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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL LÚCIA MARIA KNOB TRAJETÓRIA DE VIDA DE MORADORES DE RUA DE SÃO LEOPOLDO: ANTES, DURANTE E APÓS O CREPAR SÃO LEOPOLDO 2010

Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

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Page 1: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

LÚCIA MARIA KNOB

TRAJETÓRIA DE VIDA DE MORADORES DE RUA DE SÃO LEOPOLDO:

ANTES, DURANTE E APÓS O CREPAR

SÃO LEOPOLDO

2010

Page 2: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

Lúcia Maria Knob

TRAJETÓRIA DE VIDA DE MORADORES DE RUA DE SÃO LEOPOLDO:

antes, durante e após o crepar

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social pelo Curso de Serviço Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

Orientadora: Prof. Drª Maria Aparecida Marques Rocha

São Leopoldo

2010

Page 3: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

Dedico este trabalho a todas as pessoas que participaram da

construção desta trajetória da minha vida.

À minha família, principalmente ao meu pai Camilo que não poderá

participar desta conquista por não estar mais em nosso meio.

À Congregação das Irmãs de Santa Catarina, por oportunizar estes

anos de estudo.

À Assistente Social, Educadores e a População Adulta de/na Rua do

CREPAR, que contribuíram muito para a minha formação pessoal e

profissional.

Page 4: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

AGRADECIMENTOS

A presença de muitas pessoas amigas na trajetória de minha vida, como

estudante do curso de Serviço Social, foi muito importante e, por isso, a caminhada

se tornou mais leve e alegre.

Quero agradecer a Deus pelo dom da vida e por sua presença constante, dando-

me forças e ânimo para enfrentar os obstáculos que se apresentaram ao longo do

caminho.

Agradeço à Professora, Drª. Maria Aparecida Marques Rocha, orientadora

deste trabalho, pela presença amiga, competência, generosidade e disponibilidade

como educadora, sempre presente em todas as situações, pelos conselhos e mão amiga

nos momentos de angústia.

Aos meus queridos pais, Ágata e Camilo (in memória) gratidão pela vida,

educação, presença, incentivo e encorajamento. Pela força das minhas irmãs,

cunhados e sobrinhos que ocupam um lugar especial em minha vida.

Agradeço à Congregação das Irmãs de Santa Catarina que me acolheu como

Irmã e me oportunizou estes anos de estudo de formação profissional de Assistente

Social, para ajudar na continuidade do Carisma de Madre Regina, junto aos

preferidos de Jesus que estão à margem da sociedade, os excluídos, com os quais me

identifico na missão. Gratidão às Irmãs da comunidade da Casa Provincial e do

Centro Social Madre Regina, que sempre me apoiaram e incentivaram nesta

caminhada formativa e souberam compreender-me em situações mais difíceis.

Agradeço, de coração, à Assistente Social do CREPAR, Fabiane Luz, pela

sua presença amiga, testemunho, coragem, luta e vibração como profissional; aos

Educadores que foram um sinal de amor, dedicação e alegria; aos usuários que

aceitaram o desafio de elaborar o seu projeto de vida, bem como aos demais usuários

pela confiança, acolhida e partilha, pois contribuíram muito para a minha formação

profissional.

Page 5: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

Agradeço aos meus colegas: Cristina, Carolina, Fernanda, Schirlene, Marta,

Tatiane, Sandra, Neusa, Márcia, Renato e Marion pela amizade construída e

solidificada nestes anos de UNISINOS. Pelos momentos que juntos passamos: de

alegria, de tristeza, de conquistas, de vitórias, de sofrimentos, de angústias. Como é

bom poder contar sempre com os amigos. Por isso, posso dizer: amigos são aqueles

que aceitam o outro com todos os seus defeitos, confiam e se sentem responsáveis pelo

seu bem estar. Amigos são como a luz, nos fazem descobrir novos horizontes. Amiga é

a estrada sem fronteiras, por mais que a gente queira, não consegue esquecer.

Enfim, gratidão a todas as pessoas amigas que sempre estavam presentes,

dando-me força e ânimo neste processo. A todos e todas, muito obrigada!

“Aquilo que uma pessoa se torna ao longo da vida depende basicamente de duas

coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez”.

(Autor desconhecido)

Page 6: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

A grandeza de um ser humano não está no quanto ele

sabe, mas no quanto ele tem consciência que não sabe.

O destino não é freqüente inevitável, mas uma questão

de escolha. Quem faz escolha, escreve sua própria

história, constrói seus próprios caminhos.

(Augusto Cury)

Page 7: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

RESUMO

Neste trabalho de conclusão do Curso de Serviço Social, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), tem-se como objetivo tecer reflexões sobre a população adulta de/na rua, revelar, pela trajetória de vida, as causas que levaram essas pessoas a usar a rua como espaço de moradia, bem como a política de assistência social como garantia de proteção social. Parte-se da contextualização e dos diferentes fenômenos da população adulta de/na rua, da realidade de exclusão social e das privações que sofre, devido à condição de não cidadãos de direitos, excluídos do exercício de cidadania pela sociedade. A partir desse tema, percebe-se, pela trajetória de vida dos usuários, desde a sua infância, a fragilização dos laços familiares e o uso de substâncias psicoativas que levam o sujeito à situação de vulnerabilidade e ao risco social. A partir da Política da Assistência Social, enquanto política pública, universal e de direito de todos, garantia de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, analisou-se o Centro de Referência de População Adulta de/na Rua (CREPAR) de São Leopoldo enquanto programa de proteção, bem como sua importância no projeto de vida dos usuários. Reflete-se sobre o projeto de intervenção desenvolvido como experiência do estágio obrigatório em Serviço Social, no CREPAR, junto aos usuários no município de São Leopoldo. Elaborou-se um projeto de vida com cinco usuários, quatro usuários de substâncias psicoativas e um de álcool. Cada um traçou metas a seguir, para sair da situação em que se encontrava. Este projeto de vida concretizou-se na vida dos usuários que alcançaram os seus objetivos, conseguiram emprego, reinserção na família e na sociedade. Destes cinco, dois usuários, depois de alguns meses, recaíram. Percebe-se como é difícil sair desta realidade. Somente a boa vontade não basta.

Palavras-chave: População adulta de /na rua. Exclusão social. Política de Assistência Social. Trajetória de vida. Projeto de vida.

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LISTA DE SIGLAS

CFESS – Conselho Federal de Serviço Social

CREPAR – Centro de Referência de População Adulta de/na Rua

CRESS – Conselho Regional de Serviço Social

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social

NOB – Norma Operacional Básica

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

SPAs – Substâncias Psicoativas

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

Page 9: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE/NA RUA NO BRASIL .................. 14

2.1 Características do Fenômeno da População em Situação de/na Rua .......... 14

2.2 Trajetória de Vida: Moradores de/na rua de São Leopoldo antes do CREPAR

.................................................................................................................................. 21

3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E POPULAÇÃO ADULTA DE/NA RUA . 30

3.1 Política Nacional de Assistência Social como Sistema Único de Assistência

Social (SUAS) .......................................................................................................... 34

3.2 CREPAR e o Serviço Social .............................................................................. 37

3.2.1 Importância do Serviço do CREPAR no Processo de Mudança de Vida do

Usuário ..................................................................................................................... 39

4. EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO: EM BUSCA DE MUDANÇA – PROJETO DE VIDA

.................................................................................................................................. 44

4.1 O Que é um Projeto de Vida ............................................................................. 45

4.2 Processo de Elaboração do Projeto de Vida com os Usuários ..................... 49

5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 58

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 60

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1 INTRODUÇÃO

Atualmente, percebe-se o aumento expressivo do segmento da população

adulta de/na rua em todo o Brasil. Constata-se que são pessoas que perderam tudo

o que tinham, migram de cidade em cidade e, muitas vezes, desprotegidas pelos

programas sociais, acabam buscando a rua como abrigo, fonte de renda e

sobrevivência.

Esse fenômeno pode estar ligado à crise econômica recente no mundo, que

obrigou grande parte das pessoas a migrar do campo para a cidade, em busca de

emprego. Porém, devido à baixa escolaridade e pouca qualificação profissional não

conseguiu ou perdeu o emprego.

Observa-se que as pessoas utilizam a rua como espaço de moradia por

variados motivos que vão desde o rompimento do vínculo familiar, social e

comunitário até o uso de substâncias psicoativas, doenças mentais,

desentendimentos, perda de emprego, da casa, ou seja, por “experiências

fortemente diferenciadas” (MENDONÇA, 2006, p. 53).

Segundo Faria e Machado (2004, p. 35) “o termo população de rua abarca

toda a diversidade de pessoas e grupos que vivem nas ruas, pelos mais distintos

motivos de maneira mais ou menos permanente”.

Viver na rua, mesmo que seja temporariamente, significa uma situação de

risco social e também pessoal, sendo que os sujeitos são expostos as mais variadas

privações como frio, sol, exposição ao calor, chuva, além das mais diversas formas

de violência. Gregori (2000, p. 11), confirma esta realidade ao afirmar: “é

consequência de um processo complexo de exclusão, que, na maioria das vezes,

implica instabilidade e fragilidade nas relações afetivas básicas, questões

relacionadas à saúde, à dignidade e ao exercício da cidadania”.

São diversos os motivos que compõem a realidade dos moradores em

situação de/na rua. São questões amplas que envolvem a sociedade como um todo,

intimamente ligadas à globalização que gera exclusão, migração, pobreza, miséria,

perda da rede de solidariedade familiar, entre outros. As ações políticas são, muitas

vezes, ineficazes para solucionar esta problemática. Ainda atingem, de maneira

significativa, a vida da população, questões como o desemprego, o uso de

substâncias psicoativas, a saúde mental e física, a desqualificação profissional, a

Page 11: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

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habitação, mas em especial situações ligadas à personalidade e falta de auto-

estima.

Observa-se que as pessoas vêm sofrendo diretamente as conseqüências de

um mundo globalizado que envolve as esferas políticas, econômicas, culturais e

sociais. As precárias relações de trabalho geram situações de extrema pobreza e de

exclusão social, afetam significativamente a família e as relações com seus

componentes, levando à fragilização ou ruptura de seus vínculos, possibilitando a

seus membros encontrar na rua uma alternativa ou uma saída.

Partindo do pressuposto de que o convívio familiar é fundamental para o ser

humano, “pois é o elemento básico da sociedade e o meio natural para o

crescimento e o bem-estar de todos os seus membros” (CONSELHO FEDERAL DE

SERVIÇO SOCIAL, 2002, p. 12), acredita-se que, por mais frágeis e independentes,

as razões que levaram a saída de casa, “um novo contato ou vínculo se torna

significativo, pois não é um fato indiferente ou esquecido de suas vidas”

(GUIMARÃES, 2004, p. 75).

Segundo Martins (1993 apud GUIMARÃES, 2004, p. 75):

o que se percebe é que mesmo estando em situação de rua e com a relação familiar comprometida, estas pessoas não rompem os laços afetivos, por mais frágeis que estes parecem ser. A experiência familiar anterior geralmente é forte e reforça a vontade do retorno à família.

Constatou-se, através dos depoimentos de moradores de rua A, B, C e D, na

entrevista realizada pela acadêmica (que será descrita a seguir no trabalho), que

estes buscam uma reaproximação lenta com a família, para fortalecer os vínculos

familiares fragilizados. Vínculos que não foram rompidos completamente e são

possíveis de serem reconstruídos:

- [...] estou tendo contato com minha família toda semana. (sic)

- [...] graças a Deus sim e acontece seguidamente. (sic)

- [...] sim tenho contato, mas não é seguidamente. (sic)

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- [...] tenho contato sim, não seguidamente, eu tomo a iniciativa para matar a saudade; pretendo resgatar os laços familiares. (sic)

Ao fazer da rua sua casa, o morador imprime ao lugar que ocupa sua própria

identidade, revela os sentidos próprios do ato de habitar, além de ser ocupada como

possibilidade de sobrevivência. Assim, atribui um duplo uso, o de abrigo e o de fonte

de renda/sobrevivência, tornando-se espaço de produção e reprodução social.

Não é possível afirmar o número preciso de pessoas que usam a rua como

espaço de moradia, uma vez que não constam nos censos realizados pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, pelo fato de não terem residência fixa e

não permanecerem no mesmo município, pois procuram sempre um lugar que lhe

forneça uma melhor fonte de sobrevivência e proteção.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a trajetória de vida dos

usuários do CREPAR (Centro de Referência da População Adulta de/na Rua), as

causas e os processos de vulnerabilidade que levaram a fragilização e/ou ruptura do

vínculo familiar. Tem-se como base a trajetória de vida de cinco usuários, antes,

durante e após a passagem pelo CREPAR.

A escolha do tema deste trabalho surgiu a partir da experiência de Estágio

Supervisionado Obrigatório do curso de Serviço Social da Universidade do Vale do

Rio dos Sinos (UNISINOS), realizado no Centro de Referência de População Adulta

de/na rua (CREPAR). No estágio, o projeto de intervenção foi elaborado e, após,

colocado em prática. Os conhecimentos concretizados e adquiridos durante este

período foram extremamente importantes para a formação profissional.

A experiência no campo de estágio obrigatório possibilitou estabelecer uma

relação entre conhecimentos teóricos e trabalho profissional, desenvolvendo

habilidades necessárias ao exercício profissional. Oliveira (2004, p. 75) afirma:

o estágio supervisionado exerce um papel fundamental no processo de formação profissional, pois lhe proporciona o contato direto com o exercício profissional, com natureza interventiva do Serviço Social, e, conseqüentemente, permite a apropriação da profissão.

1 A população que vive nas ruas se desloca frequentemente pelas cidades, e torna-se socialmente

invisível, já que não existe um senso que registre quantas pessoas vivem na rua, pois a pesquisa é domiciliar. Segundo dados informais, cerca de 100 mil pessoas vivem nas ruas do Brasil (DIREITOS..., 2010).

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Analisando a trajetória de vida de moradores de/na rua de São Leopoldo,

usuários do CREPAR, antes, durante e após a passagem por este Centro de

Referência, acredita-se que é possível sair desta realidade em que o indivíduo se

encontra, buscando na sua própria história a vitalidade para a mudança.

O presente trabalho contém cinco capítulos. No primeiro capítulo, enfatiza-se

o tema abordado e sua importância na atualidade. No segundo, há algumas

reflexões a cerca da população adulta de/na rua, conceitos, contextualização no

Brasil e em São Leopoldo. Faz-se também algumas considerações a partir da

trajetória de vida de um grupo de moradores de rua de São Leopoldo, usuários de

substâncias psicoativas2 que freqüentam o CREPAR, analisando o que levou estas

pessoas a morarem na rua.

No terceiro capítulo, aborda-se a Política Nacional de Assistência Social sob a

ótica de uma política pública, universal e direito de todos, seus princípios, diretrizes,

objetivos, usuários e principalmente sob a perspectiva da proteção social básica e

especial de média e alta complexidade. Destaca-se, também, a questão da Política

de Assistência Social enquanto Proteção à População Adulta de/na rua ao

entendermos que esta política “ocupa-se de prover proteção à vida, reduzir danos,

monitorar populações em risco e prevenir a incidência de agravos à vida em face de

vulnerabilidade” (BRASIL, 2005, p. 17-18) através de programas, projetos que visem

uma melhor qualidade de vida a essas populações ou famílias em risco.

Assim, analisa-se o serviço oferecido pelo CREPAR, como programas de

proteção da população adulta de/na rua do município de São Leopoldo. É

considerado um programa de proteção social especial de alta complexidade pelo

fato da população atendida ser vulnerável, com os vínculos familiares e comunitários

rompidos e a maioria ser usuária de substâncias psicoativas, encontrando-se em

risco pessoal e social, conforme Costa (1990, p. 45):

2 São substâncias que ao entrarem em contato com o organismo, sob diversas vias de administração,

atuam no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1981). Ainda, segundo Olivenstein (1982), são substâncias utilizadas na busca de alívio de tensões internas, como angústia ou tristeza. Substância psicoativa é toda a droga que altera o humor e o comportamento do indivíduo, como as drogas clínicas que precisam de receitas médicas e as drogas legais, como álcool, a cafeína, e a nicotina, ou drogas ilegais como a heroína, a maconha, a cocaína, o crack (SILVA, 2000).

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é a situação em que se encontram as pessoas, famílias e coletividades excluídas das políticas sociais básicas ou de primeira linha: trabalho, educação, saúde, habitação, abastecimento, transporte, esporte, meio ambiente, lazer, etc., políticas que configuram a qualidade de vida de um povo e, portanto, merecem e devem ser ampliadas ao conjunto da população, ou seja, universalizadas.

Entende-se por risco o medo cotidiano de ter os pertences roubados, de ser

agredido por alguém entre os iguais da rua em alguma briga por espaço ou

desavença, de ser vítima de violência sexual, de ser alvo de agressões inesperadas

vindas de setores preconceituosos da sociedade para com esse público, ou mesmo

dos órgãos oficiais responsáveis pela segurança.

No quarto capítulo, descreve-se a experiência do Estágio obrigatório no

CREPAR, no Município de São Leopoldo, de agosto de 2008 a agosto de 2009.

Igualmente, o processo de elaboração e aplicação do projeto de intervenção: “Em

Busca de Mudança”, sob a perspectiva dos princípios do Projeto Ético-Político da

profissão de Serviço social, que se relaciona com a cidadania, liberdade, livre

arbítrio e garantias dos direitos fundamentais, autonomia, emancipação.

O desenvolvimento do projeto de intervenção contribui para a busca do

sentido de vida em lutar para a realização de seus sonhos, de reconquistar sua

família, a sua reinserção na sociedade e no mercado de trabalho.

Na conclusão do presente trabalho, percebe-se a validade do Curso e a

experiência no estágio para a formação como profissional, na área do Serviço

Social.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA POPULAÇÃO DE/NA RUA NO BRASIL

Entende-se por moradores de rua os indivíduos que não têm um teto, um

local fixo para dormir. Vivem, muitas vezes, em condições de indigência, isolados

das relações sociais; são considerados inúteis para o mercado de trabalho. Há

estudiosos que situam o início da existência de pessoas de rua do nascimento ao

renascimento das cidades, segundo (BURZTYN, 2000; RIZZINI, 1997). Afirma-se

que a existência da desigualdade social é tão antiga quanto a história da civilização

humana.

A existência de pessoas em situação de/na rua não é um fenômeno de agora.

Desde a Antiguidade já eram registrados grupos habitando as ruas e vivendo quase

que exclusivamente da mendicância. A civilização grega e o Império romano

também geravam pessoas vivendo nas ruas período da Idade Média. Há notícias

inclusive de certa “profissionalização” da situação de rua. No Brasil, este fenômeno

se evidencia a partir dos anos de 1970. Olhando o contexto histórico, verifica-se que

em cada período houve leituras diferenciadas a respeito das pessoas que vivenciam

tal situação.

2.1 Características do Fenômeno da População em Situação de/na Rua

Segundo Silva (2009), podemos caracterizar em seis aspectos o fenômeno

população em situação de rua.

A primeira característica é sua múltipla denominação. Muitos são os fatores

que levam as pessoas à situação de rua. Podem ser fatores estruturais que

envolvem a falta de moradia, não ter trabalho ou renda, como também as grandes e

rápidas mudanças econômicas e sociais. E, por outro lado, há os fatores biográficos

que estão ligados à trajetória de vida de cada usuário, como a ruptura do vínculo

familiar, doenças mentais, o uso freqüente de substâncias psicoativas, mortes de

familiares, roubos, migrações para outras cidades, além de fenômenos da natureza

como enchentes, terremotos, entre outros.

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Na literatura contemporânea, os fatores mais enfatizados segundo Silva

(2009, p.105), “são as rupturas dos vínculos familiares e comunitários, a inexistência

de trabalho regular e a ausência ou insuficiência de renda, além do uso freqüente de

álcool e outras drogas e problemas atinentes às situações de desabrigo”. No

entanto, não se pode olhar esta realidade a partir de um único determinante. Além

de fatores específicos de certos lugares, temos também revelado pela história as

causas estruturais que estão vinculadas à estrutura da sociedade capitalista, pois

sua produção e reprodução têm base nos processos de acumulação do capital.

A população de rua deve ser entendida como um conjunto de indivíduos

sociais, homens e mulheres sem casa, sem trabalho, que utilizam a rua como

espaço de sobrevivência e moradia. Ser morador de rua não significa apenas estar

submetido à condição de enfrentamento de todo o tipo de carência, mas também de

adquirir outros referenciais de vida social, diferentes dos anteriores que eram

baseados em valores associados ao trabalho, à moradia e às relações familiares

(OLIVEIRA, 2008).

O segundo aspecto característico é a distinção do fenômeno como uma

expressão radical da questão social na contemporaneidade. A autora afirma que a

questão social está vinculada “a ordem social capitalista e não aos traços

específicos da condição humana” (SILVA, 2009, p. 110).

A questão social, segundo Iamamoto (2004, p. 10, 11 e 17 apud SILVA, 2009,

110):

é enquanto parte constitutiva das relações sociais capitalistas, é apreendido como expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social. A tendência de naturalizar a questão social é acompanhada da transformação de suas manifestações em objeto de programas assistenciais focalizados no combate à pobreza ou em expressões da violência dos pobres, cuja resposta é a segurança e a repressão oficiais (grifos da autora).

É o que tem acontecido em relação à população em situação de rua no Brasil,

segundo Silva (2009, p.113):

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é frequentemente responsabilizada pela situação em que se encontra, é vítima de massacres e perseguições policiais. Apesar das lutas que vêm sendo desencadeadas nas últimas décadas por setores organizados desse segmento articulados com outros sujeitos sociais, quando se busca conhecer as estratégias do Estado, nas três esferas de governo, para o enfrentamento desse fenômeno, não são encontradas políticas sociais acessíveis a esse grupo populacional, mas apenas alguns programas de natureza residual, como abrigos e albergues.

A população em situação de rua é apenas uma expressão da questão

social da contemporaneidade. É uma expressão indiscutível das desigualdades

sociais, resultantes das relações sociais capitalistas, que se processam a partir

do eixo capital/trabalho. Este integra a expressão radical da questão social hoje e

percebe-se claramente a violência do sistema capitalista sobre o ser humano que

o despoja inteiramente dos meios de produzir a sua própria riqueza para seu uso,

com isso a submete cada vez mais aos “extremos da degradação de sua vida”

(SILVA, 2009, p. 116).

O crescimento do número de pessoas que dormem nas ruas é um reflexo do

processo de empobrecimento da população que, devido à falta de emprego e

moradia, passa a utilizar, de forma crescente, os espaços públicos como meios de

sobrevivência e moradia. A população de rua é expressão da Questão Social3 de

forma dramática, e faz-se necessário que o poder público procure implantar políticas

para amenizar estas expressões da questão social que vive no limite da

sobrevivência.

O terceiro aspecto característico é a sua localização nos grandes centros

urbanos. Não é difícil perceber e entender que os moradores de/na rua se

concentram nos grandes centros urbanos devido a sua infra-estrutura, onde

encontram meios para sobreviverem e alternativas de trabalho, mesmo sendo

precárias as condições. Nos grandes centros, existe muito material reciclável

colocado nas ruas e coletado pelos catadores, do qual conseguem seu sustento e

sua sobrevivência. Nas cidades grandes, as áreas preferidas dos moradores de rua

são as praças, Igrejas, supermercados, lojas, padarias. São espaços que favorecem

a aquisição de doações ou algum rendimento, seja cuidando de carros ou

engraxando sapatos.

3 Questão social é a expressão do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, do cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia. Iamamoto e Carvalho (1983)

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O quarto aspecto característico é o preconceito como marca do grau da

dignidade e valor moral atribuído pela sociedade às pessoas atingidas pelo

fenômeno. Ao longo da história, sempre houve a discriminação em relação à

população em situação de/na rua. São usadas muitas denominações pejorativas

pela sociedade em relação aos moradores de rua para designá-los como:

“mendigos, vagabundos, desocupados, bandidos, vadios, loucos, sujos, indesejados,

pedintes, maltrapilhos, doentes mentais [...]” (SILVA, 2009, p. 119).

Muitas vezes, essas pessoas são apresentadas como uma ameaça à

comunidade, à sociedade. Conforme Borim (2003, p. 122), “os moradores de rua são

muito estigmatizados pelos cidadãos da cidade. Eles despertam medos, nojos e

descasos”. Porém, analisando a trajetória de vida de um morador de rua, percebe-se

que nem sempre viver na rua é vontade da pessoa. Muitas vezes, o próprio sistema

capitalista empurra-a para tal situação desumana.

O quinto aspecto característico apresenta as particularidades vinculadas ao

território em que se manifesta. Segundo Silva (2009, p. 121),

são particularidades decorrentes dos hábitos, dos valores e das características socioeconômicas, culturais e geográficas predominantes no território. Essas especificidades se refletem no perfil socioeconômico, no tempo de permanência nas ruas e nas estratégias de subsistência utilizadas pela pessoa em situação de rua.

Esse fenômeno também está vinculado ao perfil socioeconômico das pessoas

em situação de rua. Podemos definir como particularidades relacionadas à região

devido ao clima frio e inverno rigoroso, época em que muitos buscam alternativas

em albergues, abrigos ou outros espaços. Alguns migram, temporariamente, para

outras cidades ou regiões em busca de proteção.

O sexto aspecto característico é a tendência à naturalização do fenômeno.

Segundo Silva (2009, p.122), “é uma tendência acompanhada de políticas sociais

universalizantes, capazes de reduzir a pobreza e as desigualdades sociais na

perspectiva de ampliar a cidadania, de garantir a cobertura às pessoas que se

encontram em situação de rua”. É atribuída aos indivíduos a responsabilidade pela

situação em que se encontram, dispensando assim a sociedade capitalista e o

Estado da responsabilidade de enfrentar esta realidade.

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Percebe-se que a presença de pessoas que habitam os espaços públicos, as

ruas, as praças, é cada vez mais expressiva. Isso não é só uma questão isolada de

problemas, mas porque a sociedade, o mundo está passando por momentos de

profundas transformações de ordem social, política e econômica. São esses

impactos dos novos processos produtivos e tecnológicos que atingem hoje o mundo

do trabalho. Ricardo Antunes (1995, p. 41-42 apud ROSA, 2005, p. 30),

ao analisar o avanço mundial, sem precedentes, do desemprego estrutural, aponta „uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços. Incorpora o trabalho feminino e exclui os mais jovens e os mais velhos‟ (grifos da autora).

Muitas transformações ocorreram nas fábricas, tornando-as mais complexas

na competição e em qualidade. Essa mudança exige um novo tipo de trabalhador,

valoriza seu conhecimento técnico e polivalente, e que seja capaz de interagir

criativamente neste novo processo de trabalho.

O desenvolvimento e a transformação social, na perspectiva da globalização,

têm gerado segmentos de trabalhadores que não conseguem acompanhar as

mudanças do perfil de emprego e da sociedade. Sofrem, por isso, os efeitos da

rejeição do mercado de trabalho.

A partir desse quadro instável, das concepções diversificadas e da

precarização do trabalho, realidade esta em que estamos vivendo, somos capazes

de compreender o quadro social contemporâneo da problemática das pessoas que

vivem nas ruas. Segundo Castel (1994, p.12-15 apud ROSA, 2005, p. 33-34), “a

vulnerabilidade social se dá na conjunção da precariedade do trabalho e da

debilitação da estrutura familiar”.

Para responder às necessidades do desenvolvimento e fortalecimento do

capitalismo industrial surge a Globalização, movida por políticas neoliberais, que se

caracterizam pelos ajustes estruturais, por reformas do Estado e pela defesa do

“livre Comércio” das “economias de aglomeração” e das grandes empresas

(BARBIANI, 2003, p. 1).

Na economia globalizada utilizam-se, intensivamente, novas tecnologias

como a Biogenética, Transgênicos, Clonagem, Microeletrônica, Informática, entre

Page 20: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

19

outros. Há crescimento do setor de serviços; diminuição da classe operária industrial

tradicional; expansão do trabalho parcial, precário e temporário; terceirização;

aumento do trabalho infantil e feminino; aumento do trabalho a domicilio; diminuição

da faixa de pequenos proprietários, profissionais liberais e assalariados; crescimento

do desemprego, inclusive na terceira idade e entre jovens; esgotamento das

tentativas de trabalho informal, consequentemente o trabalho deixa de ser o

passaporte para o progresso e ascensão social; desregulamenta/flexibiliza os

direitos trabalhistas; intensifica o trabalho e seu controle (trabalhador trabalha mais e

ganha menos); precariza as relações de trabalho e ocorre o desemprego estrutural;

enfraquece o poder sindical; surgimento de “novos pobres”, da “classe que vive do

trabalho”; crescimento da degradação social. Portanto desaparece o operário

industrial (BARBIANI; FRITSCH, 2000).

Hoje, estamos centrados numa sociedade baseada no consumo, segundo

(BAUMAN, 1997, p. 56), onde existem jogadores, jogadores aspirantes e jogadores

incapacitados que não têm acesso à moeda legal, denominados de sobrantes,

inválidos pela conjuntura econômica e social dos últimos vinte anos, em decorrência

de novas exigências da competitividade, da decorrência e da redução de

oportunidades e de emprego, fatores que constituem a situação atual, onde não há

mais espaço e lugar para todos na sociedade. Para sobreviverem na sociedade de

consumo dependem do mercado. Mas este não precisa mais de sua força de

trabalho. Assim como não participam do processo de circulação de mercadorias,

simplesmente sobram.

Nesse contexto, insere-se a população em situação de/na rua que, segundo

Costa (2005, p. 3), se caracteriza como:

grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que tem em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal. São homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos que tem em sua trajetória a referencia de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço de rua como sobrevivência e moradia.

Essa realidade caracteriza-se pelo processo de exclusão social que existe no

Brasil. Essa exclusão tem características econômicas, faltas de pertencimento

Page 21: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

20

social, perspectivas, dificuldade de acesso à informação, perda da auto-estima,

fatores de produção de doenças físicas e mentais.

A perda de vínculos familiares decorrentes do desemprego, da violência, da

perda de algum ente querido, perda da auto-estima, alcoolismo, drogadição, doença

mental, entre outros fatores, são os motivos que levam as pessoas a morarem na

rua; são histórias de rupturas sucessivas. Ante a isso, pode-se afirmar que o mundo

social dos moradores de rua não é criado ou escolhido; eles são empurrados por

circunstâncias alheias ao seu controle.

Neste contexto de vida desta população, a rua ganha mais importância. É o

espaço de relações pessoais, de formas possíveis de trabalho, de obtenção de

recursos, de abrigo. Conforme OLIVEIRA, (2008, p. 3): “dormem,

circunstancialmente, sob marquises, viadutos, bancos de jardins, praças, casas

abandonadas”. Viver na rua é um modo de vida para os que têm nela o seu habitat e

que estabelecem com ela uma rede de relações.

Vieira (2004, p. 93) aborda três denominações que delimitam esta situação. A

primeira é o ficar na rua, que tem um caráter circunstancial, reflete um estado de

precariedade de recursos e de atendimento nas políticas sociais. A segunda é o

estar na rua, que consiste em uma condição ainda recente; adotam a rua para

pernoitar e ela não mais representa uma ameaça, mas quando conseguem algum

recurso, procuram pensões ou vagas em albergues. A terceira, ser da rua é algo

permanente, aumenta a dificuldade de conseguir algum trabalho e cresce o tempo

de permanência na rua, que acaba se tornando um espaço de moradia. A autora diz:

“o que unifica essas situações e permite designar os que vivenciam como população

de rua é o fato de que, tendo condições de vida extremamente precárias,

circunstancial ou permanente, utilizam a rua como abrigo ou moradia” (VIEIRA,

2004, p. 93).

Durante a experiência de estágio obrigatório percebeu-se que quanto mais

tempo a pessoa passa na rua mais se identifica com ela e tem dificuldades de sair

desse espaço. E, apesar dos problemas que enfrenta, sente-se bem porque é livre,

não tem regras ou normas a serem seguidas. O morador de rua passa a

desenvolver um modo de vida próprio, criando formas específicas de garantir a

sobrevivência, de conviver, de ver o espaço privado e o mundo. Pode-se

caracterizá-lo com debilidades físicas e mentais devido a sua má alimentação,

higiene e outros, como o uso constante de substâncias psicoativas, o álcool e a

Page 22: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

21

droga. Segundo a mesma autora, “o indivíduo vai sofrendo um processo de

depauperamento físico e mental em função da má alimentação, precárias condições

de higiene e pelo uso constante de álcool4 e drogas5” (VIEIRA, 2004, p.94).

2.2 Trajetória de Vida: Moradores de/na rua de São Leopoldo antes do CREPAR

O Município de São Leopoldo conta com uma população de 207.221

habitantes e tem uma taxa de urbanização de 99,7% contra 0,30% na área rural. A

densidade populacional é de 2.048,78 hab./km². Localiza-se na região da encosta

inferior do nordeste do Rio Grande do Sul; faz parte da Grande Porto Alegre,

distante a 31,4km da capital gaúcha. A cidade é cortada pelas rodovias BR 116, RS

240 e pela linha do metrô que, no momento, está em construção.

São Leopoldo, segundo estatísticas, é o município da Região Metropolitana

de Porto Alegre que recebe mais pessoas de outros municípios, à procura de

emprego ou oportunidade de estudo. Há intensa circulação de pessoas por ter a

estação terminal do metrô até o momento.

Por outro lado, São Leopoldo é o oitavo município da região do qual saem

mais pessoas para outros municípios para trabalhar ou estudar. Para Novo

Hamburgo vão em torno de 51% destas pessoas.

São Leopoldo tem grande número de moradores de rua, naturais da própria

região. Há também os de outros municípios que estão de passagem, permanecem

por uns dias depois seguem para outro lugar. A grande maioria desta população é 4 O alcoolismo é um conjunto de problemas relacionadas ao consumo excessivo e prolongadas do

álcool, é entendido como vício de ingestão excessiva e regular de bebidas alcoólicas, e todas as conseqüências decorrentes. O alcoolismo é um conjunto de diagnósticos. Dentro do alcoolismo existe a dependência, a abstinência, o abuso (uso excessivo, não continuado), intoxicação por álcool (embriaguez). Síndrome amnéstica (perdas restritas de memória), demencial, alucinatória, delirante. Afeta todas as funções do organismo (ALCOOLISMO, 2004).

5 A droga é qualquer substância natural ou sintética que introduzida no organismo modifica suas

funções. Drogas ou SPAs quando entram em contato com o organismo atuam no sistema nervoso central produzindo alteração de comportamento, humor e cognição (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1981 apud PAULÍNIA, [200-]). As drogas naturais são obtidas através de determinadas plantas, de animais e de alguns minerais. Exemplo a cafeína (café), a nicotina (presente no tabaco), o ópio (na papoula) e o THC tetrahidrocanabiol (da maconha). As drogas sintéticas são fabricadas em laboratório, exigindo para isso técnicas especiais. Drogas ou SPAs abrangem álcool, tabaco (cigarros), vários remédios, assim como, maconha, cocaína, ecstasy, crack, LSD, cola de sapateiro, etc. Os efeitos provocados por essas substâncias podem sofrer variações de acordo com a droga escolhida, a quantidade, a qualidade, a freqüência, a característica pessoal de quem usa, e as circunstâncias em que é consumida (PAULÍNIA, [200-]).

Page 23: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

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usuária de substâncias psicoativas, o crack e álcool. Entende-se como população de

rua o morador que não tem um teto, um local fixo para dormir e que está na rua

circunstancialmente, temporariamente ou permanentemente. São frutos da

globalização excludente. Conforme Bursztyn (2000, p. 36),

tem uma característica peculiar: a de não ser assimilada pelo mundo oficial, não lhe sendo franqueada a entrada no mundo dos incluídos. Tratando-se, em princípio, de uma exclusão de caráter permanente. Desta forma, seu modo restringe-se às ruas e seu trabalho só se dá nas ruas. Esta população tem, portanto uma vida própria, um espaço por que dizer próprio, e vive em um tempo individual/grupal diferente, ainda que marcado pelas exigências sociais do mundo do qual não faz mais parte.

O ritmo de quem vive na rua difere de quem possui casa. Devido à exclusão

social, está num processo destrutivo, que acaba por partir alguns laços de

identidade. A trajetória de vida aqui desempenha um papel fundamental para

reconstruir o que se quebrou. “A idéia, portanto, é unir estes fragmentos, pedaços de

um mosaico, retalhos de histórias de vida. Já que, entendemos que o sujeito não

recita simplesmente sua vida, ele reflete sobre ela à medida que a conta” (PREUSS,

1997, p. 17).

Para falar da história de vida usou-se a metodologia através de depoimentos,

narrativas de cinco moradores de rua que têm passagem pelo CREPAR. Permitiu-se

que a vontade do narrador fosse sempre respeitada. A pergunta base para abrir a

conversa ou para quem quisesse escrever foi: você poderia contar a trajetória da

vida antes, durante e após o CREPAR, desde que lembra.

No decorrer desse processo, formalizou-se a construção da trajetória de vida

num conjunto de categorias como: infância, família, substâncias psicoativas, a rua,

CREPAR, trabalho. Esses eixos foram surgindo da história de cada um e apontam

um entrelaçamento da história individual e coletiva. Segundo (ROSA, 2005, p. 77),

histórias de vida que se diferenciam ao mesmo tempo que se aproximam, às vezes se misturam. Há resistências e desistências nessas histórias contadas. Níveis significativos de perdas e drásticas rupturas ligadas à morte de parentes, abandono familiar problemas com alcoolismo e outras drogas provocam desespero e solidão. Experiências de luta, cuja busca de vida melhor para si e para a família são vividas com esperança e crença no futuro: dar novo sentido à vida, virar gente – perspectiva quase ameaçada.

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23

Doloroso processo de perdas: de emprego, de vínculos familiares e de amigos, de auto-estima, de autonomia, de equilíbrio psíquico, de esperança de exercer a cidadania. Vivem como se estivessem diante de um abismo entre o mundo de recordações e desejo de vida melhor e uma realidade social avessa à vida.

Percebe-se, na trajetória de vida dos usuários que relataram a sua história,

algo semelhante como coloca a autora Rosa, acima citada. São muitos os fatores

que contribuíram para que estas pessoas deixassem suas famílias e fossem para a

rua. Apareceu claro nos relatos a procura de substâncias psicoativas, desde a

infância e adolescência, que foram fragilizando as relações familiares, não

rompendo completamente devido à realidade que estavam vivendo no próprio

ambiente familiar.

Conforme o usuário A:6

[...] Eu comecei com doze anos a usar maconha, fui experimentar, eu não sabia né, depois quando a maconha não fazia mais efeito eu já comecei a usar o pó. Demorou pouco tempo e minha mãe percebeu, chegava em casa loco de fome né, chegava em casa, as vezes brigando, incomodando meus irmão. E daí se percebeu logo que estava usando. Consegui a maconha na rua, a maioria da gurizada tudo usava. As vez pagava, mas no começo não paguei, depois já tava mais fissurado, já era meio dependente e já precisava da maconha, meu organismo já pedia a maconha e já usava freqüentemente. O crack comecei a usa depois do pó. Faz tempo que usava crack. Estava com a família e eu não demonstrava muito que eu estava usando crack, ninguém ainda sabia. A minha família achava que eu tava na maconha. (sic)

O usuário B fala que:

[...] Aos 15 anos eu tive uma descoberta a qual eu nunca queria ter descoberto, mas infelizmente aconteceu. Conheci uma droga. Algumas pessoas diziam que era bom, que ela nos deixava feliz e nos fazia curtir mais a vida. O nome desta droga é maconha, uma grande ilusão, uma grande perda de tempo. Na minha vida eu parecia ser a pessoa mais feliz eram muitas festas e muita curtição pensava que eu iria ser uma pessoa respeitada por todo mundo que fumando maconha eu iria ser o cara, ouvia eu só queria saber de me drogar e beber bebidas de álcool. Meus familiares, amigos de verdade e outras pessoas já estavam deixando de acreditar em mim. (sic)

6 Usuário A: 22 anos, 5ª série do Ensino fundamental, da cidade de São Leopoldo.

Usuário B: 20 anos, São Leopoldo.

Usuário C: 24 anos, São Leopoldo.

Usuário D: 44 anos, 4ª série do Ensino Fundamental da cidade de Palmeira das Missões.

Usuária E: 25 anos, 5ª série do Ensino Fundamental da cidade de São Leopoldo.

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24

O Usuário C assim se expressa:

[...] Com 08 anos eu levei uma surra7 de um colega e ele começou a me bater todos os

dias e eu nem sabia o por que. Sempre fui muito fechado por ser excluído pelos colegas, mas nunca desisti de tentar fazer o que eles faziam. Com essa idade perdi meu avô de uma maneira trágica e fiquei muito doente. Então a minha vida nunca mais foi mesma. Me tornei muito rebelde e comecei a fazer com os outros o que os outros faziam comigo. Com 11 anos conheci pessoas muito parecidas comigo, rebeldes usavam maconha foi onde comecei a fumar. Comecei a ir mau na escola e então repeti de ano 4 vezes. Aos 12 anos conheci o mundo das drogas. Saíamos para fumar maconha toda a noite e Chegou em um ponto que eu conheci a cocaína. Aquela sensação de medo e ao mesmo tempo coragem de começar a me estimular a ser bandido. (sic)

A usuária E coloca que:

[...] Morava num orfanato e aos 13 anos eu saí de lá para morar com meu pai, tive minha primeira experiência ruim, quando fui estuprada, isso aconteceu porque comecei a sair nas baladas com amigas e elas de ficar com vários rapazes, mas acabaram me fazendo o que não é uma coisa que eu queria para a minha vida, depois disso comecei a usar drogas, primeiro eu usei a maconha, depois loló, então comecei a sair de casa, e meu pai ficava louco me procurando e muitas vezes ele me encontrava drogada. Mais ou menos depois de dois anos eu sai para me prostituir, para manter o vício das drogas, eu passei a usar o crack e o pó e daí nunca mais parei em casa, passei a morar na rua. (sic)

Na trajetória de vida destes usuários, percebeu-se que os primeiros contatos

com a droga ocorreram na infância ou adolescência, quando buscaram mais

intensamente o conceito de si mesmo e a sua identidade. Nessa busca, é possível ir

ao encontro da droga, que acena como uma solução mágica para a vida continuar

sem problemas. Muitas vezes, esta pode tornar-se o centro do seu viver.

Se a criança cresce em um ambiente familiar sem amor, sem limites, sem

atenção, ela pode tornar-se uma pessoa sem estrutura emocional para enfrentar os

mais diversos problemas de sua vida. Quando a criança se torna adulta, essa

mesma estrutura emocional, frágil às mudanças da adolescência, é fator de risco

para que vá em busca de um escape. E, no momento em que vai relacionar-se com

a droga, no próprio ambiente familiar ou social, a progressão para desajustes

7 Bullying é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica,

intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (bully ou "valentão") ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outro indivíduo (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender (BULLYING, 2010). Bullying é uma situação que se caracteriza por atos agressivos verbais ou físicos de maneira repetitiva por parte de um ou mais alunos contra um ou mais colegas. O termo inglês refere-se ao verbo "ameaçar, intimidar” (COSTA, 2009).

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25

sociais, que dentre outros pode ser a dependência de substâncias psicoativas, será

apenas questão de tempo.

Segundo Zagury, (2000, p.91),

a educação dos filhos dentro dos princípios de solidariedade, cooperação, responsabilidade, vida saudável, gradual e encaminhamento para a capacitação e autonomia pessoal é a base para a integração social. E, é fundamental salientar, isso se faz basicamente pelo exemplo. Pais equilibrados, carinhosos, atentos e seguros, produtivos e estruturados emocionalmente são essenciais ao equilíbrio dos filhos.

O estilo de vida em que o adulto funciona, vive, trabalha é adquirido na

infância. É nos primeiros anos que o indivíduo se forma. Percebe-se como é

importante a presença da família neste processo. É necessário que a família

favoreça ao jovem um desenvolvimento sadio, com autonomia, independência e

condições para tomar decisões próprias. A flexibilidade é um fator importante; é não

ser autoritário e nem radical, mas os pais devem participar da vida dos filhos com

atitudes positivas como ver as qualidades, ouvi-los, conversar sobre drogas com

seriedade e leveza, ouvir o que eles têm a dizer, considerar a realidade da pessoa e

também manter um diálogo constante.

A família tem o papel importante de espaço de proteção, de solidariedade, de

sobrevivência, sendo no seu seio oferecido o apoio, o suporte tanto afetivo como

material, indispensáveis no desenvolvimento e bem estar dos seus integrantes,

como afirma Kaloustian (1988, p. 11-12):

O espaço indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo ou da forma como vêm se estruturando. É a família que propicia os aportes e, sobretudo, materiais necessários ao desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela desempenha um papel decisivo na educação formal ou informal; é em, seu espaço que são absorvidos os valores éticos e morais, e onde se aprofundam os laços de solidariedade.

A família é a primeira fonte de socialização do indivíduo e é através dela que

os jovens internalizam os princípios, valores e normas sociais. Diante disso, vale

salientar a importância da família, a aproximação, o apoio da mesma. Pais próximos

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de seus filhos conseguem perceber rapidamente as alterações de comportamento.

Conforme Silva (2000, p.49), “o lar é onde a família vive e fica. É no lar que a criança

se modela no comportamento dos pais, como se eles fossem um espelho. É neste

espelho que a criança modela o seu comportamento, fazendo a mímica do ser”.

As práticas educativas e os estilos de criação utilizados pelas famílias podem

comunicar normas que desviam os filhos, estimulando-os, desta forma, a irem

buscar as drogas como fonte de prazer. Sabe-se que, no universo familiar, são

vislumbrados diversos fatores que desencadeiam o uso de substâncias psicoativas,

dentre eles a desestruturação/ ou desequilíbrio do núcleo familiar e os pais como

modelos no que diz respeito ao uso de drogas e álcool como percebemos nos

relatos dos usuários já citados.

Neste ambiente de rua, o uso de substâncias psicoativas, começando com a

maconha, pó ou cocaína, crack ou álcool, estes indivíduos foram construindo a sua

trajetória de vida,procurando sobreviver e para conseguir o sustento e a droga.

O usuário C assim falou da sua trajetória:

[...] Eu com 14, 15 anos, fiz o meu primeiro assalto estimulado pela droga. Depois que eu fiz o assalto e vi que era muito fácil. Repeti o crime várias vezes e fui tendo na minha mente que eu podia faze o que eu quisesse, tinha a sensação de que eu era indestrutível. Saía pra festas, brigava sempre e numa briga acabei deixando um menino inconsciente. A partir daí foi de mal a pior e com uns 17 anos eu conheci o crack, no início não era muito diferente da cocaína eu me sentia potente, fiquei muito mais agressivo. Nos últimos três anos eu virei o chamado “chinelo”, já não tinha mais coragem de faze assaltos, então para poder adquirir o crack, eu comecei a rouba pequenas coisas dentro da minha casa e foi ficando muito freqüente. (sic)

O usuário B relata:

[...] Eu já tava destruído não tinha mais ninguém do meu lado a não ser a minha própria sombra, meus familiares já não queriam mais nem sabe de mim pois eles já sabiam que eu tava perdido no mundo das droga. Eu comecei a querer rouba para sustenta meu vício, eu pensei que com o roubo eu iria me da bem, que roubando eu sempre estaria com dinheiro e nunca me faltaria nada. Novamente me enganei. No começo não deu nada, com o roubo consegui dinheiro suficiente para me droga, mais em questão de tempo já não tinha mais nada. Fui rouba novamente depois de muitas outras vezes, me azarei os cara me espancaram, me bateram até não quere mais. (sic)

Através dos relatos dos usuários A e B, percebemos que o crack tem um

poder muito grande de vício, dá um prazer ilusório e de querer sempre mais. Deixam

aos poucos o convívio familiar. A vida social não passa mais a existir. Isolam-se ou

se juntam aos companheiros, usuários da mesma droga.

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[...] fiquei pela rua eu e o Cristiano, daí aí eu vi que tava me destruindo demais, e vi que não tava agüentando. (sic) usuário B

[...] a maioria da gurizada tudo usava. (sic) usuário A

O usuário D assim fala da sua trajetória de vida:

[...] Antes bebia porque não era pai, depois bebia porque ia ser pai, bebia porque estava triste ou porque estava feliz, tudo era motivo de beber, veio a separação, e o divórcio, perdi a guarda da minha filha e depois da separação percebi quanto gostava da pessoa que estava do meu lado. E o sonho de ser pai tinha ido por água abaixo. Caí no desespero ou seja de bico numa garrafa. Perdi o controle da minha vida, tendo muitas dívidas a pagar me desfiz de tudo que eu tinha, o que meus pais podiam já tinham feito por mim. Bebia para dormir e acordava para beber. Eu morava em baixo de pontes, viadutos, dormia nas rodoviárias, bancos de praças, na calçada desprotegido da chuva, no inverno me alimentava muitas vezes de sobras de comidas do lixo, passava fome, virei um mendigo de rua, tinha ódio de mim mesmo, tinha raiva das pessoas que me colocaram ao mundo eu estava no fundo de um poço que não tinha saída, o desânimo tomou conta de minha vida, só pensava em morrer, e que Deus não existia para mim. (sic)

Pelos relatos dos usuários entrevistados, a dependência alcoólica tem um

marco importante na vida da população de rua e, nos últimos anos, o crack ameaça

a todos.

Os Moradores de rua, segundo Rosa (2005, p. 163),

vivem na insegurança e no medo de serem roubado ou até morto. Vivem no limite da possibilidade de uso da bebida ou da droga ilícita pela falta de perspectiva e de saídas; como, também ficam à mercê de traficantes, que fazem deles usuários ou passadores e para acertos de contas entre eles próprios.

Este fato, pode ser mais um elemento que “estigmatiza a população de rua

como perigosa” (ROSA, 2005), quando, na verdade, ela está exposta, desprotegida

diante da aproximação de uma droga (crack) que destrói a pessoa e “à mercê da

criminalidade, sem muito poder de reação” (Rosa, 2005). O crack está

comprometendo a saúde física e mental em curto prazo. Eles estão à mercê da rede

do tráfico.

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Rosa afirma (2005, p. 192):

a dependência do crack se verifica num tempo muito mais curto que a do álcool. A associação rua/droga/criminalidade tem alto poder desagregador e reforça a imagem social que relaciona automaticamente pobreza e marginalidade.

O alcoolismo e as drogas, segundo relatos dos usuários, interferem na

unidade familiar nos conflitos que provocam, sejam estes violentos ou não. Na

verdade, é um contexto que colabora para que se desencadeie toda essa situação.

O álcool é uma droga lícita, e se no ambiente familiar houver um controle de bebida

e não um facilitador dela, a mesma chance de um adulto vir a ser alcoólatra diminui,

pois num momento de stress que este indivíduo esteja passando buscará uma

alternativa que não seja o álcool.

Sabe-se que é muito difícil um dependente se livrar do vício, seja do álcool ou

de substâncias psicoativas, pois passará por experiências complexas e dolorosas.

O CREPAR é um centro de referência para os moradores de rua de São

Leopoldo e para os trecheiros8. Atende à noite como Albergue Bom Pastor para

quem está na rua e quer um abrigo. É oferecida alimentação, realização da higiene

pessoal, espaço para lavagem de roupa, pernoites, café da manhã, atendimento do

Serviço Social e encaminhamentos necessários. Durante o dia e nos finais de

semana, o CREPAR oferece a Casa de Convivência para os que fizeram o

processo9.

Para o bom andamento do Albergue, foram elaboradas regras para os

usuários. Passam pelo atendimento social, realizado pela assistente social e/ou

estagiária, que avalia e faz os devidos encaminhamentos. Muitos moradores de rua

perdem seus documentos e no CREPAR eles encontram alguém que os orienta

como devem proceder para fazer a documentação, como: Carteira de Identidade,

Certidão de Nascimento, CPF, Cartão do SUS, Cartão de Cidadão. Os usuários

mesmo dizem “sem documento a gente não é ninguém”.

8 Trecheiros é expressão usada para quem anda nas estradas de uma cidade para outra; viajante;

que faz o trecho. Trecho espaço percorrido de um lugar para outro (ROSA, 2005). 9 Este processo é para os usuários de substâncias psicoativas e consiste em: atendimento social pela

Assistente Social e/ou estagiária, e ter cumprido as regras combinadas no atendimento social, que são os pernoites, não ter feito confusão e ter a vontade de sair da realidade em que se encontra.

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Os usuários A, B, C, D e E relatam como descobriram o CREPAR:

O usuário A:

- [...] foi um morador de rua. Eu estava no centro já fazia bastante dias e um rapaz me indicou que tava para pousar, tinha comida e eu já cansado da rua e por curiosidade aceitei, pois não tou me agüentando, todo sujo, e aceitei o convite dele e fomos lá então no CREPAR. (sic)

O usuário B:

- [...] foi o pessoal da AMMEP10

. Como havia roubado lá, eles mesmo me ajudaram e me apoiaram e me levaram para o CREPAR, fui ficando e me acostumando no CREPAR e fiquei. (sic)

O usuário C:

- [...] foi através do CRAS Leste11

. (sic)

O usuário D:

- [...] eu estava no fundo de um poço que não tinha saída, o desânimo tomou conta de minha vida, só pensava em morrer, e que Deus não existia para mim. Eu estava sentado na calçada tomando cachaça com um companheiro da ativa pensando onde iríamos conseguir comida e umas moedas para sustentar o meu vício. De repente uma pessoa me desejou boa tarde e como eu estava bêbado nem dei atenção mesmo assim continuou conversando comigo, se eu queria sair da rua aquele dia, pois ela me acompanharia até o albergue de São Leopoldo. Para mim tomar um banho e pousar lá no CREPAR, então aceitei mais para agrada-l. (sic)

A usuária E:

-[...] com os anos de rua eu conheci o CREPAR. [...] Nesse tempo eu ainda não ficava na casa de convivência, eu só ia para pousar no albergue, eu usava muita droga e todo dia bebiam era sempre a mesma rotina todos os dias. (sic)

Estes usuários aceitaram o convite de ir ao CREPAR, porque não suportaram

mais a sua realidade em que estavam vivendo. Pelos relatos, pode-se perceber que

foram diferentes as situações em que se encontravam. Ainda no final do

desenvolvimento do processo de reconstituição pessoal há uma luz, uma esperança,

uma nova perspectiva de vida, uma mudança. E esta deve partir da força de vontade

de cada indivíduo.

10

AMMEP – Associação dos Meninos e Meninas do Progresso – São Leopoldo. 11

CRAS – Centro de Referência da Assistência Social da região Leste de São Leopoldo.

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30

3 POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E POPULAÇÃO ADULTA DE/NA RUA

No presente capítulo visa-se apresentar a Política Nacional de

Assistência12Social com seus princípios, diretrizes, objetivos e população usuária,

tendo presente a questão da proteção básica especial de média e alta

complexidade, bem como a Norma Operacional Básica (NOB) e o Sistema Único de

Assistência Social (SUAS). Dá-se ênfase a Política de Assistência Social, que

garante a proteção da população adulta de/na rua. Analisa-se, também, o CREPAR

como um espaço de proteção social especial de alta complexidade, devido ao

público que atende.

Com a Constituição de 1988, deu-se início à construção de uma nova

concepção da Assistência Social brasileira no campo Seguridade Social. A partir de

então, foi regulamentada a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), dando

visibilidade como política pública13e direito de todos que dela necessitarem, bem

como dever do Estado, com caráter universal. No artigo 1º da LOAS, define-se:

a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades.

A Seguridade Social14 aponta para a política de proteção social15 e articula-se

com outras políticas na área social que estão voltadas para a garantia de direitos e

de condições dignas de vida.

12

A Política nacional de Assistência Social se configura necessariamente na perspectiva sócio-territorial, tendo mais de 5.500 municípios brasileiros como suas referências privilegiadas de análise, pois trata-se de uma política pública, cujas intervenções se dão essencialmente nas capilaridades dos territórios (BRASIL, 2004).

13 Política Pública significa ação coletiva que tem por função concretizar direitos sociais demandados pela sociedade e previstos nas leis.

14 A Seguridade Social conforme a Constituição de 1988 se refere à proteção social ao cidadão em face de risco, da desvantagem, da dificuldade, da vulnerabilidade, da limitação temporária ou permanente e de determinados acontecimentos previsíveis ou fortuitos das várias fases da vida. (SILVA, 2004)

15 A Proteção Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional (BRASIL, 2005).

Page 32: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

31

Esta mudança da Assistência Social permitiu a passagem do assistencialismo

da não política para o campo da política pública. Segundo (SPOSATI, 1995 p. 73),

“cabe a Assistência Social ações de prevenção e provimento de um conjunto de

garantias ou seguranças que cubram, reduzam ou previnam exclusões, riscos e

vulnerabilidades sociais”, bem como atender às necessidades urgentes decorrentes

de problemas sociais de seus usuários.

Portanto, pode-se definir a Política de Assistência Social como a Política de

Seguridade Social que visa, de forma gratuita, contribuir para a melhoria das

condições de vida e de cidadania da população em vulnerabilidade. A abrangência

das necessidades apresentadas pelos brasileiros quanto à política pública de

Assistência Social, efetiva-se de forma integrada com as políticas setoriais. São

consideradas as desigualdades sociais e econômicas que visam seu enfrentamento,

a garantia do provimento de condições para atender as demandas sociais e à

universalização dos direitos sociais. De acordo com Gregori (2000, p. 121), “as

famílias necessitam de atenção para processar proteção. Carecem de estratégias e

de programas que fortaleçam vínculos relacionais e produzam redes de inclusão e

proteção”. Sob esta perspectiva, a Política Nacional de Assistência Social (PNAS)

tem por objetivos:

* Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e, ou, especial para famílias, indivíduos e grupos que deles necessitam. * Contribuir com a inclusão e a eqüidade dos usuários e grupos específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais, em áreas urbana e rural. * Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família e que garantam a convivência familiar e comunitária.

Sabe-se que quando a Assistência Social deixa de proteger as famílias e seus

indivíduos, deixará de garantir a convivência familiar e comunitária, abrindo grande

chance de ida de seus membros para a rua, como já se mencionou no capítulo

anterior. Devido esta realidade, a ação da política social está especialmente

relacionada ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, afim de que

estes não sejam rompidos.

Page 33: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

32

Para que haja universalização dos direitos sociais, acesso a serviços,

programas e projetos, a garantia dos direitos sociais mínimos, a Política Nacional de

Assistência Social, em consonância com a LOAS, no capítulo II, artigo 4º16, garante:

I – Supremacia do atendimento às necessidades sócias sobre as exigências de rentabilidade econômica; II – Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III – Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidades; IV – Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Os Princípios da PNAS asseguram a universalização e a igualdade dos

direitos de cada cidadão e a integração com as demais políticas sociais. Sob esta

perspectiva, a Assistência Social garante, a todos que necessitam, a provisão da

proteção social. Mas, para construir a política pública de assistência social é

necessário levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as

circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, ou seja, a família.

Mediante isto, a Política de Assistência Social enfatiza que “a proteção social exige a

capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é

nele que riscos, vulnerabilidades se constituem” (BRASIL, 2004, p.11). Assim,

ocupam-se das vitimações, fragilidades, vulnerabilidades, desigualdades,

contingências e riscos que parcela da população brasileira e suas famílias enfrentam

em sua trajetória de vida.

A Política de Assistência Social, segundo a PNAS (BRASIL, 2004, p. 27), é

constituída pelo público usuário, cidadãos e grupos que se encontram em situações

de risco como: famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos afetivos,

pertencimento e sociabilidade, ciclos de vida, identidades estigmatizadas, ou seja,

discriminação étnico, cultural e sexual, desvantagem pessoal resultante de

deficiências, exclusão pela pobreza, ou no acesso às demais políticas públicas, uso

de substancias psicoativas, diferentes formas de violências advindas do núcleo

16

Segundo a Política Nacional de Assistência Social (2004)

Page 34: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

33

familiar, grupos e indivíduos, inserção precária ou não inserção no mercado de

trabalho formal ou informal, estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência

que podem representar risco pessoal e social.

Para atender a essas realidades, as funções da Assistência Social são: a

proteção social17 enquanto básica e especial (média e alta complexidade)18. A

proteção social básica volta-se à população que vive em situação de vulnerabilidade

social devido à pobreza, privação (a ausência de renda, precário ou nulo acesso aos

serviços públicos), a fragilização de vínculos afetivos e sociais que passam por

situações de discriminação étnica, etária, deficiência, de gênero, dentre outros.

Para o enfrentamento de tais questões sociais, a Lei prevê o desenvolvimento

de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivência e socialização

de famílias e indivíduos. Quanto à situação de vulnerabilidade apresentada, na

PNAS deverá articular-se com as demais políticas públicas locais e com os serviços

de proteção social.

A proteção social especial prioriza a reestruturação dos serviços de

abrigamento dos indivíduos que por vários fatores; não contam mais com a proteção

e o cuidado de suas famílias. Temos como exemplo crianças, adolescentes,

pessoas com deficiência, jovens, idosos e indivíduos em situação de rua, que

tiveram seus direitos violados ou ameaçados e cuja convivência com a família de

origem seja considerada prejudicial à sua proteção e ao seu desenvolvimento.

Na proteção social especial à população em situação de/na rua, são

priorizados os serviços que oportunizam a organização de um novo projeto de vida,

para adquirirem condições e referências na sociedade, enquanto sujeitos e direitos.

Essa modalidade de proteção se divide em Proteção Especial de Média e Alta

Complexidade.

17

A proteção Social consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais do ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional (BRASIL, 2005).

18 A proteção Social básica tem por objetivos: prevenir situações de risco através do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2004) A proteção social especial tem por objetivos prover atenções socioassistenciais a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras (BRASIL, 2005).

Page 35: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

34

A Média complexidade oferece serviços19 de atendimentos às famílias e

indivíduos que têm seus direitos violados e que ainda não romperam os vínculos

familiares e comunitários. Estes serviços requerem maior estruturação técnico-

operacional, atuação especializada e individual, acompanhamento sistemático e

monitorado que envolve o Centro de Referência Especializado da Assistência Social

(CREAS), visando a orientação e o convívio sócio-familiar e comunitário. Difere-se

da proteção básica por se tratar de um atendimento dirigido às situações de violação

de direitos.

Os serviços20 de proteção social especial de alta complexidade são aqueles

que garantem a proteção integral do indivíduo como: alimentação, moradia,

higienização e trabalho, proteção para famílias e indivíduos que se encontram sem

referência ou em situação de ameaça e necessitem ser retirados de seu ambiente

familiar e/ou comunitário.

3.1 Política Nacional de Assistência Social como Sistema Único de Assistência

Social (SUAS)

A IV conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro de

2003, aprovou uma nova agenda para reordenar a gestão das ações

descentralizadas e participativas de Assistência Social no Brasil, deliberando pela

implantação do SUAS, como modelo de gestão para todo o território nacional, que

integra as esferas Federal, Estadual e Municipal e tem como objetivo consolidar “um

sistema descentralizado e participativo, instituído pela LOAS, Lei nº 8.742 de

dezembro de 1993” (BRASIL, 2005, p. 11)

A presente Norma Operacional Básica faz uma retomada das normas

anteriores de 1997 - 1998 e constitui um novo instrumento de “regulação dos

conteúdos e definições da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) que

parametram o funcionamento do SUAS” (BRASIL, 2005, p. 14).

19

Tais como: serviço de orientação e apoio sócio-familiar; Plantão Social; Abordagem de rua; Cuidado no Domicílio; Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência; Medidas sócio-educativas em meio-aberto (PSC - Prestação de Serviços à Comunidade e LA- Liberdade Assistida (BRASIL, 2004).

20 Tais como: Atendimento Integral Institucional; Casa Lar; República; Casa de Passagem; Albergue; Família Substituta; Família Acolhedora; medidas sócio-educativas restritivas e privativas de liberdade (semi-liberdade. Internação provisória e sentenciada); Trabalho Protegido. (BRASIL, 2004)

Page 36: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

35

A NOB/SUAS disciplina a gestão Pública da Política de Assistência Social no

território brasileiro, exercida nos níveis Federal, Estadual e Municipal em

consonância com a Constituição Federal de 1988, a LOAS e as legislações

complementares que a elas são aplicadas. Seu conteúdo estabelece (BRASIL, 2005,

p. 15):

a. caráter do suas; b. funções da política pública de assistência social para extensão da proteção social brasileira; c. níveis de gestão do suas; d. instâncias de articulação, pactuação e deliberação que compõem o processo democrático de gestão do suas; e. financiamento; f. regras de transição.

O pacto federativo, que sustenta o conteúdo do SUAS e de sua regulação por

meio da NOB/SUAS, contém diversas dimensões que devem receber tratamento

objetivo no processo de gestão, entre os quais se destacam (BRASIL, 2005, p. 15):

o conhecimento da realidade municipal, do Distrito Federal, estadual e nacional, quanto à presença e a prevenção de riscos de vulnerabilidades sociais da população; a distancia entre a demanda de proteção social em face da rede socioassistencial existente e entre esta e aquela que se busca alcançar com a implementação do SUAS; a construção gradual de metas nos planos municipais, do Distrito Federal, estaduais e federal; o trato igualitário e equitativo dos municípios, dos estados e regiões nacionais e das micro-regiões dos estados; a defesa dos direitos socioassistenciais; o padrão de financiamento e o controle social.

O Sistema Único de Assistência Social define e organiza os elementos

essenciais e necessários para executar a política de assistência social nos serviços,

na qualidade do atendimento, nos indicadores de avaliação e resultado da rede

socioassistencial e eixos estruturais, como segue:

Matricialidade Sociofamiliar.

Descentralização político-administrativa e Territorialização.

Novas bases para a relação entre Estado e Sociedade Civil.

Financiamento.

Controle Social.

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36

O desafio da participação popular/cidadão usuário.

A Política de Recursos Humanos

A Informação, o Monitoramento e a avaliação.

Os serviços socioassistenciais do SUAS são organizados segundo as

seguintes referências: vigilância social, proteção social e defesa social institucional21.

Os direitos socioassistenciais que são assegurados a seus usuários na operação do

SUAS são:

o Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de

procedimentos vexatórios e coercitivos.

o Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera

e de acordo com a necessidade.

o Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo

àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas.

o Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus interesses.

o Direito do usuário à oferta e qualificação de serviço.

o Direito de convivência familiar e comunitária22.

21

Vigilância Social: produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida como: crianças, adolescentes, jovens, pessoas com redução da capacidade pessoal com deficiência, em abandono, adultos, idosos, vítimas de diferentes formas de exploração, de violência, de ameaças; de preconceitos; vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e integridade; vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial albergues, abrigos, residências, semi-residências, moradias provisórias. Proteção Social: os serviços de proteção básica e especial devem garantir a segurança de sobrevivência (por meio de benefícios continuados e eventuais que assegurem proteção social básica e especial), Segurança e convívio (pelo cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de experiências sócio-educativas, lúdicas, sócio-culturais, desenvolvidas em rede de núcleos sócio-educativos e de convivência), Segurança de Acolhida (através de ações, cuidados serviços e projetos operados em rede, destinada à proteger e recuperar às situações de abandono e isolamento). Defesa Social e Institucional: os serviços de proteção básica e especial devem ser organizados de forma a garantir aos seus usuários o acesso ao conhecimento dos direitos sócio-assistenciais e sua defesa. (BRASIL, 2004)

22 São direitos assegurados pela Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004) e que deverão ser concretizados pelos mais variados profissionais, mas, especialmente os Assistentes Sociais.

Page 38: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

37

3.2 CREPAR e o Serviço Social

CREPAR23 é o Centro de Referência de População Adulta de/na Rua. Faz

parte da Prefeitura Municipal de São Leopoldo, através da Secretaria de Assistência

Social Cidadania e Inclusão (SACIS) e do Departamento de Proteção e Cidadania

(DPC). O CREPAR é um programa do Centro de Referência Especializada da

Assistência Social (CREAS), é considerado um programa da categoria de proteção

especial de alta complexidade, uma vez que a população adulta de/na rua atendida

é vulnerável quanto aos vínculos familiares e comunitários ou não possui vínculos

sócio-familiares e se encontra em situação de risco pessoal e social.

O CREPAR tem como objetivo prestar atendimento integral às pessoas

adultas em situação de/na rua, famílias em vulnerabilidade social e pessoas

migrantes; oferecer um espaço de referência para acolhimento e convivência da

população alvo, contribuindo para que esta população se descubra como cidadão de

direitos, resgatando sua autoestima e respeito; proporcionar um espaço de

restabelecimento para os usuários de substâncias psicoativas.

O Serviço Social no CREPAR trabalha conforme a Política de Assistência

Social e conforme a LOAS artigo 1º:

a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que prove os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

A Lei de Regulamentação da Profissão nº 8.662/93 no artigo 4º, inciso III e V,

orienta que compete ao Assistente Social:

III – Encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; V – Orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos.

23

Situa-se na Rua Jorge Naamann, nº 18, Bairro Centro – São Leopoldo.

Page 39: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

38

O profissional que atua no campo das políticas sociais tem o compromisso de

assumir a defesa e garantir os direitos sociais da população, visando o

fortalecimento da democracia e uma melhor qualidade de vida para a população.

Deste modo, a intervenção não ocorre somente na Política de Assistência

Social, mas se comunica com outras políticas, a fim de que o usuário realmente

possa acessar os seus direitos. Compreende-se que o profissional tem o importante

papel no encorajamento, na socialização e no acesso aos saberes e informações

referentes a esses direitos “a fim de que o usuário tenha clareza do que ele vai viver,

do que é proposto a ele” (VASCONCELOS, 1994, p. 9).

Busca-se a construção de alternativas para que o indivíduo que está

habitando nas ruas de São Leopoldo perceba que é possível uma forma de viver

com mais dignidade, respeito e qualidade.

A prioridade do CREPAR no seu atendimento é o acolhimento, a escuta

sensível que proporcionará a construção do vínculo com o usuário. Percebe-se nos

depoimentos dos usuários A, B, D, E:

[...] me atenderam bem, a assistente social me autorizou a ficar na casa, né, algum tempo. Me ensinaram mostrando o que é a vida sem usar crack. (sic) Usuário A

[...] ali eu vi que a gente podia sair que os educadores, jogavam bola, ia na informática e as pessoas também bem legal, o CREPAR foi muito legal. (sic) Usuário B

[...] comecei a conhecer as pessoas que trabalhavam nesta casa me ajudando de todas as maneiras. Então comecei a aceitar a ajuda que eles me ofereciam, eu sei o carinho especial que tenho por cada uma das pessoas. Neste lugar salvei a minha vida. (sic) Usuário D

[...] foi ali que as pessoas me trataram como uma pessoa que tinha jeito. (sic) usuária E

No momento em que o vínculo estiver estabelecido com o usuário, o

profissional construirá o seu plano com o mesmo, tendo presente a trajetória de vida

do indivíduo. Neste processo, o Assistente Social utilizará os diferentes instrumentos

de intervenção como: a entrevista individual, acolhimento de grupo, visita

domiciliares, grupo sócio-educativo, relatório social, oportunizando a eles a

reconstrução do seu projeto de vida.

O Serviço Social deste programa tem clareza que a Política de Assistência

Social não dará conta da questão da população de/na rua. É necessário articular

Page 40: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

39

outros serviços especializados24 existentes no Município, para dar conta da

complexidade que é a situação de/na rua.

3.2.1 Importância do Serviço do CREPAR no Processo de Mudança de Vida do

Usuário

A população adulta de/na rua de São Leopoldo encontra no CREPAR um

porto seguro, um lugar de acolhida, de apoio, o que não encontra muitas vezes na

família. Essas pessoas necessitam de um espaço e de quem acredite neles, que lhe

ofereça oportunidades de melhorar a situação em que se encontram. Caso contrário,

são excluídas do pleno exercício da cidadania, de seus direitos, de uma melhor

qualidade de vida.

O Centro citado oferece para a população usuária três serviços:

* Casa de Convivência25: caracteriza-se por um espaço de fortalecimento e

resgate da identidade do sujeito em situação de/na rua, associado à reeducação das

rotinas do cotidiano através da orientação, apoio e acompanhamento técnico.

Ingressam neste serviço aqueles usuários que se encontram mais motivados a

romper com o vínculo da rua.

O serviço abre nos finais de semana e feriados. Nesses dias, os usuários

permanecem no espaço, sempre acompanhados por educadores sociais. Faz parte

das rotinas o desenvolvimento de atividades que os estimulem a planejar seu futuro

fora do espaço das ruas, como: atividades relacionadas à organização do

ambiente, à rotina, à limpeza corporal e local. Estas são relacionadas à

organização de suas vidas.

É também um espaço que visa à reconstrução do estilo de vida, reinserção

social, um meio onde possam planejar suas vidas, exercer sua autonomia através de

trabalhos coletivos e oficinas.

24

CAPS AD – Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas, Comunidades Terapêuticas (Fazendas), Clínicas de Desintoxicação.

25 O serviço mencionado não tem grande rotatividade de usuários uma vez que os mesmos não ficam nesse espaço o tempo necessário para que se organizem em busca do trabalho e um local de moradia.

Page 41: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

40

Neste sentido, a unidade apresentada pode ser definida como aponta Vieira,

Bezerra e Rosa apud Taveira e Almeida (2002, p. 45):

[...] espaço onde as pessoas que se encontram na rua podem sentir-se acolhidas, conviver, organizar-se, buscar soluções para seus problemas básicos, visando à recuperação dos direitos, respeito e dignidade. A inovação que a Casa de Convivência traz diz respeito não só às atividades de convivência, mas também às práticas alternativas, que visam à organização da população.

Compreende-se o que expõe Taveira e Almeida (2002, p. 45): “espaço para

higiene pessoal e pequenos consertos, além do oferecimento de alimentação e de

serviços pessoais, como corte de cabelo, unhas e barba”.

Percebeu-se durante o estágio obrigatório a importância da presença dos

educadores na vida dos usuários que passam e dos que permanecem na casa de

convivência, participam das oficinas, Segundo o relato da educadora A.X. a partir da

sua experiência assim se refere:

[...] além de realizar a oficina de artesanato, procuro tratar os usuários com igualdade e respeito. Tento fazer com que eles reflitam sobre sua situação e melhorem sua qualidade de vida. (sic)

No espaço das oficinas, a casa de convivência oportuniza o usuário fazer ou

reviver a experiência de família, cada um com sua trajetória de vida. Esta

experiência e partilha auxiliam a buscar reconstruir os laços familiares. Observamos

os depoimentos que seguem.

- [...] Me ajudou muito mesmo, eu mesmo vi uma diferença em mim mesmo. (sic) Usuário A

- [...] na casa fiz muitas amizades verdadeiras, aprendi a ter um pouquinho de humildade e amor ao próximo. (sic) Usuário C

- [...] na casa de convivência, o CREPAR, aprendi a ter um pouquinho de humildade acreditando em mim mesmo. Consegui realizar o meu sonho, estudar graças as pessoas maravilhosas do CREPAR. (sic) Usuário D

- [...] Os educadores e as pessoas do CREPAR só queriam ver mudanças em nós. Aprendi a conviver em grupos que é diferente do que nós ficamos na rua. (sic) Usuária E

Page 42: Trajetória de Vida de Moradores de Rua de São Leopoldo: Antes, Durante e Após o CREPAR - Lúcia Knob

41

Percebe-se, pelos testemunhos dos educadores e dos próprios usuários, a

diferença que a casa de convivência no CREPAR realiza na vida das pessoas que

acessam o serviço desta casa.

* Albergue Municipal Bom Pastor: é um serviço de Albergagem do

Município, para aqueles que se encontram nas ruas, oferecendo alimentação,

realização da higiene pessoal, espaço para lavagem de roupa, pernoite, café da

manhã e atendimento com acompanhamento do Serviço Social aos usuários que

buscam este serviço.

O Albergue é considerado uma instituição de passagem, realiza ações

emergenciais, uma vez que deve oferecer abrigo de curta duração. Porém, o que

ocorre é um vínculo muito forte que muitas vezes não é rompido. Os usuários se

tornam dependentes do serviço, deixando de traçar objetivos para sua vida como

sair da rua, procurar emprego, etc.

Este serviço recebe as pessoas a partir das 19 horas às 7 horas, e tem

capacidade de abarcar 25 moradores de rua, sendo 20 do sexo masculino e 5 do

sexo feminino.

Durante a realização do Estágio obrigatório, observou-se que nos dias mais

frios e chuvosos, especialmente no inverno, a casa superlotava, e por falta de

espaço, uns tiveram que dormir na rua. Já nas noites de calor, precisamente no

verão, o albergue era pouco procurado. Notou-se que devido ao frio no inverno era

bom ter um banho quente, cama limpa e cobertor quentinho, boa alimentação.

Para conseguir pernoitar no albergue é preciso observar regras. É necessário

o usuário passar pela entrevista com a Assistente Social e/ou estagiária, que avalia

a situação ou a realidade e faz os devidos encaminhamentos como CAPS AD,

Clínica de Recuperação, exames médicos, etc. Para os moradores de rua de São

Leopoldo, que não tem família, é liberado para os pernoites. Os usuários de outras

cidades têm direito de um a dois e, no máximo, três pernoites.

O Albergue acolhe pessoas para os pernoites às 19h. Dois educadores

sociais prestam este serviço e, na medida do possível, a Assistente Social

acompanha. É feito uma revista e, após, o usuário é encaminhado para o banho.

Depois do banho de todos é servida a janta.

O espaço da casa é muito restrito, pois São Leopoldo tem um grande número

de moradores de rua. Para atender a demanda, faz-se necessário ter outro albergue

para poder abrigar a todos que procuram pernoites.

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42

* Atendimento Social: possibilita o atendimento das necessidades sociais

básicas da população de/na rua, migrante e família em situação de vulnerabilidade

social, bem como de denúncias acerca desses usuários. Realiza o

acompanhamento dos usuários que freqüentam os serviços do CREPAR.

Os usuários buscam o serviço, para que este possibilite acesso ao abrigo,

alimentação, roupas, escuta, confecção de documentos, encaminhamentos como:

ao Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) para consulta com

Psiquiatra, internação em Comunidades Terapêuticas para tratamentos de uso de

substâncias psicoativas. Logo, há todo um trabalho de tentativa de construção do

projeto de vida do usuário, que vai desde a reaproximação/fortalecimento dos

vínculos familiares até inserção numa atividade que gere renda.

É um trabalho desgastante, de muita luta, e na maioria das vezes apresenta

um resultado insignificante. Notou-se, durante o estágio, que o passo mais

importante para a saída das ruas é o usuário querer mudar sua situação de vida. No

momento em que há esta disponibilidade interna, a ação dos profissionais produz

resultados positivos.

Pelos depoimentos dos usuários, percebe-se isso:

- [...] eu consegui mudar minha vida, conquistei a minha família. (sic) Usuário A

- [...] mas pretendo me agarrar as oportunidades, para ser um bom pai para meus filhos. (sic) Usuário C

- [...] quero trabalhar e estudar, ter uma vida digna de um ser humano. A minha frase que me da força e sempre esta comigo: Posso todas as coisas naquele que me fortalece. (sic) Usuário D

Mas, por outro lado, fez-se também a experiência contrária. Os usuários

demonstraram disposição interior, foram capazes de dar passos nesta caminhada,

conseguindo emprego, voltar para a família, mas depois de uns meses um usuário

não resistiu ao crack, outro voltou a ingerir bebida alcoólica. Ambos perderam o

emprego e estão na rua. Neste caso, é preciso recomeçar com todo o processo26.

26

Processo - o usuário ao acessar o serviço do CREPAR precisa passar pelo atendimento da Assistente Social o e/ou estagiária, realizar os pernoites combinados no atendimento social, CAPS AD, para depois entrar para Casa de Convivência.

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Observou-se ainda, que muitos dos usuários não conseguiram ter sua

autonomia para buscar melhores condições de vida, ou sair da rua; são totalmente

dependentes do serviço do CREPAR. Sabem que quando necessitam, encontram as

portas abertas, porque entendem que acessar o serviço é um direito deles e é dever

do município dispor de profissionais que devem atender com qualidade.

Descreve-se, a seguir, na íntegra, a colocação do educador social da noite S.

B. de como ele percebe o serviço do educador e do CREPAR junto aos usuários.

“HORIZONTE NECESSÁRIO OU PORTO SEGURO?

Temos por horizonte aquela linha imaginária aonde jamais chegaremos, mas que nos serve de guia para onde queremos chegar. Já o Porto Seguro é aquele lugar certeiro onde à guarida se distancia apenas pelo nosso chegar. Se há dúvidas em relação ao CREPAR assim eu enfrentaria essas dúvidas. Será o CREPAR um Horizonte necessário onde os transeuntes (trechereiros), moradores de rua e das ruas, usuários de alcoólicos e entorpecentes, necessitados por emergências várias de cunhos familiares, pessoais ou causada por terceiros dentre outros motivos justos tem sem nem mesmo saber sua localização. Ou será o CREPAR um Porto Seguro para esses mesmos usuários? Em uma tentativa de resposta à pergunta: - Qual a visão que tenho do CREPAR enquanto educador social? Diria que o CREPAR é um Horizonte Necessário para aqueles que não o conhece e que tem suas necessidades assistidas quando do surgimento do infortúnio. Também digo ser o CREPAR um Porto Seguro, pois todos os dias vêm pessoas desgarradas da sociedade retornando diariamente semanas, meses e até anos. Sabem que lá chegando à acolhida é certa e que a segurança para atracar suas embarcações por um pernoite (doze horas) retomará o vigor necessário para a jornada do dia seguinte. Vejo o CREPAR uma estrutura institucional gerida pelo patrimônio púbico e navegada pelos trabalhadores do infortúnio alheio. Vejo trabalhadores labutando seus princípios, reconsiderando atitudes e se entregando além dos limites impostos por um contrato social de trabalho. Vejo pessoas as quais chamamos de usuários nos entregando suas histórias, despindo-se de suas exigências, buscando a palavra amiga, técnica ou não, que lhes dê um sorriso, um “ouvido”, uma atenção. Certo é que no CREPAR encontramos muito mais tarefas, acompanhamentos e encaminhamentos técnicos, busca e conduções a familiares, refeições, banho, cama limpa e confortável, mudas de roupas, material de higiene e às vezes até calçados, mas tenho a certeza que essas questões não são o que movem nossos usuários ao CREPAR e sim a boa companhia, a interação com outras pessoas e o acolhimento de um lar.” (Sérgio Bertolini, Educador Social, 10 de dezembro de 2009).

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4. EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO: EM BUSCA DE MUDANÇA – PROJETO DE VIDA

No capítulo quatro, trata-se da prática desenvolvida pela estagiária junto à

população adulta de/na rua, em São Leopoldo. Reflete-se sobre os limites e as

possibilidades da elaboração e prática do projeto27 de vida com alguns usuários do

CREPAR.

O projeto de intervenção teve como base os direitos humanos e sociais, em

especial dos moradores de rua, cidadãos que têm seus diretos e pertencem ao

convívio familiar e social, independente da condição em que vivem.

Este projeto relaciona-se com o Projeto Ético Político da Profissão, pois se

compreende como um conjunto de valores e concepções significativas que se

expressam, democraticamente, e direcionam os espaços fundamentais da profissão.

Refere-se ao gênero humano, e está vinculado a um projeto de transformação da

ordem social vigente.

O Projeto Ético Político da Profissão de Serviço Social, ao adotar a liberdade

como valor central, assume, no dizer de Netto (1999, p. 105):

o compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais, conseqüentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social , sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero.

O Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais (CONSELHO

FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2009) – Princípios Fundamentais orientam:

1º Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; 2º Ampliação e consolidação da cidadania, garantia dos direitos civis sociais e políticas das classes trabalhadoras; 3º Posiciona-se em favor da equidade e da justiça social que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais. 4º Eliminação de todas as formas de preconceito; 5º compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com competência profissional.

27

A palavra projeto significa “idéia, desejo, intenção de fazer ou realizar (algo), no futuro, plano. Do látim projectus significa ação de lançar para frente, de se estender, extensão. Informações retiradas do site: http:/houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=projeto

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Analisando o Projeto Ético-político da profissão e olhando para o campo de

estágio, percebe-se que o profissional, nesta política de assistência, trabalha e tem

presente em cada atendimento realizado ao usuário os princípios fundamentais do

Código de Ética. Leva-se em conta a pessoa como um todo, na integralidade,

assumindo o resgate e a defesa dos direitos humanos, promovendo a cidadania.

Propõem-se a auxilia-se o usuário a reconquistar seu espaço na sociedade, sempre

respeitando a sua liberdade e opção de escolha.

O projeto de intervenção “Em Busca de Mudança” traz presente a sociedade

que apresenta, muitas vezes, valores consumistas, individualistas, de aparência e de

êxito, que se medem pela capacidade econômica em busca de proveito próprio.

No campo de estágio, a maioria do público alvo é usuário de substâncias

psicoativas devido a diferentes situações familiares, afetivas, não encontrando

perspectivas ou forças para lutar e buscar um novo sentido para sua vida. Estão

excluídos e rejeitados pela sociedade.

Esta situação a qual pode chegar um ser humano foi que nos levou a realizar

o projeto de intervenção “Em Busca de Mudança”. Construiu-se, com cinco usuários

do CREPAR, um projeto de vida.

4.1 O Que é um Projeto de Vida

Machado (2000, p. 02) assim se refere em relação ao projeto de vida: “a

capacidade de antecipar ações, de lançar-se em busca das mesmas, constitui o ser

humano como pessoa”. A ausência de projeto é considerada por Machado (2000, p.

9) como causa de estagnação do ser humano:

sem projetos, portanto, não existe vida, em sentido humano. Tanto em sentido pessoal quanto em sentido coletivo, a idéia de crise está sempre associada a uma ausência de, ou a uma transformação radical de valores que nos sustentam.

Pode-se dizer que estamos envolvidos em certa “cultura de projetos”, onde as

idéias de antecipação que exploram o futuro fazem parte do nosso presente. O

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projeto representa e se configura como lugar onde o passado, presente e futuro se

encontram. Ao mesmo tempo, supõe ruptura com o presente e promessa para o

futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se,

atravessar um período de instabilidade e buscar estabilidade.

Boutinet (2002, p. 27), fala da importância do projeto de vida na existência do

ser humano:

seja como for, através das inúmeras mudanças de que somos testemunhas e, às vezes, atores, sentindo-nos sendo carregados em direção a um tempo prospectivo. E a melhor maneira de se adaptar a esse tempo é antecipar, prever o estado futuro. Esboça-se então o projeto, que se torna uma necessidade para todos, isto é, apesar de suas ambigüidades, um modo privilegiado de adaptação. Este deve evitar que os indivíduos caiam em uma ou outra das formas de marginalidade que os funcionamentos sociais da era-pós industrial produzem: a situação de sem-projeto ou então, a de fora-de-projeto.

A partir dos autores, observa-se que a antecipação de algo que ainda não foi

realizado e a reflexão sobre uma realidade que não aconteceu caracterizam a idéia

de projeto que, por sua vez, deve traduzir-se em ação. Requer abertura ao

desconhecido, ao não determinado e à flexibilidade, porquanto a partir de problemas

e dúvidas serão necessárias reformulações naquilo que se projetou.

O projeto de vida da pessoa é permeado por diferentes potencialidades como

afirma Machado (2000, p.16):

mesmo em se tratando de projetos de vida, característicos do modo de ser do ser humano, não nascemos determinados para percorrer uma única trajetória de projetos, ou vocacionados para um único tipo de atividade. Movemo-nos permanentemente em um terreno pleno de potencialidade, pleno de apelos que vêm de fora e que devem ser articulados com chamamento interiores, do fundo do nosso ser.

O projeto de vida consiste na realização de um processo que permita ao

sujeito buscar a si mesmo, a sua identidade e um caminho coerente com seus

valores. Esses elementos constituem o marco de uma opção fundamental. Ele não é

um fenômeno somente interno, subjetivo, sua construção pressupõe a referência ao

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outro, ao social, pois sua própria elaboração se dá por meio de uma adaptação ativa

e não passiva da realidade.

Para Penengo (2002, p. 22), o sujeito deve deixar de viver somente

satisfazendo as próprias necessidades e pulsões, mas transcender-se, sair e

descentrar-se de si mesmo. Segundo o referido autor:

o projeto de vida é um convite a tomar a vida nas próprias mãos e a descobrir a grandeza de decidir sobre a própria existência de um modo autônomo e comprometido e, por isso mesmo, pessoal e comunitariamente plenificante. A ausência de projeto leva a uma vida alienada, onde os outros decidem por mim.

Penengo ainda apresenta o projeto de vida como algo essencial à pessoa

humana, que constitui e qualifica a própria vida. Este deve conduzir a pessoa às

realizações de suas potencialidades humanas. Deve envolver não apenas coisas,

mas a pessoa, a própria identidade, o todo. A sua eficácia depende da consistência

de um bom planejamento, Segundo (PENENGO, 2002, p. 33) “é um processo que

tem metas, passos, etapas, pessoas, gestos sensíveis, tempos de avaliação”.

Conforme Fong:

na vida, possuímos muitas metas e planos que desejamos realizar. Temos a opção de escolhermos o nosso destino e o nosso caminho. Queremos algo, inúmeras vezes escolhemos rotas que nos afastam de nosso objetivo maior ou ficamos confusos em relação a qual caminho tomar, justamente por não ter planejado antes o que realmente queremos. Um Projeto de Vida é um plano colocado em papel para que possamos visualizar melhor os caminhos que devemos seguir para alcançar nossos objetivos. Necessitamos saber claramente quais são nossos objetivos e metas e, precisamos ter em mente também quais são os nossos valores, pois são eles que direcionarão nossa vida. Se nossas metas não estiverem em congruência com nossos valores mais profundos, dificilmente estaremos satisfeitos com nossas vidas. Mesmo alcançando as metas, se elas não estiverem em harmonia com o que realmente nosso coração pede, sentiremos um vazio interior que nos deixa confusos e sem direção.

A vida tem uma direção e coincide com sua meta. Precisa-se definir a meta

estratégica, para poder definir a direção. É comum justificarmos os meios em função

dos fins, visto que na maior parte do tempo estamos buscando, e se não nos

preocuparmos em qualificar esse tempo maior de busca, nossa vida tornar-se-á

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infeliz, porque corremos desesperadamente à procura de algo que não existe, o que

nos torna carentes e sempre dependentes de alguma coisa.

A direção do projeto de vida consiste em qualificar cada momento da

existência, não conquistar a meta, mas tornar-se a meta. Não podemos estar

eternamente perseguindo a felicidade, temos que ser felizes, e isso não são

questões de caminhar para achar alguma coisa, mas de como caminhar.

A partir da realidade que se vive, existe a busca pelo sentido da vida, pela

realização dos sonhos, aspirações mais profundas de felicidade. O ser humano deve

ser sujeito que assume a própria vida, decide livre e responsavelmente. Porém, não

é fácil conservar a identidade, numa sociedade globalizada que impõem modelos de

comportamentos e de consumismo.

Está em jogo a felicidade da pessoa, da sociedade. É uma matéria de raiz para

a construção de personalidades numa perspectiva de justiça e solidariedade. É um

meio de enfrentar a despersonalização que o sistema liberal impõe a todos nós.

Na elaboração de um Projeto de Vida, o interesse e os dons de cada pessoa

devem ser respeitados. Deparamo-nos, muitas vezes, com o interesse pela arte ou

por um âmbito da pessoa como a afetividade, a participação política, a mística, a

cultura e o cuidado com o planeta. Estes dons são como “janelas” ou “portas” que

nos conduzem ao todo da pessoa.

A formação que modifica a vida da pessoa é aquela que parte da ação. Toda

ação deveria ser uma atividade proposta. É toda a vida da pessoa: o seu modo de

viver com sua família, na comunidade, no trabalho e com todas as atividades que

daí decorrem, as ações que desenvolvem como estudante, trabalhador, como

cidadão.

Elaborar um Projeto de Vida significa ir para dentro de nós mesmos, a fim de

descobrir as reais motivações, desejos, sentimentos, razões e influências para poder

acolhê-las como um convite à realização plena e à felicidade.

A busca da felicidade, ter uma vida digna, são desejos expressos nos

depoimentos dos usuários que realizaram o seu projeto de vida:

- [...] quero ser um cara feliz, reconstruir minha família, ter uma vida digna e feliz. (sic) Usuário A

- [...] quero viver feliz com minha namorada, eu estou buscando a minha felicidade. (sic) Usuário B

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Segundo Martinez (1998, p. 71):

a felicidade brota da auto-realização, na aquisição de valores, na maturação integral da personalidade. A perfeição do próprio ser deseja-se sempre. Deseja-se possuir alto e qualificado grau de liberdade, paz, de verdade, de justiça, de amor, de felicidade.

É importante aproveitar as oportunidades que surgem no caminho, segui-las e

ser capaz de fazer as escolhas para a vida. Quando tomadas e encaradas, estas

duas grandes decisões podem mudar inteiramente a trajetória de vida.

Toda pessoa busca o sentido da vida pela realização dos sonhos, aspirações

mais profundas de felicidade. Assumir a própria vida em suas mãos, e decidir livre e

responsavelmente. Isto é, conservar a identidade, numa sociedade globalizada que

impõem modelos de comportamentos e a escravidão do consumismo, com atitudes

e opções claras, em meio à crise de valores e falta de perspectivas de futuro.

É preciso ter consciência das estruturas injustas da sociedade e fazer-nos

responsáveis pela nossa história com ações, compromisso e projetos,

transformando a realidade de violência, corrupção, exclusão, falta de oportunidade

trabalhista e o crescente estrago ecológico em convivência fraterna e pacífica em

busca do bem comum, como a solidariedade, igualdade e justiça.

O projeto ético-político da profissão se constrói, também, por esta via e realiza-

se no momento em que é oferecida à pessoa a oportunidade de se manifestar e

buscar o auxílio para mudar.

4.2 Processo de Elaboração do Projeto de Vida com os Usuários

O que moveu-nos a realizar o projeto de intervenção “Em Busca de

Mudança”, durante o estágio obrigatório, foi a decisão de construir com cinco

moradores de rua, usuários de substâncias psicoativas, um projeto de vida. São

usuários que se encontram no CREPAR devido à situação de rua, pela dependência

de drogas e com os laços familiares fragilizados. Segundo Mendes e Silveira (2004,

p. 194 e 198):

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são vidas marcadas pelo desconforto diário, pelo aviltamento do trabalho, pela condição de não empregáveis, supérfluos, pela debilidade de saúde, pela alimentação insuficiente, pelo estigma de ser “excluído”, marginal, inadaptado, por compor o grupo população de risco. [...] Os moradores de rua caracterizam um segmento populacional mais pauperizado da classe trabalhadora, um segmento expulso do mercado de trabalho, sobrantes de um processo de reorganização do mercado.

As pessoas alvo desse trabalho revelaram que sua principal busca está

associada à questão de alguma ocupação e renda para sobreviver. O deixar a

SPAs, conseguir um emprego, é um caminho para sair da rua. Parte-se do

pressuposto de que todo processo de trabalho implica num objeto sobre o qual

incide nossa ação, e que este objeto é a questão social em suas múltiplas

expressões.

O projeto tem como objetivo geral possibilitar meios para construir o projeto

de vida e promover maior grau de autonomia e independência individual e social.

Está em consonância com os princípios fundamentais do código de ética que

garantem direitos humanos, dignidade, respeito, cidadania, fortalecimento,

subjetividade e autonomia dos sujeitos.

Pode-se trazer o exemplo da construção do projeto de vida e a reconstrução

da autonomia que o Código de Ética destaca: “Reconhecimento da liberdade como

valor ético central e das demandas políticas a elas inerentes - autonomia,

emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais”. Por meio de grupos de

estudo e de convivência, foi oportunizado aos usuários falar e escrever a sua

trajetória de vida, anseios, dificuldades e buscas. Nesse sentido, puderam sentir-se

acolhidos, escutados e motivados para uma mudança.

Os objetivos específicos se relacionam com os princípios do Código de Ética

que compõem a consolidação dos direitos humanos, civis, sociais, políticos e

expansão dos indivíduos sociais, como: “oferecer elementos que auxiliem na

elaboração do projeto de vida”; “identificar as causas pelos quais buscam as SPAs”;

“cooperar no restabelecimento dos vínculos familiares e comunitários”; “possibilitar a

tomada de consciência aos usuários do efeito das drogas no organismo”.

Percebe-se que nos atendimentos realizados durante o estágio, muitos

sujeitos do CREPAR eram usuárias de substâncias psicoativas, principalmente do

crack. É assustador a proliferação dessa droga e ainda mais ao saber da destruição

que causa no indivíduo. Conforme Cabral (2009):

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o crack leva 15 segundos para chegar ao cérebro e já começa a produzir seus efeitos: forte aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremor muscular e excitação acentuada, sensações de aparente bem-estar, aumento da capacidade física e mental, indiferença à dor e ao cansaço. Em 15 minutos, surge de novo a necessidade de inalar a fumaça de outra pedra, caso contrário, chegarão inevitavelmente o desgaste físico, a prostração e a depressão profunda.

Percebe-se que o uso do crack destrói a pessoa em seus diferentes níveis e

age em prazo curto, com grande intensidade, provocando Insônia, agitação

psicomotora, agressividade, emagrecimento, perda da autocrítica e da moral,

dificuldades para estabelecer relações afetivas, psicoses, comportamento

excessivamente anti-social marginalidade e prostituição e lesões respiratórias.

Ao trabalhar o objetivo de possibilitar a tomada de consciência aos usuários

do efeito das drogas no organismo das pessoas, eles afirmam que há destruição

pouco a pouco da vida, das amizades, da família. Mas, devido ao alto poder viciante,

é difícil superar a ânsia, a fissura e voltam a procurar para saciar este desejo que o

organismo exige. É somente com determinação, autodisciplina, persistência,

tratamento de saúde com psiquiatra e/ou psicólogo, sair da situação na qual se

encontra.

Estes usuários encontram-se no CREPAR por estarem decididos em mudar

de vida. Isto pode ser observado nos relatos dos usuários:

- [...] eu percebi que ali era o lugar que poderia mudar de vida, né, que eu conseguiria mudar de vida. (sic), Usuário A

- [...] comecei a aceitar do jeito que eu era ou seja alcoólatra. Pedi a Deus que me mostrasse um caminho certo para mim seguir. (sic) Usuário D

- [...] comecei a ver que eu precisava acabar com a minha vida que estava vivendo, porque eu estava com HIV. (sic) Usuária E

Com este grupo entrevistado, elaborou-se o projeto de vida através de

encontros em grupo, onde foram realizados dinâmicas que ajudaram no processo e

momentos individuais com a estagiária. Foi uma caminhada muito frutuosa.

Oportunizou momentos onde cada usuário pode olhar para o seu passado, presente,

e projetar o futuro, iniciando esse processo com a dinâmica do caminho, no qual

estavam os diferentes símbolos e/ou objetos como: pés, mãos, verde, espinhos,

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pedras, bonecos, flores, água, vela acesa e a palavra, projeto de vida, todos esses

elementos são parte integrante da trajetória de vida de uma pessoa. Após termos

observado a simbologia, cada um dos participantes falou da sua trajetória de vida a

partir do caminho. Percebeu-se que cada um dos usuários encontrava-se na

representação desse caminho e simbologia.

No primeiro passo da construção do projeto de vida, os mesmos foram

orientados a escrever o seu nome e as suas qualidades, seus valores que os

identificam como pessoa. Vejamos os relatos:

- [...] Feliz, bondoso, alegre, amigo, companheiro humilde, sincero. (sic) Usuário A

- [...] Alegre, sorridente, compreensivo, brincalhão, esforçado, dedicado, amigo, tímido, amoroso. (sic) Usuário, B

- [...] participativo, verdadeiro, carinhoso, gosto de ajudar o próximo, divertido. (sic) Usuário C

- [...] trabalhador, amigo, disponível, amigo, gosto de conversar. (sic) Usuário D

Na convivência, percebeu-se que os usuários se sentem excluídos da

sociedade, do relacionamento familiar e social.

No segundo passo da construção do projeto de vida, cada usuário teve

oportunidade de expressar os seus sonhos, ideal de vida que busca seguir e cultivar

para sair da realidade na qual se encontra. Isso se percebe pelos relatos:

- [...] conquistar o meu caráter; deixar as droga; conquistar minha família; arrumar um emprego. (sic) Usuário A

- [...] ter emprego, estudo; ser alguém; andar de cabeça erguida em qualquer lugar; recuperar a confiança de todos meus familiares; poder ter minha própria família. (sic) Usuário B

- [...] ter um bom emprego; um lugar para morar; ter minha família perto de mim; concluir os estudos; voltar a ser como antes. (sic) Usuário C

-[...] conquistar minha liberdade; ter uma vida digna; ter um lugar para morar e buscar minha sobriedade. (sic) Usuário D

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O projeto de vida vem ao encontro dos anseios dos usuários, pois elaborar

um projeto de vida é descobrir as reais motivações que os levam buscar a mudança.

O importante não é ter um projeto perfeito, mas algo concreto que possibilite

realizar e crescer na direção da realização das metas propostas.

No terceiro passo da construção do projeto, os usuários escreveram os

passos que darão para concretizar seu projeto de vida.

- [...] ter força de vontade; acreditar em mim; nunca deixar de acreditar; largar as drogas; arrumar um serviço. (sic) Usuário A

- [...] primeiro me recuperar da droga; arrumar um serviço e mostrar para mim mesmo que eu estou recuperado; tentar ser alguém. (sic) Usuário B

- [...] primeiro tenho que ter boa vontade e correr atrás, estudando e me dedicando ao máximo a todas as oportunidades que eu tiver e tendo humildade para aceitar quando ouvir um não. (sic) Usuário, C

- [...] evitar o primeiro gole; espiritualidade; confiança em mim mesmo; trabalhar. (sic) Usuário D

- [...] conseguir um bom emprego; trabalhar bastante; lutar por um futuro melhor. (sic) Usuária E

Segundo Silva (2008, p.25):

projeto de vida é a coluna vertebral da vida, o fio condutor de dimensões aparentemente dispersas. O projeto de vida é aquele segredo unificador que possibilita ao homem pronunciar sua palavra dentro de um mundo de estímulos e respostas aos mais variados.

Por isso, o projeto pessoal de vida é de fundamental importância, pois este

capacita a pessoa a caminhar numa direção, a dar sentido e valor às coisas que vão

aparecendo na sua trajetória. Portanto, é um convite a tomar a vida nas mãos,

descobrir a grandeza de poder decidir sobre a própria existência, com liberdade,

responsabilidade e também compromisso. Mas, é preciso estar atento à realidade e

não deixar-se influenciar por valores que desviam da caminhada que idealiza.

Na ausência de um projeto de vida, somos levados à dura realidade da perda

de identidade, à falta de perspectivas de futuro, incapazes de sonhar; massificados e

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manipulados pelos falsos valores que a sociedade nos apresenta; somos levados

pelo caminho onde tudo se torna mais fácil aparentemente. O retorno é doloroso

como no caso das drogas, da violência, etc.

Na convivência do dia-a-dia com os usuários, percebeu-se sinais sobre a

importância da família. Antes de entrar nas drogas, não reconheciam o significado

da mesma na sua vida. Na situação em que se encontram, a família voltou a ser

referência. Todo indivíduo provem de uma família, independente de ser desejável ou

não. A importância da família na vida do ser humano é indizível, pois é a partir dela

que a pessoa adquire os seus primeiros conceitos que formarão as pilastras de seu

caráter, servindo de orientação para os inúmeros caminhos que a vida imporá

durante sua trajetória.

Conforme o relato dos usuários, os conflitos, as modificações, as alterações

vividas no seio familiar auxiliam na situação em que atualmente muitos se

encontram. Os vícios, as drogas, simplesmente corroem e destroem o alicerce da

criança, do adolescente e mesmo do adulto.

Percebe-se pelos relatos dos usuários o desejo de reconstruir os laços

familiares:

- [...] hoje minha mãe já me perdoou, agora já tem mais confiança em mim que antes não tinham mais em mim. (sic) Usuário A

- [...] encontrei as forças recuperando a confiança dos meus familiares de novo. É o que hoje mais força me dá é ver meus familiares me apoiando, conversam comigo me dão apoio para mim. (sic) Usuário B

No quarto passo, realizou-se com o grupo a dinâmica do novelo de lã.

Formou-se um círculo e um dos participantes recebeu um novelo de lã o qual

passava para um membro do grupo e o mesmo respondia a seguinte pergunta: O

que é o crack e o álcool para mim? Ao dar sua resposta, este passava o novelo para

outro participante segurando a lã. Tendo todos respondidos a primeira questão

procedeu-se do mesmo modo com a segunda questão: Quais os efeitos que as

SPAs causam no organismo do usuário e quais as conseqüências. Terceira questão:

Como se sente frente à família e a sociedade.

Em seguida, observou-se a teia que se formou e que representa a trajetória

de vida de cada um dos participantes. Conversou-se sobre o valor de cada fio dessa

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teia, está bem firme e esticada, pois está segura na mão de cada um dos

participantes, mas quando um fio se desprende ela cai. Os usuários, a partir dessa

dinâmica concluíram que, cada membro do mesmo tem um papel, uma função

importante a cumprir na sua trajetória de vida. Ser presença e apoio um para o

outro, porque a rua não ajuda em nada. Retomou-se o projeto que realizaram e

conversamos sobre a eficácia do mesmo. “É preciso ser firme e perseverante para

conseguir concretizar o que cada um se propôs”.(sic - Estagiária)

Cada usuário escolheu uma frase força para esta nova etapa de vida.

- [...] Fé em Deus. (sic) Usuário A

- [...] Esperança. (sic) Usuário B

- [...] cair é do homem e levantar é de Deus. (sic) Usuário C

- [...] Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas me convêm. (sic) Usuário D

- [...] O amor faz bem ao coração. (sic) Usuária E

O projeto de vida foi concluído com a mensagem: A Lenda das Três Árvores

Havia no alto de uma montanha três árvores que sonhavam o que seriam depois de grandes. A primeira, olhando as estrelas disse: "Eu quero ser o baú mais precioso do mundo, cheio de tesouros." A segunda, olhando o riacho suspirou: "Eu quero ser um navio grande para transportar reis e rainhas." A terceira olhou para o vale e disse: "Quero ficar aqui no alto da montanha e crescer tanto que as pessoas, ao olharem para mim, levantem os olhos e pensem em Deus." Muitos anos se passaram e, certo dia, três lenhadores cortaram as árvores. Todas três ansiosas em serem transformadas naquilo que sonhavam. Mas, os lenhadores não costumavam ouvir ou entender de sonhos... Que pena! A primeira árvore acabou sendo transformada em um cocho de animais, coberta de feno. A segunda virou um simples barco de pesca, carregando pessoas e peixes todos os dias. A terceira foi cortada em grossas vigas e colocada num depósito. Então, todas perguntaram desiludidas e tristes: - Por que isto? Mas, numa bela noite, cheia de luz e estrelas, uma jovem mulher colocou seu bebê recém-nascido naquele cocho de animais. E de repente, a primeira árvore percebeu que continha o maior tesouro do mundo.

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A segunda árvore acabou transportando um homem que terminou dormindo no barco, mas quando a tempestade quase afundou o barco, o homem levantou-se e disse "PAZ!". E num relance, a segunda árvore entendeu que estava transportando o rei do céu e da terra! Tempos mais tarde, numa sexta-feira, a terceira árvore espantou-se quando suas vigas foram unidas em forma de cruz e um homem foi pregado nela. Logo, sentiu-se horrível e cruel. Mas, no domingo seguinte, o mundo vibrou de alegria. E a terceira árvore percebeu que nela havia sido pregado um homem para salvação da humanidade e que as pessoas sempre se lembrariam de DEUS e de seu FILHO ao olharem para ela. As árvores haviam tido sonhos e desejos... mas sua realização foi mil vezes maior do que haviam imaginado. Portanto, nunca deixe de acreditar em seus sonhos, mesmo que aparentemente eles sejam impossíveis de se realizar. (Autor desconhecido)

Compreendo que a elaboração do projeto de vida foi válido para os usuários

que assumiram com vontade de mudar para dar um rumo novo para suas vidas.

Conforme o Usuário A assim se expressa:

[...] quando saí do CREPAR, daí voltei pra casa da minha família, arrumei um emprego, consegui onde já trabalhava antes, comecei de novo, sem droga né, trabalhando, tal. (sic)

O Usuário quando saiu do CREPAR, procurei visitá-lo na Firma onde

trabalhava. Foi muito importante a visita mesmo sendo rápida, ele percebeu que

tinha alguém que se preocupava com ele. Era grato pela visita. É uma vitória quando

alguém consegue fazer uma mudança na sua vida. Deixar as drogas, reconquistar

os laços familiares, e reintegrar-se na sociedade.

Por outro lado, pude viver a experiência, como os demais funcionários do

CREPAR que pelas dificuldades oriundas das doenças, das crises familiares, da

falta de emprego, do uso de SPAs, para os usuários é muito difícil a superação.

Fazem os propósitos e mesmo assim recaem. Aconteceu com os usuários B e D,

ambos estavam trabalhando e recaíram, retornando a situação de rua. É preciso

reconstruir todo o processo. Começando pelo atendimento da assistente social e/ou

estagiária, os pernoites, atendimento no CAPS AD, conforme as regras28

estabelecidas pela equipe29 do CREPAR.

28

Não pode entrar se tiver alcoolizado, ou ter usado SPAs, não causar confusão ou desrespeitar os

educadores ou mesmos os colegas usuários... 29

A equipe é formada pela coordenadora do CREPAR, Assistente Social, estagiários e educadores.

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Percebe-se pelos relatos dos mesmos e pela experiência vivida no CREPAR

que é muito difícil uma pessoa conseguir deixar as SPAs, não é impossível, mas é

preciso ter determinação, persistência, autodisciplina, acompanhamento psicológico,

participar de grupos terapêuticos, conseguir emprego. A compreensão e aceitação

da família também são essenciais nesse processo. Podemos observar conforme o

relato do usuário B.

[...] meus familiares quando me vêem que estou quieto num canto por aí, eles vem conversar comigo, se estou sentindo alguma coisa, se estou sentido fissura. Eu acho que é bom disso daí, porque a gente conversa bastante, se abrir para as pessoas, porque a fissura vem. (sic)

Outro fator de recaída, conforme a experiência vivenciada durante o estágio

obrigatório é quando a pessoa consegue emprego e recebe o primeiro salário.

Conforme as experiências do usuário B.

[...] quando comecei a trabalhar e recebi o meu primeiro salário, vou dizer a verdade, no meu pensamento, não vou dizer que veio na hora isso daí, veio na minha cabeça sim de querer fumar alguma coisa sabe, não vou ter que ficar aqui, e vou ficar e não vou sair daqui. Vou direto pra minha cama, vou dormir, amanhã sei que vou acordar sem esta vontade. (sic)

O usuário D assim expressou-se:

[...] voltei a ter sonhos que eu posso realizar sim. Gosto de viver de cara limpa, não preciso mais beber para resolver meus problemas. Pretendo resgatar os laços familiares. (sic)

Ele estava estudando e trabalhando. Chegou o momento em que ele mesmo

sentiu-se forte e procurou um cômodo para morar e saiu do CREPAR. Passava de

vez em quando no CREPAR para conversar e rever os colegas. Mas infelizmente

após alguns meses os dois recaíram.

São pessoas fragilizadas, mesmo com empenho e buscas não conseguem

superar o desejo que a SPAs provoca no organismo. Sentem-se “fortes”, mas na

primeira desavença, desentendimento, discussão são capazes de “abrir mão de

tudo” que conquistaram e voltam a morar na rua.

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5. CONCLUSÃO

Para a elaboração deste trabalho, buscou-se referenciais em livros, revistas,

artigos, sites, dissertações, que tratassem sobre esta temática, mas encontrou-se

dificuldade por ser um assunto mais recente como a trajetória de vida, projeto de

vida com os moradores de rua e também usuários de substâncias psicoativas.

A experiência de estágio que o Curso de Serviço Social oportunizou realizar

junto à população adulta de/na rua foi muito importante para o crescimento enquanto

futura profissional e como pessoa que permitiu colocar em prática grande parte do

aprendizado, do conhecimento teórico e prático adquirido ao longo da formação

profissional.

O segmento da população adulta de/na rua foi sempre uma incógnita, pois

queria entender o que leva a pessoa a morar na rua, deixar sua família, andar de

albergue em albergue, muitas vezes passando fome, sem higiene pessoal, sujeita a

violência, ou sob efeito contínuo de álcool e drogas. Guimarães (2004, p. 75)

destaca que “o sujeito que vive nas ruas encontra-se numa situação extrema de

exclusão social, desprovido de qualquer necessidade básica, bem como lhe é

negado usufruir qualquer direito enquanto cidadão”.

Compreende-se que esta realidade não deve ser entendida como um fato

isolado ou como conseqüência das ações do sujeito, mas como uma das

expressões da questão social, como aponta Guimarães (2004, p. 25), que “deve ser

analisados a partir de múltiplos fatores e da complexidade gerada pelo próprio

sistema que, para se sustentar, vive de suas mazelas e desigualdades sociais”.

Podemos acrescentar quanto às constantes transformações societárias.

Silva afirma (2009, p. 267) que:

o fenômeno população em situação de rua é uma expressão inconteste das desigualdades sociais resultantes das relações sociais capitalistas, que desenvolvem a partir do eixo capital/trabalho. E como tal, é expressão da questão social.

Pela experiência do estágio, pelo contato e pelas informações obtidas com os

moradores de/na rua, percebe-se que nas suas trajetórias de vida estão presentes,

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sem dúvida, a fragilização e mesmo a ruptura dos vínculos com o mundo do

trabalho. A opção de estar e/ou ser da rua, sujeitar-se a viver, muitas vezes, em

condições desumanas é fruto de uma sociedade que exclui e marginaliza os sujeitos

que têm menos condições de estudo, trabalho. Pela Constituição de 1988, os

direitos dos cidadãos são assegurados a todos, porém na prática isso não acontece.

Este segmento da população necessita de políticas públicas que a as inclua

no convívio social, comunitário, familiar e sejam proporcionadas formas de emprego

formal. Podemos dizer que são serviços e programas que garantem padrões éticos

de dignidade, não-violência na concretização de mínimos sociais e de direitos de

cidadania.

Permanece o desafio constante e permanente de democratizar as

informações e o acesso aos programas oferecidos pelo CREPAR, esclarecer os

usuários dos seus direitos como cidadãos e monitorar para que sejam respeitados;

fortalecer a rede de atendimento do município que fortaleça o morador de/na rua

como sujeito de direito. Somente assim, é possível pensar numa reinserção desse

usuário na família, no trabalho e na sociedade.

Concluindo o presente Trabalho, com a formação acadêmica e a experiência

de estágio, sob orientação da supervisora de campo, a assistente social do

CREPAR, tenho consciência de que aprendi, como futura profissional, a ser uma

agente construtora de cidadania, capaz de interagir nos projetos e programas

sociais, tanto públicos como privados, e nas áreas humanas e sociais.

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