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TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES NA ILHA DE SÃO JORGE DURANTE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX P AULO SILVEIRA E SOUSA Sousa, P. S. (2007), Transportes e comunicações na ilha de São Jorge durante a segunda metade do século XIX. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 197-223. Sumário: São Jorge é umas das ilhas mais acidentadas do arquipélago dos Açores. Desde o povoamento as comunidades locais tentaram adaptar-se a esta configuração ecológica e apro- veitar os recursos da forma mais eficiente. Face à dificuldade em construir amplos troços de estradas foi criada uma vasta rede de caminhos de pé posto e utilizado o mar como meio de comunicação. Se a circulação era difícil e a ilha se dividia em pequenos mundos, os contactos entre as várias povoações e com as ilhas em redor nunca deixaram de existir. Na segunda metade do século XIX foi iniciada por quase todo o arquipélago uma primeira vaga de obras públicas. Estas políticas de fomento, levadas a cabo pelo Estado português em todo o território metropolitano, tinham como objectivo promover o crescimento económico e a penetração das várias redes do poder estatal (administrativas, judiciais, fiscais), através da criação de um espaço nacional mais integrado e controlável. O estudo intensivo de uma pequena ilha, ou de um pequeno concelho periférico, poderá a alguns parecer um assunto secundário. Contudo, convém recordar que estes territórios concentravam no século XIX boa parte da população dos Açores e neles estava instalada o grosso das suas comunidades. Longe de serem assunto menor eles revelam a permanente diversidade do arquipélago. Este artigo tem por objectivos, por um lado, dar conta deste processo mostrando os seus constrangimentos, e, por outro, a forma como a criatividade e o dinamismo dos agentes económicos, dos indivíduos e das comunidades devem ser factores a destacar em qualquer análise histórica. Sousa, P. S. (2007), The transportation infrastructure in the Azorean periphery (c. 1850 – c. 1900): a case study on the Island of São Jorge. Boletim do Núcleo Cultural da Horta, 16: 197-223. Summary: The geography of São Jorge is characterised by its steep mountains, high cliffs and deep ravines. Since the Portuguese settlement in the 15 th century the population tried to adapt to this particular ecological configuration and explore efficiently local natural resources. Communications and commerce were not easy in an island divided in small and isolated units. However, contacts between communities and within the islands around kept a regular pace. Difficulties in building an extensive road network made man use a vast set of small trails that covered most of the island; the sea was also used to organise alternative itineraries. During the second half of the nineteenth century a first wave of public works was implemented throughout

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TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES NA ILHA DE SÃO JORGE

DURANTE A SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX

PAULO SILVEIRA E SOUSA

Sousa, P. S. (2007), Transportes e comunicações na ilha de São Jorge durantea segunda metade do século XIX. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,16: 197-223.

Sumário: São Jorge é umas das ilhas mais acidentadas do arquipélago dos Açores. Desde opovoamento as comunidades locais tentaram adaptar-se a esta configuração ecológica e apro-veitar os recursos da forma mais eficiente. Face à dificuldade em construir amplos troços deestradas foi criada uma vasta rede de caminhos de pé posto e utilizado o mar como meio decomunicação. Se a circulação era difícil e a ilha se dividia em pequenos mundos, os contactosentre as várias povoações e com as ilhas em redor nunca deixaram de existir. Na segundametade do século XIX foi iniciada por quase todo o arquipélago uma primeira vaga de obraspúblicas. Estas políticas de fomento, levadas a cabo pelo Estado português em todo o territóriometropolitano, tinham como objectivo promover o crescimento económico e a penetração dasvárias redes do poder estatal (administrativas, judiciais, fiscais), através da criação de umespaço nacional mais integrado e controlável. O estudo intensivo de uma pequena ilha, ou deum pequeno concelho periférico, poderá a alguns parecer um assunto secundário. Contudo,convém recordar que estes territórios concentravam no século XIX boa parte da população dosAçores e neles estava instalada o grosso das suas comunidades. Longe de serem assunto menoreles revelam a permanente diversidade do arquipélago. Este artigo tem por objectivos, por umlado, dar conta deste processo mostrando os seus constrangimentos, e, por outro, a forma comoa criatividade e o dinamismo dos agentes económicos, dos indivíduos e das comunidadesdevem ser factores a destacar em qualquer análise histórica.

Sousa, P. S. (2007), The transportation infrastructure in the Azorean periphery(c. 1850 – c. 1900): a case study on the Island of São Jorge. Boletim do NúcleoCultural da Horta, 16: 197-223.

Summary: The geography of São Jorge is characterised by its steep mountains, high cliffsand deep ravines. Since the Portuguese settlement in the 15th century the population tried toadapt to this particular ecological configuration and explore efficiently local natural resources.Communications and commerce were not easy in an island divided in small and isolated units.However, contacts between communities and within the islands around kept a regular pace.Difficulties in building an extensive road network made man use a vast set of small trails thatcovered most of the island; the sea was also used to organise alternative itineraries. During thesecond half of the nineteenth century a first wave of public works was implemented throughout

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São Jorge é uma das ilhas do arquipé-lago dos Açores com um relevo maisacidentado. Durante o século XIX, oseu perfil montanhoso, cortado porinúmeras ribeiras e grotas, fazia comque nada fosse feito sem esforço.Para onde quer que alguém se deslo-casse, era sempre preciso subir oudescer encostas. Os percursos, empoucas horas passavam das áreasmais quentes do litoral à zona alta daspastagens, cortada por ventos fortes ecaracterizada por temperaturas maisbaixas. Qualquer deslocação obrigavaa enormes desgastes físicos. Para sedeslocar ao pasto, à fajã, para ceifarerva ou cortar lenha, para arranjarmato para as camas do gado, para

sachar o milho, para cavar os inhames,para cultivar um pequeno trato deterra isolado e difícil de alcançar, masindispensável à reprodução do grupodoméstico, por vezes mesmo, paraassistir à missa na igreja da freguesia,o camponês era obrigado a transporenormes desníveis e distâncias, nal-guns casos em atalhos difíceis e peri-gosos, levando consigo enormes epesados volumes.Apesar de a ilha se encontrar noséculo XIX coberta de inúmeroscaminhos, atravessando-a de costa acosta, serpenteando junto ao mar,descendo às fajãs ou subindo à serra,estes eram, muitas vezes, de tal ma-neira rudimentares que apenas com

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the archipelago. The objectives of these development politics were the promotion of economi-cal growth and the progressive penetration of the different networks of State bureaucracy(administrative, judicial and fiscal). The global project was the building of a more integratednational space. The intensive case study of a small island, or of a peripheral municipal county,may seem a minor academic subject. However, we should remind that these territories concen-trated a substantial part of the Azorean populations during the 19th century. Far from beinga secondary theme of research, they reveal the permanent diversity of the archipelago. Thisarticle will try to describe this slow and continuous process showing its difficulties, but alsopointing out the creativity and dynamism of individuals, communities and economic agents.

Paulo Silveira e Sousa – Instituto Universitário Europeu, Florença, Itália. [email protected]

Palavras-chave: História dos transportes e comunicações, rede de estradas, portos, sociedadescamponesas, modernização.

Key-words: History of transports, road networks, seaports and navigation, peasant societies,modernization.

INTRODUÇÃO

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dificuldade permitiam a circulação decarros de bois e de bestas. Com fre-quência, eram cortados por derro-cadas e enchentes durante a estaçãoinvernosa. Muitas destas veredas,sobretudo aquelas mais estreitas eperigosas que se encontravam juntoao mar e davam acesso a rochas deinhame, a pesqueiros e até a algumasminúsculas fajãs, eram somente prati-cáveis para o homem mais afoito:nem as bestas de carga, nem os pe-quenos carros de bois, de eixo reduzi-do e adaptado, desciam a estes lugares.Onde o declive era mais acentuadoconstruíram-se monumentais escada-rias irregulares e serpenteantes, escon-didas no meio da vegetação. Estescaminhos de pé posto eram as verda-deiras vias de comunicação de SãoJorge e, alguns deles, tinham já sé-culos de utilização (PEREIRA, 1987).Descalços, com pesadas cargas àscostas, os mais pobres percorriamestes atalhos que muitas vezes eram aúnica via que ligava as várias povoa-ções entre si.Esta configuração montanhosa e escar-pada do relevo, acentuando as difi-culdades na circulação, fez com quea ilha fosse constituída de muitas ou-tras «ilhas», micro-mundos de lugare de freguesia, formando-se váriascomunidades dotadas de uma elevadaautonomia, autênticos sistemas sociaise económicos locais, incompletos masinterdependentes, que, apesar de tudo,

se mantinham em contacto perma-nente.Não era, de modo nenhum, estranho,no meio camponês, que se nascesse emorresse no seio da mesma freguesia,ou de unidades de povoamento umpouco mais latas, sem nunca lhes terultrapassado os limites. A freguesiavizinha era visitada, sobretudo, porocasião de festas, ou quando se iacomprar gado, ou ver algum familiarque por lá casara. A vila era umarealidade distante, para a maioria dapopulação das freguesias rurais, ondesó se deslocavam atravessando ribei-ras, grotas e largos pastos encharca-dos em caso de obrigações oficiaise burocráticas que a centralização doEstado Liberal exigia de forma cres-cente. As ilhas em frente eram quasesó um enquadramento paisagísticoque poucos pescadores e raros habi-tantes frequentavam, verificando-sede qualquer modo um relativo inter-câmbio comercial e de passageiros,manifesto na troca de alguns produtose num intenso tráfego de barcos depequena cabotagem durante a estaçãobonançosa. O continente e Lisboaeram realmente um outro mundo deonde vinham alguns funcionários, or-dens burocráticas e leis, e os EstadosUnidos da América uma miragem deriqueza, progresso e melhor nível devida, uma cornucópia que distribuíarecursos com generosidade e abun-

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dância a quem quisesse atravessar omar e trabalhar arduamente.Em São Jorge as dificuldades decirculação interna funcionaram comoum poderoso factor de condiciona-mento na formação de um espaçosocial de ilha, unificado e integrado.Uma viagem das Velas, ou da Calhe-ta, aos Nortes podia levar mais de umdia, dependendo da estação e do esta-do das ribeiras e grotas. Da ponta doTopo era mais fácil um habitantedeslocar-se por mar à Terceira do queatravessar por terra a ilha até à Calhe-ta ou às Velas.Em 1825, um militar destacado paraelaborar o levantamento da carta topo-gráfica da ilha escrevia: «as estradasse merecem tal nome as poucas e pés-simas comunicações que há, são demuito dificultoso trânsito: A melhor éa da vila das Velas para a freguesiadas Manadas; mas para seguir à vilado Topo, é preciso caminhar já porveredas praticadas nas rochas, desdea Ribeira Seca, já sobre as pedras dabeira-mar na costa sul, a fim de evitaro trânsito desabrido, e áspero, peloalto da ilha. Para atravessar a ilha nosentido da sua largura, existem apenasdois maus caminhos; o da vila das Velas pelo sítio dos Toledos, e o davila da Calheta pela freguesia do Nor-te Pequeno» (MATOS, 1980: 55).A situação melhorou um pouco aolongo do século XIX. As câmaras da

ilha não deixaram de manifestar o seuempenho: uma boa parte das Repre-sentações feitas ao governo de suamajestade relacionavam-se com asobras públicas e acessibilidades. Orase pediam verbas para a construçãoou reparação de uma estrada ou deuma ponte, ora se clamava pela suareclassificação, forma de fazer passara responsabilidade e os custos para asjuntas gerais de distrito ou para o pró-prio Ministério das Obras Públicas;noutros casos, pediam-se verbas paraos portos da ilha ou faziam-se quei-xas em relação ao serviço do vapor eaos preços praticados pela empresaconcessionária (Arquivo Municipaldas Velas, Registo…, 1870-1902). Dequalquer forma, em 1900, para ir dapequena fajã da Fragueira, próximoda Ribeira Seca, até às Velas, leva-vam-se vários dias para percorreraproximadamente 40 km. Segundoironizava João Caetano de Sousa eLacerda, pai do maestro Francisco deLacerda, pouco menos do que demo-rava, na melhor das hipóteses, o tra-jecto das cartas, livros e jornais deParis que o filho lhe enviava conti-nuamente, e que lhe permitiriam, noprincípio do século XX, deleitar-secom a saga das manas Humbert, a suagigantesca fraude, fuga e detenção,ou conhecer as últimas novidades dasgrandes exposições mundiais.

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O uso e a densidade das estradas evias de comunicação estão estreita-mente ligados à distribuição da den-sidade populacional. Não é assim deestranhar que estas se concentrassemjunto dos maiores núcleos populacio-nais, e que estivessem ausentes ondeestes não existiam. Como não temosuma mancha populacional contínuaem todo o redor da ilha, mas váriaspovoações a formar unidades pró-prias, as estradas acabavam por estardesintegradas e desarticuladas umasdas outras.Neste panorama bastante desfavorá-vel, as freguesias do lado sul, sobre-tudo entre Rosais e Velas e entre estaúltima localidade e as Manadas, assimcomo no concelho vizinho a zonada Calheta, Fajã Grande, Biscoitos,Relvinha, Silveira e Ribeira Seca edepois a ponta leste da ilha, entreSanto Antão e o Topo desfrutavamde contactos relativamente fáceis epossuíam vários troços. O problemaeram as ligações entre todos estes bo-cados, entre o lado sul e o lado norte,entre as Manadas e os Biscoitos, entrea Silveira e o Topo, seguindo pelaserra. Estas ligações difíceis ou ine-xistentes faziam de muitas povoaçõesautênticas ilhas dentro da ilha, e difi-cultavam enormemente as desloca-ções internas, reforçando o enormelocalismo que, embora sendo uma

marca açoriana em geral, é bastanteforte em São Jorge.No século XIX, na maior parte dasilhas dos Açores, dominava um tipode povoamento junto ao litoral, nuncaultrapassando a faixa dos 300-400 m,com um primeiro andar agrícola, eum segundo e terceiro andares ondeos pastos, os matos e os baldios eramos elementos base do território. EmSão Jorge, pelas suas característicaspeculiares, sem vales interiores, nemplanaltos de efectiva grandeza, estaconfiguração alterava-se consideravel-mente e o andar agrícola era, normal-mente, bastante estreito, sendo, comfrequência, substituído por extensosescarpados e falésias altíssimas cober-tas de vegetação; a área afectável aculturas alimentares de grande rendi-mento, como o trigo ou o milho, fica-va assim consideravelmente reduzida.Estes constrangimentos, em períodosde expansão demográfica, fizeram oshomens aproveitar todos os pequenostratos de terra para criar pequenasáreas de cultivo; ao mesmo tempo,sedimentaram um modelo de apro-veitamento dos recursos naturais emque se explorava no sentido verticalos vários recursos disponíveis nossucessivos andares ecológicos.Esta orientação vertical era genérica atodo o espaço da ilha. Revelava-seclara na diversidade de prédios que

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ESCASSEZ DE ESTRADAS E HABITAT HUMANO SEGMENTADO

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detinham as explorações agrícolascamponesas mais abastadas e osgrandes proprietários ao longo dosvários andares ecológicos que divi-diam São Jorge, bem como nos enor-mes percursos que os seus habitanteseram obrigados a percorrer entreestas áreas para conseguir manter umnível razoável de autarcia. Os campo-neses passavam o seu quotidiano emlongos percursos entre a pesca ou aapanha de sargaço junto ao mar, umpequeno campo de vinho ou de bata-tas numa qualquer fajã, o cultivo deinhames numa rocha escarpada, umaseara de trigo ou de milho em zonasmais altas e próximas das povoações,a deslocação do gado e a ordenha dasvacas nas pastagens um pouco maisem altitude, ou a utilização dos bal-dios mais elevados e batidos pelovento para o gado miúdo. Para chegara todos estes lugares utilizavam oscaminhos de pé posto, os pequenoscaminhos rurais adaptados aos robus-tos carros de bois, uns tantos infatigá-veis burros de miúda feição mediter-rânica, muares e uns poucos cavalos(SOUSA, 1994).O carro de bois era o principal veí-culo de transporte do mundo ruraltradicional açoriano, mas não era oúnico. Os homens e o gado asininoacabavam por ser, igualmente, muitoutilizados na deslocação de génerosagrícolas e de outros produtos ligadosàs actividades do mundo rural (le-

nhas, ervas, troncos, carvão, recipien-tes de vários tipos e diferentes con-teúdos, etc.). O burro, pequeno masrobusto, adaptava-se com facilidadeàs asperezas dos caminhos pedre-gosos, era utilizado para o transportede pessoas e na atafona para a moa-gem dos cereais. Porém, o seu efec-tivo não estava repartido de modouniforme em todas as três ilhas dodistrito de Angra do Heroísmo, talcomo podemos observar pela análisedo QUADRO 1.Tal como podemos constatar pelosQUADROS 1, 2 e 3, a partir de finais dadécada de 1860 torna-se nítido emtodas as ilhas do distrito de Angra, ocrescimento de vários tipos de gadoutilizados como força motriz, existin-do um claro aumento a partir do finaldo século. Se estes números indica-vam algum progresso por parte daagricultura açoriana, esta não deixavade ter um carácter tradicional. O gadoasinino foi aquele que teve um com-portamento, aparentemente, menoscompreensível. Nas ilhas menos aci-dentadas o seu número iria diminuir,sendo provavelmente substituído porgado bovino, por muares e cavalos.Em São Jorge o seu número pelocontrário aumentou à medida que setornava necessário o aproveitamentode maior número de áreas agrícolasde difícil acesso.O efectivo de gado muar, apesar dasoscilações, teve um relativo cresci-

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mento nos dois concelhos de SãoJorge. Porém, o seu aumento não foitão elevado como o que se verificouna Terceira, uma ilha já dotada debons caminhos rurais, entre 1866 e1911, e que pode ser constatado atra-

vés da análise do QUADRO 2. Em1915, o agrónomo Jácome de OrnelasBruges confirmava essa tendência es-crevendo que os muares continuavama ter um largo uso na ilha Terceiraquer como veículo de carga, quer como

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QUADRO 1

ESTATÍSTICA DO GADO ASININO NO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO POR CONCELHOS E POR

ILHAS EM 1866, 1870, 1873, 1876, 1884, 1887, 1891, 1894, 1897, 1900, 1903, 1907 E 1911

FONTES: Dados 1866 e 1870, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo nasua Sessão Ordinária de 1870, pelo governador civil Félix Borges de Medeiros (1870). Angra, Tip. doGoverno Civil, mapa 35. Dados 1873, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra doHeroísmo na sua Sessão Ordinária de 1874, pelo governador civil Francisco de Albuquerque Mesquita eCastro (1874). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa n.º 3: 103. Dados 1876, Relatório Apresentado à JuntaGeral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1877, pelo governador civil Barão doRamalho (1877). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa 79: 153. Dados 1884, Biblioteca Pública e ArquivoRegional de Angra do Heroísmo, Fundo do Governo Civil, 1.ª Repartição, Registo de Ofícios para osMinistérios, livro 14 (1884-1885). Dados 1887-1911, Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angrado Heroísmo, Fundo do Governo Civil, Livros de Registo da Correspondência da Comissão Distrital deEstatística do Distrito Administrativo de Angra do Heroísmo (1888-1914).

NOTA: Neste quadro e nos quadros seguintes, no caso das estatísticas anteriores a 1870, foram agregadosa Angra os quantitativos de gado do concelho de São Sebastião, à Calheta os do Topo, e a Santa Cruz daGraciosa os da Praia.

AnosTerceira São Jorge Graciosa Distrito

Angra Praia Total Ilha Velas Calheta Total Ilha Santa Cruz Total distrital

1866 272 74 346 31 21 52 479 877

1870 223 88 311 10 38 48 586 945

1873 263 90 353 31 11 42 588 983

1876 243 60 303 29 12 41 460 804

1884 244 50 294 38 15 53 500 847

1887 214 40 254 25 24 49 864 1167

1891 250 25 275 25 29 54 800 1130

1894 110 30 140 25 29 54 420 614

1897 090 24 114 40 22 62 420 596

1900 119 15 134 56 28 84 400 618

1903 150 10 160 45 24 69 300 567

1907 100 34 134 65 22 87 350 571

1911 080 30 120 1140 42 1560 374 640

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transporte de pessoas e passageiros.Os carros de bois haviam já sido des-tronados por estes animais que cons-tituíam a força motriz da maior partedos veículos das freguesias rurais. Osbovinos eram agora especialmente

dirigidos para as tarefas agrícolas(BRUGES, 1915: 101). Porém, em ilhascomo São Jorge onde a dificuldadedos transportes terrestres levava oshomens a fazer-se ao mar, o númerode equídeos era consideravelmente

204 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

QUADRO 2

ESTATÍSTICA DO GADO MUAR NO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO POR CONCELHOS E POR

ILHAS EM 1866, 1870, 1873, 1876, 1884, 1887, 1891, 1894, 1897, 1900, 1903, 1907 E 1911

FONTES: Dados 1866 e 1870, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo nasua Sessão Ordinária de 1870, pelo governador civil Félix Borges de Medeiros (1870). Angra, Tip. doGoverno Civil, mapa 35. Dados 1873, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra doHeroísmo na sua Sessão Ordinária de 1874, pelo governador civil Francisco de Albuquerque Mesquita eCastro (1874). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa n.º 3: 103. Dados 1876, Relatório Apresentado à JuntaGeral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1877, pelo governador civil Barão doRamalho (1877). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa 79: 153. Dados 1884, Biblioteca Pública e ArquivoRegional de Angra do Heroísmo, Fundo do Governo Civil, 1.ª Repartição, Registo de Ofícios para osMinistérios, livro 14 (1884-1885). Dados 1887-1911, Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra doHeroísmo, Fundo do Governo Civil, Livros de Registo da Correspondência da Comissão Distrital de Esta-tística do Distrito Administrativo de Angra do Heroísmo (1888-1914).

AnosTerceira São Jorge Graciosa Distrito

Angra Praia Total Ilha Velas Calheta Total Ilha Santa Cruz Total distrital

1866 089 034 123 077 18 095 04 222

1870 090 042 132 023 88 111 06 249

1873 128 035 163 097 39 136 07 306

1876 154 080 234 097 39 126 06 376

1884 178 120 298 126 41 167 08 473

1887 212 120 332 111 40 151 07 490

1891 200 060 260 108 44 148 10 422

1894 226 85 311 096 38 134 14 459

1897 230 118 348 100 40 140 22 510

1900 228 140 368 101 45 146 21 535

1903 231 170 401 095 50 145 21 567

1907 400 150 550 097 47 144 19 713

1911 530 180 710 138 56 194 12 916

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menor, apesar de se ter registado umacréscimo importante durante o pe-ríodo em análise.Em São Jorge, os cavalos eram sobre-tudo criados para recreio, para uso deproprietários abastados e de casas

agrícolas de média e grande dimen-são, sendo alguns destinados à expor-tação. Para os camponeses da ilhaestes animais eram um patrimónioraro, dispendioso e quase inacessível.Segundo o intendente de pecuária,

Paulo Silveira e Sousa 205

QUADRO 3

ESTATÍSTICA DO GADO CAVALAR NO DISTRITO DE ANGRA DO HEROÍSMO POR CONCELHOS E POR

ILHAS EM 1866, 1870, 1873, 1876, 1884, 1887, 1891, 1894, 1897, 1900, 1903, 1907 E 1911

FONTES: Dados 1866 e 1870, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo nasua Sessão Ordinária de 1870, pelo governador civil Félix Borges de Medeiros (1870). Angra, Tip. doGoverno Civil, mapa 35. Dados 1873, Relatório Apresentado à Junta Geral do Distrito de Angra doHeroísmo na sua Sessão Ordinária de 1874, pelo governador civil Francisco de Albuquerque Mesquita eCastro (1874). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa n.º 3: 103. Dados 1876, Relatório Apresentado à JuntaGeral do Distrito de Angra do Heroísmo na sua Sessão Ordinária de 1877, pelo governador civil Barão doRamalho (1877). Angra, Tip. do Governo Civil, mapa 79: 153. Dados 1884, Biblioteca Pública e ArquivoRegional de Angra do Heroísmo, Fundo do Governo Civil, 1.ª Repartição, Registo de Ofícios para osMinistérios, livro 14 (1884-1885). Dados 1887-1911, Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Angra doHeroísmo, Fundo do Governo Civil, Livros de Registo da Correspondência da Comissão Distrital de Esta-tística do Distrito Administrativo de Angra do Heroísmo (1888-1914).

AnosTerceira São Jorge Graciosa Distrito

Angra Praia Total Ilha Velas Calheta Total Ilha Santa Cruz Total distrital

1866 290 345 635 068 50 118 06 759

1870 343 201 544 012 69 081 25 650

1873 314 280 594 072 52 124 16 734

1876 290 200 490 084 52 136 23 649

1884 296 360 656 067 44 111 31 798

1887 260 300 560 072 15 087 38 685

1891 230 210 440 068 23 091 45 576

1894 335 200 535 072 24 096 48 679

1897 174 266 440 065 12 079 50 567

1900 215 310 525 079 50 129 64 718

1903 293 300 593 090 48 138 75 806

1907 250 280 530 108 43 151 76 757

1911 240 290 530 193 52 245 74 849

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em 1875 a criação de equinos estavapouco desenvolvida. As ilhas de SãoJorge e Graciosa possuíam um peque-no número de cabeças, importadas,quase todas, da Terceira. Apenas nestaúltima ilha é que este ramo pecuário semostrava mais animado. No entanto,era necessário melhorar o seu efectivoque se ressentia da falta de bons gara-nhões. Em épocas anteriores, quandoos prazeres da fidalguia de Angrapassavam pelas Cavalhadas, festa depraça e touradas eram comuns osbons reprodutores de raça peninsular.Mas, nestes anos do terceiro quarteldo século XIX, o efectivo apresen-tava já marcas de degenerescênciaque eram agravadas pela falta de cui-dados zootécnicos nos cruzamentos(VALADARES, 1875: 82).Em 1879, o gado cavalar era aindaentendido como tendo uma menorimportância agrícola. Não obstante,já se pensava que a sua força podiaser muito potenciada nas tarefas docampo. O intendente de pecuária le-vantava mesmo a ideia de fazer expe-riências para saber até que ponto con-viria, na ilha Terceira, aplicar o gadocavalar ou muar à lavoura, excluindo--se, completa ou parcialmente daque-les serviços, o gado bovino (Relató-rio…, 1879: 54). Ou seja, sem utilizaresta nova linguagem, tentava-secomeçar a desenvolver a agriculturae a pecuária através de uma progres-siva especialização e modernização

das várias fileiras. Com efeito, se oscavalos eram sobretudo utilizadoscomo transporte individual passaram,progressivamente, a ser também usa-dos no serviço de tiro, substituindoos muares. Na década de 1880, JoãoNogueira de Freitas, refere que os ser-viços agronómicos em Angra tinhamum cavalo reprodutor de raça marro-quina, muito embora fosse preferívelum animal luso-árabe dadas as carac-terísticas do gado indígena (FREITAS,1890: 136).Em São Jorge, o desenvolvimentodeste ramo da pecuária não foi tãofácil. O primeiro garanhão, impor-tado em 1856 pelo conselheiro JoséPereira da Cunha da Silveira e Sousa,um dos maiores proprietários da ilha,morreria logo após o seu desembar-que. Em 1874, o governo enviaria umoutro cavalo reprodutor, depois devárias instâncias do deputado de ser-viço, Pedro Roberto Dias da Silva.Porém, teria, igualmente, fraca dura-ção. Em 1896, por influência do de-putado José Pereira da Cunha da Sil-veira e Sousa Júnior, era concedidoum novo reprodutor que poucosmeses viveria. A situação, apesar dosrevezes, viria a melhorar. Em 1910quer Angra do Heroísmo, quer Velastinham os seus postos hípicos, comgaranhões reprodutores. O efectivocavalar cresceu ao longo destes anos,embora registando importantes flu-tuações, tal como podemos observar

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através da análise do QUADRO 3.Porém, a capacidade e a força motrizdisponível para a agricultura e ostransportes nas três ilhas do distritode Angra não cessou de aumentar.Durante todo o século XIX foraminsistentes os pedidos das Câmarasaos deputados de serviço, reclamandomelhorias nas estradas e nos portosde São Jorge. Volta e meia o municí-pio conseguia beneficiar uma parte deestrada já antiga, refazer uma ponte,mas estes eram sempre investimentosde pequena monta. O trabalho braçalpara as Câmaras servia, como formade imposto, sobretudo, para a cons-trução e a reparação ocasional decaminhos. Este imposto municipal,ainda denominado serviço de fachi-nas, estivera antes sob a responsabili-dade do corpo de ordenanças. Porém,era impossível realizar através dele osenormes investimentos em infra-es-truturas de que a ilha carecia. O laborhumano era insuficiente e, mesmo osanimais de carga, quando existiam,não faziam parte do património detodas os grupos domésticos. Elesestavam muito desigualmente distri-buídos e o seu número ou ocorrênciavariavam quer consoante a riquezadas casas, quer consoante as formasde exploração e cultivo dos solos dasdiferentes freguesias da ilha. Por isso,os animais e os veículos de carga,para além de serem um auxiliar pre-cioso nas tarefas agrícolas quotidia-

nas, eram ainda um indicador do graude auto-suficiência, de conforto, decapacidade de trabalho e da riquezaque determinada casa camponesageria.Em 1878, de acordo com o censo dapopulação do mesmo ano, o concelhodas Velas totalizava cerca de 2400fogos. Em 1885, a contribuição detrabalho obrigava 1495 unidades des-critas como famílias, mas que pensa-mos dever corresponder ao conceitode fogo, a colaborar nas obras públi-cas municipais. Na base desta contri-buição estava o imperativo legal deconceder à Câmara Municipal o equi-valente a um dia de trabalho anual.Para os mais abastados esta obrigaçãopodia ser remível a dinheiro, ou serrealizada pelos seus assalariados.No QUADRO 4, apesar das 1495 famí-lias apenas recobrirem um universode cerca de 62% dos fogos do conce-lho, podemos ver como os diversosmeios de força motriz de trabalho ede transporte estavam irregularmentedistribuídos, mesmo entre as diferen-tes freguesias. Rosais, Matriz e NorteGrande, zonas de produção cerealífe-ra ou de boa aptidão pecuária, mono-polizavam os carros de bois. O difícilrelevo, o desenvolvimento dos lacti-cínios e da criação de gado nosNortes fazia desta zona a área ondepreponderavam os versáteis asinos.No lado sul, freguesias como asManadas e a Urzelina, onde a espe-

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cialização produtiva no trigo, no mi-lho e no leite era menor, viam-se me-nos servidas por estes animais e equi-pamentos.

Passando ao QUADRO 5, podemosobservar como esta distribuição entreas freguesias pouco se iria alterarcerca de 9 anos mais tarde. Em 1894,

208 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

QUADRO 4

CARROS E ANIMAIS DE CARGA E DE TRANSPORTE DECLARADOS NA MATRIZ DA CONTRIBUIÇÃO

MUNICIPAL DE TRABALHO DO CONCELHO DAS VELAS DE 1885

FONTE: Arquivo Municipal das Velas (AMV), Matriz da Contribuição de Trabalho do Concelho das Velaspara 1885.

FreguesiasFogos

em 1878Famílias

abrangidasCarros Carretas Cavalos Machos Jumentos

Santo Amaro 0252 0158 022 — 14 016 05

Santa Bárbara 0301 0118 018 — 10 009 01

São Jorge 0553 0296 060 3 11 024 08

São Mateus 0389 0187 009 — 01 011 02

Norte Grande 0467 0318 045 — 05 041 —

Rosais 0440 0231 104 — 09 — —

Total (concelho) 2402 1495 258 3 50 101 16

QUADRO 5

CARROS E ANIMAIS DE CARGA E DE TRANSPORTE DECLARADOS NA MATRIZ DA CONTRIBUIÇÃO

DE TRABALHO DO CONCELHO DAS VELAS EM 1894

Fonte: Arquivo Municipal das Velas (AMV), Matriz da Contribuição de Trabalho do Concelho das Velaspara 1894.

FreguesiasFamílias

abrangidasCarros Carretas Cavalos Machos Jumentos

Santo Amaro 0148 029 06 05 22 13

Santa Bárbara 0103 019 — 03 17 —

São Jorge 0222 038 07 06 16 04

São Mateus 0168 005 03 02 13 —

Norte Grande 0259 035 — 04 26 —

Rosais 0190 096 — 11 02 01

Total (concelho) 1090 222 16 31 96 18

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a contribuição de trabalho abrangiaainda menos famílias. O número demeios de força motriz e de transporteà disposição da Câmara das Velas era,por isso, mais baixo. As diferentesfreguesias mantinham, contudo, posi-ções bastante aproximadas, o que pa-rece sugerir a permanência do mesmomodelo de aproveitamento dos recur-sos naturais e de utilização agrícolados solos. Uma das indicações maiscuriosas a registar é a diminuição parametade do número de cavalos arro-lados. Numa altura em que se suporiaque um maior desenvolvimento e in-tensificação da agricultura levaria aoaumento do número destes animais

ela surge a contracorrente das expecta-tivas. Porém, voltando aos dados doQUADRO 3, vemos como o efectivocavalar, apesar das oscilações, só teveum crescimento continuado a partirde 1900.Nas freguesias rurais as vias de comu-nicação mais capilares eram feitaspelo colectivo dos vizinhos que seuniam e abriam os novos atalhos parauma rocha de inhames ou para umafajã, ou uma área de pastagem maislongínqua. A manutenção destes cami-nhos ficava também à guarda destegrupo e dos proprietários beneficiadoscom a sua existência. Ciclicamente,sempre que os matos avançavam so-

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QUADRO 6

VERBAS DISTRIBUÍDAS PARA AS OBRAS PÚBLICAS DA ILHA DE SÃO JORGE

NOS ANOS DE 1863-1864 A 1872-1873

FONTE: Almanaque Insulano para Açores e Madeira. Estatístico, Histórico, Literário para o ano de 1875(1874), por A. Gil e Augusto Ribeiro, 2.º ano, Angra, Tipografia da Terceira: 69.

Anos Verbas

1863-1864 3.538$239

1864-1865 4.825$965

1865-1866 4.041$170

1866-1867 4.984$350

1867-1868 6.141$450

1868-1869 6.515$630

1869-1870 9.142$850

1870-1871 14.180$042

1871-1872 10.291$542

1872-1873 12.658$868

Total 76.230$106

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bre os lugares de passagem, quandoalguma ribeira transbordava e destruíaparte do percurso, os habitantes jun-tavam-se e reconstruíam quantasvezes fosse preciso o que a fúria danatureza ou o uso continuado tornaraintransitável.Se forem tidos em atenção os núme-ros do QUADRO 6 pode ser visto queapesar de tudo, os dinheiros para obraspúblicas aumentaram muito e de umaforma contínua entre 1863-1864 e1872-1873. Contudo, numa ilha derelevo tão acidentado, seriam preci-sas quantias muito superiores paraarrancar com uma rede de estradassuficientes e cómodas. A necessidadede verbas para as vias de comunica-ção de São Jorge era muito maior queo peso político real que a ilha exerciano contexto do distrito e até no con-texto regional. Por isso, as verbasforam aumentando, sempre em atraso,à medida que nas outras ilhas maispopulosas e importantes as estradasiam sendo rasgadas e melhoradas, semque nunca se atingisse um patamarsuficiente (JOÃO, 1991: 207-211). Nasegunda metade do século XIX asboas estradas do distrito de Angraconcentravam-se, esmagadoramente,na ilha Terceira, existiam alguns tro-ços completos na Graciosa, mas fica-vam muito aquém das necessidadesna montanhosa ilha de São Jorge.Em 1895, por influência de JoséPereira da Cunha da Silveira e Sousa

Júnior, deputado nessa legislatura,chegavam verbas para a reparação ereconstrução de alguns troços. Contu-do, São Jorge continuará a queixar-seda ausência de estradas e caminhosem condições, sendo não só a ilhade relevo mais difícil como a maiscarenciada em estradas do grupo cen-tral, ficando quanto a transportes eligações por estrada ao nível das Flo-res, também ela uma ilha de relevomuito montanhoso. A Estrada Real quedevia ligar os dois concelhos, come-çando em Velas e terminando no Topo,numa extensão de mais de 60 km, nãotinha nos últimos anos do século XIXum terço construído, se fossem liga-dos todos os lanços dispersos que jáse encontravam concluídos.O caso dos Nortes pode ser conside-rado como paradigmático. Ao longodo século XIX foram os antigos ata-lhos de pé posto que serpenteavam nomeio dos pastos e dos milheirais, amaior parte deles abertos nas primei-ras décadas do século XVII, ligandoo Norte Grande ao Toledo e este àBeira, que serviam de comunicaçãoentre esta freguesia e a sede do con-celho. A demora da estrada, os seuselevados custos e as dificuldadesdecorrentes do relevo montanhoso ehúmido faziam com que os atalhospermanecessem os caminhos de comu-nicação com a vila mais rápidos; oscaminhos por onde transitavam oscarros de bois e as cavalgaduras eram

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«um continuado precipício por seremabertos em ribeiras e em lugarespantanosos. Por isso, o povo prefereaqueles atalhos jornadeando a pé,ainda que de espaço a espaço sejamcortados por valas e ribeiras que dãovazão às águas em número superior a100 até à Ribeira da Areia», últimapovoação da freguesia do NorteGrande (AVELAR, 1902: 313-314).Em 1897, João Duarte de Sousa es-crevia que «quem, por exemplo, tiverde conduzir em veículo quaisquermercadorias ou géneros entre as Ma-nadas e o Norte Grande, que se dis-tanciam em linha recta cerca de 5 km,tem de percorrer uma estrada péssimade 8 léguas de extensão» (SOUSA,1897: 129). A segunda ligação trans-versal, entre a Urzelina e o Norte deSanto António, apenas era possívelpara quem podia jornadear a pé, du-rante muitas horas, em dias de bomtempo, subindo e descendo a serra queseparava as duas vertentes da ilha.Porém, as ideias para construir umanova infra-estrutura de ligação come-çavam já a tomar corpo. Em Janeirode 1868 era lançada na sessão davereação camarária a ideia de se abrir«a transversal entre a Urzelina eSanto António, vendendo-se 25 hec-tares do baldio, demarcados na conti-guidade da mesma via». A ideia, pormuito interessante, não passaria dasboas intenções. Era preciso vendermuito mais que os 25 hectares de pas-

tagem para conseguir os meios paratão vultoso investimento. Este era im-possível de ser realizado apenas comos recursos de uma pequena Câmaratão debilitada financeiramente comoa das Velas (AMV, Actas de Verea-ções das Velas, maço 8, 1828-1890).Entre os Nortes, zona pastoril porexcelência, e Velas, principal porto dailha, não existia, portanto, uma estra-da que possibilitasse o escoamento dosprodutos em boas condições. A prin-cipal zona produtora de lacticínios(os mais destacados produtos de ex-portação da ilha), aquela que melho-res condições naturais podia oferecerao seu desenvolvimento, achou-sepois, até às primeiras décadas do sé-culo XX, sem uma estrada capaz deconduzir os seus queijos e gado aoporto das Velas, em condições regu-lares.Estas infra-estruturas, indispensáveisà modernização produtiva, à maiorintegração económica e social do ter-ritório jorgense e ao desenvolvimentodo bem-estar das populações tambémtiveram um desempenho político. Aolongo de toda a segunda metade doséculo XIX foram utilizadas comoum importante elemento de troca paragarantir a fidelidade política doseleitores e dos pequenos influenteslocais. No relatório da Junta Geral de1933, ano em que ainda se estava aconcluir o trajecto Topo-Calheta, afir-ma-se sobre as estradas da ilha que

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muitas delas «foram mal construídas,sem elementos, sem confiança nacontinuidade dos trabalhos; orçandoa medo na incredulidade de que aobra fosse dotada; influenciados pelapolítica do momento; açodadas paraligar dois povoados bem ou mal, paraaproveitar a monção dos benefíciosduma preparação pródiga de eleiçõesrenhidas, ou receosos de que o parti-do fosse cair, dum momento para ooutro e foi-se depois fazendo o que sepôde, ou o que se quis, nas estradas»

(Relatório…, 1933: 7-12). O relevo eos elevados custos a que obrigaria umprograma extenso de obras públicascapaz de dotar a ilha de boas estradasforam fazendo com que apenas seconstruíssem pequenos lanços juntodas povoações onde, tradicionalmen-te, a ilha formava unidades de povoa-mento e de contactos mais frequen-tes, ou seja, nas povoações locali-zadas perto das vilas e em zonas debaixa altitude, próximas da costa e navertente meridional.

212 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

OS TRANSPORTES MARÍTIMOS

O isolamento que caracterizava comoum todo o arquipélago, teve modu-lações particulares em cada uma dassuas ilhas. No entanto, dentro da di-versidade regional é possível obser-var traços que criam unidades, fraca-mente integradas e articuladas, dentrodo arquipélago. No século XIX, ilhascomo as Flores e o Corvo estavamsem dúvida na periferia açoriana, eeram quase um segundo arquipélago.Ilhas como a Graciosa dependiamfortemente dos mercados de Angra edo seu porto para escoar o vinho e osseus cereais, tal como o Pico estavaestreitamente articulado com a econo-mia e as infra-estruturas do vizinhoFaial; São Jorge servia de escala àpequena cabotagem do grupo central,mas o seu relevo montanhoso isolavaas populações da própria ilha sobre si

mesmas e dificultava o comércio noseu interior. Contudo, se a falta detransportes e vias de comunicação eraum constrangimento, ela não se cons-tituía num obstáculo intransponível.Apesar de todas as dificuldades, astrocas mantinham-se fortes e regu-lares e adaptavam-se aos mercadosfragmentados, às más estradas e aosmaus portos.Durante a segunda metade do séculoXIX os mares dos Açores eram tam-bém atravessados pelos navios que sedirigiam para o Brasil e para a costaleste dos Estados Unidos da América,recolhendo, legal e ilegalmente, can-didatos ao salto para outras paragens.As baleeiras norte-americanas eramoutra visita frequente no arquipélago,engajando marítimos, transportando,igualmente, inúmeros emigrantes de-

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sejosos de tentar a sua sorte por terrasdo Novo Mundo. Concentrando-se noporto da Horta estes fluxos alimenta-ram uma actividade portuária impor-tante até à década de 1880. De SãoMiguel partiam com frequência navioscom destino à Grã-Bretanha, num trá-fego que teve o seu apogeu durante asdécadas de próspera exportação delaranja, mas que se manteve após adecadência deste comércio no finalda década de 1870 (DIAS, 1996).Maus caminhos, rotas difíceis e tem-peradas por condições atmosféricasadversas não eram equivalentes auma ausência de comércio. Se o rele-vo terrestre da ilha obrigava a umaseparação e isolamento de muitoslugares e freguesias, onde tal era pos-sível o mar e os pequenos portos eenseadas mais amenas serviam deelementos de união e criavam, pelomenos durante parte do ano, umaampla rede de trocas comerciais e depassageiros, não só entre as váriaspovoações da ilha, mas até entre asvárias ilhas do grupo central e entreestas e os outros dois grupos.No arquipélago era normal a popu-lação utilizar os barcos de pequenacabotagem como meio de circulaçãointerna, especialmente nas ilhas demaior comprimento ou de relevo oro-gráfico mais difícil (CUNHA, 1981:463-529). Esta não era, porém, umaespecificidade açoriana, o mesmo trá-fego intenso de pequena cabotagem

acontecia na ilha da Madeira, ligandocom maior facilidade as várias fre-guesias entre si, assegurando tambémos transportes de pessoas e mercado-rias com a cidade do Funchal, prin-cipal centro comercial e exportador.Tal como nos Açores, neste outroarquipélago, os transportes foramuma das áreas que fez nascer os mo-dernos grupos empresariais locais(DIAS, 1996).Na periférica São Jorge a dificuldadeem circular por terra fazia com que omar fosse muito usado por pequenasembarcações que sulcavam a costada ilha, de povoação em povoação,levando bagagens e passageiros,escoando-se por esta via o grosso dasproduções agrícolas e do comérciolocal. A ilha tinha 56 km de compri-mento em linha aérea e uma extensãode costa que rondava os 115 km. Ape-sar de ser a quarta em termos de área,São Jorge era a segunda ilha em com-primento de costa, logo atrás de SãoMiguel (cf. DEPARTAMENTO REGIONAL

DE ESTUDOS E PLANEAMENTO DOS

AÇORES, 1987: 17). E, embora tenhauma costa alta e difícil, sem grandespontos de apoio e enseadas largas eprotegidas que permitem formar bonsportos, o mar tornava-se um caminhofrequente para quem queria deslocar--se entre as suas várias povoações.Um número avultado de pequenase desabrigadas enseadas, de portosrudimentares, abriam-se às comuni-

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cações logo que passavam os tempo-rais de Inverno e fechavam outra vezpor alturas do início do Outono. Masera sobretudo, a partir de finais deAbril, princípios de Maio e até finaisde Setembro, inícios de Outubro, queos mares do arquipélago eram umaestrada permanente, estabelecendo-secontactos entre as diferentes povoa-ções da ilha de São Jorge e entre po-voações de várias ilhas, num vaivémconstante de passageiros e mercado-rias. Terminada a estação bonançosatudo morria e cada lugar fechava-sesobre si próprio até ao ano seguinte.Este tráfego era mais intenso na costasul do que na costa norte. Aqui, o marmais bravio e a ausência de bonsportos impediam ligações regulares(excepção feita ao porto da fajã doOuvidor). A colocação geográfica dailha no centro de um conjunto de cin-co ilhas e o tráfego de pequena cabo-tagem entre vários pontos de SãoJorge, faziam com que os seus portose enseadas fossem pontos obrigató-rios de passagem, sendo todo o grupocentral atravessado por embarcaçõesque uniam estas ilhas tão próximas,de Maio a Setembro.Do norte de São Jorge ia-se buscarà Graciosa forragens e telha para orevestimento das casas mais abastadasou daquelas que os seus donos enri-quecidos com a emigração queriammelhorar, num intenso tráfego marí-timo que abarcava também as ilhas do

Faial e do Pico (AVELAR, 1902: 176).Dentro da ilha, os povos do Topoestabeleciam um contacto marítimoregular com a vizinha ilha Terceira,enquanto que nas Velas era comumestabelecerem-se relações com o vizi-nho concelho de São Roque do Pico,no Norte Grande com a Graciosa, ena Calheta com a freguesia da Pie-dade também no Pico.O padre Azevedo da Cunha lembrabem estes contactos quando escreveque «Houve tempo em que os moçosda Calheta procuravam esposa na fre-guesia de Nossa Senhora da Piedade,da vizinha ilha do Pico, freguesiafronteira a esta vila e afastada por 11milhas de canal. Daí uma navegaçãofrequente entre estes dois portos, che-gando os barcos deste porto a fazerviagem ao Pico, duas vezes num sódia, indo os rapazes “lá fora” só parabailar. E assim, ficou tradicional a ro-maria de algumas famílias da Calhetaà festa da Piedade que ali se celebra a8 de Setembro, indo também doutrospontos desta ilha, sucedendo que aípor 1860, se achavam amarrados aocais do Galego 14 barcos da Urzelina,Manadas, Calheta, Ribeira Seca, Fajãdos Vimes e Fajã de São João»(CUNHA, 1981: 526).Durante a estação bonançosa, SãoJorge fervilhava, portanto, com umtráfego marítimo de passageiros e demercadorias razoável para a época.O facto de estar colocada a meio do

214 Boletim do Núcleo Cultural da Horta

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grupo central acentuou o papel deinterface na distribuição do comérciomarítimo de pequena cabotagem, as-sumindo o porto das Velas um impor-tante papel a nível regional neste tipode tráfego. O contacto com as popu-lações das ilhas vizinhas também erafacilitado por esta proximidade e pelointenso tráfego de Verão que faziacom que os habitantes do grupo cen-tral fossem os açorianos que melhorse conheciam entre si. No entanto,estas eram realidades que apenasafectavam uma pequena minoria doshabitantes de São Jorge. A vastamaioria de camponeses ficava nassuas freguesias e qualquer deslocaçãoque ultrapassasse a sua ilha era umaautêntica aventura, muitas vezesapenas empreendida por aqueles queemigravam.Porém, convém ter em atenção que oisolamento que temos vindo a referiré sempre relativo: nenhum sistema éfechado, e foram as trocas precárias,incertas, difíceis mas persistentes aolongo de séculos que formaram oarquipélago. No continente português,durante o mesmo período, tambémexistiam unidades territoriais bastan-te isoladas e com um grau de auto-nomia relativamente elevado (bastacitar os muitos concelhos do interiornorte localizados em zonas de monta-nha e que no início do século XXse achavam ainda quase desprovidosdas básicas estradas de macadame).

O que as diferencia de ilhas comoSão Jorge é a continuidade física doterritório, o estarem englobadas numatotalidade nacional que lhes podiaproporcionar uma maior proximidadee maior facilidade de acesso ao centroou a outros pequenos centros que fun-cionavam como placas giratórias.Apesar de tudo eram cerca de 800milhas de mar que separavam o arqui-pélago de Lisboa; apesar de tudo sãonove bocados de terra cercados pormar, separados em três grupos deilhas. Depois, dentro de cada ilha adiversidade novamente se manifes-tava. Tentando uma metáfora pensoque podemos afirmar que em 1900, oNordeste, ainda era mais parecidocom um pequeno concelho de outrailha do grupo central, por exemploa Calheta ou Velas, do que com aRibeira Grande ou Ponta Delgada.Dentro deste quadro de constrangi-mentos eram relativamente frequen-tes as ligações entre as ilhas do grupocentral e do grupo oriental (principal-mente São Miguel). Caracterizavam--se por trocas comerciais de produtoslocais e regionais ou pela redistribui-ção de outros, vindos predominante-mente da Grã-Bretanha e de PortugalContinental. Neste comércio os prin-cipais portos e centros urbanos (Pon-ta Delgada, Angra e Horta) desempe-nhavam um papel de destaque, cen-tralizando quer as exportações, queras importações e a distribuição de

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produtos vindos do exterior, funcio-nando ao nível do arquipélago comoautênticos interfaces nas relaçõescomerciais.Se os grandes portos do arquipélagonão ofereciam boas condições para aacostagem, desembarque e embarquedos navios, os outros principais por-tos das ilhas de menor dimensão esta-vam ainda em pior situação, mesmoque, por vezes, protegidos por peque-nos cais ou pequenos molhes onde seapinhavam o gado, as mercadorias eos passageiros. Os portos de SantaCruz da Graciosa, das Lajes e daRibeirinha na ilha do Pico, das Velase da Calheta em São Jorge eram «ver-dadeiros portos de levante, nos quaisos navios têm de largar ferro ao largoda costa, comunicando-se com a terrapor meio de pequenos barcos e ca-noas a remos, algumas de exíguasdimensões, de construção frágil, semcondições de resistência» (LOUREIRO,1898: 132-133). Muitas vezes, duran-te as operações marítimas, a violênciadas ondas atirava as pequenas embar-cações contra o costado dos navios.Em outras tantas, perante o risco decomunicar com terra, o navio quasenem chegava a assentar ferros, se-guindo a sua rota normal, após perdertempo inutilmente em tentativas eesperas. As ilhas ficavam sem a suacomunicação regular com o mundoexterior. Os seus produtos permane-ciam nos armazéns, nos cais ou nas

ruas adjacentes, esperando a próximaescala do vapor, enquanto os comer-ciantes distribuíam no deve e havermais uns prejuízos causados pelotemporal. Os mais afectados pelomau tempo eram os marítimos quedurante a estação invernosa tinhamque se recolher à execução de tarefasagrícolas, ou se entregar ao fantasmada fome, da carência alimentar e dainacção.Mau grado as dificuldades as ilhasnão estavam abandonadas e eramvisíveis esforços por parte do Estadoe dos seus braços locais para tentarcompor os portos da forma possível.Se estas tentativas permitiam que ocomércio e as comunicações com oexterior se manifestassem com inten-sidade, sobretudo na estação bonan-çosa, elas revelavam-se insuficientespara deter as forças do oceano. O qua-dro não era totalmente negro, mas asdificuldades permaneceram grandes.O QUADRO 7 apresenta o mapa domovimento dos portos da ilha em1873 e é bem eloquente quanto à si-tuação do tráfego marítimo. Era níti-do o predomínio da pequena cabo-tagem, apesar de também surgiremalguns navios de proveniência estran-geira, principalmente veleiros que,eventualmente, recolheriam emigran-tes ilegais. Mas o que é mais marcante,é a enorme quantidade de embarca-ções costeiras que formavam a esma-gadora maioria do tráfego, vindo con-

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firmar o desenho que construímosatrás.O porto das Velas desde o século XVIque surge como um dos mais movi-mentados do grupo central. De acordocom os dados sobre o movimento deembarcações de pequena cabotagemno arquipélago para o período entre1893 e 1900, ele ocupava o terceirolugar a nível regional, muito abaixode Ponta Delgada e de Angra, masimediatamente antes do Cais do Pico(JOÃO, 1991: 125). Apesar deste trá-fego intenso de pequena cabotagem,o movimento do porto apenas seanimava por ocasião da escala da car-reira dos vapores da Companhia Insu-lana ou quando, já mais para o finaldo século XIX, algum navio da Amé-

rica tocava a vila para desembarcaremigrantes regressados ou receberpassageiros, pois a esmagadora maio-ria dos navios de longo curso e gran-de cabotagem ficavam, normalmente,pelos portos de Ponta Delgada, daHorta e, em menor quantidade, pelode Angra.As deslocações para o continenteforam sempre motivo de queixas porparte dos açorianos e tardaram a tor-nar-se definitivas. A primeira empre-sa a estabelecer uma carreira regularde navegação a vapor entre o conti-nente e os Açores fá-lo só em 1857.A partir dessa data e até 1865, todosos meses, um paquete da CompanhiaUnião Mercantil, partia da metrópoleem direcção ao Faial, fazendo escala

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QUADRO 7

MOVIMENTO MARÍTIMO DOS PORTOS DA ILHA DE SÃO JORGE EM 1873

FONTE: Almanaque Insulano para Açores e Madeira. Estatístico, Histórico, Literário para o ano de 1875(1874), 2.º ano, por A. Gil e Augusto Ribeiro. Angra, Tipografia da Terceira: 70.

Qualidadedas embarcações

Entradas Saídas

Nacional Estrangeiro Total Nacional Estrangeiro Total

Vapores 024 — 024 024 — 024

Barcas — — — — 1 001

Patachos — 1 001 — 1 001

Escunas 004 5 009 004 5 009

Iates 010 1 0011 010 1 011

Chalupas 004 — 004 004 — 004

Barcos costeiros 197 — 197 198 — 198

Total 239 7 246 241 8 249

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em São Miguel, Terceira, Graciosa eSão Jorge, onde somente atracava noporto das Velas.Anteriormente, os povos estavam de-pendentes das escalas irregulares dosnavios do tráfego transatlântico e debarcos do governo que cumpriam assuas funções de forma deficiente. Es-creve João Caetano de Sousa e Lacer-da, nas cartas a seu filho, onde abun-dam as queixas aos serviços postais eà companhia Bensaúde, concessio-nária dos transportes marítimos entreas ilhas e entre estas e o continentedesde 1871: «Na minha mocidade nãohavia a carreira de paquetes entre asilhas e a metrópole. Eram raríssimasas relações com Lisboa, onde muitopoucos jorgenses tinham posto ospés. Alferes Jordão era um dos raros eem quase todas as suas narrativas, quefazia com graça, metia sempre a frase– “Quando eu estive em Lisboa…”.Isto dava-lhe uma importância enor-me diante do nosso público de então.Era como se estivesse estado noutromundo» (LACERDA, 1988: 27).Em 1881 era estabelecida a carreirade dois paquetes para os Açores. Noentanto, os barcos continuavam a sófazer escala no porto das Velas, tor-nando necessário conduzir os produ-tos para exportação àquela localidade,ou enviá-los em barcos de pequenacabotagem se tal fosse possível, comum acréscimo de despesa para osprodutos oriundos do concelho da

Calheta. Apenas em 1892, começou afazer escala por este último porto opaquete Açor da Companhia Insulanade Navegação. A carreira mensal avapor torna-se então quinzenal nasVelas e mensal na Calheta, aproxi-mando mutuamente os mercadoslocais dos mercados nacionais, comuma maior penetração das importa-ções no comércio da ilha. Contudo, asqueixas em relação à fraca qualidadee aos elevados preços dos serviçosprestados pela Empresa Insulana deNavegação, propriedade da famíliaBensaúde, são constantes em toda aimprensa regional, explodindo em1896 aquando de uma das renovaçõesdo contrato. Porém, de 1871 até àI Grande Guerra este seria sucessiva-mente renovado e o subsídio actuali-zado, até terminar em 1919.As acusações não se ficavam pelaCompanhia Insulana, atingindo igual-mente os seus agentes locais. Em1902, João Caetano de Sousa e Lacer-da escrevia: «Nesta pobre terra nuncase sabe quando seja o regresso dopaquete, o que nas outras terras ésempre anunciado por um edital dorespectivo agente. Aqui nada disso,ou se faz o anúncio e é sempre falso,vindo o paquete antes ou depois dodia indicado. Os carregadores degado têm muitas vezes voltado paratrás com ele – com grandes sacrifí-cios de incómodos e despesas, ou porlhes ter sido tomado o lugar que se

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lhes prometera, ou por não vir o pa-quete no dia marcado, ou enfim portocar no porto sem demora alguma».Uns meses mais tarde, João Caetanode Sousa e Lacerda tornava à carga,referindo que o agente da Calheta eramenos zeloso que os seus equivalen-

tes de Angra e de Ponta Delgada nadefesa dos interesses dos carregado-res, mandando fazer as cargas e des-cargas sob qualquer tempo atmosfé-rico, do que resultavam prejuízos nosprodutos desembarcados (LACERDA,1988: 118-119, 148).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo destas páginas pensamoster deixado claro que o povoamento,as formas de aproveitamento dos re-cursos naturais, a sua diferente distri-buição pelos vários andares ecoló-gicos, bem como os usos agrícolas esociais do solo condicionavam a quan-tidade disponível de força motriz e detransporte. Em comunidades ruraisde recorte ainda tradicional quer ocontexto ecológico, quer as lutas emtorno da sua gestão eram importantespara perceber o que mudava e comomudava.Se por um lado vemos como houveum relativo desenvolvimento dasinfra-estruturas e as ilhas ficarammenos isoladas; por outro podemosobservar, na longa duração, que ainsularidade e o isolamento, as difi-culdades e os preços dos transportes,a escassa integração económica dasvárias parcelas entre si, e do arquipé-lago no seio do espaço nacional con-tribuíram para limitar as actividades eimprimir à economia açoriana umtom autárcico, mas sempre dependen-

te dos mercados externos e do sectorexportador (CUNHA et al., 1970: 8-9).Curiosamente, estas são palavras deum relatório datado de 1970. Recor-dando as décadas que acabámos deestudar percebemos como os cons-trangimentos estruturais que enfor-mam e permanecem nas economiasinsulares pouco pareciam ter-se alte-rado em cerca de um século. Porém,as ilhas não estiveram numa perma-nente quietude. A sua agriculturamodernizou-se e progressivamenteespecializou-se na vertente pecuária,a emigração deu um impulso consi-derável à economia, construíram-seestradas e portos um pouco por todo olado. Em 1910 vivia-se genericamen-te melhor do que em 1860 e as liga-ções das ilhas com o mundo e dassuas comunidades umas com as outrasachavam-se mais fortes. Porém, esteesforço não tinha sido suficiente paraaproximar os Açores das regiões maisricas, algumas das quais, durante operíodo, tinham crescido ainda maisdepressa e alcançado níveis mais ele-

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vados de eficiência e de bem-estar.Carlos Enes alertou num seu trabalhopara o facto das comunicações marí-timas terem sido um dos factores debloqueio ao desenvolvimento do ar-quipélago (ENES, 1994: 184). No en-tanto, interessaria explorar mais estasquestões para perceber até que pontoeram a consequência de uma econo-mia pouco integrada nas dinâmicasdo comércio internacional e mesmonacional. Não se poderiam ter boasredes de transportes se não houvesseuma volumosa quantidade de merca-dorias para trocar. Não sendo esta asituação, as poucas mercadorias exis-tentes iriam sempre sofrer com ospreços elevados que os fretes dosnavios exigiam. Para contornar umtal quadro seria necessário quer queas ilhas exportassem mais, quer queas infra-estruturas melhorassem oufossem utilizadas de forma mais efi-ciente que as suas concorrentes. Paraconseguir ambos os objectivos era ne-cessário fazer avultados investimen-tos públicos e privados. Na verdade,as exportações e as infra-estruturassempre se foram desenvolvendo, masnunca o suficiente para produzir umaalteração global de condicionalismosestruturais que não impediram umrelativo crescimento e modernização.Mas outros factores também inter-vieram.Ao caminharmos para o final doséculo XIX acentuou-se o progresso

tecnológico e a organização das redesdo sector da navegação a vapor, tendocomo consequências a crescente rapi-dez e fluidez do sistema e a maiorautonomia dos navios de longo curso.A centralidade dos Açores nas comu-nicações transatlânticas por via marí-tima foi diminuindo, tornando-se clarauma gradual periferização do arqui-pélago num século em que o espaçoeconómico nacional ganhou contor-nos mais precisos e os mercados inter-nacionais se foram estreitando e arti-culando (DIAS, 1996; JOÃO, 1991).Por volta de 1900 quer os portos arti-ficiais da Horta e de Ponta Delgada,quer a rede de faróis continuavam porterminar. Os principais pontos deescala eram menos visitados e con-corriam com outras estruturas portuá-rias que entretanto tinham sido cons-truídas. O vasto e dinâmico porto deLas Palmas, na Grã Canária, concen-trava já boa parte do tráfego quese dirigia ao Atlântico Sul (MARTÍN--HERNANDEZ, 2004). Se o arquipélagomantinha relações regulares com oscontinentes que o ladeavam, mercê dasua posição privilegiada, o seu peso eimportância eram agora menores.Não era apenas a falta de infra-estru-turas e a incapacidade em acompa-nhar as transformações do sector danavegação que fazia as ilhas fecha-rem-se sobre si próprias. O espaçoeconómico açoriano estava, nesta se-gunda metade do século XIX, ainda

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profundamente desarticulado e desin-tegrado. Por um lado, as culturas desubsistência garantiam uma enormeauto-suficiência às populações cam-ponesas que seguiam uma vida omais autárcica possível; por outro, asculturas mais intensivas e de maiorprodução eram dirigidas, principal-mente, para os mercados externos,quer se tratasse do mercado continen-tal (cereais, álcool e lacticínios) oudo estrangeiro (laranja e, mais tarde,ananás). A produção para o eventualmercado regional era fraca ou inexis-tente e reduzia-se quase a uns poucosprodutos tradicionais, presentes namaior parte das ilhas. As mercadoriasmanufacturadas continuaram a ser emgrande medida importadas. No finaldo século XIX, a economia dos Aço-res, tal como a do continente, apre-sentava-se fragmentada em múltiplosmercados locais, com um comércioque, tirando os três principais pólosurbanos, se circunscrevia à curta dis-tância e uma procura pulverizada queincentivava o pequeno trato e nãopromovia a especialização dentro dosector. Na realidade, mesmo as tenta-tivas de modernização e de incipienteindustrialização que se começarama registar nas últimas décadas doséculo XIX em São Miguel e, emmuito menor escala na Terceira, esti-veram sobretudo viradas para o exte-rior, face a um mercado interno

pequeno e bloqueador (DIAS, 1996;SOUSA, 2000 e 2004).Muito do que escrevemos sobre SãoJorge poderia ser aproveitado paracaracterizar outros concelhos açoria-nos e algumas ilhas mais periféricase acidentadas. A partir da década de1870, a população do arquipélagocomeçaria a diminuir nestes territó-rios, embora ainda não se concen-trasse de forma tão expressiva emilhas como São Miguel e Terceira, ouem centros urbanos como Ponta Del-gada ou Angra do Heroísmo.Apesar dos constrangimentos, emSão Jorge, como no resto dos Açores,os produtos, as inovações tecnoló-gicas e as novas ideias continuarama chegar. Esbarravam, é certo, numasociedade profundamente rural, ondeos contornos camponeses domina-vam. Eram trazidas pelas fracções dotopo das elites locais que, nesta ilha,permaneciam ainda terratenentes e debase tradicional, compostas por umgrupo de grandes proprietários, mor-gados e negociantes que mantinhamentre si laços estreitos; em menorgrau vinham com os emigrantes re-gressados dos Estados Unidos daAmérica, após duros anos de trabalhoe privação. A periferia impunha queas novidades chegassem com atraso,mas a insularidade se comportavauma dimensão de isolamento, abriaigualmente caminhos e novas possi-bilidades de circulação.

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FONTES

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