da

palavra, os quais também afirma, ainda, desde o início, seguir, atentamente,

todas as coisas. E os Atos dos Apóstolos, os quais, de maneira nenhuma,

dispôs do que ouviu, mas do que viu (EUSEBIUS OF CAESAREA. The

Ecclesiastical History 3.4.6).

É bom lembrar que Lucas também é considerado o autor do terceiro Evangelho que

leva o seu nome; ambos, provavelmente, foram escritos por ele em Roma, na época da

primeira prisão de Paulo.

- A Separação do díptico Lucas-Atos dos Apóstolos

Sublinhe-se que os dois livros – Lucas e Atos - formavam dois tomos de uma

mesma obra, como corrobora o proêmio dos Atos, onde se percebe que a narrativa não se

inicia aqui: ToVn meVn prw~ton lovgon e*poihsavmhn periV pavntwn, w Qeovfile, w%n

h!rxato o& *Ihsou~ poiei~n te kaiV didavskein, “Fiz o primeiro relato, ó Teófilo, a

respeito de todas as coisas, as quais Jesus começou a fazer e também a ensinar‖ (At 1. 1).

Ora, este ―primeiro relato‖, toVn ... prw~ton lovgon (vers. 1 dos Atos), a que o

médico faz referência, não pode ser outro senão o terceiro Evangelho, sendo o livro dos

Atos, o segundo volume, uma espécie de continuação do Evangelho de Lucas, o primeiro

volume, que é considerado um outro documento anterior.

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Acredita-se que essa divisão se deu por volta de 150 d.C., devido à formação do

cânon neotestamentário.193

Provavelmente, o evangelista não tenha atribuído um título a

esse segundo livro. Somente, quando o Evangelho de Lucas foi separado dessa segunda

parte do livro e posto junto aos três demais Evangelhos (Mateus, Marcos e João), é que

houve a necessidade de intitular o segundo volume (CARSON, 1997, p. 203). Já o segundo

escrito – os Atos - foi posto antes das epístolas paulinas.

É bem provável que Lucas almejasse que os seus dois escritos fossem lidos e

considerados como uma única composição (cf. At 1. 1). Na verdade, o conteúdo dos Atos

se inicia onde o Evangelho de Lucas finaliza, isto é, com o período pós-ressurreição e

ascensão de Cristo.

Marguerat pontua que esta narrativa de cinquenta e dois capítulos – adicionando o

Evangelho e os Atos194 - representa a quarta parte de todo o Novo Testamento. O escrito

193

Na tríplice divisão do Novo Testamento em livros históricos, didáticos e proféticos, os Atos dos

Apóstolos, juntamente com os quatro Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), é classificado como livro

histórico. 194

É bom destacar que o papiro era uma planta que crescia em profusão nos alagadiços do Egito. Em 2.500

a.C., o caule do papiro era cortado em tiras finas e longas, posto em uma superfície plana e, depois,

encharcado de água. Então, uma segunda camada era posta de modo transversal sobre a primeira. Depois

desse procedimento, as duas camadas eram comprimidas uma contra a outra, a fim de formar uma única folha.

Essa secava, finalmente, ao sol; considera-se como sendo um último procedimento a raspagem com uma

concha ou osso para extrair as asperezas; então, estava pronta para ser utilizada para escrever. Ressalte-se que

o tamanho das folhas sofria variações de acordo com a necessidade. Um tamanho médio media de 23 a 28 cm

de comprimento e 15 a 23 cm de largura. Se fosse preciso, as folhas eram unidas de modo a formar um rolo

longo, que mediria cerca de 4 m de comprimento. Reto é o nome que se dá ao lado em que a fibra corria

verticalmente e que era, normalmente, utilizado para a escrita. O lado de trás da folha, que não era utilizado,

normalmente, para escrever devido à sua aspereza, era denominado de verso. Possivelmente, essa seja uma

explicação plausível de determinadas referências bíblicas, onde se ler ―escrita por dentro e por fora‖ (Ez 2. 10;

Ap 5.1). Sublinhe-se que, se o seu uso para a redação fosse para fins comuns, folhas pequenas de papiro eram

utilizadas; se fosse para fins literários, o rolo comprido era utilizado. O livro de Lucas, por exemplo, exigiria

um rolo de cerca de 9 m de comprimento. Supõe-se que um rolo desse porte pudesse ser apropriado, a fim de

que fosse manuseado de modo adequado pelo leitor. Assim, Lucas, provavelmente, dividiu sua história em

dois rolos; Paulo teria escrito suas epístolas em rolos e papiros; em uma passagem bíblica, o apóstolo pediu a

Timóteo que levasse ―os rolos‖, taV bibliva, especialmente, ―os pergaminhos‖, taV membravna (2 Tm 4. 13).

Esses ―rolos‖ eram, provavelmente, os rolos de papiro (THOMPSON, 2006, p. 476). Cavallo e Chartier

pontuam que, no diálogo platônico Fedro, se apresenta ―um jogo de palavras‖, onde o verbo kulindei~tai, ―rolar‖, diz respeito ao livro em formato de rolo que, ―em seu itinerário até o leitor, ―rola‖, metaforicamente,

em todas as direções, enquanto o ―falar‖, levgein, remete apenas à leitura oral, em voz alta‖ (CAVALLO,

CHARTIER, 2002 a, p. 9). kulindei~tai meVn pantacou~ pa~ lovgo o&moivw paraV toi~~ e*paiv>ousin, w& d’

au@tw par’ oi% ou*deVn proshvkei, kaiV ou*k e*pivstatai levgei oi% dei~ ge kaiV mhv. Cada palavra rola em

todas as partes, de modo semelhante, para perto daqueles que entendem, como também, da mesma maneira,

para perto daqueles que não se interessa(m) e não sabem falar àqueles que convêm (falar) ou não (PLATO.

Phaedrus 275 e). Acredita-se que o códice de conteúdo literário seja uma invenção romana. O livro em

formato de ―rolo‖, oriundo do mundo helenístico, a partir do século II d.C., começa a entrar em declínio até o

domínio total do códice. Cavallo destaca que os cristãos do Oriente e do Ocidente, rapidamente, empregaram

o códice. A maior parte dos livros, contendo as doutrinas cristãs é, desde o início, desse tipo. Entrementes, o

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lucano é conhecido pelo nome de ―Lucas-Atos‖195

, para que houvesse uma lembrança de

que o texto dos Atos não deve ser lido sem a recordação do Evangelho (MARGUERAT,

2003, p. 13).

- O Vocabulário Lucano

Koester oferece a seguinte assertiva a respeito da linguagem lucana: ―Nos Atos dos

Apóstolos, pela composição dos discursos, pela escolha da linguagem e pelo estilo

gramatical, Lucas demonstra que está atento ao nível de educação do falante (por exemplo,

o uso do optativo, um modo que havia desaparecido no vernáculo)‖ (KOESTER, 2005, p.

119).

Diz-se que Lucas é, dentre todos os evangelistas, aquele que dominava melhor o

grego, pois seu vocabulário é mais rico, conforme atesta a introdução dos Atos na Bíblia de

Estudo de Genebra:

O autor era, provavelmente, um gentio com educação formal, como

demonstra o estilo e o alto nível do grego utilizado tanto no Evangelho

quanto no livro dos Atos. Em algumas ocasiões, a linguagem grega

empregada chega a ser completamente clássica (Lc 1. 1-4). A abordagem

metódica do autor à escrita e o interesse pela pesquisa revelam os traços de

uma pessoa educada e de treinamento superior (BÍBLIA DE ESTUDO DE

GENEBRA, 1999, pp. 1269).

Pesquisadores, tendo por referência a terminologia dos Atos, confirmam não só a

variedade como também um vocabulário rico, quando comparado aos outros escritos

neotestamentários196

.

Fabris destaca que o livro dos Atos possui em torno de quinhentos termos que lhes

são peculiares, não ocorrendo esse fato nos demais escritos neotestamentários. Em relação

pesquisador lembra que ―não é preciso muito para deduzir que foram os cristãos que o inventaram: sob a

forma primitiva de tabuinhas, o códice já era, desde tempos antiquíssimos, conhecido no mundo romano‖

(CAVALLO, 2002 b, p. 91). 195

Henry Joel Cadbury foi o primeiro pesquisador a denominar ―Lucas-Atos‖ em 1927. É bom ressaltar que a

pesquisa deve a Henry Cadbury e, mais tarde, a Martin Dibelius, ―o impulso para explorar no plano literário e

teológico a unidade do díptico lucano‖ (MARGUERAT, 2003, p. 53). O termo ―díptico‖ é apropriado a

Lucas-Atos, se for pensado em dois painéis unidos por meio de uma dobradiça central, por exemplo, Lc 24 -

At 1, a ascensão de Jesus). Marguerat alerta para o fato de que é melhor considerar os Atos como sendo uma

sequência, ou melhor, um efeito do Evangelho (ibidem, pp. 71-72). 196

Certos livros do Novo Testamento grego estão em um nível literário maior do que outros, assim, há livros

mais bem elaborados do ponto de vista da estilística e das construções sintáticas como Hebreus, Atos, Lucas e

Tiago, e aqueles que estão escritos em um nível mais simples como o Apocalipse e as três epístolas joaninas.

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ao ambiente linguístico dos Atos: 90% dos vocábulos são atestados na LXX, e mais: 85%

do vocabulário correspondem ao de Plutarco; 65%, ao grego dos papiros.

Ora, o autor dos Atos emprega a língua grega em uso no seu ambiente tanto popular

como também literário, sendo influenciado, mais acentuadamente, pela versão grega dos

Setenta. Assim é que ―o confronto com a língua e o estilo do ambiente circunstante permite

definir as propriedades e sensibilidades linguísticas da obra em questão‖. Os pesquisadores

atestam que nos Atos, há um amálgama entre formas clássicas e correntes na língua popular

(FABRIS, 1996, p. 17).

- A Dedicatória a Teófilo e os Destinatários

Tanto o Evangelho de Lucas quanto os Atos dos Apóstolos foram dedicados a um

certo Teófilo:

Teófilo, um gentio que havia recebido instrução cristã (Lc 1. 4), parece ter

sido uma pessoa que dava suporte e proteção, uma espécie de benfeitor de

Lucas, aquele que dava suporte a Lucas; Teófilo teria providenciado o

sustento necessário à pesquisa e escrita dos dois livros. Como comparação,

sabemos que o historiador Josefo teve como patrocinadores os generais

Vespasiano e Tito, além de outros benfeitores, como, por exemplo, um certo

Epafrodito, a quem dedicou o seu livro Contra Ápio (BÍBLIA DE ESTUDO

DE GENEBRA, 1999, p. 1269).

Convém destacar que não se sabe muito bem se ―Teófilo‖ era uma pessoa particular

ou se o nome ―Teófilo‖ é usado de modo figurativo, tendo por destinatários todos ―aqueles

que eram amados por Deus ou amigos de Deus‖, conforme a etimologia da palavra197

.

Ora, a dedicatória a Teófilo (Lc 1. 1-4) faz lembrar a ligação existente entre o

narrador e seus leitores. Marguerat chama a atenção para o fato de a narratologia mencionar

um ―pacto / comunidade de leitura‖; naqueles excertos iniciais de um texto em que o autor

estabelece, logo no início, o modo como o relato deve ser lido como também o quadro

―dentro do qual sua obra deve ser entendida‖198

(MARGUERAT, 2003, p. 33).

197

Vocábulo composto por dois radicais nominais: Qeov (Deus) + Fivlo (amado, amigo) = ―amado por

Deus, amado / amigo de Deus‖. 198

Gérard Genette menciona a respeito de um ―peritexto‖ para fazer referência a tudo aquilo que ―pertence à

estratégia prefacial do autor‖, isto é, tudo aquilo que é anterior à narrativa propriamente dita, tendo, por

objetivo, orientar aos leitores (GENETTE apud MARGUERAT, 2003, p. 33).

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O estabelecimento de tal comunidade de leitura, sem equivalente na

historiografia greco-romana, revela mais uma vez a extrema originalidade

de Lucas, capaz de haurir ora da tradição historiográfica grega, ora da

tradição bíblica. Esse ecletismo surpreende o leitor desde o começo da obra:

depois de uma dedicatória (Lc 1. 1-4) no mais puro estilo helenístico, Lucas

passa sem transição para um texto em que abundam os septuagintismos

(e*gevneto e*n tai~ h&mevrai: Lc 1. 4 a). Essa aproximação não é apenas

cultural; teremos de aprofundar (mais adiante) essa proximidade que Lucas

compõe entre a cultura grega e a antiga cultura judaica, entre Roma e

Jerusalém. Lucas situa-se, exatamente, na confluência das correntes

historiográficas judaica e grega (MARGUERAT, 2003, pp. 34-35)199

.

Segue, subscrito, o proêmio do Evangelho lucano:

1 *Epeidhvper polloiV e*teceivrhsan a*natavxasqai dihvghsin periV tw~n

peplhroforhmevnwn e*n h&mi~n pragmavtwn, 2 kaqwV parevdosan h&mi~n oi&

a*p’ a*rch~ au*tovptai kaiV u&phrevtai genovmenoi tou~ lovgou, 3 e!doxe

ka*moiV parhkolouqhkovti a!nwqen pa~sin a*kribw~ kaqexh~ soi gravyai,

kravtiste Qeovfile, 4 i@na e*pignw~/ periV w%n kathchvqh lovgwn thVn a*sfavleian.

1 Posto que muitos colocaram as mãos para dispor uma exposição a respeito

dos acontecimentos cumpridos entre nós; 2 como as testemunhas oculares e

os servos da palavra nos transmitiram desde o princípio, 3 pareceu-me

também, depois de averiguar desde o início todas as coisas de modo seguro,

escrever-te consecutivamente (= em ordem), 4 para que conheças a segurança

a respeito das palavras, as quais foste ensinado. (Lc 1. 1-4)

É atestado, no proêmio, o emprego de um duplo pronome pessoal: ―Posto que

muitos colocaram as mãos para dispor uma exposição a respeito dos acontecimentos

cumpridos entre nós‖ (e*n h&mi~n), como as testemunhas oculares e os servos da palavra nos

(h&mi~n) transmitiram desde o início‖ (v. 1-2).

Assim é que a dedicatória, que inclui este duplo pronome pessoal, diz respeito aos

leitores, como uma ―comunidade / pacto de leitura‖, à qual o narrador também faz parte

(MARGUERAT, 2003, p. 33).

O livro dos Atos, igualmente, se abre com uma dedicatória ou pequeno proêmio (At

1. 1-2), ―quer apresentar-se ao público de leitores com a dignidade de uma obra literária‖

(FABRIS, 1996, p. 18).

199

Mais adiante, tem-se uma explanação a respeito de Lucas como ―historiador‖ neste mesmo capítulo.

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1 ToVn meVn prw~ton lovgon e*poihsavmhn periV pavntwn, w Qeovfile, w%n

h!rxato o& *Ihsou~ poiei~n te kaiV didavskein. 2 a!rci h% h&mevra

e*nteilavmeno toi~ a*postovloi diaV pneuvmato a&givou ou$ e*xelevxato

a*nelhvmfqh: 3 oi% kaiV parevsthsen e&autoVn zw~nta metaV toV paqei~n

au*toVn e*n polloi~ tekmhrivoi, di’ h&merw~n tesseravkonta o*ptanovmeno

au*toi~ kaiV levgwn taV periV th~ basileiva tou~ qeou~: 4 kaiV

sunalizovmeno parhvggeilen au*toi~ a*poV *Ierosoluvmwn mhV cwrivzesqai,

a*llaV perimevnein thVn e*paggelivan tou~ patroV h$n h*kouvsatev mou, 5 o@ti

*Iwavnnh meVn e*bavptisen u@dati, u&mei~ deV e*n pneuvmati baptisqhvsesqe

a&givw/ ou* metaV pollaV tauvta h&mevra.

1 Fiz o primeiro relato, ó Teófilo, a respeito de todas as coisas, as quais Jesus

começou a fazer e também a ensinar. 2 Até o dia em que, após ter dado

instrução aos apóstolos por meio do Espírito Santo, os quais escolheu, foi

elevado; 3 os quais também, após ele padecer, se apresentou vivo com muitas

provas; aparecendo a eles por quarenta dias e falando as coisas a respeito do

reino de Deus. 4 E fazendo refeição com os apóstolos, ordenou-lhes que não

se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual

―de mim ouviste‖. 5 Pois João batizou com água, mas sereis batizados com o

Espírito Santo não muito depois destes dias. (At 1. 1-5)

A utilidade da dedicatória é abrir um espaço para a leitura; a narrativa, que segue do

Evangelho e dos Atos, encontra o seu lugar dentro de um relacionamento feito de uma fé

compartilhada através de fatos que foram realizados entre eles (Lc 1.1) e dos fatos

compartilhados pela tradição (Lc 1. 2) (MARGUERAT, 2003, p. 33).

Apesar do díptico Lucas-Atos ter sido endereçado a um só destinatário, presume-se

que, com o tempo, era, depois, copiado por outras congregações, para alcançar uma ampla

divulgação200

. Citem-se, a observação de Cavallo & Chartier quanto ao papel da ―escrita‖ e

do ―livro‖:

O importante é insistir no fato de que, na época helenística, mesmo que

permaneçam formas de transmissão oral, o livro passa a desempenhar daí

em diante um papel fundamental. Toda a literatura de época depende agora

da escrita e do livro: a esses instrumentos são confiados a composição, a

circulação e a conservação das obras. (...) A filologia alexandrina, em suma,

impõe o conceito de que uma obra só existe se for escrita; obra é um texto

escrito e de que podemos nos apropriar graças ao livro que a conserva

(CAVALLO, CHARTIER, 2002 a, pp. 13-14). A época imperial marca

uma nova etapa nas práticas de leitura, devida, antes de tudo, ao progresso

200

É bom lembrar que o apóstolo Paulo ordenou que sua epístola aos Colossenses fosse, igualmente, lida na

congregação de Laodiceia e que os Colossenses lessem a que fora enviada aos Laodicenses (Cl 4. 16). A

propósito, a Epístola aos Laodicenses se perdeu, não constando no Cânon Neotestamentário.

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da alfabetização201

. O mundo doravante greco-romano – mesmo com

diferenças entre as épocas, entre centro e províncias, entre uma região e

outra e, dentro de uma mesma região, entre a cidade e o campo e entre uma

cidade e outra – torna-se um mundo de vasta circulação de cultura escrita

(ibidem, p. 17).

Fabris sublinha que, de qualquer forma, a língua e o estilo dos Atos colocam o leitor

em contato com as preferências culturais do autor e com os vários ambientes espirituais:

O escrito se dirige, diretamente, aos destinatários cristãos cultos, que já

conhecem o significado de alguns termos e expressões especializadas

referentes à sua experiência religiosa; fala a leitores que estão

familiarizados com os textos bíblicos traduzidos em grego; mas não exclui

um público mais vasto dos ―não-iniciados‖, que olham, com simpatia ou

admiração, o novo movimento religioso (FABRIS, 1996, p. 18).

- A Data da Composição

Quanto à data da composição dos Atos, há controvérsias. Se for levada em conta a

posição tradicional de que o autor do terceiro Evangelho é o mesmo dos Atos, pode-se

inferir que a data da composição dos Atos seja em torno dos anos 80, isto é, após a

composição do Evangelho (At 1. 1). Entrementes, foi deduzida, por alguns autores, uma

datação anterior, em torno dos anos 60-63 d.C., por causa do final abrupto dos Atos

(FABRIS, 1996, p. 33) 202.

Na verdade, Lucas não relata determinados fatos históricos relevantes, tais como a

perseguição de Nero contra os cristãos (64-68 d.C.) e a destruição de Jerusalém (70 d.C.). O

201

Entre os séculos I e II d.C., no mundo romano, houve um aumento considerável de leitores. Esse fato pode

ser ratificado pelas muitas cenas que retratavam a leitura, nos afrescos, nos mosaicos e nos baixos relevos da

época. Não obstante, Cavallo destaca que as formas de acesso que o público, provavelmente, tinha à leitura

nem sempre são claras (CAVALLO, 2002 b, pp. 76-77). E assim o pesquisador conclui: ―Nos primeiros

séculos do Império, o novo leitor não é mais aquele ―obrigado‖ a ler por força de suas funções enquanto

autor-escritor, técnico de uma profissão qualquer, funcionário civil ou militar, professor ou também simples

estudante; é um leitor ―livre‖, que lê por prazer, por hábito ou pelo prestígio da leitura. Trata-se, em suma, de

um novo público formado por pessoas que cultivam os gestos de leitura, independentemente do fato de serem

indivíduos alfabetizados, e até instruídos, cujas profissões não exijam qualquer ligação com a escrita‖

(ibidem, pp. 83-84). Michel de Certeau, assim, expõe a respeito da figura do leitor: ―(...) os leitores são

viajantes; circulam pelas terras alheias, nômades caçando furtivamente pelos campos que não escreveram,

arrebatando os bens do Egito para deles gozar‖ (CERTEAU apud CAVALLO , CHARTIER, 2002 a, p. 5). 202

Além do mais, no final dos Atos, Lucas apresenta as autoridades romanas como benevolentes para com o

cristianismo, atitude essa que mudou depois de 64 d.C. Assim, é bem provável que Lucas tivesse oferecido

essas informações, se tivesse escrito o livro depois de 64 d.C., mas escreveu, provavelmente, entre 60 e 63

d.C.

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médico também não menciona nenhum escrito paulino em Atos, o que sugere que tenha

sido escrito antes da divulgação das epístolas paulinas; Lucas, igualmente, não redige sobre

o processo, o julgamento ou a morte de Paulo (entre 66 e 68 d.C.), o que supõe que o

apóstolo ainda se encontrava vivo, quando Lucas coletava o seu material para a redação do

documento.

O livro dos Atos possui um estilo narrativo com início e fim definidos, mesmo que

Lucas tenha finalizado a sua escritura de modo abrupto, escrevendo a respeito de Paulo, que

estava preso há dois anos em Roma (At 28. 30-31). Mckenzie acredita que, quando a nova

mensagem chega a Roma, tida como o centro do mundo, talvez Lucas considerasse a sua

história já completa (MCKENZIE, 1983, p. 93).

Dignas de nota são as observações de Eusébio a respeito do tempo da redação dos

Atos e a mudança de atitude de Nero em relação aos apóstolos:

6 nu~n meVn oun e*piV th~ deutevra e*pistolh~ tw~n proV Timovqeon toVn Louka~n movnon gravfonti au*tw~/ sunei~nai dh~loi, kataV deV thVn protevran

a*pologivan ou*deV tou~ton: o@qen ei*kovtw taV tw~n a*postovlwn Pravxei

e*p’ e*kei~non o& Louka~ perievgraye toVn crovnon, thVn mevcri o@te tw~/

Pauvlw/ sunh~n i&storivan u&fhghsavmeno. tau~ta 7 d’ h&mi~n ei!rhtai

paristamevnoi o@ti mhV kaq’ h$n o& Louka~ a*nevgrayen e*piV th~ &Rwvmh

e*pidhmivan tou~ Pauvlou toV martuvrion au*tw~/ suneperavnqh: 8 ei*kov gev

toi kataV meVn a*rcaV h*piwvteron tou~ Nevrwno diakeimevnou, r&a~/on thVn

u&peVr tou~ dovgmato tou~ Pauvlou katadecqh~nai a*pologivan,

proelqovnto d’ ei* a*qemivtou tovlma, metaV tw~n a!llwn kaiV taV tw~n a*postovlwn e*gceirhqh~nai.

6 Por conseguinte, agora, Paulo, quando escreveu a segunda epístola a

Timóteo, mostrou que somente Lucas estava com ele, mas, em sua primeira

defesa, nem mesmo Lucas. Pelo que, provavelmente, (Lucas) escreveu os

Atos dos Apóstolos por aquele tempo, conduzindo a sua história até quando

Paulo esteve com ele. 7 Estas coisas foram ditas, sustentando para nós que o

martírio de Paulo não foi realizado durante sua permanência em Roma,

(quando) Lucas construiu sua história. 8 Parece que, seguramente, Nero

estando disposto a ser mais favorável no início, a defesa de Paulo teria sido

recebida mais facilmente no que diz respeito à sentença, mas, quando

avançou para resoluções iníquas, os apóstolos juntamente com outros foram

atacados (EUSEBIUS OF CAESAREA. The Ecclesiastical History 2.22.6-

8).

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- O Conteúdo Geral dos Atos e a sua Finalidade

Rowe destaca que o segundo volume de Lucas – os Atos – visa, nada menos, que a

construção de um modo de vida que vai contra os padrões de vida do mundo greco-romano.

Deste modo, seu trabalho literário é, nos termos de Frances Young e de outros, uma

narrativa de formação cultural (ROWE , 2009, p. 04).

Entrementes, há quem defenda que, ao ter em mãos os escritos lucanos, que o

evangelista narra uma história daqueles feitos que foram memoráveis, principalmente os

feitos ―pedrinos‖ e ―paulinos‖.

Digna de nota é a observação de Fabris:

No modelo dos livros que, no ambiente grego, narravam as gestas de

personagens famosos ou venerados, como Alexandre Magno, Aníbal,

Apolônio de Tiana etc., chamados exatamente ―Atos ou Gestas – em grego

práxeis - de Alexandre, de Aníbal‖ etc., também o livro cristão que

descrevia as aventuras dos protagonistas da primeira expansão cristã foi

chamado de ―Atos dos Apóstolos‖. No ambiente cristão do século II em

diante, vão se difundindo as coleções de episódios edificantes, centradas em

personagens ou grupos de homens venerados, denominadas ―Atos dos

mártires ... Atos de Pedro, de Paulo‖. Este livro, na leitura e meditação dos

cristãos e das Igrejas, excetuando-se alguns grupos heréticos dissidentes,

teve desde o início a importância dos Evangelhos. Destas páginas, durante

séculos, foram tiradas as informações sobre as origens da Igreja e os

exemplos para animar a fé e a perseverança dos cristãos. As peripécias de

Pedro e de Paulo, integradas a elementos extraídos dos Atos apócrifos,

fornecem tema para a arte cristã por diversos séculos (FABRIS, 1996, p.

14).

Entrementes, convém destacar que o conteúdo dos Atos não corresponde, com

precisão, a seu título, uma vez que não aborda todas as ações dos apóstolos, mas, somente,

de Pedro (capítulos 1-12) e de Paulo (capítulos 13-28). Por outro lado, não são os ―atos‖,

propriamente ditos, destes apóstolos que se encontram neste livro, mas antes a história da

difusão do Evangelho, de Jerusalém até Roma, enfocando o início do movimento cristão

(At 1. 4, 8; 8. 29, 39; 10. 19; 16. 6; 13. 2; 15. 28; 11. 28; 20. 23; 21. 4, 11).

Ora, podem-se extrair, pelo menos, algumas finalidades dos Atos: 1) o autor do

livro teria a pretensão de fazer uma reconstrução detalhada da história da Igreja e da missão

cristã; 2) este escrito tardio do século II teria o compromisso de fazer uma oposição entre o

judeu-cristianismo ―petrino‖ e o antilegalismo ―paulino‖; 3) o livro seria nada mais nada

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menos do que uma tentativa de fazer com que a nova religião obtivesse crédito diante das

autoridades romanas, a fim de obter os privilégios de religio licita, ―religião legítima /

lícita‖, nos mesmos moldes do judaísmo. Assim é que Lucas, ao fazer uma apologia do

Cristianismo, demonstra que a ―nova doutrina‖ não apresentava uma ameaça ao poderio

romano; 4) apresentar a defesa de Paulo, que estaria sendo julgado em Roma, por isso é que

Paulo teria um papel de destaque no livro. Esse, então, funcionaria como um discurso em

favor de Paulo, em seu processo diante das autoridades romanas, ou, ainda, contra os

ataques judaicos (FABRIS, 1996, p. 24). A propósito, a conversão paulina é narrada três

vezes (At 9. 1-19; 22. 6-16; 26. 12-18).

Haja vista a essas considerações, costuma-se dizer que o livro dos Atos possui um

caráter apologético, teológico e histórico.

Além dessas finalidades hipotéticas, há, ainda, aquela que se pode extrair do

proêmio do primeiro volume da obra lucana (Lc 1. 1-4). Entrementes, pode-se fazer uma

analogia entre essas palavras do proêmio do Evangelho com a do proêmio do segundo

volume (At 1. 1-2). Assim, infere-se que Atos possui a mesma finalidade exposta no

proêmio do Evangelho: oferecer, por meio de uma narrativa ordenada, a segurança e a

veracidade da mensagem cristã.

- O Material Discursivo dos Atos

Fabris atesta que, entre o material narrativo dos Atos, constatam-se os seguintes

gêneros: a) os relatos de milagre - incluindo os relatos de visões, cenas teofânicas – (At 7.

55-56; 5. 19-21; 12. 5-11; 9. 10-16; 10. 9-16; 16. 25-26; b) os relatos de viagens (At 17. 10;

13. 13-14; 14. 24-26; 28. 11-14; c) os relatos de missão (At 13. 1-3; 15. 22-29); d) a

descrição de episódios, relativamente, dramáticos, como o naufrágio do apóstolo Paulo, os

tumultos ou aglomerações nas praças e as cenas dos processos contra Paulo (At 14. 11-14;

16. 19-23; 19. 23-41; 23. 26-35; 25. 1-12; 27. 27-44; 28. 16; e) os sumários, espécie de

pausas, relativamente amplas, que ajudam a tomar o controle da situação, após alguns fatos

decisivos, e preparam os leitores para os desenvolvimentos posteriores da ação. Citem-se,

por exemplo: 1) três sumários maiores que dizem respeito à vida e à organização da

primeira comunidade em Jerusalém, nos quais se têm algumas informações tradicionais

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sobre a primavera da comunidade religiosa (At 2. 42-47; 4. 32-35; 5. 12-16); 2) vários

sumários menores a respeito do desenvolvimento da comunidade cristã e do progresso da

nova crença em vários lugares (At 2. 41-47; 4. 4, 31; 5. 14, 42; 6. 7; 11. 21-24; 12. 24; 13.

48-49; 19. 20); a perseverança e o regozijo de quem se converte (At 2. 46; 8. 4, 8, 39; 13.

48-52; 14. 6-7; 15. 35; 16. 34; 18. 11; 28. 30-31); e a edificação da congregação religiosa

(At 9. 31; 16. 5) (FABRIS, 1991, p. 20).

Essas sínteses rápidas, funcionam como se fossem ―pequenos flashes‖; são indícios

que sugerem ao leitor a conclusão de um bloco narrativo maior ou indicam o início de uma

nova seção, dando ―coesão e unidade literária ao tecido narrativo‖ (FABRIS, 1996, p. 21).

Ressalte-se que a narrativa dos Atos, em sua grande maioria, se constitui por

anacronias narrativas, mais precisamente analepses, uma vez que o narrador se volta ao

passado, como, por exemplo, para relatar os fatos correlacionados aos primórdios do

movimento cristão. Não obstante, podem-se depreender pequenas prolepses como, por

exemplo, o discurso narrativizado de Lucas, cujo profeta Ágabo ―previu‖ grande fome por

todo o mundo, profecia essa que, de acordo com o relato bíblico, se concretizou nos tempos

de Cláudio (At 11. 28). Não obstante, há outra ―narrativa profética‖ (At 21. 10-11), onde o

mesmo profeta ―previu‖ o sofrimento de Paulo em Jerusalém. É bom lembrar que o livro

dos Atos se inicia por uma prolepse representada pela promessa de Jesus Nazareno aos

onze discípulos (At 1. 8).

Em relação ao material discursivo dos Atos, citem-se, por exemplo: a) os discursos;

b) as orações; c) as cartas ou os documentos.

Os discursos203

, que fazem contraponto à narrativa, assumindo, muitas vezes, a

forma de prédicas, ocorrem com o desenvolvimento da ação, e desempenham,

possivelmente, a mesma função: sugerir ao leitor o significado mais profundo dos fatos ou

de um certo período histórico. Na verdade, esses discursos representariam uma amostra da

homilia ou da reflexão cristã no decorrer de diferentes ambientes ou situações (FABRIS,

1996, p. 20).

A propósito, as sequências narrativas, que são alternadas com os excertos

discursivos, revelam, no autor dos Atos, as qualidades de um escritor hábil e atento. Desse

modo, constatam-se algumas particularidades da técnica de composição dos Atos, como,

203

Mais adiante há uma exposição mais detalhada a respeito da presença dos discursos na narrativa dos Atos.

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por exemplo, a disposição simétrica ou paralelismo dos personagens e dos

acontecimentos204

.

As orações são encontradas em At 1. 24-26 e 4. 23-31.

Quanto às cartas ou documentos, destacam-se a carta enviada pelo Concílio de

Jerusalém às congregações (At 15. 22-35), ou ainda a carta de Claúdio Lísias ao procurador

Antônio Félix (At 23. 26-30) (FABRIS, 1996, p. 19).

Destacam-se também, na narrativa dos Atos, as repetições ou as duplicatas.

Conforme já foi exposto, a história da conversão e da vocação de Paulo é narrada três

vezes: em uma narrativa indireta (At 9. 1-19 a), e depois, em dois discursos paulinos: o

discurso diante dos judeus em Jerusalém (Atos capítulos 22-23) e o discurso diante de

Pórcio Festo e do rei Agripa II em Cesareia (At 26. 9-18). Fabris testifica que a habilidade

do escritor, que tende a evitar a monotonia sem renunciar ao seu método de retomada ou

repetição, consiste em variar, estilisticamente, as formulações, e em adaptar a repetição às

novas situações. O objetivo das repetições é destacar a importância de certos fatos ou a

função de um personagem ou de um tema205 (FABRIS, 1996, p. 20).

- A “Historiografia” Lucana

É fato que Lucas almejou escrever história206

; não obstante, não há unanimidade

entre os exegetas de que ele tenha sido um bom historiador (MARGUERAT, 2003, p. 14).

Fabris atesta que o livro dos Atos, mesmo sem a pretensão de se apresentar como

uma obra historiográfica, tem autoridade para reivindicar uma credibilidade também

204

Há um paralelo entre as figuras de Pedro e de Paulo: o discurso de Pedro aos judeus (At 3. 12-26) possui

correlação com o de Paulo (At 13. 16-41); a vitória de Pedro sobre a magia em Samaria (At 8. 18-24) tem

correlação com o episódio em que Paulo se coloca em oposição a um mago judeu (At 13. 6-12); a palavra

eficaz de Pedro, que ―cura‖ o coxo no Templo e ―ressuscita‖ Tabita em Jope, possui paralelos nas palavras e

gestos de Paulo, que ―cura‖ um coxo em Listra (At 14. 8-10) e ―ressuscita‖ Êutico em Trôade (At 20. 7-12).

Pode também haver um paralelo entre algumas situações e episódios dos Atos com as situações do Evangelho,

tais como o martírio de Estevão (At 7. 54-60) do qual se pode fazer um paralelo com o processo e a morte de

Jesus; e, ainda, a última viagem de Paulo a Jerusalém lembra a de Jesus para a sua morte (Lc 19. 28-44). Há,

então, correspondências simétricas com o objetivo de conduzir o leitor a uma reflexão ―sobre a unidade e a

continuidade do projeto divino que se desenvolve na história por etapas sucessivas‖ (FABRIS, 1991, p. 20). 205

Destaca-se também a conversão de Cornélio em Cesareia; as visões de Cornélio e de Pedro são narradas

mais de uma vez, em situações e com destaques diversos (At 10. 1-43; 11. 1-18). 206

É bom citar Detiènne, segundo o qual, para que seja realizado um bom trabalho, um determinado grupo de

estudos teria de ser composto não só por linguistas e antropólogos como também por historiadores e outros

estudiosos que fossem considerados imprescindíveis (DETIENNE, 2004, p.41).

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histórica. Desse modo, o autor escolhe e seleciona o material, o dispõe de acordo com um

esquema basicamente linear; e simplifica o enredo ou reordena os fatos (FABRIS, 1996, p.

32).

Ora, Paul Ricoeur atesta três tipos de historiografia: 1) uma história documentária,

que possui por escopo identificar os fatos constatáveis e verificáveis, como por exemplo:

Tito conquistou Jerusalém no ano 70 d.C.; 2) uma história explicativa, que faz uma

avaliação do acontecimento, tendo em vista o âmbito social, econômico ou político. Esse

tipo de história responde à seguinte pergunta: ―Quais repercussões tiveram para os judeus e

os cristãos a conquista de Jerusalém por Tito?‖; 3) uma historiografia, que faz uma releitura

do passado em narrativas fundadoras, narrativas essas que os povos necessitam para

construir sua compreensão de si mesmos. Esse tipo de historiografia dá ao historiador

condições de interpretar a conquista de Jerusalém pelas tropas romanas como uma punição

divina, por causa da infidelidade do ―povo eleito‖. Ricoeur denomina essa história de

poética (no sentido etimológico de ―fazer, criar‖).

Na verdade, esse tipo de história não está vinculado às mesmas normas que os

outros tipos supracitados e nem está submetida aos critérios de verificação do ―certo e do

errado‖, tal qual a história documentada; também não sustenta as várias hipóteses de

verificação tal qual a história explicativa. Entrementes, sua verdade está situada na

interpretação que se dá do passado e na possibilidade que o grupo tem de se compreender

no momento presente (RICOEUR apud MARGUERAT, 2003, p. 20).

O relato dos Atos possui certas características que pertencem ao tipo poético, e

outras, ao tipo documentário. Por um lado, pertencem ao tipo poético, uma vez que o

narrador relata, frequentemente, certas intervenções divinas: o ―poético do relato lucano

está na demonstração dessa administração divina da história‖207

(MARGUERAT, 2003, pp.

20-21). Por outro lado, o relato dos Atos apresenta nuances de um documentário com

informações topográficas, sociais e políticas; no decorrer de sua narrativa, há referências a

207

A Divindade se comunica com os apóstolos por meio de sonhos ou enviando seres angelicais; faz o número

de convertidos crescerem (At 2. 47; 5. 14; 11. 24; 12. 24); manifesta-se a Saulo / Paulo no caminho de

Damasco (At 9. 1-19); a Divindade criava situações, para que houvesse o encontro entre Pedro e Cornélio (At

10. 1-48); liberta, de modo milagroso, seus seguidores (At 12. 6-11; 12. 25 s.); destrói os inimigos de seus

fiéis (At 5. 1-11; 12. 21-23) etc.

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reis, a magistrados e a governadores208. Lucas foi mais detalhista nos Atos do que no

Evangelho, oferecendo muitas informações a respeito da missão paulina, do itinerário

percorrido por Paulo em suas viagens, das cidades visitadas, dos moradores, das

sinagogas209

etc.

Martin Dibelius, em um artigo de 1948, intitulou Lucas de der erste christliche, ―o

primeiro historiador cristão‖. De acordo com o pesquisador, Lucas ―tentou combinar num

texto significativo o que fora transmitido na comunidade com o que ele vivera

pessoalmente‖. Lucas também almejou ―tornar visível a orientação dos acontecimentos; das

histórias, ele fez uma história‖ (DIBELIUS apud MARGUERAT, 2003, pp. 23-24).

Alguns antigos dissertam, em seus escritos, a respeito do escopo da historiografia.

Dionísio de Halicarnasso destaca ―procurar as causas do que se passou‖, taV ai*tiva

i&storh~sai tw~n ginomevnwn (DIONYSIUS OF HALICARNASSUS. Antiquitates

Romanae 5. 56. 1).

Luciano de Samósata, em sua obra ―Como se deve escrever História‖ (Pw~ dei~

i&storivan suggravfein), destaca o objetivo peculiar da história: ―a revelação da verdade‖,

thVn th~ a*lhqeiva dhvlwsin (LUCIANO DE SAMÓSATA. Como se Deve Escrever

História, 9). Para o historiador de Samósata, o trabalho do historiador se resume em ―dizer

como o (fato) ocorreu‖, w& e*pravcqh ei*pei~n (ibidem 39); ―escrevo, pois, as coisas que vi,

não as que ouvi‖, Gravfw toivnun a$ ei^don, ou*c a$ h!kousa (ibidem, 29). E mais:

@En gaVr, w& e!fhn, tou~to i!dion i&storiva, kaiV movnh/ qutevon th~/

a*lhqeiva/, ei! ti i&storivan gravywn i!oi, tw~n deV a!llwn a&pavntwn

a*melhtevon au*tw~/, kaiV o@lw ph~cu ei% kaiV mevtron a*kribev,

208

Citem-se, por exemplo, Antipas (At 4. 27; 13. 1), Cláudio César Augusto (At 11. 28; 28.2), Nero (At 25.

21-25; 27. 1; 28. 19), o rei Agripa I (At cap. 12), Félix Antônio (At 23 e 24), Pórcio Festo (At 24. 27; At 25;

At 26) e o rei Agripa II (At 25 e 26). 209

Os três versículos, por exemplo, que descrevem a viagem de Trôade a Mileto (At 20. 13-15), são escritos

com muita exatidão e precisão, principalmente, as escalas em Assos, Mitilene, Quio e Trogílio. O narrador é

muito minucioso ao descrever o itinerário dos enviados (At 13. 4; 19. 21-23; 20. 36-38), a escolha certa do

percurso (At 20. 1-6, 13-15), o tempo de duração da viagem (At 20. 6, 15), as condições de hospedagem (At

18. 1-3; 21. 8-10) e as cenas de despedida (At 21. 5-7; 12-14). A narrativa sobre o naufrágio (cap. 27) possui

terminações náuticas precisas; e o narrador tinha também à sua disposição informações sobre a organização

administrativa do Império Romano: Filipos é denominada de colônia (kolwniva, At 16. 12), os praetores são

―estrategos‖ (strategoiv, At 16. 20); os magistrados tessalônicos, ―politarcas‖ (politavrcai, At 17. 8); o

procônsul Gálio (em Corinto), assim como Sérgio Paulo (em Chipre), recebem o título de a*nqupavto (At 18.

12; 13. 7 s).

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a*poblevpein mhV ei* touV nu~n a*kouvonta a*ll’ ei* touV metaV tau~ta

sunesomevnou toi~ suggravmmasin (...).

De fato, como eu disse: isto (é) próprio da história, e devem-se oferecer

sacrifícios, somente, à verdade. Se alguém escrever uma história, deve não

descuidar de todas as outras coisas e, em uma palavra: uma só medida e

metro exatos: olhar não para aqueles que, agora, ouvem, mas para aqueles

que, depois destas coisas, andarão juntos aos seus escritos (...) (LUCIANO

DE SAMÓSATA. Como se Deve Escrever História, 40).

A propósito, Luciano criticava ―uma narrativa fria e inconveniente para nós‖, e*

yucraVn kaiV ou*deVn h&mi~n proshvkousan dihvghsin (ibidem 28).

Políbio, por sua vez, escreve:

[ @Oti] th~ i&storiva i*divwma tou~t’ e*stiV toV prw~ton meVn au*touV touV

kat’ a*lhvqeian ei*rhmevnou oi%oiv pot’ a#n wsi gnw~nai lovgou, deuvteron thVn ai*tivan punqavnesqai par’ h$n h# dievpesen h#

katwrqwvqh toV pracqeVn h# r&hqevn.

O (objeto) peculiar da história é este: em primeiro lugar, saber as próprias

palavras pronunciadas no que diz respeito à verdade, as quais, antigamente,

poderiam ter sido (pronunciadas). Em segundo lugar, investigar a causa

pela qual aquilo que foi executado ou dito fez (com que os personagens)

alcançassem bom êxito ou fracasso210

(POLYBE. Histoires XII 25 b, 1).

E Cícero atesta:

62 Sed illuc redeo: uidetisne quantum múnus sit oratoris historia? Haud

scio na flumine orationis et uarietate maxumum; neque cam reperio usquam

separatim instructam rhetorum praeceptis; sita sunt enim ante óculos. Nam

quis nescit primam esse historia elegem, ne quid falsi dicere audeat? deinde

ne quid ueri non audeat ? ne quae suspicio gratiae sit in scribendo? ne quae

simultatis? 63 Haec scilicet fundamenta nota sunt omnibus. Ipsa autem

exaedificatio posita est in rebus et uerbis. Rerum ratio ordinem temporum

desiderato, regionum descriptionem; uolt etiam, quoniam in rebus magnis

memoriaque dignis concilia primum, deinde acta, postea euentus

expectentur, et de consiliis significari quid scriptor probet, et in rebus gestis

declarari nom solum quid actum aut dictum sit, sed etiam quo modo, et

quom de euentu dicatur, ut causae explicentur omnes uel casus uel

sapientiae uel temeritatis hominumque ipsorum non solum res gestae, sed

210

Políbio fez severas críticas ao historiador Tímaios de Tauromênio (352 a.C.-256 a.C.), que também foi

tirano na Sicília. Após ter sido expulso da Sicília por Agátocles, ele fixou residência em Atenas. Redigiu em

torno de 38 livros sobre a história siciliana, englobando tempos anteriores a 264 a.C.; escreveu ainda uma

história sobre o rei Épiro, Pirro (318-272 a.C.). De acordo com Políbio, Tímaios errou, ao criticar, de modo

enfático, os historiadores, os poetas e os autores em geral. A narração de Tímaios era repleta de sonhos, de

feitos extraordinários, o que aponta para uma superstição e apego ao maravilhoso, o que seria mais apropriado

às mulheres (POLYBE. Histoires XI 23-24).

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etiam, qui fama ac nomine excellant, de cuiusque uita atque natura

(CICÉRON. De Oratore II, XV, 62-63).

62 Vedes, porventura, quão grande é o trabalho do orador na história? Não

sei se o máximo em riqueza ou em diversidade de elocução; nem também a

encontro, em nenhum lugar, separadamente, a instrução dos preceitos dos

retóricos: na verdade, eles estão situados diante de nossos olhos. Não sabe

qual é a primeira regra da História, e nem o que de mentira ela ousa dizer?

Em seguida, o que de verdade ela não ousa? Ou que suposição de sabor

agradável 63 haja em sua escrita? Nem o que há de malícia? Naturalmente,

estes escritos são os fundamentos para todos; entretanto, a sua própria

formação foi fixada em fatos e discursos. A causa dos acontecimentos

requer a ordem do tempo e da descrição dos lugares; porque ela,

certamente, pretende, em primeiro lugar, narrar as memoráveis resoluções

acerca dos grandes acontecimentos, depois as façanhas, em seguida, os

eventos testemunhados, e o que o escritor aprova ser mostrado sobre as

resoluções, e ser proclamado acerca dos grandes feitos, não apenas o que

seja feito ou dito, mas também o modo como aconteceu; e como narra-se

sobre o evento, de que modo são interpretadas todas as causas, de

desventura, de sabedoria ou de temeridade, não só os feitos ilustres dos

próprios homens, mas também sobre a vida e índole deles e como em fama

e renome se excedem.

Willem Van Unnik, tendo, por referência, a obra supracitada de Luciano e a Carta a

Pompeu de Dionisio de Halicarnasso (redigida entre 30 e 37 a.C.), escreveu, em dez regras,

o código do historiador greco-romano: 1) a seleção de um assunto importante; 2) a utilidade

desse assunto para os destinatários; 3) ausência de parcialidade; 4) o relato bem construído

tanto no início quanto no fim; 5) coleção, de modo adequado, do material preparatório; 6) a

seleção e a variação no que diz respeito às informações; 7) a disposição e a organização

corretas do que se vai relatar; 8) a vivacidade na narrativa; 9) a descrição dos detalhes

topográficos deviam ser moderados; 10) a composição dos discursos deviam ser adequadas

ao orador e à situação retórica (VAN UNNIK apud MARGUERAT, 2003, p. 25).

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Conclui-se que o prefácio do Evangelho lucano (Lc 1. 1-4) situa o autor entre os

literatos helenistas de alto nível; o estudo de Loveday Alexander aponta que ―este estilo

prefacial pertence antes à prosa técnica (igualmente científica) (ALEXANDER apud

MARGUERAT, 2003, p. 25).

Lucas, para a realização de sua pesquisa, coletou, possivelmente, material não só

de experiências próprias mas também de fontes semíticas, dentro e fora da Palestina

(regra 5)211. Além do mais, o autor não foi um dos discípulos de Cristo, pois escreve

coisas que foram relatadas a ele por testemunhas (Lc 1. 2). Já, no proêmio dos quatro primeiros versículos de Lucas (Lc 1.1-4), atestam-se

três possíveis fontes que o autor se utilizou para que a sua investigação fosse digna de

crédito. Fontes essas que Cullmann enumera: a) narrações compostas anteriores a ele,

como, por exemplo, o Evangelho de Marcos; b) informações colhidas com as

testemunhas oculares (fontes orais essas que devem ter sido numerosas); c) a tradição

oral das pregações apostólicas. Destarte, Lucas dá mostras que é um ―intelectual

metódico, preocupado com a história‖ (CULLMANN, 1982, pp. 34-35). Entrementes,

Robinson destaca que Lucas, em sua época, se inspirou em duas fontes para redigir seu

Evangelho: Marcos e uma coleção de máximas que se perderam (também usada por

Mateus) e, normalmente, chamada de Q (ROBINSON, 1997, p. 505).

Tucídides, ao descrever os acontecimentos vinculados à guerra, buscou

apresentá-los após uma investigação detalhada, independentemente de ele ter sido uma

testemunha ocular ou não, com informações obtidas por diversos meios.

taV d’ e!rga tw~n pracqevntwn e*n tw~/ polevmw/ ou*k e*k tou~

paratucovnto punqanovmeno h*xivwsa gravfein ou*d’ w& e*moiV

e*dovkei, a*ll’ oi% te au*toV parh~n kaiV paraV tw~n a!llwn o@son dunatoVn a*kribeiva/ periV e&kavstou e*pexelqwvn.

As ações realizadas na guerra não (colhi) de nenhum

informante/investigador que encontrei por perto, nem julguei digno de

escrever como pensava, mas (ações essas), às quais tanto eu mesmo

estive presente quanto (soube) por parte dos outros, examinando tudo

211

Tanto o livro de Q quanto os escritos extracanônicos, como o Evangelho de Tomé, a Didasqué, os

livros dos Padres Apostólicos, os Atos dos Apóstolos apócrifos e o Evangelho de Pedro, chamaram a

atenção dos especialistas. O livro de Q era visto como um documento independente, anterior à redação

dos evangelhos. O livro de Q, a princípio, foi definido como um documento cujas fontes serviram para a

redação dos evangelhos de Mateus e Lucas, e não como um escrito com integridade própria. Acredita-se

que possuísse uma extensão de, aproximadamente, 225 versículos; tendo, por referência, o material que

Mateus e Lucas possuíam, o intitulado ―texto mínimo‖. Não obstante, se for levado em conta o material

que aparece em Mateus e que está ausente em Lucas, e vice-versa, o material de Q pode ser mais extenso

(MACK, 1994, p. 27).

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quanto fosse possível com exatidão a respeito de cada coisa

(THUCYDIDE. La Guerre du Péloponnèse I, XXII, 2).

Heródoto, considerado o ―pai da história‖ 212, no prólogo de sua obra, escreve:

&Hrodovtou Qourivou i&storivh a*povdexi h@de, w& mhvte taV genovmena e*x a*nqrwvpwn tw~/ crovnw/ e*xivthla gevnhtai, mhvte e!rga megavla te kaiV qwmastav, taV meVn @Ellhsi, taV deV barbavroisi a*podecqevnta, a*kleva gevnhtai, tav te a!lla kaiV di’ h$n ai*tivhn e*polevmhsan

a*llhvloisi.

Esta é uma exposição da investigação de Heródoto de Túrios, para que

os feitos não se tornassem esquecidos, com o tempo, (da memória) dos

homens; e para que as grandes e maravilhosas obras tanto dos gregos

quanto dos bárbaros não deixassem de se mostrar, tornando-se sem

glória; tanto as outras coisas quanto os motivos que guerrearam uns

contra os outros (HÉRODOTE. Histoires I, 1-5).

Convém lembrar o que a pesquisadora Maria Helena afirmou a respeito do

vocábulo i&storiva em Heródoto:

Precisamente, a palavra i&storiva surge no prefácio da sua obra, embora

não sozinha. Está ligada a outra, num conjunto que significa a ―exposição

das informações‖. Efetivamente, i&storiva é da família de i@stwr

(vocábulo já homérico, com o sentido de ―juiz de uma contenda‖, e que

também pode significar ―testemunha‖) e de oida (cujo sentido exato é

―eu sei porque vi‖, e que, de resto, tem o mesmo étimo indo-europeu que

o latim vidi). Há, portanto, a noção de inquirição feita através da

apreciação direta dos fatos (PEREIRA, 1993, p. 286).

A confrontação de Lucas-Atos com o conjunto das normas do historiador mostra

que o escrito lucano corresponde ao padrão da historiografia greco-romana. Na opinião

de Marguerat, no escrito lucano, encontram-se oito das dez regras. A transgressão da

primeira e da terceira regras apontam para a especificidade do projeto lucano. Lucas

observou as mesmas regras observadas também por grande parte dos historiadores do

judaísmo helenista, como, por exemplo, Flávio Josefo (MARGUERAT, 2003, p. 25).

A leitura do relato histórico deve ser útil para o público (regra 2), e Lucas sabia

bem disso, esse é um traço fundamental da historiografia greco-romana: a história deve

ter algum tipo de edificação. Assim é que a historiografia possui um papel importante

na educação. As obras de Tito Lívio, Dionísio de Halicarnasso, Salústio e Plutarco

ilustram esse moralismo intrínseco, segundo o qual a historiografia, e não somente a

biografia, deve propor ao leitor exempla positivos e negativos. O relato dos Atos está

repleto desses exemplos, citem-se Filipe (At 8. 4-8, 26-40), Barnabé (At 4. 36-37; 11.

212

De acordo com Cícero: Herodotum patrem historiae (CICÉRON. De Legibus 1. 5).

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24-26) e Lídia (At 16. 14-40) como exemplo positivo; Ananias e Safira (At 5. 1-11),

Simão (At 9. 43; 10. 32) e o mago, como exemplo negativo (MARGUERAT, 2003, pp.

25-26).

Uma construção bem feita (regra 4) e um relato bem ordenado (regra 7) são

atestados no prefácio lucano: o relato, que será exposto a Teófilo, estará em ―em

ordem‖, kaqexh~ (Lc 1. 3).

Luciano de Samósata diz o seguinte sobre o andamento do relato e sobre as

transições de um ponto a outro:

MetaV deV toV prooivmion, a*navlogon toi~ pravgmasin h#

mhkunovmenon h# bracunovmenon, eu*afhv te kaiV eu*avgwgo e!stw h&

e*piV thVn dihvghsin metavbasi. a@pan gaVr a*tecnw~ toV loipoVn sw~ma

th~ i&storiva dihvghsi makrav e*stin. w@ste tai~ th~ dihghvsew

a*retai~ katakekosmhvsqw, leivw te kaiVV o&malw~ proi>ou~sa kaiV

au*thV o&moivw w@ste mhV prou!cein mhdeV koilaivnesqai: e!peita toV

safeV e*panqeivtw, th~/ te levxei, w& e!fhn, memhcanhmevnon kaiV th~/ sumpeiplokh~/ tw~n pragmavtwn. a*povluta gaVr kaiV e*ntelh~ pavnta

poihvsei, kaiV toV prw~ton e*xergasavmeno e*pavxei toV deuvteron

e*covmenon au*tou~ kaiV a*luvsew trovpon sunhrmosmevnon w& mhV

diakekovfqai mhdeV dihghvsei pollaV einai a*llhvlai

parakeimevna, a*ll’ a*eiV tw~/ prwvtw/ toV deuvteron mhV geitnia~n movnon, a*llaV kaiV koinwnei~n kaiV a*nakekra~sqai kataV taV a!kra.

55 Depois do proêmio análogo aos assuntos, pequeno ou breve, seja

tanto suave quanto fácil de conduzir para a transição narrativa. Pois

todo o corpo restante da história é uma longa narrativa sem artifícios; de

tal sorte que, por meio das excelências da narrativa, seja posta em

ordem, tanto de modo fluído quanto igual, impelindo para diante, e

ainda que ela, semelhantemente, que não sobressaia e nem seja vazia.

Depois, a clareza seja florescente, resultando do estilo, como eu disse, e

do entrelaçamento dos assuntos. Pois, de fato, todas as coisas ficarão

acabadas e perfeitas; e, depois de finalizar o primeiro, conduzirá o

segundo ligado a ele e à maneira ajustada/adaptada de uma corrente, de

tal sorte que não fique cortada nem muitas narrativas sejam relacionadas

umas às outras. Mas sempre que o segundo não seja, somente, vizinho

do primeiro, mas que tenham comunhão e se entrelacem em suas

extremidades (LUCIANO DE SAMÓSATA. Como se Deve

Escrever História, 55).

Essa preocupação com a dispositio do relato é percebida na minuciosa

estruturação no relato dos Atos. Luciano enfatiza que o historiador deveria ―entrelaçar‖

as extremidades das sequências, para ter uma narrativa contínua, conforme o excerto

supracitado.

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Políbio diz que não seria difícil adquirir e ler a sua obra histórica, por mais que

os livros fossem de grande volume e extensos, pois eles estavam todos ―concatenados /

ligados‖ (POLYBE. Histoires III, 32)213

.

Gourgues chama a atenção para o encadeamento literário entre os capítulos 1-12 e

13-28 dos Atos. Tem-se, então, duas seções ―mescladas / entrelaçadas em suas

extremidades‖. De fato, ao invés de introduzir, de modo repentino, a figura de Paulo no

início do capítulo 13, Lucas começa a preparar a sua ―entrada‖ em cena, por meio de

fatos sucessivos, a partir do final do capítulo 7 em diante (GOURGUES, 1990, pp. 7-8)

214.

Luciano escreve a respeito dos acontecimentos / fatos e de como utilizá-los:

47 TaV deV pravgmata au*taV ou*c w& e!tuce sunaktevon, a*llaV

filopovnw kaiV talaipwvrw pollavki periV tw~n au*tw~n a*nakrivnanta, kaiV mavlista meVn parovnta kaiV e*forw~nta, ei* deV mhv,

toi~ a*dekastovteron e*xhgoumevnoi prosevconta kaiV ou$

ei*kavseien a!n ti h@kista proV cavrin h# a*pevcqeian a*fairhvsein h#

prosqhvsein toi~ gegonovsin. Ka*ntau~qa h!dh kaiV stocastikov ti

kaiV sunqetikov tou~ piqanwtevrou e!stw.

48 kaiV e*peidaVn a*qroivsh/ a@panta h# taV plei~sta, prw~ta meVn

u&povmnhmav ti sunufainevtw au*tw~n kaiV sw~ma poieivtw a*kalleV e!ti

kaiV a*diavrqrwton: eita e*piqeiV thVn tavxin e*pagevtw toV kavllo

kaiV crwnnuvtw th~/ levxei kaiV schmatizevtw kaiV r&uqmizevtw.

47 Ora, os próprios acontecimentos não se devem unir por casualidade,

mas de modo laborioso e sofrível, muitas vezes, examinando a respeito

dos mesmos e muito mais (os acontecimentos) presentes e de que se têm

notícias. Por conseguinte, caso contrário, (é preciso) confiar naqueles

que explicam com mais integridade, os quais não imaginariam extrair

ou adicionar nada aos acontecimentos por benevolência ou

animosidade. E, então, desde já, (é preciso) ser tanto hábil quanto apto

para dispor aquilo que seja mais persuasivo.

48 E quando todos (os acontecimentos) estiverem reunidos ou a

maioria, em primeiro lugar, deve-se entrelaçá-los (como) um memorial

e fazer um corpo, ainda, sem beleza e inarticulado; depois, ao colocá-los

em disposição, deve-se levá-(los) à beleza e colorir a elocução e adornar

213

%Hi kaiV touV u&polambavnonta duvskthton ei^nai kaiV dus<anav>gnwston thVn h&metevran

pragmateivan diaV toV plh~qo kaiV toV mevgeqo tw~n bivblwn a*gnoei~n monistevon (POLYBE. Histoires

III, 32). 214

No relato do martírio de Estevão, a narrativa diz que as testemunhas deixavam suas vestes aos pés de

Paulo (At 7. 58 b). Mais adiante, há mais informações sobre a atividade de Paulo como perseguidor (At 8.

1 a; 8. 3). Assim, o leitor já está preparado, quando acontece o relato da conversão de Paulo no capítulo 9

(v. 1-19). Outras informações sobre Paulo ocorrem, quando de sua estadia em Jerusalém, com os

apóstolos (At 9. 26-30) e na atividade paulina na comunidade de Antioquia (At 11. 25-30; 12. 25). Ora,

todos esses acontecimentos vão pontuando a última parte do ―ciclo de Pedro‖ (capítulos 1-12 dos Atos);

entrementes, no início do capítulo 13, pode-se passar ao ―ciclo de Paulo‖ (capítulos 13-28 dos Atos). A

propósito, a figura de Pedro, que se encontrava dominante, vai se exaurindo, pouco a pouco, até

desaparecer no capítulo 15.

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com figuras e marcar o ritmo (LUCIANO DE SAMÓSATA. Como se

Deve Escrever História, 47-48).

Marguerat acredita que Lucas, após fazer uma ―colagem dos documentos

consultados‖, reescreveu tudo. Apesar de Lucas ser detalhista, não se encontra nenhum

excesso no que diz respeito aos detalhes dos itinerários nos Atos (MARGUERAT,

2003, p. 28).

Em relação à seleção e à vivacidade / variedade narrativas (regras 6 e 8), ―Lucas

varia seu estilo e seus efeitos. Esse cuidado com a vivacidade, a e*navrgeia no texto

escrito, corresponde à função de diversão do leitor‖ (MARGUERAT, 2003, p. 27).

Apesar de Lucas ser, em determinados relatos itinerários, detalhista, conforme já

foi visto, não demonstra excesso (regra 9). Luciano defendia também a ideia de que as

indicações topográficas deveriam ser retratadas de modo moderado:

Mavlista deV swfronhtevon e*n tai~ tw~n o&rw~n h$ teicw~n h#

potamw~n e&rmhneivai w& mhV duvnamin lovgwn a*peirokavlw

parepideivknusqai dokoivh kaiV toV sautou~ dra~n pareiV thVn

i&storivan, a*ll’ o*livgon prosayavmeno tou~ crhsivmou kaiV safou~ e@neka metabhvsh/ e*kfugwVn toVn i*xoVn toVn e*n tw~/ pravgmati kaiV thVn

toiauvthn a@pasan licneivan, oi%on o&ra~/ kaiV @Omhro o&

megalovfrwn poiei~: kaivtoi poihthV w#n paraqei~toVn Tavntalon kaiV

toVn *Ixivona kaiV toVn TituoVn kaiV touV a!llou.

Deve-se ser moderado nas descrições das montanhas ou das muralhas

ou dos rios, de modo que tu não pareças demonstrar o poder dos

discursos de modo grosseiro e realizar a ti próprio em detrimento da

história, mas após ter exposto, de modo breve em favor da boa

qualidade e da clareza (do relato), que possa passar ligeiramente,

fugindo da armadilha (que há) nessa ação e toda tal guloseima, que vês;

Homero, o que tem sentimentos generosos, ainda que sendo poeta,

passa por Tântalo, Ixíon, Títio e outros (LUCIANO DE SAMÓSATA.

Como se Deve Escrever História, 57).

Marguerat indaga que o ―assunto bom‖ (no caso, o ―assunto interessante‖ da

regra 1), para um historiador clássico, seria a respeito da história política ou militar ou

da pesquisa etnográfica, e pontua:

Ele narra a vida e as vicissitudes dos grandes, sejam generais ou

imperadores. Mostra o seu brio, descrevendo operações de conquista,

relatando batalhas. Luciano, sempre ele, chega até a ironizar os

historiadores que não sabem narrar as batalhas215

. Certamente, o

215

Cf. LUCIANO DE SAMÓSATA. Como se Deve Escrever História, 28-29.

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assunto escolhido por Lucas não é pequeno, pois nosso autor insiste em

dizer que ―não foi em um recanto escondido que estes fatos

aconteceram‖ (At 26. 26216

) e, sempre que pode, ele situa seu relato

dentro da história mundial (Lc 3. 1217

). Todavia, suas Pravxei, suas res

gestae não são consagradas ao grande Alexandre (Calístenes) nem a

Ciro (Xenofonte) nem ao destino de gregos e bárbaros (Teopompo) nem

ao povo romano (Salusto) (MARGUERAT, 2003, p. 30).

Aquilo que isso seja desprezível e sem importância para um historiador grego,

não o é para a historiografia judaica: os escritos históricos da Bíblia se dedicam à

narrativa de como a Divindade intervém nas venturas e nas desventuras de um simplório

povo.

Lucas, vendo-se na encruzilhada das tradições historiográficas

helenista e judaica, optou, quanto ao assunto, pela linha judaica.

Lucas, porém, embora se moldando aos processos narrativos

greco-romanos, segue os historiadores bíblicos na escolha de seus

temas (MARGUERAT, 2003, pp. 30- 31).

Marguerat sublinha que Lucas transgrediu a primeira regra listada por Van

Unnik.

Acredita-se que Lucas tenha transgredido o êthos dos historiadores greco-

romanos por causa da tradição bíblica: é a parrhsiva, interpretada como uma ―virtude

de franqueza, de audácia em proclamar a Palavra da Divindade e de liberdade de

expressão‖. Lucas dá um papel de destaque à parrhsiva dos apóstolos218.

Marguerat assim sublinha em relação a Lucas:

216

Esta referência bíblica costitui um excerto de um discurso paulino diante de Pórcio Festo e do rei

Agripa II: e*pivstatai gaVr periV touvtwn o& basileuV proV o@n kaiV parrhsiazovmeno lalw~,

lanqavnein gaVr au*toVn [ti] touvtwn ou* peivqomai ou*qevn: ou* gavr e*stin e*n gwniva/ pepragmevnon

tou~to. O rei, pois, conhece, a respeito destas coisas a quem também falo com franqueza, pois estou

convencido que nenhuma destas coisas lhe é oculta. Pois as coisas realizadas não estão em segredo (At

26. 26). 217

*En e!tei deV pentekaidekavtw/ th~ h&gemoniva Tiberivou Kaivsaro, h&gemoneuvonto Pontivou

Pilavtou th~ *Ioudaiva, kaiV tetraarxou~nto th~ Galilaiva &Hrwv/dou, Filivppou deV tou~

a*delfou~ au*tou~ tetraarcou~nto th~ *Itouraiva kaiV Tracwnivtido cwvra, kaiV Lusanivou th~

*Abilhnh~ tetraarcou~nto. No décimo quinto ano do governo de Tibério César, Póncio Pilatos era

governador da Judeia, Herodes, tetrarca da Galileia; por conseguinte, seu irmão Filipe era tetrarca da

região de Itureia e de Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene (Lc 3. 1). 218

!Andre a*delfoiv, e*xoVn ei*pei~n metaV parrhsiva proV u&ma~ periV tou~ patriavrcou DauiVd (...).

Varões irmãos, vos convem dizer, com ousadia, a respeito do patriarca Davi (At 2. 29). Ver também: At

4. 13, 29, 31; 28. 31). Parrhsisavmenoiv te o& Pau~lo kaiV o& Barnaba~ eipan, &Umi~n h^n a*nagkai~on

prw~ton lalhqh~nai toVn lovgon tou~ qeou~ (...). Tanto Paulo quanto Barnabé, falando com ousadia,

disseram: ‗era necessário, em primeiro lugar, falar a vós a palavra de Deus (At 13. 46). Ver também

Parrhsiavzesqai: At 9. 27 s; 14. 3; 18. 26; 19. 8-9; 28.26).

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Sua leitura da história é de quem crê, Lucas entende a história como

teólogo, isto é, ele a entende como um tempo que, de antemão, pertence

a Deus. A diferença entre Lucas e os historiadores, biógrafos e

romancistas gregos, quanto à sua atitude diante do religioso, é bem

evidente. Nestes últimos, o recuo crítico é corroqueiro; eles tomam o

cuidado, sistematicamente, de se distanciar dos fenômenos

sobrenaturais que relatam aos leitores219

(MARGUERAT, 2003, pp. 31-

32). ―Os deuses têm o seu lugar‖, comenta Loveday Alexander, ―mas é

um lugar familiar e aceitável: oráculos divinos ou a Fortuna podem ser

invocados ocasionalmente para fazer o enredo avançar. Mas essas

coincidências não são, em si mesmas, ocasiões de ―se maravilhar‖, nem

para os personagens da narrativa, nem para os leitores. O contrário

acontece nos Atos, onde o leitor nunca é convidado a se distanciar das

manifestações sobrenaturais, e sim a com elas se maravilhar

(ALEXANDER apud MARGUERAT, 2003, pp. 31-32).

Marguerat destaca que a historiografia grega tem, por paradigma, Heródoto, e

―imita de seus escritos a persona do narrador, comentando o que relata‖. Tanto os

historiadores gregos quanto os judeus compreendem seu labor como sendo uma busca

pelo que é veraz, uma busca da ―história veraz‖, a*lhqhV i&storiva (MARGUERAT,

2003, p. 32). É bem provável que Lucas, devido à sua cultura, teve acesso à

historiografia grega. Assim é que se pode dizer que os dois escritos lucanos seguem os

moldes da historiografia grega no que diz respeito ao objetivo: averiguar as causas dos

fatos.

Não obstante, os gregos estabelecem uma verossimilhança dos fatos ocorridos,

enquanto que os judeus externizam a verdade de uma Divindade que rege o mundo. A

história judaica não admite a intrusão do narrador na historiografia hebraica; ―ele

desaparece atrás da palavra que transpõe em linguagem‖220 (MARGUERAT, 2003, p.

33).

219

É bom citar Luciano: KaiV mhVn mu~qo ei! ti parempevsoi, lektevo mevn, ou* mhVn pistwtevo

pavntw, a*ll’ e*n mevsw/ qetevo toi~ o@pw a#n e*qevlwsin ei*kavsousi periV au*tou~: suV d’ a*kivnduno

kaiV proV ou*devteron e*pirrepevstero. E, seguramente, se algum mito entra, deve ser dito, mas não

deve ser, totalmente, crível, mas ser posto no meio, a fim de que aqueles que desejarem, conjecturarão a

respeito dele; ora, tu não corras perigo e não te inclines nem para um lado nem para o outro (LUCIANO

DE SAMÓSATA. Como se Deve Escrever História, 60). 220

O historiador Flávio Josefo constitui uma exceção. Em sua obra Contra Ápio, apresenta longos

excertos de intervenções do autor, onde no segundo livro, Josefo refuta os argumentos de um certo Ápio:

―Mostrei no primeiro livro, ó virtuoso Epafrodita, a antiguidade de nossa nação, pelo testemunho dos

fenícios, dos caldeus, dos egípcios e mesmo dos gregos, respondendo ao que Manetom, Cheremon e

outros escreveram com tanta falsidade. Resta-me, somente, agora, convencer aqueles que me atacaram em

particular e responder a Ápio, embora eu duvide de que ele o mereça. Uma parte do que ele disse

assemelha-se às fábulas de que falei e o resto é tão malicioso e tão frio, que não temos necessidade de

grande discernimento para vermos que é obra de um homem ao mesmo tempo ignorante, maldizente e

sem honra (...). As palavras desse escritor são tão confusas que é difícil compreender-se o que ele quer

dizer. Na balbúrdia em que o põem os contra-sensos das suas mentiras, ora ele fala da saída de nossos

antepassados do Egito sem conformidade com aqueles dos quais eu mostrei a extravagância; ora ele

calunia os judeus que moram em Alexandria e ora censura nossas santas cerimônias e as outras coisas que

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141

- As “Seções-Nós” dos Atos dos Apóstolos

Loveday Alexander salienta que os Atos possuem uma ausência da ―voz do

autor‖; a pesquisadora considera esse fato como a ―assinatura da filiação lucana à

historiografia judaica‖ (ALEXANDER apud MARGUERAT, 2003, p. 33).

Atesta-se que o narrador não toma a palavra, assim não é visto como um

―narrador intruso‖. Na verdade, essas ―intromissões‖ se limitam ao proêmio (Lc 1. 1-4;

At 1. 1-5), como também nas intituladas ―seções-nós‖, supondo que seja, realmente,

Lucas (At 16. 10-17; 20. 5-15; 21. 1-18; 27. 1-44; 28. 1-15).

Na verdade, estes excertos, que se encontram na 1ª pessoa do plural, têm

despertado o interesse dos exegetas. Para estes, há a ―possibilidade de penetrar na

identidade do misterioso viajante, que se integra ao grupo dos companheiros de Paulo,

e, na esperança de colocar, assim, o autor dos Atos ao lado do grande apóstolo‖

(MARGUERAT, 2003, p. 34).

Marguerat sublinha que a identificação do pronome ―nós‖221, h&mei~, coletivo com

o ―eu‖ de Lucas (Lc 1. 3; At 1.1) seja considerada inapropriada, por alguns motivos: 1)

o ―eu‖ do autor não seria a mesma coisa que um ―nós‖ narrativo; 2) o ―eu‖ lucano é

extradiegético, mas o ―nós‖ dos excertos subsequentes é atribuído a um personagem

(coletivo) da narrativa, o grupo dos companheiros de Paulo, então, intradiegético; 3) o

―eu‖, atestado no proêmio, está fora da história contada, enquanto que o ―nós‖ não se

dirige, diretamente, ao leitor, uma vez que está intrínseco à história narrada. O

pesquisador, ainda, defende a ideia de que a utilização de h&mei~ significa nada mais que

uma espécie de ―procedimento de credibilização da narrativa, com a intenção de indicar

se referem à nossa religião (...)‖ (FLÁVIO JOSEFO. Apêndice: Resposta de Flávio Josefo a Ápio 2. 1).

Em 2 Macabeus, há também intervenções de um narrador ―intruso‖: 19

―Os fatos referentes a Judas

Macabeu e a seus irmãos, a purificação do grandioso Templo e a consagração do altar; 20

as guerras

contra Antíoco Epífanes e seu filho Eupátor; 21

as aparições vindas do céu em favor dos que,

generosamente, realizaram façanhas pelo judaísmo, a ponto de, embora poucos, devastarem todo o país e

porem em fuga as hordas bárbaras: 22

o fato de recuperar o Templo, afamado em toda a terra habitada, de

libertar a cidade e de restabelecer as leis que estavam para ser abolidas, tendo-lhes sido propício o Senhor

com toda a sua mansidão, 23

todos esses acontecimentos, expostos por Jasão de Cirene em cinco livros,

tentaremos sintetizá-los num só compêndio. 24

De fato, considerando a afluência dos números e a

dificuldade que existe, por causa da abundância da matéria, para os que desejem adentrar-se nos relatos

desta história, 25

tivemos o cuidado de proporcionar satisfação para os que pretendam apenas ler,

facilidade para os que se interessem por confiar os fatos à sua memória, utilidade, enfim, a todos cujas

mãos chegar este livro‖ (2 Mc 2. 19-25). Pontua-se que a intenvenção do narrador segue até o versículo

32. 221

Ora, em relação às três pessoas (do plural) do discurso, Fiorin salienta que o pronome nós não é a

multiplicação de objetos idênticos, mas a adição de um eu com um não-eu. O vós pode ser tanto o plural

de tu quanto a adição de tu, ele ou eles. Já o eles é a pluralização de ele (FIORIN, 2003, p. 60).

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sua origem dentro de um grupo do qual o narrador fez parte‖ (MARGUERAT, 2003, p.

34).

Os versículos subscritos atestam, somente, alguns desses empregos verbais e

pronominais da 1ª pessoa do plural, empregados222

.

13 &Hmei~ deV proelqovnte e*piV toV ploi~on a*nhvcqhmen e*piV thVn

^Asson e*kei~qen mevllonte a*nalambavnein toVn Pau~lon: ou@tw gaVr

diatetagmevno hn mevllwn au*toV pezeuvein. 14 w& deV sunevballen

h&mi~n ei* thVn ^Asson, a*nalabovnte au*toVn h!lqomen ei*

Mitulhvnhn, 15 ka*kei~qen a*popleuvsante th~/ e*piouvsh/

kathnthvsamen a!ntikru Civou, th~/ deV e&tevra/ parebavlomen ei*

Savmon, th~/ deV e*comevnh/ h!lqomen ei* Mivlhton.

13 Nós, indo na frente em direção ao navio, navegamos para Assos, de

onde estávamos prestes a receber a Paulo; Desse modo, estava ordenado

que ele fosse por terra. 14 Quando se reuniu conosco em Assos, após o

acolhermos, chegamos a Mitilene. 15 De lá, após termos navegado no dia

seguinte, chegamos diante de Quios. No outro dia, nos aproximamos de

Samos; no dia seguinte, chegamos a Mileto (At 20. 13-15).

Alguns autores, como Fabris, afirmam que se trata de um resíduo da fonte-

documento denominada ―diário de viagem‖, que podem ser, por exemplo, notas

pessoais que foram adicionadas à obra lucana (FABRIS, 1996, p. 28). Esta hipótese da

―fonte-nós‖ não quer dizer que haja, necessariamente, uma identificação entre o autor

dos Atos e o autor das ―seções-nós‖, companheiro de viagem de Paulo. Essa questão,

aliás, tem levantado uma discussão sobre o problema das ―seções-nós‖:

Alguns dos pesquisadores mais interessados em definir o gênero

literário dos Atos divisaram na alternância da primeira pessoa do plural

com a terceira a reprodução do modelo literário das ―memórias‖ de

viagem, das quais há exemplos na literatura clássica e também na

Bíblia, Esdras223

e Neemias224

. M. Dibelius, desde as suas primeiras

222

A propósito, essas seções apresentam uma narrativa bem detalhada, exata e com muitos nomes

pessoais e com dados cronológicos (At 18. 11; 19. 8-10; 20. 31; 24. 27; 28. 30). Citem-se, por exemplo:

*Ekavqisen deV e*niautoVn kaiV mh~na e$x didavskwn e*n au*toi~ toVn lovgon tou~ qeou~. Permaneceu por

um ano e seis meses, ensinando a palavra de Deus entre eles (At 18. 11). Não obstante, a narrativa mais

comum dos Atos ocorre, geralmente, na 3ª pessoa do singular ou do plural. 223

Citem-se, por exemplo: 31

―Partimos do rio Ahavá no dia 12 do primeiro mês para ir a Jerusalém; e a

mão de nosso Deus nos assistiu e nos livrou da mão de inimigos e salteadores do caminho. 32

E chegamos

a Jerusalém, onde repousamos por três dias. 33

E no quarto dia, foram pesados a prata, o ouro e os vasos

na Casa de nosso Deus pela mão de Meremot bem Uriá, o sacerdote; e com ele estavam os levitas Elazar

ben Pinhás, Iozavad ben Iehúa e Noadiá ben Binuí‖ (Ezrá [Esdras] 8. 31-33). 224

Citem-se, por exemplo: 11

Cheguei, pois, a Jerusalém, onde fiquei por três dias. 12

Junto com mais

alguns homens, levantei-me de noite, sem dizer a ninguém o que Deus havia inspirado meu coração a

fazer por Jerusalém. Salvo minha cavalgadura, não levava comigo nenhum outro animal. 13

Saí de noite

pelo portão do vale, passei por Em Hatanin (‗Fonte do Crocodilo‘) e por Sháar Haashpót (‗Portão do

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pesquisas sobre Atos, propôs e sustentou, com perseverança, para Atos

uma hipótese que teve muitos seguidores: à base das viagens

missionárias de Paulo há um documento escrito, que ele chama de

―itinerário‖, no qual são elencadas as etapas de viagem, a indicação

sobre a hospitalidade recebida, a atividade missionária, a fundação das

comunidades, a reação dos ouvintes e a partida. Outros autores, com as

suas pesquisas, trouxeram novas contribuições para precisar o gênero

literário do chamado ―itinerário‖ ou para integrar essa hipótese com a

da fonte suposta pelas seções-nós (FABRIS, 1996, p. 29).

De acordo com Drane, Lucas se utilizou de seu particular ―diário de viagem‖ em

determinadas seções do livro225

(DRANE, 2009, p. 249). Não obstante, Cullmann

lembra que, dentre os documentos que serviram de fontes para a escritura da segunda

parte, os exegetas acreditam que havia a existência de um ―diário‖, um ―jornal de

viagem‖ (CULLMANN, 1982, p. 49).

Marguerat, igualmente, sustenta a tese de que não é despropositado pensar em

uma retomada de um ―diário de viagem‖; o pesquisador considera importante constatar,

que o narrador ―fez questão, por quatro vezes, de se colocar na proximidade do herói

Paulo‖. O narrador se expõe em momentos importantes do itinerário paulino (At 16: a

entrada na Grécia; At 20: a ressurreição de Êutico em Trôade; At 21: a subida para

Jerusalém; At 27-28: a viagem para Roma) (MARGUERAT, 2003, pp. 34-35).

- Os Discursos “Lucanos”

Retornando ao assunto dos discursos, Fabris concede um determinado valor

histórico aos discursos nos Atos, atestados, largamente, no decorrer da narrativa.

Acredita-se que tenha 18 ao todo (1 / 4 de toda a obra), ou 24 (1 /3), se se levar em

conta as intervenções menores (FABRIS, 1991, p. 31).

Não obstante, Mckenzie atesta também um total de dezoito discursos nos Atos: o

discurso de Pedro (At 1. 15 ss; 2. 14 ss; 3. 12 ss; 4. 8 ss; 11. 5 ss); de Gamaliel (At 5. 34

ss); de Estevão, considerado o primeiro mártir cristão (At 7. 2-53); de Paulo (At 13. 16

ss; 14. 15 ss; 17. 22 ss; 20. 18 ss; 24. 10 ss; 26. 2 ss; 28. 17 ss); de Pedro e de Tiago (At

15); do escriba de Éfeso (At 19. 35 ss); de Tertulo (At 24. 2 ss).

Lixo‘) e contemplei as muralhas destruídas de Jerusalém e seus portões consumidos pelo fogo.

14 Passei

pelo portão da fonte e fui até o tanque do rei, mas por ali não conseguiria passar com o animal que eu

cavalgava. 15

Subi, então, pelo vale e (mais uma vez) contemplei a muralha; voltei, então, pelo portão do

vale e regressei (à cidade) (Ne 2. 11-15). 225

Tito foi outro nome cogitado para ser o dono desse diário, mas as possibilidades são remotas.

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Sublinhe-se que, em toda a narrativa dos Atos, há uma alternância entre

discursos narrativizados (cf. narrativa pura) (At 9. 7-9, 26-33; 11. 19; 12. 1-7; 25. 1-7) e

discursos imitados (cf. narrativa mimética ou encaixada).

O pesquisador lembra, ainda, que era um procedimento típico dos historiadores

clássicos a elaboração dos discursos, os quais teriam sido pronunciados pelos

personagens em determinadas situações críticas. Ele chama a atenção para o seguinte

fato:

Esses discursos não pretendem ser um registro daquilo que é dito: o

historiador os utiliza como veículo de suas próprias análises e de suas

próprias interpretações dos acontecimentos. Tucídides dizia que, quando

não possuía documentos sobre as palavras que haviam sido pronunciadas,

então escrevia aquilo que, em sua opinião, o orador podia ter dito na

ocasião determinada. Se os discursos de Lucas são desse tipo, ele não

violou nenhuma norma da historiografia antiga; com algumas

divergências de detalhe, Lucas apresenta os seus personagens fazendo-os

em seu estilo pessoal. Entretanto, algumas indicações sugerem que Lucas

construiu os seus discursos com base em algum registro esquemático do

seu teor. Os críticos modernos reconstróem o ensinamento primitivo do

Evangelho a partir dos discursos de Atos. Os discursos não são reflexões

e análises pessoais do autor, mas elementos constitutivos da história que

ele narra: com efeito, o objeto dessa história é, exatamente, a difusão do

Evangelho através da pregação. Quando os apóstolos falam, dizem aquilo

que lhes foi entregue (Lc 21. 15) (MCKENZIE, 1983, p. 95).

Possuindo, por paradigma, os historiógrafos antigos, Lucas intercalou

determinados discursos nos Atos dos Apóstolos226. Berger salienta que, como em toda

historiografia antiga, os discursos nos Atos possuem a mesma função: esclarecer,

motivar ou preparar as coisas decisivas. Na verdade, os discursos são um excelente

instrumento, para que o autor expresse suas reflexões (BERGER, 1998, p. 68).

Robinson aborda a questão nos seguintes termos: ―Os discursos em Atos não

dizem mais do que Lucas pensa que seus leitores precisam saber em cada momento

crítico‖. Os discursos são utilizados nos Atos, por exemplo, para relatar aquilo que um

orador havia dito (At 2. 40), para deixar que um orador fosse interrompido em certos

226

Tem-se como exemplo bem peculiar do judaísmo o livro dos Macabeus, com alguns discursos, por

exemplo: 49

―Aproximando-se os dias de sua morte, disse Matatias a seus filhos: Triunfam, agora, a

insolência e o ultraje e é o tempo da destruição e da cólera enfurecida. 50

Agora, pois, meus filhos, tende o

zelo da lei e dai as vossas vidas pela Aliança de nossos pais. 51

Recordai-vos dos feitos de nossos

antepassados em seu tempo e granjeareis uma glória esplêndida e nome imorredouro. 52

Abraão não

permaneceu acaso fiel em sua prova e não lhe foi isto atribuído como justiça? 53

José, no tempo da sua

angústia, observou a Lei e veio a ser o senhor do Egito. 54

Fineias, nosso pai, por ter demonstrado zelo

ardente recebeu a aliança de um sacerdócio eterno. 55

Josué, por ter cumprido sua palavra, tornou-se juiz

em Israel (...) (1 Mc 2. 49-68). Ver também: 3. 18-22.

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momentos adequados (At 2. 37; 4.1; 22. 22) e para inserir, nos discursos, exemplos

históricos (At 5. 36-37) (ROBINSON, 1997, p. 504).

Já ocorreram, por parte dos pesquisadores, discussões a respeito da origem dos

discursos. Alguns comentaristas antigos defendiam a ideia de que esses discursos não

eram uma transcrição verbal das prédicas, mas, provavelmente, de sínteses retocadas

pelo autor. Depois, o interesse pela análise literária colocou em evidência a questão de

qual seria a função desses discursos no conjunto da obra.

Fabris apresenta a seguinte afirmação: ―deve-se pensar numa tradição textual já

fixada por escrito; em outros casos, em tradições gregas elaboradas num ambiente

fortemente influenciado pela língua e cultura semítica‖ (FABRIS, 1996, p. 18).

A composição de vários discursos empregados nos Atos (regra 10) tornou-se

objeto de vários estudos.

Narrativamente, o discurso institui uma espécie de ―meta-relato‖ (relato

sobre o relato), pois deixa os personagens da história narrada

interpretarem os acontecimentos narrados (por exemplo, Pedro

interpretando, em 2. 14-36, a irrupção do Espírito no Pentecostes);

assim os discursos alimentam e aceleram o processo da interpretação do

relato pelo leitor. Mais tarde, chegaremos a ver sua força unificadora

dentro da narrativa (MARGUERAT, 2003, p. 28).

Os discursos dos Atos podiam ter a mesma função dos sermões que os

historiadores clássicos põem na boca dos protagonistas: externar o seu

estado de espírito ou a sua psicologia, ou pontualizar uma determinada

situação ou informar o leitor sobre argumentos indispensáveis para

seguir a trama dos acontecimentos. Encontram-se exemplos na história

de Tucídides e na obra de Flávio Josefo. Numa fase ulterior da pesquisa,

mais atenta às peculiaridades estilísticas e formais destas composições

dos Atos, sublinhou-se a sua uniformidade literária e a homogeneidade

lexical, estilística e teológica com o tecido narrativo (FABRIS, 1996, p.

31).

Lucas, para a composição de seus discursos, provavelmente, levou em

consideração o dogma de Tucídides227, conforme o excerto subscrito:

KaiV o@sa meVn lovgw/ eipon e@kastoi h# mevllonte polemhvsein h# e*n

au*tw~/ h!dh o!nte, calepoVn thVn a*krivbeian au*thVn tw~n lecqevntwn

diamnhmoneu~sai hn e*moiv te wn au*toV h!kousa kaiV toi~ a!lloqeVn

poqen e*moiV a*paggevllousin: w& d’ a#n e*dovkoun moi e@kastoi periV tw~n ai*eiV parovntwn taV devonta mavlist’ ei*pei~n, e*comevnw/ o@ti

e*gguvtata th~ xumpavsh gnwvmh tw~n a*lhqw~ lecqevntwn, ou@tw ei!rhtai.

227

Havelock pontua que ―aos olhos dos gregos, seu primeiro historiador foi Homero‖. Na verdade, as

epopeias homéricas exerceram influências em Hesíodo, nos líricos no século VII e se estendeu até

Aristóteles, no século IV (HAVELOCK, 1996, p. 31).

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Quanto ao discurso, que aqueles ou que estavam prestes a guerrear ou

que já estavam nela, era dificil recordar com a mesma precisão daqueles

discursos que foram ditos; tanto aqueles (discursos) que eu mesmo ouvi

quanto aos (discursos) anunciados a mim por outras fontes. Mas, da

mesma maneira, parece-me que cada um (dos oradores) diz mais a

respeito, sempre, das coisas apropriadas / convenientes, possuindo o

mais (próximo) possível o sentido geral dos discursos genuínos, do

mesmo modo que foi falado. (THUCYDIDE. La Guerre du

Péloponnèse I, XXII, 1)

Entrementes, Políbio defende a seguinte asserção:

[ @Oti] th~ i&storiva i*divwma tou~t’ e*stiV toV prw~ton meVn

au*touV touV kat’ a*lhvqeian ei*rhmevnou oi%oiv pot’ a#n w^si

gnw~nai lovgou. O (objeto) peculiar da história é este: em primeiro lugar, saber as

próprias palavras pronunciadas no que diz respeito à verdade, as quais,

antigamente, poderiam ter sido (pronunciadas) (POLYBE. Histoires

XII 25 b, 1).

Não obstante, Luciano transcreve a regra tucididiana:

#Hn dev pote kaiV lovgou e*rou~ntav tina dehvsh/ ei*savgein, mavlista meVn e*oikovta tw~/ proswvpw/ kaiV tw~/ pravgmati oi*kei~a legevsqw,

e!peita w& safevstata kaiV tau~ta. plhVn e*fei~taiv soi tovte kaiV r&htoreu~sai kaiV e*pidei~xai thVn tw~n lovgwn deinovthta. Ora, e, se alguma vez, tiver a necessidade de introduzir alguém que

pronuncie discursos, principalmente, que o modo como fale seja inato à

pessoa e ao discurso; depois, que essas mesmas coisas que sejam mais

claras. Assim, então, lhe é permitido pronunciar um discurso e

demonstrar a habilidade nos discursos (LUCIANO DE SAMÓSATA.

Como se Deve Escrever História, 58).

Marguerat destaca que Lucas ―aplica a regra tucididiana ao pé da letra‖, uma

vez que possui uma preocupação com a verossimilhança na reconstituição da retórica. A

linguagem que dá a seus personagens é correspondente aos ouvintes do discurso: o

grego de Pedro no Pentecostes (At 2. 14-36) é hebraizante, em contraponto o de Paulo

em Atenas (At 17. 22-31) é de um classicismo aticizante. Lucas põe na boca de seus

personagens certos assuntos e uma teologia de acordo com o ambiente descrito: Pedro,

no Pentecostes, utilizou as fórmulas da confissão de fé de um judeu-cristão-arcaico;

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Paulo, em Atenas, utiliza de uma estratégia missionária entre os não-judeus, como, sem

dúvida, era aplicada pela cristandade do tempo de Lucas‖.

A preocupação com a verossimilhança, portanto, levou o autor dos Atos

a procurar em sua documentação, ou em suas investigações junto às

comunidades, uma argumentação e um estilo oportunos. O que, muitas

vezes, se esquece é que a composição de um relato ―à maneira de‖ era

um exercício bem conhecido nas antigas escolas de retórica: a

prosopopeia. Os alunos deviam compor um discurso partindo do ponto

de vista de um personagem histórico ou mitológico, e como que usando

a sua voz, e o discurso tinha de ser adaptado a um determinado

auditório. Tudo indica que Lucas se tornou um mestre no exercício

dessa performance oratória (MARGUERAT, 2003, pp. 29-30).

É bom lembrar que Dionísio de Halicarnasso criticou Tucídides, não pelo fato dos

discursos do historiador serem fictícios, mas que os assuntos postos nos lábios de seus

personagens eram inapropriados (MARGUERAT, 2003, p. 30)228.

Além das críticas de Políbio a Tímaios já vistas, anteriormente, surge uma nova

crítica no que diz respeito às reproduções dos discursos feitas por Tímaios. Políbio

coloca, em dúvida, a veracidade desses discursos, uma vez que Tímaios passa a

impressão de ser como um aluno em uma escola de retórica, que faz tentativas de falar a

respeito de um determinado assunto (POLYBE. Histoires XII 25 a). Um escritor como

Tímaios ignora os discursos que, verazmente, foram feitos e as suas devidas causas, e

elabora, por si próprio, discursos muito longos, o que acaba por destruir as qualidades

da história (POLYBE. Histoires XII 25 b).

Seguem-se, no quadro subscrito, os quatro discursos paulinos miméticos,

reproduzidos pelo narrador primário:

228

A crítica se refere à composição da oração pronunciada por Péricles em Atenas. Na verdade, Dionísio

estava se referindo aos excertos do segundo livro (THUCYDIDE. La Guerre du Péloponnèse II, 60-64).

Dionísio acreditava que o tom e o estilo fossem inadequados em relação ao descontentamento da

população, que censurava Péricles por tê-la conduzido para a guerra. Destaca, ainda, que Tucídides devia

ter posto na fala de Péricles, quando ele estava em perigo, palavras humildes, para desvanecer a ira de

seus ouvintes (DIONYSIUS OF HALICARNASSUS. De Thucydide, 44-46).

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148

OS DISCURSOS

REPRODUZIDOS

PAULINOS229

A INTRODUÇÃO DOS

DISCURSOS REPRODUZIDOS

POR PARTE DO NARRADOR

PRIMÁRIO

A FINALIZAÇÃO DOS

DISCURSOS

REPRODUZIDOS POR

PARTE DO NARRADOR

PRIMÁRIO

1. O discurso em

Antioquia da Pisídia

(At 13. 14-41)

Nos versículos 14-16, tem-se a

introdução do narrador para

inserir o discurso na narrativa:

14 au*toiV deV dielqovnte a*poV

th~ Pevrgh paregevnonto ei* *Antiovceian thVn Pisidivan, kaiV

[ei*s]elqovnte ei* thVn sunagwghVn th~/ h&mevra/ tw~n

sabbavtwn e*kavqisan. 15 metaV deV thVn a*navgnwsin tou~ novmou kaiV tw~n profhtw~n a*pevsteilan oi&

a*rcisunavgwgoi proV au*touV

levgonte, 16 a*nastaV deV

Pau~lo kaiV kataseivsa th~/

ceiriV ei^pen (...).

14 Ora, eles230

, atravessando (ao

longo de) Perge, dirigiram-se para

Antioquia da Pisídia, e, entrando

na sinagoga em dia de sábado,

assentaram. 15 Então, após a

leitura da lei e dos profetas, os

chefes da sinagoga mandaram

dizer-lhes: ―Ó varões irmãos, se

há alguma palavra de exortação

entre vós para o povo, falai‖. 16 E

ainda, Paulo, após ter se levantado

e feito sinal com a mão, disse (...).

No versículo 42, o narrador

encerra o discurso nestes

termos:

42 *Exiovntwn deV au*tw~n

parekavloun ei* toV metaxuV savbbaton lalhqh~nai

au*toi~ taV r&hvmata tau~ta.

43 luqeivsh deV th~

sunagwgh~ h*kolouvqhsan polloiV tw~n *Ioudaivwn kaiV tw~n sebomevnwn proshluvtwn tw~/ Pauvlw/ kaiV

tw~/ Barnaba~/ oi@tine

proslalou~nte au*toi~

e!peiqon au*touV prosmevnein

th~/ cavriti tou~ qeou~.

42 Então, após eles terem

saído, pediam que fossem

ditas estas mesmas palavras no

sábado seguinte. 43 E ainda,

quando a sinagoga foi

dispersa, muitos dos judeus e

dos devotos prosélitos

acompanharam a Paulo e a

Barnabé, os quais,

conversando com eles, os

persuadiam a permanecer na

graça de Deus.

2. O discurso em

Listra para a

multidão (At 14. 14-

18)

Nos versículos 14 e 15, tem-se a

introdução do narrador para

inserir o discurso na narrrativa:

14 a*kouvsante deV oi&

a*povstoloi Barnaba~ kaiV

Pau~lo diarrhvxante taV

i&mavtia au*tw~n e*xephvdhsan ei*

toVn o!clon kravzontekaiV

levgonte (...).

No versículo 18, o narrador

encerra o discurso nestes

termos:

18 kaiV tau~ta levgonte

movli katevpausan touV

o!clou tou~ mhV quvein

au*toi~.

229

A exposição, nesta seção, dos discursos paulinos segue a ordem cronológica que é atestada no livro

dos Atos. 230

Em uma referência a Paulo e a Barnabé.

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149

14 Então, os apóstolos Barnabé e

Paulo, após terem ouvido,

rasgando as suas vestes exteriores,

correram para a multidão,

bradando 15 e dizendo (...).

18 E, falando essas coisas com

dificuldade, fizeram desistir as

multidões para que não lhes

sacrificassem matando a(s)

vítima(s).

3. O discurso no

Areópago de Atenas

(At 17. 22-34)

No versículo 22, tem-se a

introdução do narrador para

inserir o discurso na narrativa:

22 StaqeiV deV (o&) Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou Pavgou e!fh (...).

22 Então, Paulo, estando de pé, no

meio do Areópago, dizia (...).

Nos versículos 32-34, o

narrador encerra o discurso

nestes termos:

32 *Akouvsante deV a*navstasin nekrw~n oi& meVn e*cleuvazon, oi& deV eipan, *Akousovmeqav sou periV

touvtou kaiV pavlin. 33

ou@tw o& Pau~lo e*xh~lqen

e*k mevsou au*tw~n. 34 tineV

deV a!ndre kollhqevnte

au*tw~/ e*pivsteusan, e*n oi%

kaiV Dionuvsio o&

*Areopagivth kaiV gunhV

o*novmati Davmari kaiV

e@teroi su*n au*toi~. 32 Então, após terem ouvido

(a respeito) da ressurreição de

mortos, uns escarneciam,

outros disseram: ―te

ouviremos a respeito disso

também em uma outra

ocasião‖. 33 Deste modo,

Paulo saiu do meio deles. 34

E, ainda, alguns homens, se

associando a ele, creram, entre

os quais também Dionísio, o

Areopagita, e uma mulher de

nome Damaris e outros com

eles.

4. O discurso nas

escadarias da

Fortaleza Antônia em

Jerusalém (At 22. 1-

24)

Em Atos 21. 40, tem-se a

introdução do narrador para

inserir o discurso na narrativa:

40 e*pitrevyanto deV au*tou~ o&

Pau~lo e&stwV e*piV tw~n a*nabaqmw~n katevseisen th~/

ceiriV tw~/ law~/. pollh~ deV sigh~

genomevnh prosefwvnhsen th~/

&Ebrai?di dialevktw/ levgwn (...).

No versículo 22, o narrador

encerra o discurso nestes

termos:

22 !Hkouon deV au*tou~ a!cri touvtou tou~ lovgou kaiV e*ph~ran thVn fwnhVn au*tw~n

levgonte, Ai^re a*poV th~

gh~ toVn toiou~ton, ou* gaVr

kaqh~ken au*toVn zh~n. 23

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150

40 Ora, ele231

após ter permitido,

Paulo, estando de pé sobre os

degraus, fez sinal com a mão ao

povo. Então, grande silêncio foi

feito (quando) dirigiu a palavra

em dialeto hebraico, dizendo (...).

Após o breve proêmio de Paulo

em Atos 22. 1, o narrador

interrompe o discurso para fazer

uma observação que achou

importante no próximo versículo:

2 a*kouvsante deV o@ti th~/ &Ebrai?di dialevktw/ prosefwvnei

au*toi~ ma~llon parevscon

h&sucivan. kaiV fhsivn (...).

2 E ainda, quando ouviram que

lhes dirigia a palavra em dialeto

hebraico, demonstraram mais

tranquilidade. E dizia (...).

kraugazovntwn te au*tw~n kaiV r&ptouvntwn taV i&mavtia kaiV koniortoVn ballovntwn

ei* toVn a*evra, 24 e*kevleusen

o& cilivarco ei*savgesqai

au*toVn ei* thVn parembolhvn,

ei!pa mavstixin a*netavxesqai au*toVn i@na e*pignw~/ di’ h$n ai*tivan

ou@tw e*pefwvnoun au*tw~/.

22 Então, ouviram até esta

palavra dele e ergueram a voz

deles, dizendo: ‗Remova o tal

da terra, pois não convém que

ele viva‘. 23 Tanto eles

gritavam quanto

arremessavam as vestes e

ainda lançavam pó para o ar.

24 O comandante ordenou que

ele fosse conduzido para a

fortaleza, dizendo que ele

fosse interrogado com açoites,

para que conhecesse

completamente (o) motivo

pelo qual berravam daquele

modo (contra) ele.

A propósito, pode-se entender o artifício mimético dos discursos pelo viés da

sincronia, uma vez que é como se o orador estivesse falando naquele dado momento da

narrativa, isto é, simultaneamente aos fatos narrados pelo narrador.

É bom lembrar que se pode considerar a língua como um sistema que funciona:

1) em um momento temporal (sincronia); 2) ou analisada em sua evolução (diacronia)

(DUBOIS et alli, 1970, p. 181).

Como se infere do estudo da narratologia dos Atos dos Apóstolos, encontra-se

um narrador primário (Lucas) e um narratário, igualmente primário, Teófilo. Não

obstante, no decorrer de sua narrativa, o narrador insere determinados narradores

secundários que conduzem a narrativa e os narratários, igualmente, secundários.

Pode-se classificar o narrador primário dos Atos como um ―narrador onisciente‖

que conta a história de um ponto de vista superior (cf. narrativa de ―focalização

onisciente‖). Possui um domínio total e ilimitado de toda a história, conhecendo, com

detalhes, os fatos do presente, do futuro e, principalmente, do passado. Tem acesso às

231

Em uma referência ao comandante Cláudio Lísias.

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ações e aos pensamentos das personagens que aparecem em sua narrativa (At 2. 37,

43232; 3. 1-10; 8. 1; 9. 1-9, 23; 10. 17; 12. 9. 20. 16; 23. 12, 10). O médico também

revela o fim da história (At 5. 11; 8. 13, 40; 10. 48; 12. 19, 25; 14. 21233).

Lucas, assim, é um narrador extra-heterodiegético, distante daquilo que escreve,

isto é, ausente de certos acontecimentos. Entrementes, se for Lucas nos excertos das

―seções-nós‖, ele passa a ser um narrador extra-homodiegético que relata uma história,

da qual teve uma participação.

Não obstante, se for levado em conta que o ―nós‖ nos excertos das ―seções-nós‖

seja um personagem coletivo do relato, é classificado como ―intra-homodiegético‖.

Assim, não constitui um narrador totalmente alheio e distante daquilo que escreve (cf.

narrativa de focalização interna, quando a personagem é o sujeito da enunciação).

Teófilo é um narratário primário extra-heterodiegético, pois escuta, ou melhor,

lê uma história sem ter participado da mesma, uma vez que não há evidências da

presença de Teófilo no decorrer da narrativa dos Atos.

Destacam-se, ainda, na narrativa dos Atos, além das anacronias narrativas, os

discursos em forma de prédicas.

5.3 A Localização Temporal e Espacial dos Discursos Paulinos

- A Localização Temporal

Sampley destaca que, no tempo de Paulo, o mundo mediterrâneo foi,

primeiramente, helenizado, e, depois, romanizado.

A cidade de Roma era a c ap i t a l d o v a s to Im p é r i o R om an o . Em 499

a.C., já era considerada a principal cidade da região do Latium (Lácio). Roma, em 396

a.C., destruiu a cidade etrusca de Veii e continuou a sua expansão em direção ao interior

da Itália, até que, em 272 a.C., todo o sul da Itália já era dominado por Roma.

232

a*kouvsante deV katenuvghsan thVn kardivan ei^pon te proV toVn Pevtron kaiV touV loipouV

a*postovlou, Tiv poihvswmen, a!ndre a*delfoiv; Ora, após terem ouvido, sentiram o coração

transpassado e disseram a Pedro e aos demais apóstolos: ‗Varões irmãos, o que faremos?‘ (At 2. 37);

*Egevneto deV pavsh/ yuch~/ fovbo, pollaV te tevrata kaiV shmei~a diaV tw~n a*postovlwn e*gevneto. Em

toda alma havia temor e muitos prodígios e sinais havia entre os apóstolos (At 2. 43). 233

Eu*aggelisavmenoiv te thVn povlin e*keivnhn kaiV maqhteuvsante i&kanouV u&pevstreyan ei* thVn

Luvstran kaiV ei* *Ikovnion kaiV ei* *Antiovceian. Após terem pregado naquela cidade e terem feito

muitos discípulos, retornaram para Listra, para Icônio e para Antioquia (At 14. 21).

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Koester conceitua o Império Romano234 como ―uma liga de cidades, com Roma

na liderança‖, sendo as cidades, ―a espinha dorsal política e econômica do Império

Romano‖. A urbanização foi uma preocupação de muitos imperadores, principalmente

de Augusto e de Vespasiano. Cidades como Rodes e Tarso eram consideradas ―cidades

aliadas livres‖, uma vez que possuíam o direito de cobrar seus próprios impostos, e

estavam também isentas da tributação imperial; além de poderem governar a si próprias

de acordo com suas leis (KOESTER, 2005, p. 335).

A propósito, depois de dominar a bacia do Mediterrâneo por, aproximadamente,

mais de quatro séculos, o Império Romano começou a entrar em declínio e começou a

ser pressionado por outros povos.

A divisão do Império Romano, em duas partes, foi feita pelo imperador

Dioclesiano (284-305 d.C.). Assim é que o imperador Constantino fundou, em 11 de

maio de 330 d.C., a cidade de Constantinopla, onde, atualmente, é Istambul,

considerada a ―segunda Roma‖. Em 410 d.C., Roma foi conquistada por Alarico, o

Godo. A cidade de Constantinopla, a capital do Império Bizantino, sobreviveu por mais

de mil anos, até ser subjugada pelos turcos em 1453.

Ferguson sublinha que ―Roma converteu o Mundo inteiro (orbem) numa só

cidade (urbem)‖ (FERGUSON, 1973, p. 36).

A política romana, bastante pragmática, deixava seguir a prática das religiões

autóctones, ainda mais se estas fossem antigas e estabelecidas onde eram cultuadas; por

outro lado, as autoridades romanas não deixavam de considerar suspeitas as novas

religiões. Rowe, inclusive, enfatiza que ―religião e política, por exemplo, não são duas

coisas separadas na antiguidade greco-romana, se entrelaçam para formar um modelo de

vida coerente‖ (ROWE, 2009, p. 7).

Há uma necessidade em considerar o êthos judaico de Paulo e, simultaneamente,

seu êthos greco-romano, já que ―todos os judaísmos na época do início do Cristianismo

já estão helenizados; já estão marcados até certo ponto pelo onipresente influxo do

mundo greco-romano e por seu êthos”.

O mundo greco-romano era o mundo de Paulo, e por isso, não se pode dizer que

Paulo ―tomou emprestada‖ esta ou aquela tradição, convenção ou prática romana; do

mesmo modo, não se deve utilizar expressões que sugiram que o apóstolo esteja

―adotando‖ os modos característicos de um romano. Por consequência, Paulo

234

Convém lembrar que os períodos históricos de Roma podem ser divididos em três: a Realeza (753-509

a.C.), a República (509-43 a.C.) e o Império (43 a.C.-476 d.C.).

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apresenta-se, de fato, como um judeu, e um judeu romano, no ecúmeno do Mediterrâneo

Oriental de sua época. Assim é que Paulo conhece, de modo perfeito, as convenções e

as práticas de seu tempo (SAMPLEY, 2008, pp. XVI-XVIII).

Não obstante, tendo por referência as epístolas autênticas, as deuteropaulinas e as

informações extraídas do livro dos Atos, pode-se obter uma ideia das principais

localidades onde Paulo e seus associados teriam atuado (MEEKS, 2011, p. 97) (ibidem,

p. 101).

Hengel destaca que o fio condutor para qualquer história do cristianismo

primitivo foi, justamente, a expansão da fé cristã pelo Mediterrâneo, durante os

primeiros cento e vinte anos (HENGEL apud MEEKS, 2011, p. 46).

Stambaugh e Balch sublinham que ―por todo o Novo Testamento, as pessoas

acham-se em movimento‖ (Lc 1. 39-56; 2. 1-5235

; Jo 2. 13; 5. 1; 7. 1-10)

(STAMBAUGH, BALCH, 2008, p. 31). É bom lembrar que o apóstolo Paulo fez três

viagens missionárias com o objetivo de propagar a fé cristã (At 13. 1-14. 28; At 15. 36 -

18. 22; At 19).

Uma das características do Império Romano era, com certeza, o alto grau de

mobilidade no século I. Nesse tempo, as viagens se tornaram mais fáceis; todas as

cidades e províncias do Império eram ligadas por estradas. A vigilância militar fez com

que os perigos para os viajantes fossem reduzidos236. Havia a existência de uma mesma

moeda, que era aceita universalmente, e a unidade cultural helenístico-romana fazia

com que um viajante, que conhecesse o grego e o latim, fosse bem compreendido em

toda a parte (STAMBAUGH, BALCH, 2008, p. 31).

A rápida difusão do cristianismo pelas regiões da bacia do Mediterrâneo foi

facilitada, de vários modos, pela urbanização, que se iniciara antes de Alexandre, e teve

235 1

*Egevneto deV e*n tai~ h&mevrai e*keivnai e*xh~lqen dovgma paraV Kaivsaro Au*gouvstou

a*pogravfesqai pa~san thVn oi*koumevnhn. 2 au@th a*pografhV prwvth e*gevneto h&gemoneuvonto th~

Suvriva Kurhnivou. 3 kaiV e*poreuvonto pavnte a*pogravfesqai, e@kasto ei* thVn e&autou~ povlin. 4

*Anevbh deV kaiV *IwshVf a*poV th~ Galilaiva e*k povlew NazareVq ei* thVn *Ioudaivan ei* povlin

DauiVd h@ti kalei~tai Bhqlevem, diaV toV ei^nai au*toVn e*x oi!kou kaiV patria~ Dauivd, 5

a*pogravyasqai suVn MariaVm th~/ e*mnhsteumevnh/ au*tw~/, ou!sh/ e*gkuvw/. 1 Ora, aconteceu, naqueles dias,

que foi publicado um decreto de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. 2

Este primeiro

censo aconteceu quando Quirino era governador da Síria. 3 E todos foram para serem recenseados, cada

um em sua própria cidade. 4 E José subiu da Galileia, da cidade de Nazaré para a Judeia, a cidade de Davi

que também é chamada de Belém, pelo fato de ser ele da casa e da família de Davi, 5 para ser recenseado

com Maria, sua esposa, que estava grávida (Lc 2. 1-5). 236

Ora, no tempo do imperador Cláudio, por meio de seus procuradores, houve o conserto e a preservação

das estradas. Muitas dessas estradas foram utilizadas durante séculos, antes da expansão romana para o

Oriente; entrementes, a importância das estradas e a sua utilidade cresceram, devido ao planejamento

administrativo e à habilidade da engenharia dos romanos.

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154

um aceleramento durante os tempos imperiais helenista e romano (MEEKS, 2011, p.

67).

Ferguson sublinha que os movimentos dos povos, seja de modo voluntário ou

não, atingem um novo nível. Todos podiam viajar livremente, como nunca até então.

―Graças a Roma – escreve Ireneu, bispo de Lião, do fim do século II -, mesmo os

cristãos podem percorrer os caminhos sem receio, e viajar até onde quiserem‖. Na

verdade, os governantes helenistas abriram o mundo237 (FERGUSON, 1973, pp. 21-22).

Ora, a observação supracitada do helenista inglês faz ressoar a cena de

Pentecostes, ocorrida em Jerusalém, onde se encontrava uma grande variedade de povos

e de línguas238

:

5 ^Hsan deV ei* *IerousalhVm katoikou~nte *Ioudai~oi, a!ndre

eu*labei~ a*poV pantoV e!qnou tw~n u&poV toVn ou*ranovn. 6 genomevnh

deV th~ fwnh~ tauvth sunh~lqen toV plh~qo kaiV sunecuvqh, o@ti

h!kouon ei% e@kasto th~/ i*diva/ dialevktw// lalouvntwn au*tw~n. 7

e*xivstanto deV kaiV e*qauvmazon levgonte, Ou*c i*douV a@pante ou%toiv

ei*sin oi& lalou~nte Galilai~oi; 8 kaiV pw~ h&mei~ a*kouvomen e@kasto th~/ i*diva/ dialevktw/ h&mw~n e*n h%/ e*gennhvqhmen; 9 Pavrqoi kaiV Mh~doi

kaiV *Elami~tai kaiV oi& katoikou~nte thVn Mesopotamivan, *Ioudaivan te kaiV Kappadokivan, Povnton kaiV thVn Asivan, 10 Frugivan te kaiV

Pamfulivan, Ai!gupton kaiV taV mevrh th~ Libuvh th~ kataV

Kurhvnhn, kaiV oi& e*pidhmou~nte &Rwmai~oi, 11 *Ioudai~oiv te kaiV

proshvlutoi, Krh~te kaiV !Arabe, a*kouvomen lalouvntwn au*tw~n

tai~ h&metevrai glwvssai taV megalei~a tou~ qeou~. 12 e*xivstanto deV

pavnte kaiV dihpovroun, a!llon levgonte, Tiv qevlei tou~to einai; 13

237

Havia uma vigilância militar para combater os salteadores em terra e os piratas nos mares. Não

obstante, a viagem poderia se tornar difícil durante o inverno; de meados de novembro até o início de

março, onde viajar por mar era mais rápido e mais barato do que por terra. Acredita-se que um navio

antigo percorria cem milhas por dia. O correio oficial, que fora instituído por Augusto, tal qual o modelo

persa, fazia, aproximadamente, de vinte e cinco a trinta milhas diariamente, sendo incluídas as paradas

para as mudas por outros cavalos mais descansados. Os demais viajantes comuns, que faziam o percurso

montados em mulas, em cavalos ou em carruagens, levavam mais tempo para fazer o mesmo percurso. A

maioria, incluindo, provavelmente, Paulo e seus companheiros, teria de fazer o percurso a pé, o que

resultaria em muito mais tempo. As viagens por essas estradas tinham, por objetivos, as operações

militares, funções administrativas imperiais, a comercialização ou o progresso profissional; no caso de

Paulo, era a propagação do evangelho. O Império Romano tinha, aproximadamente, 85.000 km de

estradas. As estradas mais importantes possuíam de 6 a 8 m de largura e eram pavimentadas com pedras

assentadas sobre uma base de concreto, cascalho e argamassa. 238

Sublinhe-se que a situação econômica de Jerusalém influenciou no tráfico dos estrangeiros, uma vez

que a cidade atraía mercadores do mundo inteiro, especialmente, da Judeia e do resto da Palestina. Além

do mais, Jerusalém era ainda o centro da vida política judaica. Atestam-se, pelo menos, três características

da cidade que justificam o fascínio que exercia sobre os estrangeiros: Jerusalém era a antiga capital, a

sede do Supremo Tribunal e a meta das peregrinações para as festas. Na festa da Páscoa, já era hábito do

procurador romano vir de Cesareia para Jerusalém com grande escolta de soldados para exercer a justiça.

Pode-se dizer que a importância religiosa de Jerusalém foi decisiva na atração que exercia sobre os

estrangeiros. Assim, devido à importância de Jerusalém como centro da vida política judaica, o povo ia,

em grande número, para cuidar tanto de assuntos públicos quanto privados. Em Jerusalém, se encontrou

por muito tempo, o centro da cristandade mundial (Gl 2. 1-10) (JEREMIAS, 1983, pp. 106-108).

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155

e@teroi deV diacleuavzonte e!legon o@ti Gleuvkou memestwmevnoi

ei*sivn.

5 Judeus, homens piedosos de toda a nação dentre aquelas (que há)

debaixo do céu estavam habitando em Jerusalém. 6 Ora, quando este som

sobreveio, a multidão se reuniu e ficou estarrecida, pois cada um ouvia na

sua própria língua, eles falando. 7 E, ainda, ficaram espantados e (se)

admiravam, dizendo: Não vede (que) todos estes são falantes galileus? 8

E como nós ouvimos cada um (falar) em nossa própria língua em que

somos nascidos? 9 Partos e Medos e Elamitas e aqueles que habitam a

Mesopotâmia, tanto a Judeia quanto a Capadócia, Ponto e a Ásia, 10 tanto

a Frígia quanto a Panfília, Egito e as regiões da Líbia, junto de Cirene e

os Romanos habitantes; 11 Tanto Judeus quanto prosélitos, Cretenses e

Árabes, ouvimos eles falando das grandezas de Deus nas nossas

(próprias) línguas. 12 Então, todos estavam assustados e não sabiam o

que pensar, dizendo (um ao) outro: O que é isto? 13 Ora, outros,

zombando, diziam: Estão repletos de vinho novo239

(At 2. 5-13).

Interessante lembrar é que, quando Jesus Cristo estava na cruz, Pilatos escreveu

um título em letras gregas, hebraicas (diga-se aramaico240

) e latinas, isto é, foi uma

inscrição trilíngue:

19 e!grayen deV kaiV tivtlon o& Pila~to kaiV e!qhken e*piV tou~

staurou~: hn deV gegrammevnon: *Ihsou~ o& Nazarai~o o& BasileuV tw~n *Ioudaivwn. 20 tou~ton oun toVn tivtlon polloiV a*nevgnwsan tw~n

*Ioudaivwn, o@ti e*gguV hn o& tovpo th~ povlew o@pou e*staurwvqh o&

*Ihsou~: kaiV h^n gegrammevnon &Ebrai?stiv, &Rwmai>stiv, &Ellhnistiv.

19 Pilatos escreveu um titulo e colocou em cima da cruz; estava escrito:

Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus. 20 Muitos dentre os judeus leram este

título, porque o lugar, onde Jesus fora crucificado, estava próximo da

cidade. E estava escrito em hebraico, em latim e em grego (Jo 19. 19-20).

239

Deve-se ressaltar que os vocábulos entre parênteses não constam no original grego, havendo, contudo,

a necessidade dos mesmos para um melhor esclarecimento do excerto. 240

A propósito, pelo fato de os hebreus terem se utilizado do aramaico como língua, em determinadas

passagens bíblicas do Novo Testamento, o aramaico passou a se chamar hebraico (Lc 23. 38; Jo 5. 2; 19.

13, 17, 20; At 21. 40; 26. 14; Ap 9. 11). Como pontuam determinados teólogos: ―quando o NT menciona

hebraico, trata-se, na realidade, do aramaico‖ (SILVA, 2001, p. 73); ―no tempo de Jesus, o aramaico já se

interiorizara de tal forma na Palestina, que constituía um dialeto, chamado pelos gregos ―dialeto

hebraico‖ e chamado por outros de ―aramaico palestinense‖. Essa foi a língua que Jesus, os apóstolos e a

igreja primitiva falaram (MIRANDA, 1985, pp. 51-52). O aramaico era a língua dominante na Palestina

no século I. Assim, o hebraico era utilizado, normalmente, para dizer ―aramaico‖, uma língua cognata

muito próxima (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 24). O hebraico continuou sendo uma língua da

literatura religiosa mesmo após o exílio. Antigos livros foram copiados e lidos em hebraico, e outros

foram escritos durante o período imperial romano. Muito dessa literatura, somente veio à luz com as

descobertas dos Manuscritos do mar Morto, dentre outros achados na Palestina. Além do mais, o hebraico

continuou sendo considerado a língua dos estudiosos e, algumas vezes, era utilizado como língua oficial,

como em moedas asmoneias e nas cartas de Bar Kobebe (KOESTER, 2005, p. 249). Salienta-se que o

aramaico, durante o Império Persa, não atuou como língua internacional da mesma forma que o grego

atuou no ―Período Helenístico‖. Convém ressaltar que Jesus também falava em hebraico, pois os rolos

que continham as Escrituras Sagradas estavam em hebraico (Lc 4. 16-20). Então, o hebraico sobrevivia

como uma língua do culto divino no Templo e nas sinagogas.

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Assim, de acordo com os versículos supracitados, atesta-se o latim como a

língua dos romanos dominadores, o grego como a língua de ‗comunicação

internacional‘ e o hebraico (diga-se, o aramaico palestinense) como a língua nativa da

Palestina.

Fabris pontua que, quanto à cronologia paulina, é uma questão complexa,

sobretudo, em relação aos pormenores. É preciso, então, fazer a distinção entre uma

cronologia absoluta ou interna ao Novo Testamento e uma cronologia relativa ou

externa. A primeira é uma cronologia reconstituída tendo, por referência, as epístolas

paulinas e os Atos dos Apóstolos; a segunda é estabelecida mediante a comparação com

os fatos extraídos de outras fontes extracanônicas. Fabris possui uma opinião parecida

com Meeks quanto à reconstituição da cronologia paulina, que engloba a vida e a

atividade de Paulo (FABRIS, 1996, p. 13).

É indicativo que Paulo, ao se referir às várias regiões e localidades de sua

missão, empregue terminologia da administração romana. Designando regiões da Síria,

Cilícia, Ásia, Galácia, Macedônia, Acaia, Ilírico e Hispânia, que correspondem, aliás, à

divisão das províncias no Império Romano. Assim, não é por causalidade que Paulo, em

sua epístola aos cristãos da cidade de Filipos, que é uma colônia romana, exorte-os a

comportar-se como ―cidadãos‖ e recorra a um vocábulo técnico como polivteuma,

―direito de cidadania‖, para definir o status dos fiéis (Fl 1. 27; 3. 20241) (FABRIS, 1996,

pp. 32-33).

Como propõe Meeks, quando Paulo enumera, de modo retórico, os lugares por

onde passou por perigos, divide o mundo em cidade, em deserto e em mar (2 Co 11.

26242) (MEEKS, 2011, p. 32). O pesquisador conclui que o movimento paulino criou

raízes em, pelo menos, quatro províncias do Império Romano: Galácia, Ásia,

Macedônia e Acaia (ibidem, p. 101).

O apóstolo Paulo empreendeu três viagens missionárias: na primeira, ele e

Barnabé fundaram congregações na Ilha de Chipre e nas seguintes regiões da Ásia

241

h&mw~n gaVr toV polivteuma e*n ou*ranoi~ u&pavrcei, e*x ou% kaiV swth~ra a*pekdecovmeqa kuvrion

*Ihsou~n Cristovn. A nossa cidadania, pois, se encontra nos céus, de onde esperamos o Salvador, o

Senhor Jesus Cristo (Fl 3. 20). 242

o&doiporiva pollavki, kinduvnoi potamw~n, kinduvnoi lh/stw~n, kinduvnoi e*k gevnou,

kinduvnoi e*x e*qnw~n, kinduvnoi e*n povlei, kinduvnoi e*n e*rhmiva/, kinduvnoi e*n qalavssh/,

kinduvnoi e*n yeudadevlfoi. Muitas vezes, em viagens, em perigos de rios, em perigos de assaltantes,

em perigos dos da minha raça, em perigos entre os gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto,

em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos (2 Co 11. 26).

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Menor: Panfília, Pisídia, Licaônia e Lícia (At 13. 1-14. 28). Na Segunda (At 15. 36 -

18. 22), Paulo e seu novo companheiro de viagem, Silas / Silvano243

, visitaram as

congregações244

estabelecidas anteriormente, seguindo depois para a Trôade245

e para a

Europa, onde fundaram congregações na Macedônia e em Acaia246

. A chamada terceira

viagem, por sua vez, abrange, de um modo geral, a estadia de Paulo em Éfeso durante

três anos (At 19)247

.

Tendo por referência os itinerários relatados no livro dos Atos, Hock calculou

esses itinerários e conclui que Paulo viajou dez mil milhas, aproximadamente, em suas

missões, o que coloca o religioso no mesmo nível dos funcionários do governo, dos

comerciantes, dos peregrinos, dos mensageiros (portadores de cartas), dos fugitivos, dos

atletas, dos mestres, dos discípulos etc. (HOCK apud MEEKS, 2011, pp. 46-47).

243

Nos escritos paulinos, encontram-se alguns outros nomes, que, possivelmente, foram companheiros de

Paulo nas missões evangelísticas, em algum momento: Lucas, Aristarco de Tessalônica, Epafras, Demas,

Marcos (Cl 4. 10; Fm 24). 244

A maioria das congregações se reunia em casas de famílias greco-romanas. Paulo, escrevendo de

Éfeso, envia saudações de Áquila e Priscila juntamente ―com a congregação (que se reúne) na casa

deles‖, suVn th~/ kat’ oi^kon au*tw~n e*kklhsiva (1 Co 16. 19). Tem-se a presença de outras passagens que

utilizaram fórmulas parecidas: ―e (saudai) a congregação (que se reúne) na casa deles‖, kaiV thVn kat’

oi^kon au*tw~n e*kklhsivan (...) (Rm 16. 5); Paulo, escrevendo a Filemom, saúda ―à congregação (que se

reúne) na tua casa‖, kaiV th~/ kat’ oi^kon sou e*kklhsiva/ (...) (Fm 2). Outros exemplos: ―saudai os irmãos

em Laodiceia, à Ninfa e à congregação (que se reúne) na casa dela‖, a*spavsasqe touV e*n Laodikeiva/

a*delfouV kaiV Nuvmfan kaiV thVn kat’ oi^kon au*th~ e*kklhsivan (Cl 4. 15). Paulo destaca que batizou a

―casa de Estéfanas‖, toVn Stefana~ oikon em sua estadia em Corinto (1 Co 1. 16; 16. 15-16). É bom

lembrar que, depois da ―ascensão‖ de Jesus Nazareno, os discípulos, juntamente, com outras pessoas se

reuniram em uma sala no andar superior, toV u&perw/~on (At 1. 13), na mesma casa (At 2.2), onde Matias é

escolhido para o lugar de Judas Iscariotes (At 1. 26). Na residência de Maria, a mãe de João Marcos,

acontecia uma reunião religiosa, onde Pedro se dirigiu, após ser libertado da prisão (At 12. 12-14). Havia

o costume de ―partir o pão‖, th~/ klavsei tou~ a!rtou em várias residências (At 2. 46), onde escutavam a

―doutrina dos apóstolos‖ (At 2. 42). Paulo, quando perseguia os cristãos, invadia as casas e os arrastava à

força até à prisão (At 8. 3). Stambaugh e Balch chamam a atenção para o fato de que os qivasoi faziam

suas reuniões em cidades gregas e os collegia, em cidades romanas. Ora, esses dois gupos se

assemelhavam muito com as comunidades cristãs: todos cultuavam a uma divindade, e muitas dessas

comunidades dependiam, financeiramente, de um ou de vários patronos para complementar as

contribuições dos outros membros. Esperava-se que esses patronos oferecessem banquetes ou

financiassem a construção de um novo templo. Os anfitriões das congregações domésticas cristãs se

assemelhavam a esses patronos: em Corinto, Estéfanas, ao que tudo indica, era um patrono deste tipo (1

Co 16. 15-18), em Cencreia, Febe é apresentada como diavkono "diaconisa" e prostavti, ―patrona,

protetora‖ (Rm 16. 1-2). 245

Na verdade, o nome completo dessa cidade é Trôade Alexandrina, mas nos escritos neotestamentários

é denominada, apenas, de Trôade. Não se tem grandes informações a respeito dessa comunidade cristã em

Trôade. Paulo partiu de Trôade para dar início à sua segunda viagem missionária (At 16. 8-11). Em 2

Coríntios 2. 12, aponta que foi uma congregação fundada por Paulo. Em 2 Timóteo, 4. 13, o apóstolo faz

alusão a outra visita sua a essa região. 246

Na cidade de Corinto, Paulo escreveu suas epístolas à congregação de Tessalônica, situada na

Macedônia. 247

Em Éfeso, Paulo escreveu suas epístolas à congregação de Corinto: uma carta que não chegou à

posteridade, em que faz referência (1 Co 5. 9); redigiu também a 1 e 2 Coríntios canônicas, e uma outra

epístola, cuja referência se encontra em uma de suas cartas (2 Co 2. 4; 7. 8). Presume-se, então, que

Paulo tenha escrito, em sua totalidade, quatro epístolas aos coríntios.

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Como propõe Meeks,

Bastará destacar os trajetos de duas das estradas mais importantes

ligando o Oriente ao Ocidente, para rapidamente esclarecermos seu

significado para a missão paulina. Através da Ásia Menor a ―estrada

comum‖ (koinhV r&odov) saía de Éfeso, passava por Trales, subia o vale

Meandro até Laodiceia, Apameia, Antioquia da Pisídia, Filomélio,

atravessava a Licaônia até Icônio, descia por Laranda e transpunha as

Portas Cilicianas para alcançar Tarso e, depois, chegar a Antioquia na

Síria ou até Zeugma às margens do Eufrates (MEEKS, 2011, p. 49).

Hock destaca que o próprio local de trabalho de Paulo pode ter sido em um lugar

para a pregação e o ensinamento de muitos missionários de Paulo248

(HOCK apud

MEEKS, 2011, p. 74).

Após a sua conversão, Paulo, saindo de Damasco, se dirige para a Arábia, ou

seja, para a área meridional ou oriental de Damasco (uma área de controle dos reis

nativos nabateus249

), de acordo com a epístola aos Gálatas250

(Gl 1. 17).

Alguns estudiosos tais como John Knox coloca a maioria das atividades de

Paulo na Galácia, na Macedônia, na Grécia e na Ásia na época anterior ao concílio de

248

Quando o estrangeiro chegava a uma cidade, acreditava-se que soubesse ou tivesse condições de

descobrir o local dos imigrantes e dos residentes temporários de sua própria região ou de profissionais

cujos ofícios eram os mesmos. Em Antioquia, o Kerateion, localizado a sudeste da cidade, era conhecido

como ―o bairro judeu tradicional‖, ainda que houvesse judeus residentes nas demais partes da cidade. Os

judeus, em Roma, residiam no Transtiberino (moderno Transtévere) (FILON. Leg. 155 apud MEEKS,

2011, pp. 74-75). Não se deve esquecer que ofícios e tipos de comércio também contribuíam e facilitavam

para reunir as pessoas nas mesmas áreas. Ora, essas áreas eram denominadas de acordo com o tipo de

labor: ―Bairro dos Comerciantes de Linho‖, ―Rua dos Trabalhadores de Couro‖, ―Pórtico dos Fabricantes

de Perfumes‖. Presume-se que o contato de Paulo com os companheiros artesãos e seus fregueses pode ter

propiciado os primeiros contatos que o apóstolo mantinha em uma cidade. Em relação ao ofício paulino

de ―fabricação de tendas‖, tem-se as seguintes informações: nos centros comerciais, procurava-se por

diversos tipos de toldos. Ora, esses eram feitos de faixas costuradas de lona de vários pesos. Tendo por

objetivo oferecer sombra a lugares como o teatro e o fórum, os toldos eram feitos com um tipo de lona de

vela de navio; podiam ser, facilmente, manuseados para trás e para frente através de fios metálicos. Além

do mais, os toldos eram utilizados para a proteção do sol de verão dos pátios das residências particulares,

na fachada das lojas etc. Barracas de linho eram utilizadas para fazer sombra na praia, o convés precisava

de tendas para proteger os viajantes do calor e das chuvas, viajantes portavam tendas, caso houvesse

algum revés que os impedisse de chegar a uma hospedaria antes do anoitecer. Assim é que a

comercialização das tendas era uma importante fonte de lucro e não devia ser desprezada assim como

pequenos consertos que poderiam constituir grandes lucros. É bom lembrar que Priscíla e Áquila dividiam

com o apóstolo Paulo o ofício da fabricação de tendas e acomodaram-no em sua oficina (At 18. 2 ss).

Murphy-O‘Connor é enfático: ―Paulo, portanto, havia escolhido uma profissão que lhe garantia trabalho

em qualquer estrada que andasse ou em qualquer mar por onde viajasse‖ (MURPHY-O‘CONNOR, 2004,

pp. 50-51). 249

Paulo encontrou hostilidade em Damasco por parte do governador nomeado pelo rei Aretas (2 Co 11.

32-33) e também, em certa ocasião, por parte dos judeus aí residentes (Atos 9. 19-25). Antes de sua

primeira visita a Jerusalém (Gl 1. 18), Paulo, talvez, tenha passado pelo reino nabateu. 250

Não se tem precisão quanto à localização das ―congregações da Galácia‖, às quais Paulo se dirigiu em

uma epístola e que mencionou aos escrever aos coríntios (Gl 1. 2; 1 Co 16. 1). Não obstante, defende-se a

ideia de identificar os ―gálatas‖ das epístolas paulinas com os cristãos residentes nas colônias romanas

que são atestadas nos Atos (At 18. 23).

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Jerusalém (At 15). Independente da cronologia acredita-se que, nessas últimas regiões, o

cristianismo paulino tenha estabelecido suas raízes251.

A homilia de Paulo na Macedônia se iniciou em Filipos e, apesar de Paulo,

Silvano / Silas e Timóteo tivessem percebido a hostilidade (1 Ts 2. 2; At 16. 12-40),

convém destacar que a comunidade religiosa, fundada por eles, teve um papel

importante de parceria na missão paulina posterior, inclusive financiando a missão em

Tessalônica e em Acaia (2 Co 11. 8 s; Fl 4. 15-18)252.

Após Filipos, a missão paulina desceu em direção ao sul. Assim, grupos em

Tessalônica foram formados (At 17. 1-9).

Pode-se considerar a viagem a Corinto a mais importante de Paulo à Grécia (At

18. 1-17), onde fundou uma congregação. Além do mais, em sua epístola aos coríntios,

sugere que lá havia também outras ―em toda a Acaia‖, e*n o@lh/ th~/ *Acai>va/ (2 Co 1. 1).

O Império Romano buscava combater o surgimento de lideranças que pudessem

ofuscar o predomínio do Império,253

assim era uma atitude comum do Estado Romano

procurar aliar-se às elites das áreas dominadas, utilizando-as como uma espécie de

―elemento de controle‖254

.

Meeks atesta ainda que nos diferentes grupos na cidade e, no interior de cada

grupo, pessoas de variados status social, eram alcançadas de maneiras diferentes pela

hegemonia de Roma e possuíam diversas reações diante da presença efetiva de tal poder

nas cidades. Já que a política romana tinha por objetivo estimular as aristocracias, o

sentimento antirromano poderia ser encontrado com maior probabilidade entre os

grupos menos favorecidos do que entre os privilegiados. Além do mais, toda a

251

A propósito, as provas são escassas quanto aos resultados duradouros da primeira viagem missionária

na narrativa dos Atos dos Apóstolos, mesmo que o autor, em uma referência sobre o trajeto de retorno,

pressuponha a existência de convertidos, e tenham sido organizadas comunidades em Listra, Icônio e

Antioquia da Pisídia. 252

Convém lembrar que os macedônios tiveram participação ativa na coleta liderada por Paulo em

benefício aos cristãos de Jerusalém (2 Co 8. 1-6; 9. 2-4; Rm 15. 26). 253

Bom exemplo é o episódio registrado nos Atos, em que os judeus fazem a seguinte acusação contra

Paulo e seus companheiros: 6 Oi& thVn oi*koumevnhn a*nastatwvsante ou%toi kaiV e*nqavde pavreisin, 7

ou$ u&podevdektai *Iavswn: kaiV ou%toi pavnte a*pevnanti tw~n dogmavtwn Kaivsaros pravssousi,

basileva e@teron levgonte ei^nai *Ihsou~n. 8 e&tavraxan deV toVn o!clon kaiV touV politavrca

a*kouvonta tau~ta. 6 Estes que revolucionam o mundo habitável, também chegaram neste lugar,

7 os

quais Jasão hospedou. Todos estes vão contra os dogmas de César, tratando ser Jesus um outro rei. 8

Tanto a multidão quanto as autoridades ficaram sobressaltadas, quando ouviram estas coisas (At 17. 6-8). 254

A narrativa dos Atos informa que, após o discurso de defesa de Paulo em Cesareia, Félix ordena que o

centurião mantivesse Paulo detido, mas que fosse tratado com zelo, e que não houvesse impedimento para

os conhecidos de Paulo servirem-no. Aliás, era uma atitude comum de Félix mandar chamar a Paulo para

ouví-lo a respeito de sua crença, juntamente com Drúsila, sua esposa. Dois anos depois, Félix, o

procurador da Judeia, deixou Paulo preso, a fim de agradar aos judeus, após ser sucedido por Pórcio Festo

(At 24. 22-27).

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comunidade judaica de uma cidade podia obter a proteção do imperador, malgrado, em

determinadas situações, tivesse de lidar com a hostilidade local. Em algumas ocasiões,

acontecia de um judeu, como recompensa por algum serviço especial prestado ao

exército ou à administração romana, alcançar a cobiçada civitas romana, sem deixar de

servir à sua religião, sobressaindo, nesse caso, o exemplo do pai de Paulo (At 22. 27-

28). Sublinhe-se que, uns dois séculos mais tarde, era muito comum os judeus obterem a

cidadania e também algum ofício municipal nas cidades da Ásia Menor, na parte

ocidental255

(MEEKS, 2011, pp. 41-42).

Por toda a parte do Império Romano, no início da era cristã, havia judeus além

de suas fronteiras orientais, tanto na cidade quanto no campo. Esses judeus

representavam, praticamente, toda classe social, exercendo diversas profissões, tais

como: proprietários de terra, camponeses, tanto livres como escravos, artesãos,

comerciantes, donos de navios etc. Acredita-se que os judeus constituíssem cerca de um

quinto da população do Mediterrâneo Oriental por essa época. Essa estimativa pode ser

alta, mas, com certeza, os judeus constituíam um fenômeno bastante comum nas vilas e

nas cidades do mundo greco-romano; seus costumes eram bem conhecidos, ainda que

nem sempre bem compreendidos (STAMBAUGH, BALCH, 2008, pp. 40-41).

O historiador Pedro Paulo Funari expõe, nos seguintes termos, a relação entre o

Império Romano e o Cristianismo:

A tolerância que os romanos tiveram para com diversas religiões do

mundo por eles conquistadas não existiu, entretanto, para com a religião

cristã. Os motivos da intensa perseguição sofrida pelos cristãos no

período imperial não são, somente, de caráter religioso, mas também e,

principalmente, político. Os cristãos realizavam seus cultos secretos,

viviam em pequenos grupos e foram, nos primeiros tempos, tomados por

bruxos e feiticeiros, na medida em que recusavam mostrar respeito pelos

deuses romanos. Além disso, os cristãos, monoteístas, não reconheciam a

divindade do imperador e não aceitavam o culto a ele e ao Estado, sendo

considerados uma ameaça à segurança do Estado Romano. Durante mais

de dois séculos, haverá perseguições aos cristãos, pois o Estado Romano

via na sua recusa ao culto dos deuses e ao imperador um desafio à ordem.

As execuções públicas dos cristãos, martirizados em espetáculos, nos

quais eram crucificados ou jogados às feras famintas para serem

devorados, eram vistas e apreciadas por muita gente. Para a maioria dos

romanos, que não se havia convertido, os cristãos eram apresentados

como uma ameaça nociva, pois se recusavam a honrar os deuses e os

imperadores256

(FUNARI, 2002, p. 130).

255

No discurso nas escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém, tem-se mais informações a respeito da

possível cidadania de Paulo. 256

É bom lembrar que, em 313 d.C., na cidade de Milão, o imperador Constantino concedeu aos cristãos a

liberdade de culto religioso, através de um Edito denominado de ―Edito de Milão‖. Mais tarde, esse

imperador se converteu ao Cristianismo. Estima-se que, embora uma minoria, havia cristãos em,

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Assim é que o culto ao imperador era utilizado pelo governo como um meio de

se obter uma lealdade do povo tanto em relação ao Império quanto em relação ao

imperador.

Os romanos veneravam poderes transcendentes que, em algumas

circunstâncias, poderiam ser ativados em seres humanos extraordinários. Generais

romanos vitoriosos, que transcendiam a autoridade governamenal em uma substituição

aos governantes helenísticos, recebiam honras divinas no Oriente (KOESTER, 2005, p.

369).

O culto à divindade do imperador, enquanto esse ainda fosse vivo, só ganhou

espaço, aos poucos, em Roma. O culto ao imperador romano tinha, por característica

peculiar, a sua não homogeneidade.

Koester pontua que a declaração oficial do Senado Romano quanto à divinização

imperial após a morte, por vezes, ―seguia em paralelo com cultos locais organizados,

espontaneamente, em outras partes do Império Romano e também com cultos

provinciais sancionados pelo Império durante a vida de um imperador‖. Entrementes, as

características peculiares do culto imperial foram desenvolvidas de modo gradativo.

Acredita-se que o início do culto à pessoa do imperador pode ter sido dado por Júlio

César, ainda que não se soubesse a sua posição a respeito desse tipo de culto. O Senado

votou, por muitas vezes, determinadas honras especiais nos últimos anos de sua vida. É

bem verdade que algumas dessas honras foram por iniciativa do próprio César, e essas

homenagens podem ter sido interpretadas como ―honras divinas‖. Mas não se sabe,

precisamente, de que modo Júlio César se via como um homem divino. O pesquisador,

assim, finaliza:

Ele, provavelmente, acreditava, de modo tipicamente romano, que seu

destino pertencia à sua felicitas, isto é, a um poder impessoal que se

revelava em suas ações. Entretanto, muitas pessoas em Roma

acreditavam que César planejava ser proclamado rei e também deus. Se

o seu assassinato foi planejado com o objetivo de pôr fim a essas

intenções, o efeito produzido foi exatamente o oposto, pois resultou na

divinização de César, aclamada, espontaneamente, pelo povo e, mais

tarde, sancionada pelo Senado, que aceitou, oficialmente, César entre os

deuses do povo romano e erigiu-lhe um altar (mais tarde foi construído

um templo) (KOESTER, 2005, p. 370).

praticamente, quase todo o mundo romano. Não obstante, na segunda metade do século IV d.C., a maioria

dos cidadãos romanos era cristão no mundo romano. Quando o Cristianismo tornou-se a religião do

Estado, aconteceu que o culto aos deuses começou a ser combatido, ainda que tenha sobrevivido por

vários séculos. Entrementes, o cristianismo foi reconhecido oficialmente. O imperador Constantino foi

batizado em 337 d.C., no mesmo ano de sua morte.

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Nock destaca que: ―Não é possível atribuir a origem do culto helenístico ao

imperador a conceitos orientais‖. Sem dúvida, no Egito, a divindade do faraó fora,

desde sempre, o fundamento inquestionável da soberania real. Sublinhe-se que a

divindade do faraó baseava-se na função (NOCK apud KOESTER, 2005, p. 37).

Já a origem do culto helenístico ao imperador, tendo como base ideias persas, é

muito pouco provável. Entre os reis Aquemênidas, havia a crença de que o rei era

superior a todos os seus súditos humanos; não obstante, os reis persas não eram vistos

como deuses. Ao buscar fontes gregas para uma possível origem do culto ao imperador,

deve-se ter, em consideração, o culto prestado aos heróis. Mas não se deve esquecer que

o culto ao herói era oferecido a alguém que já havia morrido. Então, presume-se que

não deva existir nenhuma relação de modo direto entre o culto ao imperador e o culto ao

herói (KOESTER, 2005, p. 37).

Convém lembrar que os mortos, na concepção antiga, eram vistos como criaturas

sagradas. Os vivos tinham, para com os mortos, toda a veneração que um ser humano

tinha em relação a uma divindade, que ama e respeita. Assim, os vivos consideravam

que cada morto era um deus (PLUTARCH. Quaestiones Romanae 14, 52;

EURIPIDES. Phoenissae, 1320-1321; AESCHYLUS. Libation Bearers, 475;

HOMER. Odyssey 10. 526)257:

au*taVr e*phVn eu*ch~/si livsh/ klutaV e!qnea nekrw~n, e!nq’ o!in a*rneioVn r&evzein qh~luvn te mevlainan

ei* !Erebo strevya, au*toV d’ a*ponovsfi trapevsqai

i&evmeno potamoi~o r&oavwn: e!nqa deV pollaiV 530 yucaiV e*leuvsontai nekuvwn katateqnhwvtwn

(HOMER. Odyssey 10. 526).

257

Por causa dessa concepção, Virgílio chama seu falecido pai de divino, ―divinique ossa parentis‖

(VERGILIUS. Aeneid 5. 47). Sublinhe-se que não havia distinção entre os mortos, pois as devidas honras

não eram um privilégio dos grandes homens, uma vez que não era necessário ter sido um homem com

virtudes. Assim é que um homem de más qualidades tornava-se uma divindade tal qual um homem bom.

A propósito, tanto a concepção hinduísta quanto a helênica consideravam os mortos como seres divinos,

que usufruíam de uma existência ―bem-aventurada‖. Não obstante, convinha que as ofertas fossem

conduzidas de modo regular, para que os mortos gozassem de felicidade (COULANGES, 2006, pp. 17-

19). Os latinos denominavam de lares, manes (VERGILIUS. Aeneid 3. 303; 6. 119; 10. 534; TITUS

LIVIUS. Ab Urbe Condita 3. 19.1) ou gênios os entes queridos falecidos: ―Gênio ou lar, trata-se do

mesmo ser; assim o creram nossos antepassados‖ (CENSORINUS. De Die Natali, 3 apud

COULANGES, 2006, p. 20). Cícero, assim, testemunha: Reliquorum autem, quos Graeci

daivmona appellant, nostri, opinor, lares: “Aqueles que os gregos chamam daîmon, nós chamamos lares‖

(CICERO. Timaeus 38). É bom destacar, novamente, a respeito da ―imortalidade‖ que os heróis

homéricos alcançavam. Para esses heróis, sucumbir em combate era a honra máxima, pois seria a bela

morte. O guerreiro alcançava, assim, o kléos, a fama que o tornaria imortal (HOMÈRE. Iliade VII, vv.

89-91; IX, vv. 412-415): a*ndroV meVn tovde sh~ma pavlai katateqnhw~to, o$n pot’ a*risteuvonta

katevktane faivdimo @Ektwr. w@ potev ti e*revei: toV d’ e*moVn klevo ou! Pot’ o*lei~tai. Este é o

túmulo de um homem que morreu antigamente, que, sendo o melhor, Heitor brilhante matou. Como, no

futuro, alguém dirá. Então, a minha glória não perecerá (HOMÈRE. Iliade VII, vv. 89-91).

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163

Mas quando, com preces, suplicares às tribos dos mortos,

ali, um carneiro e uma ovelha negra, macho e fêmea, sacrifique,

(postos) virados em direção ao Érebo. Ele mesmo, de longe, (deve) se

afastar,

inclinando-se em direção às correntes do rio; Ali muitas almas

530 dos que estão mortos sairão.

O vocábulo e*nagivzw é empregado para os sacrifícios que se ofereciam aos

mortos258, mas quvw, para os sacrifícios aos deuses celestes (PLUTARCH. Quaestiones

Romanae, 34; PAUSANIAS. Description of Greece 2.10.1):

(...) Fai~ston e*n Sikuwniva/ levgousin e*lqovnta

katalabei~n &Hraklei~ fa~ w& h@rwi e*nagivzonta: ou!koun

h*xivou dra~n ou*denoV Fai~sto tw~n au*tw~n, all’ w& qew~/ quvein (...)

(PAUSANIAS. Description of Greece 2.10.1).

Dizem que Phaesto, quando entrou em Sicyon,

encontrou-os oferecendo sacrifícios a Héracles como a um herói;

Por conseguinte, Phaesto julgou digno não fazer estas coisas, mas

sacrificar (a Héracles) como a um deus.

A propósito, às almas humanas, que alcançavam o estatuto divino por meio da

morte, os gregos denominavam daivmwn (EURIPIDES. Alcestis, 1140; AESCHYLUS.

Persians 620) ou de h@rwe (PAUSANIAS. Description of Greece 6.6.8):

*Odusseva meVn dhV e*n lovgw/ qevmenon au*tou~ thVn a*pwvleian

a*poplevonta oi!cesqai, tou~ kataleusqevnto deV a*nqrwvpou toVn

daivmona ou*devna a*nievnai kairoVn a*pokteivnontav te o&moivw touV

e*n th~/ Temevsh/ kaiV e*pexercovmenon e*piV pa~san h&likivan, e* o$ h&

Puqiva toV paravpan e*x *Italiva w&rmhmevnou feuvgein Temevsan meVn

e*klipei~n ou*k ei!a, toVn deV @Hrw259

sfa~ e*kevleusen i&lavskesqai

tevmenov te a*potemomevnou oi*kodomhvsasqai naovn, didovnai deV

kataV e!to au*tw~/ gunai~ka tw~n e*n Temevsh/ parqevnwn thVn

kallivsthn (PAUSANIAS. Description of Greece 6.6.8).

Odisseu, considerando em não (dar) nenhum valor à sua perda,

navegou, mas o daîmon do homem apedrejado nunca deixou de ter a

oportunidade de matar, igualmente, em Temesa (pessoas) de toda(s) a(s)

258

Ver também: e*nagivzw, e*nagismov (HÉRODOTE. Histoires I, 167, 2). 259

Supõe-se que o sentido primitivo de h@rw pudesse ter sido o de um ―homem morto‖. Por vezes, o

vocábulo h@rw é empregado para designar ―defunto‖ (PAUSANIAS. Description of Greece 6.6.7-11;

6.9.8). O vocábulo h@rw, comumente, é traduzido por ―herói‖, mas comporta, igualmente, uma

significação de nuance religiosa atestada depois de Homero. Trata-se de um culto funerário, mais

precisamente, de um humano divinizado como Teseu, conforme atesta Chantraine (CHANTRAINE,

1970, p. 417). Acredita-se que os tebanos utilizavam a expressão h@rwa gevnesqai para denotar ―morrer‖

(COULANGES, 2006, p. 20).

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faixa(s) etárias, até que os habitantes empreenderam fugir da Itália,

(mas) a sacerdotisa Pythian, absolutamente, não permitiu que (eles)

abandonassem Temesa; ordenou-os, para aplacar o herói, a separação de

um território para a edificação de um templo; dar-lhe, todos os anos,

uma mulher, a mais bela dentre as virgens em Temesa.

a*ll’, w fivloi, coai~si tai~sde nertevrwn

620 u@mnou e*peufhmei~te, tovn te daivmoma

Darei~on a*nakalei~sqe, gapovtou d’ e*gwV

timaV protevmyw tavsde nertevroi qeoi~.

(AESCHYLUS. Persians 619-622)

Mas, ó amigos, pronunciai hinos, com estas libações,

620 aos infernos, e invocai o daîmon

Dario; ora, eu enviarei estas ofertas, que devem ser absorvidas pela

terra, aos deuses que estão nos infernos.

O culto imperial foi objeto de indagações por parte dos escritores latinos tais

como Suetônio e Plínio, o Velho:

Gentem Octauiam Velitris praecipuam olim fuisse multa declarant.

Nam et uicus celeberrima parte oppidi iam pridem Octauius uocabatur

et ostendebatur ara Octauio consecrata, qui bello dux finítimo, cum

forte Marti rem diuinam faceret, nuntiata repente hostis incursione

semicruda exta rapta foco prosecuit atque ita proelium ingressus uictor

redit. decretum etiam publicum extabat, quo cauebatur, ut in posterum

quoque simili modo exta Marti redderentur reliquiaeque ad Octauios

referrentur (SUETONIUS. Divus Augustus 1.1).

A família Otávia, segundo inúmeras testemunhas, era uma das primeiras

de Velitris. Na parte mais movimentada da cidade, havia um bairro

chamado ―Otávio‖ e, nele, se erguia um altar consagrado a certo Otávio

que havia comandado numa guerra contra um povo vizinho. Avisado,

em meio a um sacrifício que oferecia a Marte, de uma incursão súbita

do inimigo, arrebatou do fogo as entranhas mal cozidas, cortou-as,

correu ao combate e retornou vencedor. Existia, até, um decreto público

que ordenava apresentar-se a Marte, daí por diante, todos os anos, as

entranhas, daquela mesma forma, e os restos deviam ser levados aos

Otávios.

deus est mortali iuvare mortalem, et haec ad aeternam gloriam via. Hac

preceres iere romani, hac nunc caelesti passu cum liberis suisvadit

maximus omnis aevi rector Vespasianus Augustus fessis

rebussubveniens. Hic est vetu stissimus referendi bene merntibus

gratiam mos, uttales numinibus ads cribant (PLINY. Naturalis Historia

2.5).

Deus existe para o humano ajudar o humano, e este é o caminho para a

eterna glória. Por ele, os nobres romanos caminharam, por ele, agora,

com passo divino, caminha, com os seus filhos, o maior governador de

todos os tempos, Vespasiano Augusto, que sobreveio em tempos

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difíceis. Este é o modo mais antigo de bem restituir o reconhecimento

aos que merecem – que os façam figurar semelhantes aos deuses.

Coulanges sublinha que:

Essa religião dos mortos parecia ser a mais antiga existente entre os

homens. Antes de conceber ou adorar Indra ou Zeus, o homem adorou

os mortos; teve medo deles, dirigiu-lhes preces. Parece que é essa a

origem do sentimento religioso. Foi, talvez, à vista da morte que o

homem teve, pela primeira vez, a ideia do sobrenatural, e quis confiar

em coisas que ultrapassavam a visão dos olhos. A morte foi o primeiro

mistério; ela colocou o homem no caminho de outros mistérios. Elevou

seu pensamento do visível para o invisível, do passageiro para o eterno,

do humano para o divino (COULANGES, 2006, p. 20).

A religião romana era sincretista e politeísta260

, uma vez que há a presença de

elementos etruscos (a haruspicia261 e a tríade das divindades supremas, Júpiter, Juno e

Minerva), que existiam desde o início. Apolo era cultuado, dentre os deuses do panteão

helênico, já no século V a.C.; já o culto a Asclépio (Aesculapius) foi introduzido em

Roma em 293 a.C., e tinha, por escopo, a eliminação de uma praga. A primeira religião

oriental, reconhecida em Roma, foi o culto à Grande Mãe (Cibele), no ano de 204 a.C.;

é bom deixar claro que os cidadãos romanos eram isentos de participar dos ritos

orgiásticos (KOESTER, 2005, p. 367).

Embora a cidade de Roma, no período imperial, se opusesse à introdução de

novos cultos na cidade, não havia nada que restringisse, oficialmente, a expansão dessas

religiões. É claro que, para se erigir um novo templo, era necessária uma autorização,

mas as autoridades locais, que eram responsáveis por isso, normalmente, concediam

esses privilégios, com satisfação, como comprovam os vários santuários do período

imperial que foram oferecidos a Ísis e a Serápis.

Sublinhe-se que os missionários cristãos tinham liberdade para a propagação de

sua fé em qualquer lugar, tais como outros pregadores e filósofos ambulantes e os seus

seguidores que, de um modo geral, não eram incomodados. Se surgissem problemas, era

porque as autoridades locais tinham a impressão de que os cristãos estavam criando

confusão ou porque os seus antipatizantes faziam denúncias às autoridades. Então, eles

poderiam ser conduzidos a julgamentos, muitas vezes, após extenso período de prisão,

passavam por castigos físicos e estavam na iminência de serem expulsos das cidades.

260

A propósito, os deuses gregos e suas respectivas histórias foram absorvidos pela religião romana,

mudando de nome, como por exemplo, Zeus (Júpiter), Áres (Marte), Afrodite (Vênus) entre outros. 261

Um tipo de previsão, de adivinhação do futuro. Na verdade, a influência etrusca sobre Roma foi bem

enraizada (KOESTER, 2005, p. 289).

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Tem-se preciosas informações nas cartas paulinas e nos Atos dos Apóstolos. Koester

afirma que se Paulo teve, como punição, a pena de morte, é muito provável que a

sentença havia sido baseada na acusação de violação do Templo judaico (KOESTER,

2005, p. 368).

Tanto os judeus quanto os cristãos eram suspeitos porque se recusavam a prestar

culto ao imperador. O Império Romano não era uma espécie de Estado policial e

também não tinha uma rede internacional de informantes. Atesta-se que isso só tenha

existido em determinados períodos na própria cidade romana, sob a supervisão de

imperadores como Nero.

Diversas informações sobre os missionários cristãos das duas primeiras gerações

do cristianismo apontam que muitos sofreram o martírio; não obstante, nem todas essas

sentenças de morte vieram por parte dos tribunais romanos (At 12. 1-2)262. Os primeiros

apologistas cristãos tinham, por objetivo, provar que os cristãos não eram uma nova

seita religiosa perigosa, mas sim herdeiros legítimos da antiga tradição israelita. De

qualquer modo, o culto ao imperador romano perduraria como um problema sem

solução (KOESTER, 2005, p. 369).

Comunidades cristãs se formam e se organizam nas cidades greco-romanas. Em

sua grande maioria, essas comunidades eram compostas por pagãos convertidos ao

cristianismo, que continuavam ocupando seu lugar na sociedade romana (PRIETO,

2007, pp. 124-125).

- A Localização Espacial

Aristóteles pontua que há três gêneros de discursos retóricos: deliberativo,

judiciário e epidíctico (ARISTOTE. Rhétorique I, 3, 1358 b), os quais foram

classificados levando-se em conta seus ouvintes e sua temática263.

Assim é que tanto o tipo de ouvinte é importante para o orador construir o seu

discurso como também o espaço onde os discursos ocorrem. Em seguida, o estagirita

atesta que, em relação à representação espacial no discurso literário, o mundo psíquico

não se constitui, somente, por aproximações, por indicações mais gerais e por detalhes

262 1

Kat’ e*kei~non deV toVn kairoVn e*pevbalen &Hrwv/dh o& basileuV taV cei~ra kakw~saiv tina tw~n

a*poV th~ e*kklhsiva. 2 *Anei~len deV *Iavkwbon toVn a*delfoVn *Iwavnnou macaivrh/. 1

Por aquele tempo,

o rei Herodes pôs as mãos (sobre) alguns da ekklesía para os maltratar. 2 Thiago, irmão de João, foi morto

à espada (At 12. 1-2). 263

Conforme foi visto no item 4.1.

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mais fragmentários, uma vez que o leitor tem possibilidades de completar, de imaginar

o ambiente; diferentemente do que ocorre no teatro, no cinema ou nas artes visuais,

onde o espaço é um dado imediato, ainda que a mudança no ambiente da ação possa ser

objeto de diversas manobras e manipulações (DUBOIS et alli, 1973, p. 186).

Ora, há informações de Paulo discursando às multidões em locais públicos, tais

como a Ágora e o Areópago de Atenas (At 17. 17, 19-34), ou em lugares não

especificados como em Listra (At 14. 8-18), em Filipos (At 16. 16-34) e em Éfeso (At

19. 11-20), entre outros lugares. Em determinadas situações, algum membro do quadro

oficial dá a oportunidade para falar, seja por uma questão de curiosidade, seja pelo fato

de Paulo e seus companheiros estarem encarcerados (At 13. 7-12); há, ainda, o tribuno

que escuta a Paulo (At 22. 30-23. 10); os discursos diante das autoridades

governamentais (At 24; 25. 6-12; 25. 13- 26. 29) etc.

Tem-se, a seguir, a localização espacial dos discursos paulinos reproduzidos:

Espaço Público

a) Na cidade de Listra para a multidão (At 14. 15-18);

b) No Areópago de Atenas (At 17. 22-31);

c) Nas escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém (At 22. 1-21).

A Licaônia era uma região que se situava no centro da Ásia Menor, que esteve

sob o domínio romano a partir de 25 a.C., sendo, então, uma colônia romana. Na

verdade, a Licaônia era um planalto de cerca de 900 m de altitude, sendo cercada pela

Capadócia, Galácia, Frigia, Pisídia, Cilícia. A Licaônia não era uma região próspera

economicamente e nem famosa do ponto de vista histórico.

A região da Licaônia tinha por cidades principais: Derbe, Listra264 e Icônio.

Convém lembrar que Paulo e Barnabé visitaram essas três cidades na primeira viagem

missionária (At 14. 6).

Listra, atualmente, é identificada com um local denominado Zoldera, que fica a

1.6 km a noroeste da vila de Khatyn Serai. Listra ficava acerca de 30 km de Icônio

(atual Konya), Derbe foi identificada, através de uma inscrição, como sendo Kerti

Hoyuk, cerca de 100 km de Listra.

264

Conforme o segundo discurso epidíctico que será estudado no item 6.1.2.

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A propósito, os licaônios, conforme já foi mencionado, falavam uma língua que

não foi muito bem identificada, de acordo com o relato lucano (At 14. 11).

Após um tempo, ao empreender a sua segunda viagem missionária, Paulo foi

novamente a Derbe e a Listra. Ele encontra em Listra um discípulo de nome Timóteo,

filho de uma judia cristã e de pai grego. Timóteo era conhecido por seu bom testemunho

tanto em Listra quanto em Icônio. Paulo fez questão de ter a companhia de Timóteo em

suas futuras viagens missionárias (At 16.1-3; 2 Tm 3.10-11265).

Atenas era considerada o símbolo da vida cultural e intelectual, mesmo no

período romano. Koester diz que: ―Lucas, autor dos Atos, não podia imaginar a carreira

do famoso apóstolo Paulo sem uma visita a Atenas e um discurso proferido diante do

insigne e célebre Conselho dos Areopagitas (At 17)‖ (KOESTER, 2005, p. 111).

É bom lembrar que governantes helenísticos contribuíram para a beleza de

Atenas mediante doações de vários edifícios; os imperadores romanos ofertaram

grandes quantias para aumentar a fama de Atenas. Citem-se, por exemplo, Nero, que

reformou o Teatro de Dioniso Eleutério; Adriano, que finalizou o Templo de Zeus

Olímpico e doou uma grande biblioteca; Agripa,266

que era amigo de Augusto, e

entregou à cidade ateniense um novo odeão, que foi construído no centro da ágora; e

Herodes Ático, que ordenou a construção de outro odeão nas encostas da Acrópole.

Atenas se tornou uma espécie de sede de escolas filosóficas: a escola estóica,

que foi criada no início do período helenístico; a escola acadêmica platônica, localizada

no jardim do herói Academo; o Liceu de Aristóteles e o jardim dos Epicuristas.

Estudantes de várias localidades do mundo antigo se dirigiam a Atenas para estudar

filosofia (KOESTER, 2005, p. 111). Atenas era conhecida como sendo uma cidade

universitária267 (LAWRENCE, 2008, p. 156).

Os romanos consideravam Atenas como o centro da filosofia e das artes, a

cidade na qual todos aqueles que almejassem ter uma verdadeira cultura, deveriam

265

10

SuV deV parhkolouvqhsav mou th~/ didaskaliva/, th~/ a*gwgh~/, th~/ proqevsei, th~/ pivstei, th~/

makroqumiva/, th~/ a*gavph/, th~/ u&pomonh~/. 11 toi~ diwgmoi~, toi~ paqhvmasin, oi%av moi e*gevneto e*n

*Antioceiva/, e*n *Ikonivw/, e*n Luvstroi, oi@ou diwgmouV u&phvnegka kaiV e*k pavntwn me e*rruvsato o&

kuvrio. 10

Ora, tu que és seguidor de perto do meu ensino, no comportamento, no projeto, na fé, na

perseverança, no amor, na paciência, 11

nas perseguições, nos sofrimentos, os quais me aconteceram em

Antioquia, em Icônio, em Listra, os quais suportei as perseguições e o Senhor me libertou de todas (2 Tm

3. 10-11). 266

Trata-se de Marco Vipsânio Agripa. 267

Atenas era a cidade natal dos dramaturgos Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes, assim como os

filósofos Platão e Aristóteles.

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estudar. Muitos dos monumentos, hoje existentes em Atenas, já existiam no século I

d.C. (MCKENZIE, 1983, p. 93).

Aproximadamente, em 49 d.C., Paulo chegou a Atenas268. Convém enfatizar,

ainda, que os grandes templos da Acrópole, que os persas destruíram, foram

reconstruídos e estavam de pé há, aproximadamente, cinco séculos, quando Paulo

chegou à cidade grega.

Acredita-se que o apóstolo Paulo tenha sido conduzido ao famoso conselho do

Areópago - !Areo Pavgo- que, em tempos passados, havia governado a cidade

ateniense. Ora, nos tempos de Paulo, o conselho não fazia mais suas reuniões na colina

do Areópago, localizada a oeste da Acrópole269

e ao sul da ágora270, mas no Pórtico

Real, que ficava na extremidade noroeste da ágora; a autoridade do Areópago se

limitava às questões religiosas e morais (LAWRENCE, 2008, p. 156).

Já Mckenzie pontua que, quando Paulo é conduzido ao Areópago (At 17. 19 ss),

não fica muito claro se o apóstolo é levado diante do conselho ou ao local que tinha essa

denominação, talvez para que o seu discurso pudesse ser ouvido melhor (MCKENZIE,

1983, p. 71)271.

Digna de nota é a explanação da renomada helenista Claude Mossé a respeito do

Areópago:

O Areópago recebeu seu nome da colina dedicada ao deus Ares na qual

realizavam-se as reuniões do conselho que assessorava o rei na Atenas da

época arcaica. Quando o arcontado passou a ser uma magistratura anual,

o conselho do Areópago acolhia todos os arcontes que deixavam o cargo.

Uma tradição difundida por Plutarco atribui sua criação a Sólon. Na

verdade, parece que o conselho existia muito antes da época do

legislador, que, sem dúvida, se limitou a designar suas atribuições. A

criação por Clístenes de um segundo conselho, a Boulé dos Quinhentos e,

mais tarde, em 461, as medidas tomadas por Efialtes privaram o conselho

do Areópago de grande parte de suas atribuições. Na Atenas democrática,

268

Conforme o terceiro discurso epidíctico que será estudado no item 6.1.3. 269

A Acrópole de Atenas, isto é, a ―cidade alta‖ fora construída entre 450 a 330 a.C., sob as ruínas de

construções antigas. A Acrópole era considerada como a sede dos locais de culto da Grécia Antiga. Está

localizada a 156 m sobre o nível do mar. A Acrópole possui o Parthenón, o Propileu, o Erecteion e o

templo de Atená Nike. Considera-se o Parthenón como a construção mais importante; esse templo possuía

69 m de comprimento e 31 m de largura, e fora dedicado à deusa Atená. 270

No período clássico, o formato da ágora era irregular e dava para as principais ruas da cidade. Já que a

ágora constituía um centro da vida política e econômica, mercados estavam distribuídos ao redor dela

como também prédios administrativos, tribunais e templos. Na época do período helenístico, a ágora

tinha o formato retangular; ao seu redor havia pórticos nos quatro lados, ficando separada do restante da

cidade. A ágora se transformou, de um modo geral, em um prédio com, somente, duas entradas, as quais,

no período romano, eram, muitas vezes, decoradas com magníficos portões (KOESTER, 2005, p. 79). 271

Nos comentários a respeito do discurso paulino em Atenas, há uma explanação maior com a opinião de

outros estudiosos quanto a esse assunto.

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dos séculos V e IV272

, o Areópago, praticamente, não intervinha na vida

política da cidade. Suas funções, essencialmente, jurídicas, limitavam-se

ao registro dos assassinatos premeditados, dos ferimentos provocados

com a intenção de matar, das tentativas de incêndio e envenenamento.

(...) Tudo indica que, em muitas ocasiões e situações difíceis, o Areópago

foi investido de poderes mais extensos e considerado o guardião da

constituição e das leis (MOSSÉ, 2004, pp. 38-39).

Herodes, o Grande, que reinou de 37 a.C.-04 d.C., reconstruiu a cidade de

Jerusalém273

e mandou construir, na parte noroeste do Templo, uma Fortaleza.

Acredita-se que as escadarias, onde Paulo discursou, fossem as da ―Fortaleza

Antônia‖274

, que era ocupada, somente, por militares. Mais tarde, essa Fortaleza se

tornou uma espécie de ―ministério de guerra‖ romano; ela era rodeada por um muro

gigantesco, que oferecia mais segurança.

A Fortaleza possuía quatro torres muito grandes: três tinham 23 m de altura, e

uma outra, 30 m, aproximadamente. O nome ―Antônia‖ foi uma homenagem ao general

romano Marco Antônio.

Em Jerusalém, havia um destacamento romano, isto é, uma cohors miliária

equitata, sob a supervisão de um tribuno. Assim, as relações com Roma eram

constantes (JEREMIAS, 1983, pp. 92-93). A Fortaleza Antônia é considerada como a primeira construção extraordinária de

Herodes, o Grande. Após essa construção, Herodes empreendeu um novo projeto: um

novo palácio, localizado a oeste, no ponto mais alto da cidade. O palácio de Herodes

272

As datas e séculos mencionados, neste excerto, referem-se a a.C. 273

Jerusalém está edificada sobre montes: a noroeste, o Acra; a nordeste, o Bezeta; ao ocidente, o Sião; ao

oriente, o Moriá; e a suleste, o Ofel. Em 63 a.C., a cidade foi conquistada pelos romanos sob o comando

de Pompeu. No início de 37 a.C., as catapultas dos romanos bombardearam Jerusalém durante quarenta

dias sem interrupção. Quando os militares conseguiram entrar na cidade, Herodes se viu diante de uma

cidade destruída; devido ao grande empreendorismo e organização de Herodes, ele não deixou a cidade

naquele estado por muito tempo. Além do mais, o monarca era muito consciente quanto ao fato de ter

verdadeiras amizades; a sua segurança constituía a sua maior preocupação. Murphy-O‘Connor atesta que

―Herodes teve de lutar para impor sua autoridade sobre o reino que os romanos lhe deram em 40 a.C.‖, já

que Jerusalém não foi subjugada de modo fácil (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, pp. 30-31). Jerusalém,

talvez a mais famosa cidade do mundo, é de suma importância histórica para três religiões diferentes: o

judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Assim sendo, para os judeus, a cidade constitui o local do

Templo e a capital histórica de Judá; para os cristãos, é o local da morte e ―ressurreição‖ de Jesus; por

fim, para os muçulmanos, o local onde ocorreu a ―ascensão‖ de Maomé ao céu (KAEFER, 2012, p. 9). A

cidade de Jerusalém foi fundada em tempos pré-históricos. De acordo com os relatos bíblicos, a cidade

era ocupada pelos jebuseus (Jz 19. 10), sendo que o rei Davi a conquistou e a colocou sob os domínios

israelitas (2 Sm 5. 6-9). Mais tarde, vários povos estrangeiros subjugaram-na (1 Rs 14. 25 ss; 2 Cr 12. 1

ss; 2 Rs 18. 13-19; Is 36-37; 2 Rs 23. 33 ss; 2 Cr 36. 3). Há certos epítetos para a cidade de Jerusalém:

―Sião‖ e ―cidade de Davi‖ (1 Rs 8. 1; 2 Cr 5. 2; 1 Rs 8. 1), ―fortaleza de Sião‖ (2 Sm 5. 7; I Cr 11. 5),

―cidade de Judá‖ (2 Cr 25. 28), ―cidade santa‖ (Ne 11. 1; Is 52. 1), ―cidade de Deus‖ (Is 60. 14) e ―Aelia

Capitolina‖, nome dado pelo Imperador Adriano em 135 d. C., em homenagem a si próprio, pois o seu

primeiro nome era Aelio. 274

Conforme o quarto discurso epidíctico que será estudado no item 6.1.4.

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chamava a atenção pelo fato de possuir três grandes torres denominadas de: Miriamme

(o nome de sua esposa, que fora assassinada), Hippicus (o nome de um amigo seu) e

Phasael (o nome de seu irmão).275 O investimento, nessas grandes construções, resultou

em lucros financeiros à cidade.276

Para obter a simpatia dos judeus, Herodes ordenou a reconstrução do Templo de

Salomão, que já havia sido reformado algumas vezes. Ele ampliou a área do Templo,

criando, desse modo, o maior complexo religioso existente no mundo greco-romano.

Como a construção estava sobre três encostas, houve a necessidade de se fazer

gigantescos muros de contenção. No lado sul, se encontrava o ―Pórtico Real‖, onde

ficava a maior parte do comércio da cidade. Em cada uma das portas havia avisos

informativos atestando a proibição da entrada dos não-judeus, sob pena de morte, caso

alguém infringisse a ordem. Os não-judeus poderiam ter acesso até ao ―Pátio dos

Gentios‖ (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, pp. 31-32).

Uma coorte romana com seiscentos homens protegia o Templo e, em casos de

confusões, poderia intervir, rapidamente, na situação (At 21. 30-32)277.

O controle excessivo exercido pela Fortaleza Antônia sobre o Templo de

Jerusalém e os impostos cobrados por Roma incitaram a resistência judaica ao governo

romano. Como prova disso, as vestes278 do sumo sacerdote eram guardadas pelos

romanos na Fortaleza Antônia; somente, nos dias de festa, a vestimenta era liberada.

Para evitar tal intromissão, os sacerdotes judeus construíram um alto muro para impedir

que os militares da Fortaleza Antônia vissem os acontecimentos de dentro do Templo.

275

Flávio Josefo testemunha que o general Tito, ao ordenar que o exército romano destruísse Jerusalém,

mandou que um pedaço do muro, que se localizava na parte ocidental, e as três torres fossem

preservadas, uma vez que essas torres sobrepujavam todas as outras tanto em altura quanto em

magnificência (FLÁVIO JOSEFO. Guerra dos Judeus Contra os Romanos 7.1. 501). 276

Herodes não se esqueceu dos momentos lúdicos, para isso construiu o teatro fora dos muros, ao sul,

além de um hipódromo e um anfiteatro; não se sabe, nos dias atuais, a sua localização, onde se

comemorava com jogos, as tradicionais festas pagãs, o que ofendia a religiosidade dos judeus piedosos. 277

Provavelmente, o pavimento de pedra denominado de Gabatá, onde Pilatos sentou no julgamento de

Jesus, fosse o pátio de 2.500 m² da Fortaleza Antônia. 278

O vestuário do sumo sacerdote era composto de oito peças no total; acreditava-se que possuía uma

―virtude expiatória‖, uma vez que cada uma das suas peças expiava determinados pecados: túnica de

bisso, calção de bisso, turbante, cinto e, além dessas, quatro peças particulares: peitoral, o efó (larga faixa

de fazenda munida de alças), a túnica de baixo com capuz, o diadema de ouro, colocado sob o turbante

(Ex 28-29). Na verdade, as vestes do sumo sacerdote constituíam um símbolo de sua religião para os

judeus. Haja vista a essas coisas, percebe-se o grande esforço dos judeus para reaverem as vestimentas

sacerdotais. A luta só terminou quando o imperador Cláudio as restituiu por meio de um decreto assinado

por ele mesmo em 28 de junho de 45 d.C. Jeremias destaca que ―a luta pela veste do sumo sacerdote foi,

para os judeus, uma luta religiosa‖ (JEREMIAS, 1983, pp. 208-209). É bom lembrar que Flávio Josefo

faz menção das vestes e dos ornamentos dos sacerdotes e do sumo sacerdote. O historiador judeu sublinha

que os hebreus denominavam as vestes dos sacerdotes de chanes e as do sumo sacerdote, anarabachem

(FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades Judaicas 3. 8. 119).

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172

Além do mais, se houvesse casos de crimes passíveis de pena de morte, os judeus

deveriam entregar os condenados aos romanos (Jo 18. 31279

).

O ápice dos conflitos ocorreu em maio de 66 d.C., quando o governador romano

Géssio Floro confiscou dezessete talentos, aproximadamente, 600 kg do tesouro do

Templo. Houve, então, uma revolta popular e bloquearam as passagens que ligavam a

Fortaleza ao Templo; quando o povo se apoderou da Fortaleza, os soldados romanos se

renderam.

Houve mais confusões nos quatro anos seguintes. Em 70 d.C., sob a liderança de

Tito, os romanos levantaram uma trincheira de 7 km ao redor de Jerusalém, o que

impedia a entrada das provisões. Muitos moradores da cidade morreram de fome, seus

cadáveres ficavam pelas ruas; houve relatos de casos de canibalismo.

A Fortaleza Antônia, em junho, foi retomada pelos romanos e o Templo foi

cercado. Em 27 de agosto de 70 d.C., os militares romanos, finalmente, conseguiram

queimar a porta do Templo e invadir, sendo, mais tarde, o Templo destruído280.

Espaço Privado

1) Ambiente Religioso281

a) Na sinagoga em Antioquia da Pisídia (At 13. 16-41)

Antioquia da Pisídia, que ficava na parte central da Ásia Menor, era uma

província romana, denominada de Caesarea Antiocheia; fica nas proximidades da atual

279

ei^pen ou^n au*toi~ o& Pila~to Lavbete au*toVn u&mei~ kaiV kataV toVn novmon u&mw~n krivnate au*tovn.

Ei^pon au*tw~/ oi& *Ioudai~oi, &Hmi~n ou^k e!xestin a*poktei~nai ou*devna. Por conseguinte, Pilatos disse-

lhes: ‗Tomai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei‘. Os judeus lhe responderam: ‗Não nos é permitido

matar ninguém‘ (Jo 18. 31). 280

Assim é que, em todo o lar judaico, um pedaço de parede devia estar sem decoração, para que

houvesse uma lembrança da destruição do Templo. O ano judaico possui um período de três semanas de

luto, que precede o jejum de Nove de Av, a fim de que os judeus relembrem a destruição de ambos os

Templos (UNTERMAN, 1992, p. 261). O dia 9 de Av (Tish'á Beav) é a data da destruição tanto do

primeiro quanto do segundo Templos judaicos; esse dia também é um dia de jejum público, parecido com

o jejum do Iom Kipur. A propósito, o Tish‘á Beav, depois do Iom Kipur (um dia para se arrepender e para

confessar os erros para se obter o perdão divino), é considerado o dia de jejum mais importante do

calendário judaico. 281

O discurso no Sinédrio em Jerusalém (At 23. 1-6) é um exemplo também de um discurso feito em um

ambiente privado religioso. O primeiro discurso, em Cesareia, diante de Claudio Félix (At 24. 10-21), o

segundo discurso, em Cesareia, diante de Pórcio Festo (At 25. 8-12) e o terceiro discurso, em Cesareia,

diante de Pórcio Festo e do rei Agripa II (At 26. 2-29) são exemplos de discursos proferidos em um

ambiente privado político. Já o primeiro (At 28. 17-20) e o segundo discursos (At 28. 23-28) aos

principais líderes judeus na residência que Paulo havia alugado em Roma constituem exemplos de

discursos proferidos em um ambiente privado secular.

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cidade turca de Yalvaç. Tal qual a cidade maior que possui o mesmo nome282, foi

fundada por Seleuco I em uma homenagem a Antíoco, seu pai. Por ter sido uma

província romana, possuía um contigente de militares aposentados que permaneceram

ali ao receberem terras e a cidadania romana (LAWRENCE, 2008, pp. 152-153).

A sinagoga283 era um local onde os judeus se encontravam para a oração, a

adoração e o estudo da Lei (Toráh). Os membros de uma sinagoga se reuniam no

Sabbath e em dias de festividades. A sinagoga era também um tipo de escola, onde se

estudava a Torah.

Os achados arqueológicos das sinagogas atestaram salas especiais para as aulas.

As sinagogas possuíam uma arca para se guardar os rolos da Lei, um púlpito para os

oradores e leitores, e os utensílios cerimoniais, tais como: mesa, lâmpadas, trombetas

etc.

O culto se iniciava com a recitação do Shemá YIsrael, “Escuta, Israel” (Dt 6. 4-

9), uma espécie de profissão de fé judaica, conforme os versículos subscritos:

: אחד אלהינו יהוה

יהוה

ישראל

4 שמע

לבבך

בכל

אלהיך

יהוה

את

5 ואהבת

הדברים

: 6 והיו מאדך

ובכל

נפשך

ובכל

האלה אשר אנכי מצוך היום על

282

A referência é à cidade de Antioquia, na Síria, uma cidade cosmopolita próxima ao rio Orontes, nos

dias atuais, e conhecida como Antaquia (ou Antakya), no sudeste da Turquia. Em Antioquia da Síria, os

discípulos foram chamados pela primeira vez de ―cristãos‖, Cristianov (At 11. 25-26; EUSÉBIO DE

CASAREIA.. Historia Ecclesiastica 2.3.3). Pode-se dizer que ―cristão‖ foi uma terminologia que se

originou como um rótulo dado por estrangeiros para todos aqueles que seguiam a Cristo. Convém lembrar

que, de acordo com testemunhos não cristãos, os vocábulos ―Khrestus‖ (Cristo) e ―Khistianoí‖ (Cristãos)

eram sinônimos de confusões e crimes em Antioquia, como corroboram os escritos de Suetônio e de

Tácito. O primeiro diz que: Iudaeos impulsore Chresto assidue tumultuantis Roma expulit, ―Cláudio

expulsou de Roma os judeus que, constantemente, provocavam desordens por instigação de Chrestus‖

(SUETONIUS. Divus Claudius 25. 4); e mais: afflicti suppliciis Christiani, genus hominum

superstitionis nouae ac maleficae, ―A punição foi infligida aos cristãos, uma classe de homens em uma

nova e maléfica superstição‖ (SUETONIUS. Nero 16.2). Já Tácito informa que: auctor nominis eius

Christus Tiberio imperitante per procurator em Pontium Pilatum supplicio adfectus erat, ―O autor desse

nome, Cristo, fora executado pelo procurador Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério‖ (TACITUS.

Annales 15.44). Cristãos que fugiram das perseguições em Jerusalém, após a morte de Estêvão, haviam

se instalado em Antioquia e fundaram uma comunidade cristã na cidade. Essa comunidade usufruiu de

grande êxito em suas pregações aos cipriotas, cireneus e gregos (At 11. 19-26). Rowe destaca que o termo

―cristão‖ continua sendo a melhor palavra que aponta, sem ambiguidade, para o padrão de vida comum

que os judeus e os gentios tinham em uma fé que os unia a Jesus de Nazaré como Senhor de tudo

(ROWE, 2009, p. 15). 283

Conforme o primeiro discurso epidíctico que será estudado no item 6.1.1.

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בם בשבתך

לבניך ודברת

7 ושננתם

: לבבך

וקשרתם

8

: ובקומך

ובשכבך

בדרך

ובלכתך

בביתך

בין

לטטפת

על ידך והיו

לאות

ובשעריך :

ביתך

בתםוכת על מזוזת 9 : עיניך

4 Escuta, Israel! O Eterno é nosso Deus, o Eterno é um só! 5 E amarás

ao Eterno, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com

todas as tuas posses. 6 E estas palavras que eu te ordeno hoje estarão

sobre o teu coração, 7 e as inculcarás a teus filhos, e delas falarás

sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-

te. 8 E as atarás como sinal na tua mão, e serão por filactérios [Tefilin]

entre os teus olhos, 9 e as escreverás nos umbrais [Mezuzá] de tua casa

e nas tuas portas (Dt 6. 4-9).

Em seguida, fazia-se uma longa oração. Uma parte da Lei era lida em hebraico

(mais tarde foi acrescentada a leitura dos profetas); depois havia a tradução na língua

local284

e, em seguida, havia a pregação a respeito de algum excerto lido, e que também

poderia ser liderada por algum membro da sinagoga (At 15. 21)285

.

Podem-se extrair algumas informações de como era a organização dessas

comunidades nas sinagogais. Quem direcionava os cultos religiosos eram os anciãos da

própria comunidade. A manutenção da sinagoga ficava a cargo de um a*rcisunavgwgo,

isto é, ―chefe da sinagoga‖ ou ―líder espiritual‖ (Lc 8. 41; At 13. 15; 18. 8-17). Quando

havia um sacerdote presente, a reunião finalizava pela bênção sacerdotal (Nm 6. 24-26).

Na verdade, já que não havia altares nas sinagogas, as orações e a leitura da Lei ficaram

284

É bom lembrar que, quando os judeus retornaram à Palestina (conforme o decreto de Ciro, rei medo-

persa (Ed 1. 2-4; 6. 2-5 e 2 Cr 36. 23), haviam perdido o uso da ―língua de seus antepassados‖, então,

houve a necessidade de um intérprete. Assim sendo, a leitura em público dos escritos sagrados era

acompanhada de explicação pelo leitor, para que todos compreendessem, como atesta Neemias: ―Os

levitas liam, com clareza, o texto do livro, expondo a Torá de Deus, interpretando seu conteúdo, fazendo

com que todos compreendessem a leitura‖ (Ne 8. 8). A princípio esses ―targuns‖ eram simples e

resumidos, sendo, pouco a pouco, aperfeiçoados. As escrituras religiosas judaicas possuem vinte e quatro

livro divididos em três seções. O significado do vocábulo targum é ―tradução‖, isto é, tradução-

comentário da escritura em aramaico. Assim, as traduções da Toráh eram feitas, a princípio, linha a linha,

por tradutores profissionais, quando era feita a leitura do Pentateuco na sinagoga. Unterman salienta que

algumas seções da Bíblia eram deixadas sem tradução, uma vez que não eram consideradas apropriadas

às pessoas comuns (UNTERMAN, 1992, p. 260). 285

Mwu>sh~ gaVr e*k genew~n a*rcaivwn kataV povlin touV khruvssonta au*toVn e!cei e*n tai~

sunagwgai~ kataV pa~n savbbaton a*naginwskovmeno. Moisés, pois, possui, desde gerações antigas, em

cada cidade, aqueles que o anunciam (Jo 15. 21).

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no lugar dos sacrifícios. Não se pode afirmar se, no tempo do Novo Testamento, havia

escolas para as crianças.

A sinagoga, ainda, era um local para se estreitar os laços sociais entre seus

membros que podiam se reunir por motivos específicos como, por exemplo, assar pão

sem fermento. Ora, Stambaugh e Balch sublinham que a ―sinagoga fortalecia, de várias

formas, o sentimento que os judeus tinham de serem especiais e separados‖

(STAMBAUCH, BALCH, 2008, pp. 42-43).

Assim é que o vocábulo grego sunagwghv, ―assembleia‖,286

referia-se, de um

modo geral, a um grupo de pessoas, a uma comunidade ou a uma congregação. Se o

grupo religioso fosse pequeno, muitas vezes, seus fiéis se reuniam em alguma casa

particular ou, então, adquiriam uma casa ou outro local para suas atividades religiosas.

Esse local era denominado de sinagoga ou proseuchv, ―lugar de oração‖.

Para cuidar dos negócios seculares, havia um comitê executivo; presume-se que

havia um secretário, cujo ofício era cuidar dos arquivos e entregar as correspondências.

Os relatos bíblicos fazem referência a um ―assistente, colaborador‖, u&phrevth (Lc 4.

20; Jo 7. 32), que zelava pelo edifício, mantendo a ordem durante o serviço religioso, e

podendo fazer determinados comunicados; quando necessário, ele liderava as preces e

ministrava alguma punição corporal conforme a Lei.

Tal qual o sinédrio, a sinagoga detinha determinados poderes judiciais e

punitivos (Mt 10. 7; 23. 34; Lc 21. 12; At 9. 2; 22. 19; 26. 11). Normalmente, a

arquitetura desses locais dependia do número dos membros e dos recursos da

comunidade287

.

286

Do grego sunagwghv (preposição suvn + verbo a!gw, trago), ―reunião, ajuntamento‖, denotando

―acumulação de coisas, ajuntamento‖, daí ―assembleias, reuniões religiosas dos judeus‖: 2 h*/thvsato

par’ au*tou~ e*pistolaV ei* DamaskoVn proV taV sunagwgav, o@pw e*avn tina eu@rh/ th~ o&dou~

o!nta, a!ndra te kaiV gunai~ka, dedemevnou a*gavgh/ ei* *Ierousalhvm. 2 Pediu cartas da parte dele

(do sumo sacerdote) para as sinagogas de Damasco, a fim de que, se encontrasse alguém que era do

Caminho, tanto homens quanto mulheres, os conduzisse presos para Jerusalém (At 9. 2); ―assembleia de

judeus cristãos‖: 2 e*aVn gaVr ei*sevlqh/ ei* sunagwghVn u&mw~n a*nhVr crusodektuvlio e*n e*sqh~ti

lampra~/, ei*sevlqh/ deV kaiV ptwcoV e*n r&upara~/ e*sqh~ti. 2 Se, pois, entrar na vossa sinagoga, um homem,

com anel de ouro, em vestimenta brilhante, e entrar também um pobre com vestimenta suja (...) (Tg 2. 2).

Assim, no início do movimento cristão, as reuniões nas comunidades judaico-cristãs eram denominadas

de ―sinagoga‖. 287

Ressalte-se que a sinagoga existente em Cafarnaum fora erguida através dos recursos financeiros de

um ―pagão‖ (Lc 7. 5). Tem-se, na narrativa lucana, a mênção de uma ―Sinagoga dos Libertos‖,

possivelmente, de judeus gregos residentes em Jerusalém (At 6. 9). A cidade antiga de Gamala, cuja

população era formada, predominantemente, por judeus, situada a leste do Lago da Galileia, foi dominada

pelo general romano Vespasiano em 67 d.C. Naquela cidade, foi encontrado um salão com colunas que

mediam cerca de 20 m de comprimento; supõe-se que era uma sinagoga. No forte de Herodes, em

Massada, localizado próximo ao mar Morto, uma sala foi encontrada, com quatro fileiras laterais de

bancos revestidos de gesso. No canto, havia uma sala menor, onde estavam dois rolos de couro com

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Convém lembrar que o motivo principal para o surgimento da sinagoga foi

devido à destruição do Templo de Jerusalém em torno de 587 a.C. e à dispersão dos

judeus para as regiões externas da Palestina288. As sinagogas eram ocupadas tanto por

judeus quanto por prosélitos, gentios convertidos ao judaísmo.

No tempo do Novo Testamento, as sinagogas existiam tanto dentro da Palestina

quanto fora; podia haver várias sinagogas nas grandes cidades. Em Roma, havia, pelo

menos, onze sinagogas. Ao que tudo indica, essas sinagogas usufruíam de certa

autonomia. Entrementes, em algumas cidades, poderia existir uma organização mais

geral que coordenava as suas atividades, tendo, inclusive, cemitérios comuns.

A presença das sinagogas judaicas nas cidades greco-romanas foi de suma

importância para o sucesso da missão cristã do ponto de vista social e religioso. É fato

que os primitivos cristãos tiveram as sinagogas como um meio de inspiração para as

suas atividades religiosas: leitura, interpretação dos escritos sagrados, orações e

refeições comuns. Interessante registrar que se pode fazer uma analogia entre o culto

nas sinagogas e nos círculos cristãos primitivos, apesar de o culto cristão, considerado o

principal, ter sido transferido para o domingo. As comunidades cristãs possuíam anciãos

para a direção dos cultos, os diáconos auxiliavam nas funções e o bispo supervisionava.

A propósito, o objetivo da sinagoga era, então, dar continuidade à unicidade das crenças

judaicas.

Tanto a sinagoga como a igreja cuidava da caridade para com os pobres,

as viúvas e os órfãos dentre seus membros. Mesmo quando a seita

cristã tinha desenvolvido sua própria identidade, e a observação da Lei

tornou-se opcional, houve, pelo que parece, cristãos que continuaram a

observar seus costumes judaicos tradicionais (STAMBAUGH, BALCH,

2008, pp. 130-131).

Ressalte-se que as sinagogas judaicas, diante da lei, eram toleradas, uma vez que

podiam ser consideradas como uma espécie de collegia289 e, além do mais, Júlio César

passagens dos livros de Deuteronômio e Ezequiel; supõe-se que esse local também era uma sinagoga

(LAWRENCE, 2008, p. 126). Mckenzie atesta que: ―A guerra judaico-romana de 66-70 d.C. parece ter

levado à destruição da maior parte das sinagogas palestinenses, porque não há restos que sejam, com

certeza, anteriores ao século III d.C. É improvável que houvesse modificações notáveis no estilo da

construção, que era muito simples: consistia em uma sala retangular, geralmente, no estilo da basílica

com uma nave central e duas laterais. A entrada tinha uma ou três portas com um vestíbulo e,

possivelmente, um pórtico. Nestas sinagogas mais tardias, a separação de sexos era feita por uma galeria

nos dois lados e, no fundo, onde as mulheres se sentavam‖ (MCKENZIE, 1983, p. 883). 288

Acredita-se que a sinagoga já existia no tempo de Esdras, e, provavelmente, no período do exílio

babilônico. Em Salmo 74. 8, considerado um salmo pós-exílico, tem-se referência a uma sinagoga: 8 Em

seus corações resolveram: ‗Vamos destruí-los a todos de uma vez‘. E todas as congregações do Eterno

incendiaram (Sl 74. 8). 289

Na Roma antiga, um collegium (plural collegia) era considerada uma corporação pública ou privada.

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permitiu as suas reuniões. Inicialmente, parece que os cristãos usufruíram desse mesmo

privilégio, já que as autoridades romanas não distinguiam entre os grupos cristãos e as

sinagogas judaicas das quais provinham. Não obstante, quando as autoridades

começaram a fazer a distinção entre os dois grupos, os cristãos deixaram de usufruir de

privilégios (STAMBAUGH, BALCH, 2008, pp. 130-131).

O movimento cristão, nas suas três primeiras décadas, para os ―pagãos‖,

assemelhava-se a uma variação do judaísmo, e, consequentemente, não foi tão vítima

das autoridades romanas. Os romanos fizeram a distinção, pela primeira vez, quando os

cristãos foram alvos de perseguição em 64 d.C., quando foram acusados de incendiar

Roma sob o imperador Nero, sendo alguns cristãos queimados vivos (ibidem, p. 53).

Na verdade, o cristianismo não satisfazia ao conceito romano de religio licita

―religião legítima / lícita‖. Os romanos tinham aprendido a ser tolerantes com a

existência de comunidades religiosas judaicas existentes nas cidades, embora fontes

antigas não mostrassem evidências para a hipótese moderna de que os judeus possuíam

uma posição de religio licita290, ―religião lícita‖. Koester destaca que: ―Localmente,

porém, os judeus tinham privilégios antigos, mesmo que esses fossem, às vezes,

contestados, e constituíam uma nação que podia alegar a posse de uma longa tradição‖

(KOESTER, 2005, p. 368).

Paulo e seus companheiros de viagens somente abandonavam as sinagogas,

quando eram expulsos, mas a sinagoga tornou-se um importante espaço para a difusão

das ―Boas Novas‖ na Ásia e na Europa.

Frequentemente, certos líderes das sinagogas arrastavam Paulo para as

autoridades romanas, mas, de um modo geral, essas autoridades consideravam o assunto

como sendo uma disputa interna entre os judeus, havendo a recusa em dar audiência ao

caso. Quando Gálio/Galião291

era procônsul em Corinto, os judeus conduzem Paulo até

o tribunal, fazendo-lhe acusações, dizendo: levgonte o@ti ParaV toVn novmon

a*napeivqei ou%to touV a*nqrwvpou sevbesqai toVn qeovn, ―este persuade os homens a

290

É bom lembrar que, para Fabris, o judaísmo possuía o status de religio licita, conforme já foi visto

anteriormente (FABRIS, 1996, p. 24). 291

Marcos Aneus Novato adotou o nome de Lúcio Júnio Aneus Galião após sua adoção pelo orador Lúcio

Júnior Galião. O procônsul era irmão do filósofo Sêneca. Normalmente, esse cargo era ocupado por cerca

de um ano, mas era permitida sua permanência em casos especiais. O episódio ocorrido entre os judeus,

Paulo e Galião data-se em torno de 51 ou 52 d.C. Acredita-se que a atitude do procônsul ratifica um

comportamento desprezível em relação às causas religiosas judaicas. Um ano antes, Tibério Cláudio Nero

Germânico, imperador de Roma, expulsara os judeus de Roma (At 18. 2), o que fez com que Áquila e

Priscila fossem a Corinto, onde permaneceram junto a Paulo.

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prestarem culto a Deus de modo contrário à lei‖ (At 18. 13)292. Mas, quando Paulo ia se

defender, é impedido pelo procurador, pois já que era uma questão periV lovgou kaiV

o*nomavtwn kaiV novmou (...), ―de palavra, de nomes e da lei (dos judeus),‖ (At 18. 15); na

verdade, quem teria de cuidar disso eram os judeus, pois ele não queria ser krithV e*gwV

touvtwn, ―juiz dessas coisas‖ (At 18. 15) e expulsa a todos do tribunal.

A seguir, no capítulo subscrito, tem-se um estudo a respeito dos discursos

paulinos reproduzidos por Lucas nos Atos dos Apóstolos.

292

Paulo, certa vez, em Jerusalém, fora espancado, ao ser acusado de, entre outras coisas, ensinar a todos

a serem contra a Lei (At 21. 28).

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6. OS DISCURSOS PAULINOS

6.1 Os Discursos Epidícticos

6.1.1 O Discurso na Sinagoga em Antioquia da Pisídia

- Notas Introdutórias

Depois de terem passado por Salamina e Pafos, Paulo e Barnabé se dirigem para

Antioquia da Pisídia (At 13. 13-41). Eles chegam à cidade pelo porto de Atália (At 14.

25). Lucas deixa claro que João Marcos retorna para Jerusalém, deixando Paulo e

Barnabé sozinhos (At 13).

Lucas, o narrador primário dos Atos, em discurso narrativizado (conforme

―narrativa pura‖), pontua que Paulo e seus companheiros se dirigiram, em um sábado, à

sinagoga, na cidade de Antioquia da Pisídia, e estavam assentados, assistindo ao culto.

Os chefes da sinagoga, após a leitura da Lei e dos Profetas293

, disseram que se alguém

tivesse alguma palavra de exortação para o povo, que a ele se dirigissem (At 13. 14-

15)294. Paulo, imediatamente, se levantou, fez sinal de silêncio com a mão (sugestivo

recurso extraverbal) e iniciou o seu discurso (At 13. 16-41).

O narrador primário, ainda, afirma que, após eles terem saído, foi pedido a eles

que fossem ditas essas mesmas palavras no sábado seguinte. Quando a sinagoga foi

293

A divisão da Bíblia Hebraica é tríplice: a Lei, os Profetas e os Escritos Hagiográficos. Esse último é

conhecido, no meio cristão, pela denominação de Livros Históricos (incluindo também o livro de Daniel

que é considerado histórico) e Poéticos. Assim, tem-se a seguinte divisão dos livros da Bíblia Hebraica:

1) a Torá: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio; 2) os Profetas: Josué, Juízes, Samuel,

Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, os Doze (Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Mihá (Miqueias), Nahum,

Habacuc, Tsefaniá (Sofonias), Hagai (Ageu), Zacarias, Malaquias; 3) os Escritos: Salmos, Provérbios, Jó,

Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Ezra-Neemias, Crônicas (BÍBLIA

HEBRAICA, 2012, p. 5). Citem-se, apenas, algumas referências neotestamentárias aos Escritos

Religiosos Judaicos: Mt 5. 17; 7. 12; 11. 13; 22. 40; Lc. 16. 16; 24. 44. 294

Era uma atitude comum alguém do público dar uma palavra aos demais ouvintes em uma sinagoga: 16

KaiV h^lqen ei* Nazarav, ou% h^n teqrammevno, kaiV ei*sh~qen kataV toV ei*wqoV au*tw~/ e*n th~/ h&mevra/

tw~n sabbavtwn ei* thVn sunagwghVn kaiV a*nevsth a*nanagnw~nai. 17 kaiV e*pedovqh au*tw~/ biblivon tou~

profhvtou *Hsai>vou kaiV a*naptuvxa toV biblivon eu%ren toVn tovpon ou% hn gegrammevnon. 18

Pneu~ma

kurivou e*p’ e*meV ou% ei@neken e!crisevn me eu*aggelivsasqai ptwcoi~. a*pevstalkevn me, khruvxai

ai*cmalwvtoi a!fesin kaiV tufloi~ a*navbleyin, a*postei~lai teqrausmevnou e*n a*fevsei, 19 khruvxai

e*niautoVn kurivou dektovn. 20 kaiV ptuvxa toV biblivon a*podouV tw/ u&phrevth/ e*kavqisen: kaiV pavntwn

oi& o*fqalmoiV e*n th~/ sunagwgh~/ h^san a*tenivzonte au*tw~/. 21 h!rxato deV levgein proV au*touV (...).

16 E

foi para Nazaré, onde foi criado, e, de acordo com o seu costume, em um dia de sábado, entrou na

sinagoga e se levantou para ler. 17

E lhe foi entregue um rolo do profeta Isaías e, após ter desenrolado o

rolo, encontrou o lugar onde estava escrito: 18

O Espírito do Senhor (está) sobre mim, pelo que me ungiu

para evangelizar aos pobres, enviou-me para proclamar libertação aos presos e recuperação da vista aos

cegos, para colocar em liberdade os oprimidos, para proclamar o ano favorável do Senhor. 20

E, após ter

enrolado o rolo, entregando ao assistente, se sentou; e todos os olhos estavam fixos nele na sinagoga. 21

Ora, começou a dizer-lhes (...) (Lc 4. 16-21).

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dispersa, muitos dos judeus e dos devotos prosélitos acompanharam a Paulo e a

Barnabé, os quais, conversando com eles, os persuadiam a permanecer na graça de Deus

(At 13. 42-43).

O médico gentio divide a ação missionária de Paulo e de Barnabé em Antioquia

da Pisídia em dois sábados sucessivos. Assim é que, na reunião do sábado seguinte, a

maioria dos judeus rejeitou a pregação de Paulo e de Barnabé, que fez com que ambos

se voltassem com suas pregações para os gentios. Os judeus persuadiram tanto as

mulheres de alta posição quanto os principais representantes da cidade, e perseguiram

aos apóstolos, os quais acabaram expulsos daquela região (At 13. 46-50).

- Comentários

Nesta parte do trabalho, far-se-á observações a respeito do discurso paulino na

sinagoga em Antioquia da Pisídia, tomando, por referências, as fases da elaboração de

um discurso, diga-se:

1) Inventio:

Possivelmente, cinco foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo selecionou

e utilizou para constituir o qevma, a ―matéria‖, de seu discurso na sinagoga em Antioquia

da Pisídia:

a) Um resumo da história antiga de Israel295

(versículos 17-22);

b) Jesus Nazareno anunciado como o ―Salvador‖ (versículos 23-31);

c) O ―Evangelho da promessa‖ feita aos pais, enfatizando o assunto da ―ressurreição‖

(versículos 32-33);

d) Comparações entre o rei Davi e Jesus Nazareno (versículos 34-39);

e) Uma advertência ao seu público (vers. 40-41).

2) Dispositio:

Assim é que o apóstolo organiza os elementos da inventio do seguinte modo296:

295

Costuma-se dizer que o discurso na sinagoga em Antioquia da Pisídia é semelhante ao discurso de

Estevão (At 7. 1-54), uma vez que, em ambos os discursos, tem-se a presença, na narração, de

acontecimentos da história antiga de Israel.

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a) O Proêmio (toV prooivmion):

16 !Andre *Israhli~tai kaiV oi& fobouvmenoi toVn qeovn, a*kouvsate.

16 Ó varões israelitas e aqueles que reverenciam a Deus, escutai!

b) A Narração (h& dihvghsi)

17 o& qeoV tou~ laou~ touvtou *Israhvl e*xelevxato touV patevra h&mw~n kaiV toVn laoVn

u@ywsen e*n th~/ paroikiva/ e*n gh~/ Ai*guvptou kaiV metaV bracivono u&yhlou~

e*xhvgagen au*touV e*x au*th~. 18 kaiV w& tesserakontaeth~ crovnon e*tropofovrhsen

au*touV e*n th~/ e*rhvmw/ 19 kaiV kaqelwVn e!qnh e&ptaV e*n gh~/ Canavan

kateklhronovmhsen thVn gh~n au*tw~n 20 w& e!tesin tetrakosivoi kaiV penthvkonta.

kaiV metaV tau~ta e!dwken kritaV e@w SamouhVl [ tou~ ] profhvtou. 21 ka*kei~qen

h*/thvsanto basileva kaiV e!dwken au*toi~ o& qeoV toVn SaouVl ui&oVn Kiv, a!ndra e*k

fulh~ Beniamivn, e!th tesseravkonta, 22 kaiV metasthvsa au*toVn h!geiren toVn

DauiVd au*toi~ ei* basileva w%/ kaiV ei^pen marturhvsa, Euron DauiVd toVn tou~

*Iessaiv, a!ndra kataV thVn kardivan mou, o$ poihvsei pavnta taV qelhvmatav mou. 23

touvtou o& qeoV a*poV tou~ spevrmato kat’ e*paggelivan h!gagen tw~/ *IsrahVl

swth~ra *Ihsou~n, 24 prokhruvxanto *Iwavnnou proV proswvpou th~ ei*sovdou au*tou~

bavptisma metanoiva pantiV tw~/ law~/ *Israhvl. 25 w& deV e*plhvrou *Iwavnnh toVn drovmon, e!legen, Tiv e*meV u&ponoei~te ei^nai; ou*k ei*miV e*gwv: a*ll’ i*douV e!rcetai met’

e*meV ou% ou*k ei*miV a!xio toV u&povdhma tw~n podw~n lu~sai.

26 !Andre a*delfoiv, ui&oiV gevnou *AbraaVm kaiV oi& e*n u&mi~n fobouvmenoi toVn

qeovn, h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh. 27 oi& gaVr katoikou~nte

e*n *IerousalhVm kaiV oi& a!rconte au*tw~n tou~ton a*gnohvsante kaiV taV fwnaV

tw~n profhtw~n taV kataV pa~n savbbaton a*naginwskomevna krivnante

e*plhvrwsan, 28 kaiV mhdemivan ai*tivan qanavtou eu&rovnte h/*thvsanto Pila~ton

a*naireqh~nai au*tovn. 29 w& deV e*tevlesan pavnta taV periV au*tou~ gegrammevna,

kaqelovnte a*poV tou~ xuvlou e!qhkan ei* mnhmei~on. 30 o& deV qeoV h!geiren au*toVn

e*k nekrw~n, 31 o$ w!fqh e*piV h&mevra pleivou toi~ sunanaba~sin au*tw~/ a*poV th~

Galilaiva ei* *Ierousalhvm oi@tine [ nu~n ] ei*sin mavrture au*tou~ proV toVn

laovn. 32 kaiV h&mei~ u&ma~ eu*aggelizovmeqa thVn proV touV patevra e*paggelivan

genomevnhn, 33 o@ti tauvthn o& qeoV e*kpeplhvrwken toi~ tevknoi [ au*tw~n ] h&mi~n

a*nasthvsa *Ihsou~n w& kaiV e*n tw~/ yalmw~/ gevgraptai tw~/ deutevrw/,

Ui&ov mou ei^ suv, e*gwV shvmeron gegevnnhkav se.

34 o@ti deV a*nevsthsen au*toVn e*k nekrw~n mhkevti mevllonta u&postrevfein ei* diafqoravn, ei!rhken o@ti Dwvsw u&mi~n taV o@sia DauiVd taV pista.

296

Saout divide o discurso em três partes: 1) um resumo da história de Israel (vers. 16-25); 2) anuncia-se

o querigma (vers. 26-37); 3) as consequências morais da pregação (vers. 38. 41) (SAOUT apud

CASALEGNO, 2005, p. 261).

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35 diovti kaiV e*n e&tevrw/ levgei,

Ou* dwvsei toVn o@siovn sou i*dei~n diafqoravn.

36 DauiVd meVn gaVr i*diva/ genea~/ u&phreyhvsa th~/ tou~ qeou~ boulh~/ e*koimhvqh kaiV

prosetevqh proV touV patevra au*tou~ kaiV ei^den diafqoravn: 37 o$n deV o& qeoV

h!geiren, ou*k ei^den diafqoravn. 38 gnwstoVn oun e!stw u&mi~n, a!ndre a*delfoiv, o@ti

diaV touvtou u&mi~n a!fesi a&martiw~n kataggevlletai, [ kaiV] a*poV pavntwn w%n ou*k

h*dunhvqhte e*n novmw/ Mwu>sevw dikaiwqh~nai, 39 e*n touvtw/ pa~ o& pisteuvwn dikaiou~tai. 17 O Deus deste povo de Israel escolheu para si os nossos pais e exaltou o povo durante

o exílio na terra do Egito e, com braço poderoso, os conduziu para fora dessa (terra). 18

E, por um espaço de tempo de quarenta (anos), suportou-os no deserto 19 e, após

destruir sete nações na terra de Canaã, deu em herança a terra deles; 20

aproximadamente, cerca de quatrocentos e cinquenta anos (se passaram até o

cumprimento dessas coisas). E, depois dessas coisas, deu juízes até o profeta Samuel. 21

E, em seguida, pediram, insistentemente, um rei, e Deus lhes deu a Saul, filho de Quis,

homem da tribo de Benjamim, (por) quarenta anos. 22 E, após tê-lo removido, lhes

levantou a Davi para rei, de quem também, após ter dado testemunho, disse: Encontrei

a Davi, o (filho) de Jessé, homem segundo o meu coração que fará todas as minhas

vontades. 23 Da descendência deste, segundo a promessa, Deus trouxe para Israel o

Salvador Jesus, 24 após João ter proclamado primeiro diante da vinda dele (o) batismo

de arrependimento a todo o povo de Israel. 25 E ainda, quando João completava a sua

missão, dizia: Quem supondes vós que eu seja? eu não sou; mas eis que vem depois de

mim aquele de quem não sou digno de desatar a sandália dos pés.

26 Ó varões irmãos e aqueles que reverenciam a Deus entre vós, (sois) filhos da

linhagem de Abraão, a palavra dessa salvação foi enviada a nós, 27 pois aqueles que

habitam em Jerusalém e os chefes deles - ao desconhecerem isto e as palavras dos

profetas que são lidas em público durante todo o sábado - quando (o) julgaram,

cumpriram (a profecia). 28 E, após não terem encontrado nenhuma acusação de morte,

pediram, insistentemente, a Pilatos para que ele fosse condenado à morte. 29 Então,

quando completaram todas as coisas que estavam escritas a respeito dele, tirando-(o) do

madeiro, puseram-(no) no sepulcro. 30 Ora, Deus o ressuscitou dos mortos, 31 o qual

foi visto por muitos dias por aqueles que lhe acompanharam na subida da Galileia para

Jerusalém, os quais alguns, neste momento, são testemunhas dele para o povo. 32 E nós

vos anunciamos o Evangelho da promessa feita aos pais, 33 que Deus cumpriu

completamente esta (promessa) a nós, aos filhos deles, ressuscitando a Jesus da mesma

maneira que também está escrito no salmo segundo:

Tu és meu filho,

Eu, hoje, te gerei.

34 Ora, ressuscitou-o dos mortos, jamais estando por retornar para a corrupção, disse:

Darei a vós as coisas sagradas (e) as coisas fiéis de Davi,

35 porque também em outra passagem (das Escrituras) diz:

Não darás o teu Santo para ver corrupção.

36 Por isso é que Davi, após ter servido a sua geração, adormeceu pelo desígnio de

Deus e foi posto junto de seus pais e viu corrupção; 37 mas aquele que Deus ressuscitou

não viu corrupção. 38 Por conseguinte, seja conhecido por vós, ó varões irmãos, que,

por meio deste, é proclamado o perdão de pecados a vós e de todas as coisas, as quais

não pudestes ser justificado na lei de Moisés; 39 nisso, todo aquele que crê é

considerado justo.

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c) O Epílogo (o& e*pivlogo)

40 blevpete oun mhV e*pevlqh/ toV ei*rhmevnon e*n toi~ profhvtai, 41 !Idete, oi& katafronhtaiv, kaiV qaumavsate kaiV a*fanivsqhte,

o@ti e!rgon e*rgavzomai e*gwV e*n tai~ h&mevrai u&mw~n,

e!rgon o$ ou* mhV pisteuvshte e*aVn ti e*kdihgh~tai u&mi~n. 40 Portanto, vede (para)

que não sobrevenha aquilo que foi dito entre os profetas:

41 Vede, ó escarnecedores,

admirai e sede consumidos,

porque eu realizo uma obra durante os vossos dias,

obra que, de maneira nenhuma, creríeis se alguém narrasse, eventualmente, em

detalhes a vós.

3) Elocutio:

O proêmio se inicia por uma oração absoluta (período simples), cujo verbo está

no imperativo aoristo a*kouvsate, ―ouvi, escutai‖:

16 Andre *Israhli~tai kaiV oi& fobouvmenoi toVn qeovn, a*kouvsate

(...), ó varões israelitas e aqueles que reverenciam a Deus, escutai! (...).

O proêmio desse discurso se inicia com o emprego do vocativo !Andre

*Israhli~tai kaiV oi& fobouvmenoi toVn qeovn, ―ó varões israelitas e aqueles que

reverenciam a Deus, escutai!‖, onde os sintagmas !Andre *Israhli~tai, ―ó varões

israelitas‖ e oi& fobouvmenoi toVn qeovn, ―aqueles que reverenciam a Deus‖,

coordenados pela conjunção coordenativa aditiva kaiv, ―e‖, assinalam a interpelação

direta, com o orador enfatizando a especificidade do público ao qual se dirige. No

excerto em questão, o particípio presente médio do verbo fobevw, fobouvmenoi é

antecedido pelo artigo oi&, numa frase exclamativa sem interjeição, substitutindo, dessa

forma, o vocativo na interpelação. Ressalte-se ainda que o vocativo é a forma

conversacional por excelência, nas interações verbais, onde quer que se apresente.

Logo após o vocativo, que dá início ao discurso, vem a forma de imperativo

aoristo ativo, na segunda pessoa do plural, a*kouvsate, ―ouvi, escutai‖. O emprego do

imperativo, outro recurso conversacional recorrente, sugere aqui o pedido, da parte do

orador, para que os ouvintes (que interagem com ele num suposto ―turno

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conversacional‖) passem a prestar atenção à mensagem que lhes vai ser transmitida a

partir de então.

Assim é que se encontra, no proêmio, a figura denominada de apóstrofe297

para a

interpelação direta.

Desse modo, podia-se ter como ouvintes em uma sinagoga, pelo menos, dois

grupos expressivos: os judeus de nascimento e os gentios. Esses últimos poderiam ser

divididos em dois grupos: os prosélitos298 (gentios convertidos ao judaísmo, que

aceitaram os costumes judaicos, como a circuncisão, a observância do sábado, a

abstenção de carnes proibidas e o estudo da Lei (Torá)) e os gentios não convertidos,

que não se subordinaram aos ritos religiosos judaicos, mas que assistiam aos cultos nas

sinagogas299

, denominados, geralmente, de os ―devotos, os tementes, os reverentes a

Deus‖.

Não obstante, pode-se inferir que Paulo, ao invocar também oi& fobouvmenoi

toVn qeovn, ―aqueles que reverenciam a Deus‖, esteja se referindo aos dois grupos de

gentios: tanto os convertidos (prosélitos) quanto os não convertidos, ainda que, ao final

do discurso na sinagoga, muitos dos judeus e dos prosélitos conversaram com Paulo e

com Barnabé (At 13. 43), não fazendo nenhuma referência aos gentios não convertidos.

O vocábulo ―gentio‖ (do hebraico ―goi /goj‖ ) significa um não-judeu, isto é,

que não é um ―filho da aliança‖300

. Em tempos remotos, gentios, considerados

―idólatras‖, não eram dignos de credibilidade; até mesmo as suas boas atitudes eram

interpretadas como visando a sua própria ―glorificação‖. Unterman atesta que ―com o

surgimento do Cristianismo e do Islamismo alguns rabinos procuraram diferenciar entre

297 a*postrofhv, h~ (h&) - significado literal: ação de se desviar, de se afastar - é a figura de linguagem

que exerce a função de um vocativo, servindo para a interpelação direta. A invocação pode ser

empregada em relação à coisas personificadas ou à pessoas ou quando, em meio a uma narrativa, o autor

imagina o leitor como sendo um ouvinte que está diante de si. 298

No Novo Testamento, proshvluto, ou (o&) é empregado para os convertidos ao judaísmo, sejam eles

estrangeiros ou não (Mt 23. 15; At 2. 10; 6. 5; 13. 43). 299 O centurião Cornélio é denominado de ―homem devoto e que temia a Deus‖. Oi& deV ei^pan,

Kornhvlio e&katontavrch, a*nhVr divkaio kaiV fobouvmeno toVn qeoVn marturouvmenov te u&poV o@lou

tou~ e!qnou tw~n *Ioudaivwn, e*crhmativsqh u&poV a*ggevlou a&givou metapevmyasqaiv se ei* toVn oikon

au*tou~ kaiV a*kou~sai r&hvmata paraV sou~. Eles disseram: ‗O centurião Cornélio, um homem justo e

reverente a Deus, testemunhando a toda a nação dos judeus, foi admoestado por um santo anjo para te

chamar em tua casa e ouvir as palavras de tua parte‘ (At 10. 22). Ver também: Lc 7. 4. 300

A diaqhvkh é utilizada na Septuaginta (LXX) como tradução do vocábulo hebraico berîth, ,

―concerto, aliança, pacto, liga‖. É bem provável que esta palavra tenha sua origem etimológica em uma

raiz acadiana que tem por significado ―acorrentar‖, como atestam os pesquisadores W. E. Vine, Merril F.

Unger e William White Junior (VINE, W. E. et alii, 2002, p. 75). Assim é que berîth diz respeito à

―aliança entre seres humanos‖ (Gn 21. 32; 1 Sm 18. 3; 1 Rs 20. 34; 2 Sm 5. 3) e, em sua grande maioria, à

aliança de Deus com os homens, como se infere da aliança com Noé (Gn 6. 18; 9. 8-17), com Abraão (Gn

17. 2, 7), com Davi (2 Sm 7. 12-16; 23. 5) e com o povo israelita (Dt 4. 13).

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os ―pagãos‖ dissolutos do passado e os gentios que se submetiam aos valores e moral

religiosos‖ (UNTERMAN, 1992, p. 105).

Assim sendo, convém considerar que oi& fobouvmenoi toVn qeovn, ―aqueles que

reverenciam a Deus‖ 301

(vers. 16), constitui uma metonímia302.

A propósito, oi& fobouvmenoi toVn qeovn é um termo sinônimo da expressão

grega ―sebovmenoi toVn Qeovn‖303:

42 *Exiovntwn deV au*tw~n parekavloun ei* toV metaxuV savbbaton

lalhqh~nai au*toi~ taV r&hvmata tau~ta. 43 luqeivsh deV th~

sunagwgh~ h*kolouvqhsan polloiV tw~n *Ioudaivwn kaiV tw~n

sebomevnwn304 proshluvtwn tw~/ Pauvlw/ kaiV tw~/ Barnaba~/ oi@tine

proslalou~nte au*toi~ e!peiqon au*touV prosmevnein th~/ cavriti

tou~ qeou~.

42 Então, após eles terem saído, eles lhes pediam para dizer as mesmas

palavras no sábado seguinte. 43 E ainda, quando a sinagoga foi

dispersa, muitos dos judeus e dos tementes/devotos/piedosos prosélitos

acompanharam a Paulo e a Barnabé, os quais, conversando com eles, os

persuadiam a permanecer na graça de Deus (At 13. 42-43).

É bom lembrar que o acesso a uma sinagoga (o quadro espacial do discurso em

questão) costumava ser livre; em muitas ―casas de oração judaicas‖ encontravam-se,

sobre os altares, a seguinte inscrição: ―A minha Casa será uma Casa para todos os

povos‖ (Is 56. 7)305

. A propósito, Paulo conclui que, diante da Deidade, não há ―nem

judeu nem grego‖ (...), isto é, não há uma distinção de pessoas (Gl 3.28)306

.

301

Pode ser que Paulo tenha feito referências aos tais, por exemplo, em Atenas (At 17. 17) e em Corinto

(At 18. 7): Dielevgeto meVn ou^n e*n th~/ sunagwgh~/ toi~ *Ioudaivoi kaiV toi~ sebomevnoi kaiV e*n th~/

a*gora~/ kataV pa~san h&mevran proV touV paratugcavnonta. De fato, discutia com os judeus e com os

tementes/ devotos/ piedosos na sinagoga e todos os dias na ágora com aqueles que estavam ali (At 17.

17). kaiV metabaV e*kei~qen ei*sh~lqen ei* oi*kivan tinoV o*novmati Titivou *Iouvstou sebomevnou toVn

qeovn, ou% h& oi*kiva h^n sunomorou~sa th~/ sunagwgh~/. E, retirando-se dali, entrou em casa de um certo

Tício Justo que era temente/ devoto/piedoso a Deus, onde a casa era vizinha à sinagoga (At 18. 7). 302

metwnumiva, ah& - significado literal: utilização de um nome por outro – é a figura de linguagem

que emprega um vocábulo ou uma expressão para designar outra, por causa de uma relação, de uma

dependência intrínseca, inerente, contígua entre eles. De acordo com o professor Bechara, a metonímia é

―a transladação de sentidos pela proximidade de ideias‖ (BECHARA, 1992, p. 341). 303

Ver também: Atos 15. 9 no sentido de ―prestar culto‖. 304

Part. Substantivado, Masc., Plu., Gen., 3ª decl. de sevbomai. Eis os possíveis significados: « adorar »

(SCHOLZ, 2007, p. 938); ―venerar, honrar, (ser) piedoso, devoto, temente a Deus‖ (RUSCONI, 2011, p.

415), Vine sublinha que, no sentido de ―‖venerar‖, sobressai o sentimento de temor ou de devoção tanto

em relação a Deus (Mt 15. 9; Mc 7.7; At 16. 14; 18. 7, 13) quanto a uma outra divindade (At 19. 27)

(VINE, 2002, p. 375). Outros significados: ―reverência religiosa‖ (LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 725),

―honrar a Deus‖ (BAILLY, 2000, p. 1737).

305 Dignos de nota são os seguintes versículos: E veio um dos sacerdotes, que haviam transportado de

Shomron, e habitou em Bet-El, e lhes ensinou como deviam temer ao Eterno (2 Rs 17. 28). Inclusive, nos

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Ruden oferece o seguinte testemunho sobre os ―tementes a Deus‖:

As Sinagogas da Diáspora atraíam muitos gentios ―tementes a Deus‖ ou

―que adoravam a Deus‖, mas, para eles, tornar-se um judeu completo

significaria uma operação mutilante e o consequente isolamento dentro

de suas próprias casas e cidades. Paulo teve que afirmar,

insistentemente, que o judaísmo não era uma porta de entrada para o

cristianismo. Mas, para os judeus piedosos, a ideia de que o judeu Jesus

houvesse iniciado um movimento que negava alguma parte da lei era

abominável. A própria existência de pessoas tementes e que adoravam a

Deus demonstra a vantagem que Paulo tinha como judeu bem formado

em sua tradição: ele entendeu a sedução do monoteísmo e de um Deus

constantemente justo e misericordioso, diferente de todas as divindades

do panteão greco-romano (...) (RUDEN, 2013, 14).

Após o proêmio, pode-se dividir a argumentação paulina em quatro partes, tendo

em vista os quatro primeiros tovpoi destacados na inventio.

Na primeira parte da argumentação (At 13. 17-22), a narração, propriamente

dita, se inicia com uma oração coordenada assindética:

17 o& qeoV tou~ laou~ touvtou *Israhvl e*xelevxato touV patevra

h&mw~n, O Deus deste povo de Israel escolheu para si os nossos pais.

Após a invocação que, praticamente, finaliza com toVn qeovn, Paulo inicia o seu

discurso com o mesmo vocábulo, dessa vez, em nominativo o& qeov (vers. 17). O

apóstolo relembra a história antiga de Israel, assuntos esses bem conhecidos pelo seu

público: a escolha divina por Israel, o exílio egípcio, o êxodo e a escolha de Davi para o

reinado (versículos 17 -22).

O vocábulo qeov foi tanto empregado pelos judeus quanto pelos cristãos para

expressar ―o único verdadeiro Deus‖. Na LXX, qeovtraduz, na maioria das vezes, o

vocábulo hebraico Elohim, אלהים, expressando o poder e a preeminência divina de

YHVH /Javé, יהוה, a sua existência imutável, eterna e autosuficiente (VINE, 2002, p.

Salmos, há referências às pessoas piedosas que não pertenciam à ―Casa de Israel‖:

1 Agradecei ao Eterno

porque Ele é bom e eterna é Sua misericórdia. 2 Que proclame Israel: ‗Eterna é Sua misericórdia‘.

3 Que

também proclame a Casa de Aarão: ‗Eterna é Sua Misericórdia‘. 4 Que proclamem todos os que temem ao

Eterno: ‗Sua misericórdia é infinita!‘ (Sl 118. 1-4). Ver também: Sl. 115. 11; 118. 1-4; 135. 20; Et 9. 27;

Is 56. 6. 306

ou*k e!ni *Ioudai~o ou*deV @Ellhn, ou*k e!ni dou~lo ou*deV e*leuvqero, ou*k e!ni a!rsen kaiV qh~lu:

pavnte gaVr u&mei~ ei% e*ste e*n Cristw~/ *Ihsou~. Não há judeu nem grego, nem escravo nem livre, não

há macho e fêmea (Gl 3. 28). Ver também: Rm 10. 10-12.

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558). O vocábulo יהוה é empregado, somente, para o Deus dos israelitas, sendo,

portanto, um nome sagrado.

Paulo destacou bem que a divindade era o& qeoV tou~ laou~ touvtou *Israhvl, ―o

Deus deste povo de Israel‖, demonstrando uma íntima relação entre a Deidade e os

israelitas. Sobressai, nesse sintagma, o pronome demonstrativo adjetivo tou~to, um

elemento dêitico307, com ideia de posse, marcando o substantivo tou~ laou~ (vers. 17); o

termo *Israhvl, ―Israel‖ (vers. 17) é empregado para enfatizar a nacionalidade do povo

escolhido e restringir o sentido de tou~ laou~ touvtou.

Costuma-se descrever a relação entre a Deidade e Israel através da palavra

chesed, חסד, geralmente, traduzida por ―amor‖, mas que possui outros significados, tais

como: ―bondade‖, ―benevolência‖, ―misericórdia‖, ―graça‖, ―fidelidade‖. Associa-se

chesed à Aliança (Ex 20. 6; 34. 6308

); de acordo com os escritos judaicos, o chesed de

YHVH é eterno (Is 54. 8; 55. 3309

; Jr 33. 11; Mq 7. 20).

Em e*xelevxato310 touV patevra h&mw~n, ―escolheu para si nossos pais‖, destaca-

se a presença de um verbo de ação, de valor delimitativo na voz média, em sentido de

interesse, indicando um proveito, uma vantagem para o& qeoV tou~ laou~ touvtou

*Israhvl311; o pronome pessoal, em genitivo, de primeira pessoa do plural, h&mw~n,

―nossos‖, constitui um adjunto adnominal com ideia de posse de touV patevra. Ora,

costuma-se denominar de ―nós-inclusivo‖, quando o orador emprega algum pronome ou

verbo de primeira pessoa do plural, para que haja uma identificação e a empatia entre

ele e o seu público.

307

Determinados pronomes demonstrativos e advérbios podem ser elementos dêiticos, isto é, elementos

linguísticos que têm por escopo a localização temporal e espacial do fato. 308

E a divina presença do Eterno passou diante dele e proclamou: Eterno, Eterno, Deus piedoso e

misericordioso, tardio em irar-Se e grande em benignidade e verdade (Ex 34. 6). 309

Apurai vossos ouvidos, e vinde a Mim; escutai, e viverá vossa alma; farei convosco uma aliança

confiável e perpétua, tal qual a que a benevolência do Eterno concedeu a David (Is 55. 3). 310

Aor. Ind. Médio, 3ª Pes. do Sing. de e*klevgw, ―escolheu para si, elegeu para si‖. 311

Convém citar os seguintes versículos bíblicos dos escritos sagrados: o povo que criei para mim, para

que exaltasse Meu louvor (Is 43. 21); 6 Porque tu és um povo santo para o Eterno, teu Deus; a ti o Eterno,

teu Deus, escolheu para Lhe seres o povo querido acima de todos os povos que há sobre a face da terra. 7

Não por serdes mais numerosos que todos os outros povos, o Eterno vos teve afeição e vos escolheu, pois

vós sois o menos numeroso de todos os povos, 8 mas pelo amor que o Eterno tem por vós e porque

guardou o juramento que fez a vossos pais, o Eterno vos tirou com mão forte e vos remiu da casa dos

escravos, da mão do Faraó, rei do Egito (Dt 7. 6-8). Ver também: Sl 33. 12.

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Na verdade, Paulo estava fazendo referência aos três patriarcas Abraão, Isaque e

Jacó, considerados como os ―fundadores‖ da religião judaica312

; são intitulados de

―patriarcas‖, uma vez que são vistos como paradigmas de comportamento religioso.

Abraão, o primeiro dos patriarcas, é considerado como o ―fundador‖ do

monoteísmo hebraico (Gn 12. 5); após uma teofania se dirigiu em direção a Canaã com

sua mulher Sara/ Sarai313

.

Isaque, filho de Abraão e de Sara/Sarai, foi concebido na velhice de seus pais e

circuncidado ao oitavo dia de seu nascimento (Gn 21. 4).

Sublinhe-se que o nome do segundo patriarca, Isaque, nunca foi mudado,

diferentemente, do nome de seu pai Abraão e de seu filho Jacó (Gn 32. 24-28).

Jacó, o último dos patriarcas, era filho de Isaque e de Rebeca. O relato bíblico

informa que o seu nome fora mudado para Israel, que significa ―campeão com Deus‖,

após uma luta com um anjo (Gn 32. 24-29). O terceiro patriarca teve de suas duas

mulheres, Léa e Raquel e de suas concubinas, doze filhos, vistos como os fundadores

das tribos de Israel314, e uma filha, Diná. Seus descendentes ficaram conhecidos como os

―Filhos de Israel‖.

A designação ―Filhos de Israel‖ tornou-se mais tarde ―Casa de Israel‖,

―Povo de Israel‖ e, depois, simplesmente, ―Israel‖ como nome coletivo

de todos os judeus, seja os nascidos em descendência matrilinear desde

Jacó, seja os que se converteram à fé do Judaísmo. ―Israel‖ tornou-se,

assim, tanto um conceito étnico como religioso, incorporando todos

esses temas na Aliança bíblica entre Deus e o povo judeu. O moderno

Estado judaico fundado na Palestina em 1948 adotou o nome Israel

depois de alguma discussão das alternativas. Mesmo se um israelita

peca, ele não perde seu status de filho da Aliança, e deve ainda tentar

ser um membro do ―reino de sacerdotes e uma nação santa‖

(UNTERMAN, 1992, pp. 126-127).

312

De acordo com a perspectiva histórica israelita, a história antiga tem seu início com os patriarcas, se

estendendo pela ida do povo para o Egito, o êxodo, até a entrada na ―Terra Prometida‖. 313

E Abrão tomou a Sarai, sua mulher, e a Lot, seu sobrinho, e a todos os seus bens que haviam ganho, e

às almas que haviam adquirido em Haran, e saíram para ir à terra de Canaan; e chegaram à terra de

Canaan (Gn 12. 5). Abraão, em hebraico אברם, era chamado, primeiramente, "Abrão", que significa

―Grande Pai‖. Não obstante, no decorrer da história relatada de Gênesis 17, a Deidade muda o seu nome

para Abraão, que significa "pai de muitos", uma vez que seria o ―pai de muitas nações‖ (Gn 17. 4-5). 314

É bom sublinhar que, embora houvesse doze filhos, a Bíblia faz referência a treze tribos, uma vez que

dois filhos eram de José: Efraim e Manassés (Menashe). Esses dois foram ―adotados‖ por Jacó e

receberam a ―bênção de Jacó‖: E agora, teus dois filhos, nascidos a ti na terra do Egito, antes que eu

viesse a ti no Egito, serão meus; Efraim e Menashe serão para mim como Ruben e Simão (Gn 48. 5). A

propósito, a Bíblia menciona, poucas vezes, a expressão ―tribo de José‖: Assim disse o Eterno Deus: Esta

será a fronteira da terra que dividireis como herança para as 12 tribos de Israel, sendo que José receberá

duas porções (Ez 47. 13; Ver também: Ap 7.8. Não obstante, são mais comuns referências a Manassés

(Sl 60. 7; 108. 8; Is 9. 21) e a Efraim (Jz 8. 1; 12. 4; Is 11. 13; Jr 31. 18, 20; Os 4. 17; 5. 3; 6. 4; 7. 1, 11,

etc), separadamente, como ―tribos‖.

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Uma figura intitulada de polissíndeto315 predomina nos versículos 17-22. Há a

repetição da conjunção kaiv, várias vezes, para dar continuidade à argumentação. Assim

é que o relato paulino pode ser visto como uma espécie de progressão pelo emprego

excessivo de kaiv nos versículos subscritos:

17 (...) kaiV toVn laoVn u@ywsen e*n th~/ paroikiva/ e*n gh~/ Ai*guvptou

kaiV metaV bracivono u&yhlou~ e*xhvgagen au*touV e*x au*th~. 18 kaiV

w& tesserakontaeth~ crovnon e*tropofovrhsen au*touV e*n th~/

e*rhvmw/ 19 kaiV kaqelwVn e!qnh e&ptaV e*n gh~/ Canavan

kateklhronovmhsen thVn gh~n au*tw~n 20 w& e!tesin tetrakosivoi

kaiV penthvkonta. kaiV metaV tau~ta e!dwken kritaV e@w SamouhVl

[ tou~ ] profhvtou. 21 ka*kei~qen h*/thvsanto basileva kaiV e!dwken

au*toi~ o& qeoV toVn SaouVl ui&oVn Kiv, a!ndra e*k fulh~ Beniamivn,

e!th tesseravkonta, 22 kaiV metasthvsa au*toVn h!geiren toVn DauiVd

au*toi~ ei* basileva w%/ kaiV eipen marturhvsa (...).

17 (...) e exaltou o povo durante o exílio na terra do Egito e, com braço

poderoso, os conduziu para fora dessa (terra)316

. 18 E, por um espaço de

tempo de quarenta (anos)317

, suportou-os no deserto318

19 e, após

destruir sete nações na terra de Canaã, deu em herança a terra deles319

;

20 aproximadamente, cerca de quatrocentos e cinquenta anos (se

passaram até o cumprimento dessas coisas). E, depois dessas coisas, deu

juízes até o profeta Samuel320

. 21 E, em seguida, pediram,

insistentemente, um rei321

, e Deus lhes deu a Saul, filho de Quis,

homem da tribo de Benjamim322

, (por) quarenta anos

323. 22 E, após tê-lo

removido324

, lhes levantou a Davi para rei325

, de quem também, após ter

dado testemunho, disse (...).

315

polusuvndeto on - significado literal: muito ligado, encadeado - é a figura de linguagem em que há

a repetição de várias conjunções aditivas (ou copulativas) entre orações sequenciais, com o objetivo de

mostrar uma correlação de ideias. 316 De acordo com Êx 6. 1, 6; 12. 51. 317 De acordo com Nm 14. 34; Dt 1. 31. 318

De acordo com Êx 16. 35; Nm 14. 34. 319

De acordo com Js 14. 1; Dt 7. 1. Ou seja, a terra das sete nações: amorreus, cananeus, heteus, fereseus,

heveus, jebuseus e girgazeus (Ex 34. 11, 24; Js 3. 10). Existiam também mais de oito importantes nações

que limitavam suas terras com a Palestina ao tempo da conquista da ―Terra Prometida‖ liderada por Josué

(cf. capítulo 2 do livro de Josué): Filístia, Fenícia, Amaleque, Moabe, Amom, Edom, Midiã e Síria. 320 De acordo com Jz 2. 16; 1 Sm 3. 20. 321

De acordo com 1 Sm 16. 12-13; 1 Sm 8. 5. 322 De acordo com 1 Sm 10. 20-21, 24; 11. 15. O vocábulo fulhv, ―tribo‖ é empregado tanto para fazer

referência às ―doze tribos‖ de Israel (Mt 19. 28; Lc 2. 36; 22. 30; At 13. 21; Rm 11. 1; Fp 3.5; Ao 21. 12

etc.) quanto para falar dos ―povos da terra‖ de um modo geral (Mt 24. 30; Ap 1. 7; 5. 9; 7. 9; 11. 9, etc.)

(VINE, 2002, p. 1036). 323

Depois da entrada na ―Terra Prometida‖, Paulo destaca o cuidado da Deidade israelita para com seu

povo; esse cuidado continua por meio da ação dos juízes, dos profetas até Samuel e por meio do reinado

de Israel. 324 De acordo com 1 Sm 13. 14. 325

De acordo com 1 Sm 16. 12-13.

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Ora, no interior dessas orações, tem-se o emprego de alguns particípios,

indicando a presença da hipotaxe implícita e da explícita326.

Para a hipotaxe implícita, há, como exemplos, as formas participiais, no aoristo

da voz ativa: kaqelwvn, ―após destruir‖ (vers. 19); metasthvsa"após tê-lo removido"

(vers. 22)marturhvsa"após ter dado testemunho‖ (vers. 22). Constata-se que esses

três particípios possuem um valor temporal.

Para ahipotaxe explícita, há, como exemplo, a oração subordinada adjetiva,

iniciada pelo pronome relativo, w%/ kaiV ei^pen, ―de quem também disse‖ (vers. 22), cujo

antecedente é toVn Dauivd, ―a Davi‖ (vers. 22).

É bom sublinhar que, na sentença coordenada sindética aditiva, kaiV metaV

bracivono u&yhlou~ e*xhvgagen au*touV e*x au*th~, ―e, com braço poderoso, os

conduziu para fora dessa (terra)‖ (vers. 17), há uma expressão empregada em um

sentido figurado, denotando ―força, poder‖ (RUSCONI, 2011, p. 102): metaV

bracivono u&yhlou~, ―com braço poderoso‖.

Nota-se, nos versículos supracitados (vers. 17-22), que há o predomínio da

função referencial327. Percebe-se que o foco da argumentação paulina se centra,

326 u&povtaxiew (h&) - significado literal: ação de subordinar, de sujeitar, de enfileirar para baixo

(expressão militar) – é a figura de linguagem centrada no processo sintático que forma a subordinação

oracional. Assim, tem-se uma oração principal (oração subordinante) que possui uma ou mais orações

que se articulam com ela, são as denominadas orações subordinadas. A hipotaxe ou a subordinação se

divide em: a) hipotaxe explícita – se conhece pela introdução de um conectivo de subordinação que pode

ser uma conjunção, um pronome ou um advérbio relativo; b) hipotaxe implícita – não apresenta

conectivos para a introdução de orações; são as construções das orações ditas intercaladas, as construções

das formas nominais (infinitivas e participiais) etc. 327

O linguista russo Roman Jakobson atesta seis funções da linguagem (JAKOBSON, s/d, pp. 122-123):

1) a função expressiva; 2) a função conativa; 3) a função referencial; 4) a função fática; 5) a função

metalinguística; 6) a função poética. Na verdade, Jakobson ampliou o estudo do psicólogo austríaco Karl

Bühler no que tange às funções da linguagem (CHALHUB, 1997, pp. 5-6; JAKOBSON, s/d, pp. 125-

126). Vanoye destaca que ―as seis funções da linguagem não se excluem, mas também não se

encontram todas reunidas numa dada mensagem‖ (VANOYE, 1986, p. 56). A função expressiva ou

emotiva está centrada no destinador (remetente ou emissor), expondo traços de sua personalidade, por

exemplo, o emprego da primeira pessoa do discurso (ora expressa pela desinência verbal, ora pelos

pronomes pessoais ou possessivos), a utilização de interjeições com nuance emotiva etc. A função

conativa, também denominada de função apelativa, centra-se na pessoa do destinatário (ou ouvinte/

receptor). Pontua-se que a palavra conativa tem sua origem latina: conatum, isto é, ―esforço físico ou

moral, empenho, tentativa de algo‖. A função conativa é tudo aquilo que, em uma mensagem, remete, de

modo direto, para o destinatário, por exemplo, o emprego de imperativos – para ordens ou exortações –, o

emprego de vocativos para chamar, invocar, saudar, suplicar etc. e o emprego da segunda pessoa verbal.

A propósito, a função conativa possui nuances de argumentação, de persuasão que marcam o emissor da

mensagem, uma vez que tem por objetivo a persuasão do receptor. A função referencial, denominada

também de denotativa, está centrada sobre os referentes situacionais ou textuais. Linguisticamente, a

função referencial é marcada pela terceira pessoa verbal, isto é, de alguém ou do que se fala. A função

fática é o canal da comunicação, isto é, é tudo aquilo que serve para estabelecer, manter ou encerrar o

contato da comunicação, mantendo os interlocutores em contato. Como pontua Vanoye, ―a função fática

manifesta, essencialmente, a necessidade ou o desejo de comunicação‖ (VANOYE, 1986, p. 54). Ora,

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predominantemente, para as ações da Deidade de Israel, através de citações indiretas

dos escritos sacros de Israel: e*xelevxato, ―escolheu para si‖, u@ywsen, ―exaltou‖,

e*xhvgagen, ―conduziu‖ (vers. 17); e*tropofovrhsen, ―suportou‖ (vers. 18); kaqelwvn,

―após destruir‖, kateklhronovmhsen, ―deu em herança‖ (vers. 19); e!dwken, ―deu‖

(vers. 20-21); metasthvsa, ―após tê-lo removido‖, h!geiren, ―levantou‖;

marturhvsa"após ter dado testemunho‖; eipen, ―disse‖ (vers. 22).

Atesta-se a predominância do tempo verbal no aoristo da voz ativa; em geral, no

modo indicativo e no particípio (vers. 16-22)328. O aoristo do indicativo é empregado

como um meio de narrar fatos passados.

Iniciam-se, ainda, no versículo 22, algumas citações diretas, em discurso

mimético ou reproduzido:

(...) w%/ kaiV eipen marturhvsa, Euron DauiVd toVn tou~ *Iessaiv,

a!ndra kataV thVn kardivan mou, o$ poihvsei pavnta taV qelhvmatav mou.

(...) de quem também, após ter dado testemunho, disse: Encontrei a

Davi, o (filho) de Jessé, homem segundo o meu coração que fará

todas as minhas vontades.

Essa citação supracitada, em discurso mimético ou reproduzido, equivale a uma

parte de 1 Samuel 13. 14 e de Isaías 44. 28. Seguem-se, subscritos, os excertos do texto

hebraico e em grego (LXX) tanto de 1 Samuel quanto de Isaías:

ועתה ממלכתך לא תקום בקש

הו בוכלב ויצו לו איש יהוה

יהוה לנגיד על עמו כי לא

ת אשר צוך יהוה שמרת א

Porém, agora, não subsistirá o teu reino. O Eterno já buscou para Si um

homem segundo o Seu coração, e já lhe tem ordenado que seja chefe

sobre o Seu povo, porquanto não guardaste o que o Eterno te ordenou (1

Sm 13. 14)329

.

Jakobson diz que a função fática ―pode ser evidenciada por uma troca profusa de fórmulas ritualizadas,

por diálogos inteiros, cujo único propósito é prolongar a comunicação‖ (JAKOBSON, s/d, p. 126). A

função metalinguística centra-se sobre o código. O destinatário pode, em alguns momentos da mensagem,

ter a necessidade de perguntar algo ao destinador e esse esclarece mais a sua informação. Então, a função

metalinguística é tudo aquilo que serve para oferecer explicações da própria linguagem. A função poética

é quando o autor faz uso de figuras de linguagem, de combinações de palavras e de sons. Acredita-se que

as intertextualidades estariam ligadas à função poética da linguagem. 328

Antes da primeira citação direta no final do versículo 22. 329

Palavra do profeta Samuel ao futuro rei de Israel, Davi. Ver também: 1 Sm 16. 12-13; Sl 89. 20.

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kaiV nu~n h& basileiva sou ou* sthvsetai, kaiV zhthvsei kuvrio e&autw~/

a!nqrwpon kataV thVn kardivan au*tou~, kaiV e*ntelei~tai kuvrio au*tw~/

ei* a!rconta e*piV toVn laoVn au*tou~, o@ti ou*k e*fuvlaxa o@sa

e*neteivlato soi kuvrio.

E, agora, o teu reino não se estabelecerá, e o Senhor buscará, para si

mesmo, um homem de acordo com o seu coração, e o Senhor lhe dará

instruções para (ser) chefe para o seu povo, porque não velaste sobre as

coisas que o Senhor te instruiu (1 Sm 13. 14).

ר לכורש רעי וכל־חפצי האמ

אמר לירושלם תבנה ישלם ול

ד :תוס יכל וה

que Diz sobre Córesh [Ciro]: Ele é Meu pastor, e cumprirá Meus

desejos; e que afirma sobre Jerusalém: ‗Ela será reconstruída – e sobre o

Templo: Ele será restabecido (Is 44. 28).

o& levgwn Kuvrw/ fronei~n, kaiV Pavnta taV qelhvmatav mou poihvsei: o& levgwn Ierousalhm Oi*kodomhqhvsh/, kaiV toVn oi^kon toVn a@gion mou

qemeliwvsw (Is 44. 28).

Aquele que diz sobre Ciro: (Ele) fará todas as minhas vontades; diz

sobre Jerusalém: serás reedificada. E a respeito do meu santo Templo:

colocarei os fundamentos.

Na expressão toVn tou~ *Iessaiv, tem-se, em elipse330, o vocábulo ui&ov (toVn

ui&oVn tou~ *Iessaiv, ―o (filho) de Jessé, uma vez que o artigo perto de um adjetivo ou de

um adjunto em genitivo suprirá a ausência de um substantivo331.

Para fazer destacar a importância da figura de Davi, Paulo ratificou suas palavras

por meio de três citações bíblicas, que ele reuniu em um só frase (ver. 22): ―Encontrei a

Davi, o (filho) de Jessé‖ (Sl 89. 21), ―homem segundo o meu coração‖ (1 Sm 13. 14)

―que fará todas as minhas vontades‖ (Is 44. 28), em uma clara oposição ao rei Saul que

não agradou à Deidade e foi deposto de sua função.

330

e!lleiyiewh& - significado literal: falta, lacuna, insuficiência – é a figura de linguagem que

omite algum termo que se tem a facilidade de subtendê-lo, sem prejuízo para o entendimento da frase. Na

verdade, esse termo não foi citado anteriormente.. De acordo com Vanoye, a elipse ―permite acelerar o

discurso‖ (VANOYE, 1986, p. 49). 331

Deve-se lembrar da origem primitiva do artigo como um pronome demonstrativo. Cite-se, por

exemplo, na prosa, o emprego do artigo com esse antigo valor pronominal quando vem reforçado pelas

seguintes partículas: o & meVn ... o& dev, ―este ... aquele‖.

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Paulo interrompe a sua narração histórica para inserir Jesus no discurso, isto é,

Paulo conduz a história de Israel até Davi, fazendo, dessa forma, uma estreita relação

entre Davi e Jesus e, só então, menciona o nome do ―Nazareno‖ em seu discurso

(versículo 23), conforme o excerto subscrito:

23 touvtou o& qeoV a*poV tou~ spevrmato kat’ e*paggelivan h!gagen

tw~/ *IsrahVl swth~ra *Ihsou~n, 24 prokhruvxanto *Iwavnnou proV

proswvpou th~ ei*sovdou au*tou~ bavptisma metanoiva pantiV tw~/

law~/ *Israhvl. 25 w& deV e*plhvrou *Iwavnnh toVn drovmon, e!legen, Tiv e*meV u&ponoei~te einai; ou*k ei*miV e*gwv: a*ll’ i*douV e!rcetai met’

e*meV ou% ou*k ei*miV a!xio toV u&povdhma tw~n podw~n lu~sai.

23 Da descendência deste, segundo a promessa, Deus trouxe para Israel

o Salvador Jesus332

, 24 após João ter proclamado primeiro diante da

vinda dele333

(o) batismo de arrependimento a todo o povo de Israel334

.

25 E ainda, quando João completava a sua missão, dizia335

: Quem

supondes vós que eu seja? eu não sou; mas eis que vem depois de mim

aquele de quem não sou digno de desatar a sandália dos pés336

.

A fé cristã propaga que Deus enviou ao mundo seu Filho com o objetivo de ser o

Salvador dos homens (Lc 2. 11; At 5. 31; At 13. 23; 1 Tm 4. 10; 1 Jo 4. 14337). Acredita-

se que esse seria o responsável em anunciar a palavra divina entre os homens (Mt 10.7;

Lc 16. 16338). Em sua peregrinação pela terra, Jesus Nazareno, de acordo com os relatos

bíblicos, sofreu perseguição, morreu em favor da humanidade, ressuscitou e ascendeu

ao céu (Jo 15. 13339; Mt 27. 63-64; 28. 6; Mc 16. 6; 2 Tm 2. 8340). Após a morte, oferece

332

De acordo com as palavras do profeta Natan ao rei Davi: 12

E quando os teus dias estiverem completos

e vieres a repousar com os teus pais, então, farei levantar um da tua descendência, depois de ti, que sair

das tuas entranhas, e estabelecerei o seu reino. 13

Ele constituirá uma casa ao Meu Nome, e firmarei o

trono do seu reino para sempre (2 Sm 7. 12); 1 Um rebento sairá do tronco de Ishai [Jessé] e um ramo de

suas raízes brotará. 2 E sobre ele (Hizkiáhu) pousará o espírito do Eterno, espírito de sabedoria e de

compreensão, de capacidade de aconselhamento e de fortaleza, de conhecimento e de temor ao Eterno (Is

11. 1). 333

Em uma referência a Jesus Nazareno. 334

De acordo com Mt 3. 1-2, 5; Mc 1. 4-5; Lc 3.3. 335

Iniciam-se, aqui, algumas citações diretas. 336

De acordo com Mt 3. 11; Mc 1. 7; Lc 3. 16; Jo 1. 20-27. 337 kaiV h&mei~ teqeavmeqa kaiV marturou~men o@ti o& pathVr a*pevstalken toVn ui&oVn swth~ra tou~

kovsmou. E nós contemplamos e testemunhamos que o Pai enviou o Filho como Salvador do mundo (1 Jo

4. 14). 338 &O novmo kaiV oi& profh~tai mevcri *Iwavnnou: a*poV tovte h& basileiva tou~ qeou~ eu*aggelivzetai

kaiV pa~ ei* au*thVn biavzetai. A lei e os profetas (valeram) até João; desde então, o Reino de Deus é

evangelizado e todo (ser humano) se esforça para entrar nele (Lc 16. 16). 339 Meivzona tauvth a*gavphn ou*deiV e!cei, i@na ti thVn yuchVn au*tou~ qh~/ u&peVr tw~n fivlwn au*tou~.

Ninguém tem um amor maior do que este: de alguém oferecer a própria vida em favor de seus amigos (Jo

15. 13).

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a vida eterna a todos aqueles que seguem os seus mandamentos (Jo 6. 47; 11. 25341; Jo

14. 21). Ora, de acordo com a concepção cristã, Jesus é o ponto central do projeto

salvífico de Deus.

Essa segunda parte da argumentação (At 13. 23-31) se inicia por uma oração

subordinante342 touvtou o& qeoV a*poV tou~ spevrmato kat’ e*paggelivan h!gagen tw~/

*IsrahVl swth~ra *Ihsou~n, ―Da descendência deste, segundo a promessa, Deus trouxe

para Israel o Salvador Jesus‖ (vers. 23), cuja subordinada é a oração reduzida de

particípio no aoristo ativo: prokhruvxanto *Iwavnnou proV proswvpou th~ ei*sovdou

au*tou~ bavptisma metanoiva pantiV tw~/ law~/ *Israhvl, ―após João ter proclamado

primeiro diante da vinda dele (o) batismo de arrependimento a todo o povo de

Israel‖(vers. 24). Sublinhe-se que o particípio prokhruvxantoestá no genitivo

absoluto de valor temporal, sendo o vocábulo em genitivo, *Iwavnnou, o seu sujeito.

Ora, tem-se, mais uma vez, a presença da hipotaxe implícita.

Após citar o nome de Jesus (vers. 23), Paulo, finalmente, menciona o nome de

João Batista em seu discurso (vers. 24-25) e, então, faz uma citação direta, em discurso

mimético (vers. 25)343. A função referencial continua, agora, centrada na figura de João

Batista e não mais de Jesus Nazareno.

É bom ressaltar que o bavptisma metanoiva, ―batismo de arrependimento‖, é

uma expressão empregada para aludir ao ritual executado por João Batista, que

ordenava que o povo se arrependesse para obter ―perdão de pecados‖ (At 1.5; 11. 16;

19. 4).

Interessante ressaltar a respeito do substantivo metanoiva, cujos significados são

―mudança de pensamento, de mentalidade‖; ―conversão‖, ―arrependimento‖ (SCHOLZ,

2007, p. 891; RUSCONI, 2011, p. 305).

340 Mnhmovneue *Ihsou~n CristoVn e*ghgermevnon e*k nekrw~n, e*k spevrmato Dauivd, kataV toV

eu*aggevliovn mou. Lembra de Jesus Cristo ressuscitado de entre os mortos, da descendência de Davi,

segundo o meu evangelho (2 Tm 2. 8). 341 25 a*mhVn a*mhVn levgw u&mi~n, o& pisteuvwn e!cei zwhVn ai*wvnion, Em verdade, em verdade vos digo:

Aquele que crê tem a vida eterna (Jo 6. 47). eipen au*th~/ o& *Ihsou~, *EgwV ei*mi h& a*navstasi kaiV h&

zwhv: o& pisteuvwn ei* e*meV ka#n a*poqavnh/ zhvsetai, 26 kaiv pa~ o& zw~n kaiV pisteuvwn ei* e*meV ou* mhV

a*poqavnh/ ei* toVn ai*w~na pisteuvei tou~to; 25 Jesus disse a ela: Eu sou a ressurreição e a vida; aquele

que crê em mim, ainda que morra, viverá, 26

e todo aquele que vive e que crê em mim de maneira

nenhuma morrerá para sempre, crês isto? (Jo 11. 25-26). 342 Sublinhe-se que o termo oração subordinante foi empregado pelos gramáticos Vilela, Koch

(VILELA, KOCH, 2001, p. 393) e por Brandão (BRANDÃO, 1963 apud SCHLEE, 2010, p.105). 343

De acordo com Jo 1. 20.

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O batismo é considerado como uma espécie de ritual de iniciação, tendo, por

base, os termos gregos baptivzw, ―batizo‖ e bavptisma, ―batismo‖, os quais sugerem

uma imersão na água.

O batismo também foi ordenado por Jesus Cristo a todos os seus seguidores (At

19. 5; Rm 6. 3, 4; 1 Co 1. 13-17; 12. 13; Gl 3. 27; Cl 2. 12). Na verdade, o batismo344 é

visto, de acordo com a concepção cristã, como um ―sepultamento simbólico com

Cristo‖ (Rm 6. 4345; Cl 2. 12), indicando, por parte do cristão, uma ―verdadeira

conversão‖.

Meeks lembra que ―esse era o caso do rito judaico normal de purificação, o

tebilah, que foi, provavelmente, com a devida distância, o primeiro antecedente do

batismo cristão‖ 346 (MEEKS, 2011, p. 313).

Deve-se lembrar que alguns judeus, quando no início do ministério de João

Batista, pensavam que ele fosse o profeta Isaías (Is 40. 3); porém, outros, Elias, pois

pensavam que o profeta Elias viria a terra antes da vinda do Messias. Entrementes, João

era considerado como o ―precursor de Jesus‖, sendo a ―voz‖ enviada que iria preparar o

povo para a vinda do Messias; ele mesmo havia dito: *EgwV fwnhV bow~nto e*n th~/

e*rhvmw/, ―Eu (sou) a voz que clama no deserto (...)‖ (Jo 1. 23).

Denominam-se ritos a determinadas tradições religiosas que formam, assim, um

conjunto de rituais que são realizados em relação aos aspectos importantes da vida do

344

Deve-se destacar um outro ritual: a ―ceia do Senhor‖, a kuriakoVn dei~pnon (1 Co 11. 20-21; 1 Co 11.

17-34 e 10. 14-22): 26

*Esqiovntwn deV au*tw~n labwVn o& *Ihsou~ a!rton kaiV eu*loghvsa e!klasen kaiV

douV toi~ maqhtai~ eipen, Lavbete favgete, tou~tov e*stin toV sw~mav mou. 27 kaiV labwVn pothvrion

kaiV eu*caristhvsa e!dwken au*toi~ levgwn, Pivete e*x au*tou~ pavnte, 28 tou~to gavr e*stin toV ai%mav

mou th~ diaqhvkh toV periV pollw~n e*kcunnovmenon ei* a!fesin a&martiw~n. 26 Jesus, após ter tomado

o pão, enquanto eles comiam, e abençoado, partiu e, após ter dado aos discípulos, disse: ‗Tomai, comei,

isto é o meu sangue‘. 27

E, após ter tomado o cálice e dado graças, lhes deu, dizendo: ‗bebei todos dele‘, 28

isto é, pois, o meu sangue da aliança, derramado sobre muitos para a remissão de pecados‘ (Mt 26. 26-

28). A ceia não poderia ser vista como um momento para a embriaguez e para a gula; seus participantes

deveriam ter domínio próprio com os elementos da ceia: 20 Sunercomevnwn ou^n u&mw~n e*piV toV au*toV ou*k

e!stin kuriakoVn dei~pnon fagei~n: 21 e@kasto gaVr toV i!dion dei~pnon prolambavnei e*n tw~/ fagei~n,

kaiV o$ meVn peina~/ o$$ deV mequvei. 20 Por conseguinte, vós tendo se reunido no mesmo (lugar), não é a

ceia que comeis, 21

cada um, pois, ao comer, toma antes a própria ceia, e um tem fome, mas o outro se

embriaga (1 Co 11. 20-21). A ―ceia do Senhor‖ é também intitulada de a ―Mesa do Senhor‖, trapevzh

kurivou (1 Co 10. 21), visto como um ritual de solidariedade, que residia em tomar a refeição

comunitária. 345 sunetavfhmen oun au*tw~/ diaV tou~ baptivsmato ei* toVn qavnaton, i@na w@sper h*gevrqh CristoV

e*k nekrw~n diaV th~ dovxh tou~ patrov, ou@tw kaiV h&mei~ e*n kainovthti zwh~ peripathvswmen. Por

conseguinte, fomos sepultados com ele por meio do batismo na morte, e assim como Cristo foi

ressuscitado dos mortos por meio da glória de Deus, assim também caminhemos nós em novidade de vida

(Rm 6. 4). 346

Então aspergirei sobre vós água limpa, e sereis purificados de todas as vossas impurezas, e de todas as

vossas impurezas e idolatrias Eu vos purificarei (Ez 36. 25). Ver também: 2 Rs 5. 14; Zc 13. 1.

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indivíduo dentro do grupo religioso. Pode-se citar, por exemplo, o nascimento, o

casamento, as semeaduras, as colheitas, o começo de uma campanha militar ou/e a

iminência da mesma ou uma vitória desejada que foram alcançadas. Então, o ritual é a

prática, o lado ativo, isto é, o cerimonial de um grupo religioso cujos adeptos devem

observar e executar.

Lakatos pontua que a finalidade do ritual é despertar uma disposição de espírito

favorável em relação ao sagrado, reforçando, assim, a fé dos fiéis e, quando se tem

rituais coletivos, aumenta a emotividade (LAKATOS, 1990, p. 181). Pode-se completar

a opinião de Lakatos que, além da emotividade, esses rituais em grupo aumentam

também a religiosidade, uma vez que existia a crença em um Deus Uno, Todo-

Poderoso, de misericórdia, de justiça e que atendia ao clamor do aflito (Sl 6. 8-10; 18. 6;

50. 15) 347.

Após essas considerações dos versículos 23 e 24, Paulo dá prosseguimento ao

seu discurso com o emprego da partícula pospositiva continuativa dev, ―ora, e ainda,

então‖, para dar continuidade à sua argumentação e enfatizar aquilo que foi exposto

anteriormente: deV ... e!legen (...), “E ainda, (...), dizia (...)‖. É bom destacar, nesse

versículo, a hipotaxe explícita na sentença que se inicia pela conjunção temporal w&

w&e*plhvrou *Iwavnnh, "quando João completava a sua missão‖ (vers. 25), que marca a

oração subordinada adverbial temporal.

Praticamente, no meio do discurso, Paulo faz, novamente, uma segunda

invocação aos seus ouvintes.

347 Deve-se lembrar que costuma-se dizer que o nascimento, a infância, a adolescência, a maturidade,

incluindo o casamento, a velhice e a morte são as fases cruciais da vida dos gregos; são consideradas

momentos de transição e de ruptura, dos rituais de passagem etc. No nascimento, havia rituais de

purificação como a lavagem com água, vinho ou outra substância dos recém-nascidos, além de haver em

dados momentos a celebração de festas, principalmente, entre as famílias de alto poder aquisitivo. Os

rituais da fase intermediária entre a infância e a idade adulta, isto é, a chamada adolescência, não eram

iguais para os meninos e as meninas. Os meninos se exercitavam nas lutas, se preparando para a entrada

no exército em um futuro próximo; já as meninas eram iniciadas em cerimônias, que tinham por escopo a

preparação para o casamento. Ora, por meio do casamento, se completava a transição para a maturidade,

era uma espécie, então, de um rito de passagem. Na Grécia antiga, alguns rituais eram compostos por uma

série de ritos funerários. Havia a preparação do cadáver antes do seu sepultamento (que podia ser

cremado ou enterrado) como, por exemplo, lavá-lo e perfumá-lo para ser velado. Após a preparação do

corpo, seguia-se a lamentação e, no terceiro dia, após o falecimento, o corpo era conduzido por uma

procissão fúnebre em direção ao local onde seria sepultado. Os gregos antigos acreditavam que o morto

seria conduzido ao Hades por meio do deus Hermes. A sepultura seria um elo entre o mundo dos vivos e

dos mortos. Convém lembrar que havia grande comoção pela morte de um jovem ou de uma parturiente,

afinal, esperava-se que esses passassem pela fase da velhice, que era considerado a última fase da vida de

um ser humano.

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26 !Andre a*delfoiv, ui&oiV gevnou *AbraaVm kaiV oi& e*n u&mi~n

fobouvmenoi toVn qeovn, h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh.

26 Ó varões irmãos e aqueles que reverenciam a Deus

348 entre vós,

(sois) filhos da linhagem de Abraão, a palavra dessa salvação foi

enviada a nós.

O substantivo a*delfov implica ―irmão‖ ou ―parente ―próximo‖, mas, no plural,

denota uma comunidade que possui, por fundamento, uma identidade de origem ou de

vida (VINE, 2002, p. 723). Com a*nhvr anteposto, forma a locução !Andre a*delfoiv,

“Ó varões irmãos‖, que denota uma forma de tratamento entre pessoas unidas por

interesses comuns349

.

Convém lembrar que a segunda expressão empregada para a invocação: kaiV oi&

... fobouvmenoi toVn qeovn é a mesma invocação que aparece no versículo 16.

Além da expressão em vocativo !Andre a*delfoiv, “Ó varões irmãos‖, e da

expressão em nominativo oi& ... fobouvmenoi, ―aqueles que reverenciam‖, tem-se o

pronome pessoal em dativo-locativo plural, u&mi~n, ―vós‖ na locução e*n u&mi~n, ―entre

vós‖, que salienta mais ainda a função conativa da linguagem. Destaca-se também,

nesse excerto, a elipse verbal de e*stev, ―sois‖, para introduzir mais uma qualificação aos

seus ouvintes: ui&oiV gevnou *Abraavm, ―(sois) filhos da linhagem de Abraão‖. Pode-se

considerar a expressão ui&oiV gevnou *Abraavm, "filhos da linhagem de Abraão", como

sendo um aposto explicativo de !Andre a*delfoiv ... kaiV oi& fobouvmenoi, ―e aqueles

que reverenciam‖.

A propósito, o sintagma h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh"a

palavra dessa salvação foi enviada a nós‖, possui informações importantes. O vocábulo

o& lovgo"a palavra", é portador de um sentido mais específico de ―pregação‖, de

―discurso‖; opronome adjetivo demonstrativo feminino em genitivo tauvth restringe o

sentido de th~ swthriva, pois não é a qualquer salvação que o religioso estava se

referindo.

348

De acordo com At 13. 16. 349

Do hebraico אה ―irmão‖ que pode ser, ainda, visto como um termo de cortesia: E Jacob disse-lhes:

Meus irmãos, de onde sois? – e disseram: ‗Nós somos de Haran‘ (Gn 29. 4). E também pode se referir a

um compatriota: E foi naqueles dias, e Moisés cresceu e foi ter com seus irmãos e viu suas pesadas

tarefas; e viu um homem egípcio ferindo a um homem hebreu, um de seus irmãos (Êx 2. 11); E disse:

Maldito seja Canaan; servo de servos será para seus irmãos (Gn 9. 25).

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Digna de nota é a observação de Vine a respeito do vocábulo swthriva,

―salvação‖, do ponto de vista cristão. O estudioso pontua que swthriva, dentre outros

sentidos, quer dizer também o livramento espiritual e eterno concedido, imediatamente,

pela Deidade aos que aceitam as condições estabelecidas por Ele, referentes ao

arrependimento e fé em Jesus (At 4. 12350

), e também sob a confissão dEle como Senhor

Rm 10. 10-12351

); para este propósito o Evangelho seria o instrumento de salvação (Rm

1. 16352

; Ef 1. 13) (VINE, 2002, p. 967).

O verbo e*xapestavlh, “foi enviada‖, está no aoristo da voz passiva e o pronome

pessoal de primeira pessoa do plural em dativo, h&mi~n, constitui o seu complemento

verbal; mais uma vez sobressai o ―nós‖ de identificação.

Após a segunda invocação, o apóstolo relembra fatos sobre Jesus; a ênfase recai,

novamente, sobre a sua pessoa (vers. 27-31):

27 oi& gaVr katoikou~nte e*n *IerousalhVm kaiV oi& a!rconte au*tw~n

tou~ton a*gnohvsante kaiV taV fwnaV tw~n profhtw~n taV kataV

pa~n savbbaton a*naginwskomevna krivnante e*plhvrwsan, 27 pois aqueles que habitam em Jerusalém e os chefes deles - ao

desconhecerem isto e as palavras dos profetas que são lidas em público

durante todo o sábado - quando (o) julgaram, cumpriram (a profecia)

353.

O versículo 27 apresenta a partícula pospositiva explicativa, gavr, ―pois‖,

inserindo a oração coordenada sindética explicativa: oi& gaVr katoikou~nte e*n

*IerousalhVm kaiV oi& a!rconte au*tw~n (...) e*plhvrwsan, “pois aqueles que habitam em

Jerusalém e os chefes deles (...) cumpriram (a profecia354)‖. Sublinhe-se que os dois

350 kaiV ou*k e!stin e*n a!lllw/ ou*deniV h& swthriva, ou*deV gaVr o!nomav e*stin e@teron u&poV toVn ou*ranoVn

toV dedomevnon e*n a*nqrwvpoi e*n w%/ dei~ swqh~nai h&ma~. E não há salvação em nenhum outro, pois

debaixo do céu não há outro nome, dado entre os homens, pelo qual é preciso que nós sejamos salvos (At

4. 12) 351

10

kardiva/ gaVr pisteuvetai ei* dikaiosuvnhn, stovmati deV o&mologei~tai ei* swthrivan. 11 levgei

gaVr h& grafhv, Pa~ o& pisteuvwn e*p’ au*tw~/ ou* kataiscunqhvsetai. 12 ou* gavr e*stin diastolhV

*Ioudaivou te kaiV @Ellhno, o& gaVr au*toV kuvrio pavntwn, plou~twn ei* pavnta touV

e*pikaloumevnou au*tovn. 10 Pois com o coração se crê para a justiça, mas com a boca se confessa para a

salvação. 11

Na verdade, a Escritura diz: ‗todo aquele que crê nele não será envergonhado. 12

Não há, pois,

diferença entre judeu e grego, pois o mesmo é Senhor de todos, sendo rico para com todos aqueles que o

invocam (Rm 10. 10-12). 352

Ou* gaVr e*paiscuvnomai toV eu*aggevlion duvnami gaVr qeou~ e*stin ei* swthrivan pantiV tw~/

pisteuvonti, *Ioudaivw/ te prw~ton kaiV @Ellhni. De fato, não me envergonho do evangelho, pois é o

poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e (depois) do grego (Rm 1. 16). 353

De acordo com At 3. 17. 354

Preferiu-se a inserção do vocábulo ―profecia‖ na tradução para a língua portuguesa, uma vez que seu

sentido está implícito no contexto.

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particípios, no início da sentença, são substantivados e coordenados entre si pela

conjunção kaiv: oi& katoikou~ntekaiVoi& a!rconte, "aqueles que habitam em

Jerusalém e os chefes deles‖; ambos os particípios integram o sujeito composto do

verbo e*plhvrwsan, ―cumpriram a (profecia)‖.

Após o sujeito composto da sentença explicativa, há uma sucessão de orações

reduzidas de particípio, marcando a hipotaxe implícita como, por exemplo: tou~ton

a*gnohvsante kaiV taV fwnaV tw~n profhtw~n ―ao desconhecerem isto e as palavras

dos profetas‖. Atesta-se a zeugma355 do mesmo particípio de valor temporal

a*gnohvsantena segunda sentença, uma vez que as duas orações reduzidas de

particípio são coordenadas entre si pela conjunção kaiv.

A hipotaxe continua com taV kataV pa~n savbbaton a*naginwskomevna, "que

são lidas em público durante todo o sábado‖, que equivale a uma oração subordinada

adjetiva reduzida de particípio, para enfatizar taV fwnaV tw~n profhtw~n, ―as palavras

dos profetas‖, dando uma nuance de explicação; na verdade, taV ...

a*naginwskomevnaé um particípio presente substantivado, na voz passiva, adjunto

adnominal de atributo de taV fwnav

O particípio substantivado está concordando em gênero, número e caso com o

substantivo taV fwnavTeoricamente, a subordinada reduzida de particípio equivale a

uma oração relativa adjetiva. Geralmente, o particípio é posto entre o artigo e o

vocábulo que o determina; não obstante, por questões de ênfase, pode aparecer posposto

como foi o caso de taV a*naginwskomevna

Por fim, tem-se krivnante"quando (o) julgaram‖, um particípio de valor

temporal, em uma referência ao julgamento de Jesus Nazareno.

Em relação ao excerto grego, há um rompimento de uma construção sintática em

uma sentença, uma vez que o verbo e*plhvrwsan está no final do versículo, longe de oi&

gaVr katoikou~nte e*n *IerousalhVm kaiV oi& a!rconte au*tw~n. Atesta-se, então, o

anacoluto356.

A narração dos acontecimentos referentes a Jesus prossegue nestes termos:

355

zeu~gma, ato (tov) – significado literal: juntura, junta, união de peças, diga-se par (por exemplo, de

animais) – é a figura de linguagem que omite algum elemento que já foi citado anteriormente. 356

a*nakovlouqoon - significado literal: aquilo que não tem sequência, que não é seguido – é a figura

de linguagem, denominada também de ―frase quebrada‖, que rompe, que quebra, de modo abrupto, uma

construção sintática em uma sentença por outra. O anacoluto possui por objetivo pôr em relevo alguma

informação.

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28 kaiV mhdemivan ai*tivan qanavtou eu&rovnte h/*thvsanto Pila~ton a*naireqh~nai au*tovn.

28 E, após não terem encontrado nenhuma acusação de morte, pediram,

insistentemente, a Pilatos para que ele fosse condenado à morte357

.

O polissíndeto continua com o emprego da conjunção kaiv: kaiV (...) h/*thvsanto

Pila~ton, ―E, pediram (...), insistentemente, a Pilatos‖. Aliás, essa é a oração

subordinante da oração reduzida de infinitivo de valor final, a*naireqh~nai au*tovn,

―para que ele fosse condenado à morte‖ (vers. 28) e da oração reduzida de particípio

aoristo de valor temporal: mhdemivan ai*tivan qanavtou358 eu&rovnte"após não terem

encontrado nenhuma acusação de morte‖ (vers. 28). As duas últimas orações marcam a

hipotaxe implícita, que estão vinculadas a uma mesma sentença, introduzida por kaiv.

29 w& deV e*tevlesan pavnta taV periV au*tou~ gegrammevna,

kaqelovnte a*poV tou~ xuvlou e!qhkan ei* mnhmei~on. 29 Então, quando completaram todas as coisas que estavam escritas a

respeito dele, tirando-(o) do madeiro, puseram-(no) no sepulcro

359.

A argumentação prossegue pelo emprego da conjunção temporal w&, que insere

a oração subordinada adverbial temporal w&e*tevlesan pavnta, ―quando completaram

todas as coisas‖, marcando a hipotaxe explícita. Há a oração participial taV periV au*tou~

gegrammevna, “que estavam escritas a respeito dele‖, que equivale a uma oração relativa

adjetiva, cujo antecedente é o adjetivo pavnta, ―todas as coisas‖.

357

De acordo com Mt 27. 22-23; Mc 15. 13-14; Lc 23. 21, 23; Jo 19. 6, 7, 15. 358 Conforme genitivo de espécie ou de causa (HORTA, 1991, p. 385). Amenós classifica este tipo de

genitivo de genitivo de delito, uma vez que indica o delito, o crime, a acusação. Normalmente, aparece

em verbos que o gramático denomina de verbos judiciais, tais como: acusar, convencer, condenar,

absolver ... (AMENÓS, 1958, p. 168). De acordo com Mt 26. 60; Mc 14. 55, 56, 59; 15. 14; Lc 23. 4, 14,

15, 22; Jo 18. 38; 19. 4, 6. 359

De acordo com Mt 27. 57-61; Mc 15. 42-47; Lc 23. 53; Jo 19. 38-42. Somente no relato do evangelista

João, há a informação de que José de Arimateia (um discípulo oculto de Jesus, pois tinha receio dos

judeus, conforme o relato bíblico) juntamente com Nicodemos, tomou o corpo de Jesus e o colocou em

um sepulcro novo. Na verdade, Pilatos havia concedido ao pedido de José de Arimateia de retirar o corpo

de Jesus (Jo 19. 38-42). Acredita-se também que José de Arimateia fosse um membro do Sinédrio, rico e

de muita influência. Não obstante, as outras narrativas dos evangelistas (Mt 27. 57-61; Mc 15. 42-47; Lc

23. 50-56) mencionam, apenas, o nome de José de Arimateia como aquele que havia retirado o corpo de

Jesus e posto em um sepulcro novo, que fizera abrir na rocha (Mt 27. 57-61). É bom lembrar que,

normalmente, os judeus sepultavam seus mortos: a) em cavernas naturais; b) na terra; c) em sepulcros

cavados na rocha como o exemplo de Lázaro (Jo 11); para fechar o sepulcro, colocava-se uma pedra. O

sepulcro de José de Arimateia havia sido cavado na encosta do Monte Calvário.

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Após a conjunção w&, tem-se a partícula dev, dando continuidade à narração: deV

(...) e!qhkan ei* mnhmei~on, “Então, (...) puseram-(no) no sepulcro‖. Essa oração é a

subordinante da oração subordinada temporal iniciada por w&e da oração reduzida de

particípio aoristo kaqelovnte a*poV tou~ xuvlou, ―tirando-o do madeiro‖,360

de valor

temporal.

Observa-se, novamente, o anacoluto com a quebra da construção frasal no

versículo supracitado, tal qual o versículo 27: (...) deV (...) e!qhkan ei* mnhmei~on,

“Então, (...) puseram-(no) no sepulcro‖.

30 o& deV qeoV h!geiren au*toVn e*k nekrw~n, 31 o$ w!fqh e*piV h&mevra

pleivou toi~ sunanaba~sin au*tw~/ a*poV th~ Galilaiva ei*

*Ierousalhvm oi@tine [ nu~n ] ei*sin mavrture au*tou~ proV toVn laovn.

30 Ora, Deus o ressuscitou dos mortos361

, 31 o qual foi visto por muitos

dias por aqueles que lhe acompanharam na subida da Galileia para

Jerusalém362

, os quais alguns, neste momento, são testemunhas dele363

para o povo.

Mais uma vez, há o emprego da partícula dev: o& deV qeoV h!geiren au*toVn e*k

nekrw~n, “Ora, Deus o ressuscitou dos mortos‖ (vers. 30). A oração referida é

subordinante da oração subordinada adjetiva introduzida pelo pronome relativo o@: o$

w!fqh e*piV h&mevra pleivou toi~ sunanaba~sin au*tw~/ a*poV th~ Galilaiva ei*

*Ierousalhvm, “o qual foi visto por muitos dias por aqueles que lhe acompanharam na

subida da Galileia para Jerusalém‖ (vers. 31).

Sublinhe-se que a oração subordinada adjetiva é, por sua vez, subordinante da

próxima oração subordinada adjetiva introduzida pelo pronome relativo oi@tine [nu~n]

oi@tine ei*sin mavrture au*tou~ proV toVn laovn, “os quais alguns, neste momento,

são testemunhas dele para o povo‖ (vers. 31). As duas orações inseridas pelo pronome

relativo marcam a hipotaxe explícita.

As orações subordinadas, introduzidas pelos pronomes relativos o@,

oi@tinepossuem verbos no modo indicativo, w!fqh, ei*sivn.

É bom lembrar que o pronome relativo composto oi@tine apesar de ser

360 Em uma referência aos acusadores de Jesus Nazareno. 361

De acordo com At 2. 24, 32; 3. 15; 4. 10; 5. 30; 10. 40; 17. 31. 362

De acordo com At 1. 3. 363

De acordo com Lc 24. 48; At 1. 8; 2. 32; 3. 15; 5. 32; 10. 39, 41.

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indefinido, possui um antecedente definido: o particípio substantivado toi~

sunanaba~sin, ―por aqueles que lhe acompanharam na subida‖ (vers. 31); o vocábulo

citado constitui um agente da passiva do verbo w!fqh.

Inicia-se, agora, a terceira parte da argumentação paulina (At 13. 32-33). Pode-

se considerar que os versículos 26364

, 32 e 33 constituem o ápice da argumentação do

apóstolo, pois revela-se o khvrugma, ―a proclamação‖, onde a função argumentativa do

enunciado está mais visível nestes termos:

32 kaiV h&mei~ u&ma~ eu*aggelizovmeqa thVn proV touV patevra

e*paggelivan genomevnhn, 33 o@ti tauvthn o& qeoV e*kpeplhvrwken

toi~ tevknoi [ au*tw~n ] h&mi~n a*nasthvsa *Ihsou~n w& kaiV e*n tw~/ yalmw~/ gevgraptai tw~/ deutevrw/,

Ui&ov mou ei^ suv, e*gwV shvmeron gegevnnhkav se.

32 E nós vos anunciamos o Evangelho da promessa feita aos pais, 33

que Deus cumpriu completamente esta (promessa)365

a nós, aos filhos

deles, ressuscitando a Jesus366

da mesma maneira que também está

escrito no salmo segundo:

Tu és meu filho,

Eu, hoje, te gerei.

Essa citação supracitada, em discurso mimético, equivale a uma parte do Salmo

2. 7. Eis os excertos subscritos em hebraico e em grego (LXX):

אספרה אל חק יהוה אמר

לי בני אתה אני היום א

ילדתיך:

Proclamarei o que me disse o Eterno: Tu és Meu filho, hoje te gerei

(Sl 2. 7).

diaggevllwn toV provstagma kurivou Kuvrio eipen proV me Ui&ov

mou ei^ suv, e*gwV sgvmeron gegevnnhkav se (Sl 2. 7). Proclamando o que (me) foi prescrito pelo Senhor; o Senhor disse para

mim: Tu és meu filho, eu, hoje, te gerei.

364

(...) h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh, “(...) a palavra desta salvação foi enviada a

nós‖. 365

Zeugma de thVn .. e*paggelivan genomevnhn, ―promessa feita‖ (versículo 32). 366

De acordo com At 13. 23.

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O versículo 32 supracitado apresenta o emprego da conjunção coordenativa kaiv.

Paulo mostra, de modo visível, um de seus objetivos: kaiV h&mei~ u&ma~ eu*aggelizovmeqa

thVn proV touV patevra e*paggelivan genomevnhn, “E nós vos anunciamos o

Evangelho da promessa feita aos pais‖ (vers. 32). A expressão proV touV patevra

―aos pais‖ (vers. 32), constitui uma referência aos israelitas, antepassados de Paulo;

pode-se considerar isso como uma metonímia, já que era muito comum, os antepassados

dos israelitas serem denominados, somente, por ―pais‖ (Sl 95. 8-9).367

Paulo utiliza, novamente, o ―nós‖ de identificação, de empatia, juntamente com

a forma verbal no presente da voz média, eu*aggelizovmeqa: h&mei~ u&ma~

eu*aggelizovmeqa, ―nós anunciamos o Evangelho (...)‖. Digno de nota também é o

pronome pessoal de segunda pessoa do plural, u&ma~ “vos‖, objeto direto de

eu*aggelizovmeqa, falando, diretamente, ao seu público (vers. 32).

A sentença iniciada por kaiv (vers. 32) é a oração subordinante da oração

subordinada adjetiva introduzida pelo pronome relativo, o@ti, que, por sua vez, é a

subordinante da próxima oração reduzida de particípio: a*nasthvsa *Ihsou~n,

―ressuscitando a Jesus‖. Ora, o pronome relativo possui, por antecedente, a seguinte

expressão: e*paggelivan genomevnhn (vers. 32), cujo particípio constitui um predicativo

do objeto direto, e*paggelivan. Convém destacar que o pronome demonstrativo

substantivo feminino, singular, tauvthn, ―esta‖, diz respeito a e*paggelivan genomevnhn.

Tem-se, então, a zeugma de thVn ... e*paggelivan genomevnhn, ―promessa feita‖ (vers.

32).

Paulo, novamente, na oração introduzida por o@ti, utiliza o pronome de

identificação, h&mi~n, ―a nós‖: o@ti tauvthn o& qeoV e*kpeplhvrwken toi~ tevknoi

[ au*tw~n ] h&mi~n, “que Deus cumpriu completamente esta (promessa) a nós, aos filhos

deles‖ (vers. 33). Então, há o emprego do pronome pessoal por três vezes, a primeira no

nominativo h&mei~, "nós"; a segunda no acusativo u&ma~ “vós‖ (vers. 32) e, por fim, a

terceira no dativo h&mi~n, ―a nós‖ (vers. 33). Entrementes, há uma expressão que explica

o sentido de h&mei~h&mi~n: toi~ tevknoi [au*tw~n], “aos filhos deles‖368 (...) (vers. 33).

Sublinhe-se que todas as três formas do pronome pessoal empregadas nesse excerto são

acentuadas, o que sugere uma ênfase.

367

8 (...) Não permitais que se endureçam vossos corações como em Merivá, como aconteceu em Massá,

no deserto, 9 quando vossos pais, mesmo tendo presenciado Meus feitos, duvidaram de Mim (Sl 95. 8-9).

368 Em uma referência a proV touV patevra"aos pais" (versículo 32).

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A propósito, a expressão toi~ tevknoi [au*tw~n], ―aos filhos deles‖, constitui um

epánodos369, já que toi~ tevknoi [au*tw~n] desenvolve e explica mais o sentido de

h&mei~h&mi~n.

Ora, a oração reduzida de particípio aoristo a*nasthvsa *Ihsou~n é a oração

subordinada adverbial de valor temporal, cuja ação foi realizada pelo o& qeov. Por sua

vez, essa oração reduzida de particípio é subordinante da oração subordinada adverbial

comparativa, introduzida pela conjunção comparativa w&: w&kaiV e*n tw~/ yalmw~/

gevgraptai tw~/ deutevrw/, ―da mesma maneira que também está escrito no salmo

segundo‖ (...), para, em seguida, inserir uma citação direta, em discurso mimético para

embasar a sua argumentação: Ui&ov mou ei^ suv, e*gwV shvmeron gegevnnhkav se, ―Tu és

meu filho, Eu, hoje, te gerei‖ (vers. 33)370.

A comparação371 vem introduzida por uma conjunção comparativa, para

expressar o cotejo entre dois elementos. Podem-se extrair algumas informações dessa

comparação. 1) o objeto que se compara (o ―comparado‖): ressurreição de Jesus; 2) o

objeto ao qual se compara o comparado (o ―comparante‖): a escritura salmídica; 3) o

termo comparativo: w& ―como, da mesma maneira que‖; 4) o ―ponto de comparação‖: a

fidelidade divina.

Ressalte-se que a conjunção comparativa w&está acompanhada de kaiv, ―da

mesma maneira que também‖, para enfatizar o sentido da comparação. É bom destacar,

igualmente, o uso adverbial de kaiv.

Paulo, após mencionar a ressurreição (vers. 30, 33), continua insistindo nessa

mesma ideia da ressurreição de Jesus (vers. 34) e, para dar ainda mais veracidade às

suas palavras, cita diretamente, em discurso mimético, mais uma vez, os escritos

369 e*pavnodoou (h&) - significado literal: ação de subir, de voltar - é a figura de linguagem que consiste

em repetir uma determinada expressão ou ideia anteriormente expressa. Destarte, é uma espécie de

recapitulação, desenvolvendo-lhe mais o seu sentido. 370

Atesta-se no livro de Hebreus 1. 5; 5.5 que o autor também faz referência a esse excerto do Salmo. 371

suvgkrisiewh& -- significado literal: ação de reunir, de combinar, de onde, substância composta.

A diferença básica entre metáfora e comparação está no fato de, na maioria das vezes, a segunda figura de

linguagem vem introduzida por uma partícula comparativa, para expressar o cotejo entre dois elementos.

Não obstante, Aristóteles utiliza o vocábulo ei*kwvn para expressar a semelhança, a imagem, a comparação

entre elementos. Afirma que, apesar da diferença entre uma e outra ser muito pequena, pode-se considerar

ei*kwvn como uma metaforav. O filósofo emprega, como exemplo de ei*kwvn, quando Homero diz que

Aquiles se lança ―como um leão‖ (= w& deV levwn e*povrousen, HOMERO. Ilíada XX, 164), mas quando

se diz: ―o leão atirou-se‖ (levwn e*povrouse) é uma metáfora (ARISTOTE. Rhétorique III, 4, 1406 b 20-

24). Aristóteles ainda destaca que ei*kwvn é útil no discurso, desde que seja empregada poucas vezes, uma

vez que é peculiar da poesia (ARISTOTE. Rhétorique III, 4, 1406 b 24-25).

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sagrados judaicos (vers. 34-35), o que dá início a quarta parte da sua argumentação (At

13. 34-39):

34 o@ti deV a*nevsthsen au*toVn e*k nekrw~n mhkevti mevllonta

u&postrevfein ei* diafqoravn, ei!rhken o@ti Dwvsw u&mi~n taV o@sia DauiVd taV pistav.

35 diovti kaiV e*n e&tevrw/ levgei,

Ou* dwvsei toVn o@siovn sou i*dei~n diafqoravn.

34 Ora, ressuscitou-o dos mortos, jamais estando por retornar para a

corrupção, disse:

Darei a vós as coisas sagradas (e) as coisas fiéis de Davi,

35 porque também em outra passagem (das Escrituras) diz:

Não darás o teu Santo para ver corrupção.

Essas citações supracitadas, em discurso mimético, equivalem, respectivamente,

a Isaías 55. 3: ―Darei a vós as coisas sagradas (e) as coisas fiéis de Davi‖, e ao Salmo

16. 10: ‗Não darás o teu Santo para ver corrupção‘. Os dois excertos apresentam o

mesmo adjetivo o@sio, -a, -on; a primeira ocorrência está no neutro plural taV o@sia,

“as coisas sagradas‖ (vers. 34), e a segunda, no masculino singular toVn o@siovn sou, ―o

teu Santo‖ (vers. 35). Seguem-se, subscritos, os excertos do texto hebraico e em grego

(LXX) tanto de Isaías quanto de Salmo:

הטו אזנכם ולכו אלי שמעו ותחי נפשכם

:הנאמנים י דוד ואכרתה לכם ברית עולם חסד

Apurai vossos ouvidos, e vinde a Mim; escutai, e viverá vossa alma;

farei convosco uma aliança confiável e perpétua, tal qual a que a

benevolência do Eterno concedeu a David (Is 55. 3).

י לא־תעזב נפשי לשאול כ

:שחת ן חסידך לראות לא־תת

Pois ao Sheól não abandonarás a minha alma, nem permitirás que com a

corrupção eu me depare (Sl 16. 10).

Prosevcete toi~ w*tivoi u&mw~n kaiV e*pakolouqhvsate tai~ o&doi~

mou: e*pakouvsatev mou, kaiV zhvsetai e*n a*gaqoi~ h& yuchV u&mw~n kaiV diaqhvsomai u&mi~n diaqhvkhn ai*wvnion, taV o@sia Dauid taV pistav. (Is 55. 3)

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Estenda os vossos ouvidos e sigais as veredas até mim; escutai-me, e a

vossa alma viverá entre os nobres, e estabelecerei para vós uma aliança

eterna, as coisas sagradas (e) as coisas fiéis de Davi.

o@ti ou*k e*gkataleivyei thVn yuchvn mou ei* a@/dhn ou*deV dwvsei

toVn o@siovn sou i*dei~n diafqoravn (Sl 15. 10)372

. Porque não deixarás a minha alma no Hades nem darás o teu Santo para

ver corrupção.

A conjunção o@ti, no início do versículo 34, não foi traduzida, uma vez que se

trata de um expletivo. Não se deve esquecer que o@ti introduz a declaração de um

acontecimento. Como pontua a professora Guida Horta: ―se a frase for bastante longa,

pode-se encontrar o@ti repetido, por ênfase (...)‖ (HORTA, 1979, p. 165). Já a partícula

continuativa dev é empregada para dar continuidade à narração (vers. 34). A propósito, o

segundo emprego de o@ti, no versículo 34, possui um sentido de ―dois pontos” (ei!rhken

o@ti, ―disse:‖), conforme gramatização de o@ti. Assim, a conjunção interrompeu a

construção em discurso narrativizado (ou discurso indireto) para introduzir o discurso

mimético (ou discurso direto). Então, tem-se um exemplo de discurso transposto (ou

discurso indireto livre) que é uma combinação do discurso direto e do indireto.

Atesta-se a presença de duas hipotaxes implícitas, que são as orações reduzidas

de particípio e de infinitivo.

A oração infinitiva, no presente da voz ativa, u&postrevfein ei* diafqoravn, (...)

“por retornar para a corrupção‖ (...) (vers. 34) constitui uma oração subordinada

substantiva objetiva direta de mevllonta, que é a oração subordinante, que indica

atividade mental.

Ressalte-se que a partícula negativa mhkevti, ―não mais, nunca mais, jamais‖,

reforça o sentido do particípio mevllonta, ―estando‖, particípio presente, predicativo do

objeto direto de a*nevsthsen, no caso, o pronome demonstrativo au*tovn.

A argumentação paulina prossegue com a conjunção causal diovti, ―porque,

visto que, como‖ (vers. 35), oferecendo uma relação de causa e de consequência para

aquilo que foi dito antes. Paulo, em seguida, embasa a sua assertiva com uma citação

direta em discurso mimético: diovti kaiV e*n e&tevrw/ levgei, Ou* dwvsei toVn o@siovn sou

372

Na LXX, o Sl 16. 10 equivale a Sl 15. 10.

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i*dei~n373 diafqoravn, ―porque também em outra passagem (das Escrituras) diz: ‗Não

darás o teu Santo para ver corrupção‘ (vers. 35).

A conjunção diovti está acompanhada de kaiv para enfatizar a nuance de

causalidade: diovti kaiv (...), ―porque também‖.

36 DauiVd meVn gaVr i*diva/ genea~/ u&phreyhvsa th~/ tou~ qeou~ boulh~/

e*koimhvqh kaiV prosetevqh proV touV patevra au*tou~ kaiV eiden

diafqoravn: 37 o$n deV o& qeoV h!geiren, ou*k eiden diafqoravn.

36 Por isso é que Davi, após ter servido a sua geração, adormeceu374

pelo desígnio de Deus e foi posto junto de seus pais375

e viu corrupção;

37 mas aquele que Deus ressuscitou não viu corrupção.

Digna de nota é a expressão meVn gavr, ―por isso é que‖ (vers. 36); sublinhe-se

que a partícula correlativa mevn está acompanhada da conjunção explicativa gavr, que

expressa uma justificativa, uma confirmação de algo. Ambas formam uma expressão

que, em uma proposição seguida de uma outra, resultam em uma oposição (BAILLY,

2000, p. 1251), no caso deste excerto, a oposição é entre: meVn gavr, ―por isso é que‖

(vers. 36) ... dev, ―mas‖ (vers. 37).

Já Rusconi sublinha que meVn gavr ―inicia um argumento que contém contraste‖

(RUSCONI, 2011, p. 301). Nota-se que a oposição é entre o rei israelita, Davi, que viu a

corrupção, e Jesus Nazareno, que não viu a corrupção, de acordo com o relato bíblico

(versículos 35-37).

Na verdade, na concepção cristã, o rei Davi, simboliza a ―humanidade corrupta e

decaída‖, mas Jesus Nazareno, a ―divindade incorruptível e santa‖.

Nos versículos supracitados, tem-se, então, a presença da antítese376, uma figura

de linguagem, com o objetivo de salientar a oposição entre Davi e Jesus.

373

Conforme infinitivo de destinação. 374

Convém destacar que, embora o verbo e*koimhvqh esteja na voz passiva (tradução literal: ―foi

adormecido‖), preferiu-se a tradução pela voz ativa, ―adormeceu‖. 375

Preferiu-se a tradução da expressão prosetevqh proV touV patevra au*tou~, ―foi posto junto de seus

pais‖, em uma referência ao sepultamento de Davi. A propósito, é muito comum nos escritos judaicos

sacros, em uma referência aos reis, a expressão: ―(...) repousou com seus pais e foi sepultado (...)‖. Citem-

se, alguns exemplos: 1 Rs 2. 10 (em uma referência ao rei David [Davi]); 11. 43 (em uma referência ao

rei Salomão); 14. 31(em uma referência ao rei Rehavam [Roboão]); 15. 8 (em uma referência ao rei

Aviam [Abias]); 15. 24 (em uma referência ao rei Asa); 16. 6 (em uma referência ao rei Bashá [Baasa]);

16. 28 (em uma referência ao rei Omri [Onri]); 22. 40 (em uma referência ao rei Ahav [Acabe]); 22.

51(em uma referência ao rei Iehoshafat [Josafá]); 2 Rs 8. 24 (em uma referência ao rei Ioram [Jeorão]); 2

Rs 9. 28 (em uma referência ao rei Ahaziá [Acasias]); 2 Rs 10. 35 (em uma referência ao rei Iehú [Jeú]); 2

Rs 13. 9 (em uma referência ao rei Iehoahaz [Jeoacaz]). Ressalte-se que os nomes dos soberanos, postos

entre colchetes constituem as transliterações mais comuns atestadas na Bíblia Cristã.

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Há a hipotaxe implícita pelo emprego do particípio aoristo de valor temporal,

u&phreyhvsa: i*diva/ genea~/ u&phreyhvsa, ―após ter servido a sua geração‖ (vers. 36).

Destacam-se, nitidamente, as sentenças: DauiVd meVn gaVr ... kaiV prosetevqh ...

kaiV ei^den ..., ―por isso é que Davi ... e foi posto junto ... e viu ...‖ (vers. 36) com a

presença de dois polissíndetos.

Convém mencionar, neste excerto, a predominância dos tempos verbais no

aoristo: e*koimhvqh, ―adormeceu‖, cujo agente está em dativo: th~/ tou~ qeou~ boulh~/,

―pelo desígnio de Deus‖; prosetevqh ―posto junto‖; ei^den, ―viu‖. Os dois primeiros

verbos, estando na voz passiva, destacam a ação sofrida pelo sujeito.

Atesta-se, ainda, o eufemismo377

com o emprego do verbo e*koimhvqh,

―adormeceu‖ no excerto: DauiVd meVn gaVr ... e*koimhvqh378, ―Por isso é que Davi ...

adormeceu‖ (vers. 36). Tem-se a presença do verbo koimavw, ―durmo, descanso‖, sendo

empregado no lugar de, por exemplo, a*poqnhv/skw, “morro‖.

É bom lembrar que a partícula dev, dessa vez, possui uma nuance adversativa,

―mas, todavia, contudo‖, para a oposição: deV ... ou*k ei^den diafqoravn, ―mas ... não

viu corrupção‖. Essa oração é subordinante da oração subordinada adjetiva, inserida

pelo pronome relativo o$n ... o& qeoV h!geiren, “aquele que (...) Deus ressuscitou‖.

Destaca-se a prolepse379 do pronome relativo no início da sentença, marcando a hipotaxe

explícita (vers. 37). O antecedente do pronome relativo é toVn o@sion, objeto direto de

h!geiren.

Atesta-se, no discurso de Antioquia da Pisídia, uma outra figura, a

anisocronia380

, pois há modificações no ritmo da narração. Paulo emprega o recurso do

376

a*ntivqesi, ew (h&) – sentido literal: a ação de opôr, posição contrária - é a figura de linguagem que

expressa as palavras, as ideias, os pensamentos ou expressões opostos entre si, com o objetivo de

salientar a oposição entre eles. 377 eu*fhmismov, ou~ (o&) - significado literal: ação de falar de modo benevolente – é a figura de linguagem

que suaviza, atenua uma expressão chocante, grosseira, indecorosa ou não tão feliz, substituindo, assim,

uma palavra por outra mais suave, branda. De acordo com Câmara, o eufemismo é uma causa de

evolução semântica, porque a palavra, assim empregada sistematicamente, acaba adquirindo a

significação exata daquela a que se substitui (CÂMARA JÚNIOR, 1996, p. 113). 378

No Novo Testamento, possui o significado de ―cair no sono, dormir‖ (VINE, 2002, p. 801), ―fazer

repousar, dormir; por eufemismo: fazer morrer‖ (BAILLY, 2000, p. 1109), ―conservar, manter, velar à

noite‖ (LIDDELL, SCOTT‘S), 2000, p. 440.).

379 provlhyi, ew (h&) - significado literal: ação de antecipar – é a figura de linguagem que antecipa,

desloca algum termo da oração. Por vezes, uma oração subordinada pode ser construída em prolepse. 380

a*nisocroniva, a (h&) – significado literal: de tempo, de duração desigual - conforme já foi visto no

item 4.2 (Enfoques Teóricos da Narratologia); a anisocronia significa que o tempo narrativo possui uma

duração diferente do da história; emprega-se para tal, os seguintes recursos: os resumos ou os sumários,

que são uma redução do tempo da história, com a narração em parágrafos menores ou páginas de, por

exemplo, vários dias, meses ou anos, sem se detalhar ações ou palavras.

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―resumo‖, falando dos principais pontos, por exemplo, da história de Israel e de Jesus,

sem haver um melhor detalhamento dos fatos. Na verdade, o apóstolo retarda um de

seus principais objetivos neste discurso o quanto pode, para não entrar, diretamente,

falando sobre a pessoa de Jesus. O rei Davi foi, simplesmente, um ―gancho‖ que Paulo

encontrou para inserir o Nazareno em seu discurso.

38 gnwstoVn oun e!stw u&mi~n, a!ndre a*delfoiv, o@ti diaV touvtou

u&mi~n a!fesi a&martiw~n kataggevlletai, [ kaiV] a*poV pavntwn w%n ou*k

h*dunhvqhte e*n novmw/ Mwu>sevw dikaiwqh~nai, 39 e*n touvtw/ pa~ o& pisteuvwn dikaiou~tai.

38 Por conseguinte, seja conhecido por vós, ó varões irmãos, que, por

meio deste, é proclamado381

o perdão de pecados a vós e de todas as

coisas, as quais não pudestes ser justificado382

na lei de Moisés; 39

nisso, todo aquele que crê é considerado justo.

Nos versículos subsequentes (At 13. 38-39), há um tom moral; o apóstolo

anuncia a ―remissão dos pecados‖ por meio de Jesus Cristo a todas as pessoas.

Entrementes, há um diferencial entre a mensagem anunciada pelos judeus e a nova

mensagem, uma vez que todos aqueles que cressem em Jesus, além de perdoados,

seriam justificados, coisas essas que a ―Lei de Moisés‖383 fora incapaz de fazer.

O versículo 38 se inicia com o adjetivo verbal neutro, gnwstovn, ―conhecido‖,

em seu sentido passivo, indicando, assim, a possibilidade da ação, cujo pronome

pessoal, na segunda pessoa do plural, u&mi~n, ―para, a vós‖, é o seu agente em dativo.

Destaca-se também o emprego do imperativo presente ativo, na terceira pessoa do

e!stw, ―seja‖, na sentença, em tom de ordem, cujo sentido é completado pelo adjetivo

verbal. Paulo insere uma breve apóstrofe, a!ndre a*delfoiv, ―ó varões irmãos‖ (vers.

38), antes de dar continuidade ao seu pensamento.

381

De acordo com At 10. 43. 382

De acordo com Hb 9. 9. 383 De acordo com os relatos bíblicos, Deus dera determinadas leis ao povo de Israel por intermédio do

profeta Moisés, que consistiam em normas, cerimônias, rituais etc. A Lei Mosaica, para fins didáticos,

pode ser dividida em: Leis Morais, Leis Civis e Leis Religiosas (Leis Cerimoniais) (Lv 1-7). Essas leis

possuíam o objetivo de fazer com que o povo se lembrasse de seus deveres para com a Divindade que

cultuavam. Assim é que se tem a Torá em seu sentido lato, uma vez que a Torá, em seu sentido strictu,

são os cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica, conhecidos como o Penteteuco. Para os cristãos, a maior

parte das leis cerimoniais foi cumprida por meio da morte e da ressurreição de Jesus, pois não havia mais

a necessidade de haver sacrifícios por derramamento de sangue. Na verdade, os sacrifícios de animais no

Antigo Testamento prenunciavam o sacrifício de Jesus Cristo na Cruz do Calvário, uma vez que Jesus foi

intitulado como o ―Cordeiro de Deus‖ que removia o pecado do mundo (Jo 1. 29). O livro dos Hebreus

informa que, com o sacrifício de Cristo na cruz, não existe mais a necessidade de haver outros sacrifícios

(Hb 9. 12-14). Além do mais, a lei serviu de aio para conduzir os cristãos até a Jesus (Gl 3. 19-24).

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210

Convém destacar a partícula pospositiva consecutiva oun, ―então, por

conseguinte, pois‖ (vers. 38), indicando uma sequência dos fatos que foi expresso na

oração precedente, havendo, então, uma relação de consequência.

Após essa breve invocação, o o@ti é utilizado para a inserção da oração

subordinada substantiva subjetiva coordenada entre si por meio do kaiv: o@ti diaV

touvtou u&mi~n a!fesi a&martiw~n kataggevlletai, [ kaiV] a*poV pavntwn, ―que, por meio

deste, é proclamado o perdão de pecados a vós e de todas as coisas‖ (vers. 38).

A propósito, a sentença iniciada por o@ti é também subordinante da oração

subordinada adjetiva, inserida pelo pronome relativo w%n, ―as quais‖, marcando a

hipotaxe explícita, cujo antecedente é a*poV pavntwn, objeto indireto de h*dunhvqhte.

A voz passiva predomina nos versículos 38-39: kataggevlletai, ―é

proclamado‖, e h*dunhvqhte, ―pudestes‖. Não se deve deixar de mencionar a respeito do

adjetivo verbal gnwstovn, ―conhecido‖, em seu sentido passivo, conforme já foi

mencionado e o infinitivo dikaiwqh~nai, ―ser justificado‖, complemento verbal de

h*dunhvqhte, que indica atividade mental (vers. 38), marcando a hipotaxe implícita.

Pontua-se que se tem um predomínio da função conativa: u&mi~n, “por vós‖;

a!ndre a*delfoiv, “ó varões irmãos‖; u&mi~n, “a vós‖, ou*k h*dunhvqhte, “não pudestes‖,

dikaiwqh~nai, “ser justificado‖ (ver. 38).

Paulo continua a sua argumentação dando uma ênfase espacial com o emprego

da preposição e*n seguida do dativo-locativo, enfatizando o lugar estático: e*n touvtw/,

―nisso‖ (vers. 39). Por meio do emprego do pronome demonstrativo, touvtw/, tem-se a

localização no contexto linguístico, uma vez que se diz respeito àquilo que foi dito ou

feito referência anteriormente. Novamente, um verbo na voz passiva, dikaiou~tai ―é

justificado‖ (vers. 39). Destaca-se, nessa sentença, o particípio presente substantivado o&

pisteuvwn, ―todo aquele que crê‖, que é o núcleo do sujeito de dikaiou~tai, e o adjetivo

pa~n, o adjunto adnominal do particípio substantivado.

Na expressão pa~ o& pisteuvwn, atesta-se que Paulo é contra a divisão entre

judeus e gentios. Em seus escritos, o apóstolo defende que essa barreira ―foi derrubada‖

por meio da ―morte de Jesus‖ (Gl 2. 19-21; 3. 13-14; Rm 11. 17-21; Ef 2. 11-22384).

384

11

DioV mnhmoneuvete o@ti poteV u&mei~ taV e!qnh e*n sarkiv, oi& legovmenoi a*krobustiva u&poV th~

legomevnh peritomh~ e*n sarkiV ceiropoihvtou, 12

o@ti h^te tw~/ kairw~/ e*keivnw/ xwriVs Cristou~,

a*phllotriwmevnoi th~s politeiva tou~ *IsrahVl kaiV xevnoi tw~n diaqhkw~n th~ e*paggeliva, e*lpivda

mhV e!conte kaiV a!qeoi e*n tw~/ kovsmw/. 13 nuniV deV e*n Cristw~/ *Ihsou~ u&mei~ oi@ pote o!nte makraVn

e*genhvqhte e*gguV e*n tw~/ ai@mati tou~ Cristou~. 14 Au*toV gavr e*stin h& ei*rhvnh h&mw~n, o& poihvsa taV

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211

Aliás, a justificação é uma das doutrinas mais importantes do cristianismo; foi

muito bem exposta pelo apóstolo Paulo em sua epístola aos Romanos (Rm 5.1385

).

O cristianismo propaga que, após a ―queda‖ de Adão, houve a necessidade de

justificação, uma vez que o pecado ―entrou‖ na vida da criatura, essa é considerada

injusta desde o seu nascimento (Sl 51. 5; Gn 8. 21386). Já que o homem não seria capaz

de se autojustificar, a Deidade o justifica, para que o homem pudesse ter comunhão com

Ele. A propósito, o homem se tornou ―corruptível‖, pois herdara a ―corrupção do

pecado‖, de acordo com a concepção cristã.

Paulo, neste discurso, é muito detalhista, minucioso, em datas, fatos históricos e

lugares; citem-se, por exemplo:

A Localização Espacial

e*n gh~/, ―na terra‖ (vers. 17); e*n th~/ e*rhvmw/, ―no deserto‖ (vers.

18); e*n gh~/ Canavan, ―na terra de Canaã‖ (vers. 19); e*n u&mi~n,

a*mfovtera e$n kaiV toV mesovtoicon tou~ fragmou~ luvsa, thVn e!cqran e*n th~/ sarkiV au*tou~, 15

toVn

novmon tw~n e*ntolw~n e*n dovgmasin katarghvsa, i@na touV duvo ktivsh/ e*n au*tw~/ ei* e@na kainoVn

a!nqrwpon poiw~n ei*rhvnhn 16 kaiV a*pokatallavxh/ touV a*mfotevrou e*n e&niV swvmati tw~/ qew~/ diaV

tou~ staurou~, a*pokteivna thVn e!cqran e*n au*tw~/. 17 kaiV e*lqwVn eu*hggelivsato ei*rhvnhn u&mi~n toi~

makraVn kaiV ei*rhvnhn toi~ e*gguv: 18 o@ti di’ au*tou~ e!comen thVn prosagwghVn oi& a*mfovteroi e*n e&niV

pneuvmati proV toVn patevra. 19 a!ra ou^n ou*kevti e*steV xevnoi kaiV pavroikoi a*llaV e*steV sumpoli~tai

tw~n a&givwn kaiV oi*kei~oi tou~ qeou~, 20 e*poikodomhqevnte e*piV tw~/ qemelivw/ tw~n a*postovlwn kaiV

profhtw~n, o!nto a*krogwniaivou au*tou~ Cristou~ *Ihsou~, 21 e*n w%/ pa~sa oi*kodomhV

sunarmologoumevnh au!xei ei* naoVn a@gion e*n kurivw/, 22 e*n w%/ kaiV u&mei~ sunoikodomei~sqe ei*

katoikhthvrion tou~ qeou~ e*n pneuvmati. 11 Por isso, lembrai-vos que, antigamente, vós, os gentios na

carne, os chamados incircuncisos pela denominada circuncisão na carne feita por mão de ser humano. 12

Naquele tempo, estáveis sem Cristo, separados da cidadania de Israel e estrangeiro das alianças da

promessa, não tendo esperança e sem Deus no mundo. 13

Agora, em Cristo Jesus, vós, os que,

antigamente, estando longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. 14

De fato, ele é a nossa paz,

aquele que fez de ambos um só e, quando derrubou o muro de divisão (que separava), a inimizade, 15

aniquilou, na sua carne, a lei dos mandamentos e em dogmas, a fim de que dos dois criasse, nele mesmo,

somente, um novo ser humano, fazendo a paz. 16

E reconciliasse a ambos em um só corpo com Deus por

meio da cruz, matando a inimizade nela. 17

E, quando veio, evangelizou a paz a vós, aos de longe e a paz

aos de perto, 18

porque ambos temos a aproximação por seu intermédio ao Pai, em um só Espírito. 19

Portanto, não mais sois estrangeiros e exilados, mas sois concidadãos dos santos e pertencentes à mesma

família de Deus; 20

edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo, ele mesmo, Cristo

Jesus, a pedra angular, 21

no qual toda construção ordenada cresce para santuário santo no Senhor, 22

no

qual, igualmente, vós sois construídos juntos (com os outros) para habitação de Deus no Espírito (Ef. 2.

11-22). Paulo, em uma de suas epístolas, defende a ideia de que a ―salvação‖ pertencia também aos

gentios, não sendo, portanto, uma exclusividade do povo judaico. Não obstante, dá um alerta aos gentios

contra o antissemitismo (Rm 11. 17-21). Convém lembrar também de Gl 3. 28 e Rm 10. 10-12, que já

foram citados anteriormente. 385

Dikaiwqevnte ou^n e*k pivstew ei*rhvnhn e!comen proV toVn qeoVn diaV tou~ kurivou h&mw~n *Ihsou~

Cristou~. Por conseguinte, justificados mediante a fé, temos paz com Deus por meio de Nosso Senhor

Jesus Cristo (Rm 5. 1). 386

E o Eterno sentiu o cheiro de suavidade, e o Eterno disse para Si: Não mais tornarei a maldizer a terra

por causa do homem, pois o impulso do coração do homem é mau desde sua mocidade, e não tornará

mais a ferir todo ser vivo como fiz (Gn 8. 21).

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212

a) Adjunto

Adverbial de Lugar

―Onde‖

-indicando lugar

estático, sem ideia

de movimento -

―entre vós‖ (vers. 26); e*n *Ierousalhvm, ―em Jerusalém‖ (vers.

27); ei* mnhmei~on, ―no sepulcro‖ (vers. 29) (preposição ei*

regida pelo acusativo); e*n tw~/ yalmw~/ (...) tw~/ deutevrw/, ―no

salmo segundo‖ (vers. 33); e*n e&tevrw/, ―em outra passagem (das

escrituras)‖ (vers. 35); e*n novmw/, ―na lei‖ (vers. 38); e*n touvtw/,

―nisso‖ (vers. 39) (preposição e*n regida pelo dativo-locativo);

toV ei*rhmevnon e*n toi~ profhvtai"aquilo que foi dito entre

os profetas" (vers. 40).

b) Adjunto

Adverbial de Lugar

―De Onde‖

-indicando origem,

procedência -

e*x au*th~, ―dessa (terra)‖ (vers. 17); a*poV tou~ xuvlou, ―do

madeiro‖ (vers. 29); e*k nekrw~n, ―dos mortos‖ (vers. 30, 34);

a*poV th~ Galilaiva"da Galileia" (vers. 31) (preposições

regidas pelo genitivo).

c) Adjunto

Adverbial de Lugar

―Para Onde‖

-indicando

movimento -

proV toVn laovn, ―para o povo‖ (vers. 31); ei* *Ierousalhvm,

―para Jerusalém‖ (vers. 31); ei* diafqoravn, ―para a

corrupção‖ (vers. 34); proV touV patevra au*tou~, ―para junto

de seus pais‖ (vers. 36) (preposições regidas pelo acusativo)

d) Adjunto

Adverbial de Lugar

―diante de‖, ―por

meio, através de‖

th~ ei*sovdou au*tou~, ―diante da vinda dele‖ (vers. 24); diaV

touvtou, ―por meio deste‖ (vers. 38) (preposição regida pelo

genitivo).

A Localização Temporal387

e*n th~/ paroikiva/, ―durante o exílio" (vers. 17); w& tesserakontaeth~ crovnon, ―por

um espaço de tempo de quarenta anos‖ (vers. 18); w& e!tesin tetrakosivoi kaiV

penthvkonta, ―aproximadamente, cerca de quatrocentos e cinquenta anos (se

387

Incluindo alguns particípios de valor temporal.

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passaram até o cumprimento dessas coisas); kaqelwvn, ―após destruir‖ (vers. 19); metaV

tau~ta, ―depois destas coisas‖ (vers. 20); e@w SamouhVl [ tou~ ] profhvtou, ―até o

profeta Samuel‖ (vers. 20); ka*kei~qen, ―em seguida‖388

; e!th tesseravkonta, ―por

quarenta anos‖ (vers. 21); metasthvsa, "após tê-lo removido" (vers. 22);

prokhruvxanto *Iwavnnou proV proswvpou, ―após João ter proclamado primeiro‖

(vers. 24); krivnante, "quando o julgaram" (vers. 27); kataV pa~n savbbaton,

―durante todo o sábado‖ (vers. 27); eu&rovnte ―após (não) terem encontrado‖ (vers.

28); w& e*tevlesan, ―quando completaram‖ (vers. 29); e*piV h&mevra pleivou, "por

muitos dias"; nu~n, ―neste momento‖ (vers. 31); u&phreyhvsa"após ter servido"

(vers. 36).

Levando em conta as informações contidas na narração do discurso paulino,

pode-se considerar ainda:

□ O Orador/Narrador

□ O Público/Narratário

Paulo é tanto um narrador secundário intra-heterodiegético, em grande parte do

seu discurso (quando se distancia dos fatos relatados por ele) quanto é intra-

homodiegético (quando vivencia os fatos relatados por ele), como por exemplo: o

emprego de pronomes e de verbos na primeira pessoa do plural, h&mi~n, ―a nós‖ (vers.

26); h&mei~ eu*aggelizovmeqa, ―nós vos anunciamos o Evangelho‖ (vers. 32), se

inserindo assim no próprio relato, conforme os versículos subscritos:

(...) h&mi~n o& lovgo th~ swthriva tauvth e*xapestavlh. (...) a palavra

desta salvação foi enviada a nós (At 13. 26).

kaiV h&mei~ u&ma~ eu*aggelizovmeqa thVn proV touV patevra

e*paggelivan genomevnhn. E nós vos anunciamos o Evangelho da

promessa feita aos pais (At 13. 32).

Lucas deixa o discurso mimético de Paulo fluir normalmente, sem haver

intromissões por parte do narrador primário. Assim é que o discurso em Antioquia da

388

Tem-se a crase da conjunção kaiv acompanhada da partícula temporal e*kei~qen (ka*kei~qen), ―e em

seguida‖ (vers. 21).

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Pisídia constitui uma narrativa de focalização interna, uma vez que Paulo, o narrador

secundário, é o sujeito da enunciação.

Os ouvintes são narratários secundários tanto intra-heterodiegéticos, em grande

parte do discurso paulino, pois escutam um relato em que não tiveram participação

quanto intra-homodiegéticos, pois escutam uma história que estão vivenciando (quando

Paulo se utiliza de pronome na primeira pessoa do plural, h&mi~n, ―a nós‖ (vers. 26) e na

segunda pessoa do plural, u&ma~"vos" (vers. 32), uma vez que o apóstolo insere o seu

público dentro da história narrada por ele, estreitando, dessa forma, a distância que

existe entre o orador, a história contada por ele e o seu público.

□ O Argumento-Tipo (A Amplificação)

Paulo valoriza, principalmente, a história antiga de Israel, onde engrandece as

boas ações da divindade que os israelitas cultuavam; exaltando, em especial, a

fidelidade divina tanto na antiguidade quanto no presente (vers. 17-23; 30, 32-39).

Assim, Paulo amplifica e valoriza esses fatos de modo a criar uma comunhão em torno

desses valores que o seu público, de um modo geral, já conhecia. É mister lembrar que,

no decorrer do seu relato da história de Israel, Paulo insere outros assuntos, conforme já

foi visto.

Paulo empregou os termos ―promessa‖ (vers. 23, 32) e o binômio

―Salvador/salvação‖ (vers. 23, 26) em lugares estratégicos de sua narração, dando a

entender que, em meio a esses acontecimentos, deve ser compreendida toda a história

do passado, que havia sido relatado em resumo (vers. 17-22). Ora, a concretização da

promessa, feita aos antepassados, é que faz com que Israel alcance a salvação

prometida.

Ruden dá o seguinte testemunho:

Paulo tinha uma coisa nova a oferecer a todos: a ideia da salvação por

meio da morte e da ressurreição de Jesus. Segundo Paulo, Deus, por

amor, enviara seu Filho para sofrer e morrer com a finalidade de tirar os

homens do seu estado humano e levá-los para além de todo sofrimento

e morte (RUDEN, 2013, p. 15).

A propósito, todos os tovpoi, listados na inventio, estão concatenados; nenhum

deles foi mencionado e desenvolvido por Paulo em vão.

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Pode-se dizer que um dos objetivos desse discurso, kaiV h&mei~ u&ma~

eu*aggelizovmeqa thVn proV touV patevra e*paggelivan genomevnhn, “e nós vos

anunciamos o Evangelho da promessa feita aos pais‖ (vers. 32) não era, somente, levar

os judeus a reconhecerem a messianidade de Jesus, tal qual os discursos petrinos em

Jerusalém (At 2. 14-36; 3. 12-26; 4. 8-12), mas levá-los a entender que o plano salvífico

incluía também os gentios (vers. 39). Para isso, era de suma importância a pregação do

Evangelho aos mesmos e a sua aceitação na congregação cristã.

É bom destacar os seguintes valores na argumentação de Paulo daquilo que é

digno de louvor ou de crítica, tais como, toV kaloVn kaiV toV ai*scrovn, ―o belo e o feio /

vergonhoso‖; toV divkaion kaiV toV a!dikon, “o justo e o injusto‖:

O que é “belo”, toV kalovn O que é “feio/ vergonhoso”, toV ai*scrovn

O que é “injusto”, toV a!dikon

―as ações‖, taV e!rga de o&

qeoV tou~ laou~ touvtou

*Israhvl, ―o Deus deste

povo de Israel‖ (vers.17-

23, 30, 33-37)

―as ações‖, taV e!rga de oi&

katoikou~ntee*n *IerousalhVm kaiV oi&

a!rconte au*tw~n, ―aqueles

que habitam em Jerusalém e

os chefes deles‖ (vers. 27)

o& krivsi, ―o julgamento‖

por parte de oi&

katoikou~ntee*n *IerousalhVm kaiV oi&

a!rconte au*tw~n, ―aqueles que habitam em

Jerusalém e os chefes

deles‖ (vers. 27-29)

O que é “justo”, toV divkaion

pa~ o& pisteuvwn, ―todo aquele que crê‖

(vers. 39)

Agora, convém extrair ai& pivstei, ―as provas‖, que serviram para h& a*povdeixi

―a demonstração‖, paulina:

As Provas Técnicas

□ h^qo, "o caráter"

□ pavqo"a disposição"

□ lovgo"o discurso"

Paulo almejou alcançar a persuasão pelo seu h^qo, para chamar a atenção, para

obter a confiança de seus ouvintes e ter credibilidade diante de seu público.

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216

Pode-se dizer que Paulo empregou, imediatamente, após o proêmio, fatos

conhecidos da história antiga de Israel, para que seus ouvintes, constituídos por judeus,

em sua maioria, tivessem uma boa imagem dele. Afinal, ele era um orador que

manejava bem tanto os fatos passados de seus antepassados (vers. 17-22) quanto os

fatos presentes de seus contemporâneos (vers. 23-40) e, ainda, os fatos futuros (vers. 40-

41). O apóstolo não era, então, um orador indiferente à história antiga de seu auditório,

à história vinculada a Jesus Cristo e, em especial, aos últimos fatos ocorridos em

Jerusalém (vers. 27-31)389.

É bom citar que, para se construir um bom discurso argumentativo, convém que

o orador tenha um conhecimento profundo sobre a questão proposta.

Paulo, por meio de vocábulos que qualificam o seu público, almejou, logo no

proêmio, despertar alguns pavqh, ―as disposições, sentimentos‖ em seus ouvintes (vers.

16), como, por exemplo, h& filiva, ―a amizade‖, toV qarrei~n, ―a confiança‖, h& cavri, ―a

benevolência‖.

Paulo extraiu o seu proêmio do ―louvor‖, do ―elogio‖ a seu público. Apesar de o

proêmio ser breve, Paulo empregou termos que atingiu, diretamente, cada grupo, que

constituía o seu público (vers. 16). Sublinhe-se que há mais duas invocações ao seu

auditório (vers. 26, 38).

Paulo buscou a persuasão, igualmente, pelo lovgoAo construir o seu discurso,

tendo por base os possíveis tovpoi, vistos na inventio, trata-os como fatos verídicos, sem

questionar a veracidade dos acontecimentos.

Ora, atesta-se, de um modo geral, a predominância do modo indicativo. Esse,

sendo o modo da declaração objetiva, exprime fatos reais (pelo menos, considerados

como tais); assim, Paulo alega, afirma, sem dúvida, que os acontecimentos por ele

narrados são verídicos. Convém lembrar Aristóteles: ―o discurso gera a persuasão

quando o verdadeiro ou o que parece ser, isto é, o verossímil, são mostrados‖

(ARISTOTE. Rhétorique, I, 2, 1356 a 19-20).

O religioso se utiliza de conectivos argumentativos, digam-se advérbios,

partículas, enfim, expressões como formas, como meios de expressar seus argumentos.

389

Acredita-se que o tempo entre esses acontecimentos em Jerusalém, aos quais Paulo faz menção, e o

seu discurso em Antioquia da Pisídia, já haviam se passado quatorze a dezesseis anos (se for levado em

conta que a sua conversão se dera em 33 d.C. e a data de sua primeira viagem missionária tenha ocorrido

em 47-49 d.C.) ou treze a quinze anos (se for levado em conta que a data de sua primeira viagem

missionária tenha ocorrido em 46-48 d.C.).

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217

Esses conectivos são elementos de coesão textual, unindo ou opondo diversos

enunciados com o objetivo de mostrar uma correlação de ideias.

As construções no nível da coordenação são paratáticas, constituindo

significantes de uma linguagem predominantemente afetiva, de acordo com Monteiro,

mais adequada para a transmissão de estados emocionais. Ao contrário, as construções

no nível da subordinação são hipotáticas, implicando, sobretudo, em uma certa rigidez

de raciocínio lógico. As construções paratáticas são mais espontâneas, sendo que a

linguagem se torna mais expressiva. Já a hipotaxe é o oposto, havendo uma maior

formalização do estilo, para que o discurso se torne mais austero, já que as ideias se

vinculam por meio de elos de subordinação (MONTEIRO, 2005, pp. 108-109).

Levando em conta algumas informações supracitadas, devem-se fazer algumas

considerações: 1) O ambiente onde Paulo discursou; 2) o religioso sabia que, em um

determinado momento da liturgia na sinagoga, ele poderia falar. Infere-se que Paulo

poderia ter tido tempo de ―construir‖ a sua prédica, fazendo uma escolha preliminar dos

argumentos; 3) o livro dos Atos dá indícios de que ele não foi interrompido em nenhum

momento de sua prédica, sugerindo, assim, que foi um discurso tranquilo, sem

perturbações.

Convém citar alguns verbos e as formas nominais compostos empregados no

decorrer do discurso: e*xelevxato, ―escolheu para si‖ (vers. 17); e*xhvgagen, ―conduziu

para fora‖ (vers. 17); kateklhronovmhsen, ―deu em herança‖ (vers. 18),

prokhruvxanto, ―após ter proclamado primeiro‖ (vers. 24), e*xapestavlh, ―foi

enviada‖ (vers. 26), katoikou~nte, ―aqueles que habitam‖ (vers. 27), a*gnohvsante,

―ao desconhecerem‖ (vers. 27), a*naginwskomevna, ―que são lidas em público‖ (vers.

27), a*naireqh~nai, ―para que fosse condenado à morte‖ (vers. 28), kaqelovnte,

―tirando do‖ (vers. 27), toi~ sunanaba~sin, ―por aqueles que lhe acompanharam na

subida‖ (vers. 31), eu*aggelizovmeqa, ―anunciamos o Evangelho‖ (vers. 32),

a*nasthvsa, ―ressuscitando‖ (vers. 33), e*kpeplhvrwken, ―cumpriu completamente‖

(vers. 33), a*nevsthsen, ―ressuscitou‖ (vers. 34), u&postrevfein, ―por retornar‖ (vers.

34), u&phreyhvsa, ―após ter servido‖ (vers. 36), prosetevqh, ―foi posto junto de‖

(vers. 36), kataggevlletai, ―é proclamado‖ (vers. 38).

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218

A formação morfológica da maioria desses verbos se dá por prefixos-

preposicionados; então, atesta-se a epáuxese390, uma vez que, ao radical verbal, houve o

acréscimo de prefixos.

A propósito, certos verbos, expressões adverbiais e nominais possuem, em seus

significados, uma nuance de amplitude, de alargamento, de engrandecimento, podendo

ser vistos como exemplos de hipérboles391 verbais, adverbiais e nominais para

intensificar o sentido de um pensamento; citem-se, por exemplo: 1) hipérboles verbais -

e*plhvrwsan, ―cumpriram‖ (vers. 27), h*/thvsanto, ―pediram insistentemente‖ (vers. 28),

e*tevlesan, ―completaram‖ (vers. 29), e*kpeplhvrwken, ―cumpriu completamente‖ (vers.

33); 2) hipérboles adverbiais - e*piV h&mevra pleivou392"por muitos dias"(vers. 31)

a*poV pavntwn, ―de todas as coisas‖ (vers. 38); 3) hipérbole nominal - pantiV tw~/ law~/, ―a

todo o povo‖ (vers. 24), pa~ o& pisteuvwn, ―todo aquele que crê‖ (vers. 39), indicando,

em ambas as hipérboles nominais, uma ideia de universalidade393.

Digno de nota é o sintagma e*tevlesan pavnta, ―completaram todas as coisas‖

(vers. 29), pois há um verbo enfático seguido de um adjetivo com ideia de

universalidade, conforme já foi exposto.

É bom citar o pesquisador Aguiar:

No Novo Testamento, Paulo é um dos autores que utiliza as figuras de

linguagem com mais frequência. Em suas cartas, embora possam ser

catalogadas outras figuras de linguagem, parece evidente que a

hipérbole é a que mais caracteriza seu estilo (AGUIAR, 2012, p. 24).

Ele prefere os verbos compostos aos simples, e utiliza os advérbios de

intensidade com frequência superior à frequência com que os demais

autores do Novo Testamento os utilizam. Acrescente-se, ainda, o fato de

que, em se tratando dos advérbios de intensidade, ele prefere o grau

superlativo (e.g., muitíssimo) ao grau positivo (e.g., muito) (ibidem, pp.

31-32).

390

e*pauxhvsi, ew (h&) - significado literal: aumento, crescimento - é o acréscimo morfológico que se

tem por meio de prefixos ao radical de alguns vocábulos. Alterando, dessa forma, o seu aspecto

morfológico e semântico. 391

u&perbolhv, h~ (h&) - significado literal: excesso, superabundância, ação de passar da medida, grandeza

excessiva – é a figura de linguagem que expressa uma ideia, um pensamento exagerado. Por vezes, não se

pode tomá-las em sentido literal. Essas hipérboles oferecem indícios da veemência do pensamento

hebreu. A propósito, Mckenzie ressalta que, nas línguas orientais, a hipérbole é muito comum

(MCKENZIE, 1983, p. 137). Convém lembrar que, quando os espias hebreus foram ver a terra de Canaã,

utilizaram a seguinte expressão para descrever o local: ―as cidades são grandes e fortificadas até o céu‖

(Dt 1. 28). Ora, esse pensamento constitui um exagero por parte dos espias. 392

A forma pleivou é, na verdade, um comparativo de poluv indicando excesso. 393

O pesquisador Aguiar denomina de ―hipérbole nominal‖ aquelas que exercem as seguintes funções em

uma oração: sujeito, adjunto adnominal, complemento verbal ou predicativo do sujeito (AGUIAR, 2012,

p. 97).

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219

A função expressiva ou emotiva, que está centrada no narrador, sobressai pouco

nesse discurso, não constituindo, dessa forma, um discurso pessoal.

Interessante ressaltar as três invocações, que são atestadas no discurso em

Antioquia da Pisídia, sobressaindo a função conativa ou apelativa, que possui nuances

de argumentação, de persuasão, uma vez que tem por objetivo a persuasão do ouvinte,

já que essa função se centra na pessoa do narratário. É bom lembrar, mais uma vez, que

a palavra conativa provém do latim conatum, isto é, ―esforço físico ou moral, empenho,

tentativa de algo‖.

Uma outra função que sobressaiu, além da conativa, no discurso, foi a

referencial, principalmente quando Paulo mencionou sobre as ações de o& qeoV tou~

laou~ touvtou *Israhvl, ―o Deus deste povo de Israel‖, transmitindo informações

objetivas sobre essa Deidade, como também sobre o rei Davi, Jesus, João Batista, entre

outros.

As Provas Extratécnicas

□ Oi& mavrture"As Testemunhas‖

□ Ai& suggrafai, ―Os Escritos‖

Quanto às provas extratécnicas, Paulo citou as testemunhas e os escritos sacros

judaicos.

Paulo buscou o testemunho das duas espécies de testemunhas: as antigas e as

recentes. Tem-se os profetas antigos de Israel (como Samuel, Isaías, Habacuque) e o rei

e salmista Davi como exemplos de testemunhas antigas, cujos testemunhos eram

conhecidos. É bom sublinhar que, a partir do momento que o religioso cita excertos dos

escritos antigos de Israel, o apóstolo busca, de modo direto, o testemunho das

testemunhas antigas, mesmo que não tenha mencionado os seus nomes.

Citem-se, agora, as testemunhas recentes: João Batista (vers. 24), os apóstolos e

outros diversos seguidores de Jesus em uma referência aos toi~ sunanaba~sin au*tw~/,

―aqueles que lhe acompanharam na subida‖ (ver. 31); dentre esses, Paulo destaca que

alguns são, nu~n, ―neste momento‖, mavrture au*tou~, as ―testemunhas dele‖ (vers. 31)

para o povo. Tem-se, então, a presença da partícula adverbial, nu~n, enfatizando o

presente e funcionando como um elemento dêitico, uma vez que salienta a localização

temporal.

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220

Quanto à menção dos escritos sacros, infere-se que, nos discursos narrativizados

ou contados, o apóstolo fez referências às ideias do texto original, mas sem fazer a

transcrição literal da mensagem do(s) autor(es) referido(s), isto é, Paulo faz uma

reprodução explicativa com suas próprias palavras das ideias centrais dos excertos em

questão (At 13. 17-21; 24, 27-28).

Normalmente, essas paráfrases têm por objetivo tornar a mensagem mais clara e

objetiva. Convém citar Marrou:

Em princípio, como dizem os muçulmanos, é uma religião do Livro:

apóia-se em uma Revelação escrita, os Livros santos da religião de

Israel, que ela recolhe e reivindica como seus e aos quais se anexam os

do Novo Testamento, à medida que são escritos e lhes é reconhecido o

valor canônico de Grafhv. O caráter bíblico da prece litúrgica, o lugar

que nela é dado às leituras, faz constante e necessária a presença do

Livro (MARROU, 1969, p. 482).

O apóstolo também cita de modo direto, conforme discurso mimético, os

excertos dos escritos sacros (At 13. 22, 25, 33-35, 41).

A propósito, epílogo desse discurso na sinagoga se encerra também com um

imperativo blevpete, ―vede‖ (vers. 40), seguido de uma citação direta em discurso

mimético (vers. 41) do profeta Habacuque, conforme os versículos subscritos:

40 blevpete oun mhV e*pevlqh/ toV ei*rhmevnon e*n toi~ profhvtai,

41 !Idete, oi& katafronhtaiv, kaiV qaumavsate kaiV a*fanivsqhte,

o@ti e!rgon e*rgavzomai e*gwV e*n tai~ h&mevrai u&mw~n,

e!rgon o$ ou* mhV pisteuvshte e*aVn ti e*kdihgh~tai u&mi~n. 40 Portanto, vede (para)

que não sobrevenha aquilo que foi dito entre os

profetas:

41 Vede, ó escarnecedores,

admirai e sêde consumidos,

porque eu realizo uma obra durante os vossos dias,

obra que, de maneira nenhuma, creríeis se alguém narrasse,

eventualmente, em detalhes a vós.

Eis os excertos do texto em hebraico e em grego (LXX):

ראו בגוים והביטו והביטו תמהו כי־פעל

כי־יס

תאמינו

לא

יכם בימ

כי

ל פע

פר:

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221

Observai o que se passa entre as nações e ficareis estarrecidos, pois o

Eterno prepara, para vossos dias, uma ocorrência que não acreditareis

ter acontecido, quando mais tarde ela for narrada (Hc 1. 5).

!Idete, oi& katafronhtaiv, kaiV e*piblevyate kaiV qaumavsate qaumavsia kaiV a*fanivsqhte,

diovti e!rgon e*gwV e*rgavzomai e*n tai~ h&mevrai u&mw~n,

o$ ou* mhV pisteuvshte e*aVn ti e*kdihgh~tai.

Vede, ó escarnecedores,

Dirija o olhar e admirai as maravilhas e sêde consumidos,

porque eu realizo uma obra durante os vossos dias,

obra que, de maneira nenhuma, creríeis se alguém narrasse,

eventualmente, em detalhes (a vós).

A partícula consecutiva oun é utilizada para dar continuidade à sua narração. A

partícula negativa mhv, ―que não‖, destaca o sentido da forma verbal no aoristo

subjuntivo, e*pevlqh/, « para que não sobrevenha » (vers. 40), a fim de realçar o aviso em

tom de ameaça, de advertência.

Sublinhe-se que o subjuntivo aoristo e*pevlqh/ não se refere ao passado, mas

possui uma nuance de futuro, como algo que é iminente. Antes de inserir a citação

direta do profeta Habacuque, Paulo emprega o particípio substantivado seguido de uma

expressão em dativo-locativo: toV ei*rhmevnon e*n toi~ profhvtai"aquilo que foi dito

entre os profetas" (vers. 40), para dar mais credibilidade às suas palavras.

Atesta-se, mais uma vez, o imperativo em orações volitivas que indicam uma

vontade em relação a uma ordem; tem-se, por exemplo, blevpete, ―vede‖, qaumavsate,

―admirai‖ e a*fanivsqhte, ―sede consumidos‖ (vers. 41).

Preferiu-se a omissão de oi&, ―os‖, na tradução para a língua portuguesa, e a

inserção da interjeição, ―ó‖, para acentuar a interpelação: oi& katafronhtaiv, ―ó

escarnecedores‖. A propósito, esse sintagma, em nominativo, é empregado para a

invocação (vers. 41).

Na sentença: e!rgon o$ ou* mhV pisteuvshte, ―obra que, de maneira nenhuma,

creríeis‖ (vers. 41). A forma verbal, pisteuvshte, no aoristo subjuntivo, neste contexto

precedido por uma dupla negação ou* mhv, indica uma proibição específica e

momentânea, para reforçar o sentido de pisteuvshte (vers. 41).

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Por fim, a conjunção condicional ei* seguida da partícula a!n com um verbo no

subjuntivo exprime um fato eventual (conforme ―subjuntivo eventual‖): e*aVn ti

e*kdihgh~tai u&mi~n, “se alguém narrasse, eventualmente, em detalhes a vós‖ (vers. 41).

Infere-se que Paulo, até no epílogo, continuou empregando as provas

extratécnicas, por meio do testemunho e do escrito do profeta Habacuque.

Haja vista ao excerto do profeta israelita, que foi selecionado pelo apóstolo no

epílogo, sugerindo que Paulo provocou o pavqo, ―disposição‖, nos ouvintes: o ―temor‖,

fovbo, pois fora uma palavra de juízo para todo o seu público, seja judeu ou gentio.

4) Pronunciatio:

16 a*nastaV deV Pau~lo kaiV kataseivsa th~/ ceiriV eipen: (...)

16 E ainda, Paulo, após ter se levantado e feito sinal com a mão, disse

(...) (At 13. 14-16).

Em Atos 13. 16, tem-se o discurso narrativizado do narrador primário, Lucas,

para mostrar os gestos de Paulo. Constata-se os recursos extraverbais com os seguintes

verbos e substantivos relacionados a Paulo: as formas participiais no aoristo ativo,

a*nastav ―tendo se levantado, levantando-se‖; e kataseivsath~/ ceiriv, ―fazendo

sinal, acenando com a mão, agitando a mão‖; sobressai, então, o dativo-instrumental,

th~/ ceiriv, adjunto adverbial de modo, indicando o modo que Paulo empregou para

alcançar a atenção do público presente.

Paulo se levanta e fica de pé; possivelmente, o sinal que ele fez com a mão era

para pedir silêncio e iniciar o seu discurso. É bom lembrar que, geralmente, nas

sinagogas, os pregadores falavam sentados (Lc 4. 20). Convém ressaltar que, após Jesus

ter lido o excerto do profeta Isaías 61. 1-2 em pé, se sentou para discursar (Lc 4. 16-21).

5) Memoria:

Apesar de o tempo do gênero epidíctico ser o ―presente‖, o& parwvn, Paulo,

muitas vezes, evoca ―fatos passados‖, taV genovmena, e presume quanto aos ―fatos

futuros‖, taV mevllonta (vers. 40-41).

Pode-se dizer que Paulo, como um meio de facilitar a sua memória, emprega, de

um modo geral, a sua argumentação de modo cronológico crescente, isto é, o seu

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discurso é um discurso linear. Com isso, tem-se a figura clímax ou gradação394, uma vez

que o apóstolo dispõe as ideias de modo ascendente, gradativo. Ora, ele inicia o seu

discurso com fatos antigos da história de Israel, para depois mencionar alguns fatos da

história de Jesus e de João Batista. Finaliza seu discurso com uma profecia judaica

antiga.

Assim é que há a presença de anacronias pelo emprego das figuras analepse395

,

que é o relato de acontecimentos anteriores em relação ao tempo presente da história

contada, e da prolepse, figura que também é empregada como um recurso narrativo

através do qual se descreve fatos vindouros.

394

kli~max, ako (h&) – significado literal: ação de subir, escada – é a figura de linguagem que dispõe as

ideias de modo ascendente, gradativo. 395

a*navlhyi, ew (h&) (analepse) – significado literal: ação de suspender, de recuperar – e a provlhyi,

ew (h&) (prolepse) - significado literal: ação de antecipar – são figuras de linguagem que podem ser

utilizadas como um recurso narrativo.

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6.1.2 O Discurso em Listra para a Multidão

- Notas Introdutórias

Após escaparem de perseguições: primeiro em Antioquia da Pisídia, depois, em

Icônio, Paulo e Barnabé vão em direção a Derbe, Listra e adjacências, anunciando o

evangelho (eu*aggelizovmenoi, At 14. 7).

Ora, Paulo poderia não se considerar como portador de uma grande eloquência.

Não obstante, os moradores de Listra acharam que ele fosse Hermes396 e Barnabé, Zeus.

De acordo com o relato bíblico, Paulo havia curado um coxo de nascença, que estava

ouvindo o seu sermão (At 14. 8-12), como corroboram os versículos subscritos:

8 Kaiv ti a*nhVr a*duvnato e*n Luvstroi toi~ posiVn e*kavqhto, cwloV

e*k koiliva mhtroV au*tou~, o$ ou*devpote periepavthsen. 9 ou%to

h!kousen tou~ Pau~lou lalou~nto: o$ a*tenivsa au*tw~/ kaiV i*dw~n o@ti e!cei pivstin tou~swqh~nai. 10 eipen megavlh/ fwnh~/, *Anavsthqi e*piV

touV povda sou o*rqov. KaiV h@lato kaiV periepavtei. 11 oi@ te o!cloi

i*dovnte o$ e*poivhsen Pau~lo e*ph~ran thVn fwnhVn au*tw~n LukaonistiV

levgonte, Oi& qeoiV o&moiwqevnte a*nqrwvpoi katevbhsan proV h&ma~. 12 e*kavloun te toVn Barnaba~n Diva, toVn deV Pau~lon &Ermh~n, e*peidhV

au*toV hn o& h&gouvmeno tou~ lovgou.

8 E um homem, que nunca havia andado, sem força nos pés, estava

assentado em Listra; era coxo desde o ventre de sua mãe. 9 Este ouviu

Paulo falando que, após ter olhado fixamente para ele, vendo que tinha fé

para ser curado, 10 disse com voz poderosa: Ergue-te reto sobre os teus

pés. E ele saltou e passou a caminhar. 11 As multidões, quando viram

aquilo que Paulo fizera, levantaram a voz em licaônio, dizendo: Os

deuses se fizeram semelhantes aos homens e desceram até nós. 12 Tanto

chamavam a Barnabé de Zeus quanto a Paulo de Hermes, uma vez que

esse era o líder da palavra (At 14. 8-12)397

.

396

O judeu Artapano (século II a.C.), por exemplo, fala dos Egípcios que concederam a Moisés honras

divinas e designaram-no Hermes por seu talento hermenêutico (cf. fragmento nº 3, ARTAPANO apud

ROWE, 2009, p. 20). Artapano viveu no Egito helenístico; foi o autor de uma história a respeito dos

judeus intitulada Judaica, onde menciona fatos sobre a vida de Abraão, José e Moisés. Só há fragmentos

dessa obra. 397

Episódio parecido ocorreu em Filipos, onde houve muita confusão devido à ―cura‖ de uma jovem

adivinhadora que dava muito lucro aos seus senhores. Esses ficaram revoltados, pois Paulo e Silas

desfizeram a esperança deles de terem lucro com as adivinhações da moça: 20

kaiV prosagagovnte

au*touV toi~ strategoi~ eipan, Ou%toi oi& a!nqrwpoi e*ktaravssousin h&mw~n thVn povlin, *Ioudai~oi

u&pavrconte, 21 kaiV kataggevllousin e!qh a$ ou*k e!xestin h&mi~n paradevcesqai ou*deV poiei~n

&Rwmaivoi ou^sin. 20

E, os conduzindo aos pretores, disseram: Estes homens, sendo judeus, alvoraçam a

nossa cidade,21

proclamando costumes, os quais não nos é permitido aceitar nem praticar, pois somos

romanos (At 16. 20-21). A multidão, em Filipos, que os ouvia, ficou encolerizada contra eles e os pretores

mandaram açoitá-los com varas e prenderam a Paulo e a Silas. Mais tarde, eles são postos em liberdade,

após saberem, por Paulo, que eram cidadãos romanos; os pretores, então, lhes pediram desculpas (At 16.

16-40).

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225

A reação da multidão foi imediata, prorrompendo numa aclamação de exaltação

religiosa. Desse modo, não foi surpresa que, em Listra, o sacerdote local de Zeus e as

massas, instantaneamente, se prepararam para sacrificar (quvein, Atos 14. 13, 18) em

honra a Paulo e a Barnabé, isto é, a ―Hermes‖ e a ―Zeus‖, respectivamente, de acordo

com a opinião dos moradores da colônia romana (At 14. 14-18).

A figura de José/Barnabé é vista em Atos como sendo um paradigma de

generosidade. José tinha por epíteto398, Barnaba~"filho da consolação" (At 4. 36-

37)399. Entrementes, Lucas qualifica Barnabé, como ficou mais conhecido, com uma

expressão importante, que é empregada para intitular, por exemplo, o herói homérico e

o homem ideal grego: a*nhVr a*gaqov400 A propósito, o nome de Barnabé aparece em

398

É bom lembrar que, na Ilíada, aos heróis são, muitas vezes, conferidos epítetos que indicam as suas

características que realçam a peculiaridade de seu h^qo. Milman Parry classifica os epítetos em dois

grupos: específicos ou distintivos e genéricos. Os epítetos distintivos são aqueles atribuídos a um

determinado herói, pois servem como auxiliar de sua caracterização e põem em relevo uma determinada

qualidade (PARRY apud PEREIRA, 1993, pp. 53-54). Assim é que os epítetos distintivos de Aquiles

acentuam a sua superioridade física, por exemplo: povda w*kuV *Acilleuv, ―Aquiles de pés ligeiros‖

(HOMÈRE. Iliade I, vv. 58, 84, 148, 364). Odisseu, de acordo com a situação em que se encontrava, era

qualificado de poluvmhti, ―muito prudente, sábio‖ (HOMÈRE. Iliade I, vv. 311, XIX, 215), polumhvcan

*Odusseu~, ―Odisseu muito engenhoso‖ (HOMÈRE. Iliade II, v. 173), poluvtla *Odusseu~, ―Odisseu

muito sofrido‖ (HOMÈRE. Iliade VIII, v. 97). Parry considera que muitos dos epítetos distintivos

pertencem à época micênica, como por exemplo, eu*knhvmida *Acaiouv, ―Aqueus de belas cnémides

(HOMÈRE. Iliade IV, v. 80); *Argeivwn calkocitwvnwn, ―Argivos de vestes brônzeas‖ (HOMÈRE.

Iliade XII, v. 354), etc. Há, ainda, os epítetos genéricos que são aplicados a qualquer herói, e que podem

se mostrar um recurso usado pelo poeta para preencher um espaço métrico: qei~o !Oneiro, ―Oneiros,

divino‖ (HOMÈRE. Iliade II, v. 22); *Odussh~o qeivoio, ―Odisseu, divino‖ (HOMÈRE. Iliade II, v.

335); Ai!a pelwvrio, ―Ájax, monstruoso‖ (HOMÈRE. Iliade III, v.. 229) etc. 399

36 *IwshVf deV o* e*piklhqeiV Barnaba~ a*poV tw~n a*postovlwn, o@ e*stin meqermhneuovmenon ui&oV

paraklhvsew, Leuivth, Kuvprio tw~/ gevnei, 37 u*pavrconto au*tw~/ a*grou~ pwlhvsa h!negken toV

crh~ma kaiV e!qhken proV touv povda tw~n a*postovlwn. 36 Ora, José, denominado Barnabé pelos

apóstolos, que traduzido significa filho da consolação, (era) levita, de descendência cipriota; 37

possuía

um campo que, após vender, trouxe o dinheiro e colocou perto dos pés dos apóstolos (At 4. 36-37). 400 o@ti h^n a*nhVr a*gaqoV kaiV plhrhV pneuvmato a&givou kaiV pivstew. kaiV prosetevqh o!clo

i&kanoV tw~/ kurivw/ (At 11. 24). Que era um homem nobre e cheio do Espírito Santo e de fé. E multidão

suficiente foi convertida ao Senhor. Convém lembrar que Lucas usa a mesma expressão a*nhVr

a*gaqovpara se referir a José de Arimatéia (Lc 23. 50). Os heróis homéricos, de um modo geral, são

belos, aristocratas e pertencem ao grupo dos kaloì kaì agathoí, literalmente, ―belos e nobres‖. Vernant

diz que agathós ou kalokagathós quer dizer, ―ao mesmo tempo, que um homem é de boa cepa, rico, belo e

poderoso e que possui as virtudes e a nobreza de alma semelhantes ao ideal grego do homem completo e

do homem de coragem‖. Para aqueles guerreiros aos quais a Ilíada se refere como ándres, ou seja, os

homens que, simultaneamente, são machos e corajosos, se morressem no campo de batalha na flor da

idade, como um anér agathós, um homem valente teriam uma bela morte, kalòs thánatos, pois

renunciaram à covardia, assegurando um renome indefectível conforme já foi supracitado (VERNANT,

1990, p. 408).

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226

primeiro lugar na lista, entre os didavskaloi, ―mestres‖, que atuavam em Antioquia da

Síria (At 13. 1)401.

Barnabé havia feito a ligação entre Paulo e os demais apóstolos, pois esses não

acreditavam na conversão de Paulo (At 9. 26-27)402. Assim, Paulo passou a andar com

os apóstolos em Jerusalém tanto saindo quanto entrando e evangelizando (At 9. 28-29).

Comprova-se, desse modo, que Barnabé usufruía de uma certa autoridade e respeito

diante dos líderes religiosos.

Em um dado momento, Barnabé foi o líder da congregação de Antioquia da

Síria; foi a Tarso buscar a Paulo e ambos permaneceram juntos por um ano inteiro,

ensinando grandiosa multidão (At 11. 25-26).

Mais tarde, Paulo e Barnabé se separaram após uma desavença (At 15. 36-41)403,

e Barnabé não aparece mais no relato lucano. Interessante ressaltar que Lucas insere a

entrada de Barnabé, em seu relato, entre dois fatos: a vida de extrema comunhão da

comunidade primitiva (At 4. 32-35) e o episódio ocorrido com Ananias e com Safira (At

5. 1-11).

401

Hsan deV e*n *Antioceiva/ kataV thVn ou^san e*kklhsivan profh~tai kaiV didavskaloi o@ te

Barnaba~ kaiV SumewVn o& kalouvmeno Nivger, kaiV Louvkio o& Kurhnai~o, Manahvn te &Hrwv/dou

tou~ tetraavrcou suvntrofo kaiV Sau~lo(At 13. 1). Havia, em Antioquia, na Congregação que existia

(naquele lugar) profetas e mestres: Barnabé, Simeão, o denominado Níger, Lúcio, o Cireneu, Manaém, o

irmão de criação do tetrarca Herodes e Saulo. 402

26

Paragenovmeno deV ei* *IerousalhVm e*peivrazen kolla~sqai toi~ maqhtai~, kaiV pavnte

e*fobou~nto au*toVn mhV pisteuvonte o@ti e*stiVn maqhthv. 27 Barnaba~ deV e*pilabovmeno au*toVn

h!gagen proV touV a*postovlou kaiV dihvghvsato au*toi~ pw~ e*n th~/ o&dw~/ ei^den toVn kuvrion kaiV o@ti

e*lavlhsen au*tw~/. kaiV pw~ e*n Damaskw~/ e*parrhsiavsato e*n tw~/ o*novmati tou~ *Ihsou~. 26 Após ter

chegado em Jerusalém, procurava se unir aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que era um

discípulo. 27

Ora, Barnabé, tomando-o consigo, o conduziu aos apóstolos e lhes narrou como no caminho

viu o Senhor e que lhe falou. E de que modo em Damasco falou com confiança em o nome de Jesus (At 9.

26-27). Martini sublinha que o verbo e*pilabovmeno ―acolher‖, é o mesmo empregado no episódio em

que Jesus segura a Pedro pela mão, para que esse não submergisse devido à tempestade (Mt 14. 31). 403

36 MetaV dev tina h&mevra ei^pen proV barnaba~n Pau~lo, *Epistrevyante dhV e*piskeywvmeqa

touV a*delfouV kataV povlin pa~sane*n ai% kathggeivlamen toVn lovgon tou~ kurivou pw~ e!cousin. 37

Barnaba~ deV e*bouvleto sumparalabei~n kaiV toVn *Iwavnnhn toVn kalouvmenon Ma~rkon: 38 Pau~lo

deV h*xivou, toVn a*postavnta a*p’ au*tw~n a*poV Pamfuliva kaiV mhV sunelqovnta au*toi~ ei* toV e!rgon

mhV sumparalambavnein tou~ton. 39 e*gevneto deV paroxusmoV w@ste a*pocwrisqh~nai au*touV a*p’

a*llhvlwn, tovn te Barnaba~n paralabovnta toVn Ma~rkon e*kpleu~sai ei*s Kuvpron, 40 Pau~lo deV

e*pilexavmeno Sila~n e*xh~lqen paradoqeiV th~/ cavriti tou~ kurivou u&poV tw~n a*delfw~n 41 dihvrceto

deV thVn Surivan kaiV thVn Kilikivan e*pisthrivzwn taV e*kklhsiva (At 15. 36-41). 36 Após alguns dias,

Paulo disse a Barnabé: Certamente, ao retornarmos, visitemos os irmãos em cada cidade, que anunciamos

a palavra do Senhor, para (ver) como estão. 37

Ora, Barnabé queria tomar consigo também a João,

denominado Marcos. 38

Mas Paulo achou conveniente não levar junto a este, que havia se afastado deles

desde a Panfília e não havia ido embora com eles para o trabalho. 39 Uma discórdia aconteceu (entre

ambos), de tal sorte que eles se separaram um do outro; Barnabé, tomando a Marcos, navegou para

Chipre, 40

e Paulo, escolhendo a Silas, partiu, após ter sido entregue a graça do Senhor pelos irmãos. 41

Atravessava a Síria e a Cilícia, encorajando as congregações.

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227

Murphy-O‘Connor faz as seguintes considerações a respeito da relação entre os

apóstolos Barnabé e Paulo:

Sem nenhuma ambiguidade, as cartas confirmam que, durante certo

tempo, Paulo trabalhou com Barnabé. Eles aparecem juntos na

Assembleia de Jerusalém (Gl 2. 1) como representantes da missão junto

aos gentios (Gl 2. 9). Embora Barnabé não tenha acompanhado Paulo

na ida a Corinto (2 Co 1. 19; At 15. 36-4-1), o fato de Paulo destacá-lo

em 1 Cor 9. 6 (―Só eu e Barnabé não teríamos o direito de ser

dispensados de trabalhar?‖) salienta a posição de Barnabé como

missionário de renome reconhecido, que ocupava uma posição de certo

modo comparável a de outros apóstolos, os irmãos do Senhor e Cefas (1

Cor 9. 5). A natureza da alusão sugere que Paulo conhecia a atitude de

Barnabé com relação ao apoio financeiro, porque haviam atuado da

mesma maneira nas mesmas circunstâncias (MURPHY-O‘CONNOR,

2004, p. 109). Os missionários cristãos pregavam que Jesus era o

Messias, e isso poderia ser entendido em termos políticos como um

brado de libertação (ibidem, 2004, p. 160).

Rowe destaca que ―idolatrar‖ os deuses na antiguidade era também ―sacrificar‖

(ROWE, 2009, p. 19)404:

o@ te i&ereuV tou~ DioV tou~ o!nto proV th~ povlew tauvrou kaiV

stevmmata e*piV touV pulw~nta e*nevgka suVn toi~ o!cloi h!qelen

quvein (At 14. 13). E o sacerdote de Zeus, que estava diante da cidade, conduzindo touros e

coroas de flores diante dos portões, queria sacrificar com as multidões.

Na mitologia grega, Zeu~ é o soberano do Olímpo, denominado de DioV

megavloio, ―grande Zeus‖ (HOMER. Odyssey 4, v. 27). Grimal ressalta que é através

dos poemas homéricos que é criada a personalidade de Zeus, rei dos homens e dos

deuses (GRIMAL, 2000, pp. 468-469)405.

404

Até os Epicuristas, embora, algumas vezes, considerados ateus (CICERO. De Natura Deorum 2. 76;

LUCIAN. Alexander, 38) sacrificavam aos deuses (PLUTARCH. De Stoicorum Repugnantiis 1034 c;

CICERO. De Natura Deorum, 1. 85, 123; 3. 3) (ROWE, 2009, p. 22). Eis alguns excertos: ei! ti

a!qeo h# CristianoV h# *Epikouvreio h@keikatavskopo tw~n o*rgivwn, feugevtw: oi& deV pisteuvonte

tw~/ qew~/ teleivsqwsan tuvch/ th~/ a*gaqh~/ (LUCIAN. Alexander, 38). Se algum ateu, cristão ou epicurista

vier aqui no intuito de espiar os nossos mistérios, que seja escorraçado; e que os fiéis ao deus cumpram os

rituais sob bons auspícios (LUCIANO DE SAMÓSATA. Alexandre ou o Falso Profeta, 38). eita touV

*Epikoureivou e*levgcesqai dokou~si quvonta qeoi~, au*toiV deV ma~llon e*levgcontai quvonta e*piV

tw~n bwmw~n kaiV tw~n i&erw~n, a$ mhvt’ oi*kodomei~sqai dei~n a*xiou~sin. Por conseguinte, pensam

censurar os epicureus que sacrificam aos deuses; eles censuram mais o ato de sacrificar sobre os altares e

os templos, os quais julgam que não era preciso terem sido edificados (PLUTARCH. De Stoicorum

Repugnantiis 1034 c). 405

Convém citar um excerto do discurso de Hera aos outros deuses: 104

(...) nhvpioi oi@ ZhniV

meneaivnomen a*fronevonte: 105 h^ e!ti min mevmamen katapausevmen a^sson i*ovnte 106 h# e!pei h*eV bivh/.

o& d’ a*fhvmeno ou*k a*legivzei 107 ou*d’ o!qetai: fhsiVn gaVr e*n a*qanavtoisi qeoi~si 108 kavrtei>v te

sqevnei>v te diakridoVn ei^nai a!risto. 104 Loucos insensatos! ai (de nós) que, não tomando cuidado,

ficamos furiosos (contra) Zeus. 105

Na verdade, ainda desejamos, ardentemente, detê-lo 106

ou por palavra

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228

Já ‘Ermh~ Hermes406

– um dos inúmeros filhos de Zeu~- é o porta-voz, o

mensageiro dos deuses (HOMER. Odyssey 1, vv. 40-43; 5, vv. 28 -80; 10, vv. 270 -

308), sendo o ―intérprete‖ da vontade divina. Assim, é considerado o ―deus da

eloquência e da arte de bem falar‖, o ―deus dos negociantes‖ (pois guiava os viajantes

pelo caminho) e dos ―ladrões‖. Aristóteles faz a seguinte afirmação a respeito de

Hermes:

koinwnikoVn favnai toVn &Ermh~n einai mavlista tw~n qew~n:

movno gaVr kalei~tai koinoV &Ermh~ (ARISTOTE. Rhétorique II, 24,

1401 a 21-22).

Afirma-se que Hermes é o mais comunicativo/sociável de entre os

deuses, pois, somente, Hermes é chamado de comum/sociável.

Os apóstolos, talvez, pela dificuldade de entender licaônio (At 14. 11), demoram

um pouco, mas, finalmente, seguem para protestar contra essa atitude ―idólatra pagã‖

(At 14. 14-18).

Rowe é enfático ao afirmar que a impressionante religiosidade greco-romana há

muito estava sob a influência de Homero, na qual a aparição dos deuses em forma

humana era sempre esperada (ROWE, 2009, p. 19)407

.

Flávio Josefo dá a seguinte explanação:

249 quvein taV povlei e!peisan. toigarou~n ei* pollhVn a*navgkhn

kaqivstantai touV mevn tina tw~n qew~n nomivzein doth~ra a*gaqw~n,

touV deV kalei~n a*potropaivou, eita deV touvtou w@sper touV

ponhrotavtou tw~n a*nqrwvpwn cavrisi kaiV dwvroi a*poseivontai,

mevga ti lhvyesqai kakoVn u&p’ au*tw~n prosdokw~nte, ei* mhV misqoVn

au*toi~ paravscoien (FLAVIUS JOSEPHUS. Contra Apionem 2. 35.

242-244, 248-249).

Embora representando-os tão imperfeitos, eles tinham persuadido os

povos a lhes oferecerem sacrifícios; julgavam a uns benfeitores, a

outros, malfeitores, e procediam para com eles como o fariam com os

homens, pois procuravam torná-los favoráveis por meio de presentes, na

ou por força, estando (nós) mais perto de (Zeus). Ora, o que está assentado, não se inquieta

107 nem se

preocupa, pois, entre os deuses imortais, diz, 108

é o melhor em superioridade tanto em força quanto em

poder (HOMÈRE. Iliade XV, vv. 104-108). 406

É bom lembrar que o vocábulo ‘Ermh~possui cognatos e ligações semânticas com ‘Ermhnei va, a

―interpretação, explicação‖, ‘Ermhneuvevw"intérprete, tradutor‖ e ‘Ermhneutikovv, ovn, “relativo à

interpretação, hermenêutica‖. 407

485 kaiv te qeoiV xeivnoisin e*oikovte a*llodapoi~si, 486 pantoi~si televqonte, e*pistrwfw~si

povlha. 485 Os deuses, que possuem o aspecto de estrangeiros de outra região,

486 se disfarçam de todos os

modos e visitam as cidades (HOMER. Odyssey 17, vv. 485-486).

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229

persuasão de que outro modo ter-lhes-iam feito muito mal (FLÁVIO

JOSEFO. Apêndice: Resposta de Flávio Josefo a Ápio, 2.8).

Pode-se fazer uma analogia entre a passagem dos Atos 14. 11 com um excerto de

Metamorphoses de Ovídio. O poeta latino menciona a descida de Júpiter / Zeus do

Olímpo ―como um deus disfarçado em forma humana‖ (OVIDIUS. Metamorphoses 1.

200-220).

200 talia deposcunt. Sic, cum manus inpia saevit

sanguine Caesareo Romanum exstinguere nomen,

attonitum tanto subitae terrore ruinae

humanum genus est totusque perhorruit orbis:

nec tibi grata minus pietas, Auguste, tuorum est,

205 quam fuit illa Iovi. Qui postquam voce manuque

murmura conpressit, tenuere silentia cuncti.

Substitit ut clamor pressus gravitate regentis,

Iuppiter hoc iterum sermone silentia rupit:

―Ille quidem poenas, curam hanc dimittite, solvit.

210 Quod tamen admissum, quae sit vindicta, docebo.

Contigerat nostras infamia temporis aures;

quam cupiens falsam summo delabor Olympo

et deus humana lustro sub imagine terras.

Longa mora est, quantum noxae sit ubique repertum,

215 enumerare: minor fuit ipsa infamia vero.

Maenala transieram latebris horrenda ferarum

et cum Cyllene gelidi pineta Lycaei:

Arcadis hinc sedes et inhospita tecta tyranni

ingredior, traherent cum sera crepuscula noctem

220 Signa dedi venisse deum, vulgusque precari

coeperat: inridet primo pia vota Lycaon,

mox ait‖ experiar deus hic, discrimine aperto,

an sit mortalis. Nec erit dubitabile verum.‖

(OVIDIUS. Metamorphoses 1. 200-220)

Todos murmuram coragem e com ardentes desejos reivindicam tais

coisas. Assim, quando a mão impiedosa pretendeu extinguir o nome

romano do sangue de Cesar, com tanto terror da súbita ruína o gênero

humano atemorizou-se e todo orbe bramiu de horror: Nem a piedade

dos teus foi menos grata a ti, Augusto,

205 do que foi aquela de Júpiter. Ele depois que comprimiu os murmúrios

pela voz e pela mão, todos conservaram silêncio. Como cessou o clamor

comprimido pela importância do regente, Júpiter rompeu o silêncio de

novo com esta palavra:

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230

Na verdade ele pagou os castigos, deixai este ofício.

210 Ensinarei, porém, qual crime, qual é a punição. A infâmia do tempo

chega aos nossos ouvidos; que ávido de uma falácia, caio do mais alto

Olimpo e deus sob a imagem humana percorro a terra. Enumerar coisas

longas é demorado, quanto de dano é encontrado por toda parte:

215 a própria infâmia, porém, foi menor. Eu atravessara o Menalo, horrendo

pelas tocas das feras, e com Cilene os pinheiras do gélido monte Liceu:

de lá entro nas moradas e nas casas inóspitas do tirano árcade, como os

tardios crepúsculos trouxessem a noite,

220 dei sinais de ter vindo um deus, e o povo começara a suplicar: Licáon

em primeiro lugar ridiculariza os votos piedosos, logo diz:

experimentarei aqui, com clara diferença, se é deus ou mortal. Não

existirá uma verdade duvidosa.

O conto de Ovídio é significante, porque reflete com os Atos 14. 8-18, um tipo

comum, uma forma de pensar padrão sobre o aparecimento dos deuses e da resposta

humana a eles (At 10. 25-26; 28. 1-10)408

.

Ainda, em Metamorphoses, há o relato da visita de Júpiter/Zeus e de

Mercúrio/Hermes – specie mortali – ao interior da Frígia (OVIDIUS. Metamorphoses

8. 612-727), onde eles haviam sido bem recebidos pelo casal de senhores Baucis e

Filemon. No final, pedem para servir como sacerdotes aos deuses (por exemplo, para

guardar seus templos, presidir os sacrifícios, etc) (OVIDIUS. Metamorphoses 8. 707-

708). É oportuno citar também os seguintes versos ovidianos subscritos:

Iuppiter huc specie mortali cumque parente venit Atlantiades positis caducifer alis.

Mille domos adiere locum requiemque petentes,

mille domos clausere serae. Tamen una recepit,

parva quidem, stipulis et canna tecta palustri;

sed pia Baucis anus parilique aetate Philemon

illa sunt annis iuncti iuvenalibus, illa

consenuere casa paupertatemque fatendo

408

25

w& deV e*gevneto tou~ ei*selqei~n toVn Pevtron, sunanthvsa au*tw~/ o& Kornhvlio peswVn e*piV touV

povda prosekuvnhsen. 26

o& deV Pevtro h!geiren au*toVn levgwn, Anavsthqi kaiV e*gwV au*toV a!nqrwpov

ei*mi. 25 Ora, aconteceu que, quando Pedro ia entrar, Cornélio, indo ao seu encontro, se prostrando aos

seus pés, o adorou. 26 Mas Pedro o levantou, dizendo: Erga-te, (pois) eu mesmo também sou ser humano

(At 10. 25-26). Bom exemplo, igualmente, é o episódio ocorrido na ilha de Malta, onde Paulo e os

tripulantes do navio naufragado ficaram. Após os moradores da ilha perceberem que Paulo não havia

sentido os efeitos mortais da picada de uma víbora, o consideraram como um deus. Mais tarde, o

apóstolo, em casa de Públio, um homem influente na ilha, o hospeda, juntamente com outras pessoas, em

sua residência. Paulo foi conduzido até o pai de Públio, que estava doente, e o curou. O relato lucano,

informa, ainda, que outros doentes foram até Paulo e também eram curados (At 28. 1-10). Como resposta

a esses milagres, o livro dos Atos, nas intituladas ―seções-nós‖, atesta a seguinte informação: oi$ kaiV

pollai~ timai~ e*tivmhsan h&ma~ kaiV a*nagomevnoi e*pevqento taV proV taV creivaOs quais também

nos recompensaram com muitas honras e, quando embarcamos, (nos) entregaram as coisas para as

(nossas) necessidades (At 28. 10).

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231

effecere levem nec iniqua mente ferendo.

Nec refert, dominos illic famulosne requiras:

tota domus duo sunt, idem parentque iubentque

(OVIDIUS. Metamorphoses 8. 627- 637).

Júpiter, em aspecto mortal, veio para cá e

com o pai, o descendente de Atlas que de asas postas carrega o caduceu.

Eles percorreram mil casas procurando um lugar e um descanso,

fecharam as mil casas de fechadura. Uma única, porém, os acolheu, na

verdade, ela era pequena, coberta com palmas e cana de brejo; mas

naquela casa piedosa havia a velha Baucide e Filemão em igual idade

todos com anos de mocidade.

Envelheceram naquele casebre e, manifestando pobreza, agiram leve

(cumpriram o ordinário) não apresentando uma alma infeliz.

Ali nem se sujeita a senhores nem requeres escravos: toda casa são dois,

eles mesmos mandam e obedecem.

A similaridade com a história relatada por Lucas a respeito de Paulo e de Barnabé

em Listra é notável. No primeiro contato, alguém pode, facilmente, pensar que a ânsia

das pessoas de Listra para honrar Barnabé e Paulo faz muito sentido à luz da pré-

história religiosa: Zeus e Hermes já tinham sido vistos no interior da Ásia Menor antes

(ROWE, 2009, p. 20). E Horácio também sugere que Augusto era Hermes / Mercúrio

em forma humana (HORACE. Odes 1.2, 40–50)409.

Escritores como Xenófanes de Cólofon410 (570 a.C.), por exemplo, eram críticos

do antropomorfismo dos deuses de Homero e de Hesíodo, isto é, do modo como esses

poetas representavam as divindades.

B 11

pavnta qeoi~s’ a*nevqhkan o@mhrov q’ h&sivodov te,

o@ssa par’ a*nqrwvpoisin o*neivda kaiV yovgo e*stivn,

klevptein moiceuvein te kaiV a*llhvlou a*pateuvein.

Homero como Hesíodo atribuíram aos deuses tudo

quanto entre os homens é infâmia e vergonha

roubar, raptar e enganar mutuamente.

409

40

sive mutata iuvenem figura 41

ales in terris imitaris almae 42

filius Maiae, patiens vocari 43

Caesaris ultor: 44

serus in caelum redeas diuque 45

laetus intersis populo Quirini 46

neve te nostris vitiis iniquum ocior aura 47

tollat; hic magnos potius triumphos, 48

hic ames dici pater atque princeps 49

neu sinas Medos equitare inultos 50

te duce, Caesar (Horace. Odes

1.2, 40–50). 40

Se tu imitas a juventude 41

de diversas formas no mundo, 42

filho alado da venerável Maia, 43

suportando ser chamado de vingador de César, 44

retornas, vagaroso, para o céu durante o dia 45

e, alegre, permaneces entre o povo Quirino. 46

César,

nunca o vento mais rápido leve o inimigo

para ti durante nossas vidas; 47

que tu recebas, antes, grandes vitórias,48

que ames ser chamado de pai e de

príncipe 49

e não permitas que os Medos impunes 50

cavalguem por ti na frente. 410

A edição do texto em grego e as traduções dos fragmentos (B 11, B 15, B 16, B 23 ao 26) de

Xenófanes, utilizadas nesta parte da pesquisa, são do Professor Doutor Fernando Santoro.

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Xenófanes critica, dessa vez, algumas representações antropomórficas e o

etnomórficas que os povos faziam de suas divindades:

B 15

a*ll’ ei* cei~ra e!con bove <i@ppoi t’ >

h*eV levonte h# gravyai ceivressi kaiV e!rga telei~n a@per

a!ndre,

i@ppoi mevn q’ i@ppoisi bove dev te bousiVn o&moiva kaiV <ke>

qew~n i*deva e!rgafon kaiV swvmat’ e*poivoun

5 toiau~q’ oi%ovn per kau*toiV devma eicon <e@kastoi>

Mas se tivessem mãos os bois, <os cavalos> e os leões,

quando pintassem com as mãos e compuzessem obras como os homens,

cavalos como cavalos, bois semelhantes aos bois

pintariam a forma dos deuses e fariam corpos

tais como fosse o próprio aspecto <de cada um>.

B 16

ai*qivope te < qeouV sfetevrou > simouV mevlanav te

qrh~kev te glaukouV kaiV purrouv <fasi pevlesqai>

Os etíopes <dizem que seus deuses> são negros de nariz chato

trácios <dizem serem> de olhos verdes e ruivos.

A propósito, pode-se dizer que o poeta jônio chegou muito próximo da

concepção monoteísta de um ser superior, onipotente que domina sobre todas as coisas:

B 23

ei qeov, e!n te qeoi~si kaiV a*nqrwvpoisi mevgisto,

ou!ti devma qnhtoi~sin o&moivio ou*deV novhma.

Um único deus, entre deuses e homens o maior,

em nada semelhante aos mortais nem no corpo nem no pensamento.

B 24

oulo o&ra~i, oulo deV noei~, oulo dev t’ a*kouvei.

Inteiro vê, inteiro pensa, inteiro também escuta.

B 25 a*ll’ a*pavneuqe povnoio novou freniV pavnta kradaivnei.

Mas sem esforço tudo vibra com o coração do pensamento.

B 26

ai*eiV d’ e*n tau*tw~i mivmnei kinouvmeno ou*devn ou*deV metevrcesqaiv min e*piprevpei a!llote a!llhi.

Sempre no mesmo permanece, não se move,

nem lhe convém sair ali e acolá.

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Não obstante, o resultado do discurso não foi muito favorável a Paulo e a

Barnabé, pois Judeus de Antioquia da Pisídia e de Icônio, instigando e persuadindo as

multidões de Listra, apedrejaram a Paulo, dando-lhe como morto, de acordo com a

informação subscrita:

*Eph~lqan deV a*poV *Antioceiva kaiV *Ikonivou *Ioudai~oi kaiV peivsante

touV o!clou kaiV liqavsante toVn Pau~lon e!suron e!xw th~

povlew, nomivzonte au*toVn teqnhkevnai (At 14.19).

Ora, judeus, vindo de Antioquia e de Icônio, persuadindo as multidões e

apedrejando a Paulo, o arrastaram para fora da cidade, pensando que ele

estava morto.

Paulo, em uma de suas epístolas, alude a esses sofrimentos e perseguições (2 Tm

3. 10-11411

).

Afinal, se a idolatria era vista como um ―erro‖, aqueles que foram afetados pela

critica teológica deveriam tentar expulsar os críticos para fora de sua comunidade

(ROWE, 2009, p. 24).

Bom exemplo é o episódio ocorrido em Éfeso, onde houve um grande alvoroço,

pois um ourives, chamado Demétrio, que fazia de prata, nichos de Ártemis412

; dava

411

10

SuV deV parhkolouvqhsav mou th~/ didaskaliva/, th~/ a*gwgh~/, th~/ proqevsei, th~/ pivstei, th~/

makroqumiva/, th~/ a*gavph/, th~/ u&pomonh~/, 11 toi~ diwgmoi~, toi~ paqhvmasin, oi%av moi e*gevneto e*n

*Antioceiva/, e*n *Ikonivw/, e*n Luvstroi, oi@ou diwgmouV u&phvnegka kaiV e*k pavntwn me e*rruvsato o&

kuvrio. 10

Ora, tu que tens seguido de perto ao meu ensino, ao comportamento, ao propósito, à fé, à

paciência, ao amor, à perseverança, 11

às perseguições, aos sofrimentos, os quais me aconteceram em

Antioquia, em Icônio, em Listra, as quais suportei perseguições e o Senhor me livrou de todas (2 Tm 3.

10-11). 412

Essa deusa é identificada com a cidade; o seu templo era uma grande atração, considerado o maior e o

mais ricamente decorado do mundo helenístico. Ártemis era uma espécie de ―Deusa Mãe da Ásia Menor‖.

Pausânias oferece a seguinte informação a respeito do culto à deusa: pollw~/ deV presbuvtera e!ti h# kataV

!Iwna taV e* thVn !Artemin thVn *Efesivan e*stivn, o (culto) de Ártemis de Efésios é mais antigo ainda

do que em relação aos Jônios (PAUSANIAS. Description of Greece 7.2.6-8). A Ártemis de Éfeso era

uma deusa-mãe asiática da fecundidade, cuja imagem, com várias mamas, representava a fecundidade. O

Artemision, o nome de seu templo, era uma das sete maravilhas do mundo antigo. Na verdade, Éfeso era

famosa não só pelo Artemision e pelo seu culto a Ártemis como também pelos seus magos (At 19- 19).

Ora, a Ártemis, na mitologia grega, era a virgem caçadora, irmã gêmea de Apolo, dentre outras

atribuições. Na mitologia latina, Ártemis é Diana, uma deusa lunar, já que é um astro, é a senhora de um

calendário; é, ainda, a protetora dos trabalhos agrícolas, além da deusa das florestas e dos montes, enfim,

dos lugares selvagens (BRUNEL, 2000, p. 97). Criticar e negar a importância dos templos resultaria, aos

poucos, na negação dos deuses tradicionais e na recusa de cultuá-los sob a sua forma mais tradicional, tais

como, fazer peregrinações aos templos sagrados, comprar réplicas desses deuses etc. Assim, a missão

cristã é vista como um perigo para o ofício dos ourives. A exclamação: Megavlh h& !Artemi *Efesivwn, ―Grande é a Ártemis dos Efésios‖ (At 28. 34) denota o orgulho local e a religiosidade da população. É por

esse fato que a pregação dos missionários cristãos corria o risco de ser vista como sacrílega e blasfema

(At 19. 37) ao fazer críticas às imagens divinas (PRIETO, 2007, p. 30). Além do mais, os Judeus e os

cristãos eram considerados como um grupo anti-social, uma vez que faziam oposição ao culto dos deuses

locais (ibidem, p. 32). O tumulto em Éfeso traz a lume uma particularidade do paganismo: o vínculo entre

a religião e o patriotismo local, uma vez que, nessa cidade, atesta-se que o culto é inseparável da vida

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muito lucro aos artífices. Em um momento, convocou outros da mesma profissão e

pronunciou um discurso contra a mensagem de Paulo413

. Na verdade, Demétrio temia

que seus negócios rentáveis fossem prejudicados por causa do comportamento dos

novos convertidos ao cristianismo (At 19. 23-41).

Paulo queria discursar perante a multidão, mas foi impedido pelos seus

discípulos e alguns asiáticos, amigos do apóstolo, que o aconselharam que ele não

arriscasse a vida indo ao teatro. Alexandre, um judeu, queria falar ao povo, mas

reconheceram que ele era judeu, e houve grande gritaria por quase duas horas: Megavlh

h& !Artemi *Efesivwn, ―Grande é a Ártemis dos Efésios‖ (At 19. 30-34). O escrivão da

cidade acalma a cólera da multidão e defende a Paulo e aos seus companheiros (At 19.

35-38) 414.

Prieto sublinha:

O cristianismo se apresenta como uma religião desinteressada e cuja

novidade (suspeita por natureza) consiste em não se estruturar em torno

da exploração comercial da piedade, mas do dom gratuito de uma

palavra de vida. Diante das possíveis críticas a respeito da iconoclastia

cristã, o argumento apologético é retrucar a acusação de não civismo

contra os gregos e judeus, fazendo-os carregar a responsabilidade de

tumultos sediciosos e de infração das leis. Os cristãos se preocupam,

principalmente, em se apresentar como bons cidadãos romanos. Essa

cívica e econômica. Devoção e interesses financeiros se mesclam, o que faz com que a substituição do

culto pagão local pelo cristianismo seja difícil. 413 (...) 25 !Andre, e*pivstasqe o@ti e*k tauvth th~ e*rgasiva h& eu*poriva h&mi~n e*stin 26 kaiV qewrei~te

kaiV a*kouvete o@ti ou* movnon *Efevsou a*llaV scedoVn pavsh th~ *Asiva o& Pau~loou%t

peivsametevsthsen i&kanoVn o!clon levgwn o@ti ou*k ei*siVn qeoiV diaV ceirw~n ginovmenoi. 27 ou* movnon

deV tou~to kinduneuvei h&mi~n toV mevro ei* a*pelegmoVn e*lqei~n a*llaV kaiV toV th~ megavlh qea~

*Artevmido i&eroVn ei* ou*qeVn logisqh~nai, mevllein te kaiV kaqairei~sqai th~ megaleiovthto au*th~

h$n o@lh h& *Asiva kaiV h& oi*koumevnh sevbetai. 28 *Akouvsante deV kaiV genovmenoi plhvrei qumou~

e!krazon levgonte, Megavlh h& !Artemi *Efesivwn. 29 kaiV e*plhvsqh h& povli th~ sugcuvsew,

w@rmhsavn te o&moqumadoVn ei* toV qevatron sunarpavsante Gavi>on kaiV *Arivstarcon Makedovna,

sunekdhvmou Pauvlou. 25 Senhores, sabei que deste ofício vem a nossa prosperidade. 26

E estais

vendo e ouvindo que não só em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem persuadido e

desencaminhado muita gente, afirmando não serem deuses os que são feitos por mãos humanas. 27

Não

somente, há o perigo de nossa profissão cair em descrédito, como também o templo da própria deusa

Ártemis ser estimado em nada e ser mesmo destruída a majestade daquela que toda a Ásia e o mundo

adoram. 28

Ora, quando eles ouviram e ficaram repletos de ira, bradavam, dizendo: ‗Grande é a Ártemis

dos Efésios‘. 29

E a cidade ficou cheia de confusão, e saíram, de comum acordo, para o teatro,

arrebatando junto os macedônios Gaio e Aristarco, companheiros de viagem de Paulo (At 19. 25-29).

Lucas encontrou ocasião para relatar alguns fatos polêmicos que acabavam de se originar: a crítica cristã

dos templos pagãos e sua atividade comercial (PRIETO, 2007, p. 28). 414

A referência ao ―combate travado contra as feras em Éfeso‖ pode ser uma metáfora de que Paulo se

utilizou em uma alusão ao episódio de Éfeso (1 Co 15. 32). Outros trabalhos evangelísticos desenvolvidos

em Éfeso por Paulo e seus companheiros, principalmente Priscila e Áquila, se encontram registrados no

relato lucano (At 18. 19-21, 24-28; 19. 1-40). Foi de Eféso que Paulo escreveu a primeira das epístolas

existentes a Corinto (1 Co 16. 8), e foi também em Éfeso que ele experimentou muitas dificuldades de

várias espécies (2 Co 1. 8-11; 1 Co 15. 32), levando alguns a acreditarem que tenha ficado encarcerado

por algum tempo e talvez, da prisão, tenha escrito as suas epístolas a Filemon e aos Filipenses.

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235

imagem, mais tarde, virá água a baixo quando eles serão confrontados

com a obrigação de jurar culto ao imperador (PRIETO, 2007, p. 122).

- Comentários

Nesta parte do trabalho, far-se-á observações a respeito do discurso paulino em

Listra, tomando, por referências, as fases da elaboração de um discurso, diga-se:

1) Inventio:

Possivelmente, três foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo selecionou e

utilizou para constituir o qevma, a ―matéria‖, de seu discurso em Listra para a multidão:

a) Negação da identidade divina dele e de Barnabé, para tal era impossível os dois

serem deuses do panteão helênico (Atos 14. 15);

b) O objetivo de seu discurso: anunciar o Evangelho para que haja e*pistrofhv,

―conversão‖, ao qeoVn zw~nta (Atos 14. 15);

c) A apresentação do qeoVn zw~nta, o ―Deus Vivo‖, e sua generosidade a todos os

a!nqrwpoi, ―seres humanos‖ (Atos 14. 15-17).

2) Dispositio:

Assim é que o apóstolo organiza os elementos da inventio do seguinte modo:

a) O Proêmio (toV prooivmion):

15 !Andre, tiv tau~ta poiei~te;

15 Ó varões, por que fazeis estas coisas?

b) A Narração (h& dihvghsi:

(...) 15 kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi

eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein e*piV

qeoVn zw~nta, o$ e*poivhsen toVn ou*ranoVn kaiV thVn gh~n kaiV thVn

qavlassan kaiV pavnta taV e*n au*toi~: 16 o$ e*n tai~

parw/chmevnai geneai~ ei!asen pavnta taV e!qnh poreuvesqai tai~

o&doi~ au*tw~n:

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(...) 15 Nós também somos seres humanos de semelhante natureza como

vós; (vos) anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas

inúteis ao Deus vivo, que criou o céu e a terra e o mar e todas as coisas

existentes neles. 16 Que, nas gerações antigas, consentiu a todos os

povos andar nos caminhos deles.

c) O Epílogo (o& e*pivlogo):

17 kaivtoi ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken a*gaqourgw~n,

ou*ranovqen u&mi~n u&etouV didouV kaiV kairouV karpofovrou

e*mpiplw~n trofh~kaiV eu*frosuvnh taV kardiva u&mw~n.

17 Seja como for, não se deixou ficar sem testemunho; praticando boas

ações, dando-vos chuvas do céu e tempos frutíferos, fartando de

alimento e de alegria os vossos corações.

3) Elocutio:

O proêmio deste pequeno discurso é uma pergunta retórica de teor repreensivo.

Esta pergunta continha uma censura ao comportamento dos homens de Listra: !Andre,

tiv tau~ta poiei~te, ―Ó varões, por que fazeis estas coisas?‖ (At 14. 15), envolvendo a

desconstrução de todo um modo de ser religioso. Atesta-se, no proêmio, a apóstrofe415

,

que exerce a função de um vocativo.

Referindo-se à pergunta retórica, Armando Plebe e Pietro Emanuele assinalam

que:

Fazer uma pergunta, para a qual já se sabe que não há possibilidade de

opção entre responder afirmativamente ou negativamente, já que a

própria formulação do problema prefigura uma das suas respostas (ou

exclui ambas), é o artifício que recebe o nome de pergunta retórica

(PLEBE, EMANUELE, 1992, p. 63).

Os filósofos italianos acrescentam ainda que os antigos retóricos gregos referem-

se à pergunta retórica com o termo grego e*rwvthma; já em latim, tem-se o termo

interrrogatio e nós denominamos de ―pergunta retórica‖ (PLEBE, EMANUELE, 1992,

p. 63). Quintiliano a teoriza como sendo uma pergunta que é feita “non sciscitandi

causa, sed instandi”, ―não para investigar, mas para provocar‖ (QUINTILIEN.

Institution Oratoire IX, 2,6-11)416

.

415

De acordo com nota de nº 297, cf pág. 184. 416

Sublinhe-se que há outra pergunta retórica que é mais associada à filosofia e incluída na sua técnica

de problematização. Os retóricos gregos denominam aporía e os latinos dubitatio. Na verdade, é uma

pergunta elaborada como uma dúvida, mas, na realidade, não o é, uma vez que sua solução é irrelevante,

pois o que vale mesmo é colocar em destaque a pergunta (PLEBE, EMANUELE, 1992, p. 64).

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Assim é que, quem se utiliza dessas ―perguntas‖, já sabe a resposta e não espera

uma réplica do ouvinte, pois a pergunta, em si, já possui uma resposta própria.

Praticamente, no início da pergunta retórica, tem-se a presença de um importante

marcador discursivo, o pronome interrogativo direto neutro: tiv, ―por quê?‖, para

introduzir a oração interrogativa direta. A forma verbal poiei~te, ―fazeis‖, por sua vez,

está no presente do indicativo ativo, na segunda pessoa do plural. O verbo, no modo

indicativo, é o modo da declaração definitiva, exprimindo fatos reais (pelo menos,

considerados como tais). O orador Paulo, na passagem em questão, com o emprego

desse modo indicativo, alega ou afirma, sem dúvida, que o que está mencionado não

deixa de ser verdade: os habitantes de Listra são os agentes da ação verbal (nota-se o

emprego da voz ativa).

Sublinhe-se que tau~ta, ―estas coisas‖, forma do pronome demonstrativo neutro

plural no acusativo, é empregada para se referir ao comportamento dos de Listra, uma

vez que o sacerdote de Zeus, cujo templo estava diante da cidade, queria realizar um

sacrifício, com a comunidade, para honrar a Paulo e a Barnabé.

Ressalte-se que Paulo, no proêmio, não se utilizou de nenhum vocábulo para

qualificar os seus ouvintes, denominando-os e invocando-os, somente, pela forma do

vocativo, plural de a*nhvr, a!ndre"Ó varões‖. Afinal, a própria situação em que ele e

Barnabé se encontravam não deixava de ser emergencial, e por isso Paulo foi mais

categórico e direto em suas palavras.

15 kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi 15 Nós também somos seres humanos

417 de semelhante natureza como

vós (...).

Após a pergunta retórica no proêmio, a narração se inicia pela conjunção

coordenativa aditiva kaiv, ―também‖, em um sentido adverbial. Na verdade, pode-se

considerar a expressão kaiV h&mei~ e*smen ... u&mi~n418: ―nós também somos ... como

vós‖ como uma expressão importante que foi empregada para enfatizar que tanto ele e

Barnabé quanto os habitantes de Listra (apostrofados como a!ndre, ―varões‖, no

começo do discurso) eram o&moiopaqei~... a#nqropoi, ―seres humanos de semelhante

natureza‖.; o substantivo a#nqropoi é predicativo do sujeito de h&mei~Com o emprego

417

De acordo com At 10. 26; Tg 5. 17. 418

A primeira forma h&mei~é um pronome pessoal de 1ª pessoa do plural, nominativo; a segunda, u&mi~n é

um pronome pessoal de 2ª pessoa do plural, dativo.

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do adjetivo o&moiopaqei~“da mesma natureza de alguém‖, ―de sentimentos

semelhantes, igual a‖, Paulo nega a sua identidade divina juntamente com a de Barnabé.

Sublinhe-se que o pronome pessoal, de segunda pessoa do plural, no dativo u&mi~n,

constitui um complemento nominal do adjetivo composto o&moiopaqei~que expressa

semelhança. Nota-se, nitidamente, uma i*sonomiva, ―igualdade‖, e, de certo modo, uma

comparação entre os pronomes pessoais h&mei~ e u&mi~n. A forma verbal no presente do

indicativo da voz ativa, de primeira pessoa do plural, e*smevn, é um verbo de predicação

nominal, indicando um estado (vers. 15).

Assim é que a sentença kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi é

enfática e, de certo, lembra a exclamação parecida de Pedro, quando confrontado por

Cornélio, quando esse estava prostrado: kaiV e*gwV au*toV a!nqrwpov ei*mi, ―eu mesmo

também sou ser humano!‖ (At 10. 26). Em ambos os casos, os falantes objetivam

estabelecer uma humanidade comum com os seu(s) ouvintes.

15 eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein

e*piV qeoVn zw~nta, o$ e*poivhsen toVn ou*ranoVn kaiV thVn gh~n kaiV thVn

qavlassan kaiV pavnta taV e*n au*toi~:

15 (vos) anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas

inúteis ao Deus vivo, que criou o céu e a terra e o mar e todas as coisas

existentes neles.

A oração reduzida de particípio presente eu*aggelizovmenoi é subordinada

substantiva predicativa do sujeito da oração anterior de predicação nominal (vers. 15) e,

simultaneamente, oração subordinante da oração reduzida de infinitivo presente

e*pistrevfein, ―retornar‖, ―voltar‖, ―converter‖. Sublinhe-se que o terceiro significado,

―converter‖, é em um sentido metafórico (RUSCONI, 2011, p. 193). Ambas as orações

reduzidas marcam a hipotaxe implícita419.

Novamente, há o paralelo entre h&mei~ (em zeugma420

) e o pronome pessoal de

segunda pessoa do plural, acusativo, u&ma~, entre a função expressiva e a conativa.

Por meio da oração reduzida de infinitivo objetiva direta, e*pistrevfein, “para

converterdes‖, Paulo expressa o objetivo ou a destinação da ação, conforme infinitivo de

419

De acordo com nota de nº 336, cf pág. 190. 420

De acordo com nota de nº 355, cf pág. 199.

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destinação, de sua pregação: a e*pistrofhv, ―conversão‖, dos homens de Listra ao QeoVn

zw~nta (vers. 15).

O cristianismo se apresenta como o único caminho da salvação, e não

como um caminho religioso ou filosófico entre outros. A aposta é

procurar implantar essa concepção no universo religioso romano

saturado de cultos de todos os tipos, com a perspectiva, a longo prazo,

de suplantar todos eles (PRIETO, 2007, p. 124).

Convém sublinhar que u&ma~que é, na oração subordinante, objeto direto de

eu*aggelizovmenoi, particípio predicativo do sujeito de Barnaba~ kaiV Pau~lo (nomes

ocultos no excerto) e sujeito do infinitivo e*pistrevfein, que está na oração

subordinada.

Destaca-se, ainda, no versículo 15, a anástrofe421 do infinitivo, pois e*pistrevfein,

está entre os seus respectivos complementos circunstanciais a*poV touvtwn tw~n

mataivawn ... e*piV QeoVn zw~nta, por ênfase ou por mera elegância de estilo.

Convém mencionar a respeito de dois complementos circunstanciais: a*poV touvtwn

mataivwn, “destas coisas inúteis‖ (adjunto adverbial de lugar ―de onde‖, conforme

genitivo de origem ou seja, ―movimento de algum ponto” (HORTA, 1979, p.134) ...

e*piV QeoVn zw~nta, “ao Deus vivo‖ (adjunto adverbial de lugar ―para onde‖, conforme

acusativo de direção). Ressalte-se que o particípio zw~nta está substantivado e

preposicionado. A primeira expressão é usada por Paulo para censurar a atitude dos seus

ouvintes que estavam prestes a lhes oferecerem sacrifícios; a segunda, para apresentar a

verdadeira Divindade que deveria ser venerada.

Assim, Paulo, através do emprego das preposições a*poV ... e*piv ..., indica

mudança de um lugar para outro, ou melhor, de um estado para outro422.

421

a*nastrofhv, h~ (h&) - significado literal: ação de desviar, inverter, virada, retrocesso – é a figura de

linguagem muito parecida com a prolepse. Entrementes, o seu sujeito ou os seus complementos vêm

deslocados. 422

a*llaV toi~ e*n Damaskw~/ prw~tovn te kaiV *Ierosoluvmoi pa~savn te thVn cwvran th~ *Ioudaiva kaiV

toi~ e!qnesin a*phvggellon metanoei~n kaiV e*pistrevfein e*piV toVn qeovn a!xia th~ metanoiva e!rga

pravssonta. Mas, primeiramente, proclamava, tanto aos em Damasco quanto (aos em) Jerusalém, tanto

por toda a região da Judeia quanto (entre) os gentios se arrependerem e converterem a Deus; praticando

obras dignas de arrependimento (At 26. 20). Ver também: At 15. 3. Em um sentido de ―conversão‖,

encontra-se, igualmente, em Cícero: primum igitur quidque considera quale sit; arripere enim mihi

videmini quase vestro iure rem nullo modo probabilem. Primum omnium quis tam caecus in

contemplandis rebus umquam fuit, utnon videret species istas hominum conlatas in deos aut consilio

quodam sapientium, quo facilius ânimos imperitorum ad deorum cultum avitae pravitate converterent, aut

superstione, ut essent simulacra quae venerantes deos ipsos se adire crederent. Auxerunt autem haec

eadem poetae pictores opifices; erat enim non facile agentis aliquid et molientes deosin aliarum formarum

imitatione servare. (CICERO. De Natura Deorum 1. 77). Primeiro, portanto considera cada um de que

natureza é; com efeito, parecei para mim tomar uma realidade de nenhum modo digna de aprovação de

acordo com o vosso direito. Primeiro de todos, ninguém foi tão cego ao contemplar essas coisas, que não

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A helenista Guida Horta sublinha que ―o genitivo de origem supre o ablativo,

desaparecido no grego, exprimindo, particularmente, o ponto de partida no tempo e no

espaço, e, por extensão, o afastamento ou a privação (sentido figurado)‖ (ibidem, 1991,

p. 388). Já em relação ao acusativo, a helenista pontua que é ―o caso da extensão no

espaço e no tempo, marcando a direção, ou o movimento que tende para um ponto,

vindo, frequentemente, em expressões (próprias ou figuradas) que indiquem o termo de

movimento‖ (ibidem, 1979, p.134). Barrett, quanto ao infinitivo e*pistrevfein, diz que o verbo significa quase um

comando: ―dizendo-lhe para voltar‖. A relação com 1 Ts 1. 9 tem sido, frequentemente,

discutida (BARRETT apud ROWE, 2009, p. 22).

au*toiV gaVr periV h&mw~n a*paggevllousin o&poivan ei!sodon e!scomen

proV u&ma~, kaiV pw~ e*pestrevyate proV toVn qeoVn a*poV tw~n

ei*dwvlwn douleuvein qew~/ zw~nti kaiV a*lhqinw~/ (1 Ts 1. 9).

Na verdade, eles mesmos, quanto a nós, proclamam que tipo de

recepção tivemos até vós, e de que modo (vos) convertestes dos ídolos

para Deus, para servir ao Deus vivo e verdadeiro.

Barrett destaca que qeoV zw~n é ―quase um nome próprio‖; a potência do nome

vem através do contraste de vida e de morte, o virar-se contra (a*poV tw~n touvtwn

mataivwn ) e a favor do qeoVn zw~nta, a fonte da própria vida (BARRETT apud ROWE,

2009, p. 23).

A propósito, a expressão qeoV zw~n era muito comum empregada pelo apóstolo

(1Tm 4. 10; 1 Ts 1. 9)423.

Paulo, depois de fazer a equiparação entre eles e os habitantes de Listra, apresenta,

enfim, as ações do ―Deus vivo‖, QeoVn zw~nta (vers. 15).

o$ e*poivhsen toVn ou*ranoVn kaiV thVn gh~n kaiV thVn qavlassan kaiV

pavnta taV e*n au*toi~:

que criou o céu e a terra e o mar e todas as coisas existentes neles424

(vers. 15).

visse essas espécies de homens ajuntadas aos deuses ou em certo conselho de sábios, para que mais

facilmente vertessem os ânimos dos inexperientes da depravação da vida ao culto dos deuses, ou por

superstição, que fossem imagens, que venerando os próprios deuses acreditassem se dirigir a eles.

Produziram, porém, estes mesmos os poetas, pintores, artífices; com efeito, não era algo fácil de fazer e

conservar na imitação de outras formas deuses que se modificam. 423

Encontra-se, igualmente, qeoV zw~n em Hebreus 10. 31.

424 De acordo com: Porque o Eterno fez os céus e a terra, o mar e tudo o que há neles em seis dias e

repousou no sétimo dia, e por isso o Eterno abençoou o dia do Shabat e o santificou (Ex 20. 11); 5 Feliz,

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241

A primeira oração supracitada inicia por um pronome relativo o@ sujeito de

e*poivhsen, marcando a hipotaxe explícita. Ora, o pronome relativo possui, por

antecedente, QeoVn zw~nta, que está na oração anterior reduzida de infinitivo: a*poV

touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein e*piV qeoVn zw~nta, ―para converterdes destas

coisas inúteis ao Deus vivo‖ (vers 15).

Após essa oração adjetiva introduzida pelo pronome relativo, seguem-se mais três

orações, igualmente relativas, com a presença da zeugma de o@*poivhsen, uma vez que

esses termos já foram citados, anteriormente, na primeira oração subordinada adjetiva,

mas omitidos nas demais.

As sentenças, nas quais se consta a zeugma, são coordenadas entre si pela

presença da conjunção coordenativa aditiva kaiv. A propósito, devido à repetição dessa

conjunção, tem-se uma outra figura, o polissíndeto425com o objetivo de mostrar uma

correlação, um encadeamento de ideias.

O verbo e*poivhsen está no aoristo indicativo, dando uma ideia de passado. A

expressão pavnta taV e*n au*toi~, “todas as coisas existentes neles‖, demonstra o poder

da criação do QeoVn zw~nta, ―Deus Vivo‖. O adjetivo pavnta, em sua forma no neutro,

plural, é o núcleo do objeto direto, seguido do artigo taV, igualmente, no neutro plural;

ora, esse artigo serve para pôr em ênfase o adjetivo.

O complemento circunstancial e*n au*toi~"neles",formado pela preposição em

dativo-locativo seguida de um pronome demonstrativo em dativo-locativo, masculino,

plural, indicando o lugar "onde", sem ideia de movimento.

Atesta-se, no versículo 15, a anisocronia426, uma vez que Paulo não contou, de

modo detalhado, a criação do mundo de acordo com o relato judaico que se encontra no

livro de Gênesis, capts. 1-2. Utilizou-se, possivelmente, os livros de Êxodo 20. 11 e de

Salmo 146. 6.

Há, ainda, a seguinte oração:

o$ e*n tai~ parw/chmevnai geneai~ ei!asen pavnta taV e!qnh

poreuvesqai tai~ o&doi~ au*tw~n: (vers. 16)

Que, nas gerações antigas, consentiu a todos os povos andar nos caminhos

deles.

porém, é aquele que tem no Deus de Jacob o seu socorro, e cuja esperança está no Eterno, seu Deus;

6 que

fez os céus e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; que mantém para sempre a verdade (Sl 146. 5-6).

Ver também a respeito do relato completo da criação do mundo no livro de Gênesis, capítulos 1-2. 425

De acordo com nota de nº 315, cf pág. 189. 426

De acordo com nota de nº 380, cf pág. 208.

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242

Levando em conta o relato paulino que, nas gerações passadas, Deus havia

permitido que todos os gentios andassem em seus próprios caminhos (v. 16), Paulo

destaca que havia chegado o momento de os gentios abandonarem seus próprios o&doiv,

―caminhos‖ e se ―virarem‖, isto é, se ―converterem‖ para o qeoVn zw~nta, ―Deus Vivo‖.

O versículo 16 inicia-se, novamente, com uma oração subordinada adjetiva. A

propósito, destaca-se a anáfora427. pela repetição do pronome relativo definido simples

o@ (tanto no versículo 15 quanto no 16). O pronome relativo possui como antecedente

e*piV qeoVn zw~nta, ―ao Deus vivo‖ (vers. 15).

Destaca-se, ainda, no versículo 16, o particípio perfeito preposicionado e

substantivado acompanhado da preposição em dativo-locativo *n, expressando uma

ideia de tempo (adjunto adverbial de tempo), *n tai~ parw/chmevvnai genai~"nas

gerações antigas‖.

A seguinte sentença poreuvesqai tai~o&doi~~au*tw~n é subordinada substantiva

objetiva direta reduzida de infinitivo, marcando a hipotaxe implícita, do verbo que

exprime vontade ei!asen, que é a sua oração principal.

Atesta-se a elipse428 da preposição e*n que rege o dativo-locativo: tai~o&doi~~-

―nos caminhos‖ (vers. 16), seguido de seu adjunto adnominal com ideia de posse em

genitivo plural, au*tw~n em uma referência a pavnta taV e!qnh, ―todos os povos‖.

O verbo no aoristo ei!asen, ―permitiu, deixou, consentiu‖, indica que o qeoV

zw~nta, ―Deus Vivo‖, era portador de soberania, pois nada acontecia sem o seu

consentimento. No complemento verbal pavnta taV e!qnh, ―a todos os povos‖, o

adjetivo neutro plural de pa~n sublinha, de igual modo, o poderio dessa Divindade, uma

vez que tudo e todos estavam sob o seu controle.

17 kaivtoi ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken a*gaqourgw~n,

ou*ranovqen u&mi~n u&etouV didouV kaiV kairouV karpofovrou

e*mpiplw~n trofh~kaiV eu*frosuvnh taV kardiva u&mw~n.

17 Seja como for, não se deixou ficar sem testemunho; praticando boas

ações, dando-vos chuvas do céu e tempos frutíferos, fartando de

alimento e de alegria os vossos corações.

427

a*naforav, ah& - significado literal: ação de fazer repetir – é a figura de linguagem que repete

palavras no início de frases ou de versos, independente dessa repetição ser proposital, por ênfase ou por

realce para um melhor esclarecimento das ideias. 428

De acordo com nota de nº 330, cf pág. 192.

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243

A oração iniciada pela partícula kaivtoi ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken, ―Seja

como for, não se deixou ficar sem testemunho‖ (vers. 17), é a oração principal das três

orações participiais a*gaqourgw~n, didouv e e*mpiplw~n, que marcam a hipotaxe

implícita.

A partícula kaivtoi é classificada pela professora Guida como uma partícula

intensiva ―seja como for‖429

. A helenista lembra que – toi reforça uma afirmação,

vindo, quase sempre, em composição, sendo rara na forma simples (HORTA, 1979, p.

148). Assim é que Paulo, por meio dessa partícula, dá mais ênfase à sua argumentação.

A propósito, há duas zeugmas430 no versículo 17. A primeira é a do particípio

didouvna oração kaiV kairouVkarpofovrou Essa oração é coordenada entre si com a

oração anterior, ou*ranovqen u&mi~n u&etouV didouv, ―dando-vos chuvas do céu‖, pela

presença da conjunção coordenativa aditiva kaiv. Há uma segunda zeugma que é a do

particípio e*mpiplw~n na oração kaiV eu*frosuvnh taVkardiva u*mw~n; essa oração é,

igualmente, coordenada entre si com a oração anterior, e*mpiplw~n trofh~, ―fartando de

alimento‖.

Os particípios a*gaqourgw~n, didouv e e*mpiplw~n introduzem orações

subordinadas substantivas predicativas do sujeito o@ que aparece em duas orações

adjetivas anteriores. O pronome relativo o@é sujeito de e*poivhsen (versículo 15) e

ei!asen (versículo 16), em uma referência ao qeoV zw~nta, ―Deus Vivo‖. Não obstante,

os particípios no presente ativo: a*gaqourgw~n, “praticando boas ações‖ (vers. 17),

didouv"oferecendo‖ (vers. 17), e*mpiplw~n, “fartando‖ (vers. 17), são verbos que

expressam as ações, as atitudes do qeoVn zw~nta.

Pode-se fazer um cotejo entre a apresentação paulina do qeoV zw~nta com a que

Pausânias faz de Zeus, pois, para este, Zeus era visto como o provedor das boas coisas

como se infere de: e*pididovnai gaVr dhV a*gaqaV au*toVn a*nqrwvpoi ―pois,

certamente, ele dá coisas boas para os seres humanos‖ (PAUSANIAS. Description of

Greece 8.9.2)431

.

429

E mais: ―contudo‖ (SCHOLZ, 2007, p. 865); ―bem que, e contudo, embora‖

(RUSCONI, 2011, p.

245); ―de qualquer maneira, entretanto, todavia (ordinariamente para marcar uma objeção que se faz a si

mesmo)‖ (BAILLY, 2000, p. 1001). 430

De acordo com nota de nº 355, cf pág. 199. 431

Em particular, Zeus é também intitulado de o *Ombrivou Diov, ―Zeus-chuva‖ (ibidem, 1.32.2). E mais:

e*n th~/ Pavrnhqi kaiV a!llo bwmov, quvousi deV ep’ au*tou~ toteV meVn !Ombrion toteV de VV *Aphvmion

kalou~nte Diva. Há em Parnes também um outro altar, e, sobre ele, fazem sacrifícios, chamando tanto a

Zeus de Zeus-chuva quanto o que evita doenças /avesso aos males (do grego a*pevmion).

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244

Tem-se, no epílogo, uma espécie de conclusão daquilo que foi exposto

anteriormente: kaivtoi ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken, ―Seja como for, não se deixou

ficar sem testemunho (...) (vers. 17).

Sublinhe-se que os vocábulos do epílogo apresentam uma correlação de ideias –

indicando a soberania do QeoVn zw~nta - com as palavras do final do versículo 15 e

versículo 16.

A argumentação paulina se centra mais na função referencial, ao mencionar sobre

as obras do QeoVn zw~nta; já a função conativa é expressa pelo emprego dos pronomes

u&mi~n, “a vós‖, objeto indireto de didouv e u&mw~n, “vossos‖, adjunto adnominal, com

ideia de posse, de taVkardiva (vers. 17).

Levando em conta as informações contidas na narração do discurso paulino,

pode-se considerar ainda:

□ O Orador/Narrador

□ O Público/Narratário

Paulo é tanto um narrador secundário intra-heterodiegético, em grande parte do

seu discurso (quando se distancia dos fatos relatados por ele) quanto é intra-

homodiegético (quando vivencia os fatos relatados por ele), quando empregou, por

exemplo, o pronome e verbo na primeira pessoa do plural, além de um particípio no

plural (vers. 15).

Os ouvintes são narratários secundários intra-heterodiegético, em grande parte

do discurso paulino, pois escutam um relato que não tiveram participação quanto intra-

homodiegético, pois escutam uma história que estão vivenciando, quando Paulo

empregou, por exemplo, pronomes na segunda pessoa do discurso, no plural, u&mi~n e

u&ma~ e um infinitivo, e*pistrevfein, que estão vinculados ao seu público. Desse modo,

o apóstolo insere o seu público dentro da história narrada por ele, estreitando, dessa

forma, a distância que existe entre o orador, a história contada por ele e o seu público.

Eis o excerto que explicita tanto o narrador intra-homodiegético quanto o narratário:

kaiV h&mei~ o&moiopaqei~ e*smen u&mi~n a!nqrwpoi eu*aggelizovmenoi

u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein e*piV qeoVn zw~nta,

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245

Nós também somos seres humanos de semelhante natureza como vós;

vos anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas inúteis ao

Deus vivo (vers. 15).

Lucas faz a introdução do discurso paulino e, depois, deixa o discurso mimético

de Paulo fluir normalmente, sem haver intromissões. Assim é que o discurso em Listra

para a multidão constitui uma narrativa de focalização interna, uma vez que Paulo, o

narrador secundário é o sujeito da enunciação. Após inserir o discurso paulino, o

narrador primário oferece informações sobre o resultado do discurso (At 14. 18-19).

□ O Argumento-Tipo (A Amplificação)

Paulo empregou a amplificação de modo antitético, ao colocar em confronto

dois pensamentos, ou melhor, uma proposição considerada ―fraca‖, porém vista como

―certa‖ para o seu público, e uma proposição considerada ―forte‖, porém vista como

―certa‖ para ele. A propósito, seria preciso, para esta última proposição, ser amplificada

por ser a ―mais forte e verdadeira‖. Utilizando-se de um acontecimento, que acabara de

ocorrer diante dos seus olhos (At 14. 13), Paulo desenvolve as suas ideias.

Paulo almejava a e*pistrofhv, uma conversão de um estilo de vida religiosa

considerada ―errônea‖ para um estilo de vida religiosa ―certa‖, que seria incompatível

com os cultos pagãos tradicionais.

Pode-se inferir que Paulo reprovou uma atitude muito comum de seu público:

oferecer sacrifícios para agradar às suas divindades e intitula essa atitude de: tw~n

mataivwn, ―coisas inúteis‖ (vers. 15). A crítica aos atos dos de Listra pode ser resumida

em uma palavra grega: mavtaia, ―inútil‖, ―vazia‖, ―vã‖. A propósito, esse adjetivo

expressa muito bem o pensamento paulino.

Desse modo, acompanhada pela ação de rasgar as suas vestes, Paulo e Barnabé

caracterizam toda a cena, que estava diante dos seus olhos, como inútil, vazia, vã,

enfim, sem valor nenhum.

O versículo 15 constitui o ápice da argumentação do apóstolo, pois revela-se o

khvrugma, ―a proclamação‖, onde a função argumentativa do enunciado está mais visível

nestes termos:

15 eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein

e*piV qeoVn zw~nta, o$ e*poivhsen toVn ou*ranoVn kaiV thVn gh~n kaiV thVn

qavlassan kaiV pavnta taV e*n au*toi~:

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15 vos anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas inúteis

ao Deus vivo, que criou o céu e a terra e o mar e todas as coisas

existentes neles.

Ora, na concepção judaico-cristã, tem-se a seguinte ordem:

7 E não oferecerão mais seus sacrifícios aos demônios, atrás dos quais

eles andam; isto será um estatuto perpétuo para eles nas suas gerações.

8 E a eles dirás: qualquer homem da Casa de Israel e do peregrino que

habitar entre eles, que oferecer oferta de elevação ou sacrifício, 9 e à

porta da tenda da reunião não trouxer, para oferecê-los ao Eterno –

aquele homem será banido de seu povo (Lv 17. 7-9)432

.

Ser cristão, para os apóstolos, no mundo romano, significava não mais

compactuar com as suas bases religiosas. Há um exemplo digno de nota desse

pensamento que é a queima dos livros de magia433. A atitude dessas pessoas demonstra a

oposição da fé cristã com as concepções religiosas vigentes (PRIETO, 2007, pp. 124-

125). A propósito, escritores antigos se referem aos livros desta espécie como taV

*Efevsia gravmmata, ―escritos de fórmulas mágicas‖434 (PLUTARCH. Quaestiones

Convivales 706 e).

Paulo, para ratificar suas palavras, valoriza, principalmente, taV a*gaqaV e*rgav, ―as

boas ações‖ do qeoV zw~nta, ―Deus Vivo‖, que a multidão de Listra desconhecia. Ser o

qeoV zw~n, é ser o Criador Supremo, possuir o poder de dar vida para fazer o bem e

trazer chuva e sustento a todos (vers. 15-17).

É bom destacar os seguintes valores na argumentação de Paulo daquilo que é

digno de louvor ou de crítica, tais como, toV kaloVn kaiV toV ai*scrovn, ―o belo e o feio /

vergonhoso‖:

O que é “belo”, toV kalovn O que é “feio/ vergonhoso”, toV ai*scrovn

taV a*gaqaV e*rgav, ―as boas ações do qeoV

zw~nta, ―Deus Vivo‖ (vers. 15-17)

taV kakaV e*rgav, ―as feias ações‖ da

multidão de Listra como, por exemplo,

oferecer sacrifícios aos deuses (vers. 13,

15)

432

Ver também: Lv 17. 7; Am 2. 4; Jr 10. 1-16; Ez 8. 10. 433

Bom exemplo é o episódio ocorrido em Éfeso. Tem-se uma informação em os Atos de que aqueles que

haviam crido na pregação de Paulo confessavam, publicamente, as suas obras; aqueles que haviam

praticado artes mágicas reuniram seus livros e queimavam diante de todos, estima-se que o cálculo dos

preços desses livros equivalia a 50 mil denários (At 19. 18-19).

434 De acordo com ―fórmulas mágicas‖ (BAILLY, 2002, p. 867).

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247

Agora, convém extrair ai& pivstei, ―as provas‖, que serviram para h& a*povdeixi

―a demonstração‖ paulina:

As Provas Técnicas

□ h^qo, "o caráter"

□ pavqo"a disposição"

□ lovgo"o discurso"

Paulo almejou alcançar a persuasão pelo seu h^qo, a partir do momento em que

ele se coloca como um ser igual ao seu público, sendo, então, também um simples

a!nqrwpo, ―ser humano‖.

Apesar de ter extraído o seu proêmio não do louvor, mas da censura ao seu

público, Paulo, por meio de vocábulos que igualavam tanto ele quanto Barnabé aos seus

ouvintes, almejou despertar alguns pavqh, ―as disposições, sentimentos‖ em seus

ouvintes (vers. 16), como, por exemplo, h& filiva, ―a amizade‖, toV qarrei~n, ―a

confiança‖, h& cavri, ―a benevolência‖.

Não obstante, conforme já foi visto, após o discurso, Judeus de Antioquia e de

Icônio, instigando e persuadindo as multidões de Listra, apedrejaram a Paulo, dando-lhe

como morto, de acordo com as informações de Atos 14. 19. Desse modo, Paulo

despertou os seguintes pavqh, ―as disposições, sentimentos‖ em seus ouvintes: h& o*rghv,

―a cólera‖, toV e*cqrov"a inimizade‖, h& nevmesi"a indignação‖.

Paulo buscou a persuasão, igualmente, pelo lovgoao construir o seu discurso,

tendo por base os possíveis tovpoi, considerados na inventio, trata-os como fatos

verídicos, sem questionar a veracidade dos acontecimentos.

Ora, atesta-se, de um modo geral, uma igualdade pelo emprego do modo

indicativo (presente e aoristo) e da forma nominal: particípio. Dentre algumas

possibilidades da expressão modal, tem-se, então, o modo real, expresso pelo modo

indicativo, que exprime a ação de modo objetivo.

Convém citar alguns verbos e as formas nominais compostos empregados no

decorrer do discurso, atestando a figura epáuxese435: eu*aggelizovmenoi, “anunciamos o

Evangelho‖ (vers. 15); e*pistrevfein, ―para converterdes‖(vers 15); e*n tai~

parw/chmevnai geneai~, ―nas gerações antigas‖(vers. 16); a*fh~ken, ―consentiu‖(vers.

435

De acordo com nota de nº 390, cf pág. 218.

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17); e*mpiplw~n ―fartando de alimento e de alegria os vossos corações‖ (vers. 17);

katevpausan, “fizeram desistir‖ (vers. 18).

Citem-se, agora, as hipérboles verbais, adverbiais e nominais436 para intensificar

o sentido de um pensamento: 1) hipérboles verbais - e*mpiplw~n, ―fartando‖ (vers. 17); 2)

hipérbole nominal - pavnta taV e*n au*toi~, "todas as coisas existentes neles‖ (vers. 15),

pavnta taV e!qnh, “a todos os povos‖ (vers. 16), indicando, em ambas as hipérboles

nominais, uma ideia de universalidade; touV o!clou"as multidões‖ (vers. 18).

Digno de nota é o sintagma e*mpiplw~n trofh~kaiV eu*frosuvnh taV kardiva

u&mw~n, ―fartando de alimento e de alegria os vossos corações‖ (vers. 17), pois há uma

hipérbole verbal seguida de seus complementos, explicitando-lhe mais o seu sentido.

A função expressiva e a conativa sobressaem em um determinado momento do

discurso, depois, há um paralelo entre a função referencial e a conativa, por exemplos:

a) função expressiva e conativa – ―Ó varões ... Nós também somos seres humanos ...

para converterdes destas coisas inúteis‖ (vers. 15); b) função referencial e conativa –

―(...) ao Deus vivo, que criou (...)‖ (vers. 15); ―Que, nas gerações passadas permitiu

(...)‖ (vers. 16); ―Seja como for, não se deixou ficar sem testemunho ... fartando de

alimento e de alegria os vossos corações‖ (vers. 17).

As Provas Extratécnicas

□ Oi& mavrture"As Testemunhas‖

□ Ai& suggrafai, ―Os Escritos‖

Quanto às provas extratécnicas, Paulo citou, de modo sutil e indireto alguns

relatos dos escritos sacros judaicos, como, por exemplo, a criação do mundo. É bom

destacar que, na sentença ou*k a*mavrturon au*toVn a*fh~ken, ―não se deixou ficar sem

testemunho‖ (vers. 17), o qeoV zw~nta, ―Deus Vivo‖, dá testemunho de sua existência

por meio de suas obras. Assim, pode-se considerar a Divindade como uma espécie de

testemunha tanta antiga quanto recente.

436

De acordo com notas de nº 391, 393, cf págs. 218.

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249

4) Pronunciatio:

a*kouvsante deV oi& a*povstoloi Barnaba~ kaiV Pau~lo diarrhvxante

taV i&mavtia au*tw~n e*xephvdhsan ei* toVn o!clon kravzonte

Então, os apóstolos Barnabé e Paulo, após terem ouvido, rasgando as suas

vestes exteriores, correram para a multidão, bradando (...) (vers. 14).

Interessante ressaltar que, antes do narrador primário dos Atos inserir o discurso

mimético paulino, ele destaca cinco momentos que antecederam ao discurso: Paulo e

Barnabé viram (ação implícita no contexto), ouviram, rasgaram as suas vestes, correram

e bradaram.

Assim é que podem-se extrair do excerto dos Atos os seguintes recursos

extraverbais: a ação de ―ver‖, de ―ouvir‖, de ―rasgar as vestes‖, de ―correr‖ e de

―bradar‖, no sentido de gritar.

A primeira ação, a de ―ver‖ está ligada à visão e a segunda ação ―ouvir‖, à

audição. Ora, essas duas ações fazem parte dos cinco sentidos do corpo humano; esses

cinco sentidos – visão, audição, paladar, tato e olfato - fazem com que haja uma

interação com o mundo exterior. Obviamente, os dois apóstolos, simultaneamente, não

só ouviram as pessoas quanto viram toda a cena que estava acontecendo.

A terceira ação foi uma atitude de resignação. Não só Paulo como Barnabé

―rasgaram as suas vestes exteriores‖, diarrhvxantetaV i&mavtia, quando viram que o

sacerdote de Zeus queria sacrificar com as multidões em honra a eles.

Destarte, o vocábulo i&mavtion era utilizado, especialmente, para descrever uma

capa e, em seu emprego geral, para designar ―roupa‖ (VINE, 2002, p. 1056); e mais:

―artigo de vestuário exterior, manto, lançado em cima do citwvn‖, (ibidem, p. 957). O

citwvn representa, então, a ―veste interior‖, a ―roupa de baixo‖, e devia-se diferenciá-lo

de i&mavtion437.

Sublinhe-se que essa ação de ―rasgar as vestes‖ poderia ainda ser considerada uma

atitude de lamento, de luto, de extrema tristeza438 na cultura hebraica. Mais uma vez,

437

Dorcas tanto fazia citwvn quanto i&mavtion (At 9. 39). Ver também: Mt 17. 2; 26. 65; 27. 31, 35. 438

Têm-se mais exemplos dessa atitude de ―rasgar as vestes‖ em outros escritos: 1 Quando Mordehai

soube tudo quanto se havia passado, rasgou as suas vestes e se cobriu de pano de saco e de cinza (em

sinal de luto) e, saindo pela cidade, clamou com grande e amargo clamor; 2 e chegou até o portão do

palácio real, porque ninguém vestido de pano de saco podia passar pelo portão do palácio real (Et 4. 1-2).

Ver também: Gn 37. 34; 2 Rs 6. 30; 19, 1-2; Is 37. 1-2; Jn 3. 5-6. Convém sublinhar que os sacerdotes

não poderiam fazer esse ato: E Moisés disse a Araão e a seus filhos Elazar e Itamar: Vossas cabeças

(cabelos) não deixeis crescer, e vossos vestidos não rasgueis para que não morrais, enão se levante a Sua

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constata-se, aqui, o emprego, da parte do orador, de um sugestivo recurso extraverbal,

num contexto marcado pela urgência da ação.

Paulo, indo para o meio da multidão, inicia o seu breve discurso com muita

dificuldade e impede as multidões de oferecerem sacrifícios a eles (At 14. 15-18),

cultuando-os como divindades do Olimpo.

A quarta ação foi que eles e*xephvdhsan, ―correram‖, em direção à multidão,

que explicita o desespero dos dois apóstolos.

O particípio kravzonte, ―bradando‖, dá início à quinta ação de Paulo e de

Barnabé, como uma tentativa de impedir um grande erro dos habitantes de Listra.

Sublinhe-se que diarrhvxante―rasgando as suas vestes exteriores‖,

juntamente comkravzonte"bradando‖, constituem particípios modais, isto é,

adjuntos adverbiais de modo, de maneira de agir.

5) Memoria:

Levando-se em conta a representação do tempo em relação com a instância da

enunciação, pode-se inferir que Paulo tanto se utilizou do momento presente quanto do

passado. Pode-se dizer que o procedimento, diga-se técnica, que Paulo usou, para

facilitar a sua memória, foi falar, de um modo geral, do tempo de modo decrescente,

isto é, do presente para o passado (cf. analepse), empregando, desse modo, a figura

denominada de anticlímax439.

Ressalte-se que a narração de Paulo se constitui também por anacronias

narrativas, mais precisamente analepse440, uma vez que o narrador se volta ao passado

com o emprego, principalmente, do aoristo indicativo ativo, tais como: e*poivhsen, “fez‖

(vers. 15), ei!asen, “consentiu‖ (vers. 16), a*fh~ken, “deixou‖ (vers. 17).

ira contra toda a congregação; e vossos irmãos, toda a Casa de Israel, chorarão pelo que o Eterno queimou

(Lv 10. 6). 439

a*ntikli~max, ako (h&) - significado literal: ação de descer, descida – é a figura de linguagem que

dispõe as ideias de modo decrescente. 440

De acordo com nota de nº 395, cf pág. 223.

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6.1.3 O Discurso no Areópago de Atenas

- Notas Introdutórias

A narrativa dos Atos diz que Paulo estava em Atenas esperando Silas e

Timóteo441 e, enquanto esperava, ficou revoltado em face da ―idolatria‖ da cidade e,

consequentemente, do politeísmo grego442; na sinagoga, ele passou a discutir com

441

Pode-se até dizer que a estadia de Paulo em Atenas fora, praticamente, por um acaso, uma vez que

estava esperando dois companheiros que tiveram de sair às pressas de Bereia (At 17. 13-15) e fazer os

preparativos para a viagem a Corinto. 442

Rowe lembra que, entre os intelectuais, essa crítica naturalmente ganhou considerável circulação. O

historiador judeu Flávio Josefo elogia a ―repreensão dos poetas mais célebres‖ pelos ―mais estimados de

entre os gregos‖ (FLAVIUS JOSEPHUS. Contra Apionem 2.34.239–241) (ROWE, 2009, pp. 19-20),

assim, tem-se, mais uma vez, uma crítica ao politeísmo dos gregos, conforme o excerto subscrito: 239 ti

gaVr tw~n paraV toi~ @Ellhsin e*piV sofiva/ teqaumasmevnwn ou*k e*pitetivmhken kaiV poihtw~n toi~

e*pefanestavtoi kaiV nomoqetw~n toi~ mavlista pepisteumevnoi, o@ti toiauvta dovxa periV qew~n

240 e*x a*rch~ toi~ plhvqesin e*gkatevspeiran, a*riqmw~/ meVn o&povsou a#n au*toiV qelhvswsin

a*pofainovmenoi e*x a*llhvlwn deV ginomevnou kaiV kataV pantoivou trovpou genevsewn, touvtou deV

kaiV diairou~nte tovpoi kaiV diaivtai, w$ pertw~n zwv/wn taV gevnh, touV meVn u&poV gh~n, touV deV e*n

qalavtth/, touV mevntoi presbutavtou au*tw~n e*n tw~/ tartavrw/ dedemevnou 241 o@soi deV toVn

ou*ranoVn a*pevneiman touvtoi patevra meVn tw~/ lovgw/, tuvrannon deV toi~ e!rgoi kaiV despovthn

e*fistavnte, kaiV diaV tou~to sunistamevnhn e*piboulhVn e*p’ au*toVn u&poV gunaikoV kaiV a*delfou~ kaiV

qugatrov, h$n e*k th~ e&autou~ kefalh~ e*gevnnhsen, i@na dhV sullabovnte au*toVn kaqeivrxwsin,

w@sper au*toV e*kei~no toVn patevra toVn e&autou~ (FLAVIUS JOSEPHUS. Contra Apionem 2.34.239–

241). Quem são os mais estimados entre os gregos por sua sabedoria, que não tenham repreendido os

poetas mais célebres e particularmente os legisladores, por terem feito os povos crer nessa pluralidade de

deuses, nascidos uns dos outros em tantas maneiras diferentes e que faziam chegar a tal número como

bem lhes parecia e lhes davam, como aos animais, diversos lugares para a morada, uns sobre a terra,

outros no mar e queriam que os mais antigos estivessem acorrentados no inferno. Quanto aos que eles

diziam habitar no céu davam-lhe um pai de nome, mas um tirano de fato, contra o qual sua mulher, o

irmão e a filha nascida do cérebro, tinham conspirado para expulsá-lo do trono como ele tinha expulsado

o pai (FLÁVIO JOSEFO. Apêndice: Resposta de Flávio Josefo a Ápio (Contra Ápio), 2.8). 163 tiv d’

h^n o& mavlista katorqwvsa touV novmou kaiV th~ dikaiotavth periV qeou~ pivstew e*pitucwvn,

pavrestin e*x au*tw~n katanoi~en tw~n novmwn a*ntiparabavllonta: h!dh gaVr periV touvtwn lektevon.

164 ou*kou~n a!peiroi meVn ai& kataV mevro tw~n e*qw~n kaiV tw~n novmwn paraV toi~ a@pasin a*nqrwvpoi

diaforaiv, kefalaiwdw~ a#n e*pivoi ti: oi& meVn gaVr monarciba, oi& deV tai~ o*livgwn dunasteivai,

a!lloi deV 165 toi~ plhvqesin e*pevtreyan thVn e*xousivan tw~n politeumavtwn. o& d’ h&mevtero

nomoqevth ei* meVn touvtwn ou*dotiou~n a*pei~den, w& d’ a!n ti ei!poi biasavmeno toVn lovgon

qeokrativan a*pevdeixe toV polivteuma 166 qew~/ thVn a*rchn kaiV toV kravto a*naqeiv. kaiV peivsa ei*

e*kei~non a@panta a*fora~n w& ai!tion meVn a&pavntwn o!nta tw~n a*gaqw~n, a$ koinh~/ te pa~sin

a*nqrwvpoi u&pavrcei kaiV o@swn e!tucon au*toiV dehqevnte e*n a*mhcavnoi, laqei~n deV thVn e*keivnou

gnwvmhn ou*k e*noVn ou!te tw~n 167 prattomevnwn ou*deVn ou!q’ w%n a!n ti par’ au*tw~/ dianohqh~/, e@na

au*toVn a*pevfhne kaiV a*gevnhton kaiV proV toVn a*ivdion crovnon a*nalloivw toVn pavsh i*deva qnhth~

kavllei diafevronta kaiV dunavmei meVn h&mi~n gnwvrimon, 168 o&poi~o deV kat’ ou*sivan e*stiVn a!gnwston. tau~ta periV qeou~ fronei~noi& sofwvtatoi par’ @Ellhsin o@ti meVn e*didavcqhsan e*keivnou

taV a*rcaV parascovnto, e*w~ nu~n levgein, o@ti d’ e*stiV kalaV kaiV prevponta th~ / tou~ qeou~fuvsei kaiV

megaleiovthti, sfovdra memasturhvkasi: kaiV gaVr Puqagovra kaiV *Anaxagovra kaiV Plavtwn oi@ te

met’ e*kei~non a*poV th~ stoa~ filovsofoi kaiV mikrou~ dei~n a@pante ou@tw 169 faivnontai periV

th~ tou~ qeou~ fuvsew pefronhkovte. a*ll’ oi& meVn proV o*livgou filosofou~nte ei* plhvqh

dovxai prokateilhmmevna thVn a*lhvqeian tou~ dovgmato e*xenegkei~n ou*k e*tovlmhsan (...) (FLAVIUS

JOSEPHUS. Contra Apionem, 2.17. 163-169). Os outros legisladores ensinaram que há um só Deus,

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judeus e gentios piedosos, assim como também na ágora,443

dirigindo-se, diariamente,

aos que ali se encontravam. É mister citar os versículos subscritos:

16 *En deV tai~ *Aqhvnai e*kdecomevnou au*touV tou~ Pau~lou

parwxuvneto toV pnau~ma au*tou~ e*n au*tw~/ qewrou~nto kateivdwlon

ousan thVn povlin. 17 dielevgeto meVn oun e*n th~/ sunagwgh~/ toi~

*Ioudaivoi kaiV toi~ sebomevnoi kaiV e*n th~/ a*gora~/ kataV pa~san

h&mevran proV touV paratugcavnonta. 18 tineV deV kaiV tw~n

*Epikoureivwn kaiV Stoi>kw~n filosovfwn sunevballon au*tw~/, kaiv tine

e!legon, Tiv a#n qevloi o& spermolovgo ou%to levgein; oi& dev, Xevnwn

daimonivwn dokei~ kataggeleuV einai, o@ti toVn *Ihsou~n kaiV thVn a*nastasin eu*hggelivzeto. 19 e*pilabovmenoiv te au*tou~ e*piV toVn

!Areion Pavgon h!gagon levgonte, Dunavmeqa gnw~nai tiv h& kainhV au@th h& u&poV sou~ laloumevnh didachv; 20 xenivzonta gavr tina

ei*sfevrei ei* taV a*koaV h&mw~n: boulovmeqa oun gnw~nai tivna qevlei

tau~ta einai. 21 *Aqhnai~oi deV pavnte kaiV oi& e*pidhmou~nte xevnoi

ei* ou*deVn e@teron hu*kaivroun h# levgein ti h# a*kouvein ti

kainovteron. 22 StaqeiV deV (o&) Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou

Pavgou e!fh, (...) (At 17. 16-21) 16 Ora, em Atenas, Paulo estava esperando por eles; o seu espírito se

revoltava, vendo a cidade cheia de ídolos. 17 Por conseguinte, debatia na

sinagoga com os judeus e com os piedosos e na ágora, diariamente com

aqueles que se encontravam naquele lugar. 18 Alguns dos filósofos tanto

epicureus quanto estóicos discutiam com ele, e alguns falavam: o que

quer dizer este tagarela? Mas outros falavam: Parece que ele é anunciador

de divindades estrangeiras; porque anunciava a Jesus e a ressurreição. 19

O agarrando444

, levaram para o Areópago, dizendo: Podemos saber que

monarca Todo-poderoso; mas misturam com essa verdade, diversas fábulas, reconhecendo outras

divindades, que são incapazes de compreender as suas orações e conhecer suas necessidades, seus

pensamentos e suas ações. Moisés, ao contrário, declara que há, somente, um Deus perfeitamente bom e

sempre pronto a nos escutar, Incriado, Imortal, Eterno, Imutável, que sobrepuja em beleza a todas as

criaturas e que somente nos é conhecido mediante seu poder e cuja essência nos é desconhecida. Os mais

sábios e os mais sensatos dos gregos parecem ter tido essa ideia de Deus, tendo, como eu já disse, falado

D‘ele como de um monarca, o que exclui a pluralidade de deuses e de uma maneira conveniente, à sua

suprema majestade, chamado a um princípio sem princípio e elevado acima de todas as coisas. Pitágoras,

Anaxágoras, Platão e outros estóicos, e quase todas as outras seitas, tiveram essa crenças de Deus, mas

não ousaram professá-la abertamente, por causa das superstições de que o povo estava possuído

(FLÁVIO JOSEFO. Apêndice: Resposta de Flávio Josefo a Ápio, 2.6). Ver também: FLAVIUS

JOSEPHUS. Contra Apionem 2. 35. 242-244, 248. 443

Do grego a*gorav, era o local onde eram realizadas as assembleias do demos. Já, nas epopeias

homéricas, tem-se o emprego de ágora, mas as assembleias eram informais e sem poder efetivo. Em

Atenas, com a ascensão da democracia, a ágora muda de caráter, e as assembleias são periódicas,

ocorrendo na colina da Pnix, continuando a ser considerada o lugar público por excelência com diversos

templos e altares dedicados às divindades. A ágora passou também a ser um local onde se realizavam as

trocas, e ―sob os pórticos que a ladeavam (Stoà Poikilé, Stoà Basileios) abriam-se lojas onde os atenienses

gostavam de ficar até mais tarde discutindo as decisões recentes. Sob esse aspecto, a ágora continuava a

ser o centro da vida cívica e do debate político‖ (MOSSÉ, 2004, p. 32). A ágora também era um local das

grandes discussões filosóficas. Em suma: a ágora era tanto um centro político quanto comercial e

intelectual do mundo mediterrâneo. 444

Verbo e*pilambavnw ―agarro, tomo‖ (RUSCONI, 2011, p. 190); ―pego, tomo‖ (SCHOLZ, 2007, p.

842).

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novo ensinamento é esse que é dito por ti? 20 Na verdade, trazes aos

nossos ouvidos coisas estranhas; por conseguinte, queremos saber o que

vem a ser essas coisas. 21 Ora, todos os atenienses e os habitantes

estrangeiros tinham como passatempo nenhuma outra coisa (a não ser)

falar ou ouvir algo mais novo. 22 Então, Paulo, estando de pé, no meio do

Areópago, dizia (...).

A forma verbal parwxuvneto445, ―se revoltava‖, no imperfeito do indicativo

médio (indicando que a ação linear acontecia em um tempo passado, ainda incompleta,

inacabada), e o substantivo kateivdwlon, ―cheia de ídolos‖ (At 17. 16) são importantes

no contexto em questão, uma vez que se pode fazer um paralelo com Atos 17. 24-25, no

nível teológico judaico-cristão: há uma acusação de ―idolatria‖. É bom lembrar sobre o que Paulo expressou em uma de suas epístolas a respeito

da pluralidade de deuses:

5 kaiV gaVr ei!per ei*siVn legovmenoi qeoiV ei!te e*n ou*ranw~/ ei!te e*piV

gh~, w@sper ei*siVn qeoiV polloiv kaiV kuvrioi polloiv, 6 a*ll’ h&mi~n

ei% qeoV o& pathVr e*x ou% taV pavnta kaiV h&mei~ ei* au*tovn, kaiV ei%

kuvrio *Ihsou~ Cristov di’ ou% taV pavnta kaiV h&mei~ di’ au*tou~.

5 Pois se, de fato, há os denominados deuses, seja no céu, seja sobre a

terra; de modo a serem muitos deuses e muitos senhores, 6 mas, para

nós, há somente um Deus, o Pai, de quem (são) todas as coisas e nós

(vivemos) para ele, (há) um só Senhor Jesus Cristo por meio do qual

(são) todas as coisas e nós (existimos) por meio dele (1 Co 8. 5-6).

Não obstante, alguns dos filósofos epicureus e estóicos que debatiam com Paulo,

que estava pregando a Jesus e à ressurreição, o retiveram consigo e o levaram ao

Areópago. Na verdade, os filósofos queriam saber que nova doutrina era aquela de que

Paulo tanto falava. Paulo, então, ficou de pé no Areópago para discursar (At 17. 21-22).

É mister expor, agora, de modo resumido, sobre esses dois grupos filosóficos,

que estavam presentes na ágora.

O Estoicismo446 foi fundado por Zenão de Chipre. Zenão teve, por sucessor,

Cleantes de Assos, famoso por seus versos religiosos expressos no Hino a Zeus.

Todavia, Crisipo é considerado como o grande teorizador e divulgador do Estoicismo

através de seus variados tratados. Não se tem muitas obras ligadas ao Estoicismo, mas

somente alguns fragmentos, possibilitando que se tenha uma ideia das suas doutrinas.

445

O verbo paroxuvnw possui os significados de: ―irritar, excitar‖ (RUSCONI, 2011, p. 360; ―irritar-se,

revoltar-se‖ SCHOLZ, 2007, p. 914). 446

Essa escola filosófica possui essa denominação, uma vez que os ―Zenonianos‖ se reuniam na Stoa

Poikile, o ―Pórtico com Pinturas‖, da ágora de Atenas.

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Citem-se, por exemplo: a) a verdadeira moralidade reside no saber; b) o Ser virtuoso era

sinônimo de Ser sábio; c) a filosofia é o saber do humano e do divino; d) todo aquele

que vive de acordo com a razão, com a natureza e com Deus é sábio; e) o homem sábio

está livre de paixões; f) o homem consegue atingir a felicidade através da vontade, e

essa é orientada pela inteligência; g) tudo no mundo é obra da razão; h) a história do

universo é uma sucessão de criações e destruições; i) para criar o mundo, a Divindade

transformou parte do vapor ígneo em ar e, depois, em água, e parte precipitou na terra.

A Stoa coloca o homem numa estrutura grandiosa e ensina-o a

considerar-se como membro dessa grandiosa estrutura. Em primeiro

lugar, vê-o sob uma perspectiva cósmica: o homem é uma parte do

cosmos, que se encontra mais próximo da divindade. A sua alma é ... uma

partícula viva, uma centelha divina ... O conceito de humanidade ... é um

conceito criado pela Stoa sobre as bases que oferecia o império de

Alexandre, depois de ter ficado superada a antiga oposição entre Gregos e

Bárbaros (CAPELLE apud PEREIRA, 1993, p. 531).

Convém lembrar que a maioria dos filósofos de Tarso, cidade natal de Paulo,

eram estóicos como Atenodoro de Tarso. É bem provável que Paulo, quando criança,

tivesse ouvido falar de Atenodoro, pois esse morrera em 7 d.C. Paulo, em certa ocasião,

chamou a atenção para os perigos das filosofias religiosas gregas (Cl 2. 8)447.

O fundador do Epicurismo foi Epicuro de Samos, todavia, fundou sua escola em

Mitilene, depois, transferiu-a para Lâmpsaco, e, mais tarde, por volta de 306 a.C., em

Atenas, na casa e no jardim, (por isso, seus seguidores são denominados de ―Filósofos

do Jardim‖). Seus membros eram compostos também por mulheres e por escravos.

Epicuro redigiu em torno de trezentos volumes, mas pouca coisa foi legado à

posteridade.

Eis as suas principais doutrinas: a) o homem apresenta condições para se

alcançar a eu*daimoniva, ―a felicidade‖, e esta estava vinculada ao prazer. Mas deve-se

limitar o desejo, para alcançar a libertação do sofrimento; b) é preferível ter uma vida

simples com pequenas alegrias a ter uma vida de prazeres complexos; c) o fim da

aquisição do saber é a regulamentação da vida, sendo que a filosofia era a medicina da

447

Blevbete mhv ti u&ma~ e!stai o& sulagwgw~n diaV th~ filosofiva kaiV kenh~ a*pavth kataV thVn

paravdosin tw~n a*nqrwvpwn, kataV taV stoicei~a tou~ kosmou~ kaiV ou* kataV Cristovn. Vede! Que não

haja ninguém que vos escravize por meio de filosofias e de vão engano de acordo com a tradição de seres

humanos, de acordo com os princípios (desse) mundo e não de acordo com Cristo (2 Cl 2.8).

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alma; d) a investigação e as ciências matemáticas são inúteis; e) a verdade é conhecida

pela sensação.

Ora, a helenista Maria Helena R. Pereira coloca as duas escolas filosóficas

supracitadas nos seguintes termos: ―Tal como o Estoicismo, também o Epicurismo é

representativo da mentalidade helenística, de um mundo em que o homem já não é parte

da sua cidade, mas um indivíduo que busca resolver o problema individual da sua

felicidade‖ (PEREIRA, 1993, p. 533).

Discute-se muito a respeito do sintagma ambíguo e*piV toVn !Areion pavgon,

―para o Areópago‖ (At 17. 19).

Muitos estudiosos como Norden, entendem que essa frase significa que Paulo foi

conduzido para a ―montanha de Ares‖, em vez de para h& e*x *Areivou pagou boulhv, ―o

conselho do Areópago‖ (NORDEN apud ROWE, 2009, p. 29).

Por outro lado, Nock acredita que excluir o conselho resultaria, quanto às

alusões referentes ao julgamento de Sócrates (At 17. 19-20), em uma perda de força

narrativa.

Ressalte-se que o complemento circunstancial e*n mevsw/ (no sintagma staqeiV

deV Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou pavgou e!fh, ―Então, Paulo, estando de pé, no meio

do Areópago, dizia (...)‖ (At 17. 22) pode se referir, nos escritos de Lucas, à localização

espacial (Lc 21. 21448

). E se tem também como exemplos: e*n mevsw/ tw~n didaskavlwn,

―no meio dos mestres‖ (Lc 2:4 6); e*n mevsw/ tw~n a*kanqw~n, ―no meio dos espinhos‖

(Lc 8. 7); e*n mevsw/ luvkwn, ―no meio dos lobos‖ (Lc 10. 3); e*n mevsw/ h&mw~n, ―no meio

de vós‖ (Lc 22. 27); e*n mevsw/ au*tw~n, ―no meio deles‖ (Lc 24. 36); e*n mevsw/ tw~n

a*delfw~n, ―no meio dos irmãos‖ (At 1. 15); e*n mevsw/ h&mw~n, ―no meio de vós‖ (At 2.

22); e*n mevsw/ au*tw~n, ―no meio deles‖ (At 27. 21). Mais adiante, Lucas escreve que

Paulo e*xh~lqen e*k mevsou au*tw~n, ―saiu do meio deles‖ (vers. 33). Paulo fala no meio

de um grupo de pessoas, ou seja, o conselho do Areópago (NOCK apud ROWE, 2009,

pp. 29-30).

Determinados estudiosos vêm usando e*piV toVn !Areion pavgon (At 17. 19) para

se referir a esse conselho, como defende T. D. Barnes: 1) o conselho tinha esse nome

pois seu lugar de encontro era a colina de Ares; 2) não há nenhuma evidência sólida

448

tovte oi& e*n th~/ *Ioudaiva/ feugevtwsan ei* taV o!rh kaiV oi& e*n mevsw/ au*th~ e*kcwreivtwsan kaiV oi&

e*n tai~ cwvrai mhV ei*sercevsqwsan ei* au*thV, ―Então, aqueles que (estiverem) na Judeia, fujam para

os montes, e os que (estiverem) no meio da cidade, afastem-se e os que (estiverem) nos campos, não

entrem nela‖ (Lc 21. 21).

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contra Haenchen, Cadbury e outros, de que o conselho havia deixado de se reunir nessa

colina. Aos que argumentam que a própria colina não era adequada ao tipo de reunião

que Lucas pressupõe, pode-se contra-argumentar, como muitos estudiosos já fizeram

(por exemplo, Dibelius) que a cordilheira abaixo do pico da montanha é suficientemente

espaçosa para que muitas pessoas possam aí se reunir. Além disso, as pessoas

supostamente presentes em At 17. 34449 não ocuparam, necessariamente, todo esse lugar

onde se deu o discurso do Aerópago (BARNES apud ROWE, 2009, p. 193).

Em suma, Nock afirma que Lucas pode não ter se dado conta os dois sentidos da

palavra Areópago (NOCK apud ROWE, 2009, p. 30), mas Barrett diz que Lucas pode

ter almejado dizer um e outro (monte e conselho), no entanto, se ele queria se referir

tanto ao monte quanto ao conselho, deveria ter feito isso explicitamente (BARRETT

apud ROWE, 2009, p. 30).

T.D. Barnes argumentou que o Areópago parece ter sido o governo efetivo da

Atenas Romana e também chefe da corte. Dessa forma, como o Senado Imperial em

Roma, ele poderia interferir em qualquer aspecto da vida corporativa (a educação,

palestras filosóficas, moral pública, cultos estrangeiros etc). Sua posição geral

constitucional permitiu que ele controlasse a religião tanto quanto as outras partes da

vida em Atenas (BARNES apud ROWE, 2009, pp. 30-31).

Por outro lado, Abel Pena atesta que:

O conselho do Areópago não era uma escola filosófica de estóicos

e epicuristas, nem uma ágora ou palestra grega, era o principal

órgão que, na época imperial, velava pela integridade do estado,

julgava os processos de magia e as causas de impiedade. Na

verdade, aos olhos do Areópago, Paulo não passava de mais um

spermológos450, um «fala-barato» a lançar sementes sobre os

novos demônios (xénon daimoníon), embora o seu discurso

monoteísta não soasse a delito religioso, uma vez que em Atenas

vigorava uma total liberdade de culto e de opinião e só os delitos

contra a ordem pública e os deuses tutelares eram punidos por lei

(PENA, 2012, p. 38).

449

tineV deV a!ndre kollhqevnte au*tw~/ e*pivsteusan, e*n oi% kaiV Dionuvsio o& *Areopagivth kaiV

gunhV o*novmati Davmari kaiV e@teroi su*n au*toi~. E, ainda, alguns homens, se associando a ele, creram,

entre os quais também Dionísio, o Areopagita, e uma mulher de nome Damaris e outros com eles (At 17.

34). 450

spermolovgo, ou (o&), ―charlatão‖ (RUSCONI, 2011, p. 423).

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Entrementes, convém acreditar que Paulo foi conduzido até o monte, por ser

esse um lugar elevado, para que a sua voz pudesse ser ouvida melhor451 do que na

ágora, em meio a muitas pessoas.

Rowe acredita que Lucas, ao escrever que Paulo foi ―agarrado‖ (e*pilambavnw) e

conduzido ao Areópago, situa o discurso de Paulo em um contexto político. O discurso

não é apenas um diálogo filosófico pacífico com seus oponentes curiosos. Trata-se, ao

contrário, de um recurso utilizado, para que o leitor entenda um momento no qual as

pregações cristãs, mais uma vez, chamam a atenção das autoridades governantes. Paulo

é associado a questões e acusações, em Atos 17. 19b-20,452 que lembram o julgamento

de Sócrates (ROWE, 2009, p. 31).

A propósito, estudiosos do Novo Testamento perceberam a conexão de Atos 17.

19b- 20 com as acusações contra Sócrates. Em Atos 17. 19b, usa-se dunavmeqa gnw~nai

tiv h& kainhV au@th h& u&poV sou~ laloumevnh didachv, ―Podemos saber que novo

ensinamento é esse que é dito por ti?‖. De acordo com Barrett, essa palavra é mais forte

que um pedido educado. De fato, dada a autoridade do Areópago, a frase,

provavelmente, é mais uma ordem ou uma declaração de intenção do que uma pergunta:

―temos o direito de saber ...‖. O verbo duvnamai, nessa leitura, estaria mais próximo de

significar ―aproveitar um direito legal‖, como em Atos 25.11453

.

Rowe destaca que uma leitura autoritária ou política de duvnamai, nesse contexto,

capta melhor a sua semântica (ROWE, 2009, p. 31). A expressão h& kainhV didachv,

―novo ensinamento‖ (At 17. 19) e o particípio neutro, plural xenivzonta, ―coisas

estranhas‖, soam como uma advertência: xenivzonta gavr tina ei*sfevrei ei* taV

a*koaV h&mw~n, ―Na verdade, trazes aos nossos ouvidos coisas estranhas‖ (At 17. 20),

desempenhando uma função importante no contexto do discurso paulino.

451

Opinião compartilhada também por Mckenzie no item 5.3.

452 19 b

(...) Dunavmeqa gnw~nai tiv h& kainhV au@th h& u&poV sou~ laloumevnh didachv; 20 xenivzonta gavr

tina ei*sfevrei ei* taV a*koaV h&mw~n: boulovmeqa ou^n gnw~nai tivna qevlei tau~ta ei^nai. (...)

‗Podemos saber que novo ensinamento é esse que é dito por ti? 20

Na verdade, trazes aos nossos ouvidos

coisas estranhas; por conseguinte, queremos saber o que vem a ser essas coisas‘ (At 17. 19b-20). 453

ei* meVn ou^n a*dikw~ kaiV a!xion qanavtou pevpracav ti, ou* paraitou~mai toV a*poqanei~n: ei* deV

ou*devn e*stin w%n ou%toi kathgorou~sivn mou, ou*deiv me duvnatai au*toi~ carivsasqai: Kaivsara

e*pikalou~mai. Por conseguinte, se sou injusto e fiz alguma coisa digna de morte, não me recuso a morrer

(= não recuso a morte), todavia, se nada há (nenhuma destas coisas), das quais estes me acusam, ninguém

pode me entregar a eles. Apelo a César‘ (At 25. 11). Isto é: ou*deiv me duvnatai au*toi~ carivsasqai

''ninguém tem o direito legal de me entregar a eles''. Em Bailly encontra-se duvnamai com um sentido de

―assegurar‖, ―consentir‖, ―permitir‖ (BAILLY, 2000, p 542).

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É bom lembrar que Sócrates foi levado a julgamento e recebeu a pena de morte

por introduzir ―novos‖, ―estranhos‖ deuses. Tanto Xenofonte quanto Platão estavam de

acordo sobre essa acusação. Xenofonte, por exemplo, começa sua ―Memorabilia‖

usando as palavras da acusação ateniense: a*dikei~ Swkravth ou$ meVn h& povli

nomivzei qeouV ou* nomivzwn, e@tera kainaV daimovnia ei*sfevrwn: a*dikei~ deV kaiV

touV nevou diafqeivrwn (XENOPHON. Memorabilia, 1.1.1), ―Sócrates é culpado,

por não considerar os deuses, nos quais a cidade acredita, introduzindo outras novas

divindades. Mas é culpado também por corromper os jovens‖.

E o historiador prossegue: o& d’ ou*deVn kainovteron ei*sevfere tw~n a!llwn, o@soi

mantikhV nomivzonte oi*wnoi~ te crw~ntai kaiV fhvmai kaiV sumbovloi kaiV

qusiva(XENOPHON. Memorabilia, 1.1.3), ―Sócrates não introduziu nada de mais

novo do que os outros, que acreditam tanto em adivinhações(s), augúrios quanto dão

oráculos, presságios e sacrifícios‖.

Na ―Apologia‖ de Platão, encontra-se a mesma acusação: 24 b Swkravth fhsiVn

a*dikei~n touV te nevou diafqeivronta kaiV qeouV ou# h& povli 24 c nomivzei ou*

nomivzonta, e@tera deV daimovnia kainav (PLATO. Apology, 24 b-c), ―Afirma-se que

Sócrates seja culpado tanto por corromper/ seduzir os jovens quanto por não considerar

os deuses, nos quais a cidade acredita, (introduzindo) outras novas divindades‖.

É bom citar o pesquisador Leão:

Tanto Platão como Xenofonte parecem indicar, de forma clara, que o

motivo próximo da acusação estava ligado, efectivamente, a uma visão

pouco abonatória da religião tradicional (ao não crer nos deuses da

cidade e ao defender a introdução de outros novos), bem como à

divulgação dessas ideias, em particular entre os jovens que auferiam do

seu magistério. Por conseguinte, o que está em causa, além do carácter

provocador do comportamento de Sócrates, é também e talvez

sobretudo o cultivo e expressão de uma ideologia religiosa

aparentemente contrária à visão ortodoxa (LEÃO, 2012, pp. 108-109).

Ressalte-se que não se tem evidências de que Lucas tenha lido Xenofonte ou

Platão, mas há uma similaridade de linguagem – xevnwn daimonivwn, ―divindades

estrangeiras‖ (At 17. 18), h& kainhV au@th h& ... didachv, ―novo ensinamento é esse‖:

xenivzonta, ―coisas estranhas‖, ei*sfevrei"trazes" (At 17. 19-20), xenoiv,

―estrangeiros‖, kainovteron, ―mais novo‖ (At 17. 21) – que sugere nada além de uma

tentativa consciente da parte de Lucas de recordar o julgamento de Sócrates junto aos

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259

seus auditores. Uma vez relembrada, a memória do julgamento se reflete com os textos

dos Atos para criar uma analogia entre a situação de Paulo com a de Sócrates. O leitor é

convidado a perceber, na acusação de Paulo, o potencial para a morte. Como Sócrates,

Paulo é acusado pelo conselho ateniense de introduzir novas deidades, no caso, Jesus e

a ressurreição (ROWE, 2009, p. 32)454.

A transição pela demanda do Areópago (At 17. 19-20) ao discurso de Paulo (At

17. 22-31) é dada por uma marcação que é, normalmente, usada para refletir sobre o

conhecimento de Lucas sobre outro aspecto familiar da reputação de Atenas: a

curiosidade dos cidadãos: *Aqhnai~oi ... pavnte kaiV oi& e*pidhmou~nte xevnoi ei*

ou*deVn e@teron hu*kaivroun h# levgein ti h# a*kouvein ti kainovteron, ―Ora, todos os

454

Diógenes Laércio escreve sobre a acusação de Stilpo, diante do conselho do Areópago, por negar que

a estátua da deusa Atená, feita pelo escultor Fídias em Atenas, fosse um qeov, ―deus‖: (...) “au@th dev ge,”

ei^pen, “ou*k e!sti Diov, a*llaV Feidivou:” sugcwroumevnou dev, “ou*k a!ra”, eipe, “qeov e*stin.” *Ef’

w%/ kaiV ei* *Areion pavgon prosklhqevnta mhV a*rnhvsasqai, favskein d’ o*rqw~ dieilevcqai: mhV gaVr

ei^nai au*thVn qeovn, a*llaV qeavn: qeouV deV ei^nai touV a!rrena. kaiV mevntoi touV a*reopagivta

eu*qevw au*toVn keleu~sai th~ povlew e*xelqei~n (DIOGENES LAERTIUS. Κεφ. ια᾽. ΣΤΙΛΠΩΝ, 2.

11.116. In: Lives of Eminent Philosophers). ―(...) Mas esta não é filha de Zeus, mas de Fídias. (...)

Assim, não é deus. Mediante isso, foi posto diante do tribunal, mas não se retratou. Ora, afirmou que

falava de modo verídico, pois ela não era deus, mas deusa; os deuses são os machos. E, seguramente, os

areopagitas ordenaram que ele saísse da cidade imediatamente‖. Diógenes Laercio comenta, ainda, que

Cleantes foi conduzido diante do conselho para prestar conta de como se sustentava: fasiV d’ au*toVn kaiV

ei* dikasthvrion a*cqh~nai, lovgou dwvsonta povqen e* tosou~ton eu*evkth w#n diazh~/. (DIOGENES

LAERTIUS. Κεφ. ε᾽. ΚΛΕΑΝΘΗΣ 7.5.168-169 In: Lives of Eminent Philosophers), Dizem que ele

foi conduzido ao tribunal, para que se pronunciasse por quai(s) meio(s) se sustentava por estar em tão boa

condição‖. O terceiro episódio de Eumênides oferece explicações a respeito de alguns fatos ocorridos que

acarretaram na fundação mítica do tribunal do Areópago. Assim, os gregos antigos acreditavam que o

Areópago possuía uma fundação divina. Na verdade, Palas foi quem presidiu a ―primeira sessão do

conselho no Areópago‖. A propósito, a deusa Atena, que era considerada a guardiã da cidade, foi quem

havia escolhido os seus primeiros juízes, que eram os melhores cidadãos, para compor o famoso tribunal.

A deusa, assim, instituira o tribunal no Areópago (AESCHYLUS. Eumenides, vv. 397-489). O motivo

para a sua formação foi para julgar Orestes pelo crime de matricídio e finalizar, desse modo, a contenda

existente entre Apolo e as Erínias. Na trilogia esquiliana (A Oréstia), há a história da família dos Átridas.

Assim, foi diante desse tribunal que Orestes, o filho que vingara o sangue do pai, defendeu-se diante de

um júri constituído por homens e por deuses. Convém destacar que o filho de Clitmnestra e de

Agamêmnon estava sendo julgado, pois entre mãe e filho havia um vínculo de consanguinidade, o que fez

com que atraísse a fúria das Erínias (AESCHYLUS. Eumenides, vv. 605-8). O deus Apolo foi a

testemunha de defesa de Orestes; As Erínias, por sua vez, iniciam o interrogatório ao acusado: 585

pollaiV mevn e*smen, levxomen deV suntovmw 586 e!po d’ a*meivbou proV e!po e*n mevrei tiqeiv

(AESCHYLUS. Eumenides, vv. 585-6). 585 Somos muitas, mas falaremos em poucas palavras, 586

responde palavra por palavra, colocando-as em parte. É mister destacar quatro etapas dessa interrogação:

1) thVn mhtevr’ ei*peV prw~ton ei* katevktona ―Fale, em primeiro lugar, se mataste a sua mãe‖ (ibidem,

v. 587); 2) ei*pei~n ge mevntoi dei~ s’ o@pw katevktane, ―Seguramente, é preciso dizer de que modo tu a

mataste‖ (ibidem, v. 591); 3) proV tou~ d’ e*peivsqh kaiV tivno bouleuvmasin; ―Por quem fostes

persuadido e de quem foi a decisão?‖ (ibidem, v. 593); 4) o& mavnti e*xhgei~tov soi mhtroktonei~n; ―O

oráculo te ordenou a matar a sua mãe?‖ (ibidem, v. 595). Após muito debate, Palas dá início à votação da

justa sentença (AESCHYLUS. Eumenides, vv. 674-5); havia duas urnas para que os juízes depositassem

seus votos contra em uma e a favor em outra. Não obstante, a votação ficou empatada, mas, de acordo

com a regra feita por Palas, resultou na absolvição de Orestes (AESCHYLUS. Eumenides, vv. 753-4).

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260

atenienses e os habitantes estrangeiros tinham como passatempo nenhuma outra coisa (a

não ser) falar ou ouvir algo mais novo‖ (At 17. 21).

No entanto, dizer que o versículo 21 fala da curiosidade ateniense em um

―sentido não pejorativo‖ é não perceber a crítica inteligente e bem colocada de Lucas

(ROWE, 2009, p. 32).

Pode-se dizer que o motivo de conduzir Paulo ao Areópago foi para saber se ele,

de fato, estaria introduzindo novas divindades (At 17.19-20).

Com o seu cuidadoso uso de xevnoi, ―estrangeiros‖, e kainovteron, ―mais novo‖,

Lucas acrescenta um tom de ironia, no qual leitores atentos podem reconhecer a

hipocrisia ateniense: o conselho está preparado para ameaçar Paulo com a acusação de

trazer kainav / xevna daimovnia, ―novas, estrangeiras divindades‖, mas são os próprios

atenienses que admitem os xevnoi, ―estrangeiros‖, em sua cidade e, junto com eles,

passam o tempo falando e ouvindo algo kainovteron, ―mais novo‖. A força do

comparativo aqui não deveria ser desprezada, pois Lucas poderia, simplesmente, ter

escrito o adjetivo no grau positivo kainov, ―novo‖. Ao contrário, kainovteron tem um

referente específico com o qual deve ser comparado: a pregação de Paulo (ROWE,

2009, pp. 32-33).

Deve-se lembrar que a acusação e a prisão que Paulo e Silas tiveram em Filipos

sugere um exemplo de a*sevbeia455, isto é, de ―impiedade religiosa‖456, após Paulo ter

―exorcizado‖ uma escrava detentora de ―dons adivinhatórios‖ (At 16.16-18)457.

455

Normalmente, costuma-se traduzir a*sevbeia por ―impiedade‖ (BAILLY, 2000, p. 285; RUSCONI,

2011, p. 81; SCHOLZ, 2007, p. 794) ou ―maldade‖ (SCHOLZ, 2009, p. 794). 456

Aristóteles coloca a a*sevbeia, a ―impiedade‖, a pleonexiva, a ―avidez‖ e a u@bri, a ―insolência‖

dentro da esfera da a*dikiva, ―comportamento incorreto‖, ―da injustiça‖ e oferece mais detalhes a respeito

desses três vocábulos, conforme o excerto subscrito: a*dikiva d’ e*stiVn ei!dh triva, a*sevbeia pleonexiva

u@bri, a*sevbeia meVn h& periV qeouV plhmmevleia kaiV periV daivmona h# kaiV periV touV

katoicomevnou, kaiV periV gonei~ kaiV periV patrivda: pleonexiva deV periV taV sumbovlaia, paraV thVn

a*xivan ai&roumevnh toV diavforon: u@bri dev, kaq’ h$n taV h&donaV au*toi~ paraskeuavzousin, ei*

o!neido a*gagovnte e*tevrou (...). e!sti deV th~ a*dikiva toV parabaivnein taV pavtria e!qh kaiV taV

novmina, kaiV toV a*peiei~n toi~ novmoi kaiV toi~ a!rcousi, toV yeuvdesqai, toV e*piorkei~n, toV

parabaivnein taV o&mologiva kaiV taV pisvtei. Há três formas de comportamento incorrecto (adikia): a

impiedade (asebeia), a avidez (pleonexia) e a insolência (hybris). A impiedade (asebeia) consiste em ter

um mau procedimento para com os deuses (theoi) e génios divinos (daimones), para com os mortos, os

pais e a pátria; a avidez (pleonexia) consiste em desrespeitar os contratos (symbolaia), tomando em

disputa o que é contrário ao merecimento; a insolência (hybris) consiste na conduta que leva a buscar o

próprio prazer à custa da desgraça alheia. […] É portanto característico do comportamento incorrecto

(adikia) desrespeitar os costumes e preceitos ancestrais (ta patria ethe kai ta nomima), desobedecer às leis

(nomoi) e aos governantes (archontes), enganar, cometer perjúrio, desrespeitar os acordos (homologiai) e

as garantias dadas (pisteis)456

(ARISTÓTELES. Sobre as Virtudes e os Vícios 1251 a 30-1251 b 2 apud

LEÃO, 2012, pp. 104-105).

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O relato dos Atos informa ainda que, quando os senhores da escrava perceberam

que o lucro que ela lhes dava estava na iminência de desaparecer, se apoderaram de

Paulo e de Silas e os conduziram à presença dos strathgoiv, ―magistrados‖, na ágora

(At 16. 19) e disseram:

20 ou%toi oi& a!nqrwpoi e*ktaravssousin h&mw~n thVn povlin, 21

*Ioudai~oi u&pavrconte, kaiV kataggevllousin e!qh a$ ou*k e!xestin

h&mi~n paradevcestai ou*deV poiei~n &Rwmaivoi ousin.

20 Estes homens, sendo judeus, alvoroçam a nossa cidade, 21

proclamando costumes, os quais não nos é permitido aceitar nem

praticar, pois somos romanos (At 16. 20-21).

Em Corinto, Paulo foi, mais uma vez, conduzido ao tribunal, dessa vez, pelos

judeus. Infere-se que, quando os judeus acusaram a Paulo de persuadir os homens a

adorarem a uma divindade de modo contrário à lei, na verdade, essa frase indica que os

judeus estavam se queixando de que o apóstolo ensinava os homens a praticarem, de

modo incorreto, os rituais religiosos da religião judaica. Dignos de nota são os

versículos subscritos:

12 Gallivwno deV a*nqupavtou o!nto th~ *Acaia katepevsthsan oi& *Ioudai~oi o&moqumadoVn tw~/ Pauvlw/ kaiV h!gagon au*toVn e*piV toV

bh~ma 13 levgonte o@ti paraV toVn novmon a*napeivqei outo touV

a*nqrwvpou sevbesqai toVn qeovn. 12 Quando Galião era procônsul da Acaia, os judeus se levantaram

contra Paulo de comum acordo e o conduziram ao tribunal, 13 dizendo:

Este persuade os homens a prestarem culto (sevbesqai) a Deus de

modo contrário à lei (At 18. 12-13)458

.

457

16 Egevneto deV poreuomevnwn h&mw~n ei* thVn proseuchVn paidivskhn tinaV e!cousan pneu~ma

puvqwna u&panth~sai h&mi~n, h@ti e*rgasivan pollhVn parei~cen toi~ kurivoi au*th~ manteuomevnh. 17

au@th katakolouqou~a tw~/ Pauvlw/ kaiV h&mi~n e!krazen levgousa, Ou%toi oi& a!nqrwpoi dou~loi tou~

qeou~ tou~ u&yivstou ei*sivn, oi@tines kataggevllousin u&mi~n o&doVn swthriva. 18 tou~to deV e*poivei e*piV

pollaVs h&mevra. DiaponhqeiV deV Pau~lo kaiV e*pistrevya tw~/ pneuvmati ei^pen, Paraggevllw soi

e*n o*novmati *Ihsou~ Cristou~ e*xelqei~n a*p’ au*th~: kaiV e*xh~lqen au*th~/ th~/ w@ra/. 16 Ora, aconteceu

que caminhando nós para o (lugar) de oração, uma jovem escrava, que possuía um espírito adivinhatório,

veio em nossa direção, a qual concedia grande lucro aos seus senhores, adivinhando. 17 Esta, seguindo a

Paulo e a nós, bradava, dizendo: Estes homes são servos do Deus Altíssimo, ao quais vos proclamam o

caminho da salvação. 18 Ora, fazia isto por muitos dias. Mas Paulo ficou irritado e, retornando, disse ao

espírito: Te ordeno em o nome de Jesus Cristo que saias dela; e saiu na mesma hora (At 16. 16-18). Pode-

se dizer que Lucas, ao empregar o termo pneu~ma puvqwna tenha tido em mente, talvez, a atuação religiosa

da Pítia, sacerdotisa do deus Apolo, no santuário de Delfos. 458

Conforme foi relatado no item 5.3 A Localização Temporal e Espacial dos Discursos Paulinos,

quando Paulo iria se defender, é impedido pelo procurador, pois já que era uma questão periV lovgou kaiV

o*nomavtwn kaiV novmou (...), ―de palavra, de nomes e da lei (dos judeus),‖ (At 18. 15); na verdade, quem

teria de cuidar disso eram os judeus, pois ele não queria ser krithV e*gwV touvtwn, ―juiz dessas coisas‖

(At 18. 15) e expulsa a todos do tribunal.

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Tem-se, então, dois episódios em que Paulo é conduzido a um tribunal tanto por

gentios quanto por judeus, onde a questão da a*sevbeia está, implicitamente, presente.

Quanto à relação entre a ―mensagem cristã‖ e a a*sevbeia, Delfim Leão traz a

lume o seguinte relato:

A mensagem evangélica possuía, por conseguinte, alguns dos elementos

que poderiam resgatar da poalha dos tempos a reminiscência das antigas

acusações de asebeia. (...) Ainda assim, a motivação apontada por

Lucas afigura-se bastante convincente. Com efeito, ao longo dos Actos

dos Apóstolos fica bem patente que a prática da adivinhação era um

negócio que envolvia bastantes recursos (e.g. 19.19), de maneira que o

móbil dos donos terá sido a perda de uma importante fonte de

rendimento, decorrente da danificação do principal atributo que

distinguia a escrava. Quanto à natureza da acusação formal, faz

recordar, de maneira bastante próxima, o crime de asébeia evocado na

secção anterior: perturbar a ordem da cidade (significativamente, usa-se

o termo típico para designar a cidade-estado ou pólis) e visar a

introdução de costumes (éthe) cuja prática era vedada aos locais

(LEÃO, 2012, pp. 110-111).

É bom lembrar um excerto do discurso de Paulo no Areópago de Atenas, onde

Paulo faz referência à devoção (deisidaimonestevrouaos objetos de culto (taV

sebavsmata) e à adoração (eu*sebei~te) dos atenienses ao ―Deus Desconhecido‖ (At 17.

22-23). Desse modo, convém citar, mais uma vez, Delfim Leão:

Curiosamente, o trabalho de Paulo havia de encontrar maior

compreensão em Atenas, a mesma cidade onde, cerca de cinco séculos

antes, a população havia movido vários processos de asébeia contra

figuras ilustres de filósofos e notáveis comunicadores. Isso verifica-se

na altura em que ele profere o famoso discurso diante do Areópago,

onde simbolicamente o apóstolo de Cristo quase parece absolver, de

forma implícita, os Atenienses pela morte de Sócrates, salientando

agora a «piedade» ou eusébeia que tão singularmente os distingue

(17.22-23). (...) Por outras palavras: como resposta à acusação implícita

de que a sua actividade missionária era uma forma de asébeia, Paulo

vem esclarecer, junto de um auditório que estaria bem familiarizado

com esse conceito de impiedade religiosa, que o objecto da sua

pregação é, bem pelo contrário, a manifestação da verdadeira eusébeia

— a mesma aliás que os Atenienses já veneravam, de forma

inconsciente, ao dedicarem um altar ―Ao deus desconhecido‖ (LEÃO,

2012, pp. 112-113).

A propósito, Jaeger considera a visita do apóstolo a Atenas, um centro

intelectual e cultural do mundo grego clássico, como sendo um momento decisivo no

encontro entre gregos e cristãos: ―Pode ser que Lucas tinha a intenção de dramatizar por

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meio desse acontecimento a luta intelectual entre o cristianismo e o mundo clássico‖

(JAEGER, 1965, p. 23).

A kérygma cristã falava da ignorância dos homens, prometia dar-lhes

um conhecimento melhor e, como todas as filosofias, fazia referência a

um mestre que possuía e revelava a verdade. Esta situação paralela entre

os filósofos gregos e os missionários cristãos levou a estes últimos a

aproveitá-la em seu favor (JAEGER, 1965, p. 21).

- Comentários

Nesta parte do trabalho, far-se-á observações a respeito do discurso paulino no

Areópago de Atenas, tomando, por referências, as fases da elaboração de um discurso,

diga-se:

1) Inventio:

Possivelmente, cinco foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo selecionou

e utilizou para constituir o qevma, a ―matéria‖, de seu discurso no Areópago de Atenas:

a) Os objetos de culto dos atenienses (At 17. 23);

b) A apresentação do *Agnwvstw/ qew~/, ―Deus Desconhecido‖ (At 17. 23-27);

c) Excertos de versos de poetas gregos (At 17. 28);

d) A imagem errada que o ser humano tem da Divindade e o que esse espera de sua

criação (At 17. 29-30);

e) Referência indireta a Jesus Nazareno e à sua ressurreição (At 17. 31).

2) Dispositio:

Assim é que o apóstolo organiza os elementos da inventio do seguinte modo:

a) O Proêmio (toV prooivmion):

22 !Andre *Aqhnai~oi, kataV pavnta w& deisidaimonestevrouu&ma~ qewrw~

22Ó varões Atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos como extremamente

religiosos.

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b) A Narração (h& dihvghsi:

23 diercovmeno gaVr kaiV a*naqewrw~n taV sebavsmata u&mw~n eu%ron kaiV bwmoVn e*n w%/

e*pegevgrapto, *Agnwvstw/ qew~/. o$ oun a*gnoou~nte eu*sebei~te, tou~to e*gwV

kataggevllw u&mi~n. 24 o& qeoV o& poihvsa toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/,

ou%to ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn kuvrio ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~ katoikei~

25 ou*deV u&poV ceirw~n a*nqrwpivnwn qerapeuvetai prosdeovmenov tino, au*toV

didouV pa~si zwhVn kaiV pnohVn kaiV taV pavnta: 26 e*poivhsevn te e*x e&noV pa~n e!qno

a*nqrwvpwn katoikei~n e*piV pantoV proswvpou th~ gh~, o&rivsa prostetagmevnou

kairouV kaiV taV o&roqesiva th~ katoikiva au*tw~n 27 zhtei~n toVn qeovn, ei* a!ra

ge yhlafhvseian au*toVn kaiV eu@roien, kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta.

28 *En au*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, w& kaiv tine tw~n kaq’

u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin,

Tou~ gaVr kaiV gevno e*smevn.

29 gevno oun u&pavrconte tou~ qeou~ ou*k o*feivlomen nomivzein crusw~/ h# a*rguvrw/ h#

livqw/, caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, toV qei~on ei^nai o@moion. 30

touV meVn oun crovnou th~ a*gnoiva u&peridwVn o& qeov, taV nu~n paraggevllei toi~

a*nqrwvpoi pavnta pantacou~ metanoei~n, 31 kaqovti e!sthsen h&mevran e*n h%/ mevllei krivnein thVn oi*koumevnhn e*n dikaiosuvnh/, e*n a*ndriV w%/ w@risen, pivstin

parascwVn pa~sin a*nasthvsa au*toVn e*k nekrw~n.

32 *Akouvsante deV a*navstasin nekrw~n oi& meVn e*cleuvazon, oi& deV ei^pan,

*Akousovmeqav sou periV touvtou kaiV pavlin. 33 ou@tw o& Pau~lo e*xh~lqen e*k mevsou

au*tw~n. 34 tineV deV a!ndre kollhqevnte au*tw~/ e*pivsteusan, e*n oi% kaiV

Dionuvsio o& *Areopagivth kaiV gunhV o*novmati Davmari kaiV e@teroi su*n au*toi~.

22 Então, Paulo, estando de pé, no meio do Areópago, dizia: ―Ó varões Atenienses, de

acordo com todas as coisas, vejo-vos como extremamente religiosos. 23 Pois, passando

e observando atentamente os vossos objetos de culto, encontrei também um altar, no

qual estava escrito: ―Ao Deus Desconhecido‖. Por conseguinte, aquilo que, não

conhecendo, adorais, isto eu anuncio a vós. 24 O Deus que criou o Universo e todas as

coisas (existentes) nele, esse, sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos

feitos por mãos humanas, 25 nem mesmo é servido por mãos típicas de homens, (como

que) necessitando de alguma coisa. Dando ele a todos vida terrena e fôlego e todas as

coisas. 26 E fez de um toda a raça de seres humanos para habitar sobre toda a face da

terra; determinando tempos oportunos estabelecidos e os limites assinalados da

habitação deles, 27 para buscarem a Deus, se porventura, pudessem tocá-lo e

encontrassem, se bem que não esteja distante de cada um de nós.

28 De fato, nele, vivemos e nos movemos e existimos, como também alguns dentre

os vossos poetas falaram:

Também, com efeito, somos descendência dele.

29 Por conseguinte, sendo descendência de Deus, não devemos pensar que a divindade

seja semelhante à imagem de ouro ou a objeto de prata ou de pedra trabalhada, imagem

de arte gravada e imaginação de ser humano. 30 Sem dúvida alguma, Deus, não levando

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em conta os tempos da ignorância, anuncia, agora, todas as coisas aos seres humanos

em todas as partes, para que se arrependam, 31 visto que estabeleceu um dia no qual vai

julgar toda a terra habitada com justiça por meio de um varão, o qual designou, após ter

dado garantia a todos, ressuscitou-o dos mortos.

3) Elocutio:

22 !Andre *Aqhnai~oi, kataV pavnta w& deisidaimonestevrouu&ma~

qewrw~

22Ó varões Atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos como

extremamente religiosos.

Atesta-se, nesse discurso, mais uma vez, o emprego de uma expressão em

vocativo - !Andre *Aqhnai~oi, ―Ó varões atenienses‖, para assinalar a interpelação

direta, qualificando o orador o público específico a quem se dirige.

Após a invocação, segue-se a partícula w&, aqui traduzida por ―como‖,

antecedendo e acentuando a forma do comparativo do adjetivo deisidaivmwn: w&

deisidaimonestevrou"extremamente religiosos", ou ainda, ―muito religiosos‖ ou

―religiosos demais‖.

Convém mencionar o anacoluto459 na sentença: !Andre *Aqhnai~oi, kataV

pavnta (...)u&ma~ qewrw~―Ó varões Atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos

(...)‖ (vers. 22). O complemento circunstancial kataV pavnta, ―de acordo com todas as

coisas‖, formada pela preposição katav, ―conforme, de acordo com‖, seguida do

adjetivo neutro plural, em sua forma de acusativo, pavnta, ―todas as coisas‖, expressa a

amplitude da opinião de Paulo em relação à devoção de seu público aos deuses gregos.

Já a expressão u&ma~ qewrw~, ―vejo-vos‖, diz respeito tanto ao público ateniense,

por meio do pronome pessoal (u&ma~ em acusativo, plural, quanto para Paulo,

destacando-se o emprego da forma verbal (qewrw~) de primeira pessoa do singular do

presente ativo do indicativo do verbo qewrevw, um verbo denominativo do substantivo

qewrov, ―espectador‖, cujos significados são importantes em seus variados matizes:

―sou espectador, vejo, olho, observo, contemplo‖ (RUSCONI, 2011, p. 226;

CHANTRAINE, 1970, p. 433). Vine atesta que qewrevw é utilizado para fazer referência

a alguém que olha uma determinada coisa com interesse e também com um propósito,

indicando, então, uma observação minuciosa dos detalhes (VINE, 2002, p. 502), de

459

De acordo com nota de nº 356, cf pág. 199.

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266

acordo com: w& deisidaimonestevrou(vers. 22). É bom lembrar a ação verbal linear,

durativa de qewrw~.

Essa sentença !Andre *Aqhnai~oi, kataV pavnta u&ma~ qewrw~, “Ó varões

Atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos (...)‖, constitui a oração

subordinante da sentença subsequente que é uma oração subordinada adverbial

comparativa, marcando a hipotaxe explícita em w& deisidaimonestevrou"como

extremamente religiosos‖.

Essa oração se inicia pela conjunção comparativa w&, "como" seguido do

adjetivo no grau comparativo deisidaimonestevrou ―muito temente‖, ―extremamente

religiosos, muito religioso‖ (SCHOLZ, 2007, p. 810). Podem-se extrair algumas

informações dessa comparação: 1. Comparado: u&ma~, ―vos‖; 2. Comparante:

deisidaimonestevrou, ―extremamente religiosos‖; 3. Termo Comparativo: w& (como);

4. Ponto de Comparação: A devoção dos atenienses aos deuses do Panteão Helênico.

Destacam-se determinados procedimentos retóricos utilizados por Paulo neste

discurso como, por exemplo, a comparação460 que é empregada para reforçar a ideia de

um julgamento, de um parecer.

Rowe destaca que Atos 17. 22 é visto por estudiosos modernos como um

exemplo excelente de captatio benevolentiae com o qual oradores antigos abriam os

seus discursos. O destaque vai para o adjetivo no grau comparativo

deisidaimonestevrou ―extremamente religiosos‖. Nessa leitura, Lucas demonstra,

novamente, sua consciência sobre Atenas e coloca em boa forma retórica. Assim, Paulo

tenta elogiar a sua audiência e ganhar a sua eu!noia, ―boa vontade‖ (ROWE, 2009, p.

33).

De modo inverso, outros estudiosos notam, claramente, o senso pejorativo que

deisidaivmwn pode levar no mundo antigo e interpretam a sentença não como um

procedimento retórico, mas como uma crítica de Paulo ao politeísmo ateniense. Esta

leitura aponta para os Atos 17.16461, onde Lucas, explicitamente, declara que Paulo

460

De acordo com nota de nº 371, cf pág. 204. 461

*En deV tai~ *Aqhvnai e*kdecomevnou au*touV tou~ Pau~lou parwxuvneto toV pnau~ma au*tou~ e*n

au*tw~/ qewrou~nto kateivdwlon ou^san thVn povlin. Ora, em Atenas, Paulo estava esperando por eles; o

seu espírito se revoltava, vendo a cidade cheia de ídolos (At 17. 16).

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267

estava revoltado por causa da ―idolatria‖ da cidade e, em Atos 17. 30

462, Paulo

caracteriza a ―idolatria‖ ateniense como a!gnoia463 (At 17. 23) (ROWE, 2009, p. 33).

Entrementes. eliminar a ambiguidade de deisidaimonevstero é eliminar a

ironia dramática na primeira sentença do discurso de Paulo (ROWE, 2009, p. 34).

Depois de uma sucessão de formas verbais no tempo presente (vers. 22),

consequentemente de aspecto durativo, tem-se uma forma verbal no aoristo, eu%ron,

―encontrei‖ (vers. 23), destacando-se, aqui, o aspecto pontual. Em seguida, vem a forma

verbal e*pegevgrapto, ―estava escrito‖, no pretérito perfeito, que expressa uma ação

acabada (vers. 23).

Novamente, atesta-se o emprego de formas verbais (de aspecto durativo) no

presente - eu*sebei~te, ―adorais‖; kataggevllw, e o particípio presente a*gnoou~nte,

"desconhecendo" (vers. 23), particípio predicativo do sujeito, numa referência aos

atenienses.

Tem-se a utilização da conjunção explicativa gavr, ―pois‖, para Paulo passar de

um tópico da argumentação a outro e dar início à explicação do porquê do seu elogio. A

propósito, inicia-se, aqui, a narração propriamente dita:

23 diercovmeno gaVr kaiV a*naqewrw~n taV sebavsmata u&mw~n eu%ron

kaiV bwmoVn e*n w%/ e*pegevgrapto, *Agnwvstw/ qew~/. o$ oun a*gnoou~nte eu*sebei~te, tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n.

23 Pois, passando e observando atentamente os vossos objetos de culto,

encontrei também um altar, no qual estava escrito: ―Ao Deus

Desconhecido‖. Por conseguinte, aquilo que, não conhecendo, adorais,

isto eu anuncio a vós.

A conjunção pospositiva explicativa gavr assinala a sentença coordenada

sindética explicativa: gaVr (...) eu%ron kaiV bwmovn, ―pois encontrei também um altar‖,

onde a conjunção kaiv, ―também‖, em seu sentido adverbial, enfatiza o substantivo

bwmovn, ―altar‖.

Intercalada a essa oração, há orações reduzidas de particípio presente que são

coordenadas entre si pela conjunção kaiv: diercovmeno (...) kaiV a*naqewrw~n taV

sebavsmata u&mw~n, ―passando e observando atentamente os vossos objetos de culto‖. O

462

touV meVn ou^n crovnou th~ a*gnoiva u&peridwVn o& qeov, taV nu~n paraggevllei toi~ a*nqrwvpoi

pavnta pantacou~ metanoei~n. Sem dúvida alguma, Deus, não levando em conta os tempos da

ignorância, anuncia, agora, todas as coisas aos seres humanos em todas as partes, para que se arrependam

(At 17. 30). 463 Que será comentada mais adiante.

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pronome pessoal em genitivo plural, com nuance de posse, u&mw~n destaca a função

conativa.

Os particípios no presente, diercovmeno, ―passando‖, e a*naqewrw~n,

―observando atentamente‖, são predicativos do sujeito de qewrw~ (vers. 22), que dizem

respeito ao apóstolo Paulo. O verbo a*naqewrevw464 possui significados interessantes:

―observar, olhar‖ (SCHOLZ, 2007, p. 776), ―ver, observar cuidadosamente, considerar

bem‖, ―observar atentamente, considerar‖ (RUSCONI, 2011, p. 42), ―considerar de

novo, a fundo‖ (BAILLY, 2000, p. 122). Assim sendo, Paulo foi muito preciso,

detalhista, ao dizer o que ele estava observando: taV sebavsmata, ―os objetos de culto‖,

―lugar de culto, santuário‖465

, ―objeto de adoração quer ao verdadeiro Deus ou aos

ídolos‖ (VINE, 2002, p. 375). Ora, taV sebavsmata é o complemento verbal dos

particípios diercovmeno (...) kaiV a*naqewrw~n ―passando e observando‖.

O enunciado explicativo: gaVr (...) eu%ron kaiV bwmovn, ―pois encontrei também

um altar‖ é a oração principal da oração subordinada adjetiva, iniciada pela preposição

em dativo-locativo e*n que rege o pronome relativo, em dativo-locativo, assinalando o

lugar ―onde‖: e*n w%/ e*pegevgrapto, ―no qual estava escrito‖. O antecedente do pronome

relativo masculino, singular, em dativo-locativo, é bwmovn, ―lugar elevado, altar‖ 466. A

propósito, essa oração adjetiva, marca a hipotaxe explícita, por meio do pronome

relativo w%/.

É bom lembrar que encontra-se também referência a esse Deus ―sem nome‖,

quer dizer a!gnwsto, ―desconhecido‖ em outros autores (DIOGENES

LAERTIUS, Lives of Eminent Philosophers 1. 110); TERTULLIAN. Contre

Marcion, I. 9; PAUSANIAS. Description of Greece I.1.4; V.14.8; FLAVIUS

PHILOSTRATUS. The Life of Apollonius VI, 3).

Na verdade, o altar do ―Deus Desconhecido‖ possuía uma história que tanto

Paulo quanto os filósofos bem sabiam. Acredita-se que Epimênides, poeta e profeta

cretense, havia estado em Atenas (595 a.C.). Assim é que o historiador Diógenes

Laércio (século III d.C.) oferece o seguinte testemunho:

464

Composição verbal: a*nav, prefixo intensivo com uma ideia de ―movimento para cima‖ + qewrevw,

―vejo‖ (dentre outros significados). 465

Esse último significado, acredita Scholz, talvez seja o mais apropriado para esse contexto (SCHOLZ,

2007, p. 938). 466

A propósito, sempre denota ―altar pagão‖ ou ―altar‖. No Novo Testamento, o vocábulo só é

empregado em Atos 17. 23 (VINE, 2002, p. 390).

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269

Tovte kaiV *Aqhnaivoi tovte loimw~/ katecomevnoi e!crhsen h& Puqiva kaqh~rai thVn povlin: oi& deV pevmpousi nau~n te kaiV Nikivan toVn

Nikhravtou ei* Krhvthn, kalou~nte toVn *Epimenivdhn. kaiV o$ e*lqwVn *Olumpiavdi tessarakosth~/ e@k th~/ e*kavqhren au*tw~n thVn povlin kaiV e!pause toVn loimoVn tou~ton toVn trovpon. labwVn

provbata mevlanav te kaiV leukaV h!gage proV toVn !Areion pavgon:

ka*kei~ ei!asen i*evnai oi% bouvlointo, prostavxa toi~ a*kolouvqoi e!nqa a*nkataklivnoi au*tw~n tw~/ e@kaston, quvein tw~/ proshvkonti qew~/: kaiV ou@tw lh~xai toV kakovn. o@qen e!ti kaiV nu~n e!stin eu&rei~n

kataV touV dhvmou tw~n *Aqhnaivwi bwmouV a*nwnuvmou, u&povmnhma

th~ tovte genomevnh e*xilavsew (DIOGENES LAERTIUS. Lives of

Eminent Philosophers 1. 110).

Quando os atenienses foram atacados por uma peste, a Pitonisa ordenou

que a cidade fosse purificada. Enviaram um navio (sob o comando de)

Nícias, o filho de Nicerato, para Creta, para chamarem a Epimênides. E,

vindo na 46ª Olimpíada, purificou a cidade e cessou a peste do seguinte

modo: Tomando ovelhas tanto negras quanto brancas, conduziu-as em

direção ao Areópago, e ali as deixou para onde desejassem ir,

ordenando àqueles que as acompanhavam que o local onde cada uma

delas deitasse fosse oferecido sacrifícios ao deus mais próximo. E, desse

modo, o mal cessou. Desde então, agora, se encontram pela região dos

Atenienses altares sem nomes (como um) memorial pela propiciação

feita.

Possivelmente, foi algum desses altares ao ―Deus Desconhecido‖ que Paulo viu.

Tertuliano, assim, ratifica a existência de altares aos "deuses desconhecidos":

Persuade deum ignotum esse potuisse. Invenio plane ignotis deis qras

prostitutas, sed Attica idolatria (...)

Convença-me que tenha existido um deus desconhecido. De fato, sei

que há altares que foram oferecidos a esses deuses, que é idolatria de

Atenas (...) (TERTULLIAN. Adversus Marcionem 1. 9).

Eis o testemunho de Pausânias com citações de altares às divindades

desconhecidas em Atenas e em Olímpia

*Entau~qa kaiV Skiravdo *Aqhna~ naov e*sti kaiV DioV

a*pwtevrw, bwmoiV deV qew~n te o*nomazomevnwn *Agnwvstwn kaiV

h&rwvwn (...).

Ali, há um templo de Atenas Sciras e um (templo) mais longe de Zeus e

altares dos deuses denominados de desconhecidos e altares de heróis

(...) (PAUSANIAS. Description of Greece I.1.4).

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taV deV e* toVn mevgan bwmoVn o*livgw/ mevn ti h&mi~n provterovn e*stin

ei*rhmevna, kalei~tai deV *Olumpivou Diov: proV autw~/ dev e*stin

!Agnwvstwn qew~n bwmoV kaiV metaV tou~ton Kaqarsivou DioV kaiV

Nivkh kaiV auqi DioV e*pwnumivan Cqonivou. ei*siV deV kaiV qew~n

pavntwn bwmoiV kaiV @Hra e*pivklhsin *Olumpiva, pepoihmevno

tevfra kaiV ou%to: Klumevnou dev au*toVn a*navqhma ei^nai.

As coisas antes ditas por mim um pouco a respeito do grande altar

denominado de Zeus Olímpico, há um altar dos deuses desconhecidos

em frente a ele e, após esse, um (altar) de Zeus Purificador e da Vitória

e do outro lado um (altar) a Zeus, denominado de subterrâneo. Há

(ainda) altares de todos os deuses e de Hera denominada Olímpica

(PAUSANIAS. Description of Greece V.14.8).

Agora, considere-se o testemunho de Lúcio Flávio Filostrato (170-247 d.C.):

swfronevsteron gaVr toV periV pavntwn qew~n eulegein kaiV tau~ta

*Aqhvnhsin, ou% kaiV a*gnwvstwn daimovnwn bwmoiV i@druntai.

De fato, é mais sensato louvar a todos os deuses; e estas coisas (são

praticadas) em Atenas, onde também altares foram construídos aos

deuses desconhecidos (FLAVIUS PHILOSTRATUS. The Life of

Apollonius VI.3).

Kitto informa que, mesmo na época clássica, os poetas parecem inventar novos

deuses, tais como, a Esperança, o Medo e outros conceitos que podem ser elevados a

deuses, sabe-se que Paulo considerou os atenienses ―muito tementes a deus‖, mas esse

temor compreendia uma multiplicidade de deuses. Ao que tudo indica, tanto os gregos

antigos quanto outros povos antigos pensaram a mesma coisa a respeito dos deuses,

uma vez que tinham a concepção de que a vida deles estava sujeita a poderes externos

que eram incapazes de dominar, e a esses poderes denominaram de qeoiv, deuses. A

todos os deuses deviam-se oferecer sacrifícios, uma vez que quaisquer irregularidades

poderiam irritá-los. É bem verdade que, para os sacrifícios, o homem deveria se

submeter à purificação. Uma religião politeísta como a dos gregos é hospitaleira para

novos deuses, e os gregos que se instalassem em outro local continuariam venerando as

suas divindades e também as já existentes na região (KITTO, 1980, pp. 323-329).

Convém mencionar também as palavras de Mossé quanto à religiosidade dos

gregos:

A religião tinha um papel importante na vida dos gregos. Politeista,

exibia um panteão formado ao longo dos séculos posteriores à

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instalação dos gregos na península. O deciframento das plaquetas de

barro em linear B revelou que a maior parte das divindades desse

panteão já era conhecida na época micênica (MOSSÉ, 2004, p. 248).

Paulo indica, imediatamente, as implicações que seguem pela identidade de

Deus como Senhor e Criador e, principalmente, que a distinção criador/criatura impede

uma tentativa de descrever Deus em termos humanos (ROWE, 2009, p. 34).

23 o$ oun a*gnoou~nte eu*sebei~te, tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n.

23 Por conseguinte, aquilo que, não conhecendo, adorais, isto eu

anuncio a vós.

O próximo enunciado tem a prolepse467 do pronome relativo o@, acompanhado da

partícula pospositiva consecutiva oun, para dar continuidade à argumentação paulina.

A oração supracitada oun (...) eu*sebei~te, ―Por conseguinte (...) adorais‖, é a

subordinante da oração subordinada adjetiva, reduzida de particípio presente

a*gnoou~nte, introduzida pelo pronome relativo definido, neutro, singular, acusativo, o$,

―aquilo que‖objeto direto de eu*sebei~te, o antecedente do relativo é o pronome tou~to.

Em tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n, há um paralelo entre a função expressiva e a

conativa. A função expressiva sobressai pelo emprego do pronome pessoal de primeira

pessoa do singular e*gwv, ―eu‖, sujeito da forma verbal no presente kataggevllw; a

conativa, pelo emprego do pronome pessoal, dativo de primeira pessoa do plural, u&mi~n,

―a vós‖, objeto indireto de kataggevllw. A presença do pronome demonstrativo, neutro,

singular, acusativo tou~to, ―isto‖, objeto direto de kataggevllw, marca a localização no

contexto linguístico, indicando aquilo que se vai falar, citar posteriormente.

A propósito, a sentença oun (...) eu*sebei~te, com o verbo no presente indicativo

ativo, 2ª pessoa do plural de eu*sebevw, ―reverenciais‖ (RUSCONI, 2011, p. 207), ―agis

piamente, adorais‖ (VINE, 2002, p. 375), ―cumpris os deveres religiosos‖ (SCHOLZ,

2007, p. 850) faz sobressair a função conativa, mais uma vez.

O particípio a*gnoou~nte, ―não conhecendo‖, marca a hipotaxe implícita e é

empregado em uma referência aos !Andre *Aqhnai~oi (vers. 22).

Um outro procedimento retórico atestado é a definição de um ser (versículos 24

a 27), no caso, o *Agnwvstw/ qew~/, que diz respeito à argumentação, com fins

467

De acordo com nota de nº 379, cf pág. 208.

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estratégicos, consistindo em descrever determinados traços semânticos que caracterizam

um vocábulo, em um certo contexto.

A argumentação paulina enfatiza, agora, a função referencial, não mais a função

conativa e expressiva, que predominaram nos versículos 22 e 23.

24 o& qeoV o& poihvsa toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/, ou%to

ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn kuvrio ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~ katoikei~

24 O Deus que criou o Universo e todas as coisas (existentes) nele, esse,

sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos feitos por mãos

humanas.

Atesta-se, no versículo 24, a anisocronia468, uma vez que Paulo não contou, de

modo detalhado, a criação do mundo de acordo com o relato judaico encontrado no

livro de Gênesis, capts. 1-2. Em Atos 17. 24-25, Paulo coloca o ―Deus Criador‖ acima dos templos religiosos

e enfatiza a sua onipotência (conforme também o discurso em Listra para a multidão,

Atos 14. 15), fundamentada nas escrituras sagradas hebraicas.

Assim sendo, dos versículos 24 ao 27, tem-se informações a respeito desse

“Deus Desconhecido‖: Ele é o& qeoV o& poihvsa, “o Deus que criou‖ ... u&pavrcwn

kuvrio, ―sendo Senhor‖. Mediante essas expressões participiais, Paulo ratifica,

novamente, o poderio dessa Deidade. Destaca-se também três vocábulos gregos:

kovsmoou*ranou~, gh~ - “universo, céu, terra‖ – que o religioso emprega, para dar

ênfase às obras criacionistas dessa Divindade (vers. 24).

O particípio substantivado o& poihvsa"que criou‖, adjunto adnominal de

atributo de o& qeov, qualifica e especifica esse substantivo. Paulo mostra, de modo

categórico, a amplitude dessa Deidade, apontando para a imensidão de sua criação: ―o

Universo e todas as coisas (existentes) nele‖, toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/

(vers. 24), complementos verbais coordenados pela conjunção coordenativa kaiv.

O complemento circunstancial e*n au*tw~/, “nele‖ (preposição acompanhada de

um pronome demonstrativo, masculino, singular) em dativo-locativo marca a

localização espacial. Há a hipérbole nominal469 com o emprego do pronome neutro

plural pavnta.

468

De acordo com nota de nº 380, cf pág. 208. 469

De acordo com notas de nº 391, 393, cf págs. 218.

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No início de Gênesis, em todo o primeiro capítulo, há a concepção judaico-cristã

da criação do universo. Citem-se, por exemplo, somente, alguns versículos:

אשית )א פר בר ו(-ס

אשית בר א ת ה׃ש א אלה בר ת הארץ: ים א מים וא

ום רץ היתה תהו ובהו וחשך על־פני תה והא ב

ויאמר אלהים גורוח אלהים מרחפת על־פני המים:

ור: רא אלהים את־האור וי דיהי־אור ויהי־א

ין ה כי־ט ל אלהים ב שך: וב ויבד ין הח אור וב

ילה ויקרא אלהים לאור יום ולחשך קרא ל ה

ים ויאמר אלה וויהי־ערב ויהי־בקר יום אחד:

ין מים למים: וך המ יהי רקיע בת ים ויהי מבדיל ב

1No princípio, criou Deus os céus e a terra. 2 Terra, porém, estava

sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito

de Deus pairava sobre as águas. 3 Disse Deus: Haja luz, e houve

luz. 4 E viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as

trevas. 5 E Deus chamou à luz Dia e à escuridão chamou Noite. E

foi tarde e foi manhã, dia um. 6 E disse Deus: Haja firmamento no

meio das águas e separação entre águas e águas.

(...) 24 Disse também Deus: Produza a terra seres viventes,

conforme a sua espécie – animal, réptil e animal selvagem da terra

segundo sua espécie!‖, e assim foi. 25 E Deus fez o animal

salvagem da terra segundo sua espécie, o animal segundo sua

espécie e todo réptil da terra segundo sua espécie, e Deus viu que

era bom. 26 Também disse Deus: Façamos o homem a nossa

imagem, conforme a nossa semelhança, e que domine sobre o peixe

do mar, sobre a ave dos céus, sobre o animal e em toda a terra, e

sobre todo o réptil que se arrasta na terra!

אשית א ) כד פר בר כו ( -ס

א הארץ נ כד פש חיה למינה ויאמר אלהים תוצ

מה ור ן: מש וחיתו־ארץ למינ בה ה ויהי־כ

את־חית הארץ למינה עש אלהים וי כה

ת כל־רמש מה למינה וא האדמה למינהו ואת־הבה

עשה אדם ויאמר אלה כווירא אלהים כי־טוב: ים נ

נו וירדו בדגת הים ובעוף ה׃שמ נו כדמות ים בצלמ

ש על־הארץ: מה ובכל־הארץ ובכל־הרמש הרמ ובבה

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Ora, como exemplo da concepção grega da criação do universo, podem-se

extrair preciosas informações da teogonia hesiódica, em que o poeta Hesíodo invoca as

Musas:

Caivrete, tevkna Diov, dovte d’ i&merovessan a*oidhvn:

Kleivete d’ a*qanavtwn i&eroVn gevno ai*eVn e*ovntwn,

Nuktov te dnoferh~, ou@ q’ a&lmuroV e!trefe Povnto.

[Ei!pate d’, w& taV prw~ta qeoiV kaiV gai~a gevnonto

kaiV potamoiV kaiV povnto a*peivrito, oi!dmati quivwn,

a!stra te lampetovwnta kaiV ou*ranoV eu*ruV u@perqen] (...). Alegrai, filhas de Zeus, dai ardente canto,

105 gloriai o sagrado ser dos imortais sempre vivos,

Os que nasceram da Terra e do Céu constelado

Os da Noite trevosa, os que o salgado Mar criou.

Dizei como no começo Deuses e Terra nasceram,

Os Rios, o Mar infinito impetuoso de ondas,

Os Astros brilhantes e o Céu amplo em cima. (...)

116 !Htoi meVn prwvtista Cavo gevnet’: au*taVr e!peita

Gai~’ eu*ruvsterno, pavntwn e@do a*sfaleV a*eiV (...)

116 Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também

Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre (...)

Gai~a dev toi prw~ton meVn e*geivnato i%son e&wuth~/ Ou*ranoVn a*sterovenq’, i@na min periV pa~san e*evrgoi,

o!fr’ ei!h makavressi qeoi~ e@do a*sfaleV ai*eiv.

126 Terra primeiro pariu igual a si mesma

Céu constelado, para cercá-la toda ao redor

e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre.

(HESÍODO. Teogonia, 104-110; 116-117; 126-128)470

O helenista Torrano sublinha que:

(...) o mundo, para os gregos hesiódicos é um conjunto único de

inesgotáveis aparições divinas (teofanias); no entanto, é um mundo

lógico, em termos míticos e na lógica própria do pensamento mítico –

um mundo real e perigoso, que se deixa conhecer através das

genealogias divinas (...) (TORRANO, 2007, p. s / nº).

470

A tradução dos excertos em grego é do Prof. Dr. J.A.Torrano.

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275

O pronome substantivo demonstrativo ou%to, ―esse‖, é uma referência ao o&

qeov, que já havia sido citado anteriormente; esse pronome é o sujeito do particípio

u&pavrcwn, que indica estado, um particípio predicativo do sujeito de o& qeov.

Sublinhe-se que a sentença ou%to (...) ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~

katoikei~471, ―esse habita, não em templos feitos por mãos humanas‖, é a oração

principal da reduzida de particípio ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn kuvrio"sendo Senhor

do céu e da terra‖ (vers. 24), marcando a hipotaxe implícita.

A negação ou*k enfatiza o complemento circunstancial em dativo-locativo, ou*k

e*n ceiropoihvtoi naoi~, adjunto adverbial de lugar ―onde‖, assinalando a localização

espacial.

25 ou*deV u&poV ceirw~n a*nqrwpivnwn qerapeuvetai

prosdeovmenov tino, au*toV didouV pa~si zwhVn kaiV pnohVn kaiV taV pavnta:

25 nem mesmo é servido por mãos típicas de homens, (como que)

necessitando de alguma coisa. Dando ele a todos vida terrena e

fôlego e todas as coisas.

A partícula negativa ou*dev, ―nem mesmo‖, seguida de um verbo no presente da

voz passiva qerapeuvetai, ―é servido‖ (vers. 25), indica que o sujeito sofre a ação

verbal.

Paulo demonstrou que a Divindade, que ele anunciava, não dependia de sua

criação humana e, mostra, mais uma vez, sua grandiosidade. Para dar mais realce às

suas palavras, Paulo usa a partícula negativa ou*dev, ―nem mesmo‖.

A antítese472, nesse versículo 25, é entre a Deidade e o ser humano. A propósito,

essa oposição se inicia no versículo 24, se estendendo até o versículo 27. Não obstante,

Paulo, nos versículos 24 e 25, faz uma citação indireta do profeta Isaías:

Assim disse o Deus Eterno, que cria os céus e os expande; que dá

existência a terra e ao seu produto; que proveu a alma de todos que nela

habitam, e o espírito dos que percorrem Seus caminhos (Is 42. 5) Há o assíndeto473 nas orações reduzidas de particípio: prosdeovmenov tino,

au*toV didouv"(como que) necessitando de alguma coisa. Dando ele (...)‖. Não

471

ou*k ... katoikei~, de acordo com 1 Rs 8. 27; At 7. 48. 472

De acordo com nota de nº 376, cf pág. 208.

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obstante, há uma sucessão de polissíndetos474 nos complementos verbais do particípio

didouvzwhVn kaiV pnohVn kaiV taV pavnta, ―vida terrena e fôlego e todas as coisas‖

(vers. 25); atesta-se também a zeugma475 de didouv nas sentenças kaiV pnohVn kaiV taV

pavnta.

O aspecto durativo da ação verbal continua predominando na narração paulina.

26 e*poivhsevn te e*x e&noV pa~n e!qno a*nqrwvpwn katoikei~n e*piV

pantoV proswvpou th~ gh~, o&rivsa prostetagmevnou kairouV

kaiV taV o&roqesiva th~ katoikiva au*tw~n (...)

26 E fez de um toda a raça de seres humanos para habitar sobre toda a

face da terra; determinando tempos oportunos estabelecidos e os limites

assinalados da habitação deles (...).

A argumentação continua com mais detalhes sobre o ―Deus Desconhecido‖.

Tem-se a partícula coordenativa pospositiva aditiva, te, ―e‖, para dar continuidade à sua

narração. Essa oração é a subordinante da oração reduzida de infinitivo presente,

katoikei~n, ―para habitar‖, complemento verbal (objeto direto) de e*poivhsevn, e que

expressa o objetivo ou a destinação da ação (conforme infinitivo de destinação),

sinalizando a hipotaxe implícita.

O adjunto adnominal com nuance de origem e*x e&nov"de um‖, e as expressões

pa~n e!qno a*nqrwvpwn, ―toda a raça de seres humanos‖, e e*piV pantoV proswvpou th~

gh~"sobre toda a face da terra", duas hipérboles nominais476, enfatizam mais uma vez a

grandiosidade desse Deus Criador e a sua superioridade em relação aos seres humanos.

A oração reduzida de particípio o&rivsa possui significados bem precisos tais

como: ―delimitar, definir, determinar, estabelecer‖ (RUSCONI, 2011, p. 337),

―demarcar ou separar por limites‖ ou ―determinar‖ (VINE, 2002, p. 537), referindo ao

tempo de um modo geral.

Após o&rivsaatesta-se um outro particípio prostetagmevnou, predicativo do

objeto direto de o&rivsa, no caso, o substantivo kairouv, ―tempo, momento oportuno,

apto‖ (RUSCONI, 2011, p. 245), ―um período fixo ou definido, estação, temporada, por

vezes, um tempo oportuno ou apropriado‖ (VINE, 2002, p. 1013), objeto direto de

473

a*suvndetoon - significado literal: não unido, não ligado – é a figura de linguagem que consiste na

falta de conjunções copulativas entre orações sequenciais.

474 De acordo com nota de nº 315, cf pág. 189.

475 De acordo com nota de nº 355, cf pág. 199.

476 De acordo com nota de nº 391, 393, cf pág. 218.

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277

o&rivsa Já a sentença iniciada pela conjunção coordenativa kaiv: kaiV taV

o&roqesivath~ katoikiva au*tw~n‖, “e os limites assinalados da habitação deles (...)‖,

ratifica a meticulosidade da Divindade com relação à sua criação.

27 zhtei~n toVn qeovn, ei* a!ra ge yhlafhvseian au*toVn kaiV eu@roien,

kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta.

27 para buscarem a Deus, se porventura, pudessem tocá-lo e

encontrassem, se bem que não esteja distante de cada um de nós.

O objetivo de Deus ao criar tudo de um (e*x e&nov"de um‖, vers. 26) era que eles

pudessem procurá-lo e encontrá-lo (vers. 27)477

. Paulo fez uma citação indireta de Isaías

55.6 e de Deuteronômio 4.29.

A hipotaxe implícita continua com o emprego, novamente, da oração reduzida

de infinitivo presente zhtei~n toVn qeovn, “para buscarem a Deus‖ (vers. 27),

complemento verbal (objeto direto) de e*poivhsevn, que expressa o objetivo ou a

destinação da ação.

A próxima sentença ei* a!ra ge yhlafhvseian au*toVn kaiV eu@roien, ―se

porventura, pudessem tocá-lo e encontrassem‖ (vers. 27), é inserida por uma tríplice

formação ei* a!ra ge: a) ei* (conjunção condicional ei*, acompanhada de verbos no

optativo aoristo e presente, yhlafhvseian478 e eu@roien479, que expressa uma ação verbal

puramente possível ou hipotética); b) a!ra (normalmente, uma partícula de nuance

interrogativa); c) ge (―se porventura‖480, ―se por consequência, se porventura‖481).

O próximo enunciado se inicia pelas partículas kaiV ge (partícula dando ênfase a

kaiv), ―se bem que‖ (RUSCONI, 2011, p. 106), ―e certamente, por certo‖ (BAILLY,

2000, p. 998) com uma nuance conclusiva, para dar continuidade à sua argumentação:

kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta, ―se bem que não esteja

distante de cada um de nós‖.

477

Você irá procurar o Senhor seu Deus e você irá encontrá-lo, se você procurar por ele com todo seu

coração e toda sua alma (Dt 4. 29); Buscai o Eterno no melhor momento para encontrá-lo; clamai por Ele

quando perto de vós está! (Is 55. 6). 478

Aor. Optativo At., 3ª Pes. do Plu. de yhlafavw. O aoristo optativo está indicando um voto, um desejo

com relação ao futuro. 479

Pres. Optativo At., 3ª Pes. do Plu. de eu&rivskw. 480

Essa locução introduz uma interrogação que se espera uma resposta negativa (RUSCONI, 2011, p. 75);

―marca um resultado sobre o qual se sente alguma incerteza‖ (VINE, 2002, p. 1010). 481

VINE, 2002, p. 886.

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A negação ou* enfatiza o sentido do advérbio makravn, ―distante‖; a expressão

a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n, ―de cada um de nós‖, possui um sentido distributivo pela

presença do pronome demonstrativo no genitivo, singular, masculino, e&kavstou.

Pela primeira vez, nesse discurso, Paulo emprega o ―nós inclusivo‖, por meio do

pronome pessoal h&mw~n. A frase é de predicação nominal, e indica um estado pelo

emprego do particípio presente u&pavrconta, ―sendo, havendo, existindo, estando

presente‖, marcando a hipotaxe implícita. O particípio u&pavrconta é um predicativo do

objeto direto de yhlafhvseian, no caso o pronome au*tovn (vers. 27).

A sentença kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta, é uma

citação indireta de um Salmo e do profeta Jeremias: ―Está sempre próximo dos que O

invocam, dos que por Ele clamam com sinceridade‖ (Sl 145. 18); ―Acaso sou Eu um

Deus (que só percebe o que está) de perto – diz o Eterno – e não (o que está) de longe?‖

(Jr 23. 23).

Pode-se fazer também um cotejo entre a declaração de Paulo em que Deus ―não

está longe de cada um de nós‖ (vers. 27) com Sêneca:

Non sunt adcaelum elevandae manus nec exorandus aedituus, ut nos ad

aurem simulacre, quase magis exaudiri possimus, admittat; prope est a

te deus, tecum est, intus est (SENECA. Ad Lucilium Epistulae

Morales 41. 1).

Nós não precisamos implorar ao guardador do templo que nos permita

chegar perto da orelha da imagem, como se assim nossas orações

fossem ser ouvidas com maior probabilidade. Deus está perto de você,

ele está com você, ele está em você.

Flávio Josefo reconhece, precisamente, esse pensamento reescrevendo a oração

dedicatória de Salomão482

; por causa do Templo, as pessoas deveriam sempre ser

persuadidas que Deus ―está presente e não longe‖ (pareiV kaiV makraVn ou*k

a*fevsthka) (FLAVIUS JOSEPHUS. Antiquities of the Jews, I. 9.329)483

. É bom citar

também Dio Chrysostom: a@te ga Vr ou* makraVn ou*d’ e!xw, ―posto que não (está) longe

482

Flávio Josefo citou 1 Reis 8. 22-53. 483

Então, Salomão levantou-se e fez esta oração, digna de sua soberana grandeza: ―Embora nós saibamos,

Senhor, que o palácio em que habitas é eterno e que o céu, o ar, o mar e a terra que criastes e que encheis

não são capazes de vos conter, não deixamos de construir e de vos consagrar esta casa, a fim de vos

oferecer sacrifícios e orações que se elevem até o trono de vossa suprema majestade. Esperamos que

queirais ficar aqui sem nunca mais nos deixar. Pois, como vedes e sabeis todas as coisas, ainda que

honreis com a vossa presença esta santa casa, não deixareis de estar em toda parte, onde vos dignardes

habitar, vós que estais sempre perto de cada um de nós e, principalmente, daqueles que anseiam dia e

noite por vossa presença (FLÁVIO JOSEFO. Antiguidades Judaicas 8, 2. 329).

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nem fora‖ (DIO CHRYSOSTOM. Orationes 12. 28). Desse modo, os homens antigos

acreditavam que não estavam longe do Ser Divino ou além de suas fronteiras sozinhos,

mas permaneciam próximo à Divindade.

28 *En au*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, w& kaiv tine

tw~n kaq’ u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin,

Tou~ gaVr kaiV gevno e*smevn.

28 De fato, nele, vivemos e nos movemos e existimos, como também

alguns dentre os vossos poetas falaram:

Também, com efeito, somos descendência dele.

A citação apresenta uma sucessão de verbos no presente, indicando o aspecto

durativo, zw~men, kinouvmeqa, e*smevn, “vivemos e nos movemos e existimos‖, com a

presença da conjunção kaiv, sinalizando os polissíndetos484.

O versículo segue com o verbo ei*rhvkasin, ―falaram‖, uma forma de pretérito

perfeito que expressa uma ação completamente acabada (vers. 28).

Sem dúvida, estava muito inspirado o apóstolo Paulo, ao usar um objeto de culto

dos atenienses - o altar do ―Deus Desconhecido‖, para tentar persuadir os atenienses da

existência de um único Deus verdadeiro. Paulo empregou, em seu discurso no Areópago

de Atenas, versos de poetas gregos que, originalmente, exaltavam a Zeus, o soberano do

Olimpo tais como Cleantes de Assos (331-232 a.C.) e Áratos de Soli (315-240 a.C.). O

primeiro era filósofo e discípulo do fundador do estoicismo, Zenão de Cício (332-269

a.C.); o segundo, filósofo estoico e matemático grego.

A propósito, possivelmente, Tou~ ... e*smevn seja uma citação direta de

Phaenomena485

, ―Fenômenos‖ 1-5, especialmente o último verso de Áratos de Soli e do

Hino a Zeus de Cleantes de Assos.

Acredita-se que o verso, que serviu de introdução ao versículo supracitado

*Enau*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, seja da obra Cretica, de

484

De acordo com nota de nº 315, cf pág. 189. 485

Destarte, Áratos de Soli introduziu em Phaenomena seus conhecimentos de astronomia; fora escrito

em hexâmetros e possui um pouco mais de mil versos. Romilly atesta que ―a influência de Hesíodo seja

sensível nele, a inspiração é haurida, sobretudo, nas doutrinas em evidência na época; o início é uma

espécie de hino a Zeus, que faz pensar no estoico Cleantes; o fim é dedicado à meteorologia, de um modo

que faz pensar em Teôfrastos‖ (ROMILLY, 1980, p. 235). Convém lembrar que a obra Phaenomena foi

traduzido para o latim por Cícero.

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280

Epimênides486

(poeta e profeta cretense de meados dos anos 600 a.C., natural

de Cnossos).

À vista disso, conclui-se que o apóstolo contextualizou a sua mensagem, não

desprezando a cultura desse povo. Possivelmente, Paulo sabia da importância da figura

de um poeta e da influência de seus versos para o público grego.

Eis, por exemplo, os versos originais de abertura com invocação a Zeus do poeta

Áratos de Soli487:

e*k DioV a*rcwvmesqa, toVn ou*devpot’ a!ndre e*w~men

a!rrhton: mestaiV deV DioV pa~sai meVn a*guaiv, pa~sai d’ a*nqrwvpwn a*goraiv, mesthV deV qavlassa

kaiV limevne: pavnth deV DioV kecrhvmeqa pavnte.

5 tou~ gaVr kaiV gevno ei*mevn ... (ARATUS SOLENSIS. Phaenomena

1-5). Iniciaremos com Zeus, (a quem nós), os homens, jamais deixamos

de mencionar. Ora, todas as veredas, todas as praças dos homens (estão)

cheias de Zeus como também o mar (está) cheio

e os portos. Em todas as partes, todos temos necessidade de Zeus.

Também, com efeito, somos descendência dele.

Seguem-se, agora, os versos subscritos de Cleantes de Assos:

kuvdist’ a*qanavtwn, poluwvnume, pagkrateV ai*eiv,

zeu~, fuvsew a*rchgev, novmou mevta pavnta kubernw~n,

cai~re: seV gaVr pavntessi qevmi qnhtoi~si prosauda~n

e*k sou~ gaVr gevno e*smevn (...).

(CLEANTHES. The Hymn of Cleanthes, 1-5)

486

Em uma outra ocasião, Paulo utilizou, mais uma vez, os versos de Epimênides para ratificar e dar mais

veracidade às suas palavras a respeito de falsos mestres cretenses, como corroboram os versículos

subscritos: 12

ei%pevn ti e*x au*tw~n i!dioau*tw~n profhvth. Krh~te a*eiV yeu~stai, kakaV qhriva,

gastevre a*rgaiv. 13 h& marturiva au@th e*stiVn a*lhqhv. di’ h$n ai *tivan e!legce au*touV a*potovmwi@na

u&giaivnwsin e*n th~/ pivstei. 12 Alguém disse dentre eles, um próprio profeta deles: ―Cretenses, sempre

mentirosos, feras más, ventres inativos. 13

Este testemunho é verdadeiro. Por esta causa, exorta-os,

severamente, para que sejam sadios na fé (Tt 1. 12-13). Paulo também cita um excerto de Thaís de

Menandro (342-291 a.C.), uma comédia perdida: Fqeivrousin h!qh crhstaV o&milivai kakaiv, ―as más

conversações destroem os bons costumes‖ (1 Co 15. 33). Na verdade, não se tem unanimidade entre os

estudiosos a respeito da autoria desse verso. Para tal consideração, deve-se mencionar a observação de

Glad: ―Muitas vezes se tem afirmado que esse provérbio é da comédia perdida Thaís de Menandro, mas

Robert Renehan mostrou que essas palavras ―originalmente, apareceram numa tragédia, provavelmente,

de Eurípides‖ (GLAD apud SAMPLEY, 2008, p. 20). 487

Ainda, como Douglas Kidd e outros já sugeriram, o próprio Aratus pode ter tido na mente o famoso

hino a Zeus de Cleantes no qual também é dito: ―Com efeito, somos descendência dele‖ (cf. Hino à Zeus)

(ROWE, 2009, p. 37).

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281

Ó Zeus, o mais honrado dentre os imortais, deus de muitos nomes,

sempre poderoso, soberano da natureza, dirigindo todas as coisas com

lei,

Salve! Pois é costume a todos os mortais dirigir-te a palavra.

Com efeito, somos tua descendência.

15 ou*dev ti givgnetai e!rgon e*piV cqoniV sou~ divca, dai~mon, ou!te kat’ ai*qevrion qei~on povlon ou!t’ e*niV povntwi,

plhVn o&povsa r&evzousi kakoiV sfetevraisin a*noivai: a*llaV suV kaiV taV perissaV e*pivstasai a!rtia qei~nai, kaiV kosmei~n ta!kosma (...) (CLEANTHES. The Hymn of Cleanthes, 15-19).

15 Não se faz nenhuma obra sobre a terra sem teu consentimento, ó deus,

nem sobre a etérea abóbada divina nem no alto mar,

exceto tantas (ações) que os perversos executam em suas próprias

loucuras.

Mas tu também sabes organizar as coisas malignas adequadamente,

e pôr em ordem as coisas desordenadas (...).

Rowe destaca que, na época de Lucas, a noção geral de que os humanos eram

―filhos dos deuses‖ estava bastante disseminada, e não encontraria dificuldades para ser

ouvida. A propósito, Seneca faz a seguinte afirmativa a respeito dos humanos [omnes]:

Omnes, si adoriginem primam revocantur, a dis sunt. ―se traçarem seus passados à sua

fonte original, são dos deuses‖ (SENECA. Ad Lucilium Epistulae Morales, 44. 1).

Dio Chrysostom, também, repetidamente reflete sobre isso nestes termos: qeoi~

a!nqrwpoi a*gapw~nte dikaivw diav te eu*ergesivan kaiV suggevneian, ―os seres

humanos amam os deuses de modo justo, tanto por causa da boa ação quanto por causa

do parentesco‖ (DIO CHRYSOSTOM. Orationes 12. 61); &Omovgnio deV diaV thVn tou~

gevnou koinwnivan qeoi~ kaiV a*nqrwvpoi, ―protetor da família (é) por causa da

mesma descendência entre deuses e seres humanos‖ (DIO CHRYSOSTOM. Orationes

12. 75)488.

Após Paulo fazer as citações de poetas gregos, ele emprega mais uma vez a

comparação489, dessa vez, subjetiva, uma vez que ele fez uma espécie de comparação

imagética. Na verdade, Paulo, de modo indireto, estava comparando o ―Deus

Desconhecido‖, que não era obra de nenhum artífice e nem de imaginação humana

(vers. 29), aos deuses do panteão grego.

A sentença (do vers. 28) se inicia pelo complemento circunstancial em dativo-

locativo *En au*tw~/, ―nele‖, indicando, em um sentido figurado, lugar ―onde‖, sem ideia

488

Ver também: Orationes 12. 27–29, 39, 43, 47, 61, 75, 77. 489

De acordo com nota de nº 371, cf pág. 204.

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de movimento, empregada para que os ouvintes não se esqueçam de que o foco

referencial versa sobre o *Agnwvstw/ qew~/, o ―Deus Desconhecido‖.

Em seguida, tem-se a conjunção pospositiva explicativa gavr, ―de fato, pois‖,

para salientar a sua explicação, introduzindo a oração coordenada sindética explicativa.

A citação inicia, agora, com uma sucessão de verbos na primeira pessoa do

plural com a presença de polissíndetos: zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, ―vivemos e

movemos e existimos‖, verbos esses de predicação nominal, indicando um estado.

A próxima sentença é w& kaiv tine tw~n kaq’ u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin,

“como também alguns dentre os vossos poetas falaram‖, que se inicia por uma

conjunção comparativa w& seguida de kaiv, em um sentido adverbial, ―como também‖,

para inserir tine tw~n kaq’ u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin, ―alguns dentre os vossos

poetas falaram‖; ora, no sintagma kaq’ u&ma~, sobressai o pronome pessoal

preposicionado de segunda pessoa do plural em acusativo, u&ma~de sentido

distributivo - para se dirigir aos atenienses.

O sintagma tine poihtw~nei*rhvkasin é uma referência aos poetas gregos. O

substantivo em genitivo poihtw~n é um genitivo partitivo complemento nominal do

pronome indefinido tine. Mais uma vez, a função conativa e a referencial se

apresentam forte neste excerto.

29 gevno oun u&pavrconte tou~ qeou~ ou*k o*feivlomen nomivzein

crusw~/ h# a*rguvrw/ h# livqw/, caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, toV qei~on einai o@moion.

29 Por conseguinte, sendo descendência de Deus, não devemos pensar

que a divindade seja semelhante à imagem de ouro ou a objeto de prata

ou de pedra trabalhada, imagem de arte gravada e imaginação de ser

humano.

O enunciado, oun (...) ou*k o*feivlomen, “Por conseguinte, não devemos‖ (...),

apresenta a partícula pospositiva consecutiva para dar consequência à sua

argumentação. Essa oração é a principal da oração reduzida de infinitivo na sentença

subsequente, nomivzein (...).

Interessante ressaltar a forma verbal o*feivlomen, seguida do infinitivo, também

no presente, nomivzein, ―pensar‖; mais uma vez, tem-se uma forma verbal na primeira

pessoa do plural, antecedida por ou*k. A negação ou*k é considerada como a negação

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―por excelência‖ do indicativo; diferencia-se de mh v por ser mais objetiva, absoluta e

categórica.

Ora, a oração reduzida de infinitivo, que marca a hipotaxe implícita, nomivzein,

―pensar‖, é complemento verbal (objeto direto) de o*feivlomen, que expressa atividade

mental.

Na sentença toV qei~on einai o@moion (...) crusw~/ h# a*rguvrw/ h# livqw/,

caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, ―que a divindade seja semelhante à

imagem de ouro ou a objeto de prata ou de pedra trabalhada, imagem de arte gravada e

imaginação de ser humano‖, constata-se mais uma oração reduzida de infinitivo,

complemento verbal (objeto direto) de nomivzein, que expressa opinião.

O vocábulo o@moion490 é um adjetivo, neutro, singular, nominativo, 2ª declinação

de o!moio, a, on, que, por sua vez, é predicativo do sujeito de ei^nai, no caso, toV

qei~on, ―a divindade‖.

Há uma sucessão de vocábulos em dativo que constituem complementos

nominais de o@moion, que expressa semelhança: crusw~/ h# a*rguvrw/ h# livqw/,

caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, ―à imagem de ouro ou a objeto de

prata ou de pedra trabalhada, imagem de arte gravada e imaginação de ser humano‖,

essas sentenças são coordenadas entre si pela conjunção disjuntiva h!,―ou‖, empregada

para assinalar a alternância dos elementos coordenados.

Destaca-se também os vocábulos em genitivo, na expressão tevcnhkaiV

e*nqumhvsew―de arte gravada e imaginação‖, que são os adjuntos adnominais de

caravgmati, ―imagem"Sublinhe-se que a*nqrwvpou é o adjunto adnominal do

substantivo e*nqumhvsew

O excerto do versículo 29 apresenta também a predicação nominal, indicando

estado, tais como: u&pavrconte"sendo‖, ei^nai, ―seja‖.

Paulo anuncia, a seguir, entre outras coisas, o arrependimento e a ressurreição de

Jesus (vv. 30-31):

30 touV meVn oun crovnou th~ a*gnoiva u&peridwVn o& qeov, taV nu~n

paraggevllei toi~ a*nqrwvpoi pavnta pantacou~ metanoei~n. . 30 Sem dúvida alguma, Deus, não levando em conta os tempos da

ignorância, anuncia, agora, todas as coisas aos seres humanos em todas

as partes, para que se arrependam (...).

490

ou*k ... o@moion, de acordo com Is 40. 18-20; 44. 10-17; At 19. 26.

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Em Atos 17. 30-31, Paulo vai, imediatamente, de sua crítica à ―idolatria pagã‖:

touV crovnou th~ a*gnoiva, ―os tempos da ignorância‖, à resposta de Deus: nu~n,

―agora, neste momento‖. Deus exige arrependimento, porque ele marcou um dia no qual

ele julgará o mundo com justiça, por meio de um homem que ele escolheu, e disso, ele

deu certeza a todos por trazê-lo dos mortos (vers. 31).

Há um homem em particular (a*nhvr) e um dia específico dos quais depende a

relação de Deus com o mundo inteiro.

Na passagem de um tópico a outro, atesta-se a combinação meVn ou^n, onde as

partículas que formam uma locução de sentido adverbial, acrescentando um novo

elemento: ―sem dúvida alguma‖ (BAILLY, 2000, p. 1251) com uma nuance conclusiva,

na sentença que se segue: meVn oun (...) o& qeov, taV nu~n paraggevllei toi~ a*nqrwvpoi

pavnta pantacou~, ―Sem dúvida alguma, Deus anuncia, agora, todas as coisas aos seres

humanos em todas as partes (...)‖ (vers. 30).

O verbo paraggevllei, ―anuncia‖, no tempo presente, indicando o aspecto

durativo da ação, e a partícula adverbial temporal, nu~n, ―agora, neste momento‖,

enfatizam a contemporaneidade da ação e a onipotência dessa divindade, que não

possuía nenhum impedimento para fazer pavnta toi~ a*nqrwvpoi pavnta pantacou~,

―todas as coisas aos seres humanos em todas as partes‖.

Sublinhe-se que o& qeové o núcleo do sujeito de paraggevllei, constatando-se

também as hipérboles nominais por meio do adjetivo no neutro, acusativo, plural pavnta

e da partícula adverbial pantacou~.

A misericórdia dessa nova Deidade, que Paulo apresentava aos atenienses, é

explícita nestes termos: touV (...) crovnou th~ a*gnoiva u&peridwvn491, ―não levando

em conta os tempos da ignorância‖. De modo sutil, Paulo estava se referindo à

―idolatria‖ de seu público, ―idolatria‖ essa que a Divindade, que ele pregava, não

suportava492. Ora, essa sentença é reduzida de particípio, marcando a hipotaxe implícita.

Pietro assim pontua:

Os cristãos percebem estar numa época fundamental da história da

humanidade quando Verdade se manifesta suficientemente clara no

mundo para que as crenças pagãs dos tempos antigos deixem de existir.

491

touV ... u&peridwVn o& qeoV, de acordo com At 14. 16; 17. 23. 492

Em outros escritos, Paulo rebate a prática da ―idolatria‖: Diovper, a*gaphtoiv mou, feuvgete a*poV th~

ei*dwlolatriva. Por isso, meus amados, fugi da idolatria (1 Co 10. 14). Ver também: Gl 5. 20.

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O paganismo é a religião dos tempos da ignorância, tempos tolerados

por Deus, mas que terminou definitivamente com a vinda de Cristo.

Agora, é o tempo da conversão possível, momento que não se pode

deixar escapar (o discurso de Paulo no Areópago (At 17. 16-34)

desenvolve particularmente esse ponto de vista (PRIETO, 2007, p. 124).

A expressão touV (...) crovnou, núcleo do objeto direto de u&peridwvn, possui os

seguintes significados: ―tempo‖ (SCHOLZ, 2007, p. 974), ―espaço de tempo quer

pequeno ou longo‖ (RUSCONI, 2011, p. 497; VINE, 2002, p. 1013), sublinhando a

atemporalidade da Deidade.

Os significados da forma verbal metanoei~n, no infinitivo presente de metanoevw,

não devem ser desprezados: ―mudar de opinião, de pensamento, de mentalidade‖,

―converter-se‖, ―arrepender-se‖, ―voltar atrás de algo‖ (RUSCONI, 2011, p. 305). Ora,

metanoevw é composto pela preposição metav, ―além, depois, após‖, e o verbo noevw,

―entendo, compreendo, considero, reflito, penso‖ (RUSCONI, 2011, p. 320). Vine

atesta que, literalmente, metanoevw denota ―perceber depois‖, isto é, ―além‖. Na maioria

das vezes, seu emprego, no Novo Testamento, diz respeito ao arrependimento (VINE,

2002, p. 415).

31 kaqovti e!sthsen h&mevran e*n h%/ mevllei krivnein thVn oi*koumevnhn e*n dikaiosuvnh/, e*n a*ndriV w%/ w@risen, pivstin parascwVn pa~sin

a*nasthvsa au*toVn e*k nekrw~n.

31 visto que estabeleceu um dia no qual vai julgar toda a terra habitada

com justiça por meio de um varão, o qual designou, após ter dado

garantia a todos, ressuscitou-o dos mortos.

A sentença se inicia por uma conjunção causal kaqovti, “visto que‖, ―porque,

visto que‖, ―como, de qualquer maneira, segundo que‖, que marca a subordinada causal,

a conjunção está acompanhada do verbo no aoristo e!sthsen, com nuance de um tempo

passado, para dar mais informações sobre o ―Deus Desconhecido‖.

Apesar de ser uma divindade misericordiosa, Ele é justo, uma vez que, em um

determinado momento, mevllei krivnein thVn oi*koumevnhn e*n dikaiosuvnh/, ―vai julgar

toda a terra habitada com justiça‖. Destaca-se a abrangência do significado de thVn

oi*koumevnhn, “a terra habitada, todo o mundo habitado‖

(VINE, 2002, p. 809),

atestando, desse modo, a hipérbole nominal.

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É bom chamar a atenção para o fato de a perífrase mevllei krivnein, ―vai julgar‖,

apesar de ser formada por verbos no presente, indicar uma intenção que se realizará em

um tempo vindouro (conforme o presente futurístico).

Paulo, em nenhum momento, menciona o nome de Jesus, mas o faz de modo

indireto através do termo em dativo-instrumental, e*n a*ndriv493, “por meio de um varão‖,

adjunto adverbial de meio; atestando-se, desse modo a metonímia494. Convém lembrar

que o ―varão‖ foi ―ressuscitado‖ pelo ―Deus Desconhecido‖.

Sublinhe-se que, desde os primórdios do Cristianismo, houve a propagação da

mensagem da ressurreição de Jesus, isto é, Jesus como o ―Ressurreto‖. Assim, por causa

da importância da mensagem da vitória do Nazareno sobre a morte, o apóstolo escreve

em uma de suas epístolas: ei* dev CristoV ou*k e*ghvgertai, kenoVn a!ra [kaiV] toV

khvrugma h&mw~n, kenhV kaiV h& pivsti u&mw~n, ―Ora, se Cristo não ressuscitou, a nossa

proclamação (é) inútil e inútil a vossa fé‖ (1 Co 15. 14)495.

Alguns não acreditaram (cleuavzw) em Paulo após ouvirem sobre a ressurreição

(vers. 32).

Novamente, há a definição de um ser com a presença de verbos que indicam as

ações desse ―Deus Desconhecido‖: paraggevllei, “anuncia‖ (vers. 30); e!sthsen,

―estabeleceu‖, mevllei, ―está a ponto de‖; w@risen, ―designou‖ (vers. 31).

Atestam-se tanto a hipotaxe implícita quanto a explícita. Para a hipotaxe

implícita, tem-se mais duas sentenças reduzidas de particípio: a) pivstin parascwVn

pa~sin a*nasthvsa au*toVn e*k nekrw~n, “após ter dado garantia a todos, ressuscitou-o

dos mortos‖; ambos os particípios são particípios predicativos do sujeito de o& qeovb)

krivnein, oração reduzida de infinitivo, complemento verbal (objeto direto) de mevllei,

que expressa atividade mental.

Quanto à hipotaxe explícita, tem-se as seguintes orações adjetivas com a

presença dos pronomes relativos w/%496 e h%/497: a) w%/ w@risen, ―o qual designou‖, cujo

antecedente é e*n a*ndriv, objeto indireto de w@risen; b) e*n h%/ mevllei, “no qual vai‖,

indicando o objetivo do ―Deus Desconhecido‖ em um futuro certo. Ora, a preposição

e*n, que rege o dativo-locativo, está acompanhada do pronome relativo h%/.

493

A preposição e*n regendo dativos-instrumentais, fato esse frequente no grego bíblico do Novo

Testamento. Ver também: At 13. 10; Mt 26. 52; Lc 22. 49. 494

De acordo com nota de nº 302, cf pág. 184. 495 Conforme já foi visto na introdução desse estudo. 496 Pron. Rel. Definido, Masc., Sing., Dat. 497 Pron. Rel. Definido, Fem., Sing., Dat.-Loc.

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Parece que o discurso foi interrompido por causa da zombaria (vers. 32)498,

quando ouviram a respeito da ressurreição. A propósito, Mack destaca que a ideia da

ressurreição violava a sensibilidade helênica, uma vez que se tratava de uma ideia nova

(MACK, 1994, p. 208).

Levando em conta as informações contidas na narração do discurso paulino,

pode-se considerar ainda:

□ O Orador/Narrador

□ O Público/Narratário

Paulo é tanto um narrador secundário intra-homodiegético quanto intra-

heterodiegético. É intra-homodiegético, quando vivencia os fatos relatados por ele,

como, por exemplo:

22 StaqeiV deV (o&) Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou Pavgou e!fh,

!Andre *Aqhnai~oi, kataV pavnta w& deisidaimonestevrouu&ma~

qewrw~23 diercovmeno gaVr kaiV a*naqewrw~n taV sebavsmata u&mw~n

eu%ron kaiV bwmoVn e*n w%/ e*pegevgrapto, *Agnwvstw/ qew~/. o$ oun

a*gnoou~nte eu*sebei~te, tou~to e*gwV kataggevllw u&mi~n.

22 Então, Paulo, estando de pé, no meio do Areópago, dizia: ―Ó varões

Atenienses, de acordo com todas as coisas, vejo-vos como

extremamente religiosos. 23 Pois, passando e observando atentamente

os vossos objetos de culto, encontrei também um altar, no qual estava

escrito: ―Ao Deus Desconhecido‖. Por conseguinte, aquilo que, não

conhecendo, adorais, isto eu anuncio a vós (At 17. 22-23).

Podem-se extrair os seguintes verbos e pronomes que dizem respeito a Paulo:

qewrw~, “vejo‖ (vers. 22), diercovmeno (...) kaiV a*naqewrw~n, “passando e observando

atentamente‖, eu%ron, “encontrei‖, e*gwV kataggevllw, “eu anuncio‖ (vers. 23).

Paulo é, de igual modo, um narrador intra-heterodiegético, quando se distancia

dos fatos relatados por ele como, por exemplo, quando ele dircursa a respeito do ―Deus

Desconhecido‖ (At 17. 24-27; 30-31).

É bom lembrar que, do final do versículo 27 até o versículo 29, o orador Paulo

insere não só ele quanto os seus ouvintes na narração, por meio do pronome de primeira

pessoa do plural e de verbos, igualmente, na primeira pessoa do plural do discurso,

conforme o excerto subscrito:

498

É bom lembrar que existem duas tradições a respeito da ressurreição de Jesus. A primeira tradição é a

do ―túmulo vazio‖, uma vez que o sepulcro fora encontrado aberto (Mc 16. 3-7; Jo 20. 1-10). Já a segunda

narra que Jesus é reconhecido pelos seus discípulos (Lc 24. 36-43; Jo 20. 19-29; 21. 10-14;1 Co 15. 5-8).

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27 (...) kaiV ge ou* makraVn a*poV e&noV e&kavstou h&mw~n u&pavrconta. 28

*En au*tw~/ gaVr zw~men kaiV kinouvmeqa kaiV e*smevn, w& kaiv tine tw~n

kaq’ u&ma~ poihtw~n ei*rhvkasin, Tou~ gaVr kaiV gevno e*smevn. 29

gevno oun u&pavrconte tou~ qeou~ ou*k o*feivlomen nomivzein crusw~/

h# a*rguvrw/ h# livqw/, caravgmati tevcnhkaiV e*nqumhvsew a*nqrwvpou, toV qei~on ei^nai o@moion.

27 (...) se bem que não esteja distante de cada um de nós. 28 De fato,

nele, vivemos e movemos e existimos, como também alguns dentre os

vossos poetas falaram: Também, com efeito, somos descendência dele.

29 Portanto, sendo descendência de Deus, não devemos pensar que a

divindade seja semelhante à imagem de ouro (...).

Assim, Paulo volta a ser um narrador secundário intra-homodiegético e os seus

ouvintes são narratários secundários, igualmente intra-homodiegéticos.

É mister lembrar que os seus ouvintes, em uma outra ocasião, foram narratários

secundários intra-homodiegéticos, pois foram personagens da observação de Paulo

(vers. 22-23). Podem-se extrair os seguintes verbos e pronomes que dizem respeito aos

narratários-ouvintes: w& deisidaimonestevrou"(...) como extremamente religiosos‖,

u&ma~"vos‖ (vers. 22); taV sebavsmata u&mw~n, “os vossos objetos de culto‖, o$ (...)

a*gnoou~nte eu*sebei~te, “não conhecendo, adorais‖, u&mi~n, ―a vós‖ (vers. 23).

Sublinhe-se que os seus ouvintes são também intra-heterodiegéticos, pois

escutam um relato, do qual, normalmente, não tiveram participação, principalmente,

quando Paulo disserta a respeito do ―Deus Desconhecido‖ (At 17. 24-27; 30-31).

Lucas deixa o discurso mimético de Paulo fluir normalmente, sem haver

intromissões por parte do narrador primário. Assim é que o discurso no Areópago de

Atenas constitui uma narrativa de focalização interna, uma vez que Paulo, o narrador

secundário é o sujeito da enunciação. Não obstante, convém ressaltar que, após o

narrador secundário, Paulo, abordar o assunto da ressurreição (vers. 31), o narrador

primário se intromete na narração para dar certas informações finais (vers. 32-34).

32 *Akouvsante deV a*navstasin nekrw~n oi& meVn e*cleuvazon, oi& deV

eipan, *Akousovmeqav sou periV touvtou kaiV pavlin. 33 ou@tw o&

Pau~lo e*xh~lqen e*k mevsou au*tw~n. 34 tineV deV a!ndre

kollhqevnte au*tw~/ e*pivsteusan, e*n oi% kaiV Dionuvsio o&

*Areopagivth kaiV gunhV o*novmati Davmari kaiV e@teroi su*n au*toi~.

32 Então, após terem ouvido (a respeito) da ressurreição de mortos, uns

escarneciam, outros disseram: te ouviremos a respeito disso também em

uma outra ocasião. 33 Deste modo, Paulo saiu do meio deles. 34 E,

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ainda, alguns homens, se associando a ele, creram, entre os quais

também Dionísio, o Areopagita, e uma mulher de nome Damaris e

outros com eles (At 17. 32-34).

□ O Argumento-Tipo (A Amplificação)

Paulo empregou a amplificação de modo antitético, tal qual fez, anteriormente,

em seu discurso em Listra. A propósito, foi justamente a devoção dos atenienses que

inspirou Paulo em seu discurso no Areópago.

Tal qual em seu discurso em Listra, Paulo almejava a e*pistrofhv, uma

conversão de um estilo de vida religiosa considerada ―errônea‖ para um estilo de vida

religiosa ―certa‖, que seria incompatível com os cultos tradicionais, conforme já foi

dito. Assim, seu discurso é uma chamada para a aceitação de uma nova maneira de vida

e um abandono da ―idolatria pagã‖ (cf. metavnoia, vers. 30). De certo, a mesma

inscrição sob a qual Paulo, inicialmente, baseava sua defesa ( *Agnwvstw/ qew~/)

proporciona, ao final do discurso, uma critica dos hábitos religiosos como uma

―idolatria ignorante‖ (ROWE, 2009, p. 41).

Paulo enfatiza que, apesar de os seres humanos serem filhos do ―Deus

Desconhecido‖, não se deve criar a imagem divina concebida em ouro, em prata e em

pedra. Representações essas são próprias do talento e do poder imaginativo humano (At

17. 29), uma vez que não se pode retratar a noção de divindade através da humanidade.

Assim é que se pode inferir que Paulo reprovou uma atitude muito comum de

seu público: o politeísmo e a representação imagética dos deuses do panteão grego.

O pesquisador Delfim Leão disserta sobre a religião grega nestes termos:

A religião grega estava intimamente relacionada com a comunidade, a

ponto de ser próprio de cada pólis ter a sua divindade protectora, a qual

constituía um traço distintivo da cidade, à semelhança do que se passava

com a constituição, o dialecto ou a moeda nela cunhada. No entanto, a

identidade da Hélade afirmava-se também pelo facto de as diferentes

cidades-estado partilharem determinado sistema de valores, onde a

religião assumia um papel importante. Assim, ser grego implicava

igualmente, em termos latos, crer numa concepção politeísta da

divindade, onde o correcto desempenho de certas práticas rituais era a

face mais visível das diligências necessárias para garantir o favor dos

deuses (LEÃO, 2012, pp. 102-103).

O apóstolo, por meio de hipérboles nominais (destacadas em negrito), valoriza e

engrandece as ações do Deus Desconhecido, de acordo com o excerto subscrito:

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24 o& qeoV o& poihvsa toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/, ou%to

ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn kuvrio ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~

katoikei~ 25 ou*deV u&poV ceirw~n a*nqrwpivnwn qerapeuvetai

prosdeovmenov tino, au*toV didouV pa~si zwhVn kaiV pnohVn kaiV

taV pavnta: 26 e*poivhsevn te e*x e&noV pa~n e!qno a*nqrwvpwn

katoikei~n e*piV pantoV proswvpou th~ gh~, o&rivsa

prostetagmevnou kairouV kaiV taV o&roqesiva th~ katoikiva au*tw~n. 24 O Deus que criou o Universo e todas as coisas (existentes) nele,

esse, sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos feitos por

mãos humanas, 25 nem mesmo é servido por mãos típicas de homens,

(como que) necessitando de alguma coisa. Dando ele a todos vida

terrena e fôlego e todas as coisas. 26 E fez de um toda a raça de seres

humanos para habitar sobre toda a face da terra; determinando

tempos oportunos estabelecidos e os limites assinalados da habitação

deles.

30 touV meVn oun crovnou th~ a*gnoiva u&peridwVn o& qeov, taV nu~n

paraggevllei toi~ a*nqrwvpoi pavnta pantacou~ metanoei~n, 31

kaqovti e!sthsen h&mevran e*n h%/ mevllei krivnein thVn oi*koumevnhn e*n dikaiosuvnh/, e*n a*ndriV w%/ w@risen, pivstin parascwVn pa~sin a*nasthvsa au*toVn e*k nekrw~n.

30 Sem dúvida alguma, Deus, não levando em conta os tempos da

ignorância, anuncia, agora, todas as coisas aos seres humanos em

todas as partes, para que se arrependam, 31 visto que estabeleceu um

dia no qual vai julgar toda a terra habitada com justiça por meio de

um varão, o qual designou, após ter dado garantia a todos, ressuscitou-o

dos mortos.

Eis as hipérboles: a locução pavnta tav, ―todas as coisas existentes‖, é formada

pelo adjetivo no neutro plural pavnta seguido do artigo, igualmente, no neutro pluraltav,

o emprego do artigo está enfatizando o sentido do adjetivo (vers. 24); o adjetivo pa~si,

―a todos‖(vers. 25) e taV pavnta, ―todas as coisas‖ (vers. 25); A locução formada por

um adjetivo e dois substantivos: pa~n e!qno a*nqrwvpwn, “toda a raça de seres

humanos‖; a locução e*piV pantoVproswvpou th~ gh~" toda a face da terra‖ (vers. 26),

formada por um adjetivo preposicionado seguido de um adjetivo e de um substantivo; a

locução: toi~ a*nqrwvpoi pavntapantacou~, ―todas as coisas aos seres humanos em

todas as partes‖ (vers. 30), formada por um substantivo seguido de um adjetivo e de

um advérbio de lugar; o adjetivo pa~sin, ―a todos‖ (vers. 30); thVn oi*koumevnhn, ―toda a

terra habitada‖ (vers. 31). Apesar de não estar presente, no original grego, o adjetivo no

acusativo, singular, pa~san, junto de thVn oi*koumevnhn, preferiu-se a tradução ―toda a

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terra habitada‖, uma vez que o substantivo oi*koumevnh oferece uma ideia de amplitude,

de expansão (vers. 31).

Assim é que se destaca, nos excertos supracitados, o adjetivo triforme pa~,

pa~sa, pa~n, ―tudo, toda‖, sobretudo em sua forma no masculino e no neutro, singular e

plural. Na verdade, o apóstolo queria que o seu público tivesse uma ideia completa e

bem mais ampla de quão grande e poderoso era o ―Deus Desconhecido‖.

Pode-se considerar, ainda, o adjetivo no grau comparativo

deisidaimonestevrou, "extremamente religiosos, muito religiosos (SCHOLZ, 2007, p.

810) (vers. 22) como outro exemplo também de uma hipérbole nominal. Convém

sublinhar, igualmente, o& qeoV o& poihvsa toVn kovsmon, “O Deus que criou o

Universo‖ (vers. 24), como mais uma hipérbole nominal, uma vez que o&

poihvsaverbopoievw no particípio substantivado) seguido do substantivo toVn

kovsmon, ―o Universo‖, dá uma ideia de universalidade, de abrangência.

É bom destacar os seguintes valores na argumentação de Paulo daquilo que é

digno de louvor ou de crítica, tais como, toV kaloVn kaiV toV ai*scrovn, ―o belo e o feio /

vergonhoso‖ e daquilo que é toV divkaion, ―o justo‖:

O que é “belo”, toV kalovn O que é “feio/ vergonhoso”, toV ai*scrovn

A devoção dos atenienses (v. 22);

A autossuficiência do ―Deus

Desconhecido‖ (v. 24-25);

A onipotência do Deus Desconhecido (v.

26-27);

A misericórdia e a bondade do Deus

Desconhecido (v. 30).

O politeísmo, isto é, o culto a outras

divindades que não seja o ―Deus

Desconhecido‖ (v. 26-27);

A representação imagética de deuses (v.

29).

O que é “justo”, toV divkaion

A justiça do ―Deus Desconhecido‖ (v. 31)

Agora, convém extrair ai& pivstei, ou seja, ―as provas‖, que serviram para a

a*povdeixi ―a demonstração‖, paulina:

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As Provas Técnicas

□ h^qo, "o caráter"

□ pavqo"a disposição"

□ lovgo"o discurso"

O apóstolo – valendo-se de sua vasta cultura, tanto judaica quanto helênica –,

constrói também o seu h^qo, tendo em vista as dovxai, ―os valores, as crenças‖, de seu

público ateniense.

Com isso, Paulo deixa transparecer para o seu público ser ele conhecedor e

admirador da literatura grega, ao citar versos de poetas gregos, e não desprezando,

portanto, a cultura desse povo. Além do mais, Paulo, provavelmente, sabia da

importância da figura de um poeta e da influência de seus versos para o público a quem

estava se dirigindo. Possivelmente, ele sabia que ali havia gregos que ainda

consideravam os poetas como seres inspirados, como ―portadores da revelação divina‖.

Na verdade, quando Paulo mostrou, por meio de suas palavras, que conhecia a cultura

grega, ele toca nos afetos (pavqh) de seus ouvintes.

O h^qode Paulo revelou ser ele um homem bem intencionado para com seus

ouvintes, portador de eu!noia, ―benevolência‖, uma vez que ele lhes apresentou o ―Deus

Desconhecido‖, a quem os atenienses adoravam, mas não estavam muito bem

informados a seu respeito.

Paulo extraiu o seu proêmio do ―louvor‖, do ―elogio‖ a seu público (At 17. 22),

para obter a simpatia entre ele e os ouvintes; assim sendo, ao iniciar a sua

argumentação, o apóstolo faz um elogio, almejando lhes despertar alguns pavqh, ―as

disposições, sentimentos‖ (vers. 16), como, por exemplo, h& filiva, ―a amizade‖, toV

qarrei~n, ―a confiança‖, h& cavri, ―a benevolência‖.

A princípio, pode parecer estranho tal elogio, uma vez que o relato dos Atos

informa que ele ficou indignado em face da idolatria da cidade (At 17. 16). Mas apesar

disso, em nenhum momento, ele desrespeitou os ouvintes, qualificando-os de

―idólatras‖ ou de ―adoradores de falsos deuses‖, mas os denominou

deisidaimonestevrou ―extremamente religiosos‖ (At 17. 22). Na verdade, Paulo tinha

consciência de que os gregos, apesar de não possuírem as mesmas crenças religiosas

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293

que ele, eram um povo extremamente religioso, cultuando e crendo nos deuses que

consideravam verdadeiros.

Paulo sabia que o seu público se constituía tanto de pessoas muito religiosas

quanto de filósofos estóicos e epicureus, pois ele fora confrontado por esses dois

últimos grupos, antes de ser conduzido para discursar no Areópago (At 17. 17-18). Para

tal, empregou determinados procedimentos argumentativos, a fim de alcançar a

persuasão por meio do lovgoO apóstolo constrói o seu discurso, tendo por base os

possíveis tovpoi, incluídos na inventio, tratando-os como fatos verídicos, sem questionar

a veracidade dos acontecimentos.

Paulo empregou a citação direta, isto é, o ―discurso relatado‖, um procedimento

retórico, como uma espécie de fonte da verdade, ou seja, um testemunho confiável.

Rowe destaca que, no discurso do Areópago, a fala de Phaenomena de Aratus e

outras alusões são removidas da moldura interpretativa original e situadas em outra

moldura, que se estende de Gênesis 1 até a ressurreição de Jesus no último dia (h&mevra,

vers. 31) (ROWE, 2009, p. 40).

Paulo se utilizou de comparações, tais como, w& deisidaimonestevrou, "como

extremamente religiosos" (At 17. 22). O apóstolo sustentou seus argumentos

empregando também vocábulos apropriados, como ou*ranov, “céu‖, gh~, ―terra‖,

kovsmo, ―universo‖, kuvrio, ―Senhor‖ e o& qeoV o& poihvsa, o “Deus que criou‖, isto

é, o ―Criador‖, para situar o ―Deus Desconhecido‖, diante dos atenienses:

24 o& qeoV o& poihvsa toVn kovsmon kaiV pavnta taV e*n au*tw~/, ou%to

ou*ranou~ kaiV gh~ u&pavrcwn kuvrio ou*k e*n ceiropoihvtoi naoi~ katoikei~.

24 O Deus que criou o Universo e todas as coisas (existentes) nele, esse,

sendo Senhor do céu e da terra, habita, não em templos feitos por mãos

humanas.

A propósito, as formas verbais e*poivhsevn, “fez‖, e o&rivsa"limitando‖,

demonstram a ação da Divindade, uma vez que se trata de verbos de ação; já os

infinitivos katoikei~n, “para habitar‖ (vers. 26), e zhtei~n, “para buscarem‖ (vers. 27),

indicam o objetivo da Divindade quanto à sua criação.

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294

Pensar uma divindade que não vive em monumentos construídos pelos homens

(vers. 24) não é censurar o pensamento do suposto idólatra, mas admitir o problema da

ignorância gentílica em sua totalidade e a necessidade de arrependimento; é, por

consequência, admitir a dikaiosuvnh, ―a justiça‖, do Deus dos Judeus (vers. 31)

(ROWE, 2009, p. 40).

A proclamação de Paulo não é nova. Certamente, Paulo especifica esse ―Deus

Desconhecido‖ como ―o Deus que fez o mundo e tudo mais‖, alicerçando a sua

argumentação na origem do kovsmo. Associar a identidade do ―Deus Desconhecido‖

com a criação é evitar a acusação de que se está proclamando uma nova divindade. Ser

―filho de Deus‖ (vers. 29), no sentido que Paulo atribui a essa expressão, não é ser

―filho de Zeus‖, mas, peculiarmente, asumir-se como um povo que rejeita a ―idolatria‖

(ROWE, 2009, p. 40).

Paulo mostrou-se, sem dúvida, muito bem inspirado, nesse episódio registrado

no livro dos Atos, quando se referiu a um objeto de culto dos atenienses, isto é, o altar

do ―Deus Desconhecido‖, *Agnwvstw/ qew~/, para persuadi-los de que havia um único

Deus verdadeiro (At 17. 22-34).

O apóstolo, desse modo, adaptou o seu discurso, levando em consideração as

dovxai, ―os valores, as crenças‖, de seu público, conforme já foi dito. Entrementes, Glad

dá o seguinte testemunho sobre Paulo e a ―adaptalidade‖:

A ideia da adaptalidade era comum no mundo greco-romano no tempo

de Paulo entre diferentes segmentos da sociedade por toda a bacia do

Mediterrâneo. ―Adaptação‖ é um termo relacional; fala-se de adaptar ou

ajustar alguma coisa a uma outra, por exemplo, seu comportamento ou

sua fala aos outros em circunstâncias específicas. Como conceito

relacional, o termo se refere ao que precisa ser adaptado e àquilo a que

precisa se adaptar. Relaciona-se com o caráter, a obra e os objetivos de

alguém, e com as várias circunstâncias e tipos de pessoas que se

encontram. A adaptação no discurso, muitas vezes tratada sob os títulos

de propriedade do discurso e descrição de caráter, tinha de atuar nas

várias condições dos destinatários numa tentativa de ser perspicaz. Os

retóricos sabiam muito até que ponto sua apresentação podia afetar a

recepção de seus discursos. Os oradores tinham de saber como falar

adequadamente no ―momento oportuno‖ para obter o desejado impacto

nos ouvintes (GLAD apud SAMPLEY, 2008, pp. 1-3).

A propósito, a opinião de Glad é, também aqui, digna de nota:

Nesse modo de pensar, a ―cooptação ou ―empréstimo‖ que Paulo faz de

concepções, convenções ou práticas helenísticas ou romanas era,

simplesmente, sua maneira criativa de embalar o evangelho. Longe de

mim dizer que Paulo não era oportunista! Servia-se de qualquer

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295

abertura, oportunidade ou situação que se apresentava como ocasião de

pregar. Por exemplo a sua pregação aos gálatas, justamente porque

ficou doente enquanto atravessava a terra deles (Gl 4. 13), ou sua

pregação aos guardas pretorianos, porque aconteceu que eram eles que

o vigiavam no cativeiro (Fp 1. 13) (GLAD apud SAMPLEY, 2008, p.

XVII).

É bom lembrar Aristóteles, que disserta a respeito da ―adaptação / o

ajustamento‖, h& a&rmovttousa, da elocução que deve ser de acordo com cada ―gênero /

categoria‖, gevno e ―disposição / maneira de ser‖, e@xi (ARISTOTE. Rhétorique III,

7, 1408 a 25-32).

O apóstolo, desse modo, transmitiu uma imagem de homem sensato, prudente,

portador de frwvnesi.

Há uma certa predominânica de verbos no presente tanto no modo indicativo

quanto em formas nominais participiais e infinitivas. Exemplos: a) Modo Indicativo:

qewrw~, “contemplo” (vers. 22); eu*sebei~te, “adorais‖, kataggevllw, ―anuncio‖ (vers.

23); qerapeuvetai, ―é servido‖ (vers. 25); katoikei~, ―habita‖ (vers. 24); zw~men,

―vivemos‖, kinouvmeqa, ―movemos‖, e*smevn, ―existimos, somos‖ (v. 28); o*feivlomen,

“devemos‖ (vers. 29); paraggevllei, “anuncia‖ (v. 30), mevllei, “vai‖ (vers. 31).

Dentre algumas possibilidades da expressão modal, tem-se o modo real, expresso pelo

modo indicativo, que exprime a ação de modo objetivo; b) Particípios:

diercovmeno"passando‖, a*naqewrw~n, “observando atentamente‖, a*gnoou~nte"não

conhecendo‖ (vers. 23); u&pavrcwn, “sendo‖ (vers. 24); prosdeovmenov, ―necessitando‖,

didouV"dando‖ (vers. 25); u&pavrconta, ―esteja‖ (vers. 27); u&pavrconte"sendo"

(vers. 29); parascwvn, “após ter dado‖ (vers. 31); c) Infinitivos: katoikei~n, “para

habitar‖ (vers. 26); zhtei~n, “para buscarem‖ (vers. 27); nomivzein, ―pensar‖, ei^nai,

―ser‖ (vers. 29) metanoei~n, ―para que se arrependam‖, krivnein, “julgar‖ (vers. 30).

Ora, com o emprego dos verbos no tempo presente, de um modo geral, o aspecto

durativo da ação verbal persiste nas palavras do orador Paulo. Desse modo, a ação se

desenrola de forma linear, em pleno processo de execução.

Há o predomínio de construções hipotáticas, principalmente da implícita com o

emprego tanto de particípios (em sua grande maioria) quanto de infinitivos.

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296

A epáuxese499 também se encontra presente no lovgo paulino: diercovmeno

“passando‖, a*naqewrw~n, ―observando atentamente‖, e*pegevgrapto, ―estava escrito‖,

a*gnoou~nte “não conhecendo‖, kataggevllw, “anuncio‖ (vers. 23), u&pavrcwn,

―sendo‖, katoikei~, ―habita‖ (vers. 24), prosdeovmenov “necessitando‖ (vers. 25),

katoikei~n, “para habitar‖, prostetagmevnou, ―determinando‖ (vers. 26), u&pavrconta,

―esteja‖ (vers. 27), u&pavrconte, ―sendo‖ (vers. 29), u&peridwvn, “não levando em

conta‖, paraggevllei, ―anuncia‖, metanoei~n, “para que se arrependam‖ (vers. 30),

parascwvn, “após ter dado‖, e a*nasthvsa “ressuscitou‖ (vers. 31).

A função expressiva ou emotiva, que está centrada no narrador, e a função

conativa ou apelativa, que está centrada no narratário, sobressaem no início da

argumentação paulina, conforme Atos 17. 22-23. Há, desse modo, um paralelo entre

e*gwv e u&ma~, isto é, entre Paulo e os atenienses, no caso, seus ouvintes. A principal

função referencial que se tem, em destaque, é a explanação paulina a respeito do ―Deus

Desconhecido‖ (vers. 24-31).

Destarte, o apóstolo conseguiu, por meio do discurso, persuadir alguns gregos -

tanto homens quanto mulheres – de que o ―Deus Desconhecido‖, que eles cultuavam,

era, na verdade, o verdadeiro Deus que ele anunciava (vers. 34). A propósito, o ―Deus

Desconhecido‖ era superior às outras divindades do panteão helênico, sendo o

verdadeiro ―Senhor do Universo‖.

É bom lembrar que, além daqueles ouvintes que foram persuadidos, houve

aqueles que escarneceram e outros que almejavam ouvir a Paulo em outra ocasião, uma

vez que ele mencionou a respeito da ressurreição (vers. 32-34). Assim, pode-se dizer

que houve mais ―disposições‖, pavqh, que Paulo despertou em seus ouvintes, tanto toV

qarrei~n, ―a confiança‖, quanto h& nevmesi ―a indignação‖, além das disposições que

ele almejou alcançar no proêmio.

As Provas Extratécnicas

□ Oi& mavrture"As Testemunhas‖

□ Ai& suggrafai, ―Os Escritos‖

499

De acordo com nota de nº 390, cf pág. 218.

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O apóstolo, em nenhum momento, citou nomes de profetas israelitas e nem

excertos das sagradas escrituras judaicas (de modo direto), para obter o respeito e a

atenção de seus ouvintes.

Na verdade, ele contextualizou a sua mensagem, falou a língua dos seus

ouvintes, mesmo sendo um estrangeiro, não precisou de intérprete, para alcançar a

persuasão de seu público. Além do mais, empregou excertos dos poetas gregos para

fundamentar a sua argumentação, para dar mais veracidade às suas palavras (vers. 28).

Assim, os poetas gregos Cleantes de Assos e Áratos de Soli, por exemplo, podem ser

considerados as testemunhas antigas.

Nunca é demais ressaltar a importância de um poeta na Grécia Antiga e a

inspiração poética. Aristóteles, Cícero e Demócrito dão o seguinte testemunho a

respeito da inspiração poética:

Fqevggontaiv te gaVr taV toiau~ta e*nqousiavzonte, w@ste kaiV

a*podevcontai dhlonovti o&moivw e!conte. DioV kaiV th~/ poihvsei

h@rmosen: e!nqeon gaVr h& poivhsi (ARISTOTE. Rhétorique III, 7.

1408 b 17-19).

Com efeito, os inspirados falam coisas tais, que, também os ouvintes,

ficam em (estado) semelhante. Porque isso, se ajusta à poesia, pois a

poesia é inspirada pelos deuses.

Cícero, por sua vez, afirma:

Saepe enim audivi poetam bonum neminem – idquod a Democrito et

Platone in scriptis relictum esse dicunt – sine inflammatione animorum

exsistere posse et sine quodum adflatu quase furores.

Por muitas vezes, ouvi dizer que ninguém seria um bom poeta (opinião

essa que Demócrito e Platão deixaram em seus escritos) sem que possa

estar com a alma entusiasmada e sem um sopro como de um furor

(CICÉRON. De Oratore 2, 194).

E também Demócrito:

poihthV deV a@ssa meVn a#n gravfh/ met’ e*nqousiasmou~ kaiV i&erou~

pneuvmato, kalaV kavrta e*stivn (fr. D12).

Todas as coisas que um poeta escreve com entusiasmo e sopro sagrado

são, certamente, belas.

Desse modo, o poeta, entre os gregos antigos, era por muitos considerado como

um ser sagrado, que falava belas coisas, por meio de uma qei~a duvnami ―força divina‖,

ou ainda por meio de uma qei~a moi~ra, “parcela / privilégio divino‖, e não por uma

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e*pisthvmh, ―arte ou ciência‖, (PLATÃO. Íon, 532 d; 533 e; 534 b, c, d).

kou~fon gaVr crh~ma poihthv e*stin kaiV pthnoVn kaiV i&erovn, kaiV ou*

provteron oi%ov te poiei~n priVn a#n e!nqeov te gevnhtai kaiV e!kfrwn

kaiV o& nou~ mhkevti e*n au*tw~/ e*nh~/ : e@w d’ a#n touti V e!ch/ toV kth~ma,

a*duvnato pa~ poiei~n a!nqrwpo e*stin kaiV crhsmw/dei~n (PLATÃO. Íon, 534 b).

Com efeito, o poeta é algo leve, alado, sagrado, e não pode criar antes

de sentir inspiração, de estar fora de si e de perder o uso da razão.

Enquanto não receber este dom divino, nenhum ser humano é capaz de

fazer versos ou de proferir oráculos.

Em um outro diálogo platônico, o filósofo destaca que os antigos testemunharam

que a maniva, ―a manía, o delírio‖, que emanava dos deuses, era superior ao equilíbrio,

ao estado são das coisas. Os maiores benefícios que alguém pudesse alcançar sucediam

por causa da maniva500. Esta, sendo divina, é algo concedido (PLATO. Phaedrus, 244 a).

(...) nu~n deV taV mevgista tw~n a*gaqw~n h&mi~n givgnetai diaV maniva,

qeiva/ mevntoi dovsei didomevnh (PLATO. Phaedrus 244 a).

Ora, agora, a maior das coisas nobres sucede a nós por causa da manía,

dada, certamente, como um presente divino.

A propósito, acredita-se que a noção de poeta ―possuído‖, que compõe em

estado de entusiasmo, possa ser anterior a Platão, uma vez que o filósofo a denomina de

um ―antigo mito‖: palaioV mu~qo (PLATO. Laws, 719 C).

(...) palaioV mu~qo, w^ nomoqevta, u&poV te au*tw~n h&mw~n a*eiV

legovmenov e*stin kaiV toi~ a!lloi pa~sin sundedogmevno, o@ti

poihthv, o&povtan e*n tw~/ trivpodi th~ Mouvsh kaqivzhtai, tovte

ou*k e!mfrwn e*stivn, oi%on deV krhvnh ti toV e*pioVn r&rei~n e&toivmw

e*a~/, kaiV th~ tevcnh (...) (PLATO. Laws, 719 c).

500

Dodds expõe três opiniões, acerca do que Platão queria dizer, literalmente, com relação à maniva

poética divina que dominava o poeta: a) Platão percebia a analogia entre mediunidade, criação poética e

manifestações patológicas de consciência religiosa; b) ele aceitava as explicações religiosas para tais

fenômenos; c) mesmo Platão aceitando o poeta, o profeta e o coribântico como vínculos de possessão

divina (sem levar em conta sua possível ironia), o filósofo coloca essas atividades abaixo do racional.

Dodds, para isso, destaca Fedro 248 D, em que o profeta e o poeta são postos no 5º e 6º grupos, após os

homens de negócios e atletas. O helenista, ainda, retrata as opiniões de alguns críticos, entre eles

Collingwood e Boyancé. Para o primeiro, ―chamar de arte uma força divina ou uma inspiração é,

simplesmente, chamá-la ―um não sei o que‖; já, o segundo tomou o que Platão disse muito literalmente, o

que, de acordo com Dodds, perde o tom irônico platônico (DODDS, 2002, p. 219).

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299

Há, ó legislador, um antigo mito que é sempre dito por nós mesmos e

aprovado, igualmente, por todos os outros, que um poeta, quando está

sentado no tripé das Musas, não está consciente, mas (é) como se fosse

uma fonte que avança para fluir prontamente (...).

Nesse caso, a divindade, ao ―subtrair‖ a razão desses poetas, os utilizaria como

u&phrevtai, ―ministros‖, crhsmw/doi~, ―profetas‖, mavntesi, ―adivinhos‖, e

e&rmhnh~"intérpretes"; por conseguinte, é a própria divindade quem fala por meio

deles; os poemas são divinos (PLATÃO. Íon, 534 e / 535 a), citem-se, por exemplo: oi&

deV poihtaiV ou*deVn a*ll’ h# e&rmhnh~ ei*sin tw~n qew~n, katecovmenoi e*x o@tou a#n

e@kasto katevchtai, ―E que os poetas não passam de intérpretes dos deuses, sendo

possuídos pela divindade, de quem recebem a inspiração‖ (PLATÃO. Íon, 534 e).

Esta mesma afirmação encontra-se em outro diálogo de Platão:

(...) a*llaV fuvsei tiniV kaiV e*nqousiavzonte w@sper oi& qeomavntei kaiV oi& crhsmw/doiv: kaiV gaVr ou%toi levgousi meVn pollaV kaiV kalav,

i!sasin deV ou*deVn w%n levgousi (PLATO. Apology 22c).

(...) Mas, por alguma natureza, (os poetas são) inspirados como os

adivinhos e os profetas. De fato, esses dizem muitas e belas coisas, mas

não sabem nada das coisas que dizem.

Nessa concepção, o poeta seria, apenas, um instrumento, um ―porta-voz‖ dos

deuses; e se apresentaria também como um ser sagrado que tem acesso a um plano

transcendental, como corroboram os versos subscritos501:

501

Platão, apesar de retratar o poeta no Íon e em outros diálogos como um ser possuído pelas divindades,

quando se encontrava em seu estado de criação, não deixou de, na República, fazer críticas a poetas tais

como Homero e Hesíodo. Platão vê esses poetas e os tragediógrafos como imitadores que seduzem o

público. Nos últimos livros da República, o filósofo, ao tratar da poesia, defende a posição de que a

poesia imitativa deveria ser rejeitada, pois causaria prejuízo à mente dos ouvintes, devendo, para isso, ter

um antídoto. O pintor é posto no mesmo nível do poeta, já que a arte da pintura é uma imitação da

realidade, da aparência, e não há verdade nela. Um pintor pode pintar um sapateiro, ou um carpinteiro,

sem nada entender dessas artes. Homero é um simples imitador, e não pode servir de guia para ninguém.

Os poetas trágicos também não deixavam de ser imitadores. A poesia imitativa apresenta ações humanas;

e o poeta imitativo faz com que a mente se perca em aparências que nada tem a ver com a verdade.

Quando, em uma passagem em Homero, ou ainda na obra dos poetas trágicos, o herói ou a vítima de

alguma desgraça chora e se desespera, as pessoas simpatizam com essas cenas. No entanto, constata-se

que, quando uma situação triste sobrevém, em vez de a pessoa se desesperar, como no teatro, ela domina

a si mesma (se controla) diante das outras, pois, de acordo com a razão, é conveniente que nos

conservemos tranquilos ao lidarmos com o sofrimento. Assim sendo, o sentimento que se reprime, em

momentos de desespero, é, justamente, o sentimento que os poetas exploram e incitam. Nessa perspectiva,

a piedade pelas personagens pode enfraquecer as pessoas, uma vez que tais emoções não estão ainda sob

a égide da razão. Por outro lado, a comédia pode tornar a pessoa um farsante, pois o homem ri diante das

inconveniências das personagens, incoveniências das quais ele se envergonharia, quando fora do teatro..

O fato de o ser humano trazer à memória o drama de alguma personagem, para Platão, é algo a combater,

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300

trivth deV a*poV Mousw~n katokwchv te kaiV maniva, labou~sa a&palhVn

kaiV a!baton yuchvn, e*geivrousa kaiV e*k bakceuvousa katav te w*/daV

kaiV kataV thVn a!llhn poivhsin (...)

A terceira possessão divina e a maniva502 (emanam) das Musas, quando

(elas) se apossam de uma alma delicada e sagrada, incitando-a e

agitando-a através dos cantos e de outra criação (PLATO. Phaedrus,

245 a).

O poeta e o adivinho, segundo Vernant, são duas pessoas com um mesmo dom

de ―vidência‖; eles veem o sobrenatural, e isso é um privilégio exclusivo deles; a

inspiração, que provém dos deuses, é como se fosse uma revelação, e as revelações não

são captadas pelo olhar humano. E apesar do dom da vidência, na maioria das vezes, a

atividade do adivinho diz respeito às coisas futuras, e a do poeta, às coisas passadas

(VERNANT, 1990, pp. 137-138).

A poesia seria então um exemplo típico da possessão e do delírio divinos. Ao ser

possuído pelas Musas, o poeta se torna intérprete de Mnemosýne, tal qual o profeta,

inspirado pelo deus, é intérprete de Apolo (VERNANT, 1990, p. 137).

É ainda Vernant que indaga a respeito da função da memória:

Qual é então a função da memória? Não reconstrói o tempo: não o anula

tampouco. Ao fazer cair a barreira que separa o presente do passado,

lança uma ponte entre o mundo dos vivos e o do além ao qual retorna

tudo o que deixou a luz do sol. O privilégio que Mnemosýne confere ao

aedo é aquele de um contato com o outro mundo, a possibilidade de aí

entrar e de voltar dele livremente. O passado aparece como uma

dimensão do além (VERNANT, 1990, p. 143).

Vernant atesta, ainda, que: ―o poder de rememoração é, nós o lembramos, uma

conquista; a sacralização de Mnemosýne marca o preço que lhe é dado em uma

civilização de tradição puramente oral como foi a civilização grega, entre os séculos VII

pois isso levava as pessoas a se identificarem com a dor dessa personagem, em vez de analisá-la e

compreendê-la (PLATO. Republic, capítulos 3, 9, 10). 502

Platão distingue quatro tipos de manivai: a profética (mantikhv), que estaria ligada ao deus Apolo, a

mística (telestikhv), influenciada por Dioniso, a poética (poihtikhv), inspirada pelas Musas, e a erótica

(e*rwtikhv), cujos responsáveis seriam deuses como Afrodite e Eros (PLATO. Phaedrus, 244 a – 245 c;

265 b). Não obstante, para o personagem Sócrates, o Amor seria assim como uma espécie de graça divina,

a mais excelente das manias (ibidem, 265b). O entusiasmo poético se assemelhava à pedra de Heracleia, a

qual transmitia seus poderes a anéis de ferro, fazendo com que estes passassem a atrair outros anéis. O

espectador seria, assim, o último dos anéis; o anel do meio, o rapsodo e ator; e o primeiro, o próprio

poeta. A divindade – figurada pela pedra - atrairia a alma dos homens, transmitindo a sua força de uns

para os outros. Cada poeta ligar-se-ia a uma Musa, tal qual os coribantes, sensíveis à musica do deus que

os possui, mas insensíveis às outra coisas. Desse modo, o poeta seria transportado a um nível sobre-

humano, tal como os coribantes, ficando então privado da razão (PLATÃO. Íon, 536 a, b).

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301

e VIII, antes da difusão da escrita‖ (VERNANT, 1990, p. 108).

Assim, a criação poética, tratando de coisas memoráveis, não dependia da

racionalidade do homem para a sua realização503

. Convém lembrar, ainda, o poeta

Homero e suas famosas invocações à Mou~sa (Deusa), filha de Mnhmosuvnh, ―a

Memória‖, em seus versos épicos (HOMÈRE. Iliade 1, 1-2; 2, 484-494). Há,

igualmente, uma invocação à Musa no proêmio da Odisseia, de acordo com os versos

subscritos:

a!ndra moi e!nnepe, mou~sa, poluvtropon, o$ mavla pollaV

plavgcqh, e*peiV Troivh i&eroVn ptoliveqron e!persen: pollw~n d’ a*nqrwvpwn i!den a!stea kaiV novon e!gnw, pollaV d’ o@ g’ e*n povntw/ pavqen a!lgea o$n kataV qumovn,

a*rnuvmeno h@n te yuchVn kaiV novston e&taivrwn.

a*ll’ ou*d’ w$ e&tavrou e*rruvsato, i&evmenov per: au*tw~n gaVr sfetevrh/sin a*tasqalivh/sin o!lonto,

nhvpioi, oi$ kataV bou~ &Uperivonos *Helivoio h!sqion: au*taVr o& toi~sin a*feivleto novstimon hmar.

(HOMER. Odyssey 1, 1-9)

O guerreiro diz-me, Musa, ardiloso, que muitíssimo

Vagueou, desde que, de Troia, a sagrada cidadela pilhou,

E de muitos homens viu as cidades e o espírito conheceu –

E muitas dores ele, no mar, sofreu em seu ânimo,

Lutando por sua vida e pelo retorno dos companheiros –

Mas nem assim os companheiros salvou como queria,

Pois eles, pela própria insensatez, pereceram,

Tolos, que os bois do filho de Hipérion, o Sol,

Comeram: logo este lhes tirou o dia do retorno504

.

(HOMERO. Odisseia I, 1-9)

Em um outro episódio, Odisseu reconhece o papel do aedo505

como

intermediário entre divindades e homens (HOMER. Odyssey 8, 487-489), já que a

inspiração divina é a condição para uma belíssima canção.

Dhmovdok’, e!xoca dhv se brotw~n ai*nivzom’ a&pavntwn.

h# sev ge mou~s’ e*divdaxe, DioV pavi>, h# sev g’ *Apovllwn:

Livhn gaVr kataV kovsmon *Acaiw~n oiton a*eivdei

(HOMER. Odyssey 8, 487-489)

Demódoco, certamente, muito te louvo dentre todos os mortais.

503

Apesar de o poeta ser um ser inspirado pelas Musas, não será excluída uma certa preparação, citem-se,

por exemplo o emprego de versos-fórmulas, com os versos que se repetem ou que são muito parecidos,

atestados, sobretudo, nas epopeias homéricas (HOMÈRE. Iliade 1. 30, 84, 121, 215, 172, 285, 467-469,

475, 477; 8. 1; HOMER. Odyssey 4. 52-56; 8. 172-176). 504

Tradução para o português do Professor Doutor Jacyntho Lins Brandão. In: A Musa e Homero, p. 17. 505

Duchemin chama a atenção para o fato de que Homero e Hesíodo não utilizam o termo poihthv,

―poeta‖, em seus versos. Os prosadores, Heródoto e, principalmente, Platão o empregam; já Píndaro

emprega toda uma gama de termos expressivos (DUCHEMIN, 1955, p. 32).

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302

Foi a Musa, filha de Zeus, quem te ensinou, ou foi Apolo?

Pois cantas, completamente, o infortúnio dos Aqueus de modo ordeiro.

Convém mencionar Fêmio que suplicou pela sua vida a Odisseu nestes termos:

gounou~maiv s’, *Odusseu~: suV dev m’ ai!deo kaiv m’ e*levhson:

345 au*tw~/ toi metovpisq’ a!co e!ssetai, ei! ken a*oidoVn

pevfnh/, o@ te qeoi~si kaiV a*nqrwvpoisin a*eivdw.

au*todivdakto d’ ei*miv, qeoV dev moi e*n fresiVn oi!ma

pantoiva e*nevfusen: e!oika dev toi paraeivdein

w@ te qew~/ (HOMER. Odyssey 22, 344-349)

Estou de joelhos (diante de) ti, ó Odisseu, tenha tu compaixão de mim e

compadeça-te de mim;

345 depois, lhe causará afliç(ões), se ultrajares um aedo;

Canto tanto para deuses quanto para homens.

Ora, sou autodidata, mas um deus plantou em minha alma variados

poemas. Receba junto a ti o meu cantar

como a um deus.

Também é bom citar as palavras de Detienne, para quem o aedo é: ―encarregado

de devolver à elite que o sustenta uma imagem embelecida de seu passado‖

(DETIENNE, 2013, p. 23).

O helenista Torrano faz a seguinte explanação a respeito do papel das Musas e

da Memória, no ato da inspiração poética, tendo, por referência, principalmente,

Hesíodo:

O poeta, portanto, tem na palavra cantada o poder de ultrapassar e

superar todos os bloqueios e distancias espaciais e temporais, um poder

que só lhe é conferido pela Memória (Mnemosyne) através das palavras

cantadas (Musas). Fecundada por Zeus Pai, que, no panteão hesiódico,

encarna a justiça e a Soberania supremas, a Memória gera e dá a luz as

Palavras Cantadas, que na língua de Hesíodo se dizem Musas. Portanto,

o canto (as Musas) é nascido da Memória (tem sentido psicológico,

inclusive) e do mais alto exercício do Poder (num sentido político,

inclusive). O aedo (Hesíodo) se poe ao lado e, por vezes, acima dos

basileîs (reis), nobres locais que detinham o poder de conservar e

interpretar as fórmulas pré-jurídicas não-escritas e administar a justiça

entre querelantes e que encarnavam a autoridade mais alta entre os

homens. Esta extrema importância que se confere ao poeta e à poesia

repousa em parte no fato de o poeta ser, dentro das perspectivas de uma

cultura oral, um cultor da Memória (no sentido religioso e no da

eficiência prática), e em parte no imenso poder que os povos ágrafos

sentem na força da palavra e que a adoção do alfabeto solapou até quase

destruir (TORRANO, 2007 a, pp. 16-17). Então, a palavra tinha o poder

de tornar presentes os fatos passados e os fatos futuros (Teogonia, vv.

32, 38), de restaurar e de renovar a vida (vv. 98-103) (ibidem, 2007 a, p.

19).

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303

É mister, então, citar o proêmio hesiódico506

:

Mousavwn &Elikwniavdwn a*rcwvmeq’ a*eivdein,

ai@ q’ &Elikw~no e!cousin o!ro mevga te zavqeovn te kaiv te periV krhvnhn i*oeideva povss’ a*paloi~sin

o*rceu~ntai kaiV bwmoVn e*risqenevo Kronivwno.

Pelas Musas heliconíades comecemos a cantar.

Elas têm grande e divino o monte Hélicon,

Em volta da fonte violácea com pés suaves

Dançam e do altar do bem forte filho de Crono.

(HESÍODO. Teogonia 1-4)

A seguir, os versos subsequentes:

Tuvnh, Mousavwn a*rcwvmeqa, taiV DiiV patriV

u&mneu~sai tevrpousi mevgan novon e*ntoV *Oluvmpou, ei*reu~sai tav t’ e*ovnta tav t’ e*ssovmena prov t’ e*ovnta, fwnh~/ o&mhreu~sai:

Eia! pelas Musas comecemos, elas a Zeus pai

hineando alegram o grande espírito no Olimpo

dizendo o presente, o futuro e o passado

vozes aliando (HESÍODO. Teogonia 36-39)507

.

Por meio da memória, o poeta entrava em contato com o outro mundo. Detienne

diz que a memória é ―o poder religioso que confere ao verbo poético o estatuto de

mágico-religioso. De fato, a palavra cantada, pronunciada por um poeta dotado de um

dom de vidência, é um discurso eficaz‖ (DETIENNE, 2013, pp. 15-16).

O poeta possuía uma dupla função: celebrar os imortais e as ações dos homens

valentes, como corroboram os versos subscritos:

o$ d’ o!lbio, o@ntina Mou~sai

fivlwntai: glukerhv oi& a*poV stovmato r&evei au*dhv.

506

Assim Torrano explica a respeito da exortação hesiódica: ―A exortação ―pelas Musas comecemos a

cantar‖ diz também que tenhamos nelas o princípio por que nos deixar guiar e exprime ainda a vontade de

que seja pela força delas que se cante. Não é nem a voz nem a habilidade humana do cantor que

imprimirá sentido e força, direção e presença ao canto, mas é a própria força e presença das Musas que

gera e dirige o nosso canto (ibidem, 2007, p. 21). A partir de sua experiência da epifania das Musas,

Hesíodo se torna Cantor, servo das Musas, o vigia da Palavra. Enquanto filhas da Memória é que as

Musas fazem revelações (alethéa) ou impõem o esquecimento (lesmosyne) (p. 30). Os poetas também

são, igualmente, Senhores da Palavra. Este privilégio incomparável, que irmana reis e cantores, é que dá a

Hesíodo autoridade para repreender e invectivar os reis venais‖ (TORRANO, 2007 b, p. 37). 507

A tradução é do Professor Doutor J.A.A. Torrano. Ver também: HESÍODO. Teogonia 32; HOMÈRE.

Iliade 1. 70.

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304

ei* gavr ti kaiV pevnqo e!cwn neokhdevi qumw~/

a!zhtai kradivhn a*kachvmeno, au*taVr a*oidoV Mousavwn qeravpwn klei~a protevrwn a*nqrwvpwn

u&mnhvsei mavkarav te qeouV oi$ !Olumpon e!cousin, aiy’ o@ ge dusfrosunevwn e*pilhvqetai ou*dev ti khdevwn

mevmnhtai: tacevw deV parevtrape dw~ra qeavwn.

Feliz é quem as Musas amam,

doce de sua boca flui a voz.

Se com angústia no ânimo recém ferido

alguém aflito mirra o coração e se o cantor

servo das Musas hineia a glória dos antigos

e os venturosos Deuses que têm o Olimpo,

logo esquece os pesares e de nenhuma aflição

se lembra, já os desviaram os dons das Deusas

(HESÍODO. Teogonia 96-103).

u&mnei~n a*qanavtou, u&mnei~n a*gaqw~n kleva a*ndrw~n (THEOCRITUS. Idylls 16. 2).

Celebrar os imortais, celebrar os feitos dos homens valorosos.

Moi~sa d’ ou@tw poi parevsta moi neosivgalon eu&rovnti trovpon Dwrivw/ fwnaVn e*narmovxai pedivlw/

e*peiV caivtaisi meVn zeucqevnte e!pi stevfanoi

pravssontiv me tou~to qeovdmaton crevo, fovrmiggav te poikilovgarun kaiV boaVn au*lw~n e*pevwn te qevsin

Ai*nhsidavmou paidiV summi~xai prepovntw, a@ te Pivsa me

gegonei~n: ta~ a*poV qeovmoroi nivsont’ e*p’ a*nqrwvpou a*oidaiv (PINDAR. Olympian 3. 4-10)

Por isso a Musa, sim, junto a

mim esteve ao achar um modo lustre-novo

de na dórica sandália encaixar a voz

com cortejo radiante, pois coroas, às

madeixas tendo sido jungidas,

exigem de mim esta dívida de base divina,

lira de tom variegado,

ressoo de aulos e a colocação de palavras

misturar com adequação para os filhos de Ainesidamo–

e Pisa, que eu brade. Vindos dela,

cantos repartidos pelos deuses dirigem-se aos homens508

.

Detienne sublinha que o poeta é um ―Mestre da Verdade‖, pois é um

―funcionário da realeza‖. O helenista, ainda, disserta a respeita da oposição entre

Alétheia e Léthe: “Alétheia não se opõe à ―mentira‖; não há o ―verdadeiro‖ frente ao

508

Tradução do Professor Doutor Christian Werner.

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―falso‖. Nesse nível de pensamento, se o poeta é, verdadeiramente, um ser inspirado, se

o seu verbo se fundamenta sobre um dom de vidência, a sua palavra tende a se

identificar com a ―Verdade‖ (DETIENNE, 2013, p. 29).

As musas reivindicam o privilégio de a*lhvqeva ghruvsasqai, ―dizer a verdade‖

(HESÍODO. Teogonia 28). Desse modo, a alétheia possui uma relação com a Musa e a

Memória. A propósito, ―as Musas são aquelas que ―dizem o que é, o que será, o que

foi‖; são as palavras da Memória‖ (DETIENNE, 2013, p. 19).

Convém lembrar que o elogio é aristocrático não sendo aplicado a qualquer ser

humano:

Nevstora kaiV Luvkion Sarphdovn, a*nqrwvpwn favti,

e*x e*pevwn keladennw~n, tevktone oi%a sofoiV

a@rmosan, gignwvskomen. d’ a*retaV kleinai~ a*oidai~

croniva televqei. Pauvroi deV pravxasq’ eu*marev.

Nestor e o Liciano Sarpédon, de grande nomeada, são conhecidos pelos

versos harmoniosos compostos pelos artistas de gênio. São os cantos

ilustres que fazem perdurar a lembrança do mérito, mas poucos

conseguem obtê-los (PÍNDARO. Pítica III, 112-115 apud DETIENNE,

2013, p. 22).

Desse modo, por meio do poder do discurso poético, o poeta transforma um

simples mortal em alguém ―igual a um Rei‖ (DETIENNE, 2013, p. 22).

É bom ressaltar que nem todos os poetas mantiveram a visão de o poeta como

um ser inspirado e/ou possuído, adivinho e profeta. Não obstante, entre o século VI e V

a.C., a lírica coral atinge o seu ápice com Píndaro e Simônides.

Na verdade, o poeta de Ceos não aceitava a antiga concepção religiosa do poeta

como ―Profeta das Musas‖ ou como ―Mestre de Alétheia, Verdade”. Através do

pensamento e da obra de Simônides, pode-se reproduzir, com exatidão, o processo de

desvalorização de Alétheia. A Memória, em Simônides, é uma técnica secularizada, isto

é, a transformação do religioso para o leigo em que todos podiam alcançar, não sendo

um privilégio de poucos. Simônides rejeita a alétheia, reivindicando a dóxa

(DETIENNE, 2013, pp. 117-118).

Ora, há semelhanças e diferenças entre Píndaro e Simônides, ambos recebiam

gratificações por seus trabalhos, mas existe uma diferença bem acentuada entre eles, o

primeiro reconhece que é um inspirado: Manteuveo, Moi~sa, profateuvsw d’ e*gwv,

―Pronuncia teus oráculos, ó Musa, e eu serei teu profeta‖ (PÍNDARO frag. 32 apud

VERNANT, 1990, p. 137); já o segundo estabelece uma ruptura com a antiga tradição

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306

que via o poeta como um inspirado.

Moi~sa, toV deV teovn, ei* misqoi~o sunevqeu parevcein

fwnaVn u&pavrguron, a!llot’ a!lla/ tarassevmen. (PINDAR. Phytian 11, 41-42)

Musa, se por salário, ofereceu

tua voz prateada, é preciso divulgá-la aqui e lá509

.

4) Pronunciatio:

22 StaqeiV deV (o&) Pau~lo e*n mevsw/ tou~ *Areivou Pavgou e!fh,

22 Então, Paulo, estando de pé, no meio do Areópago, dizia:

Em Atos 17. 22, tem-se o discurso narrativizado (cf. « narrativa pura ») do

narrador primário, Lucas, para mostrar o gesto de Paulo. Há um sugestivo recurso

extraverbal, com uma forma verbal (um particípio aoristo passivo, masculino, singular,

nominativo de i@sthmi), relacionada a Paulo: Staqeiv, ―estando de pé‖, ―colocando-se

de pé‖ No restante, não se tem, no discurso no Areópago de Atenas, mais informações

quanto aos gestos do orador Paulo.

5) Memoria:

Paulo enfoca os fatos presentes onde ele e o seu auditório eram as personagens

da ação. O apóstolo se vale de um objeto de culto dos atenienses (vers. 23) e inicia a sua

prédica falando a respeito da criação do Universo pelo ―Deus Desconhecido‖ entre

outras coisas (vers. 24-27).

Depois, ele e o seu auditório, novamente, são as personagens da ação (vers. 28).

Retorna a falar, mais uma vez, do ―Deus Desconhecido‖, faz referência a um varão,

Jesus Cristo (vers. 29-31). A propósito, no final do discurso, tem-se uma prolepse510,

quando Paulo menciona a respeito de um julgamento do ―Deus Desconhecido‖ que está

para acontecer ―por meio de um varão‖ (vers. 31) e, após a prolepse, tem-se uma

509

Aqui, tem-se a poesia pindárica como objeto concreto de valor comercial, dependendo para isso de um

contrato entre o poeta e o contratante que poderia ser um déspota, um rei ou um simples atleta. Píndaro

celebrava as odes e, em troca, recebia remuneração. Os mecenas pagavam o que fosse preciso para que a

sua vitória se perpetuasse de geração em geração nas palavras de um grande poeta. Odisseu, em certa

ocasião, pede a Demódoco que cante o episódio do cavalo de madeira através do qual Troia fora

conquistada, o aedo não recebeu nada em troca, a não ser uma posta de lombo de porco (HOMER.

Odyssey 8. 478-492). Vale destacar que os aedos, nas epopeias homéricas, não usavam o seu ofício em

troca de remuneração. Na Odisseia, há dois aedos profissionais: Fêmio, em Ítaca, e Demódoco, no país

dos feácios, na corte do rei Alcino. Demódoco não pediu e nem recebeu nada em troca para cantar os

amores de Ares e Afrodite (HOMERO. Odyssey 8, 471-83). 510

De acordo com nota de nº 379, cf pág. 208.

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analepse, uma vez que o narrador se volta para o passado ao falar sobre a ressurreição

―de um varão‖ (vers. 31).

Desse modo, Paulo preferiu um discurso em que as instâncias da enunciação se

alternavam. Convém aqui, lembrar, mais uma vez, Aristóteles, que diz não ser a

narração, no gênero epidíctico, ―de modo sucessivo / um após o outro‖, e*stin ouk

e*fexh~, mas dividida ―em partes‖, kataV mevro(ARISTOTE. Rhétorique, III, 16, 1416

b 17-23).

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6.1.4 O Discurso nas Escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém

- Notas Introdutórias

Em Jerusalém, possivelmente, no ano de 57 d.C., no fim de sua última viagem

missionária, Paulo se viu em meio a grande tumulto e gritaria, pois ele, de acordo com o

relato dos Atos, fora acusado pelos judeus, oriundos da Ásia, de ―profanar‖ o Templo e

de ser contra o povo e a lei (At 21. 28). Há, ainda, outras acusações, de acordo com a

narrativa bíblica, por parte do povo judeu: a de promover ―sedições‖ entre os judeus

espalhados por todo o mundo, de ser uma ―peste‖ e a de ser o principal agitador da

―Seita dos Nazarenos‖ (At 24. 5-6).

Na verdade, os judeus viram Trófimo, um gentio de Éfeso, em companhia de

Paulo e pensaram que o apóstolo houvesse introduzido Trófimo no Templo, e, como

consequência desse mal entendido, Paulo foi arrastado para fora do Templo e

espancado. Os judeus só cessaram a agressão física depois da chegada da tropa romana,

isto é, dos soldados e dos centuriões (At 21. 27-40).

É bom ressaltar que, introduzir um gentio no local sagrado dos judeus, era uma

profanação511. O Templo, para um judeu, era o centro de toda a vida religiosa512,

econômica e política judaica, e não somente um local de culto. Era dividido em várias

seções para as atividades próprias, por exemplo, o Sinédrio, por exemplo, uma espécie

de Supremo Conselho dos judeus, se reunia em algum prédio do Templo ou nas

vizinhanças; e, no próprio Templo, eram armazenadas as riquezas e os impostos a ele

dirigidos, bem como os objetos de culto.

J. Jeremias disserta a respeito do Templo e de Jerusalém nestes termos:

Acima de tudo, porém, havia o Templo. Jerusalém era a pátria do culto

judaico, lugar da presença divina na terra. Ali vinham para rezar. No

Templo, o nazir, após o cumprimento de seu voto, e o não-judeu

desejoso de se tornar prosélito integrado, vinham oferecer seus

sacrifícios. Ao Templo traziam-se as primícias; ali, após cada

nascimento, as mães se purificavam pelo sacrifício prescrito e os judeus

do mundo inteiro para lá enviavam suas taxas. Cada um por sua vez, os

grupos de sacerdotes, levitas e israelitas se revezavam; ao Templo, três

511 O Templo foi destruído duas vezes e estava sendo reconstruído neste período. As mulheres e os não

circuncidados não podiam entrar em seu interior. Assim, os gentios e as pessoas consideradas ―impuras‖

permaneciam na parte externa do Templo. 512 O sumo sacerdote, que provinha das famílias mais ricas judaicas da Palestina, organizava a vida

religiosa e os cultos no Templo.

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vezes por ano, afluía o judaísmo disperso por todas as nações

(JEREMIAS, 1983, pp. 108-109).

O comandante Cláudio Lísias, tribuno responsável pela guarnição de Jerusalém,

quando Paulo estava na cidade em sua última visita (At 21. 15), permite que o apóstolo

fale nas escadarias dessa Fortaleza, após ser recolhido a esse local pelas autoridades

romanas.

Assim, de pé, na escadaria da Fortaleza, Paulo fez sinal ao povo com a mão e

iniciou o seu discurso. Quando ouviram que lhes falava na própria língua deles, os

judeus fizeram grande silêncio (At 21. 27-40). A propósito, a narrativa dos Atos diz que

Paulo começou a falar em Ἑβραϊζηί, que se refere, na verdade, ao aramaico, conforme

já foi exposto.

É bom lembrar que o apóstolo, em certo momento, antes de discursar ao público

judeu, teve a oportunidade de dialogar, em grego, com Cláudio Lísias. Paulo explicou

que ele não era o egípcio que havia liderado uma revolta recente (At 21. 37-38), mas

que era proveniente de Tarso da Cilícia (At 21.39).

- Comentários

Nesta parte do trabalho, far-se-á observações a respeito do discurso paulino na

Fortaleza Antônia em Jerusalém, tomando, por referências, as fases da elaboração de

um discurso, diga-se:

1) Inventio:

Possivelmente, cinco foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo selecionou

e utilizou para constituir o qevma, a ―matéria‖, de seu discurso na Fortaleza Antônia, em

Jerusalém:

a) A sua descendência e educação judaica (vers. 3);

b) A época em que era um perseguidor dos seguidores do « Caminho » (vers. 4-5);

c) A primeira teofania no caminho para Damasco (vers. 6-11);

d) O encontro com Ananias em Damasco (vers. 12-16);

e) A segunda teofania em Jerusalém (vers. 17-20).

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2) Dispositio:

O apóstolo organiza os elementos da inventio do seguinte modo:

a) Proêmio (toV prooivmion):

1 !Andre a*delfoiV kaiV patevre, a*kouvsatev 1 Ó varões irmãos e pais, escutai a minha defesa, agora, diante de vós.

b) A Narração (h& dihvghsi)

3 *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~ Kilikiva,

a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, paraV touV povda GamalihVl

pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, zhlwthV u&pavrcwn tou~

qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron: 4 o$ tauvthn thVn o&doVn e*divwxa a!cri

qanavtou desmeuvwn kaiV paradidouV ei* fulakaV a!ndra te kaiV gunai~ka, 5 w&

kaiV o& a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV presbutevrion, par’ w%n kaiV

e*pistolaV dexavmeno proV touV a*delfouV ei* Damaskovn e*poreuovmhn, a!xwn kaiV

touV e*kei~se o!nta dedemevnou ei* *IerousalhVm i@na timwrhqw~sin. 6 *Egevneto dev

moi poreuomevnw/ kaiV e*ggivzonti th~/ Damaskw~/ periV meshmbrivan e*xaivfnh e*k tou~

ou*ranou~ periastravyai fw~ i&kanoVn periV e*mev, 7 e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV

h!kousa fwnh~ legouvsh moi, SaouVl Saouvl, tiv me diwvkei; 8 e*gwV deV a*pekrivqhn,

Tiv ei^, kuvrie; ei^pevn te prov me, *Egwv ei*mi *Ihsou~ o& Nazwrai~o o$n suV diwvkei.

9 oi& deV suVn e*moiV o!nte toV meVn fw~ e*qeavsanto thVn deV fwnhVn ou*k h!kousan tou~

lalou~ntov moi. 10 ei^pon dev, Tiv poihvsw, kuvrie; o& deV kuvrio ei^pen prov me,

*AnastaV poreuvou ei* DamaskoVn ka*kei~ soi lalhqhvsetai periV pavntwn w%n

tevtaktaiv soi poih~sai. 11 w& deV ou*k e*nevblepon a*poV th~ dovxh tou~ fwtoV

e*keivnou, ceiragwgouvmeno u&poV tw~n sunovntwn moi hlqon ei* Damaskovn. 12

&Ananiva dev ti, a*nhVr eu*labhV kataV toVn novmon, marturouvmeno u&poV pavntwn

tw~n katoikouvntwn *Ioudaivwn, 13 e*lqwVn prov me kaiV e*pistaV eipevn moi, SaouVl

a*delfev, a*navbleyon, ka*gwV au*th~/ th~/ w@ra/ a*nevbleya ei* au*tovn. 14 o& deV ei^pen, &O

qeoV tw~n patevrwn h&mw~n proeceirivsatov se gnw~nai toV qevlhma au*tou~ kaiV i*dei~n

toVn divkaion kaiV a*kou~sai fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~, 15 o@ti e!sh/ mavrtu

au*tw~/ proV pavnta a*nqrwvpou w%n e&wvraka kaiV h!kousa. 16 kaiV nu~n tiv mevllei;

a*nastaV bavptisai kaiV a*polousai taV a&martiva sou e*pikalesavmeno toV o!noma

au*tou~. 17 *Egevneto dev moi u&postrevyanti ei* *IerousalhVm kaiV proseucomevnou

mou e*n tw~/ i&erw~/ genevsqai me e*n e*kstavsei 18 kaiV i*dei~n au*toVn levgontav moi, Speu~son kaiV e!xelqe e*n tavcei e*x *Ierousalhvm, diovti ou* paradevxontaiv sou

marturivan periV e*mou~. 19 ka*gwV ei^pon, Kuvrie, au*toiV e*pivstantai o@ti e*gwV h!mhn

fulakivzwn kaiV devrwn kataV taV sanagwgaV touV pisteuvonta e*piV sev, 20 kaiV

o@te e*xecuvnneto toV ai%ma Stefavnou tou~ mavrturov sou, kaiV au*toV h!mhn e*festwV kaiV suneudokw~n kaiV fulavsswn taV i&mavtia tw~n a*nairouvntwn au*tovn.

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311

E dizia: 3 Eu sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas educado nesta cidade,

instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da lei paterna; sendo

dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós sois hoje. 4 Persegui este Caminho

até a morte, acorrentando e colocando homens e mulheres em direção às prisões; 5 da

mesma maneira também o sumo sacerdote e todo o presbitério me são testemunhas,

deles também recebi cartas para os irmãos, e comecei a caminhar na direção de

Damasco, com a intenção de também prender e trazer, para Jerusalém, os que aí se

encontravam, a fim de que fossem castigados. 6 Ora, aconteceu-me (que), caminhando e

me aproximando de Damasco, por volta do meio dia, subitamente, uma intensa luz do

céu iluminou ao meu redor; 7 caí no chão e ouvi uma voz, dizendo-me: Saulo, Saulo,

por que me persegues? 8 Então, eu respondi: Quem és, ó Senhor? E a voz me disse: Eu

sou Jesus Nazareno a quem tu persegues. 9 Ora, aqueles que estavam comigo viram a

luz, mas não ouviram a voz enquanto ela falava comigo. 10 Respondi: Que farei, ó

Senhor? Então, o Senhor me disse: Após te levantares, vai para Damasco, e ali te será

dito a respeito de todas as coisas, as quais te foram ordenadas fazer. 11 Ora, como não

era capaz de ver por causa do esplendor daquela luz, após ter sido conduzido pela mão

por aqueles que estavam comigo, cheguei em Damasco. 12 Então, um certo Ananias,

um homem temente a Deus de acordo com a lei, sendo testificado (= aprovado) por

todos os moradores judeus, 13 depois de ter vindo até mim e, se aproximando, disse a

mim: Ó irmão Saulo, torne a ver. E eu, nessa mesma hora, levantei os olhos em sua

direção. 14 Ele disse: O Deus dos nossos pais, de antemão, te designou para saberes a

vontade Dele e ver o justo e ouvir uma voz da sua boca, 15 porque lhe serás testemunha

para todos os seres humanos (daquelas coisas) que viste e ouviste. 16 E, agora, por que

demoras? Levantando-(se), sê batizado e sê lavado dos teus pecados, invocando o nome

Dele. 17 Aconteceu-me, então, após ter retornado para Jerusalém e estando eu

suplicando no templo, de encontrar-me em êxtase 18 e vê-lo dizendo a mim: Apressa-te

e saia, rapidamente, de Jerusalém, porque não aceitarão teu testemunho a meu respeito.

19 E eu respondi: Ó Senhor, eles mesmos tem conhecimento de que eu estava

aprisionando e açoitando pelas sinagogas aqueles que creem em ti.

20 E quando o sangue de Estevão, a tua testemunha, era derramado, eu mesmo estava

presente e concordando e guardando as vestes daqueles que o matavam. 21 E ele me

disse: Vai, porque eu te enviarei para nações distantes.

3) Elocutio:

1 !Andre a*delfoiV kaiV patevre, a*kouvsatev mou th~ proV u&ma~

nuniV a*pologiva.

1 Ó varões irmãos e pais, escutai a minha defesa, agora, diante de vós

(At 17. 1).

O proêmio se inicia com uma sucessão de vocábulos no vocativo, atestando a

apóstrofe513, !Andre a*delfoiV kaiV patevre―Ó varões irmãos e pais‖. Esse vocábulos

são coordenados entre si pela conjunção aditiva kaiv.

513

De acordo com nota de nº 297, cf pág. 184.

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312

O substantivo a*delfov significa ―irmão‖ ou ―parente ―próximo‖, mas,

empregado no plural, por vezes, denota uma comunidade que possui, por fundamento,

uma identidade de origem ou de vida. Com a*nhvr anteposto, forma a locução !Andre

a*delfoiv, “Ó varões irmãos‖, que denota uma forma de tratamento entre pessoas unidas

por interesses comuns514

. É bom ressaltar que esses a*delfoiv não são uma referência aos

cristãos, mas aos judeus.

Já o substantivo pathvr"pai",usado aqui no plural, patevre, pode significar,

além de ―pai‖, (Hb 12. 9), antepassado (At 3. 13), Pai (em relação a Deus) (Jo 10. 15)

ou um ―pai espiritual‖ (Rm 4. 11); e também pode ser utilizado com um sentido

metafórico, para se referir a um grupo de pessoas que possuem as mesmas convicções

(VINE, 2002, p. 844).

No hebraico, o vocábulo correspondente a pathvr é אב, *ãb, e pode significar,

além de ―pai‖, ―avô, bisavô, antepassado, ancestral, clã, tribo, família‖ e, ainda, ser

empregado, em algumas situações, como referência a uma ―nação‖ (Js 24. 3). Como

pontua Vine, o ―pai‖ ―não quer dizer necessariamente o homem que diretamente gerou

determinado indivíduo‖ (VINE, 2002, p. 211). Por vezes, no Antigo Testamento, o

plural da palavra, usado sozinho, representa ―família‖ (Êx 6. 25); pode se referir

também a um antepassado, um clã (Jr 35.6), ou ainda uma tribo (Js 19. 47).

A forma verbal a*kouvsate, ―escutai‖, se encontra no imperativo aoristo ativo,

segunda pessoa do plural de a*kouvw. O emprego do imperativo, outro recurso

conversacional recorrente, sugere, aqui, o pedido da parte do orador, para que os

ouvintes (que interagem com ele em um suposto ―turno conversacional‖) passem a

prestar atenção à mensagem que lhes vai ser transmitida a partir de então.

O pronome pessoal de primeira pessoa do singular, em genitivo, mou, indica

uma ideia de posse do substantivo th~ a*pologiva"a minha defesa‖.

A locução proV u&ma~ ―diante de vós‖, indica a localização espacial e a partícula

nuniV, ―neste momento, agora‖, a localização temporal, onde se insere o proêmio

paulino.

514

Do hebraico אה ―irmão‖ que pode ser, ainda, visto como um termo de cortesia: ―E Jacob disse-lhes:

Meus irmãos, de onde sois? – e disseram: Nós somos de Haran‖ (Gn 29. 4); ou se refere também a um

compatriota: ―E foi naqueles dias, e Moisés cresceu e foi ter com seus irmãos e viu suas pesadas tarefas;

e viu um homem egípcio ferindo a um homem hebreu, um de seus irmãos‖ (Êx 2. 11); ―E disse: Maldito

seja Canaan; servo de servos será para seus irmãos‖ (Gn 9. 25).

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313

Entre o proêmio e o início da narração de Paulo, Lucas, o narrador primário, faz

uma observação, atestando a judaicidade do apóstolo:

a*kouvsante deV o@ti th~/ &Ebrai?di dialevktw/ prosefwvnei au*toi~ ma~llon parevscon h&sucivan. kaiV fhsivn:

E ainda, quando ouviram que lhes dirigia a palavra em dialeto hebraico,

demonstraram mais tranquilidade. E dizia (...) (At 17. 2).

Em seguida, Lucas dá a ―voz‖, novamente, a Paulo, o narrador secundário:

3 *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~

Kilikiva, a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, paraV touV

povda GamalihVl pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou

novmou, zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron:

3 Eu sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas educado nesta

cidade, instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da

lei paterna; sendo dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós

sois hoje (At 17. 3)515

.

A oração subordinante *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, ―Eu sou varão judeu‖,

apresenta o pronome pessoal *Egwv, de primeira pessoa do singular, no nominativo,

sugerindo ênfase e desempenhando a função sintática de sujeito da forma verbal no

presente ei*miv; e a expressão no nominativo a*nhVr *Ioudai~o, por sua vez, é predicativo

de *Egwv. Ressalte-se o aspecto durativo do presente do verbo ei*miv.

Por meio da oração reduzida de particípio: gegennhmevno e*n Tarsw/~ th~

Kilikiva, ―nascido em Tarso da Cilícia‖, Paulo oferece aos seus ouvintes a sua

localização geográfica nativa: e*n Tarsw/~, locução formada pela preposição e*n regendo

o dativo-locativo, Tarsw/~, e desempenhando a função de adjunto adverbial de lugar

―onde‖. Esse adjunto circunstancial e*n Tarsw~/, por sua vez, tem a expressão em

genitivo, th~ Kilikiva, como adjunto adnominal de posse.

A próxima sentença a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, «mas educado

nesta cidade‖ está subordinada a gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~ Kilikiva"nascido

em Tarso da Cilícia‖. Ora, nota-se, na oração subordinada, um sentido adversativo,

assinalado pela partícula pospositiva dev.

515

De acordo com At 5. 34-39; 21. 39.

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314

Interessante ressaltar os outros significados da forma participial

a*nateqrammevno do verbo a*natrevfw, tais como: ―nutrido, criado, instruído, educado‖

(RUSCONI, 2011, p. 347-348); ―criado, alimentado, sustentado de novo (a*nav = ―de

novo, novamente‖), em sentido passivo: ―ser criado, alimentado de novo‖ (BAILLY,

2000, p. 144); ―alimentado, nutrido, educado‖ (LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 63).

Ora, é mister citar a observação de Benveniste, o qual delimita, com precisão, o

campo semântico de trevfw; observa-se uma raiz de muitos sentidos concretos, de

empregos técnicos e familiares, o que levou ao sentido de ―fazer crescer‖, de onde

―nutrir, alimentar, sustentar, amamentar‖, ―elevar, erguer as crianças‖. Por vezes, possui

um sentido próximo da noção de educar (BENVENISTE apud CHANTRAINE, 1977,

p. 1135).

Mais uma vez, Paulo se utiliza de termos da localização espacial com a

preposição que rege o dativo-locativo, indicando o lugar ―onde‖: e*n th~/ povlei tauvth/,

“nesta cidade‖. Digno de nota é o pronome adjetivo demonstrativo, feminino, singular,

dativo-locativo tauvth/, especificando o substantivo substantivo, feminino, singular,

dativo-locativo, num adjunto adverbial de lugar ―onde‖, e*n th~/ povlei.

A oração reduzida de particípio: paraV touV povda GamalihVl pepaideumevno

kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, ―instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo

com a exatidão da lei paterna‖, constitui uma oração subordinada à oração subordinante

a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, «mas educado nesta cidade‖.

Em paraV touV povda Gamalihvl, há a preposição parav, que rege o

substantivo, acusativo, masculino, plural povdaadjunto adverbial de lugar ―onde‖,

seguido do substantivo próprio indeclinável Gamalihvl, com nuance de um adjunto

adnominal de posse. A locução kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, ―de acordo

com a exatidão da lei paterna‖, é formada pela preposição katav, que rege o substantivo,

feminino, singular, acusativo a*krivbeian, exprimindo ―conformidade, de acordo com‖.

Paulo, por meio do substantivo, feminino, singular, acusativo a*krivbeian é mais

minucioso ao exprimir o rigor, a exatidão de tou~ patrwv/ou novmou, “da lei paterna‖, ele

é, então, mais preciso. Utilizando a expressão tou~ patrwv/ou novmou516, Paulo explicita a

exatidão dessa lei. Já tou~ patrwv/ou é um adjetivo substantivado, masculino, singular,

516

a*nateqrammevno ... novmou de acordo com At 5. 34.

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315

genitivo, adjunto adnominal de atributo de tou~ novmou, um substantivo, masculino,

singular, genitivo de novmo

A oração de predicação nominal, reduzida de particípio zhlwthV u&pavrcwn tou~

qeou~, «sendo dedicado a Deus‖, está, igualmente, subordinada a gegennhmevno e*n

Tarsw~/ th~ Kilikiva"nascido em Tarso da Cilícia‖. O substantivo masculino,

singular, nominativo zhlwthv ―zeloso, dedicado‖, desempenha a função de predicativo

do sujeito do particípio, u&pavrcwn, ―sendo‖,517 em suma: Paulo era dedicado, zeloso

quanto às coisas de Deus: tou~ qeou~, um substantivo, masculino, singular, genitivo,

complemento nominal de zhlwthv

Atesta-se o assíndeto518 entre as orações participiais: gegennhmevno, ―nascido‖,

a*nateqrammevno, ―educado‖, pepaideuvmeno, ―instruído‖, e u&pavrcwn, «sendo». A

propósito, esses quatro particípios desempenham a função sintática de predicativos do

sujeito de e*gwv, marcando a hipotaxe implícita519.

A sentença seguinte é introduzida pela conjunção comparativa kaqwv ―da

mesma maneira que‖. Assim sendo, kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron, «da mesma

maneira que todos vós sois hoje‖, está subordinada a zhlwthV u&pavrcwn tou~

qeou~, «sendo dedicado a Deus‖.

Mais uma vez, Paulo faz uma referência direta ao seu público por meio de

pavnte u&mei~ e*ste. O pronome adjetivo masculino, plural, nominativo pavnte

especifica o pronome pessoal de segunda pessoa do plural nominativo, u&mei~ ―vós‖,

núcleo do sujeito do verbo no presente e*stev, ―sois‖, o que ratifica a predicação

nominal da oração. A propósito, a função conativa é evidenciada com a forma verbal na

segunda pessoa do plural, e*stev, e o pronome u&mei~, chamando a atenção para a segunda

pessoa do discurso, no plural.

Paulo se compara aos seus ouvintes, no que diz respeito à devoção religiosa, por

meio de zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron, «sendo

dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós sois hoje‖ (At 17. 3). É bom ressaltar

que o advérbio de tempo shvmeron, ―hoje‖, destaca-se como um dêitico, chamando a

atenção dos ouvintes para a contemporaneidade do discurso.

517

Em uma referência a e*gwv (vers. 3). 518

De acordo com nota de nº 473, cf pág. 276. 519

De acordo com nota de nº 326, cf pág. 190.

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4 o$ tauvthn thVn o&doVn e*divwxa a!cri qanavtou desmeuvwn kaiV

paradidouV ei* fulakaV a!ndra te kaiV gunai~ka,

4 Persegui este Caminho até a morte, acorrentando e colocando homens

e mulheres em direção às prisões;

Paulo, depois de se apresentar aos ouvintes, muda o foco da argumentação,

mencionando o seu passado de perseguidor ferrenho dos cristãos. A sentença se inicia

pelo pronome relativo definido, masculino, singular, nominativo, o$, cujo antecedente é

e*gwv520, sujeito da forma verbal no aoristo e*divwxa"persegui‖; o pronome relativo

assinala aqui mais uma hipotaxe explícita521.

A oração subordinada adjetiva o$ tauvthn thVn o&doVn e*divwxa a!cri qanavtou,

―Persegui este Caminho até a morte‖, está subordinada a *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o,

―Eu sou varão judeu‖, atestando-se o anacoluto522, isto é, a quebra da construção frasal.

Por sua vez, o pronome adjetivo demonstrativo, feminino, singular, acusativo tauvthn,

―este‖, especifica o sentido do substantivo, feminino, singular, acusativo, o&dovn,

―Caminho‖, o núcleo do objeto direto de e*divwxa.

Prieto defende a posição de que a escolha de um vocábulo específico como o&dov,

―caminho‖, evidencia o fato de que os cristãos já não se assimilam à sinagoga e têm

consciência de seguir o seu próprio caminho (At 19. 8-9523) (PRIETO, 2007, p. 28).

Paulo finaliza a sentença em questão com um complemento circunstancial, a!cri

qanavtou, “até a morte‖. A preposição a!cri, ―até‖, acompanha a forma de genitivo,

singular masculino, qanavtou, ―morte‖, expressando o sintagma em questão um adjunto

adverbial de consequência.

Em seguida, há duas orações reduzidas de particípios: desmeuvwn kaiV

paradidouv"acorrentando e colocando‖. Sublinhe-se que se podem considerar esses

dois particípios, coordenados entre si por meio da conjunção coordenativa aditiva kaiv,

520

Que se encontra no versículo 3. 521

De acordo com nota de nº 326, cf pág. 190. 522

De acordo com nota de nº 356, cf pág. 199. 523

8 Ei*selqwVn deV ei* thVn sunagwghVn e*parrhsiavzeto e*piV mh~na trei~ dialegovmeno kaiV peivqwn

taV periV th~ basileiva tou~ qeou~. 9 w& dev tine e*sklhruvnonto kaiV h*peivqoun kakologou~nte thV

o&doVn e*nwvpion tou~ plhvqou, a*postaV a*p’ au*tw~n a*fwvresen touV maqhtaV kaq’ h&mevran

dialegovmeno e*n th~/ scolh~/ Turavnnou. 8 Ora, Paulo, entrando na sinagoga, falava com confiança

durante três meses, discutindo e persuadindo as coisas a respeito do reino de Deus. 9 Mas alguns estavam

endurecidos e desobedeciam, criticando o Caminho diante da multidão; Paulo, tendo se afastado deles,

levou os discípulos, e passou a debater todos os dias na escola de Tirano (At 19. 8-9).

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como exemplos de particípio modal, isto é, adjuntos adverbiais de maneira / modo.

Sublinhe-se ainda a nuance de uma ação passada, transmitida por esses particípios.

A parataxe524 se faz presente, por meio do emprego das partículas te, ―tanto‖ ...

kaiv, “quanto‖ em a!ndra te kaiV gunai~ka ei* fulakav525, “homens e526 mulheres

em direção às prisões‖. As duas partículas assinalam uma correlação: tanto o

substantivo masculino, plural, acusativo, a!ndra ―varões‖, quanto o substantivo

feminino, plural, acusativo, gunai~kasão complementos verbais (objeto direto) dos

particípios desmeuvwn e paradidouv

Paulo completa o seu raciocínio com ei* fulakav, ―em direção às prisões‖,

outro complemento circunstancial, formado pela preposição ei*, regendo a forma de

acusativo, feminino, plural fulakav, «prisões‖; e o sintagma em questão desempenha a

função sintática de adjunto adverbial de lugar ―para onde‖.

5 w& kaiV o& a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV presbutevrion,

par’ w%n kaiV e*pistolaV dexavmeno proV touV a*delfouV ei*

DamaskoVn e*poreuovmhn, a!xwn kaiV touV e*kei~se o!nta dedemevnou

ei* *IerousalhVm i@na timwrhqw~sin.

5 da mesma maneira, também o sumo sacerdote e todo o

presbitério me são testemunhas; deles também recebi cartas para

os irmãos, e comecei a caminhar na direção de Damasco, com a

intenção de também prender e trazer, para Jerusalém, os que aí se

encontravam, a fim de que fossem castigados.

Na sentença w& kaiV o& a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV presbutevrion,

―da mesma maneira, também o sumo sacerdote e todo o presbitério me são

testemunhas‖, Paulo se vale, novamente, da comparação527, por meio da conjunção

comparativa w& ―da mesma maneira que‖. A conjunção comparativa é enfatizada pela

conjunção coordenativa aditiva kaiv, ―também‖, com valor adverbial. Essa oração

524

paravtaxiew (h&) – sentido literal: a ação de dispor uma armada em campo de batalha – é a figura

de linguagem que forma o período composto por justaposição ou por coordenação, onde os termos se

ordenam numa sequência. Um recurso muito utilizado no grego é o emprego das partículas meVn ... dev, por

um lado ... por outro lado; te ... kaiv ou kaiV ... kaiv tanto ... quanto, tanto ... como, a fim de evitar a

subordinação e para exprimir, de certo modo, uma comparação. 525

o$ ... gunai~ka de acordo com At 8.3; 22. 19; 26. 9-11. 526

Preferiu-se a tradução de a!ndra te kaiV gunai~ka (...), ―tanto homens quanto mulheres‖ (...), por

―homens e mulheres‖. 527

De acordo com nota de nº 371, cf pág. 204.

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subordinada comparativa tem, por orações subordinantes, as duas orações reduzidas de

particípios: desmeuvwn kaiV paradidouv (...)"acorrentando e colocando (...)‖, incluídas

no versículo 4.

Paulo evoca os testemunhos de o& a*rciereuv “sumo sacerdote‖ ... kaiV pa~n toV

presbutevrion, ―todo o presbitério‖; a*rciereuv e toV presbutevrion, que são núcleos

do sujeito da forma verbal no presente, marturei~, forma verbal no singular (note-se o

aspecto durativo do presente). E dando continuidade à argumentação, o apóstolo

emprega mais uma oração subordinada adjetiva, par’ w%n kaiV ... ei* Damaskovn

e*poreuovmhn, ―deles também ... comecei a caminhar na direção de Damasco‖, cuja

oração subordinante é w& kaiV o& a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV

presbutevrion. ―da mesma maneira, também o sumo sacerdote e todo o presbitério me

são testemunhas‖.

Também digno de nota é o sintagma par’ w%n, formado pela preposição par’,

regendo a forma de genitivo, plural, neutro do pronome relativo, w%n, cujo antecedente é

o& a*rciereuv “sumo sacerdote‖ ... pa~n toV presbutevrion, ―todo o presbitério‖. A

expressão par’ w%n é ainda realçada pela conjunção coordenativa aditiva

kaiv,―também‖. Ressalte-se que a oração inserida pelo pronome relativo marca a

hipotaxe implícita.

O apóstolo, para marcar a localização espacial, emprega o sintagma ei*

Damaskovn, “na direção de Damasco‖, um adjunto adverbial de lugar ―para onde‖, com

a preposição ei*regendo a forma de acusativo singular Damaskovn, ―Damasco‖.

A oração reduzida de particípio, que marca a hipotaxe implícita, e*pistolaV

dexavmeno proV touV a*delfouv, aqui traduzida como ―deles também recebi cartas

para os irmãos‖, está subordinada à ei* Damaskovn e*poreuovmhn, ―comecei a caminhar

na direção de Damasco‖. O particípio é completado pelo substantivo feminino, plural,

acusativo e*pistolav ―cartas‖, objeto direto de dexavmeno, e pela preposição que rege

o acusativo prov, seguido dosubstantivo, masculino, plural, acusativo touV a*delfouv

que constitui o destinatário dessas cartas. Ora, proV touV a*delfouvé um adjunto

adverbial de lugar“para onde‖, num sentido figurado.

Por sua vez, ei* Damaskovn e*poreuovmhn, ―comecei a caminhar na direção de

Damasco‖, é a oração subordinante da próxima sentença: a!xwn kaiv, “com a intenção

de também trazer" Sublinhe-se o sentido adverbial de kaiv.

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a!xwn kaiV touV e*kei~se o!nta dedemevnou ei* *IerousalhVm i@na timwrhqw~sin.

com a intenção de também prender e trazer, para Jerusalém, os

que aí se encontravam, a fim de que fossem castigados.

O particípio a!xwn tem o seu sentido completado por um outro particípio, este

substantivado, touVo!nta, aqui traduzido como ―os que aí se encontravam‖; núcleo

do objeto direto de a!xwn; o particípio substantivado possui por sujeito lógico o artigo-

pronome touv, correspondendo, assim, a uma subordinada adjetiva relativa. Mais uma

vez, Paulo dá a localização espacial por meio do advérbio de lugar e*kei~se, ―naquele

lugar‖. Sublinhe-se que o particípio dedemevnou, aqui traduzido como ―prender‖, é

predicativo do objeto direto de a!xwn, no caso, touVo!nta O sentido do particípio

dedemevnoué completado pelo substantivo próprio preposicionado ei* *Ierousalhvm,

―para Jerusalém‖, adjunto adverbial de lugar ―para onde‖.

Paulo finaliza essa etapa da argumentação com uma oração subordinada

adverbial final, introduzida pela conjunção final i@na, seguida de forma verbal no

presente do subjuntivo timwrhqw~sin.528 A propósito, o subjuntivo (presente ou aoristo)

expressa o modo eventual, considerando a ação como um ―acontecimento que se espera

ou se deseja que aconteça‖ (HORTA, 1979, p. 91).

6 *Egevneto dev moi poreuomevnw/ kaiV e*ggivzonti th~/ Damaskw~/ periV

meshmbrivan e*xaivfnh e*k tou~ ou*ranou~ periastravyai fw~ i&kanoVn periV e*mev,

6 Ora, aconteceu-me (que), caminhando e me aproximando de

Damasco, por volta do meio dia, subitamente, uma intensa luz do céu

iluminou ao meu redor;

Paulo narra, agora, a sua conversão, e para dar continuidade à sua argumentação,

emprega a partícula pospositiva continuativa dev: *Egevneto dev moi. O sintagma

*Egevneto dev lembra a construção kaiV e*gevneto dev, reproduzindo a seguinte construção

hebraica: ו י ה י (cf. RUSCONI, 2011, p. 244), tem-se aqui, então, um exemplo de

hebraísmo.

528

De acordo com At 8. 3.

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A oração reduzida de infinitivo periV meshmbrivan e*xaivfnh e*k tou~ ou*ranou~

periastravyai fw~ i&kanoVn periV e*mev, ―por volta do meio dia, subitamente, uma

intensa luz do céu iluminou ao meu redor‖, desempenha a função sintática de sujeito da

forma verbal de sentido impessoal e*gevneto, constituindo assim uma oração

subordinada substantiva subjetiva.

No interior dessa oração reduzida de infinitivo, há os marcadores temporais e

espaciais, verdadeiras expressões dêiticas: periV meshmbrivan, “por volta do meio dia‖,

sintagma formado pela preposição periv regendo o acusativo meshmbrivan, e

desempenhando a função sintática de adjunto adverbial de tempo; e*k tou~ ou*ranou~, ―do

céu‖, sintagma formado por meio da preposição e*k regendo o genitivo tou~ ou*ranou, e

desempenhando a função de adjunto adverbial de lugar ―de onde‖; periV e*mev, “ao meu

redor‖, sintagma formado pela preposição periv, regendo o acusativo do pronome

pessoal de primeira pessoa do singular, e*mev, sintagma que também desempenha a

função de adjunto adverbial de lugar. Sublinhe-se ainda a presença do advérbio de

modo e*xaivfnh ―subitamente‖, para marcar o modo como se deu o início da teofania.

O substantivo, neutro, singular, nominativo fw~ é sujeito de periastravyai,

esse sujeito tem o adjetivo, neutro, singular, nominativo, i&kanovn, ―intensa‖, como o seu

adjunto adnominal, para definir o seu sentido.

O pronome pessoal de primeira pessoa do singular, na forma de dativo, moi é,

simultaneamente, dativo de interesse de e*gevneto e sujeito dos particípios no dativo

absoluto poreuomevnw/ e e*ggivzonti.

Os particípios poreuomevnw/, ―caminhando‖, e e*ggivzonti, ―aproximando‖, são

coordenados entre si pela conjunção kaiv. Ambos os particípios estão no dativo

absoluto529

de valor temporal. Paulo dá a localização espacial por meio do substantivo,

feminino, singular, dativo-locativo, th~/ Damaskw~/ ―de Damasco‖, um adjunto adverbial

de lugar.

529

O particípio em dativo absoluto é muito antigo tal qual o genitivo absoluto, havendo uma tendência do

primeiro a ser substituído pelo segundo, o que resultou em seu desaparecimento. Ora, o particípio em

dativo absoluto pode indicar as circunstâncias de lugar ou de tempo, vindo acompanhado de verbos tais

como ei^nai e givnesqai (HORTA, 1979, p. 208). A pesquisadora atesta, ainda, que por meio desse

particípio em dativo absoluto, pode-se explicar vários idiomatismos: sunhlovnti, ―em resumo‖, tw~/ o!nti,

―na realidade‖ etc. (idem, p. 209).

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321

É bom lembrar que não é só nos Atos que se encontram relatos da conversão de

Paulo, no livro dos Gálatas (Gl 1. 10-24) também há relatos dessa conversão. Ruden

lembra que não era uma tarefa comum alguém ir como um ―agente autorizado‖ do sumo

sacerdote para ―purgar‖ as sinagogas de Damasco dos seguidores de Jesus (RUDEN,

2013, p. 42).

7 e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV h!kousa fwnh~ legouvsh moi,

SaouVl Saouvl, tiv me diwvkei;

7 caí no chão e ouvi uma voz, dizendo-me: Saulo, Saulo, por que

me persegues?

Atesta-se mais uma parataxe com o emprego de te, ―tanto‖... kaiv, ―quanto‖ 530

.

A preferência pelos verbos de primeira pessoa do singular continua, dessa vez,

com o emprego do aoristo indicativo, dando a ideia de um tempo passado: e!pesa, “caí‖

e h!kousa, “ouvi‖.

Há o complemento circunstancial ei* toV e!dafo"no chão‖, para marcar o

adjunto adverbial de lugar ―onde‖, com a preposição ei*531regendo a forma de

acusativo toV e!dafo

Em fwnh~ legouvshmoi, ―uma voz, dizendo-me‖, tem-se o substantivo fwnhv

no genitivo, simultaneamente, sujeito do particípio no genitivo absoluto de valor

temporal legouvsh “dizendo‖, e objeto indireto do verbo h!kousa. Já o pronome

pessoal de primeira pessoa, no dativo singular, é objeto indireto de levgoush

A partir desse momento até o versículo 10, tem-se o que se denomina de

―discurso direto‖ ou ―narrativa encaixada‖532

, assim sendo, convém analisar as falas

pelo viés da análise da conversação533

com a sua divisão em turnos conversacionais534

.

530

Preferiu-se a tradução de e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV h!kousa fwnh~, ―tanto caí no chão quanto

ouvi uma voz‖ por ―caí no chão e ouvi uma voz‖. 531

Convém lembrar que há a forma preposicional derivada de e*n > ei*. Ora, ei* é associado a verbos de

movimento, mas, por vezes, possui o real valor etimológico de e*n, indicando o lugar ―onde‖, sem ideia de

movimento. 532

O livro dos Atos relata essa teofania em Atos 9. 1-9. Certa vez, Paulo menciona essa mesma teofania,

com poucas variantes, em seu terceiro discurso diante do rei Agripa II e de Pórcio Festo (At 26. 14-18). 533

A Análise da Conversação (AC) teve seu início na década de 60, provém da Antropologia Cognitiva e

de uma vertente da Sociologia, a Etnometodologia. Até meados da década de 70, se preocupou,

principalmente, com a base estrutural da conversação. Levinson assim disserta a respeito da conversação:

―A conversação é a primeira das formas de linguagem a que estamos expostos e, provavelmente, a única

da qual nunca abdicamos pela vida afora (...). A conversação é o gênero básico da interação humana

(LEVINSON apud MARCUSCHI, 2007, p. 14). Já Marcuschi enfatiza que: ―quando conversamos,

normalmente, o fazemos com perguntas e respostas, ou então com asserções e réplicas‖ (MARCUSCHI,

2007, p. 14).

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322

Neste primeiro diálogo, Paulo e Jesus são os dois interactantes ou interagentes.

Aqui, iniciam-se os pares conversacionais de ―pergunta-resposta‖ entre Paulo e

Jesus535.

O primeiro turno começa com a fala de Jesus. Destarte, tem-se a introdução do

narrador secundário, Paulo, antes da inserção do discurso mimético de Jesus, ocorrendo,

e então, a primeira ―moldura‖536: e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV h!kousa fwnh~

legouvsh moi e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV h!kousa fwnh~ legouvsh moi, ―caí no

chão e ouvi uma voz, dizendo-me (...)‖. Essa introdução apresenta dois sugestivos

recursos extraverbais importantes: e!pesav, “caí‖, e h!kousa, ―ouvi‖, assim como uma

forma verbal que indica oralidade, legouvsh, ―dizendo‖.

No discurso mimético de Jesus: SaouVl Saouvl, tiv me diwvkei; ―Saulo, Saulo, por

que me persegues?‖, há o emprego do pronome interrogativo direto, neutro, singular,

acusativo, ti, objeto direto de diwvkeiintroduzindo a oração interrogativa. Ressalte-

se que o pronome tiv constitui um importante marcador discursivo, sugerindo aqui a

tomada de turno.

A sentença interrogativa possui o substantivo próprio indeclinável, com a função

de um vocativo, SaouVl Saouvl, atestando a apóstrofe537 para a interpelação direta. O

pronome tiv está acompanhado do verbo diwvkei, ―persegues‖, que está no presente do

indicativo ativo, enfatizando o seu aspecto durativo, na segunda pessoa do discurso.

O pronome pessoal me, de primeira pessoa do singular, acusativo, é objeto direto

de diwvkei, esse verbo, aliás, possui um duplo acusativo: um de coisa, tiv (expressando

o motivo, a causa) e o outro de pessoa, mev (expressando a pessoa sobre a qual recai a

ação verbal).

8 e*gwV deV a*pekrivqhn, Tiv ei, kuvrie; eipevn te prov me, *Egwv ei*mi

*Ihsou~ o& Nazwrai~o o$n suV diwvkei.

534

Denomina-se turno à produção de um falante enquanto portador da palavra, incluindo também um

possível silêncio (MARCUSCHI, 2007, p. 89). Marcuschi destaca que ―uma conversação fluente é aquela

em que a passagem de um tópico a outro se dá com naturalidade, mas é muito comum que a passagem de

um tópico ao outro seja marcada‖ (MARCUSCHI, 2007, p. 77). O linguista enfatiza, ainda, que um turno

é concluído a qualquer momento sempre que ocorre um lugar relevante para a transição, mas é complexo

de definir quando se tem um turno ou não (MARCUSCHI, 2007, p. 18-19). 535

Deve-se sublinhar que, para a análise desses diálogos pelo viés da análise da conversação, foi de suma

importância, além de outros materiais, o curso ministrado pelo professor doutor Auto Lyra Teixeira

intitulado Textos Clássicos e Estrutura do Diálogo (disciplina: Prosa Grega: Forma e Eficácia (LEC 826))

no Prgrama de Pós-Graduação em Letras Clássicas (PPGLC) da Facultade de Letras da UFRJ. 536

O termo ―moldura‖ constitui palavras e expressões que servem para dar introdução ao diálogo. 537

De acordo com nota de nº 297, cf pág. 184.

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323

8 Então, eu respondi: Quem és, ó Senhor? E a voz me disse: Eu sou

Jesus Nazareno a quem tu persegues.

O segundo turno, a fala de Paulo, é introduzido pela seguinte ―moldura‖: e*gwV

deV a*pekrivqhn, ―Então, eu respondi‖.

Em a*pekrivqhn deV e*gwv, ―Então, eu respondi‖, o pronome pessoal, e*gwv, de

primeira pessoa do singular, nominativo (sugerindo ênfase), desempenha a função de

sujeito de a*pekrivqhn, forma verbal no aoristo indicativo, que indica oralidade. A

sentença possui a partícula pospositiva continuativa dev para dar continuidade à

narração paulina.

No discurso mimético de Paulo, Tiv ei^, kuvrie; “Quem és, ó Senhor?‖, há uma

oração interrogativa iniciada pelo pronome interrogativo direto, masculino, singular,

nominativo, predicativo do sujeito da forma verbal no presente ei.

O pronome Tiv, ―quem‖, um importante marcador discursivo, está

acompanhado do verbo ei^ no presente do indicativo, e sugere um matiz de invocação,

juntamente com a forma de vocativo kuvrie, constatando-se, novamente, o emprego da

apóstrofe na expressão em vocativo para a interpelação direta.

Paulo emprega uma terceira ―moldura‖, antes da resposta de Jesus em discurso

mimético: ei^pevn te prov me, “E a voz me disse‖, para dar prosseguimento ao diálogo

entre ele e Jesus. A partícula pospositiva coordenativa te assinala a adição e o

complemento circunstancial, formado pela preposição provregendo o acusativo do

pronome pessoal de primeira pessoa do singular, me, num adjunto adverbial de lugar

“para onde‖, em sentido figurado. Ora, a forma verbal no aoristo, ei^pevn indica

oralidade.

Na resposta de Jesus, que corresponde ao terceiro turmo, ele se apresenta nestes

termos: *Egwv ei*mi *Ihsou~ o& Nazwrai~o o$n suV diwvkei, ―Eu sou Jesus Nazareno,

a quem tu persegues‖, há a oração subordinante: *Egwv ei*mi *Ihsou~ o& Nazwrai~o e

a sua subordinada o$n suV diwvkei iniciada pelo pronome relativo definido o$n,

“quem‖, masculino, singular, acusativo, cujo antecedente é *Ihsou~ objeto direto de

diwvkei Ora, os dois verbos desse excerto são marcados pelo aspecto durativo da ação

verbal.

O pronome pessoal *Egwv, forma de nominativo de primeira pessoa do singular,

desempenha a função de sujeito (enfático), de ei*mivjá o substantivo, masculino,

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singular, nominativo, *Ihsou~, é predicativo do sujeito de ei*miv; o substantivo,

masculino, singular, nominativo, o& Nazwrai~o ―Nazareno‖, constitui um aposto de

*Ihsou~. Mais uma vez, tem-se uma predicação nominal por meio de uma forma verbal,

ei*miv, que indica estado.

Nessa oração, há um paralelo entre as funções expressivas e conativas,

constatando-se o emprego do pronome pessoal de primeira pessoa do singular, *Egwv, e

do pronome pessoal de segunda pessoa do singular, também no nominativo, suv,

sujeito de diwvkei

9 oi& deV suVn e*moiV o!nte toV meVn fw~ e*qeavsanto thVn deV fwnhVn ou*k

h!kousan tou~ lalou~ntov moi.

9 Ora, aqueles que estavam comigo viram a luz, mas não ouviram a voz

enquanto ela falava comigo.

Paulo, no versículo supracitado, dá uma pausa no diálogo entre ele e Jesus

Nazareno, e prossegue com a sua narração, para oferecer mais detalhes do episódio da

teofania. Assim é que, por meio da partícula pospositiva continuativa dev, marcando a

continuidade, mais uma vez, retoma-se a narração. O particípio substantivado oi& ...

o!nteintroduz umaoração subordinada adjetiva, cujo sujeito lógico é a forma de

nominativo masculino do artigo definido, oi&. Dignos de nota são os significados de

e*qeavsanto: ―ver, contemplar, notar, observar‖

(RUSCONI, 2007, p. 224), ―fitar,

contemplar, fixar‖ (LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 360), ―ver, olhar‖

(SCHOLZ, 2007,

p. 856.), ―contemplar, ser espectador (no teatro)‖

(BAILLY, 2000, p. 919), e

―contemplar‖ (CHANTRAINE, 1970, p. 425).

O complemento circunstancial suVn e*moiv, ―comigo‖, introduzido pela preposição

suVn regendo a forma de dativo-instrumental do pronome pessoal de primeira pessoa do

singular, e*moi, é adjunto adverbial de companhia. E o substantivo neutro, fw~ no

acusativo singular, é o núcleo do objeto direto de e*qeavsanto.

Atesta-se, nessa passagem, a parataxe, por meio das partículas aditivas,

assinalando a correlação meVn ... dev. Desse modo, toV meVn fw~ e*qeavsanto, ―por um

lado, viram a luz‖, está em paralelismo com thVn deV fwnhVn ou*k h!kousan, “por outro

lado, não ouviram a voz‖. Ora, para acentuar a oposição, preferiu-se a inserção, na

tradução, de uma conjunção adversativa ―mas‖, para acentuar essa antítese: “mas não

ouviram a voz‖.

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Em deV fwnhVn ou*k h!kousan, “mas não ouviram a voz‖, a forma verbal no

aoristo h!kousan, é modificado pelo advérbio negativo ou*k, e o seu complemento é a

forma de acusativo thVn ... fwnhvn.

A expressão tou~ lalou~ntov moi, formada por um particípio substantivado pelo

artigo, masculino, singular, genitivo tou~, o seu sujeito lógico; o particípio

lalou~ntovno genitivo absoluto de valor temporal, é o objeto indireto de h!kousan. E

a forma de dativo do pronome pessoal de primeira pessoa do singular, moi, é o objeto

indireto de lalou~ntov

10 eipon dev, Tiv poihvsw, kuvrie; o& deV kuvrio eipen prov me,

*AnastaV poreuvou ei* DamaskoVn ka*kei~ soi lalhqhvsetai periV pavntwn w%n tevtaktaiv soi poih~sai.

10 Respondi: Que farei, ó Senhor? Então, o Senhor me disse: Após te

levantares, vai para Damasco, e ali te será dito a respeito de todas as

coisas, as quais te foram ordenadas fazer.

Paulo, após uma pausa, continua o diálogo entre ele e Jesus. A quarta ―moldura‖

para a introdução do quarto turno é ei^pon dev, “Respondi‖. Mais uma vez, há o

emprego da partícula pospositiva continuativa dev e do verbo no aoristo, na primeira

pessoa do discurso, ei^pon. As formas verbais ei^pon, “Respondi‖, e ei^pen, “disse‖,

indicam oralidade.

Atesta-se aqui a elipse do artigo masculino nominativo, o& (o& dev = ―ele‖) na

sentença ei^pon dev. Convém lembrar que há o emprego do artigo com valor de um

pronome pessoal de terceira pessoa seguido da partícula dev; este emprego é muito

comum, principalmente, em um diálogo, quando se tem a mudança de um interlocutor

(HORTA, 1991, p. 147).

O quarto turno Tiv poihvsw, kuvrie; ―Que farei, ó Senhor?‖, uma oração

interrogativa, apresenta o pronome interrogativo direto, neutro singular, acusativo, tiv,

mais uma vez sugerindo a tomada de turno, e desempenha a função sintática de objeto

direto da forma verbal na primeira pessoa do singular do futuro do indicativo, poihvsw,

que indica uma ação que está por vir. Atesta-se, novamente, a apóstrofe na expressão

em vocativo para a interpelação direta: kuvrie, “ó Senhor‖.

Para a introdução do quinto turno, há a ―moldura‖ o& deV kuvrio ei^pen prov me,

“Então, o Senhor me disse‖. A introdução apresenta a partícula pospositiva continuativa

dev para dar continuidade à narração paulina. Paulo denominou Jesus Nazareno pelo

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substantivo, masculino, singular nominativo kuvrio"Senhor" núcleo do sujeito do

verbo no aoristo segundo ei^pen, ―disse‖. Ainda há a preposição provregendo o

acusativo do pronome pessoal de primeira pessoa do singular, me, desempenhando o

sintagma preposicionado a função sintática de adjunto adverbial de lugar ―para onde‖ ,

num sentido figurado.

O quinto turno é a resposta de Jesus: *AnastaV poreuvou ei* DamaskoVn ka*kei~

soi lalhqhvsetai periV pavntwn w%n tevtaktaiv soi poih~sai, ―Após te levantares, vai

para Damasco, e ali te será dito a respeito de todas as coisas, as quais te foram

ordenadas fazer‖.

A sentença *Anastav, ―Após te levantares‖, é um particípio de valor temporal,

em uma referência ao apóstolo Paulo. Essa sentença, reduzida de particípio, está

subordinada à próxima sentença poreuvou ei* Damaskovn, ―vai para Damasco‖.

Destaca-se, nessa oração subordinante à anterior e coordenada com a posterior, a forma

verbal de presente do imperativo, na segunda pessoa do singular, poreuvomai, e o

complemento circunstancial ei* Damaskovn, com a preposição regendo o acusativo

DamaskoVn. Esse complemento circunstancial indica o lugar ―para onde‖.

A sentença coordenada é iniciada pela conjunção aditiva kaiv (houve uma crase

dessa conjunção com o advérbio de lugar e*kei~, resultando em ka*kei~). O advérbio

dêitico, e*kei~, ―ali‖, marca a localização espacial. O verbo está no futuro do indicativo

na voz passiva, na terceira pessoa do singular, lalhqhvsetai, ―será dito‖, indicando que

se trata de uma ação que se deseja que aconteça, com o sujeito implícito; nesse caso, o

apóstolo Paulo sofrerá a ação verbal; o verbo possui, por complemento verbal, o

pronome pessoal de segunda pessoa do singular, dativo, soi, ―te‖, objeto indireto.

O sintagma periV pavntwn, ―a respeito de todas as coisas‖, é formado da

preposição periv, que rege o genitivo pavntwn, desempenhando o sintagma a função de

adjunto adverbial de lugar, em sentido figurado, expressando assunto.

A próxima sentença, w%n tevtaktaiv soi, ―as quais te foram ordenadas‖, é

subordinada adjetiva relativa, em relação à ka*kei~ soi lalhqhvsetai periV pavntwn, e é

a oração subordinante da oração posterior, reduzida de infinitivo, poih~sai. A

subordinada adjetiva relativa é introduzida pelo pronome relativo no genitivo, w%n, cujo

antecedente é pavntwn, constatando-se, portanto, a hipotaxe explícita.

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A forma verbal no pretérito perfeito, tevtaktaiv, possui, por objeto indireto, o

pronome pessoal soi, de segunda pessoa do singular, no dativo. Esse pronome é, além

de complemento verbal de tevtaktai, sujeito do infinitivo poih~sai, e essa oração

infinitiva é subordinada subjetiva, isto é, desempenha a função sintática de objeto direto

de tevtaktaiv, forma verbal que denota vontade.

No versículo 10, tem-se assim uma ordem de Jesus e, no versículo 11, há a

execução dessa ordem por Paulo de Tarso, representando-se desse modo mais um par

conversacional de ―ordem-execução‖; a partir do momento em que o religioso

prossegue a sua jornada em direção a Damasco.

Em seguida, Paulo continua dando mais informações sobre a sua teofania:

11 w& deV ou*k e*nevblepon a*poV th~ dovxh tou~ fwtoV e*keivnou,

ceiragwgouvmeno u&poV tw~n sunovntwn moi hlqon ei* Damaskovn.

11 Ora, como não era capaz de ver por causa do esplendor daquela luz,

após ter sido conduzido pela mão por aqueles que estavam comigo,

cheguei em Damasco.

Na oração w& deV ou*k e*nevblepon a*poV th~ dovxh tou~ fwtoV e*keivnou, “Ora,

como não era capaz de ver por causa do esplendor daquela luz‖, introduzida pela

preposição w& “como‖, tem-se, mais uma vez, o emprego da partícula pospositiva

continuativa dev para dar continuidade à narrativa. O advérbio de negação ou*k, ―não‖,

modifica a forma verbal de imperfeito na primeira pessoa do singular, e*nevblepon. O

complemento circunstancial em genitivo, a*poV th~ dovxh tou~ fwtoV e*keivnou, “por

causa do esplendor daquela luz,‖ desempenha a função sintática de adjunto adverbial de

causa. O sentido da expressão th~ dovxh ―do esplendor‖, é completado pela expressão

tou~ e*keivnou fwtov, ―daquela luz‖.

Em ceiragwgouvmeno u&poV tw~n sunovntwn moi, “após ter sido conduzido pela

mão por aqueles que estavam comigo‖, a argumentação prossegue, destacando-se o

emprego do particípio ceiragwgouvmeno ―após ter sido conduzido‖, com valor

temporal, marcando a hipotaxe implícita; esse particípio tem por complemento o agente

da passiva u&poV tw~n sunovntwn moi, ―por aqueles que estavam comigo‖, formado pela

preposição u&poV regendo a forma de gentivo do particípio substantivado tw~n

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Sunovntwn, imediatamente seguido da forma de dativo do pronome pessoal de primeira

pessoa do singular, moi, caracterizando assim um adjunto adverbial de companhia.

A argumentação paulina prossegue com h^lqon ei* Damaskovn, “cheguei em

Damasco‖, com a forma verbal no aoristo indicativo h^lqon, ―cheguei‖, seguida do

complemento circunstancial ei* Damaskovn, um adjunto adverbial de lugar ―onde‖, sem

ideia de movimento, formado pela preposição ei*regendo o acusativo. Paulo, mais uma

vez, oferece aos ouvintes a localização espacial, constituindo o adjunto adverbial em

questão uma expressão dêitica.

A propósito, Paulo nunca esqueceu a sua condição pretérita de perseguidor dos

cristãos; as suas epístolas testemunham isso:

*EgwV gavr ei*mi o& e*lavcisto tw~n a*postovlwn o$ ou*k ei*miV i&kanov

kalei~sqai a*povstolo, diovti e*divwxa thVn e*kklhsivan tou~ qeou~.

Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou idôneo de ser

chamado de apóstolo, porque persegui a ekklesía de Deus (1 Co 15.

9)538.

Lucas deve ter considerado a conversão de Paulo como um dos destaques do

cristianismo primitivo, pois há três relatos desse evento no livro dos Atos: uma vez

narrado pelo narrador primário, Lucas (At 9. 3- 19), e duas vezes narrado pelo próprio

Paulo, um dos narradores secundários (At 22. 6-16; 26. 12-18).

Marguerat traça o seguinte perfil do apóstolo Paulo: ―De perseguidor com

projetos mortais (9, 1 s), ele se torna um perseguido, ameaçado de morte (9, 23-29). De

inimigo dos discípulos (9,1), torna-se mestre de discípulos (oi& maqhtaiV au*tou~: 9. 25).

De negador do Cristo (9,1), torna-se anunciador do Messias (9, 20.22)‖

(MARGUERAT, 2003, p. 210)539.

538

kataV zh~lo diwvkwn thVn e*kklhsivan, kataV dikaiosuvnhn thVn e*n novmw/ genovmeno a!mempto, ―de

acordo com o zelo, perseguindo a ekklesía, de acordo com a justiça que há na lei, tornei-me

irrepreensível‖ (Fp 3. 6); *Hkouvsate gaVr thVn e*mhVn a*nastrofhvn pote e*n tw~/ *Ioudai>smw~/, o@ti kaq’

u&perbolhVn e*divwkon thVn *Ekklhsivan tou~ qeou~ kaiV e*povrqoun au*thvn, ―Ouviste, pois, o meu modo

de viver, antigamente, no judaísmo, que persegui além da medida a ekklesía de Deus e a assolava‖ (Gl 1.

13); toV provteron o!nta blavsfhmon kaiV diwvkthn kaiV u&bristhvn, a*llaV h*lehvqhn, o@ti a*gnow~n

e*poivhsa e*n a*pistiva/, “anteriormente, era blasfemo, perseguidor e ultrajante, mas alcancei compaixão,

pois fiz, sem ter conhecimento, na incredulidade‖ (1 Tm 1. 13); pistoV o& lovgo kaiV pavsh a*podoch~

a!xio, o@ti CristoV *Ihsou~ h^lqen ei* toVn kovsmon a&martwlouV sw~sai, w%n prw~tov ei*mi e*gwv, ―a

palavra é fiel e digna de toda a aprovação, que Cristo Jesus veio para salvar o mundo dos pecadores,

dentre os quais eu sou o principal‖ (1 Tm 1. 15). 539

Todas as referências entre parênteses dizem respeito ao livro dos Atos.

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12540 &Ananiva dev ti, a*nhVr eu*labhV kataV toVn novmon,

marturouvmeno u&poV pavntwn tw~n katoikouvntwn *Ioudaivwn,

12 Então, um certo Ananias, um homem temente a Deus de acordo com

a lei, sendo testificado (= aprovado) por todos os moradores judeus,

Sublinhe-se que a apresentação de Ananias é a de um homem ―temente a Deus‖,

que usufrui de boa reputação diante dos judeus, embora em nenhum momento ele seja

apresentado como um dos discípulos.

No versículo 12, a partícula pospositiva continuativa dev assinala a introdução da

personagem de Ananias na narração: &Ananivadev ti―um certo Ananias‖. E o

substantivo &Ananiva núcleo do sujeito do particípio e*lqwvn (vers. 13), é

sugestivamente modificado pelo pronome indefinido ti. O substantivo a*nhvr, por sua

vez, é modificado pelo adjetivo eu*labhv, desempenhando a expressão a*nhVr

eu*labhva função sintática de aposto de *Ananiva ... tiO complemento

circunstancial kataV toVn novmon, formado pela preposição kataV regendo o acusativo

toVn novmon, desempenha a função sintática de adjunto adverbial, transmitindo a noção

de ―conformidade, de acordo com‖. Já a oração reduzida de particípio, marturouvmeno

―sendo testificado (= aprovado)‖, desempenha a função de predicativo do sujeito de

e*lqwvn, em referência a *Ananiva ... ti"um certo Ananias" (vers. 12); esse particípio

tem, como complemento verbal, o sintagma u&poV pavntwn tw~n katoikouvntwn

*Ioudaivwn, ―por todos os moradores judeus‖, com a preposição u&pov regendo o genitivo,

e caracterizando, assim, mais um agente da passiva. O particípio substantivado tw~n

katoikouvntwn, por sua vez, desempenha a função de adjunto adnominal de atributo de

u&poV pavntwn ... *Ioudaivwn. Destacam-se, ainda, no versículo em questão, os adjetivos

pavntwn, e *Ioudaivwn. Enfim, todo o agente da passiva, u&poV pavntwn tw~n

katoikouvntwn *Ioudaivwn, ―por todos os moradores judeus‖, por meio do emprego do

adjetivo pavntwn, caracteriza uma hipérbole nominal541.

13 e*lqwVn prov me kaiV e*pistaV eipevn moi, SaouVl a*delfev,

a*navbleyon, ka*gwV au*th~/ th~/ w@ra/ a*nevbleya ei* au*tovn.

540

Para um melhor esclarecimento dos fatos que serão relatados por Paulo do versículo 12 ao 16 neste

discurso, ler Atos 9. 10-19. 541

De acordo com notas de nº 391, 393 , cf pág. 218.

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330

13 depois de ter vindo até mim e, se aproximando, disse a mim: Ó

irmão Saulo, torne a ver. E eu, nessa mesma hora, levantei os olhos em

sua direção.

No versículo supracitado, constata-se a oração reduzida de particípio de valor

temporal e*lqwVn prov me, ―depois de ter vindo até mim‖, a qual expressa um recurso

extraverbal, em uma referência ao *Ananiva ... ti"um certo Ananias" (vers. 12). O

complemento circunstancial prov me, “até mim‖, desempenha a função de adjunto

adverbial de lugar ―para onde‖, sendo formado pela preposição provregendo o

acusativo do pronome pessoal de primeira pessoa do singular. Segue-se outra oração

reduzida de particípio com valor temporal, kaiV e*pistav ―e, se aproximando‖, em mais

uma referência a *Ananiva ... ti"um certo Ananias" (vers. 12). Sublinhe-se que essa

oração reduzida de particípio, juntamente com a anterior, são coordenadas entre si por

meio da conjunção coordenada aditiva kaiv. Convém destacar também que ei^pevn moi,

―disse a mim‖, é a oração subordinante das duas orações anteriores reduzidas de

particípio e*lqwVn ... e*pistavConfigura-se assim a moldura para a introdução da fala

de Ananias, com o pronome pessoal de primeira pessoa do singular, no dativo,

indicando o interlocutor de Ananias, isto é, Paulo.

Do versículo 13 ao 16, tem-se o diálogo entre Ananias e Paulo.

Na sentença coordenada assindética, que constitui o primeiro turno, SaouVl

a*delfev, a*navbleyon, ―Ó irmão Saulo, torne a ver‖, há o emprego de um duplo vocativo

sugerindo a tomada de turno: Saouvl, um substantivo próprio indeclinável, e o

substantivo a*delfev, antecedidos pela forma verbal de aoristo imperativo, a*navbleyon,

―torne a ver‖. Marguerat destaca que a expressão SaouVl a*delfev, com a qual Ananias

saúda a Paulo, deve ser compreendida, no contexto, como sendo uma espécie de

saudação fraterna em voga entre os judeus.

Na oração coordenada sindética aditiva, que assinala a reação de Paulo,

supostamente ―cooperando‖ com o turno de Ananias, ka*gwV au*th~/ th~/ w@ra/ a*nevbleya

ei* au*tovn, “E eu, nessa mesma hora, levantei os olhos em sua direção‖, emprega-se a

conjunção coordenativa aditiva acompanhada do pronome pessoal de primeira pessoa

do singular, sujeito da forma verbal no aoristo indicativo a*nevbleya. Ressalte-se a crase

existente, ka*gwv, entre a conjunção kaiv e o pronome e*gwv (sugerindo ênfase). É bom

ressaltar também que a resposta de Paulo, após a ordem de Ananias, foi acompanhada

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de sugestivo recurso extraverbal: a*nevbleya ei* au*tovn, ―levantei os olhos em sua

direção‖. Há também dois complementos circunstanciais: au*th~/ th~/ w@ra/, “nessa mesma

hora‖, e ei* au*tovn, “em sua direção‖, desempenhando o primeiro a função sintática de

adjunto adverbial de tempo, e o segundo, formado pela preposição ei* regendo o

acusativo, a função de adjunto adverbial de lugar ―para onde‖; assim sendo, pode-se

considerar esses dois complementos circunstanciais como expressões dêiticas,

indicando, respectivamente, o tempo e o lugar da ação narrada.

14 o& deV eipen, &O qeoV tw~n patevrwn h&mw~n proeceirivsatov se gnw~nai toV qevlhma au*tou~ kaiV i*dei~n toVn divkaion kaiV a*kou~sai

fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~,

14 Ele disse: O Deus dos nossos pais, de antemão, te designou para

saberes a vontade Dele e ver o justo e ouvir uma voz da sua boca,

Paulo, após a fala de Ananias, introduz nova ―moldura‖: o& deV ei^pen, ―Ele

disse‖, para dar prosseguimento ao discurso de Ananias, introduzindo o que pode ser

considerado a continuação do turno de Ananias. Novamente, tem-se a expressão o& dev,

com o emprego do artigo com valor de pronome pessoal, seguido da partícula

dontinuativa dev. Assim sendo, essa forma pronominal do artigo desempenha a função

sintática de sujeito da forma verbal ei^pen.

Ananias apresenta o propósito da divindade para a vida de Paulo por meio da

sentença: &O qeoV tw~n patevrwn h&mw~n proeceirivsatov se, “O Deus dos nossos pais,

de antemão, te designou‖. Essa oração é subordinante da próxima oração, reduzida de

infinitivo, gnw~nai (...). O substantivo qeov é o núcleo do sujeito de proeceirivsato,

desempenhando o sintagma tw~n patevrwn a função de adjunto adnominal de posse de o&

qeov, e a forma de genitivo do pronome pessoal de primeira pessao do plural,h&mw~n,

―dos nossos pais‖, a função de adjunto adnominal de posse de tw~n patevrwn. A forma

verbal proeceirivsato é imediatamente seguida da forma de acusativo do pronome

pessoal de segunda pessoa do singular, se, objeto direto de proeceirivsatov e,

simultaneamente, sujeito do infinitivo gnw~nai. A sentença gnw~nai toV qevlhma au*tou~,

―para saberes a vontade Dele‖, é uma oração subordinada substantiva objetiva direta,

uma vez que o infinitivo gnw~nai é o complemento verbal (objeto direto) de

proeceirivsatov, que expressa o objetivo ou a destinação da ação (conforme infinitivo

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de destinação). O infinitivo tem seu sentido completado por toV qevlhma au*tou~, sendo

que o acusativo toV qevlhma é o núcleo do objeto direto do infinitivo gnw~nai. E a forma

de genitivo do pronome demonstrativo, au*tou~, é o adjunto adnominal de posse de toV

qevlhma. Em kaiV i*dei~n toVn divkaion, ―e ver o justo‖, uma oração subordinada objetiva

direta reduzida de infinitivo, a forma de infinitivo, i*dei~n, é o complemento verbal

(objeto direto) de proeceirivsatov, que expressa o objetivo ou a destinação da ação

(conforme infinitivo de destinação). Esse infinitivo tem o sentido completado pelo

adjetivo substantivado, toVn divkaion, núcleo do seu objeto direto. Por sua vez, a

sentença kaiV a*kou~sai fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~, “e ouvir uma voz da sua

boca‖, também é subordinada substantiva objetiva direta, uma vez que o infinitivo

a*kou~sai é complemento verbal (objeto direto) de proeceirivsatov que expressa o

objetivo ou a destinação da ação (conforme infinitivo de destinação). O infinitivo

a*kou~sai, por sua vez, tem o seu sentido completado pelo acusativo fwnhvn, que

desempenha a função de objeto direto. Já o complemento circunstancial e*k tou~

stovmato au*tou~, formado pela preposição e*k regendo o genitivo, tou~

stovmatodesempenha a função sintática de adjunto adverbial de lugar ―de onde‖; e a

forma de genitivo do pronome demonstrativo, au*tou~, é o adjunto adnominal de posse

de e*k tou~ stovmatoSublinhe-se que as duas orações reduzidas de infinitivo i*dei~n,

“ver‖, e a*kou~sai, “ouvir‖, são coordenadas entre si por meio da conjunção

coordenativa aditiva kaiv.

O versículo 14 anuncia a futura vocação paulina, por meio da trilogia ―conhecer

(saber)/ver/ouvir‖: gnw~nai toV qevlhma au*tou~ kaiV i*dei~n toVn divkaion kaiV a*kou~sai

fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~.

Assim pontua Marguerat:

Comparando-se a formulação da vocação de Paulo (22,14542

) com o

preâmbulo autobiográfico do versículo 3 pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~), vê-

se como o orador está empenhado em estabelecer, quanto a seu zelo por

Deus e quanto a sua relação com a Torá, uma continuidade sem falha

entre o seu passado e sua situação atual. Com essa finalidade, Lucas

recompôs totalmente o relato sobre Damasco, passando por cima dos

detalhes do encontro com Ananias e da pregação de Saulo naquela

542

14 o& deV eipen, &O qeoV tw~n patevrwn h&mw~n proeceirivsatov se gnw~nai toV qevlhma au*tou~ kaiV

i*dei~n toVn divkaion kaiV a*kou~sai fwnhVn e*k tou~ stovmato au*tou~, 14 Ele disse: ‗O Deus dos nossos

pais, de antemão, te designou para saberes a vontade Dele e ver o justo e ouvir uma voz da sua boca (At

22. 14).

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cidade, o que lhe possibilita ajuntar quatro episódios: a educação

judaica de Saulo, a cristofonia de Damasco, o oráculo de Ananias e a

missão da parte do Ressuscitado no Templo. Essa linha contínua

confirma que a apologia de Paulo se empenha para refutar a acusação de

antijudaísmo, levantada contra ele no início do discurso (21, 28): o

encontro com o Ressuscitado perto de Damasco, e depois no Templo,

não põe Paulo contra ―nosso povo, a Lei e este Lugar‖; ele é, isto sim, o

meio pelo qual o Deus dos antepassados o conduz até o cerne de sua

Palavra (MARGUERAT, 2003, pp. 216-217).

15 o@ti e!sh/ mavrtu au*tw~/ proV pavnta a*nqrwvpou w%n e&wvraka

kaiV h!kousa.

15 porque lhe serás testemunha para todos os seres humanos (daquelas

coisas) que viste e ouviste.

A oração subordinada causal o@ti e!sh/ mavrtu au*tw~/ proV pavnta

a*nqrwvpou ―porque lhe serás testemunha para todos os seres humanos (daquelas

coisas)‖, se inicia pela conjunção causal o@ti, “porque‖, para explicitar a escolha de

Paulo por parte da divindade. O enunciado de Ananias foi direto e enfático ao utilizar o

verbo na segunda pessoa do singular, e!sh/, ―serás‖, não deixando dúvidas que se referia

a Paulo. Essa forma verbal indica algo que, possivelmente, acontecerá em um tempo

vindouro. O substantivo mavrtu ―testemunha‖, é o predicativo do sujeito de e!sh/;

destaca-se também o pronome demonstrativo, au*tw~/, um complemento nominal de

mavrtu. O complemento proV pavnta a*nqrwvpou ―para todos os seres humanos

(daquelas coisas)‖, um adjunto adverbial, é formado pela preposição proV regendo o

acusativo, pavnta a*nqrwvpou. O pronome relativo definido w%n, na forma de genitivo,

introduz a oração subordinada w%n e&wvraka ―que viste‖, marcando a hipotaxe

explícita, cujo antecedente está oculto, no caso, o pronome demonstrativo touvtwn,

―daquelas coisas‖, por sua vez, objeto indireto de e&wvrakaeh!kousa. Ressalte-se que

a sentença seguinte, kaiV h!kousa“e ouviste‖, constitui também uma oração adjetiva

relativa, coordenada com a oração adjetiva anterior, por meio da conjunção

coordenativa aditiva kaiv.E essas duas orações subordinadas adjetivas relativas estão

subordinadas à o@ti e!sh/ mavrtu au*tw~/ (...). Os dois verbos, com nuance de um tempo

passado, na segunda pessoa do singular, e&wvraka ―viste‖, e h!kousa, “e ouviste‖, das

orações adjetivas, dizem respeito, diretamente, a Paulo.

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16 kaiV nu~n tiv mevllei; a*nastaV bavptisai kaiV a*polousai taV

a&martiva sou e*pikalesavmeno toV o!noma au*tou~.

16 E, agora, por que demoras? Levantando-(se), sê batizado e sê lavado

dos teus pecados, invocando o nome Dele.

Em seguida, tem-se o emprego da conjunção aditiva kaiv para dar

prosseguimento à fala de Ananias e, consequentemente, ao diálogo: kaiV nu~n tiv

mevllei; ―E, agora, por que demoras?‖. Após a conjunção, o advérbio de tempo nu~n,

―agora‖, que constitui um dêitico, é empregado para enfatizar o tempo presente. O

pronome interrogativo direto, tiv, sugere, mais uma vez, um marcador discursivo

importante, introduzindo a interrogação direta e desempenhando a função sintática de

objeto direto de mevllei ―demoras‖.

A oração reduzida de particípio com valor temporal, a*nastav, ―Levantando-

(se)‖, que sinaliza a hipotaxe implícita, em mais uma referência ao apóstolo Paulo. E a

ordem de Ananias é acentuada com o emprego de duas formas verbais no imperativo

aoristo, na segunda pessoa do singular: bavptisai, ―sê batizado‖, e a*polou~sai, “e sê

lavado‖543. Na oração coordenada sindética, introduzida pela conjunção kaiv, kaiV

a*polou~sai taV a&martiva sou, ―e sê lavado dos teus pecados‖, a forma verbal

a*polou~sai é empregada no sentido figurado, pois significa ―ato de lavar, lavar a roupa

suja‖ (LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 102). O acusativo taV a&martiva544 objeto direto

de a*polou~sai, possui uma conotação diferente, no grego koiné: o sentido de ―pecado‖

(SCHOLZ, 2007, p. 773). E a forma de genitivo do pronome pessoal sou, referente a

Paulo, é o adjunto adnominal de posse de taV a&martiva

O turno de Ananias continua com e*pikalesavmeno toV o!noma au*tou~,

―invocando o nome Dele‘. A oração reduzida de particípio, que sinaliza a hipotaxe

implícita, inclui, ainda, a expressão em acusativo toV o!noma, objeto direto de

e*pikalesavmenojá o pronome demonstrativo au*tou~545, no genitivo, é o adjunto

adnominal de posse de toV o!noma.

543

Como atesta Vine: ―(...) a ordem para Saulo de Tarso ―lavar‖ os seus pecados indica que, mediante

confissão pública, ele daria testemunho da remoção de seus pecados e da completa mudança de sua vida

passada (VINE, 2002, p. 741).. 544

Substantivo deverbal de a&martavnw, a&martiva significa ―errar o alvo, o objetivo‖ ou ―cometer uma

falta‖ (CHANTRAINE, 1968, p. 71); ―errar, faltar‖ (BAILLY, 2000, p. 93).

545 a*povlousai ... au*tou~ de acordo com Jl 2. 32; At 2. 21; Rm 10. 13.

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17 *Egevneto dev moi u&postrevyanti ei* *IerousalhVm kaiV proseucomevnou mou e*n tw~/ i&erw~/ genevsqai me e*n e*kstavsei

17 Aconteceu-me, então, após ter retornado para Jerusalém e estando eu

suplicando no templo, de encontrar-me em êxtase (...).

Na sentença *Egevneto dev moi, “Aconteceu-me‖, mais uma vez, Paulo se vale

da expressão *Egevneto de, que lembra a construção kaiV e*gevneto dev, reproduzindo a

seguinte construção hebraica: ו י ה י (cf. RUSCONI, 2011, p. 244). A partícula dev

assinala, novamente, a continuidade da narração. O pronome pessoal moi, é,

simultaneamente, dativo de interesse e sujeito do particípio no dativo absoluto

u&postrevyanti.

A argumentação paulina prossegue com genevsqai me e*n e*kstavsei, ―de

encontrar-me em êxtase‖. A oração reduzida de infinitivo se inicia pelo infinitivo

genevsqai, sujeito do verbo de sentido impessoal e*gevneto, assim a sentença presente

constitui uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo. O

infinitivo genevsqai, que marca a hipotaxe implícita, possui por sujeito o pronome

pessoal me de primeira pessoa do singular, no acusativo. E o complemento

circunstancial e*n e*kstavsei formado pela preposição e*n, que rege o dativo-

instrumental, está acompanhado do substantivo e*kstavsei, feminino, singular, dativo-

instrumental, ambos formam um adjunto adverbial de modo, conforme dativo de modo.

Ora, excepcionalmente, no grego koiné, tem-se o dativo-instrumental preposicionado.

Eis os possíveis significados para e!kstasi: ―o estar fora de si, perturbação,

êxtase, experiência mística, visão‖

(RUSCONI, 2011, p. 159); ―êxtase, transe‖

(SCHOLZ, 2007, p. 828; LIDDELL, SCOTT‘S, 2000, p. 244); ―refere-se a qualquer

deslocamento - sobretudo com referência à mente – da alteração da condição normal

pela qual a pessoa é lançada num estado de surpresa ou temor, ou ambos; ou repetindo,

estado no qual a pessoa é transportada para fora de seu estado natural, quando entra em

transe‖ (VINE, 2002, p. 420); ―ação de se deslocar, ação de estar fora de si, de onde:

inquietação, agitação‖ (BAILLY, 2000, p. 631).

Em u&postrevyanti ei* *Ierousalhvm, ―após ter retornado para Jerusalém‖, a

sentença se inicia por u&postrevyanti, um particípio no dativo absoluto de valor

temporal. O complemento circunstancial ei* *Ierousalhvm formado pela preposição

ei* que rege o acusativo, está acompanhado do substantivo próprio indeclinável

*Ierousalhvm, ambos constituem um adjunto adverbial de lugar ―para onde‖.

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A sentença kaiV proseucomevnou mou e*n tw~/ i&erw~/, ―e estando eu suplicando no

templo‖, introduzida pela conjunção coordenativa aditiva kaiv, inclui o particípio

proseucomevnou, sinalizando a hipotaxe implícita; tem-se aqui um particípio no

genitivo absoluto de valor temporal, com o genitivo do pronome pessoal, mou, como o

seu sujeito. O complemento circunstancial e*n tw~/ i&erw~/, um sintagma formado pela

preposição e*n regendo o dativo-locativo, i&erw~/, é adjunto adverbial de lugar ― onde‖,

constituindo uma expressão dêitica.

Pode-se fazer um cotejo entre as palavras da professora Guida que diz que há

uma tendência do particípio em dativo absoluto a ser substituído pelo genitivo absoluto

(HORTA, 1979, p. 208) e a narrativa de Lucas neste excerto. Na verdade, o narrador

primário dos Atos empregou, para a enunciação de Paulo, logo após o particípio em

dativo absoluto, u&postrevyanti, um particípio no genitivo absoluto, proseucomevnou,

isto é, preferiu substituir o particípio em dativo absoluto pelo genitivo absoluto. Ora,

Lucas faz a ligação dos dois particípios por meio da conjunção coordenativa kaiv,

valendo-se, consequentemente, de orações participiais coordenadas entre si.

18 kaiV i*dei~n au*toVn levgontav moi, Speu~son kaiV e!xelqe e*n tavcei e*x *Ierousalhvm, diovti ou* paradevxontaiv sou marturivan periV e*mou~.

18 e vê-lo dizendo a mim: Apressa-te e saia, rapidamente, de Jerusalém,

porque não aceitarão teu testemunho a meu respeito.

Certifica-se, no versículo supracitado, mais um diálogo entre Jesus e Paulo (vers.

18-21) com os pares conversacionais de ―pergunta-resposta‖.

Novamente, tem-se a conjunção coordenativa aditiva kaiv, iniciando a sentença

reduzida de infinitivo kaiV i*dei~n au*tovn, ―e vê-lo‖, onde o infinitivo i*dei~n é sujeito do

verbo de sentido impessoal e*gevneto (vers. 17); assim sendo, a sentença em questão

constitui uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo. O

infinitivo i*dei~n, que marca a hipotaxe implícita, tem, por sujeito, o pronome pessoal

me, forma de acusativo da primeira pessoa do singular. Ressalte-se que a forma de

acusativo do pronome demonstrativo, au*tovn, é objeto direto de i*dei~n.

Nota-se que kaiV i*dei~n au*tovn é coordenada à oração genevsqai me e*n

e*kstavsei, ―encontrar-me em êxtase‖ (vers. 17), por meio da conjunção kaiv. Com essa

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ligação entre as duas sentenças reduzidas de infinitivo, constata-se o anacoluto546, com a

interrupção de kaiV i*dei~n au*tovn, para a inserção de duas orações reduzidas de

particípio coordenadas entre si: u&postrevyanti ei* *IerousalhVm kaiV proseucomevnou

mou e*n tw~/ i&erw~/, “após ter retornado para Jerusalém e eu suplicando no templo‖ (vers.

17).

Em levgontav moi, ―dizendo a mim‖, o particípio levgontav, predicativo do objeto

direto de i*dei~n, tem como objeto indireto o pronome pessoal moi, forma de dativo da

primeira pessoa do singular. A expressão levgontav moi prepara a inserção da fala de

Jesus.

A enunciação de Jesus, que constitui o primeiro turno, apresenta formas verbais

no imperativo aoristo, Speu~son, ―apressa-te‖, e e!xelqe, ―saia‖, que indicam uma

ordem. A primeira forma verbal pertence a uma oração coordenada assindética, e a

segunda, a uma oração coordenada sindética aditiva, por meio da conjunção

coordenativa aditiva kaiv: kaiV e!xelqe e*n tavcei e*x *Ierousalhvm, “e saia, rapidamente,

de Jerusalém‖.

O complemento circunstancial e*n tavcei formado pela preposição e*n regendo o

dativo-instrumental do substantivo tavcei, desempenha a função sintática de adjunto

adverbial de modo, conforme dativo de modo. Sublinhe-se, mais uma vez, o dativo-

instrumental preposicionado, característico do grego koiné. Há também um outro

complemento circunstancial, e*x *Ierousalhvm, formado pela preposição e*x regendo a

forma de genitivo do substantivo indeclinável *Ierousalhvm; o sintagma e*x

*Ierousalhvm desempenha a função sintática de adjunto adverbial de lugar ―de onde‖,

indicando a origem.

A oração subordinada diovti ou* paradevxontaiv sou marturivan periV e*mou~,

“porque não aceitarão teu testemunho a meu respeito‖, se inicia pela conjunção causal

diovti, ―porque‖. A forma verbal paradevxontaiv, com nuance futurística, é modificada

pelo advérbio de negação ou*, ―não aceitarão‖; e a forma de genitivo do pronome

pessoal de segunda pessoa do singular, sou, desempenha a função sintática de adjunto

adnominal de posse da forma de acusativo marturivan, por sua vez objeto direto de

paradevxontaiv.

O turno é finalizado pelo complemento circunstancial periV e*mou~, sintagma

formado pela preposição periv regendo a forma de genitivo do pronome pessoal de

546

De acordo com nota de nº 356, cf pág. 199.

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primeira pessoa do singular, e*mou~547, e que desempenha a função de adjunto adverbial

de lugar, em sentido figurado, exprimindo assunto.

Pode-se considerar o episódio do ―êxtase‖ no Templo como um dos pontos mais

importantes do discurso. Em primeiro lugar, o ambiente espacial onde Paulo teve essa

―experiência religiosa‖ é considerado um lugar sagrado. Paulo estava lá em oração (At

22. 17), ratificando a sua lealdade e a sua devoção à tradição judaica548

.

Em Atos 9. 10-16549, tem-se o anúncio da vocação de Ananias por parte da

divindade, já em Atos 22. 17-21, tem-se o anúncio da vocação de Paulo, igualmente,

anunciada pela divindade.

Tem-se assim uma ordem de Jesus (At 22. 18), uma objeção/indagação por parte

de Paulo (At 22. 19-20) e, por fim, uma reafirmação do mandato de Jesus (At 22. 21).

Não obstante, a ordem da missão de Paulo é abandonar rápido Jerusalém, a cidade onde

ele estava até então, por causa da oposição.

19 ka*gwV eipon, Kuvrie, au*toiV e*pivstantai o@ti e*gwV h!mhn

fulakivzwn kaiV devrwn kataV taV sanagwgaV touV pisteuvonta e*piV sev,

19 E eu respondi: Ó Senhor, eles mesmos tem conhecimento de que eu

estava aprisionando e açoitando pelas sinagogas aqueles que creem em

ti.

547

kaiV ... e*mou~ de acordo com At 9. 29-30. 548

Deve-se lembrar que foi, justamente, neste Templo onde Paulo foi expulso, certa vez, pelos judeus

oriundos da Ásia (At 21. 30). 549 10 ^Hn dev ti maqhthV e*n Damaskw~/ o*novmati &Ananiva, kaiV ei^pen proV au*toVn e*n o&ravmati o&

kuvrio, &Ananiva. &O deV ei^pen, *IdouV e*gwv, kuvrie. 11 o& deV kuvrio proV au*tovn, *AnastaV poreuvqhti e*piV thVn r&uvmhn thVn kaloumevnhn Eu*qu~ena kaiV zhvthson e*n oi*kiva/ *Iouvda Sau~lon o*novmati Tarseva:

i*douV gaVr proseuvcetai 12 kaiV ei^den a!ndra [e*n o&rovmati] &Ananivan o*novmati ei*selqovnta kaiV

e*piqevnta au*tw~/ [taV] cei~ra o@pw a*nablevyh/. 13 a*pekrivqh deV &Ananiva, Kuvrie, h!kousa a*poV

pollw~n periV tou~ a*ndroV touvtou o@sa kakaV toi~ a&givoi sou e*poivhsen e*n *Ierousalhvm: 14 kaiV

w%de e!cei e*xousivan paraV tw~n a*rcierevwn dh~sai pavnta touV e*pikaloumevnou toV o!nomav sou. 15

ei^pen deV proV au*toVn o& kuvrio, Poreuvou, o@ti skeu~o e*klogh~ e*stivn moi ou%to tou~ bastavsai toV o!nomav mou e*nwvpion e*qnw~n te kaiV basilevwn ui&w~n te *Israhvl: 16 e*gwV gaVr u&podeivxw au*tw~/

o@sa dei~ au*toVn u&peVr tou~ o*novmatov mou paqei~n. 10 Havia, em Damasco, um discípulo denominado

de Ananias e, em uma visão, o Senhor disse a ele: Ananias. Ele disse: Eis-me, (aqui), ó Senhor. 11 O

Senhor disse a Ele: Ponha-se de pé, vá a uma rua denominada de Direita e procura, em casa de Judas, a

Saulo de Tarso. Eis, pois, que ele está suplicando 12 e viu, em visão, um homem, denominado Ananias,

entrando e colocando as mãos sobre ele, para que voltasse a ver. 13 Ananias respondeu: Ó Senhor, ouvi

de muitos a respeito desse homem, que quantas coisas perversas aos teus santos ele fez em Jerusalém, e,

aqui, ele tem poder da parte dos principais sacerdotes para prender todos aqueles que chamam pelo teu

nome. 15 O Senhor disse a ele: Vai, porque este é para mim um vaso de eleição, para levar o meu nome

tanto diante dos gentios quanto diante de reis e, ainda, diante dos filhos de Israel. 16 Pois Eu o mostrarei

quantas coisas convém ele padecer pelo meu nome (At 9. 10-16).

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O segundo turno, a fala de Paulo, é introduzido pela expressão ka*gw V ei^pon, “E

eu respondi‖, destacando-se, mais uma vez, a crase da conjunção coordenativa aditiva

kaiv com o nominativo do pronome pessoal e*gwv, de primeira pessoa do singular, (ka*gwv),

sujeito enfático da forma verbal no aoristo ei^pon, ―respondi‖.

A seguir, tem-se a resposta de Paulo: Kuvrie, au*toiV e*pivstantai, “Ó Senhor,

eles mesmos tem conhecimento‖. A resposta paulina se inicia por uma apóstrofe, por

meio do vocativo Kuvrie, ―Ó Senhor‖, empregado para a interpelação direta.

O pronome demonstrativo au*toiv, “eles mesmos‖, sujeito da forma verbal de

presente, e*pivstantai, ―tem conhecimento‖, indica que Paulo tinha em mente todos os

seguidores de Jesus Cristo.

A oração subordinada substantiva objetiva direta o@ti e*gwV h!mhn fulakivzwn,

“que eu estava aprisionando‖, introduzida pela conjunção integrante o@ti, ―que‖, está

subordinada à oração anterior. Nela, o pronome pessoal e*gwv, ―eu‖, forma de

nominativo da primeira pessoa do singular, é o sujeito enfático da forma verbal no

pretérito imperfeito, h!mhn, “estava‖.

A conjunção coordenativa aditiva kaiv assinala o início da sentença seguinte: kaiV

devrwn kataV taV sanagwgav ―e açoitando pelas sinagogas‖, uma oração coordenada

com o@ti e*gwV h!mhn fulakivzwn, por meio da conjunção kaiv. E os particípios devrwn e

fulakivzwn, desempenham a função sintática de predicativo do sujeito e*gwv. Por sua vez,

o complemento circunstancial kataV taV sanagwgav"pelas sinagogas‖, sintagma

formado pela preposição katav regendo a expressão em acusativo, taV sanagwgav,

desempenha a função sintática de adjunto adverbial de lugar. Sublinhe-se que os

particípios marcam a hipotaxe implícita.

O particípio substantivado touV pisteuvonta―aqueles que creem‖, é objeto

direto de devrwn. O complemento circunstancial e*piV sev, ―em ti550, sintagma formado

pela preposição e*piv regendo a forma de acusativo do pronome de segunda pessoa do

singular, sev551, é um adjunto adverbial de lugar.

20 kaiV o@te e*xecuvnneto toV ai%ma Stefavnou tou~ mavrturov sou, kaiV

au*toV h!mhn e*festwV kaiV suneudokw~n kaiV fulavsswn taV i&mavtia tw~n a*nairouvntwn au*tovn.

550

Preferiu-se a tradução para a língua portuguesa de e*piV sev, ―em relação / referente a ti‖ por ―em ti‖. 551

e*gwV h!mhn ... e*piV sev de acordo com At 8. 3; 22. 4-5; 26. 9-11.

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340

20 E quando o sangue de Estevão, a tua testemunha, era derramado, eu

mesmo estava presente e concordando e guardando as vestes daqueles

que o matavam.

O segundo turno continua nestes termos: kaiV o@te e*xecuvnneto toV ai%ma

Stefavnou tou~ mavrturov sou, “E quando o sangue de Estevão, a tua testemunha, era

derramado‖. Note-se a conjunção coordenativa aditiva kaiv, empregada, enfaticamente,

junto à conjunção temporal o@te, ―quando‖, que marca a sentença subordinada adverbial

temporal. Ressalte-se, ainda, o emprego de kaiv como um meio de dar continuidade à

narração.

O substantivo ai%ma, ―sangue‖, no acusativo, é o núcleo do sujeito do verbo

e*xecuvnneto, ―era derramado‖; e o substantivo Stefavnou, ―de Estevão‖, no genitivo, é

o adjunto adnominal de posse de toV aima.

Digno de nota também é o emprego da expressão em genitivo tou~ mavrturov ―a

tua testemunha‖, aposto de Stefavnou, sendo que sou, forma de genitivo do pronome

pessoal de segunda pessoa do singular, é o adjunto adnominal de posse de tou~

mavrturov

A conjunção coordenativa aditiva kaiv, ―e‖, reaparece, introduzindo a oração

kaiV au*toV h!mhn e*festwv ―eu mesmo estava presente‖. E o pronome demonstrativo

au*tov ―eu mesmo‖, sujeito do verbo h!mhn, ―estava‖, tem o seu sentido completado

pelo particípio e*festwv, ―presente‖, por sua vez predicativo de au*tov

Tem-se mais um emprego da conjunção coordenativa aditiva: kaiV suneudokw~n,

―e concordando‖; a seguir, há mais uma sentença que se inicia pela conjunção

coordenativa aditiva: kaiV fulavsswn taV i&mavtia, “e guardando as vestes‖. O particípio

fulavsswn, ―guardando‖, é predicativo do sujeito do pronome au*tov, e a expressão taV

i&mavtia, ―as vestes‖, é o núcleo do objeto direto de fulavsswn. Atesta-se, então, o

polissíndeto por meio da repetição de kaiv. Já o particípio substantivado na expressão

tw~n a*nairouvntwn au*tovn, ―daqueles que o matavam‖, é o adjunto adnominal de posse

de taV i&mavtia; e o pronome demonstrativo au*tovn552, no acusativo, é o objeto direto de

tw~n a*nairouvntwn.

552

kaiV o@ti ... au*tovn de acordo com At 7. 58; 8. 1.

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341

21 kaiV eipen proV me, Poreuvou, o@ti e*gwV ei* e!qnh makraVn e*xapostelw~ se. 21 E ele me disse: Vai, porque eu te enviarei para nações distantes.

Tem-se aqui mais uma introdução para o próximo turno, o terceiro: kaiV ei^pen

proV me, “E ele me disse‖, iniciada pela conjunção coordenativa aditiva kaiV, “e‖,

seguida da forma verbal ei^pen, ―disse‖. Por sua vez, o complemento circunstancial

proV me, sintagma formado pela preposição prov regendo a forma de acusativo do

pronome pessoal de primeira pessoa do singular, me, desempenha a função de adjunto

adverbial de lugar ―para onde‖, em um sentido figurado: ―disse para mim, em minha

direção‖.

O último turno do diálogo é a resposta de Jesus, com a forma verbal no

imperativo, Poreuvou, ―Vai‖; trata-se da oração subordinante de o@ti e*gwV ei* e!qnh

makraVn e*xapostelw~ se, “porque eu te enviarei para nações distantes‘‖, onde a forma

verbal no futuro, e*xapostelw, indica um desejo que, possivelmente, ocorrerá em um

tempo vindouro. A sentença subordinada adverbial causal é inserida pela conjunção

causal o@ti, ―porque‖. O pronome pessoal e*gwv, ―eu‖, de primeira pessoa do singular,

nominativo, é o sujeito do verbo e*xapostelw~~, ―enviarei‖, e a forma de acusativo do

pronome pessoal de segunda pessoa do singular, se553, ―te‖, é o objeto direto de

e*xapostelw~. Os dois pronomes pessoais, e*gwv e se, constituem elementos dêiticos,

uma vez que se referem aos participantes dentro de um contexto.

O complemento circunstancial ei* e!qnh makravn, ―para nações distantes‖,

sintagma formado pela preposição ei* "para‖, regendo o acusativo e!qnh, é adjunto

adverbial de lugar ―para onde‖, destacando-se ainda o advérbio de lugar, makravn,

―distante‖.

Devido às últimas palavras pronunciadas por Paulo (vers. 21-22), esse discurso

não teve um epílogo, de acordo com os versículos subscritos:

22 !Hkouon deV au*tou~ a!cri touvtou tou~ lovgou kaiV e*ph~ran thVn

fwnhVn au*tw~n levgonte, Ai^re a*poV th~ gh~ toVn toiou~ton, ou* gaVr

kaqh~ken au*toVn zh~n. 23 kraugazovntwn te au*tw~n kaiV r&ptouvntwn

taV i&mavtia kaiV koniortoVn ballovntwn ei* toVn a*evra, 24 e*kevleusen

o& cilivarco ei*savgesqai au*toVn ei* thVn parembolhvn, ei!pa

553

e*gwV ei* e!qnh ... se de acordo com At 9. 15; 13. 2; Gl 2. 7-9.

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342

mavstixin a*netavxesqai au*toVn i@na e*pignw~/ di’ h$n ai*tivan ou@tw e*pefwvnoun au*tw~/.

22 Então, ouviram até esta palavra dele e ergueram a voz deles,

dizendo: Remova o tal da terra, pois não convém que ele viva. 23 Tanto

eles gritavam quanto arremessavam as vestes e ainda lançavam pó para

o ar. 24 O comandante ordenou que ele fosse conduzido para a

fortaleza, dizendo que ele fosse interrogado com açoites, para que

conhecesse completamente (o) motivo pelo qual berravam daquele

modo (contra) ele.

Paulo, neste discurso, é muito detalhista e minucioso, em datas e lugares, assim

como em seu discurso na sinagoga, em Antioquia da Pisídia; citem-se, por exemplo:

A Localização Espacial

a) Adjunto

Adverbial de Lugar

―Onde‖

-indicando lugar

estático, sem ideia

de movimento -

e*n Tarsw~/ th~ Kilikiva, «em Tarso da Cilícia‖ (vers. 3); e*n

th~/ povlei tauvth/, «nesta cidade‖ (vers. 3); paraV touV povda

Gamalihvl, «junto aos pés de Gamaliel‖ (vers. 3); touV e*kei~se

o!nta ―os que aí se encontravam‖ (vers. 5); ei* toV

e!dafo"no chão‖ (vers. 7); e*kei~, ―ali‖ (vers. 10); e*n

e*kstavsei, ―em êxtase‖ (vers. 17); e*n tw~/ i&erw/~, ―no templo‖

(vers. 17)

b) Adjunto

Adverbial de Lugar

―De Onde‖

-indicando origem,

procedência -

e*k tou~ ou*ranou~, “do céu‖ (vers. 6); a*poV th~ dovxh tou~

fwtoV e*keivnou, ―do esplendor daquela luz‖ (vers. 11); e*k tou~

stovmato au*tou~, ―da sua boca‖ (vers. 14); e*x *Ierousalhvm,

―de Jerusalém‖ (vers. 18)

c) Adjunto

Adverbial de Lugar

―Para Onde‖

-indicando

ei* fulakav, “em direção às prisões‖ (vers. 4); ei*

Damaskovn, “em direção a Damasco‖ (vers. 5); proV touV

a*delfouv “para os irmãos‖ (vers. 5); ei* Damaskovn, ―para

Damasco‖ (vers. 10); ei* au*tovn, ―em sua direção‖ (vers. 13);

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343

movimento - prov me, ―até mim‖ (vers. 13); proV pavnta a*nqrwvpou

“para todos os seres humanos‖ (vers. 15); ei* *Ierousalhvm,

“para Jerusalém‖ (vers. 17); ei* e!qnh makravn, “para nações

distantes‖ (vers. 21)

d) Adjunto

Adverbial de Lugar

―diante de‖, ―por

meio, através de‖,

―ao longo de‖, ―ao

redor de‖

proV u&ma~, “diante de vós‖ (vers. 1); periV e*mev, “ao meu

redor‖ (vers. 6); kataV taV sanagwgav ―pelas sinagogas‖

(vers. 19)

A Localização Temporal554

nuniv, ―agora‖ (vers. 1); shvmeron, «hoje‖ (vers. 3); a!cri qanavtou, “até a morte‖

(vers. 4); dexavmeno ―recebi‖ (―após ter recebido‖) (vers. 5); e*xaivfnh

“subitamente‖ (vers. 6); periV meshmbrivan, “por volta do meio dia‖ (vers. 6);

poreuomevnw/ kaiV e*ggivzonti, “caminhando e me aproximando‖ (vers. 6); tou~

lalou~ntov moi, ―enquanto ela falava comigo‖ (vers. 9); *Anastav ―Após te

levantares‖ (vers. 10); ceiragwgouvmeno, “após ter sido conduzido pela mão‖ (vers.

11); e*lqwVn prov me kaiV e*pistav, ―depois de ter vindo até mim e, se aproximando‖

(vers. 13); au*th~/ th~/ w@ra/, ―nessa mesma hora‖ (vers. 13); nu~n, ―agora‖ (vers. 16);

a*nastav, “Levantando-(se)‖ (vers. 16); u&postrevyanti, “após ter retornado‖ (vers.

17)

Levando em conta as informações contidas na narração do discurso paulino,

pode-se considerar ainda:

554

Incluindo alguns particípios de valor temporal.

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344

□ O Orador/Narrador

□ O Público/Narratário

Paulo é um narrador secundário intra-homodiegético (quando vivencia os fatos

relatados por ele). Tem-se, por exemplo, o emprego de pronomes, de verbos na primeira

pessoa do singular, enfim, de expressões em que Paulo se insere no próprio relato:

mou, ―minha‖ (vers. 1); *Egwv ei*mi, «Eu sou‖, gegennhmevno ―nascido‖,

a*nateqrammevno «educado‖, pepaideumevno ―instruído‖, zhlwthV u&pavrcwn,

―dedicado a Deus‖ (vers. 3); e*divwxa, ―persegui‖ (vers. 4); moi, ―me‖, e*poreuovmhn,

―comecei a caminhar‖, dexavmeno ―após ter recebido‖, a!xwn, ―na intenção de trazer‖

(vers. 5); Egevneto dev moi, “aconteceu-me‖, poreuomevnw/ kaiV e*ggivzonti,

―caminhando e aproximando‖, periV e*mev, “ao meu redor‖ (vers. 6); e!pesav, ―caí‖,

h!kousa, ―ouvi‖, legouvsh moi, ―dizendo-me‖ (vers. 7); e*gwV deV a*pekrivqhn, ―eu

respondi‖, prov me, ―me‖ (vers. 8); suVn e*moiv, ―comigo‖, moi, “comigo (vers. 9);

ei^pon, ―Respondi‖, poihvsw, ―farei‖, prov me, ―me‖ (vers. 10); ou*k e*nevblepon, “não

era capaz de ver‖, ceiragwgouvmeno ―após ter sido conduzido pela mão‖, moi,

―comigo‖, h^lqon, “cheguei‖ (vers. 11); prov me, ―até mim‖, moi, ―a mim‖, ka*gwv, “E

eu‖, a*nevbleya, “levantei os olhos‖ (vers. 12); *Egevneto ... moi, ―Aconteceu-me‖,

u&postrevyanti, ―após ter retornado‖, proseucomevnou mou, ―e eu suplicando no

templo‖, genevsqai me, ―encontrar-me‖ (vers. 17); moi, ―a mim‖ (vers. 18), ka*gwV

ei^pon, ―E eu respondi‖, e*gwV h!mhn, ―eu estava‖, fulakivzwn kaiV devrwn, ―aprisionando

e açoitando‖ (vers. 19); au*toV h!mhn e*festwv ―eu mesmo estava presente‖,

suneudokw~n kaiV fulavsswn, ―concordando e guardando‖ (vers. 20); proV me, ―me‖

(vers. 21).

É bom lembrar que Lucas, o narrador primário, faz a introdução para inserir o

discurso mimético paulino (At 21. 40), mas, após dar ―voz‖ ao narrador secundário

Paulo (At 22. 1), Lucas interrompe para dar maiores informações em um discurso

narrativizado (At 22. 2) e, só então, retorna para o discurso mimético nos versículos

subsequentes, deixando, dessa vez, o discurso mimético de Paulo fluir normalmente.

Apesar dessa pequena intromissão por parte do narrador primário no início do discurso

paulino, pode-se também dizer que o discurso nas escadarias da Fortaleza Antônia em

Jerusalém constitui uma narrativa de focalização interna, uma vez que Paulo, o narrador

secundário é o sujeito da enunciação.

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345

Os ouvintes são narratários secundários intra-heterodiegéticos, em grande parte

do discurso, pois escutam um relato de acontecimentos em que não tiveram

participação. Não obstante, por um breve momento, os ouvintes são intra-

homodiegéticos, uma vez que Paulo insere o seu público no relato, por meio do adjetivo

pavnte"todos", do pronome pessoal, na segunda pessoa do discurso, u&mei~, ―vós‖, e

do verbo e*stev, igualmente, na segunda pessoa do discurso: zhlwthV u&pavrcwn tou~

qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron, ―sendo dedicado a Deus, da mesma

maneira que todos vós sois hoje‖ (At 22. 3).

□ O Argumento-Tipo (A Amplificação)

Paulo valoriza, principalmente, o seu h^qo onde engrandece a sua formação

acadêmica/teológica e os seus diálogos com seus dois interlocutores, Jesus e Ananias.

Assim, Paulo amplifica e valoriza esses fatos com vistas à persuasão de seu público

hierosolimitano555

.

Pelo fato de o apóstolo estar em Jerusalém, constrói o seu h^qo logo no início do

discurso, para fazer com que a imagem desfavorável, que os seus ouvintes tinham dele,

a de ser um sacrílego, fosse dissipada, conforme os versículos subscritos:

3 *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~

Kilikiva, a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth/, paraV touV

povda GamalihVl pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou

novmou, zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~ kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron:

3 Eu sou varão judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas educado nesta

cidade, instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da

lei paterna; dedicado a Deus da mesma maneira que todos vós sois hoje

(At 22. 3).

Levando em consideração os versículos supracitados, convém destacar os

seguintes termos:

a) *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, «Eu sou varão judeu‖ (...)

555

Adjetivo pátrio que se refere às pessoas que nascem na cidade de Jerusalém.

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346

A expressão *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, «Eu sou varão judeu‖ (...) (At 22. 3),

constitui uma declaração de uma identidade, apontando para a fidelidade de Paulo

quanto ao judaísmo. Por meio do reforço do pronome pessoal e do verbo no presente, na

primeira pessoa do discurso, *Egwv ei*mi, Paulo apresenta informações do âmbito étnico-

religioso.

A propósito, não só essa expressão, mas também a referência ao seu curriculum

vitae, onde inclui a escola de Gamaliel em Jerusalém (At 22. 3), assim como as cartas

que recebeu para perseguir os cristãos de Damasco (At 22. 5), são aqui elementos

fundamentais para a apresentação de sua identidade diante dos ouvintes. Assim sendo,

Paulo adapta o seu h^qo diante de seu público hierosolimitano.

O seu curriculum vitae, que incluía informações pessoais e também severas

perseguições aos cristãos, deveria persuadir os ouvintes no sentido de que a mensagem

que ele passava adiante nada tinha a ver com algum sentimento antijudaico, mas

evidenciava o zelo do apóstolo pela tradição judaica e sua obediência à vocação que lhe

fora ordenada pelo Deus de seus antepassados.

Tradicionalmente, considerava-se um Judeu – do hebraico , « iehudi » -

aquele que nascia de mãe judia ou que se convertia ao judaísmo (prosélito). Não

obstante, já houvera um movimento, no interior do próprio judaísmo, para se considerar

judeu também aquele nascido de pai judeu e de mãe gentia. Ora, um judeu é também

um «filho espiritual » de Abraão e de Sara.

Eis a observação de Joachim Jeremias a respeito de um judeu:

Um judeu que peca, ou que rejeita seu papel como membro do povo

eleito, permanece um judeu, e em certa medida, um judeu ou judia

mantém sua identidade como filho da Aliança mesmo se abandonar

totalmente sua fé judaica por outra religião. O termo « judeu » referia-se

originalmente aos judaítas, isto é, os habitantes do Reino do sul de Judá,

levados ao cativeiro em 586 a.C. e, posteriormente, atribuído aos

seguidores da religião judaica e aos hebreus por etnia, em geral

(JEREMIAS, 1983, p. 140).

b) gegennhmevno e*n Tarsw~/ th~ Kilikiva

"nascido em Tarso da Cilícia (...)‖556

556

Não obstante, São Jerônimo oferece a seguinte informação a respeito da naturalidade de Paulo: ―(...)

Dizem que os pais de Paulo eram de Gíscala, uma região da Judeia, e, quando toda a província foi

devastada pela mão de Roma e os judeus dispersados pelo mundo, mudaram-se para Tarso, cidade da

Cilícia; o adolescente Paulo herdou a situação pessoal dos pais‖ (JERÔNIMO. Comm. In Ep. Ad

Philem., vv. 23-24 apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 52). Jerônimo ratificou, mais uma vez, sua

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347

Deve-se pontuar que não se tem, em nenhuma epístola paulina, referência à

cidade de Tarso como sendo a cidade natal de Paulo nem mesmo como uma cidade por

onde o apóstolo tivesse passado. Igualmente, não se encontram, em suas epístolas,

referências à sua cidadania romana ou à de Tarso, e nem informações a respeito de que

Gamaliel tivesse sido seu mestre.

A informação, no relato lucano, do apóstolo Paulo quanto à sua cidade é

reforçada pela figura lítotes557. Paulo, anteriormente, ao dizer diante do tribuno de

Jerusalém que ele era natural de uma cidade não insignificante, na verdade, estava

querendo afirmar que era proveniente de uma cidade importante:

eipen deV o& Pau~lo, *EgwV a!nqrwpo mevn ei*mi *Ioudai~o, TarseuV

th~ Kilikiva, ou*k a*shvmou povlew558 polivth devomai dev sou,

e*pivtreyovn moi lalh~sai proV toVn laovn.

Paulo disse: Eu sou um homem judeu, de Tarso da Cilícia, cidadão não

de cidade desconhecida / insignificante. Rogo-te que me permitas falar

ao povo (At 21. 39).

- A cidade de Tarso

Tarso, a capital e a maior cidade da Cilícia559

, localizada na parte oriental da

Ásia Menor, fez parte do império grego Selêucida por mais de 250 anos, antes de se

tornar uma colônia romana no século I a.C.560

opinião sobre a cidade natal paulina, quando escreveu o livro De viris illustribus, que incluía 135

biografias de cristãos eminentes na história eclesiástica, dentre as quais a biografia de Paulo: ―O apóstolo

Paulo, antes chamado Saulo, não foi um dos doze apóstolos; era da tribo da Benjamin e da cidade de

Gíscala na Judeia; quando a cidade foi tomada pelos romanos, ele migrou com os pais para Tarso, na

Cilícia‖ (JERÔNIMO. De viris illustribus 5 apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 52). Essa nova

origem do apóstolo Paulo não é registrada nem nos Atos nem nas cartas paulinas. A propósito, é,

justamente, nos Atos que se tem maiores informações sobre as origens do apóstolo Paulo. 557

litovth, hto (h&) – sentido literal: simplicidade, ausência de aparato - é a figura de linguagem que

atenua, suaviza uma frase, por vezes, de nuance negativa, a fim de expressar uma afirmação. A lítotes –

denominada também de atenuação – é o oposto da hipérbole. 558

ou*k a*shvmou povlewem uma tradução literal: "não de cidade desconhecida / insignificante‖. 559

Na época do Novo Testamento, a região tinha judeus por habitantes (At 6. 9). Sublinhe-se que, na

época do Concílio de Jerusalém, havia a presença de comunidades cristãs (At 15. 23). O historiador

grego, Xenofonte, atesta que Tarso da Cilícia era uma grande e próspera cidade (Tarsouv, th~

Kilikiva povlin megavlhn kaiV eu*daivmona) (XÉNOPHON. Anabasis. 1.2.23). Díon Crisóstomo também

apresenta, em sua obra, um relato sobre Tarso: (...) e*peidhV povlin te megavlhn oi*kei~te kaiV cwvran

a*gaqhVn nevmesqh kaiV plei~sta dhV kaiV a*fqonwvtata par’ au*toi~ o*ra~te taV e*pithvdeia, kaiV

potamoV u&mi~n ou%to diaV mevsh diarrei~ th~ povlew, proV touvtoi deV mhtrovpoli h& TarsoV tw~n

kataV Kilikivan (DIO CHRYSOSTOM. Orationes 33. 17). Vosso lar está em uma grande cidade e

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348

Pena oferece o seguinte relato a respeito da cidade de Tarso:

Helenizada durante a longa dinastia dos Selêucidas, que mantinham

como padrão cultural as tradições, a literatura e a língua gregas, bem

como um sentimento de autonomia profundamente enraizado, Tarso era,

no século I, um dos eixos do comércio internacional entre o mundo

semita, o planalto Anatólio e as cidades gregas viradas para o Egipto e a

Europa. O solo era fértil e o Cidno constituía uma via fluvial altamente

estratégica para o comércio do trigo e do linho provenientes do Egipto.

Pela sua posição estratégica, a cidade de Tarso era um dos grandes

centros culturais do Oriente helenizado que concorria com outras

cidades da Ásia Menor e do Oriente, Pérgamo, Teos, Cós ou mesmo

Alexandria. O ensino procurava imitar a universidade de Atenas,

mantendo em vigor o modelo de ensino superior ateniense (...). Todos

os ramos das artes liberais figuravam em Tarso: poesia, retórica e

filosofia, esta sobretudo com forte ascendente na tradição estóica

local561

. Contudo, nomes sonantes das correntes filosóficas estão

ligados a Tarso. Da sua escola estóica é natural o filósofo Atenodoro,

tutor de Augusto e mais tarde seu conselheiro. Segundo Filóstrato,

Apolónio de Tiana, filósofo neopitagórico e itinerante, contemporâneo

de Paulo, ensinou filosofia em Tarso, viajando depois até à Índia. A

tradição retórica de Tarso manteve-se viva pelo menos até ao século II,

com Hermógenes de Tarso, continuador dos Progymnasmata de Téon,

cujo modelo oratório radicava em Platão, Xenofonte, Isócrates e

Demóstenes (PENA, 2012, pp. 29-30).

A cidade de Tarso se destacava, ainda, pelo culto a Hércules, pelas obras

públicas, tais como templos monumentais, um estádio etc., que se assemelhavam às

capitais provinciais romanas. Mckenzie destaca que, pelo viés cultural e religioso,

Tarso era um amálgama de elementos helenísticos, anatólicos e sírios (MCKENZIE,

1983, p. 909).

ocupais uma terra fértil, porque encontrais as necessidades da vida supridas na maior abundância e

profusão, pois tendes este rio que corre pelo coração de vossa cidade; além disso, Tarso é a capital de

todo o povo da Cilícia (DÍON CRISÓSTOMO apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, pp. 48). Ver

também: Orationes 34. 7. 560

Koester sublinha que: ―As cidades eram a espinha dorsal política e econômica do império romano.

Poder-se-ia até definir o império como uma liga de cidades, com Roma na liderança. A urbanização foi

uma política explícita de muitos imperadores, especialmente de Augusto e Vespasiano. Cidades

existentes, especialmente no Oriente, eram reorganizadas, recebiam privilégios especiais e obtinham

recursos financeiros em situações de emergência (por exemplo, depois da destruição causada por um

terremoto). Algumas cidades, como Rodes e Tarso, eram consideradas ―cidades aliadas livres‖, ou seja,

tinham o direito de cobrar seus próprios impostos, estavam isentas da tributação imperial e podiam

governar a si mesmas segundo suas próprias leis (KOESTER, 2005, p. 335)‖. 561

Estrabão escreve sobre a presença de mestres estóicos na cidade de Tarso (STRABO. Geography

14.5.14).

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349

- A Educação em Tarso e em Jerusalém

O geógrafo grego Estrabão destaca que o povo de Tarso era interessado pelas

questões educacionais; era uma atitude muito comum os cidadãos abandonarem a

cidade em busca de obterem mais conhecimentos. Seguem-se, subscritas, mais

informações de Estrabão a respeito de Tarso:

tosauvth deV toi~ e*nqavde a*nqrwvpoi spoudhV prov te filosofivan kaiV thVn a!llhn paideivan e*gkuvklion a@pasan gevgonen w@sq’

u&perbevblhntai kaiV *Aqhvna kaiV *Alexavndreian kaiV ei! tina a!llon

tovpon dunatoVn ei*pei~n, e*n w%/colaiV kaiV diatribaiV filosovfwn gegovnasi, diafevrei deV tosou~ton o@ti e*ntau~qa meVn oi&

filomaqou~nte e*picwvrioi pavnte ei*siv, xevnoi d’ ou*k e*pidhmou~si

r&a/divw: ou*d’ au*toiV ou%toi mevnousin au*tovqi a*llaV kaiV teleiou~ntai

e*kdhmhvsante kaiV teleiwqevnte xeniteuvousin h&devw,

katevrcontai d’ o*livgoi. Tai~ d’ a!llai povlesin a$ a*rtivw eipon

plhVn *Alexandreiva sumbaivnei ta*nantiva: foitw~si gaVr ei* au*taV polloiV kaiV diatrivbousin au*tovqi a!smenoi, tw~n d’ e*picwrivwn ou*

pollouV ou!t’ a#n e!xw foitw~nta i!doi kataV filomavqeian, ou!t’

au*tovqi periV tou~to spoudavzonta: *Alexandreu~si d’ a*mfovtera

sumbaivnei: kaiV gaVr devcontai pollouV tw~n xevnwn kaiV e*kpevmpousi

tw~n i*divwn ou*k o*livgoi ... kaiV ei*siV scolaiV par’ au*toi~

pantodapaiV tw~n periV lovgou tecnw~n, kaiV talla d’ eu*andrei~ kaiV

plei~ston duvnatai toVn th~ mhtropovlew e*pevcousa lovgon (STRABO. Geography 14.5.13).

Os habitantes de Tarso dedicam-se tão avidamente não só à filosofia,

mas também a todo o conjunto da educação em geral, que já

ultrapassaram Atenas, Alexandria e qualquer outro lugar que possa ser

citado onde haja escolas e palestras de filósofos. Mas Tarso é tão

diferente das outras cidades que os homens que gostam de aprender são

todos nativos, os estrangeiros não costumam demorar-se ali. Nem esses

nativos ficam ali, pois completam sua educação no exterior. E quando a

completam têm prazer em morar no estrangeiro e bem poucos voltam

para casa ... Além disso, a cidade de Tarso tem todos os tipos de escolas

de retórica e, em geral, não só tem uma população próspera, como é

bastante poderosa, dessa forma, mantendo a reputação da cidade-mãe

(ESTRABÃO. Geografia 14. 5. 13 apud MURPHY-O‘CONNOR,

2004, p. 49).

Quanto à presença local das escolas de retórica, Estrabão mencionou ainda ―a

facilidade predominante entre os habitantes de Tarso, pela qual eles podiam falar

imediatamente de improviso e sem cessar sobre qualquer assunto‖ (ESTRABÃO.

Geografia 14. 5 13-14 apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 63-64).

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350

É bom lembrar Marrou, ao ressaltar que, para a maioria dos estudantes de Tarso,

ingressar nos estudos superiores era como ―ouvir as palestras de um orador e aprender

com ele a arte da eloquência‖ (MARROU apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 63).

Murphy-O‘Connor pontua que os discentes judeus, em Tarso, teriam de

aprender a viver no mundo helenístico, uma vez que o grego, aprendido em casa,

deveria ser aprimorado por meio da leitura e da escrita. O currículo básico era,

praticamente, o mesmo das crianças não-judias; claro que essas últimas não utilizavam a

LXX como um livro de leitura, mas as crianças judias liam tanto Eurípedes quanto

Homero. Quando o aluno tivesse o domínio da escrita e da leitura, de um modo geral,

por volta dos 11 anos, era considerado apto para cursar o nível secundário.

O objetivo da educação helenística não era o desenvolvimento de um

espírito crítico, mas a transmissão de toda uma cultura nas obras de

autores como Homero, Eurípedes, Menandro e Demóstenes562

. Embora

pudéssemos supor que os estudantes judeus da diáspora oferecessem

alguma resistência à aceitação total das ideias dos livros didáticos

estudados por seus contemporêneos pagãos, o sistema estava tão

difundido e o método de instrução era tão consistente que deve ter

influenciado até os mestres judeus (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p.

62).

c) a*nateqrammevno deV e*n th~/ povlei tauvth, paraV touV povda

GamalihVl pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou,

zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~,

562

É bom lembrar que Marrou considera Homero, Eurípides, Menandro e Demóstenes como sendo os

quatro pilares da cultura clássica (MARROU, 1969, p. 256). A predileção por Homero continua durante o

período helenístico. Marrou oferece, como exemplo, Alexandre Magno que, quando estava em expedição

militar, levava a sua Ilíada (ibidem, 1969, p. 254). Não obstante, Hesíodo também era estudado desde a

escola primária. Não se deve esquecer que os poetas líricos, tais como Álcman, Alceu, Safo e,

principalmente, Píndaro, também possuíam o seu lugar nos currículos escolares. Entrementes, estudava-

se, igualmente, nas escolas helenísticas, os autores mais recentes, como Calímaco e os Epigramatistas

(MARROU, 1969, p. 256). Convém lembrar que, na Paidéia Helenística, pode-se dividir o ensino em três

graus: primário, médio ou secundário e superior. Em torno dos sete anos até aproximadamente vinte anos,

os gregos percorrerão um longo caminho que os conduzirá ao ―exercício consciente dos seus deveres de

cidadão‖ (PEREIRA, 1993, p. 525). Inicialmente, os jovens conheciam as letras por meio do

grammatisthv, possuíam também mestres de música e de ginástica. A propósito, o ginásio continuava

sendo considerado o lugar principal da juventude grega. Em relação ao ensino secundário, o principal

mestre é chamado de grammatikov, com quem os alunos tinham os primeiros contatos com os estudos

literários (gramática, retórica, dialética), formando a base de seu novo currículo e os estudos científicos

(aritmética, geometria, astronomia e música). O nível superior era ministrado pelo sofisthv ou pelo

r&hvtwr, os discentes, inicialmente, possuíam uma formação essencialmente militar. Havia, ainda, duas

grandes e principais vertentes de pesquisa: a retórica e a filosófica. Alguns seguiam outras vertentes, tais

como: a científica ou a literária. A aquisição das habilidades oratórias era dividida em três partes: a) a

teoria do discurso, incluindo a redação de cartas com certas técnicas, regras, fórmulas etc.; b) A segunda

etapa era prática, incluindo o estudo dos discursos dos grandes mestres de retórica; abordavam-se

questões como as técnicas utilizadas, os efeitos produzidos ou os meios de elas serem aperfeiçoadas; c) a

última etapa era a redação dos discursos (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 64).

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351

mas educado nesta cidade, instruído junto aos pés de Gamaliel de

acordo com a exatidão da lei paterna, sendo dedicado a Deus.

Joachim Jeremias oferece a seguinte explanação a respeito da educação em

Jerusalém:

Jerusalém era, em primeiro lugar, um dos centros mais importantes para

a formação religiosa dos judeus. Atraía sábios da Babilônia e do Egito e

a reputação mundial de seus homens doutos fazia acorrer os alunos.

Gozava de prestígio entre as mais diversas correntes religiosas. A

expectativa religiosa prendia-se a Jerusalém; por isso, todos os

movimentos messiânicos, muito numerosos na época, voltavam-se para

ela (JEREMIAS, 1983, p. 108).

No Shemá YIsrael, “Escuta, Israel”, espécie de profissão de fé judaica, tem-se

uma ordem aos pais (Dt 6. 7; 11. 19),563

para que repassassem aos filhos as « palavras

de Deus ». Entrementes, esse ensinamento só era válido para os filhos do sexo

masculino. Deve-se lembrar que havia uma «escola de profetas» nos tempos bíblicos564

.

O menino judeu, finalizava seus estudos por volta dos 12 ou 13 anos, época em

que era considerado uma ―pessoa responsável‖ na Palestina do século I.

Se Homero era lido nos círculos farisaicos do século I na Palestina, não

há dúvida de que fazia parte do currículo da escola da diáspora

frequentada pelo filho de um cidadão romano. Ali Paulo aprendeu a

desenhar letras e depois a escrever. Ali também aprendeu a contar e,

presumivelmente, a lidar com os intrincados sinais manuais que

permitiam a seus contemporâneos expressar todos os números de um a

um milhão (MARROU apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 62).

- Aspectos Quanto à Formação Retórica de Paulo

Murphy-O‘Connor acredita que Paulo era formado nas técnicas oratórias, e não

obstante, o estudioso enfatiza que Paulo parece negar isso, levando-se em consideração

os seus escritos (1 Co. 1. 17; 2. 4; 2 Co 10. 10; 11. 6) (ibidem, 2004, p, 64).

563

6

E estas palavras que eu te ordeno hoje estarão sobre o teu coração, 7

e as inculcarás a teus filhos, e

delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te (Dt 6. 6-7). Ver

também: Dt 11. 19. 564

Ao que tudo indica, o profeta Samuel é considerado como sendo o organizador dessa « escola de

profetas » (1 Sm 10. 5; 19. 20), mas foram os profetas Elias e Eliseu que consolidaram essa escola. A

«escola de profetas» funcionou como uma resistência em uma época que prevalecia a apostasia religiosa

no Reino do Norte (2 Rs 2.3 ; 4. 38 ; 6.1). Quanto à sua localidade, encontrava-se, possivelmente, em

Gibeá (1 Sm 19. 20 ; 10. 5, 10); havia também círculos de estudos nas seguintes cidades: Betel, Gilgal e

Jericó (2 Rs 4. 38; 2. 3. 5, 7, 15; 4.1, 9. 1).

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352

O apóstolo Paulo destaca também que não utilizaria a sofiva/ lovgou, ―sabedoria

de palavra‖, conforme já mencionado na introdução desta pesquisa: ou* gaVr

a*pevsteilevn me CristoV baptivzein a*llaV eu*aggelivzesqai, ou*k e*n sofiva/ lovgou,

i@na mhV kenwqh~/ o& stauroV tou~ Cristou~, ―Cristo, de fato, não me enviou para

batizar, mas evangelizar, não em sabedoria de palavra, para que a cruz de Cristo não

seja anulada‖ (1 Co 1. 17).

E mais:

4 kaiV o& lovgo565 mou kaiV toV khvrugmav mou ou*k e*n peiqoi~ sofiva

lovgoi a*ll’ e*n a*podeivxei pneuvmato kaiV dunavmew,

4 E a minha palavra e a minha proclamação não (consistem) em palavras

persuasivas de sabedoria, mas em demonstração de Espírito e de poder (1

Co 2. 4).

a$ kaiV lalou~men ou*k e*n didaktoi~ a*nqrwpivnh sofiva lovgoi a*ll’

e*n didaktoi~ pneuvmato, pneumatikoi~ pneumatikaV sugkrivnonte

As quais também falamos, não por meio de palavras ensinadas pela

sabedoria humana, mas por meio de palavras ensinadas pelo Espírito

Santo, confrontando coisas espirituais aos homens espirituais566

(1 Co 2.

13).

ei* deV kaiV i*diwvth tw~/ lovgw/, a*ll’ ou* th~/ gnwvsei, a*ll’ e*n pantiV

fanerwvsante e*n pa~sin ei* u&ma~.

Se sou também leigo quanto à fala, mas não (sou) no conhecimento, mas

em tudo nos mostrando em todas as coisas a vós (2 Co 11.6).

Os versículos citados sugerem uma certa negação do lógos retórico como fonte

de persuasão em prol do lógos como ―palavra inspirada‖ que traz à tona a força da

palavra divina.

Pode-se dizer que a própria negação do lógos retórico de Paulo seja um recurso

retórico, para mostrar aos seus destinatários que as suas palavras não se baseavam em

técnicas retóricas, meramente humanas, mas que as suas palavras emanavam da

565

Devem ser lembratos alguns matizes do lógos empregado por Paulo: lovgo em um sentido de

―palavra divina‖: a*pouvdason seautoVn dovkimon parasth~sai tw~/ qew~/ e*rgavthn a*nepaivscunton,

o*rqotomou~nta toVn lovgon th~ a*lhqeiva. Apresenta-te a Deus aprovado como um obreiro que não tem

do que se envergonhar, que interpreta corretamente a palavra da verdade (2 Tm 2. 15); no sentido de

―aparência‖: a@tinav e*stin lovgon meVn e!conta sofiva e*n e*qeloqrhskiva/ (Cl 2. 23). As quais possuem

aparência de sabedoria em culto voluntário (...); no sentido de ―doutrina‖, de ―ensinamento‖:

Koinwneivtw deV o& kathcouvmeno toVn lovgon tw~/ kathcou~nti e*n pa~sin a*gaqoi~. Aquele que é

instruído mediante a palavra reparta de todas as coisas úteis com aquele que o instrui (Gl 6.6). 566

De acordo com Rusconi: ―submetendo coisas espirituais ao juizo de homens espirituais‖ (RUSCONI,

2011, p. 430) .

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divindade e que, além do mais, ele, Paulo, se considerava um ser ―inspirado‖, cuja

mensagem não fora transmitida por nenhum ser humano, mas por meio de revelações

divinas; considere-se, por exemplo, o seguinte comentário:

11 Gnwrivzw gaVr u&mi~n, a*delfoiv, toV eu*aggevlion toV eu*aggelisqeVn u&p’ e*mou~ o@ti ou*k e!stin kataV a!nqrwpon 12 ou*deV gaVr e*gwV paraV a*nqrwvpou parevlabon au*toV ou!te e*didavcqhn a*llaV di’

a*pokaluvyew *Ihsou~ Cristou~.

11 De fato, vos torno manifesto, ó irmãos, que o Evangelho, que foi

anunciada por mim, não é de acordo com o ser humano 12 nem eu a

recebi por intermédio de ser humano nem fui ensinado, mas por meio da

revelação de Jesus Cristo (Gl 1. 11-12).

Conforme já foi visto, de um modo geral, entre os gregos antigos, havia a crença

de que os poetas eram seres inspirados como os adivinhos e os profetas. Essa

inspiração, que provinha dos deuses, era uma espécie de revelação oculta aos outros

seres humanos. Assim, os poetas eram vistos como ―porta-vozes‖ das divindades,

compondo num estado de e*nqousiasmov ―entusiasmo‖567.

Sublinhe-se que há, nas escrituras neotestamentárias, excertos que apontam, de

modo direto, no sentido de que as escrituras568

teriam sido inspiradas por uma

divindade, possuindo, por conseguinte uma autoridade divina, e que, do mesmo modo,

os seus escritores também seriam ―seres inspirados‖, ―guiados pelo Espírito Santo‖ (2

Pe 1. 21). Pode-se assim fazer uma comparação entre a concepção helênica dos poetas e

a dos escritos ―inspirados‖, segundo a concepção judaico-cristã:

14 suV deV mevne e*n oi% e!maqe kaiV e*pistwvqh, ei*dwV paraV tivnwn

e!maqe, 15 kaiV o@ti a*poV brevfou taV i&eraV gravmmata oida, taV

dunavmenav se sofivsai ei* swthrivan diaV pivstew th~ e*n Cristw~/

567

Chantraine lembra que o vocábulo qeov aparece como o primeiro termo em um grande número de

composições vocabulares (CHANTRAINE, 1970, p. 430). Citem-se, por exemplo, e*nqousiavzw, ―sou

inspirado pela divindade‖; e!nqeo, ―estimulado de um transporte divino‖, ―inspirado pelos deuses‖;

e*nqousiavw, ―ser possuído por um deus, ser levado de entusiasmo‖; e*nqousiva, ―entusiasmo, possessão

divina‖. Digno de nota é o prefixo-preposicionado e*n, ―em, dentro de, no interior de‖, para a formação

dessas palavras compostas, indicando o lugar ―onde‖, estático, sem ideia de movimento.

568 A referência de 2 Tm 3.16 diz respeito, de modo explícito, ao Antigo Testamento e, de modo

implícito, ao Novo Testamento, por pertencer às escrituras. Certa vez, o apóstolo Paulo fez referência a

uma informação (1 Tm 5. 18) que estava no evangelho de Lucas (Lc 10. 7). Ora, Paulo chama o

evangelho de Lucas como h& grafhv, ―a escritura‖. Sublinhe-se que os cristãos primitivos consideravam

os escritos dos apóstolos como portadores de autoridade divina. Tanto Jesus Cristo quanto vários

escritores do Novo Testamento fizeram referências a várias partes do Antigo Testamento para ratificar a

autoridade desses escritos (Mc 11. 17; Mt 4. 4, 7, 10; Mt 15. 3-4; Lc 24. 27, 44).

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*Ihsou~. 16 pa~sa frafh~ qeovpneusto569 kaiV w*fevlimo proV

didaskalivan, proV e!legmon, proV e*panovrqwsin, proV paideivan thVn e*n dikaiosuvnh/.

14 Ora, permanece tu naquelas coisas, as quais aprendeste e nas quais

creste, sabendo dos mestres que aprendeste, 15 e que desde a tenra idade

sabes as sagradas letras, que podem te tornar sábio para a salvação por

meio da fé em Cristo Jesus. 16 Toda escritura é inspirada e proveitosa

para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a instrução em

justiça (2 Tm 3. 14-16).

ou* gaVr qelhvmati a*nqrwvpou h*nevcqh profhteiva potev, a*llaV u&poV

pneuvmato a&givou ferovmenoi570 e*lavlhsan a*poV qeou~ a!nqrwpoi. De fato, nenhuma profecia foi dada por vontade de ser humano, mas

homens guiados pelo Espírito Santo falaram da parte de Deus571

(2 Pe 1.

21).

Ora, Pedro declarou, certa vez, que tinha dificuldades para entender algumas

coisas que Paulo escrevia. O apóstolo Pedro considerava Paulo um sofov, ―sábio‖572

,

ao explicitar a sofiva, a sabedoria especial que Paulo teria recebido da parte da

divindade e se refere ao apóstolo nestes termos:

15 kaiV thVn tou~ kurivou h&mw~n makroqumivan swthrivan h&gei~sqe,

kaqwV kaiV o& a*gaphtoV h&mw~n a*delfoV Pau~lo kataV thVn doqei~san

au*tw~/ sofivan e!grayen u&mi~n, 16 w& kaiV e*n pavsai e*pistolai~

lalw~n e*n au*tai~ periV touvtwn, e*n ai% e*stin dusnovhtav tina, a$ oi&

a*maqei~ kaiV a*sthvriktoi streblou~sin w& kaiV taV loipaV grafaV

proV thVn i*divan au*tw~n a*pwvleian.

15 considerai, por salvação, a paciência de nosso Senhor, conforme

também o nosso amado irmão Paulo escreveu a vós segundo a sabedoria

que lhe foi concedida. 16 Como também, em todas as suas epístolas, fala

nelas a respeito destas coisas, as quais algumas coisas são difíceis de

569

O vocábulo qeovpneustoon"inspirado por Deus‖ é composto por dois radicais nominais:

qeov"deus" + pneu~ma, ―sopro, respiração, sopro do entusiasmo, de ardor‖, em um sentido religioso:

―sopro divino, espírito divino‖ (BAILLY, 2000, p. 1576).570

u&poV pneuvmato a&givou ferovmenoi, ―ser levado, guiado pelo Espírito Santo‖ (RUSCONI. 2011, p.

480). 571

É bom lembrar que o rei israelita, Davi, também se considerava um ―inspirado por Deus‖: ―O

Espírito do Eterno falou em mim, e a Sua palavra está na minha língua‖ (2 Sm 23. 2). Ver também: Ex.

24. 4; Is 30.8; Jr 26. 2; 2 Pe 3. 1-2. 572

É bom lembrar que Píndaro acreditava que o poeta era um sofov, detentor de uma sabedoria inata,

isto é, era sábio ―por natureza‖, desde o seu nascimento em uma oposição àqueles que tiveram de

aprender, comparando esses últimos aos corvos (PINDAR. Olympian 2. 83-87). Chantraine atesta sofov

como ―habilitado a fazer‖, em uma referência ao poeta, ao douto e à sabedoria prática em geral

(CHANTRAINE, 1980, p. 1031).

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compreender, as quais os incultos e volúveis distorcem como também

distorcem as outras escrituras para a própria ruína deles (2 Pe 3. 15-16).

Murphy-O‘Connor salienta que o modo como o apóstolo pregava era uma

questão de escolha: ou* gaVr e!krinav ti ei*devnai e*n u&mi~n ei* mhV *Ihsou~n CristoVn kaiV

tou~ton e*staurwmevnon, ―pois escolhi nada saber algo entre vós, senão a Jesus Cristo e

esse crucificado‖ (1 Co 2. 2) e, depois, explica o motivo: i@na h& pivsti u&mw~n mhV h/^ e*n

sofiva/573 a*nqrwvpwn a*ll’ e*n dunavmei574 qeou~, ―para que a vossa fé não fosse

(apoiada) em sabedoria de seres humanos, mas no poder de Deus‖ (1 Co 2. 5).

Se Paulo escolheu é porque ele tinha alternativas, e poderia ter empregado as

técnicas da retórica para a propagação do evangelho.

Marshall, astutamente, observa que a maneira e a linguagem da refutação de

Paulo ―indicam estar ele mais que familiarizado com as tradições retóricas que estava

rejeitando. É viável sugerir que estudara retórica, mas a pusera deliberadamente de

lado‖ (MARSHALL apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 65).

Murphy-O‘Connor acredita que, dos 15 aos 20 anos, Paulo havia frequentado a

sinagoga de Tarso e expusera, ali, a tradição do judaísmo helenizado, do qual Fílon de

Alexandria, seu contemporâneo, era a pessoa mais eminente (MURPHY-O‘CONNOR,

2004, p. 65).

Interessante destacar que o apóstolo, em uma de suas epístolas aos coríntios,

disserta a respeito de sua estratégia evangelística:

22 e*genovmhn toi~ a*sqenevsin a*sqenhv, i@na touV a*sqenei~

kerdhvsw: toi~ pa~sin gevgona pavnta i@na pavntw tinaV swvsw. 23

pavnta deV poiw~ diaV toV eu*aggevlion, i@na sugkoinwnoV au*tou~ gevnwmai.

22 Fiz-me de frágil para os frágeis, para que eu conquistasse os frágeis,

fiz todas as coisas para todos, para que, por todos os meios, eu salvasse

alguns. 23 Ora, faço todas as coisas por causa do evangelho, para que eu

me torne seu co-participante (1 Co 9. 22-23).

573

Eis alguns empregos de sofiva atestados no Novo Testamento grego: ―sabedoria humana‖ (1 Co 1.

10); ―sabedoria do mundo‖ (1 Co 1. 20); ―ciência‖ (At 7. 22) (RUSCONI, 2011, p. 422; SCHOLZ, 2007,

p. 941); ―sabedoria de Deus‖ (Rm 11. 33; 1 Co 1. 21, 24) (VINE, 2002, p. 960) etc. 574

Chantraine atesta que duvnamié um substantivo de ação de maior importância, ―força‖ em um sentido

mais geral (CHANTRAINE, 1968, p. 301). Outros empregos de duvnami no Novo Testamento: ―força,

capacidade, poder‖ (Mt 24. 30); ―poder de Deus, força sobrenatural‖ (Mt 22. 29; Rm 8. 38); ―milagres‖

(Ar 2. 22) (SCHOLZ, 2007, p. 820; RUSCONI, 2011, p. 138). O verbo correspondente ao substantivo

duvnamié duvnamai, ―posso, sou capaz‖.

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Ora, destacam-se, nos versículos supracitados, o adjetivo pa~, pa~sa, pa~n e a sua

forma adverbial pavntw (pa~sin ... pavnta, “todas as coisas para todos‖, pavntw"por todos os

meios‖ (vers. 22); pavnta, “todas as coisas‖ (vers. 23)). A propósito, essas expressões são

consideradas verdadeiras hipérboles para indicar a veemência e a intensidade do pensamento de

Paulo para pregar o Evangelho.

Pode-se fazer um cotejo entre os versículos supracitados paulinos e os versos

pindáricos:

e@petai d’ e*n e&kavstw/

mevtron: noh~sai deV kairoV a!risto

e*gwV deV i!dio e*n koinw~/ staleiv.

Em tudo cai bem a medida;

Conhecer a ocasião é o que há de melhor575

(PÍNDARO. Olímpica XIII, 67-69)

Convém sublinhar que os coríntios criticaram, certa vez, as epístolas de Paulo,

de acordo com os versos subscritos:

o@ti, Ai& e*pistolaiV mevn, fhsivn, barei~ai kaiV i*scuraiv, h& deV

parousiva tou~ swvmato a*sqenhV kaiV o& lovgo e*xouqenhmevno.

Porque se diz que as epístolas (são) pesadas e duras, mas a presença do

corpo (é) frágil e a fala desprezível (2 Co 10. 10).

É bom não esquecer o que o apóstolo falou a respeito da utilização adequada do

lovgo(Cl 4. 6), já vista, igualmente, na introdução dessa pesquisa.

Não obstante, acredita-se que não se devem levar em consideração, as

afirmações de Paulo quanto ao seu lovgoei* deV kaiV i*diwvth576 tw~/ lovgw/ (...), «Se sou

também leigo quanto à fala (...)‖ (2 Co 11.6); o& lovgo e*xouqenhmevno577, ―a fala

desprezível‖ (...) (2 Co 10. 10); kaiV o& lovgo mou kaiV toV khvrugmav mou ou*k e*n

peiqoi~ sofiva lovgoi, “E a minha palavra e a minha proclamação não

(consistem) em palavras persuasivas de sabedoria‖ (...) (1 Co 2. 4).

575

Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. A pesquisadora Maria Helena enfatiza que: ―A medida e

a oportunidade são duas noções afins que se completam‖ (PEREIRA, 1993, p. 224). 576

O substantivo i*diwvthpossui os significados de"pessoa não treinada, pessoa sem formação, leigo,

indouto, pessoa simples‖ (SCHOLZ, 2007, p. 860); ―popular, inexperto, profano‖ (RUSCONI, 2011, p.

232). 577

O particípio e*xouqenhmevno (do verbo e*xouqenevw) tem o significado de “desprezível, inútil, vil‖

(RUSCONI, 2011, p. 18).

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357

Igualmente, não se devem levar em consideração as críticas dos coríntios de que

suas cartas eram barei~ai kaiV i*scuraiv, “pesadas e duras‖ (2 Co 10. 10).

Keener, em relação a 2 Coríntios 10. 10, escreve nestes termos:

Uma regra básica da epistografia antiga era de que as cartas do

missivista deveriam adequar-se à sua personalidade quando estava

presente. E isso era porque, de alguma maneira, as cartas comunicavam

a presença do remetente. (...) Cartas ―duras e poderosas‖ 578

seriam do

tipo escrito por uma autoridade respeitável (os romanos valorizavam

uma virtude que eles chamavam de gravitas, a qual incluía austeridade e

rigor), ao passo que o discurso de Paulo reflete um insuficiente

treinamento retórico no sentido de impressionar os poderosos da

sociedade. Sua (literalmente) ―presença do corpo‖ (RC)579

nada tinha de

impressionante, talvez significando que ele não se vestia como um

filósofo, ou (mais provavelmente) que ele era desajeitado nos gestos,

importante elemento da mensagem no discurso em público que os

retóricos procuravam salientar. Em outras palavras, Paulo era melhor

escritor que orador em público (KEENER, 2004, p. 528).

Quanto aos termos barei~ai kaiV i*scuraiv, Murphy-O‘Connor sustenta que:

Embora esses adjetivos possam ser traduzidos negativamente como

―opressivas e duras‖, o consenso de biblistas e tradutores é que devem

ser traduzidas positivamente, por exemplo, tendo ―peso e força‖

(TEB580

), ―severas e energéticas‖ (BMD581

) (cf. Philips). Em outras

palavras, seu estilo vigoroso era reforçado pela cuidadosa apresentação

esperada de um escritor bem-treinado. A afirmação de G.A. Kennedy de

que Paulo sentia-se ―perfeitamente à vontade no idioma grego de seu

tempo e nas convenções das epístolas gregas‖ é confirmada pela prova

de arranjo retórico, não só na organização de cartas inteiras, mas

também nas partes de 1 Coríntios em que ele trata de assuntos

diferentes. Evidentemente, ele foi tão bem treinado que sua habilidade

já não era consciente, mas instintiva (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p.

64).

O apóstolo Paulo sempre primava pela nitidez de uma palavra, de um discurso

com fluidez para que os usuários de uma língua se entendessem:

578

Preferiu-se a tradução de barei~ai kaiV i*scuraiv, por “pesadas e duras‖. 579

Revista e Corrigida (Edição Bíblica).

580 A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB) possui a sua tradução baseada na Traduction Oecuménique

de la Bible (TOB francesa). 581

Bíblia Mensagem de Deus Edição (BMD) possui a sua tradução baseada na Liga de Estudos Bíblicos

(LEB).

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358

10 tosau~ta ei* tuvcoi gevnh fwnw~n582, ei*sin e*n kovsmw/ kaiV ou*deVn

a!fwnon. 11 e*aVn oun mhV ei*dw~ thVn duvnamin th~ fwnh~ e!somai tw~/

lalou~nti bavrbaro kaiV o& lalw~n e*n e*moiV bavrbaro.

10 É possível existir muitos gêneros de vozes no mundo e nenhum deles

sem som (= sem significado). 11 Por conseguinte, se eu não souber o

sentido da voz, serei para aquele que fala um bárbaro e aquele que fala

(será) um bárbaro583

para mim (1 Co 14. 10-11) .

Convém citar o pesquisador Pena quanto à tríade ―lógos, grego e bárbaro‖:

Quanto ao lógos, ao mesmo tempo palavra, razão e inteligibilidade,

fazia parte do património cultural dos gregos, era o elemento identitário

que distinguia o Grego do Bárbaro como ele próprio afirma: «Ora, se eu

não sei o valor da palavra, serei um Bárbaro para aquele que fala e

aquele que fala será para mim um Bárbaro». Mas o lógos está também

associado à liberdade de palavra ou parrhesia, essa virtude da idade de

ouro da democracia ateniense que designava o direito do cidadão à

palavra (PENA, 2012, p. 37).

A propósito, para Pena, nos Atos e no corpus paulinum, a parrhsiva, ―ousadia,

confiança‖, será vista como um paradigma da pregação cristã584

:

!Andre a*delfoiV, e*xoVn ei*pei~n metaV parrhsiva proV u&ma~ periV tou~ patriavrcou DauiVd o@ti kaiV e*teleuvthsen kaiV e*tavfh, kaiV toV

mnh~ma au*tou~ e!stin e*n h&mi~n a!cri th~ h&mevra tauvth.

Ó varões irmãos, convém dizer, com ousadia, a vós a respeito do

patriarca Davi que não só morreu como também foi sepultado e o seu

sepulcro está entre nós até este dia (At 2. 29)585

.

582

O vocábulo fwnhv, nesse contexto, pode ser traduzido também por « palavra, discurso », constituindo

uma metonímia (RUSCONI, 2011, p. 489). 583

Bavrbaro, on, ―bárbaro, o que fala uma língua desconhecida, estranha‖. Outros significados de

Bavrbaro atestados no Novo Testamento: ―não grego, não civilizado, estrangeiro‖, nesse caso, é

empregado em oposição a @Ellhn, hno, ―grego, civilizado‖: @Ellhsivn te kaiV barbavroi, sofoi~ te

kaiV a*nohvtoi o*feilevth ei*miv. Sou devedor tanto a gregos (civilizados) quanto a bárbaros (não

civilizados), tanto a sábios quanto a ignorantes (Rm 1. 14); ―não civilizado‖ (Cl 3. 11); ―pessoa nativa de

um lugar‖ (At 28. 2). Por sua vez, @Ellhn, hno, é empregado também para significar um ―gentio,

pagão, não-judeu‖: Ou*k e!ni *Ioudai~o ou*deV @Ellhn, ou*k e!ni dou~lo ou*deV e*leuvqero, ou*k e!ni

a!rsen kaiV qh~llu: pavnte gaVr u&mei~ ei% e*ste e*n Cristw~/ *Ihsou~. Não há judeu nem grego; não há

servo nem livre; não há macho nem fêmea; de fato, todos vós sois um em Cristo Jesus (Gl 3. 28). 584

Citem-se, por exemplo, os momentos que antecederam o discurso de Paulo no Areópago de Atenas

(At 17. 16-18). Ver também outros contextos no emprego de parrhsiva: e*n parrhsiva,/ ―com confiança‖

(Fl 1. 20); e*n parrhsiva/, ―em público, ―publicamente‖ (Cl 2. 15; At 2. 29); metaV parrhsiva, ―com

franqueza com ousadia, com confiança‖ (Hb 4. 16). 585

Excerto do discurso do apóstolo Pedro em Jerusalém (At 2. 14-36).

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É bom lembrar que, apesar de Paulo ser considerado um ―ser inspirado‖,

encontra-se, em seus escritos, expressões do tipo:

a) kataV a!nqrwpon levgw, ―falo como um ser humano‖;

ei* deV h& a*dikiva h&mw~n qeou~ dikaiosuvnhn sunivsthsin, tiv e*rou~men,

mhV a!diko o& qeoV o& e*pifevrwn thVn o*rghVn; kataV a!nqrwpon levgw (Rm 3. 5).

Ora, se a nossa injustiça põe em evidência a justiça de Deus, o que

diremos? Por um acaso, Deus, que aplica a ira, seria injusto? falo como

um ser humano586

.

O argumento, a indagação de Paulo, em forma de uma pergunta retórica, cuja

resposta era negativa, sugere que ele estivesse negando a ―inspiração divina‖, mas ele

estava apresentando um argumento como um ser humano que possui dúvidas.

b) a*nqrwvpinon levgw, ―falo com exemplos humanos‖587

, enfim, ele emprega as

suas palavras de um jeito que os seus destinatários pudessem compreender a sua

mensagem.

a*nqrwvpinon levgw diaV thVn a*sqevneian th~ sarkoV u&mw~n. w@sper gaVr paresthvsate taV mevlh u&mw~n dou~la th~/ a*kaqarsiva/ kaiV th~/

a*nomiva ei* thVn a*nomivan, ou@tw nu~n parasthvsate taV mevlh u&mw~n

dou~la th~/ dikaiosuvnh/ ei* a&giasmovn.

Falo com exemplos humanos por causa da fraqueza da vossa carne.

Exatamente como oferecestes os vossos membros como escravos para a

impureza e da iniquidade para a iniquidade, assim, agora, oferecei os

vossos membros como escravos da justiça para a santificação (Rm 6.

19).

Em uma ocasião, Paulo adicionou a sua opinião em meio às ―palavras

inspiradas”: levgw e*gwV ou*c o& kuvrio, “eu falo, não o Senhor” (1 Co 7. 12), kataV

thVn e*mhVn gnwvmhn, “de acordo com a minha opinião‖ (1 Co 7. 40), como corroboram

os versículos subscritos:

Toi~ deV loi~poi levgw e*gwV ou*c o& kuvrio: ei! ti a*delfoV gunai~ka e!cei a!piston kaiV au@th suneudokei~ oi*kei~n met’ au*tou~, mhV a*fievtw au*thvn.

586

Ver também Gl 3. 15. 587

a*nqrwvpinon levgw, ―falo com exemplos humanos‖ (RUSCONI, 2011, p. 53); ―falar com palavras

simples‖ (SCHOLZ, 2007, p. 781).

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Quanto ao mais, eu falo, não o Senhor: se algum irmão tem esposa

descrente e ela aceita morar com ele, não a abandone (1 Co 7. 12).

Makariwtevra dev e*stin e*aVn ou@tw meivnh/, kataV thVn e*mhVn gnwvmhn dokw~ dev ka*gwV pneu~ma qeou~ e!cein.

Ora, se permanecer desse modo (viúva) será mais feliz de acordo com a

minha opinião; penso que eu também tenho o Espírito de Deus (1 Co 7.

40).

Quanto à formação retórica de Paulo, Sevenster pontua que:

O próprio não no-lo diz nas Cartas. Com base nos Actos, onde nunca se

fala sobre uma formação “retórica”, pelo menos dois locais surgem

como possíveis: Tarso e Jerusalém. Nunca o norte da Galileia. É

verdade que a Jerusalém do seculo I não era, propriamente, um grande

centro de cultura helenística. Contudo, metade das epígrafes aí

encontradas são em Grego, 7% sao bilíngues e, como Sevenster

mostrou, muitas delas nem sequer se referem a Judeus da diáspora ou a

gentios, mas a Hebreus da Palestina (SEVENSTER apud FURTADO,

2012, p. 22). As epígrafes testemunham, pois, razoável literacia em

Grego, talvez possível de adquirir em Jerusalém em escolas que

ensinassem Grego com base nos Septuaginta e não em Homero (PITTS

apud FURTADO, 2012, p. 22)588

.

Van Unnik ressalta que o emprego dos particípios gegennhmevno,

a*nateqrammevno e pepaideumevno (At 22. 3) corresponde, na verdade, a uma fórmula

literária, para indicar o nascimento, a educação familiar e a instrução formal de uma

pessoa.

O estudioso estabelece uma relação de deV e*n th~/ povlei com a*nateqrammevno e

infere que Paulo teria obtido toda a sua educação em Jerusalém (VAN UNNIK apud

FURTADO, 2012, p. 23).

É bom lembrar que, em um de seus discursos em Atos, Paulo diz, diante do rei

Agripa II, que desde a juventude (e*k neovthto), desde o início (a*p’ a*rch~), vivera em

Jerusalém, entre o seu povo (At 26.4). Além do mais, de acordo com o relato lucano,

Paulo tinha uma irmã que vivia em Jerusalém (At 23. 16). O apóstolo ressalta também,

588

Furtado sugere que, no primeiro século de nossa Era, havia pessoas que dominavam o grego e cita,

como exemplos, além de Paulo, talvez Silas, João Marcos e Barnabé, que são mencionados no Novo

Testamento, bem como Josefo, embora não se saiba em que condições este tenha aprendido (conforme,

Antiguidades Judaicas 20.263). O pesquisador argumenta que o grego era, possivelmente, mais

empregado na Galileia do que em Jerusalém, uma vez que as cidades de Séforis, Tiberiades e, talvez,

Betsaida, eram helenísticas. Ora, dessas cidades helenísticas alguns dos apóstolos de Jesus eram oriundos,

tais como, André, João, Filipe ou Bartolomeu, cujos nomes possuem sua origem no grego (FURTADO,

2012, p. 22).

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diante do soberano, que viveu como fariseu (At. 26.5) e, anteriormente, diante do

sinédrio, Paulo também anunciou que era, além de fariseu, filho de fariseus (At. 23.6)

589.

Ora não seria necessário supor que Paulo conhecia os Septuaginta por

ser um judeu da diáspora. Ele conheceria bem os Septuaginta quer a sua

educação tenha começado em Tarso (onde apenas os Septuaginta seria

usada590

) quer tenha sido feita em Jerusalém junto de Gamaliel.

Infelizmente, isto não resolve o problema, uma vez que sabemos pouco

sobre este tipo de ensino. Seria possível usar os Septuaginta em

Jerusalém, mas, indo mais longe, seria possível ter junto de Gamaliel

uma boa formação retórica, que no mundo helenistico durava 5-6 anos?

Ou haveria em Jerusalém escolas de retórica de matriz helenística que

Paulo pudesse ter frequentado? Estes problemas sao dificeis de resolver.

Analise-se então a possibilidade de a formação retórica de Paulo ter

sido feita fora de Jerusalem. Em Tarso? É muito possivel, se aceitarmos

a versão dos Actos sobre a origem de Paulo. Estrabão assegura que

Tarso teria ≪todos os tipos de escolas de retórica≫ (scolaiV

pantodapaiV tw~n periV lovgou tecnw~n) e que, no que se referia a

paideiva e*gkuvklio591, teria ultrapassado Atenas e Alexandria (14.5.13).

Seria extraordinaria coincidência o facto de Paulo mostrar boa formação

retórica e, simultaneamente, Lucas dizê-lo originário de uma cidade

onde funcionava uma das mais importantes escolas de retórica do tempo

(FURTADO, 2012, p. 24).

Furtado chama ainda a atenção para um detalhe fundamental: Paulo seria o único

exemplo de um fariseu que terá sido, simultaneamente, um judeu da diáspora, cidadão

de uma πόλις, no caso Tarso, e cidadão de Roma. Quanto ao fato de Paulo ser um

fariseu, Furtado faz a seguinte observação:

(...) tendo em conta as caracteristicas do fariseismo do sec. I d.C. (e.g.

interpretação e observância estritas da Lei mosaica, sobretudo quanto

aos preceitos relacionados com a pureza ritual e aos interditos ligados às

refeições), parece-me difícil compatibilizá-las com a cidadania romana

e sobretudo com a cidadania de uma πόλις. De facto, o Pedro dos Actos,

que nem sequer era fariseu, teria dito a Cornélio que não seria

≪permitido a um Judeu ter contacto com um estrangeiro ou entrar em

sua casa≫ (Act. 10.28) (FURTADO, 2012, p. 25).

589

Furtado sublinha que ―ser fariseu, quando os Atos foram escritos, era pertencer à unica elite judaica da

época. Sendo assim, o Paulo lucano reclama não pequena coisa: ele pertenceria a elite grega, romana e

judaica‖ (FURTADO, 2012, p. 25). Paulo, somente em uma de suas epístolas, ratifica a sua relação com o

farisaísmo: kataV novmon Farisai~o"segundo à lei, fariseu‖ (Fp 3.5). Não obstante, nas outras epístolas

paulinas, a relação de Paulo com o farisaísmo está ausente, dando outras informações de sua relação

como, por exemplo, o judaísmo (Rm 11.1; 2 Co 11.22; Gl 1.13-14). A propósito, J. Jeremias considera a

expressão “ui&oV farisaivwn‖ como uma metáfora de “aluno de fariseus”, ou até mesmo como sendo um

sinônimo de fariseu (JEREMIAS apud FURTADO, 2012, p. 26). 590

É bom lembrar que, para Murphy-O‘Connor, a educação dos judeus em Tarso incluía também os

estudos clássicos (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 62), conforme já foi visto. 591

Educação de um modo geral.

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O pesquisador defende também a ideia de que Paulo teria se tornado um fariseu

mais tarde, possivelmente quando fora estudar em Jerusalém, após ter obtido a sua

formação retórica em Tarso:

De facto, ao contrário do que acontecia com a retórica, dificilmente, se

adquiria a formação de um fariseu sem ser na Palestina, e sobretudo em

Jerusalém: de facto, não há notícia de uma escola de fariseus na

diáspora. Por isso, se Paulo foi mesmo καηὰ νόμον Φαριζαῖος, a sua

formação farisaica foi feita possivelmente em Jerusalém, o que seria

compativel com a notícia acerca do seu estudo junto de Gamaliel

(FURTADO, 2012, p. 26).

Furtado acredita, ainda, que Paulo era, possivelmente, trilíngue; dominava o

grego, o aramaico e, talvez, o hebraico; além do mais, o apóstolo possuía uma formação

retórica apurada, que era compatível com um ensino de terceiro nível. Possivelmente, a

formação de Paulo não se fez nem nas escolas rabínicas nem em Jerusalém

(FURTADO, 2012, p. 27).

Abel Pena diz que Paulo obteve uma educação hebraica no seio familiar e na

sinagoga, local onde estudou a Bíblia, aprendeu o hebraico e, talvez, o aramaico, e,

paralelamente, frequentava a escola grega. Sugere que a família de Paulo tenha pedido

o auxílio dos serviços de um escravo culto, fato esse muito costumeiro. Provavelmente,

Paulo tenha tido noções de música instrumental, uma vez que faz referências a

instrumentos tais como a cítara e a trombeta592

.

O estudioso considera Paulo um verdadeiro poliglota; embora não se disponha

de uma documentação fidedigna, ele teria aprendido o latim, falava e escrevia em grego.

É comum o apóstolo mudar de um a outro registro linguístico. É bom destacar que

poucos gregos tinham interesse em aprender outras línguas e, se fosse o caso, aprendiam

o latim por questões meramente administrativas ou então atraídos pela reputação do

direito romano. O pesquisador indaga se Paulo havia frequentado os estudos superiores

em Tarso, estudando retórica e exercitando-se nos progymnasmata a respeito de

Homero, ou se frequentava alguma efebia na cidade (PENA, 2012, pp. 32-34).

Pena dá como testemunhos da formação retórica e do talento oratório de Paulo o

discurso em Éfeso, em Atenas, o discurso contra o apóstolo Pedro em Antioquia, os

discursos de nuance judiciária diante de Félix e de Agripa e uma parte da epístola aos

592

Referências bíblicas: 1 Co 14. 7; 14. 8; 15. 52; 1 Ts 4. 16.

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Gálatas. Possivelmente, na escola de Gamaliel, Paulo tenha se familiarizado desde cedo

com a versão grega da Bíblia (ibidem, 2012, p. 35).

Bruce, tendo por fundamento Atos 22. 3, é enfático ao afirmar que Paulo,

embora ―nascido em Tarso, foi educado em Jerusalém‖, e não acredita que o apóstolo

frequentasse os centros acadêmicos de sua cidade natal, mesmo residindo em um centro

de cultura grega (BRUCE, 1965, p. 102). Já Forbes, após fazer um estudo pelo viés

comparativo entre as epístolas de Paulo e os recursos retóricos antigos, defende a ideia

de que ―Paulo não é, em termos greco-romanos, um ‗homem de letras‘ (a*nhVr lovgio,

At 18. 24)‖. O pesquisador acredita, ainda, que a formação cultural do apóstolo não

tenha alcançado um nível superior (FORBES, 2008, p. 133).

Hock, por sua vez, acredita que ―as cartas de Paulo comprovam uma pessoa que

havia passado pela sequência curricular da educação greco-romana‖ (HOCK apud

MEEKS, 2008, p. 185). Para ratificar a sua opinião, o pesquisador tem, por referência, a

educação do primeiro século e a sua relação com as referências que Paulo faz dos poetas

e dos filósofos. Desse modo, o apóstolo, possivelmente, teve acesso à primeira etapa da

educação helênica pelo currículo primário. As citações da LXX e os recursos literários

comprovam que ele teve acesso ao currículo secundário. Hock, ao fazer uma análise

minuciosa dos escritos de Paulo, conclui que Paulo ―recebeu um treinamento

continuado em composição e retórica‖ e, desse modo, teve acesso ao currículo terciário,

que preparava os seus discentes nessas técnicas (HOCK apud MEEKS, 2008, pp. 185-

187).

Já Koester defende que o cristianismo seja considerado como uma parte de uma

cultura universal do vasto mundo helenístico-romano, e não como pertencente a

somente uma cultura e religião: a judaica. O pesquisador é enfático ao defender a ideia

de que a maioria dos judeus se helenizaram, e a tradução grega dos escritos sacros dos

judeus era uma fonte comum de inspiração divina (KOESTER, 2005, p. 109).

Apesar de não haver unanimidade, entre os estudiosos, a respeito da formação

acadêmica/retórica do apóstolo Paulo, a maioria é unânime em concordar que Paulo era

um judeu da diáspora, e detentor de uma vasta cultura, um conhecedor da poesia e da

filosofia vigentes na época.

Seja como for, Marrou destaca que: ―Toda a cultura e toda a educação do

homem antigo irão orientar-se para este ideal único, o ideal do orador, o ideal do ―bem

falar‖ (toV eu levgein) (MARROU, 1969, p. 134).

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364

- O Mestre Gamaliel

Paulo, em seu discurso, cita o nome do célebre mestre de Jerusalém, convém

pontuar, agora, a respeito de Gamaliel, considerado um dos maiores rabinos judaicos.

Na verdade, o nome completo desse mestre é Rabban Gamaliel I, vinculado ao grupo

dos fariseus, membro do Sinédrio, e estudioso muito respeitado em seu tempo por todo

o povo593

. Certa vez, Gamaliel havia dado a sua opinião sobre os seguidores e os

ensinamentos de Jesus (At 5. 33-39).594

Ao que parece, Gamaliel ainda estava em atividade nos anos 30-40 do século I

d.C. Acredita-se que ele tenha morrido dezoito anos antes da destruição do Templo,

portanto em 52 d.C. Tanto Gamaliel quanto seu discípulo Paulo eram benjamitas.

Assim atesta Jeremias a respeito de Jerusalém como sendo um ―centro

educacional‖ para os judeus:

De todos os cantos do mundo, a juventude judaica afluía a Jerusalém

para sentar-se aos pés dos mestres que ensinavam com uma reputação

mundial no judaísmo de então. No tempo de Herodes, Hilel veio de

Babilônia para ouvir Shemaya e Abtalião, sem recuar diante de uma

viagem de muitas semanas a pé; Hanan Bem Abishalom veio do Egito a

Jerusalém onde mais tarde foi juiz, e da Média chegou Nahum, seu

colega no mesmo tribunal; de Tarso na Silícia, são Paulo encaminhou-

593

É bom recordar que, numa época em que os escritos sacros judaicos não eram acessíveis à massa e

eram redigidos na língua hebraica, que era considerada uma ―língua sagrada‖, há um relato de que

trouxeram a Rabban Gamaliel I uma tradução aramaica, um targum do livro de Jó, e o mestre ordenou

que o escondessem como um ―produto proibido‖. Na verdade, os doutores combatiam a difusão do

Antigo Testamento redigido em aramaico no século I d.C. (JEREMIAS, 1983, p. 327).

594

33 Oi& deV a*kouvsante dieprivonto kaiV e*bouvlonto a*nelei~n au*touv. 34 a*nastaV dev ti e*n tw~/

sunedrivw/ Farisai~o o*novmati Gamalihvl, nomedidavskalo tivmio pantiV tw~/ law~/, e*kevleusen e!xw

bracuV touV a*nqrwvpou poih~sai 35 ei^pen te proV au*touv, !Andre *Israhli~tai, prosevcete

e&autoi~ e*piV toi~ a*nqrwvpoi touvtoi tiv mevllete pravssein. 36 proV touvtwn tw~n h&merw~n a*nevsth

Queu~da levgwn ei^naiv tina e&autovn, w%/ proseklivqh a*ndrw~n a*riqmoV w& tetrakosivwn: o$

a*nh/revqh, kaiV pavnte o@soi e*peivqonto au*tw~/ dieluvqhsan kaiV e*gevnonto ei* ou*devn. 37 metaV tou~ton

a*nevsth *Iouvda o& Galilai~o e*n tai~ h&mevrai th~ a*pografh~ kaiV a*pevsthsen laoVn o*pivsw

au*tou~: ka*kei~no a*pwvleto kaiV pavnte o@soi e*peivqonto au*tw~/ dieskorpivsqhsan. 38 kaiV taV nu~n

levgw u&mi~n, a*povsthte a*poV tw~n a*nqrwvpwn touvtwn kaiV a!fete au*touv: o@ti e*aVn h^/ e*x a*nqrwvpwn h& boulhV au%th h# toV e!rgon tou~to, kataluqhvsetai, 39 ei* deV e*k qeou~ e*stin, ou* dunhvsesqe

katalu~sai au*touv mhvpote kaiV qeomavcoi eu&reqh~te. e*peivsqhsan deV au*tw~/. 33 Eles, quando ouviram,

ficaram enraivecidos e desejavam matá-los. 34

Mas, após se levantar no Sinédrio um fariseu denominado

Gamaliel, mestre da lei, respeitado por todo o povo, ordenou que os homens fossem conduzidos para fora,

por um breve tempo, 35

e lhes disse: ‗Ó varões israelitas, vigiai-vos o que estais prestes a fazer quanto a

estes homens. 36

Anteriormente, Teudas se levantou dizendo que ele era alguma coisa, ao qual o seguiu

cerca de quatrocentos homens; ele foi morto e todos quantos lhe seguiram foram dispersos e foram

reduzidos a nada. 37

Após este, Judas, o Galileu, se levantou entre os dias do recenseamento e levou o

povo após si; também esse morreu e todos quantos o seguiam foram dispersos. 38

E, neste momento, vos

digo: ‗Mantenha distância destes homens e os abandonai, porque se este conselho ou esta obra for de

seres humanos será aniquilado, 39

mas se provém de Deus, não podereis os aniquilar, para que não sejais

achados lutando contra Deus‘. E eles foram persuadidos (At 5. 33-39).

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se para Jerusalém onde deveria aprender tanto com Gamaliel (At 22. 3)

(JEREMIAS, 1983, pp. 328-329).

Pode-se dizer que um dos objetivos desse discurso era provar aos ouvintes que

ele, Paulo, não era um homem comum.

É bom destacar os seguintes valores na argumentação de Paulo do que é digno de

louvor ou de crítica, tais como, toV kaloVn kaiV toV ai*scrovn, ―o belo e o feio‖:

O que é “belo”, toV kalovn O que é “feio/ vergonhoso”, toV ai*scrovn

O gevno de Paulo e a sua formação

acadêmica (vers. 3);

A obediência de Paulo às ordens de Jesus

(vers. 10-11);

A devoção de Ananias (vers. 12);

O comissionamento e a conversão de Paulo

ao cristianismo (vers. 14-16, 21)

A sua perseguição a Jesus e aos

seguidores do ―Caminho‖ (vers. 4; 6, 8

19, 20).

Agora, convém extrair as pivstei, ―provas‖, que serviram para h& a*povdeixi ―a

demonstração‖ paulina:

As Provas Técnicas

□ h^qo, "o caráter"

□ pavqo"a disposição"

□ lovgo"o discurso"

Já foi comentado, anteriormente, que Paulo empregou uma das três provas

técnicas, h^qo no argumento-tipo (amplificação), na construção do discurso nas

escadarias da Fortaleza Antônia em Jerusalém (páginas 346-366). Assim sendo, só serão

comentadas, aqui, as duas outras provas técnicas, isto é, o pavqoe o lovgo.

Paulo queria transformar a cólera (o*rghv), a indignação (nevmesi) e a inimizade

(e*cqrov) de seu público em calma, em serenidade (toV prau?nesqai), em confiança (toV

qarrei~n). Ora, Paulo teria conseguido essa mudança de pavqo em seus ouvintes no

seguinte momento.

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366

40 e*pitrevyanto deV au*tou~ o& Pau~lo e&stwV e*piV tw~n a*nabaqmw~n

katevseisen th~/ ceiriV tw~/ law~/. pollh~ deV sigh~ genomevnh

prosefwvnhsen th~/ &Ebrai?di dialevktw/ levgwn,

40 Ora, após ele ter permitido, Paulo, estando de pé sobre os degraus,

fez sinal com a mão ao povo. Então, grande silêncio foi feito (quando)

dirigiu a palavra em dialeto hebraico, dizendo (...).

Apesar de o esforço de Paulo para persuadir o seu público, o discurso foi, mais

tarde, interrompido, quando ele mencionou o seu ―chamado divino‖ (ver. 21):

22 !Hkouon deV au*tou~ a!cri touvtou tou~ lovgou kaiV e*ph~ran thVn

fwnhVn au*tw~n levgonte, Ai^re a*poV th~ gh~ toVn toiou~ton, ou* gaVr

kaqh~ken au*toVn zh~n. 23 kraugazovntwn te au*tw~n kaiV r&ptouvntwn

taV i&mavtia kaiV koniortoVn ballovntwn ei* toVn a*evra, 24 e*kevleusen

o& cilivarco ei*savgesqai au*toVn ei* thVn parembolhvn, ei!pa

mavstixin a*netavxesqai au*toVn i@na e*pignw~/ di’ h$n ai*tivan ou@tw e*pefwvnoun au*tw~/.

22 Então, ouviram até esta palavra dele e ergueram a voz deles,

dizendo: Remova o tal da terra, pois não convém que ele viva. 23 Tanto

eles gritavam quanto arremessavam as vestes e ainda lançavam pó para

o ar. 24 O comandante ordenou que ele fosse conduzido para a

fortaleza, dizendo que ele fosse interrogado com açoites, para que

conhecesse completamente (o) motivo pelo qual berravam daquele

modo (contra) ele (At 22. 21-24).

Desse modo, Paulo despertou em seus ouvintes a nevmesi a ―indignação‖. De

acordo com os versículos supracitados, a reação dos ouvintes foi imediata: eles

gritavam, arremessavam as vestes e lançavam pó para o ar (vers. 23). A opinião geral a

respeito de um ―apóstata‖ judeu deve ser aqui levada em consideração:

Um apóstata judeu que abandona a fé judaica por outra religião ou que

se torna um herege é conhecido como « mumar », « alguém que

mudou », ou « meshumad », « alguém que foi obrigado a abandonar a

sua fé ». (...) O pecado da apostasia era considerado tão hediondo que

até se alegava que um apóstata nunca poderia arrepender-se

verdadeiramente, embora tal alegação não fosse aceita pela halachá595

.

Os judeus tem sido menos amistosos com seus correligionários que,

voluntariamente, se converteram a outras crenças. Pais guardavam luto

total por um filho apóstata, sentando em cadeiras baixas, segundo o

costume judaico (shivá), e sendo confortados por parentes e amigos. A

partir de então o filho seria considerado morto e seu nome nunca mais

595

Denomina-se halachá, הלכה, ao conjunto das leis e dos costumes do judaísmo. Literalmente, halachá

significa «caminho».

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seria mencionado na casa. Esse sentimento negativo foi recíproco, e a

mais tenaz oposição ao judaísmo veio por parte dos judeus que se

haviam tornado cristãos por convicção (ULTERMAN, 1992, p. 29).

Paulo sabia que o seu público era constituído, em sua maioria, de judeus. Por

isso, ele empregou determinados procedimentos argumentativos para alcançar a

persuasão mediante o lovgo O apóstolo construiu o seu discurso tendo por base os

possíveis tovpoi, vistos na inventio, e tratando-os como fatos, sem questionar a

veracidade dos acontecimentos.

Interessante ressaltar que, apesar de Paulo estar sendo acusado de ―profanar‖ o

Templo, de ser contra o povo e contra a lei (At 21. 28), e do proêmio do discurso,

!Andre a*delfoiV kaiV patevre, a*kouvsatev mou th~ proV u&ma~ nuniV a*pologiva, ―Ó

varões irmãos e pais, escutai a minha defesa, agora, diante de vós‖ (At 17. 1), em

nenhum momento, ele se defende dessas acusações. Ao contrário, optou por construir

um discurso pelo viés de sua formação acadêmica e de suas teofanias, com os

respectivos diálogos, particularmente entre ele e Jesus Nazareno.

Paulo se utilizou de comparações, tais como, zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~

kaqwV pavnte u&mei~ e*ste shvmeron, «dedicado a Deus da mesma maneira que todos

vós sois hoje‖ (At 17. 3) e w& kaiV o& a*rciereuV marturei~ moi kaiV pa~n toV

presbutevrion, ―da mesma maneira também o sumo sacerdote e todo o presbitério me

são testemunhas‖ (At 22. 5).

O apóstolo sustentou seus argumentos empregando também palavras e

expressões apropriadas de grande efeito, no início de sua narração, como a*nhVr

*Ioudai~o, «varão judeu‖, a*nateqrammevno ... e*n th~/ povlei tauvth/, «educado nesta

cidade‖, paraV touV povda GamalihVl pepaideumevno kataV a*krivbeian tou~

patrwv/ou novmou, ―instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com a exatidão da lei

paterna‖ e zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~, «dedicado a Deus‖ (At 17. 3).

Interessante ressaltar que Paulo inicia o seu discurso com um verbo no presente

do imperativo a*kouvsatev, «escutai‖, seguido do advérbio de tempo nuniV, «agora‖ (At

22. 1), para chamar a atenção de seus ouvintes. Sublinhe-se que, para iniciar o seu relato

do passado, utiliza o hebraísmo: *Egevneto dev moi ... (At 22. 6, 17) por duas vezes.

Há também o predomínio de construções hipotáticas, principalmente da

implícita com o emprego tanto de particípios (em sua grande maioria) e de infinitivos.

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A epáuxese596 também se encontra presente no lovgo paulino (Atos 22):

a*nateqrammevno ―educado‖; u&pavrcwn, ―dedicado‖ (vers. 3); paradidouv

«colocando» (vers. 4); periastravyai, ―iluminou ao redor‖ (vers. 6); a*pekrivqhn,

―respondi‖ (vers. 8); ou*k e*nevblepon, ―não era capaz de ver‖; u&poV tw~n sunovntwn,

―por aqueles que estavam comigo‖ (vers. 11); e*pistav ―se aproximando‖; a*navbleyon,

―levantei os olhos‖; a*nevbleya, ―torne a ver‖ (vers. 13); proeceirivsatov, “de antemão,

te designou‖ (vers. 14); a*nastav, ―Levantando-(se)‖; a*povlousai, ―sê lavado‖;

e*pikalesavmeno ―invocando‖ (vers. 16); u&postrevyanti, ―após ter retornado‖;

proseucomevnou, ―suplicando‖ (vers. 17); e!xelqe, ―saia‖; ou* paradevxontaiv, “não

aceitarão‖ (vers. 18); e*pivstantai, ―tem conhecimento‖ (vers. 19); e*xecuvnneto, ―era

derramado‖; e*festwv ―estava presente‖; suneudokw~n, ―concordando‖; tw~n

a*nairouvntwn, ―daqueles que o matavam‖ (vers. 20); e e*xapostelw~, ―enviarei‖ (vers.

21).

Apesar do predomínio da primeira pessoa do discurso, o apóstolo empregou

vocábulos e expressões referentes aos ouvintes: a forma verbal no imperativo

a*kouvsatev, ―ouvi‖; proV u&ma~"diante de vós‖ (vers. 1); e pavnte u&mei~ e*ste, «todos

vós sois‖ (vers. 3), constituindo esta última uma hipérbole nominal597.

A propósito, pode-se considerar, igualmente, como exemplos de hipérboles

nominais as expressões pa~n toV presbutevrion, ―todo o presbitério‖ (vers. 5),

e*xaivfnh .. fw~, ―uma intensa luz‖ (vers. 6), periV pavntwn, ―a respeito de todas as

coisas‖ (vers. 10), e proV pavnta a*nqrwvpou, ―para todos os seres humanos‖ (vers.

15).

Atesta-se o uso variado da conjunção kaiv; citem-se, por exemplo, as seguintes

passagens: a) para inserir a parataxe em correlação com te ... kaiv: (...) desmeuvwn kaiV

paradidouV ei* fulakaV a!ndra te kaiV gunai~ka, ―(...) acorrentando e colocando

homens e mulheres em direção às prisões‖ (vers. 4); (...) e!pesav te ei* toV e!dafo kaiV

h!kousa fwnh~ legouvsh (...), ―(...) caí no chão e ouvi uma voz, dizendo-me (...)

(vers. 7); b) para coordenar as orações reduzidas de particípio: (...) desmeuvwn kaiV

paradidouV ei* fulakaV a!ndra te kaiV gunai~ka, ―(...) acorrentando e

colocando homens e mulheres em direção às prisões‖ (vers. 4); (...) poreuomevnw/ kaiV

596

De acordo com nota de nº 390, cf pág. 218. 597

De acordo com notas de nº 391, 393, cf pág. 218.

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e*ggivzonti th~/ Damaskw~/ (...), ―(...) caminhando e me aproximando de Damasco (...)‖

(ver. 6); e*lqwVn prov me kaiV e*pistaV ei^pevn moi (...), depois de ter vindo até mim e,

se aproximando, disse a mim (...) (vers. 13); c) no sentido adverbial de ―também‖ para

enfatizar alguma conjunção ou algum pronome: (...) w& kaiV o& a*rciereuV marturei~

moi (...), ―(...) da mesma maneira também o sumo sacerdote e todo o presbitério me são

testemunhas (...) (vers. 5); (...) par’ w%n kaiV e*pistolaV dexavmeno proV touV

a*delfouv, ―(...) dos quais também, após ter recebido cartas para os irmãos (...)‖ (vers.

5); d) para a introdução de uma sentença coordenada aditiva: SaouVl a*delfev,

a*navbleyon, ka*gwV au*th~/ th~/ w@ra/ a*nevbleya ei* au*tovn, ―‘Ó irmão Saulo, torne a

ver‘. E eu, nessa mesma hora, levantei os olhos em sua direção‖ (vers. 13); (...)

bavptisai kaiV a*povlousai taV a&martiva sou, “sê batizado e sê lavado dos teus

pecados (...)‖ (vers. 16); e) para exprimir polissíndetos: kaiV o@te e*xecuvnneto toV ai%ma

Stefavnou tou~ mavrturov sou, kaiV au*toV h!mhn e*festwV kaiV suneudokw~n kaiV

fulavsswn taV i&mavtia tw~n a*nairouvntwn au*tovn, “E quando o sangue de Estevão, a

tua testemunha, era derramado, e eu mesmo estava presente e concordando e guardando

as vestes daqueles que o matavam‖ (vers. 20); f) para a introdução de um diálogo: ka*gwV

ei^pon, “E eu respondi (...) (vers. 19); kaiV ei^pen proV me (...), ―E me disse (...)‖ (vers.

21).

As Provas Extratécnicas

□ Oi& mavrture"As Testemunhas‖

□ Ai& suggrafaiv, ―Os Escritos‖

Paulo, para ratificar as suas palavras de que era um ferrenho perseguidor dos

seguidores de Jesus, evoca os testemunhos de o& a*rciereuv “sumo sacerdote‖ ... kaiV

pa~n toV presbutevrion, ―e todo o presbitério‖. Pode-se considerar esse excerto como

um exemplo de testemunhas antigas, uma vez que esse fato ocorreu antes da conversão

do apóstolo. Ao citar o& a*rciereuve pa~n toV presbutevrion, Paulo, de modo indireto,

estava fazendo referência aos membros do Sinédrio.

Nesse discurso, Paulo, em nenhum momento, citou, nem de modo direto nem

indireto, os escritos sagrados judaicos.

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370

O Sinédrio era um local considerado o ―Supremo Conselho dos judeus‖. De

acordo com Vine, o Sinédrio era ―qualquer assembleia ou sessão de pessoas que

deliberam ou ajustam‖ (VINE, 2002, p. 541).

Jerusalém era considerada a sede do Supremo Tribunal, onde o Sinédrio estava

sediado. O Sinédrio era visto como a primeira assembleia do país; sendo assim, sua

atribuição se estendia a todos os judeus ao redor do mundo. Não obstante, possuía

pouca autoridade fora da Judeia598

. A influência do Sinédrio era mais eficaz dentro do

país, onde era visto como a mais alta representação política. Mckenzie testifica a

respeito do Sinédrio:

Como supremo corpo religioso, possuía certa autoridade – difícil de

definir com exatidão – sobre as comunidades judaicas da Diáspora: o

Sinédrio, por exemplo, mandou mensageiros a Damasco para mandar

prender os cristãos (At 9. 2; 22. 5; 26. 12). Nesse caso, é possível que

o Sinédrio tenha exorbitado de seus poderes; de todo modo, não é certo

se as sinagogas, situadas nos países estrangeiros, eram obrigadas a se

submeteram às suas decisões. Em geral, o Sinédrio era o tribunal

supremo da nação judaica, o que se coadunava com a prática romana de

manter nas províncias os tribunais locais, administrados por elementos

locais. A competência do Sinédrio tinha caráter tanto religioso como

secular, e a Lei judaica constituía a norma das suas decisões

(MCKENZIE, 1983, p. 885).

Apesar do domínio romano, o Sinédrio era o local onde os conflitos e as

questões internas da comunidade judaica eram discutidos. Já que o Sinédrio poderia

mandar prender, acredita-se que possuía uma polícia peculiar (Mt 26. 47599

; Mc 14. 43;

At 4. 3; 5. 17 ss)600

.

Na época do Novo Testamento, seu corpo ministerial era formado pelos

anciãos601

, o sumo sacerdote602

, os ex-sumo sacerdotes, os sacerdotes e os escribas,

598

Paulo recebeu cartas para as sinagogas de Damasco, para prender os cristãos (At 8. 3; 22. 5). 599

KaiV e!ti au*tou~ lalou~nto i*dou~ *Iouvda ei% tw~n dwvdeka hlqen kaiV met’ au*tou~ o!clo poluV

metaV macairw~n kaiV xuvlwn a*poV tw~n a*rcierevwn kaiV presbutevrwn tou~ laou~. E, quando ele, ainda,

estava falando, eis que Judas, que era um dos doze, veio e, com ele, numerosa multidão com espadas e

bastões da parte dos principais sacerdotes e dos anciãos do povo (Mt 26. 47). Tem-se também as

seguintes referências a respeito dos membros do Sinédrio em: Mt 21. 23; 26. 3; 27. 1-3; 12.20; 28. 11-12;

Lc 22. 52; At 4. 23; 25. 15; 24. 1. 600

Assim como outros propagadores da fé cristã, Pedro e João foram interrogados pelo Sinédrio a respeito

da nova crença que divulgavam (At 4. 5 ss). Na verdade, o Sinédrio decidiu que os dois não continuassem

a pregar (At 4. 5 ss), mas ambos desobedeceram a essa decisão (At 4. 18 ss). Atestam-se também outras

prisões desses dois apóstolos e novas proibições por parte do Sinédrio. Esse chegou a pedir a condenação

à morte para os dois, mas Gamaliel convenceu os membros a não fazerem tal condenação (At 5. 17-39).

Parece que o acontecimento ocorrido com Estevão, considerado o primeiro mártir cristão, extrapolou a

autoridade do Sinédrio (At 7. 57 ss). 601

Eis os possíveis significados para toV presbutevrion (vers. 5) ―assembleia dos anciãos, Conselho

Superior, presbitério, grupo de presbíteros‖ (SCHOLZ, 2007, p. 925); ―assembleia de homens idosos‖,

onde possui o sentido também de: a) Concílio ou Senado entre os judeus (Lc 22. 66; At 22. 5); b) os

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geralmente, fariseus. O número total dos membros do Sinédrio era de setenta e um,

incluindo o presidente que era o sumo sacerdote em exercício. Supõe-se que esses

membros eram eleitos em caráter vitalício. Convém lembrar que o sumo sacerdote,

depois do governador, continuou sendo uma das personalidades políticas mais

importantes na Judeia (Mt 26. 3603

; Lc 3. 2; Jo 18. 24; At 4. 5-6). Jeremias tece

considerações a respeito de quem seriam esses ―anciãos‖:

Após o exílio, os reorganizadores do povo, doravante sem rei,

basearam-se na antiga composição em famílias, procedentes da divisão

do povo em tribos, e nunca totalmente caída no esquecimento, nem

mesmo depois do sedentarismo em Canaã. Talvez já em exílio, quer

dizer, com a extinção da realeza, os chefes das linhagens e das famílias

mais importantes assumiram a chefia do povo, dirigindo,

individualmente, a instalação das famílias em Babilônia e governando-

as a título de guias e juízes. Após a volta do exílio, esses chefes de

famílias, os ―anciãos dos judeus‖ aparecem como representantes do

povo com os quais o governador persa discute (Ed 5. 9-16) e que,

unidos ao ―governador dos judeus‖, dirigem a reconstrução do Templo

(Ed 5. 5, 9; 6. 7, 8, 14). Dessa maneira, o Sinédrio, assembleia suprema

do judaísmo pós-exílico, formou-se da reunião desses chefes de família

não sacerdotes, dirigentes que representavam a ―nobreza‖ leiga, com a

aristocracia sacerdotal. Não pode, pois, haver dúvida quanto à

composição do grupo dos anciãos no Sinédrio: são os chefes das

famílias leigas mais influentes, representando a ―nobreza leiga‖ do povo

neste conselho supremo (JEREMIAS, 1983, pp. 303-304).

É bom lembrar que o Novo Testamento e Flávio Josefo fazem menção a essa

―nobreza leiga‖. No testemunho do Novo Testamento, ―os chefes do povo‖ (Lc 19.

47)604

aparecem uma vez no lugar dos ―anciãos‖, como sendo o terceiro grupo do

Sinédrio; sendo, portanto, uma expressão sinônima605

(JEREMIAS, 1983, p. 305).

anciãos ou bispos em uma igreja local (1 Tm 4. 14), ―o presbitério‖ (VINE, 2002, p. 397); ―colégio dos

anciãos‖: entre os judeus (Lc 22. 26) e entre os cristãos (1 Tm 4. 14) (RUSCONI, 2011, p. 386). 602

No início da era cristã, de 6 a 15 d.C., o sumo sacerdote era Anás; esse ofício, mais tarde, foi

transferido a outros. 603

Tovte sunhvcqhsan oi& a*rcierei~ kaiV oi& presbuvteroi tou~ laou~ ei* thVn au*lhVn tou~ a*rcierevw

tou~ legomevnou Kaiavfa. Então, os principais sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram no palácio do

sumo sacerdote, denominado de Caifás (Mt 26. 3). 604

Kai V h^n didavskwn toV kaq’ h&mevran e*n tw~/ i&erw~/. oi& deV a*rcierei~ kaiV oi& grammatei~ e*zhvtoun

au*toVn a*polevsai kaiV oi& prw~toi tou~ laou~. E, dia após dia, (Jesus) estava ensinando no Templo. Ora,

os principais sacerdotes, os escribas e os chefes do povo buscavam matá-lo (Lc 19. 47). 605

Tem-se como representante desse grupo, José de Arimateia, um rico proprietário (Mt 27. 57).

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372

Sublinhe-se que, em todas as cidades da Palestina, também existiam pequenos

Sinédrios constituídos por apenas três membros que zelavam pelas questões locais (Mt

5. 25)606

.

Quanto ao local das reuniões do Sinédrio, elas deveriam ocorrer em algum

prédio do Templo ou nas vizinhanças. Acredita-se que a sessão realizada durante a noite

na residência do sumo sacerdote (At 26. 57 ss; Mc 14. 53 ss) foi uma exceção, pelo fato

dos portões da área do Templo estarem fechados naquela hora.

4) Pronunciatio:

e*pitrevyanto deV au*tou~ o& Pau~lo e&stwV e*piV tw~n a*nabaqmw~n katevseisen th~/ ceiriV tw~/ law~/.

Ora, ele

607 após ter permitido, Paulo, estando de pé sobre os

degraus, fez sinal com a mão ao povo.

Em Atos 21. 40, tem-se o discurso narrativizado (cf. « narrativa pura ») do

narrador primário, Lucas, para mostrar o gesto de Paulo. Constatam-se dois recursos

extraverbais, com verbos relacionados a Paulo: e&stwV608 e*piV tw~n

a*nabaqmw~n"estando de pé sobre os degraus‖ e katevseisen609 th~/ ceiriv, ―fez sinal

com a mão‖, desempenhando a expressão em dativo, th~/ ceiriv, a função de adjunto

adverbial de modo, conforme dativo de modo.

No restante, não se tem, no discurso nas escadarias da Fortaleza Antônia, mais

informações quanto aos gestos de Paulo.

5) Memoria:

Paulo enfoca, de um modo geral, fatos do passado de modo cronológico

crescente, constituindo, desse modo, um discurso linear. Atesta-se, pois, a figura

clímax ou gradação610, uma vez que o apóstolo dispõe as ideias de modo ascendente.

606

i!sqi eu*now~n tw~/ a*ntidivkw/ sou tacuv, e@w o@tou ei^ met’ au*toVn e*n th~/ o&dw~/, mhvpotev se paradw~/

o& a*ntivdiko tw~/ krith~/ kaiV o& krithV tw~/ u&phrevth/ kaiV ei* fulakhVn blhqhvsh/. Procure o acordo,

rapidamente, com o teu opositor, enquanto está com ele no caminho, para que o teu opositor não te

entregue ao juiz e o juiz, ao servidor / assistente e sejas lançado em direção à prisão (Mt 5. 25). 607

Em uma referência ao comandante Cláudio Lísias. 608 Part. Pret. Perf. Ativo, Masc., Sing., Nom. de i@sthmi. 609 Aor. Ind. Ativo, 3ª Pes. do Sing. de kataseivw. 610

De acordo com nota de nº 394, cf pág. 223.

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373

Ora, o apóstolo inicia o seu discurso com um verbo no presente: *Egwv ei*mi a*nhVr

*Ioudai~o, «Eu sou varão judeu‖ (...) (ver. 3).

Após a sua breve apresentação, ele menciona fatos de seu passado, para

mencionar a respeito dos diálogos que teve com Jesus e com Ananias (vers. 7-10; 12-

16; 17-21), atestando a anacronia pelo emprego, sobretudo da analepse611. Há também a

prolepse, quando Paulo menciona a respeito de sua vocação (vers. 21).

A propósito, Paulo utiliza a anisocronia612, uma vez que emprega o recurso do

« resumo », para falar de seu passado antes e depois de sua conversão ao cristianismo.

***

Por causa do tumulto que as últimas palavras de Paulo exerceram sobre os

ouvintes (At 22. 22-23), Cláudio Lísias ordenou que Paulo fosse recolhido à Fortaleza

Antônia e, com açoites, fosse interrogado, pois desejava saber os reais motivos das

acusações (At 22. 24). Desse modo, o comandante conduz, no dia seguinte, o acusado,

para se apresentar diante do Sinédrio (At 22. 30; 23. 1). Não obstante, quando estava

sendo preso com cadeias, Paulo disse ao centurião:

25 w& deV proevteinan au*toVn toi~ i&ma~sin, eipen proV toVn e&stw~ta

e&katovntarcon o& Pau~lo, Ei* a!nqrwpon &Rwmai~on kaiV

a*katavkriton e!xestin u&mi~n mastivzein; 26 a*kouvsa deV o&

e&katontavrch proselqwVn tw~/ ciliavrcw/ a*phvggeilen levgwn, Tiv

mevllei poiei~n; o& gaVr a!nqrwpo ou%to &Rwmai~ov e*stin. 27

proselqwVn deV o& cilivarco eipen au*tw~/, Levge moi, suV &Rwmai~o ei;

o& deV e!fh, Naiv. 28 a*pekrivqh deV o& cilivarco, *EgwV pollou~

kefalaivou thVn politeivan tauvthn e*kthsavmhn. o& deV Pau~lo e!fh,

*EgwV deV kaiV gegevnnhmai. 29 eu*qevw oun a*pevsthsan a*p’ au*tou~

oi& mevllonte au*toVn a*netavzein, kaiV o& cilivarco deV e*fobhvqh

e*pignouV o@ti &Rwmai~ov e*stin kaiV kaiV o@ti au*toVn hn dedekwv.

25 Ora, quando o prenderam com cadeias, Paulo disse ao centurião que

estava presente: Por um acaso, é permitido a vós castigar um homem

romano que não esteja condenado? 26 O centurião, quando ouviu

(isso), aproximando-se do comandante, anunciou, dizendo: O que estás

a ponto de fazer? Porque este homem é romano. 27 O comandante,

aproximando-se, lhe disse: Diga-me: Tu és romano? Ele (Paulo) disse:

Sim. 28 O comandante respondeu: Eu, através de grande soma de

dinheiro, consegui esta cidadania. Então, Paulo respondeu: Mas eu

(tenho esse direito) por nascimento. 29 Por conseguinte, imediatamente,

611

De acordo com nota de nº 395, cf pág. 223. 612

De acordo com nota de nº 380, cf pág. 208.

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374

aqueles que estavam prestes a interrogá-lo, se afastaram dele e o

comandante teve medo, sabendo que era romano e que o tinha prendido

(At 22. 25-29).

É bom lembrar que a cidadania romana concedia certos privilégios aos seus

cidadãos (de acordo com Lex Valeria; Lex Porcia, Lex Julia de vi publica), tais como: a

proibição de torturas, de açoites, de imposição de jugos, de execução e de prisão em

caso de apelação; era concedido ao cidadão o direito de apelar a Roma, caso fosse,

eventualmente, condenado à morte; o cidadão poderia obter, ainda, condenações mais

leves na justiça, ou, por vezes, apenas uma simples repreensão.

Por sua vez, Pena, ao tratar da relação cidadania/imunidade destaca que:

Ser cidadão romano não era, só por si, prova de imunidade, até porque a

prova de identidade era um dos problemas mais espinhosos que se

punha a qualquer viajante na Antiguidade (...). Só com Marco Aurélio é

que as naturalizações começam a ser registadas gerando, no entanto,

trocas de identidade e intermináveis confusões burocráticas (PENA,

2012, p. 33).

As autoridades que não respeitassem os privilégios do cidadão romano seriam

punidas. Isso explica o medo de Cláudio Lísias e de outras autoridades, ao saberem que

Paulo era cidadão romano613

.

As obrigações da cidadania romana, por parte dos judeus, era compatível com a

sua religião, uma vez que os cidadãos romanos não se reuniam e nem existia uma

liturgia propriamente dita. Assim atesta Murphy-O‘Connor: ―Por fim, na lei romana,

codificada a esse respeito por Júlio César, os judeus estavam dispensados de quaisquer

obrigações que estivessem em desacordo com as exigências de sua fé‖614

(MURPHY-

O‘CONNOR, 2004, p. 54).

613

Em Filipos, após a ―cura‖ de uma jovem que fazia adivinhações, os seus senhores fizeram acusações

contra Paulo e Silas diante das autoridades. Assim, os dois religiosos foram açoitados e presos.

Entrementes, no dia seguinte, foram postos em liberdade por ordem dos chefes da guarda, mas Paulo

indaga: 37

o& deV Pau~lo e!fh proV au*touv, Deivrante h&ma~ dhmosiva/ a*katakrivtou, a*nqrwvpou

&Rwmaivou u&pavrconta, e!balan ei* fulavkhn, kaiV nu~n lavqra/ h&ma~ e*kbavllousin; ou* gaVr, a*llaV

e*lqovnte au*toiV h&ma~ e*xagagevtwsan. 38 a*phvggeilan deV toi~ strathgoi~ oi& r&abdou~coi taV

r&hvmata tau~ta. e*fobhvqhsan deV a*kouvsante o@ti &Rwmai~oiv ei*sin, 39 kaiV e*lqovnte parekavlesan

au*touV kaiV e*xagagovnte h&rwvtwn a*pelqei~n a*poV th~ povlew. 37 Ora, Paulo lhes respondeu: Tendo

nos espancado, em público, sem processo válido (sem condenação), sendo nós homens romanos, nos

colocaram na prisão, e, agora, nos expulsam em secreto, isso não! Mas eles, vindo, que nos conduzam

para fora. 38

Os guardas anunciaram aos chefes da guarda estas palavras. Eles, ouvindo (essas coisas)

ficaram atemorizados, porque eram romanos. 39

E, vindo, rogaram a eles e, os conduzindo para fora,

pediram para saírem da cidade (At 16. 37-39).

614 Meeks observa que: ―Toda a comunidade judaica em uma cidade podia cultivar a proteção do

imperador, por vezes, enfrentando a hostilidade local. E até podia acontecer que um judeu, como

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Não se pode ter certeza de como e quando Paulo e a sua família obtiveram a

cidadania romana. O que se tem são, apenas, algumas especulações: 1) o pai de Paulo

poderia ter sido um escravo que fora libertado por um cidadão romano de Tarso,

obtendo, dessa forma, um certo grau de cidadania, o que fez com que, com o tempo,

esse grau de cidadania aumentasse a cada geração; 2) William Calder defende a ideia de

que o pai ou o avô de Paulo pudesse ter fornecido tendas para uma campanha militar de

Roma (CALDER apud MEEKS, 2011, p. 42); 3) o Império Romano precisava de apoio

durante as guerras civis depois de 49 d.C., o que fez com que houvesse grande

concessão de cidadania romana no Oriente. De acordo com Murphy-O‘Connor, ―não é

impossível que alguns membros importantes da comunidade judaica fossem atraídos

para o lado de Antônio pela dádiva da cidadania romana‖ (MURPHY-O‘CONNOR,

2004, p. 55).

Furtado, quanto à possível cidadania romana de Paulo, dá as seguintes

sugestões:

Além disso, aceitar que Paulo nasceu cidadão romano implica que esse

privilégio tenha sido concedido pelo menos ao seu pai, antes ainda do

nascimento do Apóstolo, em circunstancias que desconhecemos; é

assim possível que o pai de Paulo fosse já cidadão romano na Palestina

e, na sequência de disturbios políticos, tivesse emigrado livremente para

uma cidade mais pacifica e próspera; é possivel que o pai de Paulo

pudesse ter sido levado para Tarso como escravo de algum cidadão

romano, na sequência de uma das revoltas da Palestina, como parece

supor Jerônimo, tendo sido libertado e adquirido a cidadania, ainda

antes de Paulo ter nascido; e também possível que o pai de Paulo, ou

algum dos seus antepassados, tenha comprado a cidadania, tal como o

tribuno romano referido nos Actos, o que deve ter acontecido muito

raramente antes do inicio da era cristã (FURTADO, 2012, p. 21).

Acredita-se que o estatuto de Civis Romanus, de ―cidadão romano‖, era

alcançado por apenas quatro ou cinco milhões de romanos.

Convém destacar que, nas cartas, Paulo não faz menção, em momento algum, à

sua cidadania romana, conforme já foi mencionado, talvez pelo fato de querer persuadir

aos seus leitores de que: h&mw~n gaVr toV polivteuma e*n ou*ranoi~ u&pavrcei, ―nossa

cidadania, pois, está nos céus‖ (Fl 3. 20).

Não obstante, convém inferir também que a alegação da cidadania romana por

parte de Paulo implicaria na obrigação de poder comprová-la, e seria difícil apresentar

os documentos, pois ele estava sempre viajando. Murphy-O‘Connor destaca que ―O

recompensa por algum serviço especial prestado ao exército ou à administração romana, obtivesse a

cobiçada civitas romana sem comprometer a lealdade à sua religião‖ (MEEKS, 2011, p. 42).

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pequeno díptico de madeira que continha o certificado era precioso demais para se levar

de um local para outro e, se fosse contestado pelo magistrado, era preciso apresentar as

testemunhas originais que o assinaram‖ (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 55).

Cláudio Lísias conduz, no dia seguinte, a Paulo para se apresentar diante do

Sinédrio (At 22. 30; 23. 1-9), conforme já foi mencionado. Como houve mais um

tumulto com o interrogatório de Paulo no Sinédrio, o tribuno, receoso pela vida de

Paulo, ordenou que ele fosse reconduzido, mais uma vez, à Fortaleza Antônia (At 23.

10).

Posteriormente, ao saber de uma cilada para tirar a vida do religioso, o tribuno

ordenou aos dois centuriões, que, com grande escolta e preparativos, Paulo fosse

conduzido até Cesareia para uma audiência com o procurador615

Marco Antônio Félix

(At 23. 12-24). É bom lembrar que Félix (At. 23. 12-35) era, na época, procurador da

Judeia, fora nomeado por Cláudio e, após a morte do mesmo, foi confirmado no cargo

pelo imperador Nero no período, aproximadamente, de 52-60 d.C. (At 23. 24;

RUSCONI, 2011, p. 480).

Eis a seguinte carta de Cláudio Lísias a Félix:

26 Klauvdio Lusiva tw~/ krativstw/ h&gemovni Fhvliki caivrein. 27 ToVn a!ndra tou~ton sullhmfqevnta u&poV tw~n *Ioudaivwn kaiV

mevllonta a*nairei~sqai u&p’ au*tw~n e*pistaV suVn tw~/ strateuvmati

e*xeilavmhn maqwVn o@ti &Rwmai~ov e*stin. 28 boulovmenov te

e*pignw~nai thVn ai*tivan di’ h$n e*nekavloun au*tw~/ kathvgagon ei* toV sunevdrion au*tw~n 29 o$n eu%ron e*gkalouvmenon periV zhthmavtwn tou~ novmou au*tw~n, mhdeVn deV a!xion qanavtou h# desmw~n e!conta

e!gklhma. 30 mhnuqeivsh deV moi e*piboulh~ ei* toVn a!ndra

e!sesqai, e*xauth~ e!pemya proV deV paraggeivla kaiV toi~

kathgovroi levgein taV proV au*toVn e*piV sou~. 26 Cláudio Lísias, ao poderosíssimo procurador Félix, saudações. 27

Este homem, tendo sido preso pelos judeus e estando prestes a ser

morto por eles, me aproximei com o exército, livrei-o, quando tomei

conhecimento de que é romano. 28 E, querendo saber o motivo pelo

qual o acusavam, conduzi-o até o Sinédrio deles, 29 e fiquei sabendo de

que ele estava sendo acusado a respeito de questões da lei deles, e

nenhuma acusação encontrei digna de morte ou de cadeias. 30 Após eu

ter tomado conhecimento de que havia uma conspiração contra o

homem, naquele mesmo instante, enviei-o a ti, anunciando também aos

acusadores para relatarem as coisas que há contra ele diante de ti (At 23.

26-30).

615

Originalmente, o procurador encarregava-se do fiscus, do tesouro, mas as funções de um procurador

variavam durante séculos de governo imperial romano.

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Desse modo, Cláudio Lísias, transferiu, por meio dessa carta, a responsabilidade

para Félix, que era o seu superior.

O relato dos Atos diz que Félix manteve Paulo preso em uma prisão domiciliar

por dois anos (At 24. 27)616

.

É bom lembrar que, visto ser Cesareia a cidade residencial do procurador, as

audiências processuais de Paulo foram feitas nessa cidade (At 24. 26); citem-se, por

exemplo, as audiências diante de Félix (At 24. 1-23), de Pórcio Festo (At 25. 1-12), de

Pórcio Festo e do rei Agripa II (At 26. 1-32).

Mais tarde, Pórcio Festo sucedeu a Félix617

, sendo designado por Nero para tal

função (At 24. 27; EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica 2, XXII). Ora, o

novo procurador romano da Judeia era oriundo de uma família nobre em Roma (60-62

d.C.).

Festo concedeu uma audiência a Paulo, e alegando este ser um cidadão romano,

apelou para o tribunal de César (Nero). Pode-se inferir os dois principais motivos pelo

qual Paulo apelou para o seu direito de ser julgado pelo imperador (At cap. 25)618

: 1)

616

22 *Anebavleto deV au*touV o& Fh~lix, a*kribevsteron ei*dwV taV periV th~ o&dou~ ei!pa, @Otan

Lusiva o& cilivarco katabh~/, diagnwvsomai taV kaq’ u&ma~: 23

diataxavmeno tw~/ e&katontavrch/

threi~sqai au*toVn e!cein te a!nesin kaiV mhdevna kwluvein tw~n i*divwn au*tou~ u&phretei~n au*tw~/. 24

MetaV deV h&mevra tinaV paragenovmeno o& Fh~lix suVn Drousivllh/ th~/ i*diva/ gunaikiV ou!sh/ *Ioudaiva/

metepevmyato toVn Pau~lon kaiV h!kousen au*tou~ periV th~ ei* CristoVn *Ihsou~n pivstew. 25

dialegomevnou deV au*tou~ periV dikaiosuvnh kaiV e*gkrateiva kaiV tou~ krivmato tou~ mevllonto

e!mfobo genovmeno o& Fh~lix a*pekrivqh, ToV nu~n e!con poreuvou, kairoVn deV metalabwVn metakalevsomaiv se, 26 a@ma kaiV e*lpivzwn o@ti crhvmata doqhvsetai au*tw~/ u&poV tou~ Pauvlou: dioV kaiV

puknovteron au*toVn metapempovmeno w&mivlei au*tw~/. 27 Dietiva deV plhrwqeivsh e!laben diavdocon

o& Fh~lix Povrkion Fh~ston, qevlwn te cavrita kataqevsqai toi~ *Ioudaivoi o& Fh~lix katevlipe toVn

Pau~lon dedemevnon. 22 Então, Félix, conhecendo mais cuidadosamente as coisas a respeito do Caminho,

adiou a audiência deles, dizendo: Quando o comandante Lísias descer, decidirei as coisas a vosso

respeito. 23

Ordenou ao centurião que o conservasse guardado tanto para obter certa liberdade quanto para

que ninguém impedisse os seus de lhe prestar assistência. 24

Após alguns dias, tendo chegado Félix com

Drusila, sua esposa que era judia, ordenou que chamassem a Paulo e o ouviu a respeito da fé em Cristo

Jesus. 25

Paulo, discursando a respeito da justiça, do autocontrole e do juízo que estava por vir, Félix,

tendo ficado amedrontado, respondeu: Agora, pode ir, pois, em um momento oportuno, ao te encontrares,

te chamarei. 26

E Félix, ao mesmo tempo, esperava que lhe fosse dado, por parte de Paulo, algum

dinheiro. Por isso também, muito frequentemente, chamando a Paulo, falava com ele (At 24. 22-23). 617

Não se sabe, com certeza, em que período o poder passou de Félix para Festo, possivelmente, foi

depois de outubro de 54 d.C., período da morte de Cláudio. Não obstante, costuma-se datar essa transição

de poder, por volta de 59/60 d.C. Assim, a prisão de Paulo por Cláudio Lísias devia ter ocorrido por volta

de 57/58 d.C.. É bom ressaltar que Félix foi deposto por Nero, uma vez que o seu governo foi

caracterizado tanto por corrupção quanto por excessiva crueldade. Félix se livrou de ser castigado devido

às súplicas de seu irmão Palas. 618

9 o& Fh~sto deV qevlwn toi~ *Ioudaivoi cavrin kataqevsqai a*pokriqeiV tw~/ Pauvlw/ ei^pen, Qevlei

ei* *Ierosovluma a*nabaV e*kei~ periV touvtwn kriqh~nai e*p’ e*mou~ 10 ei^pen deV o& Pau~lo *EpiV tou~

bhvmato Kaivsaro e&stwv ei*mi, ou% me dei~ krivnesqai. *Ioudaivou ou*deVn h*divkhsa w&kaiV suV

kavllion e*piginwvskei. 11 ei* meVn ou^n a*dikw~ kaiV a!xion qanavtou pevpracav ti, ou* paraitou~mai toV

a*poqanei~n: ei* deV ou*devn e*stin w%n ou%toi kathgorou~sivn mou, ou*deiv me duvnatai au*toi~

carivsasqai: Kaivsara e*pikalou~mai. 12 tovte o& Fh~sto sullalhvsa metaV tou~ sumboulivou

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receio de que Festo fosse ceder aos pedidos dos judeus (At 25. 1-11; 2) por essa época,

o imperador Nero não era ainda hostil ao cristãos e o apóstolo poderia ter a esperança de

ser considerado inocente por Nero.

Entrementes, antes de enviá-lo a Roma,619

Festo convida o rei Agripa II620

e

Berenice para assistirem ao julgamento de Paulo (At 25. 26). A visita real de Agripa

com sua irmã Berenice coincidiu com o julgamento de Paulo que, agora, sendo

prisioneiro faz o seu discurso de defesa (At 26. 1-29).

O relato bíblico informa também que Agripa, Berenice, Festo, alguns oficiais

superiores e homens eminentes da cidade estavam presentes na sala de audiência, para

assistirem ao julgamento do apóstolo em Cesareia (At 25. 23). Ao final do discurso

paulino, eles dialogam entre si nestes termos:

30 *Anevsth te o& basileuV kaiV o& h&gemwVn h@ te Bernivkh621 kaiV oi&

sugkaqhvmenoi au*toi~, 31 kaiV a*nacwrhvsante e*lavloun proV

a*llhvlou levgonte o@ti Ou*deVn qanavtou h# desmw~n a!xiovn ti

pravssei o& a!nqrwpo ou%to. 32 *AgrivppadeV tw~/ Fhvstw/ e!fh,

*Apoleluvsqai e*duvnato o& a!nqrwpo ou%to ei* mhV e*pekevklhto Kaivsara.

30 Tanto o rei quanto o procurador se levantaram como também

Berenice e aqueles que estavam assentados com eles; 31 E, após terem

se retirado, falavam uns com os outros, dizendo: Este homem nada faz

(= fez) digno de morte ou de algemas. 32 Agripa disse a Festo: Este

homem podia ser liberto se não tivesse apelado para César (At 26. 30-

32).

É bom lembrar que Paulo permaneceu em Cesareia até ter apelado para César.

a*pekrivqh, Kaivsara e*pikevklhsai, e*piV Kaivsara poreuvsh/. 9

E ainda, Festo, desejando fazer um favor

(= um agrado) aos judeus, respondendo a Paulo, disse: Queres, subindo para Jerusalém, ser julgado por

mim ali a respeito destas coisas? 10

Então, Paulo disse: Estou de pé diante do tribunal de César, onde é

necessário que eu seja julgado. Não cometi injustiça aos judeus como também tu sabes muito bem. 11

Por

conseguinte, se sou injusto e fiz alguma coisa digna de morte, não me recuso a morrer (= não recuso a

morte), mas, se nada há (destas coisas), as quais estes me acusam, ninguém pode me entregar a eles.

Apelo a César. 12

Neste momento, Festo, após ter falado com o conselho, respondeu: Apelaste para César;

para César irás (At 25. 9-12). Ao que parece, Festo era um homem que não media esforços, quando o

assunto era resolver os conflitos entre os judeus e Roma (MCKENZIE, 1983, p. 741), conforme At 25. 9.

É bom lembrar que pelo fato de Paulo estar sob a custódia romana, Festo era responsável pela proteção do

apóstolo. 619

Costuma-se datar a viagem de Paulo a Roma no outono de 57 d.C., ele chegou em Roma, após o

naufrágio, na primavera de 58 d.C.. 620

Este soberano era governante de uma área próxima ao mar da Galileia. Na verdade, o rei Agripa, a

quem a narrativa faz referência, é Herodes Agripa II, tetrarca de Cálcis e do território norte (27 -100

d.C.); filho de Herodes Agripa I - que fora perseguidor da ekklesía (At 12. 1-24) - e bisneto de Herodes, o

Grande (At 26. 3). 621

Acredita-se que essa Berenice também fora amante do imperador romano Tito (Tito Flávio Sabino

Vespasiano, não mencionado na Bíblia), antes de ser a companheira de Herodes Agripa II. Os dois, Tito e

Berenice, foram vítimas de comentários maldosos. Quintiliano, o orador e advogado, fora contratado

para defender a honra da rainha.

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379

De acordo com as informações nos Atos, Paulo tinha, por objetivo, visitar Roma

(At 19. 21; 23. 11), mas chega a essa cidade como prisioneiro, após ter sofrido um

naufrágio (At 27. 27-44; 28. 1-10).

Quando Paulo estava em Roma, as autoridades romanas permitiram que ele

ficasse preso na própria residência que alugara. O apóstolo, acompanhado de um único

soldado que o guardava, ali passava adiante a mensagem cristã e recebia quem ele

desejava. Paulo permaneceu nessa condição durante dois anos (At 28. 16; 23-31).

30 *Enevmeinen deV dietivan o@lhn e*n i*divw/ misqwvmati kaiV a*pedevceto

pavntatouV ei*sporeuomevnou proV au*tovn, 31 khruvsswn thVn basileivan tou~ qeou~ kaiV didavskwn taV periV tou~ kurivou *Ihsou~

Cristou~ metaV pavsh parrhsiva a*kwluvtw.

30 E, assim, permaneceu por dois anos inteiros em sua própria

residência alugada e recebia todos aqueles que iam até ele, 31

proclamando o reino de Deus e ensinando as coisas a respeito do Senhor

Jesus Cristo com toda autoridade livremente (At 28. 30-31).

Sublinhe-se que, três dias depois de ter chegado a Roma, Paulo mandou chamar

os principais chefes judeus para defender-se das acusações que lhe foram impostas (At

28. 17-22622

); depois, marcou um outro dia para falar a um número maior de judeus

sobre a sua pregação (At 28. 23- 29623

).

622

17 *Egevneto deV metaV h&mevra trei~ sugkalevsasqai au*toVn touV o!ntatw~n *Ioudaivwn prwvtou:

sunelqovntwn deV au*tw~n e!legen proV au*touv, *Egwv, a!ndre a*delfoiv, ou*deVn e*nantivon poihvsa tw~/

law~/ h# toi~ e!qesi toi~ patrw/voi devsmio e*x *Ierosoluvmwn paredovqhn ei* taV cei~ra tw~n

&Rwmaivwn, 18 oi@tine a*nakrivnantev me e*bouvlonto a*polu~sai diaV toV mhdemivan ai*tivan qanavtou

u&pavrcein e*n e*moiv: 19 a*ntilegovntwn deV tw~n *Ioudaivwn h*nagkavsqhn e*pikalevsasqai Kaivsara ou*c

w& tou~ e!qnou mou e!cwn ti kathgorei~n. 20 diaV tauvthn ou^n thVn ai*tivan parekavlesa u&ma~ i*dei~n

kaiV proslalh~sai, e@neken gaVr th~ e*lpivdotou~ *IsrahVl thVn a@lusin tauvthn perivkeimai. 21 oi& deV

proV au*toVn ei^pan, &Hmei~ ou!te gravmmata periV sou~ e*dexavmeqa a*poV th~ *Ioudaiva ou!te

paragenovmenov ti tw~n a*delfw~n a*phvggeilen h# e*lavlhsevn ti periV sou~ ponhrovn, 22 a*xiou~men deV

paraV sou~ a*kou~sai a$ fronei~, periV meVn gaVr th~ ai&revsew tauvth gnwstoVn h&mi~n e*stin o@ti

pantacou~ a*ntilevgetai. 17 Então, aconteceu que, após três dias, ele convocou aqueles que são (= que

eram) os principais dentre os judeus. E ainda, eles tendo se reunido, dizia a eles: ―Eu, ó varões irmãos,

não fiz nada contra o povo ou aos costumes paternos. Fui entregue (como) prisioneiro desde Jerusalém

nas mãos dos romanos, 18 os quais, tendo me interrogado, queriam me libertar pelo fato de não haver

nenhuma acusação em mim. 19 Mas os judeus ao se oporem, fui compelido a apelar para César, não como

se tivesse alguma coisa para acusar a minha nação. 20 Por conseguinte, por este motivo, vos chamei para

saber e conversar, por causa, pois, da esperança de Israel tenho em torno esta(s) corrente(s)‖. 21 Então,

eles lhe disseram: ―Nós nem cartas a teu respeito recebemos da Judéia nem nenhum dos irmãos,

chegando, anunciou ou falou alguma coisa má a teu respeito‖. 22 Mas almejamos de tua parte ouvir (estas

coisas) as quais pensas a respeito, com efeito, desta seita que é possível de ser conhecida por nós e que é

contraditada por toda a parte (At 28. 16-22). 623

23 Taxavmenoi deV au*tw~/ h&mevran h^lqon proVau*toVn ei* thVn xenivan pleivoneoi%e*xetivqeto

diamarturovmenooi%e*xetivqeto diamarturovmenothVn basileivan tou~ qeou~, peivqwn te

au*touVperiV *Ihsou~a*poV te tou~ novmou Mwu>sevwkaiV tw~n profhtw~n, a*poV prwi< e@w e*spevra. 24

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380

Pontua-se que Paulo deve ter redigido as epístolas aos Filipenses (1. 7, 13, 14),

Filemon (1, 9, 19), Efésios (3. 1; 4. 1) e Colossenses624 (4. 3, 10, 18), quando ele estava

kaiV oi& meVn e*peivqonto toi~ legomevnoi, oi& deV h*pivstoun: 25 a*suvmfwnoi deV o!nte proV a*llhvlou

a*peluvonto ei!ponto tou~ Paulou~ r&h~ma e!n, o@ti Kalw~ toV pneu~ma toV a@gion e*lavlhsen diaV

*Hsaiv<ou tou~ profhvtou proV touV patevra h&mw~n 26 levgwn, Poreuvqhti proV toVn laoVn tou~to kaiV

ei*povn, *Akoh/~ a*kouvvsete kaiV ou* mhV sunh~te kaiV blevmonte blevyete kaiV ou* mhV i!dhte: 27 e*pacuvnqh

gaVr h& kardiva tou~ laou~ touvtou kaiV toi~ w*siVn barevw h!kousan kaiV touV o*fqakmouV au*tw~n

e*kavmmusan: mhvpote i!dwsin toi~ o*fqalmoi~ kaiV toi~ w*siVn a*kouvswsin kaiV th~/ kardiva/ sunw~sin

kaiV e*pistrevywsin, kaiV i*avsomai au*touv. 28 gnwstoVn ou^n e!stw u&mi~n, o@ti toi~ e!qnesin a*pestavlh tou~to toV swthvrion tou~ qeou~: au*toiV kaiV a*kouvsontai. 30 *Enevmeinen deV dietivan o@lhn e*n i*divw/

misqwvmati kaiV a*pedevceto pavnta touV ei*sporeuomevnou proV au*tovn, 31 khruvsswn thVn

basileivan tou~ qeou~ kaiV didavskwn taV periV tou~ kurivou *Ihsou~ Cristou~ metaV pavsh parrhsiva

a*kwluvtw. 23 Ora, após terem marcado um dia com ele, muitos foram até ele, para o lugar de

hospedagem (onde) expôs a eles, testemunhando o reino de Deus, tanto os persuadindo a respeito de Jesus

quanto a partir da lei de Moisés e dos profetas, desde cedo até a tarde. 24

E uns foram persuadidos pelas

coisas ditas, todavia outros não creram. 25

E, havendo discordância entre eles, se despediram, e Paulo

disse uma palavra: ―O Espírito Santo falou por meio do profeta Isaías aos nossos pais, 26

dizendo: ―Vai

até este povo e dize‖: “Ouvireis com ouvidos e, de modo nenhum, sereis conhecedores e, vendo, vereis e,

de modo nenhum, entendereis. 27 Pois o coração deste povo ficou insensível e ouviram com os ouvidos de

má vontade e fecharam os seus olhos, para que não vejam com os olhos e escutem com os ouvidos e

compreendam com o coração e se convertam e os sararei‖. 28 Por conseguinte, seja conhecido entre vós

que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios e eles ouvirão. 30 E assim, permaneceu por dois anos

inteiros em sua própria residência alugada e recebia todos aqueles que iam até ele, 31 proclamando o

reino de Deus e ensinando as coisas a respeito do Senhor Jesus Cristo com toda autoridade livremente

(At 28. 23-31). 23 Taxavmenoi deV au*tw~/ h&mevran h^lqon proVau*toVn ei* thVn xenivan

pleivoneoi%e*xetivqeto diamarturovmenooi%e*xetivqeto diamarturovmenothVn basileivan tou~

qeou~, peivqwn te au*touVperiV *Ihsou~a*poV te tou~ novmou Mwu>sevwkaiV tw~n profhtw~n, a*poV prwi<

e@w e*spevra. 24 kaiV oi& meVn e*peivqonto toi~ legomevnoi, oi& deV h*pivstoun: 25 a*suvmfwnoi deV o!nte

proV a*llhvlou a*peluvonto ei!ponto tou~ Paulou~ r&h~ma e!n, o@ti Kalw~ toV pneu~ma toV a@gion

e*lavlhsen diaV *Hsaiv<ou tou~ profhvtou proV touV patevra h&mw~n 26 levgwn, Poreuvqhti proV toVn

laoVn tou~to kaiV ei*povn, *Akoh/~ a*kouvvsete kaiV ou* mhV sunh~te kaiV blevmonte blevyete kaiV ou* mhV

i!dhte: 27 e*pacuvnqh gaVr h& kardiva tou~ laou~ touvtou kaiV toi~ w*siVn barevw h!kousan kaiV touV

o*fqakmouV au*tw~n e*kavmmusan: mhvpote i!dwsin toi~ o*fqalmoi~ kaiV toi~ w*siVn a*kouvswsin kaiV th~/

kardiva/ sunw~sin kaiV e*pistrevywsin, kaiV i*avsomai au*touv. 28 gnwstoVn ou^n e!stw u&mi~n, o@ti toi~ e!qnesin a*pestavlh tou~to toV swthvrion tou~ qeou~: au*toiV kaiV a*kouvsontai. 30 *Enevmeinen deV

dietivan o@lhn e*n i*divw/ misqwvmati kaiV a*pedevceto pavnta touV ei*sporeuomevnou proV au*tovn, 31 khruvsswn thVn basileivan tou~ qeou~ kaiV didavskwn taV periV tou~ kurivou *Ihsou~ Cristou~ metaV

pavsh parrhsiva a*kwluvtw. 23 Ora, após terem marcado um dia com ele, muitos foram até ele, para o

lugar de hospedagem (onde) expôs a eles, testemunhando o reino de Deus, tanto os persuadindo a respeito

de Jesus quanto a partir da lei de Moisés e dos profetas, desde cedo até a tarde. 24

E uns foram

persuadidos pelas coisas ditas, todavia outros não creram. 25

E, havendo discordância entre eles, se

despediram, Paulo disse uma palavra: O Espírito Santo falou por meio do profeta Isaías aos nossos pais, 26

dizendo: Vai até este povo e dize: Ouvireis com ouvidos e, de modo nenhum, sereis conhecedores e,

vendo, vereis e, de modo nenhum, entendereis. 27 Pois o coração deste povo ficou insensível e ouviram

com os ouvidos de má vontade e fecharam os seus olhos, para que não vejam com os olhos e escutem

com os ouvidos e compreendam com o coração e se convertam e os sararei. 28 Por conseguinte, seja

conhecido entre vós que esta salvação de Deus foi enviada aos gentios e eles ouvirão. 30 E assim,

permaneceu por dois anos inteiros em sua própria residência alugada e recebia todos aqueles que iam até

ele, 31 proclamando o reino de Deus e ensinando as coisas a respeito do Senhor Jesus Cristo com toda

autoridade livremente (At 28. 23-31). 624

Estas quatro epístolas são conhecidas como ―As Epístolas do Cativeiro‖. A epístola aos Colossenses

foi escrita, simultaneamente, a Filemon, entre os anos 60 a 63 d.C. Tíquico foi o portador das cartas aos

Colossenses (Cl 4. 7) e aos Efésios (Ef 6. 21). A epístola aos Filipenses e aos Efésios foram escritas em

torno dos anos 60 a 63 d. C.

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381

detido em Roma625

, e não encarcerado, como quando escreveu, por exemplo, 2 Timóteo,

pois aí já estava algemado como um criminoso, por ocasião de um primeiro

interrogatório:

mhV oun e*paiscunqh~/ toV martuvrion tou~ kurivou h&mw~n mhdeV e*meV toVn devsmion au*tou~, a*llaV sugkakopavqhson tw~/ eu*aggelivw/ kataV

duvnamin qeou~ (2 Tm 1. 8).

Por conseguinte, não sintas vergonha do testemunho do nosso Senhor,

nem de mim que sou prisioneiro dele, mas sofra juntamente com o

evangelho de acordo com o poder de Deus.

dwv/h e!le o& kuvrio tw~/ *Onhsifovrou oi\kw/, o@ti pollavki me

a*nevyuxen kaiV thVn a@lusivn mou ou*k e*paiscuvnqh (2 Tm 1. 16).

Que o Senhor dê misericórdia à casa de Onesíforo, porque,

frequentemente, me confortou e não se envergonhou das minhas

algemas.

9 e*n w%/ kakopaqw~ mevcri desmw~n w& kakou~rgo, a*llaV o& lovgo

tou~ qeou~ ou* devdetai: 10 diaV tou~to pavnta u&pomevnw diaV touV

e*klektouv, i@na kaiV au*toiV swthriva tuvcwsin th~ e*n Cristw~/

*Ihsou~ metaV dovxh ai*wnivou (2 Tm 2. 9-10).

9 Nisso, suporto (os sofrimentos) e até prisões como um perverso, mas

a palavra de Deus não está algemada. 10 Por causa disso, suporto todas

as coisas por causa dos escolhidos, para que eles também obtenham a

salvação em Cristo Jesus com glória eterna.

Paulo, em certa ocasião, reclama que todos o haviam abandonado:

16 *En th~/ prwvph/ mou a*pologiva ou*deiv moi paregevneto, a*llaV

pavnte me e*gkatevlipon: mhV au*toi~ logisqeivh: 17 o& deV kuvriov moi parevsth kaiV e*nedunavmwsevn me, i@na di’ e*mou~ toV khvrugma plhroforhqh~/ kaiV a*kouvswsin pavnta taV e!qnh, kaiV e*rruvsqhn e*k

stovmato levonto. 18 r&uvsetaiv me o& kuvrio a*poV pantoV e!rgou

ponhrou~ kaiV swvsei ei* thVn basileivan au*tou~ thVn e*pouravnion: w%/

h& dovxa ei* touV ai*w~na tw~n ai*wvnwn, a*mhvn.

625

É bom destacar que Paulo, após o período de dois anos detido em sua casa em Roma, usufruiu de certa

liberdade (At 28. 30), uma vez que tanto a sua epístola de 1 Timóteo quanto a de Tito apresentam o

apóstolo em viagens pelo Leste mediterrâneo em direção a Éfeso (1 Tm 1. 3; 3. 14), Creta (Tt 1. 5) e para

Nicópolis, região Leste do mar Adriático (Tt 3. 12). Alguns pesquisadores consideram essas viagens

como sendo a quarta e última viagem missionária paulina. A tradição sugere que em Nicápolis, o

apóstolo, supostamente, fora preso e conduzido de volta a Roma. Tito e a primeira epístola a Timóteo

podem ter sido escritas entre os anos de 62 a 65 d.C.. Mais tarde, ele foi novamente aprisionado e, nesse

tempo, escreveu 2 Timóteo, conforme já exposto. As duas epístolas a Timóteo e a Tito foram

denominadas pela tradição como ―As Epístolas Pastorais‖, uma vez que são escritos de disciplina

eclesiástica.

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16 Em minha primeira defesa, ninguém me assistiu, mas todos me

deixaram; não lhes seja levado em conta (isso). 17 Mas o Senhor me

ajudou e me fortaleceu, para que, por meu intermédio, a proclamação

fosse cumprida e todos os gentios ouvissem, e fui resgatado da boca do

leão. 18 O Senhor me livrará de toda obra perversa e salvará para o seu

reino celestial. A Ele, a glória pelos séculos dos séculos, amém (2 Tm

4. 16-18).

Acredita-se que a expressão: kaiV e*rruvsqhn e*k stovmato levonto, ―fui

resgatado da boca do leão‖ (vers. 17), seja uma referência a Nero.

Eusébio de Cesareia atesta, em seu escrito, sobre Nero e a morte de Paulo:

Tauvth/ gou~n ou%to, qeomavco e*n toi~ mavlista prw~to

a*nakhrucqeiv, e*piV taV kataV tw~n a*postovlwn e*phvrqh sfagav.

Pau~lo dhV oun e*p’ au*th~ &Rwvmh thVn kefalhVn a*potmhqh~nai kaiV

Pevtro w&sauvtw (EUSEBIUS OF CAESAREA. The Ecclesiastical

History 2.25.5).

Dessa maneira aclamando-se publicamente como o principal inimigo de

Deus, Nero foi conduzido em sua fúria a assassinar os apóstolos. Relata-

se, portanto, que Paulo foi decapitado em Roma e que Pedro foi

crucificado sob seu governo (EUSÉBIO DE CASAREIA, História

Eclesiástica 2, XXV).

Murphy-O‘Connor disserta, nestes termos, a respeito da morte de Paulo:

Entendemos que a forma da morte de Paulo, decapitação, significa que

ele foi condenado por um tribunal regularmente constituído. Não

sabemos onde se realizou a execução, nem onde foi enterrado.

Nenhuma liturgia pública dos mártires de Roma é comprovada antes da

metade do século III. Portanto, não podemos presumir nenhuma

tradição local confiável. Tem sido argumentado de maneira persuasiva

que a veneração de Pedro e de Paulo nas catacumbas da via Ápia

originou-se de uma revelação particular de origem suspeita e que a

Igreja romana lidou com a situação de maneira muito astuta,

proclamando que os corpos haviam sido secretamente transferidos para

outros locais, o de Pedro para a colina do Vaticano e o de Paulo para a

via De Óstia (MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 374).

Conforme já foi visto, Lucas não redige sobre o processo, o julgamento ou a

morte de Paulo (entre 66 e 68 d.C.). Assim, não se tem, nos Atos, o resultado do

julgamento perante o imperador Nero626

. Entrementes, Haenchen acredita que Lucas

626

Convém citar o testemunho de Tácito a respeito da perseguição aos cristãos e do grande incêndio que

havia devastado Roma, em 64 d.C., durante nove dias (19-28 de julho), quando dez bairros da cidade (em

um total de catorze) foram destruídos: Sed non ope humana, non largitionibus principis aut deum

placamentis decedebat infamia quin iussum incendium crederetur. Ergo abolendo rumori Nero subdidit

reos et quaesitissimis poenis adfecit quos per flagitia invisosvulgus Christianos appellabat. Autor nominis

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tenha sabido que Paulo morrera sob o poderio de Nero, mas resolveu silenciar sobre

esse fato para não piorar as relações entre o cristianismo e o Império Romano

(HAENCHEN apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004, p. 358).

Seja como for, Paulo, após dar conselhos ministeriais a Timóteo (2 Tm 4. 1-5),

sabia que a sua condenação e, posteriormente, a sua morte eram inevitáveis. O apóstolo

se considerava um a*gwnisthv, um ―combatente‖ e um a*qlhthvr, um ―atleta‖ ao

empregar as expressões em um sentido figurado: toVn kaloVn a*gw~na h*gwvnismai,

“combati o bom combate‖, e toVn drovmon tetevleka, ―completei a corrida‖ (2 Tm 4. 7).

Por fim, o religioso se considerava, ainda, um dou~lo pistov um ―servo fiel‖, que fora

prudente em relação à sua fé, por meio da expressão thVn pivstin tethvrhka, ―guardei a

fé‖ (2 Tm 4. 7)627

. Todas essas três ações foram realizadas por ele, em prol do

evangelho, conforme os versículos subscritos:

eius Christus Tiberio imperitante per procuratorem Pontium Pilatum supplicio adfectus erat; repressaque

in praesens exitiabilis supertitio rursum erumpebat, non modoper Iudaeam, originem eius mali, sed per

urbe metiam quo cuncta undiq in praesens exitiabilis superstititio rursum erumpebat, non modoper

Iudaeam, originem eius mali, sed per urbe metiam quo cuncta undique atrocia aut pudenda confluunt

celebranturque, igitur primum correpti quifatebantur, deinde indicio eorum multitudo ingens haud proinde

in crimine incendii quam ódio humani generis convicti sunt. Et pereuntibus add italudibria, ut ferarum

tergis contecti laniatu canum interirent, aut crucibusad fixi aut flammandi, atque ubi defecisset dies in

usum nocturni luminis Urerentur. Hortos ei spectaculo Nero obtulerat et circense ludic rum edebat, habitu

aurigae permixtus plebi vel currículo insistens. Mas nem os recursos humanos, nem a prodigalidade

imperial, nem o apaziguamento dos deuses eliminaram a suspeita sinistra de que o incêndio fora

provocado. Para reprimir esse boato, Nero inventou bodes expiatórios e puniu com todo requinte os

notórios e depravados cristãos (como eram popularmente chamados) ... Suas mortes foram

ridicularizadas. Vestidos com peles de animais selvagens, foram estralhaçados por cães, ou crucificados,

ou transformados em tochas para serem acesas à noite, como substitutas da luz do dia. Nero forneceu seus

jardins para o espetáculo e exibiu desdobramentos no Circo, onde se misturava com a multidão ou ficava

de pé em um carro, vestido como cocheiro (TÁCITO. Anais 15, 44 apud MURPHY-O‘CONNOR, 2004,

p. 371). É bom citar, mais uma vez, o excerto de Eusébio de Cesareia a respeito de Nero e a perseguição

aos apóstolos: 6 nu~n meVn ou^n e*piV th~ deutevra e*pistolh~ tw~n proV Timovqeon toVn Louka~n movnon

gravfonti au*tw~/ sunei~nai dh~loi, kataV deV thVn protevran a*pologivan ou*deV tou~ton: o@qen ei*kovtw

taV tw~n a*postovlwn Pravxei e*p’ e*kei~non o& Louka~ perievgraye toVn crovnon, thVn mevcri o@te

tw~/ Pauvlw/ sunh~n i&storivan u&fhghsavmeno. tau~ta 7 d’ h&mi~n ei!rhtai paristamevnoi o@ti mhV kaq’

h$n o& Louka~ a*nevgrayen e*piV th~ &Rwvmh e*pidhmivan tou~ Pauvlou toV martuvrion au*tw~/

suneperavnqh: 8 ei*kov gev toi kataV meVn a*rcaV h*piwvteron tou~ Nevrwno diakeimevnou, r&a~/on thVn

u&peVr tou~ dovgmato tou~ Pauvlou katadecqh~nai a*pologivan, proelqovnto d’ ei * a*qemivtou

tovlma, metaV tw~n a!llwn kaiV taV tw~n a*postovlwn e*gceirhqh~nai (EUSEBIUS OF CAESAREA. The

Ecclesiastical History 2.22.6-8). Por conseguinte, agora, Paulo, quando escreveu a segunda epístola a

Timóteo, mostrou que somente Lucas estava com ele, mas, em sua primeira defesa, nem Lucas. Pelo que,

provavelmente, (Lucas) escreveu os Atos dos Apóstolos por aquele tempo, conduzindo a sua história até

quando Paulo esteve com ele. Estas coisas foram ditas, sustentando para nós, que o martírio de Paulo não

foi realizado durante sua permanência em Roma, (quando) Lucas construiu sua história. 8 Parece que,

seguramente, Nero estando disposto a ser mais favorável no início, a defesa de Paulo teria sido recebida

mais facilmente no que diz respeito à sentença, mas, quando (o imperador) avançou para resoluções

iníquas, os apóstolos, juntamente com outros, foram atacados (EUSÉBIO DE CASAREIA, História

Eclesiástica 2, XXI). 627

Em certa ocasião, Paulo havia dito: mimhtaiv mou givnesqe kaqwV ka*gwV Cristou~, tornai-vos meus

imitadores, da mesma forma que também eu (sou) de Cristo (1 Co 11. 1). Parakalw~ oun u&ma~, mimhtaiv

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6 *EgwV gaVr h!dh spevndomai, kaiV o& kairoV th~ a*naluvsewv mou

e*fevsthken. 7 toVn kaloVn a*gw~na h*gwvnismai, toVn drovmon tetevleka,

thVn pivstin tethvrhka: 8 loipoVn a*povkeitaiv moi o& th~

dikaiosuvnh stevfano, o$n a*podwvsei moi o& kuvrio e*n e*keivnh/ th~/

h&mevra/, o& divkaio krithv, ou* movnon deV e*moiV a*llaV kaiV pa~si toi~ h*gaphkovsi thVn e*pifavneian au*tou~.

6 Pois eu já estou oferecido em libação e o tempo da minha morte está

iminente. 7 Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé.

8 De resto, a coroa da justiça está reservada para mim, a que o Senhor

me dará naquele dia, e o justo juiz não somente (a dará) a mim, mas

também a todos aqueles que amam a sua manifestação (2 Tm 4. 6-8).

mou givnesqe, por conseguinte, admoesto a vós a tornai-vos meus imitadores (1 Co 4. 16). Ver também:

Filipenses 3. 12-14.

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7. CONCLUSÃO

Para obter a persuasão de seus semelhantes, o homem busca meios de

aperfeiçoar a linguagem, a fim de que outros componentes da sociedade sejam

influenciados e, por conseguinte, convencidos, de modo a criar uma cumplicidade entre

ambos: o enunciador / o enunciatário.

O uso da retórica é uma constante na história das sociedades as mais diversas.

Os homens, ao interagirem, empregaram a linguagem de modo eloquente, buscando se

entender e conseguir o assentimento uns dos outros, antes mesmo da existência de

tomarem a si a tarefa de ensinar, elaborar teorias e escrever obras de retórica. Citem-se,

por exemplo, na Grécia Antiga, os discursos atestados nas epopeias homéricas, que

constituem modelos de eloquência, tais como os discursos de três importantes

guerreiros gregos: Odisseu (HOMÈRE. Iliade IX, vv. 223-307), Fênix (HOMÈRE.

Iliade IX, vv. 431-606) e Ájax, Telamônio (HOMÈRE. Iliade IX, vv. 622-642).

Em sua atividade missionária, o apóstolo Paulo, para passar adiante a mensagem

cristã, e se defender das acusações dos opositores, proferiu diversos discursos no

decorrer de suas três grandes viagens.

É bom lembrar que uma das características do Império Romano era, justamente, o

alto grau de mobilidade, uma vez que as cidades estavam ligadas por boas estradas e

havia uma severa vigilância por terra e por mar. Desse modo, a fé cristã se expandiu

pelo Mediterrâneo.

Não se deve deixar de mencionar que o cristianismo primitivo foi uma religião

baseada na pregação. A nova mensagem foi anunciada a gregos, a judeus e a outros

povos helenizados.

É fato que o mundo greco-romano era o mundo de Paulo; este, por sua vez, é

considerado como um representante nato do movimento helenístico-romano.

Evidenciam-se, nos discursos paulinos, determinadas estratégias de elaboração, ou

seja, variados recursos retóricos, com o objetivo de persuadir os ouvintes, levando-os a

compreender e aceitar a mensagem evangélica.

É possível destacar, nos discursos paulinos, importantes características

recorrentes, cujo estudo pode vir a contribuir para uma melhor compreensão da maneira

como Paulo desenvolve a argumentação. É evidente a habilidade do apóstolo em

selecionar as palavras mais apropriadas, a fim de ornamentar e tornar mais adequado o

seu discurso, diante de ouvintes os mais variados. Essas opções lexicais são decisivas,

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para que as transições de um tópico a outro sejam concatenadas de modo harmonioso e

eficiente.

Apesar de esses discursos estarem registrados em um texto escrito, isto é, o livro

dos Atos dos Apóstolos, e em um dialeto antigo, o grego koiné, verificaram-se, nos

discursos estudados, variados traços da oralidade característica das práticas oratórias na

Antiguidade. A propósito, o grego koiné é considerado a língua da propagação da

mensagem cristã e um importante veículo de comunicação universal em vários lugares

sob a dominação romana.

Neste trabalho, cujo enfoque é pragmático, por considerar o uso da linguagem

em seu contexto, optou-se, por meio da análise do discurso, por aplicar os conceitos

aristotélicos na abordagem do corpus, constituído pelos quatro discursos epidícticos

(demonstrativos) atribuídos a Paulo nos Atos dos Apóstolos: o discurso na sinagoga em

Antioquia da Pisídia, o discurso em Listra para a multidão, o discurso no Areópago de

Atenas e o discurso nas escadarias da Fortaleza Antônia, em Jerusalém.

Assim sendo, além de considerar o contexto histórico, incluindo os aspectos

sociais e religiosos em que os discursos de Paulo se inserem, foi de grande valia, para o

entendimento dos discursos, o estudo dos recursos de linguagem utilizados por ele em

sua atividade missionária.

Os discursos paulinos foram divididos de acordo com as possíveis partes que

compõem a ―Arte Retórica‖ de Aristóteles, que correspondem, precisamente, às quatro

fases pelas quais acredita-se que passe aquele que compõe um discurso: 1) h& eu@resia

inventio); 2) h& tavxi (a dispositio); 3) h& levxia elocutio); 4) h& u&povkrisi (a actio/ a

pronunciatio). Já que, à época romana, a memoria era considerada como a quinta parte

de um discurso, considerou-se também essa fase.

Destaca-se que, na segunda fase, h& tavxi (a dispositio), que corresponde à

organização interna do discurso, levou-se em conta, para a divisão interna dos discursos

paulinos, as três principais partes do discurso retórico aristotélico: 1) o proêmio (toV

prooivmion); 2) a narração (h& dihvghsi), contendo ai& pivstei, ―as provas‖: técnicas

(e!ntecnoi) e extratécnicas (a!tecnoi); 3) o epílogo (o& e*pivlogo).

Convém ressaltar que Reboul, tendo por referência a ―Arte Retórica‖

aristotélica, destaca que a terceira fase – h& levxi, ―a elocução‖, – era a fase da

ornamentação dos vocábulos (REBOUL, 2004, p. 43-44).

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Digno de nota é o emprego das figuras de linguagem, denominadas de ―figuras

de estilo‖ ou de ―retórica‖, atestadas no decorrer dos discursos paulinos estudados. Não

que Paulo tivesse se utilizado de todas as figuras de modo consciente, mas,

basicamente, por intuição, sempre buscando meios de chamar a atenção de seus

ouvintes.

Igualmente, foi de suma importância a análise dos termos do ponto de vista

morfossintático, para fazer conhecer melhor a estrutura do enunciado paulino. O

apóstolo, por exemplo, em determinados momentos, foi extremamente minucioso ao se

referir a datas, a lugares etc., apresentando os seus discursos variados complementos

circunstanciais, valiosas expressões dêiticas, particularmente na sinagoga em Antioquia

da Pisídia e na Fortaleza Antônia, em Jerusalém.

Atestou-se, na inventio, do discurso na sinagoga em Antioquia da Pisídia, que

cinco foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo empregou em seu discurso: a) um

resumo da história antiga de Israel (At 13. 17-22); b) Jesus Nazareno anunciado como o

―Salvador‖ (At 13. 23-31); c) o ―Evangelho da promessa‖ (At 13. 32-33); d)

comparações entre o rei Davi e Jesus Nazareno (At 13. 34-39); e) uma advertência ao

seu público (At 13. 40-41).

A dispositio apresenta a seguinte divisão das partes do discurso: o proêmio (At

13. 16), a narração (At 13. 17-39) e o epílogo (At 13. 40-41).

Convém sublinhar que as sinagogas constituíram um importante espaço de

pregações para a difusão da nova crença por parte dos apóstolos. Aliás, Paulo, em suas

viagens missionárias, pregava a mensagem cristã nas sinagogas da Ásia e da Europa (At

9. 20; 14.1; 17. 1-4, 10-12; 18. 14; 19. 8-9).

Destacou-se, na elocutio, o detalhamento do apóstolo quanto a datas, fatos

históricos e lugares (At 13. 17-22; 24; 26-27; 29-31; 33-36; 38-40).

Paulo, no proêmio, utilizou termos que qualificaram cada grupo de ouvintes que

formava o seu público, para obter a simpatia dos ouvintes - !Andre *Israhli~tai kaiV

oi& fobouvmenoi toVn qeovn (...), ―Ó varões israelitas e aqueles que reverenciam a Deus

(...)‖ (At 13. 16). Com essa invocação, se distingue, na sinagoga, dois grupos

expressivos de ouvintes: os judeus e os gentios. Dentre esses últimos, há os prosélitos

(gentios convertidos ao judaísmo) e os gentios não convertidos, intitulados também de

os ―devotos, tementes e reverentes a Deus‖, os quais, por hábito ou por empatia em

relação ao judaísmo, assistiam aos cultos na sinagoga.

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Em relação ao argumento-tipo, Paulo valorizou, nitidamente, a história antiga de

Israel, onde engrandece as boas ações da Divindade, que os israelitas cultuavam (At 13.

17-23; 30, 32-39). Desse modo, o apóstolo amplifica e valoriza esses acontecimentos

históricos com o objetivo de criar uma comunhão com o seu público em torno desses

valores que lhes eram muito familiares.

Há determinados valores na argumentação de Paulo: a) o que é ―belo‖ (toV

kalovn): as ações do Deus dos israelitas (At 13. 17-23, 30, 33-37); b) o que é ―feio/

vergonhoso‖ (toV ai*scrovn): as ações dos habitantes de Jerusalém e os seus chefes (At

13. 27); c) o que é ―injusto‖ ( toV a!dikon): o julgamento por parte dos habitantes de

Jerusalém e os seus chefes (At 13. 28-29); o que é ―justo‖ (toV divkaion): todo aquele

que crê (At 13. 39).

O apóstolo empregou as pivstei, ―as provas‖, tanto técnicas (h^qo, "o caráter‖,

pavqo"a disposição", lovgo"o discurso‖) quanto extratécnicas (oi& mavrture"as

testemunhas‖, e ai& suggrafai, ―os escritos‖) que serviram de base para a sua h&

a*povdeixi ―a demonstração‖, nos seus quatro discursos.

Quanto às provas técnicas, Paulo almejou alcançar a persuasão pelo seu h^qo, a

fim de obter credibilidade diante de seu público. Desse modo, Paulo, logo após o

proêmio, relatou fatos da história antiga dos israelitas (At 13. 17-22), para que os seus

ouvintes, na maioria judeus e prosélitos, tivessem uma boa impressão dele.

Paulo, ao empregar elogios logo no início de seu discurso (At 13. 16), desperta

alguns pavqh, em seus ouvintes, como, por exemplo, h& filiva, ―a amizade‖, toV qarrei~n,

―a confiança‖, h& cavri, ―a benevolência‖.

O apóstolo buscou a persuasão pelo lovgohá uma predominância do modo

indicativo; assim, Paulo afirma que os fatos por ele narrados são verídicos.

Chama a atenção no lovgo paulino, expressões que possuem uma nuance de

amplitude, de alargamento, sendo vistos como exemplos de hipérboles para intensificar

um pensamento, citem-se alguns exemplos: pantiV tw~/ law~/, ―a todo o povo‖ (At 13.

24); e*tevlesan pavnta, ―completaram todas as coisas‖ (At 13. 29); e*piV h&mevra

pleivou"por muitos dias"(At 13. 31) a*poV pavntwn, ―de todas as coisas‖ (At 13. 38);

pa~ o& pisteuvwn, ―todo aquele que crê‖ (At 13. 39).

Paulo emprega, nesse discurso, as seguintes figuras de linguagem, além das

hipérboles: a apóstrofe, a anisocronia, o polissíndeto, a anacronia (tanto com a analepse

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quanto com a prolepse), a elipse, o anacoluto, o eufemismo, os epánados, a gradação, a

hipotaxe (principalmente a hipotaxe implícita) etc.

Ora, Paulo é considerado como um dos escritores que mais empregaram as figuras

de linguagem, sendo que a hipérbole e a epáuxese são as que mais caracterizam o seu

estilo.

Ressalte-se que, no decorrer de sua prédica, Paulo empregou mais duas

invocações para a interpelação direta de seu público (At 13. 26, 38). Desse modo, foram

três invocações, o que fez com que a função conativa, com nuances de argumentação,

de persuasão, que está centrada no destinatário, se destacasse em sua homilia.

A função referencial também sobressaiu nesse discurso, quando Paulo destacou

a respeito das ações do Deus do povo israelita, transmitindo informações objetivas sobre

essa Deidade, sobre o rei Davi, Jesus, João Batista etc (At 13. 17-25; 27-31; 34-39).

Paulo, na sinagoga em Antioquia da Pisídia, almejava que o seu público

reconhecesse que Jesus Nazareno era o Messias prometido e aguardado pelos judeus.

Paulo também expôs o plano salvífico de Deus, que incluía todos os seres humanos e

não somente os judeus. Então, além de Messias, de acordo com Paulo, Jesus seria o

Salvador dos homens, que havia ressuscitado. A propósito, a ressurreição dos mortos é

o ponto central da nova mensagem (1 Co 15. 14).

Quanto às provas extratécnicas, Paulo fez referência às testemunhas antigas e às

recentes.

Considerou-se os profetas antigos israelitas, Samuel, Isaías, Habacuque, e o rei

Davi como exemplos de testemunhas antigas, uma vez que seus testemunhos eram bem

conhecidos pelo povo de Israel. Por outro lado, João Batista (13. 24), os apóstolos e

outros seguidores de Jesus (At 13. 31) podem ser vistos como as testemunhas recentes.

Entrementes, até no epílogo, o missionário continuou empregando as provas

extratécnicas, por meio do escrito do profeta Habacuque (At 13. 41). Por ser o epílogo

uma palavra de juízo, o apóstolo provocou mais um pavqo em seu público: fovboo

―temor‖.

O apóstolo emprega, ainda, a citação direta (At 13. 22, 25, 33-35, 41) e a indireta

(paráfrases) (At 13. 17-21; 24, 27-28) da literatura sacra judaica, por se encontrar em

um ambiente religioso judaico. Grande conhecedor e estudioso dos escritos sacros,

Paulo recorre várias vezes aos testemunhos antigos dos profetas, para dar mais

veracidade às suas palavras, fundamentar a argumentação e obter certo prestígio diante

dos ouvintes, em sua maioria, judeus e prosélitos.

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Paulo é um narrador secundário intra-heterodiegético, em grande parte do seu

discurso, uma vez que se distancia dos fatos relatados por ele; também é um narrador

intra-homodiegético, no momento em que vivencia os fatos relatados por ele (At 13. 26,

32).

Não obstante, os seus ouvintes, em grande parte do discurso paulino, são

narratários secundários intra-heterodiegéticos, uma vez que escutam um relato em que

não tiveram participação; também são intra-homodiegéticos, no momento em que

escutam um relato que estão vivenciando (At 13. 26, 32).

Podem-se extrair, na pronunciatio, os seguintes gestos de Paulo, que constituem

recursos extraverbais: ele se levantou (assim que o chefe da sinagoga cedeu a palavra

para alguém do auditório), e fez sinal com a mão, ao que tudo indica, para pedir a

atenção do público (At 13. 16).

Infere-se que Paulo expõe a sua argumentação linearmente, isto é, de modo

cronológico crescente, provavelmente, para facilitar a sua memória, o que constitui a

quinta fase da elaboração de um discurso.

O ambiente espacial do discurso paulino na sinagoga em Antioquia da Pisídia foi

o mais tranquilo de todos os discursos que fizeram parte do corpus da pesquisa, sem que

houvesse perturbações ou interrupções por parte dos ouvintes.

O discurso de Paulo, nesse sábado, na sinagoga, foi favorável a Paulo, uma vez

que muitos ouvintes seguiram a Paulo e a Barnabé (At 13. 42-43).

Quanto ao discurso em Listra para a multidão, atestou-se, na inventio, atestou-se

que o discurso em Listra para a multidão, que três foram os tovpoi, ―lugares‖, principais

que Paulo empregou em seu discurso: a) a negação da identidade divina de Paulo e de

Barnabé (At 14. 15); b) o objetivo de seu discurso: anunciar o Evangelho, para que haja

e*pistrofhv, ―conversão‖, ao qeoVn zw~nta, “Deus Vivo‖ (At 14. 15); c) a apresentação

do qeoVn zw~nta (At 14. 15-17).

A dispositio apresenta a seguinte divisão das partes do discurso: o proêmio (At

14. 15), a narração (At 14. 15-16) e o epílogo (At 14. 17).

Destacou-se, na elocutio, uma pergunta retórica, no proêmio, como uma forma

de reprovação à atitude de seu público (At 14. 15). A propósito, o discurso em Listra é o

único discurso em que Paulo não empregou vocábulos que qualificassem os seus

ouvintes, para tentar obter a eu!noia, a ―boa vontade‖, uma vez que a situação era

emergencial.

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Em relação ao argumento-tipo, Paulo utilizou a amplificação de modo antitético,

confrontando duas proposições: uma proposição ―fraca‖ para o apóstolo, mas vista

como ―certa‖ para o seu público, e uma proposição ―forte‖ para Paulo. Assim, essa

última proposição foi amplificada por ser a ―mais forte‖: a reprovação de oferecer

sacrifícios às divindades.

Há determinados valores na argumentação de Paulo: a) o que é ―belo‖ (toV

kalovn): ―as boas ações do ―Deus Vivo‖ (At 14. 15-17); b) o que é ―feio/ vergonhoso‖

(toV ai*scrovn): ―as feias ações‖ dos homens de Listra (At 14. 13, 15).

Quanto às provas técnicas, Paulo almejou alcançar a persuasão pelo seu h^qo, a

fim de ter credibilidade diante de seu público ao se considerar o&moiopaqei~, ―da mesma

natureza‖ (At 14. 15) que seus ouvintes.

Assim é que, em Listra, Paulo e Barnabé reprovaram qualquer tentativa, por

parte do povo, de os adorarem como divindades, e protestaram contra uma prática

comum, inerente às sociedades politeístas: o oferecimento de sacrifícios aos deuses,

prática essa, aliás, aqui considerada mataivwn, ―coisas inúteis‖ (At 14. 15). Está claro

que os apóstolos aparecem como aqueles que rejeitam tais tentativas de deificação.

É compreensível a atitude do público em reconhecer a Paulo e a Barnabé como

divindades do panteão helênico, isto é, como Hermes e Zeus, uma vez que há, na

literatura latina, relato da visita de Zeus e Hermes ao interior da Frígia (OVIDIUS.

Metamorphoses 8. 612-727).

Em algum momento do discurso, Paulo despertou alguns pavqh, ―as disposições‖,

em seus ouvintes (At 14. 16), citem-se, por exemplo, h& filiva, ―a amizade‖, toV

qarrei~n, ―a confiança‖, h& cavri, ―a benevolência‖.

Paulo buscou a persuasão pelo lovgohá uma predominância do emprego do

modo indicativo, sobretudo presente e aoristo, e do particípio.

As hipérboles se destacam nesse discurso, intensificando a argumentação

paulina: e*mpiplw~n, ―fartando‖ (At 14. 17); pavnta taV e*n au*toi~, "todas as coisas

(existentes) neles‖ (At 14. 15); pavnta taV e!qnh, “a todos os povos‖ (At 14. 16); touV

o!clou"as multidões‖ (At 14. 18); e*mpiplw~n trofh~kaiV eu*frosuvnh taV kardiva

u&mw~n, ―fartando de alimento e de alegria os vossos corações‖ (At 14. 17).

Paulo emprega, no discurso em Listra, as seguintes figuras de linguagem, além

das hipérboles: a apóstrofe, a hipotaxe (implícita e explícita), o zeugma, a anisocronia, a

anáfora, a comparação, a epáuxese etc.

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Em certo momento da homilia paulina, as funções expressiva e conativa se

destacam (At 14. 15), depois, há um paralelo entre a função referencial e a conativa (At

14. 15-17).

A expressão eu*aggelizovmenoi u&ma~ a*poV touvtwn tw~n mataivwn e*pistrevfein

e*piV qeoVn zw~nta, ―vos anunciamos o Evangelho, para converterdes destas coisas inúteis

ao Deus vivo‖, é o ápice da argumentação paulina, uma vez que fica evidente o

khvrugma, ―a proclamação‖, da mensagem.

Ao defender a fé cristã, Paulo fez a apologia do monoteísmo. Sublinhe-se que

essa apologia distinguia os ―seguidores do Caminho‖ dos demais povos politeístas, e

fazia com que se aproximassem dos judeus. Percebe-se, nesses discursos, uma oposição

clara entre as crenças cristãs e as crenças vigentes dos cultos tradicionais.

Ora, o politeísmo poderia ser objeto de tolerância; entrementes, cabia aos

homens acolher a pregação cristã, quando chegasse até eles, a fim de haver a

e*pistrofhv, a ―conversão‖, para um estilo de vida religiosa que seria considerada

correta. Na concepção judaico-cristã, tratava-se de chamar a atenção para o ‖erro da

idolatria‖, alicerçado na representação imagética das divindades (Dt 5. 7-9; Lv 17. 7-9;

Am 2. 4; Jr 10. 1-16; Ez 8. 10).

O apóstolo almejava persuadir o seu público da existência de uma única

Divindade, denominada por ele de o qeoV zw~nta, o ―Deus Vivo‖. Os seus ouvintes

deveriam prestar culto a somente um Deus, uma vez que Paulo ansiava por desconstruir

a crença de seus ouvintes na existência de vários deuses.

Quanto às provas extratécnicas, Paulo citou, indiretamente, alguns excertos da

escritura sacra judaica como a criação do mundo. Considerou-se o qeoV zw~nta, ―Deus

Vivo‖, como uma testemunha antiga e recente (At 14. 17).

Paulo é um narrador secundário intra-heterodiegético, em grande parte do seu

discurso, uma vez que se distancia dos fatos relatados por ele como também é um

narrador intra-homodiegético, no momento em que vivencia os fatos relatados por ele

(At 14. 15).

Não obstante, os seus ouvintes, em grande parte do discurso paulino, são

narratários secundários intra-heterodiegéticos, uma vez que escutam um relato em que

não tiveram participação como também são intra-homodiegéticos, no momento em que

escutam um relato que estão vivenciando (At 14.15).

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Podem extrair-se, na pronunciatio, cinco ações de Paulo e de Barnabé, que

ocorreram antes do discurso, constituindo recursos extraverbais dignos de nota: a ação

de ―ver‖, de ―ouvir‖, de ―rasgar as vestes exteriores‖ (em uma atitude de resignação), de

―correr‖ e de ―bradar‖ (At 14. 14).

Infere-se que Paulo expõe a sua argumentação de modo cronológico decrescente

de um modo geral, isto é, do presente para o passado (analepse), provavelmente, para

facilitar a sua memória.

O discurso em Listra para a multidão não foi favorável ao apóstolo, uma vez que

Paulo despertou algumas pavqh, ―as disposições, sentimentos‖ em seus ouvintes: h&

o*rghv, ―a cólera‖, toV e*cqrov"a inimizade‖, h& nevmesi"a indignação‖ (At 14. 18-19).

Já no discurso no Areópago de Atenas, atestou-se, na inventio, que cinco foram

os tovpoi, ―lugares‖, principais, que Paulo empregou em seu discurso: a) os objetos de

culto ateniense (At 17. 23); b) a apresentação do *Agnwvstw/ qew~/, ―Deus

Desconhecido‖ (At 17. 23-27); c) pequenos versos de poetas gregos (At 17. 28); d) a

imagem distorcida que o homem tinha da Deidade e a expectativa em relação à sua

criação (At 17. 29-30); e) menção indireta de Jesus e à sua ressurreição (At 17. 31).

A dispositio apresenta a seguinte divisão das partes do discurso: o proêmio (At

17. 22) e a narração (At 17. 23-31). O contexto indica que o discurso foi interrompido

por causa da zombaria dos ouvintes (At 17. 32), quando Paulo fez menção à

ressurreição dos mortos (At 17. 31). Desse modo, o discurso não apresenta um epílogo.

Destacou-se, na elocutio, o emprego do adjetivo no grau comparativo

deisidaimonestevrou ―extremamente religiosos‖, o que constitui um exemplo de

captatio benevolentiae, comum na oratória dos proêmios dos oradores antigos. Paulo,

desse modo, tenta obter a eu!noia, a ―boa vontade‖, de seu público.

É bom lembrar ainda que Paulo elogiou a devoção de seus ouvintes, apesar de

ter sentido inicialmente uma ―revolta‖ diante da ―idolatria‖ em Atenas; esse

comportamento do apóstolo sugere também um procedimento retórico de se alcançar a

empatia dos atenienses. Não obstante, convém destacar que, para alguns estudiosos, o

termo deisidaimonestevrouconstitui uma crítica ao politeísmo helênico, não sendo

portanto, um procedimento retórico.

Em relação ao argumento-tipo, Paulo empregou a amplificação de modo

antitético, assim como em seu discurso em Listra. Paulo reprovou o politeísmo e a

representação imagética dos deuses gregos.

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Pode-se fazer uma comparação entre o discurso em Listra e o discurso no

Areópago de Atenas, uma vez que Paulo também fez a apologia do monoteísmo, diante

dos atenienses, quando apresentou o *Agnwvstw/ qew~/, o ―Deus Desconhecido‖.

Há determinados valores na argumentação de Paulo: a) o que é ―belo‖ (toV

kaloVn): a devoção ateniense (At 17. 22); a autossuficiência (At 17. 24-25), a

onipotência (At 17. 26-27), a misericórdia e a bondade do ―Deus Desconhecido‖ (At

17. 30); b) o que é ―vergonhoso‖ (toV ai*scrovn): o culto a outras divindades (At 17.

26-27); a representação imagética de deuses (At 17. 29); c) o que é ―o justo‖ (toV

divkaion): a justiça do ―Deus Desconhecido‖ (At 17. 31).

Quanto às provas técnicas, Paulo almejou alcançar a persuasão pelo seu h^qo, a

fim de ter credibilidade diante de seu público. Paulo, tendo em vista a sua cultura

helênica, constrói o seu h^qo, levando em conta as dovxai, ―os valores, as crenças‖, de

seu público.

Pode-se dizer que o missionário, ao fazer referência à cultura peculiar dos

atenienses, toca nos afetos (pavqh) desse povo, mostrando que ele era um orador

portador de eu!noia, ―benevolência‖, já que discursava a respeito do ―Deus

Desconhecido‖, mostrando quem era, na verdade, essa Divindade.

No proêmio paulino, o ―elogio‖ a seu público (At 17. 22) teve por escopo

despertar alguns pavqh, ―as disposições, sentimentos‖ (At 17. 16), tais como: h& filiva,

―a amizade‖, toV qarrei~n, ―a confiança‖, h& cavri, ―a benevolência‖.

Para alcançar a persuasão por meio do lovgoPaulo constrói o seu discurso,

tendo por base os possíveis tovpoi, incluídos na inventio.

Tem-se, na argumentação paulina, expressões de efeito, para basear a sua

argumentação na origem do kovsmo, tais como: ou*ranov, “céu‖, gh~, ―terra‖, kovsmo,

―universo‖, kuvrio, ―Senhor‖, e o& qeoV o& poihvsa, o “Deus que criou‖, para situar o

―Deus Desconhecido‖ diante dos atenienses (At 17. 24).

Dignas de destaque, mais uma vez, são as muitas hipérboles empregadas no

decorrer do discurso para engrandecer as ações do Deus Desconhecido, por meio do

adjetivo triforme pa~, pa~sa, pa~n, ―tudo, toda‖: pavnta taV, ―todas as coisas

existentes‖ (At 17. 24); pa~si, ―a todos‖(At 17. 25); taV pavnta, ―todas as coisas‖ (At

17. 25); pa~n e!qno a*nqrwvpwn, “toda a raça de seres humanos‖; e*piV

pantoVproswvpou th~ gh~"toda a face da terra‖ (At 17. 26); toi~ a*nqrwvpoi

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pavntapantacou~, ―todas as coisas aos seres humanos em todas as partes‖ (At 17.

30); pa~sin, ―a todos‖ (At 17. 30); pa~san thVn oi*koumevnhn, ―toda a terra habitada‖ (At

17. 31). Essas hipérboles tinham por objetivo revelar ao seu público a grandiosidade da

Divindade que ele estava apresentando.

Paulo emprega, no discurso no Areópago de Atenas, as seguintes figuras de

linguagem, além das hipérboles: a apóstrofe, a comparação, a hipotaxe (implícita e

explícita), a prolepse, a anisocronia, o polissíndeto, a antítese, o zeugma, a metonímia, a

epáuxese etc.

Há uma certa predominância de verbos no presente, tanto no modo indicativo

(At 17. 22-25, 28-31) quanto em formas nominais (At 17. 23-27; 29-31).

A função expressiva e a função conativa se destacam no início da homilia

paulina (At 17. 22-23), isto é, entre Paulo e os atenienses. Sobressaiu, na função

referencial, a apresentação do ―Deus Desconhecido‖ (At 17. 24-31).

Quanto às provas extratécnicas, pode-se considerar os poetas gregos como as

testemunhas antigas (At 17. 28).

Chama a atenção o fato de Paulo empregar, de modo direto, versos de poetas

gregos, isto é, da literatura grega, tais como Cleantes de Assos e Áratos de Soli, que,

originalmente, exaltavam a Zeus. O apóstolo, dessa forma, adapta a sua argumentação,

tendo em vista as dovxai, ou seja, ―os valores ou crenças‖, de seu público. Então, Paulo

contextualizou a sua mensagem, para persuadir o público ateniense.

O apóstolo, provavelmente, tinha conhecimento da importância da figura de um

poeta e da influência que seus versos poderiam exercer sobre os ouvintes. Sublinhe-se

que Paulo não cita, diretamente, o nome de Jesus nem nomes dos profetas do antigo

Israel e muito menos excertos dos escritos sacros judaicos, mas, somente, o faz de modo

indireto.

Ora, existem na literatura greco-romana exemplos de que o poeta era visto como

um ―porta-voz‖ dos deuses, sendo considerado sagrado (PLATO. Apology 22c), e de

que a poesia seria inspirada pelos deuses (ARISTOTE. Rhétorique III, 7. 1408 b 17-

19; CICÉRON. De Oratore 2, 194).

O apóstolo, em seu discurso no Areópago de Atenas, utilizou o altar do

*Agnwvstw/ qew~/, o ―Deus Desconhecido‖, altar este que constituía um objeto de culto dos

atenienses, para persuadir o seu público da existência de um Deus que os atenienses

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adoravam, mesmo sem ter um conhecimento preciso de quem era. Foi, justamente, a

devoção dos atenienses que inspirou Paulo em seu discurso no Areópago.

A propósito, a adaptalidade ou propriedade do discurso, era algo corriqueiro no

mundo greco-romano; o orador tinha por objetivo saber falar no momento adequado, a

fim de ser persuasivo. Transmitindo uma imagem de homem, portador de frwvnesi,

“sensatez‖, ―prudência‖.

Paulo é um narrador secundário intra-heterodiegético, em grande parte do seu

discurso, uma vez que se distancia dos fatos relatados por ele, a partir do momento que

ele discursa sobre o ―Deus Desconhecido‖ (At 17. 24-27; 30-31) como também é um

narrador intra-homodiegético, no momento em que vivencia os fatos relatados por ele

(At 17. 22-23).

Não obstante, os seus ouvintes são narratários secundários intra-

heterodiegéticos, uma vez que escutam um relato em que não tiveram participação (At

17. 24-27; 30-31); também são intra-homodiegéticos, no momento em que escutam um

relato que estão vivenciando (At 17. 22-23; 27-29).

Podem-se extrair, na pronunciatio, o recurso extraverbal staqeiv, ―estando de

pé‖, ―colocando-se de pé‖.

(At 17. 22), que é a única informação que se tem nesse

discurso em relação aos gestos de Paulo.

Infere-se que Paulo expõe a sua argumentação por meio de anacronias relativas

com o emprego tanto da prolepse, (At 17. 31) quanto da analepse (At 17. 31),

provavelmente, para facilitar a sua memória.

O relato lucano informa que o discurso paulino conseguiu persuadir alguns

gregos, incluindo homens e mulheres (At 17. 34), mas houve alguns que escarneceram

da mensagem acerca da ressurreição (At 17. 32-34). Extraiu-se desses exemplos, que

Paulo despertou mais ―disposições‖, pavqh, em seu público: toV qarrei~n, ―a confiança‖,

e h& nevmesi ―a indignação‖.

Finalmente, no discurso nas escadarias da Fortaleza Antonia, em Jerusalém,

atestou-se, na inventio, que cinco foram os tovpoi, ―lugares‖, principais que Paulo

empregou em seu discurso: a) a sua descendência e educação judaica (At 22. 3); b) a

perseguição aos cristãos (At 22. 4-5); c) a primeira teofania (At 22. 6-11); d) o

encontro com Ananias em Damasco (At 22. 12-16); e) a segunda teofania (At 22. 17-

20).

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A dispositivo apresenta a seguinte divisão das partes do discurso: o proêmio (At

22. 1) e a narração (At 22. 3-21). Mais uma vez, o contexto indica que o discurso foi

interrompido por causa da reação dos judeus, que ficaram furiosos, a ponto de pedirem a

morte do apóstolo (At 22. 23). O momento anterior e posterior desse discurso (cf.

quadro temporal – detenção e acusação a Paulo, e quadro espacial – a Fortaleza

Antônia, marco da dominação romana na Judeia), foi de muito tumulto, a ponto de

Paulo não conseguir finalizar o discurso, quando ele mencionou o seu comissionamento,

diante dos gentios (At 22. 21). Desse modo, assim como no discurso em Atenas, não se

tem um epílogo.

Destacou-se, na elocutio, mais precisamente no proêmio, os vocábulos no

vocativo, a*delfoiv, “irmãos‖, e patevre―pais‖. De um modo geral, aqui os vocativos

são empregados no plural, para se referir a um grupo de pessoas que possuem interesses

comuns, com as mesmas convicções.

Paulo é muito minucioso ao se referir a datas (At 22. 1, 3, 6, 16) e lugares (At

22. 3-7, 10, 13-14, 18-19, 21), tal qual em seu discurso na sinagoga, em Antioquia da

Pisídia.

Em relação ao argumento-tipo, Paulo valorizou, notadamente, o seu h^qo, uma

vez que colocou, em evidência, a sua formação acadêmica, teológica e os seus diálogos

com Jesus e Ananias, a fim persuadir o seu público hierosolimitano de que ele não era

um sacrílego. Além do mais, a sua pregação não tinha nada a ver com um sentimento

antijudaico.

Por meio da expressão: *Egwv ei*mi a*nhVr *Ioudai~o, «Eu sou varão judeu‖ (At

22. 3), Paulo explicita a sua identidade do ponto de vista étnico-religioso. Ao dispor o

seu curriculum vitae e mencionar o nome de seu grande mestre, Gamaliel, que era muito

respeitado pelos judeus (At 22. 3), o apóstolo adapta o seu discurso, levando em conta o

seu público e o quadro espacial.

Pode-se afirmar que, de todos os discursos epidícticos aqui abordados, esse foi o

discurso mais pessoal do apóstolo, sobressaindo a função expressiva. Paulo fala sobre a

sua vida antes de se converter ao «Caminho», a sua perseguição aos seguidores desse

grupo religioso, a teofania que experimentou no caminho de Damasco, o episódio junto

a Ananias, o seu ministério divino, o seu batismo, incluindo a revelação divina sobre o

seu ministério aos gentios etc. Assim, Paulo almejou, de todas as formas, exaltar o seu

êthos diante de um público judeu enfurecido.

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Há determinados valores na argumentação de Paulo: a) o que é ―belo‖ (toV

kalovn): o gevno e a sua formação acadêmica (At 22. 3); a sua obediência às ordens de

Jesus (At 22. 10-11); a devoção de Ananias (At 22. 12); o seu comissionamento e a sua

conversão ao cristianismo (At 22. 14-16, 21); b) o que é ―feio/ vergonhoso‖ (toV

ai*scrovn): a sua perseguição aos cristãos (At 22. 4, 6, 8 19, 20).

Quanto às provas técnicas, pode-se dizer que Paulo se valeu de seu hqo no

argumento-tipo (amplificação), para que os seus ouvintes, na maioria judeus e

prosélitos, tivessem uma boa impressão dele.

Antes do discurso de Paulo, o público estava tomado pelos seguintes pavqh:

o*rghv, ―cólera‖, nevmesi ―indignação‖, e e*cqrov, ―inimizade‖. Não obstante, Paulo

desejava transformar essas disposições de seu público em outras, como por exemplo, toV

prau?nesqai, ―em calma, em serenidade‖, e toV qarrei~n, ―em confiança‖. Ora, Paulo

teria conseguido essa mudança de pavqo em seus ouvintes, quando começou a discursar

em aramaico (At 22. 40). Mas o apóstolo, mais tarde, despertou a nevmesi a

―indignação‖, em seu público, a ponto de ter a sua prédica interrompida (At 22. 23).

Paulo, levando em conta a cidade de Jerusalém e o tipo de seu público, se utiliza

de certos procedimentos argumentativos para se obter a persuasão mediante o lovgo O

apóstolo constrói o seu discurso, tendo por base os possíveis tovpoi, incluídos na

inventio.

Destacam-se algumas expressões adequadas para aquele momento; citem-se, por

exemplo: a*nhVr *Ioudai~o, «varão judeu‖, a*nateqrammevno ... e*n th~/ povlei tauvth/,

«educado nesta cidade‖, paraV touV povda GamalihVl pepaideumevno kataV

a*krivbeian tou~ patrwv/ou novmou, ―instruído junto aos pés de Gamaliel de acordo com

a exatidão da lei paterna‖ e zhlwthV u&pavrcwn tou~ qeou~, «dedicado a Deus‖ (At 22.

3). Ora, a tríade participial a*nateqrammevno"educado", pepaideumevno"instruído",

e u&pavrcwn, «sendo» (At 22. 3), não deve ser desprezada no contexto em questão.

Paulo emprega, no discurso da Fortaleza Antônia, as seguintes figuras de

linguagem: a apóstrofe, o polissíndeto, a metonímia, a hipérbole nominal, a parataxe, a

comparação, a elipse, e expressões recorrentes, como, por exemplo, a anáfora do

hebraísmo: *Egevneto dev moi ..., ―aconteceu-me‖, para iniciar o seu relato a respeito do

passado. Há a presença tanto da parataxe quanto da hipotaxe (principalmente, da

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hipotaxe implícita), do clímax ou da gradação, da anacronia (principalmente o emprego

da analepse), da anisocronia etc.

Paulo é um narrador secundário intra-homodiegético, em grande parte do seu

discurso, no momento em que vivencia os fatos relatados por ele (At 22. 1, 3,4,6-12; 17-

21). Não obstante, os seus ouvintes tanto são narratários secundários intra-

heterodiegéticos, uma vez que escutam um relato em que não tiveram participação,

quanto intra-homodiegéticos, uma vez que Paulo, por um breve momento, os insere no

seu relato (At 22. 3).

Quanto às provas extratécnicas, Paulo fez referência a dois tipos de testemunhas

antigas: o& a*rciereuv o “sumo sacerdote‖, e pa~n toV presbutevrion, ―todo o

presbitério, que eram membros do Sinédrio, para testemunhar que ele havia sido, no

passado, um perseguidor dos cristãos. Paulo não fez referência direta ou indireta aos

escritos sacros judaicos.

Extraiu-se, na pronunciatio, os seguintes recursos extraverbais para se referirem

aos gestos de Paulo: e&stwV e*piV tw~n a*nabaqmw~n"estando de pé sobre os degraus‖ e

katevseisen th~/ ceiriv, ―fez sinal com a mão‖ (At 21. 40).

Infere-se que Paulo expõe a sua argumentação linearmente, isto é, de modo

cronológico crescente, provavelmente, para facilitar a sua memória, tal qual no seu

discurso na sinagoga em Antioquia da Pisídia.

Sabe-se que os estudiosos não são unânimes quanto à formação retórica de

Paulo, mas a maioria concorda que o religioso era detentor de uma ampla cultura, seja

judaica ou greco-romana, e, possivelmente, poliglota. De qualquer forma, dois lugares

surgem como possíveis onde o apóstolo teria obtido a sua formação retórica: Tarso ou

Jerusalém.

O Paulo lucano diz ser originário da cidade de Tarso, na Cilícia (At 22. 3), uma

cidade eminente, próspera e helenizada. A propósito, o geógrafo grego Estrabão dá

testemunho de que o povo de Tarso se interessava muito pelos estudos, e a cidade

possuía muitas escolas de retórica (ESTRABÃO. Geografia 14. 5. 13).

Os escritos paulinos parecem sugerir que Paulo negasse qualquer procedimento

retórico como fonte de persuasão em defesa do lógos como ―palavra inspirada‖, para

que seus ouvintes soubessem que a sua pregação não tinha por base as técnicas oratórias

meramente humanas (1 Co 1. 17; 2.1; 2. 4), e explica o motivo (1 Co 2. 5), mas

emanavam, diretamente, da Divindade, por meio de revelações especiais (Gl 1. 11-12).

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Atestam-se, no corpus paulinum, observações a respeito da utilização adequada

do lovgo (Cl 4. 6). Paulo colocava, em evidência, a importância de um discurso com

fluidez, para que os usuários de uma língua se entendessem (1 Co 14. 10-11). Convém

sublinhar que Paulo se considerava um i*diwvth, ―uma pessoa leiga, não treinada‖,

quanto ao seu lovgo (2 Co 11.6); este, por sua vez, seria e*xouqenhmevno"desprezível,

inútil‖ (2 Co 10. 10). No entanto, as afirmações do apóstolo quanto ao seu lovgonão

devem ser levadas ao pé da letra.

De um modo geral, os dois modos mais empregados, nos discursos paulinos, são

o indicativo e o subjuntivo; há o emprego, sobretudo nos proêmios, de adjetivos para

elogiar os seus ouvintes, de pergunta retórica (no caso, específico, de Listra), de

imperativos, de pronomes e de verbos, na segunda pessoa, tanto no singular quanto no

plural, para a interpelação do público etc. Todos esses recursos são marcantes na

representação de interações verbais, particularmente as práticas retóricas, com vistas à

persuasão.

Enfim, levando em consideração as informações extraídas dos discursos

paulinos, infere-se que Paulo, dependendo de seu público, da situação em que se

encontrava e da localização espacial, tinha, de um modo geral, dois principais objetivos:

a) ao público judeu, ele anunciava que Jesus Nazareno era o Messias prometido, que

trazia a salvação eterna da alma e a remissão dos pecados; b) ao público não judeu, ele

anunciava a existência de um único Deus que deveria ser cultuado. Não raro,

dependendo das circunstâncias, Paulo defrontou-se com a oposição, tanto da parte dos

judeus quanto da parte dos gentios.

O apóstolo, no decorrer de suas viagens missionárias, entrou em contato com

numerosos povos e, mesmo sendo portador de cultura diferente, tentou estabelecer uma

empatia com aqueles que não possuíam as mesmas convicções teológicas que ele.

Assim, o contexto histórico e a localização espacial foram de suma importância para a

compreensão dos seus discursos, uma vez que o tipo de ouvinte e o quadro espacial são

de grande valia, para que o orador possa construir o seu discurso.

Sempre que podia, Paulo empregava citações diretas. Essas citações possuíam o

peso de uma ―autoridade‖, porque são um testemunho confiável, uma vez que essas

referências estavam vinculadas a uma determinada cultura, a um passado comum,

peculiar aos membros de um determinado grupo. Desse modo, o apóstolo não desprezou

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a cultura de seu público, dialogando com as peculiaridades desses povos, sempre que

lhe era oportuno e necessário.

Assim sendo, Paulo empregou a levxi, a ―elocução‖, apropriada, adaptada de

acordo com cada tipo de público, na tentativa de obter a captatio benevolentiæ, a “boa

vontade‖, buscando os meios, as expressões e as palavras mais adequadas, a fim de que

o seu discurso fosse eficaz e, consequentemente, persuasivo.

Não convém esquecer que Paulo aproveitava todas as oportunidades que

apareciam para anunciar o evangelho (1 Co 9. 22-23; Gl 4. 13; Fp 1. 13). O

missionário, em certa ocasião, destacou que a sua missão havia chegado ao fim, e que

havia cumprido o seu comissionamento divino como um apologista da nova crença (2

Tm 4.7). Não é por pouca coisa que o apóstolo é considerado o propagador mais hábil

do cristianismo, depois de Jesus Cristo.

Após a concretização desta pesquisa, almeja-se: 1) que ela seja útil e proveitosa,

não apenas para os estudos da área de letras, mas, especificamente, para as letras

clássicas, de modo geral, bem como para as demais áreas afins do conhecimento: a

filosofia, a história, a teologia etc.; 2) incentivar novas pesquisas sobre a retórica, com

vistas ao aprendizado em conjunto, incentivando o diálogo e a troca de saberes entre

pesquisadores e especialistas de diferentes áreas, todas de grande importância para a

continuidade da vida acadêmica.

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424

9. ANEXO

9.1 Mapas

AS VIAGENS MISSIONÁRIAS PAULINAS

Mapa Geral das Viagens Missionárias do Apóstolo Paulo

628

A 1ª Viagem Missionária

629

628

In: http://scriptures.lds.org/pt/biblemaps/13. Acesso em: 06/08/2013. 629

In: http://geografiageralebiblica.blogspot.com.br. Acesso em: 06/08/2013.

Page 425: Tradução e Comentários - UFRJ · 1. Retórica. 2. Atos dos Apóstolos. 3. Apóstolo Paulo. 4. Discursos Paulinos. ... Koine greek, the excerpts chosen as objects of analysis still

425

A 2ª Viagem Missionária

630

A 3ª Viagem Missionária

631

630

In: http://geografiageralebiblica.blogspot.com.br. Acesso em: 06/08/2013. 631

In: http://geografiageralebiblica.blogspot.com.br. Acesso em: 06/08/2013.

Page 426: Tradução e Comentários - UFRJ · 1. Retórica. 2. Atos dos Apóstolos. 3. Apóstolo Paulo. 4. Discursos Paulinos. ... Koine greek, the excerpts chosen as objects of analysis still

426

A PROPAGAÇÃO DO CRISTIANISMO632

O IMPÉRIO ROMANO633

632

In: http://disciplina-de-historia.blogspot.com.br. Acesso em: 08/08/2013. 633

In: http://geografiageralebiblica.blogspot.com.br. Acesso em: 07/08/2013.

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427

9.2 Abreviaturas

Abreviaturas Bíblicas

Novo Testamento

Livros Abreviação

Mateus Mt

Marcos Mc

Lucas Lc

João Jo

Atos At

Romanos Rm

1 Coríntios 1 Co

2 Coríntios 2 Co

Gálatas Gl

Efésios Ef

Filipenses Fp

Colossenses Cl

1 Tessalonicenses 1 Ts

2 Tessalonicenses 2 Ts

1 Timóteo 1 Tm

2 Timóteo 2 Tm

Tito Tt

Filemom Fm

Hebreus Hb

Tiago Tg

1 Pedro 1 Pe

2 Pedro 2 Pe

1 João 1 Jo

2 João 2 Jo

3 João 3 Jo

Judas Jd

Apocalipse Ap

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428

Antigo Testamento

Livros Abreviação

Gênesis Gn

Êxodo Ex

Levítico Lv

Números Nm

Deuteronômio Dt

Josué Dt

Juízes Jz

Rute Rt

1 Samuel Sm

2 Samuel Sm

1 Reis 1 Rs

2 Reis 2 Rs

1 Crônicas 1 Cr

2 Crônicas 2 Cr

Esdras Ed

Neemias Ne

Ester Et

Jó Jó

Salmos Sl

Provérbios Pv

Eclesiastes Ec

Cântico dos Cânticos Ct

Isaías Is

Jeremias Jr

Lamentações de Jeremias Lm

Ezequiel Ez

Daniel Dn

Oséias Os

Joel Jl

Amós Am

Obadias Ob

Jonas Jn

Miqueias Mq

Naum Na

Habacuque Hc

Sofonias Sf

Ageu Ag

Zacarias Zc

Malaquias Ml

Sabedoria Sb

Page 429: Tradução e Comentários - UFRJ · 1. Retórica. 2. Atos dos Apóstolos. 3. Apóstolo Paulo. 4. Discursos Paulinos. ... Koine greek, the excerpts chosen as objects of analysis still

429

Outras Abreviaturas

a.C. Antes de Cristo

AT Antigo Testamento

Cap., cap. Capítulo

Capts., capts. Capítulos

C.D. Citação Direta

C.I. Citação Indireta

Cf., cf. Conforme

d.C. Depois de Cristo

et alli e outros

LXX Septuaginta

NT Novo Testamento

p. página

pág. página

vv. Versos

Vers., vers. Versículo