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TRAGÉDIA EM TRÊS ATOS Tradução de HENRIQUE GUERRA Agatha Christie www.lpm.com.br L&PM POCKET

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Tragédia em Três aTos

Tradução de henrique guerrA

Agatha Christie

www.lpm.com.br

L&PM POCKET

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Dedicado a meus amigosGeoffrey e Violet Shipston

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sumário

PRIMEIRO ATO – Suspeita

CAPítulo 1 – Crow’s Nest ............................................13

CAPítulo 2 – Incidente antes do jantar .......................23

CAPítulo 3 – Sir Charles fica intrigado .......................30

CAPítulo 4 – Moderna Elaine ......................................38

CAPítulo 5 – Fugindo de uma senhorita .....................47

SEGUNDO ATO – Certeza

CAPítulo 1 – Sir Charles recebe uma carta .................57

CAPítulo 2 – O mordomo desaparecido .....................69

CAPítulo 3 – Qual deles? ..............................................80

CAPítulo 4 – O depoimento dos empregados ............86

CAPítulo 5 – No quarto do mordomo ........................97

CAPítulo 6 – A mancha de tinta ................................107

CAPítulo 7 – Plano de operações ...............................115

TERCEIRO ATO – Descoberta

CAPítulo 1 – Sra. Babbington ....................................129

CAPítulo 2 – Lady Mary .............................................137

CAPítulo 3 – Hercule Poirot volta à cena .................147

CAPítulo 4 – Observar sem interferir ........................151

CAPítulo 5 – Divisão da mão de obra .......................160

CAPítulo 6 – Cynthia Dacres .....................................169

CAPítulo 7 – Capitão Dacres .....................................177

CAPítulo 8 – Angela Sutcliffe .....................................184

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CAPítulo 9 – Muriel Wills ..........................................189

CAPítulo 10 – Oliver Manders ....................................198

CAPítulo 11 – Poirot oferece uma festa regada a xerez ...203

CAPítulo 12 – Um dia em Gilling ..............................213

CAPítulo 13 – Sra. De Rushbridger ...........................222

CAPítulo 14 – Srta. Milray .........................................230

CAPítulo 15 – Cai o pano ...........................................236

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Direção

Sir Charles Cartwright

Assistentes De Direção

Sr. SatterthwaiteSrta. Hermione Lytton Gore

Figurino

Ambrosine Ltda.

iluminAção

Hercule Poirot

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Primeiro aTo

Suspeita

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CaPíTulo 1

Crow’s Nest

O sr. Satterthwaite sentou-se no terraço de Crow’s Nest e observou o anfitrião, Sir Charles Cartwright, subindo pela trilha da praia.

Crow’s Nest era a quintessência do bangalô mo-derno. Nada de madeiramento exposto, nada de fron-tões nem dos adornos supérfluos tão apreciados por empreiteiros de terceira categoria. Singela, sólida e toda branca, a construção enganava quanto ao tamanho – era bem maior do que aparentava. Tinha esse nome devido à posição sobranceira*; lá do alto, vigiava a enseada do porto de Loomouth. De fato, de um dos cantos do terra-ço protegido pelo parapeito, a queda era abismal ao mar cortado de rochedos lá embaixo. Pela estrada, Crow’s Nest ficava a um quilômetro e meio do vilarejo. A estrada seguia continente adentro e subia em zigue-zagues até o penhasco que se projetava sobre o oceano. Sete minutos de caminhada separavam o mar do bangalô pela íngreme trilha dos pescadores que Sir Charles Cartwright galgava naquele instante.

Meia-idade, tez bronzeada, compleição esbelta, Sir Charles vestia suéter branco e velhas calças de flanela cin-za. Andar meio gingado, punhos semicerrados. Nove em dez pessoas afirmariam: “Oficial da Marinha aposentado. Tipo inconfundível”. A décima – e mais perspicaz – vaci-laria, intrigada com algo incerto que não soava legítimo. E então talvez surgisse meio sem querer uma imagem:

* Crow’s Nest: ninho do corvo; em náutica, cesto da gávea de onde se bradava “Terra à vista!”. (N.T.)

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o convés de um navio... Não um navio real... Um navio emoldurado pelo tecido grosso e requintado de cortinas suspensas... Um homem, Charles Cartwright, em pé no convés... Luz que não era luz do sol se dispersando sobre ele, os punhos entreabertos, a postura solta e a voz – a voz solta e aprazível de um marujo e cavalheiro inglês, com entonação bastante acentuada.

– Sinto muito, senhor – dizia Charles Cartwright –, mas não tenho como responder a essa pergunta.

E pesadas cortinas caíam num silvo, luzes se acendiam numa súbita explosão, som de orquestra se precipitava no compasso sincopado da moda, enquan-to moças com laços exagerados no cabelo ofereciam: “Chocolates? Limonada?”. Fim do primeiro ato de O chamado do mar, com Charles Cartwright na pele do comandante Vanstone.

De seu privilegiado posto de observação, mirando abaixo, o sr. Satterthwaite sorriu. Mirrado e cheio de rugas, o sr. Satterthwaite – mecenas das belas artes e do teatro, esnobe convicto mas agradável – era presença certa nas festas e solenidades mais badaladas (as palavras “e o sr. Satterthwaite” apareciam invariavelmente no fim da lista de convidados). Ao mesmo tempo, um sujeito de notável inteligência, sagaz observador de pessoas e fatos.

Naquele instante, meneou a cabeça e murmurou:– Quem diria. Puxa vida, quem diria.Passos soaram no terraço, e ele virou a cabeça. O

homem grande de cabelos grisalhos que puxou a cadeira à frente e sentou-se trazia profissão e endereço de traba-lho claramente estampados no amável e arguto rosto de meia-idade. “Médico” e “Harley Street”. Sir Bartholomew Strange alcançara o sucesso profissional. Conceituado especialista em distúrbios nervosos, há pouco tempo fora alçado à nobre classe dos cavaleiros (recebendo assim o

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título de “sir”) na lista de honrarias publicada todos os anos por ocasião do aniversário do monarca.

Sentou-se ao lado do sr. Satterthwaite e disse:– Quem diria o quê? Hein? Vamos lá, pode ir

contando.Com um sorriso, o sr. Satterthwaite baixou o olhar

ao vulto que subia rápido pela trilha.– Quem diria que Sir Charles aguentaria tanto

tempo neste... hum... exílio.– É verdade, quem diria! – riu-se o outro, jogando

a cabeça para trás. – Conheço Charles desde menino. Estivemos em Oxford no mesmo período. Ele continua o mesmo: é melhor ator na vida privada do que no palco! Charles está sempre representando. Não consegue evitar: já se tornou um hábito. Charles não sai da sala: ele “sai de cena”. E costuma fazê-lo depois de uma boa tirada. Em todo caso, variar de papel é com ele mesmo... E tem coisa melhor? Dois anos atrás, ele se aposenta do palco... Avisa aos amigos que deseja levar uma vida simples e rústica, desconectada do mundo, e cede ao antigo fraco pelo mar. Desce até aqui e constrói esta casa. É a ideia que ele tem de um simples e rústico chalé. Três banheiros e todas as parafernálias modernas! Eu, como você, Satterthwaite, apostava que isso não duraria. Afinal de contas, Charles é humano: precisa de uma plateia. Dois ou três capitães aposentados, um bando de mulheres mais velhas e um pastor... Um público desses não chega a entusiasmar ator algum. Eu achava que a temporada da peça do “cara simples, apaixonado pelo mar” não duraria mais do que seis meses. E então, para ser franco, eu achava que ele se cansaria de encenar o papel. Achava que a bola da vez seria o enfastiado homem da alta sociedade em Monte Carlo ou quem sabe um grande proprietário de terras nas Highlands da Escócia. Charles é um cara versátil.

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O médico parou. Tinha falado por um bom tempo. Concentrou o olhar repleto de afeição e divertimento no homem que subia a trilha sem suspeitar de que falavam nele. Em dois minutos, ele estaria com os amigos.

– Mas – continuou Sir Bartholomew – parece que estávamos enganados. A atração pela vida simples é duradoura.

– Um homem que dramatiza a si próprio às vezes é mal compreendido – salientou o sr. Satterthwaite. – A gente não leva a sério sua sinceridade.

O doutor assentiu com a cabeça.– Sim – respondeu pensativo. – É verdade.Com uma saudação animada, Charles Cartwright

subiu os degraus e chegou ao terraço.– Mirabelle se superou desta vez – comentou. –

Devia ter vindo junto, Satterthwaite.O sr. Satterthwaite balançou a cabeça. Ele já sofrera

muitas vezes nas travessias do canal da Mancha para cultivar quaisquer ilusões sobre a força de seu estômago a bordo. Naquela manhã, observara Mirabelle da janela de seu quarto. A brisa insistente impulsionava o veleiro com rapidez, e o sr. Satterthwaite deu graças aos céus por estar em terra firme.

Sir Charles foi até a janela da sala e solicitou bebida.– Devia ter vindo, Tollie – disse ele ao amigo. – Não

é você quem passa a metade da vida sentado em Harley Street recomendando aos seus pacientes o saudável balanço do mar?

– A maior recompensa de ser médico – sentenciou Sir Bartholomew – é não ser obrigado a seguir as próprias recomendações.

Sir Charles riu. Sem se dar conta, continuava a representar o papel de marinheiro rude, mas cordial. Bonito ao extremo, corpo harmonioso, rosto delgado e irônico; o cabelo riscado de prata nas têmporas lhe dava

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um ar ainda mais distinto. Parecia o que realmente era: em primeiro lugar, um cavalheiro; em segundo, um ator.

– Foi sozinho? – indagou o médico.– Não. – Sir Charles virou-se para apanhar o drin-

que trazido por uma elegante copeira que segurava uma bandeja. – Tive uma “mãozinha”. Da mocinha Egg, para ser mais exato.

Um tênue vestígio de embaraço na voz dele fez o sr. Satterthwaite levantar o olhar bruscamente.

– A srta. Lytton Gore? Ela entende um pouco de velejar, não entende?

Sir Charles deu uma risadinha meio sentida.– Com ela me sinto o próprio marinheiro de água

doce. Mas estou evoluindo. Graças a ela.Pensamentos rápidos ocuparam a mente do sr.

Satterthwaite.“Hum... Não sei, não... Egg Lytton Gore... Talvez

por isso ele não tenha enjoado daqui... A idade do lobo... Idade perigosa... Sempre surge uma jovem nesta época da vida...”

Sir Charles prosseguiu:– O mar! É a melhor coisa que existe... Sol, vento e

mar... E uma singela cabana no retorno ao lar.E olhou com prazer a residência branca atrás

dele, equipada com três banheiros, água quente e fria em todos os quartos, o último sistema no que se refere a aquecimento central, as engenhocas elétricas mais avançadas e uma equipe completa de funcionários, in-cluindo governanta, camareira, mestre-cuca e copeira. A interpretação que Sir Charles dava à expressão “vida simples” era, talvez, um pouco exagerada.

Uma mulher feiosa e alta saiu da casa e, como um veleiro a favor do vento, dirigiu-se ameaçadora na direção deles.

– Bom dia, srta. Milray.